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Corpo-Seco

Naquela noite o ar estava frio e úmido. Periodicamente o vento soprava gelando os dedos e
fazendo o corpo se arrepiar. A noite era bela e sem nuvens. As estrelas brilhavam como pontos
prateados na escuridão enfeitando o céu noturno, elas cercavam a luz cálida da lua cheia como
velhas companheiras.
Uma fogueira queimava na clareira de uma floresta, no coração de Minas Gerais. Ela iluminava a
noite acompanhando a lua. Seu calor aquecia com afeição o grupo de cinco amigos que a cercavam.
Era férias e eles acampavam, era o tradicional momento do grupo de contar suas melhores (ou
piores) historias de terror.

- Então ela se virou… lentamente sem ter coragem de encarar... e viu sua amiga desmaiada, seu
pescoço sangrava nos braços de homem e… - Pedro contava ávido e lentamente. Parecia um morto
vivo com seu corpo esquelético a sombra do fogo.

- Fala serio! - Disse Laura – Outra historia de vampiro? Você era melhor nisso, está ficando
repetitivo... – Ela se estendeu para trás suspirando.

- Bom... é o que é mais fácil de achar na internet – Se desculpou.

- Isso soa meio distante. São lenda do outro lado do mundo – Gabriel observou. - Alem disso
monstros físicos não me dão tanto medo. Nada que um porrete não resolva.

- Aham, claro. - Erika disse irônica observando o amigo corpulento. - Se você tivesse um soco
inglês de prata talvez.

Todos riram. Erika era o humor e cérebro do grupo. Era ruiva e tinha um humor irônico e perspicaz.

- Erika, o que sugere? Já acabamos com as crappypastas famosas. - Laura olhou esperançosa pra
amiga de longa data, ela tinha pele escura e um belo cabelo encaracolado. Também era a mais
corajosa do grupo.

Erika olhou ao redor. Todos olhavam pra ela com a mesma expressão. Ela fechou os olhos e pensou
a respeito.

- Já sei! - Pegou o celular e começou a vasculhar algo no google.

- o que procura? - Pedro perguntou.

- Uma lenda próxima a nós. Vamos procurar sobre lendas do folclore brasileiro. Já vi umas
arrepiantes. Tenho certeza que esta nos meus ‘’favoritos’’ ainda.

- Ta de brincadeira? - Gabriel criticou – Esses dias ouvi sobre aquela da perna peluda que saia
chutando as pessoas.

Todos riram.

- Cara, esses dias sobre a lenda que aqui existe o lobisomem inverso aqui, parece que a criatividade
acabou no Brasil - Acrescentou pedro e riram novamente – O mais famoso na nossa cultura é o
garoto de uma perna que azeda leite.
Erika sorriu a luz smartphone. Mas um conhecido sorriso antes de uma historia de terror que faria
nenhum deles dormir a noite. Pedro se calou na hora ao ver a expressão.

- Vocês estão subestimando muito o folclore brasileiro. A maior parte das lendas não são contadas
como eram de fato. E... outras…. Bom, simplesmente não são populares. Vão por mim... – Laura
explicou o pensamento da amiga, elas já haviam conversado sobre o assunto antes e agora estava
revivendo a conversa na memoria - Existem criaturas que fariam o seus pelos se arrepiarem.

Um vento frio soprou e eles de fato se arrepiaram… parecia… um prologo para algo muito muito
ruim. Como se seguisse o vento. Ouviu-se um grito “SOCORRO!’’

- Alguem precisa de ajuda! - Laura foi a primeira se levantar, pareceu meio obvio dizer isso. -
Vamos ajudar não é?

- Vamos! Mas é meio estranho alguém aqui na mata. Não estamos muito longe da cidade mas… -
Pensou Erika – Bem, é bom levar alguma arma. Pode ser um animal selvagem.

- Tenho algo – Gabriel pegou um facao que usava pra abrir caminho na mata.

