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Reforma Psiquiátrica no Brasil

Brasília-DF.
Elaboração

Dárcio Antônio Argento

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO................................................................................................................................... 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA...................................................................... 5

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO........................................................................... 9

CAPÍTULO 1
BREVE HISTÓRICO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA LOUCURA NA MODERNIDADE............................ 9

CAPÍTULO 2
AS REFORMAS PSIQUIÁTRICAS PELO MUNDO........................................................................... 28

UNIDADE II
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA................................................................................................. 49

CAPÍTULO 1
HISTÓRICO DA SAÚDE NO BRASIL: A CRIAÇÃO DO SUS............................................................ 49

CAPÍTULO 2
A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL..................................................................................... 56

PARA (NÃO) FINALIZAR....................................................................................................................... 70

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 71
Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

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Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
Prezados alunos, nesse módulo, inicialmente abordaremos o fenômeno na loucura e a construção de
seu status enquanto doença. Partindo dessa contextualização histórica, percorremos uma trajetória
pelas diferentes experiências de Reforma Psiquiátrica no mundo, abordando essencialmente as
concepções de loucura, tratamento e reabilitação em cada uma delas. Tais experiências, somadas a
um contexto histórico cultural favorável no país, impulsionaram as mudanças que hoje observamos
no Brasil em relação ao campo da saúde mental, sendo esse o próximo tópico a ser abordado.

O foco desse módulo será especialmente nos movimentos e contexto sociocultural que favoreceram e
impulsionaram o movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil, entre eles, abordaremos a Reforma
Sanitária e a criação do SUS, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental e as diferentes
experiências no país de superação ao modelo asilar, segregatório e manicomial, vigente a época.

Nosso percurso histórico culminará na atual Política Nacional de Saúde Mental, que explicita os
princípios norteadores para a criação e efetivação das Redes de Atenção Psicossocial (RAPS). Você
é nosso companheiro nessa jornada! Bom estudo!

Objetivos
»» Analisar o percurso histórico-cultural da concepção de loucura enquanto doença.

»» Compreender as ideias centrais que fomentaram as principais experiências de


Reforma Psiquiátrica no mundo.

»» Contextualizar os movimentos e fatores socioculturais que impulsionaram a


Reforma Psiquiátrica Brasileira, evidenciando a criação do Sistema Único de
Saúde (SUS) e a Reforma Sanitária.

»» Analisar o percurso do movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil, apontando


seus impasses e desafios atuais.

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EXPRIÊNCIAS DE
REFORMA PSIQUIÁTRICA UNIDADE I
NO MUNDO

CAPÍTULO 1
Breve histórico sobre a constituição da
loucura na modernidade

Para darmos início ao nosso estudo, sugerimos que você reflita nas seguintes questões:

»» O que é loucura?

»» A loucura, na história da humanidade, sempre foi considerada uma


doença?

»» O que influencia a concepção e a forma como uma determinada sociedade


se relaciona com a loucura?

Antes de aprofundarmos nossos estudos, gostaríamos que vocês assistissem a esse


vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=R7IFKjl23LU. Esse pequeno
vídeodocumentário nos ajudará a não perder de vista questões fundamentais.
Lembremos dele quando nos perguntarmos o porquê das reformas psiquiátricas no
Brasil e no mundo.

Entender a significação de um termo, de uma categoria, de uma ideia – no nosso caso a loucura
– requer que em algum momento estejamos dispostos a fazer uma viagem no tempo. A ideia de
loucura se desdobrará em outros termos e em outras ideias, até chegarmos às reformas no âmbito
da saúde mental, foco do nosso curso. Olharemos para trás para tentar vislumbrar a história das
coisas, seu nascimento, desenvolvimento, seu ser e, por que não, especular sobre as possibilidades,
sobre o futuro. Assim como sentar-se confortavelmente numa poltrona para revirar nossos velhos
álbuns de fotos, (re)lembrando nossa infância com todas suas cores e sabores, nosso crescimento
e aprendizado, refletindo sobre onde chegamos, convido você, caro aluno (a), a compartilhar essa
viagem, na qual voltaremos no tempo para entender a constituição do nosso tema, como chegamos
a estas questões e, para onde elas podem nos levar. Proponho fazermos um exercício imaginativo
sobre qual futuro queremos. A História será nossa guia e fiel companheira. Tomemos assento. Uma
boa viagem a todos (as)!

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UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

A loucura e sua determinação moderna


Antes de iniciarmos nossa viagem, cabe uma pequena definição da ideia de modernidade que será
explorada no texto. Vamos usar como ponto de partida para a condição moderna o século XVI,
momento já consagrado pelos clássicos das ciências humanas. É o século das grandes navegações e
encontros dos europeus com outros povos e culturas. Época dos primórdios da revolução científica
que assentou base para o então futuro pensamento racionalista que, por sua vez, lançou nova luz
sobre o espírito ocidental, fazendo com que muitas questões passassem a ser entendidas de outra
maneira – algumas sofreram verdadeiras revoluções - entre elas, o tema da loucura.

O século XVI foi marcado pelas artes, pelas polêmicas e contestações do poder da Igreja
Católica, que desembocou na Reforma Religiosa e, por reação, na Contra Reforma. Foi o início
pujante do capitalismo em sua fase comercial e sua ânsia por novos mercados e mercadorias.
Século do redescobrimento e reapropriação da cultura clássica greco-romana, de gênios como
Michellângelo, Leonardo da Vinci, Shakespeare, Maquiavel, Luís de Camões, Erasmo de Roterdã,
Rafaello, Boticceli, Miguel de Cervantes, Lutero, entre tantos outros que emprestaram seu talento
ao século que passou para a história como do Renascimento (SEVCENKO, 1984). O homem se
viu como centro da criação, criatura suprema em meios a todas as outras. A Terra deixou de ser o
centro do universo para ganhar seu verdadeiro status: mais um planeta que gira em torno de mais
uma estrela, entre tantos outros Sistemas Solares. Em meio a esse rico caldo de cultura a ideia de
loucura não saiu ilesa.

No entanto, antes de olharmos mais de perto a loucura no período renascentista, cabe uma
constatação importante: a loucura como “fato médico”, como doença que pode ser diagnosticada
por um especialista, é uma operação relativamente recente na história (não passa de duzentos anos).
É produto fundamentalmente da Revolução Francesa e de profundas mudanças gestadas durante
o século XVIII, que puderam ver a luz durante e depois do período revolucionário. A loucura nem
sempre foi considerada uma doença, algo que requeria atenção dos especialistas e tratamento em
saúde. É sobre isso que iremos discorrer adiante.

Voltando ao século XVI, o Renascimento olhou a experiência da loucura ao ponto de celebrá-la de


modos diversos. A loucura tinha certo poder de atração; as sociedades europeias a viam como um
lugar recôndito e misterioso da consciência a ser explorado. No limite, os loucos possuíam algo de
santo, desfilando uma sabedoria inacessível aos homens comuns. Isso fazia sentido se atentarmos
ao fato de que a experiência da loucura também era celebrada na Grécia Clássica. Os loucos eram
vistos como seres dotados de muitas habilidades especiais, entre elas a de se comunicar com os
deuses, com o sagrado. Podiam ser conselheiros e adivinhos.

Ainda hoje, em muitas sociedades tribais, a percepção da loucura como algo positivo e espacial
se mantém, já que aqueles considerados por nós como loucos, são, nesses contextos, os pajés, os
curandeiros, os sábios, os conselheiros etc., ou seja, gozam de uma posição especial e respeitada.
Consequentemente, a experiência da loucura pode ser relativizada. A partir deste paralelo,
concluímos que a loucura não é entendida como doença e/ou fato médico em outras culturas. Ela,
a nossa loucura característica em sua fenomenologia tradicional, é alvo de outras significações
possíveis em outros tempos e espaços.

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EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

Seguindo adiante, a arte do renascimento nos dá mostras desta percepção peculiar que ganha corpo
a loucura.

“Na França, por exemplo, loucos célebres escrevem livros que são
publicados e lidos por um público culto como obras de loucura (FRAYZE-
PEREIRA,1994)”.

Nas letras, apareceram obras que mergulhavam na experiência da loucura e emergiram com
sucesso, sejam elas textos literários (Shakespeare, Cervantes) ou tratados filosóficos (Brant,
Erasmo). A pintura, no entanto, conseguiu retratar a experiência da loucura renascentista com
alto grau de elaboração. Os quadros do pintor holandês Hyeronimus Bosch nos deram a ideia de
como a percepção da loucura abandonou sua roupagem piedosa da Idade Média e adentraram na
modernidade, gerando uma espécie de atração.

Tomemos um deles como exemplo, “A Nau dos Loucos” (Figura 1). Bosch retratou um costume de
época em muitas cidades: os loucos eram embarcados e confiados aos barqueiros que os levavam
sem destino, batendo de porto em porto, de cidade em cidade. Alguns desembarcavam em cidades
distantes que de certa maneira os acolhiam, outros seguiam intermináveis viagens perfazendo
aquilo que, nas palavras do filósofo francês Michel Foucault (1997) “os tornavam prisioneiros de sua
própria partida”.

No entanto, o quadro possui algumas peculiaridades. No Figura 1 – A Nau dos Loucos de


primeiro plano estão um sacerdote e uma religiosa entregues Hyeronimus Bosch (cerca de 1494 a 1510)

aos prazeres da música, da comida e da bebida. Os loucos


estão embriagados e dispostos ao redor dos religiosos que
pareciam navegar todos por uma espécie de paraíso renovado.
A bandeirola tremulante num galho que se confunde com o
mastro do navio carrega os dizeres: “o triunfo diabólico do
Anticristo”. Nada mais distante da figuração puramente
religiosa da idade média. Aqui, sagrado e profano se misturam
para celebrar nos seus símbolos mais equidistantes, a religião
e a loucura.

O período renascentista superou a visão medieval religiosa


e caritativa sobre a loucura, elevando-a a outro patamar.
O louco passou a ser visto como alguém que possuía uma
espécie de sabedoria indecifrável e misteriosa, fora do alcance
das pessoas “normais”. Os delírios da loucura foram tomados
como expressão desse dom natural. Deu-se uma aproximação
natural de pessoas de diversos estratos sociais, inclusive
de grandes gênios, com o tema, tomando-o como fonte de
curiosidade e inspiração. No entanto, ao mesmo tempo em
que o Renascimento tirou a cultura clássica do engessamento
Figura adaptada e disponível em: <http://
medieval, deu início ao capitalismo em sua forma comercial, upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/
thumb/a/a2/Jheronimus_Bosch_011.jpg/309px-
fazendo surgir novas formas de arte. O capitalismo expandiu- Jheronimus_Bosch_011.jpg>. Acessado em:
01 fev 2014.
se pelo mundo, numa marcha incessante de encontros

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UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

e conquistas, espalhando formas de consciências e entendimento das sociedades em suas


nuances variadas.

Terminado o século XVI, o subsequente século XVII abriu-se para o chamado “racionalismo”,
embalado pela Revolução nas Ciências Naturais e tendo como grande expoente, o pensador René
Descartes (1596-1650). Tal pensador é produtor de umas das obras filosóficas mais importantes do
ocidente até os dias atuais. Sua frase consagrada “Penso, logo existo”, nos diz muito do que vem a
ser o racionalismo; o “sujeito que duvida” era o ponto de partida para o conhecimento verdadeiro.
A razão tornou-se a essência da condição humana e aquilo que não podia ser apreendido pela razão
carecia de status de verdade. Nesse sentido já podemos vislumbrar o nascimento da chamada
“consciência crítica” sob a tutela da razão em oposição à loucura que perdeu seu status renascentista
de fascínio, ganhando o rótulo de desrazão (FOUCAULT, 1997). O louco deixou de ser aquele que
possuía uma sabedoria recôndita superior, para tornar-se um outro que não era capaz de chegar ao
conhecimento. A partir do racionalismo, sabedoria e loucura se separaram completamente. Para
Descartes “a loucura fora colocada fora do domínio no qual o sujeito detém seus direitos a verdade:
domínio este que para o pensamento clássico, é a própria razão” (FOUCAULT, 1997). A razão
passou a olhar a loucura à distância e mais do que isso, produziu um discurso sobre a loucura em
via de mão única. Os racionalistas não queriam manter diálogo com a loucura, tratando de produzir
conhecimento sobre a loucura, numa tentativa de dizer o que é loucura sem partilhar da experiência
do louco.

Os efeitos do racionalismo na sociedade ocidental foram impactantes. Ergueu-se um conjunto de


instituições que passaram a dividir como as instituições tradicionais (igreja, clero, realeza etc.)
o entendimento e a orientação das sociedades. Dentro desse conjunto de instituições renovadas,
algumas se propunham – pela primeira vez – a dominar a loucura e assim condená-la ao silêncio.

Uma dessas instituições, responsáveis por materializar a concepção de loucura como desrazão, foi
especificamente o Hospital Geral, fundado por decreto do rei Luís XIV, em 27 de abril 1656, em
Paris, na França. Logo, esses hospitais se proliferaram como cogumelos pelo território francês,
e posterirormente por toda a Europa. Eram, em sua grande parte, antigos leprosários que foram
reativados.

Retomando-se a história, e voltando na linha do tempo, observamos que o hospital não era uma
ideia nova. Os primeiros hospitais do ocidente foram construídos a partir de 370d. C. por São Basílio
Magno, depois da instituição da norma de criação de hospitais como “sistemas sanitários”, tendo
o hospital de Roma como referência. Multiplicaram-se os hospitais dos primeiros séculos da era
cristã, como uma forma caritativa de abrigar os doentes, dar-lhes um refúgio mais espiritual que
médico - etimologicamente a palavra hospital deriva do termo hospedar, dar hospedagem, abrigo
- juntamente com as numerosas ordens religiosas associadas, que sobreviveram por mais de 1500
anos (FOUCAULT, 1979).

Tanto os hospitais da antiguidade quando aqueles que surgiram junto com o Hospital Geral no
século XVII, ainda não tinham caráter médico, por mais estranho que possa parecer para nós, tão
acostumados a associar hospital ao médico. A figura do médico não possuía qualquer autoridade
nesses espaços, (quando havia médicos nesses hospitais). O caráter da nova instituição ficou evidente
no seu decreto de criação: o Hospital Geral era uma instituição, em primeiro lugar, destinada a

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EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

recolher todos os pobres da cidade. Isso mesmo, pobres, e não doentes e/ou loucos, embora esses
últimos também terminassem nessas instituições, pois doentes e principalmente loucos eram
invariavelmente também pobres.

Os hospitais materializam duas novas visões sobre a pobreza: uma religiosa e outra socioeconômica.
A visão religiosa advinda da reforma protestante, adotada pelo mundo católico, trazia a ideia de que
a pobreza não era santificada como na Idade Média, pelo contrário, para os calvinistas suíços, por
exemplo, a riqueza era fruto de escolha divina. A pobreza caracterizava maldição do Senhor, que
voluntariamente castigava os pobres por meio do trabalho. Essa tipologia do trabalho como castigo
resgatava a passagem bíblica que trata da queda do paraíso por Adão e sua subsequente condenação
divina, sendo obrigado a ganhar seu sustento com o fruto do trabalho.

A outra visão de pobreza, materializada pelo hospital, era a socioeconômica. Tal visão estava ligada
ao progresso da mentalidade capitalista, que atribuiu ao pobre a culpa exclusiva por sua situação. A
pobreza fora colada à ociosidade e precisava ser remediada, dominada e no fim castigada.

À medida que a manufatura substituiu os trabalhos artesanais, as terras passaram a ser destinadas
para fornecimento de matéria prima para as manufaturas nascentes. Os camponeses foram expulsos
de suas terras por pressões econômicas ou simplesmente pela violência de algum produtor; sem
opção, os pobres do campo migraram para as cidades, promovendo um verdadeiro inchaço urbano.
Essa passagem foi bem descrita pelo filósofo Thomas More (1999) em sua obra A utopia, para
caracterizar tal processo na Inglaterra:

...um avarento faminto enfeixa, num cercado, milhares de geiras; enquanto


que honestos cultivadores são expulsos de suas casas, uns pela fraude, outros
pela violência, os mais felizes por uma série de vexações e de questiúnculas
que os forçam a vender suas propriedades. E estas famílias mais numerosas do
que ricas (porque a agricultura tem necessidade de muitos braços), emigram
campos em fora, maridos e mulheres, viúvas e órfãos, pais e mães com seus
filhinhos. Os infelizes abandonam, chorando, o teto que os viu nascer, o solo
que os alimentou, e não encontram abrigo onde refugiar-se. Então vendem a
baixo preço o que puderam carregar de seus trastes, mercadoria cujo valor é já
bem insignificante. Esgotados esse fracos recursos, o que lhes resta? O roubo,
e, depois, o enforcamento segundo as regras.

No meio urbano, muitas dessas pessoas não conseguiam trabalho e passaram a viver de acordo
com as circunstâncias, realizando pequenas atividades. Tornaram-se ou criminosos ou mendigos
ou entregavam-se ao vício do álcool, e outros tantos eram vendedores ambulantes de toda
espécie de mercadoria. Somados aos camponeses de outras regiões, que vinham à cidade para
vender seus produtos em feiras livres, faziam de Paris um lugar insuportavelmente sujo e fétido,
além de pequena para abrigar tanta gente. Paris do século XVII não era sombra da bela cidade
contemporânea.

O Hospital Francês (Hospital Geral criado pelo rei Luís XIV) e seus congêneres (Casas de Correção
na Alemanha e Casas de Trabalho na Inglaterra) recolhiam os pobres por ordem judicial ou esses se
apresentavam voluntariamente. É importante ressaltar que essas pessoas não iam aos Hospitais sob

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UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

qualquer diagnóstico médico, mas sim consoante com a moral vigente naquele período, encarnada
nos administradores desses lugares. Nas palavras de Foucault (1997):

Trata-se de recolher, alojar, alimentar aqueles que se apresentam de


espontânea vontade, ou aqueles que para lá são encaminhados pela autoridade
real ou judiciária. É preciso também zelar pela sua subsistência, conduta e
pela ordem geral... Essa tarefa é confiada aos diretores nomeados por toda a
vida, e que exercem seus poderes não apenas nos prédios do Hospital, como
também por toda cidade de Paris sobre todos aqueles que dependem de
sua jurisdição.

A população dos hospitais era variável. Em épocas de crise, quando aumentava a miséria, a
mendicância e o crime, o número de internos, na maioria forçados a irem para os hospitais, aumentava
enormemente. Quando a economia se recuperava, o Hospital funcionava como fornecedor de mão
de obra barata para diversos setores produtivos. A própria instituição empregava os internos em
muitas atividades, que em sua maioria erma trabalhos forçados, punitivos e, na visão do status quo
administrativo, “terapêuticos”. Lembremos que na percepção da Idade Clássica e do Racionalismo,
a origem da pobreza encontrava-se na própria pessoa, que era caracterizada como libertina e
indisciplinada. Em resumo, a pobreza era vista como caso de polícia, obra do próprio indivíduo,
considerado o único responsável por sua condição.

A prática do internamento dos pobres levou também à reclusão dos loucos, como já observado
anteriormente. Dentro dos estabelecimentos hospitalares-prisionais, a loucura pôde ser observada
detalhadamente e a percepção social da época chegou à conclusão que o louco beirava à animalidade
e que a loucura desprovia de qualquer sentido racional. A maneira como os loucos eram tratados em
tais estabelecimentos era brutal, eis a descrição de uma delas:

As loucas acometidas por um acesso de raiva são acorrentadas como cães à


porta de suas celas e separadas das guardiãs e dos visitantes por um comprido
corredor defendido por uma grade de ferro; através dessa grade é que lhes
entregam comida e palha, sobre a qual dormem; por meio de ancinhos, retira-
se parte das imundícies que as cercam (FOUCAULT, 1997).

Não é difícil perceber que o fascínio renascentista pela loucura e o livre trânsito medieval do louco
pela sociedade foram definitivamente soterrados pela idade nascente da razão.

Percebeu-se que a loucura não era um desatino que provinha da ociosidade, da libertinagem,
diferentemente dos pobres que ali estavam, mas um estado contrário a qualquer paradigma
racional; assim, a loucura fora equiparada à animalidade que despojava o louco de qualquer traço
de humanidade. Loucura não era vista como desvio nem doença, portanto, ao louco não carecia
correção, muito menos tratamento. Esse sujeito subsumido pela racionalidade dominante dos
homens de bom senso de época foi sumariamente contido e embrutecido, ao mesmo tempo em que
serviu de espetáculo para que a razão fosse exaltada publicamente.

As instituições desse tipo perduraram por aproximadamente 150 anos e apenas no final do século
XVIII, com o advento da Revolução Francesa, a experiência da loucura pôde ser revista.

