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NEWSLETTER #26 jan de 2021

SUMÁRIO
LEI DO ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2021 – PARTE II

1. Notas introdutórias (e comprovação das transmissões intracomunitárias)

2. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS)

2.1 Regime das mais-valias na afetação e transferência de bens imóveis

2.2 Regime das mais-valias – Preços de transferência

2.3 Deduções à coleta

2.4 Mínimo de existência

2.5 Regime do reinvestimento – Alienação de habitação própria e permanente

3. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC)

3.1 Alterações ao Código

3.2 Outras medidas

4. Benefícios fiscais

4.1 Alterações ao Estatuto dos benefícios Fiscais (EBF)


4.2 Alterações ao Código Fiscal do Investimento (CFI)

4.3 Outras medidas

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1. Notas introdutórias (e comprovação das transmissões intracomunitárias)
A presente Newsletter dá sequência à anterior, dando-se, assim, continuidade à análise das
principais alterações legislativas de âmbito fiscal promovidas pela Lei n.º 75-B/2020, de 31
de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2021 - LOE 2021), nomeadamente em
matéria impostos sobre o rendimento (IRS e IRC) e de benefícios fiscais.

Recorde-se que na Newsletter anterior (Parte I) foram abordadas as alterações em sede de


flexibilização de obrigações fiscais (acessórias e de pagamento), IVA, IMT e IMI.

As alterações legislativas em matéria fiscal constantes da LOE 2021, constam no respetivo


Título II, denominado “Disposições fiscais”, constando as referidas alterações na forma que
se segue (assinalam-se a negrito os temas tratados mais adiante nos pontos 2, 3 e 4,
respetivamente):

• Art.os 364.º a 372.º - Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares


• Art.os 373.º a 376.º - Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas
• Art.os 377.º a 383.º - Imposto sobre o Valor Acrescentado
• Art.º 384.º - Código do Imposto do Selo
• Art.os 385.º a 390.º - Impostos Especiais sobre o Consumo
• Art.º 391.º - Imposto sobre Veículos
• Art.os 392.º e 393.º - Imposto Municipal sobre Imóveis
• Art.º 394.º - Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis
• Art.º 395.º - Imposto Único de Circulação
• Art.os 396.º a 402.º - Benefícios Fiscais
• Art.os 403.º a 419.º - Outras disposições de caráter fiscal

Embora nada tenha a ver com o presente tema, por se tratar de um dos assuntos mais
controversos surgido no ano passado (com a entrada em vigor, em 01-01-2020, do
Regulamento de Execução n.º 2018/1912, de 04-12-2018, que altera o Regulamento de
Execução n.º 282/2011) e que mais dúvidas terá gerado aos contabilistas e auditores, não
poderíamos deixar de aludir à publicação do Ofício Circulado n.º 30231, de 28-01-2021,
intitulado: “IVA – Isenção das Transmissões Intracomunitárias de Bens; Condições de
aplicação da isenção; Complemento aos ofícios circulados n.ºs 30218 e 30225, de 3 de
fevereiro e 2 de outubro, respetivamente.”.

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Está em causa uma matéria relevantíssima, relacionada com a prova do transporte nas
transmissões intracomunitárias de bens (prova da saída física dos bens do território nacional
para outro Estado Membro da UE), condição necessária para a aplicação da isenção prevista
na alínea a) do n.º 1 do art.º 14.º do RITI.

Na Newsletter de julho de 2020 foi abordado exaustivamente este tema e aí foi defendido,
além do mais, que:

«O alcance da referida segurança jurídica é efetuado com o recuso à figura da


presunção legal, conforme é referido na própria instrução administrativa da AT.
Efetivamente, a reunião dos requisitos documentais supra mencionados assentam
numa premissa fundamental: visam que o sujeito passivo goze de uma presunção
legal de que os bens foram efetivamente expedidos, facto que lhe transmite uma
maior segurança e certeza jurídica na aplicação do benefício da isenção, sem
prejuízo, no entanto, da possibilidade da sua ilisão por parte da AT.

No entanto, conforme de refere nas “notas explicativas” das Quick Fixes 2020 não
é possível aplicar a presunção no sentido inverso, ou seja, o facto de as condições
da presunção não estarem preenchidas não significa automaticamente que a
isenção da transmissão intracomunitária de bens não se aplique.

Neste caso, cabe ao fornecedor provar, a contento das autoridades fiscais, que as
condições para a isenção (incluindo o transporte) estão preenchidas. Por outras
palavras, quando a presunção não se aplica, a situação continua a ser igual à
situação anterior à entrada em vigor do artigo 45.º-A do REIVA.

Assim, estranhamos que o Ofício Circulado n.º 30218, de 03-02-2020 tenha


procedido à revogação, sem mais, do Ofício Circulado n.º 30009, de 10-12-1999,
da Direção de Serviços do IVA, cujo teor continua, salvo melhor opinião, a servir
de referência para meios alternativos de prova numa circunstância em que não é
possível ao sujeito passivo beneficiar da referida presunção.

Recorde-se que aquela instrução, agora revogada, referia que:

“(…) perante a falta de norma que, na legislação do IVA, indique expressamente


os meios considerados idóneos para comprovar a verificação dos pressupostos
da isenção prevista na alínea a) do artigo 14º do RITI, será de admitir que a prova
da saída dos bens do território nacional possa ser efetuada recorrendo aos meios
gerais de prova, nomeadamente através das seguintes possibilidades alternativas:

• os documentos comprovativos do transporte, os quais, consoante o


mesmo seja rodoviário, aéreo ou marítimo, poderão ser, respetivamente, a

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declaração de expedição (CMR), a carta de porte ("Airwaybil I"-AWB) ou o
conhecimento de embarque ("Bill of landing"-B/L);
• os contratos de transporte celebrados;
• as faturas das empresas transportadoras;
• as guias de remessa; ou -a declaração, no Estado membro de destino dos
bens, por parte do respetivo adquirente, de aí ter efetuado a
correspondente aquisição intracomunitária. (…)”

Assim, quando o sujeito passivo goza da presunção, por reunir os meios de prova
elencados, aufere uma maior segurança jurídica, pois terá de ser a AT a reunir
meios de prova que demonstrem que as mercadorias não saíram de território
nacional, invertendo assim o ónus de prova, nisso se materializando a segurança
jurídica que referimos e que constitui o propósito desta norma.

Chegados aqui, coloca-se a seguinte questão: o que sucede se o fornecedor ou o


adquirente efetuar o transporte utilizando meios de transporte próprios?

Neste caso, a nosso ver, a presunção legal não se aplica, uma vez que não está
preenchido o requisito estabelecido no artigo 45.º-A, n.º 1, alíneas a) e b),
subalínea ii), do Regulamento de Execução, em relação aos elementos de prova
não contraditórios a emitir por duas partes diferentes, independentes entre si, do
vendedor e do adquirente.

No entanto, como referimos anteriormente, o facto de as condições para o


enquadramento num dos casos definidos no artigo 45.º-A, n.º 1, alíneas a) ou b),
do REIVA, não estarem preenchidas, não significa automaticamente que a
isenção do artigo 138.º da Diretiva IVA e do art.º 14.º do RITI não se aplique.

Caberá ao fornecedor provar, a contento das autoridades fiscais, com os meios


que possui à sua disposição, como poderá ser a declaração do cliente com a
informação supra retratada e indicação da matrícula da viatura que transportou os
bens, uma guia de remessa assinada por este, meios de pagamento, entre outros
meios de prova, que as condições para a isenção em causa se encontram
preenchidas.»

Pois bem, vem agora a AT defender precisamente aquele que já era (e sempre foi) o nosso
entendimento, ou seja, o de que os meios de prova não se esgotam naqueles que se
encontram expressamente previstos no Regulamento de Execução.