- Bom... melhor que dana. - Disse Erika. - Vamos!

(…)

Eles corriam pelo matagal em direção aos gritos. Era uma voz de mulher ‘’Socorro! Alguem ajude!
Ele vai me matar!’’

- O perigo é humano. Ela esta correndo então é pouco provável que o homem esteja armado. Um
brutamontes de 17 anos e facão já devem dar jeito. - Observou Erika friamente. Não pela primeira
vez todos observaram como ela era capaz de manter a calma.

Eles continuavam correndo pela floresta. O caminho estava aberto em uma trilha larga. Eles podiam
correr um do lado do outro. Há vários metros atrás, uma nevoa densa os havia envolvido. Quanto
mais se aproximavam do gritos, mais densa a nevoa ficava. Outa coisa estranha era que as arvores
nas bordas da trilha estavam todas mortas e sem folhas. Mas as distantes estavam verdes e
saudáveis. O solo parecia menos úmido e mais estéril a cada passo.

‘’Algo está errado’’ Erika pensou. Seus instintos lhe diziam que aquilo não era normal. Seu corpo
desejava recuar. Mas o cérebro lhe dizia que aquilo não tinha lógica. Acontece que seu inconsciente
estava lhe bombardeando com lembranças de uma certa historia de terror do folclore brasileiro que
a assustava quando criança. ‘’Mas aquilo era uma lenda!’’ pensou. Certamente era o medo e a
adrenalina fazendo ela pensar coisas idiotas.

‘’SOCORRO! NÃO! VAI EMBORA!’’ - A voz estava próxima.

- A direita naquela trilha! - Gritou pedro. Todos fizeram a curva.

A moça estava a alguns metros correndo na direção deles. Do nada ela parou com as mãos
estendidas como se quisesse alcançá-los. Lagrimas correram na sua face e ela sussurrou ‘’So…So…
socorro…’’ Ouve uma pause. Ela pareceu estar paralisada. A mulher começou a gritar de dor. Um
grito desesperado e cheio de agonia. Seu corpo parece Secar… Uma luz roxa de aspecto
sobrenatural jorrou de seus olhos, mãos, pernas e boca. Ela ficava mais e mais magra ate a pele
alcançar os ossos. A luz parecia drenar sua energia vital. Os dentes e língua cairão enquanto ela
ainda gritava. Seu corpo emagreceu tanto que suas pernas e braços quebraram como galhos mortos.
Mas seu troco ainda flutuava rodeado pela luz. A jovem era agora um tronco flutuante feito de
pedaço de ossos cobertos por cartilagem. Os olhos de sua face sumiram, sua boca e labios se tornou
um buraco ressecado, seu cabelo adquiriu a textura de palha e caiu. A essa altura devia estar morta
mas por algum motivo ainda estava viva e tentava gritar. Ou era o que parecia gritar. Sem as cordas
vocais ou língua parecia um gemido abafado. Mal podia ser ouvida.

Todos estavam paralisados observando a cena. Em choque e suando frio. O corpo da mulher caiu.
Revelando o que estava atrás dela. Um ser humanoide. Seu corpo possuía os mesmos aspectos que
ficara a mulher, ossos cobertos de cartilagem. Mas a pele era cinzenta como um albino. Os labios
pareciam ter se sugado pra dentro tornando a boca um amontoado de carne cinza. As unhas ainda
pareciam crescer pois deviam ter por volta dos 30 centímetros. Ele ostentava uma longa cabeleira de
pelo seco prateado como uma juba. Sangue ainda escorriam dos olhos como se tivessem caído
recentemente. Usava roupas surradas de fazendeiro cobria o corpo esqueletico.
A nevoa parecia sair do buraco que era sua boca.

O monstro e o pequeno grupo se encarou por alguns instantes. Gabriel perdeu totalmente a
confiança no seu facão. Eles queria correr mas o medo os haviam congelado. Erika mais do que os
outros. Pois havia reconhecido a criatura das lendas.

