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“Alteramos a ordem, mudamos o princípio e


re-ajustamos a realidade. Claro que tudo tem
um preço para o universo, mas creio que os
mistérios de Ol’lo sejam os mais caros e os
menos recompensadores.”
--Um Estudo sobre os Harmonus, livro vii, cap 3

Sega o ano 618 da Época das Coroas

Gruho caminhava pelo Pulo do Enforcado, seus pés descalços pisavam sem cuidado
algum pelas rochas afiadas da encosta. O sol caia detrás das montanhas enquanto as
sombras tomavam para si o local, maculando a beleza primaveril com um abraço de
negrume.
O som do vento sendo cortado pelos picos seria a única canção tocada ali, não fosse o
ranger grave das correntes de anéis enferrujados que adornavam o manto
vermelho-desbotado de Gruho. A entidade não tinha pele, apenas carne enegrecida de
músculos tão magros que era quase possível contar cada um de seus ossos. O rosto era
uma carranca sem expressão, os dentes amostra estavam podres e tortos e tinha os olhos
cobertos por uma venda que parecia ter sido lavada em vômito de tão suja que estava.
Quando alguma brisa descuidada tinha a infelicidade de encontrar Gruho, abria-lhe
levemente o manto revelando um grande buraco em seu peito. A abertura era um círculo
perfeito de bordas amareladas, dentro só havia um infinito vazio como se ali fosse a porta
para o mais profundo lago do Abismo.
Gruho então parou sua caminhada quando encontrou o motivo de seu incômodo. Diante
dele estava um homem, grande e forte, porém estendido no chão como um filhote indefeso.
O homem estava com as vestes verdes rasgadas, o corpo coberto por arranhões e a perna
direita quebrada em um ângulo estranho, deixando exposta a tíbia fraturada que ainda
gotejava sangue.Seu rosto era emoldurado por uma espessa barba suja e desgrenhada,
não era um soldado apesar de Gruho ter ouvido sons de combate vindos detrás da
montanha. Ele respirava com dificuldade, provavelmente tinha costelas quebradas também.
— Achei você — Gruho disse. A voz saia de dentro dele como um fantasma, porém a
boca não fazia nenhum movimento.
— Encontrei — uma segunda voz disse logo em seguida.
— É só um humano — a terceira voz que veio de Gruho era ainda mais rouca.
O homem virou a cabeça para observar e espantou-se ao ver a entidade.
— Quem… O que é você? — o homem disse.
— Gruho — respondeu.
— Enforcado — a segunda voz falou.
— Não lhe interessa humano — terceira comentou irritada.
Gruho viu que próximo do homem havia uma estranha criatura que também lutava para
sobreviver. Um animal vindo de uma terra diferente daquela, era como um cão, mas era
maior, tinha o focinho achatado e grandes presas.
— Você é o oitavo filho — a primeira voz disse.
— O que chama os mortos.
— E eles ouvem.
O Enforcado então apontou o dedo esquelético para a criatura que tentava levantar-se e
ela morreu subitamente, sem dor, nem choro, sua vida extinguiu-se como uma chama de
vela soprada.
— Você me conhece? — o homem perguntou assustado.
— Eles te chamam de Gaon — a primeira voz iniciou.
— Mas não tem nome.
— Nem dá nomes.
Gaon tentou se levantar, mas mal conseguiu tirar a cabeça poucos centímetros do chão.
Pensou em gritar por seus companheiros, porém percebeu que de nada adiantaria. Lutou
para defender suas terras dos homens de Ossos de Pedra, mas a escaramuça custou-lhe
tudo o que tinha e em sua fuga caiu montanha abaixo com o Rangedor.
— Eu chamo a morte — Gruho disse.
— Ela me ouve.
— E se não ouvir?
As três vozes calaram-se por um instante para logo em seguida bradar em uníssono:
— EU GRITAREI!
O coração do homem disparou e lutou dentro do peito desejando fugir para o oceano
mais distante daquele ser.
— Pode… — as palavras estavam entaladas junto com o sangue em sua garganta. —
Pode me ajudar? Eu não quero morrer. Não aqui. Não assim.
O céu ficava cada vez mais escuro e as estrelas detrás daquele véu azul timidamente
começavam a brilhar, porém não haveria lua no Pulo do Enforcado. Nunca haveria.
— Você é fraco — Gruho disse e deu as costas para Gaon.
— Você não serve.
— Você é humano.
— Não! — o homem gritou com o que restava de suas forças.
Gruho se virou. A venda sobre os olhos destacava-se na escuridão que se formava
tornando ainda mais assustadora a caveira que era o rosto da entidade.
— O que tem a oferecer?
— Algo valioso?
— Ou é um mentiroso como eu? — a terceira voz soou como uma nota desafinada.
A entidade agarrou Gaon pelos cabelos e o ergueu. O corpo moribundo balançava como
uma marionete sem fios para sustentá-la.
— Eu lhe darei uma história — Gaon disse.
— Parece justo — as três vozes de Gruho disseram ao mesmo tempo.
Os dois permaneceram na encosta durante a noite inteira e mesmo quando o sol enfim
nasceu o Pulo do Enforcado continuou coberto por sombras.
Dreany se viu ainda criança, uma menina que viveu apenas oito voltas de estação,
possuía cabelos longos, ossos frágeis e tinha medo. Medo de tudo. Estava cercada pelas
paredes da velha casa em Alto-D’ouro nas Províncias Livres, lá o povo adorava diferentes
deuses, mas seus pecados eram os mesmos.
A menina chorava baixo calada pelos gritos da mãe, no chão um odre aos pedaços, vinho
derramado escorrendo para juntar-se a uma poça de sangue que agora também banhava o
piso. De pé a frente de Dreany sua mãe gritava maldições, irada como se possuída pelo
próprio Izir, na mão da mulher a faca enferrujada usada nos violentos golpes que abriram o
peito do pai que agora não passava de um corpo sem vida.
— Nunca mais tu vai encostar um dedo nela, maldito — a mãe berrou como se o marido
defunto pudesse ouvir.
A pequena Dreany deu as costas e saltou pela como já fizera inúmeras vezes, fora da
casa que a assombrava ela correu para a estrada. Não sabia se pedia ajuda ou
simplesmente corria, mas olhava para as casas e todas estavam vazias e apenas sussurros
fantasmagóricos eram ouvidos. A menina correu o mais rápido que pôde até esbarrar em
alguém que vinha pela estrada.
— Corre atrás dos monstros ou foge deles, criança? — a mulher perguntou estendendo a
mão para ajudar Dreany.
Era uma mulher de meio século de vida, seus cabelos de fios loiros e prateados estavam
amarrados em um coque atrás da cabeça. Vestia um robe branco sujo de poeira e no
pescoço carregava um colar com uma pena prateada de pingente.
— Bendito é...— a menina tentava lembrar a saudação que a mãe havia ensinado.
— Salvo é o pai no templo — a mulher respondeu.
Sua voz era calma e doce, sempre que falava um sorriso se formava em seus lábios
finos.
— Você parece uma garota esperta. Como se chama?
— Ne...— a menina parecia ter esquecido o nome que seu pai havia lhe dado.
— Tudo bem — a mulher disse passando os dedos pelos cabelos da menina. — Vou
pensar em um nome bonito para você.
Dreany sorriu.
Então despertou.