Com efeito, refere-se nos dois últimos pontos do Ofício Circulado n.º 30231, o seguinte:

“8. No entanto, o artigo 45.º-A do Regulamento não determina que a expedição ou


o transporte só possam ser objeto de prova ou demonstração na forma nele

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prescrita. Continuam, assim, a poder ser utilizados os meios gerais de prova
admissíveis em direito, a ser objeto de apreciação e valoração na análise global
da prova e dos elementos da operação. O valor dos meios de prova de que o
sujeito passivo disponha não fica excluído ou desqualificado pelo facto de não
poderem integrar a presunção.

9. De qualquer forma, não deixa de ser do interesse do sujeito passivo munir-se


dos meios de prova elencados e poder beneficiar da presunção daí resultante,
pois, nesse caso, considera-se provado a expedição ou o transporte
intracomunitário, ficando assim satisfeito o ónus da prova que sobre ele recai com
maior certeza e segurança jurídicas.”

Naturalmente que nos congratulamos com esta tomada de posição, já que o anterior Ofício
Circulado nada acrescentava, limitando-se a transcrever o que já constava no Regulamento
de Execução, merecendo-nos apenas, a propósito da estranheza que anteriormente
manifestámos com a revogação do Ofício Circulado n.º 30009, de 10-12-1999, o seguinte
comentário: Face a este novo entendimento, não deveria ser repristinado o referido Ofício
Circulado?

É que, em bom rigor, o mesmo mantém-se perfeitamente atual, indo precisamente no sentido
do “novo” entendimento, supra descrito, com a vantagem de o complementar com exemplos
concretos de documentação pertinente para o efeito, justificando-se, assim, salvo melhor
opinião, a sua manutenção.

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2. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS)

2.1 Regime das mais-valias na afetação e transferência de bens imóveis

Estamos na presença de uma das principais alterações em matéria de legislação fiscal


promovidas pela LOE 2021, visando a simplificação do regime das mais-valias sempre que
ocorra uma afetação do imóvel do património particular ao património empresarial ou
profissional e/ou a sua posterior desafetação do património empresarial e consequente
transferência para património particular do empresário.

Neste âmbito, a LOE 2021 promove 14 alterações em 6 artigos do Código do IRS (1) na forma
que se sintetiza de seguida:

O tratamento em sede de IRS destes factos tem vindo a ser alvo de sucessivas e pontuais
alterações legislativas, traduzindo uma atitude algo reativa por parte do legislador ao
crescimento acentuado da atividade do alojamento local, atividade que, à semelhança do que
sucede com outras, mas com especial enfoque nesta, assiste, no momento atual, a uma clara
contração que conduz a que muitos desses imóveis regressem à esfera particular do
empresário, afetando-os, nomeadamente, ao mercado de arrendamento, com a consequente
cessação da atividade empresarial.

Interessa, assim, fazer uma retrospetiva da evolução legislativa nesta matéria para melhor se
perceberem as alterações agora introduzidas e as disposições transitórias que as

(1) Na nossa opinião ficou ainda por ajustar a redação do art.º 44.º, n.º 1, alínea c).

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acompanham.

De acordo com a anterior redação do art.º 10.º, n.º 3, alínea b), no caso concreto de afetação
de “quaisquer bens” (2), nomeadamente de um bem imóvel, da esfera particular à atividade
empresarial (categoria B) ocorre, desde logo, o facto gerador de IRS, ficcionando-se uma
mais-valia a tributar em sede de categoria G.

A tributação deste ganho fica, no entanto, suspensa até se verificar uma de duas situações:

i. A ulterior alienação onerosa dos bens em causa (a um terceiro);

ou
ii. A ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições
análogas (como será o caso de restituição de um prédio ao património particular do
empresário, por exemplo, por via da cessação da atividade na categoria B).

No caso de se verificar, a posteriori, a transferência do imóvel do património


empresarial/profissional ao património particular, teremos uma outra mais-valia sujeita a IRS,
agora no âmbito da categoria B, nos termos da anterior redação do art.º 3.º, n.º 2, alínea c),
aplicando-se as respetivas regras de tributação em função do regime de enquadramento
(regime simplificado ou regime da contabilidade).

No anterior regime, agora alterado, assumia particular relevo o conceito indeterminado, muito
contestado pelos contribuintes, de “valor de mercado” (3). Efetivamente, no cálculo das
referidas mais valias (ficcionadas) tinha-se em linha de conta o valor de mercado à data da
afetação à atividade empresarial, que se assumia como o valor de realização da categoria G
[art.º 44.º, n.º 1, alínea c)] e valor de aquisição na categoria B (art.º 29.º, n.º 2), assim como
o valor de mercado à data da transferência para a esfera particular, que constituía o valor de
realização na mais-valia a apurar na categoria B (art.º 29.º, n.º 3) e valor de aquisição
aquando do (re)ingresso na esfera particular (art.º 47.º).

Com a LOE 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28-12) foi aditado o n.º 9 ao art.º 3.º (agora revogado),

(2) O termo “quaisquer”, abarcando não só bens imóveis como também bens móveis, foi aditada pela Lei n.º 30-
G/2000, de 29-12, diploma que procedeu, entre outras alterações, a alterações profundas ao nível do IRS.
(3) Recorde-se que, à luz do n.º 4 do art.º 29.º, o valor de mercado a que se referem os números anteriores daquele
articulado, atribuído pelo sujeito passivo no momento da afetação ou da transferência dos bens, pode ser objeto
de correção sempre que a AT considere, fundamentadamente, que o mesmo não corresponde ao que seria
praticado entre pessoas independentes.

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à luz do qual deixou de configurar uma transferência para o património particular do
empresário, com a consequente ficção de uma mais-valia imobiliária tributada em IRS como
rendimento da categoria B, a afetação de bem imóvel habitacional (conforme definição
estatuída no artigo 6.º, n.º 2 do Código do IMI) à obtenção de rendimentos da categoria F,
deixando, no entanto, de fora os restantes bens imóveis.

No entanto, ainda permanecia uma lacuna sobre o tratamento a dar à mais-valia gerada em
sede de categoria G, pela referida afetação à esfera empresarial, que ainda se encontrava
suspensa.

Nesse sentido, a LOE 2018 (Lei n.º 114/2017, de 29-12) alterou o art.º 10.º, n.º 3, alínea b),
passando a considerar que, nos casos de afetação de quaisquer bens do património particular
a atividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera
obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de
outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas, “exceto no
caso de restituição ao património particular de imóvel habitacional que seja afeto a obtenção
de rendimentos da categoria F, mantendo-se o diferimento da tributação do ganho enquanto
o imóvel mantiver aquela afetação” (aditamento da parte sublinhada).

Por via da alteração efetuada ao n.º 9 do art.º 3.º pela LOE 2020, clarificou-se que a afetação
do bem imóvel habitacional à esfera particular, circunscrita à obtenção de rendimentos da
categoria F, como condição da exclusão da sua consideração como mais-valia, deveria ser
imediata, dado que até aí não estava definido, em concreto, o prazo para a referida afetação.

Entretanto, a LOE 2020 ainda aditou do n.º 15 ao art.º 10.º, de acordo com o qual:

“Em caso de restituição ao património particular de imóvel habitacional que seja


afeto à obtenção de rendimentos da categoria F, não há lugar à tributação de
qualquer ganho, se em resultado dessa afetação o imóvel gerar rendimentos
durante cinco anos consecutivos.”

Ou seja, nestes casos, deixava de existir um mero diferimento da tributação da mais valia
(suspensa) da categoria G, previsto na parte final da alínea b), n.º 3, art.º 10.º (anteriormente
referenciada), passando, de acordo com a LOE 2020, a não existir qualquer tributação da
mais-valia se o imóvel gerar rendimentos prediais durante 5 anos consecutivos (isto é, o
diferimento da tributação da mais-valia convertia-se, após 5 anos, numa não tributação em
definitivo da mesma).

