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HISTÓRIA

» FLAVIO DE CAMPOS
Graduado em História pela PUC/SP
Mestre em História Social pela USP
Professor Doutor do Departamento de História da USP
Coordenador Científico do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas
sobre Futebol e Modalidades Lúdicas)
Autor de livros didáticos e paradidáticos

» JÚLIO PIMENTEL PINTO


Graduado em História pela USP
Mestre em História pela USP
Doutor em História pela USP
Livre-Docente em História pela USP
Professor Associado do Departamento de História da USP
Especialista em História da América e História da Cultura
Autor de livros didáticos e paradidáticos

» REGINA CLARO
Graduada em História pela USP
Mestra em História Social pela USP
Doutoranda Faculdade Educação da USP
Especialista em História e Cultura Africana e Afro-americana
Desenvolve projetos de capacitação para professores da rede pública em
atendimento à Lei 10.639/03
Autora de livros didáticos e paradidáticos

TÓRIA
3
OH_V3_Book.indb 1 18/05/16 09:36
Oficina de História – volume 3
© 2013 Leya

Direção editorial Título original da obra:


Mônica Vendramin Oficina de História –­volume 3
Coordenação editorial de Humanas São Paulo * 2.ª edição * 2016
Ebe Christina Spadaccini Todos os direitos reservados:
Edição Leya Brasil
Leon Torres Avenida Angélica, 2318 – 11.º andar
CEP 01228-200 – São Paulo – SP – Brasil
Assistência editorial Fone + 55 11 3129-5448
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Felipe Bandoni de Oliveira www.leya.com.br
Tatiana Nunes leyaeducacao@leya.com
Coordenação pedagógica e projeto editorial
Cia. de Ética ISBN (aluno) 978-85-451-0363-9
ISBN (professor) 978-85-451-0338-7
Coordenação de arte
Thais Ometto
Impressão e acabamento
Projeto gráfico
A+ Comunicação
Projeto capa
Thais Ometto
Imagens da capa
ilustração Angela Davis, de Cibele Queiroz
foto Bettmann/Corbis/Latinstock
Edição de imagens
Cia. de Ética
Tratamento de imagens
Pix Art Imagens
Iconografia
Cia. de Ética, Angelita Cardoso, Paulinha Dias
Editoração eletrônica
Cia. de Ética, Cláudia Carminati
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Fechamento de arquivo (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Jairo Souza
Campos, Flavio de; Pinto, Júlio Pimentel; Claro, Regina
Cartografia Oficina de História, volume 3 / Flavio de Campos, Júlio Pimentel Pinto, Regina
Allmaps Claro. – 1. ed. – São Paulo : Leya, 2016.

Gerência de revisão Suplementado pelo manual do professor.


Miriam de Carvalho Abões Bibliografia

Coordenação de revisão ISBN (aluno) 978-85-451-0363-9


ISBN (professor) 978-85-451-0338-7
Beto Celli
1. História (Ensino médio) I. Título. II. Série.
Revisão
Teresa Porto 12-03585 CDD-372.35

Ilustração Índice para catálogo sistemático:


Lucas C. Martinez 1. História : Ensino médio 372.35

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Apresentação
Esta não é apenas uma coleção de História. É uma proposta de ensino que se
pretende questionadora, aberta e estimulante. É um convite que procura ajudar o
leitor a desenvolver uma postura crítica, dinâmica e construtiva na sua formação
educacional e diante da sociedade contemporânea.

Pelo exame dos elementos sociais, políticos e econômicos destaca-se uma


perspectiva cultural que reconstrói a vida coletiva em todos os seus aspectos. Esta
coleção é marcada por sua postura interdisciplinar, estabelecendo nexos entre a
História e áreas do conhecimento como Antropologia, Psicologia, Estética, Filoso-
fia, Literatura e Ciências Naturais.

Concebida como uma obra aberta, os conceitos são apresentados e desenvol-


vidos ao longo dos capítulos, de forma a tornar operativa a elaboração do conhe-
cimento histórico. Os exercícios são escalonados e divididos em termos de desen-
volvimento de habilidades, aproximando a atividade escolar aos procedimentos
característicos dos historiadores.

São oferecidos roteiros de leitura de textos, imagens e mapas, orientações


para a organização de informações factuais, testes, questões de vestibulares e de
Enem e pesquisas na internet.

Uma História plural, repleta de olhares cruzados e por vezes antagônicos: tal é
a base de uma proposta de ensino de História que alimente a prática de uma cida-
dania crítica, participativa e democrática.

Neste terceiro volume, que se estende do início do século XX até os nossos


dias, o eixo temático está assentado sobre o papel das ideologias e dos movimen-
tos sociais que permitem entender as guerras mundiais e a Guerra Fria, a forma-
ção dos regimes nazifascistas, do populismo e das ditaduras militares na Améri-
ca Latina, a descolonização, a contestação cultural, a luta pelos direitos civis e os
processos de redemocratização e, por fim, a globalização e as características do
mundo atual.

Bons estudos!

Os autores

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Sumário
ENEM: MATRIZ DE REFERÊNCIAS, 8 4 África: o colonialismo e suas estruturas, 43
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS, 10 Políticas coloniais, 43
MAPEANDO O LIVRO, 12 As exposições coloniais: zoológicos humanos, 45
Análise de imagem: A Grande França, 45
Verificação de leitura 4, 46
RECAPITULANDO A sociedade industrial:
economia, política e ‣ Engenho e Arte, 47 • Radar, 51
ideologias, 15 Quadros do capítulo
1 A Revolução Industrial e o imperialismo, 16 Símbolos da modernidade, 30 / Limpando a terra, 32 / Come
ananás, 34 / O partido como vanguarda, 35 / A propaganda
2 Ideologias, 19 stalinista, 36 / A pintura muralista e a Revolução, 39 /
3 Repúblicas, 21 Zapata e o Exército de Libertação Nacional, 41 / As mulheres
revolucionárias, 42 / O genocídio de Ruanda, 44 / Exposição e
contraexposição, 46
CAPÍTULO 1 Guerra e revolução, 23
1 A Primeira Guerra Mundial, 24
As políticas de alianças, 25 CAPÍTULO 2 O destino bate à sua porta, 53
O estopim da Guerra, 25 1 O Brasil entre o moderno e o arcaico, 54
Os operários e a guerra, 26 A Semana de Arte Moderna, 54
A guerra de trincheiras, 26 A reação republicana, 55
Um massacre em meio à guerra, 26 O Tenentismo, 55
Novas alianças e o fim da guerra, 26 A Coluna Prestes-Miguel Costa, 56
A tecnologia na guerra, a tecnologia da guerra, 27 Programa reformista, 56
A paz, 28 O Partido Comunista (PCB), 57
O fim dos impérios, 28 Verificação de leitura 1, 57
Tá ligado?!, 29
2 A crise de 1929: dos Estados Unidos ao Brasil, 58
A guerra e a sociedade europeia, 29
O crack da Bolsa de Nova YorK, 58
Verificação de leitura 1, 30
Tá ligado?!, 59
Um Outro Olhar, 31
Especulação e crise, 60
2 A revolução socialista na Rússia, 32 O New Deal, 60
A Revolução de 1905, 32 A crise mundo afora, 61
Bolcheviques e mencheviques, 33 Tá ligado?!, 61
A Duma e a guerra, 33 Brasil: café torrado, 62
Os mencheviques no poder, 33 A Aliança Liberal, 62
A Revolução Bolchevique, 34 A Revolução de 1930, 63
A União Soviética, 35 Um Outro Olhar, 64
Divergências e disputas, 35
Verificação de leitura 2, 64
Os planos quinquenais, 36
O papel do Estado e o trabalho, 36
3O
 fascismo e o nazismo, 65
Tá na rede!, 37
Fascistas marcham sobre Roma, 65
A marcha sobre Roma, 66
A cultura socialista, 37
A ditadura, 67
O assassinato de Trótski, 37
Os muros dão as ordens, 67
Verificação de leitura 2, 37
O nazismo, 67
3 A Revolução Mexicana, 38 Hitler, 68
A ditadura de Porfírio Díaz, 38 Guerra nacional, guerra racial, 68
Descontentamento e resistência, 39 O fim da democracia, 69
A hora da revolução, 40 A propaganda nazista, 70
A Constituição de 1917, 40 Estética e educação nazistas, 70
A simples verdade, 41 Tá na rede!, 70
A arte da Revolução, 41
Análise de imagem: Os alicerces da sociedade, 71
Tá na rede!, 42
Verificação de leitura 3, 71
Verificação de leitura 3, 42
‣ Engenho e Arte, 72 • Radar, 77

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Quadros do capítulo A invasão da União Soviética, 112
Os modernistas, 54 / “Macunaíma, o herói sem nenhum A entrada dos Estados Unidos, 112
caráter”, 55 / O funcionamento da Bolsa de Valores, 59 / O A política externa brasileira, 113
antissemitismo, 69 / A ideologia nazista, 70 Simpatizantes do nazismo, 114
O final da guerra, 115
O avanço dos Aliados, 115
CAPÍTULO 3 Retratos do Brasil, 79 O holocausto, 116
1 A moldura oligárquica, 80 Tá na rede!, 116
A Revolução de 1932, 81 Repercussões da guerra, 117
Tá ligado?!, 81 Verificação de leitura 2, 117
A Constituinte de 1934, 81 Um Outro Olhar, 118
As mulheres na política, 82 ‣ Engenho e Arte, 119 • Radar, 123
Verificação de leitura 1, 82
Quadros do capítulo
2 A moldura autoritária, 83 A música do Reich, 105 / Arte e solidariedade, 107 / Barcelona:
Integralistas e comunistas, 83 mais que um clube, 109 / Para ler o Zé Carioca, 114 / Extermínio
A radicalização política, 84 em massa, 116
O Plano Cohen, 86
O Estado Novo, 86
Tá na rede!, 86
CAPÍTULO 5 A Guerra Fria, 125
Vargas e o Integralismo, 87 1 Estados Unidos e União Soviética:
Verificação de leitura 2, 87 a bipolarização, 126
3 A moldura operária, 88 Os blocos da Guerra Fria, 127
Os direitos trabalhistas, 88 O Muro de Berlim, 127
A territorialização do mercado de trabalho, 89 A Revolução Chinesa, 128
O corporativismo, 89 Guerra da Coreia, 128
Legitimação e propaganda, 90 Tá na rede!, 128
O modelo de substituição de importações, 91 Macarthismo, 128
Análise de imagem: Acidente de trabalho, 92 A criação do Estado de Israel, 129
Um Outro Olhar, 93 A Palestina, 130
O sionismo, 130
Verificação de leitura 3, 93
O Egito e a nacionalização do Canal de Suez, 131
‣ Engenho e Arte, 94 • Radar, 98
Tá ligado?!, 131
Quadros do capítulo Verificação de leitura 1, 131
Propaganda paulista, 80 / Antissemitismo: ataques aos judeus, 2 O fim do Estado Novo, 132
84 / Olga Benário e Anita Leocádia Prestes, 85 / Porteira
adentro, 90
A transição democrática, 134
Queremismo, 134
O “Pai dos Pobres”, 135
CAPÍTULO 4 A Segunda Guerra Mundial, 101 Eurico Gaspar Dutra, 136
O Partido Comunista Brasileiro, 136
1 A corrida para a guerra, 102 Sucessão presidencial, 136
4 medalhas para um negro, 102 Getulismo e Udenismo, 136
O expansionismo alemão, 103 O Segundo Governo Vargas, 137
As anexações, 104 Governo nacionalista, 137
A Guerra Civil Espanhola, 105
Tá ligado?!, 138
Republicanos contra nacionalistas, 107
A crise política, 138
O franquismo e o futebol, 108
Aumento do salário mínimo, 138
Verificação de leitura 1, 109 Pressões sobre Vargas, 139
2 A guerra, 110 Verificação de leitura 2, 140
A Nova Ordem, 111 3A
 Argentina, 141
O Eixo contra os Aliados: uma guerra mundial, 112
Eva Perón, 142
Tá ligado?!, 112
Verificação de leitura 3, 142

Sumário 5

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Um Outro Olhar, 143 Possessões portuguesas, 179
‣ Engenho e Arte, 144 • Radar, 149 O desafio das novas nações, 179
O Terceiro Mundo, 180
Quadros do capítulo Tá ligado?!, 180
A bipolarização, 129 / Política de massas, 133 / Parlamentares
comunistas, 136 / A oposição da UDN, 139 / Programa do PCB, Verificação de leitura 2, 181
1954, 140 / Mulheres na política, 142 3 “ Não confie em ninguém com mais de 30 anos”, 182
A Revolução Cubana, 182
Tá na rede!, 183
CAPÍTULO 6 Terra em transe, 151 Che Guevara, o ídolo pop, 183
1 Populismo bossa-nova, 152 Depois da revolução, 184
Café Filho e Carlos Luz, 152 Cuba no labirinto, 185
Juscelino Kubitschek, 153 A Guerra do Vietnã, 185
O regime populista, 153 A Primavera de Praga, 186
As aparências cotidianas, 154 China: A Revolução Cultural, 186
Nacional-desenvolvimentismo, 154 Maio de 1968 na França, 187
Brasília, 155 Contracultura, 188
Tá na rede!, 155 A pop art, 188
Verificação de leitura 1, 155 Análise de imagem: Mao, 188
Direitos civis e racismo, 189
2 Desafinado, 156
Malcolm X, 189
Jânio Quadros, 156
Tá ligado?!, 189
A crise econômica, 157
Os Panteras Negras, 191
Rearticulação político-ideológica, 157
Radicalização, 191
A crise política, 158
O Governo de João Goulart, 158 Verificação de leitura 3, 191
As Reformas de Base, 159 4 A Era de Aquário no Brasil, 192
Tá ligado?!, 161 Sucessão presidencial, 192
A mobilização popular, 161 Manifestações de protesto, 193
Guinada à esquerda, 161 O Cinema Novo, 193
Verificação de leitura 2, 162 O AI-5, 194
Um Outro Olhar, 163 Verificação de leitura 4, 195
‣ Engenho e Arte, 164 • Radar, 167 5 Navalha na carne, 196
A repressão, 196
Quadros do capítulo
Tá ligado?!, 197
Jânio e Che Guevara, 158 / A Revolta dos Sargentos, 162
A resistência da sociedade, 198
O milagre brasileiro, 199
CAPÍTULO 7 A Era da Contestação, 169 Crescimento econômico e propaganda política, 199
Um Outro Olhar, 201
1 Sob o signo de Saturno, 170
Verificação de leitura 5, 201
A institucionalização do regime, 171
Eleições indiretas para a Presidência, 172 ‣ Engenho e Arte, 202 • Radar, 209
Cassações, 172 Quadros do capítulo
A Frente Ampla, 173 Made in Brazil?, 171 / O bipartidarismo, 172 / Ho Chi Minh, 176
Verificação de leitura 1, 173 / As cores pan-africanas, 179 / Maradona, 183 / Bombas de
2 O fim dos impérios coloniais na Ásia e na África, 174 napalm, 185 / Mao e a juventude, 187 / Like a rolling stone, 190
/ Olimpíadas do México, 191 / Intelectualidade suspeita, 194
Índia, 175 / A fragmentação das correntes de esquerda, 198 / A Rodovia
A desobediência civil, 175 Transamazônica, 200
Indochina, 176
O processo de emancipação política africana, 177
Possessões espanholas, 177 CAPÍTULO 8 A esperança equilibrista, 211
Possessões francesas, 177
1B
 razilian way of life, 212
Possessões belgas, 177
Possessões britânicas, 177
O auge da ditadura, 213
O Colégio Eleitoral, 213
Etiópia: um reino independente na África, 178
Rastafári, 178
A crise do “milagre”, 213
Possessões italianas, 179
O crescimento da oposição, 215
A volta dos estudantes, 216

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A repressão aos estudantes, 216 Biodiversidade e sustentabilidade, 252
Sucessão presidencial, 216 Políticas do corpo, 253
As ditaduras militares latino-americanas, 218 Questão de gênero, 253
Como explicar o militarismo?, 219 Tá ligado?!, 253
A democratização da América Latina, 220 As transformações na família, 254
A Nicarágua e a Revolução Sandinista, 220 A nova ordem, 254
O fim da ditadura argentina, 221 11 de setembro, 254
Verificação de leitura 1, 222 O controle e a propaganda, 255
2 O crepúsculo dos deuses, 223 O neoliberalismo, 255
O novo sindicalismo, 223 De Berlim a Seattle, 256
A repressão, 224 Tá na rede!, 256
O pluripartidarismo, 224 Políticas governamentais, 256
Novos partidos políticos, 224 Uma outra globalização?, 256
Eleições de 1982, 226 A crise de 2008 e a eleição de Barack Obama, 257
O caso Riocentro, 226 Obama presidente, 258
Tá ligado?!, 226 Um mundo em tensão, 258
A conta do “milagre”, 228 Da Primavera Árabe ao Estado Islâmico, 259
Diretas Já!, 228 Verificação de leitura 1, 259
Os comícios das Diretas, 228 Um Outro Olhar, 260
Tancredo Neves, 229 2 África: desafios, esperanças, paradoxos, 261
Um Outro Olhar, 230 China na África: imperialismo do século XXI?, 262
Verificação de leitura 2, 230 Índia na África, 263
3 No horizonte do Brasil, 231 Brasil na África, 263
O Plano Cruzado e a Constituinte, 232 O paradoxo africano, 263
Centrão e progressistas, 232 Celulares que matam, 263
Collor, 233 Diamantes de sangue e a indústria petrolífera, 263
Conflitos africanos: simplificação e imprecisões, 264
Tá ligado?!, 234
A indústria farmacêutica, 264
Ministério Collor, 234
África, Áfricas, 265
Impeachment, 234
O Plano Real, 235 Verificação de leitura 2, 265
Tá ligado?!, 236 3 L ula: para além do bem e do mal, 266
Tá na rede!, 236 Reeleição e mensalão, 267
Reeleição de FHC, 236 O desgaste político do PT, 267
Verificação de leitura 3, 237 Tá ligado?!, 268
O Poder Judiciário e a democracia, 268
4 We are the world, 238
As políticas econômica e social, 268
A queda do Muro de Berlim, 239
Governo Dilma, 269
A África do Sul e o fim do apartheid, 239
As jornadas de junho, 270
Tá ligado?!, 240 Vitória de Pirro, 271
Israel e OLP, 241 Crise política e crise econômica, 271
Verificação de leitura 4, 241 Verificação de leitura 3, 272
‣ Engenho e Arte, 242 • Radar, 247 ‣ Engenho e Arte, 273 • Radar, 281
Quadros do capítulo Quadros do capítulo
Cultura e alienação, 212 / Futebol e política, 214 / O caso Manipulação genética, 251 / Investimentos chineses na África
Vladimir Herzog, 215 / As greves de 1978, 218 / Mães da Praça de entre 2003-2006, 262
Maio, 222 / A Constituição de 1988, 232 / Arafat e Rabin, 241
BIBLIOGRAFIA, 283
CAPÍTULO 9 A globalização, 249 ÍNDICE DE MAPAS E INFOGRÁFICOS, 284
ÍNDICE REMISSIVO E ONOMÁSTICO, 285
1 Admirável Mundo Novo, 250
Novas tecnologias, 251
O papel da internet, 252

Sumário 7

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Enem: matriz de
referências
Os quadros a seguir trazem os elementos indispensáveis para a compreensão
das competências, habilidades e conteúdos propostos como referências para o
Enem. Utilizaremos as abreviaturas assinaladas a seguir nas atividades, repre-
sentadas pelo ícone →.
Disponível em: http://goo.gl/hpilca. Acesso em: 30 abr. 2016.

2.1. EIXOS COGNITIVOS (comuns a todas as áreas de conhecimento)


dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens
1. Dominar linguagens: (DL)
matemática, artística e científica e das línguas espanhola e inglesa.
construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a
2. Compreender
(CF) compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da
fenômenos:
produção tecnológica e das manifestações artísticas.
3. Enfrentar situações- selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representados
(SP)
-problema: de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema.
4. Construir relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos
(CA)
argumentação: disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente.
recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de
5. Elaborar propostas: (EP) propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos
e considerando a diversidade sociocultural.

2.2. MATRIZ DE REFERÊNCIA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS

COMPETÊNCIAS HABILIDADES
Competência de área 1. H1 - Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais
Compreender os elementos acerca de aspectos da cultura.
culturais que constituem H2 - Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
as identidades.
H3 - Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos.
H4 - C
 omparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre
determinado aspecto da cultura.
H5 - I dentificar as manifestações ou representações da diversidade do
patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades.
Competência de área 2. H6 - Interpretar diferentes representações gráficas e cartográficas dos espaços
Compreender as geográficos.
transformações dos espaços H7 - Identificar os significados histórico-geográficos das relações de poder
geográficos como produto entre as nações.
das relações socioeconômicas
e culturais de poder. H8 - Analisar a ação dos estados nacionais no que se refere à dinâmica
dos fluxos populacionais e no enfrentamento de problemas de ordem
econômico-social.
H9 - Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e
socioeconômicas em escala local, regional ou mundial.

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COMPETÊNCIAS HABILIDADES
Competência de área 2. H10 - Reconhecer a dinâmica da organização dos movimentos sociais e
(continuação) a importância da participação da coletividade na transformação da
realidade histórico-geográfica.
Competência de área 3. H11 - Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
Compreender a produção H12 - Analisar o papel da justiça como instituição na organização das
e o papel histórico das sociedades.
instituições sociais, políticas e
econômicas, associando-as aos H13 - Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para
diferentes grupos, conflitos e mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
movimentos sociais. H14 - Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e
interpretativos, sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica
acerca das instituições sociais, políticas e econômicas.
H15 - Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou
ambientais ao longo da história.
Competência de área 4. H16 - Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na
Entender as transformações organização do trabalho e/ou da vida social.
técnicas e tecnológicas H17 - Analisar fatores que explicam o impacto das novas tecnologias no
e seu impacto nos processos de processo de territorialização da produção.
produção, no desenvolvimento
do conhecimento H18 - Analisar diferentes processos de produção ou circulação de riquezas e
e na vida social. suas implicações socioespaciais.
H19 - Reconhecer as transformações técnicas e tecnológicas que determinam as
várias formas de uso e apropriação dos espaços rural e urbano.
H20 - Selecionar argumentos favoráveis ou contrários às modificações impostas
pelas novas tecnologias à vida social e ao mundo do trabalho.
Competência de área 5. H21 - Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida
Utilizar os conhecimentos social.
históricos para compreender H22 - Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às
e valorizar os fundamentos da mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
cidadania e da democracia,
favorecendo uma atuação H23 - Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das
consciente do indivíduo sociedades.
na sociedade. H24 - Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 - Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Competência de área 6. H26 - Identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e
Compreender a sociedade as relações da vida humana com a paisagem.
e a natureza, reconhecendo H27 - Analisar de maneira crítica as interações da sociedade com o meio físico,
suas interações no espaço em levando em consideração aspectos históricos e (ou) geográficos.
diferentes contextos históricos
e geográficos. H28 - Relacionar o uso das tecnologias com os impactos socioambientais em
diferentes contextos histórico-geográficos.
H29 - Reconhecer a função dos recursos naturais na produção do espaço
geográfico, relacionando-os com as mudanças provocadas pelas ações
humanas.
H30 - Avaliar as relações entre preservação e degradação da vida no planeta
nas diferentes escalas.

Enem: matriz de referências 9

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Procedimentos
metodológicos
Como analisar um Filme Como analisar uma Imagem

Os filmes contam histórias por meio de imagens, sons, Para interpretar uma imagem – obras de arte, fotos e
diálogos e efeitos especiais que conduzem o especta- ilustrações –, esteja atento a alguns procedimentos.
dor através de uma narrativa recheada de mensagens
e informações. De olho em sua marcante presença na

PAULO CARUSO
sociedade em que vivemos, ao final de cada capítulo
há a subseção Em Cartaz, para que você possa explo-
rar os conteúdos a partir dessa linguagem.
Mesmo que baseados em fatos considerados reais, os
filmes que possuem como tema uma situação histó-
rica devem ser compreendidos como representações
dessa situação. Ou seja, não são “a História”, mas
discursos e visões “sobre a História”. Apesar disso,
podem auxiliar na produção de reflexões e conheci-
mentos, pois a partir deles podemos discutir deter- Diretas Já, Paulo Caruso. Charge extraída do jornal
minadas visões sobre uma dada sociedade e organi- Folha de S.Paulo, caderno Ilustrada, 24 de abril de
zar informações e conceitos a seu respeito. 1984.

Mas, para que isso seja possível, antes de analisar


qualquer filme, é importante levar em consideração: Procure seguir estes procedimentos:
1 O momento em que foi produzido. 1 Identifique o que está no centro e à frente na figu-
2 Seu diretor e país de origem, pois, além de ima- ra. Geralmente, é o que o autor da imagem procu-
gens, as películas também projetam características rou destacar.
e pontos de vista do presente sobre o passado. 2 Verifique os espaços late­rais, aquilo que está
3 O tema do filme e seus personagens principais. mais longe do centro, ao fundo ou no alto.
4 O momento histórico em que transcorre a trama do 3 Note se há espaços fechados e espaços abertos.
filme. 4 Identifique todas as pessoas, animais, constru-
5 As mensagens transmitidas pelo filme e os pontos ções e demais figuras que compõem a imagem.
de vista expressados ao longo da sua narrativa. 5 Confira se há personagens ou figuras escondidas
ou encobertas.
6 Verifique as ações que estão sendo retratadas.
IMAGENS: DIVULGAÇÃO

Qual é a principal? Quais são as secundárias (se


houver)?
7 Preste atenção nas expressões faciais e atitudes
dos personagens. Não se esqueça dos pequenos
detalhes, pois eles podem revelar muito.
8 Procure identificar o tema ou o assunto da imagem.
9 Procure identificar o período e o contexto em que
a imagem foi produzida.
10 Procure formular hipóteses sobre as mensagens
apresentadas pela imagem.

10

OH_V3_Book.indb 10 18/05/16 09:36


Como interpretar um Texto
Para os textos, procure seguir estes procedimentos:
“Lutei contra a espoliação do
1 Faça uma primeira leitura do texto.
Brasil. Lutei contra a espoliação do
2 Faça uma lista com as palavras que não entendeu. povo. Tenho lutado de peito aberto. O
3 Agora, organize essa lista: palavras cujo significado você não ódio, as infâmias, a calúnia não aba-
sabe; palavras cujo significado você poderia arriscar; e pala- teram meu ânimo. Eu vos dei a minha
vras que, pelo texto, você já entendeu. vida. Agora ofereço a minha morte.
4 Consulte o dicionário de língua portuguesa. Tire suas dúvidas. Nada receio. Serenamente dou o pri-
5 Agora procure informações sobre o autor desse texto. Quem meiro passo no caminho da eternidade
é? A qual grupo social pertence(ia)? e saio da vida para entrar na História”.
6 Identifique o assunto do texto. “Carta-testamento de Getúlio Vargas”,
Diário de Notícias, Rio de Janeiro,
7 Faça uma nova leitura completa e resolva as questões pro- 24 de agosto de 1954.
postas.

Como analisar um Mapa


O mapa é uma representação de determinado espaço geográfico, que utiliza texto e imagem.

Para os mapas, procure seguir estes procedimentos:

1 Leia o título do mapa. Nele está contido o

MÁRIO YOSHIDA
2A GUERRA MUNDIAL_CAP4_P108.eps
PAÍSES DO EIXO VERSUS FORÇAS ALIADAS
assunto representado.
2 Identifique quais são as partes do mundo
Guerra Global
Máxima extensão de poder
do Eixo

retratadas. Máxima extensão da expansão


japonesa na Ásia/Pacífico
Movimento das tropas
3 Observe quais são as partes destacadas Eixo
Alemães
(países, continentes, regiões...). Japoneses
Aliados
AU

4 Confira a posição relativa de localização em


ST

Britânicos ÁL
R
IA
Colônias Britânicas

relação ao lugar onde você se encontra, ao Estadunidenses


Soviéticos JA
norte, ao sul, a leste ou a oeste. PÃ
O
O
FIC

5 Note se há rios e mares representados.


OS

S
O C EAN O PAC Í

ICA
ESTADOS UNID

NDICO
CHINA

Á
AS REPÚBL

6 Verifique se há indicação de cidades, rei- AD


IALISTAS
N

ÉTICAS

OCEANO
CA

nos, impérios ou outra divisão política no ÁRTICO


NO Í
IÃO D

SOVI
SOC

ÍNDIA

mapa.
EA
UN

OC

7 Veja se há representação de relevo ou vege- A


EURO
PA

RIC
AMÉ SUL
tação. DO

8 Leia com atenção as legendas. Identifique


ICA
ÁF R
no mapa os sinais e as cores na legenda. O
C
EA

São informações muito importantes. NO


AT

NTI 0
ESCALA
1650 3300 km
CO

9 Identifique o momento histórico represen-


tado. Fonte: Elaborado com base em BLACK, J. World history atlas. London: Dorling Kindersley,
10 Faça agora uma leitura global do mapa. 2008.

Procure relacionar as informações oferecidas.


11 Analise o assunto e as informações trazidas pelo mapa ao tema desenvolvido no capítulo.

Procedimentos metodológicos 11

OH_V3_Book.indb 11 18/05/16 09:36


Mapeando o livro
É importante que você compreenda como organizamos este livro e as ferramentas
que ele contém. Cada uma das seções do capítulo tem uma função que vai ajudá-
-lo(a) a desenvolver um tipo de conhecimento e habilidade.

Estrutura deste volume


Coleção Capítulos
A coleção está dividida em Cada capítulo é composto
3 volumes. Neste terceiro por um texto de
volume, os conteúdos abertura e uma lista dos
foram distribuídos em principais conceitos a ser
9 capítulos. Alguns compreendidos.
conteúdos do volume
anterior são revisados na
seção Recapitulando.

Estrutura de cada capítulo


Itens
Cada capítulo está
dividido em itens
numerados, nos quais
são desenvolvidos os
conteúdos conceituais.

Texto central Textos


O texto central de cada complementares
capítulo encontra-se O texto dos autores é
dividido em títulos entremeado por análises
e subtítulos para historiográficas e textos
melhor entendimento literários, em geral
do conteúdo. acompanhados por
documentos iconográficos,
gráficos, tabelas e mapas.

12

OH_V3_Book.indb 12 18/05/16 09:36


Interdisciplinaridade Para saber mais
Um Outro Olhar Tá na rede
Em cada capítulo há uma Dicas de sites para
seção chamada Um Outro aprofundar seus
Olhar. Ela não tem lugar conhecimentos. Também
fixo. Pode aparecer no pode ser acessado através
meio, logo no início de um aplicativo QrCode.
ou no final do capítulo e vai
estabelecer propostas de
atividades, estabelecendo
algum diálogo com
outras disciplinas.

Quadros Estante
interdisciplinares Dicas de livros para
Nesses quadros também aprofundar seus
são estabelecidas relações conhecimentos.
e contextualizações
com outras áreas do
conhecimento.

Organização visual dos conteúdos


Linhas de tempo
Principais datas para você
organizar seus estudos
e permitir uma melhor
compreensão dos capítulos.

Análise de imagens Infográficos


Um dos elementos mais Através dos infográficos
destacados da coleção é a e tabelas, são oferecidos
análise de fontes visuais. conteúdos sinteticamente
organizados e
sistematizados.

Mapeando o livro 13

OH_V3_Book.indb 13 18/05/16 09:36


Atividades diversificadas
Verificação de aprendizado Engenho e Arte
Verificação de leitura Leitura
Encontra-se ao final de cada complementar
item e contém exercícios Seção composta por
que trabalham a sua um texto que permite
compreensão leitora, tratando aprofundar questões e
das questões centrais que problemas referentes aos
foram apresentadas ao conteúdos desenvolvidos no
longo do texto. Cada questão capítulo. Classificados de
apresenta um código com a acordo com as habilidades e
classificação das habilidades competências envolvidas.
e competências envolvidas.
Mãos à Obra
Tá ligado?! Conjunto de atividades,
com exercícios elaborados
Questões relacionadas a
pelos autores, questões do
um conteúdo específico
Enem e de vestibulares.
do capítulo para reforçar
São atividades mais
a sua compreensão.
aprofundadas que visam
Classificadas de acordo
desenvolver habilidades de
com as habilidades e
análise, problematização,
competências envolvidas.
interpretação e
reflexão. Cada atividade
apresenta um código
com a classificação das
habilidades e competências
Radar envolvidas.
São apresentadas
questões de vestibulares Em Cartaz
de todo o Brasil sobre os Oficina de cinema, na qual
assuntos desenvolvidos propomos uma sequência
no capítulo. Cada questão didática para a análise
é classificada de acordo da narrativa fílmica.
com as habilidades e Classificada de acordo
competências envolvidas. com as habilidades e
competências envolvidas.

Referências e índices
Dividida em: Bibliografia,
com as principais referências
bibliográficas utilizadas para
elaborar a coleção; Índice
de mapas e infográficos,
para uma busca rápida por
mapas, infográficos e tabelas
do livro; e Índice remissivo e
onomástico, para uma busca
rápida por nomes, conceitos e
temas mais importantes.

14

OH_V3_Book.indb 14 18/05/16 09:37


Recapitulando

A sociedade industrial:
economia, política e ideologias
DE OLHO nos

A
o tentar resumir os significados do século XX, o músico bri-
Conceitos
tânico Yehudi Menuhin (1916-1999) afirmou que: “ [o século
XX] despertou as maiores esperanças já concebidas pela huma- • Maquinofatura
nidade e destruiu todas as ilusões e ideais”.
• Imperialismo
No século XIX, a velocidade das
comunicações e dos transportes per-
efeito cumulativo. As rivalidades eco-
nômicas, o nacionalismo e a amplia-
• Cercamentos
(enclosures)
mitiu o deslocamento de pessoas e ção da capacidade destrutiva forma-
culturas numa escala jamais vista. A ram o combustível que incendiaria o • Ideologia
movimentação humana coincidia com
a estruturação política dos Estados, a
mundo a partir de 1914. • Liberalismo
• Nacionalismo/
A reprodução técnica de imagens
elaboração de identidades nacionais e sua multiplicação também seriam
sentimento nacional
como ingredientes de coesão ideológi- marcas da industrialização. A inven-
ca e o aparecimento do fenômeno das ção da fotografia criou um novo • Internacionalismo
minorias étnico-culturais.
O “breve século XX” caracteri-
suporte para as imagens de pessoas,
monumentos, guerras, genocídios,
• Federalismo
zou-se pela afirmação dos Estados manifestações, paisagens, esportes, • Oligarquias
Unidos da América como a principal
potência capitalista do planeta.
shows e até de pinturas. Mais do que
a captura de um instante, a fotografia
• Positivismo/
positivista
As revoluções sociais, políticas capturou o espírito do século XX. Dis-
e econômicas foram fomentadas por posta numa sequência veloz, virou
ideologias que estiveram no vocabu- cinema.
lário político de todos os continentes: Neste livro, as fotografias for- SUPERSTOCK

liberalismo, nacionalismo, socia- mam o principal suporte para as ima-


lismo, comunismo e anarquismo. gens, ao lado de cartazes e reprodu-
A intensificação da produtivi- ções de obras de arte. No primeiro
dade foi acompanhada pela multi- livro foram os vestígios materiais, os
plicação da capacidade destruti- monumentos, as iluminuras e as pin-
va: canhões, morteiros, dinamites, turas. No segundo, além das pintu-
metralhadoras e aviões. Produção em ras, as imagens foram registradas
larga escala e extermínio na mesma por meio de processos de reprodução
medida seriam marcas do século XX. ligados à imprensa: gravuras, litogra-
A expansão econômica cau- fias e xilogravuras. Hoje, em nosso
sou também uma nova configuração contexto de universos virtuais, impe-
Londres sob a linha do trem, Paul-
mundial. Na América, África e Ásia ra a digitalização e a sensação de que
-Gustave Doré. Xilografia, extraída
a disputa de mercados pelas potên- tudo o que é sólido pode ser efême- de Londres: uma peregrinação.
cias industriais gerou um perigoso ro, descartável e se desmancha no ar. Londres: Grant, 1872.

Volume 3  15 15

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1 A Revolução Industrial e o imperialismo
Estabelecida na passagem do século XVIII para o sécu- humana. Segundo, a substituição de um sistema de pro-
lo XIX, a Revolução Industrial representou uma profun- dução voltado a um mercado específico para outro em que
da alteração social que incidiu sobre os tradicionais rit- a demanda é criada. Ou seja, o sistema capitalista indus-
mos da vida coletiva. Encerrou séculos de domínio do trial caracteriza-se pela criação de necessidades que esti-
mundo rural e liberou o potencial produtivo das socieda- mulam o consumo.
des humanas, permitindo, assim, a multiplicação acelera- Além da aceleração do crescimento econômico com
da e ilimitada de homens, mercadorias e serviços. a introdução de novas técnicas industriais e a revo-
Tal revolução industrial caracterizou-se, inicial- lução tecnológica, a Revolução Industrial constituiu-se
mente, pela constituição do sistema fabril mecaniza- numa aceleração de crescimento decorrente de uma pro-
do capaz de produzir em grandes quantidades e a um funda transformação econômica e social.
custo decrescente. Ao contrário das estruturas econômi- Tal transformação foi possibilitada pela combinação
cas anteriores, a produção não mais dependia da demanda de elementos que remontam, pelo menos, a meados do
real, mas criava o seu próprio mercado consumidor. século XVI, no início da Idade Moderna: as transforma-
Há, portanto, um duplo aspecto inovador da Revolu- ções nas estruturas agrárias (os cercamentos ou enclosu-
ção Industrial. Primeiro, a transição da manufatura para res), a submissão da produção artesanal ao capital mer-
a maquinofatura e suas implicações imediatas — a utili- cantil, a integração entre os circuitos internos e externos
zação de máquinas no lugar de ferramentas e o aprovei- do comércio britânico e o poderio militar inglês e seus
tamento da natureza como força motriz, no lugar da força mecanismos de pressão extraeconômica.

MÁRIO YOSHIDA
O MUNDO EM 1900
OCEANO GLACIAL ÁRTICO

Círculo Polar Ártico

OCEANO
Trópico de Câncer
PACÍFICO

OCEANO
PACÍFICO OCEANO
Equador ATLÂNTICO

OCEANO
ÍNDICO
Meridiano de Greenwich

Trópico de Capricórnio

Círculo Polar Antártico

0 2350 4700 km

Império Otomano Espanha e possessões Império Russo e possessões Império Qing


Grã-Bretanha e possessões Portugal e possessões Itália e possessões Japão e possessões
França e possessões Países Baixos e possessões Império Alemão e possessões Estados Unidos e possessões
Dinamarca e possessões

Fonte: Elaborado com base em BLACK, J. World history atlas. London: Dorling Kindersley, 2008; DUBY, Georges. Atlas historique. Paris: Larousse, 1987; KINDER, H.;
HILGEMANN, W. Atlas histórico mundial. Madrid: Akal, 2006; LARREA DAVALILLO, J. L. Atlas histórico mundial. Desde el paleolítico hasta el siglo XX. Madrid: Sintesis, 2001.

Mário,
colocar relevo
16

OH_V3_Book.indb 16 18/05/16 09:37


A chamada Segunda Revolução Industrial pode No final do século XIX, já estendiam sua hegemonia para
também ser considerada apenas uma fase da Revolu- grande parte da América do Sul e começavam a penetrar
ção Industrial, já que não houve uma clara ruptura entre regiões do oceano Pacífico.
esses dois eventos. Entretanto, a velocidade, a escala e o A África foi dividida entre as potências europeias pela
impacto das transformações ocorridas em fins do século Conferência Internacional de Berlim, ocorrida entre 1884
XIX sobre a estrutura da sociedade permitem identificá-la e 1885. Na Ásia, além das potências europeias e dos Esta-
como uma nova fase. dos Unidos, os interesses japoneses e russos tornaram a
Além das inovações tecnológicas, a Segunda Revolução região palco de diversos conflitos, marcada por uma ten-
Industrial foi marcada pelo processo de industrialização Africa
em são 1914
constante.
escala mundial. Esta difundiu-se da Inglaterra para a

MÁRIO YOSHDA
Europa, alcançando os Estados Unidos e o Japão. ÁFRICA (1914)
O desenvolvimento da eletricidade, de moto-
EUROPA
res a combustão, da siderurgia do aço e da indús-
tria química marcou esse novo impulso tecnológico MARROCOS

que permitiu o aperfeiçoamento das indústrias, das


LÍBIA
máquinas, das estradas de ferro, da navegação e o RIO DE
OURO EGITO Península
ÁFRICA OCIDENTAL
Arábica
aparecimento dos automóveis e dos aviões. CABO
VERDE
FRANCESA

Com tais transformações tecnológicas, os paí- ERITREIA


GÂMBIA
ses mais industrializados passaram a disputar mer- GUINÉ SUDÃO
DJIBUTI
cados que absorvessem os seus produtos e áreas que SERRA LEOA
COSTA
DO OURO ETIÓPIA
NIGÉRIA
fornecessem matérias-primas para suas indústrias. LIBÉRIA TOGO
CAMARÕES

A necessidade de matérias-primas em escala gigan-


SOMÁLIA
SÃO TOMÉ ÁFRICA ÁFRICA
EQUATORIAL ORIENTAL

tesca provocou um novo arranjo entre as socieda- FRANCESA CONGO

OCEANO ÁFRICA OCEANO


des espalhadas pelo mundo. A dominação política ATLÂNTICO
ORIENTAL
ALEMÃ
ÍNDICO

direta ou indireta de vastos territórios na América, COMORES


ANGOLA
África e Ásia e a sua subordinação econômica com NIASSALÂNDIA

E
vistas ao controle desses mercados marcou a ação

U
RODÉSIA

Q
SUDOESTE

BI
DO NORTE

M
AFRICANO
MADAGÁSCAR

ÇA
imperialista das principais potências industrializa-

O
M
BECHUANALÂNDIA
UNIÃO
das do planeta. SUL-AFRICANA
SUAZILÂNDIA

BASUTOLÂNDIA
A economia mundial começava a sentir a pre-
sença estadunidense na passagem do século XIX
para o século XX. Após a expansão territorial, com ESCALA
0 930 1 860 km
a conquista do Oeste, os Estados Unidos transforma-
ram a América Central em sua área de influência. Fonte: Elaborado com base em AJAYI, J. F. A.; CROWDER, M. Historical atlas of Africa. Essex:
Longman, 1985.

Atividades → conforme tabelas das páginas 8 e 9.

1 No processo de industrialização mundial até o iní- 2 Em 1869, o jornalista Blanchard Jerrold sugeriu ao
cio do século XX pode ser identificada a ocorrência desenhista e ilustrador francês Paul-Gustave Doré
de duas revoluções industriais. (1832-1883) que trabalhassem juntos num projeto
ilustrado que visava realizar um retrato de Londres
a) Quais as características de cada uma delas?
da época. Doré aceitou e assinou um contrato com
→ DL/CF/SP/H17/H19
os editores da Grant & Co. que envolvia permancer
b) No seu caderno, monte uma linha do tempo em em Londres três meses ao ano. O livro Londres: uma
que sejam contemplados os seguintes elementos: peregrinação, com 180 gravuras, foi publicado em
• a acumulação de capitais decorrente da con- 1872. Foi um enorme sucesso comercial, mas não
quista colonial da América e da escravidão; agradou à crítica londrina, que o criticou por focar
• o processo de emancipação política da América; apenas a miséria. Um influente jornal da época
• a Primeira Revolução Industrial;
acusou-o de “inventar e não retratar”. De qualquer
maneira, entre 1869 e 1871, Doré realizou um notá-
• a Segunda Revolução Industrial;
vel estudo sobre os efeitos da industrialização e da
• a Partilha da África. → DL/SP/H7/H19
urbanização descontrolada na cidade.

Recapitulando 17

OH_V3_Book.indb 17 18/05/16 09:37


Observe atentamente as imagens a seguir e analise: co e publicado originalmente pela revista McClure’s,
entrou para a história como um chamado à conquista
a) As condições de vida e higiene da classe tra-
imperialista. Leia um trecho desse poema:
balhadora na Inglaterra na segunda metade do
século XIX. → DL/CF/SP/H16/H17/H18/H19 “Tomai o fardo do homem branco
b) A importância para o sistema capitalista da exis- Enviem os seus melhores filhos
tência de um enorme contingente de mão de Vão, condenem seus filhos ao exílio
obra. Justifique. → DL/CF/SP/H11 Para servirem aos seus cativos;
Para manterem com trabalho árduo

SUPERSTOCK
As raças selvagens e confusas nos arreios,
Gente desgraçada, recém-capturada
Meio demônio, meio criança [...]”
KIPLING, Rudyard. “O fardo do homem branco”.
McClure’s Magazine, 1899.

a) Aponte dois elementos do poema que indiquem a


pretensa superioridade europeia sobre os povos
submetidos. → DL/CF/H1/H7/H9
b) Explique qual era o “fardo do homem branco” a
partir do poema. → DL/CF/H7
4 Observe com atenção a imagem abaixo.

THE ART ARCHIVE/ALAMY/GLOW IMAGES/


BIBLIOTECA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE OHIO, ESTADOS UNIDOS
Londres sob a linha do trem, Paul-Gustave Doré.
Xilografia, extraída de Londres: uma peregrinação.
Londres: Grant, 1872.
SUPERSTOCK

Problemas em Cuba ou Tio Sam deseja Cuba,


Bernhard Gillam. Litografia colorida, charge
extraída da revista Judge, 10 de agosto, Nova
York, Judge Publishing, 1893. (detalhe)

a) O mapa dos Estados Unidos é associado a uma


personagem que acabou se tornando um dos sím-
bolos do seu nacionalismo. Que personagem é
essa e quais são as suas características?
→ DL/CF/H1/H2
b) A caricatura procura ironizar o imperialismo
estadunidense? Por quê? → DL/CF/H7
Rua Houndsditch, Paul-Gustave Doré. Xilografia, c) Especificamente em relação a Cuba, quais foram
extraída de Londres: uma peregrinação. Londres: as características da política externa dos Estados
Grant, 1872. Unidos? → DL/CF/SP/H7
d) Em 1823, o presidente James Monroe havia formu-
lado a doutrina Monroe, que pode ser resumida na
3 (FGV-RJ) Em 1899 o poeta britânico Rudyard Kipling,
expressão “a América para os americanos”. Como
de volta à Inglaterra após uma longa estada nos
tal posicionamento articulou-se à perspectiva do
Estados Unidos, escreveu um poema que teve grande
pan-americanismo? → DL/CF/H7/H9
impacto na época. Intitulado O fardo do homem bran-

18

OH_V3_Book.indb 18 18/05/16 09:37


2 Ideologias
Pode-se definir ideologia como um conjunto de ideias e indivíduo. Não podia haver liberdade, afirmavam muitos
valores associados a determinadas classes sociais e gru- nacionalistas, se as pessoas não fossem livres para ter um
pos da sociedade. Apesar de certa simplificação, com essa governo próprio em sua própria terra. Em 1848, na chama-
definição é possível tentar entender algumas formula- da Primavera dos Povos, a bandeira do sufrágio universal
ções políticas que se desenvolveram, sobretudo a partir do esteve presente em diversos movimentos.
século XIX. Numa outra vertente, contra o nacionalismo e o
Do ponto de vista econômico, associado ao desenvol- Estado burguês, ativistas ligados ao movimento operá-
vimento do processo de industrialização, ganhou corpo o rio procuravam denunciar a exploração da classe tra-
liberalismo econômico. Na visão liberal, que se esboçou balhadora e defender o internacionalismo. Karl Marx
a partir do final do século XVII, caberia aos governos ape- e Friedrich Engels, ao proclamar: “Operários de todo o
nas incentivar a atividade empresarial e assegurar que as mundo, uni-vos!”, defendiam que os operários das fábri-
forças do mercado definissem os rumos da economia. Era cas deveriam opor-se às concepções liberais e naciona-
preciso superar as práticas mercantilistas de controle esta- listas em nome de uma revolução global. Por essa via o
tal sobre os mercados e de intervenção na economia, ainda nacionalismo seria uma invenção ilusória da burguesia
presentes em boa parte da Europa nos séculos XVIII e XIX. que impediria os trabalhadores de perceberem seu cará-
Defesa da propriedade privada, das leis do mercado e da ter internacional. O Estado criado pelas revoluções bur-
busca do lucro eram ideias associadas às atividades mer- guesas seria o instrumento nacionalista da exploração do
cantis e industriais desenvolvidas pela burguesia. trabalho assalariado pelo capital.
Ao longo do século XIX passou-se a utilizar com muita Analisando a trajetória da humanidade, Karl Marx
frequência o termo liberalismo político, designando defendia que a história do homem era a história da luta
diversas correntes políticas muitas vezes divergentes. Há entre as classes sociais. Para Marx, a sociedade capi-
no entanto um núcleo básico de elementos mais ou menos talista criara as condições para a sua própria superação
comuns a todas elas: direito à liberdade individual, que resultaria no fim das classes sociais e na construção
direito à propriedade, igualdade de todos perante a lei. de uma sociedade em que não haveria explorados nem
As diferenças aparecem, principalmente, na interpreta- exploradores. A revolução socialista, fruto de uma pre-
ção que cada uma das muitas correntes liberais atribui a tensa vitória do proletariado sobre a burguesia, estabe-
esses princípios. De qualquer modo, é a partir do liberalis- leceria uma nova sociedade em que a propriedade seria
mo que se estabelece o governo representativo: os indiví- comum, coletiva.
duos são considerados portadores de direitos naturais e o Numa sociedade sem classes, não haveria explorado-
Estado deve ser organizado de modo que os cidadãos pos- res nem explorados, o que tornaria desnecessária a exis-
sam participar da vida pública diretamente como eleitores tência do Estado, cuja função seria meramente manter e
e indiretamente através de seus representantes. defender o poder contra a classe explorada.
Ao estabelecer uma soberania derivada da nação e “A propriedade é um roubo”, escreveu Pierre Joseph
do povo como um todo, o Estado não é mais visto como Proudhon, inspirador do movimento anarquista. Como
propriedade particular do governante, mas sim como a os marxistas, os anarquistas protestavam contra a explo-
incorporação da vontade de seus cidadãos. O Estado-nação ração dos trabalhadores e exigiam a extinção da proprie-
estaria acima do rei, da Igreja, de grupos políticos, da cor- dade privada, mas, ao contrário dos marxistas, que pre-
poração, da província. Seria superior a todas as outras viam o fim do Estado após a derrubada do capitalismo, os
lealdades. Ao mesmo tempo em que se firmava a lealda- anarquistas exigiam sua destruição imediata.
de nacional, produziam-se elementos que justificassem Mikhail Bakunin, figura central do pensamento anar-
a unidade nacional: idealização do passado, afinidades quista, temia que os marxistas, após terem derrotado o
étnicas e a recuperação da cultura popular e das tradições. capitalismo, se tornassem os novos exploradores. Uma
O sentimento nacional criava novos mitos, mártires e dias vez no poder, eles se converteriam em minoria privilegia-
“sagrados” que se contrapunham àquilo que era reveren- da de ex-trabalhadores, que passariam a representar a si
ciado pelas tradições do Antigo Regime. mesmos e a defender seus pretensos direitos de governar
A luta pela soberania nacional transformava-se tam- o povo. Em sua visão, o Estado deveria ser destruído pelos
bém numa extensão da luta pelos direitos naturais do trabalhadores imediatamente após a revolução.

Recapitulando 19

OH_V3_Book.indb 19 18/05/16 09:37


Atividades → conforme tabelas das páginas 8 e 9.

1 A Revolução de 1830, na França, derrubou o rei a) Descreva os elementos nacionalistas presentes


Carlos X, associado aos ideais do Congresso de na pintura. → DL/SP/H1/H4/H13/H15
Viena de manutenção do absolutismo, e colocou b) Tomando por base o texto de Burke, como
no poder Luís Filipe, apelidado de “o rei burguês”. Delacroix caracteriza o “povo”?
O novo rei jamais se esqueceu de que devia seu → DL/SP/H1/H4/H10/H11
trono à burguesia, por isso fortaleceu o Legislativo
e aboliu a censura, mas manteve o voto censitá- 2 Em 1990, o historiador Eric Hobsbawm publicou um
rio. Por temer o radicalismo, o governo ignorou o livro que se tornaria clássico na interpretação do
proletariado, que tinha lutado por uma repúbli- nacionalismo: Nações e nacionalismo desde 1780.
ca e por reformas econômicas para diminuir sua Tratando das relações entre o Estado e a sociedade
pobreza. Inspirado pelo movimento popular, o pin- no século XIX, escreveu:
tor Delacroix pintou a quadro A Liberdade guiando “O Estado moderno típico [...] era definido
o povo. Leia o que escreveu a respeito da pintura o como um território (de preferência, contínuo e
historiador Peter Burke. inteiro) dominando a totalidade de seus habi-
“Delacroix mostra a Liberdade meio deusa tantes; e estava separado de outros territórios
(modelada numa estátua grega da Vitória) e meio semelhantes por fronteiras e limites claramen-
mulher do povo, a bandeira tricolor numa mão e te definidos. [...] Crescentemente, esse Estado
um mosquetão na outra, era obrigado a ouvir as opiniões dos indivíduos
os seios descobertos e o Barrete frígio: touca ou cidadãos [...].
barrete frígio (uma refe- utilizada pelos mora- Ao longo do século XIX [...] uma família teria
dores da Frígia (Ásia que viver em um lugar muito inacessível se um
rência clássica) simbo- Menor). Foi adotado,
lizando a liberdade em na cor vermelha, pelos de seus membros não quisesse entrar em con-
nome da qual a revolu- republicanos na Revo- tato regular com o Estado nacional e seus agen-
lução Francesa. tes: através do carteiro, do policial ou do guar-
ção foi feita. Quanto ao
‘povo’: o homem usan- da, e oportunamente do professor [...]. Cada vez
do cartola algumas vezes é interpretado como mais o Estado detinha informações sobre cada
um burguês por causa do chapéu. De fato, carto- um dos indivíduos e cidadãos através do instru-
las eram usadas por alguns franceses da classe mento representado por seus censos periódicos
trabalhadora da época. De qualquer forma, um regulares (que só se tornaram comuns depois da
exame mais detalhado de sua vestimenta, espe- metade do século XIX), através da educação pri-
cialmente o cinto e as calças, revela tratar-se de mária teoricamente compulsória e através do
um trabalhador manual, num [...] exemplo da serviço militar obrigatório, onde existisse. Nos
importância de pequenos detalhes.” Estados burocráticos e bem policiados, um sis-
tema de documentação e registro pessoal trouxe
BURKE, Peter. Testemunha ocular.
Bauru: Edusc, 2004. p. 76-77. os habitantes para um contato ainda mais dire-
to com a máquina de administração e domina-
MUSEU DO LOUVRE, PARIS, FRANÇA

ção, especialmente se estes se deslocavam de


um lugar para outro. [...] Como nunca até então,
o governo e os indivíduos e os cidadãos estavam
inevitavelmente ligados por laços diários.”
HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 101-102.

a) De acordo com o texto, de que forma o governo


iria entrar em contato direto com indivíduos ou
cidadãos? → DL/SP/H1/H8
b) Explique o papel dos laços diários entre gover-
nos e indivíduos no século XIX. → DL/SP/H1/H8
c) Compare os laços diários apresentados no texto
A Liberdade guiando o povo, Eugène Delacroix. Óleo com as relações entre governos e indivíduos em
sobre tela, 1830. nossos dias. → DL/SP/H1/H3/H8/H9

20

OH_V3_Book.indb 20 18/05/16 09:37


3 Repúblicas
Durante séculos, as monarquias europeias foram repre- A consolidação do Estado nacional ocorreu simulta-
sentadas por imagens masculinas. Para a República, no neamente à formação das oligarquias: grupos de famí-
entanto, a alegoria mais utilizada foi a figura feminina. lias de grandes proprietários, comerciantes e poderosos de
Sua inspiração veio da Roma Antiga, onde a mulher era cada região que monopolizavam o exercício do poder e das
símbolo da liberdade. Na França, nos Estados Unidos, na funções públicas em cada província. A exclusão da imen-
América hispânica e no Brasil, as imagens do regime repu- sa maioria da população foi garantida pela adoção do voto
blicano se fizeram representar por figuras femininas. censitário e pela manutenção da escravidão até 1888.
Nos Estados Unidos foi implementada uma república A crise da monarquia na década de 1880 reagrupou
federalista. Cada unidade da federação tinha plena auto- republicanismo e federalismo. O republicanismo de feição
nomia para a sua administração e para definir questões positivista, difundido amplamente no Exército, imprimiu
legislativas como escravidão, pena de morte e até mesmo a sua marca com o lema “Ordem e Progresso”, registrado na
participação como integrante da União. As bases da iden- bandeira nacional. O republicanismo mais radical, como
tidade nacional formuladas pelas suas elites ressaltavam o de Silva Jardim, que “perigosamente” se aproximava de
que os Estados Unidos da América constituíam uma Repú- setores populares, não teria espaço na movimentação de 15
blica perfeita: independente, democrática, federalista, de novembro de 1889.
autossuficiente e governada por pessoas virtuosas. Seu O federalismo voltou a fazer parte do cardápio políti-
destino só poderia ser o progresso. co na década de 1870, defendido pelas oligarquias paulis-
Durante a Revolução na França, a República na sua tas. Desejosos de uma reforma política que lhes conferisse
fase mais radical, adotou o voto universal masculino. Em mais poder e autonomia econômica, as oligarquias de São
1795, com a queda dos jacobinos, voltou-se a adotar o voto Paulo engrossaram o movimento republicano, que acabou
censitário, que limitava a participação política de acor- por descartar o já abalado poder monárquico. A proclama-
do com as riquezas dos cidadãos. Ao longo do século XIX, ção da república brasileira não foi fruto de um processo
as disputas políticas na França levaram à ampliação dos revolucionário, mas de uma reordenação política coman-
direitos políticos, culminando com a extensão do direito dada pelas elites.
de voto a todos os homens em 1848. À Segunda Repúbli- Nos primeiros anos da República, a tensão entre a cen-
ca (1848-1851) sucedeu um Segundo Império (1852-1871). tralização política defendida por setores militares e o federa-
Somente a partir de 1873, com a Terceira República, o jogo lismo culminou na renúncia do primeiro presidente brasilei-
político permitiria a estabilização da participação da clas- ro, em 1891, e na ascensão dos paulistas ao poder em 1894.
se operária por meio do direito de voto e com a presença O federalismo verde-amarelo foi implementado através
de partidos socialistas, que venceriam as eleições de 1914. da Política dos Governadores, um meio de garantir o regi-
Na América hispânica, a característica marcante foi me representativo e a autonomia estadual. Assim, o gover-
a formação de diversas repúblicas dirigidas por lideran- no central tendia a apoiar as oligarquias dominantes nos res-
ças políticas oriundas em grande parte de setores milita- pectivos estados em troca do apoio de deputados e senadores
res. Com a exclusão da maior parte da população e aten- desses estados no âmbito federal. O apoio do governo fede-
dendo aos interesses dos grandes proprietários rurais, tais ral traduzia-se em verbas e outros benefícios, de que a oligar-
lideranças expressavam preocupações com a situação das quia dominante poderia dispor para ampliar seu prestígio
camadas empobrecidas em seus discursos. Esse fenôme- regional, garantindo o domínio permanente sobre a máquina
no ficou conhecido como caudilhismo e marcou a política administrativa. Com isso, as disputas políticas, já neutraliza-
latino-americana no século XIX. das, tendiam a se restringir aos estados e não ameaçariam a
estabilidade do governo federal. Com a ausência de partidos
A República no Brasil nacionais, as relações políticas estabeleciam-se entre as ban-
No Brasil, republicanismo e federalismo estiveram pre- cadas dos partidos estaduais (Partido Republicano Paulista,
sentes em diversas revoltas desde o século XVIII. O Esta- Partido Republicano Mineiro, Partido Republicano Rio-gran-
do monárquico conseguiu impedir a fragmentação do dense etc.) e a presidência da República.
território da antiga América portuguesa, manteve o tráfi- Ao longo da República Oligárquica, a maior parte dos
co negreiro (até 1850), promoveu a transição para o tra- presidentes da República era proveniente de Minas e São
balho assalariado e garantiu a articulação necessária à Paulo, grandes produtores de laticínios e café, respectiva-
acomodação dos interesses dos grupos dominantes das mente. Era a política Café com Leite, que complementava
diversas províncias. a Política dos Governadores.

Recapitulando 21

OH_V3_Book.indb 21 18/05/16 09:37


A marginalização da maior parte da sociedade brasilei- oferecer benefícios à população mais pobre. Empregos
ra foi estabelecida pelas restrições ao direito de participação públicos e privados, distribuição de alimentos, benfei-
nas eleições. O pequeno percentual da população que tinha torias públicas, encaminhamentos médicos, doações e
direito ao voto, elemento básico da representação demo- outras concessões eram feitas a fim de angariar a simpatia
crática, ainda sofria as coações de um fenômeno brasilei- e o prestígio dos “afilhados”. Quando isso não era possível
ro denominado coronelismo. Típico das áreas rurais, decor- ou não era desejável, o uso da força e de intimidações con-
rente da concentração de grandes extensões de terras nas feria a obediência devida a esses “poderosos”.
mãos de poucos fazendeiros que exerciam a chefia política Como na época da monarquia, a ideologia do favor e
local desde o regime monárquico, o coronelismo garantia o do clientelismo continuava presente. O poder público era
controle sobre o voto da população de determinadas locali- apropriado de forma privada pelos grupos dominantes do
dades. Eles detinham verdadeiros “currais eleitorais”. Brasil. A cidadania republicana, no lugar de expressão da
O chamado “coronel”, uma alusão à patente dos mem- pluralidade e diversidade político-sociais, era a represen-
bros da Guarda Nacional do Império, exercia seu poder tação da privatização de funções do Estado e da obtenção
sobre a máquina administrativa dos municípios e podia de privilégios para as oligarquias.

Atividades → conforme tabelas das páginas 8 e 9.

1 Elabore uma definição para cada um dos seguintes c) Relacione tais diferenças às características dos
conceitos: processos que levaram à implementação da
a) federalismo → DL/SP/H9/H10 República no Brasil e nos Estados Unidos.
→ DL/CF/H1/H2/H13/H24
b) caudilhismo → DL/SP/H10/H11

FUNDAÇÃO MARIA LUIZ E OSCAR


AMERICANO, SÃO PAULO, BRASIL
c) oligarquias → DL/SP/H9/H11
d) coronelismo → DL/SP/H8/H9/H11
2 “A segunda exigência da nossa moralização eleito-
ral consiste em extinguir radicalmente a publicida-
de no voto. No dia em que houvermos estabelecido
o recato impenetrável da cédula eleitoral, teremos
escoimado a eleição das suas duas grandes chagas:
a intimação e o suborno. A publicidade é a servidão
do votante. O segredo, a sua independência.”
BARBOSA, Rui. “A reforma eleitoral”. In: Campanhas
presidenciais. 4. ed. São Paulo: Edigraf, 1972. p. 62-63.

Em 1910, Rui Barbosa disputou e perdeu as eleições


para a presidência da República. “A reforma eleito- Deodoro entrega a bandeira da República à nação,
ral” é um de seus textos sobre os problemas políti- anônimo. Óleo sobre tela, final do século XIX.
cos brasileiros durante a República Oligárquica. A
BRIDGEMAN ART LIBRARY/BIBLIOTECA DO
CONGRESSO, WASHINGTON D.C., ESTADOS UNIDOS

esse respeito, responda:


a) Qual é o principal problema apontado por Rui
Barbosa? → DL/SP/H1/H8
b) Como tal situação se encaixa na engrenagem da
Política dos Governadores? → DL/CF/SP/H8/H11
c) No Brasil de hoje esse tipo de situação ainda
ocorre? Justifique sua resposta.
→ DL/CF/SP/CA/H3/H8/H9
3 Observe as imagens a seguir.
a) Após analisar cada uma delas, descreva-as sepa-
radamente em seu caderno. → DL/CF/H1/H2
b) Qual é a diferença entre as mensagens apresen-
Hasteando o mastro da liberdade, John C. McRae.
tadas em cada uma dessas imagens?
Litografia colorida, 1875.
→ DL/CF/H1/H2/H13/H24

22

OH_V3_Book.indb 22 18/05/16 09:37


Capítulo

10
1 Guerra e revolução

DE OLHO nos

D
esde 1871, quando transcorrera a Guerra Franco-Prussiana, Conceitos
não acontecera nenhum conflito entre as grandes potências
da Europa. A maioria dos europeus que nasceu e cresceu • Paz armada
nesse período enxergava o mundo de forma positiva e via seu con- • Pan-eslavismo
tinente como o centro de todas as decisões. Acreditava que a diplo- • Hegemonia
macia conseguira criar caminhos para resolver, na paz, as ocasionais
divergências que surgissem entre os Estados nacionais e que as ciên- • Futurismo
cias e o desenvolvimento tecnológico do século XIX haviam libertado • Marxismo-leninismo
as pessoas de seus limites físicos. O presente e o futuro eram vistos, • Revolução/
em geral, como tempos de estabilidade e progresso. contrarrevolução
Em meio ao aparente otimis- diam que as trevas da guerra avan- • Comunismo/
mo, a produção cultural passava çassem subterraneamente. A tão socialismo
por turbulências e sucessivas ondas
de renovação. Cubismo, abstracio-
celebrada tecnologia também se
prestava para invenções letais:
• Kolkhozes/Sovkhozes
nismo, expressionismo, dadaísmo: metralhadoras, tanques blindados, • Caudilhismo
as vanguardas estéticas rompiam
padrões clássicos de representação,
torpedos, armas químicas. Quando
a Primeira Guerra Mundial come-
• Reformismo
rejeitavam a objetividade, explora- çou, em agosto de 1914, todo o oti- • Democracia
vam limites do inconsciente e exi- mismo ruiu; no seu lugar, cresceu • Colonialismo
biam novas percepções do mundo. o pavor e o horror diante da des-
Na tela Composição VII, de truição que se aproximava. Composição VII, Vassily Kandinsky.
1913, o russo Vassily Kandisnky Óleo sobre tela, 200 x 300 cm, 1913.
(1866-1944) orquestrava cores e
GALERIA ESTATAL TRETYAKOV, MOSCOU
formas em uma intensidade sinfô-
nica, com explosões cromáticas em
partes diferentes do quadro. Segun-
do o pintor, a arte abstrata procura-
va expressar essências impossíveis
de explicar por meio da objetivida-
de ou da centralidade do olhar ou
da luz. De certo modo, como outros
artistas do período, indicava que os
tempos eram mais instáveis e difí-
ceis do que pareciam.
As luzes da razão que anima-
vam tantos europeus não impe-

23

OH_V3_Book.indb 23 18/05/16 09:37


1 A Primeira
Guerra Mundial

O
historiador britânico Eric Hobsbawm resumiu da seguinte maneira
o significado da Primeira Guerra Mundial:
"A Primeira Guerra Mundial [...] assinalou o colapso da civilização
(ocidental) do século XIX. Tratava-se de uma civilização capitalista na
economia; liberal na estrutura legal e constitucional; burguesa na imagem
de sua classe hegemônica característica; exultante com o avanço da ciên-
cia, do conhecimento e da educação e também com o progresso material e
moral; e profundamente convencida da centralidade da Europa, berço das
revoluções da ciência, das artes, da política e da indústria e cuja econo-
mia prevalecera na maior parte do mundo, que seus soldados haviam con-
quistado e subjugado; uma Europa cujas populações (incluindo-se o vasto
e crescente fluxo de emigrantes e seus descendentes) haviam crescido até
somar um terço da raça humana; e cujos maiores Estados constituíam o
sistema da política mundial."
HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX. 1914-1991.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 16.

O sonho europeu de hegemonia planetária, porém, já era ameaçado pelo


crescimento dos Estados Unidos que, desde a unidade proporcionada pela
Guerra de Secessão, haviam ampliado muito sua capacidade industrial e
ganhavam espaço no mercado, principalmente, de produtos químicos, side-
rúrgicos e de automóveis. A indústria e as atividades comerciais do Japão
também avançavam, conquistando compradores na Ásia. As relações entre os
próprios países europeus tampouco
autorizavam a crença numa paz dura-
MÁRIO YOSHIDA

A REGIÃO BALCÂNICA
doura. Os nacionalistas ganhavam
força e defendiam saídas armadas.
No Leste do continente, as divergên-
cias quanto a fronteiras, a desagre-
gação do Império Turco-Otomano e o
BÓSNIA-
expansionismo russo colocavam em
xeque as iniciativas diplomáticas. No
-HERZEGOVINA

ITÁLIA ocidente, a França ainda lastimava a


Podgorica derrota para a Alemanha, que sofre-
ra ao final da Guerra Franco-Prussia-
Mar de
Mármara na. A Alemanha crescia industrial-
IMPÉRIO mente, incrementava sua capacidade
TURCO-OTOMANO
bélica e buscava ampliar sua presen-
ça nas áreas coloniais, ameaçando a
SICÍLIA
hegemonia mercantil britânica e seu
imenso império colonial. Vivia-se, sob
ESCALA
o otimismo e o orgulho europeus e em
0 195 390 km meio a tantas tensões, uma paz arma-
Fonte: Elaborado com base em PARKER, G. Atlas Verbo de história universal. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1996. da, que a guerra acabaria por romper.