Os olhos de Dreany abriram-se lentamente e ela viu um céu coberto por nuvens
alaranjadas pelo crepúsculo. Sua cabeça doía com o movimento das coisas que estavam
dentro do seu travesseiro, de um lado viu mais sacos cheios do que ela imaginou serem
batatas e grãos e no outro lado um garoto a olhava assustado.
— Ela acordou — disse o menino.
Dreany levantou-se rapidamente, o que fora uma péssima ideia, pois agora sua cabeça
girava e doía com mais intensidade. Ela viu a estrada a frente e demorou um breve
momento para entender que estava em uma carroça.
— Pensei que não fosse mais acordar, filha — uma voz grave veio por trás dela e ela
virou-se abruptamente.
Na condução estavam dois homens, um mais velho que cheirava a peixe e outro que
parecia ter mais estações do que realmente viveu. Nenhum deles era o seu pai, mas ela
conhecia o que falara com ela esboçando um sorriso ridículo.
— Anker? — ela disse confusa.
— Sim, sou eu minha filha.
Ela não sabia o que estava acontecendo, mas entendeu o que Anker queria dela.
— Onde estamos, pai? — as palavras foram mais difíceis de dizer do que ela tinha
imaginado.
O garoto ao lado entregou-a um cantil, só então ela percebeu o quanto estava com fome
e sede, ainda assim sua barriga fez questão de anunciar a todos com um ronco alto. Logo
em seguida o menino lhe deu um pedaço de pão velho que ela devorou em poucas
mordidas.
— Indo para Vilalém — Anker respondeu.
— Essa noite ficaremos em um vilarejo mais a frente — disse o velho. — Conheço alguns
moradores de lá, o que nos garantirá um pouco de água e comida.
Ela havia apagado durante a luta contra a bruxa, mas se aquilo era real, Anker venceu e
salvou os dois. Perto dela estava Desalento, a espada encontrada no ossário criado pelas
bruxas, ainda estava manchada de sangue na empunhadura e em partes mal-limpas da
lâmina.
— Ótimo — ela disse. — Lá podemos conseguir cavalos e prosseguir para o oeste.
Anker apenas confirmou com a cabeça olhando sobre o ombro. O velho continuou
conversando, mas ela o ignorou, o menino olhava a estrada passar e vez ou outra espiava
Dreany achando que ela não estava percebendo. Enquanto a carroça balançava e rangia
pelas pedras no caminho o sol se punha longe deixando o céu vermelho alaranjado como
que coberto por uma tempestade de fogo.

