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AS CIVILIZAÇÕES CLÁSSICAS

"Em todos os domínios, mas principalmente no domínio das


técnicas industriais, as
civilizações do Egito e da Mesopotâmia foram, na verdade, os
'professores' da Grécia. O
milagre grego não surgiu do nada. Consistiu em recolher e
fecundar, uma pela outra, duas
heranças: a herança positiva das técnicas industriais e a herança
misteriosa dos sonhos, das
religiões, dos mitos do Oriente. O que é milagroso é ver nascer do
encontro e choque destas
tradições um espírito novo: o espírito da ciência, cujo ideal é julgar
livremente todas as coisas,
é encontrar a verdade.
(...) "Uma intensa procura da habilidade técnica fez de Atenas a
grande escola da
precisão e da perfeição, tanto no domínio das formas como no
domínio das idéias.
(...) "É a ciência, nascida das livres especulações da Grécia, que
permitirá ao gênio
moderno transformar radicalmente a condição industrial da
humanidade.
(...) "As proezas técnicas destes iniciadores diziam freqüentemente
respeito à arte
militar. A mecânica aplicava-se já ao armamento, à balística, à
defesa das praças. Mas o
primeiro triunfo decisivo da técnica grega desde o século VI a.C. é
um triunfo pacífico, no
domínio dos trabalhos públicos; a perfuração do túnel de Samos,
pelo arquiteto Eupálinos (o
túnel segue em linha reta por mais de um quilômetro).
(...) "Entre as técnicas que solicitaram o entusiasmo inventivo do
jovem pensamento
grego figuram, em primeiro lugar, as técnicas do mar. A âncora é
uma invenção grega do
século VII a.C.. Nessa mesma época, os vasos de guerra eram
armados com um temível
'esporão metálico' e equipados com cinqüenta remadores para
desfechar ataques rápidos e
certeiros.
(...) "A sinalização não foi esquecida. O Farol de Alexandria, obra
de uma técnica
mais avançada, foi sempre, pelas suas dimensões e pelo seu poder
(60 quilômetros de
alcance), o mais célebre exemplo destes faróis, multiplicados já
pelos gregos para uso dos
navegadores.
(...) "A intervenção decisiva do pensamento matemático, entre os
fatores do
progresso industrial, produziu-se na Grécia, com a criação da
'mecânica racional'.
Engenheiro e matemático de gênio, Arquimedes elucidou
completamente o princípio geral da
alavanca (...). Transformando esta velha inspiração técnica numa
idéia clara e numa verdade
cientificamente estabelecida, Arquimedes abriu ao espírito humano
um imenso campo de
deduções que podiam ser todas convertidas em novos instrumentos
de trabalho material (287
- 212 a.C.).
"Quer dizer, o estudo geral do equilíbrio dos sólidos fundado nas
experiências das
primeiras máquinas simples(6) constitui o ponto de partida racional
de todos os progressos da
mecânica aplicada.
"Com a mecânica e a partir da Escola de Alexandria (desde o séc.
III a.C. mas
sobretudo a partir do séc. II a.C.), assiste-se à eclosão das
verdadeiras técnicas modernas,
isto é, instrumentos concebidos pela razão, claramente deduzidos
de princípios científicos,
para um fim prático preciso: instrumentos que teriam sido capazes
de diminuir
consideravelmente 'o esforço dos homens'.
(...) "Destes ensaios isolados, tentativas suscitadas pela arte
militar(7), a cirurgia e a medicina,
a maquinaria do teatro, o transporte de materiais, destacam-se
pouco a pouco 'idéias técnicas'
muito precisas. Mas o seu interesse torna-se prodigioso quando se
verifica que estas idéias
técnicas descobertas pelos gregos têm, de fato, um enorme alcance
industrial - e sobre elas
assenta uma boa parte da nossa potência moderna. Destas idéias,
uma das mais fecundas foi
a do parafuso(8), da qual nasceram inúmeras invenções; é da
adaptação do parafuso à porca
que se constitui a chamada cavilha de ligação, ainda indispensável
à nossa técnica
moderna."(9)
Este quadro mostraria a inteligência grega na posse de muitas das
idéias
fundamentais da técnica moderna.
"De uma maneira geral, as invenções técnicas dos gregos, com
exceção talvez do
moinho de água e dos instrumentos cirúrgicos, serviram mais para
observação científica ou
para curiosidade, para a arte ou para a guerra, do que para a
transformação sistemática do
trabalho humano.
"A transformação técnica do mundo, que teria talvez salvo a cultura
mediterrânica,
foi ignorada pela invenção grega, apesar das prodigiosas
antecipações - assim como o foi pela
poderosa organização romana. Estas duas grandes formas da
sabedoria antiga foram hostis
ao desenvolvimento industrial.
(...) "A origem desta extraordinária 'esterilidade' prática parece
residir principalmente
no fato de que a sociedade antiga não dava especial interesse à
supressão da escravatura,
supressão que não podia considerar nem possível(10) nem
realmente desejável. Adaptados
durante séculos à utilização da energia humana, os antigos, longe
de pedir semelhante
transformação das suas tradições econômicas, sociais, políticas e
religiosas, tinham antes
razão para a temer. Consciente ou inconsciente, esta reserva das
civilizações clássicas em
face do maquinismo é um fato notável." (11)

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