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EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

Psiquiatria e Revolução Francesa


A Revolução Francesa foi um evento de proporções gigantescas na história mundial e, junto à
Revolução Inglesa, pavimentou o caminho para consolidação do modo capitalista na sua fase
industrial. São chamadas revoluções ‘burguesas’ por terem sido capitaneadas por um estrato
social poderoso chamado ‘Burguesia’ que até aquele momento detinha muito poder econômico na
França e desejava obter o poder político nas mãos da monarquia absoluta de Luís XVI. Entretanto,
a Revolução Francesa não deu vazão apenas a transformações político-econômicas, mas abriu um
leque enorme de mudanças sociais, nas ciências e nos costumes, que se espraiaram por todo mundo,
desde América – fomentando independências - até os confins do Oriente (HOBSBAWM, 1996).

Nas palavras do historiador Carlos Guilherme Mota (2007)

A Revolução Francesa constitui um dos capítulos decisivos da longa e


descontínua passagem histórica do Feudalismo ao Capitalismo. Com a
Revolução do século XVII e a Revolução Industrial do Século XVIII na
Inglaterra e ainda com a Revolução Americana de 1776, a “Grande Révolution”
lança os fundamentos da História Contemporânea. Diversamente de todas as
outras, entretanto, assistiu-se na França à primeira experiência democrática
da História.

A Revolução Francesa trouxe consigo uma renovação das ideias racionalistas do século XVII, sob
o prisma dos ideólogos da filosofia Iluminista. Segundo Imannuel Kant (2005), filósofo do século
XVIII, o Iluminismo pode ser caracterizado como

...a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos se impuseram
a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria
razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria
tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento,
mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento
independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para
fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema do Iluminismo”.

Se havíamos dito anteriormente que o Racionalismo do século XVII também primava pela razão,
qual a diferença entre o conceito de razão no século XVII e no século XVIII? Basicamente a razão
cartesiana do século XVII ainda se prendia a determinações metafísicas, ou seja, pensadores como
Descartes, ou Leibniz, estavam preocupados em descobrir as leis naturais que regiam o universo,
mas subordinavam o conhecimento aos desígnios da religião e de Deus, e os homens ao poder dos
reis. Os iluministas defendiam a separação entre razão e religião e abominavam o poder despótico
monárquico afirmando a supremacia da liberdade do indivíduo. Essa inovadora perspectiva da ideia
de razão, centrada no indivíduo que deveria ser capaz de alcançá-la para atingir o conhecimento e a
cidadania, implicaram também em uma nova perspectiva no entendimento da loucura.

Dentro destas transformações ímpares, algumas tiveram muita importância dentro da medicina,
em particular, na história da loucura e da psiquiatria. Uma delas diz respeito à passagem do
hospital como instituição quase carcerária, ou filantrópica, para uma instituição médica, de fato.

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UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

Nesse sentido, o médico tornou-se a figura central dentro dos hospitais, substituindo os antigos
administradores nomeados pelo rei. É assim que, como detentor de um novo saber-poder legitimado
pela sociedade que florescia, o médico Philippe Pinel iniciou sua grande obra de transformação do
Hospital Geral de Paris, em 1793. Pinel havia sido um revolucionário ativo, e como resultado de sua
atuação política e de suas ideias passou a dirigir o Hospital de Bicêtre (uma das unidades do grande
Hospital Geral de Paris). Posteriormente Pinel seguiu para La Salpêtrière, um sanatório que anos
mais tarde seria um grande laboratório para as ideias do jovem Dr. Freud.

Figura 2 - Philippe Pinel (1745 - 1826)

Figura adaptada e disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/File:Philippe_Pinel.jpg>. Acessado em: 15 jan 2014

Pinel introduziu o conceito de “alienação mental” para referir-se à loucura, daí que o médico que
tratava a loucura passou a chamar-se alienista. Alienação, no sentido comum, significa “de fora”,
“alienígena”, mas pode significar também algo que é originário de alguém, mas que está sob a
posse de outrem. Nesse sentido, Pinel referia-se à razão que estava fora do paciente, sob a posse
do alienista. O alienista era portador desta nova racionalidade que decidia entre os cidadãos livres
e aqueles que necessitam ser internados ou mantidos nos hospitais para que pudessem recuperar
suas faculdades mentais. De posse da razão que faltava ao paciente, o alienista podia fazer um
juízo moral a respeito do comportamento alheio e diagnosticar as faltas e as condutas desviantes
(MACHADO, 1998).

Uma das primeiras medidas tomada por Pinel foi desacorrentar os loucos, iniciativa célebre, na
esteira dos ideais da Revolução Francesa que lutava por “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Pinel foi considerado um grande revolucionário, por levar aos Hospitais a humanização das
práticas nessas instituições, assim como Tuke, na Inglaterra. Ambos são denominados fundadores
da psiquiatria, pois propuseram uma nova forma de intervenção para a população internada nos
Hospitais, entre elas o tratamento moral.

O tratamento moral se fundamentava em disciplinar os doentes e reproduzir nos asilos a sociedade


fora dele, a produtividade e o trabalho, para que assim eles pudessem se adaptar e voltar ao convívio

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EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

social. Para isso, era necessário a mudança de hábitos, por meio da disciplina, da autoridade e do
poder exercido sobre eles mediante o trabalho. As atividades de trabalho poderiam ser artesanais,
agrícolas, de manutenção da instituição como limpeza e cozinha e atividades de lazer.

O ato de desacorrentar os loucos não significou liberdade plena para os doentes, pelo contrário,
eles continuaram isolados do convívio social, agora, sob uma nova demanda social, orientada pela
revolução, impregnada na sociedade e materializada no tratamento hospitalar: para recuperar a
liberdade faz-se necessário recuperar a razão! A esse respeito, Pinel é claro quando afirma que:

Em geral é tão agradável para um doente estar no seio da família e aí receber


os cuidados e as consolações de uma amizade terna e indulgente... (mas) As
ideias confusas e tumultuosas... exigem um conjunto de medidas adaptadas
ao caráter particular desta enfermidade, que só podem ser reunidas num
estabelecimento que lhes sejam consagrados. (PINEL apud CASTEL, 1978).

Pinel manteve o tratamento asilar em regime de isolamento completo, baseado no princípio


terapêutico do “tratamento moral” e “do isolamento do mundo exterior”, método que infelizmente
persiste na prática psiquiátrica até os dias atuais1.

Isolamento hospitalar e alienação mental tornaram-se as pedras edificantes de uma nova terapêutica
de cunho moral. O hospital passou de um lugar que oferecia aos loucos, meios para se chegar à cura,
para uma instituição que submeteria o alienado a “regras de polícia interior”. O hospital tornou-
se, ele próprio, uma instituição terapêutica e a consequente proximidade com os loucos, junto à
possibilidade de observá-los com maior rigor, permitiu a Pinel “elaborar uma primeira nosografia,
isto é, uma primeira classificação das enfermidades mentais, que consolidou o conceito de alienação
mental e a profissão do alienista” (AMARANTE, 2007).

O Tratado Médico-Filosófico sobre a Alienação Mental ou a Mania, elaborado por Pinel, é considerado
o primeiro livro da especialidade médica, que alguns anos depois ganhou o nome de psiquiatria. A
partir desse momento, loucos foram considerados pacientes e a loucura ganha o status de doença.

Segundo Silva (2001)

coerente com a visão da doença como distúrbios das funções mentais,


evidenciada pelo comportamento, mais ou menos, desviante dos pacientes,
ou ainda, como produto das paixões, Pinel preconizava o tratamento moral –
que implicava uma situação especial, na qual o paciente, livre das influências
agravantes do convívio social, seria encaminhado para uma recuperação da
sua plena racionalidade.

As instituições asilares de base pineliana espalharam-se por toda a Europa, graças às conquistas
territoriais francesas e à consequente exportação da revolução e de suas ideias para esses países
ocupados, perpassando todo o século XIX e parte do XX. Buscou repor sua luta contra a alienação
mental e restituir ao louco sua razão supostamente perdida. Constituem-se os hospitais psiquiátricos

1 Para termos uma noção de como essa construção pineliana sobreviveu no tempo, no Brasil ainda existem 32.284 leitos em
hospitais psiquiátricos, segundo dados recentes, referentes a 2012, do Ministério da Saúde. Infelizmente, essa forma de
tratamento ainda é alternativa no tratamento de pacientes em sofrimento mental em muitas cidades brasileiras. (BRASIL.
Ministério da Saúde, 2012).

17
UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

e, na sequência, veremos como esse modelo asilar vai progressivamente sendo contestado até
chegarmos às reformas psiquiátricas do século XX.

Figura 3 - Quadro do pintor Tony Robert-Fleury (1837-1912), retratando Philippe Pinel


desacorrentando pacientes no Hospital de Salpetriere, em Paris

Figura disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/File:Philippe_Pinel_%C3%A0_la_Salp%C3%AAtri%C3%A8re.jpg>. Acessado em: 15


jan. 2014

A partir do que foi estudado sobre a Revolução Francesa e o nascimento da


Psiquiatria e a imagem anterior, do pintor Tony Robert-Fleury, faça um reflexão
crítica enfatizando o seu ponto de vista com relação às mudanças no tratamento
psiquiátrico realizadas por Pinel durante a Revolução Francesa.

O despertar da luta antimanicomial


Desde seu surgimento, o hospital psiquiátrico foi objeto de muitas críticas. Os contemporâneos de
Pinel observaram que em nome da razão ergueu-se um paradoxo com a liberdade, um dos pilares
da Revolução Francesa. Que estranha instituição era essa que sequestrava e aprisionava aqueles que
pretendia libertar?

Amarante (2007) afirma que:

os primeiros asilos ficaram rapidamente superlotados de internos. A enorme


dificuldade em estabelecer os limites entre a loucura e a sanidade; as
evidentes funções sociais (ainda) cumpridas pelos hospícios na segregação
de segmentos marginalizados da população; as constantes denúncias de
violências contra os pacientes internados fizeram com que a credibilidade
do hospital psiquiátrico, e em última instância, da própria psiquiatria, logo
chegasse aos mais baixos níveis.

Diante dessa constatação iniciaram-se algumas iniciativas em busca de mudanças nas instituições
psiquiátricas, sendo o foco o Hospital Psiquiátrico. Antes dessas iniciativas, as colônias de

18
EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

alienados foram a primeira alternativa ao tratamento psiquiátrico utilizado no século XIX, além
de tentar também resgatar a credibilidade da psiquiatria, enfraquecida pelas críticas.

A ideia das colônias de alienados veio à tona no livro de Jean-Étienne Esquirol, chamado
“Maladies Mentales” (1838). Esquirol foi o maior discípulo e continuador da obra de Pinel e
sua obra influenciou centenas de médicos e psiquiatras pelo mundo, tendo grande inserção na
psiquiatria brasileira. Neste livro Esquirol resgatou a história da Vila Geel, ou “ville de fous”
(vila dos loucos) na Bélgica, onde havia uma colônia de alienados desde tempos imemoráveis.
Esquirol foi atraído ao local porque enquanto em todos os outros países da Europa havia casas
de internamento, hospícios e asilos, na Bélgica essas instituições estavam desativadas e os loucos
eram levados para Geel. Chegando a Geel, os loucos eram acolhidos por famílias, já que na vila não
existia nenhum hospício, apenas um pequeno hospital geral. Esquirol relatou que os alienados,
homens e mulheres, viviam livremente pelas ruas, sem que as pessoas notassem. Havia alguns
furiosos que, em último caso, “lhes metem ferros nos pés e mãos, como um que vimos errando na
estrada, com as pernas, do joelho para baixo, muito machucadas” (ESQUIROL apud PACHECO;
SILVA, 1957).

Figura 4 - Jean-Étienne Dominique Esquirol (1772 - 1840)

Figura adaptada e disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/File:Jean-%C3%89tienne_Dominique_Esquirol.jpg>. Acessado em: 15 jan 2014

Porém, o que mais chamou atenção de Esquirol foi o fato de que os alienados trabalhavam na
agricultura, e as mulheres faziam serviços domésticos, tecendo e servindo nas casas. O trabalho
despertou o entusiasmo dos alienistas como intervenção terapêutica e muitas colônias de alienados
foram organizadas em grandes áreas agrícolas, onde os alienados pudessem submeter-se ao trabalho
enquanto atividade terapêutica. Os alienistas brasileiros do final do século XIX e começo do século
XX foram adeptos fervorosos das colônias de trabalho. Dezenas delas foram criadas por todo Brasil
e, para termos uma ideia da magnitude do projeto de apenas uma delas, a Colônia de Juquery, em
São Paulo, chegou a ter 16 mil internos (AMARANTE, 2007).

19
UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

Observamos que, as primeiras críticas ao modelo de tratamento psiquiátrico proposto por Pinel,
surgiram no momento de sua implantação durante a Revolução Francesa. Algumas décadas depois
Esquirol foi o grande inspirador das colônias de trabalho. A partir de agora veremos como, ao
longo do século XX, esses questionamento aumentaram de intensidade e se desdobraram em novas
propostas de atenção aos então considerados doentes mentais.

No campo clínico, iniciou-se um questionamento quanto à validade do tratamento em longos


prazos nos manicômios. Constatou-se que a permanência dos internos nos hospitais psiquiátricos
não trazia melhoras significativas, pelo contrário, observou-se o desenvolvimento de um quadro de
apatia e falta de iniciativa por parte dos doentes. Segundo Goffman (2001), as práticas cotidianas da
instituição, chamada por ele de “instituição total” resultavam em uma desidentificação do paciente,
ou seja, a perda da sua identidade, ele chamou esse processo de “mortificação do eu”. Alguns
exemplos que levavam a “mortificação do eu” eram:

»» A perda do nome.

»» O confisco de bens pessoais, ou seja, a separação entre a pessoa e as suas coisas.

»» Exposição contaminadora, em que o sujeito é obrigado a conviver com coisas com


as quais não se identifica e mantinha certo distanciamento (sujeira, alimentos
estragados...).

»» As práticas padronizadas nestes lugares.

»» Perturbação entre o ator individual e o seu ato. Em muitos casos as atitudes dos
sujeitos são usadas contra eles próprios, seja para ridicularizá-los ou castigá-los”
(GOFFMAN, 2001).

Para piorar, eram recorrentes denúncia de maus-tratos dispensados aos pacientes dos manicômios,
o que elevava o tom das críticas a uma instituição que foi mostrando-se cada vez mais pouco
terapêutica e desumanizada. Franco Basaglia (2005), expoente da reforma psiquiátrica italiana
afirma que: “O internamento enlouquece, mas que, posto num espaço de coação, onde mortificações,
humilhações e arbitrariedades constituem a regra, o homem [...] Objetifica-se gradativamente nas
leis do internamento, identificando-se com elas” (BASAGLIA, 2005).

Com a crescente preocupação com os direitos civis e com as liberdades individuais oriundas dos
setores democráticos Pós-segunda Guerra e dos movimentos de contracultura dos anos 1960, as
críticas aos manicômios se fortaleceram. A experiência nazista e seus campos de concentração,
o extermínio em massa de vários segmentos sociais, inclusive doentes e deficientes mentais,
despertou a opinião pública mundial para a questão da loucura e a forma como essa era tratada
pela sociedade.

Nos anos 1960, a maré de movimentos sociais de toda ordem aprofundou a questão do respeito aos
direitos civis e humanos, além de pedir por mais igualdade entre as pessoas. A polêmica em torno
dos velhos manicômios e das novas demandas sociais atingiu níveis elevados de tensão. Soou a hora
do modelo asilar. Entram em cena as reformas psiquiátricas pelo mundo e pelo Brasil.

20
EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

Psicanálise
Vimos anteriormente que o novo modelo de tratamento psiquiátrico proposto por Pinel, durante a
Revolução Francesa, não nasceu isento de críticas. Os revolucionários franceses haviam percebido
uma sutil contradição entre o discurso libertador e a instituição que teimava em aprisionar. No
entanto, a experiência pineliana seguiu adiante em meio às críticas e a apesar delas, difundindo-
se pela Europa, à medida que a França ocupava outros países, principalmente, durante as guerras
napoleônicas conquistando centenas de adeptos na Europa e em todo mundo.

Recordemos ainda uma tentativa significativa de extrapolar o modelo pineliano, chamada de


“colônia de alienados”, que se baseava no trabalho como ação terapêutica. A colônia de alienados
foi sistematizada por um dos maiores discípulos de Pinel, o psiquiatra Esquirol, com base no seu
contato com a Vila de Geel. Outras experiências mais isoladas buscavam novas formas de tratamento
que possibilitassem transpor a psiquiatria tradicional, no sentido de levar em conta aspectos das
doenças mentais que não eram significativos para o tratamento padrão.

Essas outras experiências procuravam respostas que superassem as explicações puramente


orgânicas que os psiquiatras davam para as doenças nervosas. Por volta dos anos 1980 do século
XIX, entre essas experiências inovadoras, podemos destacar o emprego pioneiro do hipnotismo pelo
neurologista francês Jean Charcot e pelo médico vienense Joseph Breuer (UCHOA, 1978). Ambos
dedicaram-se a tratar pacientes acometidas por paralisias histéricas, que além de não evoluírem
com o tratamento da psiquiatria padrão, em muitos casos, sequer eram aceitas nos hospitais
psiquiátricos da época.

Eentre as propostas inovadoras, que se concentraram nos aspectos psicológicos dos distúrbios
mentais, aquela que obteve maior sucesso foi a Psicanálise. A Psicanálise foi criada por Sigmund
Freud na virada do século XIX para o XX. Considera-se a publicação da obra “A interpretação dos
sonhos”, em 1900, como marco fundante da Psicanálise (FREUD, 1966). O termo psicanálise pode
referir-se à teoria, a um método de investigação e a uma prática profissional.

Sigmund Freud era de origem judaica, nasceu em 1856 na região da Moravia que, então, pertencia
ao extinto Império Austro-Húngaro (hoje essa região forma a parte oriental da República Tcheca). A
família de Freud mudou-se para Viena quando ele tinha apenas três anos de idade. Em Viena, Freud
passou praticamente toda sua vida, vindo a falecer em Londres, em 1939, cidade na qual se refugiou
para escapar da perseguição nazista. Freud formou-se em medicina na Universidade de Viena, em
1881, e especializou-se em Psiquiatria.

Após concluir seus estudos, Freud tentou a carreira acadêmica e foi trabalhar com Theodor Hermann
Meynert, um conceituado psiquiatra austríaco que naquele momento dirigia a clínica psiquiátrica
associada à Universidade de Viena. No entanto, dificuldades financeiras fizeram com que o jovem
Dr. Freud abandonasse momentaneamente sua carreira de pesquisador. Freud passou a clinicar,
atendendo pacientes acometidos de “problemas nervosos”, termo genérico usados na época para
designar as doenças mentais.

Ao final da sua residência médica, no Hospital Geral de Viena, em 1885, Freud ganhou uma bolsa
de estudos em Paris. Nesta cidade teve a oportunidade de estudar no Hospital da Salpêtrière com o

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UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

conceituado neurologista Jean Charcot, que tratava seus pacientes histéricos empregando hipnotismo.
Em 1886, Freud regressou a Viena e passou, ele próprio, a utilizar o método da sugestão hipnótica.

Em Viena, Freud travou contato com o médico Josef Breuer, que também pesquisava os aspectos
psíquicos dos distúrbios nervosos como a histeria. É importante lembrar que a Psiquiatria não
considerava a histeria como uma doença porque os médicos não aceitavam os aspectos psíquicos
como científicos. Aspectos científicos só eram aqueles que podiam ser medidos ou comprovados
materialmente. Diante dessa negativa, Freud afirmou que:

“Eles não sabiam o que fazer do fator psíquico e não podiam entendê-lo.
Deixavam-no aos filósofos, aos místicos e – aos charlatães: e consideravam
não científico ter qualquer coisa a ver com ele” (FREUD, 1996b)

Figura 5 - Sigmund Freud (1856 - 1939)

Figura adaptada e disponível em: < http://en.wikipedia.org/wiki/File:Sigmund_Freud_LIFE.jpg>. Acessado em: 15 jan 2014

Mesmo contra as diretrizes da Medicina e da negativa das sociedades médicas em aceitar os


aspectos psíquicos das doenças, Freud e Breuer aprofundaram as investigações desses fenômenos
não mesuráveis e passaram a atender juntos os pacientes do Dr. Breuer. Nesse momento, Freud já
suspeitava que houvesse uma outra lógica operando por trás da estrutura psíquica conhecida, da
consciência propriamente dita. Outra estrutura, que as pessoas não detinham controle total, e dessa
estrutura é que se originavam os sintomas como aqueles observados nas crises histéricas.