— Pelos nove deuses, o que aconteceu aqui? — disse Baen aterrorizado com a cena.
O sol já despedia-se com seus últimos raios e o céu era tomado pelo cinza-azulado da
noite. O vilarejo estava devastado, casas destruídas ainda servido de foco para colunas
negras de fumaça, rodas grandes de carruagem espalhadas por toda parte e nelas pessoas
nuas com os membros quebrados e presos aos aros de madeira. Alguns corpos pelo chão
tinham o peito aberto com costelas laceradas, os órgãos caídos junto deles estavam
irreconhecíveis como se tivessem sido mastigados por um cão selvagem.
Anker por instinto olhou para Dreany como se ela soubesse o que causara tamanha
barbárie. Ao lado da garota, Iltir estava abaixado com os olhos fechados, orando para
apagar aquelas imagens de sua cabeça e pedindo aos deuses que o mal que fez aquilo
estivesse longe.
— Esse bicho não vai mais rápido? — Dreany perguntou a Baen.
Ela levantou Desalento pelo cabo e entregou a Anker.
— Não — o velho respondeu irritado puxando as rédeas do burro a fim de fazê-lo
acelerar o passo.
— Atravessar a pé seria mais seguro então — ela disse.
— Mas as minhas…
— Ela está certa — Anker interrompeu. — Pegue apenas a água e vamos seguir.
Dreany saltou da carroça estendendo os braços para ajudar Iltir a descer.
— Acha que foram os selvagens? — Anker disse descendo da carroça.
— Não — Dreany respondeu. — Eles nunca vieram tão longe.
— O que não quer dizer nada. Você disse que as bruxas não deveriam estar ali.
Dreany ficou em silêncio pensando. Tudo estava acontecendo de forma anormal, era
como se o mundo estivesse em dissonância. “Ao que parece escolhi a pior época para sair
da Torre. Primeiro caçadores, depois bruxas e agora isso.”
— Está mais frio do que o normal por aqui — o velho Baen disse abraçando-se e
envolvendo ele e Iltir em uma capa grossa surrada.
Os quatro caminhavam a passos largos pela estrada que cruzava o vilarejo destruído, os
olhos atentos de Anker e Dreany vagueavam pelo que restou das casas, mas as cenas
eram apenas repetições de atrocidade. Sangue e vísceras espalhadas sem nenhum motivo
lógico que justificasse tamanha barbárie, sussurros fantasmagóricos podiam ser ouvidos
carregados pelo vento noturnal e a medida que a escuridão adensava-se eles eram
consumidos pelo medo.