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Assim, cumpridos os pressupostos previstos nos art.os 3.º e 10.º (na redação anterior àquela
que é aqui analisada), não se consumaria a tributação das mais-valias de imóvel habitacional,
seja na esfera da categoria G (afetação ao património empresarial), seja também na esfera
da categoria B (regresso à esfera particular).

Aqui chegados, debruçar-nos-emos sobre o alcance das alterações legislativas em referência


que, em síntese, visam a simplificação do regime.

Assim, a afetação dos imóveis à atividade empresarial/profissional, independentemente do


tipo de imóveis em questão, ou a sua transferência para a esfera particular, deixam de ser
operações assimiladas a transmissões onerosas pelo que, deixam de constituir factos
geradores de mais-valias, pelo que o facto gerador da mais valia apenas se consuma com a
alienação do imóvel a um terceiro, subsistindo o anterior regime apenas para os bens móveis.

Consequentemente, é revogada a disposição de não tributação na categoria B da


transferência para o património particular do empresário de bem imóvel habitacional que seja
imediatamente afeto à obtenção de rendimentos da categoria F, sendo igualmente revogada
a disposição de diferimento da tributação como mais-valia na categoria G da transferência
para a atividade empresarial ou profissional do sujeito passivo no caso de bem imóvel
habitacional que fosse restituído ao património particular do empresário para ser afeto à
obtenção de rendimentos da categoria F, enquanto o imóvel mantivesse aquela afetação.

Na medida em que a afetação/transferência dos imóveis deixam de gerar mais-valias,


desaparece o conceito de “valor de mercado” que visava o cálculo das referidas mais-valias.

Assim, aquando da alienação do imóvel a um terceiro, gerando uma mais-valia da categoria


B ou da categoria G, tem-se como referência o valor de aquisição originário, nos termos do
art.os 45.º ou 46.º.

Não obstante, chamamos a atenção para a disposição transitória contida no art.º 369.º da
LOE 2021, à luz da qual:

• Às mais-valias que se encontram suspensas de tributação, por força da aplicação da


alínea b) do n.º 3 do art.º 10.º e do n.º 9 do art.º 3.º, aplica -se o novo regime de
tributação, aprovado pela presente lei.
• Os sujeitos passivos que tenham, à data de 01-01-2021, bens imóveis afetos à
atividade empresarial e profissional podem optar pelo regime anterior de apuramento
de mais–valias e menos-valias decorrentes da afetação de bens imóveis, devendo

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indicar essa opção na declaração de rendimentos relativa ao ano de 2021, bem como
identificar os imóveis afetos à atividade empresarial e profissional e a data da sua
afetação.

O legislador decidiu, no entanto, incluir algumas normas anti abuso visando evitar algumas
vantagens fiscais injustificadas.

De acordo com o n.º 16 do art.º 10.º, agora aditado, os ganhos obtidos com a alienação
onerosa de direitos reais sobre bens imóveis que tenham estado afetos à atividade
empresarial e profissional, são tributados de acordo com as regras da categoria B caso a
alienação ocorra antes de decorridos três anos após a sua transferência para o património
particular do sujeito passivo.

Por exemplo, se um sujeito passivo de IRS que explore um imóvel em regime de alojamento
local decidir cessar a atividade, afetando o imóvel à sua esfera particular, caso o transmita
dentro dos três anos seguintes, a mais valia apurada ainda será apurada de acordo com as
regras da categoria B, à luz, a nosso ver, do regime de enquadramento vigente aquando da
cessação de atividade. Visou aqui o legislador evitar que, por via da simples cessação de
atividade e posterior venda do imóvel, o sujeito passivo convertesse uma mais-valia tributada
à luz das regras da categoria B para um ganho tributado pelas regras da categoria G,
constituindo uma norma idêntica à do n.º 3 do art.º 38.º no que se refere à entrada de
património para a realização do capital social.

Claro está, caso a alienação do imóvel ocorra depois dos referidos três anos, o ganho
subjacente será qualificado como uma mais-valia da categoria G.

No entanto, ao desaparecer a distinção entre a esfera particular e a esfera empresarial no


que se refere à transferência de bens imóveis, e tomando como referência no apuramento da
mais-valia o seu valor de aquisição, faltava salvaguardar situações em que os imóveis
originaram gastos fiscais dedutíveis, ao nível de depreciações e imparidades, durante o
período em que o imóvel esteve afeto à categoria B, sob pena de os referidos gastos serem
considerados em duplicado, uma vez que na venda se tem em conta o valor de aquisição.

Nessa medida, dispõe o n.º 10 do art.º 3.º, agora aditado, que, no caso de transferência para
o património particular do sujeito passivo de bens imóveis que tenham estado afetos à sua
atividade empresarial e profissional com determinação dos rendimentos com base na
contabilidade, quando tenham sido praticadas depreciações ou imparidades, os
correspondentes gastos fiscalmente aceites durante o período em que o imóvel esteve afeto

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à atividade devem ser acrescidos, em frações iguais, ao rendimento do ano em que ocorra a
transferência e em cada um dos três anos seguintes.

Ao contrário do que estava previsto na Proposta de LOE 2021, o legislador apenas dirige esta
imposição aos sujeitos passivos enquadrados no regime da contabilidade, não se aplicando
às situações em que o imóvel esteve afeto, exclusivamente, à atividade profissional no âmbito
do regime simplificado.

A título de exemplo, imagine-se um sujeito passivo que havia adquirido um imóvel por €
100.000, afetando-o à atividade de alojamento local, no âmbito da categoria B, enquadrado
no regime da contabilidade, período durante o qual procedeu a depreciações fiscalmente
dedutíveis de € 20.000.

No ano “n” cessou a atividade, transferindo, consequentemente, o imóvel para a sua esfera
particular, tendo vindo a aliená-lo, por € 150.000, durante o ano “n+2”. Consequentemente,
procedeu ao acréscimo dos rendimentos no valor de € 5.000 em “n” e “n+1”, no total de €
10.000, sendo que a venda do imóvel, como foi efetuada dentro do prazo de 3 anos, gera um
rendimento da categoria B.

No entanto, por via do n.º 11 do art.º 3.º, agora aditado, o montante total apurado nos termos
referidos (€ 10.000 no exemplo apresentado) acresce ao valor de aquisição para a
determinação de quaisquer mais-valias sujeitas a imposto, no âmbito, em nossa opinião, da
categoria B. Efetivamente, caso isso não sucedesse, registava-se uma penalização
injustificada, dado que aquele montante já foi tributado por via do referido acréscimo, pelo
que, a mais-valia, ignorando a correção monetária, seria de € 60.000 [€ 150.000 - (€ 100.000
- € 20.000 + € 10.000)], onde € 90.000 corresponde ao “valor fiscal” do imóvel, uma vez que
os € 10.000 de depreciações fiscais já foram repostas por via da sua tributação.

Somos, ainda, confrontados com o adiamento do n.º 3 ao art.º 51.º, à luz do qual, para efeitos
de mais-valias sujeitas a IRS, apuradas no âmbito da categoria G (aplicável, recorde-se, caso
o imóvel seja alienado depois de 3 anos após a sua transferência para a esfera particular),
não são considerados os encargos com a valorização de bens imóveis que tenham sido
realizados durante o período em que permaneceram afetos à atividade empresarial e
profissional.

Parece-nos, salvo melhor opinião, que esta norma necessitará de ser revista face às injustiças
que potencialmente causará.

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Efetivamente, percebe-se o seu alcance no caso de imóveis que estiveram afetos à atividade
empresarial ou profissional, no âmbito do regime simplificado de tributação ou no caso da
ocorrência de despesas contabilizadas diretamente como gastos no âmbito do regime da
contabilidade.

Mas, já não se percebe, a nosso ver, no caso de obras realizadas no imóvel, contabilizadas
na conta 43, cujas depreciações já foram sujeitas à tributação nos termos supramencionadas,
não sendo agora tidas em consideração no apuramento da mais valia na categoria G, que
tem como referência o valor de aquisição originário determinado nos termos dos art.os 45.º ou
46.º.