Para que Freud e Breuer chegassem a esse primeiro esboço da ideia de inconsciente, o tratamento
de uma paciente em particular chamada Anna O. foi fundamental. Anna O. era paciente do Dr.
Breuer que a tratava com hipnose há algum tempo. Ainda não haviam sido alcançados resultados
satisfatórios. Freud passou a acompanhar as sessões. Anna O. apresentava uma série de sintomas
como paralisia com contratura muscular, inibições, dificuldades de pensamento e, por um período
de sua vida, ficou impossibilitada de beber água.

Em estado de vigília, Anna O. não era capaz de lembrar a origem dos sintomas, mas sob efeito da
hipnose resgatava cada um deles. Quase todos os sintomas estavam ligados à fase em que ela havia
cuidado do pai enfermo e a pensamentos e reminiscências que não puderam ser expressas na época

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EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

da vivência. Alguns sintomas se referiam ao seu desejo de que o pai viesse a falecer. Estes e outros
pensamentos foram reprimidos e substituídos pelos sintomas.

Na busca incessante da origem destes sintomas, os dois pesquisadores avançavam em suas


descobertas. Por meio do emprego da hipnose, notaram que os sintomas ligavam-se a reminiscências
carregadas de cargas afetivas, e que havia, por parte dos pacientes, um desconhecimento da causa
do seu sofrimento, um não saber sobre si. A esse respeito Freud nos diz que

“[...] as recordações esquecidas não se haviam perdido. Jaziam em poder


do doente e prontas a ressurgir em associação com os fatos ainda sabidos,
mas alguma força as detinha, obrigando-as a permanecer inconscientes”
(FREUD, 1996).

Assim, o tratamento foi conduzido de maneira que a paciente, em estado hipnótico, fosse capaz
de liberar essas emoções que estavam ligadas aos acontecimentos traumáticos, possibilitando a
eliminação dos sintomas. Breuer denominou esse método de catarse ou método catártico. O
método catártico passou a ser amplamente explorado pela dupla, porém, logo em seguida, Freud o
abandonaria em benefício de outro método que ele chamou de associação livre. Como nos lembra
Uchoa (1978) “O próprio Freud situa o nascimento da Psicanálise no momento em que substituiu a
hipnose e o método catártico pelo método da associação livre”.

Figura 6 - Josef Breuer (1842 - 1925)

Figura adaptada e disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jozef_Breuer,_1877.jpg>. Acessado em: 15 jan 2014

O método da associação livre pavimentou o caminho para o nascimento da Psicanálise. Freud havia
percebido algumas falhas no método catártico, entre elas o fato de que quando o paciente retornava
do transe, e apesar das descargas emocionais, nem sempre os sintomas desapareciam, ou, como no
caso de Anna O. novos sintomas emergiam das suas memórias inconscientes.

23
UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

O método da associação livre consistia na escuta da “fala desordenada” do paciente, segundo Mezan
(1982), Freud:
aos poucos foi modificando a técnica de Breuer: abandonou a hipnose, porque
nem todos os pacientes se prestavam a ser hipnotizados; desenvolveu a técnica
de “concentração”, na qual a rememoração sistemática era feita por meio da
conversação normal; e por fim, acatando a sugestão (de uma jovem) anônima,
abandonou as perguntas – e com elas a direção da sessão – para se confiar por
completo à fala desordenada do paciente.

Por meio do método da associação livre o tratamento ganhou em qualidade e os resultados


começaram a aparecer, porém uma perguntava ainda ressoava na mente do Dr. Freud e aguçava
seu gênio: “Qual poderia ser a causa de os pacientes esquecerem tantos fatos de sua vida interior e
exterior...?” (FREUD, 1996).

Freud notou que as lembranças que brotavam na mente dos histéricos durante os estados hipnoides
eram resultados de um processo de defesa ou de repressão. Ou seja, durante o estado de vigília
mecanismos de controle atuavam para que as lembranças reprimidas ficassem depositadas em
algum outro lugar inacessível para a consciência, bloqueando-as para que elas que não chegassem
à consciência.

Esses mecanismos de controle eram responsáveis pela amnésia relativa a muitos eventos
ocorridos na vida dos pacientes que surgiam durante a hipnose. Por que, então, somos dotados
de mecanismos de defesa, ou melhor, por que determinadas lembranças são reprimidas? Ainda
segundo Freud, certas recordações referem-se a impulsos considerados negativos pelo atual
estágio de desenvolvimento de nossas sociedades, tais como a crueldade, o egoísmo, mas,
principalmente àqueles ligados à sexualidade. Portanto, os mecanismos de defesa evitam que
pensamentos dessa natureza cheguem à consciência. Assim, a repressão impede a manifestação
do sofrimento psíquico que poderia levar o indivíduo ao colapso, caso essas reminiscências
consideradas negativas pudessem ser lembradas conscientemente.

A partir do momento em que Freud abandonou o método catártico e passou a utilizar o método
da associação livre, essas primeiras suposições ficaram evidentes. Freud percebeu que, em muitas
ocasiões, os pacientes ficavam embaraçados ou mesmo envergonhados com determinadas palavras
ou imagens que lhes ocorriam durante a fala espontânea. Foi a partir dessas observações, que Freud
chegou à conclusão de que além da consciência outra lógica operava em todas as pessoas. Uma
lógica ordenada por outro componente do aparelho psíquico que Freud chamou de inconsciente.
É no inconsciente que estão depositadas as memórias, reminiscências e desejos que não podem ser
acessadas conscientemente, e pelo fato de não poderem manifestar-se como são, esses produtos do
inconsciente aparecem como sintomas neuróticos.

O inconsciente foi a descoberta freudiana considerada a pedra angular de toda a construção da


teoria psicanalítica. A descoberta do inconsciente, dos mecanismos de repressão e da origem dos
sintomas, segundo Freud (1996):

(...) constituíram a base principal da compreensão das neuroses e impuseram


uma modificação do trabalho terapêutico. Seu objetivo (...) era descobrir as

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EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

repressões e suprimi-las através de um juízo que aceitasse ou condenasse


definitivamente o excluído pela repressão. Considerando este novo estado de
coisas, dei ao método de investigação e cura resultante o nome de psicanálise
em substituição ao de catártico.

A partir do contato com as pacientes histéricas e do trabalho em conjunto com o Dr. Breuer,
Freud dedicou toda a sua vida na (re) elaboração da teoria psicanalítica. Foram décadas de
pesquisa, de clínica e de divulgação da teoria psicanalítica por todo o mundo até sua morte
no exílio londrino no ano de 1939. Freud teve muitos discípulos célebres que se tornaram
continuadores e colaboradores no enriquecimento da teoria psicanalítica. Nomes como de
Alfred Adler, Otto Rank, Anna Freud (filha de Freud), Melaine Klein, Sandor Ferenczi, Jacques
Lacan, entre tantos outros. Alguns partiram da psicanálise para construir sua própria teoria
de interpretação e tratamento das doenças mentais como Carl Gustav Jung, psiquiatra e
psicoterapeuta suíço, fundador da psicologia analítica. Jung foi um dos maiores discípulos de
Freud na primeira década do século XX, chegando a presidir o primeiro Congresso Psicanalítico
Internacional, em 1911.

Retomando-se o foco do nosso capítulo, que se refere à contextualização das concepções de


loucura e os alicerces para os movimentos de Reforma Psiquiátrica pelo mundo, cabe ressaltar
que o surgimento e desenvolvimento das teorias psicanalíticas foram essenciais para se repensar
a assistência psiquiátrica vigente até então. A Psicanálise coloca o foco no sujeito, ampliando a
concepção de doença mental para além de fatores meramente orgânicos. Inclui-se a perspectiva
psíquica, voltando-se a atenção para o mundo mental e para as interações com o social, ampliando-
se o entendimento do funcionamento psíquico a partir de perspectiva histórica do indivíduo, desde
os primórdios de sua existência.

Indicamos dois livros introdutórios aos conceitos da teoria psicanalítica, que possuem
linguagem acessível aos iniciantes sem perder o poder de explorar a riqueza da obra
freudiana. O primeiro deles é “O que é psicanálise” de Fábio Hermann (São Paulo:
Abrilcultural/Brasiliense, 1984. Coleção Primeiros Passos). O segundo intitula-se
”Sigmund Freud” de Renato Mezan (São Paulo: Brasiliense, 1982. Série Encanto). Para
aqueles que quiserem tentar mergulhos mais profundos no pensamento freudiano,
encontrarão um guia confiável no livro de Renato Mezan intitulado “A trama dos
conceitos” (São Paulo: Perspectiva, 1982).

Para os cinéfilos, a dica é o filme Freud, além da alma. Direção John Huston (EUA,
1962) – O filme mostra o início dos trabalhos de Freud em Viena, focando sua teoria
sobre interpretação dos sonhos. Mostra também a rejeição da comunidade médica
às suas ideais. O filme encontra-se disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=UH9F4wTgt2M>

Outra boa dica é o documentário “Sigmund Freud - A Invenção da Psicanálise


(1997)”. O documentário encontra-se disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=Yz96qUO4QRQ>

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UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

Neste capítulo pudemos percorrer as diferentes concepções de loucura ao longo


dos séculos, compreendendo a trajetória de sua constituição enquanto doença.
Aproximamo-nos das respostas que a sociedade deu aos chamados loucos,
reconhecendo-os ora como perturbadores da ordem social, ora como incapazes, ora
como doentes. Iniciaram-se as experiências de confinamento e proposta de oferecer
tratamento aos considerados desviantes. Porém o que se observou no século XVIII
foi a construção e perpetuação de uma instituição controladora, soberana, violenta
e desumana, que colocou a loucura entre grades, longe dos olhos da sociedade.

Vimos anda que, a partir do século XIX, houve uma primeira reforma significativa
dos manicômios, proposta por Phillippe Pinel. No entanto, ela não foi unânime
muito menos isenta de críticas. Ao mesmo tempo surgiram modelos alternativos,
como as Colônias de Alienados que apareceram pouco tempo depois. No final do
século XIX, alguns médicos já experimentavam tratamentos alternativos levando
em conta os aspectos puramente psicológicos das doenças mentais. Freud foi quem
mais destacou-se dando origem a teoria psicanalítica.

A seguir, a fim de sistematizar historicamente os principais acontecimentos referentes


à trajetória do desenvolvimento do conceito de loucura e das práticas terapêuticas,
disponibilizamos uma linha do tempo, na qual se destacam os principais eventos
relativos tal trajetória (Figura 3).

26
Figura 7 – Linha do tempo: Trajetória do desenvolvimento do conceito de loucura e das práticas terapêuticas
EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO
│ UNIDADE I

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CAPÍTULO 2
As Reformas Psiquiátricas pelo mundo

Neste capítulo estudaremos as principais experiências de reforma psiquiátrica pelo mundo.


Ressaltaremos os elementos motivadores que inspiraram cada uma dessas, evidenciando seus
princípios, ideias e autores mais centrais. Cabe ressaltar que o foco desse módulo é a Reforma
Psiquiátrica brasileira e, em assim sendo, destacaremos as influências de cada um desses movimentos
no Brasil.

As experiências de Reforma Psiquiátrica no mundo, que escolhemos destacar, são:

»» Psicoterapia Institucional (França).

»» Comunidade Terapêutica (Inglaterra).

»» Psiquiatria de Setor (França).

»» Psiquiatria Preventiva (EUA).

»» Antipsiquiatria (Inglaterra).

»» Psiquiatria Democrática Italiana (Itália).

Psicoterapia Institucional
A Psicoterapia Institucional surgiu na França a partir dos anos 1940, como tentativa de qualificar
a psiquiatria, introduzindo mudanças no hospital psiquiátrico, a instituição designada para tratar
os loucos.

Uma importante figura desse movimento foi Herman Simon, psiquiatra alemão do início do século
XX. Ele observou, após uma reforma no hospital, no qual os internos participaram e colaboraram,
melhoras em seus quadros clínicos. A partir dessa constatação, ficou evidente que o ambiente do
hospital influenciava positivamente o tratamento psiquiátrico. Simon defendia a participação dos
internos em atividades, pois acreditava que os pacientes podiam assumir responsabilidades e isso
ser benéfico à recuperação dos mesmos. Entendia que uma melhor organização do espaço hospitalar
poderia ajudar no processo de tratamento (MOURA, 2003).

Outro autor importante nesse movimento foi François Tosquelles. Praticamente, todos os textos
que tratam da história da Psicoterapia Institucional francesa, apontam para Tosquelles, psiquiatra
catalão, como personagem decisivo no desenvolvimento deste movimento. Tosquelles havia
chegado à França em 1941, vindo da Espanha, perseguido pela ditadura do General Francisco
Franco. Em território francês, depois de passar algum tempo num campo de concentração nazista
trabalhando como psiquiatra, abrigou-se no hospital psiquiátrico de Saint-Alban – pequeno vilarejo
rural localizado na região Lozère. Naquele momento, tal hospital acolhia centenas de refugiados
perseguidos pelo regime nazista, que ocupava grande parte da França.

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EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

Figura 8 - François Tosquelles (1912 - 1994)

Figura adaptada e disponível em: < http://www.babelio.com/auteur/Francois-Tosquelles/66515/photos >. Acessado em: 17 jan 2014

A situação dos doentes mentais nesse período era catastrófica. Durante a Segunda Guerra Mundial
a fome dizimou quase a metade da população dos hospitais psiquiátricos franceses:

“...morreram 40.000 doentes mentais na França, de fome. Para isso foi preciso
organizar o asilo e os doentes, nem que fosse para que estes saíssem à cata de
comida pelos campos” (VERTZMAN et al, 1992).

O Hospital de Saint-Alban também sofria as consequências da guerra, estando dividido entre suas
funções de hospital psiquiátrico e abrigo para refugiados de guerra. A instituição, sua equipe,
os pacientes e os refugiados foram obrigados a criar novas formas de interação e sobrevivência
que transcendessem as práticas hospitalares tradicionais, interações que, no fim, tornaram-se
verdadeiras ações coletivas. Moura (2003) refere-se:

ao fato de que, na busca da solução de sua crise, Saint-Alban acabou por


mobilizar os mais diferentes personagens, que de um modo ou de outro,
faziam parte daquele universo de relações que aquele hospital estava inserido.
Participaram desta mobilização não só o pessoal e os médicos do hospital, mas
também seus hóspedes, pacientes e a própria população da cidade.

Tosquelles, já havia observado, mesmo antes de chegar a Saint-Alban, que as próprias instituições
psiquiátricas tinham características doentias e deveriam ser “tratadas”. Neste sentido, sua principal
preocupação era a de reconstruir o potencial da instituição hospitalar, sem abrir mão do hospital
como espaço terapêutico. A tal “vocação terapêutica do hospital”, muito criticada pelos defensores
das reformas psiquiátricas italiana e brasileira, jamais foi abandonada por Tosquelles. Para o
psiquiatra catalão, sempre seria necessária uma proteção do exterior para o doente, pois ele estava
convencido de que:

a fobia da loucura é uma condição natural do gênero humano. Os grupos


humanos são feitos para excluir de seu meio a loucura e é por isso que essa
estória de ação terapêutica na comunidade é uma utopia que precisa ser
acompanhada com cuidado (GALLIO; CONSTANTINO, s.d.: 95).

Para reformar as instituições psiquiátricas, Tosquelles tentou colocar em prática algumas ideias
bem diferentes daquelas que vigoravam nos hospitais padrão daquela época. Um dos pilares da
constituição da Psicoterapia Institucional foi o resgate da ideia de trabalho terapêutico como forma

29
UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

de participação e transferência de responsabilidade para os pacientes. O engajamento dos doentes


nessas atividades levou a criação do “Clube Terapêutico” que possibilitava a cada paciente se inserir
ativamente no processo de tratamento, mas não só os pacientes, todas as pessoas da instituição
participavam dos clubes terapêuticos (AMARANTE, 2007).

O Clube era uma organização autônoma gerida por profissionais e pacientes que promovia encontros,
festas, passeios, feiras dos produtos dos internos etc. Havia ainda os ateliês ou oficinas de trabalho
e arte, fundados na orientação da psicoterapia Lacaniana (em especial o trabalho com psicóticos) e,
junto ao Clube, visavam uma reorganização interna da dinâmica psíquica.

O trabalho dos internos alimentou uma rede de comércio muito especial. Os camponeses da região que
iam à feira da cidade percorriam um caminho que cruzava o hospital. Ao passar por Saint-Alban eles
compravam os trabalhos que os doentes produziam, e estes, por sua vez, com o dinheiro adquirido,
compravam vinho dos guardas. Esta conhecida passagem ilustra como a experiência em Saint-
Alban foi pioneira em romper com a regra do isolamento total em que os pacientes das instituições
psiquiátricas estavam submetidos há muitas décadas. Além de proporcionar a subversão da divisão
dentro-fora, hospital-mundo, proporcionando aos “de fora” a possibilidade de entrar em contato com
os “de dentro”, inseridos numa instituição pouco acostumada a relacionar-se com a comunidade.

Outra premissa importante da experiência em Saint-Alban foi o chamado “coletivo terapêutico”


que era um desdobramento da experiência do trabalho terapêutico, tendo como princípio a
ideia de que no hospital todos possuíam uma função terapêutica. Essa iniciativa questionava os
níveis de hierarquia, propondo que os diferentes saberes e práticas profissionais pudessem ser
compartilhados, mostrando aos profissionais que eles pertenciam a uma mesma comunidade
(pacientes e trabalhadores) e deveriam trocar suas experiências para enriquecer o processo de
tratamento. Desta maneira, as ideias de Tosquelles lutavam contra a violência e a verticalidade das
relações institucionais, evitando que qualquer segmento da comunidade hospitalar fosse segregado,
principalmente os pacientes. Nas palavras de Tosquelles:

“O homem não vive em um meio ou meio ambiente ao qual ele deve se adaptar
ou mesmo morrer, o homem habita o mundo que ele constrói com os outros
homens” (TOSQUELLES apud MOURA, 2003, p. 102).

Podemos dizer que a Psicoterapia Institucional caminhou no sentido da transversalidade,


confrontando papéis institucionais e problematizando hegemonias e hierarquias. Trouxe a
compreensão de que o hospital psiquiátrico deveria ser um campo de relações, que pudessem
ser significativas, utilizando-as em um sentido terapêutico. Ainda que não tenha colocado em
cheque a instituição “hospital psiquiátrico”, o movimento trouxe importantes contribuições para o
questionamento do lugar que a instituição pode ocupar no tratamento.

Clínica de La Borde: um desdobramento da


Psicoterapia Institucional
A clínica de La Borde situa-se no pequeno povoado Cour-Cheverny, Vale do Loire, França, e pode
ser considerada um desdobramento da Psicoterapia Institucional. Seus grandes idealizadores foram

30
EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

o médico psiquiatra francês Jean Oury , que havia trabalhado com Tosquelles em Saint-Alban, e
Felix Guattari, filósofo e militante revolucionário francês, que passou a trabalhar com Oury a partir
de 1955.

Figura 9 - Jean Oury (1924)

Figura adaptada e disponível em: <http://www.weck.info/2010/11/19/jean-oury/>. Acessado em: 17 jan 2014

Figura 10 - Felix Guattari (1930 - 1992)

Figura adaptada e disponível em: <http://schizosophy.files.wordpress.com/2012/11/copia-de-guattari.png>. Acessado em: 18 jan 2014

A clínica começou a funcionar no ano de 1953 quando Oury comprou o castelo de La borde (A
Borda) e transformou-o na clínica. Por ela passaram e ainda passam (o lugar se mantém vivo
apesar de todas as dificuldades financeiras e administrativas) grandes nomes da psiquiatria e da
psicoterapia francesa. Em conjunto, Oury e Guattari elaboraram “... uma abordagem ao mesmo
tempo lacaniana e libertária da loucura” (ROUDINESCO; PLON, 1988). Segundo Fleming (1976)
em La Borde ocorreu a primeira “tentativa de conciliação da psiquiatria com a psicanálise”.

Em La Borde, a exemplo do ocorria em Saint-Alban, eram desenvolvidas diversas atividades (ateliês,


grupos terapêuticos, atividades de animação e festas) a fim de que houvesse maior número possível
de espaços para encontros e socialização entre as pessoas. As reuniões e assembleias também eram
frequentes, de maneira que os pacientes eram convidados a decidir os rumos da instituição por meio
da discussão de problemas institucionais e definição de novas atividades (GOLDBERG, 1996).