24 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 24 18/05/16 09:37


mulavam a fragmentação turca: Grã-Bretanha e França
As políticas de alianças desejavam ampliar os mercados consumidores de seus
Depois da unificação, a Alemanha havia recorrido a produtos industrializados e o governo russo apoiava o
suas amplas reservas de ferro e carvão para impulsio- pan-eslavismo, tentando unificar, sob seu comando, os
nar a economia, desenvolvendo as indústrias de bens de diversos grupos e territórios eslavos do Leste europeu.
produção (máquinas, equipamentos industriais etc.) e O Império Áustro-Húngaro era aliado dos turcos e
armamentos. Grandes investimentos em pesquisa cien- da Alemanha e pretendia abrir uma estrada de ferro que
tífica e tecnologia auxiliaram o avanço rápido. A adoção ligasse Berlim à Bagdá, facilitando seu acesso à produ-
de medidas protecionistas contribuiu para a conquis- ção petrolífera do Golfo Pérsico e limitando a presença
ta de mercados consumidores. A Alemanha, que entra- britânica na região. Austríacos e húngaros, no entanto,
ra tardiamente na corrida colonial, buscava, no final do enfrentavam resistências nacionalistas dentro de seu
século XIX, ampliar seus domínios na África e na Ásia. império e dividiam as atenções de sua limitada capaci-
Estabeleceu, ainda na década de 1880 e sob a lideran- dade militar entre a repressão aos movimentos internos
ça de Otto von Bismarck, um sistema de alianças com e a luta expansionista no estrangeiro.
o Império Áustro-húngaro e a Itália (Tríplice Aliança), Em meio às disputas e tensões no Leste europeu,
para defender-se de eventuais investidas britânicas e do também a Sérvia visava ampliar seus domínios terri-
revanchismo da França, que reagia à perda da Alsácia toriais e políticos. Seu governo era apoiado pela Rús-
e da Lorena na Guerra Franco-prussiana. Após a queda sia em seu sonho de edificar a Grande Sérvia, que con-
de Bismarck em 1890, o discurso nacionalista avançou trolaria quase toda a região dos Bálcãs. Dentro do país
dentro do país, identificando a Alemanha como herdei- proliferavam sociedades secretas que defendiam a ini-
ra de uma dupla tradição: a clássica, oriunda da Gré- ciativa governamental por meio de atos violentos. Uma
cia antiga, e a germânica, associada ao Sacro Império delas intitulava-se Mão Negra. Em 1914, face à ameaça
Romano Germânico. Surgiram diversos centros de estu- sérvia de atacar a Bósnia-Herzegovina, então controlada
dos e clubes patrióticos, que insistiam na superiorida- pelo Império Áustro-Húngaro, o arquiduque Francisco
de da cultura germânica e na necessidade de lutar para Ferdinando, herdeiro do trono austríaco, viajou a Sara-
ampliar o poderio nacional. jevo, capital bósnia. Seu propósito era atenuar o nacio-
No início do século XX, franceses e britânicos tam- nalismo local, por meio da elevação da Bósnia-Herzego-
bém formalizaram uma aliança estratégica ante o avan- vina à mesma condição de Áustria e Hungria, formando
ço alemão e em favor de uma convivência harmoniosa um reino triplo. Um jovem membro da Mão Negra atirou
dos dois países dentro do território europeu e nas áreas contra o arquiduque e o matou.
de dominação colonial. O governo da França, interessa- O episódio serviu como pretexto para que o Império
do na aproximação com a Rússia, estimulava emprésti- Áustro-Húngaro, apoiado pela Alemanha, pressionas-
mos e investimentos de instituições francesas no país se a Sérvia, enviando um ultimato que exigia a inves-
dos czares. A relação entre os três países acabou por tigação do assassinato em 48 horas, e, diante da recu-
gerar a chamada Tríplice Entente. sa dos sérvios, declarasse guerra. A Rússia, temerosa
Tríplice Aliança e Tríplice Entente definiam espaços de que o conflito facilitasse o avanço austríaco sobre os
de articulação política e diplomática, acirravam a corri- Bálcãs, declarou apoio à Sérvia. Os sistemas de alianças
da tecnológica e armamentista e dividiam a Europa. entravam em ação: a França aderiu à iniciativa russa,
a Grã-Bretanha defendeu o apoio francês e a Alemanha
endossou a posição austro-húngara. Começava a guerra.
O estopim da Guerra
O Império Turco-Otomano desintegrara-se parcialmente Os operários e a guerra
desde o século XIX. Entre 1830 e 1910, Bósnia-Herzego- Os partidos socialistas, organizados na II.a Internacio-
vina, Bulgária, Grécia, Montenegro, Romênia e Sérvia – nal – associação proletária mundial criada em 1889 –,
antes partes do Império – obtiveram suas independên- dividiram-se diante da guerra. A maioria dos partidos
cias ou passaram para o domínio de outras potências. de esquerda aderiu à iniciativa bélica, demonstran-
Na primeira década do século XX, uma rebelião mili- do a força do nacionalismo dentro da Europa. O russo
tar nacionalista agravou a tensão interna, que também Vladimir Ilitch Ulianov, conhecido como Lênin (1870-
incluía a luta dos armênios para escapar do controle -1924), foi um dos poucos líderes socialistas que se
turco. A Rússia e as potências do ocidente europeu esti- opuseram à adesão do proletariado à guerra entre as

A Primeira Guerra Mundial 25

OH_V3_Book.indb 25 18/05/16 09:37


potências. Em outubro de 1917, ele participou ativa- Leia a seguir:
mente da revolução proletária na Rússia e coordenou "Os mortos ainda estavam lá, seus corpos no
o início do processo de implantação do regime socia- mesmo lugar e posição de quando haviam morrido.
lista no país. Encolhidos, esticados, com os rostos no chão. Aus-
Antes de colocar em prática as primeiras medi- tríacos e russos, lado a lado. Corpos mutilados man-
das que visavam a mudanças sociais e políticas, Lênin chando o solo. Um austríaco tivera a perna amputada
determinou a imediata retirada das tropas russas da e seu rosto estava enegrecido e inchado. Outro tinha o
guerra e assinou, com a Alemanha, o Tratado de Brest- rosto mutilado, uma visão horrível. Um soldado russo,
-Litovsk, que estabelecia a paz entre as duas potências e pendurado no arame farpado, estava com as pernas
o fim do controle russo sobre Bielorússia, Estônia, Fin- dobradas sob o corpo. Moscas infestavam as feridas
lândia, Letônia, Lituânia e Ucrânia. abertas e cheias de vermes. Ainda bem que Anna e
Ekaterina me acompanhavam. Até elas estavam cala-
das, abaladas com o cenário tanto quanto eu. Esses
A guerra de trincheiras ‘amontoados’, poucas horas antes, tinham sido seres
Nos primeiros meses de guerra, a movimentação de tro- humanos, de carne e osso. Homens jovens, fortes,
pas foi intensa. Os exércitos alemães avançaram na dire- cheios de vida. A vida é demasiadamente frágil."
ção da Bélgica, que estava neutra em relação ao conflito. Citações: apud ENGLUND, P. A beleza e a dor: uma história íntima
da Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Companhia
Eles temiam ter que lutar simultaneamente em duas fren- das Letras, 2014. p. 208-209 e 256-257.
tes, a francesa e a russa.
Para evitar a divisão de esforços, pretendiam ata- Um massacre em meio à guerra
car a França a partir da fronteira belga e ocupar Paris
A violência da guerra não se resumia aos campos de
em poucos meses. A resistência belga e o rápido ataque
batalha. No dia 24 de abril de 1915, o governo turco
russo no front oriental, porém, impediram o sucesso do
desencadeou um brutal ataque aos armênios que viviam
plano. O avanço das tropas germânicas foi contido pelas
nos territórios controlados pelo Império. Intelectuais e
forças francesas a pouco mais de cinquenta quilômetros
líderes políticos partidários da independência armênia
de Paris e iniciou-se uma longa e dura guerra de trin-
foram executados, as casas dos armênios foram quei-
cheiras, que se arrastou por quase quatro anos.
madas. Os homens eram eliminados, as mulheres eram
As condições que os soldados enfrentavam eram
violentadas e deportadas, os idosos e as crianças foram
brutais. Entre 1914 e 1918, eles conviveram, nas trin-
enviados a áreas desérticas ou confinados em prisões,
cheiras, com ratos e insetos, contraíram doenças e mor-
sem acesso a água ou alimentos.
reram em combate. Enfrentavam bombardeios aéreos e
As perseguições prosseguiram por cerca de oito
rajadas de metralhadoras, participavam de investidas
anos, vitimaram mais de um milhão de pessoas e provo-
perigosas e, ocasionalmente, suicidas.
caram a dispersão dos armênios. Os armênios e a maio-
O desânimo e o desespero geraram diversas revoltas
ria dos historiadores utilizam a palavra "genocídio" para
entre a soldadesca. Muitas vezes, cadáveres de compa-
descrever a ação repressiva e reivindicam ainda hoje,
nheiros eram usados como escudos nas trocas de tiros.
junto ao governo turco, o reconhecimento de que o epi-
Diversos relatos de combatentes expuseram a barbárie
sódio foi um massacre intencional e coordenado.
da guerra. Um militar italiano anotou em seu diário:

"Ver, de repente, duas bombas explodindo a


cinco metros de você e ainda não saber se está feri- Novas alianças e o fim da
do. (Depois do que parece ser uma eternidade, e a guerra
uma distância infinita, ouvir a voz de um camarada,
A Itália, originalmente membro da Tríplice Aliança,
também comprimido contra o chão, lhe perguntar”
não atuou militarmente ao lado de Alemanha e Áustria-
'Monelli, você está ferido?' 'Estou verificando agora.')
-Hungria. Manteve-se neutra até 1915, quando passou
E então você acha que esse sentimento de graça é ilu-
a apoiar a Entente. Os Estados Unidos também declara-
sório. Em um ataque de fúria, o médico joga os pratos
do acampamento contra o inoportuno avião." ram-se, no princípio, neutros e igualmente distantes dos
dois blocos em luta. Durante a campanha pela reeleição
Florence Farmborough, enfermeira inglesa, descre- em 1916, o presidente Woodrow Wilson (1856-1924)
veu com horror o que encontrou num campo de batalha: reafirmou sua neutralidade e disse considerar indesejá-

26 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 26 18/05/16 09:37


vel tanto a vitória do militarismo alemão quanto o suces-
OH_U6_pag634 operários paralisaram as atividades de duas fábricas de
so do despotismo russo. Apesar disso, no início de 1917, armamentos, em Berlim e Dusseldorf. No início do ano
a ajuda financeira estadunidense aos países da Enten- seguinte, mais de 400 mil trabalhadores cruzaram os bra-
te aumentou bastante e, em abril daquele ano, o país ços, exigindo, entre outros pontos, paz imediata e restabe-
FINLÂNDIA
declarou guerra à Aliança. Oficialmente, a decisão foi lecimento de liberdades NORUEGA democráticas, com o fim do esta-
Helsinque
uma resposta ao ataque de submarinos alemães a navios do de sítio e a libertação Oslo dos presos políticos. Apesar
Estocolmo São Petersburgoda
(Petrogrado)
estadunidenses que transportavam mercadorias para ESCÓCIA violenta repressão, os trabalhadores SUÉCIA sustentaram a mobi-
a Grã-Bretanha. A entrada dos Estados Unidos na guer- Edimburgo lização. Os soldados e marinheiros que atuavam na linha
Riga Moscou
ra, no entanto, tinha motivos mais profundos:IRLANDA o temor REINO de frente também rejeitavam a continuidade do conflito
Copenhague
Dublin Memel Vilna IMPÉRIO RUSSO
INGLATERRA
de que a supremacia alemã prejudicasse suas relações GALES
e, em mais de um caso, organizaram grandes deserções.
UNIDO Hamburgo Gumbinnen
comerciais com os países do Leste europeu. EmHOLANDA
8 de agosto de 1918, um grupo de soldados ale-
Londres Berlim Tannenberg
Outros países da América seguiram a decisão estadu- mães rendeu-se,
Amsterdã Bremen
Bruxelas Colônia
sem lutar, às forças da Entente,
Varsóvia
Brest-Litovsk
que con-
BÉLGICA
nidense e aderiram à Entente. Brasil e Argentina ingressa- seguiram, assim, ultrapassar
N IC O a linha de defesa alemã e
LUXEMBURGO MÂ Tarnow Kiev
ER Praga Kharkov
ram na guerra em 1917 e assumiram a responsabilidade avançar em direção
Paris
IO à Berlim.
G Fragilizada pela iminente
Cracóvia UCRÂNIA
P ÉR Gorlice
de controlar a circulação naval no Atlântico Sul, além de FRANÇA derrota e pelaIMreação 1917 interna, a monarquia alemã foi der-
Viena
Berna 1915 IMPÉRIO AUSTRO-
contribuir para o abastecimento das forças que lutavam Bordeaux rubada. EmSUÍÇA novembro daquele ano,
Innsbruck
Caporetto o novo governo repu-
Budapeste
Odessa
Isonzo -HÚNGARO
na Europa. A guerra assumia definitivamente um cará- blicano assinou Veneza um
1918 armistício
Trieste
Zagreb com as potências inimigas.
Belgrado ROMÊNIA
Sebastopol
LUXEMBURGO
PORTUGAL Bucareste
ter mundial, seja pelos efeitos que provocava em territó- Sarajevo
Madri
rios bastante distantes da Europa, seja pela participaçãoBarcelona
A tecnologia ITÁLIA na-HERZEGOVINA
guerra,
BÓSNIA-
MONTENEGRO
a tecnologia
SÉRVIA
BULGÁRIA
Lisboa
de países de diversas partes do planeta. ESPANHA da guerra Córsega
Roma Tirana
Skopje
Monastir
Constantinopla

A nova conjunção de forças da Entente Cádiz contribuiu A


Is. Baleares
Primeira Guerra
Sicília foi o primeiro
Brindisi
ALBÂNIA conflitoSalônica
a empregar
Callipoli

para o avanço das tropas francesas e inglesas. Ao mesmo


Gibraltar (GB) amplamente os avanços tecnológicos GRÉCIA dos séculosIMPÉRIO XVIII OTOMANO
tempo, o esforço dos anos de guerra afetava a popula- e XIX: da produção fabril acelerada ao desenvolvimento Atenas

ESCALA
ção alemã, que sofria com a repressão 0 política,
300 a fome,
600 km as
científico de armas químicas, de novos meios de comu-
epidemias e as longas jornadas de trabalho. Desde 1915 nicação e transporte a novos instrumentos Creta de guerra,
OH_U6_pag634
ocorriam greves contra a guerra, e, em janeiro de 1917, os como o submarino, o tanque e o avião.

MÁRIO YOSHIDA
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914-1918)
FINLÂNDIA
NORUEGA
Helsinque
Oslo São Petersburgo
Estocolmo
(Petrogrado)

ESCÓCIA SUÉCIA Aliados da Entente

Edimburgo Potências Centrais


Riga Moscou
IRLANDA Principais ofensivas
REINO
Copenhague
Memel IMPÉRIO RUSSO da Entente
Dublin INGLATERRA Vilna
GALES Principais ofensivas
UNIDO Hamburgo Gumbinnen germânicas
HOLANDA
Londres Berlim
Progressão máxima
Tannenberg
Amsterdã Bremen Brest-Litovsk da Entente
Bruxelas Colônia Varsóvia (leste 1914,
BÉLGICA O oeste 1918)
NIC
LUXEMBURGO MÂ Tarnow Kiev
Progressão máxima
Paris G ER Praga Kharkov
das forças
RIO
Cracóvia UCRÂNIA germânicas
PÉ Gorlice (oeste 1914,
IM 1917 Viena
leste 1918)
FRANÇA Berna 1915 IMPÉRIO AUSTRO-
Bordeaux SUÍÇA Innsbruck Budapeste Batalha
Caporetto Odessa
Isonzo -HÚNGARO
1918 Zagreb Sebastopol
Batalha com mais
LUXEMBURGO
Veneza Trieste Belgrado ROMÊNIA de 250 mil baixas
PORTUGAL Bucareste
Sarajevo Base naval
Madri ITÁLIA BÓSNIA-
SÉRVIA
Barcelona -HERZEGOVINA Países neutros
MONTENEGRO BULGÁRIA
Lisboa Córsega Skopje
ESPANHA Roma Tirana Capital
Monastir
Constantinopla
Is. Baleares Brindisi Salônica
Sicília ALBÂNIA
Cádiz Callipoli

Gibraltar (GB)
GRÉCIA IMPÉRIO OTOMANO
Atenas Fonte: Elaborado com
base em PARKER, G. Atlas
ESCALA
Verbo de história universal.
0 300 600 km
Lisboa/São Paulo: Verbo,
Creta 1996. p. 125.

A Primeira Guerra Mundial 27

OH_V3_Book.indb 27 18/05/16 09:37


O avião prestava-se a bombardeios ocasionais e, Após o armistício de novembro de 1918, inicia-
sobretudo, ao reconhecimento do terreno em que se ram-se os entendimentos para a elaboração de acordos
desenvolveriam as lutas por terra. Os veículos blindados de paz. O principal deles foi o Tratado de Versalhes,
permitiam ultrapassar áreas que estivessem sob coman- imposto à Alemanha e assinado em junho de 1919. Ele
do inimigo e romper trincheiras e barreiras militares. determinava que os alemães devolvessem a Alsácia e a
Os submarinos alemães conseguiam disparar torpedos Lorena à França (esses territórios haviam passado para
a quase cinco quilômetros do alvo e, assim, destruir as o domínio alemão no final da Guerra Franco-Prussia-
embarcações militares e civis britânicas, enfraquecendo na) e entregassem uma faixa de terra à Polônia, permi-
o comércio da potência rival. tindo seu acesso ao porto alemão de Dantzig. O Tratado
O fascínio que a tecnologia assumira no decorrer ainda abolia o recrutamento militar obrigatório e limi-
dos séculos anteriores ganhou nova feição. As máqui- tava as tropas alemãs, eliminando a artilharia privada e
nas agora não se prestavam apenas ao conforto e à pro- os veículos blindados e aviões; exigia a desmilitarização
dução: serviam também para matar. O poeta italiano da Renânia, principal região industrial alemã; retirava
Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), que, em 1909, as colônias e possessões alemãs na África e na Oceania;
lançara o Manifesto futurista, admirava os novos inven- impunha uma grande indenização a ser paga aos países
tos e escrevia poemas de exaltação às metralhadoras e à cujos territórios haviam sido invadidos pelas forças ale-
incrível velocidade da guerra. mãs durante a guerra.
Nem todos, porém, viam com bons olhos os rumos Era a paz dos vencedores, que atribuía à Alema-
que o desenvolvimento técnico assumia. O cineasta nha toda a culpa pelo conflito. Os alemães indignaram-
estadunidense D. W. Griffith (1875-1948) viajou até o -se diante dos termos do acordo, mas o governo republi-
front francês para filmar a guerra e decepcionou-se ao cano não podia recusar assiná-lo: a desmobilização de
perceber que a rigidez das trincheiras e a letalidade dos suas tropas e a profunda crise social e econômica impe-
armamentos impediam o deslocamento das cavalarias diam qualquer ação armada. O acordo de paz gerou,
e as ações heroicas que haviam marcado as guerras do dessa forma, uma profunda insatisfação popular num
século XIX. Muitos que antes enxergavam na tecnologia país arrasado, que começava a se democratizar após o
a libertação dos homens agora percebiam sua capacida- fim do longo período monárquico. Poucos anos depois,
de destrutiva. O século XX mal começava e já corroía os alguns grupos políticos aproveitaram-se da sensação de
sonhos do século XIX. humilhação que o povo alemão sentira diante do Trata-
do de Versalhes para defender a ideia de que a Alema-
nha deveria se reestruturar militarmente e vingar-se –
A paZ um desses grupos foi o Partido Nazista.
No início de 1918, quando o fim da guerra ainda pare-
cia distante, o presidente estadunidense Woodrow Wil- O fim dos impérios
son apresentou, num discurso, os quatorze pontos que O encerramento da guerra provocou uma ampla reor-
ele julgava necessários para a obtenção de uma paz “sem ganização territorial e política no centro e no Leste da
vencidos, nem vencedores”. Entre outros fatores, Wilson Europa. Essas regiões reuniam populações de origem,
defendia o direito de autodeterminação dos povos, a ine- língua, cultura e religião diversas, com distintos pro-
xistência de qualquer tipo de dominação estrangeira, a jetos nacionais. O Império Áustro-Húngaro foi des-
liberdade de navegação, a redução drástica dos arsenais membrado e Áustria e Hungria surgiram como países
militares ao mínimo necessário para a autodefesa e a for- independentes. Tchecos e eslovacos, antes submeti-
mação de uma associação de nações, para assegurar a dos ao Império Austríaco, uniram-se sob a bandeira
proteção recíproca e evitar novos conflitos armados. da Tchecoslováquia, que também incorporou a região
Embora a proposta tenha sido bem acolhida pelos da Boêmia (antes pertencente à Alemanha).
líderes políticos da Entente, poucos deles acreditavam O Império Turco-Otomano foi dividido. Grande
que fosse viável. O último ano da guerra e a derrota número de turcos que habitavam a Macedônia foram
cabal da Alemanha fragilizaram a posição mediadora de transferidos para a Turquia. Os armênios que viviam
Wilson e facilitaram a construção de uma paz em que a na Turquia não alcançaram sua desejada autonomia e
vitória da Entente fosse celebrada e a Aliança – especial- continuaram sujeitos a condições precárias, persegui-
mente a Alemanha – fosse duramente punida. ções e ataques.

28 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 28 18/05/16 09:37


Faça
Tá ligado?! em se
cadernu
o

(Fuvest-SP) Os Tratados de Paz assinados ao fim da dicionamentos aos novos Estados do Leste europeu
Primeira Guerra Mundial "aglutinaram vários povos através dos Tratados das Minorias, o que criou con-
num só Estado, outorgaram a alguns o status de 'povos dições de conflitos entre diferentes povos reunidos
estatais' e lhes confiaram o governo, supuseram silencio- em um mesmo Estado.
samente que os outros povos nacionalmente compactos b) o surgimento de novos Estados-nações se fez res-
(como os eslovacos na Tchecoslováquia ou os croatas e peitando as tradições e instituições dos povos antes
eslovenos na Iugoslávia) chegassem a ser parceiros no reunidos nos impérios que desapareceram com a
governo, o que naturalmente não aconteceu e, com igual Primeira Guerra Mundial.
arbitrariedade, criaram com os povos que sobraram um c) os Tratados de Paz e os Tratados das Minorias resta-
terceiro grupo de nacionalidades chamadas minorias, beleceram, no mundo contemporâneo, o sistema de
acrescentando assim aos muitos encargos dos novos dominação característico da Idade Média.
Estados o problema de observar regulamentos especiais,
d) apesar dos Tratados de Paz estabelecidos depois da
impostos de fora, para uma parte de sua população. Primeira Guerra terem tido algumas características
[...] Os Estados recém-criados, por sua vez, que haviam arbitrárias em relação aos novos Estados-nações do
recebido a independência com a promessa de plena Leste europeu, o desenvolvimento histórico destas
soberania nacional, acatada em igualdade de condições regiões demonstra que foi possível uma convivência
com as nações ocidentais, olhavam os Tratados das harmoniosa e gradativamente ocorreu a integração
Minorias como óbvia quebra de promessa e como prova entre as minorias e as maiorias nacionais.
de discriminação."
e) os Tratados de Paz depois da Primeira Guerra conse-
ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. guiram satisfazer os vários povos do Leste europeu. O
São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
que perturbou a convivência harmoniosa foi o movi-
A alternativa mais condizente com o texto é: mento de refugiados das revoluções comunistas.
a) após a Primeira Guerra, os Tratados de Paz estabe- → DL/SP/H7/H8/H9
lecidos solaparam a soberania e estabeleceram con- → conforme tabelas das páginas 8 e 9.

POS PRIMEIRA GUERRA_CAP1_P27.eps


O projeto da Grande Sérvia, estopim da

MÁRIO YOSHIDA
A EUROPA PÓS-PRIMEIRA GUERRA
Primeira Guerra, não se cumpriu, mas Sér-
via, Croácia e Eslovênia associaram-se num só Novos países
Renânia desmilitarizada
reino, que posteriormente recebeu o nome de Alsácia-Lorena (ganho francês)

Iugoslávia. Estado do Sarre


Sul do Tirol e Áustria (ganhos italianos)
Uma nova Europa emergiu da Guerra, com
FINLÂNDIA
clara hegemonia de França e Grã-Bretanha,
NORUEGA
ligadas política e militarmente aos Estados Uni- SUÉCIA

dos e à frente da Liga das Nações, organização ESTÔNIA

Mar do RÚSSIA
internacional oficialmente destinada à preser- IRLANDA
Norte
LETÔNIA
DINAMARCA LITUÂNIA
vação da paz. OCEANO REINO
UNIDO PRÚSSIA
ATLÂNTICO HOLANDA ORIENTAL

A guerra e a sociedade europeia BÉLGICA


ALEMANHA
POLÔNIA
LUXEMBURGO
O saldo da Primeira Guerra Mundial foi TCHE
COSL
OVÁ
QUI
A
sinistro: cerca de dez milhões de mortos, mais FRANÇA SUIÇA
ÁUSTRIA
HUNGRIA
de 40 milhões de inválidos. Para a geração ROMÊNIA
Mar
que acompanhou o conflito, a palavra "paz"
L

IUGOSLÁVIA
GA

ITÁLIA Negro
ESPANHA
TU

BULGÁRIA
era usada como sinônimo de "antes de 1914".
POR

ALBÂNIA
Os tratados do final da guerra proporcionaram
Mar Mediterrâne GRÉCIA TURQUIA
uma paz bastante precária, dado o desequilí- ESCALA o
0 405 810 km
brio interno do continente, a insatisfação alemã ÁFRICA

e a instabilidade das novas fronteiras no Leste. Fonte: Elaborado com base em VIDAL-NAQUET, P.; BERTIN, J. Atlas histórico. Lisboa: Círculo
de Leitores, 1990.

Não tem como legendar o corredor, no pdf o local


acho que está errado. A Primeira Guerra Mundial 29

OH_V3_Book.indb 29 18/05/16 09:37


Para Freud, a civilização requereria o domínio dos ins- lideranças políticas agressivas e defensoras de mais luta e
tintos agressivos dos seres humanos. Por meio da famí- mais sangue – Adolf Hitler, que havia nascido na Áustria
lia, do sacerdote, do professor e da polícia as regras e res- e servido nas tropas alemãs durante a Primeira Guerra, é
trições à nossa natureza animal seriam impostas. No o melhor exemplo.
entanto, todos os esforços no sentido de dominar esses O médico Sigmund Freud (1856-1939), também aus-
instintos agressivos não haviam tido muito êxito. tríaco, assistiu à desilusão e ao crescimento do ódio no
Também ruíra a crença nas maravilhas da tecnolo- pós-guerra e, em 1930, diagnosticou o principal proble-
gia e em seu caráter redentor e libertador. Não se conhe- ma enfrentado pelo Ocidente: um "mal-estar na civiliza-
ciam ainda as grandes armas de destruição de massa – ção". Para ele, havia uma inevitável tensão entre as pul-
como as bombas atômicas, utilizadas apenas na década de sões humanas e as restrições impostas pela civilização.
1940, durante a Segunda Guerra Mundial –, mas a amos- A cultura (termo que Freud identificava ao de "civiliza-
tra da Primeira Guerra já havia extirpado o sonho de que ção") exigia o respeito cada vez mais estrito às regras
as invenções tecnológicas implicassem melhoria da con- sociais, reprimindo os instintos irracionais e agressi-
dição humana. vos, e transformando-os parcialmente em sentimen-
Outra ilusão do século XIX – a de que a Europa repre- to de culpa. Em muitos casos – a Primeira Guerra havia
sentava a luz da civilização e a garantia do futuro promis- mostrado bem – a agressividade natural não era contida
sor, contra as trevas da barbárie – mostrara-se igualmen- pelas convenções culturais e se expressava intensamen-
te falsa. Nenhum grupo do passado ou de outra parte do te, provocando destruição. Passada a guerra, era neces-
mundo havia agido de maneira tão selvagem quanto as tro- sário reafirmar os valores da civilização para impedir
pas que cortaram o continente europeu entre 1914 e 1918. que a irracionalidade prevalecesse.
Os tempos do pós-guerra tampouco pareciam promis- Mesmo que o diagnóstico de Freud fosse correto,
sores ou permitiam qualquer visão otimista do futuro: a seu alerta não foi ouvido. A Europa de 1930 já convivia
crise financeira afetava boa parte do Ocidente e a ira dos com um Partido Nazista cada vez mais forte, com os fas-
que se julgavam humilhados fermentava na Alemanha e cistas italianos no poder e estava a menos de dez anos
em outros países derrotados, insuflando o nascimento de de uma nova guerra total, e ainda mais violenta.

BIBLIOTECA NACIONAL, PARIS, FRANÇA


ALINARI ARCHIVES/GETTY IMAGES

Símbolos da modernidade
A Estátua da Liberdade foi um presente do
governo francês por ocasião do centenário da
independência dos Estados Unidos, em 1876.
Liberdade foi uma das palavras mais repetidas
desde o século XVIII. A Torre Eiffel, inaugura-
da na Exposição Universal de 1889 em Paris no
centenário da Revolução Francesa, é um monu-
mento à sociedade industrial. As duas imagens
Estátua da Liberdade, anônimo. Torre Eiffel, Exposição
são símbolos da chamada "civilização ociden- Universal. Paris, França, 1889.
Nova York, Estados Unidos, 1900.
tal", que produziu a Primeira Guerra Mundial.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Identifique os principais focos de tensão e conflito tos sociais internos por que a Alemanha passava".
que contribuíram para o início da Primeira Guerra → DL/CF/SP/CA/H6/HH8/H10/H13/H15
Mundial. → DL/CF/SP/CA/H7/H8/H9/H15 4 Compare a visão da tecnologia hegemônica antes da
2 Caracterize as dificuldades da guerra de trincheiras Primeira Guerra com a visão predominante depois
a partir dos relatos de pessoas que dela participa- dela. → DL/CF/SP/H16/H17/H19
ram. → DL/CF/SP/CA/H1/H2/H11/H14 5 Explique a noção freudiana de "mal-estar na civili-
3 Justifique a afirmação: "O fim da Primeira Guerra zação". → DL/CF/SP/H1/H23
ocorreu devido às dificuldades militares e aos confli-

30 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 30 18/05/16 09:37


Um Outro Olhar Literatura
A experiência do horror
O escritor Ricardo Piglia anotou, em seus diários de 1960, riam que a guerra terminasse, me disse, mas ninguém sabia
conversas com o avô que havia lutado nas tropas italia- como fazer para colocar um fim nela. O demoníaco, me disse,
nas durante a Primeira Guerra e, anos depois, vivendo na é que todos começamos a compreender que as armas que
Argentina, mantinha lembranças e conservava documen- usávamos eram tão mortíferas que nenhum de nós estava
tos relacionados ao conflito. preparado para suportá-las. E as armas, por si sós, não iam
deter a matança. Cavávamos trincheiras que se inundavam e
"Passei uns dias em Adrogué com o avô Emilio.
depois cavávamos uma segunda fileira de trincheiras e uma
Pegamos um carro e fomos ao Parque Pereyra Iraola para
terceira fileira. Mas era inútil porque, de tempos em tempos,
tomar um pouco de ar. O avô está sempre de bom humor e
tínhamos que sair em campo aberto. Fez uma pausa: para
faz brincadeiras sobre si mesmo e sobre o resto do gênero
morrer, disse."
humano. A experiência da guerra, tão distante, persiste nele
como um sonho sonhado na noite anterior. Igualmente con- PIGLIA, R. Los diários de Emilio Renzi: años de formación.
Barcelona: Anagrama, 2015. p. 77-78, 79, 80.
fuso, igualmente sem sentido, ele tenta, de alguma forma, (traduzido pelos autores)
construir uma versão coerente. O vivido divide-se, para ele,
em duas etapas: o ano que passou na frente, onde foi feri- Ricardo Piglia(1940-), escritor, ensaísta e diretor de
do e onde viu de perto o horror, e o tempo em que esteve cinema, é um dos mais renomados intelectuais argentinos da
lotado no escritório dos correios do Segundo Exército. Foi atualidade, com uma obra extremamente diversificada.
aí que teve consciência do que acontecia. Era encarrega-

WHITE IMAGES/SCALA/GLOW IMAGES


do das cartas que deviam ser enviadas aos familiares dos
soldados mortos, e também da organização dos papeis e
dos objetos pessoais que eram encontrados na mochila das
vítimas, mortas em combate. Minha opinião é que foi esta
segunda experiência que lhe deu uma visão total sobre a
guerra e seu inusitado e cruel desenvolvimento."
"[...] O que ele chama de 'o arquivo' é uma coleção desor-
denada de pastas e caixas com materiais diversos, relacio-
nados à campanha italiana na Primeira Guerra. Quando lhe
pergunto como os conseguiu, me responde: 'Todos estavam
preocupados demais com o trabalho de sobreviver nas trin-
cheiras para que se preocupassem com os documentos e os
papeis que eu subtraía para que não se perdessem.'"
"Longa conversa com o avô sobre o tema mais recorren-
te nas cartas dos soldados mortos. 'Todos anunciavam o fim
próximo da guerra', me disse, e começou uma espécie de lita-
nia, estaremos juntos no Natal, esperem-me para a próxima Alegoria da guerra, Giuseppe Scalarini. Cartaz
colheita, a guerra não ultrapassará o fim do verão. Todos que- antimilitarista italiano, 1914.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Releia os fragmentos de cartas e diários de partici- 3 Explique a afirmação: "A experiência da guerra, tão dis-
pantes da Primeira Guerra, citados no capítulo, e os tante, persiste nele como um sonho sonhado na noite
relacione ao texto acima. anterior. Igualmente confuso, igualmente sem sentido, ele
→ DL/CF/SP/CA/H1/H2/H4/H11/H14 tenta, de alguma forma, construir uma versão coerente."
2 Por que o narrador acredita que o avô só "teve cons- → DL/CF/SP/CA/H1/H2/H3
ciência do que acontecia" quando passou a atuar no 4 Como o avô do narrador analisa a relação dos solda-
escritório dos correios? dos com as armas que eles manejavam?
→ DL/CF/SP/H1/H2/H21 → DL/CF/SP/CA/H16/H17/H28

A Primeira Guerra Mundial 31

OH_V3_Book.indb 31 18/05/16 09:37


2 A revolução socialista
na Rússia

K
arl Marx e Friedrich Engels publicaram o Manifesto Comunista
em 1848. Logo na abertura do texto, afirmavam: "Um espectro
ronda a Europa – o espectro do comunismo". No entanto, nenhum
dos autores supunha que a revolução proletária pudesse ocorrer num
país agrário e pouco industrializado. Ou seja, o espectro rondava a
Europa, mas esperava-se que sua transformação em experiência histó-
rica deveria acontecer, primeiramente, em países industrializados, com
movimento operário organizado e capaz de conceber conscientemente
suas ações políticas e armadas.
A Rússia do princípio do século XX era o oposto disso. Vivia sob um
regime monárquico rigidamente centralizado, em que o czar governava
com poderes plenos e mantinha grande proximidade com autoridades
religiosas. 80% da população eram camponeses, pouco organizados e
vivendo em condições precárias.
Foi exatamente na Rússia, porém, que, pela primeira vez, ocorreu
uma revolução proletária vitoriosa e se implantou um regime comu-
nista. Num texto publicado em 1902, o líder socialista Vladimir Ilitch
Limpando a Terra Ulianov (Lênin) buscou conciliar o pensamento de Marx e Engels com a
A imagem russa de 1920 mostra Lênin circunstância histórica vivida pela Rússia. Já no título, ele perguntava:
varrendo reis, religiosos e capitalistas, e
"Que fazer?" para tornar possível a revolução proletária no país. E res-
simboliza o trabalho político e militar da
revolução. pondia: a revolução deveria ser liderada por uma vanguarda revolucio-
nária, que orientasse e conduzisse os trabalhadores, mostrando o rumo
MUSEU ESTATAL, SÃO PETERSBURGO, RÚSSIA

para o fim do czarismo e para a construção de um regime comunista.


O conceito de vanguarda era originário do vocabulário militar
francês e indicava aqueles que iriam à frente das tropas (avant-gar-
de), abrindo caminhos. Já no século XIX, o termo havia migrado para o
mundo da política, como uma referência a quem orientava os demais
na busca de alternativas e soluções. Lênin utilizava os dois sentidos
do termo: a vanguarda revolucionária deveria agir como guia político e
como liderança armada.

A Revolução de 1905
Desde meados do século XIX, a Rússia assistiu a diversos episódios
de rebelião e a ações armadas contra o regime monárquico dos czares.
Diversos grupos atuaram nos campos do país. Um deles, chamado "Terra
e Liberdade", defendia a revolução camponesa como forma de libertar os
trabalhadores do controle aristocrático.
Outro grupo, conhecido como "Vontade do Povo", recorreu a ações
terroristas individuais e assassinou, em 1881, o czar Alexandre II,
Camarada Lênin limpa o lixo da Terra,
Viktor N. Deni. Litografia colorida, tendo sido posteriormente dizimado pela violenta repressão política do
1920. Estado russo. O jornalista e pensador russo Alexandre Herzen (1812-
1870) identificava, em artigos publicados no jornal Kolokol, a comuni-

32 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 32 18/05/16 09:37


dade rural como unidade básica de produção socialista
e previa que a revolução socialista russa se iniciaria no A Duma e a guerra
campo. Nicolau Tchernitchevski (1828-1889) foi ainda Face ao agravamento da crise econômica, os setores libe-
mais longe e defendeu a expropriação das proprieda- rais burgueses também se mobilizaram contra a guerra
des rurais particulares e sua transformação em pro- e organizaram-se no Partido Constitucional Democra-
priedade do Estado, que as distribuiria às comunida- ta. A derrota militar e a assinatura da paz com o Japão,
des rurais para que elas organizassem autonomamente em setembro de 1905, desmoralizou ainda mais o regi-
a produção. me do czar Nicolau II, que, diante das pressões, convo-
Gradualmente crescia a disposição revolucioná- cou a Duma (parlamento), sugerindo, com tal medida,
ria e, embora ainda lhe faltasse articulação e organi- que aceitava maior participação política da sociedade.
zação política mais amplas e eficazes, ampliavam-se A estratégia do czar visava também atenuar a mobili-
a percepção de que o regime czarista aproximava-se zação revolucionária interna e demonstrar a empresá-
do fim. Lênin discordava de muitas ideias dos popu- rios estrangeiros que ele mantinha o controle político e
listas, a quem considerava utópicos, mas endossava o militar do país. No final do ano, investidores franceses
princípio da revolução camponesa socialista e o defen- ampliaram o ingresso de capitais e suas atividades na
deu durante um congresso do Partido Social-Democra- Rússia, acelerando a recuperação econômica e garantin-
ta russo, em 1903. do o apoio externo que o czar buscava para restabelecer
seu controle absoluto. A repressão política intensificou-
Bolcheviques e mencheviques se, a Duma foi esvaziada, tornando-se órgão meramente
A maioria dos participantes do evento o apoiou e consultivo e submetido ao czar, os sovietes foram supri-
seus partidários receberam, desde então, o nome de midos e a censura foi instaurada.
bolcheviques ("maioria", em russo). Os demais mem- Mesmo sob repressão, as mobilizações populares
bros do partido (chamados de mencheviques – "mino- persistiram até o início da Primeira Guerra Mundial, em
ria", em russo) acreditavam que era inviável realizar a 1914. A maior parte da população apoiou a iniciativa béli-
revolução proletária sem antes aprofundar o desenvol- ca, mas o arcaísmo das forças armadas russas, que já fica-
vimento capitalista no país, daí defenderem a necessida- ra demonstrado durante a guerra contra o Japão, impediu
de de uma revolução democrático-burguesa como está- que o país conseguisse vitórias significativas nas bata-
gio intermediário antes da implantação do socialismo. lhas contra as bem equipadas e modernas tropas alemãs.
Esses debates teóricos ocorriam em meio a uma Até o início de 1917, mais de um milhão e meio de solda-
crise política e econômica profunda, agravada pela guer- dos russos haviam morrido na guerra, outro tanto deserta-
ra russa com o Japão, entre 1904 e 1905, pelo controle ra e muitos batalhões sofriam com a escassez de alimen-
da Coreia e da Manchúria. O conflito externo exauria as tos. O país enfrentava uma situação interna caótica, com
finanças, dificultava o acesso a produtos básicos e colo- crise de desabastecimento, colapso nos transportes e nas
cava soldados e marinheiros em condição de extremo comunicações e reduzida capacidade industrial, sobretu-
risco, dada a patente superioridade militar japonesa. do no setor siderúrgico, base da produção de armamentos.
Dentro da Rússia, explodiram revoltas que contes- Cada vez mais clamava-se pelo fim do conflito.
tavam a guerra e a liderança do monarca. No início de
1905, uma marcha pacifista foi atacada pelas forças do Os mencheviques no poder
czar, que dispararam tiros contra a multidão, matando As revoltas voltaram a se intensificar e o czarismo, mais
centenas de pessoas. O massacre provocou nova onda uma vez, surgia como o grande responsável pela penú-
de greves e a criação, em São Petersburgo, do primeiro ria enfrentada pela maior parte da população. No dia 23
soviete – associação de operários, com a finalidade de de fevereiro de 1917 (pelo calendário juliano, utilizado
promover auxílio mútuo aos membros durante o perío- na Rússia da época), estourou a chamada Revolução de
do de paralisação. Fevereiro: um conjunto de protestos, greves e subleva-
Militares de baixa patente aderiram aos protes- ções, que acabou por derrubar o czar. A Duma assumiu
tos e, na metade do ano, os marinheiros do encouraça- o comando do país, encerrando o regime monárquico
do Potemkin se sublevaram contra as condições de vida e o poder da família Romanov, que governava a Rússia
e trabalho nas embarcações: alimentação estragada e desde o início do século XVII. Instalou-se um governo
insuficiente, jornadas extenuantes de trabalho, castigos provisório, liderado, nos primeiros três meses, pelo prín-
físicos, autoritarismo dos comandantes. Os marinheiros cipe Lvov (1861-1925) e, depois, pelo menchevique Ale-
foram reprimidos com violência. xandre Kerenski (1881-1970).

A revolução socialista na Rússia 33

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O objetivo dos mencheviques era a aceleração do ram a liderança da revolução que, nos primeiros dias de
desenvolvimento capitalista no país. Para tanto, propu- novembro (final de outubro, pelo calendário juliano) der-
nham reformas que permitissem a modernização econô- rubou o governo e assumiu o comando da Rússia.
mica e industrial e atraíssem mais investimentos estran-
"O Governo Provisório foi deposto; a maioria de
geiros. Justamente para aprofundar as relações com as seus membros está presa. O poder soviético proporá
potências capitalistas, os novos governantes não aten- uma paz democrática imediata a todas as nações. Ele
deram ao pedido popular e mantiveram as tropas russas procederá à entrega aos comitês camponeses dos bens
na guerra. Um documento oficial, datado de 6 de março, dos grandes proprietários, da Coroa e da Igreja [...].
afirmava: Ele estabelecerá o controle operário sobre a produção,
"O governo [...] De sua parte, fará tudo para prover garantirá a convocação da Assembleia Constituinte
o exército do necessário para levar a guerra até a vitória para a data marcada [...], garantirá a todas as naciona-
final. O governo considerará como sagradas as alianças lidades que vivem na Rússia o direito absoluto de dispo-
que nos ligam às outras potências e respeitará fielmente rem de si mesmas.
os acordos concluídos com nossos aliados." O Congresso decide que o exercício de todo o
poder nas províncias é transferido para os sovietes
Apud, FERRO, M. A revolução russa de 1917.
São Paulo: Perspectiva, 1974. p. 108-110. dos deputados, operários, camponeses e soldados,
que terão de assegurar uma disciplina revolucionária
Ao mesmo tempo, uma nova constituição começou perfeita. O Congresso dos sovietes está persuadido de
a ser elaborada, mas o controle territorial e político pelo que o exército revolucionário saberá defender a Revo-
governo provisório era insuficiente para impedir o sur- lução contra os ataques imperialistas."
gimento de novas revoltas e de organizações paralelas FERRO, M. op cit. p. 126.
de poder, como os sovietes, que proliferavam pelo país.
O novo governo trocou o calendário juliano pelo gre-
goriano. O Estado e a Igreja foram separados, assegurando
A Revolução Bolchevique a laicidade da esfera pública. Com a assinatura, em maio
de 1918, do Tratado de Brest-Litovsk, a Rússia retirou as
Em abril de 1917, Lênin conclamou a luta contra o governo
tropas que lutavam na Primeira Guerra Mundial. Os con-
provisório: "Todo o poder aos sovietes". Para o líder bolche-
flitos internos, entretanto, prosseguiam. Os setores polí-
vique, as tarefas básicas eram: assegurar a distribuição de
ticos e sociais que rejeitavam a revolução socialista dos
pão para a população faminta, retirar-se da guerra, nacio-
bolcheviques organizaram-se militarmente no Exército
nalizar os bancos e realizar ampla reforma agrária.
Branco para lutar contra o novo regime – que se defendia
Com o controle da maioria dos sovietes e um partido
com o Exército Vermelho, liderado por León Trótski.
com quase 600 mil membros, os bolcheviques assumi-

CORBIS/LATINSTOCK
História E Literatura>> C
 ome
ananás
"Come ananás, mastiga perdiz.
Teu dia está prestes, burguês.
(Iech ananáci, riabtchicov jui,
Dienh tvoi posliédnii prihódit, burjui.)
'Come Ananás…' é um exemplo
de poesia de luta. Jornais dos dias da
Revolução de Outubro noticiaram que os
marinheiros revoltados investiam con-
tra o Palácio de Inverno cantando esses
versos. É fácil compreender sua popula-
ridade: o dístico incisivo, de ritmo tão
martelado, à feição de provérbios rus-
sos, fixava-se naturalmente na memória
e convidava ao grito, ao canto." Homens e mulheres acompanhando soldados que aderiram à causa
SCHNAIDERMAN, B. et al. Maiakóvski – Poemas. bolchevique durante a revolução. Moscou, c. 1917.
5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. p. 19.

34 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 34 18/05/16 09:37


Em 1922, as diversas regiões do antigo império cza-
A União Soviética rista passaram a ser denominadas União das Repúblicas
A guerra civil, entre brancos e vermelhos, prolongou-se Socialistas Soviéticas (URSS). A liderança política fica-
por quatro anos e terminou com a vitória bolchevique. va a cargo do Partido Bolchevique, transformado em Par-
Além dos russos brancos, os bolcheviques eliminaram tido Comunista Russo. Os delegados partidários eram elei-
resistências anarquistas: o Exército Vermelho massacrou, tos regionalmente para compor congressos que, por sua
por exemplo, o Exército Negro de Nestor Makhno (1888- vez, definiam o Comitê Central, responsável pelo coman-
-1934), que derrotara os russos brancos na Ucrânia e recu- do da política e dos assuntos governamentais. O Politbu-
sava submeter-se ao controle do Partido Comunista. ro – núcleo principal do Comitê – gradualmente assumiu
Durante o conflito, Lênin implantou o chamado maiores funções, isolando-se no poder e compondo uma
comunismo de guerra, que consistia na completa cen- ampla estrutura burocrático-administrativa.
tralização da produção, que era confiscada pelo Esta-
do e distribuída entre a população. Com o fim do confli- Divergências e disputas
to interno, novas medidas econômicas e políticas foram Os poucos anarquistas que sobreviveram aos massacres
tomadas, com o propósito de reestruturar a abalada eco- czaristas, à guerra civil e à repressão bolchevique tam-
nomia e implantar o socialismo. O Estado assumiu gra- bém temiam os rumos centralizados do novo regime. Em
dualmente o controle da produção e tornou-se o único 1920, Piotr Kropotkin (1842-1921) escreveu duas cartas
empregador. Ocorreram expropriações e distribuições a Lênin, alertando para o risco do fortalecimento excessi-
de propriedades rurais e urbanas, limitou-se a posse de vo do partido e do autoritarismo crescente no país.
bens pessoais ao essencial, a indústria foi nacionalizada. "Mesmo que a ditadura do partido fosse a tática
Ainda em 1921, Lênin implantou a Nova Política adequada para assestar um golpe no sistema capitalis-
Econômica (NEP), que durou sete anos. O governo man- ta [...], de qualquer modo é danosa para a criação de
tinha o comando financeiro e o gerenciamento geral da um novo sistema socialista. O que é necessário são ins-
economia, mas autorizava o restabelecimento parcial da tituições locais, forças locais; mas elas não existem. Em
propriedade privada, para acelerar a produção e propor- vez disto, onde quer que se olhe, só se veem pessoas que
cionar um crescimento econômico mais rápido. não sabem nada da vida real e que cometem os maiores
erros, que depois são pagos com milhares de vidas e a
destruição de distritos inteiros. [...]
O partido como vanguarda [...] sem uma organização a partir de baixo dos
O Partido Bolchevique desempenhou o papel de van- camponeses e operários, por si mesmos, é impossível
guarda revolucionária, que, segundo Lênin deveria construir uma nova vida."
guiar a sociedade até o socialismo. Depois da conquis-
Piotr Kropotkin. In: TRAGTENBERG, Maurício. (Org.). Textos
ta do Estado, o partido passou a ser controlado por um escolhidos. Porto Alegre: L&PM, 1987. p. 177-181.
grupo restrito de políticos. Os que não se adequavam
às diretrizes desse grupo ou não respeitavam a estrei- Algumas críticas chegavam também do exterior.
ta disciplina e hierarquia interna eram expurgados. Os Rosa Luxemburgo, que lutava pela revolução socialista
expurgos começaram logo depois da revolução e, em na Alemanha e participara ativamente das mobilizações
muitos casos, representaram prisão, exílio, internação de 1918 pelo fim da guerra, reclamou da falta de apoio
em campos de trabalhos forçados ou a morte.
bolchevique à revolução em outras partes da Europa:
SCALA/GLOW IMAGES/ARQUIVO DO ESTADO RUSSO

"Desde 1905, a Polônia e os países bálticos eram


os focos mais poderosos e seguros da revolução, e o
proletariado socialista teve nela um papel exemplar.
Por que é que, em todos estes países, a contrar-
revolução triunfou repentinamente? Desligado da
Rússia, o proletariado foi paralisado pelo movimen-
to nacionalista e entregue à burguesia nacional dos
países limítrofes. Contrariamente ao espírito de uma
autêntica política internacional de classe, que aliás
eles defendiam, os bolcheviques não se esforçaram por
unir as forças revolucionárias em todo o território do
Terceiro Congresso dos Sovietes. Palácio Tauride, império num bloco compacto [...]"
Petrogrado, janeiro de 1918.
LUXEMBURGO, Rosa. A revolução russa. Lisboa: Ulmeiro, 1975. p. 5-6.

A revolução socialista na Rússia 35

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A morte de Lênin, em 1924, abriu uma disputa pelo
poder político na União Soviética e acentuou o isolamento A propaganda stalinista
soviético. De um lado, Josef Stálin (1878-1953), que cons- O stalinismo recorreu regularmente à propaganda para
truiu sua liderança e força basicamente dentro da máqui- celebrar o trabalho e o valor do socialismo. Ela também
na partidária; de outro, León Trótski (1878-1953), líder era empregada na glorificação do líder, apresentando-
-o como homem de grandes qualidades, pai e guia dos
do Exército Vermelho e principal comandante militar da soviéticos na busca de um futuro promissor. Ele gosta-
revolução. Eles divergiam, sobretudo, quanto ao caráter va de ser tomado como exemplo de pessoa ativa, enér-
que a revolução socialista deveria assumir. Stálin defen- gica, rigorosa, discreta na vestimenta e alheio a luxos.
dia o "socialismo num só país" e que a União Soviética As imagens divulgadas sempre o mostravam com sem-
se fechasse para se fortalecer, investindo prioritariamen- blante sereno, vigilante, olhando para a frente. O artis-
ta Gustav Klutsis desenvolveu a técnica da fotomonta-
te na industrialização e na constituição de um forte apara- gem e o regime a adotou rapidamente. Por meio do pro-
to militar. Trótski afirmava que a melhor forma de defen- cedimento de “cortar e colar”, a figura do líder aparecia
der a revolução era expandi-la para outros povos e países: associada ao avanço industrial, às conquistas esporti-
a “revolução permanente”. O grupo de Stálin prevaleceu vas e bélicas, a lemas, cores e símbolos oficiais. A foto-
montagem ajudou, ainda, a alterar imagens históricas.
e Tróstski, perseguido pelo opositor, foi forçado a se exilar. Em fotos da época da revolução, por exemplo, as figuras
de antigos líderes expurgados eram apagadas ou troca-
Os planos quinquenais das por imagens de outras pessoas.
A partir de 1928, Stálin eliminou a NEP e implantou o pri-
Stálin, Gustav Klutsis. Cartaz/fotomontagem, 1932.
meiro de uma série de planos quinquenais – planificação
que estabelecia metas e prioridades da produção agrícola

CULTURE-IMAGES/OTHER IMAGES
e industrial para um período de cinco anos, com o objetivo
de potencializar o crescimento econômico.
O primeiro período, até 1932, pretendia criar os fun-
damentos da economia socialista, com a coletivização
da agricultura e o estímulo à indústria pesada, à produ-
ção de energia e de armamentos, à eletrificação e ao setor
de transportes, sobretudo ferroviário. A baixa produção
de bens de consumo provocou forte desabastecimento
no comércio, inclusive de itens de vestuário e uso cotidia-
no. A maioria das pessoas dispunha de apenas um par de
sapatos e as roupas de todos se assemelhavam. Nos cam-
pos, o impacto do plano quinquenal foi maior. A coletivi-
zação da produção implicava a junção de terras, rebanhos
e instrumentos de trabalho. A adaptação dos trabalhado-
res foi difícil: muitos preferiam abater seus animais a cedê-
-los às cooperativas de camponeses (kolkhozes) ou às
propriedades rurais do Estado (sovkhozes) e rejeitavam
as novas técnicas e máquinas introduzidas na produção.
O regime, por meio do Partido, combateu a resistência dos
O papel do Estado e o trabalho
camponeses, matando ou deslocando milhões de pessoas O regime soviético implantou uma rigorosa ética do tra-
para campos de trabalhos forçados e áreas industriais. balho. Todos deviam dedicar-se à produção, e o bom
O segundo plano quinquenal (1933-1937) completou desempenho no trabalho era identificado à adesão ao
o processo de coletivização da agricultura e ampliou ainda novo modelo de sociedade. Inúmeras campanhas ofi-
mais os investimentos na indústria, que intensificou a ciais enfatizavam a justiça social representada pelo
produção de metais e armas e passou a voltar-se também socialismo e exigiam compromissos e sacrifícios dos tra-
aos bens de consumo. Quando o país entrou na Segunda balhadores na construção da nova ordem. A baixa pro-
Guerra Mundial, em 1941, o terceiro plano estava em exe- dutividade de uma indústria ou setor e as discordâncias
cução e os resultados dos dois primeiros eram notáveis: a em relação às ordens vindas do Partido eram encaradas
produção de aço crescera quase cinco vezes, a extração de como traição nacional. Diversos gerentes e administra-
carvão triplicara e a União Soviética havia se tornado uma dores foram levados a julgamento, acusados de sabota-
potência industrial e militar. rem a produção, pois as fábricas em que trabalhavam
não haviam alcançado as metas estipuladas.

36 Capítulo 1  Guerra e revolução

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lho ou da família, o avanço do socialismo e as imagens dos
Tá na rede! líderes políticos. As artes visuais privilegiavam um figura-
tivismo em que braços, mãos e pés de trabalhadores eram
REALISMO SOCIALISTA
engrandecidos, para destacar sua atividade profissional.
Digite o endereço abaixo na O emprego de cores era limitado (basicamente vermelho,
barra do navegador de internet: preto e branco) e se assemelhavam às utilizadas nos car-
http://goo.gl/pMBkyQ. Você pode
tazes oficiais.
também tirar uma foto com um Atenção para a sé-
aplicativo de QrCode para saber rie de pinturas re-
tratando Lênin e
O assassinato de Trótski
mais sobre o assunto. Acesso em:
Stálin em ambienta- Perseguido por Stálin, Trótski saiu da União Soviética
30 abr. 2016. Em inglês. ções variadas. em 1929 e viveu em vários países até asilar-se no Méxi-
co, em 1936. Foi lá que, quatro anos depois, foi assas-
O Estado soviético esmagou a oposição e suprimiu as sinado pelo espanhol Ramón Mercader, que agia sob
divergências dentro e fora do Partido. Até a segunda meta- ordem da polícia stalinista.
de da década de 1930, diversos participantes da revolução Mercader havia entrado no México com nome falso
de 1917 haviam sido executados ou forçados a se exilar. e se aproximara de Trótski, chegando a frequentar a
A vida privada também sofreu os efeitos da nova lógi- casa em que o revolucionário russo morava. No dia 20
ca disciplinadora e centralizadora. Os hábitos diários, os de agosto de 1940, Mercader atingiu a cabeça de Tróts-
costumes sexuais, as relações familiares e os rituais de ki com uma picareta. Testemunhas afirmam que Trótski
sociabilidade cotidiana transformaram-se e se enrijece- ainda conseguiu reagir e falou aos seguranças que pren-
ram. Desapareceram manifestações públicas de qualquer deram o assassino para que não o matassem, pois "esse
discordância, reprimidas pela censura ou pelo temor de homem tem uma história para contar". Ele jamais a contou.
denúncias e perseguições. Depois de condenado e preso no México por vinte anos,
transferiu-se para a União Soviética, onde foi condeco-
A cultura socialista rado como herói nacional e morou mais de dez anos. Na
Desde a vitória da revolução, houve um esforço de ampliar metade da década de 1970, mudou-se para Cuba e, pro-
o acesso à produção cultural. Ao mesmo tempo, o Parti- tegido por Fidel Castro, lá viveu até a morte, em 1978.
do assumiu o controle de quase todos os setores da cultu-

FIA/RUE DES ARCHIVES/OTHER IMAGES


ra: música, teatro, literatura, artes visuais, arquitetura, os
meios de comunicação e, depois, o cinema passaram a ser
orientados ideológica e politicamente pelo Partido. Valori-
zava-se a funcionalidade e a capacidade comunicativa das
atividades culturais. Preocupações formais e experimenta-
lismo eram rejeitados, tachados de "arte burguesa". A cen-
sura atuava com rigor, e artistas que não se adequassem
aos princípios do Partido eram perseguidos.
Entre as décadas de 1930 e 1960, prevaleceu o cha-
mado realismo socialista, de clara feição propagandís-
tica. A música devia voltar-se a formas épicas e de fácil
compreensão pelos ouvintes. Na pintura, na escultura ou
na literatura, os temas principais eram o mundo do traba- Retrato de Leon Trótski, c. 1935.

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Como Lênin concebia a revolução proletária na Revolução Russa é o acontecimento mais importante
Rússia? → DL/CF/SP/H9/H10/H11/H13 da Guerra Mundial". → DL/SP/CA/H7/H9/H15
2 Explique a importância do pensamento revolucio- 4 Identifique os principais objetivos da NEP e dos
nário russo do século XIX e da Revolução de 1905. planos quinquenais. → DL/CF/SP/CA/H8/H11/H18/H20
→ DL/CF/SP/CA/H1/H10/H11/H13 5 Caracterize a propaganda política e a produção cul-
3 Justifique a afirmação de Rosa Luxemburgo: "A tural na União Soviética. → DL/CF/SP/H3/H5/H11/H15/H21

A revolução socialista na Rússia 37

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3 A Revolução Mexicana

A
expressão “América Latina” surgiu em meados do século XIX e, a
princípio, indicava as áreas de colonização espanhola do continente.
O adjetivo era uma forma de diferenciar uma parte da América que
não pertencia aos Estados Unidos. Para alguns dos autores que difundiram
seu uso, nos primeiros anos do século XX, era ainda uma forma de rejeitar
qualquer controle estadunidense. Aos poucos, a expressão expandiu-se e pas-
sou a ser associada também ao Brasil e a países da região que receberam colo-
nização francesa, inglesa ou holandesa, como o Haiti, a Jamaica e o Suriname.
"América Latina" não foi o único termo criado para designar a América que
◀ ANOS

A revolução
não é America (sem acento, em inglês, significando Estados Unidos). No século
mexicana
XIX, o poeta maranhense Sousândrade usava "Transamérica". O cubano José
Porfírio Díaz torna-se 1876 Martí preferiu "Nossa América". Expressões como Ibero-América, Afro--Améri-
presidente da República, ▾
inaugurando o"Porfiriato". ca ou Ameríndia são também empregadas para se referir aos diversos povos e
Francisco Madero 1908 culturas que participaram da formação das nossas sociedades. "América Lati-
assume a liderança na ▾ na", porém, acabou por ser aceita como a maneira mais ampla, capaz de repre-
oposição a Porfírio Díaz.
sentar a extrema diversidade desse pedaço da América.
Cresce o descontentamento 1909
com Porfírio Díaz. ▾
Levantes camponeses.
Emiliano Zapata lidera 1910 A ditadura de Porfírio Díaz
movimento camponês ▾ Situado imediatamente ao Sul dos Estados Unidos e na porção mais ao norte
de ocupação de terras
em Morelos, sul do México. do que chamamos de América Latina, o México enfrentou sérias disputas e
Queda de Porfírio Díaz e chegada 1911 conflitos por terras desde o período colonial. Durante a luta pela independên-
ao poder de Francisco Madero. ▾
cia, algumas lideranças, como os padres Miguel de Hidalgo (1753-1811) e José
Zapata proclama
o Plano de Ayala. María Morelos (1765-1815), defenderam a distribuição de terras para campo-
Assassinato de Madero 1913 neses e comunidades indígenas, mas foram derrotados e assassinados. Quan-
e chegada ao poder ▾ do o México se tornou um país definitivamente livre do domínio metropolita-
de Victoriano Huerta.
no, persistia a aguda concentração de terras em mãos de um grupo restrito e
Queda de Huerta. 1914
Venustiano Carranza ▾ extremamente poderoso de grandes proprietários.
assume o poder. No decorrer do século XIX, essa situação foi ainda agravada. O país per-
Entra em vigor constituição com 1917 deu quase 40% de seu território numa guerra com os Estados Unidos, no final
forte caráter nacionalista. ▾
da década de 1840. Além disso, os liberais mexicanos, interessados em ace-
Assassinato de Zapata.
1919 lerar o crescimento econômico e construir as bases de um capitalismo nacio-

nal moderno, transformaram terras da Igreja e dos grupos indígenas em áreas
1920 de plantio voltado à exportação e espaço de atuação de investidores, muitos
Pancho Villa depõe as armas. ▾
deles estrangeiros.
1923 O conservador Porfírio Díaz (1830-1915) chegou à presidência, pela primei-
Assassinato de Pancho Villa. ▾
ra vez, em 1876 e estimulou o processo de expropriação das terras de pequenos
Lázaro Cárdenas assume a 1934 proprietários e de comunidades indígenas e camponesas. No plano externo, seu
presidência e dá início a um ▾
plano de reforma agrária. governo pretendia aproveitar o crescimento da demanda por matérias-primas
É criada a organização 1994 num mercado internacional movido pela industrialização acelerada.
guerrilheira Exército Zapatista de ▾ Em sucessivas reeleições, marcadas por fraudes e perseguições políticas aos
Libertação Nacional (EZLN).
opositores, Díaz manteve-se na presidência, quase ininterruptamente, até 1911.
Nesse período, facilitou o ingresso de tecnologia e capitais estrangeiros no país.

38 Capítulo 1  Guerra e revolução

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Os setores de transportes e comunicações foram incre- Em seu programa de 1906, conclamava:
mentados e modernizados, facilitando o deslocamen- "Mexicanos: Escolham entre o que o despotis-
to de mercadorias em direção aos portos e ao exterior. mo oferece e o que lhes propõe o Programa do Parti-
Empresas estadunidenses e canadenses adquiriram do Liberal. Se preferirem o grilhão, a miséria, a humi-
grandes porções de terras e passaram a atuar no setor lhação frente aos estrangeiros [...], apoiem a Ditadura,
de mineração e na agricultura. A indústria leve cresceu, que lhes proporciona tudo isso; se preferirem a liber-
sobretudo na região Norte do país. dade, a melhora econômica, a dignificação da cida-
Internamente, as ações de Porfírio visavam ampliar dania mexicana, a vida altiva do homem senhor de si
o poder e a influência dos latifundiários, empresários e mesmo, venham para o Partido Liberal [...]."
banqueiros, construindo uma base política que também "Programa del Partido Liberal". Apud CÓRDOVA, Arnaldo. La ideología
contava com o endosso de lideranças da Igreja católica. de la Revolución Mexicana. Cidade do México: Era, 1985. p. 426-427.

O movimento operário, que crescera juntamente com A repressão política não impedia também que o
a industrialização, era rigidamente reprimido e greves movimento operário, alimentado por ideias anarquis-
e protestos eram contidos com violência. A principal tas e socialistas, organizasse sucessivas greves e mani-
atuação do aparato armado do porfiriato, porém, ocorria festações contra a ditadura e por melhores condições de
no campo. Camponeses e indígenas eram mantidos sob trabalho nas fábricas e nas minas. Os sindicatos e fede-
contínua vigilância por tropas oficiais e pelos rurales, rações operárias divulgavam suas propostas em jornais
grupos paramilitares de apoio ao regime. e panfletos que circulavam rapidamente nas regiões de
Descontentamento e resistência concentração industrial, no Norte do México.
Camponeses e indígenas agitavam-se no Norte e,
No princípio do século XX, um grupo de intelectuais
especialmente, no Sul do país. Rejeitavam os recruta-
fundou o Partido Liberal, que reunia diversas tendên-
mentos para trabalhos em grandes propriedades, exi-
cias políticas contrárias ao porfirismo. O programa do
giam a revogação de leis que autorizavam o confisco de
novo partido mostrava alguns dos descontentamentos
terras de pequenos proprietários endividados e o apoio
presentes na sociedade mexicana. Entre outras propos-
oficial à expropriação das terras comunais.
tas, o PL defendia: fim da reeleição, limitação de tama-
Setores liberais burgueses também reagiam ao por-
nho das propriedades rurais e da influência econômica
firismo. No final da década de 1900, Francisco Madero
estrangeira, nacionalização dos bens imóveis da Igreja,
(1873-1913) encabeçou um movimento pelo fim da reelei-
distribuição de terras para os camponeses, proteção às
ção, que permitia a persistência de Díaz no poder. Parte da
comunidades indígenas, criação de uma legislação tra-
burguesia mexicana desejava a democratização do país e
balhista para a cidade e o campo, melhorias no sistema
rejeitava a concentração fundiária excessiva, que pratica-
educacional.
mente suprimira as pequenas propriedades rurais.

MUSEU NACIONAL DE HISTÓRIA, CIDADE DO MÉXICO, MÉXICO


A pintura muralista e a
Revolução
David Alfaros Siqueiros (1896-1974)
representou, criticamente, o México de
Porfírio Díaz. O presidente pisa sobre a
Constituição, enquanto ricos se divertem.

Do porfirismo à Revolução:
Porfírio Díaz, ministros e cortesãs,
David Alfaro Siqueiros. Pintura
acrílica em madeira, 1957-1965.

A Revolução Mexicana 39

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A hora da revolução A Constituição de 1917
Em 1917, uma Assembleia Constituinte aprovou a nova
Em 1910, Madero candidatou-se à presidência do Méxi-
Constituição mexicana. A Carta reduzia a interferência
co, com uma plataforma baseada na crítica ao autorita-
da Igreja, tornando o ensino laico e atribuindo ao Esta-
rismo e à reeleição. Recebeu amplo apoio das classes
do a responsabilidade pela educação escolar. Confirma-
médias, de pequenos industriais e comerciantes e per-
va o prevalecimento das propostas liberais, ao reafirmar
correu o país, falando em comícios que reuniam grande
o direito à propriedade privada e estimular as ativida-
quantidade de pessoas.
des produtivas voltadas ao mercado. Mas a Constitui-
O governo mexicano prendeu-o acusado de inci-
ção também acolhia parcialmente as reivindicações dos
tação à rebelião. Mesmo afastado da campanha, con-
setores populares. Ela estabeleceu um conjunto de leis
tinuou candidato e foi derrotado por Porfírio Díaz nas
que limitavam as jornadas de trabalho e regulavam o
fraudulentas eleições de junho. Quatro meses depois,
trabalho infantil e feminino, além de estabelecer direi-
Madero divulgou o Plano de San Luís de Potosí, um
tos, como o descanso semanal remunerado e a partici-
manifesto em que declarava não reconhecer os resulta-
pação dos trabalhadores nos lucros das empresas.
dos eleitorais e conclamava à revolução:
A principal novidade da Constituição vinha no arti-
"[...] no dia 20 de novembro, a partir das seis da go 27, que tratava do setor rural. Embora não determi-
tarde, todos os cidadãos da República pegarão em nasse a eliminação total da grande propriedade, a Carta
armas para arrancar do poder as autoridades que definia casos em que os latifúndios seriam expropria-
hoje governam." dos e divididos (terras improdutivas ou da Igreja), res-
"Plan de San Luís de Potosí" (5/10/1910). Apud CÓRDOVA, tabelecendo o regime de pequenas propriedades. Criava,
Arnaldo. La ideología de la Revolución Mexicana.
ainda, uma nova forma de uso comunal da terra, em que
Cidade do México: Era, 1985. p. 432.
famílias de camponeses receberiam terrenos, podendo
Na véspera do dia marcado para o início da Revolu- usufruir deles em caráter vitalício e hereditário.
ção, o anarquista Ricardo Flores Magón anunciava, nas O efeito da implementação do artigo 27 foi imenso.
páginas do jornal Regeneração, a iminência da luta: Até os anos 1960 quando cessaram as distribuições de
terras, quase 50 milhões de hectares haviam sido entre-
"Quem teme a Revolução? Os mesmos que a pro- gues a camponeses – 18 milhões apenas no governo Láza-
vocaram; os que, com sua opressão ou sua exploração ro Cárdenas, entre 1934 e 1940. Muitas das famílias e
sobre as massas populares fizeram com que o deses-
comunidades que receberam essas terras, no entanto, não
pero se apoderasse das vítimas de suas infâmias; os
conseguiram mantê-las, pois em raros períodos contaram
que com a injustiça e o roubo sublevaram as consciên-
com apoio governamental para o desenvolvimento da
cias e fizeram empalidecer de indignação os homens
produção. Legalmente, essas terras não podiam ser vendi-
honrados da Terra."
das, mas em inúmeros casos foram realizadas transferên-
FLORES MAGÓN, Ricardo. "La revolución" (19/11/1910).
La Revolución Mexicana. Cidade do México: Grijalbo, 1970. p. 46. cias informais para grandes proprietários, que depois con-
seguiram, na Justiça, formalizar a propriedade.
As tropas camponesas de Pascual Orozco (1882-
MUSEU NACIONAL DE HISTÓRIA, CIDADE DO MÉXICO, MÉXICO

-1915) e Francisco "Pancho" Villa (1878-1923), no


Norte, e os indígenas de Morelos, liderados por Emilia-
no Zapata (1879-1919), aderiram à ação, assim como
mineiros e operários. O México se rebelava.
Porfírio tentou conter os rebeldes, mas rapidamen-
te percebeu a dificuldade de sufocar um movimento
que contava com representantes de distintas regiões e
classes sociais. Em maio de 1911, renunciou à presidên-
cia e fugiu para a França.
Um governo provisório tomou posse e convocou
novas eleições presidenciais. Em outubro daquele
ano, Madero, candidato único, foi eleito presidente do
Feudalismo porfirista, Juan O'Gorman. Pintura mural, 1973.
México. (detalhe)

40 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 40 18/05/16 09:37


História E Atualidades>> Z apata e o
A simples verdade
Zapata e Villa não endossaram as mudanças trazidas
Exército de Libertação Nacional
pela Constituição de 1917. A Divisão do Norte, porém,
Durante o processo de constituição do NAFTA (Tratado
estava excessivamente fragilizada e não tinha mais con-
Norte-Americano de Livre Comércio – bloco que reúne
Canadá, Estados Unidos e México), o governo mexicano dições de obter vitórias significativas. Em 1920, Villa
aceitou alterar alguns pontos de sua Constituição: entre assinou a rendição e manteve-se fora da vida política.
eles, o artigo 27, que dispunha sobre o regime de pro- Três anos depois, ao tentar voltar a participar dos deba-
priedade rural e simbolizava a principal conquista dos tes mexicanos, foi assassinado. Era o fim da trajetória
camponeses que participaram da Revolução Mexicana.
O NAFTA entrou oficialmente em operação no dia de um revolucionário singular: antes da Revolução, ele
1.º de janeiro de 1994. No mesmo dia, um grupo arma- havia sido trabalhador rural e bandoleiro. Analfabeto,
do, intitulado Exército Zapatista de Libertação Nacional, teria aprendido a ler durante a luta. Sem jamais ter rece-
ocupou dezesseis municípios da região de Chiapas, Sul bido formação militar, desenvolveu estratégias de ação e
do México, e lançou um comunicado, declarando guerra
deslocamento de tropas que foram estudadas por milita-
ao Exército. O EZLN rejeitava a mudança constitucional,
reivindicava "trabalho, terra, teto, alimentação, saúde, res durante todo o século XX.
educação, independência, democracia, liberdade, justi- Zapata manteve o controle do estado de Morelos até
ça e paz" e se apresentava como herdeiro de uma longa ser assassinado, em 1919. Suas tropas assinaram trégua
tradição de lutas sociais no México: com o governo sulista e se retiraram da luta. Manteve-se
"Somos produto de 500 anos de luta: primeiro
fiel a seu objetivo – a luta pela terra – sempre e acabou por
contra a escravidão, na guerra de Independência contra
a Espanha encabeçada pelos insurgentes; depois para se transformar no seu personagem mais conhecido e cele-
evitar sermos absorvidos pelo expansionismo estaduni- brado da Revolução Mexicana. O escritor Octavio Paz defi-
dense; em seguida, para promulgar nossa Constituição niu a centralidade da figura de Zapata:
e expulsar o Império Francês de nosso solo; depois, a
ditadura porfirista nos negou a aplicação justa das leis "Quase todos os programas e manifestos dos gru-
de Reforma e o povo se rebelou criando seus próprios pos revolucionários aludem à questão agrária. Mas
lideres; assim surgiram Villa e Zapata, homens pobres só a Revolução do Sul e seu chefe, Emiliano Zapata,
como nós, a quem se negou a preparação mais elemen- enfrentam o problema com clareza, decisão e simpli-
tar, para assim utilizar-nos como bucha de canhão e
cidade. [...] O tradicionalismo de Zapata mostra a pro-
saquear as riquezas de nossa pátria, sem importar que
estejamos morrendo de fome e enfermidades curáveis, funda consciência histórica desse homem, isolado em
sem importar que não tenhamos nada, absolutamente seu povo e em sua raça. Seu isolamento, que não lhe
nada, nem um teto digno, nem terra, nem trabalho, nem permitiu ter acesso às ideias dos jornalistas e rábulas
saúde, nem alimentação, nem educação, sem ter direito da época, sempre em busca de generais para assesso-
a eleger livre e democraticamente nossas autoridades, rar, uma solidão de semente fechada, lhe deu forças e
sem independência dos estrangeiros, sem paz nem jus- profundidade para chegar à simples verdade."
tiça para nós e nossos filhos."
PAZ, Octavio. O labirinto da solidão.
Subcomandante Marcos e Exército Zapatista de Libertação
São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 138, 140.
Nacional. A revolução invencível: cartas e comunicados.
Organização: Massimo di Felice e Cristobal Muñoz.
São Paulo: Boitempo, 1998. p. 39 e 41.
A arte da Revolução
ANDREW WINNING/REUTERS/LATINSTOCK

A Revolução Mexicana gerou inúmeras representações


artísticas durante e depois dos anos de luta. Ainda em
1915, o escritor Mariano Azuela (1873-1952) publicou o
romance Los de abajo, cuja trama mostra os contrastes
entre ricos e pobres durante a Revolução. Um ano antes,
o jornalista estadunidense John Reed (1887-1920) havia
lançado México rebelde, um longo relato de sua convi-
vência com os soldados de Pancho Villa. Entre os muitos
livros escritos posteriormente ao conflito, merece desta-
que o romance A morte de Artemio Cruz (1962), de Carlos
Subcomandante Marcos em manifestação por mais Fuentes (1928-2012), que repassa a história do México a
direitos dos imigrantes latino-americanos que vivem
partir das lembranças confusas e agônicas de um ex-par-
nos Estados Unidos. Cidade do México, maio de 2006.
ticipante da Revolução.