2.2 Regime das mais-valias – Preços de transferência

Foi aditado o n.º 7 ao art.º 43.º, introduzindo-se uma norma anti abuso em matéria de
apuramento das mais-valias, sejam elas mobiliárias ou imobiliárias, de acordo com a qual
para o seu apuramento, no âmbito de operações entre um sujeito passivo e uma entidade
com qual esteja numa situação de relações especiais, nos termos do n.º 4 do art.º 63.º do
Código do IRC, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições
substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados
entre entidades independentes em operações comparáveis, aplicando-se o regime previsto
no art.º 63.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.

Assim, passa a aplicar-se às mais(menos)-valias da categoria G o regime dos preços de


transferência.

Não obstante, recorde-se que o código do IRS já dispunha, mantendo-se inalteradas, normas
anti abuso em matéria de determinação do valor de realização no cálculo das mais-valias da
categoria G, como sucede com o n.º 2 do art.º 44.º (aplicável a mais-valias imobiliárias) e com
o art.º 52.º do CIRS (aplicável às mais-valias em geral).

A primeira refere-se à aplicação do Valor Patrimonial Tributário (VPT) como valor de


referência para a determinação do valor de realização. A segunda estipula que, quando a AT
considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real
da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação.

Neste último caso, nos termos dos n.os 2 e 3 do art.º 52.º, se a referida divergência recair
sobre o valor de alienação de ações ou outros valores mobiliários, presume-se que: i) estando
cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o da respetiva cotação à data da

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transmissão ou, em caso de desconhecimento desta, o da maior cotação no ano a que a
mesma se reporta; ii) não estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o que
lhe corresponder, apurado com base no último balanço. Quando se trate de quotas, presume-
se que o valor de alienação é o que àquelas corresponda, apurado com base no último
balanço.

Ainda assim, suscita-se a dúvida, no caso concreto das mais(menos)-valias de partes de


capital, reunidos cumulativamente os pressupostos de ambos os regimes (antigo e novo),
sobre qual das duas disposições será aplicável. Da nossa parte, inclinamo-nos para a
aplicação desta última disposição legal, e não da norma aditada, tendo em conta que aquela
(n.os 2 e 3) é especialmente aplicável a mais-valias de partes de capital (se bem que a norma
aditada seja também ela uma norma especial, embora de aplicação mais genérica).

Ainda se equacionou o cenário de revogação do art.º 52.º, face ao aditamento do n.º 7 ao


art.º 43.º, para evitar a dúvida acima suscitada, contudo afastou-se essa tese na medida em
que o art.º 52.º tem um âmbito de aplicação mais vasto, extravasando os casos em que
existem relações especiais nos termos do Código do IRC, situações em que poderá ter
ocorrido, também, manipulação de preços.

Quanto à norma aditada e aos objetivos visados pela mesma, cumpre referir que há
jurisprudência, nomeadamente do CAAD, onde se defende que o regime dos preços de
transferência apenas é (era) aplicável ao IRS no âmbito da esfera empresarial, ou seja, no
âmbito da categoria B e não da categoria G.

2.3 Deduções à coleta

Em matéria de deduções à coleta do IRS, por via do aditamento da alínea f) ao n.º 1 do art.º
78.º-F (dedução pela exigência da fatura), passa a ser dedutível o montante de 15% do IVA
suportado em atividades inseridas na Secção P, classe 85510 (Ensinos desportivo e
recreativo) e Secção R, classes 93120 (Atividades dos clubes desportivos) e 93130
(atividades de ginásio – fitness).

Ainda neste âmbito, no que se refere ao caso concreto da aquisição de medicamentos de uso
veterinário, incluído, por via do n.º 6 do referido artigo, nas atividades veterinárias, a
correspondente dedução à coleta passa de 15% para 22,5% do IVA suportado por qualquer
membro do agregado familiar.

Recorde-se que aquelas deduções têm como limite global de € 250 por agregado familiar, em

14
conjunto com as despesas nos setores das reparações de automóveis e motociclos,
alojamento e restauração e cabeleireiros.

Por sua vez, o art.º 366.º da LOE 2021 prevê que, para o presente ano, os valores com a
aquisição de máscaras de proteção respiratória e de gel desinfetante cutâneo sejam
considerados como despesas de saúde, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º-
C, enquanto a sua transmissão estiver sujeita à taxa reduzida do IVA.

2.4 Mínimo de existência

De acordo com o art.º 367.º da LOE 2021, no IRS a liquidar no ano de 2021, relativo aos
rendimentos auferidos em 2020, acrescem € 100 ao valor a que se refere o n.º 1 do art.º 70.º,
retomando-se no IRS relativo ao ano de 2021 a aplicação da fórmula que consta do referido
artigo.

2.5 Regime do reinvestimento – Alienação de habitação própria e permanente

Com a LOE 2019 foi criada uma nova possibilidade de exclusão de tributação das mais-valias
obtidas com a alienação de habitação própria e permanente, passando a mesma a ser
aplicável desde que, cumulativamente, se verifiquem as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a


aquisição do imóvel e, se aplicável, do reinvestimento previsto na alínea a) do n.º 5, seja
utilizado para a aquisição de um contrato de seguro ou de uma adesão individual a um fundo
de pensões aberto, ou ainda para contribuição para o regime público de capitalização;

b) O sujeito passivo ou o respetivo cônjuge, na data da transmissão do imóvel, se encontre,


comprovadamente, em situação de reforma, ou tenha, pelo menos, 65 anos de idade;

c) A aquisição do contrato de seguro, a adesão individual a um fundo de pensões aberto ou


a contribuição para o regime público de capitalização seja efetuada nos seis meses
posteriores contados da data de realização;

d) Sendo o investimento realizado por aquisição de contrato de seguro ou da adesão


individual a um fundo de pensões aberto, estes visem, exclusivamente, proporcionar ao
adquirente ou ao respetivo cônjuge, uma prestação regular periódica, de montante máximo
anual igual a 7,5 % do valor investido;

e) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial,


mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da

15
alienação.

No n.º 8 do referido artigo, refere-se, ainda, que não há lugar ao benefício em causa se o
reinvestimento não for efetuado no prazo de 6 meses, ou se, em qualquer ano, o valor das
prestações recebidas ultrapassar o limite anual de 7,5 % do valor investido, sendo esse ganho
objeto de tributação no ano em que se conclua o prazo para reinvestimento, ou em que seja
ultrapassado o referido limite, respetivamente.

Com a LOE 2021 são clarificados alguns aspetos sobre esta modalidade de reinvestimento
que se sintetizam de seguida:

i. Por via da alteração à referida alínea a), clarifica-se que o referido reinvestimento se
aplica a um ou mais dos produtos elencados (alteração com natureza interpretativa);

ii. No elenco dos produtos a que se referem as alíneas a), c) e d), precisa-se que o
contrato de seguro financeiro deverá ser do ramo vida (alteração com natureza
interpretativa);

iii. Clarifica-se, por via da alteração das alíneas b) e d), que o âmbito subjetivo da norma
se estende aos unidos de facto (alteração com natureza interpretativa);

iv. Por via da alteração à referida alínea d), adiciona-se um novo requisito no que se
refere à natureza prestação regular periódica, ou seja, a de que mesma tenha uma
duração superior ou igual a 10 anos, sendo que a sua interrupção passa a ser um
fator de exclusão por via da alteração do n.º 8 (alteração com caráter inovador).

16
3. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC)

As alterações em sede de IRC, presentes na LOE 2021, estão concentradas nos artigos 373.º
(Alteração ao Código do IRC), 374.º (Suspensão dos pagamentos por conta) e 375.º
(Disposição transitória IRC).