‘’ Corpo-Seco…‘’ Erika sussurrou. Mais para ela mesmo acreditar no que via.
O monstro deu um passo. Foi o suficiente para Erika voltar a sí. ‘’CORRAM! AGORA!’’ O grito
atingiu todos como um tapa, em poucos instantes estavam correndo levando as próprias pernas ao
limite.

Erika olhou de relance enquanto corria, atras deles só haviam nevoa agora, ele não estava mais ali.
Seus amigos estavam tão em choque quanto ela. Pedro corria só olhando pra frente com expressao
de terro nos olhos. Laura orava o pai nosso freneticamente. Gabriel repetia ‘’Eu não vou morrer, eu
não vou morrer’’. Chegaram a clareira.

- O que era aquilo? - Gabriel foi o primeiro a gritar, ele certamente era o que parecia mais em
choque e estava chorando.

- Erika, você o que ela aquilo não sabe? Vi sua expressão. - Disse Laura. As duas se conheciam
tempo de mais pra esconder algo uma da outra.

- E só um palpite… Corpo-Seco… uma lenda. Vaga pela noite, se alimenta de sangue e energia vital
ao simples toque. O pode andar sobre a nevoar e por dentro das arvores, pelas paredes e solo, como
um fantasma... - Ela olhou rapidamente ao redor esperando ele aparecer - Quem morre por ele é
amaldiçoado.

- Ah, otimo! A lenda parece real, a gente faz o que agora? Nosso ônibus vai vir nos buscar só de
manhã - Disparou pedro.

- Vamos ligar pra alguém e… o telefone esta sem sinal – Mostrou Erika.

- Vamos… morrer… - Disse Gabriel.

- Calma nos ainda podemos… - Erika ia tentar acalmar ele, mas estava tão sei ideias quanto. Um
som estranho ecoou na floresta – Você estão ouvindo isso?

- O que?
- Xi! - Pediu silencio com a boca.

O som era uma respiração. Pesada como de um moribundo respirando por aparelhos. Era alta.
Parecia vir de todos os cantos e nenhum ao mesmo tempo. Suor escorreu a face de Erika. Todos
olharam inquietos ao redor. A nevoa cobriu a clareira como um manto cálido. As arvores ao redor, a
grama e a terra obre os pés começou apodrecer.

- Ele está aqui. - concluiu.

- O que a gente faz agora? - Laura perguntou em sussurros como se a besta pudesse ouvir.

- Sair da floresta… correndo… Não vamos durar aqui ate o amanhecer… Leva uns 40 minutos a pé
ate a entrada da floresta se formos correndo. Corpo-seco não vai nos perseguir em campo aberto.

- Isso e suicídio! - Gritou gabriel – Esse bicho anda entre as arvores e cria alucinações com nevoa
segundo você. Ele pode aparecer do nosso lado dentro da floresta pelo que disse.

- Quarenta minutos em movimento dentro da floresta. Ou ate o amanhecer parado aqui dentro. O
que prefere? - Disse Erika. Ele engoliu seco.

- Erika esta certa… - Disse pedro – Cara… como eu odeio quando ela está certa.

Com relutância, todos concordaram, a nevoa parecia fechar a clareira e ficar mais densa, cada vez
mais. Se demorassem muito não veriam nem dois passos a frente. Eles se encaram. Não podiam
adiar mais. Começaram a correr como loucos em direção as arvores. Uma corrida desesperada e
suícida. Não poderiam correr assim por quarenta minutos mas tinham que tentar. Se esquivavam de
arvores e galhos. A respiração de todos no grupo estava acelarada. O coração batia forte. O corpo
estava quente. Estavam correndo em um mundo completamente branco e frio. Os espinhos das
plantas feriam seus rostos pernas a cada passo. Volta e meia, Erika chamava pelos seus
companheiros só pra ter certeza que ainda estavam vivos.