A finalidade última dessas atividades era desenvolver novos métodos terapêuticos que se distanciassem
ao máximo das práticas autoritárias da medicina alienista. Nesse sentido Guattari lembra que:

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UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

Também eu, antes de encontrar Jean Oury, acreditava que a loucura encarnava
um tipo de avesso do mundo, estranho, inquietante e fascinante. No estilo de
vida comunitária que era então o de La Borde naqueles anos, os doentes me
apareceram sob um ângulo completamente diferente: familiares, amigáveis,
humanos, dispostos a participar da vida coletiva em todas as ocasiões onde
isso era possível. (1992)

A clínica funcionou sempre como uma comunidade aberta e autogerida. Pacientes e funcionários
conviviam num mesmo patamar de relações, e os trabalhos eram orientados segundo as preferências
e capacidades de cada um. A proposta era que houvesse uma ruptura com os sistemas hierárquicos
tradicionais, transformando em mais igualitárias as relações atendente-atendido, tanto quanto
as relações internas do pessoal da equipe. E se havia um desafio em fazer com que os doentes
aderissem ao novo modelo, o desafio era maior quando se tratava dos profissionais do serviço como
cozinheiros, faxineiros, jardineiros etc. Para os profissionais da saúde, devido à sua prévia inserção
ideológica na questão, já se tornava um tanto mais fácil.

La Borde surgiu como um novo sopro de vida para a Psicoterapia Institucional que havia feito
enormes progressos em nome de uma nova terapêutica que rompesse como o modelo manicomial
padrão. No entanto, por volta do fim dos anos 1940 a psiquiatria tradicional vinha retomando seu
espaço perdido para as reformas que despontavam em vários lugares. Na França, começaram a
chegar novas formas terapêuticas biológicas que atrelavam ainda mais a loucura à psiquiatria;
um marco para essa retomada psiquiátrica foi o aparecimento do primeiro neuroléptico chamado
clorpromazina (amplictil). Os novos medicamentos permitiam o controle dos sintomas e melhora
da qualidade de vida dos pacientes, até certo ponto também contribuíam para possibilitar a
desalienação dos internos. No entanto, reforçavam o poder médico de supervisionamento passando
a fazer parte do arsenal terapêutico da psiquiatria como eletronarcose e a dopamina “que não tem
muita coisa em comum com a ética da psicanálise” (ROUDINESCO; PLON, 1988).

Contando com a formação psicanalítica de Oury, aliada a militância política e os trabalhos filosóficos
de Guattari, La borde constitui-se como um campo de experimentação, especialmente ligado ao
tratamento da psicose e o impacto que poderia ter sobre ela o trabalho institucional. Guattari
afirmava que em um ambiente de vida baseado na psicoterapia institucional, a psicose apresentava
características radicalmente diferentes daquelas no ambiente carcerário. Ao invés de mostrar-se
como estranheza ou aberração, ela mostrava-se como uma outra forma de relacionar-se com o
mundo (GUATTARI, 1992).

Guattari pontuava que, no ambiente violento e carcerário da antiga psiquiatria francesa, os doentes
que já tinham um prejuízo na apreensão e no relacionamento com o outro e perdiam suas últimas
características humanas, tornando-se por fim completamente alheios à possibilidade de estabelecer
a plenitude da comunicação social e da vida em sociedade (GUATTARI, 1992).

La Borde é uma instituição na borda de si, dando passagem para acontecimentos singulares,
experiências impessoais. Como comenta Nobre (1996):

Essa vivência do insólito (daquilo que não está capturado pelo nosso código
representacional e identitário) está presente na nossa vida e podemos lidar

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EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

com ela de duas formas: acolhê-la ou negá-la. Não precisamos estar em contato
com psicóticos para vivermos “isso”, mas, nesse contato, experenciamos
essa “insolidez” de um modo mais forte. A tendência da sociedade é negar
essas vivências ou, quando isso não é possível, enquadrá-las numa doença
chamada loucura, tornando-as ainda mais ameaçadoras. A beleza de La Borde
está exatamente em nos permitir acolher esse insólito, vivê-lo como algo
transformador, que abre passagens, traz à tona afetos até então desconhecidos.
Afetos que apontam para aquilo que temos de mais bonito e criativo: a
nossa potência de viver a vida em sua plenitude, acima e aquém dos códigos
aprisionantes. A sensação de “suavidade”.

A tese de doutorado de Arthur Hyppólito Moura, intitulada “O equipamento de saúde


mental, suas instituições e o clube dos saberes” de 2002, apoiada nas contribuições
do movimento da Psicoterapia lnstitucional francesa, é uma leitura complementar
ao tema abordado. O autor tece considerações teóricas e práticas sobre o cotidiano
dos serviços de saúde mental e apresenta o que ele denomina de Clube dos Saberes:
uma rede de compartilhamento de saberes, na qual estão envolvidos pacientes,
profissionais, outros equipamentos e a comunidade.

Tal tese pode ser encontrada no banco de teses da Universidade de Campinas, no


link a seguir:

<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/>

Outra importante indicação de leitura é o livro “Caosmose” de Félix Guatarri


(GUATARRI, F. Caosmose: um novo paradigma estético. Trad. Ana Lúcia Oliveira e
Cláudia Lúcia Leão. São Paulo: Editora 34, 1992) disponível em:

<http://miriamgrossi.paginas.ufsc.br/files/2013/02/Caosmose.pdf>

Comunidades Terapêuticas
As chamadas Comunidades Terapêuticas2 surgiram na Inglaterra por volta do final dos anos 1940
e início de 1950 como uma reação ao modelo tradicional do asilo psiquiátrico. O movimento das
Comunidades Terapêuticas está amplamente ligado à figura de Maxwell Jones, um psiquiatra sul-
africano radicado na Inglaterra. Embora Jones seja o primeiro nome a ser lembrado quando se
fala em Comunidades Terapêuticas, por ter sistematizado a experiência na obra ”A Comunidade
Terapêutica”, vale lembrar que outros médicos, cientistas, psicólogos e psicanalistas colaboraram
significativamente para o surgimento das Comunidades.

2 Diferentemente das conhecidas Comunidades Terapêuticas atuais no Brasil, voltada para dependentes químicos, as
Comunidades Terapêuticas aqui citadas estão dentro de um arcabouço teórico sistematizado por Maxwell Jones, que consagrou
esse nome em 1959 .

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UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

Figura 11 - Maxwell Jones (1907 - 1990)

Figura adaptada e disponível em: < http://denniebriggs.com/wp/2010/10/06/maxwell-jones/conf-hands-2/ >. Acessado em: 18 jan 2014

As Comunidades Terapêuticas sofreram grande influência da psicanálise inglesa que naquele


momento desenvolvia o conceito de tratamento psicodinâmico. Este novo tipo de tratamento teve
como grandes mentores os psicanalistas ingleses Melaine Klein e Wilfred Bion que, em síntese,
propunham não abordar apenas a doença, mas reforçar as partes sadias da personalidade dos
internos. O tratamento psicodinâmico também foi influenciado pela redescoberta do trabalho do
psiquiatra alemão Hermann Simon, introdutor do tratamento por meio do uso de atividades, no
começo do século XX (TEIXEIRA, 1993).

As Comunidades Terapêuticas guardam muitas semelhanças com a Psicoterapia Institucional


francesa. Tanto em seus aspectos constitutivos como as propostas terapêuticas, ambas as experiências
almejam reorganizar e humanizar o tratamento psiquiátrico. Nenhuma delas, entretanto, propunha
o fim dos hospícios, mas apontavam para uma nova direção: a psiquiatria deveria reabilitar seus
doentes, não condená-los ao isolamento em hospícios; as relações entre técnicos e doentes deveriam
ser democratizadas; o tipo de contato entre pacientes e equipe de cuidado deveria ser reformulado. O
hospital psiquiátrico, enfim, deveria ser transformado num lugar de tratamento eficaz e verdadeiro
(MOURA, 2003).

Com o fim da Segunda Guerra e a volta dos soldados e ex-combatentes com graves transtornos
psíquicos adquiridos no front de batalha aumentou sensivelmente a procura por tratamentos
especializados. A quantidade de novos pacientes permitiu à Inglaterra redescobrir o horror do
hospício e o negativismo do isolamento social impostos aos pacientes internados nessas instituições.
A baixa perspectiva de melhora passou a ser entendida como resultante do tratamento patogênico
imposto nos hospitais e não mais como evolução inevitável da doença.

Os princípios gerais de funcionamento da Comunidade Terapêutica incluíam vivências e práticas


grupais como forma de remodelar as relações entre os pacientes e dos pacientes como a equipe
terapêutica. Isto conduziu à introdução de trabalhos grupais no interior do hospital (recreativos,
artísticos, corporativos). Dentro dos grupos, a principal modalidade de tratamento era o social

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EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

learning que partia do princípio de que os pacientes perdiam a capacidade de estar com os outros e
de interagir entre si por efeito da regressão mórbida acarretada pela vivência no hospício tradicional.
O social learning procurava atenuar de alguma forma (tolerância do delírio, interpretação ao invés
de repressão etc.) os frutos do encontro entre o indivíduo doente e os outros, potencializando um
processo de reaprendizagem, cuja finalidade última era a reabilitação e a reinserção do paciente na
comunidade externa (JONES, 1978).

Além do social learning, algumas regras de funcionamento para essa proposta eram consideradas
essenciais:

»» o ambiente da enfermaria deveria ser acolhedor, vivo e ativo, permitindo a


ambientoterapia;

»» os canais de comunicação deveriam ser abertos. Todos os membros da equipe


deveriam estar cientes das informações sobre cada um dos pacientes e sua família.
A equipe funcionaria como um corpo unificado;

»» a reunião geral de enfermaria seria o espaço principal da comunidade. Estas


reuniões seriam abertas, com a participação de todos os pacientes e membros da
equipe;

»» haveria reuniões diárias de equipe, visando explorar as comunicações feitas na


reunião geral;

»» deveria haver um máximo de 25 pacientes por enfermaria;

»» haveria um aumento no número de profissionais envolvidos no atendimento.


Surge uma equipe multidisciplinar com psiquiatras, enfermeiros, psicanalistas,
psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e auxiliares terapêuticos;

»» haveria um novo papel na estrutura de atendimento: os terapeutas sociais ou


atendentes psiquiátricos. Este papel era exercido, originalmente, por estudantes de
ciências sociais;

»» a terapia ocupacional ganharia destaque entre as atividades da enfermaria, agindo


como elemento organizador do cotidiano. Utilizava-se música, pintura, cerâmica,
colagens, etc.;

»» a mudança de personalidade, pela substituição de mecanismos desadaptativos de


comportamento, seria o objetivo final do tratamento (TEIXERIA, 2012).

Com a proposta da Comunidade Terapêutica, o paciente assumia uma nova posição no processo de
tratamento: passou de posição meramente passiva para uma posição participativa na orientação
e encaminhamento do tratamento. A “função terapêutica” era uma tarefa tanto de técnicos e
pacientes quanto dos familiares e da comunidade. Por meio de reuniões diárias e assembleias
gerais, valorizava-se a comunicação e o aspecto grupal. Buscava romper com a concentração de
poder hierárquico, característico das instituições asilares.

35
UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

Enfim, a Comunidade Terapêutica procurou estabelecer um novo padrão de tratamento dentro


dos hospitais, buscando romper com o modelo psiquiátrico tradicional que tinha como foco a
normalização dos comportamentos. Podemos afirmar que a grande inovação que Comunidade
Terapêutica trouxe foi a tentativa de transformar o hospício em espaço de promoção e aprendizagem
social. Para isso, o hospital psiquiátrico manteve-se como lugar privilegiado, não caracterizando,
portanto, um movimento de ruptura ideológica com a psiquiatria tradicional, muito menos de
negação da loucura.

Para saber mais sobre a experiência de Maxwell Jones e as comunidades terapêuticas


consultar o livro “A Comunidade Terapêutica: teoria, modelo e método” do autor
George De Leon, 2009 (São Paulo: Edições Loyola , 2009 3o edição). O autor esmiuça
a comunidade terapêutica desde a concepção de transtorno até os aspectos
organizacionais, como o espaço físico e o ambiente.

Psiquiatria de Setor
A Psiquiatria de Setor é uma experiência francesa que nasceu no final dos anos 1950 e começos
dos anos 1960, seu principal mentor foi o médico e militante comunista Lucien Bonaffé. Ela pode
ser considerada uma evolução da Psiquiatria Institucional que depois de quase duas décadas de
funcionamento já apresentava algumas limitações e, naturalmente, para superar essas limitações
novas ideais surgiram.

Figura 12 - Lucien Bonaffé (1912- 2003)

Figura adaptada e disponível em: <http://www.lyceechaptal.fr/telechargement/Concours_de_la_Resistance_2010/Pour_01-03-2010/


Cederom_la_Resistance_en_Lozere/_xml/fiches/21963.htm >. Acessado em: 19 jan 2014

Os partidários da Psiquiatria de Setor perceberam que era preciso adotar medidas para continuar
o tratamento terapêutico após a alta hospitalar a fim de evitar a reinternação dos pacientes, ou

36
EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

mesmo, a internação de novos casos. Para isso, o movimento da Psiquiatria de Setor instituiu os
chamados Centros de Saúde Mental (CSM) nos diferentes “setores” administrativos do território
francês. Eles foram estabelecidos de acordo com a distribuição populacional das regiões. Guardadas
maiores diferenças, podemos afirmar que setor administrativo na França é algo parecido com nossos
municípios, porém, com uma população menor e mais homogênea e não há poder local, isto é, a
figura do prefeito, dada a forma unitária da República Francesa.

Os CSM´s foram os primeiros equipamentos extra-hospitalares que possuíam as funções de


prevenção, tratamento e acompanhamento pós-internação, além de fornecerem medicamentos.
Podemos afirmar que, pela primeira vez, em assistência psiquiátrica falou-se em regionalização.
Embora já existissem ambulatórios, estes equipamentos não eram dotados da complexidade dos
CSM´s e acabavam funcionando apenas como lugar de trânsito para os pacientes que invariavelmente
terminavam internados no hospital tradicional.

Além da regionalização, os CSM´s tinham o suporte de uma equipe de profissionais constituída por
psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros. Os adeptos dessa proposta de reforma
defendiam o princípio de continuidade terapêutica, de forma que “uma mesma equipe, no conjunto
de cada setor, deveria fornecer o tratamento e se encarregar do paciente nos diferentes serviços e
momentos do tratamento, desde a prevenção até a cura e a pós-cura” (DESVIAT, 1999). Independente
do local de tratamento, ou momento do quadro clínico, o paciente seria acompanhado pela mesma
equipe, garantindo-se a continuidade dos vínculos e cuidado.

Lucien Bonaffé e seus partidários também propuseram mudanças no funcionamento do hospital


psiquiátrico. Uma das mais importantes diz respeito ao funcionamento das enfermarias. Em
sintonia com a ideia dos CSM´s e da regionalização, as enfermarias dos hospitais também foram
divididas por regiões de origem dos pacientes. Os internos de uma mesma região eram acolhidos
nas enfermarias correspondentes. Essa medida visava propiciar maior contato e interação entre
pacientes da mesma comunidade, estreitando os laços afetivos entre eles e aprofundando os
vínculos com a equipe terapêutica. Criavam-se ainda outras possibilidades de contato por meio
de parentes ou amigos de um interno que levava cartas, objetos e alimentos para outro interno de
um mesmo setor.

Outra grande inovação foi a prática do acompanhamento terapêutico que passou a ser realizado
pela mesma equipe multiprofissional, tanto dentro do hospital como no local de residência dos
pacientes. E quando falamos em equipe multiprofissional estamos apontando para o trabalho em
equipe, em que a primazia do tratamento deixou de centrar-se na figura do médico psiquiatra, e
passou a diluir as responsabilidades entre uma equipe de profissionais das mais diversas áreas da
saúde e assistência social. Essa ideia foi inspiradora de outros movimentos de reforma e representa
um marco no avanço do tratamento psiquiátrico.

Em termos mais abrangentes, a Psiquiatria de Setor não se limitou às experiências de


transformação das práticas de tratamento dentro dos hospícios, como a Psicoterapia Institucional
e a Comunidade Terapêutica. Pelo contrário, a Psiquiatria de Setor deu origem a um grande
movimento que resultou na organização da assistência em saúde mental, que abrangeu todo o
território francês. Nessa nova configuração, diversos CSM´s foram implantados com objetivo

37
UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

de tratar o paciente psiquiátrico no seu próprio meio social e cultural, conforme indicado por
Fleming (1976):

Daí a ideia de levar a psiquiatria à população, evitando ao máximo a segregação


e o isolamento do doente, sujeito de uma relação patológica familiar, escolar,
profissional etc. Trata-se, portanto de uma terapêutica in situ: o paciente será
tratado dentro do seu próprio meio social e com o seu meio e a passagem
pelo hospital não será mais do que uma etapa transitória do tratamento. Este
projeto prevê, pois, a possibilidade de uma continuidade no tratamento pós-
hospitalar através de instituições pós-cura, que terão por função a progressiva
ressocialização do paciente.

A Psiquiatria de Setor trouxe muitas propostas inovadoras e inspiradoras para outros projetos de
reforma, como a regionalização e destituição do poder médico, consoante com o empoderamento
de uma equipe multiprofissional dotada de autoridade para atuar de maneira equânime no
tratamento psiquiátrico. Ainda fomentou a construção de um sistema de assistência à saúde mental
num dos países mais importantes do mundo, a França, que seguramente serviu como exemplo
para diversos outros países. E como toda experiência inovadora, superou outras (Psicoterapia
Institucional e Comunidade Terapêutica) e conheceu os seus próprios limites. Eentre esses limites
podemos destacar que os CSM´s não chegaram a funcionar completamente, na prática, faziam o
encaminhamento de novos pacientes e raramente faziam o acompanhamento do tratamento pós-
hospitalar, a exemplo daquilo que já realizavam os ambulatórios.

O hospital permaneceu como principal instrumento de tratamento, não só por ter estruturas
fortemente estabelecidas, difíceis de serem transformadas, mas também devido as suas tecnologias,
as quais os adeptos do setor haviam se ajeitado e recorriam em qualquer situação de urgência. Para
Castel (1987), as práticas da psiquiatria de setor haviam sido moldadas nas tecnologias hospitalares
e não propunham “tecnologias específicas”:

(...) não existem tecnologias específicas para o trabalho do setor, mas, sobretudo
um coquetel de técnicas ou de receitas diversas, experimentadas primeiro na
instituição (hospitalar): um pouco de psicoterapia, um pouco ou muito de
medicamentos, um pouco de ergoterapia etc. Mas, por exemplo, a intervenção
in vivo, em uma situação de urgência [...] não é de uma outra natureza que a
maioria das outras condutas terapêuticas (CASTEL, 1987).

Com relação à Psiquiatria de Setor, indicamos:

»» O livro do sociólogo Robert Castel, “A gestão dos riscos: da antipsiquiatria


a pós-psicanálise” (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987).

»» O livro da professora Izabel C. Friche Passos, “Reforma Psiquiátrica: As


Experiências Francesa e Italiana” (Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009),
que procura valer-se de experiências particulares para entender como
essas foram capazes de produzir efeitos clínico, institucional e político
tão significativos.

38
EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

Psiquiatria preventiva
A Psiquiatria Preventiva surgiu nos Estados Unidos na década de 1960, influenciada pelos
movimentos de reforma que haviam ocorrido na Europa, como a Psicoterapia Institucional, a
Comunidade Terapêutica e a Psiquiatria de Setor. Esse movimento também ficou conhecido como
Saúde Mental Comunitária e suas bases teóricas e propostas de intervenção estão sistematizadas
na obra Chamada Princípios de Psiquiatria Preventiva de Gerald Caplan (1980), considerado o
fundador e principal autor dessa corrente.

Um acontecimento catalizador para o surgimento da Psiquiatria Preventiva foi um censo realizado


no ano de 1955. O censo trouxe às claras a situação precária em que se encontravam os hospícios de
todo país, dando visibilidade à violência e aos maustratos, consequência do tipo de tratamento que
os pacientes eram submetidos. Situação não muito diferente daquela que estudamos nas instituições
francesas e inglesas.

O impacto do censo foi tão grande que o presidente Kennedy pronunciou um discurso em 1963
conclamando o país a fazer grandes mudanças na área da saúde mental. Mostrando disposição
para seguir no enfrentamento dos problemas na área da saúde mental, o governo do presidente
Kennedy não se deteve nas palavras e o discurso serviu como prenúncio de um decreto baixado
também no ano de 1963. Esse decreto tinha como objetivo reduzir as doenças, atuando diretamente
nas comunidades. Caplan referia-se ao fato na introdução da sua obra, retomando o discurso do
presidente Kennedy e enfatizando que:

“(...) a prevenção, tratamento e reabilitação dos enfermos mentais e dos


retardados mentais devem ser considerados responsabilidade comunitária, e
não um problema privado (...)”(CAPLAN, 1980).

