Kidults: fenômeno coletivo de infantilização de adultos
O conceito de “kidult” consolidou-se a partir de um artigo do sociólogo Frank Furedi e representa
uma tendência de novos adultos a dedicarem seu tempo e renda comprando produtos que remetam à marcas, filmes, desenhos e personagens que fizeram parte de sua infância. Tal fenômeno coletivo não indica apenas uma tendência de consumo e de como o marketing e a mídia conseguem formar gostos e preferências, mas também uma inclinação atual ao escapismo para lidar com a falta de segurança, estabilidade e realização na perspectiva para uma vida adulta. É uma junção entre consumismo, busca por identidade e tentativa de resgate de memórias felizes frente à realidade desanimadora. Na reportagem apresentada pelo Balanço Geral, é mostrado o apartamento de um adulto que coleciona mais de 4000 brinquedos. Assim, o lugar onde ele vive é uma imersão num universo fantasioso, que o remete à infância. Em diversos momentos ele diz que coleciona brinquedos desde criança e que a maioria dos bonecos são de filmes, músicas e desenhos que ele gostava quando criança. Assim, através do consumo, ele consegue resgatar os momentos felizes que viveu, quando criança, quando sua vida era mais “fácil”, e fugir, momentaneamente, das obrigações, preocupações, conflitos e questões que caracterizam o universo adulto. Essa nostalgia presente constantemente na fala do colecionador expressa uma tendência geral cada vez mais presente em jovens adultos, que reflete uma questão muito mais ampla da sociedade: o ritmo cada vez mais acelerado da vida e a vivência em uma sociedade em que nada é feito para perdurar faz com que jovens sintam nostalgia, que antes era um sentimento tipicamente da população mais velha. Esse saudosismo não indica um mero gosto, mas uma tentativa de retornar a um passado mais feliz e estável, ao mesmo tempo em que se distancia da fonte de frustração: a vida adulta. Esse sentimento de nostalgia é fortemente guiado pela mídia e pelo marketing, que incentivam que as pessoas busquem manter-se sempre novas, jovens, atualizadas e dentro da moda. Essa imposição de padrões de consumo tem também consequências subjetivas, criando, através do consumismo, uma sociedade de pessoas insatisfeitas, covardes frente a combatividade necessária para a vida adulta e que buscam desesperadamente a construção de uma identidade através dos próprios padrões de consumo - o famoso tentar ser “cool” colocado pelos publicitários. Assim, é como se a adolescência/infância se prolongasse na vida daqueles adultos que foram privados de experiências e, consequentemente, do processo normal de ruptura com essa fase da vida. Isso, somado à insegurança em relação ao futuro onde estão inseridos - um mundo violento e instável - e à dificuldade em conseguir emprego, que também atrasa sua independência, juntamente com o medo de enfrentar as questões da vida a adulta e a imposição da mídia, das propagandas e das produções culturais de coisas relacionadas à infância como reconfortantes, dentro da moda e do que é valorizado, cria os “kidults”. Acredito que seja importante a reflexão sobre isso, uma vez que muitas vezes a infantilidade e o gosto por coisas tipicamente infantis são vistas imediatamente como um problema individual, mas ao fazer uma análise mais minuciosa e consciente, é possível identificar o papel da mídia e das produções culturais no geral na construção desse tipo de tendência, além, é claro, de como o desemprego, a rapidez da vida, o apagamento da capacidade crítica e combativa e o desespero em relação ao futuro cada vez mais incerto, competitivo e sem espaço para o próprio desenvolvimento enquanto pessoa, causam esse tipo de fenômeno que, analisado sob o viés descrito, se mostra na verdade um fenômeno coletivo.
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