Nos tópicos seguintes serão apresentadas as referidas alterações, agregando-se num único
tópico, denominado “Outras alterações”, as duas alterações referidas em último lugar.

3.1 Alterações ao Código

O art.º 373.º da LOE 2021 altera os artigos 3.º, 5.º, 88.º e 126.º do Código do IRC.

Quanto à alteração aos artigos 3.º e 5.º, estão relacionadas com a figura do Estabelecimento
Estável (EE) em sede de IRC, alargando-se, respetivamente, a base do imposto, bem como
a própria noção de EE, tratando-se de uma das alterações mais emblemáticas das que se
encontram previstas na LOE 2021.

As duas restantes alterações prendem-se com as tributações autónomas (art.º 88.º), visando
as viaturas plug-in, e com a representação de entidades não residentes (art.º 126.º), embora
neste caso apenas se altere a remissão que aí era feita para o art.º 5.º, fruto das presentes
alterações processadas a este artigo que obrigaram a uma renumeração, pelo que nada
mudou do ponto de vista substancial quanto a este tema.

• Estabelecimento estável (artigos 3.º e 5.º)

Relativamente a estas alterações, afigura-se que a melhor forma de as explicitar é colocar a


nova redação do normativo, sublinhando as alterações (aditamentos) efetuadas.

Começando pela alteração ao n.º 3 do art.º 3 (“Base do imposto”), que contém o denominado
“princípio da atração ao EE”, passou a decompor-se em duas alíneas, passando a figurar na
alínea b) aquilo que já constava na parte final da norma, correspondendo o atual corpo do n.º
3 àquilo que já constava na sua parte inicial.

A novidade é, então, o aditamento da alínea a), passando a ser considerados imputáveis a


EE, os seguintes rendimentos:

“Rendimentos derivados da venda a pessoas ou entidades com residência, sede


ou direção efetiva em território português de bens ou mercadorias idênticos ou
similares aos vendidos através desse estabelecimento estável;”

17
Já quanto à (profunda) alteração ao art.º 5.º, cuja epígrafe é “Estabelecimento estável”, tendo
em conta a magnitude das alterações, torna-se manifestamente impossível explicá-las, com
o detalhe necessário, neste âmbito, razão pela qual no próximo mês de fevereiro (Newsletter
n.º 27) iremos voltar a tratar este assunto, relacionado com a tributação dos EE, começando-
se por enquadrar o tema, aludir às principais normas especificamente aplicáveis em sede de
IRC, presentes, quer no respetivo Código, quer nas Convenções para evitar a Dupla
Tributação (CDT), para, depois, focarmos as alterações legislativas processadas pela LOE
2021, não apenas ao art.º 5.º, como também ao art.º 3.º (tenciona-se incluir um capítulo
dedicado ao IVA, pois, também aqui, o conceito de EE assume alguma relevância).

Por ora, deixa-se apenas uma súmula das alterações processadas ao art.º 5.º:

ü Quanto às alterações ao n.º 3 (extensão do conceito de EE), verifica-se uma cisão da


anterior redação em duas alíneas [a) e b)], sendo aditada uma nova situação
anteriormente não prevista, constante na nova alínea c), relacionada com atividades de
prestação de serviços, incluindo serviços de consultoria. Quanto às instalações,
plataformas ou navios utilizados na prospeção ou exploração de recursos naturais, que
antes constavam na parte final da norma e agora contam na alínea b), passam a constituir
um EE quando a duração da sua atividade exceder 90 dias (era 6 meses).

ü Relativamente às alterações ao n.º 6, relacionado com a figura do agente não


independente (como constituindo um EE da entidade representada), passam a existir 3
alíneas, correspondendo a alínea a) àquilo que já se encontrava consagrado na lei,
embora se tenham acrescentado 3 novas subalíneas (com exemplos de situações
abrangidas). As restantes duas alíneas, aditadas, têm um conteúdo inovador,
especialmente a alínea c), aludindo-se aqui à manutenção de um depósito de bens ou
mercadorias para entrega desses bens ou mercadorias em nome da empresa, ainda que
o agente não celebre habitualmente contratos relativamente a esses bens ou
mercadorias, nem tenha qualquer intervenção na celebração desses contratos.

ü Paralelamente, alteram-se as duas primeiras alíneas do n.º 8, norma cujo objetivo é


restringir o conceito de EE quando nas instalações em causa apenas são realizadas
atividades preparatórias ou auxiliares, passando a limitar-se o âmbito de aplicação
dessas alíneas [a) e b)] ao retirar-se, em ambas, a palavra “entregar”, ou seja, apenas
não existe EE quando as instalações ou o depósito sejam utilizados para armazenar ou

18
expor as mercadorias (e já não para as entregar, ou seja, esta alteração está relacionada
com a anterior, relacionada com o aditamento da alínea c) ao n.º 6).

ü Finalmente, foram aditados dois novos números (n.os 9 e 10) ao art.º 5.º, introduzindo-se
um novo conceito, o de “empresa estreitamente relacionada”, pretendendo-se também
aqui, tal como em todas as alterações anteriores, alargar a noção de EE (fruto deste
aditamento, o anterior n.º 9 passou a constituir o n.º 11).

Para já, deixa-se apenas uma visão global das alterações, retomando-se este tema,
estruturante em sede de IRC, no que toca à tributação de não residentes, conforme já
referido, na próxima Newsletter.

• Tributação autónoma (art.º 88.º)

Procedeu-se à alteração da redação do n.º 18 do art.º 88.º, passando a constar o seguinte (a


parte sublinhada foi acrescentada):

“No caso de viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in, cuja bateria possa
ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia
mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km,
as taxas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 5 %, 10
% e 17,5 %.”

Verifica-se que, apesar de não terem sido alteradas as taxas, o âmbito de aplicação da norma
passou a ser mais restrito, aplicando-se agora apenas às viaturas híbridas plug-in que
possuam as caraterísticas expressamente consagradas na norma, ou seja, a redução de
taxas passa apenas a ser aplicável a viaturas cuja bateria possa ser carregada através de
ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e
emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km.

Tal significa que as restantes viaturas híbridas plug-in, passam a ser tributadas às taxas
normais, de 10 %, 27,5 % e 35 %, aplicando-se estas taxas, note-se, mesmo que as viaturas
em causa tenham sido adquiridas antes da entrada em vigor da lei nova.

Conexa com esta alteração está uma outra alteração legislativa, desta feita ao art.º 8.º do
Código do ISV (“Taxas intermédias – automóveis”), passando a constar o seguinte (as partes
sublinhadas foram aditadas):

19
1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir
indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do
artigo anterior, aos seguintes veículos:

a) 60 %, aos automóveis ligeiros de passageiros que se apresentem equipados


com motores híbridos, preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão,
quer de energia elétrica ou solar quer de gasolina ou de gasóleo, desde que
apresentem uma autonomia em modo elétrico superior a 50 km e emissões oficiais
inferiores a 50 gCO2/km;

d) 25 %, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos


plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que
tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km [era 25 km] e
emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km.

Constata-se que as viaturas híbridas plug-in abrangidas pelas taxas reduzidas de tributação
autónoma, passam a ser apenas aquelas que se encontram previstas na alínea d) do n.º 1
art.º 8.º do Código do ISV, enquanto que antes estavam abrangidas as duas tipologias aqui
previstas.

Estamos na presença de uma alteração proposta aquando da discussão na especialidade da


LOE 2021, motivada, conforme se retira da sua nota justificativa, pelo facto de “Os híbridos
plug-in que estão se ser vendidos no mercado nacional são, em boa medida, eléctricos “de
fachada”, automóveis do segmento premium – as marcas que mais vendem são, por esta
ordem, a Mercedes-Benz, BMW e Volvo –, com emissões reais acima dos 200 gCO2/km, tão
ou mais altas que as de um automóvel comum a combustão interna.”.