Saindo do vilarejo Dreany ainda sentiu-se impulsionada a olhar para trás, não foi a única,
Anker também estava com a cabeça virada para o local. “Ele está com o mesmo
pressentimento que eu”, pensou voltando a visão para a estrada. O grupo não iria longe
caminhando a noite, mas não queria cometer o mesmo erro de cair em uma ilusão e acabar
entre as garras de algo pior do que as bruxas.
— O que vamos fazer? — perguntou a Anker.
— Eu não sei, só andar.
— Deveríamos ter ido para oeste.
— Com você naquele estado?
— Sim.
Ele aproximou o rosto do dela e disse:
— Escuta. Você não é minha bagagem, não vou te carregar por aí. Se quer me seguir vai
ser do meu jeito.
Baen e Iltir olhavam para os dois discutindo. “Não adianta tentar dialogar”, ela virou o
rosto e cruzou os braços.
A medida que a noite avançava foram atingidos pelo cansaço, Baen e o neto deitaram
junto de uma grande árvore a poucos passos da estrada. Anker e Dreany sentaram um com
as costas no outro para manterem-se acordados, mas não demorou até que o homem
também começasse a travar uma luta contra o sono.
— Pode dormir — Dreany disse.
— Eu…
— Vai logo — a garota disse com um tom autoritário. — Já dormi demais.
— Tudo bem.
Dreany sentiu o corpo pesado dele relaxar em suas costas.
— Anker — ela disse baixo quase como um sussurro.
— O que foi?
— Obrigado.
— Pelo que?
— Por ter ficado.
— Que escolha eu tinha — sua voz era sonolenta. — E mais: só os fracos dão as costas.
Ela ficou imaginando de onde ele teria tirado isso e sorriu.
— E o que você é?
— Já dei as costas tempo demais.
Ele caiu no sono.
Dreany foi deixada com seus pensamentos, o vento calmo da noite soprava uma canção
que só ela ouvia. O mundo agora era azul e preto, mas pela primeira vez em muito tempo
ela não estava só nele. Não queria sonhar com o passado nem com o futuro, então
deixou-se levar e cantarolou baixo acompanhando a brisa.