Aquele mundo branco e gélido ocultado pela nevoa estava incomodando Erika já fazia algum
tempo. Algo estava errado. A floresta parecia ficar cada vez mais silenciosa. ‘’Porque?’’ se
perguntou. Tarde de mais entendeu. O som da voz e passos de seus companheiros estavam mais
baixos. ‘’Esperem! Vamos tocar nossas mãos, rápido!’’

Quando se virou pode observar todos na nevoa. Eles corriam em sua direção mas a cada passo
ficavam mais longe. Alguma magia negra do corpo-seco.

- Pedro! - Correu em direção a ele, mas ele se afastava mesmo correndo em sua direção

- Erika, eu te alcanço! - Apos dizer isso sumiu na nevoa.

- Erika! - Gabriel gritou antes de desaparecer.

Só um pensamento veio na mente de Erika. Ela se virou e correu o máximo que pode na direção de
Laura. Ela gritava, mas não podia ouvir sua voz. Ela estava mais perto, não costumavam ficar longe
uma da outra. Mas a nevoa parecia mais densa.

- VOCÊ NÃO VAI TIRAR MINHA AMIGA DE MIM MONSTRO! - Erika correu em direção a
laura com mais ódio do que medo.
Erika saltou sobre laura e a nevoa ao redor delas se dissipou ao toque. Elas se abraçaram, mas os
amigos tinham desaparecido.

- Eu estou bem… - Laura falou, ela não parecia abatida.


- Sim. Mas não vamos soltar mais nossas mãos ate sair daqui…- Erika disse abraçando a amiga.

Pedro agora corria sem direção em meio a floresta, não sabia onde era esquerda ou direita. Apenas
corria. Tarde de mais percebeu que saiu num lago. Ele era escuro, mas refletia as estrelas e a lua
nele. A visão o tranquilizou um pouco, mas só ate lembrar do mapa da floresta. Era como se tivesse
corrido na direção contraria o tempo inteiro.

Algo gelado passou pelos seus pes. Ele olhou pra baixo, aquilo era nevoa. Estava vindo das suas
costas. Seus cabelos se arrepiaram ao ouvir o gemido vindo de trás de sua nuca.

- Medo… - Ouviu a voz a suas costas, era como uma serpente. Fria e áspera – Medo… causa…
fome…

Pedro correu em direção ao outro lado da floresta sem olhar para trás. Mergulhou novamente
naquele mundo desorientador de arvores e fumaça branca. Quando mais corria mais sentia os
gemidos a suas costas se aproximando. A distancia parecia se encurtar.

Ao virar em uma arvore, deu de cara com a figura do corpo-seco. Alto e magro o suficiente pra ter
os ossos a mostra, pele cinza, um buraco no lugar da boca e os olhos arrancados sangrando.

- Você… não pode fugir… - Disse o monstro na voz áspera e sem expressão.

Pedro voltou a correr na outra direção. Ela corria com terror puro nos olhos. A cada falha na
floresta. Havia a figura do corpo-seco o observando.

- Você me teme… Entao me evoca… - disse ao ve-lo em uma curva.

- Medo… Causa fome… - ele estava agora numa arvore distante.

- Medo… me chama… - Disse agora em uma mais próxima a poucos metros.

Pedro corria mas não parecia fazer efeito. Ele se encostou numa arvore cansado.

- Vai… pro… inferno… - Disse ofegante encostado na arvore. Não tinha como correr mais.

Uma mao tampou sua boca vinda das costas. A mão era gelada e com unhas longas. O puxou para
tras o apertando contra a arvore. Mãos prenderam seus braços e outros pares saídos do chão sua
suas pernas. Pedro sentiu o hálito podre do monstro que sussurrava em sua orelha.

- Me expulsaram de lá…

Pedro nunca mais foi visto.

(….)

Gabriel era de longe o mais desesperado. Ele já tinha corrido pela floresta varias vezes e sempre
voltando a clareira do acampamento. A nevoa o prendia ali. Já

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