Importa concluir que a alteração processada ao Código do ISV irá provocar um aumento de
preço das viaturas híbridas plug-in que não preencham os requisitos previstos nas alíneas a)
e d) do n.º 1 do art.º 8.º do Código do ISV, supratranscritas, dado que deixarão de beneficiar
de taxas intermédias de ISV, aumento de preço que acaba por ter influência nas taxas de
tributação autónoma normais (não reduzidas), uma vez que estas taxas (tal como também as
reduzidas) são fixadas por escalões (valores de aquisição: até € 27.500, entre € 27.500 e €
35.000 e mais de €35.000).

Finalmente, não poderá deixar de se manifestar alguma estranheza pelo facto de se manter
inalterada a Portaria n.º 467/2010, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 82-D/2014 (Lei
da Fiscalidade Verde), aplicável para efeito de limitação à dedutibilidade dos gastos com

20
depreciações, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 34.º do Código do IRC, verificando-se
que continuam a beneficiar do limite de € 50.000 todas as viaturas que possam ser
qualificadas como híbridas plug-in, independentemente de possuírem, ou não, as
caraterísticas elencadas no n.º 18.º do art.º 88.º do Código do IRC e na alínea d) do n.º 1 do
art.º 8.º do Código do ISV. Naturalmente que, fruto de um aumento de preço, poderão passar
a ultrapassar o referido limite determinadas viaturas que anteriormente ficavam aquém.

Acresce uma outra perplexidade que se prende com o facto de se ter mantido inalterada a
alínea f) do n.º 2 do art.º 21.º do Código do IVA, que permite a dedução do imposto na
aquisição e locação de viaturas híbridas plug-in, independentemente de terem, ou não, as
caraterísticas agora elencadas no normativo em sede de IRC e ISV. Claro que, também neste
caso, a alteração de preço (por via do aumento do ISV) pode ter influência na dedutibilidade
do IVA, dado que também aqui vigora o limite da Portaria n.º 467/2010 (€ 50.000).

Obviamente que, face a estas alterações, esperam-se reações por parte dos fabricantes de
automóveis no sentido de adaptarem a oferta às novas condicionantes.

• Representação de não residentes (art.º 126.º)

Como referido, está em causa uma mera alteração da remissão que era feita no n.º 1 do art.º
126.º, para o art.º 5.º, em consequência das profundas alterações processadas a este artigo
pela presente Lei, nomeadamente o aditamento de mais dois números, passando a norma a
remeter para o n.º 11 do art.º 5.º, quando anteriormente remetia para o n.º 9.

Pelo interesse que tem, não a alteração legislativa em apreço, mas sim o conteúdo da norma
em causa, passa a citar-se a nova redação do n.º 1 do art.º 126.º:

“As entidades que, não tendo sede nem direção efetiva em território português,
não possuam estabelecimento estável aí situado mas nele obtenham
rendimentos, assim como os sócios ou membros referidos no n.º 11 do artigo 5.º,
são obrigadas a designar uma pessoa singular ou coletiva com residência, sede
ou direção efetiva naquele território para as representar perante a administração
fiscal quanto às suas obrigações referentes a IRC.”

Apenas três notas relativamente à obrigatoriedade de representação de entidades não


residentes:

i. A obrigação de representação prevista na norma citada, nos termos do n.º 2 do mesmo


artigo, tal como também em sede de IVA (n.º 2 do art.º 30.º do respetivo Código), não

21
se aplica a entidades residentes num Estado Membro da UE ou do EEE, sendo a
designação de representante meramente facultativa.

ii. De um modo mais abrangente, embora não resulte diretamente da letra da lei, tal
obrigação também não existe quando as entidades não residentes (sem EE) apenas
obtenham, em território nacional, rendimentos tributados através de retenções na fonte
a título definitivo (retenção a taxa liberatória), o que sucede grande parte das vezes.

iii. Na prática a nomeação de representante, salvo a exclusão do n.º 2, apenas será


obrigatória quando os rendimentos impliquem o cumprimento de obrigações
declarativas, nomeadamente a obrigação de inscrição no registo, nos termos do n.º 3
do art.º 118.º, que, por sua vez, está relacionada com a obrigação de apresentação da
declaração modelo 22, conforme o disposto nos n.os 4 e 5 do art.º 120.º).

3.2 Outras medidas

As restantes novidades em matéria de IRC presentes na LOE 2021, constam nos respetivos
art.os 374.º, que versa sobre a suspensão dos pagamentos por conta em 2021, e 375.º,
contendo este uma disposição transitória relacionada com a inaplicabilidade do agravamento
da tributação autónoma (de 10 p.p.) no caso de empresas que apresentem prejuízo fiscal,
medida totalmente compreensível no atual contexto de pandemia.

• Suspensão dos pagamentos por conta

Refere-se no art.º 374.º da LOE 2021 o seguinte:

“1 – Em 2021, as entidades classificadas como cooperativas ou como micro,


pequenas e médias empresas, pelos critérios definidos no artigo 2.º do anexo ao
Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, podem ser dispensadas dos
pagamentos por conta, definidos pelo disposto nos artigos 105.º a 107.º do Código
do IRC.

2 – As entidades abrangidas pela dispensa prevista no número anterior, que


pretendam efetuar o pagamento por conta, podem realizar esse pagamento, nos
termos e nos prazos definidos por lei.

3 – O disposto nos números anteriores e no artigo 3.º da Lei n.º 29/2020, de 31 de


julho, relativo à devolução antecipada de pagamentos especiais por conta não
utilizados, é aplicado com a entrada em vigor da presente lei.”

Quanto aos n.os 1 e 2, constata-se que não há muito a dizer, a não ser sublinhar que as
entidades qualificáveis como cooperativas e empresas PME (à luz do DL mencionado na Lei,

22
ou seja, do DL n.º 372/2007, cujos limites e modo de aferição não são idênticos aos previstos
no DL n.º 158/2009, para efeitos de normalização contabilística), ficam desobrigadas de
efetuar pagamentos por conta durante o ano de 2021, o que não significa que voluntariamente
não os possam fazer.

No que concerne ao n.º 3, visando a situação exposta anteriormente, bem como a devolução
de PEC anteriormente ainda não deduzidos (matéria regulada na Lei n.º 29/2020), determina
a aplicabilidade de ambas as medidas a partir de 01-01-2021.

• Não aplicação do agravamento de tributação autónoma

Segundo o art.º 375.º (“Disposição transitória”) da LOE 2021:

“1 — O disposto no n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC não é aplicável, nos


períodos de tributação de 2020 e 2021, quando o sujeito passivo tenha obtido
lucro tributável em um dos três períodos de tributação anteriores e as obrigações
declarativas previstas nos artigos 120.º e 121.º do mesmo Código, relativas aos
dois períodos de tributação anteriores, tenham sido cumpridas nos termos neles
previstos.

2 — O disposto no n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC não é igualmente


aplicável, nos períodos de tributação de 2020 e 2021, quando estes correspondam
ao período de tributação de início de atividade ou a um dos dois períodos
seguintes.

3 — O disposto nos números anteriores apenas é aplicável às cooperativas e às


micro, pequenas e médias empresas, de acordo com os critérios definidos no
artigo 2.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.”

Para que se compreenda melhor a alteração, importa recordar a redação do n.º 14 do art.º
88.º (inalterada), que é a seguinte:

“As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em


10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo
fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos
números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza
comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.”

Acresce que, relacionado com esta matéria, é também importante conhecer o conteúdo do
n.º 15.º do mesmo artigo (aditado pela LOE 2020), segundo o qual:

“O disposto no número anterior não é aplicável no período de tributação de início


de atividade e no seguinte.”

23
Em suma, pode concluir-se que com a presente alteração legislativa vem alargar-se
muitíssimo o universo das situações às quais não é aplicável o agravamento, tratando-se de
uma medida aplicável apenas a 2020 e 2021, daí tratar-se de uma disposição transitória (das
muitas presentes na LOE 2021, face ao atual contexto de pandemia).