O tempo permanecia lento na noite, horas preguiçosas que esticavam-se entre as


sombras que agora formavam um império pela mata, escravizando os filetes de luz da lua
que lutam por um espaço na floresta. Entretanto o que mais perturbava Dreany era o
silêncio. Levantou-se e viu a silhueta de Baen, Anker e o pequeno Iltir deitados sobre as
folhas, ela esticou os membros e pôde ouvir nitidamente o som de suas costas estralando.
Notas agudas então foram tocadas.
Lembrava um lamento humano ou um gemido de fera.
Dreany ficou em alerta, virou o rosto pela a estrada procurando a fonte do som e ela o
ouviu novamente, dessa vez mais alto.”Querem me atrair”, preferiu seguir o som e orou
para que os outros ficassem bem. Atravessou a estrada e andou alguns metros até
assustar-se ao ver os corpos no chão, conseguiu contar seis homens caídos com membros
decepados e vísceras expostas. Mesmo com os tabardos cobertos por sangue ela os
identificou como batedores de Sur’Larik.
— Apareça demônio — um sétimo homem gritou ao vento, ele estava de pé brandindo a
espada esperando ser atacado a qualquer momento.
A luz baixa revelava pouco dos arredores do embate, Dreany tentou encontrar o inimigo
que derrotara os soldados, mas não via nada além sombras e só ouvia os murmúrios
agonizantes dos que ainda lutavam para viver.
— Eu o expurgarei com meu aço — o batedor de pé continuou.
O ar então começou a vibrar, há alguns passos dela, Dreany viu pequenas ondas
espalharem-se como uma pedra atingindo um espelho d’água. As ondas ficaram mais fortes
e uma mão cinzenta surgiu do centro e depois outra, até que um corpo saiu até a cintura.
Tinha o peito e os braços nus e sem pelo algum, a pela completamente cinza ganhava tons
de azul a luz da lua, um capuz cobria seu rosto deixando exposta apenas a boca cheia de
dentes afiados como ponta de lança, na mão esquerda a criatura carregava uma foice de
lâmina curva envelhecida.
Por um momento Dreany sentiu seu corpo paralisar de medo, viu que o mesmo
acontecera com o batedor que agora perdera toda a coragem de enfrentar a criatura, as
mãos do soldado tremiam e a espada já não estava tão firme em seus dedos. O ser então
saiu completamente do portal, no lugar das pernas ele tinha quase uma dúzia de tentáculos
que dançavam em ritmo lento pelo ar como se estivessem balançando na água. Enquanto o
portal invisivel fechava, Dreany pôde ouvir novamente o mesmo som que a atrai-la para o
local, desta vez mais nítido e irritante como se uma faca de vidro rasgasse seus ouvidos.
— Você fede humano — a criatura disse.
Um golpe tão rápido que Dreany só viu a ponta da foice quando ela já estava cravada no
ouvido do batedor que caiu um segundo depois com sangue saindo dos olhos, nariz e boca.
— Diferente de você — o capuz voltou-se na direção de Dreany.
“Não adianta correr”, algo disse dentro dela. Mesmo que adiantasse ela não conseguiria,
suas pernas estavam sólidas como rocha.
— Parece tão frágil, pequena — a criatura veio nadando até parar diante de Dreany.
Ela sussurrou um Harmonus de Morte, uma mancha negra de carne morta surgiu no peito
do estranho ser e começou a espalhar-se.
— Sim — ele disse como se sentisse prazer no efeito que o feitiço lhe causava.
— Você é um… — ela interrompeu a fala quando viu a carne podre voltar ao estado
normal, a necrose curou-se rapidamente como se ele tivesse absorvido a ferida.
— Um D’Torek. Conhece minha raça, mas nunca a viu, estou certo?
— Sim — Dreany tentou um passo para trás, mas tropeçou e caiu sobre as folhas no
chão. — Você quem massacrou aquela vila?
— Sabe que sim — com a mão direita ele ergueu Dreany no ar, ela pôde sentir o braço
firme e a pele gelada do D’Torek enquanto segurava-se nele. — Seu medo é natural, é
necessário.
Ela tentava tatear o chão com os pés, mas estava longe dele e só conseguiu acertar
alguns chutes nos tentáculos da criatura.
— O que quer comigo — perguntou.
— D’Tuzas estava certo — ele aproximou o capuz do rosto dela farejando-a como um
animal selvagem. — Sua energia é pura e bruta. Isso é raro, só encontrado nos confins do
abismo mais escuro.
“Deve estar falando da magia verdadeira”, pensou.
— Se queria a mim por quê matou todas aquelas pessoas?
— Vocês são como uma praga. Esmagar um ou outro não vai fazer diferença, mas é
divertido.
O D’Torek soltou Dreany e ela caiu de pé tentando recuperar o equilíbrio.
— Como veio para cá com tanta facilidade? — a garota perguntou. — Pensei que vocês
não pudessem…
— Nem todas as verdades estão nos livros da Torre, pequena.
A criatura avançou erguendo a foice, sua sombra estava sobre Dreany que quase caiu
novamente. Da boca dela saíram palavras ritmadas como verso de uma canção, o tom da
voz mudou repentinamente para grave e uma onda de vento tomou o local. O D’Torek parou
o movimento, seus músculos retesaram e ele lutava para se desvencilhar do que pareciam
ser correntes invisíveis puxando seu corpo.
— A Lei — a criatura falou com rosnados secos que poderiam ser uma gargalhada. —
Admito que não esperava por isso. Você é realmente esperta, pequena.
— Um golpe de sorte — ela disse sorrindo aliviada.
Um novo portal foi aberto com ondas distorcendo o ar, o D’Torek lutava para não ser
tragado, mas nem ele parecia tão forte.
— Na próxima isso não funcionará — parte do corpo já estava sendo engolido pela fenda.
— Não haverá ordem que dissipe o meu caos.
— Sendo assim vou preparar-me também.
— Isso — ele gritou enquanto seus ombros eram puxados com força. — Descubra meu
nome, pequena.
A voz do D’Torek junto de seu rosto, como se ele nunca estivesse estado ali, mas tudo foi
real, Dreany sabia. Os corpos do batedores ainda estavam ali, lacerados, desmembrados…
mortos. Só então ela lembrou de Anker, do velho e do garoto, precisava voltar para junto
deles.
“Agora entendi”, ela pensou respirando fundo para recuperar as forças e voltar. “Há notas
demais na harmonia”.

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