Caplan inspirou-se na teoria etiológica baseada na História Natural das Doenças, de Leavel e Clark,
que pressupunha uma evolução “a-histórica” das doenças, ou seja, que elas sempre existiram ao
longo do tempo e o que os pesquisadores fariam, então, era descobri-las e catalogá-las no momento
oportuno. Por consequência todas as doenças poderiam ser prevenidas, desde que detectadas
precocemente. Esta interpretação naturalista da origem das doenças encontrava-se em oposição à
outra corrente que explicava a existência das enfermidades de acordo com a evolução das sociedades,
num processo caracterizado pela linearidade entre saúde/doença (AMARANTE, 2007).

A Psiquiatria Preventiva voltou-se fundamentalmente para a problemática da profilaxia da doença


mental e, para que a política preventiva se desenvolvesse, era necessário que a intervenção em
psiquiatria fosse direcionada para o âmbito social, com o objetivo de identificar tudo aquilo que
pudesse ser caracterizado como agente patológico, dentro da comunidade. Na prática isso se
traduziu na “busca de suspeitos”, expressão cunhada pelo próprio Caplan, que demarcava a principal
estratégia desse modelo de reforma. Como ressalta Amarante era necessário:

(...) sair às ruas, entrar nas casas e penetrar nos guetos para conhecer os hábitos,
identificar os vícios, mapear aqueles que, por suas vidas desregradas, por suas
ancestralidades, por suas constitucionalidades, venham a ser suspeitos (...)
(AMARANTE, 2009).

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UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

Caplan entendia que qualquer pessoa suspeita de ter um distúrbio mental deveria ser encaminhada
para um médico para investigação diagnóstica. Esse encaminhamento poderia vir por iniciativa da
própria pessoa, ou da família, dos amigos, de um superior no trabalho, de um juiz etc. Criou-se uma
caça a todo tipo de suspeito que poderia possuir alguma desordem mental. Por consequência, por
meio desse modelo de reforma, os discursos e as práticas psiquiátricas alastraram-se para além dos
muros dos manicômios, com o intuito de exercerem um controle ampliado sobre toda a coletividade.
A esse respeito Caplan não poderia ter sido mais explícito:

Disso deduz-se que a psiquiatria preventiva é um ramo da psiquiatria, mas é


também parte de um esforço comunitário mais amplo em que os psiquiatras
dão sua própria contribuição especializada a um todo maior. Em minha
opinião, a psiquiatria preventiva deve ser abrangente (CAPLAN, 1980).

A prevenção foi a principal ferramenta adotada por esse modelo de reforma e foi transposta da
medicina tradicional para a psiquiatria. O termo saúde mental foi usado, pela primeira vez. Tal
termo era usado para se referir à psiquiatria, porém era mais amplo e abrangente, já que incluía a
perspectiva da prevenção.

A Psiquiatria Preventiva incorporou alguns conceitos de saúde pública e, segundo Birman e Costa
(1994), estabeleceu três princípios norteadores de intervenção:

1. Prevenção primária: intervenção nas condições possíveis de formação da doença


mental, condições etiológicas que podem ser de origem individual e (ou) do meio.

2. Prevenção secundária: intervenção que busca a realização de diagnóstico e


tratamento precoces da doença mental.

3. Prevenção terciária: que se define pela busca da readaptação do paciente à vida


social, após a sua melhoria (BIRMAN; COSTA apud AMARANTE, 2007)

Segundo os autores, as prevenções secundária e terciária, não apresentavam qualquer novidade com
relação ao tratamento no sistema psiquiátrico tradicional, principalmente a ideia de readaptação
que já estava consolidada devido aos bons resultados alcançados por experiências anteriores de
reforma. A grande novidade, de fato, foi a ênfase posta na prevenção primária. Mesmo reconhecendo
que a prevenção primária deslocaria um contingente profissional para essa etapa do tratamento e
que isso poderia acarretar diminuição desproporcional nas duas outras, Caplan afirmou que este
desequilíbrio seria provisório e não inviabilizaria a proposta como um todo. Isto porque, o conjunto
de ações da atenção primária, com a ampliação dos programas no âmbito da saúde pública, levaria
a uma natural redução da vulnerabilidade da população em adquirir um distúrbio mental, o que
reduziria a demanda secundária e terciária.

Dando sequência ao projeto de prevenção das patologias, a Psiquiatria Preventiva passou a utilizar
o conceito-chave de crise. O conceito de crise foi um desdobramento dos conceitos sociológicos
de adaptação e desadaptação do indivíduo na sua comunidade. Caplan (1980) afirmava que
os primeiros indícios da doença mental apareciam nos sujeitos em crise emocional em virtude
de não adaptação social. O conceito de crise levou a psiquiatria para além das fronteiras da
doença mental, fazendo com que não só o médico e sua equipe, mas também as pessoas da

40
EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

comunidade tivessem o dever de atuar nas situações que antecedessem a doença mental, de forma
a identificarem os momentos de crise. As crises poderiam surgir sob duas formas de apresentação:
as crises evolutivas e as crises acidentais. As crises evolutivas eram caracterizadas como uma
não adaptação a mudanças esperadas no ciclo evolutivo do desenvolvimento humano (físico,
emocional e social). E as crises acidentais, caracterizadas por gerarem perturbações emocionais,
e futuramente poderem desencadear uma doença, precipitadas por perdas ou ameaças de perdas
(AMARANTE, 2007).

Foi em decorrência do conceito de crise que a Psiquiatria Preventiva consolidou a ação comunitária,
pois foi daí que vieram as estratégias de trabalho de base comunitária. Agentes de saúde passaram a
exercer a tarefa de consultores comunitários, identificando as crises individuais, familiares e sociais.

Outra estratégia muito importante oriunda da Psiquiatria Preventiva foi a iniciativa chamada de
desospitalização, isto é, nas tentativas de diminuir o ingresso de pacientes nos manicômios,
de reduzir o tempo de internação e aumentar o número de altas hospitalares. Como efetivação
da estratégia de desospitalização, novos centros de saúde mental foram criados na comunidade,
bem como oficinas, lares, hospitais-dia, hospitais-noite etc. A ideia era transformar o hospital
num recurso obsoleto, fazendo com ele fosse progressivamente caindo em desuso, ao mesmo
tempo em que os centros de saúde fossem adquirindo maior complexidade e efetividade no
tratamento terapêutico.

A trajetória da Psiquiatria Preventiva foi marcada pelas inovações descritas anteriormente, mas
também por duras críticas. Os críticos afirmavam que entre os objetivos estava a tentativa de
controlar as populações por parte do Estado, por meio da medicalização do tecido social. Isto
porque os primórdios dos anos 1960 foram marcados pela explosão de diversos movimentos de
contestação social e de contra cultura, como o movimento negro por direitos civis, os beatniks,
hippies, black power etc. Sob o ponto de vista do Estado essa agitação foi encarada como problema
social que estava fugindo ao seu controle, e que deveria ser enfrentada pelo aparato de governo.
Desta maneira, segundo os críticos, a teoria proposta por Caplan caiu como uma luva na tentativa
de implantar uma política de população, em que não se isentavam objetivos de controle social e
“moralização das massas”. Segundo as ponderações de Birman e Costa (1994):

A psiquiatria preventiva vai querer repetir a prática histórica dos primeiros


higienistas do século XIX para justificar uma atuação sem conhecimento
de causa e chamar a isto de Prevenção Primária. Entretanto, o que ocorre
nesta prevenção sem sustentação teórica efetiva, é uma forma abusiva de
psiquiatrização da vida social, com o nome de promoção da saúde mental, já
que a doença ou sua ameaça torna-se caracterizada como desadaptação social
ou negativismo social. A terapêutica ou a promoção da saúde torna-se idêntica
à realização de práticas de ajustamento social.

Os críticos ainda apontam similaridades entre a Psiquiatria Preventiva e práticas psiquiátricas


europeias chamadas de “profilaxia ativa” de meados do século XIX, propostas por Augustin Benedict
Morel. O conceito de degenerescência em saúde mental foi introduzido por Morel e, segundo esse
princípio, toda a sociedade deveria ser posta sob prevenção ativa da psiquiatria, ao qual estenderia
seu controle dos asilos para as grandes concentrações populares (CASTEL, 1978).

41
UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

O livro “Princípios da Psiquiatria Preventiva”, de Gerald Caplan (Rio de Janeiro: Editora


Zahar, 1980), traz, de maneira detalhada e precisa, os ideais e princípios dessa linha
de pensamento.

Antipsiquiatria
A Antipsiquiatria foi um movimento que surgiu no final dos anos 1950 e se consolidou nos anos
1960, na Inglaterra. Seus principais mentores foram os psiquiatras Ronald Laing , David Cooper e
Aaron Esterson. Estes psiquiatras já haviam colocado em práticas as experiências com Comunidade
Terapêutica e Psiquiatria Institucional nos hospitais onde trabalham, mas em curto período de tempo
perceberam que essas experiências não traziam os resultados satisfatórios que eles esperavam.

Figura 13 - Ronald Laing (1927 – 1989)

Figura adaptada e disponível em: < http://en.wikipedia.org/wiki/File:Ronald_D._Laing.jpg>. Acessado em: 19 jan 2014

Esse movimento não se limitou a denunciar as práticas da psiquiatria tradicional – eletrochoque,


psicofármacos, isolamento dos pacientes – e nem buscava reformar os manicômios. Pelo contrário,
é o primeiro movimento que propõe romper com o paradigma psiquiátrico tradicional. Entendiam
que não eram apenas as práticas psiquiátricas que estavam mais ou menos carregadas de violência,
mas o próprio discurso da Psiquiatria e sua teoria eram a maior (e primeira) manifestação dessa
violência. Nesse sentido, a crítica à instituição psiquiátrica se estabelecia nas denúncias de violência
que a psiquiatria exercia ao sujeitar os doentes às suas práticas de controle e aos seus discursos de
verdade. (FOUCAULT, 2006)

Os precursores desse movimento foram influenciados por diversas correntes teóricas em ascensão
naquele período. As principais foram: o existencialismo do pensador francês Jean-Paul Sartre, a
fenomenologia e de fundo, a psicanálise e o marxismo. Baseados nessas teorias, que procuravam
explicar a sociedade de maneira total, ou seja, cruzando hipóteses filosóficas, históricas e sociológicas
com o saber médico, “Lang e Cooper passaram a considerar que as pessoas ditas loucas eram
oprimidas e violentadas, não apenas nas instituições psiquiátricas, onde deveriam estar para receber

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EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

tratamento, mas também na família e na sociedade”. (AMARANTE, 2011). Assim, os precursores


do movimento, chegaram à conclusão de que o discurso dos loucos, aparentemente sem sentido,
denunciava a trama de carências socioemocionais a que estas pessoas estavam sujeitas.

Figura 14 - David Cooper (1931 - 1986)

Figura adaptada e disponível em: <http://www.babelio.com/auteur/David-Cooper/7290/photos>. Acessado em: 19 jan 2014

A partir do momento que os antipsiquiatras recusaram o conceito de doença mental, consequentemente


rejeitaram, também, os métodos de tratamento da psiquiatria tradicional, como o tratamento físico,
químico e moral. O hospital, por sua vez, era completamente negado, não apenas por reproduzir
as relações sociais patogênicas de opressão, mas por radicalizar estas mesmas relações fortemente
manifestadas na família. Assim, no âmbito da Antipsiquiatria não existiria a doença enquanto fato
natural, como considera a psiquiatria, mas sim a experiência do sujeito com seu ambiente social.

Nos princípios da antipsiquiatria, ao terapeuta caberia apenas permitir que a pessoa vivenciasse sua
experiência, auxiliando e protegendo-a, inclusive da violência da própria psiquiatria. Esta vivência
seria por si só, terapêutica, já que o sintoma expressaria uma possibilidade de reorganização
psíquica. Para Fleming (1976):

O projeto antipsiquiátrico apresenta-se, não somente como um desejo de


negação da psiquiatria, mas também um movimento de crítica da ordem social
estabelecida, não como a elaboração de uma nova doutrina ou de um saber
instituído (facilmente recuperável pelo sistema), mas como um movimento de
contestação radical das estruturas sociais e dos valores culturais, tais como a
adaptação, a normalidade, a saúde mental....

Contudo, por sua natureza radical, comprometida com a ruptura total com o modelo psiquiátrico
tradicional, faltou a esse movimento de grande vitalidade crítica, o poder de convencer a sociedade:

de sua capacidade de propor técnicas alternativas, quer dizer, capazes,


ultrapassando uma contestação abstrata do tecnicismo dos profissionais,
de fornecer ferramentas para atacar concretamente as dimensões sociais e
políticas da doença mental (CASTEL, 1987).

43
UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

De qualquer forma, esse movimento vigoroso, que se tornou mais uma voz sonante no coro
contestatório à psiquiatria vigente na época. Trouxe muitas questões que influenciaram movimentos
posteriores, essencialmente, no questionamento do saber psiquiátrico enquanto verdade e soberania.

O filme de Kennet Loach – Vida em família (Family Life) aborda a Antipsiquiatria de


David Cooper, Ronald Laing e Gregory Bateson e as pesquisas sobre o processo de
criação da loucura. Contou com biólogos, psicólogos e antipsiquiatras na concepção
dos personagens, seus gestos e falas. Dois livros são leituras obrigatórias para quem
pretende enriquecer o tema, são eles o clássico “O eu dividido” (Rio de Janerio: Zahar,
1963) de Ronald Laing, um dos pais fundadores do movimento antipisquiátrico; e
o “A Política da Loucura (a Antipsiquiatria)” (3. edição, Campinas: Papirus, 1987) do
brasileiro João Duarte Francisco Jr.

Psiquiatria Democrática Italiana


A Psiquiatria Democrática Italiana iniciou-se numa pequena cidade no norte da Itália chamada
Gorizia e seu principal protagonista foi o psiquiatra Franco Basaglia. Após ter abandonado
sua carreira acadêmica na Universidade de Medicina de Padova, onde lecionou por 12 anos,
Basaglia assumiu a direção de um hospital local, colocando em prática as propostas da
Comunidade Terapêutica e da Psiquiatria Institucional, as quais Basaglia teve o privilégio de
conhecer pessoalmente, bem como seus idealizadores.

Ilustração 11 - Franco Basaglia (1924 - 1980)

Figura adaptada e disponível em: < http://www.teatronuovosalerno.it/News-e-Rassegna-Stampa/repubblicait.html>. Acessado em: 20 jan 2014

Ao tomar contato como o Hospital, Basaglia tomou um choque diante da situação em que se
encontrava a instituição. A realidade dos manicômios italianos era totalmente desconhecida da
academia e da sociedade em geral. Os manicômios eram instituições hermeticamente fechadas
em si, até a Segunda Guerra; no momento em que os regimes totalitários foram derrotados abriu-
se a possibilidade para profundas reformas em diversos aspectos sociais, inclusive as instituições
manicomiais. E isso não só na Itália, mas, praticamente, em toda Europa ocidental.

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EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

Imediatamente, Basaglia e seu grupo iniciaram as transformações do Hospital de Gorizia:


concretizaram o fim das ações de contenção e possibilitaram a criação de espaços de encontro entre
doentes e equipe médica. Procuravam-se devolver ao paciente sua dignidade, para que ele pudesse,
junto como seus companheiros, decidir sobre a vida institucional a qual estava submetido. Em 1962
foi aberto o primeiro pavilhão (BARRO, 1994).

Conforme a iniciativa se ampliava, a equipe de Gorizia percebia que o eixo terapêutico fundamental
tinha que ser deslocado do discurso psiquiátrico sobre a doença para a consideração ampliada
sobre as necessidades dos pacientes. A Psiquiatria Democrática Italiana caminhava no sentido de
considerar a subjetividade do paciente, supostamente “desviada”, como parte indispensável ao
tratamento, e não apenas como mero sintoma. Isso foi possível graças ao debate entre os atores
institucionais e os pacientes num ambiente renovado por iniciativas coletivas e participativas.
A partir daí houve uma reformulação na relação terapeuta-paciente, hospital-terapeuta
(AMARANTE, 2007).

A equipe de Gorizia se deu conta, então, que as experiências da Comunidade Terapêutica e da


Psicoterapia Institucional não iam além de um “perfeccionismo interno e estéril”, e por mais que
as instituições psiquiátricas fossem humanizadas o problema central permanecia: o saber médico
sobre a loucura era em si mesmo a maior forma de violência contra o indivíduo internado, violência
que se traduzia na supressão de sua individualidade e a alienação da sua existência (BARROS,
1994). Como pano de fundo para a crítica basagliana à psiquiatria estava as obras de dois grandes
pensadores: o filósofo francês Michel Foucault e o sociólogo canadense Erving Goffman.

Com Foucault e Goffman, os basaglianos passaram a trabalhar com a hipótese de que o grande
equívoco da psiquiatria foi ter colocado o homem entre parênteses, esquivando-se de interagir
com o sofrimento psíquico “Sobre esta separação artificial se construiu um conjunto de aparatos
científicos, legislativos, administrativos (precisamente a instituição), todos referidos à doença.”
(ROTELLI et al., 1990). Ou seja, o conceito de doença mental, proposto pela medicina, havia
reduzido a loucura aos limites do campo médico. Contudo, o dado empírico colocou outra
possibilidade de compreensão sobre a questão da loucura. Observando a origem de classe da
população internada, os italianos perceberam que a problemática do louco ligava-se a de outros
segmentos minoritários da sociedade, todos eles rotulados a partir do lugar comum chamado
“desvio”. Foi contra essa corrente que Franco Basaglia remou. Fazia-se urgente trazer o paciente,
sua subjetividade, seu sofrimento e suas necessidades para o cerne da questão, além de fazer as
devidas considerações sobre o vínculo da loucura com a exclusão de estratos desfavorecidos na
sociedade capitalista (BASAGLIA; GALLIO, 1991).

Basaglia e seu grupo estavam muito próximos das posições da Antipsiquiatria inglesa, no entanto,
ao contrário do movimento de Laing e Cooper, que não chegou a traduzir o avanço teórico em
propostas concretas que rompesse com o tecnicismo dos profissionais, os italianos conseguiram
superar essas dificuldades práticas abrindo um novo horizonte no campo da saúde mental.

O grande salto deu-se com a proposta de desinstitucionalização que, na década de 1970,


esvaziou completamente o hospital psiquiátrico de Trieste. Ainda em 1968 a equipe de Gorizia
solicitou a administração local o fechamento do hospital alegando que, sob o ponto de vista

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UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

médico, as internações não se justificavam e que as pessoas permaneciam ali por não disporem de
condições econômicas e sociais. Diante da negativa do poder local a equipe demitiu-se em bloco
após fazer uma declaração de cura de todos os pacientes. Nesse ínterim, Basaglia foi para os Estado
Unidos retornado em 1970 para em seguida assumir a direção do Hospital Psiquiátrico de Trieste e
finalmente colocar em prática seu projeto de desinstitucionalização.

A experiência de Trieste
Trieste é uma cidade de médio porte localizada no norte da Itália. Foi para lá que Basaglia
dirigiu-se para assumir o Hospital Psiquiátrico de San Giovanni, logo após seu retorno dos
Estados Unidos e de uma curta passagem pelo Hospital Psiquiátrico de Parma. Em Trieste
ocorreu a mais rica experiência contemporânea de transformação da psiquiatria que influenciou
inúmeras experiências pelo mundo, sendo a referência fundamental e motivadora da Reforma
Psiquiátrica Brasileira.

O programa proposto pela nova direção no hospital englobava novas estratégias de prevenção,
de tratamento e de reinserção social. A ideia principal era restringir cada vez mais os espaços no
interior do hospital, ao mesmo tempo em que se ampliavam os espaços na comunidade, até que
houvesse condições para o fechamento definitivo da instituição. Nesse primeiro momento foram
reproduzidas parcialmente experiências ligadas a Comunidade Terapêutica e a Psicoterapia
Institucional. No entanto, Basaglia não as incorporou como objetivos finais, mas como passagens
que desembocariam na desmontagem do aparato manicomial. Baseados nestas experiências,
os basaglianos dividiram o hospital em cinco setores, depois transformados em sete, cada qual
contendo 200 pacientes separados segundo o bairro de origem e não mais por diagnóstico ou
comportamento (BARROS, 1994).