Desde logo, ao abrigo do n.º 1, independentemente de se tratar ou não de uma empresa


recentemente constituída, o agravamento não é aplicável, em 2020 e 2021, às cooperativas
e empresas PME (n.º 3) que tenham obtido lucro tributável num qualquer dos 3 períodos de
tributação anteriores (2017, 2018 e 2019, se tivermos como referência o período de tributação
de 2020) e que tenham cumprido as suas obrigações declarativas ao nível da declaração
modelo 22 e IES nos dois períodos anteriores (2018 e 2019, se tivermos como referência o
período de tributação de 2020).

Quanto à última condição (cumprimento de obrigações declarativas), dá-se nota da similitude


da redação com a alínea e) do n.º 11 do art.º 106.º, que permite, nestas condições, uma
dispensa de efetuar PEC, sendo que, a este propósito, importa recordar que, por via do ponto
8 do Ofício Circulado n.º 20208, de 18-03-2019, a AT considerou que é irrelevante a entrega
de declaração(ões) de substituição.

No caso de não se encontrarem cumpridas as duas condições anteriores, de aplicação


cumulativa, então aplicar-se-á o disposto no n.º 2, direcionado às empresas recentemente
constituídas, as quais, obviamente, podem não cumprir os pressupostos do n.º 1 face à sua
mais ou menos curta existência, se bem que nestes casos já fosse aplicável o disposto no n.º
15 do art.º 88.º (norma não transitória, anteriormente reproduzida), existindo, portanto um
alargamento do benefício (não aplicação do agravamento).

Deixam-se alguns exemplos de aplicação do disposto no n.º 2 (pressupondo-se o


incumprimento dos pressupostos do n.º 1):

ü Empresa com início de atividade em 2017: Não terá qualquer benefício, ou seja, não
beneficiará da não aplicação do agravamento de 10 p.p. (“desagravamento”).
ü Empresa com início de atividade em 2018: Beneficiará da presente medida apenas em
2020.
ü Empresa com início de atividade em 2019: Beneficiará do “desagravamento” em 2020,
por via do regime regra, e em 2021 por força da norma transitória.
ü Empresa com início de atividade em 2020: Beneficiará do regime regra em 2020 e 2021,
sem necessidade de aplicação do regime transitório em apreço.

24
ü Empresa com início de atividade em 2021: Beneficiará do “desagravamento”, ao abrigo
do regime regra em 2021 (e também em 2022).

25
4. Benefícios Fiscais

As alterações ao nível dos benefícios fiscais repercutem-se no Estatuto dos Benefícios


Fiscais (EBF), no Código Fiscal do Investimento (CFI), para além de serem introduzidas
outras medidas que não se inserem em nenhum daqueles diplomas.

As referidas alterações/novidades serão abordadas em seguida, pela ordem indicada.

4.1 Alterações ao Estatuto dos benefícios Fiscais (EBF)

Estas alterações encontram-se no art.º 396.º da LOE 2021, estando em causa os art.os 62.º,
62.º-B e 63.º, ou seja, se tivermos presente a sistemática do EBF, são alterados apenas os
benefícios fiscais relativos ao mecenato (donativos).

Quanto à alteração ao art.º 62.º (“Dedução para efeitos da determinação do lucro tributável
das empresas”), é aditada uma nova alínea g) ao n.º 3, passando aí a figurar as Entidades
Hospitalares do tipo EPE (Entidade Pública Empresarial), acrescentando-se as mesmas ao
elenco de entidades que aí já constavam nas restantes alíneas, a saber, grosso modo: IPSS,
entidades que gozam de utilidade pública, Inatel, ONG e entidades promotoras de ações de
ajuda humanitária.

De recordar que a dedução deste tipo de donativos tem como limite 8/1000 do volume de
negócios, podendo os gastos em causa beneficiar de uma majoração de 30% ou até de 40%
(consideração do gasto em 130% ou em 140%), neste último caso se os donativos tiverem
como destino as medidas elencadas no n.º 4 (inalterado).

Relativamente à alteração do art.º 62.º-B (“Mecenato cultural”), prende-se com o aditamento


da alínea g) ao n.º 1, passando aí a figurar:

“Outras entidades com atividades culturais não referidas nas alíneas anteriores
que desenvolvam atividades predominantemente de caráter cultural no âmbito do
teatro, da ópera, do bailado, música, cinema, dança, artes performativas, artes
visuais, organização de festivais e outras manifestações artísticas e da produção
cinematográfica, audiovisual e literária.”.

Relacionado com esta alteração, foram também aditados os n.os 9 e 10 ao mesmo artigo,
estipulando-se que, no caso das entidades previstas na alínea g) do n.º 1 (aditada), a
declaração do seu enquadramento no regime do mecenato cultural e do interesse cultural
das atividades ou das ações desenvolvidas depende de prévio reconhecimento, através de

26
despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da cultura,
devendo obrigatoriamente constar de tal despacho a fixação do prazo de validade de tal
reconhecimento.

Neste caso, a dedução tem como limite 8/1000 do volume de negócios, podendo os gastos
em causa beneficiar de uma majoração de 30% (consideração do gasto em 130%).

Finalmente, quanto à alteração ao art.º 63.º (“Deduções à coleta do IRS”), aditou-se um novo
n.º 3, visando donativos efetuados por pessoas singulares de valor anual superior a € 50.000,
estipulando-se que quando a dedução não possa ser efetuada integralmente por insuficiência
de coleta ou por terem sido atingidos os limites estabelecidos pela alínea b) do n.º 1 (15% da
coleta), a importância não deduzida pode sê-lo nas liquidações dos três períodos de
tributação seguintes, até ao limite de 10 % da coleta apurada em cada um desses períodos.

Não obstante, importa dar nota de que o n.º 7 do art.º 78.º do Código do IRS limita, e muito,
a utilização de benefícios fiscais em sede de IRS (entre outras deduções à coleta,
nomeadamente as relacionadas com saúde, educação, imóveis, etc.), dado que apenas não
existe limite para contribuintes com rendimentos coletáveis até ao limite do 1.º escalão
(atualmente fixado em € 7.112,00), sendo que, para contribuintes com níveis de rendimentos
superiores, as deduções tem um limite máximo de € 2.500,00 e um limite mínimo de €
1.000,00 (o limite decresce à medida que aumenta o rendimento coletável).

Face ao exposto, a valer a aplicação da limitação, interpretação que se preconiza, apenas os


contribuintes com muito baixos rendimentos poderão beneficiar desta dedução em toda a sua
plenitude, ou seja, beneficiarão do incentivo contribuintes que, em princípio, não terão
quaisquer condições para efetuar donativos desta envergadura.

4.2 Alterações ao Código Fiscal do Investimento (CFI)

No que toca a estas alterações, visam exclusivamente o benefício fiscal do SIFIDE II,
benefício este que, nos últimos 3 anos, tem vindo a sofrer alterações consecutivas,
esperando-se que, desta vez, o regime finalmente estabilize.

Mais especificamente, as presentes alterações (aos art.os 37.º, 38.º e 40.º) visam uma das
formas mais populares de acesso ao benefício, que se prende com a aquisição de unidades
de participação em fundos de investimento que destinem o dinheiro captado junto dos
investidores para empresas que se dediquem à investigação e desenvolvimento (atividades
de I&D).

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A conclusão a retirar é que, com as alterações, se restringe um pouco mais o benefício em
apreço, na medida em que são impostas novas condições que devem ser cumpridas, quer
pelos fundos, quer, também, pelas empresas beneficiárias dos investimentos dos fundos.