A Revolução Mexicana 41

OH_V3_Book.indb 41 18/05/16 09:37


O artista José Guadalupe Posada (1852-1913) acom- O material fotográfico relativo à luta é bastante exten-
panhou os primeiros anos da Revolução e expressou a so e o principal responsável por isso foi Agustín Casa-
tensão e os contrastes das lutas em gravuras que mistu- sola (1874-1928).
ravam marcas contemporâneas com elementos míticos
do México pré-colombiano. A pintura muralista, desen- Tá na rede!
volvida, entre as décadas de 1920 e 1940, por artistas
como José Clemente Orozco (1883-1949), David Alfaro Fototeca Nacional do
Siqueiros (1896-1974) e Diego Rivera (1886-1957), pri- México
vilegiou a temática social e representou o lugar da Revo-
Digite o endereço abaixo na
lução na história do México, por meio de um estilo que
barra do navegador de internet:
incluía influências do surrealismo e do realismo socia- A Fototeca conserva
http://goo.gl/tVUe5e. Você pode os episódios sociais,
lista. A pintora Frida Kahlo (1907-1954) relembrou, em também tirar uma foto com um políticos e artísticos
diversas telas, a ação feminina na Revolução. aplicativo de QrCode para saber mais significativos
Na música, a Revolução divulgou canções que são mais sobre o assunto. Acesso em: do México (séculos
lembradas até hoje, como "La cucaracha". A fotografia 30 abr. 2016. Em espanhol.
XIX-XXI).
talvez seja uma das artes mais associadas à Revolução.

As mulheres revolucionárias
A Revolução mobilizou toda a sociedade mexicana por retirado de uma canção que celebrava a coragem e a força de
quase uma década e envolveu homens, mulheres e crianças. uma revolucionária. Nem todos os objetivos das mulheres
Todo o cotidiano foi alterado e a participação política femi- foram atingidos. A Constituição de 1917 não introduziu o voto
nina ampliou-se bastante. Antes da Revolução, as mulhe- feminino, nem aprovou a proposta de pena de morte para
res atuavam no ensino, no trabalho fabril e na agricultura. estupradores. Mas determinou a equiparação salarial entre
Algumas, também, trabalhavam na imprensa e se organi- homens e mulheres e criou a licença maternidade (um mês
zavam em torno de reivindicações de melhoria das condi- depois do parto).
ções da mulher e de questionamento da hegemonia mascu-
lina. O tema apareceu, ainda, nos escritos de Ricardo Flores

MUSEU NACIONAL DE HISTÓRIA, CIDADE DO MÉXICO, MÉXICO


Magón, fundador do Partido Liberal e pensador anarquista.
Em setembro de 1910, dois meses antes da explosão revo-
lucionária, ele publicou um artigo em que afirmava que a
plena revolução dependia da participação feminina e que a
luta social envolvia a luta pelos direitos das mulheres:
"Os homens e as mulheres sofrem igualmente sob a tira-
nia de um ambiente político e social que está em total desacor-
do com os progressos da civilização e as conquistas da filoso-
fia. Nos momentos de angústia, deixem de levantar os olhos
para o céu; lá estão os que mais contribuíram para torná-las
escravas eternas. O remédio está aqui, na Terra, e é a rebelião."
FLORES MAGÓN, Ricardo. "A la mujer" (24/9/1910).
La Revolución Mexicana. Cidade do México: Grijalbo, 1970. p. 45.
Do porfirismo à Revolução: o povo pega em armas, David
Durante a Revolução, quase todas as forças em luta Alfaro Siqueiros. Pintura acrílica em madeira, 1957-1965.
incluíam mulheres em suas fileiras. As revolucionárias eram (detalhe)
muitas vezes chamadas de "soldaderas" ou "Adelitas" – nome

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Caracterize a política agrária durante o porfirismo. "Quem teme a Revolução? Os mesmos que a provoca-
→ DL/SP/H7/H11 ram". → DL/SP/H1/H8/H10/H13
2 Identifique algumas diferenças entre as propostas 4 Por que o Exército Zapatista de Libertação Nacional
revolucionárias de Francisco Madero e Emiliano se considera herdeiro das lutas de Villa e Zapata?
Zapata. → DL/CF/SP/CA/H8/H9/H10/H13/H15/H22 → DL/CF/SP/CA/H8/H9/H10/H13/H15
3 Explique a afirmação de Ricardo Flores Magón:

42 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 42 18/05/16 09:37


4 África: o colonialismo
e suas estruturas

O
fim da Primeira Guerra Mundial significou, para o continente africa-
no, uma nova virada em sua história. A derrota da Alemanha trou-
xe uma nova subdivisão das possessões coloniais entre as potências
vencedoras, sob controle internacional. Camarões e Togo seriam adminis-
trados por França e Grã-Bretanha conjuntamente; a União Sul-Africana
(atual África do Sul) ficou com o Sudoeste Africano; Bélgica e Grã-Bretanha
partilharam o mandato da África Oriental Alemã. A Bélgica ainda obteve as
províncias de Ruanda e Burundi.
Esse foi o período de consolidação do sistema colonial na África. De acor-
do com a ideologia da época, a presença europeia se definia em termos de res-
ponsabilidade ou de tutela. Divulgava-se a justificativa de desenvolvimento
social e econômico, para o "bem" tanto da África como do restante do mundo.
Contudo, o colonialismo transformou-se num sistema de organização
da produção baseado na exploração de uma força de trabalho desprovida de
direitos políticos e sociais no âmbito do Estado colonial. Tornou-se um siste-
ma de conquista de mercados baseado no monopólio, tanto para os produtos
industriais europeus como para o investimento de capitais.
As sociedades colonizadas, qualquer que fosse o seu estatuto formal
(colônia ou protetorado), após a conquista, foram submetidas e profunda-
mente transformadas. Toda a economia, bem como as infraestruturas físi-
cas e administrativas, voltou-se para a produção de exportação. Os sistemas
sociopolíticos preexistentes foram destruídos ou modelados para garantir a
OH_U6_pag652 preservação da ordem colonial.
MÁRIO YOSHIDA

ÁFRICA (1939)
Políticas coloniais
As políticas coloniais na África podem ser definidas,
grosso modo, como de assimilação (impérios portu-
P í
Península
l
Arábica
guês, francês e belga) ou indiretas (como o britâni-
co e o alemão).
A política colonial de assimilação evocava a iden-
tidade entre a Colônia e a Metrópole, que tinha a "mis-
são" de "civilizar" os povos submetidos. O objetivo era
ato
nc and
fra b m
)
ês
(So

converter gradualmente o africano em europeu, o que


significava que a organização política e as culturas
(Sob mandato
britânico)
locais deveriam ser transformadas. Utilizavam para
isso o ensino da língua da Metrópole, da religião cris-
Territórios
tã, dos costumes, das tradições e dos modos de vida
Franceses ligados à pátria europeia, e não ao passado africano.
Britânicos (Sob mandato da

Portugueses
União Sul-Africana)
Por fim, estabeleciam a divisão da sociedade em civi-
Espanhóis
Belgas lizados, assimilados e indígenas.
Italianos
União Sul-Africana ESCALA Os civilizados gozavam de direitos políticos ple-
Estados livres 0 1025 2050 km
nos. Em geral, eram os conquistadores europeus
Fonte: Elaborado com base em SELLIER, J. Atlas dos povos de África. Lisboa: Campo da e seus descendentes. O status de assimilado era
Comunicação, 2004.

África: o colonialismo e suas estruturas 43

OH_V3_Book.indb 43 18/05/16 09:37


conferido por meio de procedimento legal. No caso das
colônias controladas pela França, o processo envol- História E Atualidades>> O
 genocídio
via educação em escolas francesas, prestação de servi- de Ruanda
ço militar, aceitação da monogamia e rejeição das leis e Um dos maiores genocídios do século XX ocorreu em
costumes tradicionais ou muçulmanos. Ruanda, em 1994, envolvendo hutus e tutsis. Os pri-
No caso das colônias de Portugal, era necessário pro- vilégios concedidos à minoria tutsi pelos europeus já
fundo conhecimento da língua portuguesa, possuir uma haviam provocado massacres em Burundi em 1972
renda de determinado nível e dar provas de ser católico e (cerca de 200 mil pessoas) e em 1993 (50 mil), quan-
de ter "bom caráter". Tais exigências garantiram que um do o presidente hutu Melchior Ndadaye foi assassi-
número muito pequeno de africanos ascendesse à cate- nado por militantes tutsi. Em 1994, o presidente de
goria de assimilados. Ruanda, o hutu Juvenal Habyrama, foi morto em um
Os indígenas, termo utilizado para se referir à grande ataque ao avião em que estava também o novo presi-
maioria da população nativa, eram regidos pelo Estatuto dente de Burundi, o hutu Cyprien Ntaryamira.
do Indigenato ou Política Indígena, que dava aos agen- Entre abril e julho de 1994, Ruanda foi palco de
atentados, assassinatos e fuzilamentos em massa de
tes coloniais o direito de aplicar penas disciplinares (pri-
cerca de 10% de sua população. Estima-se que mais
são, multa) por delitos ou obrigá-los a trabalhos forçados.
de 800 mil pessoas foram mortas.
Todo indígena, em virtude de seu "estado de civiliza-
O massacre só foi interrompido com a invasão da
ção rudimentar", deveria ser submetido a um regime jurí- Frente Patriótica Ruandense, grupo armado tutsi lide-
dico e político especial, ou seja, o indígena seria tutelado rado por Paul Kagame, que organizara o grupo de com-
para a fiscalização dos seus atos e contratos de prestação batentes em Uganda ese tornou presidente de Ruanda.
de serviços. Haveria um direito criminal especial e não Hoje, a minoria tutsi governa um país de maioria
lhe eram reconhecidos direitos políticos. O governador da hutu. Autoridades da Organização das Nações Unidas,
Colônia era considerado o "protetor dos indígenas" da Bélgica, da França e dos Estados Unidos acusaram-
Nas possessões inglesas, o poder foi exercido indi- se mutuamente pelo genocídio. Na origem do proble-
retamente por intermédio das autoridades tradicionais, ma que desembocou nessas tragédias, a partilha da
num sistema denominado indirect rules (governo indi- África do século XIX, a sobreposição de Estados nacio-
reto). Apenas em regiões onde não havia um poder tra- nais sobre rivalidades de povos africanos e uma políti-
dicional centralizado implementou-se uma "dominação ca colonial que acirrou o ódio e permitiu a entrada de
direta". O ensino, a cargo das missões religiosas, era feito armas de fogo em quantidade tão assustadora quanto
a mortandade praticada.
nas línguas nativas.
Tal sistema administrativo não significava a manu-

SCOTT PETERSON/LIAISON/GETTY IMAGES


tenção das autonomias locais, mas estava a serviço de
uma administração mais ágil e menos dispendiosa. Esse
tipo de governo, que se servia de autoridades indíge-
nas, permitia controlar de modo mais eficiente as dife-
rentes populações, aproveitando suas próprias institui-
ções locais.
O sistema, embora chamado de indireto, interferia
nas sociedades tradicionais, modificando-lhes os limi-
tes, demarcando-as e moldando-as às exigências de
controle da produção e dos fluxos da força de trabalho.
Os antigos territórios sob dominação alemã apre-
sentavam uma mistura de administração direta e indi-
reta. Isso ocorreu nos reinos de Ruanda e Burundi, que
em 1919 passaram para a tutela da Bélgica e foram reu-
nidos num único território.
Os belgas mantiveram as duas monarquias, mas
despojaram-nas de seus poderes em favor de uma aris- Campo de refugiados na fronteira entre Ruanda e
Tanzânia, maio de 1994.
tocracia tutsi, que controlavam estreitamente. A partir
daí justificou-se a dominação dos tutsi sobre a maioria

44 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 44 18/05/16 09:37


hutu pela ideia de diferenciação e superioridade étni-
ca dos tutsi. Na verdade, tutsi e hutu, do ponto de vista ANÁLISE DE IMAGEM
etnocultural, pertencem ao mesmo grupo banto. CARTAZ DE PROPAGANDA

A Grande França
As exposições coloniais: Material: Litografia colorida
zoológicos humanos Datação: 1931
Em geral, nas maiores cidades do mundo, há um zoo-
lógico. Tornou-se "normal" observar aniamsis silves- Encontra-se conservado na Biblioteca Histórica
tres (leões, girafas, elefantes, rinocerontes e gorilas) da Cidade de Paris (França).
em pequenos espaços que procuram reconstituir seu
ambiente original. 1 Primeiro olhar: Do final do século XIX até a primei-
ra metade do século XX, desenvolveu-se o concei-
A ideia de promover exposições e feiras com elemen- to de Euráfrica. Tratava-se de uma maneira de jus-
tos "exóticos" surgiu na Europa a partir do final do sécu- tificar o expansionismo dos Estados europeus, que
lo XIX. Tinha o objetivo de mostrar o estranho, o curio- passaram a considerar as sociedades como sua
so, o diferente, por oposição a uma construção racional extensão e os territórios coloniais sob seu domínio.

THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/BIBLIOTECA HISTÓRICA DA CIDADE DE PARIS, FRANÇA


do mundo elaborada com base nos modelos europeus.
Na Alemanha, em 1874, Carl Hagenbeck, vendedor
de animais e futuro promotor dos principais zoológicos
europeus, decidiu apresentar também nativos das ilhas
de Samoa, pertencente à Oceania. O sucesso da exibição
o levou a enviar colaboradores ao Sudão a fim de trazer
animais e nativos, que foram apresentados em "exposi-
ções etnológicas" em diversas capitais, como Paris, Lon-
dres e Berlim.
Motivados pela curiosidade pelo "outro", milhões
de europeus passaram a observar seres humanos den-
tro de jaulas, como animais. O impacto foi grande, prin-
cipalmente porque as exposições reforçavam a preten-
são de superioridade europeia e procuravam justificar
as ações coloniais.
A colonização pressupunha a necessidade de domi-
nar e "domesticar" o outro e, portanto, de representá-lo.
A engrenagem colonial de inferiorização do "indígena"
foi acionada e, nessa conquista do imaginário, zoológi-
cos, feiras e exposições constituíam mecanismos efica-
zes na construção de preconceitos em relação às popu-
lações colonizadas.
O discurso racista foi reforçado por uma produção de
imagens que sustentava a existência de uma sub-huma-
nidade nos confins coloniais. Ao mesmo tempo que se Sentada, mulher orien- 2 Em pé, mulher negra
4
tal semi-nua e seguran- nua com filho repre-
humilhavam e animalizavam essas populações, glorifi-
do dois baldes represen- senta os territórios da
cava-se a Europa ultramarina através do ultranacionalis- ta os territórios da Ásia. África subsaariana.
mo, plenamente destacado pela grande imprensa. Ressalta-se o caráter de Ressalta-se o caráter
Em tal ambiente os impérios podiam crescer, ins- trabalho e docilidade primitivo dos negros.
tituindo a desigualdade jurídica, política e econômica dos asiáticos. 3
entre europeus e as populações submetidas. Uma vez No centro, mulher vestida e com véu segurando jarro, e
representa os territórios do norte da África. Sua posição
que nas metrópoles era possível ver com os próprios dominante reflete as concepções antropológicas dos anos
olhos a prova de que fora delas só havia selvagens, e de 1930, que igualam os norte-africanos aos de raça bran-
estes deveriam ser retirados das trevas. ca, dando-lhes vantagem sobre os outros povos colonizados.

África: o colonialismo e suas estruturas 45

OH_V3_Book.indb 45 18/05/16 09:37


Exposição e contraexposição
A Exposição Colonial Internacional de Paris (1931), que Em contraponto à Exposição, que utilizou a arte
contou com 34 milhões de visitantes, marcaria o ponto nativa para promover o ideal da "Grande França", a arte
culminante da grandeza da Europa ultramarina, da qual exibida na contraexposição colocou lado a lado objetos
a França era vitrine, mas também a reação anticolonial. culturais europeus com a arte das regiões colonizadas,
Em resposta à Exposição, artistas surrealistas ligados a fim de questionar a superioridade europeia ou bran-
ao Partido Comunista Francês organizaram uma con- ca. Máscaras africanas ocupavam o mesmo espaço que
traexposição. imagens cristãs. A música indiana era combinada com
Denominada "A verdade sobre as Colônias", foi músicas populares francesas.
aberta em setembro de 1931 e durou até 1932 e esta- A integridade da arte dos povos subjugados, segun-
va dividida em várias seções. Uma delas era dedicada do os artistas, já constituía argumento suficiente contra
aos crimes cometidos durante a conquista colonial, com o imperialismo europeu.
testemunhos dos escritores André Gide e Albert Londres
sobre os trabalhos forçados.
THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/BIBLIOTECA HISTÓRICA DA CIDADE DE PARIS, FRANÇA

ARQUIVO DO PARTIDO COMUNISTA, PARIS, FRANÇA

Volta ao mundo em um dia, Desmeures. A verdade sobre as colônias, anônimo. Litografia


Litografia colorida, cartaz da Exposição Colonial colorida, cartaz da contraexposição organizada pelo
Internacional, Paris, 1931. Partido Comunista Francês, Paris, 1931.

Verificação de leitura 4 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Quais eram os sentidos econômicos do colonialis- 3 Por que o genocídio de Ruanda, ocorrido em 1994,
mo praticado na África? vincula-se às políticas coloniais na África?
→ DL/SP/H9 → DL/SP/H7/H11
2 Aponte quais eram os dois grandes tipos de políti- 4 Por que os zoológicos, as feiras e as exposições
cas coloniais adotadas pelas potências europeias? representaram mecanismos eficazes na constru-
→ DL/SP ção de preconceitos contra as populações coloni-
zadas? → DL/CF/SP/H2/H7

46 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 46 18/05/16 09:37


Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

Kronstadt e a imprensa
"Pequenos cartazes colados nos muros das ruas ainda Os boatos, em todo esse drama, desempenharam um
desertas anunciavam que, por complô e traição, o gene- papel funesto. Com a imprensa oficial ocultando tudo o que
ral contrarrevolucionário Kozlovski tinha-se apoderado de não fosse sucesso e louvor ao regime e a Tcheka [polícia
Kronstadt e convocava o proletariado às armas. Mas, antes secreta soviética] agindo nas trevas absolutas, nasciam a
mesmo de chegar ao Comitê de Seção, encontrei camara- cada instante rumores catastróficos. [...]
das, que acorriam como suas mausers [pistolas], e me dis- O Burô Político decidiu negociar com Kronstadt, depois
seram que era uma mentira abominável, que os marinhei- de lhe dirigir um ultimato, e, como último recurso, atacar a
ros tinham se amotinado, que era uma revolta da armada fortaleza e os couraçados da armada imobilizada no gelo.
e dirigida pelo Soviete. Não era menos grave, talvez; pelo Na verdade, não houve negociações. Foi afixado um ultima-
contrário. O pior era que a mentira oficial nos paralisava. to assinado por Lênin e Trótski, concebido em termos revol-
Jamais tinha acontecido antes que nosso partido nos men- tantes: 'Rendam-se ou serão metralhados como coelhos'. [...]
tisse dessa forma. [...]
O assalto final, desencadeado [...] a 17 de março, termi-
Panfletos distribuídos nos subúrbios deram a conhe- nou com uma audaciosa vitória sobre o gelo. Não dispondo
cer as reivindicações do Soviete de Kronstadt. Era o pro- de bons oficiais, os marinheiros do Kronstadt não souberam
grama de uma renovação da revolução. Eu resumo: reelei- utilizar sua artilharia [...]. Uma parte dos rebeldes alcançou
ção dos Sovietes por voto secreto; liberdade de expressão a Finlândia. Outros se defenderam encarniçadamente, de
e imprensa para todos os partidos revolucionários; liber- forte em forte e de rua em rua. Caíam fuzilados aos gritos de
dade sindical; libertação dos prisioneiros políticos revolu- 'Viva a revolução mundial!', 'Viva a Internacional comunis-
cionários; abolição da propaganda oficial; supressão ime- ta!'. Centenas de prisioneiros foram levados a Petrogrado e
diata dos destacamentos de portagem que impediam que entregues à Tcheka, que, meses mais tarde, ainda os fuzilava
a população se abastecesse à vontade. O Soviete, a guar- em pequenos grupos, estupidamente, criminosamente. Esses
nição de Kronstadt e as tripulações da 1.ª e 2.ª esquadras vencidos pertenciam de corpo e alma à revolução, tinham
se levantavam para fazer triunfar esse programa. exprimido o sofrimento e a vontade do povo russo [...]."
A verdade se infiltrava aos poucos, de hora em hora, SERGE, Victor. Memórias de um revolucionário: 1901-1941.
através da cortina de fumaça da imprensa [...]. E era a São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 150-155.
nossa imprensa, a imprensa da nossa revolução, a primei-
Victor Serge(1890-1947) foi jornalista e escritor, lutou contra
ra imprensa socialista, isto é, incorruptível e desinteressa- o czarismo e participou da revolução de outubro. Crítico do
da, do mundo! [...] autoritarismo de Stálin, foi preso, mas conseguiu fugir da
União Soviética, vivendo no exílio até a morte.
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 A partir do relato de Victor Serge sobre a revolta dos governo bolchevique?


marinheiros do Kronstadt, ocorrida em 1921, e dos → DL/CF/SP/CA/H1/H21/H23
itens "A União Soviética", "Divergências e disputas" e c) Explique a indignação final do autor: "Esses venci-
"O papel do Estado e o trabalho" de páginas anterio- dos pertenciam de corpo e alma à revolução, tinham
res, responda: exprimido o sofrimento e a vontade do povo russo."
a) Como o relato se relaciona com a experiência de → DL/CF/SP/EP/H1/H10/H13/H15
consolidação do poder bolchevique? d) Agora, pesquise sobre a revolta de Kronstadt e
→ DL/CF/SP/H1/H8/H14/H15 analise: ela representou um momento de virada no
b) Qual é a principal preocupação de Victor Serge, processo de construção do socialismo na Rússia?
no que se refere ao papel da imprensa sob o → DL/CF/SP/H8/H10/H13

Engenho e Arte 47

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Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 (UFRJ) "A mesma velha trincheira, a mesma paisagem,


1

Other Images/BIBLIOTECA NACIONAL, MOSCOU, RÚSSIA


Os mesmos ratos, crescendo como mato,
Os mesmos abrigos, nada de novo,
Os mesmos e velhos cheiros, tudo na mesma,
Os mesmos cadáveres no front,
A mesma metralha, das duas às quatro,
Como sempre cavando, como sempre caçando,
A mesma velha guerra dos diabos."
(soldado inglês)

"Estamos tão exaustos que dormimos, mesmo sob


intenso barulho. A melhor coisa que poderia acontecer
seria os ingleses avançarem e nos fazerem prisionei-
ros. Ninguém se importa conosco. Não seremos substi-
tuídos. Os aviões lançam projéteis sobre nós. Ninguém
mais consegue pensar. As rações estão esgotadas –
pão, conservas, biscoitos, tudo terminou! Não há uma
única gota de água. É o próprio inferno." Camarada Trótski – militar honorário,
(soldado alemão) Anatoly Sokolov. Litografia colorida, 1923.
2

Other Images/BIBLIOTECA NACIONAL, MOSCOU, RÚSSIA


MARQUES, Adhemar Martins et al. (Orgs.). História contemporânea
através de textos. São Paulo: Contexto, 2000. p. 118 e 120.

Os fragmentos apresentam o depoimento de dois


soldados, um inglês e o outro alemão, durante a
Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
a) Identifique duas características que estejam pre-
sentes em ambos os textos e expressem os senti-
mentos dos combatentes nessa fase da Primeira
Guerra. → DL/CF/H4/H11/H15
b) Cite duas consequências geopolíticas da Primeira
Guerra para a Europa entre 1918 e 1939.
→ DL/CF/H7/H15
2 (Unicamp-SP) Em 1924, após a morte de Lênin,
dois dos mais destacados dirigentes do Partido
Bolchevique se opuseram: para Trótski, tratava-se de
defender a revolução permanente; para Stálin, trata-
va-se de defender o socialismo em um só país. Stálin Destrua o verme! Erradique da face da Terra,
venceu essa disputa e, a partir de então, a figura de Tróstki, o inimigo do povo russo e sua maldita
Trótski foi sendo progressivamente retirada dos docu- gangue fascista!, Viktor Deni. Litografia
mentos soviéticos. colorida, 1937.
A partir da leitura do texto:
a) transcreva o trecho que explica a divergência a) Qual é a principal mensagem contida na imagem 1?
entre Trótski e Stálin. → DL/SP → DL/CF/SP/H1
b) explique por que o stalinismo precisou varrer a b) Qual é a principal mensagem contida na imagem 2?
imagem de Trótski da história soviética. → DL/CF/SP/H1
→ DL/CF/SP/H9 c) Como você explica tais diferenças tendo em vista
3 Os dois pôsteres a seguir se referem a Leon Trótski, a história da União Soviética? → DL/CF/SP/H1/H9
um dos principais dirigentes da Revolução Russa. 4 (Unicamp-SP) Alguns comunistas franceses encontra-
Observe atentamente as imagens e analise separada- vam conforto na ideia de que as atitudes de Stálin em
mente cada uma delas. relação aos opositores do regime político vigente na

48 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 48 18/05/16 09:37


União Soviética eram tão justificadas pela necessida- a) De acordo com o texto, o que permitiu aos
de quanto havia sido o Terror de 1793-1794, liderado comunistas a comparação entre os regimes de
por Robespierre. Talvez em outros países, onde a pala- Robespierre e de Stálin? → DL/CF/SP/H9/H13/H24
vra Terror não sugerisse tão prontamente episódios de b) Quais os princípios políticos que definiam o regi-
glória nacional e triunfo revolucionário, essa compara- me soviético? → DL/CF/SP/H9/H13/H24
ção entre Robespierre e Stálin não tenha sido feita.
Adaptado de HOBSBAWM, Eric. Ecos da Marselhesa:
dois séculos reveem a Revolução Francesa.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 67-68.

5 Em 1934, o governo português organizou sua Primeira Exposição Colonial na cidade do Porto. Observe atentamente
o mapa abaixo, apresentado durante essa exposição, e responda:

BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA, PORTUGAL


Portugal não é um país pequeno, atribuída a Henrique Galvão. Cartografia, 1931.
a) Qual é a mensagem principal desse mapa? A partir dos dados do trecho anterior:
b) Por quais artifícios tenta-se justificar tal mensa- a) indique o país onde se desencadeou importante
gem? → DL/CF/SP/H9/H13/H24 revolução social ao final da primeira década do
c) Do ponto de vista ideológico, há semelhan- século XX. → DL/SP/H10
ças entre as exposições francesa e portugue- b) enumere os propósitos moderados e legalistas
sa celebradas respectivamente em 1931 e 1934? de Francisco Madero, que acabou sendo preso e
Justifique sua resposta. → DL/CF/SP/H9/H13/H24 assassinado. → DL/SP
Observação: para comparar as exposições, retome c) faça considerações objetivas sobre o legado da
os conteúdos da página 45 e 46. Revolução. → DL/CF/SP/H9/H10/H11

6 Explique a frase do cientista político Mauricio 9 (Fuvest-SP) "Somos produto de 500 anos de luta: pri-
Tragtenberg: "É impossível entendermos a Revolução meiro, contra a escravidão, na Guerra de Independência
de 1917 sem passarmos em revista o que foi chamado contra a Espanha, encabeçada pelos insurgentes;
seu ensaio geral: a Revolução de 1905 e a formação dos depois, para evitar sermos absorvidos pelo expansionis-
novos partidos políticos." → DL/SP/CA/H1/H8/H10/H13 mo norte-americano; em seguida, para promulgar nossa
Constituição e expulsar o Império Francês de nosso solo;
7 Identifique as diversas manifestações artísticas relacio- depois, a ditadura porfirista nos negou a aplicação
nadas à Revolução Mexicana. → DL/CF/SP/CA/H1/H4/H11 justa das leis de Reforma e o povo se rebelou criando
8 (Unesp) "O levante urbano venceu rapidamente a resis- seus próprios líderes; assim surgiram Villa e Zapata,
tência das tropas do general Porfírio Díaz, subindo ao homens pobres como nós, a quem se negou a prepara-
poder Francisco Madero... Simultaneamente, porém, ção mais elementar, para assim utilizar-nos como bucha
alastraram-se as insurreições camponesas cujos líderes de canhão e saquear as riquezas de nossa pátria, sem
não se contentaram com os propósitos de Madero, exigi- importar que estejamos morrendo de fome e enfermi-
ram a reforma agrária. Era o começo da Revolução...". dades curáveis, sem importar que não tenhamos nada,

Engenho e Arte 49

OH_V3_Book.indb 49 18/05/16 09:37


absolutamente nada, nem um teto digno, nem terra, nem gena e fundou a primeira república na América.
trabalho, nem saúde, nem alimentação, nem educação, b) colonização francesa do território mexicano, entre
sem ter direito a eleger livre e democraticamente nossas os séculos XVI e XIX, que implantou o trabalho
autoridades, sem independência dos estrangeiros, sem escravo indígena na mineração.
paz nem justiça para nós e nossos filhos.". c) reforma liberal, na metade do século XX, quando
“Primeira declaração da Selva Lacandona” (janeiro de 1994). In: a Igreja Católica passou a controlar quase todo o
FELICE, Massimo di; MUÑOZ, Cristoval (Org.). A revolução invencível. território mexicano.
Subcomandante Marcos e Exército Zapatista de Libertação Nacional.
Cartas e comunicados. São Paulo: Boitempo, 1998. (adaptado) d) guerra entre Estados Unidos e México, em mea-
dos do século XIX, em que o México perdeu quase
O documento, divulgado no início de 1994 pelo metade de seu território.
Exército Zapatista de Libertação Nacional, refere-se,
e) ditadura militar, no final do século XIX, que devol-
entre outros processos históricos, à veu às comunidades indígenas do México as ter-
a) luta de independência contra a Espanha, no início ras expropriadas e rompeu com o capitalismo
do século XIX, que erradicou o trabalho livre indí- internacional. → DL/CF/SP/H1/H5/H11/H13/H15

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

do-os excessivamente, ora mantendo-os sob forte


Glória feita de sangue sombra.
• Como se desenvolvem os personagens do general
Diretor: Stanley Kubrick
DIVULGAÇÃO

País: E
 stados Unidos
Mireau e do coronel Dax? Eles mantêm as mesmas
Ano: 1957 atitudes durante todo o filme ou transformam-se
gradualmente?
• De que forma o filme apresenta o tribunal militar e a
lógica que orienta seu funcionamento?

Ação
Um general francês ordena um ataque bastante arriscado
a posições alemãs. A ação fracassa e o general, para punir "Isto não é um ataque, é uma carnificina. Você já sabe do nosso
seus subordinados, determina que a artilharia abra fogo fracasso. Não pode pôr a culpa nos soldados, eles fizeram tudo
contra suas próprias forças. O coronel responsável pela arti- que estava a seu alcance. Tampouco podemos culpar os oficiais
lharia recusa-se a cumprir a ordem e o general, então, sub- do front. A culpa toda é do quartel-general. Para dizer a verda-
mete-o, juntamente com alguns soldados, à corte marcial, de, esse último ataque me fez perder a vontade de continuar
acusando-os de covardia diante do inimigo. lutando. Já vi gente pôr em risco milhares de vidas, apenas com
o intuito de ganhar a própria medalha. No momento não há a
Luzes menor possibilidade de derrotarmos os alemães."
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes Carta de um soldado russo, em 1916. Extraído de: ENGLUND, Peter.
nos Procedimentos metodológicos da página 10. A beleza e a dor: uma história íntima da Primeira Guerra Mundial.
Leia o item A Primeira Guerra Mundial (p. 24). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 208-209.

• Caracterize o tipo de ação militar que predominou na A partir da comparação do fragmento de carta com o
Primeira Guerra Mundial e as dificuldades enfrenta- filme, elabore um texto com a seguinte proposta: "'Glória
das pelas tropas. feita de sangue' e a responsabilidade diante da guerra".
• Identifique os blocos de alianças e as potências em Seu texto deverá abordar os seguintes aspectos:
disputa. • Como o filme apresenta a hierarquia militar;
• O respeito às ordens superiores, dentro de uma
Câmera guerra, deve ser irrestrito, mesmo quando a ordem
Durante a exibição do filme, sugerimos que você faça anota- é absurda ou atenta contra si mesmo?
ções sobre os seguintes temas: • Como o filme caracteriza os anseios e as responsa-
• Observe como a iluminação contribui para caracte- bilidades individuais e coletivas dos personagens.
rizar os personagens e suas atitudes, ora iluminan- → D L/CF/SP/CA/EP/H1/H2/H3/H4/H10/H11/H12/H13/H14/
H15/H21/H23/H24

Estante • REED, John. Dez dias que abalaram o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

50 Capítulo 1  Guerra e revolução

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1 (Unesp) A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) 3 (PUC-RS) Dentre os desdobramentos político-
resultou de uma alteração da ordem institucio- -econômicos imediatos na ordem internacio-
nal vigente em longo período do século XIX. nal produzidos pela Primeira Guerra Mundial
Entre os motivos dessa alteração, destacam-se (1914-1918), é correto apontar:
a) a divisão do mundo em dois blocos ideolo- a) o fim dos privilégios aduaneiros da França
gicamente antagônicos e a constituição de no comércio com a Alemanha.
Radar
países industrializados na América. b) o surgimento da Organização das Nações
b) a desestabilização da sociedade europeia Unidas, por meio do Tratado de Sevres.
com a emergência do socialismo e a cons- c) a criação da Iugoslávia, como decorrência
tituição de governos fascistas nos países das questões políticas dos Bálcãs.
europeus. d) a anexação da Palestina, da Síria e do
c) o domínio econômico dos mercados do Iraque ao Império Otomano.
continente europeu pela Inglaterra e o e) a incorporação da Hungria e da Tchecos-
cerco da Rússia pelo capitalismo. lováquia aos domínios austríacos.
d) a oposição da França à divisão de seu terri-
→ DL/SP/H7
tório após as guerras napoleônicas e a apro-
ximação entre a Inglaterra e a Alemanha. 4 (PUC-SP) O fragmento a seguir estabelece uma
e) a unificação da Alemanha e os conflitos relação entre a Revolução Francesa, de 1789,
entre as potências suscitados pela anexa- e a Revolução Russa, de 1917. "Para os socia-
Faça ção de áreas coloniais na Ásia e na África. listas da segunda metade do século XIX [...] a
em se Revolução Francesa é portadora de uma espe-
cadernu
o → DL/SP/H7 rança que tem um nome mas não possui ainda
→ conforme 2 (UFMG) Leia estes trechos de depoimentos de um rosto. Tudo muda com 1917. A partir de
tabelas das ex-combatentes da Primeira Grande Guerra: então a Revolução Socialista possui um rosto: a
páginas 8 e 9. "Uma certa ferocidade surge dentro de você, uma Revolução Francesa deixa de ser a matriz a par-
absoluta indiferença para com tudo o que exis- tir da qual pode e deve elaborar-se uma outra
te no mundo, exceto o seu dever de lutar. Você revolução libertadora."
Tá na rede! está comendo uma crosta de pão, e um homem FURET, F. Ensaios sobre a Revolução Francesa.
é atingido e morto na trincheira perto de você. Lisboa: A Regra do Jogo, 1978. p. 138.
QUESTÕES Você olha calmamente para ele por um momento
Essa relação é possível, entre outros fatores,
DE ENEM e continua a comer o seu pão. Por que não? [...]
pois:
Digite o endereço Aqui desapareceu para sempre o cavalheirismo.
Como todos os sentimentos nobres e pessoais, ele a) a primeira delas foi inspiradora da segun-
abaixo na barra
teve de ceder o lugar ao novo ritmo da batalha da, mas a Francesa teve efeitos apenas
do navegador de
internet: http://goo. e ao poder da máquina. Aqui a nova Europa se nacionais e a Russa expandiu-se para além
gl/xog0Jb. Você revelou pela primeira vez no combate." de suas fronteiras.
pode também tirar b) as duas revoluções contiveram, em seu
Citados por EKSTEINS, Modris. A sagração da primavera.
uma foto com um interior, variadas propostas e revelaram,
Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
aplicativo de QrCode ao final, a vitória de projetos socialmente
para saber mais sobre Com base na leitura desses trechos, é CORRETO transformadores.
o assunto. Acesso em: afirmar que o impacto dessa guerra:
4 abr. 2016. c) a primeira delas foi inspiradora da segun-
a) acelerou o processo de libertação das da, mas a Francesa foi dirigida pelos sans-
colônias afro-asiáticas, que se tornaram -culottes e a Russa pelos bolcheviques.
Estados independentes a partir de então.
d) as duas revoluções manifestaram caráter
b) deu origem a um influente movimento con- exclusivamente político, sendo ambas por-
tra as guerras, que criou uma ordem inter- tadoras de propostas liberais e socialistas.
nacional pacífica.
e) a primeira delas foi inspiradora da segun-
c) levou ao fortalecimento e consolidação dos da, mas a Francesa teve caráter burguês e
regimes liberais já existentes, além de con- a Russa, aristocrático.
Página dedicada a tribuir para o surgimento de novas demo-
questões já aplica- → DL/SP/H9/H10/H13
das em provas do cracias.
ENEM. Busque exer- d) provocou uma crise nos valores dominan- 5 (PUC-RS) Em 1917, liderados por Lênin e
cícios sobre os temas Trótski, os bolcheviques ganharam popularida-
desenvolvidos neste tes até então, gerando descrédito em rela-
capítulo. ção ao humanismo e ao racionalismo. de com as Teses de Abril, enunciadas na plata-
forma "paz, terra e pão", que propunha:
→ DL/SP/H1

Radar 51

OH_V3_Book.indb 51 18/05/16 09:37


a) a manutenção da Rússia na Primeira Guerra incentivos anteriormente concedidos à produção
Mundial, a conquista da Manchúria e a formação agrícola, foi a razão da ruína do campo.
dos sovietes.
→ DL/SP/H8
b) a saída da Rússia da Primeira Guerra Mundial, a
7 (UFMG) No contexto da Revolução Mexicana, na segun-
instauração de uma monarquia parlamentar e a
da década do século passado, o Exército Libertador
formação da Guarda Vermelha.
do Sul, liderado por Emiliano Zapata, sublevou-se
c) a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial, no México. No final do mesmo século, em 1994, no
a instalação da ditadura do proletariado e a ado-
estado sulista de Chiapas, a organização denominada
ção de uma nova política econômica (a NEP).
Exército Zapatista de Libertação Nacional iniciou um
d) a manutenção da Rússia na Primeira Guerra Mundial, movimento rebelde.
o domínio dos estreitos de Bósforo e Dardanelos e a
Os dois movimentos referidos têm vários pontos em
formação de um parlamento (Duma).
comum, entre os quais, destaca-se a luta para:
e) a saída da Rússia da Primeira Guerra Mundial, a a) tomar o poder e implantar governos inspirados nas
divisão das grandes propriedades entre os campo- ideias agraristas do líder chinês Mao Tsé-tung.
neses e a regularização do abastecimento interno.
b) defender os interesses dos operários e traba-
→ DL/SP/H9/H10/H11 lhadores fabris, constantemente violados pelo
6 (UFRJ) Leia o texto a seguir. "Em 1921, o problema Governo mexicano.
nacional central era o da recuperação econômica – o c) destituir as elites dirigentes e instaurar um Estado
índice de desespero do país é eloquente: naquele ano, socialista inspirado na tradição marxista latino-
36 milhões de pessoas não tinham o que comer. Nas -americana.
novas e ruinosas condições da paz, o 'comunismo de d) resgatar as terras dos camponeses de origem indí-
guerra' revelava-se insuficiente: era preciso estimu- gena e conquistar melhores condições de vida
lar mais efetivamente os mecanismos econômicos da para eles.
sociedade. Assim, ainda em 1921, no X Congresso do
Partido, Lênin propõe um plano econômico de emer- → DL/SP/H9/H10/H11
gência: a Nova Política Econômica." 8 (UECE – adaptado) Em Chiapas, no México, em 1994,
NETO, J. P. O que é stalinismo. São Paulo: Brasiliense, 1981. ocorre uma rebelião conduzida pela Frente Zapatista
de Libertação Nacional que reivindica mudanças na
Sobre a chamada Nova Política Econômica é correto
distribuição da terra e benefícios sociais para as
afirmar que:
populações do campo e indígena. Quanto à utilização
a) ela reintroduziu práticas de exploração econômi-
do termo "zapatistas", assinale o correto.
ca anteriores à Revolução Russa de 1917 que se
traduziram num abandono temporário de todas as a) Uma aproximação à imagem de Emiliano Zapata,
transformações socialistas já feitas e um retorno um líder da Revolução Mexicana que, no início do
ao capitalismo. século XX, parecia ser a única esperança para os
camponeses do sul do país.
b) ela consistiu na manutenção de elementos eco-
nômicos socialistas, na organização da econo- b) Uma clara homenagem ao ex-presidente espanhol
mia (como o planejamento) e na permissão para José Luiz Rodríguez Zapatero, que à época da rebe-
o estabelecimento de elementos capitalistas por lião, era militante do Partido dos Trabalhadores
meio da livre iniciativa em certos setores. Socialistas Espanhol (PSOE) e porta-voz interna-
cional das minorias mexicanas.
c) ela significou fundamentalmente uma reforma
agrária radical que promoveu a coletivização for- c) Referência a Zapata, território localizado no
çada das propriedades agrárias e a construção de pequeno estado mexicano de Morelos, cuja popu-
fazendas coletivas, os Kolkhozes. lação de índios e camponeses, há séculos, resiste
às violentas expropriações dos fazendeiros sobre
d) seu resultado foi catastrófico, mesmo permitindo
suas comunidades.
a volta controlada de relações capitalistas na eco-
nomia, já que ela ampliou ainda mais o nível de d) Uma homenagem aos irmãos Emiliano e Eufêmio
desemprego e produziu fome em grande escala. Zapata, pequenos proprietários de terras, no esta-
do de Morelos, que injustamente tiveram suas ter-
e) ela significou, com a abertura para o capitalismo,
ras expropriadas por grandes fazendeiros e foram
um aumento substancial da produção industrial,
brutalmente assassinados.
mas, ao mesmo tempo, por ter retirado todos os
→ DL/SP/H3/H8/H11

52 Capítulo 1  Guerra e revolução

OH_V3_Book.indb 52 18/05/16 09:37


Capítulo

10
2 O destino bate
à sua porta
DE OLHO nos

O
sol parece escaldante. Um olho. Talvez uma flor. Ou uma Conceitos
fruta tropical. A figura humana é distorcida. A pequena cabe-
ça, distante, apoia-se sobre um fino braço. Quem sabe, uma • Modernismo
diminuta dimensão para a vida intelectual. Um enorme pé descalço • Tenentismo
encaminha o olhar do espectador para o chão, verde, da cor do cacto • Ditadura
que se ergue na vertical. O país é grande, quase um gigante sonolento
e inerte. Sonho e realidade, passado e futuro, verde e amarelo. E azul. • Nazifascismo
Essa é uma descrição do qua- nome a uma revista de circulação
• Antissemitismo
dro da pintora brasileira Tarsila entre a vanguarda cultural do país. • Corporativismo
do Amaral, batizado de Abaporu,
que em tupi significa "aquele que
Tupi or not tupi, that is the question
era o dilema satírico dos modernis-
• Totalitarismo
come". Ele se tornou um dos sím- tas anunciado por Oswald nesse • Proletariado/
bolos do movimento modernista mesmo ano.
classe operária
brasileiro, por sua tentativa de com- Desde o início do século, as • Estado de
binar as particularidades nacio- oposições marcantes da realida- compromisso
nais com as tendências artísticas de brasileira (campo/cidade, bran-
mundiais, a herança cultural e os co/mestiço, rico/pobre, cosmopoli-
impulsos de modernização. Tenta- ta/brasileiro, imigrante/nacional)
va-se entender o Brasil para trans- eram apresentadas nas obras de
formá-lo, procurando alimentar-se autores como Graça Aranha, Lima
MUSEU LATINOAMERICANO, BUENOS AIRES, ARGENTINA
do que lhe seria particular e do que Barreto e Euclides da Cunha. A
seria proveniente de fora. Em resu- inquietação com os problemas
mo, devorar o que a cultura ociden- nacionais esteve no centro da pro-
tal tinha a oferecer, sem perder a dução de artistas e escritores de uma
identidade nacional. Comer o inva- nova geração capitaneada por Mário
sor, como alguns nativos antropó- de Andrade, Oswald de Andrade,
fagos fizeram com os portugueses. Sérgio Milliet, Anita Malfatti, Heitor
A antropofagia virou teoria nas Villa-Lobos, Lasar Segall, Tarsila do
mãos do escritor Oswald de Andra- Amaral, Manuel Bandeira, Menotti
de. Anos depois, em 1928, deu del Picchia e tantos outros.

Abaporu, Tarsila do Amaral.


Óleo sobre tela, 1928.

53

OH_V3_Book.indb 53 18/05/16 09:37


1 O Brasil entre o moderno
e o arcaico

F
uturismo, cubismo, expressionismo, modernismo. Diversas
tendências artísticas eram incorporadas às expressões cultu-
rais dessa elite brasileira que se empenhava em redescobrir
o Brasil. Buscavam-se novas linguagens para expressar os elemen-
tos nacionais. Os temas urbanos, as questões sociais e o folclore
brasileiro seriam tratados em versos livres, distantes das rígidas
métricas acadêmicas. A língua portuguesa deveria se desligar das
padronizações lusitanas e assumir sua feição mais genuína e, por-
tanto, particular. A pintura e a escultura disporiam de formas geo-
métricas, fazendo a defesa da tecnologia e do progresso científico.
As palavras de ordem eram renovação e compromisso com a civili-
zação técnica.
Os modernistas Evidenciando uma tendência mundial, os modernistas brasilei-
René Thiollier (1); Manuel Bandeira (2); ros dividiram-se, basicamente, em dois grupos: o Movimento Pau
Mário de Andrade (3); Manoel Vilaboin -Brasil, que aglutinava, em sua maioria, artistas e intelectuais de
(4); Francesco Pettinati (5); Cândido Motta esquerda, muitos dos quais, nos anos seguintes, ingressariam no
Filho (6); Paulo Prado (7); não identifica-
do (8); Graça Aranha (9); Afonso F. Schmidt
Partido Comunista; e o Grupo Verde-Amarelo, depois transforma-
(10); Goffredo da Silva Telles (11); Couto do em Grupo da Anta, defensor de um nacionalismo ufanista e que
de Barros (12); Tácito de Almeida (13); tendia à direita. Alguns dos integrantes deste último grupo, como
Luís Aranha (14); Oswald de Andrade (15); Plínio Salgado, organizariam, na década de 1930, a versão tupini-
Rubens Borba de Moraes (16).
quim do nazifascismo, o integralismo.
Integrantes do Movimento
Apesar de contundentes, as armas da cultura não consegui-
Modernista, São Paulo, 1922.
ram pôr fim ao regime oligárquico. A revolta das letras, dos acor-
des e das tintas não ia além dos sofisticados salões e teatros da
ACERVO ICONOGRAPHIA

elite brasileira. Num país com alto índice de analfabetismo, a cul-


tura erudita não mobilizava a população. O Brasil era tão comple-
xo, com realidades regionais e sociais tão diversas, caracterizado
pelo alijamento permanente dos grupos subalternos das instân-
cias decisórias, que as vanguardas políticas e culturais não con-
seguiam tornar-se canal de expressão do descontentamento dos
demais setores da sociedade.

A semana de Arte Moderna


No ano do centenário da independência do Brasil, um grupo de
letrados, a maioria bem-nascida em famílias de cafeicultores, orga-
nizou uma semana de exposições e apresentações artísticas com o
objetivo de "chocar" a opinião pública. No Teatro Municipal de São
Paulo, nas noites de 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, pintores, escul-
tores e músicos apresentaram-se para a elite paulistana. A provoca-
ção surtiu efeito. Apesar de patrocinados pelo presidente do estado
de São Paulo, Washington Luís, as últimas apresentações transcor-
reram sob ruidosas vaias e apupos.

54 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

OH_V3_Book.indb 54 18/05/16 09:37


História E Literatura>> " Macunaíma, o A reação republicana
herói sem nenhum caráter" Em alguns momentos da história política da República
Em Macunaíma, escrito em 1926, Mário de Andrade reu- Oligárquica, setores urbanos foram atraídos por cam-
niu lendas indígenas, ditados populares, crenças e cos- panhas eleitorais que revelavam desacordo entre as
tumes dos brasileiros. O herói, negro, indígena e bran- oligarquias dominantes. Tinha sido o caso das cam-
co, tem sua identidade nacional marcada pela combina- panhas de Rui Barbosa em 1910, 1914 e 1919. Nesta
ção de vários elementos. Quem é o brasileiro? É o negro, última, apesar da falta de apoio de qualquer oligarquia
o indígena, o branco, são os mestiços. Da Amazônia, importante, Barbosa conseguiu vencer na cidade do
do Nordeste e do Sul. Na história de Mário de Andrade, Rio de Janeiro, capital do país.
Macunaíma parte da floresta para São Paulo em busca Em 1921, as oligarquias do Rio Grande do Sul, da
de um amuleto, a pedra muiraquitã, que ganhara de sua Bahia, de Pernambuco e do Rio de Janeiro uniram-se,
amada e fora roubada pelo gigante Piaimã. Leia um tre- formando a Reação Republicana, com Nilo Peçanha
cho dessa importante obra da literatura modernista:
como candidato às eleições presidenciais de março de
"Às mui queridas súditas nossas, Senhoras 1922 contra Artur Bernardes (mineiro), candidato das
Amazonas. oligarquias de Minas Gerais e São Paulo. A campanha
Trinta de Maio de Mil Novecentos e Vinte e Seis, São da oposição, realizada em meio à grave crise econômi-
Paulo. Senhoras: ca do pós-guerra, criticava a política de valorização do
café, cujos efeitos eram a inflação e o desemprego, e
Não pouco vos surpreenderá, por certo, o endere-
assim obtinha simpatias nas grandes cidades. Apesar
ço e a literatura desta missiva. Cumpre-nos, entretan-
to, iniciar estas linhas de saudades e muito amor, com disso, a política do Café com Leite prevaleceu sobre a
desagradável nova. É bem verdade que na boa cidade de Reação Republicana. Bernardes obteve 155 mil votos a
São Paulo – a maior do universo, no dizer de seus pro- mais que seu concorrente.
lixos habitantes – não sois conhecidas por 'icamiabas',
voz espúria, sinão que pelo apelativo de Amazonas; e de
vós, se afirma, cavalgardes ginetes belígeros e virdes da
O Tenentismo
Hélade clássica; e assim sois chamadas. […] Além das rivalidades oligárquicas, Artur Bernardes foi
É São Paulo construída sobre sete colinas, à feição envolvido em desavenças com o exército durante a dis-
tradicional de Roma […] e beija-lhes os pés a grácil e puta eleitoral. Cartas falsas foram publicadas no jornal
inquieta linfa do Tietê. As águas são magníficas, os ares carioca Correio da Manhã, nas quais Bernardes desonra-
tão amenos quanto os de Aquisgrana ou de Anveres. […] va a corporação militar, proferindo insultos ao seu prin-
Cidade é belíssima, e grato o seu convívio. Toda cor- cipal líder, o ex-presidente Hermes da Fonseca. Os mili-
tada de ruas habilmente estreitas e tomadas por está- tares exigiram a retirada da candidatura de Bernardes e
tuas e lampiões graciosíssimos e de rara escultura. […] passaram a apoiar Nilo Peçanha. A eleição transcorreu
Assim tão bem organizados vivem e prosperam os
em clima de tensão, com os militares conspirando con-
Paulistas na mais perfeita ordem e progresso. […]
tra o governo civil. Antes da posse do novo presidente,
Porém, senhoras minhas! Inda tanto nos sobra,
o exército foi designado para intervir em movimenta-
por este grandioso país, de doenças e insetos por cui-
dar!… Tudo vai num descalabro sem comedimento, e ções populares em Pernambuco.
estamos corroídos pelo morbo e pelos miriápodes! Em O marechal Hermes da Fonseca, presidente do
breve seremos novamente uma colônia da Inglaterra ou Clube Militar, condenou publicamente a intervenção
da América do Norte!… Por isso e para eterna lembran- decretada pelo então presidente Epitácio Pessoa (1919-
ça destes Paulistas, que são a única gente útil do país, e -1922). O marechal foi preso e o Clube Militar, fechado
por isso chamados de Locomotivas, nos demos ao traba- por ordem do governo.
lho de metrificarmos um dístico, em que se encerram os Poucos dias depois, em 5 de julho de 1922, no Rio
segredos de tanta desgraça: de Janeiro, o forte de Copacabana foi tomado por um
'POUCA SAÚDE E MUITA SAÚVA, OS MALES DO levante liderado por oficiais de nível intermediário,
BRASIL SÃO'." em sua maioria tenentes e capitães. Cercados e bom-
ANDRADE. M. de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. bardeados, 17 rebeldes deixaram o forte no dia seguin-
16. ed. São Paulo: Martins, 1978. p. 95-105. te, de armas na mão, e percorreram a praia de Copa-
cabana, caminhando ao encontro das forças leais ao

O Brasil entre o moderno e o arcaico 55

OH_V3_Book.indb 55 18/05/16 09:37


governo. No trajeto, um civil incorporou-se ao grupo. O que não propunha mudanças nas estruturas econômicas
embate resultou na morte de 16 revoltosos. Restaram e políticas do país. Ao mesmo tempo, apesar de expres-
feridos os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos, sarem um mesmo sentimento de oposição ao regime oli-
os únicos remanescentes dos Dezoito do Forte, origem gárquico, os tenentes desejavam apenas o apoio da popu-
do tenentismo, como seria lembrado o movimento. lação civil, não procurando estabelecer uma intervenção
conjunta com camponeses, operários e classes médias,
A Coluna Prestes-Miguel Costa por exemplo, de maneira a realizar uma ampla revolução
Exatamente dois anos após o Levante de Copacabana, no social. A regeneração da República, na visão desses mili-
dia 5 de julho de 1924, oficiais de São Paulo iniciaram um tares, não deveria ampliar a participação política dos gru-
novo movimento militar que conseguiu manter a capital pos desfavorecidos.
do estado sob o seu controle durante 22 dias. Liderados Luís Carlos Prestes, conhecido como Cavaleiro da
pelo general Isidoro Dias Lopes, pelo major Miguel Costa Esperança por suas andanças pelo Brasil de 1924 a
tista_cap 06_pg e111y pelos tenentes Juarez Távora e Eduardo Gomes, procura- 1927, manteve-se distante dos movimentos popula-
vam derrubar o presidente da República, Artur Bernardes. res. Mesmo a elite militar mais rebelde não incluiria os
Em poucos dias chegavam notícias de outros levantes em grupos subalternos no seu projeto de tomada do poder.
movimento
Sergipe, Amazonas tenentista_cap
e Rio Grande do Sul. 06_pg 111yDurante a República Oligárquica, até mesmo a revolu-
Derrotados no Sul e em São Paulo, os rebeldes orga- ção era coisa para poucos.
nizaram duas colunas militares que acabaram por se
fundir em 1925. No Sul, sob a lide-

MÁRIO YOSHIDA
A COLUNA PRESTES-MIGUEL COSTA (1924-1927)
rança do capitão Luís Carlos Pres-
tes, formava-se a Coluna Gaúcha.
Manaus
De São Paulo, partia a Coluna Belém Pau-

AMAZONAS
lista. Com a fusão, o comando foi Fortaleza
1924 Teresina
entregue a Miguel
PARÁ
1924
Costa e aMARANHÃO
chefia CEARÁ RIO GRANDE
DO NORTE
Iguatu
Natal
do Estado-maior, a Prestes.Uruçuí Com Picos
Manaus
Belém
Piancó PARAÍBA Paraíba
Floriano
efetivo militar que chegou a con- PIAUÍ AMAZONAS
Pedro Afonso PERNAMBUCO Recife
Fortaleza
1924 Teresina
tar 1 500 homens e a percorrerBomanso 24 Sento Sé
Maceió
PARÁ
1924 MARANHÃO CEARÁ RIO GRANDE
DO NORTE
ALAGOAS Iguatu
Porto Nacional Natal
mil quilômetros, a Coluna Pres- BAHIA SERGIPE 1924 Aracaju Uruçuí
Picos
PARAÍBA Paraíba
MATO GROSSO Lençois Floriano Piancó
tes-Miguel
1924 Costa cortou GOIÁSo territó-
Taguatinga
Salvador Pedro Afonso PIAUÍ PERNAMBUCO Recife
Rio das Contas
rio brasileiro, adotando
Niquelândia táticas de
ACREPosse
Bomanso
Sento Sé
Maceió
Porto Nacional ALAGOAS
BOLÍVIA guerrilha contra Goiás
Cuiabá as forçasAnápolis
leais ao OCEANO
BAHIA SERGIPE
1924 Aracaju
MATO GROSSO Lençois
San Martingoverno. Já exauridos, no começo
Jataí ATLÂNTICO 1924 GOIÁS Taguatinga
Salvador
Coxim MINAS GERAIS Rio das Contas
de 1927 os rebeldes exilaram-se Niquelândia Posse
Camapuã Belo Horizonte ESPÍRITO SANTO
na Bolívia e no Paraguai. BOLÍVIA
Vitória Cuiabá Goiás
Anápolis OCEANO
Campo Grande
SÃO PAULO San Martin
ATLÂNTICO
Programa reformista
Porto Murtinho Ponta Porã 1924 Jataí
RIO DE JANEIRO (1922) MINAS GERAIS
Rio de Janeiro Coxim
PARAGUAI (Distrito Federal) Belo Horizonte ESPÍRITO SANTO
O tenentismo, que promoveuSão
PARANÁ uma
Paulo Camapuã
OCEANOCuritiba Vitória
Foz do Iguaçu
intensa campanha de desestabi-
PACÍFICO Porto Murtinho
Campo Grande
SÃO PAULO
SANTA Ponta Porã 1924 RIO DE JANEIRO (1922)
lização do governo ArturFlorianópolis
Santo Ângelo CATARINA Bernar- PARAGUAI
Rio de Janeiro
São Luís Gonzaga Cruz Alta (Distrito Federal)
des, não foi capaz de fortalecer a PARANÁ
São Paulo
RIO GRANDE Curitiba
participação dos grupos
DO SUL urbanos
Porto Alegre Foz do Iguaçu
ARGENTINA 1924 SANTA
na política nacional. Defendia um Santo Ângelo CATARINA Florianópolis
URUGUAI 0 365 São730
Luískm
Gonzaga Cruz Alta
programa reformista, calcado no
RIO GRANDE
nacionalismo e na purificação das DO SUL Porto Alegre
ARGENTINA 1924
instituições republicanas, com a
URUGUAI 0 365 730 km
diminuição do poder das oligar- Coluna Paulista (1924)
Coluna Gaúcha (1924-25)
quias regionais e, se necessário, a Coluna Prestes
Fonte: Elaborado com base em PRESTES, A. L. Uma epopeia
implantação de uma ditadura. Con- Do Paraná a Minas Gerais brasileira: a Coluna Prestes. São Paulo: Moderna, 1995.
(dezembro de 1924 a abril de 1925)
teúdo ameno e intervenção radical De Minas Gerais à Bolívia
Coluna Paulista (1924)
(abril de 1926 a fevereiro de 1927) Coluna Gaúcha (1924-25)
foram as marcas de um movimento Coluna Prestes
Do Paraná a Minas Gerais
(dezembro de 1924 a abril de 1925)
56 Capítulo 2  O destino bate à sua porta De Minas Gerais à Bolívia
(abril de 1926 a fevereiro de 1927)

OH_V3_Book.indb 56 18/05/16 09:37


movimento operário com o intuito de interferir, de manei-
O Partido Comunista (PCB) ra mais consistente, na política brasileira. Os principais
Enquanto os tenentes percorriam o Brasil, o PCB lançava pontos de seu programa eram: instituição do voto secre-
uma ofensiva para obter a hegemonia do movimento ope- to, reconhecimento diplomático da União Soviética, defe-
rário e realizar a tão sonhada revolução social. Três meses sa de uma política anti-imperialista e derrubada das oli-
após sua fundação, teve seu registro cassado e passou a garquias. O PCB havia atravessado brevíssimos períodos
atuar ilegalmente. Integrante da Terceira Internacional, de legalidade (ou seja, direito de existência oficial): pri-
organização política fundada em 1919 em Moscou pelos meiro, entre março e junho de 1922; segundo, entre janei-
bolcheviques, o PCB esteve sempre afinado com as dire- ro e agosto de 1927. Foi nesse segundo período que o PCB
trizes estabelecidas pela União Soviética. Em 1924, a Ter- elegeu seu primeiro deputado federal, o médico Azeredo
ceira Internacional recomendava aos comunistas de todo Lima. No ano seguinte, foram eleitos como vereadores do
o mundo a formação de frentes políticas que permitissem Distrito Federal, pelo BOC, Otávio Brandão e Minervino de
a aliança com setores considerados comprometidos com a Oliveira. A essa altura, lideranças comunistas dirigiam-se
causa de operários e camponeses. para a Bolívia, com o intuito de estabelecer uma aliança
Em 1927, seguindo essa orientação, o PCB lançava o com os remanescentes da Coluna Prestes. Era uma tenta-
Bloco Operário e Camponês (BOC), com o qual preten- tiva de compor um hino revolucionário a partir das melo-
dia aglutinar representantes das diversas tendências do dias isoladas e fragmentadas de tenentes e operários.
ACERVO ICONOGRAPHIA

Cartaz de campanha do Bloco Operário e Camponês (BOC), 1928.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 O que era a antropofagia cultural defendida pelos 3 Defina tenentismo. Quais eram as propostas desse
modernistas? → DL/SP/H11 movimento? → DL/SP/H9/H10/H11
2 Quais eram os dois principais grupos do modernismo 4 Modernismo, tenentismo e BOC constituíram três
brasileiro? Quais as suas diferenças ideológicas? formas de contestação ao regime oligárquico.
→ DL/SP/H9/H11 Identifique os pontos em comum dessas vanguardas.
→ DL/CF/SP/H9

O Brasil entre o moderno e o arcaico 57

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2 A crise de 1929: dos
Estados Unidos ao Brasil

C
oke, jazz, Ford, United Fruit, Lee, Singer, dollar: a economia mun-
dial começava a sentir a presença dos Estados Unidos no início
do século XX. Os impressionantes avanços tecnológicos verifica-
dos na época lançaram as principais potências capitalistas numa inten-
sa disputa por mercados consumidores de seus produtos industrializados
◀ ANOS

cronologia
e fornecedores de matérias-primas. Os Estados Unidos, uma das bases da
da crise
Segunda Revolução Industrial, transformaram a América Central em sua
O presidente dos Estados 1920 principal área de influência, controlando a economia e a política dos países
Unidos, Woodrow Wilson, ▾
recebe o Nobel da Paz por seus da região.
esforços diplomáticos ao final
da Primeira Guerra.
No início da década de 1920, os Estados Unidos viviam um perío-
do de incrível crescimento econômico. A Primeira Guerra Mundial havia
Produção industrial 1928
dos Estados Unidos representa ▾ abalado a economia das potências europeias, que tiveram áreas de plan-
45% da produção mundial.
tio destruídas e sua capacidade industrial severamente reduzida. Fran-
Terça-feira, 3 de setembro: 1929 ça e Grã-Bretanha, embora vencedoras na guerra, estavam endividadas;
O índice da Bolsa de Nova ▾
York atinge o recorde a Alemanha, arrasada. Ampliou-se, assim, significativamente, o mercado
de 381,17 pontos. consumidor para as exportações estadunidenses e os Estados Unidos tor-
Quinta-feira, 24 de outubro:
naram-se, em poucos anos, responsáveis por quase um terço da produção
A Bolsa cai 9%. Doze milhões de
ações trocaram de mãos, quando industrial do mundo e o principal exportador.
a média diária era de 4 milhões. A classe média estadunidense aproveitava a explosão de crescimen-
O pânico toma as ruas
de Nova York. to e elevava significativamente seu padrão de consumo, valendo-se do
Quarta-feira, 13 de novembro: aumento de recursos e da ampliação do crédito. Bens duráveis, como
A Bolsa fecha a 198,6 pontos, geladeiras e enceradeiras, alimentos industrializados e roupas compra-
o menor índice do ano.
das prontas tornaram-se comuns nas casas. A oferta de energia elétrica,
Uma perda de quase
48% em relação ao pico a construção civil e a indústria automobilística ampliaram-se, oferecen-
de 3 de setembro.
do bases para o avanço nos demais setores da economia. O automóvel
Adoção de medidas 1930 ganhou as ruas: havia um para cada seis pessoas – na Europa, a propor-
protecionistas por parte do ▾
governo dos Estados Unidos ção era de um para quase 90. O presidente Herbert Hoover (1874-1964)
tentando reduzir as importações.
celebrava o momento, proclamando "Com a ajuda de Deus, logo chegará o
A Bolsa fecha a 41,22 pontos, 1932 dia em que a pobreza será banida da nação".
uma queda de 89% em relação ▾
ao pico de setembro de 1929. A Bolsa de Valores também se expandiu em meio à efervescência dos
Eleição de Franklin Delano recursos disponíveis e à ótima condição das empresas. O valor de merca-
Roosevelt como presidente
dos Estados Unidos. do das ações subia rapidamente e gerava a crença num crescimento inin-
A taxa de desemprego nos 1933 terrupto e na riqueza rápida. Grandes e pequenos investidores aposta-
Estados Unidos atinge 25%. ▾ vam no mercado financeiro, que também atraía, com seu vigor, recursos
Início do New Deal.
estrangeiros.
Início da Segunda 1939
Guerra Mundial. ▾

A taxa de desemprego nos 1940 O crack da Bolsa de Nova YorK


Estados Unidos cai para 14%. ▾
A Europa, em reconstrução, restabelecia lentamente sua produção indus-
Em função do crescimento 1943 trial. Para acelerar o processo, alguns governos adotaram medidas pro-
industrial gerado pela ▾
guerra, a taxa de desemprego tecionistas para a indústria local, aumentando a tributação dos produtos
cai para menos de 2%.
estrangeiros e dificultando a importação. O procedimento reduziu o merca-
do externo para os produtos estadunidenses.

58 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

OH_V3_Book.indb 58 18/05/16 09:37


Faça
Segundo alguns estudiosos, o entusiasmo vivido den-
tro dos Estados Unidos era tamanho que impedia a per- Tá ligado?! em se
cadernu
o
cepção clara dos novos rumos da economia internacional. (UEL-PR) O crack da Bolsa de Valores de Nova
As fábricas dos Estados Unidos demoraram a diminuir sua York, em 1929, provocou falências de centenas de
produção e seus estoques cresceram desmedidamente, indústrias, de bancos, de companhias de comércio
tornando-se muito superiores à demanda do mercado. As e de transportes, e um desemprego em massa, que
empresas enfrentavam problemas, mas a euforia na Bolsa chegou a alcançar cerca de 15 milhões de trabalha-
de Valores prosseguia e as ações continuavam a subir. O dores nos Estados Unidos. No plano internacional, é
valor de mercado das ações era impulsionado pelo amplo correto afirmar que essa crise financeira
crédito disponível aos pequenos investidores. Além disso, a) não afetou o desenvolvimento das economias dos
alguns grandes empresários, ao perceber a redução das países europeus.
exportações, deslocavam capitais do setor produtivo para b) contribuiu para ampliar a comercialização de
o financeiro: a produção ruía e a Bolsa prosperava. matérias-primas dos países subdesenvolvidos.
Em setembro de 1929, as compras de ações começa- c) não teve desdobramentos, já que era um fenôme-
ram a diminuir e cresceram os rumores de que a situa- no restrito aos Estados Unidos.
ção econômica era cada vez mais difícil. Para evitar gran- d) provocou graves consequências para os países
que exportavam para os Estados Unidos.
des perdas, muitos investidores passaram a se desfazer
de suas ações. A oferta excessiva desses papéis provocou e) teve repercussões apenas nos países que perde-
ram a Primeira Guerra Mundial.
a rápida queda de seu valor. Na final de outubro, ocorreu
o chamado crack da Bolsa de Nova York: as ações des- → DL/SP/H7
pencaram rápida e conjuntamente. → conforme tabelas das páginas 8 e 9.

História E Atualidades>> O
 funcionamen-

ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
to da Bolsa de Valores
Quando uma empresa deseja captar recursos, ela abre
seu capital ao mercado, vendendo ações. Cada ação
representa uma parcela da empresa e seu valor real é
proporcional ao valor da empresa. A princípio, quan-
do os lucros da empresa crescem, o valor das ações
sobe; quando eles declinam, as ações caem. No entan-
to, se houver grande procura por certas ações, seu preço
– valor de mercado – pode subir, independentemente
da condição financeira da empresa. Da mesma forma,
uma notícia ruim, verdadeira ou não, sobre determina- Operadores da Bolsa de Valores de São Paulo, 1997.
da empresa pode derrubar o valor de mercado de suas MAURICIO LIMA/AFP

ações, mesmo que a empresa esteja num bom momento.


Os acionistas procuram garantir e ampliar os recur-
sos que investiram, comprando e vendendo ações, con-
forme seu valor real e de mercado oscila. A compra e
a venda muitas vezes são decididas em instantes. Era
comum, até recentemente, ver os operadores do merca-
do financeiro, no pregão da Bolsa, aos gritos, agitados,
com diversos aparelhos telefônicos nas mãos, comuni-
cando-se com os clientes e tentando obter ganhos rápi-
dos. De uns anos para cá, o mecanismo de negócios con-
tinua o mesmo, mas essas cenas acabaram. Em São
Paulo, por exemplo, o pregão tornou-se eletrônico em
julho de 2009. No lugar dos gritos e telefones, computa-
Bolsa de Valores de São Paulo, 29 de junho de 2009.
dores, acelerando as operações.

A crise de 1929: dos Estados Unidos ao Brasil 59

OH_V3_Book.indb 59 18/05/16 09:37


Especulação e crise O crack provocou a falência de mais de 80 mil
empresas. A indústria siderúrgica e a construção civil,
Durante a fase da alta da bolsa de Nova York, muitas pes-
dois dos motores do crescimento do país na década
soas contraíram empréstimos bancários para apostar em
anterior, encolheram drasticamente, passando a utili-
ações. Havia grande quantidade de recursos financeiros
zar apenas de 5 a 10% de sua capacidade.
no mercado e as taxas de juros eram baixas. Para mui-
O desemprego cresceu rapidamente, atingindo, em
tos, valia a pena tomar empréstimos para especular: os
1932, um quarto dos estadunidenses. A má distribuição
rendimentos das ações cobriam os juros cobrados pelo
de renda, que o crescimento dos anos anteriores à crise
emprestador e ainda garantiam ganhos. Quando ocorreu
nublara, contribuía para agravar a situação da popula-
o crack, grandes e pequenos investidores se arruinaram.
ção mais pobre, que já sofria, desde a metade da déca-
Depois de outubro de 1929, esses investidores tinham
da, com aumentos de preços muitos superiores aos rea-
dívidas altíssimas sem recursos para saldá-las.
justes salariais.
Os rumores de que os bancos não garantiriam mais
Os Estados Unidos saíam do frenesi dos anos 1920
os depósitos de seus correntistas levaram milhares de
e imergiam na Grande Depressão. Em várias partes do
pessoas às agências para sacar seus saldos. Além da
país, a população de rua aumentava, pessoas cercavam
confusão, a onda de retiradas agravou a descapitaliza-
os caminhões de lixo para conseguir comida e ondas
ção dos bancos. Diversos relatos de suicídios começa-
de saques varreram os centros comerciais de algumas
ram a circular e, mesmo se falsos, revelavam o deses-
cidades.
pero generalizado.
KEYSTONE/GETTY IMAGES

Hulton Archives/Getty Images


Multidão reunida em frente ao edifício do Tesouro Grande Depressão: mulheres servem sopa e pão a homens
Nacional, no lado oposto da Bolsa de Valores. Wall Street, desempregados. Los Angeles, Estados Unidos, jan. 1930.
Nova York, outubro de 1929.

