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ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

FILOSOFIA
“Filosofia (F.) é o uso do saber em proveito do homem. Platão observa que de nada serviria possuir a
capacidade de transformar pedras em ouro a quem não soubesse utilizar o ouro, de nada serviria uma ciência
que tornasse imortal a quem não soubesse utilizar a imortalidade, e assim por diante. É necessária, portanto,
uma ciência em que coincidam fazer e saber utilizar o que é feito, e esta ciência é a Filosofia. Segundo esse
conceito, a F. implica: posse ou aquisição de um conhecimento que seja, ao mesmo tempo, o mais válido e o
mais amplo possível; uso desse conhecimento em benefício do homem. Esses dois elementos recorrem
frequentemente nas definições de F. em épocas diversas e sob diferentes pontos de vista. São reconhecíveis, por
exemplo, na definição de Descartes, segundo a qual "esta palavra significa o estudo da sabedoria, e por
sabedoria não se entende somente a prudência nas coisas, mas um perfeito conhecimento de todas as coisas que
o homem pode conhecer, tanto para a conduta de sua vida quanto para a conservação de sua saúde e a invenção
de todas as artes". Encontram-se igualmente na definição de Hobbes, segundo a qual a F. é, por um lado, o
conhecimento causal e, por outro, a utilização desse conhecimento em benefício do homem”, bem como na de
Kant, que define o conceito cósmico da F. (o conceito que interessa necessariamente a todos os homens) como
o de "ciência da relação do conhecimento à finalidade essencial da razão humana". Essa finalidade essencial é a
"felicidade universal"; portanto, a F. "refere tudo à sabedoria, mas através da ciência". Não tem significação
diferente a definição de F. dada por Dewey, como "crítica dos valores", no sentido de "crítica das crenças, das
instituições, dos costumes, das políticas, no que se refere seu alcance sobre os bens". Estas definições (aqui
citadas apenas como exemplos) podem ser remetidas à fórmula de Platão, citada no início, cuja vantagem é
nada estabelecer sobre a natureza e os limites do saber acessível ao homem ou sobre os objetivos para os quais
ele pode ser dirigido. Portanto pode-se entender esse saber tanto como revelação ou posse quanto como
aquisição ou busca, podendo-se entender que seu uso deva orientar-se para a salvação ultraterrena ou terrena do
homem, para a aquisição de bens espirituais ou materiais, ou para a realização de retificações ou mudanças no
mundo. Portanto, essa fórmula revela-se igualmente apta a exprimir as diferentes tarefas que a F. foi assumindo
ao longo de sua história. (...) é possível distinguir os significados historicamente dados desse termo: com
relação à natureza e validade do conhecimento ao qual a F. se refere; com relação à natureza do alvo para o qual
a F. pretende dirigir o uso desse saber; com relação à natureza do procedimento que se considera próprio da
filosofia”.