Quanto à alteração art.º 37.º (“Aplicações relevantes”), centrou-se na alínea f) do n.º 1 e no


aditamento do n.º 9, passando a constar naquela alínea (a parte sublinhada foi aditada):

“Participação no capital de instituições de investigação e desenvolvimento e


contribuições para fundos de investimento, públicos ou privados, que realizem
investimentos de capital próprio e de quase-capital, tal como definidos na
Comunicação da Comissão 2014/C19/04, de 22 de janeiro de 2014, em empresas
dedicadas sobretudo a investigação e desenvolvimento, incluindo o financiamento
da valorização dos seus resultados, cuja idoneidade em matéria de investigação
e desenvolvimento seja reconhecida pela Agência Nacional de Inovação, S. A.,
nos termos do n.º 1 do artigo 37.º -A;”

Verifica-se que os investimentos dos fundos têm agora de ser de “capital próprio e de quase-
capital” (v.g. prestações suplementares, prestações acessórias, incluindo prémios de
emissão de quotas/ações), enquanto que até aqui se falava apenas em financiamento (a parte
sublinhada veio substituir a singela expressão “destinados a financiar”).

Por outro lado, foi também aditado ao mesmo artigo um novo n.º 9, contendo uma definição
do que se considera ser uma empresa dedicada sobretudo a investigação e desenvolvimento,
estipulando-se que será:

“(…) aquela que cumpra os requisitos para o reconhecimento como empresa do


setor da tecnologia, previstos no n.º 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 195/2018, de 5
de julho, ainda que tenham sido constituídas há mais de seis anos e
independentemente de terem obtido ou solicitado tal reconhecimento.”

No que se refere à alteração ao art.º 38.º (“Âmbito da dedução”), prende-se com a alteração
do respetivo n.º 7 (aditado em 2020), passando a conter 3 alíneas, e com o aditamento do n.º
8.

No caso da alteração ao n.º 7, passa a constar na alínea a) a penalização que já era aplicável
ao investidor, criada em 2020, nos casos em que as unidades de participação nos fundos de
investimento sejam alienadas antes de decorrido o prazo de cinco anos.

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Nas novas alíneas b) e c) do referido n.º 7 passam estar contempladas novas penalizações,
nos casos em que (b) o fundo de investimento não venha a realizar, pelo menos, 80% do
investimento nas empresas dedicadas sobretudo a investigação e desenvolvimento no prazo
de cinco anos contados da data da aquisição das unidades de participação, bem como nos
casos em que (c) as empresas beneficiárias não concretizem o investimento em atividades
de investigação e desenvolvimento, tendo em conta as aplicações relevantes previstas no n.º
1 do artigo 37.º, no prazo de cinco anos contados da data de aquisição dos investimentos de
capital próprio e de quase-capital.

Quanto ao novo n.º 8, contendo também 3 alíneas, visa estabelecer novas obrigações que
permitam controlar o cumprimento das condições previstas no número anterior.

Assim, passa a estabelecer-se, na alínea a), que os fundos de investimento devem, até ao
final do quarto mês de cada período de tributação, entregar aos adquirentes das unidades de
participação uma declaração comprovativa do investimento realizado no período anterior,
devendo igualmente informar, sendo o caso, do incumprimento do prazo previsto na alínea
b) do número anterior e do montante de investimento não concretizado.

Passa também a estipular-se, na alínea b), que as empresas (dedicadas sobretudo a I&D)
devem, até ao final do quarto mês de cada período de tributação, entregar aos fundos de
investimento declaração comprovativa do investimento realizado no período anterior (em
aplicações relevantes previstas no n.º 1 do artigo 37.º), bem como, sendo o caso, informar do
incumprimento do prazo previsto na alínea c) do número anterior e do montante de
investimento não concretizado, cabendo ao fundo de investimento comunicar esta informação
aos respetivos investidores para efeitos de regularização do IRC, quando aplicável.

A última alínea aditada, a alínea c), estipula que as declarações referidas nas alíneas
anteriores devem integrar o “Dossier Fiscal” das entidades adquirentes das unidades de
participação e dos fundos de investimento.

Em suma, pode dizer-se que passa a existir um controlo efetivo sobre o destino dado ao
dinheiro envolvido nestes investimentos, quer do dinheiro aplicado pelos investidores nos
fundos (controlo dos investimentos efetuados pelos fundos), quer, também, do dinheiro
aplicado pelos fundos nas empresas (controlo dos investimentos efetuados pelas empresas
beneficiárias).

Finalmente, quanto à alteração ao art.º 40.º (“Obrigações acessórias”), está centrada no n.º
1, sendo que, de acordo com a nova redação (a parte sublinhada foi aditada):

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“A dedução a que se refere o artigo 38.º deve ser justificada por declaração
comprovativa, a requerer pelas entidades interessadas, ou prova da apresentação
do pedido de emissão dessa declaração, de que as atividades exercidas ou a
exercer correspondem efetivamente a ações de investigação ou desenvolvimento,
dos respetivos montantes envolvidos, excetuando os encargos com os serviços
prestados pelas entidades gestoras dos fundos de investimento conforme o
máximo definido nos respetivos regulamentos, do cálculo do acréscimo das
despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores e de outros
elementos considerados pertinentes, emitida pela Agência Nacional de Inovação,
S.A., no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e
desenvolvimento empresarial, a integrar no processo de documentação fiscal do
sujeito passivo a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC.”

É nosso entendimento que as presentes alterações ao SIFIDE (tal como a alteração


processada pela LOE 2020, que veio consagrar a manutenção das unidades de participação
por 5 anos) apenas se aplicam a investimentos realizados em 2021 e nos anos seguintes, ou
seja, como não poderia deixar de ser, apenas são aplicáveis a investimentos posteriores à
entrada em vigor da lei nova (LOE 2021).

4.3 Outras medidas

Termina-se a presente Newsletter com o disposto no art.º 403.º da LOE 2021, que contém
um “Regime extraordinário transitório de manutenção de postos de trabalho”, aplicável a
grandes empresas com resultado líquido positivo no período de 2020, segundo o qual o
acesso aos apoios públicos e incentivos fiscais previstos no presente artigo é condicionado à
observância da manutenção do nível de emprego.

Quanto à manutenção de postos de trabalho considera-se cumprido tal requisito quando, no


ano de 2021, a entidade tiver ao seu serviço um número médio de trabalhadores igual ou
superior ao nível observado em 1 de outubro de 2020.

A concessão dos apoios públicos e incentivos fiscais determina, para as entidades abrangidas
a proibição de fazer cessar contratos de trabalho ao abrigo das modalidades de despedimento
coletivo, de despedimento por extinção do posto de trabalho ou de despedimento por
inadaptação (nos termos do Código do Trabalho), bem como de iniciar os respetivos
procedimentos até ao final do ano de 2021, devendo manter o nível de emprego até ao final
de 2021, a verificar trimestralmente de forma oficiosa.

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Estão em causa os seguintes apoios públicos e incentivos: linhas de crédito com garantias
do Estado, bem como, relativamente ao período de tributação de 2021, o benefício fiscal da
Remuneração Convencional do Capital Social, os regimes de benefícios fiscais contratuais
ao investimento produtivo (relativamente a novos contratos), RFAI e SIFIDE II, previstos no
CFI, e o Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento II (CFEI II).

A exclusão do acesso aos benefícios fiscais suprarreferidos traduz-se, no caso de benefícios


fiscais dependentes de reconhecimento (benefícios fiscais contratuais), num impedimento ao
seu reconhecimento na parte relativa a factos tributários ocorridos no período de tributação
de 2021 e, no caso de benefícios automáticos (todos os restantes), na sua suspensão durante
o mesmo período.

Estando em causa benefícios fiscais muito relevantes (provavelmente os mais importantes


aplicáveis a grandes empresas), não poderia deixar de se transmitir esta informação, sob
pena de, por mero desconhecimento, se poder cair numa situação de incumprimento,
bastando, para tal, que número médio de trabalhadores seja inferior, mesmo que
ligeiramente, ao nível observado em 01-10-2020.

Braga, 2 de fevereiro de 2021

Luís Filipe Esteves

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