O New Deal do deveria aumentar os tributos dos mais ricos para, com
Desgastado pela crise, o presidente Hoover, que pou- os recursos, financiar a abertura de frentes de trabalho,
cos anos antes previra o fim da pobreza, foi facilmente gerando empregos.
derrotado por Franklin Delano Roosevelt (1883-1946), Com mais trabalhadores empregados e recebendo
candidato do Partido Democrata, nas eleições presiden- salários regulares, ocorreria um reaquecimento do con-
ciais de 1932. Ao contrário de Hoover, Roosevelt prega- sumo que, por sua vez, ajudaria na recuperação econô-
va a forte intervenção do Estado na economia, para ace- mica e iniciaria um novo ciclo de abertura de postos de
lerar a recuperação econômica. Desde a campanha, ele trabalho, de mais consumo e mais produção.
já defendia a aplicação de um conjunto de ajustes, inti- Entre outras medidas, o governo Roosevelt reduziu a
tulado New Deal (Novo Acordo). jornada de trabalho, para abrir novos postos. Coordenou
O princípio que orientava a proposta de Roosevelt a construção de hospitais, aeroportos, barragens, estra-
era privilegiar a criação de empregos por meio de obras das, pontes, usinas hidrelétricas e sistemas de águas e
públicas gerenciadas pelo Estado. O programa coinci- esgotos. A abertura de 40 mil novas escolas, além da
dia com as ideias do economista liberal britânico John mão de obra necessária para a construção civil, gerou
Maynard Keynes (1883-1946), que defendia que o Esta- empregos para dezenas de milhares de professores.

60 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

OH_V3_Book.indb 60 18/05/16 09:37


Desde 1919, a crise espalhara-se pelo mundo. Ape-
BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON D.C., Estados Unidos
nas a União Soviética, isolada comercial e politicamen-
te desde a revolução de 1917, não foi afetada. Ao con-
trário, crescia em ritmo acelerado, a partir do sucesso
econômico dos planos quinquenais. França e Grã-Bre-
tanha, que, em 1929, haviam começado a se recuperar
dos estragos da guerra, imergiram na crise e viram os
índices de pobreza voltarem a crescer. Os países lati-
no-americanos, bastante dependentes das exportações
para os Estados Unidos e a Europa ocidental, enfren-
taram quedas drásticas na sua receita e assistiram ao
crescimento dos estoques de seus produtos e, em mais
de uma ocasião, tiveram que destruí-los: o Brasil, por
exemplo, queimou grandes quantidades de café; a
Argentina destruiu toneladas de trigo e jogou carrega-
mentos de carne no mar.
Nos países que não se beneficiaram com a Primeira
Guerra Mundial, como a Itália, e naqueles que haviam
saído derrotados – Alemanha e Áustria, principalmente –,
a situação era ainda mais dramática. Além dos efeitos
O trabalho paga a América! Prosperidade, Vera Bock. da crise mundial, eles precisavam realizar investimen-
Cartaz de propaganda, WPA, Nova York, 1936-1941.
tos na reconstrução interna e pagar as grandes indeni-
zações que lhes foram impostas pelos acordos de paz
A construção civil foi auxiliada também pelo finan-
de 1919. A insatisfação alastrava-se entre a população
ciamento de habitações populares. As atividades cultu-
e facilitava a ascensão de grupos autoritários e radicais,
rais e de lazer foram estimuladas com a abertura de par-
que propunham transformações completas na política
ques, praças e quadras esportivas, edificação de teatros
e na sociedade, desprezavam o liberalismo e temiam o
e desenvolvimento de programas de apoio à produção
socialismo. A porta para a expansão do fascismo fora
musical e teatral.
definitivamente aberta.
No setor agrícola, Roosevelt aplicou uma políti-
ca de aumento e fixação dos rendimentos de agricul-
tores, garantindo seu sustento e limitando a produção.
Faça
Estoques de algodão, milho e trigo foram destruídos.
Evitava, assim, a superprodução e elevava os preços,
Tá ligado?! em se
cadernu
o

que haviam caído em função do excesso de oferta. Ao (Cesgranrio) A política "New Deal" (1933-39),
mesmo tempo, ofereceram-se facilidades para a expor- implementada nos Estados Unidos pelo presidente
tação, como redução ou abolição de impostos e baratea- Franklin Roosevelt, significou um(a):
mento do custo do transporte. Foram criadas linhas de a) combate ao liberalismo através da contenção dos
empréstimos com baixas taxas de juros para a recupe- níveis de consumo interno.
ração de empresas que enfrentavam dificuldades e para b) estímulo à política de criação de empregos com
estimular a retomada da produção industrial. grandes investimentos em infra-estrutura.
c) proibição da emissão monetária, o que impediu o
A crise mundo afora crescimento da inflação.
Os resultados do New Deal foram significativos, mas
d) retração da produção industrial, o que provocou o
insuficientes para, a curto prazo, superar plenamen-
recrudescimento da economia.
te a crise. Em 1935, os índices de consumo já haviam
e) redução acentuada dos gastos governamentais, o
aumentado em 50%, mas o ritmo de crescimento eco-
que estabilizou as finanças públicas.
nômico ainda era insuficiente e o número de desempre-
gados persistia alto: cerca de 9 milhões de pessoas, que → DL/CF/H9
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.
representavam 7% da população.

A crise de 1929: dos Estados Unidos ao Brasil 61

OH_V3_Book.indb 61 18/05/16 09:37


brasil: Café torrado A Aliança Liberal
A distante fumaça preta era frequente. Fazia parte da Nessa conjuntura, as rivalidades oligárquicas transfor-
paisagem do interior de São Paulo e do porto de San- maram-se em dissidências, comprometendo o arranjo
tos. Mas, naqueles anos que se seguiram a 1929, tor- político do regime amarrado, desde 1898, pela Política
nou-se inquietante. O cheiro de café queimado e a dos Governadores. Em 1926 foi fundado em São Paulo
fuligem tomavam os ares do estado e consumiam boa o Partido Democrático (PD), liderado por cafeicultores
parte de suas grandes fortunas. que se consideravam prejudicados em suas atividades,
O clima era de pânico. Produtores arruinados ven- representantes da burguesia industrial e profissionais
diam suas fazendas a imigrantes enriquecidos e já adap- liberais (advogados, médicos, jornalistas etc.). Procuran-
tados ao Brasil. Alguns poucos, mais orgulhosos, man- do apoio das classes médias urbanas, o PD apresentava
tiveram-se até o fim, apegados às suas terras e às suas um programa de reformas sociais e eleitorais: voto secre-
memórias dos tempos de prosperidade. to, direito de voto para as mulheres e garantia de alguns
A crise da oligarquia cafeeira fora detonada com a direitos trabalhistas, como férias e aposentadoria.
quebra da Bolsa de Valores de Nova York em outubro de A sucessão de Washington Luís (1926-1930) carac-
1929, cujo efeito sobre a economia mundial foi devasta- terizou-se pelo rompimento da aliança entre São Paulo e
dor. Na Europa ocorreram inúmeras falências bancárias Minas Gerais por iniciativa do presidente da República.
e industriais. Os mineiros participaram da montagem da Aliança Libe-
Os investimentos foram paralisados. Os índices de ral, que lançou a chapa de Getúlio Vargas com João Pes-
desemprego e inflação tornaram-se altíssimos. Para os soa, representantes das oligarquias do Rio Grande do Sul e
países da América Latina, significou o fim da entrada de da Paraíba, respectivamente, e à qual viria se somar o PD
capitais e a queda em suas exportações. Para a produ- de São Paulo, cujo programa foi incorporado à campanha
ção cafeeira do Brasil, foi o caos. eleitoral. A situação lançou a chapa Júlio Prestes e Vital
A sistemática defesa dos preços do café pelo Soares, reunindo as oligarquias de São Paulo e da Bahia.
governo federal havia favorecido a expansão da cafei- Foi a eleição mais concorrida da República oligár-
cultura, aprofundando, dessa forma, o desequilíbrio quica. A situação contava com o Executivo federal, a
entre a oferta e a capacidade de consumo do merca- maior parte dos governos estaduais e o controle sobre
do mundial. o Congresso Nacional. A oposição, que tinha o apoio de
Ao final da década de 1920, a política de valoriza- seus estados e de três ex-presidentes da República (Ven-
ção do café, com suas constantes desvalorizações cam- ceslau Brás, Epitácio Pessoa e Artur Bernardes), fez uma
biais e compras de estoques, chegaria à exaustão. Antes intensa campanha nas grandes cidades, procurando
da quebra da Bolsa de Nova York, a supersafra de 28 atrair as classes médias e até mesmo os trabalhadores.
milhões de sacas, verificada em 1927, já anunciava uma Aproveitando-se do descontentamento urbano, Getúlio
séria crise no setor, amortecida com a compra e estoca- Vargas conseguiu reunir milhares de operários em gran-
gem de um terço da produção pelo Estado. des comícios. Era um indício de mudanças no compor-
Em outubro de 1929, a economia cafeeira entrou tamento das oligarquias.
em colapso, com a conjugação de uma outra supersafra
ACERVO ICONOGRAPHIA

numa conjuntura de diminuição do consumo no mer-


cado mundial, de incapacidade financeira do governo
para a compra do excedente e de queda brutal no preço
do produto.
Ao longo de toda a década de 1920, a política de
valorização do café acumulou insatisfações. Entre os
fazendeiros paulistas, alguns reclamavam de favoreci-
mento dos grandes produtores e de corrupção. Apesar
de aliados, cafeicultores de outros estados ressentiam-
-se do maior apoio recebido pela produção paulista. Os
demais setores oligárquicos questionavam a preponde-
rância do café na economia nacional. Campanha da Aliança Liberal. Rio de Janeiro, setembro de
1929.

62 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

OH_V3_Book.indb 62 18/05/16 09:37


A crise de 1929 ocorreu em meio à campanha elei- que o povo a faça". Guardadas as devidas diferenças,
toral. Apesar disso e do desgaste do governo, Júlio Pres- soava o mesmo sentido da conhecida frase pronunciada
tes foi eleito presidente da República com quase 60% pelo rei d. João VI a seu filho Pedro, quando partiu para
dos votos. Os "currais eleitorais" haviam sido monta- Portugal em 1821: "Pedro, se o Brasil se separar de Portu-
dos à prova de crises internacionais. Inconformados, gal, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para
representantes mais radicais da Aliança Liberal pro- algum desses aventureiros". Passados pouco mais de
curaram estabelecer contato com os antigos líderes da cem anos entre uma frase e outra, o desprezo e o temor
Coluna Prestes, que aceitaram tomar parte em um novo com relação à população brasileira ainda eram marcan-
levante militar, dessa feita com apoio de parte das oli- tes. Selvagens, demônios, barris de pólvora, ignorantes,
garquias regionais. aventureiros, inimigos internos, subversivos: esse era o
Luís Carlos Prestes, o mais famoso dos "tenentes", povo brasileiro no imaginário de setores das elites.
a quem foi oferecido o comando da operação, recusou- No dia 3 de outubro iniciava-se o levante, conhecido
-se a participar do movimento. Já convertido ao socialis- como Revolução de 1930. Inicialmente, no Rio Grande
mo, Prestes acabaria ingressando no PCB em 1934, por do Sul e em Minas Gerais. Nos dias seguintes, o "tenen-
determinação da Internacional Comunista. te" Juarez Távora avançava da Paraíba para Pernambu-
co e depois sobre todo o Nordeste. Em pouco tempo, a
maior parte dos estados estava ao lado da rebelião. Às
A Revolução de 1930 vésperas de um confronto militar entre as tropas gaú-
Enquanto transcorria a conspiração oligárquico-militar, chas e o exército, na divisa de São Paulo e Paraná, o pre-
um incidente acabou por precipitar a insurreição. João sidente Washington Luís foi deposto por militares no
Pessoa, companheiro de chapa de Vargas, derrotado nas Rio de Janeiro. Júlio Prestes, o presidente eleito, jamais
eleições presidenciais, foi assassinado em 26 de julho de chegou a usar a faixa presidencial.
1930. Tratava-se de um acerto de contas regional, carac- Na noite de 31 de outubro, Getúlio Vargas chegava
terístico do regime oligárquico. Para muitos dos eleito- ao Rio de Janeiro. A população o esperava ansiosa. Gaú-
res da chapa Vargas-João Pessoa, no entanto, teria havi- chos, com seus lenços vermelhos e suas bombachas, já
do participação do governo federal no caso. Seguiram-se haviam amarrado seus cavalos no obelisco da avenida
protestos e manifestações em várias partes do país. Rio Branco, importante monumento da cidade. Os mili-
Diante da situação, o governador de Minas Gerais, tares, que haviam deposto o presidente, aceitaram pas-
Antônio Carlos de Andrada, ofereceu a senha para o sar o poder a Vargas. Um novo arranjo de forças come-
movimento e o principal argumento para convencer os çava a ser montado no Brasil. A população urbana, por
mais reticentes oligarcas: "Façamos a revolução antes enquanto, aplaudia entusiasmada.
CPDOC/FGV, RIO DE JANEIRO, BRASIL

Comitiva de Getúlio Vargas (ao centro) durante sua passagem por Itararé (SP), a caminho do Rio
de Janeiro, logo após a derrubada de Washington Luís pela Revolução de 1930. São Paulo, 1930.

A crise de 1929: dos Estados Unidos ao Brasil 63

OH_V3_Book.indb 63 18/05/16 09:37


Um Outro Olhar Inglês
Especulação e crise
É difícil dizer quando começou o boom do mercado de ações

Granger/Glow Images
da década de 1920. Havia muitas razões para que, naqueles
anos, as cotações das ações comuns começassem a subir. As
empresas estavam bem e cresciam. O prognóstico parecia
positivo. No início dos anos 1920, as cotações das ações
estavam baixas e os rendimentos, favoráveis.
Nos últimos seis meses de 1924, as cotações das
seguradoras começaram a subir, e o aumento prosseguiu
e ampliou-se ao longo de 1925. [...] Em 1928, mudou a
natureza do boom. Mais do que olhar para a realidade,
muitos refugiaram-se na crença do contínuo crescimento
e, então, iniciou uma verdadeira orgia especulativa. Ainda
era necessário, porém, dar algumas garantias àqueles que
exigiam algum lastro, mesmo se tênue, com a realidade. [...] Wall Street Stock Market Crash. United States, 1929.
"However, the time had come, as in all periods of
speculation, when men sought not to be persuade of the "$100 will buy this car. Must have cash. Lost all on the stock
reality of things but to find excuses for escaping into the market"
new world of fantasy."
GALBRAITH, John Kenneth. The Great Crash 1929. John Kenneth Galbraith(1908-2006), foi economista,
New York: Houghton Mifflin, 1997. p. 7-12. diplomata e um dos mais influentes pensadores liberais do
(traduzido pelos autores) século XX, tendo atuado nos governos de Franklin Delano
Faça Roosevelt, Harry Truman, John Kennedy e Lyndon Johnson.
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Leia o texto, observe a imagem e responda: c) Traduza e explique a frase e seu significado no
a) Traduza para o português o que está escrito no contexto da especulação do final dos anos 1920:
cartaz apoiado no automóvel e caracterize o tipo "However, the time had come, as in all periods of
de texto. → DL/CF/H1 speculation, when men sought not to be persuade of
the reality of things but to find excuses for escaping
b) Estabeleça uma relação entre o cenário financeiro
into the new world of fantasy."
da década de 1920, citado no texto, e a foto.
→ DL/CF/SP/H11/H15
→ DL/CF/H1/H4/H11/H15

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Caracterize o cenário econômico estadunidense na 6 Por que as rivalidades oligárquicas transformaram-


década de 1920, relacionando-o com a Primeira -se em dissidências no decorrer da década de 1920
Guerra Mundial. → DL/CF/SP/CA/H8/H9 no Brasil? → DL/SP/H9/H10/H11
2 Explique a diferença entre “valor real” e “valor de 7 Quais as forças políticas que tomaram parte na
mercado” de uma ação. → DL/CF/SP/H9/H18 Aliança Liberal? → DL/SP/H11
3 Quais foram os primeiros efeitos do crack da Bolsa 8 Por que a oposição tinha grande aceitação nas
de Nova York? → DL/CF/SP/H8/H18 maiores cidades do país? → DL/SP/H9/H11
4 Indique os principais objetivos e medidas do New 9 Compare as seguintes frases: "Façamos a revolução
Deal. → DL/CF/SP/H8/H10/H1/H18/H22/H25 antes que o povo a faça"; "Pedro, se o Brasil se separar
5 Como o crack de 1929 afetou a economia de outros de Portugal, antes seja para ti, que me hás de respeitar,
países e, em especial, do Brasil? do que para algum desses aventureiros.".
→ DL/CF/SP/CA/H7/H8/H9/H18 → DL/CF/SP/H1/H11

64 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

OH_V3_Book.indb 64 18/05/16 09:37


3 O fascismo e o nazismo

"S
enhores, o que venho fazer hoje nesta Câmara é um ato formal de res-
peito, mas não peço, em troca, qualquer gesto recíproco de reconhe-
cimento especial. [...] Devo advertir a todos os senhores que estou
aqui para defender e desenvolver a revolução dos camisas-negras, que haverá
de se tornar uma força pelo crescimento, o progresso e o prestígio da nação.
Eu poderia ter vencido completamente. Mas impus-me limites. [...] Com 300 mil
jovens armados dispostos a tudo e esperando minhas ordens em atitude mística,
eu poderia ter punido todos aqueles que haviam falado mal do fascismo, tentan-
do arrastá-lo na lama. Poderia ter transformado essa câmara cinzenta e sombria
num acampamento para meus pelotões. [...] Poderia ter fechado o Parlamento
e formado um governo exclusivamente fascista. Poderia, mas, pelo menos por
enquanto, não quis."
Benito Mussolini, 16/11/1922.
Apud SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do fascismo.
◀ ANOS

emergência do Rio de Janeiro: Agir, 2009. p. 146-147.


totalitarismo No primeiro discurso feito ao parlamento italiano depois de se tornar pri-
1918 meiro-ministro, o líder fascista Benito Mussolini exibiu seu poder e seu des-
Final da Primeira Guerra. ▾ prezo pela política institucional, enfatizou o controle que tinha sobre centenas
Criação do Partido 1919 de milhares de seguidores, ameaçou os parlamentares e exaltou algumas das
Fascista na Itália. ▾ características centrais do movimento: culto à força, à violência e à hierarquia,
Na Alemanha, fim da
monarquia e formação militarismo, intolerância diante das opiniões diversas, valorização do autorita-
da República de Weimar. rismo. A referência à "atitude mística" daqueles que aguardavam suas ordens
Hitler ingressa
no Partido Nazista.
expõe o anti-racionalismo e anti-intelectualismo dos fascistas, que insistiam
que a ação e a crença deveriam substituir a razão e a reflexão.
Marcha dos fascistas 1922
sobre Roma. ▾ O discurso de Mussolini foi recebido com aplausos entusiasmados da
maioria dos parlamentares. Apenas os socialistas, principais alvos da ação dos
Inflação alemã atinge 1923
o seu ápice. ▾ camisas-negras (milícia paramilitar de apoio ao fascismo), calaram-se. A Itália
Hitler é preso após o ingressava num período sombrio, que iria durar mais de vinte anos e levaria o
fracassado "putsch da
cervejaria". país à guerra e à destruição.
Partido Fascista obtém 1924
vitória eleitoral na Itália. ▾
1925
Fascistas marcham sobre Roma
Publicação de Mein Kampf
("Minha Luta"), de Adolf Hitler. ▾ Apesar de fazer parte da Entente, a Itália não se beneficiara da vitória na Pri-
Grande depressão atinge 1929 meira Guerra Mundial: os territórios que desejava dentro e fora da Europa não
a economia mundial. ▾ lhe foram concedidos pelos acordos de paz e o país saíra arrasado e endividado
Mussolini e o Papa Pio XI
assinam o Tratado de Latrão
do conflito. Grupos nacionalistas protestavam contra os antigos aliados e criti-
criando o Estado do Vaticano. cavam o governo, afirmando que a vitória militar havia sido "mutilada".
Partido Nazista obtém vitória 1932 O déficit estatal era enorme, as plantações estavam arrasadas, os preços
nas eleições parlamentares. ▾
dos alimentos subiam aceleradamente, não havia recursos suficientes para
Incêndio do Reichstag (edifício 1933 que a indústria retomasse sua capacidade produtiva e a taxa de desemprego
sede do parlamento alemão). ▾
era alta. Os setores populares acusavam a classe dirigente de ser responsável
Início da ditadura nazista.
pela guerra – em que morreram mais de 500 mil italianos – e pela crise, ques-
tionavam a eficácia da política institucional e não viam saída, a curto prazo,

O fascismo e o nazismo 65

OH_V3_Book.indb 65 18/05/16 09:37


para a penúria que enfrentavam. O modelo liberal capi- A marcha sobre Roma
talista parecia esgotado e insuficiente. Greves e protes-
Em 1921, os Fasci Italiani foram transformados no Par-
tos violentos cortavam o país, mobilizando milhões de
tido Nacional Fascista. Depois da criação do partido,
trabalhadores no Norte industrializado e no Sul pre-
Mussolini ampliou suas críticas ao liberalismo, radi-
dominantemente agrário. Operários, estimulados pela
calizou a rejeição aos conceitos centrais da esquerda
Revolução Russa, exigiam maior poder nas fábricas;
(por exemplo, luta de classes) e reforçou o tom nacio-
camponeses reivindicavam reforma agrária.
nalista do discurso. Defendia uma "nação unida", sem
As classes médias urbanas (pequenos comercian-
conflitos internos, movida pela vontade, pela luta e
tes, funcionários públicos, profissionais liberais) e os
pelo sentimento patriótico de todos: o Partido Fascista
pequenos proprietários rurais também enfrentavam
seria o guia na construção de um futuro glorioso para
tempos difíceis, sentiam-se explorados pelo grande
o país.
capital, rejeitavam o liberalismo e viam com temor as
Mussolini também iniciou um processo de mili-
mobilizações populares: o fantasma do bolchevismo e
tarização do movimento, com a criação dos camisas-
da revolução proletária os assustava.
-negras. Chefiadas por ex-oficiais militares, agregaram
Aqueles que haviam lutado na guerra, por sua vez,
rapidamente jovens burgueses e operários, insatisfei-
voltaram para casa com um sentido agudo da disciplina
tos com a política institucional. Destruíam sedes de sin-
e obediência aprendido nas tropas e associavam qual-
dicatos e de partidos de esquerda, perseguiam lideran-
quer sucesso à exigência de organização e ordem estri-
ças operárias, espancavam e assassinavam anarquistas
tas. Em 1919, alguns veteranos da guerra ocuparam a
e comunistas.
cidade de Fiúme, um dos objetivos não alcançados pela
Proprietários rurais e industriais enxergaram, em
Itália na guerra, e foram aclamados pela população.
Mussolini, um líder capaz de combater um eventual
A monarquia italiana e o regime liberal demoraram a
avanço socialista e passaram a apoiar o movimento e a
conter o movimento, expondo ainda mais a fragilidade
financiar a atuação das milícias.
de seu comando. No mesmo ano, outro ex-combaten-
Embora desprezassem a política tradicional, os fas-
te da guerra, Benito Mussolini (1883-1945) havia fun-
cistas participavam das eleições e, em 1921, obtive-
dado um movimento político intitulado Fasci Italiani di
ram um crescimento eleitoral expressivo. Era, porém,
Combattimento (Grupos Italianos de Combate). O movi-
sua presença nas ruas, em marchas e atos violentos, e o
mento defendia a criação de um "homem novo", inimi-
discurso de salvação nacional que mais atraíam novos
go do liberalismo e do comunismo e capaz de criar uma
seguidores.
"terceira via" e "fazer frente a dois perigos: o conservador
Os poderes públicos omitiam-se diante dos crimes
da direita e o destrutivo da esquerda". Os Fasci defendiam
e, dessa forma, facilitavam a expansão fascista. Em 24
a república e uma ampla renovação social, eram anti-
de outubro de 1922, num comício em Nápoles, Mussoli-
clericais e receberam apoio de diversos setores políti-
ni celebrou a extensão e a força que o movimento havia
cos e sociais.
adquirido e fulminou:
COSTA/LEEMAGE/OTHER IMAGES

"Ou bem eles nos entregam o governo ou nós


haveremos de tomá-lo, ocupando Roma. É uma ques-
tão de dias, talvez de horas [...] Voltem para suas
cidades e esperem nosso chamado. Se necessário,
serão dadas ordens. [...] Nós, fascistas, não queremos
entrar no governo pela porta dos fundos. No fim das
contas, tudo pode ser decidido pela força, pois na his-
tória é a força que decide tudo."
Apud SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do fascismo.
Rio de Janeiro: Agir, 2009. p. 137.

Quatro dias depois, dezenas de milhares de fascis-


tas dirigiram-se para a capital, na marcha sobre Roma.
Diante da pressão, o rei Vitório Emanuel indicou Mus-
Desfile dos jovens camisas negras (fascistas). Roma, Itália, solini para o cargo de primeiro-ministro.
c. 1930.

66 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

OH_V3_Book.indb 66 18/05/16 09:37


A ditadura cer o Estado italiano e os papas mantinham-se fechados
no Vaticano.
Para alguns políticos, colocar o líder fascista à frente do
Mussolini resolveu o impasse com a Igreja por meio
governo era uma forma de contê-lo e de fazê-lo desmobili-
da assinatura do Tratado de Latrão, em 1929. Segundo o
zar as milícias e respeitar a Constituição. Para outros, era
acordo, o papa passava a aceitar o Estado italiano e, em
a vitória da brutalidade e a iminência de um governo dita-
contrapartida, o governo reconhecia a soberania da Igre-
torial. Estes estavam certos: além de manter seu despre-
ja sobre o território do Vaticano, além de ceder terras ao
zo pela política institucional – como se vê no discurso que
papado.
abre este item – os camisas-negras continuaram a agir.
O acordo agradava aos dois lados: para o papa Pio
Nas eleições de 1924, os fascistas obtiveram, com
XI, era uma oportunidade de ampliar a presença da
o apoio violento dos camisas-negras, 65% dos votos. O
Igreja na política e no cotidiano do país; para Mussolini,
líder socialista Giacomo Matteotti protestou contra a
representava um apoio importante a seus projetos polí-
ação miliciana e foi assassinado. Frente à morte de Mat-
ticos e militares.
teotti, membros de partidos democráticos e de esquerda
O líder fascista preocupou-se ainda em estimular o
pediram o afastamento de Mussolini.
sentimento de nacionalidade e construir, nos italianos,
O rei rejeitou. O fascismo, nesse momento, conta-
a ideia de que a pátria era mais importante e maior que
va com a simpatia da Igreja, dos grandes industriais
a região em que haviam nascido ou vivido. Os muros das
e proprietários rurais, de parte expressiva das classes
cidades incitavam o orgulho nacionalista e a disposição
médias e de muitos operários. O poder de Mussolini
guerreira com frases como "A Itália encontrará seu gran-
estava consolidado.
de lugar no mundo.", "Única fé: o amor pela pátria, única
A transformação do regime numa ditadura foi rápi-
vontade: tornar grande o povo italiano.", "O passado está às
da. Em dois anos, Mussolini dissolveu os partidos e jor-
nossas costas, o futuro é nosso.", "Os povos que abandonam
nais de oposição, colocou pessoas indicadas pelo Par-
sua terra estão condenados à decadência.", "Se quiser a paz,
tido no lugar de autoridades políticas eleitas, montou
prepare a guerra.".
um amplo aparato de controle policial.
As inscrições também instigavam a obediência ao
As greves foram proibidas e os sindicatos que não
líder (duce): "O Duce tem sempre razão", "Crer, obedecer,
aderiram ao fascismo, eliminados. No seu lugar, surgi-
combater". A imprensa, controlada pelo Estado, propa-
ram associações que reuniam trabalhadores e patrões:
gava o culto à figura de Mussolini, mostrando-o como
impunha-se o corporativismo, cuja função era solucio-
viril, confiante e ousado, e divulgando seus discursos e
nar harmoniosamente disputas e divergências entre
pronunciamentos, feitos em tom vigoroso.
empregados e empregadores.
A propaganda ainda insistia na ideia de que ele
Na prática, era uma estratégia para impor o controle
defendia os pobres e os desafortunados e que lutava
estatal e patronal sobre os operários. As grandes empre-
pelo bem de todos. Nas escolas, o retrato do Duce esta-
sas italianas – que apoiavam financeira e politicamen-
va presente em todas as salas de aula e os estudantes
te o regime fascista – prosperaram, ampliando tremen-
deviam reverenciá-lo. Grupos de crianças faziam cele-
damente seu lucro.
brações fascistas e eram instadas a denunciar todos que
Nos campos, os esforços para aumentar a produção
criticassem o líder ou o Partido.
de alimentos, acabando com a escassez e reduzindo os
preços, foram apenas parcialmente bem sucedidos: o
estímulo à produção de trigo barateou o preço do pão, O nazismo
mas ocupou áreas antes destinadas a outras atividades.
A Alemanha saiu economicamente arrasada da Primei-
Os muros dão as ordens ra Guerra Mundial. As despesas militares, os emprésti-
A unificação italiana, no final do século XIX, não impe- mos que o governo contraíra junto a bancos, o fracasso
diu que muitas regiões da Itália continuassem a rejeitar a militar e o acordo de paz dilapidaram o tesouro germâ-
ideia de um país uno e coesa. A atitude e convicção de ser nico. As indústrias estavam paradas, as áreas de plantio
siciliano, toscano ou piemontês persistia e se manifestava e cultivo, destruídas.
na preferência pelo uso de dialetos locais, em detrimento A situação política também era complexa. A monar-
da língua nacional, e pela defesa das tradições específicas quia havia sido derrubada em novembro de 1918, acele-
de cada região. Também a Igreja se recusara a reconhe- rando o final da guerra. Três meses depois, importantes

O fascismo e o nazismo 67

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lideranças socialistas (entre elas, Rosa Luxemburgo)

ULLSTEIN BILD/GLOW IMAGES


foram assassinadas, provavelmente por grupos arma-
dos de direita. Em fevereiro de 1919, uma assembleia
começou a elaborar, na cidade de Weimar, uma consti-
tuição republicana.
A chamada República de Weimar se estabeleceu
em meio a conflitos sociais e políticos e ao aumento
ininterrupto do déficit público e dos índices inflacioná-
rios. A moeda alemã desvalorizava-se em uma derroca-
da vertiginosa: em 1918, um dólar estadunidense valia
4 marcos; no início de 1923, o mesmo dólar comprava
7 000 marcos e, no final daquele ano, equivalia a 130
bilhões de marcos. O chanceler Adolf Hitler em discurso a uma vasta multidão.
Palácio dos Esportes, Berlim, 30 de setembro de 1942.
Os salários eram corroídos pela carestia, o desem-
prego grassava, a recuperação econômica parecia dis-
tante. Os partidos políticos de direita e de esquerda Hitler
ganhavam mais apoio, conforme a população, insatis- Adolf Hitler (1889-1945) nasceu na pequena cidade de
feita, questionava a eficácia das medidas saneadoras Braunau am Inn, na Áustria e lutou como soldado, duran-
da economia propostas pelo governo. te a Primeira Guerra, no Exército alemão. Antes disso,
O ingresso de investimentos estrangeiros – sobre- havia tentado frequentar a Academia de Artes de Viena,
tudo britânicos e estadunidenses –, entre 1924 e sem sucesso. Na guerra, recebeu condecorações e, princi-
1929, melhorou parcialmente a condição da econo- palmente, aderiu com entusiasmo aos discursos naciona-
mia alemã e permitiu a retomada da produção de aço, listas. Anti-comunista e anti-liberal, repudiava a revolu-
carvão, ferro e da indústria química e farmacêutica. A ção bolchevique e afirmava que a derrota alemã na guerra
inflação diminuiu, a oferta de empregos aumentou e a derivara do golpe que derrubou a monarquia e introduziu a
média salarial subiu. república. Considerava o Tratado de Versalhes uma afron-
A crise de 1929, no entanto, quase paralisou os ta à Alemanha e defendia o desrespeito a seus termos.
investimentos estrangeiros e impediu a continuidade Hitler filiou-se ao Partido Nazista no final de 1919. Foi
do processo de recuperação financeira. O desemprego o 55.º membro do recém-criado partido. Sua oratória ágil
e a inflação voltaram a crescer, a produção industrial e e carismática, a veemência e a teatralidade de seus ges-
os salários despencaram. tos o tornaram rapidamente conhecido pelos militantes
A república alemã entrou novamente em colapso e facilitaram sua ascensão na hierarquia interna: um ano
e os partidos extremistas ganharam fôlego. Entre eles, depois já era o presidente e principal líder. Foi preso por
o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Ale- participar do Putsch da Cervejaria. A imprensa deu bastan-
mães, ou Partido Nazista. te destaque à sua atuação e a seu discurso durante o jul-
Fundado em 1919, o Partido aprimorou sua estru- gamento, em que foi condenado a cinco anos de prisão. A
tura interna no decorrer da década, dividindo-se em insistente denúncia da humilhação patriótica sofrida com
seções e subseções rigidamente hierarquizadas, seto- o Tratado de Versalhes aumentava sua popularidade, que
res separados por sexo, idade e categoria profissional. cresceu mais ainda com a publicação do livro Mein Kampf
O número de militantes saltou, entre 1923 e 1932, de (Minha luta), escrito na prisão.
cerca de 20 mil para quase 1,5 milhão. Guerra nacional, guerra racial
À semelhança do que acontecia com os fascistas ita-
Mein Kampf apresentava, de forma confusa e numa
lianos, os nazistas contavam com grupos paramilitares
redação bastante precária, as ideias políticas de Hitler.
de apoio. Em 1923, alguns nazistas tentaram desferir um
Ele defendia a guerra nacional e racial como forma de
golpe de Estado. Numa manifestação realizada numa
superar o momento de dificuldade e construir um futu-
cervejaria de Munique, incitaram os militares a se rebe-
ro poderoso para a Alemanha.
lar e derrubar o regime. Sem o apoio desejado, a tentati-
A guerra entre Estados nacionais representaria a
va (que ficou conhecida como Putsch da Cervejaria) fra-
revanche alemã, após a tragédia da Primeira Guerra
cassou e seus líderes foram presos.
Mundial. A guerra entre raças seria a forma de elimi-

68 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

OH_V3_Book.indb 68 18/05/16 09:37


nar as "raças" que ele considerava "inferiores" e assegu- O presidente Paul von Hindenburg (1847-1934)
rar o predomínio daqueles que ele julgava "superiores". convidou Hitler, em 1931, a compor a base de sustenta-
Os arianos – supostamente ancestrais dos germâni- ção do governo. Embora a negociação tenha fracassado,
cos – deveriam prevalecer sobre judeus, eslavos, lati- ela evidenciou a força política crescente dos nazistas.
nos e negros. Os judeus eram o inimigo primordial para No ano seguinte, Hitler candidatou-se à presidência,
Hitler, que incorporava a seu projeto político o antis- com amplo apoio do empresariado e de banqueiros.
semitismo que já circulava pelas sociedades germâni- Conseguiu quase 37% dos votos (contra 53% de Hin-
cas há mais de um século. Hitler e os nazistas aprovei- denburg, que se reelegeu).
taram-se de um forte sentimento anti-judaico presente No mesmo ano, os nazistas conquistaram a maior
nos alemães e o sistematizaram em perseguições regu- bancada no parlamento. Sob pressão de grandes gru-
lares e extermínio. Com a dupla guerra, Hitler pretendia pos empresariais e das grandes mobilizações de massa
assegurar o espaço vital pelo qual todas as sociedades, organizadas pelo Partido, no início de 1933, Hinden-
segundo o Mein Kampf, sempre haviam lutado. burg nomeou Hitler primeiro-ministro – dois anos
depois, com a morte de Hindenburg, Hitler se tornaria
presidente.
O antissemitismo O processo de centralização política e supressão
"O ódio aos judeus, que nasceu e se desenvolveu no final dos direitos civis foi rápido. Um incêndio do Parlamen-
do século XIX, embora apresente pontos em comum to (Reichstag), no mês seguinte, deu a Hitler o pretexto
com o anti-judaísmo cristão, é novo, assim como a pala- para acusar os comunistas de tentativa de golpe e exi-
vra que o designa, 'antissemitismo'. Foi na Alemanha gir, do presidente, um decreto de emergência que sus-
que 'inventaram' esta palavra. [...] Na Alemanha, [os pendia as garantias democráticas e ampliava os pode-
judeus] não eram muito numerosos: cerca de 500 000, res do líder nazista. Em março, o parlamento – sem os
apenas 1% da população, mas muitos fizeram cursos representantes da esquerda e da social-democracia,
superiores e estavam presentes em campos dos quais
que haviam sido presos ou afastados de suas funções –
os alemães se queixavam de que os católicos e os pro-
aprovou o direito de Hitler legislar sem a interferência
testantes estavam excluídos: o jornalismo, o teatro, a
do legislativo. Partidos, sindicatos e jornais de oposição
medicina e até a política. Enquanto o país se moderni-
zava com grande velocidade, alguns intelectuais tinham foram fechados e seus líderes, presos.
medo desta modernidade e pensavam que só poderia Em 7 de abril, Hitler proclamou uma lei que per-
causar grande mal à civilização. Defendiam uma ideia mitia afastar os judeus dos cargos públicos. Dois meses
de nação alemã que, segundo eles, deveria ser compos- depois, foi criada a Gestapo (polícia política). As SA
ta apenas de germânicos. Os judeus eram, assim, per- (Divisões de Assalto) e, depois, as SS (Tropas de Prote-
cebidos como estrangeiros que corrompiam e enfraque- ção) assumiam o controle do país.
ciam a Alemanha. Este antissemitismo prosperou depois A perseguição aos judeus recrudesceu nos meses
da derrota alemã de 1914-1918." seguintes e surgiram leis que os proibiam de frequentar
WIEWORKA, Annette. Auschwitz explicado à minha filha. determinados espaços, como restaurantes, universida-
São Paulo: Via Lettera, 2000. p. 60-61.
des e teatros, de casar ou manter relações sexuais com
não judeus. Os nazistas também passaram a confinar a
O fim da democracia comunidade judaica em guetos, e posteriormente enviá-
-los a campos de concentração e de extermínio.
A mistura de elementos que compunha o discurso nazis-
Os nazistas implantavam um Estado policial, em
ta – guerra, revanche, racismo, anti-socialismo, anti-libe-
que o Partido e suas ramificações passavam a controlar
ralismo – atraiu simpatizantes e militantes de diferentes
o país inteiro, estimulando as denúncias e interferindo
classes sociais. Militares que haviam combatido na Pri-
no cotidiano e na vida privada de todos. Exigia-se sub-
meira Guerra, intelectuais conservadores, jovens e desem-
missão absoluta e irrefletida da sociedade, repudiava-se
pregados afetados pela crise econômica, setores médios
qualquer tipo de crítica ou contestação.
da sociedade que temiam o avanço do socialismo, indus-
Oito anos depois do fim do nazismo, a filósofa
triais, grandes empresários e proprietários de terras. Para
alemã Hannah Arendt (1906-1975), que havia fugido
muitos, ele representava a oposição mais viável à Repú-
para os Estados Unidos, traduziu essa lógica de controle
blica de Weimar, que não havia conseguido superar os
social absoluto num conceito: totalitarismo.
impasses sociais e políticos por que a Alemanha passava.

O fascismo e o nazismo 69

OH_V3_Book.indb 69 18/05/16 09:37


las e repartições. Joseph Goebbels (1897-1945), ministro
A ideologia nazista da propaganda, orientava a produção e a difusão desses
"O nazismo não era uma ideologia irracional; o nazis- filmes, garantia o controle das informações divulgadas
mo trabalhava, mais que outras ideologias, o compo- pelos jornais, pelas rádios e pelos sistemas de autofalan-
nente irracional das pessoas. E o fazia de uma forma tes instalados em todo país, liderando a reiteração das
absolutamente racional, premeditada e planejada, mensagens de ódio contra judeus, comunistas e liberais.
desde os desfiles, rigorosamente coreografados, os
A propaganda assumiu entonação vivamente nacionalis-
discursos de Hitler, em que uma iluminação colocada
atrás dava a ilusão de que o sol o elevava, as bandei- ta e guerreira.
ras e estandartes colocados nas ruas dando uma apa-
rência de festa e compondo os elementos cenográfi-
Estética e educação nazistas
cos de um ritual que reforçava a comunhão nacional As escolas substituíram os antigos conteúdos e aborda-
etc. Estes aspectos do nazismo são tão centrais na gens pelas orientações ideológicas do nazismo. Estimu-
compreensão da adesão das pessoas quanto a análi- lava-se o estudo da Antiguidade clássica, considerada o
se dos seus conteúdos políticos." período máximo da tradição ocidental. Os meninos eram
CYTRYNOWICZ, R. "Loucura coletiva ou desvio da história: preparados para se tornar soldados e defender a pátria.
as dificuldades de interpretar o nazismo". In: COGGIOLA, O.
(Org.). Segunda Guerra Mundial: um balanço histórico. As meninas deviam valorizar a maternidade, gerando os
São Paulo: Xamã/FFLCH-USP, 1995. p. 211. filhos arianos da Alemanha futura.
Esse mesmo ideário aparecia na arte nazista, que
RUE DES ARCHIVES/TALLANDIER/OTHER IMAGES

rejeitava o experimentalismo artístico e acusava as van-


guardas do início do século XX de serem expressões
"degeneradas" da arte. A arquitetura nazista era gran-
diosa e inspirada no período greco-romano. O arquiteto,
Albert Speer (1905-1981) foi instruído a projetar e cons-
truir as "ruínas do futuro", para que o poderio nazista
fosse lembrado dali a milhares de anos. Na música, pri-
vilegiavam-se compositores nacionais e as composições
de caráter épico e heroico. A escultura e a pintura nazis-
tas celebravam o "homem novo" e a "mulher nova",
Desfile durante Congresso do Partido Nazista, enfatizando as habilidades masculinas para o trabalho
Nuremberg, setembro de 1938.
e para a guerra, sua disposição heroica e a capacidade
feminina de gerar, criar e orientar os filhos.
O semiólogo Umberto Eco (1932-2016) notou, após
A propaganda nazista visitar uma exposição de arte nazista, em 1974, a ambi-
O nazismo recorreu à propaganda como forma de adqui- guidade intencional da estética propagada: embora o
rir e consolidar o apoio dos alemães. Grandes comícios tratamento dado às telas fosse essencialmente realis-
mantinham as massas em constante contato com o Führer ta, o repertório temático e o efeito das obras era essen-
(líder), saudado aos gritos de "Heil, Hitler!" (Viva, Hitler!) cialmente mítico, dirigido a um mundo em que homens
e considerado guia político e espiritual. Os eventos eram e mulheres desempenhavam papéis fixos e constantes.
preparados cuidadosamente para reforçar a ideia de que
todos estavam unidos numa só vontade. A teatralida-
de dos gestos de Hitler e a fúria incontida e convincente Tá na rede!
de sua oratória empolgavam os espectadores. O rádio os
transmitia ao vivo, difundindo as mensagens e conclama- NAZISMO
ções. Marchas e desfiles eram exibições do poderio mili- Digite o endereço abaixo na
tar. Filmes de propaganda explícita ou disfarçada do regi- barra do navegador de internet:
me eram apresentados frequentemente nas escolas e em http://goo.gl/8bIviS. Você pode
também tirar uma foto com um
associações de trabalhadores. Portal que disponibi-
aplicativo de QrCode para saber
Bandeiras e símbolos nazistas – entre eles, a cruz liza fotografias e ví-
mais sobre o assunto. Acesso em:
suástica – espalhavam-se pela Alemanha e eram expos- deos do período na-
30 abr. 2016. Em inglês. zista na Alemanha.
tos em todos lugares públicos, inclusive fábricas, esco-

70 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

OH_V3_Book.indb 70 18/05/16 09:37


ANÁLISE DE IMAGEMPINTURA

Os alicerces da sociedade Georg Grosz (1893-1959) participou do


movimento dadaísta em Berlim e, juntamente
Material: Óleo sobre tela
com Otto Dix, analisou com crítica mordaz a
Dimensões: 200 x 108 cm situação política e social da Alemanha durante
a República de Weimar (1919-1933). A obra está
Artista: George Grosz
atualmente exposta na Galeria Nacional, em
Datação: 1926 Berlim (Alemanha).
AKG-IMAGES/LATINSTOCK

7 Através das janelas


pode-se observar a
cidade em chamas.
Primeiro olhar: 1
Grosz utiliza sua habilidade 6 Padre simpatizante do
de caricaturista para fazer nazismo abençoa as ações
uma representação sarcás- do exército ao fundo.
tica das elites alemãs que
apoiavam o nazismo.
5 Um social democrata
segura uma bandeira
alemã e um panfleto
Um jornalista com 2 que diz o "socialismo
um penico na cabeça, deve trabalhar". De sua
simbolizando a sua falta cabeça cortada saem
de inteligência, apertando excrementos fétidos.
o jornal em uma mão e
um ramo de palmeira
sangrando na outra.

4 Da cabeça cortada
do aristocrata sai um
Em primeiro plano, um
3 soldado a cavalo. Ele
aristocrata segurando porta uma suástica
uma caneca de cerveja na gravata.
e uma espada.

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Por que os fascistas afirmavam que a Itália havia 3 Como se estruturava a propaganda política no fascis-
obtido, na Primeira Guerra, uma "vitória mutilada"? mo e no nazismo? → DL/CF/SP/CA/H9/H11/H15/H17/H21
→ DL/SP/CA/H2/H7/H8/H9/H11/H13 4 Relacione a ascensão nazista à Primeira Guerra
2 Explique a frase de Mussolini: "Com 300 mil jovens Mundial e à Crise de 1929.
armados dispostos a tudo e esperando minhas ordens → DL/SP/CA/H2/H7/H8/H9/H11/H13
em atitude mística, eu poderia ter punido todos aque- 5 Identifique os elementos centrais do ideário nazista.
les que haviam falado mal do fascismo, tentando → DL/CF/SP/CA/H7/H8/H11/H15
arrastá-lo na lama." → DL/CF/SP/CA/H1/H8/H10/H15

O fascismo e o nazismo 71

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Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

A CELEBRAÇÃO DAS MASSAS


"A chave da organização dos grandes espetáculos era con- dos grupos, os lugares dos convidados de honra, a decora-
verter a própria multidão em peça essencial dessa mesma ção geral, flores, bandeiras, tudo era previsto. Aos poucos,
organização. Nas paradas e desfiles pelas ruas ou nas a forma foi sendo definida, e os acontecimentos ganha-
manifestações de massa, estáticas, em praças públicas, a ram o sentido de um ritual religioso – um ofício –, que se
multidão se emocionava de maneira contagiante, partici- manteve imutável em sua forma. Florestas de bandeiras,
pando ativamente da produção de uma energia que carre- jogos de archotes, a multidão disposta disciplinadamen-
gava consigo após os espetáculos, redistribuindo-a no dia te, a música envolvente, os canhões de luz. Os espetácu-
a dia, para escapar à monotonia de sua existência e pro- los eram preferencialmente noturnos, e neles é que Speer
longar a dramatização da vida cotidiana. dispunha os projetores de defesa antiaérea, de modo a
Hitler atribuía grande importância psicológica a tais obter efeitos expressionistas, fosse aumentando a dimen-
eventos, pois reforçavam o ânimo do militante nazista, que são física dos monumentos, fosse para dar aos símbolos
perdia o medo de estar só diante da força da imagem de uma força mais que natural. [...]
uma comunidade maior, que lhe transmitia gratificantes O modo como a multidão se comportava durante esse
sensações de encorajamento e reconforto. O uso de unifor- tipo de espetáculo e a maneira ritualística com que ele era
me, comum entre os militantes nazistas, servia à dissimu- organizado acentuavam o caráter de culto religioso des-
lação das diferenças sociais e projetava a imagem de uma ses acontecimentos, a ponto de levar um observador fran-
comunidade coesa e solidária. O impacto da política na rua cês a denominar o congresso anual de Nuremberg como o
em forma de espetáculo visava diminuir os que se encontra- 'concílio anual da religião hitlerista'. Ali eram definidos os
vam fora do espetáculo, segregá-los, fazê-los sentirem-se dogmas, e eram lançadas as encíclicas. O militante nazis-
fora da comunidade maravilhosa a que deveriam pertencer. ta é visto como um crente, um apóstolo e um fanático. No
Os emblemas da águia e da cruz gamada, dispostos nas ano de 1937 – diz a mesma fonte –, circulava uma estampa
braçadeiras, nas bandeiras e nos estandartes, funcionavam representando o führer de pé diante de uma mesa, tendo a
como marcas de identificação. O símbolo mágico da suás- seu lado, sentados, seus extasiados companheiros. E como
tica, de conhecida ancestralidade, uma espécie de cruz em legenda, as palavras:
movimento, sugeria a energia, a luz, o caminho da perfei- 'No princípio era o Verbo'."
ção, como a trajetória do Sol em sua rota. Reich viu-a dota-
LENHARO, A. Nazismo: "o triunfo da vontade". 6. ed.
da de conteúdo afetivo, e capaz de suscitar profundas emo- São Paulo: Ática, 1998. p. 39-42.
ções. A cruz gamada portava um símbolo sexual que havia
tomado, historicamente, diferentes significações; suas
Alcir Lenharo(1946-1996), historiador, foi professor da
linhas demonstram duas figuras enlaçadas, simulando um
Unicamp. Dedicou parte de seus estudos às temáticas relativas
ato sexual – daí seu 'poder de excitação sobre as camadas à massificação da cultura, particularmente nos anos 1930 a
profundas e inconscientes do psiquismo…'. 1950. Sobre esses temas, escreveu A sacralização da política
Cada acontecimento era preparado minuciosamen- (1986) e Cantores do rádio – A trajetória de Nora Ney e Jorge
te pelo próprio Hitler. Cada entrada em cena, a marcha Goulart e o meio artístico do seu tempo (1995).

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Como emoção e racionalidade combinavam-se nas a) Nos dias de hoje, quais são as circunstâncias em
manifestações nazistas? → DL/CF/SP/H2/H21 que ocorre o aparecimento do homem-massa?
→ DL/CF/SP/H21
2 Como participantes de uma manifestação coletiva, que
reunia milhares de pessoas, os homens assumem uma b) Como tal fenômeno está relacionado com a vio-
identidade também coletiva. É o fenômeno denomina- lência urbana verificada nas grandes cidades do
do "homem-massa" por Wilhelm Reich. mundo? → DL/CF/SP/H9

72 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

OH_V3_Book.indb 72 18/05/16 09:37


Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 (Enem) "João de Deus levanta-se indignado. Vai até parecimento no Rio de Janeiro. Hoje, se houver desafo-
a janela e fica olhando para fora. Ali na frente está a ro, a gente o engole calado e humilhado. Já não se pode
panificadora italiana de Gamba & Filho. Ontem era nem brigar. Não há clima, nem espaço."
uma casinhola de porta e janela, com um letreiro torto ALENCAR, E. "Os cafés do Rio". In: GOMES, D. Antigos cafés
e errado: "Padaria Nápole". Hoje é uma fábrica… João do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Kosmos, 1989. (adaptado)
de Deus olha e recorda… Quando Vittorio Gamba che- O autor lamenta o desaparecimento dos antigos
gou da Itália com uma trouxa de roupa, a mulher e um cafés pelo fato de estarem relacionados com:
filho pequeno, os Albuquerques eram donos de quase
a) a economia da República Velha, baseada essen-
todas as casas do quarteirão. […] O tempo passou. Os
cialmente no cultivo de café.
negócios pioraram. A herança não era o que se espe-
rava. Com o correr dos anos os herdeiros foram hipo- b) o ócio (pausa revigorante) associado ao escravis-
tecando as casas. Venciam as hipotecas, não havia mo que matinha a lavoura cafeeira.
dinheiro para resgatá-las. As propriedades, então, iam c) a especulação imobiliária que diminuiu o espaço
passando para a mão dos Gambas, que prosperavam". disponível para este tipo de estabelecimento.
VERÍSSIMO, E. Música ao longe. Porto Alegre: Globo, 1974. (adaptado) d) a aceleração da vida moderna, que tornou incom-
O texto foi escrito no começo da década de trinta e patíveis com o cotidiano, tanto o hábito de "jogar
revela, por meio das recordações do personagem, conversa fora" quanto as brigas.
características sócio-históricas desse período, as e) o aumento da violência urbana, já que as brigas,
quais remetem: cada vez mais frequentes, levaram o cidadão a
a) à ascensão de uma burguesia de origem italiana. abandonar os cafés do Rio de Janeiro.
b) ao início da imigração italiana e alemã, no Brasil, → DL/CF/SP/H1/H9
a partir da segunda metade do século. 4 (Enem) "A crise de 1929 e dos anos subsequentes teve
c) ao modo como os imigrantes italianos impuse- sua origem no grande aumento da produção indus-
ram, no Brasil, seus costumes e hábitos. trial e agrícola, nos EUA, ocorrido durante a 1.ª Guerra
d) à luta dos imigrantes italianos pela posse da terra Mundial, quando o mercado consumidor, principalmen-
e pela busca de interação com o povo brasileiro. te o externo, conheceu ampliação significativa. O rápi-
do crescimento da produção e das empresas valorizou
e) às condições socioeconômicas favoráveis encontra- as ações e estimulou a especulação, responsável pela
das pelos imigrantes italianos no início do século. "pequena crise" de 1920-21. Em outubro de 1929, a
→ DL/CF/SP/H1/H11 venda cresceu nas Bolsas de Valores, criando uma ten-
2 "Ode ao burguês dência de baixa no preço das ações, o que fez com que
muitos investidores ou especuladores vendessem seus
Eu insulto o burguês! O burguês níquel, O burguês-
papéis. De 24 a 29 de outubro, a Bolsa de Nova York teve
burguês!
um prejuízo de US$ 40 bilhões. A redução da receita tri-
A digestão benfeita de São Paulo! butária que atingiu o Estado fez com que os emprésti-
O homem-curva! O homem-nádegas! mos ao exterior fossem suspensos e as dívidas, cobra-
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, das; e que se criassem também altas tarifas sobre pro-
dutos importados, tornando a crise internacional".
É sempre um cauteloso pouco a pouco!"
RECCO, C. História: a crise de 29 e a depressão do capitalismo.
ANDRADE, M. Poesias completas.
Disponível em: www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/
Belo Horizonte: Villa Rica, 1993. p. 88.
ult305u11504.shtml. Acesso em: 26 out. 2008. (adaptado)
Essa estrofe do poema de Mário de Andrade revela uma Os fatos apresentados permitem inferir que:
clara disposição ideológica de seu autor. Compare-a ao a) as despesas e prejuízos decorrentes da 1.ª Guerra
poema-marcha de Maiakóvski: "Come ananás, mastiga Mundial levaram à crise de 1929, devido à falta de
perdiz, / Teu dia está prestes, burguês" (ver p. 34). capital para investimentos.
→ DL/CF/SP/H1/H10/H11 b) o significativo incremento da produção industrial
3 (Enem) "Desgraçado o processo que escamoteia as e agrícola norte-americana durante a 1.ª Guerra
tradições saudáveis e repousantes. "O café" de anti- Mundial consistiu num dos fatores originários da
gamente era uma pausa revigorante na alucinação da crise de 1929.
vida cotidiana. Alguém dirá que nem tudo era paz nos c) a queda dos índices nas Bolsas de Valores pode
cafés de antanho, que havia muita briga e confusão ser apontada como causa do aumento dos preços
neles. E daí? Não será por isso que lamento seu desa- de ações nos EUA em outubro de 1929.

Engenho e Arte 73

OH_V3_Book.indb 73 18/05/16 09:37


d) a crise de 1929 eclodiu nos EUA a partir da inter- 7 (Enem) "São Paulo, 18 de agosto de 1929.
rupção de empréstimos ao exterior e da criação de
Carlos [Drummond de Andrade],
altas tarifas sobre produtos de origem importada.
e) a crise de 1929 gerou uma ampliação do merca- Achei graça e gozei com o seu entusiasmo pela candi-
do consumidor externo e, consequentemente, um datura Getúlio Vargas-João Pessoa. É. Mas veja como
crescimento industrial e agrícola nos EUA. estamos... trocados. Esse entusiasmo devia ser meu
e sou eu que conservo o ceticismo que deveria ser de
→ DL/CF/SP/H7/H8 você. [...]. Eu... eu contemplo numa torcida apenas sim-
5 (Enem) "A depressão econômica gerada pela Crise de pática a candidatura Getúlio Vargas, que antes dese-
1929 teve no presidente americano Franklin Roosevelt jara tanto. Mas pra mim, presentemente, essa candi-
(1933-1945) um de seus vencedores. New Deal foi o datura (única aceitável, está claro) fica manchada por
nome dado à série de projetos federais implantados essas pazes fragílimas de governistas mineiros, gaú-
nos Estados Unidos para recuperar o país, a partir da chos, paraibanos [...], com democráticos paulistas
intensificação da prática da intervenção e do plane- (que pararam de atacar o Bernardes) e oposicionis-
jamento estatal na economia. Juntamente com outros tas cariocas e gaúchos. Tudo isso não me entristece.
programas de ajuda social, o New Deal ajudou a Continuo reconhecendo a existência de males necessá-
minimizar os efeitos da depressão a partir de 1933. rios, porém me afasta do meu país e da candidatura
Esses projetos federais geraram milhões de empregos Getúlio Vargas. Repito: única aceitável".
para os necessitados, embora parte da força de traba-
Mário [de Andrade]
lho norte-americana continuasse desempregada em
1940. A entrada do país na Segunda Guerra Mundial, LEMOS, Renato. Bem traçadas linhas: a história do Brasil
no entanto, provocou a queda das taxas de desempre- em cartas pessoais. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2004. p. 305.
go, e fez crescer radicalmente a produção industrial. Acerca da crise política ocorrida em fins da Primeira
No final da guerra, o desemprego tinha sido drastica- República, a carta do paulista Mário de Andrade ao
mente reduzido". mineiro Carlos Drummond de Andrade revela:
EDSFORD, R. America's response to the Great Depression. a) a simpatia de Drummond pela candidatura Vargas
Blackwell Publishers, 2000. (tradução adaptada)
e o desencanto de Mário de Andrade com as com-
A partir do texto, conclui-se que: posições políticas sustentadas por Vargas.
a) o fundamento da política de recuperação do país b) a veneração de Drummond e Mário de Andrade ao
foi a ingerência do Estado, em ampla escala, na gaúcho Getúlio Vargas, que se aliou à oligarquia
economia. cafeeira de São Paulo.
b) a crise de 1929 foi solucionada por Roosevelt, que c) a concordância entre Mário de Andrade e
criou medidas econômicas para diminuir a produ- Drummond quanto ao caráter inovador de Vargas,
ção e o consumo. que fez uma ampla aliança para derrotar a oligar-
c) os programas de ajuda social implantados na quia mineira.
administração de Roosevelt foram ineficazes no d) a discordância entre Mário de Andrade e Drummond
combate à crise econômica. sobre a importância da aliança entre Vargas e o
d) o desenvolvimento da indústria bélica incentivou paulista Júlio Prestes nas eleições presidenciais.
o intervencionismo de Roosevelt e gerou uma cor- e) o otimismo de Mário de Andrade em relação a
rida armamentista. Getúlio Vargas, que se recusara a fazer alianças
e) a intervenção de Roosevelt coincidiu com o início políticas para vencer as eleições.
da Segunda Guerra Mundial e foi bem-sucedida, → DL/SP/H1
apoiando-se em suas necessidades. 8 Leia o texto a seguir:
→ DL/CF/SP/H8 "A Revolução de 1930 põe fim à hegemonia da bur-
6 (Unicamp-SP) Em 1929, o mundo foi abalado por uma guesia do café, desenlace inscrito na própria forma
profunda crise econômica e o Brasil sofreu diretamen- de inserção do Brasil no sistema capitalista interna-
te os seus efeitos. cional. Sem ser um produto mecânico da dependência
a) Cite duas características dessa crise na economia externa, o episódio revolucionário expressa a necessi-
mundial. → DL/SP dade de reajustar a estrutura do país, cujo funciona-
b) Quais foram as consequências dessa crise econô- mento, voltado essencialmente para um único gênero
mica para a agricultura e indústria brasileiras? de exportação, se torna cada vez mais precário. A opo-
sição ao predomínio da burguesia cafeeira não pro-
→ DL/SP/H8/H11 vém, entretanto, de um setor industrial, supostamente
interessado em expandir o mercado interno. Pelo con-

74 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

OH_V3_Book.indb 74 18/05/16 09:37


trário, dadas as características da formação social do de sagrada das relações sociais no campo. Mas o rea-
país, na sua metrópole interna há uma complementa- juste, obtido após um doloroso processo de gestação –
ridade básica entre interesses agrários e industriais, marcado pela Revolução de 1932, a Ação Integralista,
temperada pelas limitadas fricções. Ao momento de a liquidação do tenentismo como movimento autôno-
reajuste do sistema, por isso mesmo, não corresponde mo, a Aliança Nacional Libertadora e a tentativa insur-
o ascenso ao poder do setor industrial, seja de modo recional de 1935 –, significa uma guinada importan-
direto, seja sob a forma da 'revolução do alto', promo- te no processo histórico brasileiro. A mudança entre o
vida pelo Estado. A burguesia cafeeira se constitui ao poder estatal e a classe operária é a condição do popu-
longo da Primeira República como única classe nacio- lismo; a perda do comando político pelo centro domi-
nal, no sentido de que só ela reúne condições para arti- nante, associada à nova forma de Estado, possibili-
cular formas de ajustamento e integrar assim o país, ta, no longo prazo, o desenvolvimento industrial, no
na medida de seus interesses. Em face dela, não emer- marco do compromisso; as Forças Armadas tornam-
ge nenhuma classe ou fração com semelhante força, -se um fator decisivo como sustentáculo de um Estado
capaz de oferecer uma alternativa econômica e política que ganha maior autonomia, em relação ao conjunto
viável. A disputa, no interior das classes dominantes, da sociedade. Na descontinuidade de outubro/1930, o
tem a forma de um embate regional, mitigada pelos Brasil começa a trilhar enfim o caminho da maiorida-
próprios limites da contestação. de política. Paradoxalmente, na mesma época em que
tanto se insistia nos caminhos originais autenticamen-
Tendo-se em vista a passividade da massa rural, quebra-
te brasileiros, para a solução dos problemas nacionais,
da somente por explosões importantes, mas desprovidas
iniciava-se o processo de efetiva constituição das clas-
de conteúdo político (Canudos, Contestado), os limites
ses dominadas, abriam-se os caminhos nem sempre
de intervenção do proletariado, a heterogeneidade das
lineares da polarização de classes e as grandes corren-
classes médias, dependentes em regra dos núcleos 'tra-
tes ideológicas que dividem o mundo contemporâneo
dicionais', o elo mais fraco do sistema é constituído pelo
penetravam no país."
Exército e, no seu interior, pelos 'tenentes'.
FAUSTO, B. A Revolução de 1930. 11. ed.
Na década de 1920, o tenentismo é o centro mais São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 112-113.
importante de ataque ao predomínio da burguesia
cafeeira, revelando traços específicos, que não podem a) A Revolução de 1930 representou a toma-
ser reduzidos simplesmente ao protesto das classes da do poder por parte da burguesia industrial?
médias. Se a sua contestação tem um conteúdo mode- Justifique. → DL/CF/SP/CA/H9/H11
rado, expresso em um tímido programa modernizador, b) Para o autor, qual foi o setor mais relutante ao
a tática posta em prática é radical, e altera as regras controle da burguesia cafeeira? Por quê?
do jogo, com a tentativa aberta de assumir o poder → DL/CF/SP/H21
pelo caminho das armas. Sob este aspecto, embora ini- c) Quais foram os setores que compuseram a frente
cialmente isolado, o movimento tenentista está muito revolucionária de 1930? → DL/SP/H11
à frente de todas as oposições regionais, ao iniciar a
d) O que é o Estado de compromisso? → DL/SP/H11
luta, em julho de 1922. O agravamento das tensões no
curso da década de 1920, as peripécias eleitorais das e) Do ponto de vista da participação popular,
eleições de 1930, a crise econômica propiciam a cria- quais são as diferenças entre a proclamação da
ção de uma frente difusa, em março/outubro de 1930, República e a Revolução de 1930?
que traduz a ambiguidade da resposta à dominação → DL/CF/SP/H9/H11
da classe hegemônica: em equilíbrio instável, contan- 9 (Fuvest-SP) "Como proteção contra a fantasia e a
do com o apoio das classes médias de todos os cen- demência financeiras, a memória é muito melhor que a
tros urbanos, reúnem-se o setor militar, agora amplia- lei. Quando a lembrança do desastre de 1929 se perdeu
do com alguns quadros superiores, e as classes domi- no esquecimento, a lei e a regulação não foram sufi-
nantes regionais. Vitoriosa a revolução, abre-se uma cientes. A história é extremamente útil para proteger
espécie de vazio de poder, por força do colapso políti- as pessoas da avareza dos outros e delas mesmas."
co da burguesia do café e da incapacidade das demais GALBRAITH, John Kenneth. O grande crash, 1929.
frações de classe para assumi-lo, em caráter exclusi-
a) Indique duas das características principais do
vo. O Estado de compromisso é a resposta para esta
que o autor chama de "desastre de 1929".
situação. Embora os limites da ação do Estado sejam
ampliados para além da consciência e das intenções de b) Identifique algum fenômeno posterior, compará-
seus agentes, sob o impacto da crise econômica, o novo vel ao "desastre de 1929", estabelecendo seme-
governo representa mais uma transação no interior das lhanças e diferenças entre ambos.
classes dominantes, tão bem expressa na intocabilida- → DL/CF/SP/CA/H7/H8/H18

Engenho e Arte 75

OH_V3_Book.indb 75 18/05/16 09:37


10 "O Reich, que sob a preponderância dos alemães, e tal- razão a Speer quando aceita como dadas as duas faces
vez também de todos os ‘germânicos’, deveria conduzir da natureza de Hitler, não subordinando uma à outra.
à escravização do restante da terra, só podia operar por Ambas – a volúpia de construir e a destruição – são pre-
meio do terror: tinha de correr muito sangue. Foi assim mentes em Hitler, e atuam lado a lado."
que, consequência lógica, ele se envolveu numa guerra. CANETTI, Elias. A consciência das palavras.
A simultaneidade desse envolvimento e dos prazos para São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 176.
a realização dos projetos de construção faz despertar a
Relacione o texto com a noção de "ruínas do futuro",
suspeita de que, por meio desses, Hitler pretendia ocul-
citada no item "Estética e educação nazistas" (p. 70).
tar suas intenções belicosas. Essa é uma hipótese sus-
citada pelo próprio [arquiteto Albert] Speer, embora → DL/CF/CA/H2/H3/H5/H7/H11
ele mesmo não se dê por satisfeito com ela. Deve-se dar

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

que sustentou esse regime, além dos outros mecanismos


Concorrência desleal que contribuíram para sua manutenção.
Diretor: Ettore Scola
Câmera
DIVULGAÇÃO

País: Itália
Ano: 2000 Para que você possa construir sua leitura do filme é
importante prestar atenção aos elementos que ele ofere-
ce. Por isso, sugerimos que tome notas sobre:
• os objetos utilizados pelo diretor como elementos
simbólicos (espelhos, janelas e bondes);
• a maneira como os dois concorrentes lidavam com
O ano é 1938. Itália e Alemanha vivem sob regimes tota- suas lojas e profissões;
litários que se opõem aos modelos liberal ou comunis- • as principais características de cada família apre-
ta e objetivam a modernização da sociedade e o triunfo sentada;
de uma suposta raça ariana a ser alcançado pela elimina- • a maneira como os cunhados de Umberto se viam
ção das ditas "raças inferiores". Esse é o pano de fundo em relação ao governo fascista;
para a narrativa das histórias de Umberto, Leone e res- • a posição assumida por Umberto após os decretos
pectivas famílias. Umberto herdou da família a tradição que sucederam à visita de Hitler.
da alfaiataria, que exerce em sua loja de tecidos e confec-
ções. Leone, um judeu, é o novo vizinho que abandonou Ação
o ramo de venda de cortinas e abriu uma loja de confec-
1 Retome as anotações feitas no item "Luzes" desta
ções ao lado do estabelecimento de Umberto. Os vizinhos
seção e indique como aparecem no filme os aspectos
brigam por clientes, enquanto seus filhos, Lele e Paolo,
do regime fascista.
nutrem forte amizade entre si. Os rumos dessas famílias
são bruscamente alterados após a visita de Hitler à cida- 2 Tendo em mente as informações estudadas no módulo
de de Roma. e suas observações sobre o filme, responda:
a) como você interpreta o título do filme?
Luzes
b) em sua opinião, em que consiste a deslealdade a
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes que o título se refere?
nos Procedimentos metodológicos da página 10. → DL/CF/SP/CA/H8/H9/H10/H11/H13/H14/H15
Leia novamente o item O fascismo e o nazismo (p.
65) e identifique as principais características do discurso

Estante • BRENER, Jayme. 1929 – A crise que mudou o mundo. São Paulo: Ática, 1996.

76 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

OH_V3_Book.indb 76 18/05/16 09:37


1 (UFMG) Observe a tabela que mostra os resultados eleitorais para o Reichstag (Alemanha, 1928-1933).