I. A filosofia e o saber— O uso do saber ao qual o homem tem acesso de algum modo é, em primeiro lugar,
um juízo sobre a origem ou a validade desse saber. E a propósito do juízo sobre a validade do saber surgem
imediatamente duas alternativas fundamentais, que estabelecem a distinção entre dois tipos diferentes e opostos
de filosofia. A primeira alternativa estabelece a origem divina do saber: para o homem, ele é uma revelação ou
um dom. A segunda alternativa estabelece a origem humana do saber: ele é uma conquista ou uma produção do
homem. A primeira alternativa é a mais antiga e a mais freqüente no mundo, prevalecendo de há muito nas
filosofias orientais. A segunda alternativa surgiu na Grécia e foi herdada pela civilização ocidental.
(...)
Para a segunda alternativa, o saber é uma conquista ou uma produção do homem. O fundamento desta
concepção é que o homem é um "animal racional" e, portanto, como diz Aristóteles no início da Metafísica
"todos os homens tendem, por natureza, ao saber": "tendem" significa que não somente desejam o saber, mas
também podem obtê-lo. O saber, sob esse ponto de vista, não é privilégio ou patrimônio reservado a poucos;
qualquer um pode contribuir para sua aquisição e para seu enriquecimento, tendo, por isso, direito de julgá-lo,
aprová-lo ou rejeitá-lo. Sob esse ponto de vista, a tarefa fundamental da F. é a busca e a organização do saber.
Quando Tucídides atribui a Péricles a frase "Amamos o belo com moderação e filosofamos sem timidez",
certamente está expressando a atitude e o espírito grego, do qual nasceu a F. nesta segunda acepção do termo.
Péricles não fazia alusão a uma disciplina específica, mas à busca do saber conduzida sem compromissos
preconcebidos ou com um único compromisso de experimentar e pôr à prova toda crença possível. Neste
sentido, a F. é uma criação original do espírito grego e uma condição permanente da cultura ocidental. É um
compromisso no sentido de que qualquer investigação, em qualquer campo, deve obedecer somente às
limitações ou às normas que ela mesma reconheça como válidas em função de suas possibilidades ou de sua
eficácia em descobrir ou confirmar. Neste sentido, F. opõe-se à tradição, preconceito, mito e, em geral, à crença
infundada que os gregos chamavam de opinião. É na diferença entre opinião e ciência, entre amor à opinião e
amor à sabedoria, que Platão mais insiste ao esclarecer o conceito de Filosofia. A F. como investigação é
contraposta por Platão, por um lado, à ignorância e, por outro, à sabedoria. A ignorância é ilusão de sabedoria e
destrói o incentivo à investigação. Por outro lado, a sabedoria, que é a posse da ciência, torna inútil a
investigação: os Deuses não filosofam. A investigação é o que define o status de F. Já Heráclito dissera: "É
necessário que os homens filósofos sejam bons investigadores de muitas coisas". Enquanto investigação, a F. é
"conquista", como dizia Platão, ou esforço, como diziam os estóicos ou "atividade", como diziam os
epicuristas. Mas se a F. é o compromisso de fazer do saber investigação, condiciona o saber efetivo, que é
"conhecimento" ou "ciência". No juízo que a própria filosofia emite sobre ele, esse condicionamento pode
assumir três formas que definem três concepções fundamentais da F., a metafísica, a positivista e a crítica. Para
a primeira delas, a F. é o único saber possível, e as outras ciências, enquanto tais, coincidem com ela, são partes
dela ou preparam para ela. Para a segunda delas, o conhecimento cabe às ciências particulares, e à F. cabe
coordenar e unificar seus resultados. Para a terceira delas, F. é juízo sobre o saber, ou seja, avaliação de suas
possibilidades e de seus limites, em vista de seu uso pelo homem.

II. A filosofia e o uso do saber—Ao longo da história têm sido dadas duas interpretações fundamentais: a F. é
contemplativa e constitui uma forma de vida que é fim em si mesma; F. é ativa e constitui o instrumento de
modificação ou de correção do mundo natural ou humano. Segundo a primeira interpretação, a F. exaure-se no
indivíduo que filosofa; para a segunda interpretação, a F. transcende o indivíduo e concerne às relações com a
natureza e com os homens, portanto à vida humana social. Para usar um termo de clara significação histórica,
pode-se chamar de "iluminista" esta segunda interpretação da filosofia.

CHAUÍ, Marilena. Para que Filosofia? In: Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

“(...) nossa vida cotidiana é toda feita de crenças silenciosas, da aceitação tácita de evidências que nunca
questionamos porque nos parecem naturais, óbvias” ( CHAUÍ, 2000, p. 8).

“Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que
cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos sentimentos. Esse alguém estaria
começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica.” (CHAUÍ, 2000, p. 9).

“Como vimos, a atitude filosófica inicia-se indagando: O que é? Como é? Por que é?, dirigindo-se ao mundo
que nos rodeia e aos seres humanos que nele vivem e com ele se relacionam. São perguntas sobre a essência, a
significação ou a estrutura e a origem de todas as coisas.” (CHAUÍ, 2000, p. 13)

“Já a reflexão filosófica indaga: Por quê?, O quê?, Para quê?, dirigindo-se ao pensamento, aos seres
humanos no ato da reflexão. São perguntas sobre a capacidade e a finalidade humanas para conhecer e agir.”
(CHAUÍ, 2000, p. 13)

“A reflexão filosófica organiza-se em torno de três grandes conjuntos de perguntas ou questões:

1. Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que fazemos? Isto é, quais os
motivos, as razões e as causas para pensarmos o que pensamos, dizermos o que dizemos, fazermos o que
fazemos?

2. O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer quando falamos, o que queremos fazer
quando agimos? Isto é, qual é o conteúdo ou o sentido do que pensamos, dizemos ou fazemos?

3. Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que fazemos? Isto é, qual é a
intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e fazemos? (CHAUÍ, 2000, p. 12)”.
“Assim, uma primeira resposta à pergunta “O que é Filosofia?” poderia ser: A decisão de não aceitar como
óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa
existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido” (CHAUÍ, 2000, p. 9).

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