Paralelamente às transformações em San Giovanni, nas comunidades foram sendo construídos


os Centros de Saúde Mental (CSM), criteriosamente distribuídos pelas várias regiões da
cidade. Os CSM´s italianos guardam algumas similaridades com aqueles propostos pela
Psiquiatria de Setor francesa e pela Psiquiatria Preventiva dos E.U.A., basicamente, a ideia de
atuação das equipes num território determinado, desenvolvida por estas duas propostas. No
entanto, os CSM´s não se constituiriam como aparatos de suporte pós-alta hospitalar, muito
menos solicitariam novas internações ou reinternações. Partindo do conceito de “tomada de
responsabilidade” os CSM´s assumiriam a integralidade do tratamento em cada território no
campo de saúde mental.

Conforme os pavilhões do hospital de San Goivanni eram esvaziados e os CSM´s avançavam, outras
estratégias de desinstitucionalização eram implantadas.  Uma das mais significativas foi construir
o envolvimento progressivo da população em iniciativas que se realizavam no interior do hospital
e no movimento inverso, aquelas que faziam com que os pacientes ultrapassassem os muros do
hospital. Com essa orientação foram organizados passeios, viagens e manifestações, construindo-
se novas formas de relação cotidiana com a família e a cidade. Gradualmente o manicômio foi
desconstruído, simbólica e materialmente, sendo o princípio que regia essas ações a máxima: “a
liberdade é terapêutica” (BARROS, 1994).

46
EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO │ UNIDADE I

A proposta era a extinção da instituição manicômio, criando-se serviços substitutivos que comporiam
uma rede de atenção comunitária, de base territorial. Além dos CSM, foram propostas a criação de
moradias protegidas (casas), espaços de promoção de trabalho sob à ética das cooperativas sociais
e a criação de Associações, com vistas à inclusão social.

No entanto, a criação dos CSM´s e da rede de serviços não foi um processo fácil, pois esbarrou em
obstáculos materiais e na falta de apoio da administração local. Segundo Barros (1994) 

“(...) um grupo de operadores e usuários ocuparam, em 1978, uma casa vazia que
pertencia à prefeitura. A casa do Marinaio encontrava-se numa zona central, e
sua ocupação objetivava criar um centro poliambulatorial para aquela região.
A ocupação ocorreu após negativas sucessivas da administração em colocar à
disposição um imóvel e possuía o apoio de organizações representativas e de
base.” Mas esta ocupação não contou com o apoio de Basaglia e a partir desse
episódio surgiu uma forte tensão entre os promotores e a favor do movimento
de reforma psiquiátrica e setores do governo e da sociedade que se opunham
a tal movimento.

Esta tensão pode ser aos poucos contornada. O movimento foi se fortalecendo e crescendo em
todo o país. Em 1979, Basaglia pôs fim aos seus trabalhos em Trieste, transferindo-se para Roma
e deixando Franco Rotelli como seu sucessor (autor muito importante para o movimento da
Psiquiatria Democrática Italiana). A luta de Basaglia e seus companheiros não fora em vão; em 1978,
junto com uma série de medidas que aprofundaram a democracia italiana, tais como a legalização
do aborto e do divórcio, o parlamento italiano aprovou a Lei no 180, conhecida como Lei da Reforma
Psiquiátrica, englobada na Lei da Reforma Sanitária. A Lei no 180 transformou definitivamente o
cenário da saúde mental de todo o país. A partir dessa lei:

»» nenhum novo paciente podia ser admitido em hospitais psiquiátricos públicos


(durante cerca de 1 a 2 anos antigos pacientes poderiam ser readmitidos);

»» novos hospitais psiquiátricos não podiam ser construídos;

»» os técnicos que trabalhavam nos hospitais foram realocados nos serviços


comunitários;

»» o tratamento deveria ocorrer fora dos hospitais (em centro de saúde mental
comunitários, regionalizados);

»» a hospitalização (voluntária ou compulsória) deveria ser uma intervenção


excepcional, caso o tratamento comunitário não fosse possível naquele momento.
Tal intervenção deveria ser realizada apenas em pequenas unidades em hospitais
gerais, de até 15 leitos por hospital.

»» a internação compulsória (judicial) deveria ser ratificada por certificados de


avaliação de dois médicos, sendo revista obrigatoriamente pelo judiciário de dois e
sete dias após a internação. O paciente ou qualquer parte interessada poderia apelar
da decisão judicial.

47
UNIDADE I │ EXPRIÊNCIAS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO MUNDO

A Lei no 180 está traduzida para o português e disponível no link a seguir. Vale a
pena ler!

<https://docs.google.com/document/d/1hQXvfh7uRCetuviErjslxT6J_LmmqPvkp_
m09F5BimI/edit?pli=1>

O movimento da Psiquiatria Democrática Italiana é considerado o mais radical, não somente por
propor a extinção dos manicômios, mas essencialmente por considerar o sujeito e a singularidade
de sofrimento, colocando a doença entre parênteses e o sujeito em evidência; por conseguir de
fato produzir cuidados na comunidade, envolvendo trabalhadores e a própria comunidade, e
principalmente os pacientes, como protagonistas nesse processo; por conseguir efetivar uma rede
territorial de cuidados substitutivos ao hospital psiquiátrico, criando-se serviços comunitários,
dinâmicos e territoriais; pela tomada de responsabilidade diante do cenário que estava colocado,
buscando produzir mudanças não somente na prática dos serviços, mas essencialmente nas relações
com as pessoas que tinham sofrimento psíquico.

Um belo filme que retrata a vida dos pacientes pós-desinstitucionalização


promovida pela reforma democrática italiana é “Dá pra fazer (Si puó fare)” do diretor
italiano Giulio Manfredonia. O filme gira em torno da vida de Nello, ex-sindicalista
que se vê dirigindo uma cooperativa de ex-pacientes dos manicômios fechados
pela lei Basaglia. Nello consegue ser hábil em lidar com as caracerísticas de cada
personagem, mas não está livre enfrentar as contradições de um grupo trabalhando
em equipe, temperada pelas peculiaridades dos diferentes transtornos de cada
integrante. A grande obra de divulgação da psiquiatria democrática italiana são os
“Escritos selecionados” (Rio de Janeiro: Garamond, 2005) de Franco Basaglia.

Neste capítulo pudemos nos aproximar das experiências centrais de Reforma


Psiquiátrica pelo mundo e como elas produziram ricos elementos de transformação,
institucional, social e política. Inúmeras questões foram descobertas e/ou (re)
inventadas transformando profissionais, pacientes e familiares em verdadeiros
militantes sociais por um outro modelo atenção à saúde mental.

48
A REFORMA UNIDADE II
PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

CAPÍTULO 1
Histórico da saúde no Brasil: a criação
do SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma grande conquista da população e uma


evolução importante no que diz respeito às Políticas Públicas do setor saúde.
Anteriormente à criação do SUS apenas pequena parcela da população tinha direito
ao acesso à saúde, estando esse direito diretamente associado à contribuição de
trabalhadores com registro profissional.

Mas qual a relação da criação do SUS com a Reforma Psiquiátrica Brasileira?

É exatamente isso que abordaremos, a fim de contextualizar para você como a


criação do SUS e o movimento de Reforma Sanitária favoreceram positivamente as
mudanças no campo da saúde mental.

A História da criação do SUS está registrada no documentário “História da Saúde


Pública no Brasil: um século de luta pelo direito à saúde” (disponível em: http://
www.youtube.com/watch?v=SP8FJc7YTa0) produzido pela Universidade Federal
Fluminense em parceria com o Ministério da Saúde e a Organizaçao PanAmericana
de Saúde.

De maneira realista, o documentário mostra a situação da saúde no país e as razões


que motivaram a população na luta pelo direito à saúde! Marcos históricos como a
criação dos fundos de aposentadorias e pensões, o Instituto Nacional de Previdência
Social, a Reforma Sanitária, a 8ª Conferência Municipal de Saúde e a criação do SUS
são temas abordados no filme.

Após assistir ao documentário, levante quais as principais razões que levaram a


população à busca do direito à saúde. E procure refletir sobre:

Quais foram as dificuldades encontradas nessa luta?

Quais foram os avanços conquistados?

E atualmente, quais são os desafios do SUS?

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UNIDADE II │ A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

A conquista pelo direito à saúde


A saúde no Brasil nem sempre foi considerada um direito de todos e dever do Estado. Até a
Constituição Federal de 1988 o Brasil vivera uma política de Estado baseada no patrimonialismo,
clientelismo, centralização decisória, exclusão e desigualdade social (BAPTISTA, 2007). Tal
política refletia em todos os setores da sociedade e na saúde não era diferente. O cenário era de
uma rede de saúde ineficiente, desorganizada, excludente e desigual, favorecendo o interesse de
poucos (instituições privadas). Uma grande parcela da população estava excluída do direito à
saúde, pois este estava diretamente relacionado ao processo produtivo/trabalho (contribuição).
A exclusão se dava não somente em relação ao acesso à saúde, mas também ao status de cidadão,
pois este só era concedido aos que poderiam contribuir com o Estado por meio de seu trabalho,
com registro profissional. Ser cidadão não estava vinculado ao simples fato de pertencer a
uma sociedade; prevalecia a lógica da cidadania regulada pelo viés financeiro e dos interesses
particulares e pouco igualitários.

Historicamente, de maneira geral, a saúde da população brasileira permaneceu por muitos anos
destinada aos cuidados de benzedeiras ou esteve na dependência da caridade, como a ajuda oferecida
pelas Santas Casas de Misericórdia. Somente os mais abastados podiam pagar por serviços médicos
e hospitalares.

Com a vinda da família real portuguesa ao Brasil, em 1808 o Estado responsabilizou-se por ações
coletivas para o controle de doenças, a fim de garantir a salubridade da família real, sendo seu foco
garantir o bem-estar de D.João VI e da corte como um todo (a mão de obra era quase toda escrava
e não havia nenhuma preocupação com a saúde dela). Esse formato e compreensão acerca da saúde
da população se manteve e perpetuou até o final do século XIX. Com a proclamação da República
em 1889, somados ao crescimento econômico do país, os esforços na saúde se mantiveram ainda
mais relacionados à manutenção da mão de obra trabalhadora sadia (a preocupação estava apenas
com aquelas doenças que tinham o potencial de dizimar a força de trabalho, como a varíola, o cólera
e a febre amarela e em áreas localizadas como os portos, por exemplo). O modelo de saúde mantinha
sua preocupação voltada aos interesses econômicos, a fim de garantir uma população saudável para
a produtividade e manutenção de riquezas dos mais favorecidos, em detrimento da população mais
pobre que oferecia sua força de trabalho e não tinha nenhum direito garantido enquanto cidadãos.

Após a proclamação da República, algumas ações foram promovidas no sentido de manter os


interesses econômicos em primeiro plano. Um exemplo disso era o afastamento dos trabalhadores
de seus postos de trabalho, por períodos denominados de quarentena, no qual permaneciam
afastados quando estavam doentes, no sentido de evitar epidemias, já que essas teriam um impacto
muito negativo na produtividade.

Foi a partir de 1903, que Oswaldo Cruz, ao assumir a diretoria geral da saúde pública, propôs
um código sanitário a fim de combater algumas doenças epidêmicas, sendo sua primeira grande
estratégia a aplicação de vacinas, que eram obrigatórias para toda a população. Para a época essa foi
uma atitude muito polêmica. Muitas pessoas se negavam a receber as vacinas, pois não conheciam
seus efeitos e não sabiam ao certo sua efetividade. Além disso, a recusa em receber a vacina não partia
somente da ignorância popular, mas também porque junto com a vacina os sanitaristas invadiam

50
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA │ UNIDADE II

casas e cortiços e caso considerassem que representava perigo para a saúde pública, mandavam
demolir tais locais e forçosamente tomavam providências para impedir a proliferação das doenças.
Foi um momento polêmico e de revolta por parte da população. A Revolta da Vacina, no Rio de
Janeiro, foi o movimento popular mais representativo desse período (COSTA, 1985).

A saúde passou a ser entendida como uma questão social e política, exigindo do Estado ações
coletivas e preventivas, mas sempre no caráter de controle e interesses político-econômicos.

Direito à saúde: para quem?


Em 1923, em meio às pressões dos movimentos populares, por ações mais efetivas na área da
saúde, e do capitalismo que estava evidentemente direcionando todas as relações econômicas,
Eloy Chaves propôs uma lei que regulamentava a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões
para classes específica de trabalhadores: marítimos e ferroviários (BAPTISTA, 2007). Essas Caixas
de Aposentadorias e Pensões consistiam na organização pela empresa de fundos formados com
capital da contribuição dos trabalhadores, que eram revertidos em socorro médico, medicamento
e aposentadoria e pensão para herdeiros. O Estado não contribuía financeiramente com as Caixas,
somente, por meio da lei, legalizou uma organização existente nas empresas.

Em 1930, o governo Vargas foi marcado pela busca do desenvolvimento e industrialização. Na


busca de manter uma base aliada de trabalhadores ao projeto do estado e em consonância com seus
interesses político-econômicos, o governo, nesse período, iniciou um processo incisivo de proteção
ao trabalhador por meio da consolidação dos direitos sociais. Entre eles estavam a obrigatoriedade
da carteira profissional; jornada de oito horas de trabalho; direito à férias e lei do salário mínimo
(BAPTISTA, 2007).

Ainda no governo Vargas, criaram-se os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPS), nos quais
foram ampliados os fundos de caixas de aposentadorias e pensões para todos os trabalhadores
contribuintes, não estando vinculados somente a classes de trabalhadores específicas. O Estado
começou a ter maior participação no controle administrativo e financeiro. Mantinha-se o interesse
na garantia do desenvolvimento do país como foco principal, valorizando-se somente trabalhos
considerados como os quais impulsionariam o país economicamente (ELIAS, 2004).

Porém, a população se deparava com diferenças nos valores das contribuições dos trabalhadores,
que estavam relacionados à organização da categoria profissional e ao poder econômico de cada
uma delas. Isso refletia em diferenças e desigualdades nos benefícios recebidos, criando privilégios
para uns e não para outros, de forma igualitária. As pessoas que não estavam inseridas no sistema
de contribuição estavam excluídas do direito à assistência em saúde, restando-lhes contar com
a caridade. De maneira geral, o Estado oferecia atenção a todos somente para doenças como a
tuberculose, a hanseníase e os transtornos mentais (ELIAS, 2004).

Os anos 1950 foram marcados pelo processo de industrialização nas grandes cidades. Muitos
operários necessitam de atenção à saúde, levando a uma expansão dos serviços de saúde. Surgem os
grandes hospitais e são formadas as parcerias de convênios-empresas. A assistência à saúde torna-
se cada vez mais cara e o Hospital torna-se o local de referência para a atenção à saúde.

51
UNIDADE II │ A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

No mundo pós Segunda Guerra Mundial, influenciados pelas propostas de constituição de Estados
de Bem-Estar Social na Europa (Welfare State), no Brasil ganhou espaço a ideologia que apresentou
a relação pobreza-doença-subdesenvolvimento. A política de bem-estar social no país buscou, nesse
sentido, investir no saúde para o Brasil ter maior desenvolvimento (BAPTISTA, 2007). Em 1953,
para fortalecer ações nessa perspectiva, criou-se o Ministério da Saúde.

Ainda, a política pública no setor saúde se dedicava a realizar ações e serviços como foco para
doenças transmissíveis e o acesso à assistência à saúde mantinha-se restrita aos contribuintes e
seus dependentes, com ênfase curativa, de maneira hospitalocêntrica.

Em 1964, o golpe militar trouxe “mudanças para o sistema sanitário brasileiro, entre elas a ênfase
na assistência médica, o crescimento progressivo do setor privado e a abrangência de parcela
sociais no setor previdenciário” (BAPTISTA, 2007, p. 40). A primeira ação do governo no setor
saúde foi a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões e a criação do Instituto Nacional
da Previdência Social (INPS). Tal ação uniformizou os institutos, principalmente nos termos dos
benefícios prestados e o Estado centralizou o poder de decisões para si, afastando os trabalhadores
de participarem desse processo. Em 1970 o INPS inclui novas categorias de trabalhadores, como
trabalhadores rurais, domésticas e autônomos.

Essas ações geravam filas, demora nos atendimentos e insatisfação na população, pois o sistema de
saúde não estava preparado para prestar assistência a todos os contribuintes. A fim de responder a
essa demanda o Estado optou por contratação de serviços privados (ELIAS, 2004). Os gastos com a
saúde dobraram e a população estava cada vez mais insatisfeita.

A Reforma sanitária e o SUS


Ao final dos anos 1970, o movimento de Reforma Sanitária surgiu impulsionando por movimentos
sociais de busca de direitos e cidadania. O momento de abertura política e o envolvimento de
intelectuais ligados às principais universidades do país (USP, UNICAMP, FIOCRUZ) também
contribuíram para seu fortalecimento e adesão dos diversos setores da sociedade.

A Reforma Sanitária, imbuída dos valores da democratização, questionava modelos de atenção e


gestão nas práticas de saúde. O foco era na saúde coletiva e visava à equidade de acesso e ofertas
de serviços; evidenciava a necessidade do protagonismo de usuários e trabalhadores e idealizava
a saúde como um direito social. Como nos aponta Baptista (2007), o movimento sanitário tinha
como sua principal causa de reivindicação reverter a lógica da assistência à saúde, apresentando as
seguintes questões a serem discutidas:

a saúde é um direito de todo cidadão, independente de contribuição ou de


qualquer outro critério de discriminação;

as ações de saúde devem estar integradas em um único sistema, garantindo o


acesso de toda população a todos os serviços de saúde, seja de cunho preventivo
ou curativo;

52
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA │ UNIDADE II

a gestão administrativa e financeira das ações de saúde deve ser descentralizada


para estados e municípios;

o Estado deve promover a participação e o controle social das ações de saúde.

O cenário do país era de uma política centralizadora, voltada a interesses de pequena parcela da
população, com caráter de segregação e exclusão, gerando grande desigualdade social. Os princípios
do Movimento Sanitarista se pautavam num desejo por justiça social e na exigência de uma mudança
na forma de operar do Estado. Questionava-se também a concepção de saúde pautada na ausência
de doença, incluindo outros fatores como determinantes da saúde: condições de habitação, renda,
alimentação, meio, entre outros.

Tal movimento ganhou força em todo o país e culminou em 1986 na 8ª Conferência Nacional
de Saúde, que contou com a presença de mais de quatro mil pessoas, todos num coro pela saúde
enquanto um direito do cidadão e dever do Estado. Buscava-se a universalidade de acesso e maior
responsabilização do Estado pela saúde da população.

E, em 1988, a Nova Constituição criou o Sistema Único de Saúde (SUS) com os princípios da
8ª Conferência Nacional de Saúde. A Lei no 8.080 (Lei Orgânica da Saúde), de 1990, regula, em
todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, trazendo a concepção de saúde como um
direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício.

A Lei Federal no 8.080 (Lei Orgânica da Saúde), de 1990, que regula o SUS em todo
território Nacional é de extrema importância para o sistema de saúde brasileiro. Tal
Lei está disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm.

O site do Ministério da Saúde contém muitas informações sobre o SUS voltadas


para os cidadãos, e informações específicas para profissionais de saúde. Vale a pena
consultar e se inteirar das diretrizes do sistema de saúde vigente no Brasil.

Segue a seguir o link:

<http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/entenda-o-sus>

O SUS tem como os princípios doutrinários:

»» Universalidade de acesso aos serviços em todos os níveis de assistência.

»» Equidade na atenção à saúde, adequando a oferta de assistências à saúde, às


necessidades individuais e de grupos específicos, tendo como princípio a justiça
social. Visa a ampliação do acesso, na busca de respeitar a diversidade e diminuir a
desigualdade.

»» Integralidade das ações em saúde, considerando os diferentes níveis de


atenção e o sujeito em seu contexto social, familiar e ambiental.

E com os princípios organizativos:

53
UNIDADE II │ A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

»» regionalização/hierarquização dos serviços;

»» descentralização político administrativa;

»» participação/controle social, colocando usuários do SUS como cogestores


desse novo sistema (BRASIL, 2007).

Os avanços do SUS em relação à assistência em saúde foram enormes, essencialmente no que diz
respeito ao acesso à assistência à saúde para qualquer brasileiro, em todo o território nacional,
independentemente de contribuição ou vínculo empregatício. Todos, perante o SUS, sem
discriminação por raça, cor, classe social, faixa etária, gênero, tem direito ao acesso aos serviços
(públicos e privados conveniados) de saúde. Este é um grande avanço, garantido por lei, no qual
todos da população, ao menos no setor saúde, são considerados como cidadãos de direitos.

Outros avanços estão pautados na busca pela equidade e integralidade das ações. A concepção de
saúde pautada nesses princípios está para além da compreensão de saúde como ausência de doença,
são considerados fatores sociais, ambientais, econômicos, relacionais. Além disso, se reconhece na
prática que as ações de promoção, prevenção e recuperação formam um sistema integral e único e
devem atender a população em todos os níveis de complexidade, garantindo seu acesso.