ELEIÇÕES
PARTIDOS 1928 – 1930 – 1932 – 1932 – 1933 –
20/maio 14/set. 31/jul. 6/nov. 5/mar.
Radar
Comunista Alemão 10,6 13,1 14,2 16,8 12,3
Social-Democrata Alemão 29,6 24,5 21,5 20,4 18,3
Católico de Centro 11,9 11,7 12,4 11,9 11,2
Popular Bávaro 3,9 3,0 3,2 2,9 2,7
Democrático Alemão 4,9 3,7 1,0 0,9 0,8
Popular Alemão 8,7 4,5 1,1 1,7 1,0
Popular Nacional Alemão 14,2 7,0 5,9 7,2 8,0
Nazista 2,6 18,3 37,2 33,1 43,9
Outros 14,5 14,2 3,5 5,2 1,8
TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Faça
em se
cadernu Todas as alternativas são confirmadas pelos 4 – Apesar da importância da cultura do café, já
o
dados dessa tabela, exceto: existiam, nos anos 1920, investimentos em
→ conforme a) Ao longo do período, o Partido Católico de diversos setores da economia brasileira.
tabelas das Centro é o que apresenta o eleitorado mais 5 – Os anos 1920 representaram a ascensão
páginas 8 e 9. fiel. dos comunistas dentro do movimento
b) Ao longo do período, o comportamento do operário da Primeira República.
eleitorado tende a se deslocar da esquerda Estão corretas apenas:
Tá na rede!
(PCA e PSDA) para a direita (PPA, PPNA e a) 1, 2 e 4
QUESTÕES Nazista).
b) 2, 3 e 4
DE ENEM c) Ao longo do período, o PSDA é o único par-
c) 1 e 3
Digite o endereço tido que mantém tanto o eleitorado de
abaixo na barra esquerda quanto o de centro. d) 3, 4 e 5
do navegador de e) 1 e 5
d) Após a crise de 1929, todos os partidos,
internet: http://goo.
gl/xog0Jb. Você com exceção do Comunista, perdem votos → DL/SP/H9
pode também tirar para o Nazista. 3 (Unirio/Ence-RJ) As crises política, social e
uma foto com um e) Em 1933, a direita (PPA, PPNA e Nazista) cultural das décadas de 20 e 30 no Brasil estão
aplicativo de QrCode detinha a preferência da maioria absoluta associadas a vários movimentos, entre eles o
para saber mais sobre
dos eleitores. tenentismo, que pode ser definido como:
o assunto. Acesso em:
4 abr. 2016. → DL/CF/SP a) Movimento social com marcada participa-
2 (UFPE) Leia as afirmativas abaixo, referentes ção das classes populares urbanas.
aos anos 1920, no Brasil. b) Manifestação de parcela do exército repre-
1 – Os anos vinte reforçaram o poder das oli- sentada pelos oficiais mais jovens.
garquias e não envolveram lutas por rei- c) Expressão das dissidências político-eleito-
vindicações políticas democráticas. rais entre as oligarquias dominantes.
2 – O movimento tenentista expressava as d) Revolução agrária caracterizada pelo levan-
insatisfações políticas do momento ape- te das populações rurais em função da
Página dedicada a
questões já aplica- nas do ponto de vista da estratégia militar. Coluna Prestes.
das em provas do 3 – O movimento modernista significou, entre
ENEM. Busque exer- e) União das classes médias urbanas com
cícios sobre os temas outras coisas, uma reflexão sobre a identi- as oligarquias cafeeiras em oposição aos
desenvolvidos neste dade cultural brasileira, apesar das influên- movimentos populares.
capítulo.
cias europeias modernistas.
→ DL/SP/H11

Radar 77

OH_V3_Book.indb 77 18/05/16 09:37


4 (Mackenzie-SP) A Semana de Arte Moderna de 1922, ve-se estável na década de 1930, formando uma
realizada na cidade de São Paulo entre os dias 11 e 15 ruidosa minoria que só chegaria ao poder pelo
de fevereiro, no palco do Teatro Municipal, identifica- golpe de Estado de 1933.
-se com: → DL/CF/SP/H1/H11/H15/H21
a) as transformações sociais e econômicas por que 6 (UFRJ) Segundo Anita Prestes, "o tenentismo vinha
passava a sociedade brasileira e a reação à oligar- preencher o vazio deixado pela falta de lideranças civis
quia agrária dominante. aptas a conduzirem o processo revolucionário brasilei-
b) os ideais estéticos e morais da aristocracia cafeei- ro que começava a sacudir as já caducas instituições
ra, propostos no manifesto modernista. políticas da República Velha".
c) a contestação no campo das artes ao modelo neo- PRESTES, Anita. A Coluna Prestes.
liberal e desenvolvimentista que caracterizava o São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 73.
governo do presidente Washington Luís.
De acordo com o texto, é correto afirmar que:
d) a reação cultural favorável ao impressionismo e a) os "tenentes" queriam moralizar a vida política
aos padrões estéticos estrangeiros, introduzidos nacional, propondo uma ampla aliança de esquerda.
no Brasil pelos imigrantes.
b) os "tenentes" queriam deixar de ser meros "jagun-
e) a contestação à industrialização de São Paulo, ços" nas mãos das oligarquias estaduais, ampara-
bem como as reivindicações operárias expressas dos por um programa democrático.
no manifesto antropofágico.
c) os "tenentes" queriam pôr fim à política democrá-
→ DL/CF/SP/H5 tica instaurada com a República Velha e promover
5 (UESPI) "Hitler considerava que a propaganda sempre um regime ditatorial, único capaz de finalizar o
deveria ser popular, dirigida às massas, desenvolvida atraso econômico representado pelas antigas oli-
de modo a levar em conta um nível de compreensão dos garquias cafeeiras.
mais baixos. 'As grandes massas', dizia ele, 'têm uma d) os "tenentes" apresentaram-se como substitu-
capacidade de recepção muito limitada, uma inteligên- tos dos frágeis partidos políticos de oposição
cia modesta, uma memória fraca'. Por isso mesmo, a aos regimes oligárquicos e à desorganização da
propaganda deveria restringir-se a pouquíssimos pon- sociedade.
tos, repetidos incessantemente... Tudo interessa no e) o tenentismo representou um movimento que
jogo da propaganda: mentiras, calúnias; para mentir, buscava romper com a tradição de intervenção
que seja grande a mentira, pois assim sendo, 'nem pas- militar na política, presente desde a proclamação
sará pela cabeça das pessoas ser possível arquitetar da República.
uma tão profunda falsificação da verdade'."
→ DL/SP/H9/H10/H11
LENHARO, Alcir. Nazismo, "o triunfo da vontade".
6. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 47-48. 7 (UFMG) Um dos episódios mais marcantes na histó-
A respeito do nazismo é CORRETO afirmar: ria das revoluções brasileiras deu-se com a Coluna
a) não pode ser definido como um regime totalitário, Prestes, que, entre 1924 e 1927, percorreu milhares
uma vez que a aceitação de sua doutrina foi con- de quilômetros do interior brasileiro na tentativa de
seguida pelo convencimento das massas popula- manter acesa a luta por seus ideais.
res, através de uma intensa propaganda. Como solução para os problemas brasileiros, os líde-
b) utilizou-se da propaganda para construir uma res da Coluna Prestes defendiam:
imagem grandiosa da Alemanha, para louvar seu a) o estabelecimento de uma ditadura militar, que
líder Adolph Hitler e para estimular a perseguição alinhasse o País às experiências inovadoras do
a grupos considerados perigosos, traidores e infe- fascismo europeu.
riores à raça ariana. b) a destruição do sistema oligárquico, acompanha-
c) os grandes espetáculos eram espontaneamente da da reformulação dos costumes e práticas polí-
organizados pelas massas e contavam com uma ticas vigentes.
diversidade de símbolos e bandeiras representan- c) a distribuição das terras dos latifúndios entre os
do a pluralidade étnica característica da Alemanha. camponeses, que seriam mobilizados para lutar
d) a celebração procurava interferir na educação da nas fileiras da própria Coluna.
juventude alemã, uma vez que as escolas conse- d) a realização de uma revolução comunista, seguida
guiram manter-se a salvo das influências nazistas. da estatização das propriedades e da implantação
e) apesar da intensa propaganda, o número de par- do socialismo.
lamentares eleitos pelo partido nazista mante- → DL/SP/H9/H10

78 Capítulo 2  O destino bate à sua porta

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Capítulo

10
3 Retratos do Brasil

DE OLHO nos

N
o início do governo provisório de Getúlio Vargas (1930- Conceitos
-1934), as divergências entre os grupos no poder eram evi-
dentes. Com uma ponta de arrependimento e muita inse- • Constitucionalismo
gurança, os representantes das oligarquias regionais viam chegar • Sufrágio universal
interventores, geralmente tenentes, nomeados pelo presidente, para
dirigirem seus Estados com amplos poderes. • Feminismo
No Norte-Nordeste havia até ventores, que muitas vezes aproxi- • Integralismo
um "vice-rei", como ironicamen- mavam-se perigosamente dos ope- • Antissemitismo
te era chamado o "tenente" Juarez
Távora, responsável pela super-
rários e trabalhadores rurais com
propostas de apelo popular. Medi- • Trabalhismo
visão política de toda a região. A das como redução do preço de alu- • Populismo
cúpula do Exército também esta-
va apreensiva com o poder exces-
guéis, melhorias nos serviços de
saúde, organização de sindicatos e • Territorialização do
sivo dos tenentes, por eles comba- expropriação das terras dos fazen-
mercado de trabalho
tidos na década de 1920. À frente
de todos estava Vargas, mas naque-
deiros comprometidos com o anti-
go governo punham em confronto
• Substituição de
importações
les primeiros meses não se sabia ao interventores e oligarcas.
certo quem ocupava de fato o poder. De outro lado, era visível a
A instabilidade política decor- intenção de Vargas de não se tornar
ria da incapacidade de os principais refém dos grupos regionais. Assim,
atores sociais (oligarquias regionais, o presidente dissolveu de imediato
classes médias, militares e trabalha- o Congresso Nacional, espaço privi-
dores) imporem um projeto de orga- legiado de representação das elites
nização do poder à nação e exerce- brasileiras, concentrando os pode-
rem, com isso, sua hegemonia sobre res no Executivo federal. A mesma
os demais. No núcleo do governo, medida foi aplicada aos estados e ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO/ALESP

Vargas, os tenentes e representantes municípios. A representação legis-


das várias oligarquias tinham inte- lativa, com as eleições controladas
resses contraditórios, muitas vezes pela máquina oligárquica, foi desa-
conflitantes. Ao redor do poder, as tivada de 1930 a 1933. Além disso,
Forças Armadas espreitavam os a autonomia regional foi reduzida
acontecimentos com cautela. Longe em relação à possibilidade de con-
dos gabinetes, o ruidoso movimen- trair empréstimos no exterior – que
to operário continuava a apresen- dependiam agora de aprovação do
tar suas reivindicações reformistas e governo central – e quanto à mon-
planos revolucionários. tagem das forças policiais dos esta-
As oligarquias sentiam-se dos, cujos efetivos não podiam mais Propaganda convocando jovens
duplamente ameaçadas. De um exceder os do Exército nem contar paulistas para a Revolução
lado, devido à presença de inter- com aviões e peças de artilharia. Constitucionalista. Cartaz, 1932.

79

OH_V3_Book.indb 79 18/05/16 09:37


1 A moldura
oligárquica

E
mpossado em 3 de novembro de 1930, Vargas assumiu o compro-
misso de convocar uma Assembleia Constituinte, a fim de elabo-
rar uma nova Constituição para o Brasil. No entanto, os "tenentes",
organizados no Clube 3 de Outubro, procuravam prolongar o governo
provisório, com o objetivo de enfraquecer o poder regional no Brasil e
consolidar suas posições políticas. Com Getúlio Vargas, os tenentes viam
a possibilidade de estabelecer um Estado forte e centralizado no Brasil,
um velho projeto acalentado desde o final do século XIX por grande parte
do Exército.
Os descontentamentos logo se transformaram em clara oposição. As oli-
garquias regionais exigiam o restabelecimento do jogo parlamentar. Anti-
gos aliados ergueram-se contra o governo e exigiram a convoca-
ção da Constituinte e o fim do governo provisório. A maior parte
Propaganda paulista dos estados do Norte-Nordeste, Minas Gerais e até mesmo o Rio
No cartaz de propaganda da revolta de 1932, um Grande do Sul, terra de Vargas, voltaram-se contra o presidente.
bandeirante, símbolo da história paulista, segura
Mas o principal foco de oposição residia em São Paulo.
em uma mão o presidente Vargas. Atrás, um solda-
do carrega a bandeira de São Paulo. A chamada Revolução Constitucionalista de 1932, derrota-
da em menos de três meses, era indicativa das dificuldades polí-
Abaixo a dictadura, anônimo.
Litografia colorida, 1932. ticas daquele momento. Apesar de contar com simpatias entre
oligarquias de várias partes do país, os paulistas ficaram isola-
dos. Nenhum grupo se arriscou nem viu perspectivas de sucesso
CPDOC/FGV, RIO DE JANEIRO, BRASIL

na destituição de Vargas e numa nova aliança com São Paulo. Por


outro lado, apesar de derrotados, os paulistas obtiveram conces-
sões do governo federal, que visava com isso diminuir sua opo-
sição a Getúlio, como a nomeação de Armando de Sales Oliveira,
ligado ao Partido Democrático (PD), como interventor, e a criação
da Universidade de São Paulo, em 1934. Os tenentes, desgasta-
dos em termos políticos, tenderam a se desarticular, engajando-
-se, individualmente, em grupos à esquerda e à direita. Mais uma
vez, nenhuma força sociopolítica no Brasil tinha condições de se
impor de forma hegemônica. A solução foi uma espécie de pacto
político ou compromisso entre os vários grupos dominantes.
Enquanto isso, Vargas ganhava terreno.
As oligarquias, sem condições de afastar Vargas e os mili-
tares que o cercavam, fossem das Forças Armadas ou do tenen-
tismo, acabaram por aceitar sua direção. Ao mesmo tempo, a
maioria dos tenentes era cooptada pelo jogo político dos gru-
pos regionais, enfraquecendo as propostas reformadoras para
o mundo rural. Começava a se delinear o compromisso entre o
governo central e as oligarquias regionais: fortalecimento do Exe-
cutivo, direção política de Vargas e manutenção das relações
sociais no campo, ou seja, do latifúndio, da exploração da mão
de obra livre e da prepotência da burguesia rural brasileira.

80 Capítulo 3  Retratos do Brasil

OH_V3_Book.indb 80 18/05/16 09:37


A Revolução de 1932 Tá ligado?!
Faça
em se
cadernu
o
O controle sobre o estado de São Paulo foi exercido,
sucessivamente até 1932, por interventores federais (PUCCamp) Analise o texto adiante.
que se incompatibilizaram com os grupos oligárquicos. "Por um lado, é a ameaça do prolongamento indefini-
O tenente pernambucano João Alberto chegou a estimu- do da ditadura e, acima do predomínio no código funda-
lar a formação de organizações operárias, causando rui- mental do país de ideias não só visceralmente incompatí-
dosas reações da elite paulista. Além disso, a nomeação veis com as tradições democráticas, consciência e cultu-
de interventores de fora de São Paulo alijava os repre- ra da nação, senão também atentatórias da segurança,
sentantes do Partido Democrático (PD), aliados de Var- direitos e progresso econômico de São Paulo. Por outro
lado, são as dores desta soberba Unidade da Federação,
gas. Em fevereiro de 1932, formava-se a Federação
usurpada na faculdade inauferível de se governar, tala-
Única Paulista (FUP), reunindo representantes do PD
da na opulência de suas riquezas, destroçada na orga-
e do Partido Republicano Paulista (PRP).
nização de seus serviços públicos. São Paulo martiriza-
A oligarquia de São Paulo voltava a se reagru- do nunca poderia perdoar aos seus filhos manterem-se
par para defender seus interesses. Exigia a entrega do desunidos ante tantos perigos e infortúnios.
comando político a civis conterrâneos e o estabeleci-
Adaptado de O Estado de S. Paulo, fevereiro de 1932.
mento da normalidade constitucional. Nem mesmo a
indicação do paulista Pedro de Toledo para interventor A partir do texto e tendo como referenciais o contex-
to histórico do movimento paulista de 1932, pode-se
do estado serenou os ânimos, que continuaram exalta- afirmar que:
dos em comícios e manifestações populares. A propa- a) a grande imprensa demonstra sempre uma postu-
ganda apelava para a resistência dos paulistas contra a ra equidistante no tocante a questões históricas
ditadura de Vargas, levando milhares de pessoas às ruas conflituosas, haja vista o predomínio do interes-
de São Paulo. se comercial dos seus proprietários.
No clima de radicalização, quatro manifestantes b) o jornal revela um posicionamento radical contra o
foram mortos a tiros durante a tentativa de invasão extremo nacionalismo do movimento paulista, que
de um jornal tenentista: Martins, Miragaia, Dráusio e pretendia depor o primeiro governo constitucional
de Getúlio Vargas.
Camargo, cujas iniciais formariam a sigla MMDC, que
c) o jornal concorda plenamente com o movimento
passaria a designar o movimento. A 9 de julho de 1932,
paulista, já que este procura fortalecer o getulismo
estourou a rebelião armada em São Paulo. Durante três contra a oligarquia que governa o Brasil até 1930.
meses, uma força militar paulista, de cerca de 8 500 d) o discurso presente no texto do jornal traduz uma
soldados, enfrentou quase 20 mil homens do governo parte do sentimento de alguns defensores do
central muito mais bem equipados. Apesar da intensa movimento paulista, que questiona a legitimida-
mobilização das elites e da classe média do estado, a de do poder político vigente no país.
derrota se deu em 1.º de outubro do mesmo ano. e) as ideias contidas no texto do jornal mostram o
grau de união e a convergência de interesses de
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO/ALESP

todos os participantes do movimento paulista


pela Consolidação da União Nacional.
→ DL/SP/H1/H9
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.

A Constituinte de 1934
Nas eleições para a Constituinte, realizadas em maio de
1933, o governo estabeleceu um conjunto de regras que
aperfeiçoava o processo eleitoral ao mesmo tempo que
enfraquecia o poder oligárquico. O estabelecimento do
voto secreto diminuía a ocorrência de fraudes e a cor-
Propaganda convocando jovens paulistas para a Revolução rupção eleitoral. Por outro lado, a extensão do direito
Constitucionalista. Cartaz, 1932. (detalhe) de voto para as mulheres ampliava o eleitorado. Por

A moldura oligárquica 81

OH_V3_Book.indb 81 18/05/16 09:37


fim, a instituição da bancada classista, eleita por sin- que reivindicavam o direito de voto. Na Europa e nos
dicatos de patrões e empregados, e composta por 40 Estados Unidos, grupos e associações femininas mobili-
delegados, diminuía a influência dos outros 214 repre- zavam-se pelo direito à participação política.
sentantes eleitos em seus estados e, em sua maioria, A Primeira Guerra Mundial afetou o movimen-
defensores de interesses oligárquicos. to sufragista, que só voltaria a se fortalecer após 1918.
Ao final dos trabalhos, em julho de 1934, a Assem- Em 1920, o direito ao voto foi conquistado nos Esta-
bleia Constituinte escolheu Getúlio Vargas para gover- dos Unidos. A partir de então, sucessivamente, diver-
nar o Brasil até 1938. O país ganhava o mais avança- sos governos passaram a incluir as mulheres entre seus
do texto constitucional de sua história até então, que eleitores: Índia, em 1921; Inglaterra, em 1928; Turquia,
estabelecia direitos trabalhistas, garantias individuais em 1934; França, em 1944.
e apresentava forte inclinação nacionalista quanto aos No Brasil, a potiguar Nísia Floresta (1810-1885),
recursos minerais. O presidente conseguia enquadrar as influenciada por Mary Wollstonecraft, publicava o livro
oligarquias nesse arranjo político e assumia um manda- Direitos das mulheres e injustiça dos homens. Seu estado
natal, Rio Grande do Norte, foi o primeiro a legalizar o
to com uma nova Constituição.
voto feminino no país, em 1928. A paulista Bertha Lutz
As mulheres na política (1984-1976) também é considerada uma das impor-
A questão dos direitos políticos para as mulheres surgiu tantes líderes do movimento sufragista, e sua atuação é
com nitidez durante a Revolução Francesa. Olympe de lembrada como fundamental para a decisão que permi-
Gouges publicou a "Declaração dos Direitos da Mulher tiu que o Código Eleitoral garantisse o direito de voto e
e da Cidadã", uma versão feminista da célebre Declara- de participação das mulheres nas eleições de 1933 para
ção dos Direitos do Homem e do Cidadão. Defendia a par- a Constituinte. Entre os parlamentares que redigiram e
ticipação da mulher na vida política e civil em condição votaram a Constituição de 1934 havia uma mulher, a
de igualdade com os homens. Foi condenada à guilho- médica Carlota Pereira de Queiroz.
tina e morta por homens que se diziam defensores da

ACERVO ICONOGRAPHIA
liberdade. Na Inglaterra, Mary Wollstonecraft escreveu,
em 1792, o livro Defesa dos direitos da mulher, baseado no
princípio dos "direitos naturais" do indivíduo.
Em 1848, na França, uma nova revolução resultou na
instituição do sufrágio universal, o direito de voto. Mas só
os homens poderiam votar. A República que utilizava as
mulheres como símbolo excluía-as do jogo político. No
mesmo ano, a Convenção dos Direitos Femininos realiza-
da em Nova York publicava a "Declaração dos Sentimen-
tos", que defendia o direito de voto para as mulheres. Sua
principal palavra de ordem era: "Homens, seus direitos
e nada mais! Mulheres, seus direitos e nada menos!".
Foram insultadas, ridicularizadas e agredidas.
O início do século XX foi marcado por manifesta- Mulher votando nas eleições para a Assembleia
ções sufragistas, como foram designadas as mulheres Constituinte. Rio de Janeiro, maio de 1933.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Quais eram as principais divergências entre tenen- 3 Como Vargas limitou o poder das oligarquias?
tistas e oligarquias durante o governo provisório de → DL/CF/SP/H9
Getúlio Vargas? → DL/CF/SP/H9 4 Em que termos realizou-se o enquadramento das
2 Em que medida tais divergências eram seme- oligarquias no novo jogo político? → DL/CF/SP/H9
lhantes àquelas verificadas, durante a República 5 Por que a Revolução de 1932 não obteve apoio de
Oligárquica, entre o Exército e as oligarquias? outros grupos regionais? → DL/CF/SP/H9
→ DL/CF/SP/H9

82 Capítulo 3  Retratos do Brasil

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2 A moldura
autoritária

"A
gora eu vou mudar minha conduta,
Eu vou pra luta
Pois eu quero me aprumar.
Vou tratar você com força bruta,
Pra poder me reabilitar.
Pois esta vida não está sopa
E eu pergunto: com que roupa,
Com que roupa eu vou
Ao samba que você me convidou?"
Noel Rosa, Com que roupa, 1931.

"A Constituição é como as virgens. Foi feita para ser violada." Essa frase,
atribuída a Getúlio Vargas, teria sido proferida alguns anos depois da ela-
boração da Constituição de 1934. Àquela altura, a deselegância e o des-
prezo pelos princípios liberais e democráticos não eram particularidades
de Vargas. Na Alemanha, desde 1933, Adolf Hitler governava com mão
de ferro, exterminando seus opositores políticos, perseguindo os judeus
e estabelecendo a ditadura nazista. Em outras partes da Europa, presen-
ciava-se a escalada de regimes autoritários, inspirados nas ideias fas-
cistas: Hungria, Polônia, Áustria, Romênia, em breve também Portugal
e Espanha.
Na União Soviética, implantara-se a ditadura do proletariado como o
recurso para consolidar a revolução e estabelecer a sociedade comunista.
Voltada inicialmente contra os representantes das classes dominantes rus-
sas, logo a ditadura passou a perseguir outras tendências do movimento
operário, como anarquistas e socialistas. O berço do sonho socialista, uma
das mais belas construções utópicas da cultura ocidental, transformava-se
numa ditadura que glorificava seu líder máximo, Josef Stálin.
BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO (RJ), BRASIL

Integralistas e comunistas
No Brasil, diversos grupos de direita organizaram-se, em 1932, na Ação
Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado, Gustavo Bar-
roso e Miguel Reale. A AIB, que chegou a ter um contingente de mais de
600 mil adeptos, possuía um projeto de Estado totalitário, no qual não
se verificariam a separação e a independência de poderes (Executivo,
Legislativo e Judiciário). Como razão suprema da sociedade e da nação,
os interesses do Estado deveriam prevalecer sobre os direitos e interes-
ses particulares de seus membros. Estabelecia-se, assim, uma concepção
corporativista, pela qual a sociedade, tida como um corpo, deveria ser
dirigida por um líder supremo, no caso, o fundador do movimento, o jor-
Caricatura de Plínio Salgado,
principal líder do movimento
nalista e escritor Plínio Salgado. Nacionalistas ardorosos, os integralistas
integralista, Álvaro Cotrim saudavam-se mutuamente, erguendo o braço direito e gritando "Anauê",
(Alvarus). Gravura, 1938. expressão tupi que quer dizer "você é meu parente". Uniformizados com

A moldura autoritária 83

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camisas verdes e calças pretas, tinham como símbolo No polo político oposto, em março de 1934, Luís
a letra grega sigma ( ) para expressar a ideia de inte- Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, tornava-se
gridade e o lema "Deus, Pátria e Família". o principal nome do PCB. Com alguns "tenentes" de
A perspectiva autoritária dos integralistas torna- esquerda, Prestes lançaria, no ano seguinte, a Aliança
va-os opositores do liberalismo econômico e da demo- Nacional Libertadora (ANL). Tratava-se de uma fren-
cracia burguesa. Seus principais adversários eram os te popular, constituída a partir do PCB, que procurava
socialistas e os judeus, esses últimos tidos como estran- atrair os setores democráticos e antifascistas da socie-
geiros e apátridas. Entre os seus adeptos figuravam dade em torno de um programa de reformas políticas e
intelectuais (alguns do movimento modernista), cató- sociais que compreendia a suspensão do pagamento da
licos, militares, empresários, representantes da classe dívida externa, a reforma agrária, a nacionalização das
média e operários. empresas e a defesa das liberdades individuais.

Antissemitismo: ataques aos judeus


A visão preconceituosa que atribuía aos judeus a res-

ACERVO ICONOGRAPHIA
ponsabilidade pelos problemas nacionais foi ampla-
mente difundida no Brasil pelo integralista Gustavo
Barroso, considerado o Führer do integralismo por
nazistas argentinos. Em um dos seus muitos escritos
contra os judeus podemos ler:
"Os insaciáveis judeus da Sinagoga Paulista, contra-
riados momentaneamente em todas as suas pretensões
pela Revolução de 1930, aliaram-se a políticos despeita-
dos e envenenaram o povo paulista contra o governo cen-
tral e o resto do Brasil, conduzindo-o à Guerra Civil de
1932. Fizeram crer à mocidade que o sr. Getúlio Vargas
era inimigo de São Paulo, aplicando o processo judiciá-
rio a que alude Ford: 'incitar o ódio contra as pessoas a
quem se quer aniquilar'. Entretanto, nós, Integralistas,
técnicos por dever de ofício, sabemos que os únicos ini-
migos de São Paulo são os judeus que o sugam […]"
Integralistas no Rio Grande do Sul, década de 1930.
BARROSO, G. A sinagoga paulista. Rio de Janeiro: ABC, 1937. p. 13.

A radicalização política alemã Olga Benário, que se tornaria a companheira de


Prestes. O objetivo era destituir Vargas e estabelecer um
As rivalidades entre integralistas e a frente popular,
formada pela ANL, incendiaram o país. Grandes comí- governo revolucionário e popular no Brasil, alinhado
cios da ANL aglutinavam milhares de trabalhadores e com a União Soviética.
representantes da classe média. Os integralistas des- Em 5 de julho de 1935, no aniversário do levante
filavam seus estandartes em disciplinadas marchas do Forte de Copacabana, Prestes, num inflamado dis-
militarizadas. Os confrontos tornaram-se cada vez curso, conclamava os presentes à derrubada do gover-
mais frequentes. no. Como represália, ainda nesse mesmo mês, Vargas
O discurso pelas liberdades democráticas da ANL decretou a ilegalidade da ANL, e as centenas de sedes
encobria, contudo, um plano revolucionário estabeleci- do movimento espalhadas pelo Brasil foram fechadas
do em Moscou por Prestes e pela Internacional Comu- pela polícia.
nista. Com o Cavaleiro da Esperança vieram dólares e Quatro meses depois, em novembro, os dirigen-
militantes da Internacional, entre os quais o alemão tes do PCB decidiram, então, pôr em prática o plano de
Artur Ernst Ewert, o argentino Rodolfo Ghioldi, o esta- insurreição armada. A chamada Intentona Comunis-
dunidense Victor Baron, o russo Pavel Stuchevsky e a ta foi facilmente derrotada pelo governo, o que acabou

84 Capítulo 3  Retratos do Brasil

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por fortalecer ainda mais o poder de Vargas. Logo após giu-se a uns poucos batalhões em Natal, Recife e Rio de
o levante, o presidente solicitou ao Congresso Nacional Janeiro. Após as prisões de seus participantes e dirigen-
a aprovação do estado de sítio, que suspendia as garan- tes, Prestes e Olga Benário foram capturados em março
tias individuais, facilitava a prisão dos revoltosos e per- de 1936, no bairro carioca do Meier. Sob uma feroz
mitia intervir em estados da União. Muito semelhante repressão, milhares de pessoas foram presas e centenas
às revoltas tenentistas, a Intentona Comunista restrin- delas brutalmente torturadas.

Olga Benário e Anita Leocádia Prestes


Apesar de forte campanha internacional por sua liber- menina e o nome, como sabiam algumas prisioneiras de
tação, Olga Benário, alemã e judia, foi, mesmo grá- Barnimstrasse, estava escolhido há vários meses: Anita
vida, extraditada para a Alemanha nazista em 1936. Leocádia. Anita em memória da heroína brasileira Anita
Em novembro do mesmo ano, num campo de concen- Garibaldi, mulher de Giuseppe Garibaldi, o revolucioná-
tração nazista, nascia Anita Leocádia Prestes. Com rio forjador da unidade da Itália, e Leocádia em home-
pouco mais de um ano, a menina pôde ser retirada da nagem à sogra que nunca vira pessoalmente, mas apren-
Alemanha pela avó, Leocádia Prestes. Olga Benário dera a amar e respeitar através de Prestes – e que agora
foi assassinada numa câmara de gás em 1942. A trági- cruzava a Europa mobilizando comitês por sua liberta-
ca história de Olga, que revela a brutalidade autoritá- ção. A recém-nascida foi envolvida em roupinhas teci-
ria da época, foi descrita com rara sensibilidade pelo das pelas companheiras de cela, no Brasil, e que tinham
escritor Fernando Morais. Leia o trecho que se refere sido virtualmente a única bagagem de Olga na viagem
ao nascimento de Anita, que se tornou historiadora e até a Alemanha. As peças do enxoval, na verdade, eram
residente no Rio de Janeiro: tão grandes que acabaram servindo como mantas para
"Na madrugada de 27 de novembro de 1936, um ano Anita Leocádia. Surpreendentemente para uma gestação
após a frustrada revolta do Rio de Janeiro, Olga acordou ocorrida em circunstâncias tão adversas, o bebê nascera
com o colchão encharcado. Correndo a mão pelo corpo, gorducho e saudável. A chefe das enfermeiras informou
percebeu que a bolsa amniótica estava arrebentando. a Olga que com o nascimento da menina ela teria a ração
Levantou-se correndo, tateou os cantos da cela, locali- de alimentos alterada: às duas tigelas da rala sopa de
zou a caneca de lata e bateu-a contra a porta de ferro ervilhas que recebia, seriam acrescentadas diariamente,
algumas vezes – era o código combinado com as carce- durante os primeiros seis meses, uma caneca de leite e
reiras, para quando suspeitasse da iminência do parto. uma tigela de mingau de aveia. […]"
O sol começava a romper a camada de neblina gelada MORAIS, F. Olga. 4. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1985. p. 227.
que envolvia a prisão quando a criança nasceu. Era uma
ACERVO ICONOGRAPHIA

ACERVO PARTICULAR

Olga Benário presa, a caminho de uma Exijam sua libertação – Olga Benário Prestes,
audiência. Rio de Janeiro, 1936. Honório Peçanha. Litografia, 1936.

A moldura autoritária 85

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O Plano Cohen O Estado Novo
O "perigo vermelho" ofereceu a Vargas justificativas No dia 10 de novembro daquele ano de 1939, o Congres-
que o auxiliaram a permanecer no poder até 1945. so Nacional foi fechado. Violava-se a Constituição de 1934
A morte de soldados e oficiais do Exército no com- e, em seu lugar, Vargas impunha à nação uma nova carta
bate à Intentona seria explorada durante décadas constitucional, elaborada pelo jurista Francisco Campos,
para alimentar o sentimento anticomunista entre os que eliminava a autonomia dos estados, extinguia o Poder
militares. Em meados de 1936, com a prisão de todo Legislativo em todos os níveis (das câmaras municipais ao
o comando do levante comunista, não havia mais Congresso Nacional) e fortalecia o Poder Executivo.
motivos para a manutenção do estado de sítio. Para A ditadura de Getúlio Vargas inspirava-se no fascis-
tornar mais complexa a situação, a cada novo pedido mo europeu. A Constituição de 1937 baseava-se nos fun-
de prorrogação dos poderes extraordinários do pre- damentos legais do regime fascista polonês, e por isso
ficou conhecida como "Polaca". O Estado Novo, como
sidente, maiores eram as resistências do Congresso
foi denominado o novo sistema político, fazia uma clara
Nacional, principalmente dos parlamentares articu-
alusão à ditadura que Antônio de Oliveira Salazar exer-
lados em torno do paulista Armando de Sales Olivei-
cia em Portugal, que recebeu o mesmo nome. Crítica à
ra (PD), que pretendia disputar as eleições presiden-
democracia parlamentar, anticomunismo, fim das liber-
ciais marcadas para maio de 1938. Assim, em junho
dades individuais, centralização político-administra-
de 1937, o Congresso acabou por negar um novo
tiva, censura à imprensa e repressão política davam as
pedido de Getúlio. As oligarquias temiam um golpe cores do painel político autoritário que delineava a figu-
de Vargas. ra de Vargas como chefe supremo do país. Os integralis-
Nesse momento, três candidaturas já haviam sido tas, defensores de um regime totalitário e corporativis-
apresentadas: além da de Sales Oliveira, a do paraiba- ta, auxiliaram Getúlio na perseguição aos comunistas e
no José Américo de Almeida, ex-ministro de Vargas, e a aplaudiram entusiasticamente o golpe de Estado.
de Plínio Salgado, líder dos integralistas. Mesmo assim, O fortalecimento do Executivo preencheu o "vazio
tudo indicava que Getúlio Vargas não estava disposto a de poder" verificado desde 1930. Diante da incapacida-
deixar o poder. de de qualquer grupo social exercer hegemonia sobre
Em setembro de 1937, o país era surpreendido por o conjunto da sociedade, o Estado acabou se transfor-
uma grave denúncia: o PCB preparava uma nova insur- mando no principal agente político da nação. Os inte-
reição comunista, liderada por um agente internacio- resses divergentes e conflitantes que opunham os diver-
nal denominado Cohen. Além do assalto ao poder, os sos setores oligárquicos, a classe média, os militares e a
revolucionários tramavam o assassinato de centenas de classe trabalhadora passaram a ser arbitrados autorita-
personalidades públicas e atentados a igrejas e prédios riamente pelo presidente.
do governo. Um documento interceptado por militares O Estado, por meio de dura repressão e de inten-
atestava o plano. Na verdade, porém, tratava-se de uma sa propaganda, confundia-se com a figura paternalista
farsa montada pelo capitão do Exército (e militante inte- de seu presidente. Como pai "severo, mas justo", Vargas
gralista) Olímpio Mourão Filho e utilizada como justifi- consolidaria o regime autoritário por meio do apoio do
cativa para ações enérgicas do governo federal. Diante Exército e de um crescente e inigualável prestígio junto
da "denúncia", Vargas solicitou ao Congresso a decreta- às massas.
ção do estado de guerra, que lhe concederia mais pode-
res que os anteriores estados de sítio. Apesar de algu- Tá na rede!
mas resistências, em 1.º de outubro os parlamentares
deram ao presidente os poderes extraordinários. O Estado Novo
"Quem não for contra o comunismo é comunista." Esse Digite o endereço abaixo na barra
do navegador de internet: http://
era o lema das perseguições e intimidações políticas, goo.gl/4Kto5D. Você pode também
que se caracterizaram por intervenções nos Estados, pri- tirar uma foto com um aplicativo Página que disponi-
sões e criação de campos de concentração militares para de QrCode para saber mais sobre biliza informações,
os militantes comunistas e simpatizantes. Tais medidas o assunto. Acesso em: 30 abr. imagens, leituras
conseguiram imobilizar as oposições, já caladas pela 2016. Em português. complementares e
entrevistas sobre o
censura aos órgãos de imprensa. Estado Novo.

86 Capítulo 3  Retratos do Brasil

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Vargas e o Integralismo dos integralistas não tardou. Em maio do ano seguin-
Getúlio Vargas não tencionava partilhar o poder com os te, os seguidores de Plínio Salgado tentaram tomar de
integralistas. Na montagem do novo governo, nenhum assalto o Palácio Guanabara, residência do presiden-
integrante da AIB foi contemplado com algum cargo de te. Derrotados, suas principais lideranças foram presas
destaque. Em dezembro de 1937, Vargas extinguiu todos e o movimento foi duramente perseguido pelas forças
os partidos políticos no Brasil, inclusive a AIB. A reação governistas.

ACERVO ICONOGRAPHIA
Getúlio Vargas reunido com integralistas no Palácio Guanabara pouco antes do golpe de novembro de 1937.

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 "Olha a Pátria que desperta,/Mocidade varonil,/ Viva o GOVERNO POPULAR NACIONAL


Marcha, marcha e brada alerta,/Anauê pelo Brasil." REVOLUCIONÁRIO!"
Estrofe do hino oficial da AIB. Apud TRINDADE, PRESTES, L. C. "Panfleto de novembro de 1935".
H. Integralismo. São Paulo: Difel, 1974. p. 198. Apud PINHEIRO, P. S. Estratégias da ilusão:
a revolução mundial e o Brasil (1922-1935). 2. ed.
Com base na leitura dessa estrofe, aponte três São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
características do Integralismo. → DL/CF/SP/H1
a) Quais eram os principais pontos do programa
2 "[…] O povo brasileiro levanta-se em todo o país dis- da ANL? → DL/CF/SP/H1
posto a defender o seu novo governo – O GOVERNO
POPULAR NACIONAL, que hoje se implanta. b) Em que medida a Intentona Comunista foi
semelhante às ofensivas tenentistas?
[…] em nome deste novo poder popular que faço este → DL/CF/SP/H9/H10/H11
apelo a todo o país: – TODOS ÀS ARMAS. São traido- 3 Como o levante comunista forneceu justificativas a
res e precisam ser imediatamente presos todos os que Vargas para estabelecer medidas que culminaram
atirarem contra o povo! no golpe de Estado de 1937? → DL/SP/H8/H9
O GOVERNO POPULAR significa a libertação nacio- 4 "Eu hoje vou mudar minha conduta,/Eu vou pra luta/
nal do Brasil e só pode viver com o apoio decidido de Pois eu quero me aprumar./Vou tratar você com
todos os brasileiros. força bruta,/Pra poder me reabilitar. […]"
Como a ditadura instaurada por Vargas preencheu
Viva a Revolução Libertadora!
o "vazio de poder" verificado desde 1930?
Viva o Brasil Independente!
→ DL/SP/H9

A moldura autoritária 87

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3 A moldura
operária

D
urante a República oligárquica (1889-1930), a política era exercida e

◀ ANOS
Estado definida, principalmente, nos gabinetes e câmaras legislativas, esta-
populista I duais e federais, e nos currais eleitorais pelo Brasil afora. A chamada
Deposição de Washington Luís. 1930 Revolução de 1930 ampliou o espaço e o ambiente do exercício do jogo políti-
Governo provisório ▾
de Getúlio Vargas.
co. Aos gabinetes e currais somaram-se as praças e ruas das grandes cidades
Criação do Ministério brasileiras. As manifestações de apoio popular a Vargas, iniciadas durante a
do Trabalho. campanha eleitoral e intensificadas desde os primeiros dias de seu governo,
O governo federal ajuda os 1931 tornaram-se um ingrediente constante do seu modo de fazer política.
cafeicultores com a queima de ▾
toneladas de sacas de café. Os gabinetes, no entanto, eram pequenos para acomodar as massas popu-
Revolução Constitucionalista. 1932 lares. Vargas consolidaria um novo estilo de atuação, no qual a figura do pre-
Formação da Ação ▾
Integralista Brasileira (AIB). sidente estaria mais próxima da população de seu país. Alguns, mais afor-
Eleições para a 1933 tunados, conseguiriam até um aperto de mão ou um autógrafo. Outros iriam
Assembleia Constituinte. ▾ espichar-se em meio à multidão para enxergar aquele presidente de peque-
As regras eleitorais
estabelecem o voto secreto e o na estatura. Por quinze anos seguidos, de 1930 a 1945, a maioria conseguiria
direito de voto para as mulheres. ouvir sua voz aguda e penetrante, que assim iniciava seus discursos: "Traba-
Nova Constituição brasileira. 1934 lhadores do Brasil".
Getúlio Vargas é eleito ▾
pelos parlamentares para Num país onde as questões sociais eram tratadas como caso de polícia, em
um mandato de 4 anos. que as reivindicações dos trabalhadores eram vistas como desordem e baderna,
Regulamentação de as atitudes de Vargas indicavam uma nítida mudança de rumos. A classe operária
direitos trabalhistas.
Criação do programa de rádio passava a figurar nos discursos de parte da pomposa elite brasileira.
Hora do Brasil.
Formação da Aliança 1935
Nacional Libertadora (ANL).
Criação da Lei de
▾ Os direitos trabalhistas
Segurança Nacional (LSN). Desde o início de seu governo, Getúlio procurou fixar uma imagem paternalista
Intentona Comunista. junto aos operários, uma espécie de "pai dos pobres". Ao final de 1930, era cria-
Prisão de Luís Carlos Prestes 1936 do o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a cargo do gaúcho Lindolfo
e Olga Benário. ▾
Extradição de Olga Benário Collor, com o objetivo de impulsionar a industrialização e de "atender" a determi-
para a Alemanha nazista. nadas reivindicações da classe trabalhadora. Na verdade, o Poder Executivo cha-
Instauração do Estado Novo. 1937
▾ mava para si a tarefa de "arbitrar" os conflitos entre a classe operária e a burgue-
Extinção de todos os
partidos políticos no Brasil. sia industrial.
Desmantelamento da AIB. Como vimos, o movimento operário mostrou-se particularmente ruidoso
Fundação da União
Nacional dos Estudantes (UNE).
nas primeiras décadas do século XX. Nesses momentos, apesar de contar com a
Criação do Departamento de 1939 ação repressiva dos diversos governos, a nascente burguesia industrial brasilei-
Imprensa e Propaganda (DIP). ▾ ra inquietava-se diante das mobilizações do proletariado. Ao contê-las, o Estado
1940 enquadrava tanto a classe operária quanto a burguesia.
Criação do salário mínimo. ▾
A regulamentação de direitos trabalhistas, consagrada na Constituição de
Criação do Conselho Nacional 1941 1934, fruto de inúmeras lutas e contestações operárias desde a República Oligár-
dos Desportos (CND). ▾
Fundação da Companhia quica, foi anunciada à nação como uma doação do presidente aos trabalhado-
Siderúrgica Nacional (CSN). res, "concedendo" jornada de trabalho de oito horas diárias, férias remunera-
O governo brasileiro declara 1942 das, descanso semanal, proibição do trabalho de menores de 14 anos e licença
guerra às forças do Eixo. ▾
para as mulheres gestantes. A "concessão" tinha um sentido muito claro: apagar
Consolidação das Leis do 1943
Trabalho (CLT). ▾ da memória coletiva a importância da organização operária e de suas lutas e dar
ênfase à atenção de Getúlio Vargas para com a classe trabalhadora.

88 Capítulo 3  Retratos do Brasil

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A territorialização

MÁRIO YOSHIDA
MIGRAÇÕES INTERNAS (1930-1943)
do mercado de trabalho
Desde a sua construção, o Estado Sentido das migrações
nacional teve como uma de suas prin- Cidades

cipais responsabilidades o controle e


o abastecimento de mão de obra para
a sociedade. De 1822 a 1850, apesar
das pressões internacionais o Esta-
MARANHÃO
do garantiu a continuidade da escra- CEARÁ RIO GRANDE
PARÁ DO NORTE
vidão de africanos. A partir de 1850,
foram os recursos públicos, nomea- PARAÍBA
PIAUÍ
damente da província de São Paulo,
PERNAMBUCO
que financiaram a entrada de imi-
grantes europeus. A partir da déca- ALAGOAS

da de 1930, pela primeira vez, o mer- SERGIPE


MATO BAHIA
cado de trabalho não se encontrava GROSSO
GOIÁS
mais fora de nossas fronteiras. Ocor-
ria então a territorialização do mer-
cado de trabalho , especialmente
com o fluxo incessante de migrantes
oriundos da região Nordeste para São
Paulo e Rio de Janeiro. As atitudes
de violência privada e a quase total
ausência de direitos sociais, indica- MINAS GERAIS
ESPÍRITO SANTO
tivos de uma infracidadania, foram
cedendo lugar à regulamentação e ao
SÃO PAULO
controle dos trabalhadores urbanos RIO DE JANEIRO
pelo poder público.
ESCALA
PARANÁ
0 220 440 km

O corporativismo Fonte: Elaborado com base em SIMONSEN, R. Ensaios sociais, políticos e econômicos. São Paulo: Fiesp, 1943.

O enquadramento do operariado não se fazia apenas


pela regulamentação das conquistas trabalhistas. Em da por lei, Vargas impunha a conciliação social, que
1931, o governo federal estabeleceu que os sindica- na realidade significava a subordinação do operaria-
tos, para funcionar e reclamar seus direitos junto ao do aos interesses da burguesia e do Estado nacional.
Ministério do Trabalho, deveriam contar entre seus Conciliação entre as classes, valorização do traba-
associados com dois terços de brasileiros natos. Foi lho, disciplina, ordem e nacionalismo compunham
um duro golpe na militância anarquista, em grande os elementos da ideologia trabalhista que começava a
parte constituída de imigrantes e muito mais impe- ser gestada no Brasil, sob forte influência do corpora-
tuosa que os hierarquizados comunistas. Mas foi tam- tivismo fascista.
bém resposta a uma alteração que começava a se pro- Com o golpe de 1937 e a instauração da ditadura
cessar no Brasil, dada pela ampliação do número de do Estado Novo, consolidou-se a ideologia trabalhis-
operários nascidos no país, descendentes de imigran- ta e completou-se o controle sobre as atividades sindi-
tes ou vindos de outras regiões brasileiras. cais. Além de prender diversos dirigentes anarquistas,
Em 1935, foi aprovada a Lei de Segurança Nacio- socialistas e comunistas, o governo fez dos sindicatos
nal (LSN) , que definia os crimes contra a ordem meros departamentos do Ministério do Trabalho, com
social: greves de funcionários públicos, propaganda funções assistenciais e recreativas. Em vez de greves e
subversiva e incentivo às rivalidades e conflitos entre manifestações, os sindicatos organizavam festas, grê-
os grupos sociais. Em lugar da luta de classes, proibi- mios esportivos e colônias de férias para seus associa-

A moldura operária 89

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dos. Em lugar das combativas lideranças de outrora, dade do imposto sindical, em 1940, e a elaboração de
proliferaram os pelegos, representantes operários que um código de direito trabalhista denominado Consoli-
defendiam os interesses dos patrões em lugar das rei- dação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, baseado
vindicações dos trabalhadores. na Carta del Lavoro, legislação da Itália fascista. Graças
O controle sobre o movimento operário teve como a uma intensa propaganda, o trabalhismo ganhou os
desfecho a criação do salário mínimo e da obrigatorie- corações e as mentes da população brasileira.

ARQUIVO PARTICULAR, SÃO PAULO, BRASIL


Porteira adentro
Os trabalhadores rurais não receberam o mesmo tratamento
dispensado aos operários urbanos. No campo, o Estado man-
teve as velhas estruturas de dominação baseadas no latifún-
dio e na submissão privada dos trabalhadores aos desmandos
da burguesia rural. As relações de trabalho ainda eram regi-
das por um sistema que permitia aos proprietários adiarem
o pagamento de salário a seus trabalhadores caso a venda da
colheita não fosse suficiente para saldar suas dívidas. Porteira
adentro, ainda funcionava o esquema da "vendinha", onde os
trabalhadores adquiriam ferramentas, roupas, alimentos e
cachaça, e o da caderneta, que atestava os ordenados, adian-
tamentos e demais despesas.

Página de caderneta de colono de uma fazenda em São João da


Boa Vista, São Paulo, 1939.

está falando?", isso era inovador. A voz do presidente era


Legitimação e propaganda conhecida por grande parte da população brasileira, acos-
A legitimação do regime era buscada por meio da ideia tumada, até então, a ser completamente ignorada por sua
de que entre o presidente e as massas trabalhadoras elite dirigente. O conteúdo das mensagens alterava-se ao
não deveria haver nenhuma intermediação. Assim, sabor dos acontecimentos, mas um sentido era fixado:
por exemplo, a relação direta e "próxima" entre Vargas esse presidente importava-se com o povo.
e o povo justificava o fechamento do Poder Legislativo Em grandes comícios e desfiles, os trabalhadores car-
e a ofensiva contra os poderes oligárquicos. Em 1939, regavam bandeiras brasileiras e estandartes com o retra-
com o objetivo de garantir tal proximidade, foi criado o to de Vargas. A cerimônia cívica ritualizava o compromis-
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), res- so entre o presidente, "pai da nação", e os trabalhadores,
ponsável por controlar os meios de comunicação e pro- seus "filhos mais pobres". Nessa "comunhão" emergia o
mover a propaganda do regime, o que incluía censura a Estado, um verdadeiro corpo místico em que não deveria
todas as manifestações artísticas e jornalísticas, promo- haver disputas entre órgãos e membros. Acima dos indiví-
ção de manifestações cívicas e concursos musicais, estí- duos e interesses de classes, deveriam prevalecer os inte-
mulo à produção de filmes nacionais e aproveitamento resses nacionais e a vontade de seu líder.
sistemático do programa governamental Hora do Bra- Essas inovações das práticas políticas devem ser
sil, que desde 1934 era irradiado para todo o país pelas creditadas tanto à sensibilidade pessoal de Getúlio
emissoras de rádio entre as 19 e as 20 horas. quanto às condições gerais que cercaram o Brasil pós-
Além de notícias políticas e de informações, a Hora do -1930. O "vazio de poder" e a instabilidade verificada
Brasil transmitia músicas dos cantores mais populares da nos primeiros anos desse período foram solucionados
época, como Francisco Alves e Carmem Miranda, e discur- com o crescente fortalecimento do presidente. As mas-
sos de Getúlio Vargas e do ministro do Trabalho. O progra- sas populares eram convocadas para o jogo político,
ma representava o reconhecimento da existência da clas- legitimando e fortalecendo o poder de Getúlio Vargas.
se trabalhadora e de suas questões sociais. Quase todas as Clientes de suas doações e benefícios, eram controladas
noites, Vargas penetrava os lares brasileiros pelas ondas por duras medidas repressivas e pelo prestígio de seu
do rádio. No país marcado pelo "você sabe com quem líder, que imobilizava as iniciativas autônomas.

90 Capítulo 3  Retratos do Brasil

OH_V3_Book.indb 90 18/05/16 09:37


A legitimação junto às massas conferia poder e guerra) de 1935 a 1937 e ficou completamente desativa-
estabilidade ao Estado Novo. O golpe de 1937 marcou do durante o Estado Novo, até 1945.
o fim da transição do Estado oligárquico, característico Numa significativa cerimônia cívica, em dezem-
das primeiras décadas da República (1889-1930), para bro de 1937 o presidente assistiu à queima e destruição
o Estado Populista, que dominaria a vida da nação de das bandeiras estaduais e ao hasteamento do pavilhão
1930 até 1964. O enfraquecimento do poder político das nacional no Rio de Janeiro. Foi uma espécie de ritual
oligarquias registrara-se simultaneamente à crescen- fúnebre do Estado oligárquico, que dava lugar ao Esta-
te incorporação da classe trabalhadora ao jogo político do populista. Como uma bandeira nacional, o retrato de
e à ampliação do Poder Executivo. O Poder Legislativo, Vargas, carregado em desfiles e pregado nas repartições
espaço privilegiado da expressão oligárquica, permane- públicas, representava o próprio Estado brasileiro. Mas
ceu fechado provisoriamente de 1930 a 1933, funcio- esse era agora um novo Estado.
nou sob medidas de exceção (estado de sítio e estado de
DIP/COLEÇÃO PARTICULAR, SÃO PAULO, BRASIL

Getúlio Vargas e a juventude


no Estado Novo. Ilustração de
cartilha do DIP (Departamento
de Imprensa e Propaganda),
Rio de Janeiro, 1941.

do restringiu a importação de bens de consumo não


O modelo de substituição duráveis (alimentos, bebidas) e estimulou a importação
de importações de bens de produção (máquinas, equipamentos) e bens
Pau-brasil. Açúcar. Tabaco. Algodão. Café. Borracha. de consumo duráveis (automóveis, caminhões).
Yes, nós temos bananas. Não era tempo para o liberalismo econômico, defen-
A economia brasileira caracterizou-se, até a década de sor da livre concorrência. No mundo inteiro, as trocas
1930, por um modelo agroexportador, que vendia maté- decaíam em virtude da crise econômica provocada pelo
rias-primas e gêneros tropicais e comprava grande parte crash de 1929 e pela tendência monopolista do capita-
dos produtos industrializados da Inglaterra, Estados Uni- lismo mundial. As tarifas protecionistas e as disputas
dos, Alemanha e outros países europeus. Apesar do cres- por mercados consumidores de produtos industrializa-
cimento industrial verificado a partir do final do século dos e fornecedores de matérias-primas logo desemboca-
XIX, o carro-chefe da economia nacional continuava a ser riam num novo conflito, uma espécie de continuação da
a agricultura, liderada pela produção cafeeira. Primeira Guerra Mundial. A guerra comercial antecedeu
A crise de 1929 e a consequente retração do mer- a guerra militar.
cado externo obrigaram o governo brasileiro a voltar-se Agente da industrialização, o Estado Populista dire-
para o interior, estimulando novas atividades produti- cionou seus investimentos para garantir a montagem de
vas que pudessem substituir, gradativamente, as impor- uma infraestrutura que permitisse a expansão do capitalis-
tações. Mas foi a partir de 1937, com o Estado Novo, que mo nacional ao mesmo tempo que socorria o setor cafeeiro
foram dados os passos decisivos para a implantação do com a compra e a queima da produção excedente. A econo-
modelo de substituição de importações. Ou seja, por mia, tal qual a política, movia-se segundo a mesma lógica
meio de uma deliberada intervenção econômica, o Esta- de compromissos que marcava o novo regime.

A moldura operária 91

OH_V3_Book.indb 91 18/05/16 09:37


A+ COMUNICAÇÃO
INDICADORES ECONÔMICOS: 1930 A 1945
PIB PI PA Exp. Imp.
1930 Era Vargas
1931 Getúlio Vargas derruba a
Constituição brasileira
1934 
Nova Constituição

1935 1937 
Cancelamento das
eleições de 1938
1940 
Criou-se o
salário mínimo

1940
1945 
Exército derruba
o presidente
PIB: Produto Interno Bruto (%)
PI: Produto Industrial (%)
PA: Produto Agrícola (%)
1945 Exp.: Exportações (milhões de dólares)
Imp.: Importações (milhões de dólares)
0 10 0 10 0 10 0 700 0 700

Fonte: Elaborado com base em ABREU, M. de P. (Org.). A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana (1889-1989). Rio de Janeiro: Campus, 1990. p. 398.

ANÁLISE DE IMAGEMPINTURA

Acidente de trabalho Nas décadas de 1930 e 1940, a arte brasileira


ganhou contornos de maior compromisso com
Material: Óleo sobre tela
temas sociais e menor ênfase na experimentação
Dimensões: 1,32 x 0,95m artística. A representação do trabalhador/operário
foi um tema frequente entre artistas do período.
Datação: 1944
A obra está exposta atualmente no Museu
Autoria: Eugênio Proença Sigaud Nacional de Belas Arte no Rio de Janeiro (Brasil).
MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, RIO DE JANEIRO, BRASIL

1 Primeiro olhar:
Os corpos dos O cenário é formado por
trabalhadores são vários edifícios em constru-
desproporcionais, o ção. O observador é levado
que acentua o fato de 5 a colocar-se no andaime, ao
serem trabalhadores lado dos trabalhadores que
braçais. aparecem em primeiro plano.
Assim, o observador assume
o ponto de vista original do
operário antes da queda.
A reação das pessoas
que rodeiam o operário
caído é de prosseguir
a rotina, como se 4 Se traçarmos um
esse fosse um evento corte vertical na tela,
sem importância verificamos ao centro a
ou corriqueiro. 2 figura do operário caído: a
luz e a posição o colocam
Parte do grupo de no foco principal. Os
operários transita prédios em construção
produzem zonas de luz
no escuro da tela e 3 e de sombra. O corpo do
não possui rosto.
operário está estendido
exatamente na principal
zona de luz.

92 Capítulo 3  Retratos do Brasil

OH_V3_Book.indb 92 18/05/16 09:37


Um Outro Olhar Sociologia
O populismo na política brasileira
No senso comum, populismo é muitas vezes tido como o equi- cia das classes populares no bojo do desenvolvimento urba-
valente a práticas demagógicas, ligadas à manipulação da no e industrial verificado nestes decênios e da necessidade,
população por líderes habilidosos e carismáticos. No entan- sentida por alguns dos novos grupos dominantes, de incorpo-
to, o populismo constituiu-se como um conceito desenvolvi- ração das massas ao jogo político [...]
do na Sociologia associado a períodos de industrialização e a Em realidade, o populismo é algo mais complicado que a
processos de certa mobilização popular. Leia com atenção as mera manipulação e sua complexidade política não faz mais
reflexões do sociólogo brasileiro Francisco Weffort a esse res- que ressaltar a complexidade das condições históricas em
peito e depois responda às questões propostas: que se forma. O populismo foi um modo determinado e con-
"O populismo, como estilo de governo, sempre sensí- creto de manipulação das classes populares, mas foi também
vel às pressões populares, ou como política das massas, que um modo de expressão de suas insatisfações. Foi, ao mesmo
buscava conduzir, manipulando suas aspirações, só pode ser tempo, uma forma de estruturação do poder para os grupos
compreendido no contexto do processo de crise política e de dominantes e a principal forma de expressão política da emer-
desenvolvimento econômico que se abre com a revolução de gência popular no pro­cesso de desenvolvimento industrial e
1930. Foi a expressão do período de crise da oligarquia e do urbano. Esse estilo de governo e de comportamento político é
libera­lismo, sempre muito afins na história brasileira, e do essencialmente ambíguo e, por certo, deve muito à ambigui-
processo de democratização do Estado que, por sua vez, teve dade pessoal desses políticos divididos entre o amor ao povo
que apoiar-se sempre em algum tipo de autoritarismo, seja e o amor ao poder. Mas o populismo tem raízes sociais mais
o autorita­rismo institucional da ditadura Vargas (1937-45), profundas e a recuperação de sua unidade como fenômeno
seja o autoritarismo paternalista ou caris­mático dos líderes social e político é um problema proposto a quem es­tude a for-
de massas da democracia do após-guerra (1945-64). Foi tam- mação histórica do País nestes últimos decênios".
bém uma das manifestações das debilidades políticas dos WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira.
grupos dominantes urbanos quando tentaram substituir-se 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. p. 61-63.
à oli­garquia nas funções de domínio político de um País tra-
Francisco Weffort(1937-) é sociólogo e professor da USP.
dicionalmente agrário, numa etapa em que pareciam existir
Foi ministro da Cultura do governo Fernando Henrique Cardoso
as possibilidades de um desenvolvimento capitalista nacio-
(1995-2002). É autor de diversos livros e artigos sobre política
nal. E foi sobretudo a expressão mais completa da emergên- e sociedade brasileira.
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Identifique a periodização utilizada por Weffort para 3 Demonstre, a partir do texto, que o populismo ultra-
a existência do populismo no Brasil. → DL/H1/H11/H24 passou a mera manipulação das massas.
2 Quais são as características do populismo na visão de → DL/CF/H1/H11/H24
Weffort? → DL/CF/H1/H11/H24 4 O conceito de populismo desenvolvido por Weffort
pode ser aplicado ao Brasil nos dias de hoje?
Justifique. → DL/CF/H1/H3/H11/H24

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Por que a classe operária passou a fazer parte dos 4 Quais eram as características da ideologia traba-
discursos e das preocupações de Getúlio Vargas? lhista? → DL/SP
→ DL/SP/H8/H11 5 Quais são as diferenças entre o modelo econômi-
2 A partir de quais elementos processou-se o enqua- co agroexportador e o modelo de substituição de
dramento político da classe operária brasileira? importações? → DL/SP/H9
→ DL/SP/H8/H9 6 A industrialização brasileira durante o Estado Novo
3 Qual foi o papel desempenhado pelo Estado nacional foi promovida sob a orientação do liberalismo eco-
desde a independência na questão da mão de obra? nômico? Justifique sua resposta.
→ DL/SP/H7/H8/H11 → DL/CF/SP/CA/H8/H9

A moldura operária 93

OH_V3_Book.indb 93 18/05/16 09:37


Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar
Leia atentamente o texto a seguir e depois responda às a população rural não estava em condições de empreender
duas questões propostas. ações concretas em nível nacional. Esse esfarelamento da
"Desde a independência, as instituições colegiadas e pressão popular favorece a emergência de uma intelligentsia
as assembleias, tanto a assembleia nacional como as câma- empenhada em transformar a sociedade através do apare-
ras municipais, configuram-se como lugares privilegiados lho estatal, por cima das instâncias eletivas. Esboçam-se
de conciliação entre as diferentes oligarquias regionais. No aqui os traços históricos originais que marcam o autorita-
decorrer de quase dois séculos [XIX e XX] de história nacio- rismo brasileiro: a prática de um jogo parlamentar restrito
nal, passando por todas as ditaduras e pelos diversos regi- que permite a conciliação das elites, excluindo as camadas
mes constitucionais, pelas guerras e pelas insurreições, o populares dos centros de decisão, e a existência no seio da
país não conheceu mais do que uma quinzena de anos de administração pública de uma enorme corrente que preco-
interrupção das atividades parlamentares. Poucos Estados niza a modernização do país pela via autoritária."
contemporâneos e poucos Estados do Terceiro Mundo pos- ALENCASTRO, L. F. de. "O fardo dos bacharéis".
suem uma experiência parlamentar comparável à do Brasil. In: Novos Estudos Cebrap. 19. São Paulo, dez. 1987.
Acrescente-se logo – e já é o começo de uma explicação –
que este espaço político permanece profundamente elitista. Luís Felipe de Alencastro(1946-), professor da Sorbonne,
Amordaçada por sua dependência em relação aos proprie- é um dos principais historiadores brasileiros da atualidade,
tários rurais, peneirada pela malha resistente das fazendas, especialista em História do Brasil.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Para o autor, qual é a principal característica do jogo 2 Como você relaciona o papel das instâncias parlamen-
político brasileiro desde o século XIX? Por quê? tares no Brasil com o momento atual? → DL/CF/SP/CA
→ DL/CF/SP/H9/H11

Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 Faça uma linha de tempo da 1.ª fase do Estado popu- Brasil de 1934, por sua vez, estabelece que:
lista (1930-1945), destacando os seguintes momentos Art. 180. São eleitores os brasileiros de um e de
e fatos: outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na
a) governo provisório, governo constitucional e ins- forma da lei.
tauração do Estado Novo; Ao se comparar os dois artigos, no que diz respeito
b) Revolução Constitucionalista; Constituinte; elei- ao gênero dos eleitores, depreende-se que:
ção indireta de Vargas; Intentona Comunista. a) a Constituição de 1934 avançou ao reduzir a
→ DL/CF/SP/H9 idade mínima para votar.
2 (Enem) A definição de eleitor foi tema de artigos b) a Constituição de 1891, ao se referir a cidadãos,
nas Constituições brasileiras de 1891 e de 1934. Diz referia-se também às mulheres.
a Constituição da República dos Estados Unidos do c) os textos de ambas as Cartas permitiam que qual-
Brasil de 1891: quer cidadão fosse eleitor.
d) o texto da carta de 1891 já permitia o voto feminino.
Art. 70. São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos
que se alistarem na forma da lei. e) a Constituição de 1891 considerava eleitores ape-
nas indivíduos do sexo masculino.
A Constituição da República dos Estados Unidos do
→ DL/CF/SP/H1/H8/H11

94 Capítulo 3  Retratos do Brasil

OH_V3_Book.indb 94 18/05/16 09:37


3 Tancredo Neves, um importante líder político do Brasil a) conscientizar os trabalhadores de que os direitos
falecido em 1985, apresentou sua reflexão acerca do sociais foram conquistados por seu esforço, após
Estado Novo. Leia-a com atenção: anos de lutas sindicais.
"Toda ditadura é abominável. Não há nada que justi- b) promover a autonomia dos grupos sociais, por
fique um regime de força e usurpação de direitos, das meio de uma linguagem simples e de fácil enten-
dimento.
liberdades essenciais e da dignidade da pessoa huma-
na. Mas o Estado Novo tem a seu favor realmente esse c) estimular os movimentos grevistas, que reivindica-
crédito: foi uma ditadura esclarecida, uma ditadura vam um aprofundamento dos direitos trabalhistas.
que impulsionou o país para o encontro do seu gran- d) consolidar a imagem de Vargas como um gover-
de destino. Foi um governo muito audacioso, corajoso. nante protetor das massas.
Enfrentou a transformação industrial do Brasil, enfren- e) aumentar os grupos de discussão política dos traba-
tou a mensagem social da época e do momento, e trou- lhadores, estimulados pelas palavras do ministro.
xe algumas dimensões novas, da maior importância
→ DL/SP/H21
para o Brasil."
6 (Enem) A industrialização no Brasil é fenômeno recen-
NEVES, T. apud CAMARGO, A. O golpe silencioso: as origens da te e se processou de maneira bastante diversa daque-
República corporativa. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1989. p. 242. la verificada nos Estados Unidos e na Inglaterra,
sendo notáveis, entre outras características, a concen-
Você concorda com a opinião de Tancredo Neves?
tração industrial em São Paulo e a forte desigualdade
Justifique sua resposta. → DL/CF/SP/H1/H9
de renda mantida ao longo do tempo.
4 (Enem) O autor da Constituição de 1937, Francisco
Campos, afirma no seu livro, O Estado Nacional, que o Outra característica da industrialização brasileira foi:
eleitor seria apático; a democracia de partidos condu- a) a fraca intervenção estatal, dando-se preferência
ziria à desordem; a independência do Poder Judiciário às forças de mercado, que definem os produtos e
acabaria em injustiça e ineficiência; e que apenas o as técnicas por sua conta.
Poder Executivo, centralizado em Getúlio Vargas, b) a presença de políticas públicas voltadas para a
seria capaz de dar racionalidade imparcial ao Estado, supressão das desigualdades sociais e regionais,
pois Vargas teria providencial intuição do bem e da e desconcentração técnica.
verdade, além de ser um gênio político. c) o uso de técnicas produtivas intensivas em mão
Segundo as ideias de Francisco Campos, de obra qualificada e produção limpa em relação
a) os eleitores, políticos e juízes seriam mal-inten- aos países com indústria pesada.
cionados. d) a presença constante de inovações tecnológicas
b) o governo Vargas seria um mal necessário, mas resultantes dos gastos de empresas privadas em
transitório. pesquisa e desenvolvimento de novos produtos.
c) Vargas seria o homem adequado para implantar a e) a substituição de importações e a introdução de
democracia de partidos. cadeias complexas para a produção de matérias-
-primas e bens intermediários.
d) a Constituição de 1937 seria a preparação para
uma futura democracia liberal. → DL/CF/SP/H8/H16/H19

e) Vargas seria o homem capaz de exercer o poder 7 (Enem) Houve momentos de profunda crise na histó-
de modo inteligente e correto. ria mundial contemporânea que representaram, para
o Brasil, oportunidades de transformação no campo
→ DL/SP/H8/H11
econômico. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
5 (Enem) "A partir de 1942 e estendendo-se até o final e a Quebra da Bolsa de Nova York (1929), por exem-
do Estado Novo, o Ministro do Trabalho, Indústria plo, levaram o Brasil a modificar suas estratégias
e Comércio de Getúlio Vargas falou aos ouvintes da produtivas e contornar as dificuldades de importa-
Rádio Nacional semanalmente, por dez minutos, no ção de produtos que demandava dos países indus-
programa "Hora do Brasil". O objetivo declarado do trializados.
governo era esclarecer os trabalhadores acerca das
inovações na legislação de proteção ao trabalho". Nas três primeiras décadas do século XX, o Brasil:
a) impediu a entrada de capital estrangeiro, de
GOMES, A. C. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: IUPERJ/ modo a garantir a primazia da indústria nacional.
Vértice. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. (adaptado)
b) priorizou o ensino técnico, no intuito de qualificar
Os programas "Hora do Brasil" contribuíram para: a mão de obra nacional direcionada à indústria.

Engenho e Arte 95

OH_V3_Book.indb 95 18/05/16 09:38


c) experimentou grandes transformações tecnológi- e) direcionou parte do capital gerado pela cafei-
cas na indústria e mudanças compatíveis na legis- cultura para a industrialização, aproveitando a
lação trabalhista. recessão europeia e norte-americana.
d) aproveitou a conjuntura de crise para fomentar → DL/CF/SP/H7/H8
a industrialização pelo país, diminuindo as desi-
gualdades regionais.

8 Observe a foto atentamente.


ACERVO ICONOGRAPHIA

Manifestação trabalhista de apoio a Vargas, estádio de São Januário. Rio de Janeiro, em 1.º
de maio de 1942.

a) Aponte dois elementos que possam ser associa- "O que me parece essencial é reconhecer no grande
dos ao enquadramento político da classe traba- homem um indivíduo proeminente, que é ao mesmo
lhadora realizado por Vargas durante o Estado tempo um produto e um agente do processo históri-
Novo. → DL/CF/SP/H1/H11 co, ao mesmo tempo representativo e criador de forças
b) Quais são as diferenças básicas entre o Estado oli- sociais que mudam a forma do mundo e os pensamen-
gárquico e o Estado populista? → DL/SP/H8/H9/H11 tos dos homens."
c) A política nas primeiras décadas desse século foi E. H. Carr
marcada pelas grandes manifestações de mas-
sas. Quais são as semelhanças entre as cerimô- "Perguntas de um trabalhador que lê
nias nazistas e as promovidas por Getúlio Vargas Quem construiu a Tebas de sete portas?
durante o Estado Novo? → DL/CF/SP/H21
Nos livros estão nomes de reis.
9 Vargas, Prestes, Hitler, Lênin, Trótski, Stálin são figu- Arrastaram eles os blocos de pedra?
ras de destaque na primeira metade do século XX. A
E a Babilônia várias vezes destruída –
relação entre os indivíduos e a História é muito polê-
mica e ainda divide os estudiosos. A seguir são for- Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
necidas possibilidades para o entendimento dessa Da Lima dourada moravam os construtores?
relação. Leia-as atentamente e aponte as diferenças Para onde foram os pedreiros, na noite em que a
essenciais entre as três afirmações.
Muralha da China ficou pronta?
"A História é a biografia dos grandes homens." A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
T. Carlyle Quem os ergueu? Sobre quem

96 Capítulo 3  Retratos do Brasil

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Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Tinha somente palácios para seus habitantes? Quem venceu além dele?
Mesmo na lendária Atlântida Cada página uma vitória.
Os que se afogavam gritaram por seus escravos Quem cozinhava o banquete?
Na noite em que o mar a tragou. A cada dez anos um grande homem.
O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho? Quem pagava a conta?
César bateu os gauleses. Tantas histórias.
Não levava sequer um cozinheiro? Tantas questões."
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada Bertolt Brecht
Naufragou. Ninguém mais chorou? → DL/CF/SP/H1/H4

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

• Releia os quadros Antissemitismo: ataques aos


Olga
judeus (p. 84) e Olga Benário e Anita Leocádia
Diretor: Jayme Monjardim Prestes (p. 85).
DIVULGAÇÃO

País: Brasil • Pesquisa: A revista Nossa História (n. 9, jul., 2004)


Ano: 2004 publicou artigow a respeito de Olga Benário escrito
por Anita Leocádia, a filha de Prestes e Olga. O texto
é uma rápida passagem pela história do personagem.

Câmera
De posse de material para fazer anotações durante a exi-
O filme é baseado no livro homônimo de Fernando Morais
bição do filme, sugerimos que você preste atenção nos
e conta a história de Olga Benário, uma judia alemã que seguintes aspectos e registre-os:
é designada, pela Internacional Comunista, para acompa-
• Tipo de narrativa escolhido pelo diretor.
nhar o retorno de Luís Carlos Prestes ao Brasil e partici-
• Cores predominantes no filme.
par da tentativa de tomada do poder no país. Na viagem,
eles se envolvem amorosamente. Prestes e Olga são pre- • Como o diretor utiliza a cor e a expressão dos olhos
do personagem.
sos pelo governo brasileiro. Olga, grávida, é deportada
para a Alemanha nazista e enviada a um campo de con- • Como foi feita a contextualização histórica.
centração, onde é morta.
Ação
Luzes 1 Analise o formato do filme e relacione-o com o gêne-
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes ro de telenovelas. Quais são as implicações narrativas
nos Procedimentos metodológicos da página 10. dessa relação?
Antes de analisar o filme, é necessário retomar infor-
2 De que maneira o diretor apresentou o momento his-
mações e conceitos contidos no capítulo.
tórico brasileiro e mundial na trama?
• Releia os itens Integralistas e comunistas (p. 83) e
A radicalização política (p. 84). 3 Como foi representada o personagem principal?
→ DL/CF/SP/H1/H11/H12

Estante • TOTA, Antonio Pedro. O Estado Novo. São Paulo: Brasiliense, 1987.

