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Foucault, M.

A arqueologia do saber: tradução de Luiz Felipe Bcta Neves


– 7 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007

( Os ) Historiadores se voltou, de preferência, para os longos períodos,


como se, sob as peripécias políticas e seus episódios, eles se dispusessem a
revelar os equilíbrios estáveis e difíceis de serem rompidos, os processos
irreversíveis, as regulações constantes, os fenômenos tendenciais que
culminam e se invertem após continuidades seculares, os movimentos de
acumulação e as saturações lentas, as grandes bases imóveis e mudas que o
emaranhado das narrativas tradicionais recobrira p. 2. [...] as velhas
questões de análise tradicional [...] são substituídas, de agora em diante, por
interrogações de outro tipo: Que estratos é preciso isolar uns dos outros?
Que tipos de séries instaurar? Que critérios de periodização adotar para
cada uma delas? Que sistema de relações (hierarquia, dominância,
escalonamento, determinação unívoca, causalidade circular) pode ser
descrito entre uma e outra? Que séries podem ser estabelecidas? E em que
quadro, de cronologia ampla, podem ser determinadas sequências distintas
de acontecimentos? P. 3

[...] história das ideias, das ciências, da filosofia, do pensamento e da


literatura [...] nessas disciplinas [...] a atenção se deslocou ao contrário, das
vastas unidades descritas como “épocas” ou “ séculos” para fenômenos de
ruptura. P. 6

Fenômenos de ruptura

Atos e limiares epistemológicos Suspende o acúmulo indefinido dos


conhecimentos [...]prescrevem dessa forma,
para a análise histórica, não mais a pesquisa dos
começos silenciosos[...] mas a identificação de
um novo tipo de racionalidade. P. 4
Deslocamentos e transformações Mostram que a história de um conceito não é, de
forma alguma, a de seu refinamento
progressivo, de sua racionalidade continuamente
crescente, de seu gradiente de abstração, mas a
de seus diversos campos de constituição e de
validade. P. 4-5
Escalas micro e macroscópicas Onde os acontecimentos e suas consequências
não se distribuem da mesma forma: [...]uma
descoberta, o remanejamento de um método [...]
não pode ser descritos da mesma forma [...] em
um ou outro nível, onde a história contada não é
a mesma. P. 5
Redistribuições recorrentes Fazem aparecer vários passados, várias formas
de encadeamento, várias hierarquias de
importância, várias redes de determinações. P. 5
Unidades arquitetônicas dos sistemas Para as quais a descrições das influências, das
tradições, das continuidades culturais não é
pertinente [...] um trabalho de transformação
teórica quando “funda uma ciência destacando-a
da ideologia de seu passado e revelando este
passado como ideológico. Mas sim a estrutura
própria de uma obra, de um livro, de um texto.

E assim, o grande problema que se vai colocar [...] o problema não é


mais a tradição e o rastro, mas o recorte e o limite; não é mas o fundamento
que se perpetua, e sim as transformações que valem como fundação e
renovação dos fundamentos. P. 6
Em suma, a história do pensamento, dos conhecimentos, da filosofia,
da literatura, parece multiplicar as rupturas e buscar todas as perturbações
da continuidade, enquanto a história propriamente dita, a história pura e
simplesmente, parece apagar, em benefício das estruturas fixas, a irrupção
dos acontecimentos. P. 6

Mas que este entrecruzamento não nos iluda [...] não acreditemos que,
ainda uma vez, essas duas grandes formas de descrição se cruzaram sem se
reconhecerem. P. 6 – 7

Crítica do documento
Reconstituir, a partir do que dizem estes documentos – às vezes com
meias palavras – o passado de onde emanam e que se dilui, agora, bem
distantes deles. O documento sempre era tratado como a linguagem de
uma voz agora reduzida ao silêncio: seu rastro frágil mas, por sorte
decifrável. P. 7
O documento não é o feliz instrumento de uma história que seria em
si mesma, e de pleno direito, memória; a história é, para sociedade, uma
certa maneira de dar status e elaboração à massa documental de que ela
não se separa. P. 8
Digamos, para resumir, que a história, em sua forma tradicional, se
dispunha a “memorizar” os monumentos do passado, transformá-los em
documentos e fazer falarem estes rastros que, por si mesmos, raramente
são verbais, ou que dizem em silêncio coisa diversa do que dizem, em
nossos dias, a história é o que transforma os documentos em monumentos
e que desdobra, onde se decifraram rastros deixados pelos homens, onde
se tentativa reconhecer em profundidade o que tinha sido, uma massa de
elementos que devem ser isolados, agrupados, tornando pertinentes,
inter-relacionados, organizados em conjuntos. P. 8

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