Retomando a história, esse é um avanço importante, pois passamos de um sistema focado no modelo
hospitalocêntrico, de cura de doenças e remissão dos sintomas, para a compreensão de um sujeito
integral e da necessidade de um sistema também integral, complexo, que abarque os diferentes
níveis de atenção, com ênfase na atenção básica.

Como aponta Pimentel, 2013, o SUS (assim como a Reforma Psiquiátrica) incorporou outros saberes
em suas práticas, reconhecendo a importância da intersetorialidade. O setor saúde reconhece suas
as potencialidades, mas também conhece os limites de seu conhecimento e ações, colocando como
necessidade a articulação intersetorial.

Outro importante avanço do SUS se refere à participação popular e controle social. A população
pode exercer o papel de formulação, acompanhamento e controle permanente das ações do SUS.
Estabeleceu-se um canal permanente de relação entre o gestor e a população, por meio dos Conselhos
Gestores das Unidades e Conferências de Saúde. Está é uma forma de responsabilizar a população
de seus direitos e também deveres, colocando-os como protagonistas desse processo.

O caráter centralizador e autoritário do Estado, na proposta do SUS, não tem mais espaço. Com as
diretrizes da descentralização político administrativa e o controle e participação social, estados e
municípios tem mais autonomia e a população pode participar efetivamente da construção da saúde
que deseja.

Os municípios, com o processo de descentralização do sistema de saúde, tornaram-se atores


estratégicos no que se refere à efetivação da política nacional.

A partir de 1990 a União criou as Normas Operacionais Básicas (NOB) a fim de regular a
descentralização, por meio da normatização (NOB nos 91, 92, 93 e 96). Nos anos 2000 foi publicada
a Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), no qual, entre outras proposições, se definiu

54
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA │ UNIDADE II

responsabilidades à Atenção Básica e se redefiniu procedimentos para a atenção de média e alta


complexidade, além da criação de protocolos para a assistência médica (versão 2001 e 2002). Em
2006 foi lançado o Pacto pela Saúde, no qual foram definidas as responsabilidades em todos os
níveis de atenção, implantando-se mecanismos de monitoramento dos compromissos pactuados e
a avaliação dos mesmos3 (CRUZ, 2001).

A Coleção Progestores – Para entender a gestão do SUS, 1, 2007, disponível em http://


www.conass.org.br/colecao2011/livro_1.pdf, publicação do Conselho Nacional
de Secretários de Saúde (CONASS), busca apoiar tecnicamente gestores do SUS,
apresentando o percurso histórico da criação do SUS e traz, de maneira objetiva,
seus princípios e diretrizes.

Observamos que muitos ainda são os desafios a serem superados pelo SUS. Infelizmente, ainda
nos deparamos com pouca ou nenhuma estrutura nos equipamentos públicos; falta de recursos
humanos e qualificação profissional; resistências e dificuldades para a realização de um trabalho
em rede e intersetorial; fragmentação das ações. Essencialmente no interior dos estados e regiões
periféricas das grandes cidades, observamos uma falta de serviços/equipamentos de saúde (número
de serviços) que garantam acesso ao atendimento a toda a população. Os recursos parecem escassos,
o interesse público político não favorece e as filas para atendimento só crescem.

Deparamo-nos ainda com um cenário nacional de enorme heterogeneidade e uma imaturidade


política dos diversos segmentos sociais (prestadores, profissionais e usuários), o que culmina em
uma dificuldade para tais segmentos se articularem e propor ações que vão além de interesses
individualizados (BAPTISTA, 2007).

Nós, trabalhadores de saúde fazemos parte desse contexto e somos produtos e produtores da história de
assistência à saúde no Brasil. É preciso, em conjunto com a população, amadurecermos politicamente e
buscar garantir os direitos até aqui já conquistados. É preciso que trabalhadores da saúde exerçam seu
papel em busca da autonomia, ocupando esse lugar, podendo produzir saúde de maneira intersetorial
e coletiva, tendo os usuários do SUS como parceiros e protagonistas nesse processo.

Neste capítulo trabalhamos as seguintes ideias principais:

»» O direito ao acesso a saúde no Brasil foi um direito conquistado pela


população.

»» Os princípios do SUS se pautam na universalidade de acesso, equidade e


integralidade da atenção à saúde, tendo como princípios organizativos
a regionalização/hierarquização dos serviços, a descentralização político
administrativa e a participação/controle social, colocando usuários do
SUS como protagonistas desse processo.

»» O SUS é um avanço no que diz respeito à assistência a saúde, porém


temos ainda muitos desafios a serem superados.

3 Para saber detalhadamente sobre o conteúdo de cada uma das NOB, NOAS e do Pacto pela saúde, basta acessar o site do
Ministério da Saúde e consultar, na íntegra cada uma das portarias promulgadas. O link é: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
legislacao/legislacao.php

55
CAPÍTULO 2
A Reforma Psiquiátrica no Brasil

Como já foi visto, várias foram as experiências de reforma psiquiátrica no mundo. Experiências
essas que visaram, em sua maioria, humanizar o tratamento das pessoas com transtorno mental
e acima de tudo romper com a lógica da exclusão e segregação. No Brasil, a Reforma Psiquiátrica
sofreu influências das experiências mundiais anteriormente citadas e trouxe importantes mudanças
na assistência às pessoas com transtorno mental. Veremos como se deu a Reforma Psiquiátrica no
Brasil, contextualizando seus principais marcos históricos e abordando elementos que fomentaram
a atual Política Nacional de Saúde Mental.

Muitos foram os avanços, porém muitos ainda são os desafios do movimento de


Reforma Psiquiátrica no Brasil. Nosso país tem uma imensidão de singularidades
e diferenças, tornando o processo de reforma psiquiátrica algo que aconteceu de
diferentes formas em todo o território nacional, dada a sua diversidade.

Como o movimento de Reforma Psiquiátrica aconteceu em seu município? Como


a Reforma Psiquiátrica interferiu no seu território de atuação profissional? Você
reconhece os princípios da Reforma Psiquiátrica no seu dia a dia?

A reforma psiquiátrica está sempre em construção, num contínuo processo de


transformação. Cabe lembrar que “o que interessa no movimento de reforma
psiquiátrica é justamente... o movimento!” (JUAREZ, apud PASSOS, 2005)

A constituição do Movimento de Reforma


Psiquiátrica no Brasil
A concepção de loucura passou por inúmeras transformações, o que resultou em diferentes respostas
da sociedade na maneira de compreender, nomear e se relacionar com a experiência da loucura.
Essas concepções variaram de acordo com fatores históricos, culturais e sociais dos contextos aos
quais estavam inseridas. No Brasil não foi diferente. A loucura transitou pelo status de problema
social (como os pobres, mendigos, prostitutas, velhos, deficientes, que de alguma forma causavam
ameaças à ordem social), de doença e alvo de tratamento (com o surgimento da psiquiatria enquanto
especialidade médica e com a criação dos hospitais psiquiátricos e o surgimento da psicanálise) e da
compreensão da experiência de sofrimento psíquico (com os movimentos de reforma psiquiátrica,
pautando-se na ideia de que a loucura é produto e produtora da sociedade).

Mas o que motivou o movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil? O país assistiu, no final da
década de 1950, nos grandes manicômios, hospitais psiquiátricos, hospícios e colônias um cenário
composto pelo isolamento, segregação, violência, maus tratos, superlotação e abandono dos seus
internos (DEVERA; COSTA-ROSA, 2007). Esse era o modelo de atenção vigente na época às pessoas
ditas loucas: a institucionalização em grandes hospitais psiquiátricos, cujas características, como

56
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA │ UNIDADE II

descritas anteriormente, demonstravam um desinteresse do poder público sobre essas pessoas,


deixando-as trancafiadas nessas instituições e em condições subumanas de sobrevivência.

As condições dos manicômios eram extremamente desumanas e violentas (e ainda


o são em muitos hospitais psiquiátricos existentes no país). Você conhece ou pode
imaginar como era a assistência nessas instituições? Qual era a lógica do tratamento?
Qual era o lugar da instituição, do doente, do profissional?

Existia uma lógica que regia todos os atores e compunham esse cenário. O filme
“Bicho de Sete cabeças”, lançado em 2001, dirigido por Laís Bodanzky, com roteiro de
Luiz Bolognesi, baseado no livro autobiográfico “Canto dos Malditos” de Austregésilo
Carrano Bueno ilustra qual era essa lógica e nos coloca uma questão: a loucura, nesse
período, servia a quem?

O filme completo encontra-se disponível no link a seguir:

http://www.youtube.com/watch?v=u24WcelAjww

No Brasil, uma das críticas mais conhecidas aos hospitais psiquiátricos não veio
do campo científico, mas da literatura com Machado de Assis (2005) e sua obra “O
Alienista”. Machado do Assis é considerado o crítico mais arguto da modernização
conservadora brasileira, e não passou incólume aos seus olhos o caráter contraditório
dos manicômios.

No conto, o médico Simão Bacamarte, “o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e


da Espanha”, homem de ciência, se instalou em Itaguaí para se dedicar inteiramente
ao estudo e à prática médica, em especial ao estudo do “recanto psíquico”. Nesta
cidade abriu sua instituição chamada Casa Verde. Ao cabo de quatro meses, após
anexar uma galeria de mais 37 cubículos, a Casa Verde encontrava-se abarrotada de
loucos vindos das mais diversas vilas e arraiais da região. Então, o alienista Simão,
passou a dedicar-se inteiramente ao estudo e classificação dos doentes:

Dividiu-os primeiramente em duas classes principais: os furiosos


e os mansos; daí passou as subclasses, monomanias, delírios,
alucinações diversas. Isto feito começou um estudo acurado e
contínuo; analisava os hábitos de cada louco, as horas de acesso, as
aversões, as simpatias, as palavras, os gestos, as tendências; inquiria
da vida dos enfermos, profissão, costumes, circunstâncias da
revelação mórbida, acidentes da infância e da mocidade, doenças de
outra espécie, antecedentes na família, uma devassa [...]. Ao mesmo
tempo estudava o melhor regime, as substâncias medicamentosas,
os meios curativos e os meios paliativos [...] (ASSIS, 2005).

Nota-se que as críticas de Machado de Assis vão de encontro ao modelo de


internação baseado numa perspectiva científica frágil em conformidade com o
modelo de ciência positiva calcada na observação dos fenômenos, na busca por leis
gerais, e no abandono da investigação de suas causas.

57
UNIDADE II │ A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

A obra completa “O alienista”, de Machado de Assis, encontra-se disponível em:

http://www.protexto.com.br/classico/alienista.pdf

Para uma leitura da crítica da obra “O alienista”, recomendamos a leitura do artigo


“O alienista: loucura, poder e ciência”, publicado na Revista de Sociologia da USP, em
1993, por Roberto Gomes. Disponível em:

http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/
v0512/Alienista.pdf

Mobilizados pelo pós Segunda Guerra Mundial, o olhar de toda a população e das autoridades voltou-
se para a luta pelos direitos humanos e civis, movidos pelos direitos de igualdade e humanização.
Esses foram os motivadores das buscas por mudanças no modelo assistencial psiquiátrica,
impulsionando as diferentes experiências de Reforma Psiquiátrica pelo mundo.

No Brasil, tardiamente, essas ideias vieram a motivar trabalhadores, familiares e usuários na busca
de transformações ao modelo de assistência psiquiátrica vigente. Foi no final da década de 1970 que o
chamado Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) iniciou a busca por mudanças no
cenário da atenção às pessoas com transtornos mentais. Esse movimento foi fortemente influenciado
pelos movimentos de Reforma Psiquiátrica que estavam acontecendo no mundo (mais fortemente
influenciados pela psiquiatria de Setor, na França, e pela Psiquiatria Democrática Italiana).

O contexto de abertura política no final dos anos 1970 no Brasil, após o fim da ditadura, evidenciava
um processo de redemocratização do país. Expressavam-se diversos movimentos sociais na busca
pelos direitos, liberdade e cidadania (movimento feminista, negros, sindicatos etc.). Na saúde,
buscava-se a universalidade de acesso e maior responsabilização do estado pela saúde da população.
A Reforma Sanitária questionava os modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde vigentes,
tendo como foco a busca pela equidade de acesso e ofertas de serviços, além da necessidade do
protagonismo de usuários e trabalhadores. Além disso, idealizava a saúde como um direito social.
Todo esse contexto favoreceu para que o MTSM pudesse ganhar forças e de fato mobilizar as
mudanças que eram almejadas.

Os valores da redemocratização, a busca por mudanças dos modelos de atenção e gestão nas práticas
de saúde e a luta pelos direitos civis eram princípios consoantes com o MTSM. Nesse sentido, o
movimento busca a superação da violência asilar/manicomial, iniciando um processo de reforma
psiquiátrica como um processo político e social, feito por todos os atores envolvidos nesse processo
(usuário, família, comunidade, gestores, trabalhadores). A busca era pela transformação do modelo
assistencial vigente (centrado no manicômio) mas, essencialmente, a luta era por um conjunto de
transformações não somente das instituições ou do modelo assistencial, mas também das práticas,
saberes e valores, questionando a maneira com a qual a sociedade estava se relacionando com a
loucura (NICÁCIO, 2003).

Por meio de denúncias de maus tratos e violência dentro dessas instituições, evidenciou-se a
institucionalização e a cronificação dos pacientes. O MTSM assumiu importante papel de produzir
o debate público sobre a psiquiatria, colocando-se em foco as condições precárias dos manicômios
tanto para os pacientes quanto para os trabalhadores.

58
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA │ UNIDADE II

No campo financeiro o alvo eram os grandes recursos que o Estado desembolsava para internações
em um sistema que só fazia crescer: a cada ano entravam novos pacientes que permaneciam
internados por décadas. Ainda que o tratamento não fosse caro, a quantidade e o tempo que esses
pacientes passavam dentro dessas instituições tornava o tratamento dispendioso para o Estado.
Sem contar que as possibilidades de cura e a quantidade de altas hospitalares eram irrisórias. Esse
processo resultou na chamada “indústria da loucura”, termos que pontuam:

o processo ocorrido após 1964, onde o governo brasileiro expandiu o número


de hospitais psiquiátricos privados e o número de leitos destes, através de
políticas em que o Estado facilitava a implantação e o credenciamento desses
hospitais na rede pública, ocasionando um aumento do número de pessoas
internadas em hospitais psiquiátricos privados e, consequentemente, um
aumento da lucratividade deste setor (CERQUEIRA, 1984).

O modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico estava em crise. Estava nítido que o
binômio manicômio/ambulatório era insuficiente para o cuidado das pessoas com transtorno mental,
além de ser violento e desumano. O que se via eram instituições superlotadas, com infraestrutura
totalmente precárias, compostas por recursos humanos e materiais insuficientes. Segundo ALVES et
al (2012), o Brasil, no final da década de 1980 “contava com cerca de 85000 leitos em 313 hospitais
psiquiátricos, com um empo médio de permanência de mais de cem dias”.

As regras institucionais eram abusivamente rígidas, na busca do exercício da imposição da ordem,


por meio do controle sobre o outro. Maus tratos, violência, agressividade, segregação, confinamento
e encarceramento eram elementos presentes no dia a dia da instituição. Além disso, os internos
vivenciavam o uso indiscriminado de medicações e eletro convulso terapia (terapia por meio de
choques), sendo utilizados como forma de punição aos que não seguiam as regras e questionavam ou
atrapalhavam a ordem institucional estabelecida sob as faces da crueldade. A retirada da condição
de humanidade, posta pelo não reconhecimento da alteridade do outro, levava ao extermínio das
que não cumpriam com as normas das exigências sociais.

Goldberg (1996), ao citar os manicômios, descreve que existia uma distância geográfica e relacional
entre profissionais e pacientes. Concretamente, os prédios administrativos ficavam distantes das
alas das enfermarias. Profissionais mantinham um distanciamento relacional com os internos,
estabelecendo uma relação de poder e controle, no qual os pacientes não tinham voz.

A assistência nessas instituições era centrada no médico, que ditava as formas e normas do
tratamento. Os outros profissionais eram subutilizados, colocados no lugar de paramédicos. Havia
uma prevalência da visão biológica, não sendo considerados aspectos contextuais, culturais, sociais
e singulares de cada interno.

Segundo Goffman (2001), os manicômios se constituem como instituições totais, sendo que:

toda instituição tem tendências de fechamento (...) algumas são muito mais
fechadas do que outras. Seu fechamento ou seu caráter total é simbolizado
pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída
que muitas vezes estão incluídas no esquema físico, por exemplo, portas

59
UNIDADE II │ A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, flores ou pântanos. A tais
estabelecimentos dou o nome de instituições totais.

Em sua análise, Goffman (2001) aponta que as instituições totais (sendo o manicômio um exemplo
característico) têm em si regras muito rígidas e previamente estabelecidas, nas quais os internos (no
caso os loucos) eram submetidos a uma lógica institucional severa, inflexível e nada singularizada.
Nessas instituições, um grande número de indivíduos, em semelhante situação, longe da sociedade,
levavam uma vida fechada e formalmente administrada.

Os indivíduos, nos manicômios, sofriam com o que o Goffman (2001) chamou de “desculturamento”.
O indivíduo entrava nessas instituições com uma “cultura aparente” (produto do que foi vivido até
então) e isso se perdia. À medida que, por estar em uma instituição fechada, já não era possível que
os hábitos e rotina dos internos fossem preservados, os indivíduos sofriam a perda de sua identidade.
O sistema de regras imposto ao interno para a sua adaptação na instituição levava-o gradativamente
a tal perda, tendo isso impacto extremamente negativo em sua subjetividade.

Internamente aos manicômios, o cenário era alarmante. Fora dele, não era muito diferente. Quando
os pacientes recebiam alta (raramente) essas ocorriam sem monitoramento (os pacientes saiam sem
indicação de continuidade do chamado tratamento) e em pouco tempo os quadros se agudizavam e
os mesmos voltavam a ser internados. Esse processo ficou conhecido como porta giratória, no qual
a saída refletia sempre num breve retorno (GOLDBERG, 1996).

O livro “Holocausto Brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex (Geração Editorial, 2013)


retrata a história, com fotos e relatos, de um enorme hospício na cidade de Barbacena,
em Minas Gerais. O livro retrata de maneira realista o modelo manicomial, asilar,
violento e segregatório que durante décadas perpetuou em tal instituição. O livro
reflete o que durante anos foi o modelo assistencial à saúde mental praticado no Brasil.

Para o seguimento fora dos hospitais psiquiátricos existiam os ambulatórios. Esses, como aponta
Goldberg (1996), desenvolviam um modelo assistencial se aproximava do manicômio. O modelo
predominante era medicocêntrico, centrado exclusivamente na remissão dos sintomas, não vendo a
necessidade do sujeito. Quando os sintomas eram remetidos (quando isso era possível), os pacientes
se deparavam com uma vida vazia, sem perspectiva. Não se incluía nas intervenções o foco para a
inserção social e ressignificação das vivências. Perpetuava-se a distância intransponível colocada
entre o paciente e sua participação na vida social O contato com os pacientes se dava mensal ou
trimestralmente, baseando a consulta e a tomada de decisões, quase sempre, no relato da família;
os pacientes quase não eram ouvidos e pouco considerados no planejamento do tratamento. Os
recursos disponíveis eram a terapia medicamentosa ou a internação. Esse modelo perpetuava os
graves ciclos de internação, pois caso o paciente faltasse à consulta ou perdesse o atendimento, a
remarcação dessa consulta seria para um tempo muito distante, o que geraria uma desestabilização
do quadro e a sua reagudização. Em assim sendo, nova internação era necessária.

Foi em meio a esse cenário, que em 1978 observamos o início efetivo do movimento social pelos
direitos dos pacientes psiquiátricos. Eclodiram inúmeras denúncias da violência ocorrida nos
manicômios, além da chamada mercantilização da loucura, na qual prevalecia a hegemonia de uma
rede privada de assistência.

60
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA │ UNIDADE II

A partir desse descontentamento e indignação, somados às influências dos movimentos de reforma


psiquiátrica no mundo, construiu-se coletivamente uma crítica ao chamado saber psiquiátrico e
ao modelo hospitalocêntrico. A experiência Italiana foi muito inspiradora para trabalhadores
brasileiros, à medida que revelou possibilidade de ruptura com os antigos paradigmas.