Engenho e Arte 97

OH_V3_Book.indb 97 18/05/16 09:38


1 (FGV-SP) O general Góis Monteiro, minis- te esses pontos importantes, relacionados às
tro de Guerra de Getúlio Vargas, afirmava em Constituições de 1824 ou 1934 e aos momentos
uma carta dirigida ao presidente, em 1934: "O históricos inaugurados por estas:
desenvolvimento das ideias sociais preponde- a) A restrição ao voto dos analfabetos desa-
rantemente nacionalistas e o combate ao esta- parece na Constituição de 1934, que libe-
dualismo (provincialismo, regionalismo, nati- ra o voto para todos, independentemente
Radar
vismo) exagerado não devem ser desprezados, de grau de instrução, ensejando um período
assim como a organização racional e sindical de grande participação popular, estimulada
do trabalho e da produção, o desenvolvimento por comunistas e integralistas.
das comunicações, a formação das reservas ter- b) O impedimento do voto aos que não traba-
ritoriais e milícias cívicas etc., para conseguir- lham – os mendigos –, fruto do preconcei-
se a disciplina intelectual desejada e fazer desa- to contra homens pobres, é revisto nos anos
parecer a luta de classes, pela unidade de vistas 1930, a partir da regulamentação do merca-
e a convergência de forças para a cooperação do de trabalho e da incorporação da legisla-
geral, a fim de alcançar o ideal comum à nacio- ção social na Constituição de 1934.
nalidade". No trecho dessa carta estão expres-
c) A inexistência de religião oficial, eviden-
sos pontos centrais do regime instalado após a
ciando a separação entre o Estado e a
Revolução de 1930, entre elas:
Igreja, demarca uma diferença em relação
a) organização de milícias estaduais, regula- à Constituição do período imperial, quan-
mentação das relações trabalhistas e edu- do, por meio do direito do padroado, o
Faça cação. imperador nomeava bispos e tinha autori-
em se
cadernu b) estímulo à autonomia dos Estados, organi- dade para conceder ou negar beneplácito
o
zação de milícias estaduais e nacionalismo. aos decretos papais.
→ conforme c) organização de milícias estaduais, centra- d) Se a igualdade perante a lei sublinha uma
tabelas das lização política e educação. novidade em relação ao passado escravis-
páginas 8 e 9. d) centralização política, regulamentação das ta, a extinção das ordens honoríficas não é,
relações trabalhistas e nacionalismo. porém, uma particularidade desse momen-
to. Ela já havia sido afirmada no período da
e) estímulo à autonomia dos Estados, regu-
Tá na rede! lamentação das relações trabalhistas e
Independência do Brasil e incorporada à
Constituição de 1824, rompendo-se assim
QUESTÕES educação.
toda e qualquer ligação com a nobreza por-
DE ENEM → DL/SP/H1/H8/H9 tuguesa.
Digite o endereço 2 (PUC-RJ) Constituição de 1891: e) A instituição do sufrágio universal para
abaixo na barra todos os brasileiros acima de 21 anos,
do navegador de "Art. 70. São eleitores os cidadãos maiores de
21 anos. homens e mulheres, caracteriza uma
internet: http://goo.
§ 1.º Não podem alistar-se eleitores para as elei- ampliação dos critérios de cidadania em
gl/xog0Jb. Você
ções federais ou para a dos Estados: relação à Constituição de 1824.
pode também tirar
uma foto com um 1.º os mendigos; → DL/SP/H1/H9
aplicativo de QrCode 2.º os analfabetos; [...] 3 (UFG-GO) Em março de 1934, Luís Carlos
para saber mais sobre Art. 72 […] Prestes fundou uma frente popular, a Aliança
o assunto. Acesso em: § 2.º Todos são iguais perante a lei. A República Nacional Libertadora, que objetivava atrair
4 abr. 2016. não admite privilégio de nascimento, desconhe- setores democráticos e antifascistas da socie-
ce foros de nobreza e extingue as ordens honorí- dade para um programa de reformas políti-
ficas existentes e todas as suas prerrogativas e cas e sociais. O governo de Vargas perseguiu
regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de Prestes devido à:
conselho. [...]
a) emergência de regimes autoritários na
§ 7.º Nenhum culto ou Igreja gozará de subven- Europa influenciando a organização parti-
ção oficial nem terá relações de dependência ou dária no Brasil.
aliança com o governo da União ou o dos Estados."
b) cooptação dos sindicatos pelo Estado, com
Página dedicada a suas sedes tornando-se locais da propa-
questões já aplica- Os artigos reproduzidos acima evidenciam
das em provas do alguns dos pontos importantes da Carta de ganda oficial.
ENEM. Busque exer- 1891 e do projeto modelador do Estado brasi- c) proposta política de estabelecer um gover-
cícios sobre os temas
desenvolvidos neste leiro, na República Velha (1889-1930). Assinale no revolucionário no Brasil alinhado com a
capítulo. a afirmativa em que são analisados corretamen- União Soviética.

98 Capítulo 3  Retratos do Brasil

OH_V3_Book.indb 98 18/05/16 09:38


d) organização da Ação Integralista Brasileira, que Brasil. Ser contra ele, se isso hoje ainda fosse possível,
defendia um projeto de Estado autoritário para seria colocar-se contra si mesmo. [...] Somos das poucas
o país. terras deste planeta em que o homem tem pão, tem casa,
e) rivalidade entre integralistas e aliancistas, os tem assistência, tem trabalho, tem paz, tem justiça."
quais mobilizaram o país, ampliando o clima de Jornal O Estado de S. Paulo, 19 de abril de 1942.
confrontos. "Meu pai trabalhou muito que já nasci cansado
→ DL/SP/H1/H9 Ai patrão, Sou um homem liquidado.
4 (Fuvest-SP) Com respeito à Ação Integralista no No meu barraco chove
Brasil, na década de 1930, é correto afirmar que:
Meu terno está furado.
a) foi uma cópia fiel do fascismo italiano, inclusive
Ai patrão, Trabalhar eu não quero mais [...]"
nas cores escolhidas para o uniforme usado nas
manifestações públicas. BATISTA, Wilson. "Nasci cansado", sucesso nos anos 30.

b) foi um movimento sem expressão política, pois não Os dois fragmentos acima expõem visões contradi-
tinha líderes intelectuais, nem adesão popular. tórias a respeito do mundo do trabalho nas décadas
c) tinha como principais marcas o nacionalismo, a de 1930/40 no Brasil. A esse respeito, podemos
base sindical corporativa e a supremacia do Estado. afirmar que:
d) elegeu católicos, comunistas e positivistas como I. a política econômica intervencionista do gover-
antagonistas mais significativos. no Vargas desprezou o apoio norte-americano e
aproximou-se aos países do Eixo na 2.ª Guerra –
e) foi um movimento financiado pelo governo getu-
Alemanha e Itália –, o que permitiu investimentos
lista, o que explica sua sobrevivência.
em infraestrutura e na indústria de base, contra-
→ DL/SP/H11 riando os interesses da burguesia nacional, defen-
5 (PUC-RS) Entre as características da nova ordem polí- sora da modernização nas relações trabalhistas.
tica brasileira implantada com o Estado Novo estava: II. o antagonismo expresso nos dois fragmentos
a) a formação de um governo democrático que fizesse evidencia as dificuldades do Estado getulista
frente à escalada da Ação Integralista Brasileira. em promover sua política de controle da classe
trabalhadora. Apesar de a legislação sindical e
b) a mobilização política do campesinato, para fortale-
social garantir determinados direitos que prote-
cer as bases de apoio das oligarquias tradicionais.
giam os trabalhadores, como o salário mínimo, a
c) a participação do Estado na economia, para asse- CLT criou dificuldades para a organização de gre-
gurar a industrialização no contexto internacional, ves e a legalização de sindicatos.
caracterizado pela ascensão de regimes fortes. III. o governo estimulava o peleguismo e o assis-
d) a formação de uma aliança da esquerda com os tencialismo dos sindicatos. Por esta prática,
liberais, numa frente única nacionalista. os líderes trabalhistas aceitavam sua política,
e) a retirada do apoio brasileiro aos sistemas de dobrando-se às vontades do governo, corrobora-
acordos interamericanos. dos pela distribuição das contribuições sindicais
pelo Ministério do Trabalho, no sentido de esva-
→ DL/SP/H7/H8
ziar o movimento operário.
6 (PUC-RS) Em março de 1931, o Decreto n.º 19.770 IV. a aproximação do varguismo aos fascismos euro-
criava, no Brasil, o Ministério do Trabalho, Indústria peus pode ser identificada na visão de ordem social
e Comércio. Considerando-se o contexto histórico, do primeiro fragmento do jornal, responsável pela
pode-se afirmar que esse ato do Poder Executivo tinha "comunhão" dos trabalhadores ao governo e ao
como um de seus objetivos: espírito de nação. Esta visão foi, porém, combati-
a) promover a expansão do setor primário. da pelos intelectuais ligados ao movimento moder-
b) desregulamentar o sistema de contratação e de nista, tais como Alberto Torres, Villa-Lobos e Mário
impostos. de Andrade, os quais, junto com a Igreja Católica,
c) concentrar a renda nacional nas camadas médias defendiam a democratização do Estado e uma apro-
urbanas. ximação ao modo de vida americano.
d) acabar com a organização autônoma do movi- Assinale a alternativa correta.
mento operário. a) Apenas I e IV são corretas.
e) intervir nas relações de trabalho no campo. b) Apenas I e II são corretas.
→ DL/SP/H11/H12 c) Apenas II e III são corretas.
7 (UFU) Leia os trechos de documentos a seguir: "Há d) Apenas III e IV são corretas.
doze anos que o Dr. Getúlio representa a ordem para o → DL/SP/H1/H8/H9/H11/H12

Radar 99

OH_V3_Book.indb 99 18/05/16 09:38


8 (FGV-SP) Foram características do populismo no Brasil: Em campanha triunfal
a) hegemonia das massas populares, no governo Abram alas que Gegê vai passar
federal, em associação aos industriais, promoven- Olha a evolução da história
do o aparecimento de lideranças populistas.
Abram alas pra Gegê desfilar
b) soberania plena e completa autonomia do Estado
Na memória popular […]
brasileiro frente a todos os setores sociais.
c) inclusão de setores populares no processo políti- O trecho acima, retirado da música Dr. Getúlio, de Chico
co e a aparente identificação entre Estado e pre- Buarque, mostra uma imagem positiva criada em torno
sidente da República. de Getúlio Vargas. Assinale a alternativa que apresenta
uma explicação possível para tal mitificação.
d) atuação do Estado nacional brasileiro como árbi-
tro dos conflitos internacionais. a) A intensa repressão à Revolução Constitucionalista
de 1932 proporcionou um amplo apoio da popula-
e) ausência de laços entre o chefe do Estado e os inte- ção paulista ao presidente Getúlio Vargas.
resses particulares dos diversos setores sociais.
b) A venda de empresas estatais, como a Petrobras
→ DL/SP/H8/H11 e a Companhia Siderúrgica Nacional, para grupos
9 (Mackenzie-SP) Getúlio Vargas pôde, em 1937, inau- estrangeiros aumentou o poderio econômico da
gurar um novo governo, conhecido como Estado Novo. maior parte da população brasileira, elevando o
Sobre esse período, é correto afirmar que: índice de popularidade de Getúlio Vargas.
a) era caracterizado pelo exercício da democracia e c) As diversas leis trabalhistas, como o salário míni-
das liberdades civis, em repúdio às ideias comu- mo e a regulamentação da jornada de trabalho,
nistas que ameaçavam a nação, dada a intenção implantadas durante o governo de Getúlio Vargas,
desses grupos revolucionários de chegar ao poder angariaram um vasto apoio popular ao presidente.
por meio de um golpe. d) A aproximação de Getúlio Vargas à Ação Integra-
b) diante da ameaça comunista, o Parlamento, as lista Brasileira (AIB) ocasionou manifestações de
Assembleias Estaduais, assim como as Câmaras apoio de várias camadas da população brasileira,
Municipais, passaram a legislar e a intervir em especialmente do movimento operário, ligado ao
diversos assuntos da política nacional. comunismo.
c) ocorreu a imposição de uma Constituição autori- e) A censura e a repressão, instalados durante o
tária, influenciada pelas doutrinas fascistas que período do Estado Novo, principalmente através
vigoravam em algumas nações europeias, o que do Departamento de Imprensa e Propaganda e do
representou o início de um período de ditadura. Departamento de Ordem Política e Social, levaram
d) dentro do novo regime, graças à subordinação das o presidente a gozar de um imenso prestígio junto
corporações sindicais ao Estado, que passou a às classes populares.
controlar a ação dos trabalhadores, houve a con- → DL/CF/SP/H1/H11/H12/H24/H25
quista de direitos trabalhistas, resultado da boa
vontade das elites empresariais. 11 (UNIR-RO) Em 1937, o Governo Vargas implantou o
Estado Novo. Sobre esse período, é correto afirmar:
e) a conjuntura econômica internacional contribuiu
para a consolidação do Estado Novo, que, dian- a) Foi um período de intenso combate ao crime orga-
te da crise que ainda persistia no setor cafeeiro, nizado, no qual as quadrilhas de tráfico internacio-
aumentou o seu papel interventor, buscando solu- nal de armas e drogas estiveram desarticuladas.
cionar o problema das exportações nacionais. b) Foi um período de intenso avanço das liberda-
des democráticas, no qual o Partido Comunista
→ DL/CF/SP/H11/H22
Brasileiro lançou a candidatura de Luís Carlos
1 0 (Unisal-SP) Prestes a uma vaga na Câmara dos Deputados.
Foi o chefe mais amado da nação c) Foi marcado por uma ditadura política violenta na
Desde o sucesso da revolução qual os direitos e liberdades democráticos foram
Liderando os liberais severamente limitados e os opositores presos,
Foi o pai dos mais humildes brasileiros tendo sido alguns deportados.
Lutando contra grupos financeiros d) Foi um período marcado por rigorosa política de
segurança nas ruas do Rio de Janeiro, protegen-
E altos interesses internacionais do os cidadãos da ação de assaltantes e inibindo
Deu início a um tempo de transformações a prostituição.
Guiado pelo anseio de justiça e) Foi um período de grandes avanços na política
E de liberdade social externa, notadamente pelo estreitamento de rela-
E depois de compelido a se afastar ções entre o Brasil e os países do Leste Europeu.
Voltou pelos braços do povo → DL/CF/SP/H11//H12/H15

100 Capítulo 3  Retratos do Brasil

OH_V3_Book.indb 100 18/05/16 09:38


Capítulo

10
4 A Segunda Guerra
Mundial
DE OLHO nos

F
ascínio. Excitação. Obsessão. Assim é o comportamento de Conceitos
milhões de pessoas diante dos mais diversos tipos de jogos.
Dos esportes aos games eletrônicos, passando pelos bingos e • Esportização da
sociedade
pelas competições de programas de auditório, tais atividades ocu-
pam um lugar privilegiado nos dias de hoje. A rigor, os jogos não pro- • Política de
duzem nada, opõem-se ao trabalho e são essencialmente estéreis. apaziguamento
São inutilidades saborosas apreciadas por todas as classes sociais e • Franquismo
por todas as idades.
• Resistência
A esportização da socieda-
de remonta à segunda metade do
afirmação de ideologias. Os espor-
tes tornavam-se espetáculos para
• Política da boa
vizinhança
século XIX. A competição capitalis- as massas. O potencial de mobiliza-
ta contagiou as atividades recreati- ção política das modalidades espor- • Holocausto
vas. De certo modo, começou a sur- tivas não passou desapercebido
gir uma espécie de modernização do pelas lideranças da época. Em 1934,
corpo, envolvendo disciplina, condi- a segunda Copa do Mundo de fute-
cionamento e a busca por recordes, bol foi disputada na Itália. O tor-
marcas e escores. Em 1896 foram neio, vencido pela seleção italiana,
organizados os primeiros Jogos tornou-se palanque do regime fas-
HULTON ARCHIVE/GETTY IMAGES
Olímpicos da Era Moderna. Em cista de Mussolini. Em 1936, a Ale-
1904 era criada a FIFA (Fédération manha nazista foi palco dos Jogos
Internacionale de Football Associa- Olímpicos. Em 1938, a seleção ita-
tion). Do ponto de vista tecnológico, liana conquistava o bicampeonato
o desenvolvimento da vulcanização mundial de futebol, disputado na
da borracha permitiu o aperfeiçoa- França. A partir de 1939, porém, no
mento de bolas de tamanhos dife- lugar das praças esportivas, os Esta-
rentes. Regras de diversos esportes dos nacionais se enfrentariam nos
(futebol, rúgbi, tênis, voleibol, bas- campos de batalha.
quetebol, natação, corridas, pugilis- Da mesma forma que a diplo-
mo) foram padronizadas em escala macia, definida como a "guerra por
internacional. outros meios", os esportes também
O futebol, em particular, tor- podem ser comparados à guerra.
nou-se uma verdadeira febre, pro- Entre 1939 e 1945, um "bombar-
pagando-se, sobretudo, no inte- deio à meta adversária" não era
rior da classe operária. As disputas apenas uma maneira de se referir
Jesse Owens durante a prova dos
olímpicas tornaram-se o terreno de a muitos chutes perigosos ao gol de 100 metros rasos. Olimpíada de
representação de nacionalidades e um outro time. Berlim, Alemanha, 1936.

101

OH_V3_Book.indb 101 18/05/16 09:38


1 A corrida
para a guerra

E
m 1931, o Comitê Olímpico Internacional (COI) decidiu, por
KUNSTBIBLIOTHEK STAATLICHE MUSEEN, BERLIM, ALEMNAHA

43 votos a 16, que a Alemanha seria a sede das Olimpíadas de


inverno e de verão, que se realizariam cinco anos depois. As
cidades de Garmisch e Partenkirchen receberiam as disputas no frio
e Berlim, capital alemã, abrigaria os Jogos de Verão. A escolha tinha
claro caráter político: ela marcava o retorno alemão às grandes com-
petições internacionais, após o final da Primeira Guerra Mundial, e
ajudava a relembrar que Berlim deveria ter sediado a Olimpíada de
Verão em 1916 – cancelada, por causa da guerra.
Dois anos depois da escolha, os nazistas chegaram ao poder e
implantaram leis e medidas discriminatórias contra os não arianos,
além de impor, por meio da atuação das SA, das SS e da Gestapo, um
controle estrito do cotidiano da população alemã. Imediatamente,
representantes de alguns países questionaram o COI sobre a futura
sede olímpica. Outros defenderam o boicote aos Jogos, afirmando que
o envio de delegações esportivas para a Alemanha representaria um
endosso ao regime nazista. Propunham a realização, paralelamente à
Olimpíada, de um evento esportivo internacional em Barcelona (cida-
de que, na eleição de 1931, havia sido derrotada por Berlim).
Cartaz dos Jogos Olímpicos de Berlim, Franz
Würbel. Litografia colorida, ago. 1936. O presidente do Comitê Olímpico estadunidense, inicialmente
favorável ao boicote, chegou a visitar a Alemanha, mas, bem recebido
pelos governantes, mudou de opinião e declarou que os judeus eram
"bem tratados" pelos alemães. Além disso, Hitler lhe teria prometido
MUSEU DA CIDADE, BARCELONA, ESPANHA

a realização de jogos "sem racismo". O COI manteve sua decisão e a


Alemanha preparou-se cuidadosamente. Grandes investimentos per-
mitiram a construção de amplas e modernas instalações esportivas:
um monumental estádio olímpico, parque aquático, ginásios, aloja-
mentos para atletas. Seis meses antes do início do evento, as leis racis-
tas e campanhas antissemitas foram suspensas, para evitar boicotes.
Em fevereiro de 1936, foram realizadas as Olimpíadas de Inverno, sem
qualquer registro de incidentes. No dia 1.º de agosto, ocorreu a cerimô-
nia de abertura dos Jogos de Verão.

4 medalhas para um negro


Havia uma grande expectativa, por parte dos nazistas, que as Olimpía-
das confirmassem a supremacia dos arianos. Os atletas alemães deve-
riam demonstrar, na prática, as teorias raciais desenvolvidas em Mein
Kampf. Na abertura do evento, com o estádio olímpico lotado, as dele-
gações alemã e austríaca, compostas exclusivamente por esportistas
Cartaz das Olimpíadas Populares de brancos e não judeus, fizeram a saudação nazista ao passarem dian-
Barcelona, Franz Lewy. Litografia colorida, te da tribuna de honra, onde estava Hitler. Durante as provas, o públi-
jul. 1936. co cantava o hino alemão, que dizia "Alemanha acima de todos", e o

102 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial

OH_V3_Book.indb 102 18/05/16 09:38


nome de Hitler ecoava pelo estádio em várias aclama-
ções de "Heil Hitler!". O cenário e o clima estavam prepa- O expansionismo alemão
rados para um grande triunfo alemão. O sucesso de Owens não impediu que a Alemanha obti-
A grande e inesperada estrela dos Jogos foi, no vesse o primeiro lugar no quadro de medalhas e termi-
entanto, um negro estadunidense: Jesse Owens. Ele dis- nasse a Olimpíada com a convicção de que simbolica-
putou quatro provas e ganhou quatro medalhas de ouro. mente iniciara um ciclo de vitórias internacionais. As
Foi campeão nos 100 e 200 metros rasos e participou da próximas seriam na guerra e era preciso se preparar
equipe que venceu o revezamento de 4x100m. Sua par- para isso.
ticipação mais importante foi no salto em distância, em Para superar a fase crítica por que a economia
que disputou o primeiro lugar com o alemão Luz Long. A alemã passava quando Hitler chegou ao poder, o nazis-
disputa foi cordial e Long, inclusive, chegou a estimular mo havia implantado uma política econômica com dois
Owens num momento difícil da prova. Ao final, Owens objetivos principais: reduzir o desemprego (em 1933,
venceu e Long o parabenizou. havia 6 milhões de desempregados – um terço dos tra-
Há relatos controversos sobre a reação de Hitler à balhadores) e desenvolver, secretamente, a indústria
vitória de Owens. Segundo alguns, o führer teria deixado alemã de armamentos. O governo investiu em infraes-
o estádio, irritado. Outros afirmam que ele nem estava trutura, com a abertura de estradas, construção de
lá durante a prova de salto. Há também quem diga que, moradias e prédios públicos. Aproveitou o apoio do
numa das vitórias de Owens, Hitler lhe teria acenado da empresariado para a ampliação da oferta de empregos
tribuna e o gesto teria sido retribuído pelo estaduniden- e para o financiamento de obras públicas.
se. O próprio Owens escreveu, em sua biografia, que seu Na contramão da política liberal da República de
maior incômodo não foi com Hitler, mas com Roosevelt, Weimar, o nazismo adotou algumas estratégias keyne-
presidente estadunidense, que não lhe enviou sequer sianas de centralização e planificação econômica (pla-
um telegrama de parabéns. Independentemente do que nos quadrienais), expandindo o crédito, oferecendo
se passou no estádio olímpico, o salto final de Owens, incentivos tributários e fiscais e estimulando a indústria
além de lhe dar o recorde olímpico e a quarta medalha de bens de consumo. Os bancos, o comércio e a agricul-
de ouro, determinou o nascimento de um dos maiores tura passaram a atuar sob rigorosa supervisão de órgãos
mitos na história dos Jogos: na Olimpíada organizada oficiais. As relações entre empregados e empregadores
pelos nazistas, o principal destaque foi um negro. eram reguladas por associações orientadas pelo Esta-
do, os salários foram congelados e o câmbio e os preços,
HULTON ARCHIVE/GETTY IMAGES

controlados pelo poder central. As novas regras econô-


micas reduziram drasticamente o desemprego e a infla-
ção, e ampliaram o consumo. As indústrias foram reu-
nidas em grupos econômicos definidos pelo ramo de
atuação, formando enormes carteis subordinados a um
órgão governamental. Na prática, a gestão da economia
passou a ser compartilhada entre o governo e os conglo-
merados empresariais, numa simbiose voltada à prepa-
ração da Alemanha para a guerra. Grandes encomendas
de armas e recursos militares (por exemplo, borracha,
componentes elétricos e eletrônicos, implementos quí-
micos e farmacêuticos, veículos e vestuário) permitiam
lucros altíssimos para os consórcios industriais e os
nazistas obtinham as bases para desenvolver seu pro-
jeto bélico.
Ao mesmo tempo que comandava a política econô-
mica e unia os alemães, por meio da propaganda, numa
só vontade, Hitler articulava o rompimento com os ter-
Jesse Owens durante a prova dos 100 metros rasos. mos do Tratado de Versalhes. Na verdade, seu antecessor
Olimpíada de Berlim, Alemanha, 1936. já suspendera, devido à crise econômica, o pagamento

A corrida para a guerra 103

OH_V3_Book.indb 103 18/05/16 09:38


I. Shetland
(Brit.)
SUÉCIA
NORUEGA
Helsinque
Cristiania
(Oslo) Tallin
IRLANDA Mar do Estocolmo ESTÔNIA (1934) URSS
DO NORTE Norte LETÔNIA (1934) (Primeiro regime comunista
Moscou

ico
Riga do mundo desde 1917)

lt
IRLANDA DINAMARCA


Dublin Copenhague LITUÂNIA(1932)

ar
REINO M
UNIDO PRÚSSIA Kaunas
HOLANDA
Londres Berlim Varsóvia
das indenizações. Mas os nazistas (1933) pretendiam contra-
ALEMANHA
BÉLGICA POLÔNIA (1926) tos tímidos e não tomaram qualquer medida de força
Paris Praga
riar as determinações militares LUXEMBURGO
do acordo e retomar
TCHECOSLOVÁQUIA
LIECHTENSTEIN Viena
contra a Alemanha nazista. Alguns líderes ocidentais
FRANÇA Berna
sua escalada belicosa. Em março SUÍÇA de 1935,
ÁUSTRIA
(1933) Hitler
Budapeste decla-
HUNGRIA
acreditavam, também, Mar Cáspio
que o nazismo fosse um “mal
OCEANO
rou que
ATLÂNTICO a Alemanha não respeitaria
PORTUGAL ITÁLIA mais os termos
Belgrado ROMÊNIA
do
Bucareste menor”
Mar Negro
e que pudesse ser um aliado numa eventual
(1932) (1922) IUGOSLÁVIA
Tratado. UmESPANHA
Lisboa
ano depois, as tropas
Madri
Córsega alemãs foram envia-
BULGÁRIA disputa contra o comunismo soviético. Hitler aprovei-
ALBÂNIA Sófia
MADEIRA (1923-1929
das para a Renânia que, segundo
Sardenha o Tratado, Tiranadeveria ser tou a política de apaziguamento dos antigos inimigos
Roma
(Port.) e 1939-1976) Ankara
Baleares Teerã
TURQUIA
mantida desmilitarizada.
Tânger MARROCOS
Espanha Argel SobMo pretexto
M a r
Sicília
de
GRÉCIAnão pro-
(1936) Atenas
e oficializou a decisão de retomar a produção de equi-
(1923)

vocar confrontos e disputas internas na Europa, Fran- pamentos militares, restabelecer o recrutamento mili-
Fez

e
I. CANÁRIAS EGITO
Túnis RHODES

d
(Esp.) i MALTA CHIPRE (Fr.) PÉRSIA
MARROCOS Francês t (It.) IRAQUE
e (Brit.) (Brit.)
OH_U7_pag723
ARGÉLIA Creta (Brit.)
ça, Grã-Bretanha e Liga das Nações emitiram protes- tar e ampliar o poderio das Forças Armadas.
TUNÍSIA r LÍBANO
(França) r (Fr.)
(França) â n
Trípoli e KUWAIT
o PALESTINA
ESCALA (Brit.)
JORDÂNIA
REINO
DE
Cairo (Brit.)
0 460 920 km LÍBIA HEYAZ E NEYED

MÁRIO YOSHIDA
(Itália) EGITO
REGIMES POLÍTICOS – DÉCADA DE 1930(Brit.)

ISLÂNDIA
Reykjavík

I. Faroe
(Din.)

'HPRFUDFLDVSDUODPHQWDULVWDV I. Shetland FINLÂNDIA


(Brit.)
'LWDGXUDFRPXQLVWD NORUEGA
SUÉCIA
Helsinque
5HJLPHVDXWRULWiULRVFRQVHUYDGRUHV Cristiania
(Oslo) Tallin
IDVFLVPRQDFLRQDOVRFLDOLVPR IRLANDA Mar do Estocolmo ESTÔNIA (1934) URSS
FRUSRUDWLYLVPRHWFFRPGDWD DO NORTE Norte LETÔNIA (1934) Moscou (Primeiro regime comunista

ico
GHLPSODQWDomR Riga do mundo desde 1917)

lt
IRLANDA DINAMARCA


Dublin Copenhague LITUÂNIA(1932)
&RO{QLDVHXURSHLDV REINO
UNIDO ar
M
PRÚSSIA Kaunas

2XWURVHVWDGRV Londres
HOLANDA
Berlim Varsóvia
0RQDUTXLDV BÉLGICA ALEMANHA
POLÔNIA (1926)
(1933)
&DSLWDO Paris
LUXEMBURGO
Praga
TCHECOSLOVÁQUIA
LIECHTENSTEIN Viena
FRANÇA Berna
ÁUSTRIA Budapeste Mar Cáspio
SUÍÇA (1933) HUNGRIA

MULAR OCEANO
ATLÂNTICO PORTUGAL ITÁLIA
Belgrado ROMÊNIA
Bucareste

relevo, não dá encaixe (1932) Mar Negro


(1922) IUGOSLÁVIA
Lisboa Madri
Córsega BULGÁRIA
ESPANHA
tituir cor da Ditadura comunista para vermelho (trocar cor com Colônias europeias)
MADEIRA
(Port.)
(1923-1929
e 1939-1976) Sardenha
Roma
ALBÂNIA Sófia

Tirana Ankara
Baleares
tituir cor das Colônias europeias para laranja (trocar cor com Ditadura comunista)
Teerã
TURQUIA
Tânger MARROCOS M a r (1923)
Argel M GRÉCIA
Espanha Atenas

tituir cor Outros estados para uma cor neutra (cinza claro)
Sicília (1936)
Fez
e

I. CANÁRIAS EGITO
Túnis RHODES
d

(Esp.) i MALTA CHIPRE (Fr.) PÉRSIA


MARROCOS Francês t (It.) IRAQUE
e (Brit.) (Brit.) (Brit.)
ARGÉLIA Creta LÍBANO
TUNÍSIA r
(França) r (Fr.)
(França) â n
Trípoli e o KUWAIT
PALESTINA
ESCALA (Brit.)
JORDÂNIA
REINO
DE
Cairo (Brit.)
0 460 920 km LÍBIA HEYAZ E NEYED
(Itália) EGITO
(Brit.)

Fonte: Elaborado com base em DUBY, G. Atlas historique. Paris: Larousse, 1987.

As anexações 'HPRFUDFLDVSDUODPHQWDULVWDV então deputado britânico Winston Churchill, indignado


'LWDGXUDFRPXQLVWD com a política de apaziguamento, disparou:
Encerradas as Olimpíadas, a polícia nazista retomou as
5HJLPHVDXWRULWiULRVFRQVHUYDGRUHV
IDVFLVPRQDFLRQDOVRFLDOLVPR
leis raciais e reiniciou as perseguições sistemáticas con- "Uma posição firme da França e da Grã-Breta-
FRUSRUDWLYLVPRHWFFRPGDWD
tra judeus e comunistas. Negros,GHLPSODQWDomR
homossexuais e ciganos nha, sob a autoridade da Liga das Nações, teria sido
&RO{QLDVHXURSHLDV seguida pela imediata evacuação da Renânia sem
também eram alvos constantes da ação violenta da Ges-
2XWURVHVWDGRV
tapo e das SS. A guerra interna recomeçava, ao mesmo derramamento de uma gota de sangue; e os efeitos
0RQDUTXLDV
tempo que o país se preparava&DSLWDO
para a guerra externa. disso poderiam, ter fortalecido os elementos mais pru-
dentes do exército alemão, evitando a enorme ascen-
Mário, Um dos primeiros objetivos alemães, no exterior,
dência que permite ao líder político da Alemanha
REFORMULAR
era a anexação da Áustria. Já no Mein Kampf, Hitler afir-
tomar a ofensiva. A Áustria foi submetida à servidão
mara
1. sem que essa
relevo, nãounião (Anchluss) era uma obrigação his-
dá encaixe e não sabemos se a Tchecoslováquia não sofrerá ata-
tórica e uma
2. Substituir cornecessidade
da Ditadura política. Em março
comunista parade vermelho
1938, (trocar cor com Colônias europeias)
que similar."
as tropas nazistas entraram na Áustria, sem qualquer
3. Substituir cor das Colônias europeias para laranja (trocar Trecho cor com Ditadura comunista)
de discurso de Churchill, 22/2/1938. Apud MAGNOLI,
resistênciacor
4. Substituir do país vizinho.
Outros Mais uma
estados paravez,umaFrança
coreneutra
Grã- (cinza claro)
Demétrio; BARBOSA, Elaine Senise. O mundo em desordem. vol. 1.
-Bretanha preferiram silenciar ante o avanço alemão. O 1914-1945. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 360.

104 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial

OH_V3_Book.indb 104 18/05/16 09:39


Churchill acertou com precisão: o próximo passo dos provocar reação da União Soviética, que, até então, se man-
nazistas era a região dos Sudetos, pertencente à Tchecos- tivera neutra diante das tensões na Europa central e oci-
lováquia. Tratava-se de área industrial importante e situa- dental. O isolamento soviético incluía uma política de não
va-se, estrategicamente, na fronteira com a Alemanha. Os interferência em assuntos de outros países. A Polônia, no
nazistas estimularam a mobilização da população germâ- entanto, fazia fronteira com a União Soviética e fora, ante-
nica que vivia nos Sudetos contra o governo tchecoslova- riormente, uma zona de influência russa. Em 23 de agosto
co, provocando instabilidade política e social. O primei- de 1939, o ocidente foi surpreendido com a notícia de que
ro-ministro britânico Neville Chamberlain (1869-1940) Hitler e Stálin haviam celebrado um pacto de não agres-
dispôs-se a mediar o conflito. Em setembro de 1938, uma são (Acordo Germano-Soviético ou Ribbentrop-Molotov,
reunião entre Chamberlain, Hitler, Mussolini e o primei- em uma referência aos ministros alemão e soviético que
ro-ministro francês Édouard Daladier (1884-1970) – a assinaram o documento). O pacto determinava um período
Conferência de Munique – determinou a retirada das de cinco anos de paz entre Alemanha e União Soviética e,
forças tchecoslovacas dos Sudetos e a ocupação da região secretamente, decretava a divisão da Polônia entre os dois
pelas tropas alemãs. Em março do ano seguinte, a Alema- países e a aceitação alemã do domínio soviético sobre Estô-
nha ocupou o restante do território tchecoslovaco. Nova- nia, Letônia, Lituânia e Finlândia. Além disso, ampliava
mente, os países do ocidente europeu permitiam que a bastante a colaboração comercial: a União Soviética pas-
Alemanha nazista avançasse. sava a fornecer petróleo e trigo para a Alemanha, que retri-
O terceiro alvo do expansionismo nazista foi a Polô- buiria com equipamentos militares e ouro.
nia. Desde o final da Primeira Guerra, os alemães reivindi- Indiferentes aos protestos de França e Grã-Bretanha,
cavam a devolução da cidade portuária de Dantzig, que o que ameaçavam ir à guerra caso os nazistas avançassem
Tratado de Versalhes transferira para o comando polonês. sobre a Polônia, as tropas alemãs invadiram a Polônia no
Hitler sabia, porém, que uma ação contra a Polônia poderia dia 1.º de setembro. Começava a Segunda Guerra Mundial.

A música do Reich
"O controle [da programação da Orquestra Filarmônica música, mas de politizar a música, utilizando-a como
de Berlim] foi se acirrando não apenas em relação à ori- instrumento motivador. Peças 'problemáticas' confli-
gem étnica da música, mas quanto a seu caráter. Em tavam com as necessidades urgentes de organização e
1942, um comunicado do Ministério da Propaganda ordem político-sociais. O provável, quando da tomada
dizia: '[...] no que concerne à música séria, nenhuma da Polônia, em 1939, é que o próprio Goebbels tenha
obra que não tenha provado seu valor pode ser execu- ordenado a transmissão de um programa radiofônico
tada. Obras novas e problemáticas não podem ser exe- com obras beethovenianas. A ocasião pedia uma música
cutadas.' Essa mensagem foi encaminhada a todas as heroica, que movesse e mobilizasse a nação e ninguém
orquestras alemãs, não apenas à Filarmônica. O pro- poderia tocá-la melhor que a orquestra berlinense."
jeto de 'unificação' não era mais uma simples questão ASTER, Misha. A orquestra do Reich: a Filarmônica
de converter princípios ideológicos em programas de de Berlim e o Nacional-Socialismo, 1933-1945.
São Paulo: Perspectiva, 2012. p. 204-205.

tra os Estados Unidos, em 1898, mostrava que o antes


A Guerra Civil Espanhola imenso império colonial chegava ao fim e a Espanha
As turbulências políticas e sociais que abalaram Itália deixara definitivamente de ser uma potência mundial.
e Alemanha nas décadas de 1920 e 1930 também atin- Na década de 1920, outra derrota militar, no Marro-
giram a Espanha. O país não havia participado da Pri- cos, fragilizou ainda mais a monarquia espanhola e levou
meira Guerra, mas sofreu os efeitos da reorganização o rei Afonso XIII (1886-1941) a indicar Primo de Rivera
econômica do continente europeu e da crise de 1929. (1870-1930) para o comando do país. Rivera tinha sim-
Internamente, disputas pelo trono se arrastavam desde patia pelo fascismo italiano e implantou uma ditadu-
o século XIX e o movimento operário e camponês cres- ra, com forte controle governamental sobre a economia
cia e se mobilizava. A perda de algumas das últimas e a política. O fracasso das medidas provocou sua queda
colônias, após a independência de Cuba e a guerra con- em 1930 e mobilizou os anti-monarquistas que, no ano

A corrida para a guerra 105

OH_V3_Book.indb 105 18/05/16 09:39


SEM RELEVO
seguinte, venceram as eleições. A ampla adesão popu- ções dos setores conservadores, compostos, além do
lar à proposta republicana levou Afonso XIII a abdicar e clero, por latifundiários e militares de alta patente. Ao
abandonar o país. mesmo tempo, os trabalhadores agitavam-se na luta
A implantação da república e a iminência de mais pela ampliação dos direitos sociais e trabalhistas. No
OH_U7_pag725a
reformas aumentaram a tensão dentro da Espanha. O País Basco e na Catalunha, grupos separatistas reivin-
novo governo tentou reduzir a interferência da Igreja dicavam autonomia e tentavam escapar ao controle do
católica em assuntos públicos, o que gerou fortes rea- governo sediado em Madri.

MÁRIO YOSHIDA
A GUERRA CIVIL ESPANHOLA (1936)

Territórios ocupados Gijón


pelos nacionalistas Astúrias
Julho de 1936 Galícia Bilbao
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Dezembro de 1936 9-1936
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Fonte: Elaborado com base em KINDER, H.; HILGEMANN, W. Atlas histórico mundial. Madrid: Akal, 2006.

MÁRIO YOSHIDA
A GUERRA CIVIL ESPANHOLA (1936-1939)

Domínio dos nacionalistas controle naval


Dezembro de 1936 francês
controle naval
Mário,Final de 1937 inglês
1. rebaixar os tons de verde
Final de 1938 Gijón
2. substituir quadrado
Fevereiro de 1939 de Lisboa e Tânger por bolinha FRANÇA
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Março de 1939
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Territórios duramente internacional
disputados Burgos
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controle naval Andaluzia até 03/1939 Formentera
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Gibraltar (Brit.) Cartagena controle naval
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0 125 250 km MARROCOS ESPANHOL internacional

ÁFRICA
Fonte: Elaborado com base em KINDER, H.; HILGEMANN, W. Atlas histórico mundial. Madrid: Akal, 2006.

106 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial


Mário,
1. rebaixar os tons de verde
OH_V3_Book.indb 106 2. substituir do ícone Base naval (azul escuro) e legendar 18/05/16 09:39
Os resultados das eleições de 1934 e 1936 explicita- Tito (1892-1980), o líder socialista brasileiro Apolônio
vam a instabilidade política espanhola: em 1934, a direita de Carvalho e o escritor britânico George Orwell.
saiu vitoriosa e tentou restabelecer a ordem anterior à pro- Franco, por sua vez, conquistou dois aliados deci-
clamação da república; em fevereiro de 1936 foi a esquer- sivos: a Itália fascista e a Alemanha nazista. Por meio
da que venceu, formando um governo de Frente Popular. do fornecimento de armas, tropas, aviões e apoio logísti-
Cinco meses depois, estourou uma sublevação antirrepu- co, os dois países tiveram participação fundamental na
blicana. O principal líder era o general José Sanjurjo (1872- vitória dos nacionalistas. Em abril de 1937, a Luftwaffe
-1936), que estava em Portugal. Ao embarcar no avião que (força aérea alemã) coordenou o bombardeio da cidade
o levaria de volta à Espanha, Sanjurjo morreu em um aci- de Guernica, numa ação que matou mais de 1 500 pes-
dente. Quem assumiu a frente dos insurgentes foi outro soas e que tinha a intenção de ampliar o terror das popu-
general, Francisco Franco (1892-1975), que havia partici- lações civis ao estender o massacre a áreas sem impor-
pado da guerra no Marrocos e, apesar da derrota espanho- tância militar ou estratégica.
la, ganhara prestígio como comandante forte, centraliza- Duramente afetadas pelos ataques rivais e sofren-
dor e, muitas vezes, brutal. do com disputas e divisões internas, as forças republi-
canas resistiram até 1939. Em março daquele ano, seis
Republicanos contra nacionalistas meses antes do início da Segunda Guerra, o governo
Quando ocorreu o levante de 1936, Franco servia nas ilhas caiu e Franco assumiu o comando do país e implantou
Canárias, possessão espanhola na costa africana. Ele voou um regime de inspiração fascista. Embora mantivesse
para a Espanha, acompanhado por veteranos da guerra boas relações com Itália e Alemanha, Franco manteve a
do Marrocos, e recebeu o apoio do Exército, da Igreja, de Espanha neutra durante a Segunda Guerra e conseguiu
grandes industriais e proprietários de terras e da Falan- sobreviver à queda dos governos de Mussolini e Hitler.
ge, partido direitista recém criado. Seu principal líder era Ele governou até a morte, em 1975.
José Antonio Primo de Rivera (1903-1936), filho do antigo
ditador, que fora executado na Catalunha, em janeiro, sob
a acusação de conspiração e rebelião militar. Os golpistas Arte e solidariedade
proclamavam-se nacionalistas e acusavam os republica- O cartaz abaixo ilustra o espírito de solidariedade estran-
nos de terem inclinações políticas à esquerda. Iniciava-se geira com que a Frente Popular procurava contar durante a
a violentíssima Guerra Civil Espanhola, que se arrastou Guerra Civil. No canto superior esquerdo, em francês, pode-
-se ler "Os trabalhadores espanhóis lutam pela liberdade e
por três anos e vitimou milhares de espanhóis. pela cultura de todos os povos. Solidarize-se com eles!".
No princípio da luta, os republicanos consegui-
Pôster, Barras Casanova, 1936.
ram manter o controle das principais cidades e portos.
A extrema violência das forças franquistas – que repro-

GALERIA LORDS, LONDRES, INGLATERRA


duziam na Espanha a brutalidade que marcara as tropas
de Franco no Marrocos – aterrorizava os republicanos e
a parcela da população civil que não estava engajada na
luta. O governo republicano pediu apoio à França que,
temerosa de um alastramento internacional do confli-
to, rejeitou participar formalmente do conflito, embora
tenha autorizado os cidadãos franceses a se envolver na
guerra, caso desejassem.
A União Soviética apoiou os setores de esquerda
que lutavam contra os golpistas, especialmente aqueles
que se alinhavam com a política de Moscou e defendiam
o stalinismo. Voluntários de diversos países compuse-
ram as Brigadas Internacionais, que apoiavam os repu-
blicanos; entre seus membros, estavam o pintor mura-
lista mexicano David Alfaro Siqueros, o poeta chileno
Pablo Neruda, a escritora francesa Simone Weil, o futu-
ro chefe de Estado iugoslavo Josip Broz, conhecido como

A corrida para a guerra 107

OH_V3_Book.indb 107 18/05/16 09:39


GUERRA CIVIL ESPANHOLA • VOLUNTÁRIOS ESTRANGEIROS NAS BRIGADAS, POR NACIONALIDADE, 1937
França 13 309 Cuba 136
Polônia 4 411 Portugal 133
Itália 4 349 Argentina 89
Alemanha 4 294 Albânia 86
Estados Unidos 3 262 Ucranianos de países diversos 82
Bélgica 2 546 Noruega 81
Tchecoslováquia 1 579 Austrália 55
Hungria 1 505 União Soviética 41
Grã-Bretanha 1 389 Brasil 41
Iugoslávia 1 304 Chile 41
Áustria 1 045 Turquestão (União Soviética) 40
Holanda 743 Montenegro 39
Bulgária 735 Luxemburgo 33
Canadá 660 Peru 32
Romênia 577 Abissínia (Etiópia) 31
Suécia 557 Chineses dos Estados Unidos 30
Suíça 516 Guatemala 25
Argélia 468 Equador 24
México 414 Uruguai 22
Lituânia 358 Paraguai 22
Finlândia 346 Japoneses dos Estados Unidos 20
Judeus de países diversos 326 Índia 20
Grécia 216 República Dominicana 17
Marrocos 201 Haiti 15
Estônia 173 Bolívia 14
Dinamarca 172 Honduras 14
Irlanda 165 Nicarágua 12
Letônia 163 Jamaica 4
Venezuela 138
Total de voluntários estrangeiros estimados em julho de 1937 47 804
Pessoas de nacionalidades desconhecidas representadas nas Brigadas 578
Proporção de latino-americanos no total de voluntários estrangeiros 2,22%
Total da América Latina 1 060
Fonte: Elaborado com base em CASTELLS, A. Las brigadas internacionales de la guerra de España. Barcelona: Ariel, 1974. p. 379-380.

O franquismo e o futebol de futebol ficaram subordinadas a um órgão central.


Proibiu-se que os nomes de clubes possuíssem qualquer
Durante toda a ditadura de Franco, o clube de futebol
referência a idiomas que não fosse o castelhano. Além
Real Madrid serviu como instrumento do governo fas-
dos estrangeiros, a proibição voltava-se para o galego, o
cista. As conquistas nacionais e internacionais eram uti-
basco e, sobretudo, o catalão.
lizadas como elemento de legitimação e propaganda do
A cor do uniforme da seleção espanhola foi alterada
regime. Ministros de Estado e dirigentes do clube reu-
para azul (das falanges fascistas). Foi instituída a Copa
niam-se com frequência.
do Generalíssimo em homenagem a Franco e estabele-
Uma série de medidas visava vincular o futebol ao
cida a obrigatoriedade da saudação fascista no início de
franquismo. Diversos clubes foram mantidos sob inter-
cada partida.
venção do governo. Todas as associações e federações

108 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial

OH_V3_Book.indb 108 18/05/16 09:39


Barcelona: mais que um clube
"O F. C. Barcelona é mais que um clube na Catalunha, campeonato espanhol. Em 1968, o slogan "Mais que um
porque é a instituição desportiva mais representativa clube" começou a ser utilizado.
do país e um de seus melhores embaixadores. Também, Em fevereiro de 1974 foi disputada uma partida de
por razões diferentes, o F. C. Barcelona é mais que um futebol que simbolizou o fim do regime franquista. Em
clube para muitas pessoas do resto do Estado espanhol, Madri, no estádio Santiago Bernabéu, o Barcelona ven-
que viram no Barça um firme defensor dos direitos das ceu o time da casa por 5 a 0. A rivalidade entre os dois
liberdades democráticas." clubes não se resume apenas ao futebol. Há questões
Extraído do site oficial do Barcelona: http://goo.gl/rgdyUG. políticas, regionais e ideológicas presentes até os dias
Acesso em: 30 abr. 2016. (traduzido pelos autores) de hoje.
Apesar de patrocinado por várias grandes empre-
Durante a Guerra Civil, a Catalunha tornara-se um sas, o Barcelona é um dos únicos clubes de primei-
dos redutos dos republicanos e o F. C. Barcelona, um dos ra divisão do mundo que não transformaram sua cami-
símbolos da resistência ao fascismo. Em 1936, o presi- sa em espaço para propaganda de marcas comerciais.
dente do Barcelona foi assassinado por falangistas. Dois Apenas em 2006, em razão do histórico da agremia-
anos depois, a aviação fascista bombardeou a sede social ção, o Unicef (United Nations Children's Fund – Fundo
do clube. Em janeiro de 1939, as tropas nacionalistas das Nações Unidas para a Infância) firmou um acordo
tomaram a região catalã. Entre os seus líderes encontra- de colaboração com o clube. O nome e o logotipo do
va-se Santiago Bernabéu, ex-jogador e ex-técnico do time Unicef aparecem ao lado do brasão do time, que, no seu
do Real Madrid. Hoje, o estádio do clube leva seu nome. interior, apresenta o símbolo da cidade de Barcelona e a
Uma homenagem a um dirigente franquista. bandeira da Catalunha.
Durante mais de dez anos o Barcelona foi manti- Na Copa do Mundo de futebol realizada na África do
do sob intervenção governamental e dirigido por pes- Sul, em 2010 a maior parte dos atletas da seleção espa-
soas ligadas ao regime. No início da década de 1940, o nhola deu a volta olímpica para comemorar a conquista
time de futebol foi rebaixado para a segunda divisão do empunhando a bandeira da Catalunha.
MANUEL BLONDEAU/AOP.PRESS

Torcedores protestam
com faixa 'Catalunha
não é Espanha' durante
o jogo amistoso entre
a seleção da Catalunha
e da Argentina, no
estádio Camp Nou.
Barcelona, Espanha, 22
de dezembro de 2009.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Que ações de Hitler demonstraram sua disposição de 3 O que foi o Acordo Germano-Soviético e quais eram
desrespeitar o Tratado de Versalhes? → DL/CF/H7/H8 os principais interesses dos dois países nele?
2 Como França e Grã-Bretanha reagiram à desobediên- → DL/CF/H7/H9/H15
cia alemã dos termos do Tratado de Versalhes? 4 Caracterize as dois lados que lutaram na Guerra
→ DL/SP/H7 Civil Espanhola e que apoios externos recebiam.
→ DL/SP/H7/H9/H10/H11/H15

A corrida para a guerra 109

OH_V3_Book.indb 109 18/05/16 09:39


2 A guerra

A
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Alemanha havia se preparado para um tipo de guerra diferente das
que haviam ocorrido até então. Uma guerra que não dependeria
prioritariamente dos avanços por terra, nem correria o risco de se
arrastar por anos em encarniçadas disputas de trincheiras, como aconte-
cera entre 1914 e 1918. Os alemães queriam guerras rápidas, com grande
volume de bombardeios aéreos e destruição completa do inimigo.
Na invasão da Polônia, a Luftwaffe atacou os aviões poloneses antes
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que eles decolassem. Grupos de paraquedistas foram lançados por trás das S
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sobre as incrédulas e desesperadas tropas do Exército polonês. Varsóvia foi
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alcançada em uma semana, a Polônia rendeu-se após vinte dias e desapa- ÁRTIC

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0 1765 3530 km Aliados em maio de 1940
Aliados em dezembro de 1941
Expansão territorial do Eixo em junho de 1940
Expansão territorial do Eixo em dezembro de 1941
Fonte: Elaborado com base em BLACK, J. World history atlas. London: Dorling Satélites do Eixo que seguiram a Alemanha na
Kindersley, 2008. invasão da França em maio de 1940
Países neutros

110 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial


A Segunda Guerra Mundial
setembro de 1939 – dezembro de 1941
Limites políticos em 1939
Eixo e seus
OH_V3_Book.indb 110 aliados em março de 1940 18/05/16 09:39
A Alemanha mostrava ao mundo a força e a inten-
sidade da Blitzkrieg (guerra relâmpago). Após a ocupa- A Nova Ordem
ção da Polônia, a Alemanha posicionou tropas na fron- Os franceses que desejavam continuar lutando con-
teira com a França, sem, no entanto, avançá-las. Forças tra os nazistas, mesmo sob ocupação alemã, organi-
francesas, mobilizadas, acompanhavam as movimenta- zaram-se na Resistência . Parte dela atuava fora da
ções do outro lado da fronteira, mas tampouco agiam. Os França, liderada pelo general Charles de Gaulle (1890-
aviões britânicos continuavam em terra ou se limitavam -1970); parte atuava clandestinamente dentro do ter-
a voos de reconhecimento ou ao lançamento de pan- ritório francês. A luta da Resistência prosseguiu até o
fletos antinazistas sobre cidades alemãs. Durante seis final da guerra e se contrapôs ininterruptamente aos
meses, a guerra continuava nas páginas dos jornais e nas nazistas, ao governo de Vichy e a muitos franceses que
declarações oficiais, mas os conflitos praticamente ine- colaboraram com os invasores.
xistiam. Hitler, convicto da superioridade militar alemã Em outros países ocupados também houve colabo-
e do temor que a ocupação da Polônia provocara nos ini- racionismo e também surgiram movimentos de resis-
migos, fulminou: tência à dominação nazista, que realizavam atos de
sabotagem a instalações alemãs e atentados contra
"A Grã-Bretanha e a França contraíram compro-
chefes políticos e militares associados ao nazismo. No
missos, mas nenhum desses Estados tem o desejo de
cumpri-los [...]. Em Munique [na Conferência], vimos
Leste europeu, um dos líderes da resistência foi Tito,
estes miseráveis vermes do Chamberlain e Daladier. que lutara na Guerra Civil Espanhola e se tornaria, no
Eles não se decidirão a atacar-nos." futuro, governante iugoslavo.
Ao contrário da França, a Grã-Bretanha não sucum-
Apud TOTA, Antonio Pedro. A Segunda Guerra Mundial.
São Paulo: Atual, 1986. p. 17 biu aos ataques alemães. No segundo semestre de 1940,
a Luftwaffe coordenou diversos bombardeios – muitos
Os nazistas preparavam, na verdade, outra iniciati-
deles sobre Londres –, mas a Real Força Aérea britâni-
va surpreendente, na direção de outro alvo. Em abril de
ca conseguiu conter a iniciativa inimiga, valendo-se do
1940, desferiram novos ataques fulminantes, agora sobre
recente desenvolvimento de radares e da grande quanti-
Noruega e Dinamarca. Pretendiam garantir o suprimen-
dade de aeronaves mobilizadas para a defesa.
to de ferro e aço, que vinha da Suécia, e controlar portos
Na Europa continental, no entanto, a Alemanha era
que lhes facilitassem um futuro ataque à Grã-Bretanha. O
hegemônica. Forças nazistas controlavam estradas de
apoio militar de franceses e britânicos aos países atacados
ferro e de rodagem, portos e aeroportos desde a França
não impediu que, novamente, a Alemanha se impusesse
até a fronteira com a união Soviética. Abasteciam-se com
em poucos dias. O fracasso derrubou o primeiro-ministro
a produção de alimentos dos campos franceses e com
Chamberlain, e Churchill – que há anos se opunha à polí-
armas e petróleo do Leste europeu. Nas áreas ocupadas,
tica de apaziguamento – foi convidado a assumir o cargo.
implantava-se uma lógica de terror, para amedrontar
A terceira investida alemã veio no mês seguinte e,
opositores e insatisfeitos. As escolas eram fechadas e os
mais uma vez, desorientou os inimigos: enquanto o Exér-
habitantes, submetidos a controle rígido. As SS organiza-
cito alemão avançava sobre Bélgica, Holanda e Luxem-
vam frequentes invasões de domicílios; ocorriam estu-
burgo, a Luftwaffe bombardeava o Norte e o noroeste da
pros de mulheres e espancamentos de homens.
França, forçando a retirada de mais de 300 mil militares
Os nazistas saqueavam ouro, roubavam obras de
franceses e britânicos que se situavam na região. Atuan-
arte dos museus e vinhos – produtores franceses chega-
do em duas frentes, o avanço alemão foi veloz e as tro-
vam a construir paredes nas suas adegas para esconder
pas de Hitler chegaram a Paris em poucos dias. O governo
e, assim, salvar parte de seus estoques. Foram implan-
francês, temeroso de ser vítima de novo massacre, assi-
tados diversos campos de trabalhos forçados, para onde
nou um armistício com a Alemanha. O acordo previa que
foram levados milhões de prisioneiros de todas as partes
as áreas ocupadas pelas tropas germânicas ficariam sob
do continente.
domínio alemão, o Exército da França seria desmobiliza-
Vivendo em condições desumanas, eles produziam
do e as demais parcelas do território francês persistiriam
vestimentas, armas e suprimentos para as tropas ale-
como território livre, sob o comando de um governo sedia-
mãs. Exigia-se disciplina rígida e qualquer ato julga-
do em Vichy e liderado pelo marechal Philippe Pétain
do como desobediência era punido duramente, muitas
(1856-1951), herói francês da Primeira Guerra. O governo
vezes com execução sumária.
da França "livre" deveria colaborar com os alemães.

A guerra 111

OH_V3_Book.indb 111 18/05/16 09:39


O Eixo contra os Aliados: Churchill lhe enviara em abril, avisando da iminência
de um ataque nazista, nem nos alertas do serviço de
uma guerra mundial
inteligência soviético, que também previram que Hitler
Da mesma forma que na Guerra de 1914, os países divi-
romperia o pacto de não agressão.
diram-se, durante a Segunda Guerra Mundial, em dois
O primeiro mês da operação Barba Ruiva foi franca-
blocos de alianças. De um lado, o Eixo, composto origi-
mente favorável às tropas alemãs, que avançaram quase
nalmente por Alemanha e Itália. Do outro lado, as forças
800 km em território soviético. O Exército Vermelho
Aliadas, formadas inicialmente por França e Grã-Bre-
estava desorganizado, em função dos recentes expurgos
tanha. No decorrer da guerra, os dois blocos recebe-
que Stálin fizera em suas fileiras, e despreparado para a
ram apoios de outros países: o Japão ingressou no Eixo;
guerra moderna e ágil dos alemães.
Estados Unidos e União Soviética aderiram aos Aliados.
Sem condição de enfrentar diretamente o inimigo,
Alguns países latino-americanos também entraram na
as tropas soviéticas retrocediam e permitiam aos nazis-
guerra, como Brasil e Argentina, apoiando os Aliados.
tas a ocupação de centenas de cidades. Hitler determi-
Portugal e Espanha, que tinham regimes de inspiração
nara que suas forças tomassem Moscou no prazo mais
fascista, mantiveram-se neutros, apesar da evidente
rápido possível e, para tanto, mobilizou cerca de mil
proximidade ideológica com Alemanha e Itália.
aviões, um milhão e meio de soldados e quase dois mil
tanques e canhões. A capital soviética, no entanto, con-
Faça
seguiu resistir e atrasou decisivamente a campanha
Tá ligado?! em se
cadernu
o nazista na União Soviética.
A respeito do desenrolar da Segunda Guerra Mundial,
até 1942, é correto afirmar:
a) A resistência polonesa impôs o recuo das tropas
A entrada dos Estados Unidos
alemãs. Em 1940, o presidente estadunidense Franklin Roose-
b) A conquista da França levou os Estados Unidos a velt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill
declararem guerra à Alemanha. assinaram a Carta do Atlântico, em que definiam diretri-
c) A invasão da França foi facilitada pelo auxílio das zes comuns de política internacional. Era o esboço de uma
tropas espanholas, do governo de Franco. aliança militar. No mesmo ano, o Japão formalizou seu
d) Apesar do pacto de não agressão, tropas alemãs apoio aos países do Eixo. Tanto Japão quanto Estados Uni-
invadiram a União Soviética em 1941. dos tinham interesses na Ásia e no Oceano Pacífico.
e) A tomada da França provocou a retirada da Itália O Japão agia, há décadas, para impor sua hegemonia
do conflito.
na região. Em 1940, seu principal alvo eram as fontes
→ DL/CF/SP/H7 de petróleo, borracha e estanho do Sudeste do continen-
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9. te. Os Estados Unidos pretendiam ampliar sua influên-
cia comercial e geoestratégica na área, a partir das zonas
de colonização francesa (Indochina) e inglesa (Birmânia
A invasão da União Soviética e Malásia). Apesar da tensão entre os dois países, ambos
Até 1941, a União Soviética manteve-se neutra. Suas evitavam a guerra.
ações armadas resumiram-se à ocupação da parte leste No dia 7 de dezembro de 1941, o sol da paz se pôs
da Polônia, em setembro de 1939, e, dois meses depois, no Pacífico: o Japão desencadeou um rápido e violento
um ataque armado à Finlândia. A neutralidade e as ataque aéreo e naval contra Pearl Harbor, base oceânica
duas ações estavam previstas no Pacto Germano-Sovié- dos Estados Unidos, destruindo-a e impondo aos estadu-
tico. O acordo, no entanto, estava com os dias conta- nidenses uma derrota duríssima.
dos. Entre abril e maio de 1941, com a frente ocidental Os Estados Unidos reagiram, declarando guer-
sob controle, Hitler concentrou cerca de um milhão de ra ao Japão e, por extensão, aos demais países do Eixo.
soldados na fronteira com a União Soviética. No dia 22 Seis meses depois de a Alemanha ter arrastado a União
de junho, os nazistas desencadearam seu ataque mais Soviética para a guerra, o Japão oferecia aos estaduni-
ousado: a operação Barba Ruiva. denses a oportunidade de atuar diretamente no conflito,
A ação pegou a União Soviética despreparada. Apa- que assumia definitivamente caráter mundial. Os Alia-
rentemente, Stálin não acreditara no telegrama que dos conseguiam dois apoios decisivos.

112 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial

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2A GUERRA MUNDIAL_CAP4_P108.eps

MÁRIO YOSHIDA
PAÍSES DO EIXO VERSUS FORÇAS ALIADAS

Guerra Global
Máxima extensão de poder
do Eixo
Máxima extensão da expansão
japonesa na Ásia/Pacífico
Movimento das tropas
Eixo
Alemães

AU
ST
Japoneses ÁL

R
IA
Aliados
Britânicos
Colônias britânicas
JA
Estadunidenses PÃ

O
Soviéticos

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Fonte: Elaborado com base em BLACK, J. World history atlas. London: Dorling Kindersley, 2008.

A política externa brasileira res para a construção de uma usina siderúrgica no país.
Em troca, o governo estadunidense ganhou o direito de
O governo brasileiro soube tirar proveito da tensa situa-
ção internacional ao final da década de 1930. Desen- estabelecer bases militares, utilizar portos, aeroportos,
volvendo uma política pragmática, o Brasil manteve meios de comunicação e estradas de ferro e de rodagem
estreitas relações diplomáticas e econômicas tanto com no Brasil, em caso de necessidades militares. O terri-
os Estados Unidos quanto com a Alemanha. tório brasileiro serviria de base de operações para os
A indefinição do quadro internacional e a divisão Estados Unidos.
interna das lideranças políticas brasileiras impediam o Em abril de 1941, Vargas anunciou o início da cons-
alinhamento direto com qualquer das duas potências. trução da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em
Em 1942, alegando o torpedeamento de navios Volta Redonda, Rio de Janeiro. No mês seguinte, os esta-
brasileiros pelos alemães, o presidente Getúlio Vargas dunidenses já estavam na guerra. Em janeiro de 1942 o
declarou guerra às forças do Eixo. governo brasileiro rompeu relações diplomáticas com
A agressão alemã não foi gratuita, como pode pare- o Eixo. O Brasil já tinha feito a sua escolha política. E
cer à primeira vista. Após quase três anos de negocia- ganhara com ela. Quando os submarinos alemães ataca-
ções, o Brasil chegara a um importante acordo com os ram as embarcações brasileiras, o país, na prática, não
Estados Unidos, que emprestaram 20 milhões de dóla-
estava mais em posição de neutralidade.

A guerra 113

OH_V3_Book.indb 113 18/05/16 09:39


Para o governo dos Estados Unidos, a América do
Sul fazia parte do círculo de segurança de suas frontei- Para ler o Zé Carioca
ras. Não se esperava o envio de tropas brasileiras para O convencimento das

COLEÇÃO PARTICULAR, SÃO PAULO, BRASIL


a Europa. Bastava estabelecer bases de ação militar e autoridades brasilei-
impedir que os alemães tivessem livre trânsito pelo ras para o apoio às for-
ças Aliadas não se reali-
hemisfério Sul. Antes de entrar na guerra, os Estados
zou apenas pela remessa
Unidos garantiram sua retaguarda com uma ampla ofen- de dólares dos Estados
siva política, cultural e econômica que, além do Brasil, Unidos. Como estraté-
também se dirigiu à Argentina e ao México. Foi a política gia da política de boa
de boa vizinhança, criada oficialmente a partir de 1940. vizinhança, o coorde-
Afora a CSN, o governo brasileiro criou, em 1942, a nador dos Negócios
Interamericanos, Nelson
Companhia Vale do Rio Doce, para a extração de miné-
Rockefeller, promoveu
rios em Minas Gerais, e a Fábrica Nacional de Motores uma série de viagens de
(FNM), no Rio de Janeiro. Com essas empresas buscava- artistas, diretores e pro- Capa da revista Zé Carioca,
-se abastecer o mercado interno com matérias-primas, dutores de Hollywood Editora Abril, ano XXIII,
bens intermediários (barras de aço, motores, chassis, para a América Latina, n.º 1 111, 23 de fevereiro
peças e engrenagens) e bens de produção (máquinas e em especial para o Brasil. de 1973.
Em 1939, os brasileiros
equipamentos industriais) necessários à produção de
eram "honrados" com o sucesso de Carmem Miranda
outros bens e à diversificação industrial. O impulso à nos palcos estadunidenses. A portuguesa vestida de
industrialização e à modernização do país realizava-se baiana, carregada de penduricalhos e balangandãs,
sob o signo do autoritarismo e do pragmatismo diplo- conhecida como "a pequena notável", logo se tornaria
mático. Mas a ambiguidade de Vargas teria seu preço. um sucesso musical e cinematográfico. Yes, nós temos
bananas.
Simpatizantes do nazismo Tempos depois, os Estúdios Disney foram encar-
Os generais Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra e o regados de criar um personagem brasileiro para seus
desenhos. Em 1942, no filme Alô, Amigos, que signifi-
chefe da polícia do Distrito Federal, o major Filinto Mül-
cativamente descreve a viagem de uma missão cultu-
ler, eram simpatizantes declarados do regime nazis- ral por países da América do Sul, duas aves domésticas
ta. Oficiais alemães frequentavam os círculos do poder se encontram: o Pato Donald e o papagaio Zé Carioca.
brasileiro e haviam saudado com entusiasmo o golpe de Afável e hospitaleiro, Zé Carioca fica encantado com a
1937. Acordos comerciais para a aquisição de armamen- visita do ilustre estadunidense e leva-o a conhecer as
tos para o Brasil, a participação de 25% de mercadorias maravilhas do Rio de Janeiro: samba, cachaça e uma
mulher branca que requebra ao som da inebriante batu-
alemãs no total de importações brasileiras e extradições
cada. Ao fundo, o Pão de Açúcar, a baía de Guanabara e
de militantes comunistas de origem germânica eram o Cristo Redentor. Bananas para dar e vender.
representativos da proximidade diplomática.

Faça
Tá ligado?! em se
cadernu
o

(Fatec – adaptada) A criação de um personagem brasileiro por um estúdio americano em 1942, fazia parte,
a) da política de boa vizinhança praticada pelos EUA, que viam a América do Sul como parte do círculo de
segurança de suas fronteiras durante a Segunda Guerra Mundial.
b) do claro descaso dos norte-americanos com o Brasil, ao criar um personagem malandro como forma de
desqualificar o povo brasileiro.
c) do medo que os norte-americanos tinham, porque o Brasil se tornava uma grande potência dentro da América
do Sul e começava a suplantar o poderio econômico americano.
d) do projeto de expansão territorial norte-americana sobre o México, projeto que necessitava de apoio de outros
países da América Latina, entre eles o Brasil.
e) da preocupação norte-americana com a entrada do Brasil na Segunda Guerra, ao lado da Alemanha nazista, e
com a implantação de bases navais alemãs no porto de Santos.
→ DL/CF/SP/H7/H15
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.

114 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial

OH_V3_Book.indb 114 18/05/16 09:39


mil aviões dos dois lados foram abatidos ou desaparece-
O final da guerra ram, mais de 6 mil tanques foram destruídos. A barbá-
O início de 1942 foi o momento máximo de poder do Eixo. rie desse combate letal desembocou numa dura derrota
O Japão expandiu rapidamente seu domínio pelo Pacífi- para os alemães e redefiniu o rumo da guerra.
co e pela Ásia, assumindo o controle de centenas de ilhas,
das Filipinas, da Birmânia, Indochina, Malásia, Tailân- O avanço dos Aliados
dia e parte da costa da China. A Alemanha retrocedera No segundo semestre de 1942, forças britânicas e estadu-
na Operação Barba Ruiva, mas ainda se impunha a quase nidenses venceram as batalhas de El-Alamein, no Norte
toda a Europa continental. A Itália, militarmente mais frá- da África, e conseguiram conter o avanço italiano e ale-
gil e dependente do apoio alemão, realizou algumas expe- mão na região. A Real Força Aérea britânica, auxiliada
dições no Norte da África e ocupou uma faixa do território pela Força Aérea dos Estados Unidos, ampliou os bom-
francês. As resistências e as forças britânicas representa- bardeios sobre Berlim e outras cidades da Alemanha,
vam a única ameaça efetiva à hegemonia alemã. privilegiando as áreas industriais e militares. Estaduni-
Em junho de 1942, o Japão preparou outro ataque denses e britânicos também procuraram intensificar as
maciço, agora contra a frota estadunidense reunida no ações navais, combatendo os submarinos inimigos que,
atol de Midway. O serviço de inteligência dos Estados até 1942, controlavam parte do Atlântico e ameaçavam
Unidos, porém, conseguiu interceptar mensagens secre- a frota inglesa no Mar do Norte. Os grupos de resistência
tas japonesas, decifrou o código nelas utilizado e desco- antinazista, duramente perseguidos pela Gestapo, rea-
briu o plano a tempo de preparar sua defesa. A partir de lizavam atos heroicos, muitas vezes suicidas. Na Iugos-
um porta-aviões, aeronaves estadunidenses reagiram lávia, por exemplo, eles forçaram o Exército alemão a
à iniciativa japonesa, destruíram parte da frota aérea e mobilizar dez divisões para impedir os atos de sabota-
naval inimiga e assumiram o controle militar da luta. gem e os ataques guerrilheiros contra alvos nazistas.
Na Europa, com o fracasso da tentativa de tomada No dia 6 de junho de 1943, os Aliados organizaram
de Moscou, Hitler redirecionou suas tropas para a parte uma imensa operação de desembarque na Normandia,
sul da fronteira soviética, na direção de Stalingrado e do ao norte da França. Era o chamado Dia D. Um milhão
rio Volga, área de confluência de vias de comunicação e de militares estadunidenses e britânicos, com ajuda da
transportes, e onde se concentrava parte importante da resistência francesa, enfrentaram, nas praias da região,
produção industrial soviética. Para Hitler, a ocupação os quase 400 mil soldados alemães. O saldo foi sangren-
da cidade e o ataque simultâneo a toda a região do Cáu- to: meio milhão de mortos, feridos ou desaparecidos –
caso garantiriam a vitória final contra a União Soviéti- 200 mil aliados e 300 mil alemães. A vitória aliada na
ca. Estrategistas alemães tentaram dissuadir o ditador, Normandia iniciou o processo de desocupação da Fran-
alertando para o risco da ação, excessivamente ambi- ça. Pouco mais de um ano depois do Dia D, em 25 de
ciosa e realizada a grande distância das fontes alemãs agosto de 1944, Paris foi libertada.
de abastecimento de alimentos, armas e combustíveis. Na Itália, Mussolini enfrentava grandes dificuldades
Hitler insistiu, transferiu o comando da operação para a desde a derrota na África. Na metade de 1943, tropas esta-
Ucrânia e determinou o avanço das tropas, apoiadas por dunidenses desembarcaram na Sicília e iniciaram a luta
milhares de veículos blindados. dentro do território italiano. Em julho, sob forte pressão
Os combates arrastaram-se por quase sete meses e política interna, Mussolini foi afastado do cargo de pri-
as forças nazistas e soviéticas disputaram febrilmente meiro-ministro pelo rei Vitório Emanuel III. No início de
o controle de cada quarteirão de Stalingrado. Gradual- setembro, os novos governantes assinaram o armistício
mente, o Exército Vermelho passou da defesa ao ataque, com os Aliados. Mussolini rejeitou o acordo, deslocou-se
rompeu o cerco nazista e avançou. No início de 1943, o para Saló, no Norte da Itália, área ainda não tomada pelos
comando alemão na região pediu autorização para se Aliados e criou a República Social Italiana. O novo Estado
render e Hitler rejeitou, determinando que a luta pros- resistiu até abril de 1945. O Duce, capturado por membros
seguisse até o último homem. No dia 2 de fevereiro, os da resistência italiana, foi executado e seu corpo, pendu-
soviéticos alcançaram o quartel-general alemão forçan- rado pelos pés, exposto por dias à execração pública.
do o comandante à rendição. Depois de Stalingrado, o Exército Vermelho avançou
Em Stalingrado, morreram mais de um milhão de pelo Leste da Europa, libertando as áreas que haviam sido
soviéticos e quase oitocentos mil alemães. Cerca de 4 submetidas ao domínio nazista. As tropas alemãs, abala-

A guerra 115

OH_V3_Book.indb 115 18/05/16 09:39


das pela derrota na frente oriental e, pela primeira vez, A filósofa Hannah Arendt, anos depois, analisando
sob ataques em todos os flancos, tinham dificuldade de a dinâmica de funcionamento dos campos de concen-
sustentar as posições antes conquistadas. Em fevereiro tração e extermínio, concluiu que as torturas, o exter-
de 1945, as forças soviéticas aproximaram-se de Berlim. mínio e a política do medo impostos pelos nazistas
No mês seguinte, agrupamentos armados estaduniden- prestavam-se à "coisificação da personalidade huma-
ses invadiram a Alemanha, no lado ocidental. Em abril, a na". Reduzidos a objetos, os prisioneiros perdiam a
capital alemã foi ocupada. A Alemanha caía, após cinco vontade, a capacidade de pensar e de agir, submeten-
anos e meio de guerra. Hitler suicidou-se em seu bunker. A do-se ao controle total daqueles que pretendiam ser
7 de maio, os novos líderes alemães assinaram a rendição. seus senhores.