A inspiração para a atual Política Nacional de


Saúde Mental
Podemos destacar como marco importante na história da Reforma Psiquiátrica Brasileira temos
o ano de 1987, no qual ações ocorridas nesse ano impulsionaram o movimento, sendo elas: o II
Congresso Nacional do MTSM, cujo lema adotado foi: “Por uma sociedade sem manicômios”; a partir
daí, o movimento passou a ser chamado de Movimento da Luta Antimanicomial; e a I Conferência
Nacional de Saúde Mental (RJ);

Em 1987 tivemos também a criação do 1o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do Brasil: CAPS Prof.
Luíz da Rocha Cerqueira (conhecido nacionalmente como CAPS Itapeva), na cidade de São Paulo.

O CAPS Itapeva, antes de assim se constituir, era um Ambulatório de Saúde mental, com atividades
de hospital dia. A proposta de mudança no modelo de atenção, conforme anteriormente citado,
buscava romper com um modelo de consultas isoladas, que não se aproximassem de um cuidado
cotidiano e efetivo, para buscar mudanças concretas na vida das pessoas.

A proposta do CAPS, segundo Pitta (1994), era de construir relações de continuidade entre equipe e
usuários, por meio da não fragmentação do trabalho e da produção negociada do viver em sociedade,
propiciando a construção de sujeitos autônomos. O CAPS era um dispositivo que promovia espaços
de cuidados personalizados, visando a produção de subjetividade individual, coletiva e institucional.
O objetivo era de atender necessidades diversificadas, criando-se um tempo e espaço para possibilitar
encontros, escutas e atividades para além das consultas previamente programadas.

As ações nesse novo equipamento (CAPS) não mais se limitavam às consultas na instituição e
sim buscavam aproximar-se dos espaços onde pessoas comuns costumam viver (casa, escola,
trabalho), baseados e inspirados nas ideias da Reabilitação Psicossocial (sendo este o foco de
nosso estudo no próximo módulo do curso). O que movia o trabalho era a perspectiva de acolher
o paciente impossibilitado de exercer seus direitos civis, sociais e políticos, contruindo junto com
ele a possibilidade de reconstrução de si, na busca da conquista pelo direito pleno de cidadania
(GOLDBERG, 1996).

Em sua organização, o CAPS desenvolvia a abordagem microssocial, na qual eram incluídos


família, comunidade e outros serviços; abordagens psicoterápicas (grupo, individual); atividades de
estímulo a expressão, criatividade (elementos culturais esmaecidos pela doença ou não acessados);
oficinas; estímulo a atividades produtivas dentro e fora do CAPS; eventos culturais: produção de
espaços de trocas intersubjetivas entre usuários, profissionais, família, comunidade, tratamento
farmacológico e o projeto de trabalho e de moradia – incubador dos atuais serviços residenciais
terapêuticos (PITTA, 1994).

61
UNIDADE II │ A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

Outra experiência muito importante para o movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil foi, em
1989, após denúncias públicas e a mobilização da sociedade civil em torno do tema, o processo de
intervenção na Casa de Saúde Anchieta (hospital psiquiátrico privado com convênio pelo SUS),
na cidade de Santos (SP). Tal instituição era caracterizada por ser um grande manicômio, no qual
violência, maus tratos, segregação eram palavras de ordem.

Após as denúncias, iniciou-se uma intervenção do poder público municipal na Casa de Saúde
Anchieta, abrindo-se publicamente o debate sobre o significado do manicômio na organização
social, questionando as formas da sociedade em lidar com a experiência da loucura. Segundo Nicácio
(1994), a partir desses acontecimentos a questão psiquiátrica passou a ser vista pela sociedade como
uma questão ética e sóciopolítica.

A intervenção na casa de Saúde Anchieta propunha construir rede de saúde mental no território,
substitutiva ao modelo centrado no hospital psiquiátrico, afirmando os direitos de cidadania da pessoa
com existência sofrimento (conceito da psiquiatria democrática italiana). A reforma psiquiátrica em
Santos, diferente da experiência de São Paulo, tinha como premissa a desconstrução do manicômio,
não somente do lugar geográfico, mas essencialmente buscava gerar uma nova cultura em relação à
experiência da loucura (NICÁCIO, 2003).

Como propostas, a reforma em Santos propôs a superação progressiva do manicômio por uma
rede de equipamentos substitutivos, composta por Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), que
seriam unidades de tratamento na comunidade, abertas; Unidade de Reabilitação Psicossocial,
que visavam o desenvolvimento de projeto de inserção no trabalho, com vista a trabalhos em
cooperativas; Centro de Convivência, que buscavam, por meio do conviver com a comunidade, a
produção de novas mensagens sobre a loucura, almejando-se a ruptura com a cultura de exclusão
da diversidade; atendimento psiquiátrico de urgência em Pronto Socorro (retaguarda) e Residência
(moradia assistida para pessoas com longos períodos de internação, que apresentassem a ausência
ou fragilidade das redes sociorrelacionais). A rede visava ainda promover estruturas de suporte social
e projetos de intervenção cultural. Seguiria o princípio da regionalização, compreendendo que as
ações e responsabilidade dos serviços se dão dentro de um território e comunidade, considerando-
se os percursos e itinerários habitados pelos pacientes.

Na rede substitutiva, os NAPS seriam a base da rede de atenção, responsáveis por orquestrar a
demanda de Saúde Mental de seu território. Promoveriam invenções que sustentassem e efetivassem
a presença e participação das pessoas com experiência de sofrimento psíquico nas relações sociais.
As ações comunitárias coletivas e territoriais buscavam o enfrentamento da complexidade dos
processos relacionais, institucionais e políticos de exclusão.

A experiência de Triste (Itália) era a referência para as mudanças almejadas em Santos, na


busca do processo de desinstitucionalização. Compreendia-se que tal processo era complexo e
multidimensional, necessitando da implicação dos diversos participantes envolvidos (pacientes,
familiares, trabalhadores, sociedade) como atores de transformação (NICÁCIO, 1994).

Veementemente havia a negação do mandato de exclusão e a busca pela ruptura da inércia


institucional. Como princípios, buscava-se a afirmação da liberdade e de direitos, tendo a centralidade
nas necessidades da pessoa como premissa das ações e intervenções. Havia o compromisso com

62
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA │ UNIDADE II

o sofrimento do outro, recusando-se em aceitar verdades absolutas. A nova prática propunha o


tratamento na comunidade, incluindo as ações intra (nos serviços comunitários) e extramuros (fora
das instituições, nos espaços da vida cotidiana das pessoas).

O Quadro 1 apresenta um resumo das principais características da experiência do CAPS Itapeva e


da experiência de Santos.

Quadro 1 – Resumo das experiências de Reforma Psiquiátrica em São Paulo e Santos.

Quanto à Campinas, a cidade teve como uma característica singular a atuação significativa
do Movimento Popular de Saúde, o que favoreceu para a construção de uma rede de Atenção
Básica (Primária) articulada. A partir do final da década de 1980, iniciou-se um processo de

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UNIDADE II │ A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

fortalecimento da Atenção Básica, colocando-a como a porta de entrada de acesso à saúde


(LUZIOI; L’ABBATE, 2006).

Quanto à saúde mental, esta deveria estar integrada ao sistema de saúde geral, privilegiando-se
também a Atenção Básica (centros de saúde) como porta de entrada. Nesse processo houve resistências
por parte dos profissionais, já que se propôs o fim da equipe mínima (composta por psiquiatra,
psicólogo e assistente social) preconizada a política vigente, colocando assim, para a rede básica, a
tarefa de acolher egressos de hospital e propor ações de acordo com suas necessidades (CAMPOS,
1997). A rede básica se viu na responsabilidade pelo cuidado da saúde mental da população. Tais
mudanças favoreceram o acesso da população e ampliou o cuidado em saúde mental, centrado até
então no hospital.

Outro evento importante em Campinas foi em 1990 o convênio de cogestão estabelecido entre o
Hospital Psiquiátrico Dr. Cândido Ferreira e a Secretaria Municipal de Saúde. Tal convênio buscou
transformar as práticas existentes no hospital, buscando romper com a lógica manicomial. A partir
desse convênio foi produzidos novos saberes e novas formas de cuidado da loucura, colocando-se o
sujeito como protagonista desse processo. Para a transformação das práticas e concepções, por meio
de planejamento participativo (inclusão dos trabalhadores), percebeu-se a necessidade de novos
arranjos organizacionais e de gestão para operar na atenção à saúde. Como formas substitutivas
ao modelo centrado no hospital, novos serviços foram implantados: o hospital dia, a unidade de
internação (núcleo de atenção à crise), Núcleo de Oficinas de Trabalho (NT) e unidade de reabilitação
dos pacientes moradores.

Como nos aponta LuzioI e L›Abbate (2006),

sintetizando, a experiência de Campinas norteou-se não apenas na expansão


da rede pública, como também e, fundamentalmente, na necessidade de se
reformular as concepções e práticas de administração pública e os modos de se
organizar a atenção à saúde.

Experiências como o CAPS Itapeva em São Paulo, a intervenção na Casa de Saúde Anchieta em
Santos e as experiências de Campinas (interior de São Paulo) junto ao Serviço de Saúde Dr. Cândido
Ferreira, culminaram na criação de uma rede de serviços substitutivos ao manicômio, sendo
posteriormente, todas essas, inspiradoras para a Política Nacional de Saúde Mental.

Retomando-se a linha do tempo, em 1988, conforme anteriormente citado, tivemos a criação do


SUS e a saúde garantida enquanto direito de todos e dever do Estado. Em 1990 a promulgação da
Lei no 8.080/1990 vem consolidar o SUS com os princípios de universalidade de acesso, equidade
na assistência à saúde e integralidade das ações, com uma gestão descentralizada, partindo da
regionalização e hierarquização dos serviços, imbuída dos valores de participação e controle social.

Em 1989, o então deputado federal Paulo Delgado, propôs um Projeto Lei que regulamentasse
os direitos das pessoas com transtorno mental e indicasse a proibição, em todo o país, de novos
hospitais psiquiátricos, dando início a luta no campo legislativo. Tal projeto tramitou por mais de
dez anos no Congresso, sendo aprovado, com muitas mudanças, somente em 2001, com a Lei no
10.216 (MATEUS, 2013).

64
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA │ UNIDADE II

Em 1990, a assinatura da Declaração de Caracas, que tinha como princípios o respeito pelos direitos
das pessoas com doenças mentais e o reconhecimento da importância dos cuidados na comunidade
e a atenção prestada de forma contínua e intergral, vieram a somar na consolidação do movimento
da Reforma Psiquiátrica no Brasil (ALVES et al, 2012).

Em 1992, inspirados no projeto de lei Paulo Delgado, aprovaram-se em vários estados brasileiros
as primeiras leis com iniciativas de questionamento ao modelo asilar manicomial, propondo
alternativas como a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede substitutiva e
integrada de atenção à saúde mental. Nessa década também, surgiram as primeiras normas de
fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos.

Segundo Pimentel (2013), avanços na legislação nacional se deram nos anos 2000. Em 2001,
em consonância com o SUS, a Lei Federal no 10.216 foi promulgada em 2001. Tal lei é um marco
importante para a consolidação da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Essencialmente, a Lei no 10.216
redireciona a assistência em saúde mental, visando à implantação de serviços substitutivos ao modelo
centrado na internação hospitalar. Prioriza tratamentos em serviços de base comunitária, criando-
se para isso linhas específicas de financiamento do Ministério da Saúde. Cria novos mecanismos
de fiscalização e gestão em relação aos hospitais psiquiátricos, prevendo a redução programada
dos leitos psiquiátricos existentes. E ainda, dispõe sobre a proteção de direitos das pessoas com
transtorno (BRASIL, 2001).

Ainda em 2001, realizou-se o III Congresso Nacional de Saúde Mental, que consolidou a reforma
psiquiátrica como política, conferindo ao CAPS o valor estratégico para a mudança do modelo
assistencial.

Em 2002, a Portaria no 336 GM, estabeleceu as diretrizes para os CAPS determinados como
serviço de atenção diária que deveriam funcionar segundo a lógica do território. A portaria
define as modalidades de atenção, população atendida, recursos humanos necessários, horário
de funcionamento e atividades que podem ser desenvolvidas, além de linhas do financiamento
(BRASIL, 2002).

Em 2002, o Ministério da Saúde normatizou a redução de leitos em hospitais psiquiátricos e a


desinstitucionalização de pessoas com longo histórico de internação. Criou-se o Programa Nacional
de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH), que tinha como princípios fiscalizar tais
equipamentos dentro de uma política de humanização da assistência. A avaliação consistia em dar
um diagnóstico da qualidade de assistência dos hospitais psiquiátricos (públicos e privados), indica
critérios para assistência psiquiátrica de acordo com o SUS. Caso o equipamento não atendesse
aos requisitos exigidos o mesmo era descredenciado do SUS. Tal avaliação era sistemática e
anual, realizada por três campos complementares: técnico-clínico, vigilância sanitária e controle
normativo. Avaliavam-se a estrutura física, a adequação e inserção do hospital na rede de atenção
em SM e seu território; eram feitas entrevistas de satisfação com pacientes de longa permanência e
prestes a ter alta.

Outras iniciativas foram implantadas como o Programa de Volta para Casa (Lei Federal no
10.708/2003) e a política para a questão do Álcool e de outras drogas, incorporando a estratégia de
redução de danos em sua proposta.

65
UNIDADE II │ A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

A partir desse momento há um investimento em ações de acordo com a política Nacional de Saúde
Mental, no qual podemos observar um aumento significativos dos CAPS em todo o território nacional
(Quadro 2) e a inversão da proporção de recursos financeiros do SUS destinados aos hospitais
psiquiátricos e para os serviços extra hospitalares (Quadro 3), série histórica 2002 a 2011, no qual
observamos um aumento significativo no investimento em serviços extra hospitalares (ponto de
virada em 2005).

Quadro 2 – Expansão dos CAPS pelo Brasil

Quadro 3 – Proporção de recursos do SUS destinados aos hospitais psiquiátricos e aos serviços extra-hospitalares
(série histórica 2002 a 2011)

Esses foram avanços significativos para a consolidação da reforma psiquiátrica no Brasil, à medida
que se privilegia serviços extra-hospitalares e colocam o CAPS (serviço que tem como proposta ser
um equipamento territorial, aberto e alinhado aos princípios do SUS e da Reabilitação Psicossocial)
como pontos estratégicos para a efetivação dessa reforma. Outro avanço se refere à redução dos
leitos psiquiátricos, que foram de 85.000 na década de 1980 para 32.284 em 2012 (BRASIL, 2012).

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A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA │ UNIDADE II

O volume 10 da série “Saúde Mental em Dados” traz dados em relação aos avanços
e desafios da implantação da Política Nacional de Saúde Mental. O documento, por
meio de gráficos e tabelas, nos apresenta um panorama geral sobre a situação no país.

Disponível em:

http://www.twiki.ufba.br/twiki/pub/CetadObserva/WebDestaques/Saude_Mental_
em_dados_2010.pdf

Quantos CAPS existem em sue município? Quais as modalidades dos CAPS


existentes? Existem serviços residenciais terapêuticos? Centros de Convivência?
Leitos psiquiátricos em Hospital Geral?

Faça um levantamento dos serviços substitutivos do município no qual você reside


e busque fazer uma reflexão de como o município está se organizando em relação
Às diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental.

Ainda que, desde a lei no 10.216 de 2001, muitos foram avanços no campo da saúde mental, muito
também ainda precisa ser feito para que a Reforma Psiquiátrica de fato possa ser consolidada. O
número de CAPS III (serviços que funcionam 24horas) e de Serviços Residenciais Terapêuticas
pelo país é bastante insuficiente; poucas são as opções de leitos em enfermarias de psiquiatra em
hospitais gerais. Deparamo-nos ainda, com poucos serviços implantados, para usuários de álcool
e outras drogas, sendo um desafio constante o tema das comunidades terapêuticas4 (ALVES et al,
2012). Verificamos ainda a necessidade de formação e qualificação de recursos humanos alinhados
às propostas da reforma psiquiátrica e suas diretrizes; é preciso investir em ações de promoção de
direitos de usuários e familiares; os manicômios judiciais ainda existem na lógica da segregação e
asilamento; é necessário maior envolvimento e correponsabilização do cuidado em saúde mental
na Atenção Básica à Saúde; o estigma e discriminação com relação às pessoas com sofrimento
psíquico são frequentes e tem um impacto devastador em suas na vidas. Além disso, o SUS precisa
ser fortalecido, para de fato se tornar universal e integral, garantindo a saúde pública, como dever
do Estado e direito do cidadão.

A fim de analisar e problematizar os desafios e obstáculos para a real efetivação da


política Nacional de Saúde Mental, o artigo “Transposição das políticas de saúde
mental no Brasil para a prática nos novos serviços”, de Juarez e Campos (2005)
publicado na Revista Latinoamericana Psicopatotogia. Fund., VIII, 1, 109-122, tras
uma importante e relevante discussão sobre o tema em questão.

O artigo completo está disponível no link a seguir:

http://www.redalyc.org/pdf/2330/233017514011.pdf

4 As comunidades terapêuticas aqui citadas se referem à instituições privadas (sem fins lucrativos, financiadas, em parte,
pelo poder público) que oferecem apoio para pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de drogas,
numa lógica, em sua maioria, pautada no afastamento do convívio social e engajamento em outras atividades (por exemplo
laborativas) como formas de lidar com tais transtornos. Em 2012 o governo federal promulgou portarias para a regulamentação
de tais serviços, exigindo-se que os mesmos estivessem vinculados a um serviço CAPS de referência e que os usuários estivessem
também referenciados no mesmo.

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UNIDADE II │ A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

O novo paradigma da saúde mental: a Rede


de Atenção Psicossocial (RAPS)
Em dezembro de 2011, após dez anos da Lei no 10.216, novas portarias foram promulgadas5, sendo
observada a necessidade de uma nova reorientação das propostas da Política Nacional de Saúde
Mental. As novas portarias vão ao sentido de garantir a instituição da Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS); destacamos a Portaria no 3.088, que propõe a constituição da Rede de Atenção Psicossocial
em Saúde Mental (RAPS), ampliando e rearticulando serviços e ações para atenção à saúde de
pessoas com sofrimento ou transtorno mental. Incluindo a instituição de incentivos financeiros
de investimento e de custeio para os serviços que compõem tal rede. Observamos que há uma
ênfase maior às demandas decorrentes do uso/abuso/dependência de crack, álcool e outras drogas
(BRASIL, 2011). A proposta é a de ampliar e corresponsabilizar outros equipamentos nos cuidados
de saúde mental da população. Os CAPS continuam como pontos estratégicos nessa rede de atenção,
porém, de maneira menos centralizada, já que a Atenção Básica deve se fortalecer como centro
organizador da rede de saúde.

Essa nova Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) deve ser formada por um conjunto de equipamentos,
articulados entre si (Quadro 4). O objetivo é melhorar o acesso à atenção psicossocial da população
em geral e garantir a articulação e integração dos pontos de atenção envolvidos no território de
sua abrangência (BRASIL, 2011). Cabe ressaltar que novas estratégias vêm para compor a RAPS:
Consultórios de Rua, CAPS Álcool e Drogas III (24horas) e as Unidades de Acolhimento Transitório
para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. No módulo de
RAPS tais estratégias serão abordadas de maneira mais detalhada.

Quadro 4 – A RAPS e seus componentes

5 Portarias promulgadas: no 3.089 e 3.090 de 2011 e nos 121, 122, 123, 130, 131, 132 de 2012.

68
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA │ UNIDADE II

A partir dos estudos desse módulo (leitura deste caderno de estudos, leituras
complementares, vídeos e as reflexões a partir de sua prática profissional), elabore
um texto crítico-reflexivo que evidencie quais foram as principais influências
dos movimentos de Reforma Psiquiátrica no mundo no Movimento de Reforma
Psiquiátrica no Brasil. Procure elaborar um texto que inclua o momento atual que
se encontra a Saúde Mental em seu município e coloque os principais desafios
encontrados para a efetivação da política Nacional de Saúde Mental.

69
Para (não) finalizar

A Reabilitação Psicossocial: abordagem para


a efetivação da Reforma Psiquiátrica
Neste módulo pudemos fazer uma viagem e percorrer, histórica e culturalmente, a construção
da concepção de loucura ao longo do tempo. Respostas de segregação e violência com relação à
experiência da loucura foram se estruturando e tornaram-se praticamente as únicas. Diante desse
cenário, pudemos compreender o que motivou, em diferentes países, os movimentos de Reforma
Psiquiátrica. Quanto ao Brasil, contextualizamos os movimentos e fatores socioculturais que
impulsionaram a Reforma Psiquiátrica no país e apontamos seus impasses e desafios atuais.

No próximo módulo iremos tratar do tema da Reabilitação Psicossocial, que mais do que uma teoria,
é uma abordagem, uma estratégia, uma postura ética e política diante da experiência da loucura.
Norteador essencial para as conquistas que almejamos no campo da saúde mental.

70
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