O holocausto
Durante o período nazista, os judeus foram submetidos a Extermínio em massa
perseguições sistemáticas. Comunidades judaicas na Ale-
Após a rendição alemã, o campo de Belsen foi descoberto
manha, na Polônia e nas demais áreas ocupadas eram pelas tropas britânicas. Nesta foto, nazistas mostram a cova
confinadas em guetos ou dissolvidas e seus membros aberta onde eram lançados os corpos dos prisioneiros mortos.
enviados a campos de concentração. Nesses campos, jun-

GEORGE RODGER/GETTY IMAGES


tamente com ciganos, homossexuais, eslavos e prisionei-
ros políticos, viviam em condições desumanas, sujeitos a
frequentes epidemias, alimentação precária e ameaças.
Eram submetidos a trabalhos forçados, torturas e, muitas
vezes, a experimentos científicos, como cobaias humanas.
A partir de 1941, alguns documentos alemães passa-
ram a mencionar a expressão "solução final da questão
judaica". Era um conjunto de procedimentos para a eli-
minação física de todos os judeus, confirmando as teo-
rias raciais do nazismo. Transferidos em caminhões e
trens lotados para campos de extermínio, muitos mor-
riam no trajeto. Calcula-se que mais de 6 milhões de
judeus – homens, mulheres e crianças – foram assassi-
nados nas câmaras de gás desses campos. O principal
deles foi Auschwitz, na Polônia. O italiano Primo Levi
(1919-1987), sobrevivente de Auschwitz, relatou o hor-
ror da chegada ao campo:
"A viagem levou uns vinte minutos. O caminhão
parou; via-se um grande portão e, em cima do portão, Cova coletiva de corpos de judeus. Campo de
concentração, Belsen, Alemanha, 1945.
uma frase bem iluminada (cuja lembrança ainda hoje
me atormenta nos sonhos): ARBEIT MACHT FREI – o
trabalho liberta. Descemos, fazem-nos entrar numa sala
ampla, nua e fracamente aquecida. Que sede! O leve
zumbido da água nos canos da calefação nos enlouque- Tá na rede!
ce: faz quatro dias que não bebemos nada. Há uma tor-
neira e, acima, um cartaz: proibido beber, água poluí- Holocausto
da [...]. Isto é o inferno. Hoje, em nossos dias, o inferno Digite o endereço abaixo na
deve ser assim: uma sala grande e vazia, e nós, cansa- barra do navegador de internet:
dos, de pé, diante de uma torneira gotejante, mas que https://goo.gl/Im3BE4. Você
não tem água potável, esperando algo certamente ter- A Enciclopédia do
pode também tirar uma foto Holocausto traz inú-
rível acontecer, e nada acontece, e continua não acon- com um aplicativo de QrCode meros registros,
tecendo nada. Como é possível pensar? Não é mais pos- para saber mais sobre o assunto. como fotografias,
sível; é como se estivéssemos mortos. Alguns sentam no Acesso em: 30 abr. 2016. Em artefatos e fichas de
chão. O tempo passa, gota a gota." identificação de pri-
português. sioneiros.
LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1988. p. 20.

116 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial

OH_V3_Book.indb 116 18/05/16 09:39


De fato, quando a guerra acabou, a estrutura de
Repercussões da guerra poder era radicalmente diferente da que existia antes
A lógica do domínio nazista buscava impor o terror total da guerra. As potências europeias haviam perdido sua
a todos. As populações civis dos países inimigos viviam influência dentro e fora da Europa – as últimas colô-
sob ameaça contínua de ataques e bombardeios. Dife- nias britânicas e francesas na África, Ásia e Oceania
rentemente das guerras anteriores, na Segunda Guerra lutavam pela independência e a alcançariam nas déca-
Mundial a luta não se concentrou em campos de bata- das seguintes. Um novo equilíbrio mundial bipolar se
lha; todo espaço era campo de batalha e o número de construía, duas superpotências emergiam: Estados
mortos civis, durante o conflito, foi equivalente ao de Unidos e União Soviética.
militares. No conjunto, calcula-se que 50 milhões de
pessoas morreram no conflito.

THE DMITRI BALTERMANTS COLLECTION/CORBIS/LATINSTOCK


Com o final da guerra, milhões de pessoas desloca-
ram-se. Muitos judeus europeus que sobreviveram ao
holocausto transferiram-se para o recém criado Estado
de Israel. A União Soviética ocupou a Estônia, a Letônia
e a Lituânia e passou a exercer forte influência sobre o
Leste europeu. Muitos moradores dessas regiões – inclu-
sive milhares de alemães – preferiram escapar do domí-
nio soviético e se dirigiram para países do ocidente.
Em agosto de 1945, quando a guerra na Europa já
estava liquidada e o Japão, praticamente derrotado no
Pacífico, os Estados Unidos lançaram duas bombas atô-
micas. A primeira explodiu em Hiroshima, no dia 6; a
segunda, em Nagasaki, três dias depois. É impossível
calcular o grau de devastação e o número de mortos
que elas causaram, inclusive porque a radiação emi-
tida pelas bombas continuou matando por décadas.
Além de forçar a rendição incondicional do Japão, os
bombardeios tinham um objetivo claro: expor o domí-
nio técnico-militar estadunidense e confirmar a impor-
tância decisiva que os Estados Unidos desejavam ter no Sorrow [Tristeza], Dmitri Baltermants. Ataque nazista à
pós-guerra. aldeia crimeia de Kerch, Rússia, 1942.

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Que países compunham os dois blocos de alianças ra gotejante, mas que não tem água potável, esperan-
que atuaram na Segunda Guerra? → DL/SP/H7/H9 do algo certamente terrível acontecer, e nada aconte-
2 Explique a afirmação de Hitler e sua referência à ce, e continua não acontecendo nada. Como é possível
Conferência de Munique: "A Grã-Bretanha e a França pensar? Não é mais possível; é como se estivéssemos
contraíram compromissos, mas nenhum desses mortos. Alguns sentam no chão. O tempo passa, gota
Estados tem o desejo de cumpri-los [...]. Em Munique a gota." → DL/CF/SP/CA/H1/H2/H11/H15
[na Conferência], vimos estes miseráveis vermes do 5 O que provocou a entrada da União Soviética e dos
Chamberlain e Daladier. Eles não se decidirão a ata- Estados Unidos na Segunda Guerra?
car-nos." → DL/CF/SP/CA/H1/H7/H8/H15 → DL/SP/H7/H9/H15
3 O que as "resistências" representaram na Segunda 6 Qual era a característica da política externa brasi-
Guerra? → DL/SP/H leira durante o Estado Novo? → DL/CF/CA/H7/H15
4 Explique a constatação de Primo Levi: "Hoje, em nos- 7 O que foi a política de boa vizinhança levada a cabo
sos dias, o inferno deve ser assim: uma sala grande e pelos Estados Unidos? → DL/CF/CA/H7/H15
vazia, e nós, cansados, de pé, diante de uma tornei-

A guerra 117

OH_V3_Book.indb 117 18/05/16 09:39


Um Outro Olhar Artes
INTERPRETAÇÕES DE UMA PINTURA
Observe atentamente o quadro abaixo e leia o texto a seguir:
ORONOZ/LATINSTOCK

Guernica, Pablo Picasso. Óleo sobre tela, 3,50 m x 7,82 m, 1937.

"A decisão de destruir Guernica foi tomada em conjunto de Franco. Para piorar, os nacionalista organizaram uma
com o alto comando dos nacionalistas. Repleta de refu- enganadora campanha alegando que os anarquistas em
giados, a pequena cidade não apresentava nenhuma retirada tinham dinamitado Guernica para fabricar uma
importância militar ou estratégica. A atrocidade, delibe- história falsa com objetivos de propaganda. A tragédia da
radamente programada para coincidir com o horário mais pequena cidade basca ficou imortalizada como um símbo-
movimentado de um dia de feira na cidade, foi uma puni- lo dos horrores da guerra no quadro de Picasso, exibido
ção aos traidores bascos católicos por decidirem apoiar naquele mesmo ano na Feira Mundial de Paris."
os comunistas em troca de autonomia. Também foi uma SALVADÓ, Francisco J. Romero. A guerra civil espanhola.
clara mensagem [...] aos que resistiram à nova ordem Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 196.

Francisco J. Romero Salvadó(1960-), historiador espanhol, professor na Universidade de Bristol (Inglaterra) e autor de diversas
obras, como Historical dictionary of the Spanish civil war e España, 1914-1918: entre la guerra y la Revolución.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Identifique, no quadro, elementos que "simbolizem o a) Explique essa afirmação de Picasso.


horror", conforme mencionado no texto de Salvadó. → DL/CF/SP/CA/H5
→ DL/CF/SP/H1 b) Qual a importância que a tela de Picasso assumiu,
2 Numa entrevista de março de 1945, Picasso afir- como representação da Guerra Civil Espanhola?
mou: "Não, a pintura não foi feita para decorar quar- → DL/CF/SP/CA/H2/H5/H15
tos. É um instrumento de guerra ofensivo e defensi- c) A arte deve ou não deve ter conotações e objeti-
vo contra um inimigo." → DL/CF/SP/CA/H1/H5/H7/H15 vos políticos? Justifique a resposta.
→ DL/CF/SP/CA/EP/H10/H15

118 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial

OH_V3_Book.indb 118 18/05/16 09:39


Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

A ARTE E A BARBÁRIE DA GUERRA


Leia os depoimentos de militares que participaram das duas grandes guerras do século XX.

I. Depoimento de um soldado italiano, durante a Primeira netas. Já no terceiro dia, cinquenta e quatro cadáveres de
Guerra. soldados alemães estavam espalhados pelos porões, pelos
"Esta é a guerra. Não o risco de morrer, não a granada deto- patamares e pelas escadas. Nossa frente é um corredor ao
nada que nos cega [...], mas a sensação de ser uma marionete longo de quartos incendiados [...] Pelas chaminés e esca-
nas mãos de um titereiro desconhecido, e este sentimento às das de incêndio das casas vizinhas é que chegam refor-
vezes esfria o coração de tal maneira que é como se a morte ços. A luta não cessa nunca. De um andar para o outro, ros-
já tivesse feito o seu papel. Estamos presos às trincheiras até tos enegrecidos pelo suor, nós nos bombardeamos uns aos
recebermos ordens de deixá-las, presos ao perigo iminente outros com granadas, em meio a explosões, nuvens de poei-
e ao destino marcado com o número de nosso pelotão ou o ra e fumaça, montes de argamassa, em meio ao dilúvio de
nome de nossa trincheira, Sem possibilidade de tirar a cami- sangue, aos destroços de mobiliário de seres humanos.
sa quando desejamos, ou escrever para casa. As mais sim- Perguntem a qualquer soldado o que significa meia hora de
ples necessidades da vida são comandadas por regras sobre luta corpo a corpo numa luta desse tipo. Depois imaginem
as quais nenhum de nós tem influência. Tudo isso é guerra." Stalingrado oitenta dias e oitenta noites só de luta corpo a
Paolo Monelli, soldado italiano. Apud: ENGLUND, Peter. corpo. As ruas já não se medem em metros, mas por cadá-
A beleza e a dor: uma história íntima da Primeira Guerra Mundial. veres [...] Stalingrado já não é mais uma cidade [...] Quando
São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 220. chega a noite [...] causticante de sangue e gemidos, os cães
lançam-se as águas do Volga e nadam desesperadamente à
II. Depoimento de um tenente alemão, durante a Segunda
outra margem [...] Só os homens resistem."
Guerra.
"Para tomarmos uma única casa lutamos quinze dias, lan- Testemunho de um tenente do Exército alemão. Apud: TOTA, Antonio
çando mão de morteiros, granadas, metralhadoras e baio- Pedro. A Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Atual, 1986. p. 33.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Identifique a principal preocupação de cada um dos 2 Compare os dois depoimentos e aponte diferenças e
militares em seus depoimentos. → DL/SP/H1/H4/H11 semelhanças entre eles. → DL/SP/CA/H1/H4/H11/H15

Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 (Enem) Em discurso proferido em 17 de março de na Europa, e que não queria incluir na Alemanha
1939, o primeiro-ministro inglês à época, Neville outros povos que não os alemães".
Chamberlain, sustentou sua posição política: "Não Disponível em: www.johndclare.net. (adaptado)
necessito defender minhas visitas à Alemanha no outo-
no passado, que alternativa existia? Nada do que Sabendo-se que o compromisso assumido por Hitler
pudéssemos ter feito, nada do que a França pudes- em 1938, mencionado no texto, foi rompido pelo
se ter feito, ou mesmo a Rússia, teria salvado a líder alemão em 1939, infere-se que:
Tchecoslováquia da destruição. Mas eu também tinha a) Hitler ambicionava o controle de mais territórios
outro propósito ao ir até Munique. Era o de prosse- na Europa além da região dos Sudetos.
guir com a política por vezes chamada de 'apazigua- b) a aliança entre a Inglaterra, a França e a Rússia
mento europeu', e Hitler repetiu o que já havia dito, ou poderia ter salvado a Tchecoslováquia.
seja, que os Sudetos, região de população alemã na c) o rompimento desse compromisso inspirou a polí-
Tchecoslováquia, eram a sua última ambição territorial tica de "apaziguamento europeu".

Engenho e Arte 119

OH_V3_Book.indb 119 18/05/16 09:39


d) a política de Chamberlain de apaziguar o líder c) No livro História da vida privada no Brasil, Nicolau
alemão era contrária à posição assumida pelas Sevcenko afirma que, pela política, o rádio foi
potências aliadas. capaz de "transformar a massa amorfa de ouvintes
e) a forma que Chamberlain escolheu para lidar com na força agregada da paixão política". Como isso
o problema dos Sudetos deu origem à destruição se relaciona ao processo de legitimação do Estado
da Tchecoslováquia. Novo? → DL/CF/SP/H9/H11/H21
→ DL/SP/H1/H7 d) Qual é o papel do rádio nos dias de hoje?
→ DL/CF/SP/H21
2 Leia o texto abaixo e depois responda às questões
propostas. 3 (Fuvest-SP)

EMETERIO MELLENDRERAS/ SOCIEDAD BENÉFICA DE


HISTORIADORES AFICIONADOS Y CREADORES
A cultura do rádio
"[...] Talvez não surpreenda o fato de que a audiência Todas as milícias
fundidas no Exército
de rádio duplicou nos anos da Grande Depressão, quan-
Popular, Emeterio
do sua taxa de crescimento foi mais rápida do que antes
Mellendreras.
ou depois. Pois o rádio transformava a vida dos pobres, e Cartaz, 1937.
sobretudo das mulheres pobres presas ao lar, como nada
fizera antes. Trazia o mundo à sua sala. Daí em diante,
os mais solitários não precisavam mais ficar inteiramen- Viva Espanha, viva
te sós. [...] Surpreende, portanto, que um veículo desco- Itália, viva Alemanha,
nhecido, quando a Primeira Guerra Mundial acabou, hou- viva Portugal,
vesse conquistado 10 milhões de lares nos EUA no ano da anônimo. Cartaz, s/d.
quebra da Bolsa, mais de 27 milhões em 1939 e mais de

COLEÇÃO PARTICULAR
40 milhões em 1950?
[...] Sua capacidade de falar simultaneamente a incontá-
veis milhões, cada um deles sentindo-se abordado como
indivíduo, transformava-o numa ferramenta inconcebivel-
mente poderosa de informação de massa, como governan-
tes e vendedores logo perceberam, para propaganda polí-
tica e publicidade. No início da década de 1930, o presi-
dente dos EUA já descobrira o potencial da 'conversa ao pé
da lareira' pelo rádio, e o rei da Grã-Bretanha o das trans- Os cartazes acima circularam durante a Guerra Civil
missões de Natal da família real (1932 e 1933, respectiva- Espanhola (1936-1939).
mente). Na Segunda Guerra Mundial, com sua interminá- a) Identifique, em cada um dos cartazes, um elemen-
vel demanda de notícia, o rádio alcançou a maioridade to que permita associá-los, respectivamente, às
como instrumento político e meio de informação. […] principais forças políticas envolvidas nessa guerra.
É difícil reconhecer as inovações da cultura do rádio, pois b) Caracterize as principais propostas das forças
muito daquilo que ele iniciou tornou-se parte da vida diá- políticas representadas nos cartazes.
ria – o comentário esportivo, o noticiário, o programa de
entrevistas com celebridades, a novela, e também todos os → DL/CA/H1/H2/H3
tipos de seriado. [...] Contudo, curiosamente, esse veícu- 4 (Enem) A deflagração da Segunda Guerra Mundial se
lo – e, até o surgimento do vídeo e do videocassete, e sua deu quando a Alemanha de Hitler invadiu a Polônia em
sucessora, a televisão –, embora essencialmente centrado 1.º de setembro de 1939, forçando França e Inglaterra
no indivíduo e na família, criou sua própria esfera públi- a reagirem à agressão nazista.
ca. Pela primeira vez na história pessoas desconhecidas
Da mesma forma, a Primeira Guerra Mundial iniciou-
que se encontravam provavelmente sabiam o que cada
-se quando o Arquiduque Francisco Ferdinando foi
uma tinha ouvido (ou, mais tarde, visto) na noite anterior:
morto em Sarajevo, em 1914.
o grande jogo, o programa humorístico favorito, o discur-
so de Winston Churchill, o conteúdo do noticiário." Estes dois episódios fazem parte de um contexto
HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991).
internacional muito mais amplo do que a agressão
São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 194-195. pontual verificada nestes casos. No caso da Primeira
Guerra, as disputas envolvendo territórios coloniais
a) O rádio incorporou-se rapidamente ao cotidiano
e a exacerbação dos ânimos referentes aos naciona-
das pessoas do mundo inteiro. A que se deve a
lismos eslavos e germânicos foram fatores interna-
sua intensa aceitação? → DL/CF/SP/H21
cionais mais abrangentes e fundamentalmente mais
b) O rádio criou uma integração poderosa jamais incisivos na eclosão do conflito.
vista na História até então. Quais eram as caracte-
rísticas políticas dessa integração? → DL/CF/SP/H21 Sabendo disso, podemos, resumidamente, explicar o
contexto da Segunda Guerra através de:

120 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial

OH_V3_Book.indb 120 18/05/16 09:39


a) Os nacionalismos nazifascistas e as intenções e) a liberação, pela França e pelo Reino Unido, no
coloniais destes em face dos interesses econômi- decorrer das décadas de 1920 e 1930, de todas as
cos ingleses e franceses. suas colônias, para evitar o surgimento de guerras
b) A ação soviética no combate ao nazismo provocou de emancipação nacional. → DL/CF/SP/H7
a Alemanha que iniciou o conflito. 6 A mudança de mentalidade na Alemanha ocidental,
c) O Tratado de Ribbentropp-Molotov e a alian- ocorrida, segundo o texto, ao final da Segunda Guerra
ça entre germânicos e soviéticos assustaram as Mundial, envolveu, entre outros fatores,
potências aliadas que iniciaram a guerra. a) a decisão alemã de não voltar a se envolver em
d) A expansividade territorial nazista que desejava conflitos internacionais políticos ou diplomáticos.
ocupar os territórios ocupados por populações de b) a neutralidade do país diante da Guerra Fria, que
origem germânica, bem como o desejo de Hitler de caracterizou a segunda metade do século XX.
eliminar os judeus da Europa e acessar as reservas c) a desmobilização de todos os contingentes milita-
de carvão e petróleo no Cáucaso que dariam uma res dentro e fora do país.
considerável vantagem estratégica à Alemanha
d) a celebração das conquistas territoriais ocorridas
juntamente com os ressentimentos revanchistas
no século XIX e princípio do XX.
alemães pelas condições impostas no Tratado de
Versalhes e o desejo de anexar os velhos territórios e) a rejeição do militarismo, que marcara o país
perdidos e construir um novo Reich. desde a segunda metade do século XIX.
e) O bombardeio japonês de Pearl Harbor, a invasão → DL/CF/SP/H7
alemã à Stalingrado, o desembarque aliado na 7 (UFRJ)
Normandia e as derrotas italianas na África.
"Quartel-general Supremo
→ DL/CF/SP/H7 Força Expedicionária Aliança.
(Unesp-SP) Leia o texto para responder às duas ques- Soldados, marinheiros e aeronautas
tões abaixo. da Força Expedicionária Aliada!
"Enquanto os franceses e os britânicos tinham emer- Vocês estão prestes a embarcar para
gido da Primeira Guerra Mundial com um profundo a Grande Cruzada, rumo à qual temos
trauma dos horrores da guerra e a convicção de que nos esforçado durante estes muitos meses.
um novo conflito deveria, se possível, ser evitado, [...] Mas este é o ano de 1944! Muito aconteceu desde
na Alemanha só ocorreria algo parecido depois da os triunfos nazistas de 1940-1941.
Segunda Guerra Mundial. Os acontecimentos de 1945 [...] A maré virou! Os homens livres do mundo
levaram a uma profunda mudança na cultura popular estão marchando juntos à vitória!"
e política da parte ocidental da Alemanha. Aos olhos Ordem de combate do General Eisenhower,
desses alemães, a extrema violência de 1945 fez da maio de 1944, citado em Folha de S. Paulo, 5 jun. 1994.
Segunda Guerra Mundial ‘a guerra para acabar com Caderno Especial – Dia D 50 anos. p. 3.
todas as guerras'."
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) mobilizou a
Richard Bessel. Alemanha, 1945, 2010. (adaptado)
atenção de toda a humanidade, seja pela dimensão
5 Entre os fatos que poderiam confirmar a interpreta- alcançada, seja pelo caráter assumido pelas forças
ção, oferecida pelo texto, sobre a atitude de franceses do Eixo, liderado pela Alemanha nazista. Em 1942, o
e ingleses depois da Primeira Guerra Mundial, pode- governo brasileiro, abandonando a política de aparen-
se incluir: te neutralidade, adere aos Aliados, declarando guerra
a) a participação em um organismo internacional para aos países do Eixo. Depois de um primeiro momento,
a mediação de conflitos e o pacifismo que marcou no qual a ofensiva pertenceu às forças sob a lideran-
a reação da França e do Reino Unido à ascensão do ça hitlerista, ocorreu a reviravolta simbolizada pelo
nazismo. desembarque aliado na Normandia, o chamado Dia D.
b) o fim da corrida armamentista entre as potências do Explique uma razão que contribuiu para a liderança
Ocidente e do Leste europeu e a eliminação dos arse- dos Estados Unidos na guerra contra o Eixo.
nais alojados na Europa, na Ásia e no Norte da África. → DL/CF/SP/H7
c) a repressão imediata e violenta, por França e Reino 8 (Enem) O objetivo de tomar Paris marchando em dire-
Unido, a todos os projetos belicosos e autoritários ção ao oeste era, para Hitler, uma forma de conso-
que surgiram na Europa ao longo dos anos 1920 e lidar sua liderança no continente. Com esse intuito,
1930. entre abril e junho de 1940, ele invadiu a Dinamarca,
d) o acordo para a constituição de uma polícia inter- a Noruega, a Bélgica e a Holanda. As tropas francesas
nacional, que vigiasse as movimentações militares se posicionaram na Linha Maginot, uma linha de defesa
das grandes potências e fosse coordenada por um com trincheiras, na tentativa de conter a invasão alemã.
país não-europeu, os Estados Unidos. Para a Alemanha, o resultado dessa invasão foi:

Engenho e Arte 121

OH_V3_Book.indb 121 18/05/16 09:39


a) a ocupação de todo o território francês, usan- A expansão japonesa havia começado em 1895, quando
do-o como base para a conquista da Suíça e da venceu a China, impôs-lhe o Tratado de Shimonoseki,
Espanha durante a segunda fase da guerra. passando a exercer tutela sobre a Coreia. Definida sua
b) a tomada do território francês, que foi então área de projeção, o Japão passou a ter atritos constantes
usado como base para a ocupação nazista da com China e Rússia. A área de atrito passou a incluir
África do Norte, durante a guerra de trincheiras. os Estados Unidos quando os japoneses ocuparam a
Manchúria, em 1931, e a seguir, a China, em 1937".
c) a posse de apenas parte do território, devido à resis-
REIS FILHO, D. A. O século XX, o tempo das crises.
tência armada do exército francês na Linha Maginot.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
d) a vitória parcial, já que, após o avanço inicial,
teve de recuar devido à resistência dos blindados Sobre a expansão japonesa, infere-se que:
do general De Gaulle, em 1940. a) o Japão tinha uma política expansionista, na Ásia,
e) a vitória militar, com ocupação de parte da França, de natureza bélica, diferente da Doutrina Monroe.
enquanto outra parte ficou sob controle do gover- b) o Japão buscou promover a prosperidade da Coreia,
no colaboracionista francês. tutelando-a à semelhança do que os EUA faziam.
→ DL/CF/SP/H7 c) o povo japonês propôs a cooperação com os
Estados Unidos ao copiarem a Doutrina Monroe e
9 (Enem) "O ataque japonês a Pearl Harbor e a con- proporem o desenvolvimento da Ásia.
sequente guerra entre americanos e japoneses no
Pacífico foi resultado de um processo de desgaste da d) a China aliou-se à Rússia contra o Japão, sendo que
relação entre ambos. Depois de 1934 os japoneses a Doutrina Monroe previa a parceria entre os dois.
passaram a falar mais desinibidamente da 'Esfera de e) a Manchúria era território norte-americano e foi
coprosperidade da Grande Ásia Oriental', considerada ocupado pelo Japão, originando a guerra entre os
como a 'Doutrina Monroe Japonesa'. dois países. → DL/CF/SP/H7/H9

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

A lista de Schindler Câmera


O filme apresenta uma série de elementos do cotidia-
Diretor: Steven Spielberg
DIVULGAÇÃO

no dos judeus prisioneiros em campos de concentração


País: Estados Unidos
e dos integrantes das forças repressivas nazistas. Para
Ano: 1993
compreender essa situação, identifique:
• as principais personagens do filme (aponte duas
características de cada uma delas);
• os momentos em que o filme trabalha com elemen-
tos coloridos;
Oskar Schindler foi um empresário alemão integrante do • os lugares onde se passam as cenas;
Partido Nazista que utilizou seus contatos e recursos econô- • duas entre as principais cenas de transgressão às
micos para salvar a vida de mais de mil judeus prisioneiros regras nazistas.
do governo alemão. O filme apresenta-o como um alemão
sensibilizado com as atrocidades cometidas pelos nazistas Ação
contra os judeus e disposto a arriscar-se para socorrê-los. A adesão dos alemães ao regime nazista é motivo de refle-
Luzes xões e discussões. A questão central reside na possibilidade
de resistência ao regime e em não ser conivente com as atro-
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes cidades cometidas pelas autoridades nazistas.
nos Procedimentos metodológicos da página 10. Imagine que você é um cidadão alemão comum. Crie sua
Leia novamente o item A guerra, (p. 110). Em seguida: personagem, sua profissão, idade, família, nível de instrução.
• identifique o tratamento dispensado pelos nazistas Reconstrua o cotidiano dessa personagem e procure identifi-
aos povos submetidos e aos prisioneiros de guerra; car situações em que você seria pressionado a ceder ao regi-
• relacione a chamada "solução final" à perspectiva me e as possibilidades que você poderia encontrar para não
de superioridade ariana defendida pela ideologia colaborar com os nazistas. Escreva um texto a esse respeito.
nazista. → DL/CF/CA/EP/H1/H2/H3/H11/H12/H15/H23

Estante • PEDRO, Antonio. A segunda guerra mundial. São Paulo: Atual, 2004.

122 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial

OH_V3_Book.indb 122 18/05/16 09:39


1 (PUC-SP) Na Olimpíada de Berlim, em 1936, b) o incêndio do Reichstag Alemão.
um atleta negro norte-americano chamado c) a criação da chamada "Linha Maginot".
Jesse Owens conseguiu quatro medalhas de
d) a ocorrência da "questão balcânica".
ouro, tornou-se o grande vitorioso dos Jogos
e atrapalhou a imagem que a Alemanha e seu e) o atentado ao arquiduque Francisco
governante, Adolf Hitler, pretendiam que o Ferdinando.
→ DL/SP/H7
Radar
evento tivesse. Isso se deu porque:
a) a Alemanha estava em guerra com os 4 (UFES) Picasso vai à guerra:
Estados Unidos e não queria que um nor- "MAM mostra amor e política na obra do
te-americano triunfasse em seu território. gênio catalão
b) as concepções raciais do nazismo prega- A exposição 'Picasso – Anos de Guerra, 1937–
vam a superioridade ariana e não admi- 1945' apresenta no Rio pinturas, esculturas,
tiam a vitória de um negro sobre brancos. desenhos e gravuras do gênio catalão no perío-
do em que a Espanha foi arrasada..."
c) a cidade de Berlim estava cercada por tro-
O Globo, 14/7/99.
pas aliadas e os alemães não puderam, em
virtude disso, participar dos Jogos. A obra de Picasso reflete momentos histó-
d) as propostas políticas do nazismo evitavam ricos marcantes, entre eles o retratado em
misturar esportes e política e Owens, ao Guernica, um de seus quadros mais conheci-
receber a medalha, fez um discurso político. dos. Esse momento está relacionado com
Faça e) a Alemanha pretendia demonstrar seu poder a) movimentos operários na Espanha, durante
em se a Guerra Civil, que reivindicam o fortaleci-
cadernu por meio de vitórias nos Jogos e, assim,
o
compensar as derrotas na Guerra Mundial. mento do governo de Franco, ocasionando a
destruição de Guernica pelo general Rivera.
→ conforme → DL/SP
tabelas das b) conflitos em prol da anexação da cida-
2 (UFES) A Conferência Internacional de
páginas 8 e 9. de espanhola de Guernica pela França, os
Munique, em 1938, às vésperas da Segunda
quais causaram o bombardeio da cidade.
Grande Guerra Mundial, corresponde ao ponto
mais alto da política de apaziguamento, levada c) movimentos de nacionalistas monarquis-
Tá na rede! a efeito pela Inglaterra e pela França, quando tas, que lançaram bombas em Guernica
estas mais cederam diplomaticamente. A prin- com fim de enfraquecer as tropas do dita-
QUESTÕES dor Franco na Espanha.
cipal decisão da Conferência consistiu em:
DE ENEM d) operações de bombardeio realizadas pela
Digite o endereço
a) reconhecer o direito alemão à posse dos
Sudetos, que deveriam ser entregues pela aviação alemã, que destruíram Guernica
abaixo na barra na Guerra Civil Espanhola.
do navegador de Tchecoslováquia.
internet: http://goo. b) reincorporar ao território alemão a região e) lutas de guerrilheiros sediados na cidade
gl/xog0Jb. Você do Sarre, independentemente do plebisci- de Guernica, durante a Segunda Guerra
pode também tirar to a que sua população deveria submeter- Mundial, contra o avanço do imperialismo
uma foto com um -se, em virtude do Tratado de Versalhes. norte-americano na Espanha.
aplicativo de QrCode → DL/SP/H7
para saber mais sobre c) aceitar a remilitarização da Renânia por
o assunto. Acesso em: parte de Hitler. 5 (UFRGS-RS) A Guerra Civil Espanhola inicia-
4 abr. 2016. da em 1936, tradução sangrenta do confronto
d) admitir como irreversível a anexação da
de duas Espanhas e ponto focal de uma ator-
Áustria pela Alemanha.
mentada história, tornou-se o mito fundador
e) reconhecer o direito da Alemanha ao porto da luta internacional contra o fascismo.
de Dantzig, até então em poder da Polônia.
→ DL/SP/H7 Assinale a alternativa correta sobre esse tema.
a) A Espanha, que jamais vivera um regime
3 (Unilavras-MG) É histórica a aproximação ideo- republicano ou a vitória eleitoral de par-
lógica entre Áustria e Alemanha. Esse fato pode tidos de esquerda, observou em 1936
ser observado no contexto sócio-político euro- um golpe de Estado desencadeado pelos
Página dedicada a peu mais recente, como também no contex-
questões já aplica- comunistas. Foi o começo da Guerra Civil.
das em provas do
to político que antecedeu à II Guerra Mundial,
nas relações que se deram entre a Áustria e o III b) Os regimes autoritários da época, como a
ENEM. Busque exer-
cícios sobre os temas Reich naquele momento. Exemplo desse fato foi: Itália de Mussolini e a Alemanha de Hitler,
desenvolvidos neste preferiram não colaborar materialmente com
capítulo. a) a realização do Anchluss por Adolf Hitler, a facção nacionalista espanhola, temendo a
por decisão de plebiscito. reação das democracias europeias.

Radar 123

OH_V3_Book.indb 123 18/05/16 09:39


c) A Guerra Civil terminou com o triunfo dos nacio- e) foi importante para o fortalecimento do nazi-fas-
nalistas sobre os republicanos. A era franquista cismo, em razão da vitória esmagadora das forças
estava aberta. A Espanha vermelha, derrotada. alemãs sobre o exército soviético e de outros paí-
Os militantes de esquerda, antigos combatentes ses do Leste Europeu.
republicanos, foram perseguidos no quadro da → DL/SP/H7/H9
feroz repressão do "terror branco".
8 (UFMG) Leia atentamente este trecho de poema:
d) Após a vitória, o general Francisco Franco pro-
clamou a República e extinguiu a monarquia em Carta a Stalingrado
nome da democracia. Instituiu-se o sufrágio uni- Stalingrado...
versal, com extensão do voto, inclusive, às mulhe- Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
res e aos soldados.
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas outros
e) Os nacionalistas espanhóis, agrupados na Falange homens surgem,
e adeptos de práticas fascistas, ao serem derrota-
dos na Guerra Civil, partiram para outros países a a face negra de pó e de pólvora, e o hálito selvagem da
fim de divulgar sua causa. liberdade dilata os seus peitos,
→ DL/SP/H7/H8 Stalingrado, seus peitos que estalam e caem enquanto
6 (Fuvest-SP) "Ainda uma recordação, uma recordação outros, vingadores, se elevam.
pessoal: você sabe que, em 1937, menos de um ano A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais. Os
depois do início da Guerra Civil na Espanha, a Legião telegramas de Moscou repetem Homero. Mas Homero é
Condor, a legião dos alemães nazistas posta à disposi- velho. Os telegramas cantam
ção do general Franco, bombardeou a pequena cidade um mundo novo
basca de Guernica, destruindo-a completamente."
que nós, na escuridão, ignorávamos.
Pierre Villar.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
Assinale a alternativa que apresenta a doutrina ideoló-
na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,
gica comum entre os comandantes da Legião Condor,
citada no texto, e o general espanhol Francisco Franco. no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das
a) Comunista. bombas,
b) Fascista. na tua fria vontade de resistir.
c) Socialista. ..............................................................................
d) Anarquista. As cidades podem vencer, Stalingrado!
e) Liberal. ..............................................................................
→ DL/SP/H1 Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres, a
grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.
7 (PUCCamp) O ataque à base naval de Pearl Harbor
tornou-se um dos acontecimentos decisivos para o ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 23. ed.
desfecho da Segunda Guerra Mundial. Esse ataque: Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 158-160.

a) representou a primeira grande derrota dos alia- A partir dessa leitura, é CORRETO afirmar que, nesse
dos, uma vez que os japoneses passaram a utilizar trecho de poema, se expressa, mais do que as ideias
armas atômicas contra cidades asiáticas, porque do autor, o pensamento de um grupo de intelectuais
estas defendiam os aliados. brasileiros que:
b) criou condições favoráveis para os aliados na a) se entusiasmavam pelo heroísmo dos cidadãos
luta contra as forças nazi-fascistas, pois foi um de Londres e Madri, que souberam resistir brava-
fato histórico decisivo para a entrada dos Estados mente à agressão fascista.
Unidos da América na guerra. b) começavam a ser seduzidos pelo Comunismo,
c) contribuiu para o aumento do poderio estratégico ao final da Guerra, por estarem descontentes em
e militar dos alemães, haja vista o aniquilamento relação ao quadro político em vigor no País.
quase total das forças americanas e de seus alia- c) desenvolviam uma consciência pacifista ante o
dos no Leste Europeu. risco de uma guerra nuclear que poderia decorrer
d) marcou a derrota final dos países que faziam da polarização EUA/URSS.
parte da Tríplice Entente, tornando-se o símbo- d) torciam, em meio à guerra civil russa, pela vitó-
lo da restauração da democracia e do liberalismo ria dos democratas, que lutavam pelo restabele-
em toda a Europa. cimento da liberdade.
→ DL/CF/SP/H1/H9/H11

124 Capítulo 4  A Segunda Guerra Mundial

OH_V3_Book.indb 124 18/05/16 09:39


Capítulo

10
5 A Guerra Fria

DE OLHO nos

D
e um lado, elegantes e sofisticados espiões estaduniden- Conceitos
ses, britânicos e franceses. De outro, cruéis e rudes agentes
soviéticos. Os primeiros defendiam a liberdade. Os segun-
• Guerra Fria
dos eram a expressão do mal a ser combatido. Esse era o enredo • Áreas de influência
básico e recorrente dos filmes de espionagem que viraram moda • Bipolarização
no Ocidente dos anos 1960. • Descolonização
O cinema soviético também
criou seus heróis. Eles tinham a mis-
do como superpotências. Os acordos
assinados ao final do conflito con-
• Neorrealismo
são de proteger a ordem social igua- firmaram o declínio dos países da • Macarthismo
litária, existente nos países comunis-
tas, das ameaças que o capitalismo
Europa, abriram espaço para lutas
de descolonização na África, Ásia
• Sionismo
ocidental representava, com seus e Oceania – antes controladas, em • Pluripartidarismo
banqueiros e empresários ganancio-
sos e ferozes.
grande parte, por potências euro-
peias – e geraram um novo equilí-
• Queremismo
Nas telas da União Soviética, o brio mundial. Abria-se um tempo • Justicialismo
trabalhador era sempre o persona- de paz, mas uma paz armada, ins-
gem principal. Ele tinha emprego, tável, marcada pela ameaça ininter-
moradia, educação e alimentação, rupta de que uma nova guerra estou-
desconhecia as dificuldades sociais e rasse a qualquer momento. Uma paz
a miséria. Vivia num mundo de sere- que deixava a humanidade inquieta.
nidade e harmonia, desfrutava da Uma paz que era como uma guerra –
vida feliz que a coletivização da pro- uma Guerra Fria.
dução lhe proporcionava.
DMITRY KOSTYUKOV/AFP PHOTO
UNITED ARTISTS/LATINSTOCK

No Ocidente e na União Sovié-


tica, o cinema era empregado para
fazer propaganda do próprio sistema
e criar um clima de confiança e cer-
teza internas, ao mesmo tempo que
simbolizava a rivalidade entre dois
modelos distintos de organização
social e econômica: o capitalismo e
o socialismo. Nos dois lados, preva-
leciam imagens simplistas e mani-
queístas: o outro sempre representa-
va o mal.
Dos escombros e dos milhões
de mortos da Segunda Guerra Mun-
Cartaz do filme James Bond contra O operário e a camponesa,
dial, Estados Unidos e União Sovié-
Goldfinger, direção de Guy Hamilton, Vera Mukhina. Escultura, aço
tica haviam emergido e se consolida- Estados Unidos/Inglaterra, 1964. inoxidável, 25m, 1935-1937.

125

OH_V3_Book.indb 125 18/05/16 09:39


1 Estados Unidos e União
Soviética: a bipolarização

D
urante a Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União Sovié-
tica haviam demonstrado seu poderio militar. Os soviéticos, amar-
gando milhões de mortos, contiveram as tropas alemãs, derrota-
ram-nas em Moscou e em Stalingrado e avançaram, por terra, até Berlim.
Os estadunidenses auxiliaram os britânicos e a Resistência francesa a afas-
tar os nazistas de Paris, lideraram a libertação da Itália, venceram a guer-
ra no Pacífico e, ao final dela, exibiram seu domínio da tecnologia nuclear,
ao explodir duas devastadoras bombas atômicas no Japão. As tropas sovié-
ticas haviam ocupado o Leste da Europa; os estadunidenses impunham-se
sobre o Ocidente europeu.
A aliança entre Estados Unidos e União Soviética, durante o conflito,
fora circunstancial, fruto da existência de um inimigo comum. Com o final
da guerra, as profundas diferenças ideológicas voltaram à cena. Além disso,
o trabalho de reconstrução interna na Europa do pós-guerra afetou a pre-
sença das potências do continente em outras partes do mundo, provocou
o declínio de seus impérios coloniais e ampliou o espaço de interferência
estadunidense e soviética. As duas superpotências ofereceram recursos para
auxiliar a retomada econômica europeia e para a reorganização dos recursos
militares do continente.
Estados Unidos e União Soviética mantinham sistemas econômicos dife-
rentes: capitalismo e comunismo, respectivamen-
Bettmann/Corbis

te. Para os dois lados, no entanto, defender seus


interesses e suas convicções dependia da expan-
são da influência política e econômica sobre o
mundo e da constituição de um amplo apara-
to bélico – para defesa e eventual ataque. Só que
as armas haviam evoluído muito. No caso de uma
guerra aberta entre as superpotências, a nova tec-
nologia militar, baseada no emprego de armamen-
tos nucleares, não destruiria apenas o inimigo:
destruiria o planeta. O expansionismo estaduni-
dense e soviético, por isso, devia seguir algumas
regras não ditas ou escritas, mas bastante claras:
jamais atacar diretamente o adversário, buscar
áreas de influência que não estivessem sob o con-
trole do outro, estimular guerras locais e limita-
das, em países da África, América Latina ou Ásia,
nas quais se poderia atuar de maneira disfarçada
e que ajudassem a consumir a imensa produção
de armamentos que as fábricas das superpotên-
cias geravam. Em suma, fazer a guerra de forma
enviesada, ampliar a hegemonia sem provocar a
Muro de Berlim (construído em agosto de 1961), no trecho próximo
ao portão de Brandemburgo, 1962. terceira – e talvez última – guerra mundial.

126 Capítulo 5  A Guerra Fria

OH_V3_Book.indb 126 18/05/16 09:39


Em março de 1947, o presidente dos Estados Unidos
Os blocos da Guerra Fria Harry Truman (1884-1972) anunciou um plano de ajuda
A discussão sobre o mundo do pós-guerra começou bem a países mediterrânicos que poderiam cair sob influên-
antes de a guerra acabar. No final de 1943, Franklin Roo- cia soviética. Chamada de Doutrina Truman, voltou-se
sevelt, Winston Churchill e Josef Stálin reuniram-se em inicialmente à Grécia e à Turquia e incluía investimentos
Teerã (Irã), discutiram estratégias contra o Eixo e os pos- financeiros e presença militar direta. Três meses depois,
síveis rumos políticos do planeta. Um novo encontro, em o secretário de Estado, George Marshall, divulgou outro
fevereiro de 1945, quando a guerra já se encaminhava plano de auxilio à Europa (Plano Marshall), destinado
para o fim, ocorreu em Ialta (União Soviética) e avançou o a diversos países – entre eles, Itália e Alemanha Ociden-
debate sobre a futura ordem mundial. Foi na Conferência tal – e que reunia apoio militar, tecnológico, financeiro
de Potsdam (Alemanha), realizada na segunda quinzena e logístico.
de julho daquele ano, que as primeiras decisões concre- Stálin reagiu ao Plano Marshall, reforçando sua pre-
tas foram tomadas: os criminosos de guerra seriam julga- sença no Leste europeu e ampliando a parceria comer-
dos por um tribunal internacional, as áreas anexadas pela cial com os países da região: em 1947, criou o Cominform
Alemanha após 1937 seriam devolvidas, os países derrota- (Escritório de Informação Comunista), que articulava os
dos deveriam pagar indenização aos vitoriosos, a Alema-
partidos comunistas e os submetia ao controle estrito do
nha seria dividida em quatro zonas de ocupação (britâni-
PC soviético, e, em 1949, liderou a formação do Comecon
ca, francesa, estadunidense e soviética).
(Conselho para Assistência Econômica Mútua), que reu-
Nos anos seguintes, os países ocidentais unifica-
nia Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia e Tchecoslová-
ram suas zonas de ocupação e, nelas, nasceu a Repúbli-
quia. Nos meses seguintes, Alemanha Oriental e Albânia
ca Federal da Alemanha (também conhecida como Ale-
também ingressaram no bloco.
manha Ocidental). Na zona soviética, nascia a República
Os países aliados também se alinharam militar, mas
Democrática da Alemã (ou Alemanha Oriental). Parte
separadamente: em 1949, surgiu a OTAN (Organização do
das tropas aliadas permaneceram em território alemão
Tratado do Atlântico Norte), liderada pelos Estados Unidos
ocidental e forças soviéticas mantiveram suas posições
e, em 1955, o Pacto de Varsóvia, sob liderança soviética.
na parcela oriental. O mundo começava a assistir, na
prática, ao novo confronto, que tinha a Alemanha divi- O Muro de Berlim
dida como vitrine. Os acordos de paz haviam determinado a divisão de Ber-
Um dos primeiros a anunciar a nova guerra foi lim entre soviéticos e ocidentais. A cidade, com suas duas
Churchill, num famoso discurso de março de 1946, pou- metades, situava-se territorialmente dentro da zona de
cos meses depois de ter deixado o cargo de primeiro-
ocupação soviética. Para o Ocidente, Berlim Ocidental
-ministro britânico. Na mesma fala, Churchill também
era uma vitrine, no meio do comunismo, das facilidades
empregou, pela primeira vez, uma expressão que se tor-
e conquistas do mundo capitalista. Investimentos na cida-
nou comum nos anos da Guerra Fria: segundo ele, Stá-
de permitiram sua rápida reconstrução e modernização,
lin dividira a Europa com uma "cortina de ferro".
com a instalação de sistemas avançados de transportes e
"Uma sombra desceu sobre o cenário até bem comunicações, amplo comércio e vida cultural intensa.
pouco iluminado pela vitória aliada. Ninguém sabe Para os soviéticos, a cidade representava um pro-
o que a Rússia Soviética e sua organização comunis- blema: ela fascinava moradores do bloco comunista a
ta internacional pretendem fazer no futuro imedia- passarem para o "outro lado", facilitava o ingresso de
to, ou quais os limites, se os há, de suas tendências
espiões ocidentais na zona de influência soviética, per-
expansionistas [...] De Stettin no Báltico até Trieste,
mitia fácil contrabando de mercadorias e capitais. Em
no Adriático, uma cortina de ferro foi baixada através
junho de 1948, as autoridades soviéticas bloquearam as
do Continente Europeu [...]. Quaisquer que sejam as
conclusões que possamos tirar desses fatos – e fatos
vias de acesso terrestres à antiga capital alemã. Durante
realmente o são – sem dúvida não estará entre elas quase um ano, França, Grã-Bretanha e Estados Unidos só
a de que essa é a Europa libertada que lutamos para mantiveram conexão aérea com a cidade.
conseguir. Nem que nela se encerrem os elementos Treze anos depois, a separação foi mais drástica: a
essenciais de uma paz permanente." União Soviética determinou a construção de um muro
MAGNOLI, Demétrio. Da guerra fria à détente. (45 km de extensão, mais de 3 metros de altura) isolan-
Campinas: Papirus, 1988. p. 13-14 do a parcela oriental de Berlim de sua parte ocidental.

Estados Unidos e União Soviética: a bipolarização 127

OH_V3_Book.indb 127 18/05/16 09:39


O muro tinha gradeamento metálico, redes eletrificadas
e mais de trezentas torres de observação. Cães de guar-
Tá na rede!
da auxiliavam o patrulhamento, que pretendia impedir
Revolução chinesa
as fugas – estima-se que, entre 1945 e 1961, mais de 3,5
milhões de pessoas tenham passado para o Ocidente. Digite o endereço abaixo na
O Muro de Berlim tornou-se o maior símbolo da Guer- barra do navegador de internet:
ra Fria. Para os soviéticos, era uma forma de proteger seu http://goo.gl/V1c2ou. Você pode
sistema; para os ocidentais, a explicitação da falta de liber- também tirar uma foto com um
O site disponibiliza
dade que prevalecia nos países sob o comunismo. aplicativo de QrCode para saber coleção de fotogra-
mais sobre o assunto. Acesso fias do período pré-
em: 30 abr. 2016. Em inglês. -revolução na China
A Revolução Chinesa (1870-1946).

A China havia ficado de fora dos acordos de paz da Segun-


da Guerra. Internamente, o país vivia tensões políticas e
sociais desde o princípio do século XX.
Em 1912, o imperador Pu-Yi, de cinco anos de idade, Macarthismo
abdicou. Implementou-se a república, marcada pelo con- As disputas entre Estados Unidos e União Soviética
flito entre nacionalistas e comunistas, intensificado após envolviam amplos aparatos de espionagem e a atua-
a Revolução Russa. Em 1925, apoiado por potências euro- ção ininterrupta de polícias secretas e serviços de inte-
peias, o general Chiang Kai-shek (1887-1975) assumiu o ligência – a CIA estadunidense e a KGB soviética – que
poder e promoveu a repressão contra a esquerda. No Sul, buscavam informações e perseguiam inimigos no exte-
Mao Tsé-tung (1893-1976) organizou os camponeses para rior. A repressão aos inimigos políticos e ideológicos
resistir às perseguições. O embate entre ambos desenca- também ocorria dentro dos países. Na União Soviéti-
deou, nos anos 1930, uma violenta guerra civil. Pressio- ca, a acusação de ser aliado dos interesses ocidentais
nados pelas tropas governamentais, as forças de Mao des- podia representar anos de prisão, trabalhos forçados ou
locaram-se na direção do Norte e, ao longo de um ano, a morte.
percorreram quase 10 mil quilômetros. Era a Grande Mar- Nos Estados Unidos, também aconteceram perse-
cha, que custou a vida de milhares de pessoas e expandiu guições duras. No princípio dos anos 1950, após um
a influência militar e política de Mao, que implantava pro- longo e complexo processo judicial, o casal Ethel e
gramas de distribuição de terras nas regiões controladas. Julius Rosenberg foram condenados e executados sob a
Após 1945, Kai-shek recebeu ajuda estadunidense. acusação de terem passado, aos soviéticos, informações
Mesmo assim, no início de 1949, os comunistas ocuparam secretas sobre o desenvolvimento da bomba atômica. O
Pequim. Kai-shek e os nacionalistas fugiram para a ilha caso dividiu os estadunidenses e estimulou o senador
de Formosa (Taiwan) e lá fundaram a República da China Joseph McCarthy (1908-1957) a iniciar uma dura cam-
(ou China nacionalista), um regime pró-Ocidente. No con- panha contra o comunismo dentro dos Estados Uni-
tinente, em outubro do mesmo ano, foi criada a República dos. Segundo ele, a imprensa, o mundo das artes e até
Popular da China, a China comunista. a administração pública sofriam infiltração de comunis-
Guerra da Coreia tas. Para combater o "perigo vermelho", ele estimulava
a delação de qualquer atividade de esquerda e liderou,
A derrota na Segunda Guerra fez com que o Japão se reti-
no Congresso, diversos inquéritos contra pessoas acusa-
rasse do território da Coreia, que os japoneses controla-
das de terem simpatias ou vínculos esquerdistas.
vam desde o início do século XX. As negociações de paz
Entre os suspeitos do macarthismo , estavam
determinaram a divisão da Coreia em duas partes, deli-
nomes como o do físico Albert Einstein, os cineastas
mitadas pelo paralelo 38 norte. Ao norte, foi implanta-
do um regime comunista; ao sul, um regime capitalista. Charlie Chaplin e Orson Welles, os escritores Dashiell
Em 1950, os norte-coreanos, apoiados por Mao Tsé-tung, Hammett, Arthur Miller e Dorothy Parker. No cinema
invadiram a Coreia do Sul. Estados Unidos e Grã-Bretanha e no teatro, circulavam "listas negras" de profissionais
interferiram. A guerra durou três anos, com um saldo de que não deveriam ser contratados, por estarem sujeitos
três milhões e meio de mortos e as Coreias continuaram a investigações ou suspeitas do FBI (Agência Federal de
divididas. Até hoje, os dois países não assinaram nenhum Investigações), dirigido pelo poderoso anticomunista J.
acordo de paz e as tensões entre os dois países persistem. Edgar Hoover (1895-1972).

128 Capítulo 5  A Guerra Fria

OH_V3_Book.indb 128 18/05/16 09:39


História E Geopolítica>> A
 bipolarização
"O que é conhecido como 'Guerra Fria' é a fratura huma- ta industrial', o que nos é dado com esses moinhos satâ-
na central, o polo absoluto de poder, o apoio em torno nicos que agora estão em funcionamento, moendo os
do qual gira o poder no mundo. É o campo de força meios do extermínio humano? Já cheguei outras vezes
que engendra exércitos, diplomacias e ideologias, que a esse ponto do raciocínio, mas desviava os olhos por
impõe relações interdependentes aos poderes menores desespero. Agora, quando o encaro diretamente, sei que
e exporta armas e militarismo para a periferia. [...] a categoria de que precisamos é a do 'exterminismo'."
JH9_cap
JH9_cap9_pg
Se 'o moinho 169_paises
manual
9_pg socialitas e
nos dá umasocialitas
169_paises capitalistas
sociedade com o senhor em
e capitalistas 1955_1960
em 1955_1960
THOMPSON, Edward P. Exterminismo e guerra fria.
feudal; o moinho a vapor, uma sociedade com o capitalis- São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 19-21.

MÁRIO YOSHIDA
PAÍSES SOCIALISTAS E CAPITALISTAS (1955-1960)

OCEANO
OCEANO
PACÍFICO
PACÍFICO

OCEANO OCEANO
OCEANO
PACÍFICO OCEANO
PACÍFICO ATLÂNTICO
ATLÂNTICO

OCEANO
OCEANO
ÍNDICO
ÍNDICO

ESCALA
0 2300ESCALA
4600 km
0 2300 4600 km

OTAN (Organização do Países sob influência Pacto de Varsóvia Outros países aliados
TratadoOTAN
do Atlântico Norte)do
(Organização dos Estados
PaísesUnidos
sob influência Pacto de Varsóvia à UniãoOutros
Soviética
países aliados
Países Tratado do Atlântico Norte)
aliados dos dos Estados Unidos Países socialistas à União Soviética
Colônias europeias Países não alinhados
EstadosPaíses
Unidosaliados dos Colônias europeias aliadosPaíses
à União Soviética
socialistas Países não alinhados
Estados Unidos aliados à União Soviética
Fonte: Elaborado com base em BLACK, J. (Org.). World history atlas. London: Dorling Kindersley, 2008; JOLLY, J. L'Afrique et
son environnement européen et asiatique. Paris: L'harmattan, 2008.

articularia aos seus interesses pelo papel da União Sovié-


A criação do Estado de Israel tica na Segunda Guerra, pela forte presença de judeus de
A Palestina tornou-se um dos principais cenários para a origem russa na Palestina e pela feição de esquerda que a
ação dos governos dos Estados Unidos e da União Sovié- sociedade israelense parecia ter estabelecido.
tica durante a Guerra Fria. Em desacordo com as resoluções da ONU, países ára-
As revelações acerca do holocausto judaico promo- bes e entidades palestinas organizaram um exército de
vido pelos nazistas durante a Segunda Guerra sensi- libertação e iniciaram uma guerra que durou até janeiro
bilizaram a opinião pública internacional. Em 1948, a de 1949, vencida pelas forças de Israel.
Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas deli- Com o conflito, o Estado de Israel ampliou a área de
berou pela criação do Estado de Israel e do Estado Pales- seu território. Milhares de palestinos foram expulsos de
tino. Pelas resoluções da ONU, Jerusalém seria uma cida- suas terras e passaram a viver em campos de refugiados
de internacional. O governo dos Estados Unidos apoiou em países árabes, em condições precárias, ou então sob
a decisão, apostando que Israel se tornaria a ponta de a dominação de Israel. Em poucos anos, a continuida-
lança dos interesses ocidentais em uma região islâmica. de das migrações tornou o número de judeus superior
O governo de Josef Stálin avaliou que o Estado judaico se ao de palestinos.

Estados Unidos e União Soviética: a bipolarização 129

OH_V3_Book.indb 129 18/05/16 09:40


Em 1959, palestinos organizaram o grupo guerri- criação de um Estado judaico na região da Palestina. Para
lheiro Al Fatah ("reconquista", em árabe), dirigido por seus integrantes, tratava-se de um retorno à pátria, o retor-
Iasser Arafat. Junto a outras organizações guerrilheiras, no de um "povo sem terra a uma terra sem povo".
o Al Fatah desenvolvia ações terroristas contra o Esta- Um vigoroso movimento migratório começou a tomar
do de Israel. corpo, levando judeus de diversas partes do mundo a se
estabelecerem na Palestina. Terras eram compradas na
A Palestina região e formavam-se comunidades judaicas denomina-
Em 1964 foi criada a Organização para a Libertação da das kibutz ("agrupamento", em hebraico). Influenciados
Palestina (OLP), braço político dos palestinos. Três anos por ideias de esquerda, em tais comunidades não havia
depois, um novo confronto armado, denominado Guerra propriedade privada da terra, e os instrumentos de tra-
dos Seis Dias, opôs árabes e israelenses. Tropas do Egito, balho e a produção eram também coletivos. As decisões
da Síria e da Jordânia organizaram um ataque a Israel. eram tomadas pela comunidade, e os dirigentes, escolhi-
Com o apoio estadunidense, os israelenses saíram nova- dos democraticamente em assembleias.
mente vitoriosos, incorporando novas áreas ao seu territó- A migração judaica deu início à chamada ques-
rio: a península do Sinai e a faixa de Gaza (do Egito), a Cis- tão árabe-israelense, que se tornaria um dos maio-
jordânia (da Jordânia) e as colinas de Golã (da Síria). Em res problemas contemporâneos. A região não era uma
1969, Arafat tornou-se o líder máximo da OLP. terra sem povo. Era habitada por árabes e palestinos. Os
Em 1973, Egito e Síria desencadearam a Guerra do palestinos, na sua maioria, eram camponeses e nôma-
Yom Kipur, iniciada durante uma celebração religiosa des de religião muçulmana. A região fazia parte do
judaica, o Dia do Perdão. Novamente com auxílio dos Império Otomano até o final da Primeira Guerra Mun-
Estados Unidos, os israelenses impuseram uma nova dial. A partir de 1918, passou ao controle da Inglaterra.
derrota aos países árabes. Os conflitos entre palestinos e judeus iniciaram-se
Ao longo dos anos, os governos israelenses prova- na década de 1920 e intensificaram-se nos anos seguin-
ram que a aposta estadunidense estava correta. À União tes, sobretudo com a perseguição aos judeus que os nazis-
Soviética restou o apoio a governos árabes e a grupos tas promoveram a partir de 1933. A migração aumenta-
palestinos a partir da década de 1950. va, e com ela, os conflitos armados. Atentados terroristas
eram promovidos por grupos paramilitares judaicos como
O sionismo o Haganá e o Irgun. Ataques militares e atentados terroris-
Na esteira dos muitos movimentos nacionalistas surgidos tas eram organizados por grupos palestinos.
na passagem do século XIX para o século XX, desenvol- Em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial,
veu-se o sionismo. Tendo como referência o monte Sion, um terço da população da Palestina era constituído por
em Jerusalém, e escritos bíblicos, o sionismo defendia a judeus, que detinham 12% das terras da região.
JH9_cap12_pg236-237e
JH9_cap12_pg236-237c JH9_cap12_pg236-237d
MÁRIO YOSHIDA

MÁRIO YOSHIDA

MÁRIO YOSHIDA
PLANO DA ONU PARA A FRONTEIRAS DO ESTADO PALESTINA APÓS A GUERRA
PARTILHA DA PALESTINA (1947) DE ISRAEL (1949) DOS SEIS DIAS (1967)
LÍBANO LÍBANO
LÍBANO
SÍRIA SÍRIA

L. L.
SÍRIA
Tiberíades T
Tiberíades Mar GOLAN
Mediterrâneo
Rio Jordão
Rio Jordão

Rio Jordão

Mar CISJORDÂNIA
Mediterrâneo Mar
PALESTINA PALESTINA
Mediterrâneo
TRANSJORDÂNIA

Jerusalém Mar
TRANSJORDÂNIA

Jerusalém Jerusalém FAIXA DE Morto


Mar Mar GAZA
Morto Morto
ISRAEL
JORDÂNIA

EGITO
SINAI

EGITO Elat
Fronteiras da Palestina
sob mandato britânico
até 15 de maio de 1948 Israel 1949-1967
Estado de Israel após os
Estado judeu armistícios de 1945 Ocupação militar israelense
(junho de 1967)
Estado árabe Estado árabe EGITO
ESCALA Jerusalém ocupada
Zona internacional
0 75 km Outros estados árabes Campos de refugiados
Outros estados árabes palestinos

Fonte: Elaborados com base em KINDER, H.; HILGEMANN, W. Atlas histórico mundial. Madrid: Istmo, 2007.

130 Capítulo 5  A Guerra Fria

OH_V3_Book.indb 130 18/05/16 09:40


mento nomeado pan-arabismo. Foram nacionalizados
O Egito e a nacionalização bens de empresas, e proprietários britânicos, franceses e
do Canal de Suez judeus egípcios foram forçados a deixar o país. As tensões
no Oriente Médio iriam se acumular por muitas décadas.
Em 1854 foi fundada a Companhia Universal do Canal
Marítimo do Suez. Durante 99 anos, a empresa recebeu Faça
a concessão do canal que permitiria a travessia maríti- Tá ligado?! em se
cadernu
o
ma entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho. Projetavam-
(Enem) Em 1947, a Organização das Nações Unidas
-se lucros altíssimos com sua utilização, uma vez que a
(ONU) aprovou um plano de partilha da Palestina que
distância a ser navegada entre a Europa e o Oriente teria previa a criação de dois Estados: um judeu e outro
uma imensa redução. Os lucros dessa empresa de ori- palestino. A recusa árabe em aceitar a decisão conduziu
gem francesa com participação de egípcios seriam divi- ao primeiro conflito entre Israel e países árabes.
didos da seguinte maneira: 85% para a empresa e seus A segunda guerra (Suez, 1956) decorreu da decisão
fundadores e 15% para o governo do Egito. egípcia de nacionalizar o canal, ato que atingia
A construção do canal transcorreu entre 1859 e 1869. interesses anglo-franceses e israelenses. Vitorioso,
Em 1875, o governo britânico comprou a maioria das Israel passou a controlar a Península do Sinai. O terceiro
conflito árabe-israelense (1967) ficou conhecido como
ações da empresa, aproveitando-se da grave crise econô-
Guerra dos Seis Dias, tal a rapidez da vitória de Israel.
mica egípcia e da instabilidade política francesa nos pri-
Em 6 de outubro de 1973, quando os judeus
meiros anos da III República, após a Comuna de Paris comemoravam o Yom Kippur (Dia do Perdão),
(1871). Em 1882, a Inglaterra estabeleceu tropas militares forças egípcias e sírias atacaram de surpresa Israel,
ao longo do canal para "proteger seus interesses". que revidou de forma arrasadora. A intervenção
Após a Primeira Guerra, o Egito tornava-se indepen- americano-soviética impôs o cessar-fogo, concluído
dente, porém, controlado militarmente pela Inglaterra. em 22 de outubro.
A presença britânica foi reforçada por acordos que, em A partir do texto acima, assinale a opção correta.
1933, estabeleceram uma aliança militar por vinte anos. a) A primeira guerra árabe-israelense foi
Em 1952, um golpe de Estado instituiu a república determinada pela ação bélica de tradicionais
potências europeias no Oriente Médio.
no Egito. Gamal Abdel Nasser, presidente entre 1954 e
b) Na segunda metade dos anos 1960, quando
1970, promoveu a aproximação política do Egito com a
explodiu a terceira guerra árabe-israelense,
União Soviética e anunciou a nacionalização da empre- Israel obteve rápida vitória.
sa controladora do Canal de Suez, em 1956, e a proibi-
c) A guerra do Yom Kippur ocorreu no momento em
ção do trânsito de navios israelenses. que, a partir de decisão da ONU, foi oficialmente
Em represália, os governos de Israel, França e Ingla- instalado o Estado de Israel.
terra organizaram uma ação armada no território egíp- d) A ação dos governos de Washington e de Moscou
cio e promoveram a deposição de Nasser. Diante das foi decisiva para o cessar-fogo que pôs fim ao
ameaças de intervenção do governo soviético, as for- primeiro conflito árabe-israelense.
ças invasoras recuaram. As tropas britânicas deixaram e) Apesar das sucessivas vitórias militares, Israel
o Egito e Nasser foi reconduzido ao poder. O governo dos mantém suas dimensões territoriais tal como
Estados Unidos, receoso de um confronto com a União estabelecido pela resolução de 1947 aprovada
pela ONU.
Soviética, condenou a intervenção militar.
Fortalecido após tais acontecimentos, Nasser tornou- → DL/CF/SP/H1/H7/H8
-se um dos principais líderes do mundo árabe e do movi- → conforme tabelas das páginas 8 e 9.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 O que foi a Guerra Fria? → DL/SP/SP/H7/H8 4 Quais foram os interesses políticos e as condições
2 Cite algumas estratégicas e organismos criados e históricas que levaram à criação do Estado de Israel
utilizados durante a Guerra Fria. → DL/CF/SP/CA/H7/H8 em 1948? → DL/SP/H7/H9/H21
3 Qual foi a importância e o significado do Muro 5 Quais as características do sionismo? → DL/SP/H9
Berlim? → DL/CF/SP/H7/H9/H15

Estados Unidos e União Soviética: a bipolarização 131

OH_V3_Book.indb 131 18/05/16 09:40


2 O fim do
Estado Novo

A
participação do Brasil na guerra, ao lado das forças antifascistas,
expôs as contradições do regime brasileiro. Apesar da forte influên-
cia fascista, o Brasil lutava contra os Estados autoritários europeus,
ao lado de países democráticos e da Rússia comunista. A Força Expedicio-
nária Brasileira (FEB), com cerca de 25 mil homens, combateu de 1944 a
1945. Curiosamente, o envio dos contingentes militares ocorreu por inicia-
tiva do governo brasileiro, contra a vontade dos governos dos Estados Uni-
dos e da Inglaterra.
A guerra era o último esteio do regime autoritário do Estado Novo. Com
o avanço das forças aliadas a partir de 1943, Vargas comprometeu-se a con-
vocar eleições gerais ao final dos conflitos militares. Pelo rádio, milhões de
brasileiros acompanhavam os noticiários das frentes de batalha: a resistên-
cia heroica de Stalingrado (atual Volgogrado), o desembarque na Norman-
dia, a campanha da Itália e, finalmente, a tomada de Berlim pelos soviéti-
cos. Uma verdadeira aula de Geografia. E de Política.
Manifestações de apoio à participação do Brasil na guerra foram,
pouco a pouco, tomando a feição de contestações à ditadura getulista. Em
24 de outubro de 1943, no aniversário de 13 anos da Revolução de 1930,
representantes ilustres da oligarquia de Minas Gerais lançaram o Manifes-
to dos Mineiros, defendendo o estabelecimento da normalidade democráti-
ca no país.
No mesmo ano, estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Fran-
cisco (USP), em São Paulo, organizaram uma passeata duramente reprimi-
da pela polícia e que resultou na morte de dois jovens. Apesar da repressão,
a União Nacional dos Estudantes (UNE) levantava-se em todo o país contra
a ditadura. Pouco a pouco a oposição encontrava brechas para se manifes-
tar e a imprensa escapava ao controle da censura.
A campanha pelo fim da ditadura ganhava as ruas. Intelectuais,
artistas, estudantes, advogados e jornalistas engrossavam as fileiras dos
defensores da democracia. Em janeiro de 1945, no 1.º Con-
Acervo Iconographia

gresso Brasileiro de Escritores, foi lançado um manifesto que


defendia a plena legalidade democrática e a mais ampla liber-
dade de expressão. Pouco a pouco, até mesmo os representan-
tes mais conservadores do governo, como o general Góis Mon-
teiro, pronunciavam-se a favor das eleições. A ditadura tinha
seus dias contados.
A direção do processo de democratização do país seria
alvo de intensas disputas. O enfraquecimento do prestígio
pessoal de Vargas e a iminente reabertura do Poder Legislati-
vo indicavam uma nova correlação de forças políticas. O Esta-
do populista teria de se adaptar à democracia representativa,
Manifestação de protesto contra Getúlio Vargas em e os compromissos entre os diversos grupos sociais teriam de
São Paulo, março de 1945. ser atualizados.

132 Capítulo 5  A Guerra Fria

OH_V3_Book.indb 132 18/05/16 09:40


Com o poder adquirido ao longo do Estado Novo e o zação e o poder do Exército estadunidense e já demons-
prestígio da guerra, alguns militares não aceitariam mais travam seu descontentamento em apoiar uma ditadu-
a posição de coadjuvantes no processo político nacional. ra personalista como a de Getúlio Vargas. Entre o final
Desde 1930 as Forças Armadas ganharam coesão, recur- de 1944 e o início de 1945, dois militares lançaram suas
sos e efetivos militares. Nos anos da Segunda Guerra, candidaturas à presidência da República: o major-briga-
muitos oficiais haviam se impressionado com a organi- deiro Eduardo Gomes e o general Eurico Gaspar Dutra.

Política de massas
"[...] Por força da clássica antecipação das 'elites', as pretação legítima dos interesses populares. Em todas
massas populares permaneceram neste período (e per- as crises, desde 1945, a intervenção do povo apare-
manecem ainda nos dias atuais) o parceiro-fantasma no ceu como possibilidade, mas o jogo dos parceiros reais
jogo político. Foram a grande força que nunca chegou consistiu em avaliar, tacitamente, a importância desta
a participar diretamente dos grandes embates, sempre intervenção e em blefar sobre este cálculo."
resolvidos entre os quadros políticos dos grupos domi- WEFFORT, F. O populismo na política brasileira. 4. ed.
nantes, alguns dos quais reivindicando para si a inter- Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. p. 15.

A+ COMUNICAÇÃO
PARTIDOS POLÍTICOS: 1945-1965

Integralistas PRP
As siglas
ED Esquerda PL
Democrática Partidos
MTR Movimento Trabalhista republicanos PR
estaduais
Renovador
PAN Partido Agrário Nacional Grupos
PCB Partido Comunista
Brasileiro
católicos
anti-Getúlio
PDC
1965
PRP
PCdoB Partido Comunista do Brasil
Grupos PPS PSP
PDC Partido Democrata Cristão anti-Getúlio
PL Partido Libertador PAN Extinção
PPB Partido Proletário Brasileiro – Oligarquias de todos
PPS Partido Popular Sindicalista getulistas os partidos
– Burocratas do PSD
PRD Partido Republicano políticos
Estado Novo
Democrático
– Ex-interventores
PRP Partido de
O DO
L, BRASIL

Representação Popular – Oligarquias


O PÚBLIC

(integralistas) anti-Getúlio
FEDERA

– Partido UDN
PRP Partido Republicano
ARQUIV

constitucionalista
Progressista
DISTRITO

– Liberais
PRT Partido Republicano – Intelectuais
Trabalhista
Esquerda e ED PSB
PSB Partido Socialista Brasileiro intelectuais
PSD Partido Social Democrático anti-Getúlio PTN
MTR Em 27 de
PSP Partido Social Progressista outubro de 1965
PST Partido Social Trabalhista – Grupos pró-Getúlio PTB foi lançado o Ato
PTB Partido Trabalhista – Sindicalistas Institucional
Brasileiro n.º 2, que aboliu os
PPB PST
PTN Partido Trabalhista Nacional partidos políticos
PRD PRT existentes. Em 20 de
UDN União Democrática Nacional
novembro, pelo do
PCB (1922)* PCB Ato Complementar
n.º 4, o governo de
PC
(*) Cassado em 1947. Atuação do B Castelo Branco
clandestina a partir desta data. estabeleceria as
Ano de formação
Seus militantes candidataram-se normas para a
19
19

19
19

19

19
19

19

sob outras legendas: PRT, PTN, criação de novos


49
4

48
45

47

62
59

65
6

PSP, PTB, PSD e PST. partidos.

Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil. 3. ed. São Paulo: Scipione, 1994. p. 56.

O fim do Estado Novo 133

OH_V3_Book.indb 133 18/05/16 09:40


que, sob a influência das oligarquias e sob as pressões
A transição democrática estadunidenses, os grupos mais conservadores contro-
As forças políticas passaram a organizar seus partidos. lassem o poder. O PCB, apesar das perseguições sofridas,
Opositores oligárquicos, liberais, intelectuais e dissiden- seguia as orientações de Moscou para apoiar os gover-
tes do Estado Novo agruparam-se na União Democráti- nos que haviam lutado contra os regimes nazifascistas.
ca Nacional (UDN), em torno da candidatura de Eduardo Na avaliação de seus dirigentes, uma Constituinte com
Gomes. Do interior do governo Vargas surgiram dois parti- Getúlio traria mais avanços para a classe trabalhadora.
dos: o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Tra- A ambiguidade do ditador era contagiante. Enquanto
balhista Brasileiro (PTB). O PSD reunia representantes flertava com os comunistas, Vargas conduzia o proces-
oligárquicos próximos a Getúlio e membros da burocracia so eleitoral de maneira a interferir em seus resultados.
do Estado Novo. Oficialmente, seu candidato era o gene- Um ato político-administrativo serviu de pretexto
ral Dutra. O PTB tinha uma feição marcadamente urbana, para a articulação que envolveu todos os que temiam
agrupando dirigentes sindicais e representantes do Minis- a permanência de Getúlio na presidência da República.
tério do Trabalho. Getúlio Vargas foi escolhido presidente Em 29 de outubro de 1945, o ex-tenente João Alber-
dos dois partidos. Não era coincidência. to comunicou seu remanejamento da chefia da polí-
Em abril de 1945, Luís Carlos Prestes foi anistiado cia para a prefeitura do Distrito Federal. Não se tratava
pelo governo e deixou a prisão com centenas de outros de uma promoção. Desde agosto desse mesmo ano, ele
presos políticos. No mesmo mês, o governo brasileiro tentava impedir, sem sucesso, a realização de comícios
estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviéti- queremistas e reunia-se, com frequência, com militares
ca. Naquele ano, o Partido Comunista do Brasil (PCB) de alta patente interessados no afastamento de Vargas
passou a funcionar legalmente. da presidência da República. Para o seu lugar, Getúlio
No entanto, a transição democrática ainda era incer- nomeou seu irmão Benjamim Vargas, que sequer che-
ta. Desde o início das manifestações contra a ditadura, gou a exercer a estratégica função na capital do país.
em 1943, ocorreram diversos conflitos entre cidadãos e Horas depois do comunicado, liderados pelo general
forças policiais e prisões de lideranças políticas. Mesmo Góis Monteiro – colaborador de Vargas desde 1930 e seu
assim, Getúlio Vargas prometia a democracia e afirma- ministro da Guerra na ocasião –, os chefes das Forças
va que não concorreria à presidência nas eleições agora Armadas depuseram o presidente.
marcadas para dezembro de 1945. Mas suas declarações José Linhares, presidente do Supremo Tribunal,
eram recebidas com muita desconfiança. "Lembrai-vos assumiu a presidência da República em caráter provi-
de 37." Esse era o slogan da forte campanha oposicionis- sório. Manteve o calendário eleitoral e, assim, em 2 de
ta da UDN. Como naquela ocasião, temia-se um golpe dezembro de 1945, pouco mais de seis milhões de bra-
de Getúlio. A oposição tentaria antecipar-se ao ditador. sileiros participaram da tão esperada eleição, que resul-
tou na vitória de Eurico Gaspar Dutra.
Apesar de deposto e recolhido à sua fazenda de São
Queremismo Borja, no Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas seria ainda
Em meio às inseguranças que cercavam os preparativos por muito tempo o divisor de águas da política brasileira.
para as eleições, num comício no estádio do Pacaembu,
em São Paulo, Prestes surpreendeu a nação com um dis-
ACERVO ICONOGRAPHIA

curso em que defendia a permanência de Getúlio Vargas


na presidência até a elaboração de uma nova Constitui-
ção para o Brasil. "Constituinte com Getúlio", passou a ser
o lema dos comunistas recém-libertados das prisões do
Estado Novo. Na verdade, diante de seu relativo enfra-
quecimento junto aos grupos no poder (Exército e oli-
garquias) e ao fortalecimento da oposição, Vargas apro-
ximava-se do movimento popular. Novamente tentava
equilibrar-se no poder.
"Queremos Getúlio." Em pouco tempo, um amplo
movimento de massas passou a exigir a permanência de
Vargas na condução da transição democrática. Seus par- Manifestação "queremista" em frente ao Palácio da
ticipantes foram denominados queremistas. Temia-se Guanabara. Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1945.

134 Capítulo 5  A Guerra Fria

OH_V3_Book.indb 134 18/05/16 09:40


alfabetizados maiores de 18 anos, mantinha o impos-
O "Pai dos Pobres" to sindical obrigatório, reconhecia o direito de greve e
Marlene ou Emilinha Borba, Jânio ou Ademar de Barros, estipulava o mandato do presidente em cinco anos sem
Pelé ou Mané Garrincha. Acima de todos, Getúlio Vargas. direito a reeleição. Em linhas gerais, era bastante seme-
Fãs, eleitores e torcedores nutriam verdadeira vene- lhante à Constituição de 1934, também orientada pelos
ração por seus astros, fossem eles cantores, líderes polí- princípios liberais e democráticos.
ticos ou jogadores de futebol. As rivalidades, muitas A democracia recém-instaurada seria refém de
vezes alimentadas para despertar ainda maior atenção, ameaças de golpe por parte dos setores mais reacioná-
dividiam a opinião pública. Uma jogada de classe, um rios do jogo político nacional. Uma espécie de recurso
trejeito maroto ou uma frase de efeito rendiam horas de que visava compensar eventuais perdas eleitorais e con-
discussões intermináveis. Eram tempos das massas. cessões aos grupos populares.
Durante a democracia populista, de outubro de

A+ COMUNICAÇÃO
1945 a março de 1964, o Brasil teve quatro eleições ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS (1945-1960) (em %)
presidenciais e dez presidentes, dos quais três foram
PSD e PTB
depostos, dois eram vice-presidentes, quatro assumi-
Os anos da democracia populista foram regidos
ram interinamente, um renunciou e outro suicidou-se
pelo arranjo político composto por Vargas ao final
no exercício do poder. Apenas dois completaram seus
do Estado Novo. Os representantes do PSD e do PTB
mandatos, apesar das corriqueiras ameaças de golpes
venceram três das eleições disputadas no período.
de Estado. Destes dois, apenas um era civil.
Foi sempre a mão de Getúlio, ou a sua sombra, que
Em tal oceano de instabilidade, os governantes decidiu os destinos políticos do país.
populistas tiveram que navegar aproveitando-se ou des- Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek e
viando-se das correntezas das pressões sociais dos gru- Jango (João Goulart) estiveram vinculados aos parti-
pos dominantes e dos setores populares. A incorporação dos varguistas. De certo modo, tal articulação só se
das massas urbanas ao processo político, agora também encerrou com o golpe militar de 1964 e a derrubada
por meio do voto, realizava-se pela intermediação dos de João Goulart.
líderes populistas. Timoneiros que diziam conhecer os Yedo Fiúza 0,1 Rolim Teles
PCB PAN
problemas das classes desfavorecidas e prometiam solu- 9,9
Eduardo Gomes
cioná-los, os líderes populistas eram obrigados a vencer UDN
verdadeiras tempestades sociais, decorrentes do acúmu- 35 1945 55 Eurico Gaspar Dutra
PSD/PTB
lo dos interesses divergentes represados por tantas déca-
das. Muitos naufragaram.
A continuidade com o período anterior é evidente. 0,1 João Mangabeira
CristianoMachado PSB
No plano político, o populismo apresentava-se democrá- PSD 21,5
tico, repleto de partidos e lideranças carismáticas, capazes
de arrastar multidões a seus comícios e pronunciamen- 1950 48,7 Getúlio Vargas
PTB/PSP
Eduardo Gomes 29,7
tos. A ausência de um setor hegemônico era compensa- UDN
da, mais uma vez, pelo papel de árbitro que o Estado tinha
Plínio Salgado
de desempenhar. No entanto, com o voto, a população PRP
podia influir na composição das elites políticas e nos des- Ademar de Barros
8
Juscelino Kubitschek
PSP PSD/PTB
tinos do país. Em termos econômicos buscava-se o desen- 26 36
1955
volvimento nacional pela industrialização, orientada pelo
modelo de substituição de importações. Do ponto de vista 30

social, a crescente participação das classes trabalhadoras, Juarez Távora


PDC/UDN
a urbanização e as crises periódicas ampliaram as deman- Ademar de Barros
PSP
das e as reivindicações trabalhistas. No conjunto, a socie- 19

dade brasileira experimentou um período de intensa poli- 1960 48 Jânio Quadros


Teixeira Lott PTN/PDC/UDN
tização e mobilização, ainda sob a tutela do Estado. PSD/PTB/PSB 33
A Constituição aprovada em setembro de 1946
garantia a independência dos poderes (Executivo,
Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do
Legislativo e Judiciário), restringia o direito de voto aos Brasil. 3. ed. São Paulo: Scipione, 1994. p. 58.

O fim do Estado Novo 135

OH_V3_Book.indb 135 18/05/16 09:40


Eurico Gaspar Dutra Parlamentares comunistas
Apesar de ter ampla maioria parlamentar e caráter niti- Ao centro o senador Luís Carlos Prestes, à sua esquerda,
damente conservador, o governo Dutra (1946-1951) foi sentado, o deputado Carlos Marighella e, à sua direita, o
marcado pela instabilidade social e por altas taxas de senador Gregório Bezerra.

ACERVO ICONOGRAPHIA
crescimento econômico. Além da repressão aos comu-
nistas, ocorreram intervenções em sindicatos e prisões
de lideranças operárias. As greves e as manifestações
dos trabalhadores eram provocadas pelas perdas sala-
riais decorrentes da inflação do período pós-guerra. Em
lugar de elevar os salários, Dutra promoveu uma libera-
lização da economia, permitindo ampla entrada de pro-
dutos estadunidenses no mercado brasileiro. Por meio
da livre concorrência, os economistas do governo acre-
ditavam que ocorreria uma redução geral nos preços Integrantes da bancada do Partido Comunista do
praticados. Brasil (PCB). Assembleia Nacional Constituinte, Rio de
O alto índice de importações provocou uma enor- Janeiro, 1946.
me evasão de recursos acumulados durante a Segunda
Guerra, obrigando o governo a rever sua política econô-
mica liberal. Em 1947, foi estabelecido um sistema de
controle de importações e valorização da moeda nacio- Sucessão presidencial
nal, com o objetivo de estimular a produção para o mer- Do ponto de vista político, o governo Dutra foi melancó-
cado interno. No mesmo ano era anunciada a elabora- lico. Já no final de 1946, Vargas retirou o apoio concedi-
ção do Plano SALTE, que previa a aplicação de recursos do ao presidente e ocupou-se do fortalecimento do PTB,
públicos nas áreas de Saúde, Alimentação, Transpor- com vistas à sucessão presidencial. A partir da metade
tes e Energia. Por falta de investimentos, o plano foi um do mandato, a agenda política foi atropelada pela suces-
estrondoso fracasso. Ao mesmo tempo que os indicado- são. Vargas lançou-se candidato pelo PTB (o terceiro par-
res sociais eram negativos, principalmente pelas perdas tido do país em número de parlamentares), em aliança
salariais, a economia brasileira prosperava, registrando com o Partido Social Progressista (PSP), do governador
crescimento médio de 8% ao ano entre 1948 e 1951. paulista Ademar de Barros. Para a aliança ficara combi-
O primeiro governo brasileiro do pós-guerra con- nado que, uma vez eleito, Vargas apoiaria Ademar para
solidou o alinhamento do país com os Estados Unidos. sua sucessão. Era a união dos dois maiores líderes popu-
Aceitando a liderança internacional dos estaduniden- listas daquela época. O "pai dos pobres", símbolo da
ses, Dutra rompeu relações diplomáticas com a União nação durante o Estado Novo, e o "tocador de obras",
Soviética em 1947 e participou da onda anticomunista popularizado pela máxima "aos amigos tudo, aos inimigos
que se alastrava pela América Latina. a lei" e autodefinido pela expressão "rouba mas faz". Era
uma dupla e tanto.
O Partido Comunista Brasileiro O presidente Dutra recusou-se a apoiar Getúlio Var-
Com 14 deputados e um senador (Luís Carlos Prestes), gas e lançou a inexpressiva candidatura do mineiro Cris-
o PCB dispunha de uma aguerrida bancada no Congres- tiano Machado, pelo PSD. Pela UDN, que relutava em
so Constituinte de 1946. Entre seus representantes figu- participar das estratégias populistas, concorria nova-
ravam Jorge Amado, João Amazonas, Gregório Bezerra, mente o brigadeiro Eduardo Gomes. Em meio à campa-
Carlos Marighella e Maurício Grabois. Mas o período de nha, o brigadeiro declarou ser favorável à extinção do
legalidade durou pouco. Em 1947, o Tribunal Superior salário mínimo, uma medida que o tornou impopular.
Eleitoral cancelou o registro do PCB, baseado em denún-
cia de que se tratava de um partido controlado por Mos- Getulismo e Udenismo
cou, antidemocrático e subversivo. Seus parlamenta- As eleições de 1950 incendiaram o país. A marchinha
res perderam o mandato e suas sedes foram fechadas. de campanha de Vargas virou sucesso nacional: "Bota o
Recomeçava um longo período de clandestinidade para retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso
os comunistas. do velhinho faz a gente trabalhar".

136 Capítulo 5  A Guerra Fria

OH_V3_Book.indb 136 18/05/16 09:40


As palavras do extraordinário orador da UDN, o relativa autonomia, recusando-se a enviar tropas para a
deputado Carlos Lacerda, também fizeram sucesso: "O região. No início de 1953, o general Eisenhower assumiu
senhor Getúlio Vargas não deve ser candidato à presidên- a presidência dos Estados Unidos. Representante do con-
cia. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar servador Partido Republicano, sua eleição acompanhava
posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para o acirramento da Guerra Fria e trouxe alterações no tra-
impedi-lo de governar." tamento dispensado ao governo Vargas. Alegando neces-
sidade de contenção de gastos, o governo estadunidense
cortava uma série de financiamentos que deveriam ser
O Segundo Governo Vargas realizados no Brasil. De certa forma era uma retaliação
Eleito com 48,7% dos votos, Vargas teve sua posse con- pela não participação brasileira na Guerra da Coreia.
testada pela UDN, que alegava ser necessário uma vota-
ção superior a 50%. Grande parte do PSD abandonara Governo nacionalista
a candidatura de Cristiano Machado e aderira a Vargas. A partir desse momento ocorreu uma virada naciona-
Importantes jornais, como O Estado de S. Paulo, O Globo lista no país. O programa de desenvolvimento nacio-
e Tribuna da Imprensa, estampavam advertências e inti- nal, tão alardeado durante a campanha eleitoral, seria
midações contra o novo presidente. Apesar das amea- implementado nessa segunda fase do governo Vargas,
ças golpistas, Vargas tomou posse em janeiro de 1951. O que estava começando. A política econômica visava cla-
velho voltava ao poder, dessa vez, nos braços dos eleito- ramente à defesa das riquezas nacionais e a investimen-
res. Prometera à nação que a classe trabalhadora subiria tos em setores estratégicos, principalmente energia e
com ele as escadas do Palácio do Catete. siderurgia. Ao mesmo tempo, falava-se em combater a
O governo Vargas (1951-1954) pode ser dividido em inflação por meio de medidas rigorosas contra especula-
duas fases. Na primeira, de 1951 a 1953, procurou esta- dores e grupos empresariais que monopolizavam deter-
bilizar a economia, detendo a inflação e equilibrando as minados setores da economia.
finanças públicas. Com um ministério conservador, de A política nacionalista, apesar de apontar para a
nítida maioria do PSD e até um representante da UDN, independência e a soberania nacionais, via-se limi-
permitiu o aumento das importações como tentativa de tada pela conjuntura internacional. Ao contrário dos
diminuir as taxas inflacionárias que registraram 12% tempos da Segunda Guerra, não havia grandes mar-
em 1951, 13% em 1952 e 21% em 1953. Apesar disso, o gens de manobra nas negociações com os Estados
PIB (Produto Interno Bruto) continuou seu crescimen- Unidos, e um rompimento com a principal potência
to, que foi de 4,9% no ano de 1951 e de 7,3 % em 1952. capitalista seria uma aventura leviana. Por outro lado,
A adoção da receita liberal, que previa a diminui- para financiar o desenvolvimento do país era necessá-
ção da intervenção do Estado na economia, o corte de rio atrair capitais estrangeiros.
gastos públicos e a maior participação do capital estran- Mesmo assim, o governo manteve o crédito a seto-
geiro no mercado nacional foi, no entanto, passageira. res empresariais e passou a investir fortemente em
Além da inflação, o país esteve às voltas com um gigan- infraestrutura e energia, visando acelerar a industriali-
tesco déficit de 286 milhões de dólares na balança de zação do país. Em 1953 criou a Petrobras, empresa que
pagamentos em 1952, que provocou o esgotamento deteria o monopólio do refino e da exploração de petró-
das reservas financeiras e atrasos na quitação de dívi- leo, fundamental, no entender dos nacionalistas, para a
das. Em resumo, o Brasil precisava encontrar meios de soberania do Brasil. Esses gastos públicos, somados ao
atrair capitais estrangeiros e conter a fuga de divisas. aumento da circulação monetária no país, mantiveram
Em janeiro de 1952, o governo baixou um decreto que elevados os índices inflacionários.
limitava a remessa de lucros em 10% do que as empre- Ainda no mesmo ano, Vargas promoveu um verda-
sas estrangeiras obtivessem em suas atividades no país. deiro confisco nos lucros dos exportadores de café, reco-
Ainda nesse período, dois acontecimentos inter- lhendo uma parte de suas receitas para financiar outros
nacionais afetaram a economia brasileira. Em 1951, os setores da economia. Os cafeicultores mostraram-se
Estados Unidos envolveram-se na Guerra da Coreia, pro- desapontados. Após tantos anos de política de valo-
curando deter o avanço comunista no continente asiáti- rização do café, de investimentos e de compra e quei-
co (como vimos à p. 128). Apesar das insistentes pres- ma de estoques excedentes, acostumaram-se a sociali-
sões diplomáticas, o Brasil manteve uma posição de zar apenas as perdas, jamais os lucros. Uma política de

O fim do Estado Novo 137

OH_V3_Book.indb 137 18/05/16 09:40


elevação dos preços do café no mercado externo, num A crise política
contexto de aumento da procura do produto, provocou
Pressionado à direita pelos setores conservadores e à
fortes reações nos Estados Unidos, tornando ainda mais
esquerda pelo movimento operário, Vargas procura-
difíceis as relações entre os dois países.
va impor-se como árbitro dos conflitos sociais e con-
Enquanto isso, as greves operárias tornavam-
ciliar forças opostas e contraditórias, como já havia
-se cada vez mais frequentes em razão das profun-
feito por ocasião do Estado Novo. No entanto, com a
das perdas salariais. E os comunistas mantinham-se
democracia instaurada e sem a censura, a situação
na clandestinidade.
era mais complexa. Quando reprimia a ação de gre-
vistas, Vargas perdia apoio no interior do movimento
FOLHAPRESS

operário e fornecia argumentos aos comunistas, que


o acusavam de ser representante da burguesia e ins-
trumento do imperialismo estadunidense. Quando
tentava atender parcialmente às reivindicações dos
trabalhadores, provocava a ira dos udenistas (mem-
bros da UDN) e dos setores mais conservadores das
Forças Armadas.
A delicada situação exigia medidas drásticas. Var-
gas, que havia recorrido às massas urbanas para se ele-
ger, alterou, então, o perfil político de seu ministério.
Nomeou para a pasta do Trabalho João Goulart, jovem
político do PTB e fazendeiro do Rio Grande do Sul, que
logo se destacou como habilidoso negociador com a
classe operária. Para a oposição, no entanto, Jango,
como era conhecido, encarnava o radicalismo subver-
sivo. Permitindo a ação sindical dos comunistas e dia-
logando com o movimento operário, Jango firmou-se
como um líder muito próximo da classe trabalhadora.
Seus adversários acusavam-no de querer organizar uma
república sindicalista no país, atraindo o proletariado
com medidas demagógicas.
Campanha de Getúlio Vargas, São Paulo, 1950. Aumento do salário mínimo
Faça No início de 1954, Jango foi encarregado de estabelecer
Tá ligado?! em se
cadernu
o
um reajuste para o salário mínimo. Em meio a greves
operárias e manifestos de militares descontentes com os
(PUC-RS) O contexto político que levaria à crise do soldos, o ministro anunciou um aumento de 100%, jus-
segundo Governo Vargas e ao suicídio do presidente, tificando: "Não são os salários que elevam o custo de vida;
em 24 de agosto de 1954, estava relacionado com: pelo contrário, a alta do custo de vida é que exige salários
a) a campanha do Partido Comunista Brasileiro con- mais altos". Foi destituído no mesmo dia.
tra um Estado excessivamente liberal.
Apesar dos protestos da oposição, Vargas manteve o
b) a pressão dos sindicalistas pela aprovação da
aumento do salário mínimo, anunciando-o à classe tra-
Consolidação das Leis do Trabalho.
balhadora em 1.o de maio de 1954: "Como cidadãos, a
c) a oposição popular à criação da Petrobras.
vossa vontade pesará nas urnas. Como classe, podeis impri-
d) a mobilização geral contra o endividamento do mir ao vosso sufrágio a força decisória do número. Consti-
governo junto aos Estados.
tuís a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o
e) a oposição dos liberais da UDN e de Lacerda na governo".
imprensa.
Parecia que a classe operária subia as escadarias do
→ DL/SP/H15 Catete nos braços do presidente. Era o inverso. Vargas
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9. estava descendo.

138 Capítulo 5  A Guerra Fria

OH_V3_Book.indb 138 18/05/16 09:40


A essa altura a oposição a Getúlio era feroz e ampla. carta-testamento encontrada ao lado do corpo do presi-
Comunistas, militares anticomunistas, UDN, indus- dente. A dramaticidade do suicídio e a derradeira cena
triais, banqueiros, a maior parte da imprensa e, eviden- do grande espetáculo do líder populista resumiam-se
temente, o governo estadunidense. A direita, liderada claramente no seu último parágrafo:
por Carlos Lacerda, propunha a destituição de Vargas, a "Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei con-
reforma das instituições políticas e o combate ao popu- tra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aber-
lismo. Denunciava, seguidamente, casos de favoreci- to. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu
mento, empreguismo e corrupção. Segundo o líder ude- ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a
nista, o governo estava naufragando num verdadeiro minha morte. Nada receio. Serenamente dou o pri-
"mar de lama". meiro passo no caminho da eternidade e saio da vida
O elevado tom das críticas udenistas precipitou a para entrar na História."
tempestade. Na madrugada de 5 de agosto de 1954,
Carlos Lacerda sofreu um atentado na rua Tonelero,
no Rio de Janeiro. Mas o tiro atingiu e matou Rubens A oposição da UDN
Vaz, major da Aeronáutica que o acompanhava. A "A oposição exercida pela UDN era sustentada pela
oposição tinha agora uma vítima, um crime, a revolta maioria da imprensa, especialmente no Rio de
militar e toda a atenção do país voltada para os bom- Janeiro e São Paulo. O renomado O Estado de S. Paulo,
básticos pronunciamentos de Carlos Lacerda. Faltava por exemplo, era um feroz oponente de Vargas.
descobrir o criminoso. Duas organizações jornalísticas, de âmbito nacio-
nal, O Globo e os Diários Associados (o império de
Por iniciativa da Aeronáutica, foi montado um
Chateaubriand, que incluía O Jornal no Rio de Janeiro
esquema de investigação na base aérea do Galeão, no
e vários jornais no interior), também eram pilares
Rio de Janeiro. A República do Galeão , como ficou do antigetulismo. Desde a eleição de Getúlio, seus
conhecida a base durante o episódio, tornou-se o poder oponentes procuraram um tema sobre o qual basear
paralelo do país durante alguns dias. Preso o pistoleiro, toda a campanha oposicionista. Em 1953 concentra-
logo se chegou ao mandante do crime: Gregório Fortu- ram seu fogo na 'corrupção' que envolveu a fundação
nato, fiel servidor de Vargas, chefe da guarda presiden- do jornal pró-Getúlio, Última Hora.
cial, conhecido como Anjo Negro. Este, ao retornar à presidência em 1951, encon-
trou o grosso da imprensa contra ele. Não poderia
Pressões sobre Vargas contar com a boa vontade, ou mesmo apenas com
Diante da gravidade da situação, 27 generais assinaram uma cobertura imparcial, por parte da imprensa
um manifesto à nação, exigindo a renúncia do presiden- antigetulista. […] A fim de assegurar-se o apoio de
te. Nas ruas a indignação era visível no semblante da uma imprensa mais importante, Getúlio aprovou um
população. Na imprensa os ataques contra Getúlio eram empréstimo do Banco do Brasil a Samuel Wainer
incessantes. Nunca antes o mar das pressões populistas para que fosse fundada uma nova cadeia de jornais
que apoiasse o governo. O jornal Última Hora foi lan-
havia sido tão revolto.
çado, obteve sucesso e proporcionou um excelente
No momento de menor prestígio popular, no período rendimento a Wainer, que adquiriu prestígio nos cír-
ínfimo de sua trajetória política democrática, desacredita- culos governamentais. Wainer pagou o empréstimo,
do pela imensa maioria da nação brasileira, acuado pela mas os oponentes de Getúlio investiram sobre a tran-
ação da oposição e abandonado por inúmeros de seus sação tachando-a como exemplo do 'cínico' uso que
companheiros e seguidores, Vargas conseguiu reverter a fazia o governo do dinheiro público, em favor de seus
situação. Com um tiro no próprio peito, o presidente dei- partidários. Em junho de 1953 a UDN conseguiu for-
xava o governo, mas se mantinha vivo no poder. mar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para
apurar as transações do empréstimo de[a] Wainer ao
Anunciada sua morte, multidões de trabalhadores
[pelo] Banco do Brasil. O caso teve repercussão e for-
em fúria tomaram as ruas das principais cidades brasi-
neceu aos antigetulistas uma oportunidade de explo-
leiras. As sedes dos jornais, das emissoras de rádio e dos rar os receios da classe média sobre 'imoralidade' e
partidos oposicionistas foram depredadas. Queimaram- 'corrupção' existentes no governo, receios que eram
se bandeiras estadunidenses. Exemplares do jornal Últi- partilhados pelas classes armadas."
ma Hora, francamente getulista, circulavam de mão em SKIDMORE, T. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930-1954).
mão. Pelo rádio, repetia-se incessantemente o texto da 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992. p. 161-162.

O fim do Estado Novo 139

OH_V3_Book.indb 139 18/05/16 09:40


Programa do PCB, 1954
"1. O atual governo de latifundiários e grandes capi- a esperança de obter grandes lucros pela venda de maté-
talistas é um instrumento servil dos imperialistas dos rias-primas e gêneros alimentícios por preços exorbitan-
Estados Unidos. É por seu intermédio que os monopo- tes e de ganhar bilhões neste negócio sangrento.
listas norte-americanos saqueiam o Brasil e exploram Arrastar o Brasil à guerra, vendê-lo aos imperialis-
tas norte-americanos a fim de conservar o latifúndio e as
nosso povo.
sobrevivências feudais e escravistas na agricultura – eis
A política externa do atual governo é ostensivamente
o objetivo de toda a política do governo de latifundiários
ditada pelo Departamento de Estado, sendo a delegação
e grandes capitalistas. Esta política, que corresponde aos
brasileira na ONU mundialmente conhecida por sua atua-
interesses de uma minoria reacionária, choca-se irrecon-
ção subserviente ao governo norte-americano.
ciliavelmente com os interesses da maioria esmagadora
A pretexto da ajuda norte-americana ao desenvol-
da população, com os supremos interesses da nação."
vimento da economia nacional, o atual governo entrega
aos agentes norte-americanos a direção da política eco- Programa do Partido Comunista do Brasil, s/l, s/ed., 1954.
nômica e financeira do Brasil, que passa a ser orienta-
da segundo os planos belicistas do governo dos Estados

ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
Unidos. Milhões de dólares e de cruzeiros são gastos na
compra de armamentos, na construção de bases aéreas
e navais, na construção e melhoramento de trechos de
vias férreas e de alguns portos com o objetivo de facili-
tar o transporte e o embarque de matérias-primas para a
máquina de guerra norte-americana e de permitir a movi-
mentação de grandes efetivos militares e o reabasteci-
mento de grandes esquadras navais e aéreas. […]
2. A causa desta política de traição nacional está no
próprio regime de latifundiários e grandes capitalistas,
cujos interesses o atual governo representa. Enquanto
existir este regime, a política dos governantes brasileiros
será sempre determinada pelos latifundiários e grandes
capitalistas, a serviço do imperialismo norte-americano.
Os latifundiários e grandes capitalistas submetem-se
aos imperialistas norte-americanos porque, como estes, Manifestação de trabalhadores em greve na Avenida São
estão interessados na exploração e na escravização do João. São Paulo, 1953.
povo brasileiro e desejam uma nova guerra mundial, com

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Qual era o principal partido de oposição a Getúlio midas pelo populismo a partir de 1945?
Vargas em 1945? → DL/SP/H9/H11 → DL/SP/H9/H11
2 Tanto o PSD quanto o PTB foram criados por lide- 4 Por que o PCB foi colocado na ilegalidade?
ranças políticas próximas a Getúlio Vargas. Quais → DL/SP
eram as diferenças entre esses dois partidos? 5 Quais foram as características econômicas e políti-
→ DL/SP/H9/H11 cas do governo Dutra? → DL/SP/H7/H8/H9
3 Francisco Weffort é um dos maiores estudiosos do 6 Quais foram as características do governo Vargas
fenômeno populista. Em seu livro O populismo na entre 1951 e 1953? → DL/SP/H8
política brasileira, o sociólogo afirma que "o popu- 7 Quais as maiores dificuldades enfrentadas por
lismo foi um fenômeno político que assumiu diversas Vargas para implementar sua política econômica
facetas" de 1945 a 1964. nacionalista? → DL/SP/H7/H8/H11
a) Quais as características mais importantes 8 Quais eram os grupos de oposição a Vargas entre
assumidas pelo populismo durante o Estado 1951 e 1954? → DL/SP/H9/H11
Novo? → DL/SP/H8/H9/H11 9 Por que Jango era tão visado pela oposição udenista?
b) Quais as características mais importantes assu- → DL/SP

140 Capítulo 5  A Guerra Fria

OH_V3_Book.indb 140 18/05/16 09:40


3 A Argentina

M
uitos fascistas e nazistas que fugiram da Europa, ao final da Segun-
da Guerra Mundial, elegeram a América do Sul como destino. Com
novas identidades, procuravam ocultar sua atuação na guerra e os cri-
mes que haviam cometido. Um dos países que mais receberam foragidos foi a
Argentina. Além de uma parte grande da população local ser composta de imi-
grantes italianos e alemães, representantes diplomáticos argentinos na Euro-
pa facilitaram a emissão de passaportes falsos. O próprio governo argentino era
◀ ANOS

A Argentina e composto por militares que, em 1943, haviam dado um golpe de Estado, decla-
o peronismo rando sua aversão aos Aliados e insinuando simpatia pelos países do Eixo. Ape-
sar disso, a pressão política e comercial estadunidense forçou o país, no mesmo
1945
Final da Segunda Guerra. ▾ ano, a declarar guerra ao Eixo. Muitos membros do governo, entretanto, conti-
nuaram a manter contato com representantes dos regimes fascista e nazista.
Juan Perón é eleito presidente 1946
com o apoio dos sindicatos. ▾ Em 1946, Juan Domingo Perón (1895-1974) foi eleito presidente da Argen-
tina, com apoio dos trabalhadores, de parte expressiva da classe média e da
Após campanha liderada por 1947
Evita Perón, é aprovado pelo ▾ Igreja. Nos anos 1930, ele havia sido adido militar em Roma e Berlim. Também
congresso o voto feminino.
participara do governo militar argentino entre 1943 e 1946, exercendo diversas
Perón inicia aproximação 1950 funções, como vice-presidente, Ministro da Guerra e Ministro do Trabalho e da
com os Estados Unidos. ▾
Previdência Social. Neste último cargo, aproximou-se bastante dos sindicatos,
Reeleição de Perón, com Evita 1951 implantou políticas de assistência social e conquistou o apoio da maioria dos
como vice-presidente. ▾
trabalhadores. Em plena Guerra Fria, Perón procurava manter equidistância de
1952 Estados Unidos e União Soviética: era anticomunista ferrenho, mas também
Morte de Evita Perón. ▾
acusava o capitalismo de ser nocivo aos interesses argentinos. Em seu discur-
Perón é derrubado por um golpe 1955 so, defendia uma "terceira via" de desenvolvimento e afirmava lutar pelo cres-
de Estado e parte para o exílio. ▾
O Partido Justicialista (peronista) cimento nacional, para que a Argentina retomasse a importância comercial que
é proibido de participar tivera no início do século XX e que fora corroída pela crise de 1929.
da política argentina.
A doutrina peronista, alardeada pela propaganda interna do regime, defi-
Presidência de Arturo 1958
Frondizi, da União Cívica ▾ nia-se como "justicialista" e afirmava lutar pela justiça social. Sua concepção
Radical Intransigente.
de ampliação dos direitos dos trabalhadores, no entanto, não implicava a auto-
Presidência de Arturo Illia, da 1963 nomia do movimento operário. Ao contrário: o peronismo estabeleceu rígido
União Cívica Radical do Povo. ▾
controle do Estado sobre as associações de trabalhadores e vinculou o acesso
Golpe de Estado. 1966 à recém criada legislação trabalhista ao apoio incondicional a Perón. Durante
Presidência do general ▾
Juan Carlos Onganía. a Segunda Guerra, o país havia aumentado significativamente suas reservas, o
1972 que permitiu a estabilização financeira e a implantação de política sociais.
Perón retorna do exílio. ▾ Reeleito em novembro de 1951, Perón manteve o controle autoritário do
Perón vence as 1973 Estado e continuou a defender a união nacional como prioridade máxima. Num
eleições presidenciais. ▾ discurso de 1952, afirmou:
Sua esposa, Maria Estela Martinez
de Perón é eleita vice-presidente. "Nosso apoio, como sistema, está baseado, precisamente, nessas duas for-
ças, a política – representada pelo justicialismo – e a sindical – representa-
Morte de Perón. 1974
Governo de Maria Estela Perón. ▾ da pelo verdadeiro sindicalismo. [...] Porque estamos os dois defendendo um
mesmo objetivo, que é o objetivo da Nação e eles o sabem, e no preâmbulo
Golpe militar liderado pelo 1976
general Jorge Rafael Videla. ▾ de cada declaração das organizações sindicais está colocado que o interesse
supremo que se defende é a Nação."
Apud PRADO, Maria Lígia. O populismo na América Latina.
São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 51-52

A Argentina 141

OH_V3_Book.indb 141 18/05/16 09:40


Os sindicatos e a maioria dos trabalhadores susten-
taram seu apoio a Perón no segundo mandato, mas o Mulheres na política
cenário político e econômico havia mudado. A Argen- A Argentina foi um dos primeiros países americanos a
tina consumira boa parte de suas reservas, e o gover- implantar, ainda na década de 1910, o voto secreto e dire-
to nas eleições presidenciais, mas o direito demorou a ser
no perdera o endosso da classe média e de parte da
estendido às mulheres. Apenas durante o peronismo, e
Igreja católica. A oposição, duramente perseguida pela com atuação decisiva de Evita Perón, é que as mulheres
repressão peronista, mobilizava-se e setores das For- passaram a votar. Nas eleições de 1951, Evita candidatou-
ças Armadas revelavam insatisfação diante do perso- -se a vice-presidente e a chapa peronista recebeu 65% dos
votos femininos. Nas eleições parlamentares, 29 mulheres
nalismo do presidente. Em 1955, um golpe militar der- conquistaram cadeira no Congresso.
rubou Perón, que partiu para o exílio. Ele só retornou à

HULTON ARCHIVE/GETTY IMAGES


Argentina dezessete anos depois, quando se candida-
tou à presidência e novamente foi eleito. Bastante fraco
e doente, morreu no ano seguinte. A morte de Perón
não impediu que o peronismo prosseguisse. Até hoje,
ele é reverenciado por parte da população argentina e o
Partido Justicialista, que ele criou, é uma das principais
forças políticas no país.

Eva Perón
María Eva Duarte (1919-1952) casou-se com Perón em
1945 e, no ano seguinte, tornou-se primeira-dama argen-
tina. Evita Perón – como ficou conhecida – rapidamente
se transformou num mito entre os peronistas. A propa- Eva Perón em discurso diante de uma multidão de
ganda difundia a ideia de que ela era a "mãe dos pobres". mulheres. Buenos Aires, 24 de agosto de 1951.
Por meio de uma associação que levava seu nome, foi a

Bettmann/CORBIS
responsável pela política de assistência social, mante-
ve contato contínuo e direto com os descamisados, dis-
tribuiu alimentos, roupas e máquinas de costura para
milhares de argentinos. Abriu linhas de crédito para
que pessoas com poucos recursos obtivessem financia-
mento para a compra de imóvel e estimulou a constru-
ção de escolas e hospitais. Liderou a seção feminina do
Partido Peronista (futuro Partido Justicialista) e man-
teve suas atividades mesmo depois que descobrir que
estava em estado terminal – a imagem de Evita doente
e ativa ampliou sua popularidade. Morreu logo no início
do segundo mandato de Perón e hoje continua a ser cele- Eva Perón ao lado de seu marido Juan Perón, c. 1950.
brada pelos peronistas.

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 A que provavelmente se deve a fuga de muitos fas- 3 Caracterize os pontos principais da doutrina pero-
cistas e nazistas, depois da Segunda Guerra, para a nista → DL/SP/H10/H13
Argentina? → DL/CF/SP/CA/H7/H11 4 Qual foi a importância de Evita, durante o governo
2 Explique a afirmação de Perón: "no preâmbulo de de Perón? → DL/SP/H11/H13
cada declaração das organizações sindicais está 5 Há semelhanças entre os governos de Perón e de
colocado que o interesse supremo que se defende é a Getúlio Vargas? Quais?
Nação." → DL/CF/SP/CA/H1/H8/H11 → DL/CF/SP/H8

142 Capítulo 5  A Guerra Fria

OH_V3_Book.indb 142 18/05/16 09:40


Um Outro Olhar Matemática
TABELAS, GRÁFICOS E ANÁLISE HISTÓRICA

A+ COMUNICAÇÃO
MERCADOS DE EXPORTAÇÃO DA AMÉRICA LATINA (em %)

1938 1950 1938 1950


Exportações para
10,3 9,0 15,9 17,5 3,7 Estados Unidos
17,1
Argentina

8,7 20,4
24,7

Chile
11,1 29,2 Europa
América Latina
72 51,4 2,5 52,4 54,1
Outros

4,8 6,4 5,2 4,9 1,6


11,5
8,0
México
Brasil

34,6 55,9 27,4


67,4 93,5
29,7
49,1

Fonte: Elaborado com base em UNITED NATIONS. Yearbook of international trade statistics. New York, 1954.

Muitas vezes ouvimos falar que "os números não men- qual foi o crescimento relativo dessas vendas, devemos
tem" e que a matemática é uma disciplina "exata". Não comparar os dados de outra forma: 11,4%/9% = 126,67%.
é bem assim. Por mais precisos que sejam os cálculos, é Com esse cálculo, ficamos sabendo que o aumento de
sempre necessário relativizar os resultados e compreen- 11,4% representou, na prática, um aumento de mais de
dê-los dentro de seu contexto. Por exemplo, um aumento 126% no conjunto das exportações.
de R$ 1,00 no preço de uma geladeira não tem o mesmo No estudo de História – e nas demais áreas do conhe-
significado que o aumento de R$ 1,00 na tarifa de ônibus. cimento – a análise de tabelas e gráficos oferece infor-
Da mesma forma, um crescimento de 50% nas atividades mações e permite interpretações importantes. Os oito
comerciais entre dois países pode ou não representar um gráficos acima mostram os mercados de exportação de
grande impacto e uma mudança significativa na relação Argentina, Brasil, Chile e México antes da Segunda Guerra
entre eles. Mundial (1938) e depois dela (1950) e as participações
É possível perceber, a partir dos gráficos acima, que percentuais dos Estados Unidos, de países europeus, de
as exportações argentinas para os Estados Unidos repre- países latino-americanos e de outros países do mundo.
sentavam, em 1938, 9% do total exportado pelo país. Em Uma leitura atenta e uma boa análise dos dados permi-
1950, elas significavam 20,4% do mesmo total. Ou seja, te perceber alguns interessantes processos históricos que
elas cresceram 11,4% (20,4% – 9%). Se quisermos saber estavam em curso naquele período.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 A partir do exemplo dado acima, calcule o cresci- 3 O que você pode ter provocado essa mudança no
mento relativo das exportações de Brasil, Chile e conjunto das exportações desses quatro países?
México para os Estados Unidos, de 1938 para 1950. → DL/CF/SP/CA/H6/H7/H9/H18
2 As exportações desses quatro países para a Europa
tiveram crescimento ou decrescimento relativo nesse
mesmo período?

A Argentina 143

OH_V3_Book.indb 143 18/05/16 09:40


Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

O macarthismo e suas perseguições


"A grande ênfase na família nuclear era parte e parcela seguidos pela caça às bruxas anticomunista, os homos-
de uma era de reação política nos Estados Unidos. O iní- sexuais não podiam recorrer à solidariedade do Partido
cio da Guerra Fria com a União Soviética trouxe uma caça Comunista. No início dos anos 1930, depois que Stálin
às bruxas anticomunista, conduzida pelo Senador Joseph tomou o poder na União Soviética, ele reverteu todas as
McCarthy. Os homossexuais eram um dos diversos alvos conquistas dos primeiros tempos da revolução de 1917,
do macarthismo. [...] inclusive as leis revolucionárias que descriminalizavam a
Em 1950, o Senado dos Estados Unidos abriu uma homossexualidade. O Partido Comunista, nos anos 1950,
investigação sob a alegação de que havia homossexuais 'e adotou a hostilidade de Stálin em relação à homossexuali-
outros pervertidos' em cargos do governo federal. Segundo dade, denunciando-a como 'desvio burguês'."
o relatório do Senado, homossexuais 'não dispõem da esta-
Traduzido de WOLF, Sherry. Sexuality and socialism.
bilidade emocional das pessoas normais', 'perversões sexu-
History, politics, and theory of LGBT liberation.
ais enfraquecem o indivíduo' e 'agentes de espionagem Chicago: Haymarket, 2009. p. 63-64.
podem chantageá-los'. [...]
Embora tanto os homossexuais quanto os mem- Sherry Wolf (1965-) é escritora e editora associada da revista
bros do Partido Comunista norte-americano fossem per- International Socialist Review.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 O que foi a "caça às bruxas anticomunista", liderada 4 Como é tratada a questão da orientação sexual no
por Joseph McCarthy? → DL/CF/H7/H9/H15 Brasil de hoje? Que tipo de ações afirmativas dos direi-
tos LGBT existem atualmente no país?
2 Por que o macarthismo voltou-se também contra os
homossexuais? → DL/CF/SP/H7/H9/H15 → DL/CF/SP/EP/H11/H22/H24/H25
5 Pesquise sobre a existência de direitos LGBT nos
3 Explique a comparação que o texto estabelece, no últi- seguintes países: Canadá, Egito e Rússia.
mo parágrafo, entre as perseguições a comunistas e a
→ DL/SP/CA/H3/H11/H12/H22
homossexuais, nos Estados Unidos dos anos 1950.
→ DL/CF/SP/H7/H9

Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 (Enem) A primeira metade do século XX foi marca- c) o declínio britânico, o fracasso da Liga das Nações
da por conflitos e processos que a inscreveram como e a Revolução Cubana.
um dos mais violentos períodos da história humana. d) a corrida armamentista, o terceiro-mundismo e o
Entre os principais fatores que estiveram na origem expansionismo soviético.
dos conflitos ocorridos durante a primeira metade do e) a Revolução Bolchevique, o imperialismo e a uni-
século XX estão: ficação da Alemanha.
a) a crise do colonialismo, a ascensão do nacionalis- → DL/CF/SP
mo e do totalitarismo.
2 (Enem) "O Massacre da Floresta de Katyn foi noticia-
b) o enfraquecimento do Império britânico, a Grande
do pelos alemães pela primeira vez em abril de 1943.
Depressão e a corrida nuclear.
Numa colina da Rússia, soldados nazistas encontra-

144 Capítulo 5  A Guerra Fria

OH_V3_Book.indb 144 18/05/16 09:40


ram aproximadamente doze mil cadáveres. Empilhado 4 A partir dos anos 1950, o confronto não declarado
em valas, estava um terço da oficialidade do exército entre Estados Unidos e União Soviética e a constante
polonês, entre os quais, vários engenheiros, técnicos e ameaça de uma guerra nuclear incidiram no imaginá-
cientistas. Os nazistas aproveitaram-se ao máximo do rio político, econômico e social em todo o mundo.
fato em sua propaganda antissoviética. Em menos de Mesmo longe das tensões entre Washington e
dois anos, porém, a Alemanha foi derrotada e a Polônia Moscou, representadas na ONU ou em países títeres
caiu na órbita da União Soviética – a qual reescreveu a que guerreavam entre si com o respectivo apoio de
história atribuindo o massacre de Katyn aos nazistas.
ambos os lados, a indústria do entretenimento tam-
A Polônia inteira sabia tratar-se de uma mentira; mas
bém foi grandemente influenciada pela Guerra Fria.
quem o dissesse enfrentaria tortura, exílio ou morte."
As histórias em quadrinhos, por exemplo, foram
Disponível em: http://www.veja.abril.com.br.
Acesso em: 19 maio 2009. (adaptado) constantemente marcadas por confrontos entre
"heróis americanos" e "interesses soviéticos". O
Como o Massacre de Katyn e a farsa montada em
Capitão América foi encontrado congelado em um
torno deste episódio se relacionam com a construção
iceberg e voltou a lutar contra os "inimigos da
da chamada Cortina de Ferro?
liberdade", onde quer que eles estivessem. Seu
a) A aniquilação foi planejada pelas elites dirigentes arqui-inimigo, o Caveira Vermelha, volta e meia era
polonesas como parte do processo de integração financiado por Moscou. O Homem de Ferro, a metáfo-
de seu país ao bloco soviético.
ra da realização industrial capitalista materializada
b) A construção de uma outra memória sobre o na figura do multimilionário Tony Stark, tinha como
Massacre de Katyn teve o sentido de tornar menos principal oponente o Homem de Titânio, um agente
odiosa e ilegítima, aos olhos poloneses, a subor- do governo soviético. Em diversas histórias dos anos
dinação de seu país ao regime stalinista. 1960 e 1970, os dois oponentes se enfrentaram
c) O exército polonês havia aderido ao regime nazis- chegando até mesmo a fazer lutas de exibição em
ta, o que levou Stálin a encará-lo como possível estádios. Ao final da Guerra Fria, Batman enfrentava
foco de restauração do Reich após a derrota alemã. um terrível inimigo ciberneticamente treinado e
d) A Polônia era a última fronteira capitalista do fortalecido, surgido dos laboratórios militares de
Leste Europeu e a dominação desse país garanti- Moscou: o KGBesta, que queria destruir o programa
ria acesso ao Mar Adriático. espacial estadunidense.
e) A aniquilação do exército polonês e a expropria- Além do exemplo do agente 007 que lemos neste
ção da burguesia daquele país eram parte da capítulo e destes aqui expostos, onde mais você con-
estratégia de revolução permanente e mundial seguiria encontrar exemplos das tensões da Guerra
defendida por Stálin.
Fria na indústria do entretenimento?
→ DL/SP/H2/H7/H8/H21 → DL/CF/SP/CA/H3/H21
3 (Enem) Do ponto de vista geopolítico, a Guerra Fria 5 (Enem) "Sigo o destino que me é imposto. Depois de
dividiu a Europa em dois blocos. Essa divisão propi- decênios de domínio e espoliação dos grupos econômi-
ciou a formação de alianças antagônicas de caráter cos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma
militar, como a OTAN, que aglutinava os países do revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e
bloco ocidental, e o Pacto de Varsóvia, que concen- instaurei o regime de liberdade social. Tive de renun-
trava os do bloco oriental. É importante destacar que, ciar. Voltei ao governo nos braços do povo. [...] Quis
na formação da OTAN, estão presentes, além dos paí- criar liberdade nacional na potencialização das nossas
ses do Oeste europeu, os EUA e o Canadá. Essa divi- riquezas através da Petrobras, mal começa esta a fun-
são histórica atingiu igualmente os âmbitos político e cionar, a onda de agitação se avoluma."
econômico que se refletia pela opção entre os mode-
VARGAS, G. Carta-testamento.
los capitalista e socialista. Rio de Janeiro, 23 ago. 1954. (fragmento)
Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/memorialgetuliovargas/.
Essa divisão europeia ficou conhecida como:
Acesso em: 26 jun. 2009.
a) Cortina de Ferro.
b) Muro de Berlim. O contexto político tratado refere-se a um significa-
tivo período da história do Brasil, o 2.º Governo de
c) União Europeia.
Vargas (1951-1954), que foi marcado pelo aumento
d) Convenção de Ramsar. da infiltração do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
e) Conferência de Estocolmo. nos sindicatos e pelo distanciamento entre Getúlio e
→ DL/CF/SP/H7 os militares que o haviam apoiado durante o Estado

Engenho e Arte 145

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Novo. O conteúdo da Carta-Testamento de Getúlio Congresso. Contra a justiça da revisão do salário míni-
aponta para a: mo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade
a) existência de um conflito ideológico entre as for- nacional de potencialização das nossas riquezas atra-
ças nacionais e a pressão do capital internacional. vés da Petrobras; mal começa esta a funcionar, a onda
b) tendência de instalação de um governo com o de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculada até
apoio do povo e sob a égide das privatizações. o desespero.
c) construção de um pacto entre o governo e a opo- Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem
sição visando fortalecer a Petrobras. que o povo seja independente.
d) iminência de um golpe protagonizado pelo Partido
Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que
Comunista Brasileiro (PCB).
destruía os valores de trabalho. Os lucros das empre-
e) pressão dos militares contra o monopólio esta- sas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Na
tal sobre a exploração e a comercialização do declaração de valores do que importávamos existiam
petróleo. fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dóla-
→ DL/SP/H1/H7/H8 res por ano. Veio a crise do café, desvalorizou-se o
6 "A Bomba é, afinal, algo mais que uma coisa inerte. Em nosso principal produto. Tentamos defender seu preço
primeiro lugar, é uma coisa ameaçadora, em sua produ- e a resposta foi uma violenta pressão sobre nossa eco-
ção destrutiva e sua trajetória programada. Em segun- nomia a ponto de sermos obrigados a ceder.
do lugar, ela é um componente de um sistema de arma-
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resis-
mentos: e produzindo, manejando e apoiando esse siste-
tindo a uma pressão constante, incessante, tudo
ma exige um sistema social correspondente – uma orga-
suportando em silêncio, tudo esquecendo, renuncian-
nização diferente de trabalho, pesquisa e funcionamen-
do a mim mesmo, para defender o povo que agora se
to, com hierarquias diferenciadas de direção, regras
queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não
de sigilo, acesso prioritário aos recursos e especialida-
des e níveis elevados de policiamento e disciplina: uma ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o san-
organização diferenciada de produção que, embora de gue de alguém, querem continuar sugando o povo bra-
caráter militarista, emprega e é apoiada por um gran- sileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho
de número de civis (funcionários, cientistas, acadêmicos este meio de estar sempre convosco. Quando vos humi-
civis), subordinado à sua disciplina e normas." lharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado.
Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso
THOMPSON, Edward P. Exterminismo e guerra fria.
São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 20. peito a energia para a luta por vós e vossos filhos.
Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamen-
O texto associa a bomba nuclear a um amplo siste- to a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá
ma de organização e produção, com características unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada
funcionais próprias e grande impacto na sociedade. gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa
Identifique e cite as principais características desse consciência e manterá a vibração sagrada para a resis-
sistema. → DL/CF/CA/H7/H9/H10/H11/H16/H17/H19/H28 tência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pen-
7 Carta-testamento de Getúlio Vargas: sam que me derrotaram respondo com a minha vitória.
"Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo con- Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eter-
denaram-me novamente e se desencadeiam sobre mim. na. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será
escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre
Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a
minha voz e impedir a minha ação, para que eu não con- Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espo-
tinue a defender, como sempre defendi, o povo e princi- liação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as
palmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos
Depois de decênios do domínio e espoliação dos grupos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada
econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho
uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e da eternidade e saio da vida para entrar na História."
instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Diário de Notícias, 24 ago. 1954.
Voltei ao Governo nos braços do povo. A campanha sub-
Após a leitura, faça uma análise da carta-testamento
terrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos gru-
de Vargas.
pos nacionais revoltados contra o regime de garantia
a) Liste todos os verbos presentes no texto. → DL/SP
do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no

146 Capítulo 5  A Guerra Fria

OH_V3_Book.indb 146 18/05/16 09:40


b) Quais são os verbos mais recorrentes? Que con- nas da propaganda política. As publicações ilustra-
clusões você pode tirar disso? → DL/CF/SP/CA/H1 das do regime levaram adiante uma política altamente
c) Identifique o sujeito das sentenças. Que conclu- visual, em que dezenas de fotografias diárias difundiam
sões podem ser tiradas? → DL/CF/SP/CA/H1/H2 as imagens dos líderes. A escolha dos vestidos de Eva
d) Sugere-se uma verdadeira luta entre o bem e o não foi uma tarefa banal. Eva foi amada por sua obra e
mal nesse texto. Quem representa o bem e quem pela maneira como se apresentava publicamente.
representa o mal? → DL/CF/SP/CA/H1 Adaptado de SARLO, Beatriz. A paixão e a exceção: Borges,
e) Qual é o papel de Vargas nessa luta? Eva Perón, Montoneros. São Paulo: Companhia das Letras;
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005. p. 78-79.
→ DL/CF/SP/CA/H1/H11
f) No texto fala-se de sacrifício, sangue, holocausto. a) Quais os significados da escolha dos vestidos de
Que metáfora está sendo sugerida? Justifique. Eva Perón? → DL/SP/H21
→ DL/CF/SP/CA/H1/H2 b) Caracterize o peronismo. → DL/SP/H8/H9
8 "Eva Duarte e Juan Perón formaram uma sociedade polí- c) Qual a ação política de Eva Perón durante o gover-
tica não tradicional, numa época pouco inclinada a no de Juan Domingo Perón (1946-1955)?
reconhecer um lugar público para as mulheres. A socie- → DL/CF/H8/H21
dade fundada no casal presidencial levou ao poder (ape- 12 "Embora o aspecto mais óbvio da Guerra Fria fosse o
sar de não lhe darem os reconhecimentos institucionais) confronto militar e a cada vez mais frenética corrida
uma mulher sem passado familiar e com um suspeito armamentista no Ocidente, não foi esse o seu gran-
passado no teatro. [...] de impacto. As armas nucleares não foram usadas. As
Eva é uma peça central da inovação trazida pelo pero- potências nucleares se envolveram em três grandes
nismo à política argentina: é, em vida e depois de guerras (mas não umas contra as outras). Abalados
morta, para peronistas e anti-peronistas, sua pièce de pela vitória comunista na China, os EUA e seus alia-
résistance [seu prato principal]." dos (disfarçados como Nações Unidas) intervieram na
Coreia em 1950 para impedir que o regime comunis-
Traduzido de SARLO, Beatriz. "Eva Perón: algunos temas". ta do Norte daquele país se estendesse ao Sul. O resul-
In: ALTAMIRANO, Carlos (Org.). La Argentina en el siglo XX.
Buenos Aires: Ariel, 1999. p. 341-344.
tado foi um empate. Fizeram o mesmo, com o mesmo
objetivo, no Vietnã, e perderam. A URSS retirou-se do
Por que o texto afirma que Eva Perón era "uma peça Afeganistão em 1988, após oito anos nos quais for-
central da inovação" peronista? Justifique a resposta. neceu ajuda militar ao governo para combater guer-
→ DL/CF/CA/H8/H10/H13/H22 rilhas apoiadas pelos americanos e abastecidas pelo
9 Getúlio Vargas é possivelmente o maior nome da polí- Paquistão. Em suma, o material caro e de alta tecno-
tica brasileira no século XX. Por que sua biografia con- logia da competição das superpotências revelou-se
pouco decisivo. A ameaça constante de guerra produ-
funde-se com a história do Brasil? → DL/CF/SP/H2/H9
ziu movimentos internacionais de paz essencialmente
10 Quais são as imagens que os brasileiros ainda guar- dirigidos contra as armas nucleares, os quais de tem-
dam de Getúlio Vargas? Para responder a essa ques- pos em tempos se tornaram movimentos de massa
tão, faça uma pesquisa em sua cidade: em partes da Europa, sendo vistos pelos cruzados da
a) Verifique se há monumentos, instituições, praças, Guerra Fria como armas secretas dos comunistas."
avenidas ou ruas que homenageiam o ex-presi- HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. 1914-1991.
dente. → DL/CF/SP/H2 São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 234-235.

b) Faça uma pequena pesquisa com seus vizinhos, a) Como se deu o avanço comunista na China?
professores e amigos a respeito de Vargas. Eles → DL/CF/H8/H10/H15
sabem quem foi e conhecem algumas medidas b) Caracterize a intervenção ocidental na Guerra da
que implementou? → DL/CF/SP/H2 Coreia e os resultados do conflito. → DL/SP/H8/H9
c) Nos dias de hoje, há tendências políticas que se c) Pesquise o que foi a intervenção soviética no
admitem herdeiras de Vargas? Quais? Afeganistão. → DL/CA/H7/H8/H9/H10
→ DL/CF/SP/H3 d) Explique a afirmação do texto: "As potências
d) Na cidade de São Paulo, não há nenhuma grande nucleares se envolveram em três grandes guerras
avenida com o nome de Getúlio Vargas. Com base (mas não umas contra as outras)".
na história, como você explicaria essa ausência? → DL/CF/SP/H7/H8/H9/H15
→ DL/CF/SP/CA/H9 e) Por que o texto conclui que "o material caro e de
11 (Unicamp-SP) A roupa de Eva Perón foi um negócio de alta tecnologia da competição das superpotências
Estado para um regime que descobriu as formas moder- revelou-se pouco decisivo". → DL/CF/CA/H7/H8/H15/H19

Engenho e Arte 147

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13 "Uma sombra desceu sobre o cenário até bem pouco O trecho faz parte de um discurso proferido por
iluminado pela vitória aliada. Ninguém sabe o que a Winston Churchill, em março de 1946, quando ele
Rússia Soviética e sua organização comunista interna- não era mais primeiro-ministro britânico.
cional pretendem fazer no futuro imediato, ou quais os a) O que significa a expressão "cortina de ferro"?
limites, se os há, de suas tendências expansionistas [...] → DL/CF/H8/H10/H15
De Stettin no Báltico até Trieste, no Adriático, uma cor- b) Explique as seguintes frases: "Uma sombra desceu
tina de ferro foi baixada através do Continente Europeu sobre o cenário até bem pouco iluminado pela vitó-
[...]. Quaisquer que sejam as conclusões que possamos ria aliada" e "Quaisquer que sejam as conclusões
tirar desses fatos – e fatos realmente o são – sem dúvida que possamos tirar desses fatos – e fatos realmen-
não estará entre elas a de que essa é a Europa libertada te o são – sem dúvida não estará entre elas a de que
que lutamos para conseguir. Nem que nela se encerrem essa é a Europa libertada que lutamos para conse-
os elementos essenciais de uma paz permanente." guir". → DL/CF/CA/H1/H7/H8/H9/H15
CHURCHILL, Winston. Apud: MAGNOLI, Demétrio.
Da guerra fria à détente. Campinas: Papirus, 1988. p. 13-14.

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

• identifique os dois blocos de alianças que marcaram


Dr. Fantástico a Guerra Fria.
Diretor: Stanley Kubrick • explique a importância do cinema para a propaganda
DIVULGAÇÃO

País: E
 stados Unidos ideológica, durante a Guerra Fria.
Ano: 1964
Câmera
Durante a exibição do filme, sugerimos que você faça
anotações sobre os seguintes itens:
• Como o gestual dos atores contribui para a sátira
ao militarismo e aos temores da Guerra Fria.
Na versão original, o filme tinha um subtítulo – "Como • Qual a simbologia do emprego do mesmo ator em
aprendi a parar de me preocupar e passei a amar a três papéis diferentes: o presidente dos Estados
bomba" – que já mostrava seu caráter satírico, paro- Unidos, um oficial da Real Força Aérea e um cien-
diando os filmes de espionagem e a obsessão, constan- tista ex-nazista.
te durante a Guerra Fria, de uma guerra nuclear. Um mili-
tar estadunidense determina um ataque nuclear à União
Ação
Soviética. Ao tomar conhecimento da ordem, o presiden- Elabore um texto com a seguinte proposta: É possível rir
te dos Estados Unidos convoca seus assessores políticos da ameaça nuclear?
e militares, que, junto com membros da Real Força Aérea Seu texto deverá abordar os seguintes aspectos:
britânica, tentam impedir o ataque e, dessa forma, evitar • como o filme representa o contexto geral da Guerra
a terceira guerra nuclear. Fria;
Luzes • que vínculo o filme sugere entre as pesquisas milita-
res e científicas nas superpotências e o período da
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes Segunda Guerra;
nos Procedimentos metodológicos da página 10. • como a sátira contribui para o desenvolvimento de
Leia novamente o item Estados Unidos e União uma abordagem crítica.
Soviética: a bipolarização (p. 126).
→ DL/CF/SP/CA/EP/H1/H4/H5/H7/H8/H11/H15/H16/H20
Após a leitura:

Estante • ARBEX JR, José. Guerra fria: terror de Estado, política e cultura. São Paulo: Moderna, 1997.

148 Capítulo 5  A Guerra Fria

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1 (UFC-CE) "O aspecto mais marcante da ordem 3 (UFAC-AC) Partido político rival dos getulis-
geopolítica bipolar foi a chamada Guerra Fria. tas, adepto do liberalismo. Era contrário ao
Ela consistiu simultaneamente numa disputa trabalhismo porque não aceitava o naciona-
e numa conivência entre Estados Unidos e ex- lismo e nem intervenção do Estado na econo-
-União Soviética. Foi uma disputa tanto políti- mia. Também conhecido como o partido dos
co-militar e econômica como diplomática, cul- Bacharéis. O empresário e jornalista Carlos
Radar
tural e ideológica. Pode-se dizer que ela repre- Lacerda era a figura mais destacada desse
sentou uma espécie de prolongamento da Partido. Marque a alternativa correta indican-
Segunda Guerra Mundial, só que sem as bata- do o nome desse partido:
lhas, sem os conflitos militares diretos." a) UDN (União Democrática Nacional).
VESENTINI, José William. A nova ordem mundial. b) PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).
São Paulo: Ática, 1995. p. 12.
c) PSD (Partido Social Democrático).
A partir da leitura do texto, pode-se com- d) PC do B (Partido Comunista do Brasil).
preender que a ausência de conflitos mili-
e) ARENA (Aliança Renovadora Nacional).
tares diretos entre as duas superpotências
significa que: → DL/CF
a) a competição econômica neutralizou os 4 (FGV-SP) Podemos definir o macarthismo
conflitos militares durante os anos da como:
Guerra Fria. a) Uma dura campanha de investigações diri-
Faça
em se b) as disputas militares ocorreram de forma gida por parlamentares norte-americanos,
cadernu
o voltada a quem fosse considerado suspeito
indireta em outros países, como os do
Terceiro Mundo. de subversão ou colaboração com os paí-
→ conforme
ses comunistas.
tabelas das c) a ideia de democracia presente na ideo-
páginas 8 e 9. logia capitalista e na socialista impediu a b) Uma campanha antissemita que se estabe-
eclosão de movimentos militares. leceu nos Estados Unidos após a Segunda
Guerra Mundial e que investigava as vin-
d) a paz predominou no mundo a partir do
Tá na rede! pleno funcionamento das relações diplo-
culações entre os judeus e os dirigentes
soviéticos.
máticas.
QUESTÕES c) Uma campanha de investigações que
DE ENEM e) o progressivo desarmamento no plane- se voltou contra sindicalistas, intelec-
Digite o endereço ta ocorreu com o fim da Segunda Guerra tuais e cientistas e poupou os artistas de
abaixo na barra Mundial. Hollywood, os diretores de cinema e os
do navegador de escritores norte-americanos.
→ DL/SP/H7
internet: http://goo.
gl/xog0Jb. Você 2 (Fuvest-SP) A Segunda Guerra Mundial fez d) Uma campanha publicitária que procura-
pode também tirar emergir interesses e aspirações conflitantes va enaltecer o senador Joseph McCarthy,
uma foto com um candidato republicano à Presidência dos
que culminaram em relevantes mudanças nos
aplicativo de QrCode Estados Unidos da América e que era pro-
15 anos posteriores (1945-1960). Entre esses
para saber mais sobre fundamente anticomunista.
novos acontecimentos, é possível citar:
o assunto. Acesso em: e) Uma política de aproximação entre os EUA
4 abr. 2016. a) o início dos movimentos pela libertação
e a União Soviética liderada, na década de
colonial na África e a divisão do mundo em 1940, pelo socialista Joseph McCarthy, em
dois blocos. virtude da necessidade de derrotar o nazi-
b) a balcanização do sudeste da Europa e o fascismo.
recrudescimento das ditaduras na América
→ DL/SP
Latina.
5 (FGV-SP) A gestão do presidente Eurico Gaspar
c) a criação do Mercosul e a expansão dos
Dutra foi marcada pela adoção de medidas que
comunistas no Oriente Médio. visavam à modernização das instituições polí-
Página dedicada a
questões já aplica-
d) os conflitos entre palestinos e judeus e o desa- tico-administrativas. Entre essas mudanças,
das em provas do parecimento do Império Austro-Húngaro. pode ser destacada:
ENEM. Busque exer- a) a aprovação de uma nova Constituição que,
cícios sobre os temas e) o desmantelamento da União Soviética e a
desenvolvidos neste dominação econômica dos Estados Unidos. embora seguisse princípios liberais e demo-
capítulo. cráticos, mantinha a proibição ao direito de
→ DL/SP/H7 voto das mulheres.

Radar 149

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b) a aproximação com a União Soviética, em função do 8 (PUC-RS) O contexto político que levaria à crise do
enorme prestígio dos parlamentares ligados ao PCB. segundo Governo Vargas e ao suicídio do presidente,
c) a extinção do corporativismo, com a regulamenta- em 24 de agosto de 1954, estava relacionado com:
ção de centrais sindicais livres da tutela do Estado. a) a campanha do Partido Comunista Brasileiro con-
d) a implantação de um plano de metas (Plano Salte) tra um Estado excessivamente liberal.
que visava atender às necessidades da industria- b) a pressão dos sindicalistas pela aprovação da
lização e do abastecimento doméstico. Consolidação das leis do Trabalho.
e) a recusa de participação na Organização dos c) a oposição popular à criação da Petrobras.
Estados Americanos (OEA), por considerá-la um d) a mobilização geral contra o endividamento do
instrumento de consolidação da hegemonia norte- governo junto aos Estados.
-americana na América Latina.
e) a oposição dos liberais da UDN e de Lacerda na
→ DL/SP/H8 imprensa.
6 (UFF-RJ) A partir de 1945 e até a década de 50, → DL/CF/SP/H11/H12/H13/H15
observaram-se intensas transformações na esfera
9 (UFRS) Leia o trecho abaixo.
política brasileira, impulsionadas pelos resultados
da 2.a Guerra Mundial. Dentre tais transformações, "Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo
destaca-se: condenaram-me novamente e se desencadeiam sobre
a) o processo de "redemocratização" baseado no mim. [...] Sigo o destino que me é imposto. Depois de
multipartidarismo oriundo do fim do Estado Novo; decênios do domínio e espoliação dos grupos econômi-
b) a modernização industrial sob a liderança das oli- cos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma
garquias nordestinas; revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e
c) a manutenção da economia agroexportadora bra- instaurei o regime de liberdade social. Tive de renun-
sileira com o fim do processo de substituição de ciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. A campa-
importações; nha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à
d) a industrialização regional do Vale do Cariri forta- dos grupos nacionais revoltados contra o regime de
lecida pela ação do Estado Novo; garantia do trabalho. A lei dos lucros extraordinários
e) a consolidação dos poderes locais determina- foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do
da pelos projetos de modernização industrial do salário mínimo se desencadearam os ódios. [...] Se as
Governo Dutra. aves de rapina querem o sangue de alguém, querem
→ DL/SP/H9 continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em
7 (UFG-GO) O peronismo na Argentina (1946-1955) holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar
caracterizou-se por uma política populista com forte sempre convosco.
inspiração nas doutrinas fascistas do pós-guerra. DEL PRIORE, Mary. Documentos de história do Brasil: de Cabral
Essa relação é percebida no: aos anos 90. São Paulo: Scipione, 1997. p. 98-99.

a) caráter autoritário do governo, com forte organi- Pode-se afirmar que o trecho acima faz parte da
zação das massas e constantes acusações de cor- a) proposta de reformas de base do presidente João
rupção e de tortura dos opositores. Goulart, de 1964.
b) ingresso de imigrantes europeus que ampliavam a b) carta de renúncia do presidente Fernando Collor
mão de obra especializada na construção de fer- de Mello, de 1992.
rovias e na industrialização.
c) carta-testamento do presidente Getúlio Vargas,
c) refúgio aos nazistas e aos seus colaboradores de 1954.
europeus, causando tensões com o governo dos
EUA. d) declaração ao povo brasileiro feita pelo governa-
dor Leonel Brizola, de 1962.
d) surgimento do Grupo de Oficiais Unidos no inte-
rior do exército, que atuava em nome da ordem e e) carta de abdicação de Dom Pedro I, de 1831.
dos valores cristãos. → DL/CF/SP/H1/H11/H15
e) apoio à União democrática, frente eleitoral que
aglutinava conservadores, radicais, democratas
progressistas, socialistas e comunistas.
→ DL/CF/SP/H11/H13

150 Capítulo 5  A Guerra Fria

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Capítulo

10
6 Terra em transe

DE OLHO nos

"
Bossa-nova mesmo é ser presidente Conceitos
Desta terra descoberta por Cabral.
Para tanto basta ser tão simplesmente • Nacional-
-desenvolvimentismo
Simpático, risonho, original."
• Golpe militar
• Plano de Metas
Juca Chaves, Presidente bossa-nova.

O suicídio de Getúlio Vargas nível superior de escolaridade deve-


prolongou a República Populista ria valer cinco vezes o de um cida- • Parlamentarismo
por mais dez anos. A comoção popu- dão com instrução básica. Alegava • Presidencialismo
lar não foi suficiente para elimi-
nar as intenções golpistas da UDN,
que seus adversários, mesmo se ven-
cessem as eleições, não deveriam ser • Reformas de base
mas pôde amortecê-las. As pressões empossados. Alegava que, em nome • Impeachment
populares atingiriam níveis altíssi- da liberdade e da democracia, era
mos e obrigariam os líderes popu- legítimo romper a ordem democrá-
listas a realizar manobras cada vez tica. Apesar de tantas alegações, a
mais arrojadas. campanha transcorreu normalmen-
João Café Filho, o vice-presiden- te e o resultado das eleições demons-
te, assumiu o poder em agosto de trou uma pequena influência dos
1954, afirmando defender a conti- acontecimentos de agosto. O PTB
nuidade dos compromissos com os ganhou cinco deputados federais; o
humildes de que falara Vargas em PSD, dois; e a UDN perdeu dez, em
sua carta-testamento. Na verdade, relação à legislatura anterior.
representante do PSP, como havia
ARQUIVO/AGÊNCIA O GLOBO

rompido com o presidente e engros-


sara o coro dos que exigiam sua
renúncia. E a maioria de udenistas
em seu ministério não deixava dúvi-
das quanto à sua filiação ideológica.
Temendo uma derrota, a UDN
desejava adiar as eleições de 1954.
Muitos udenistas alegavam que o
momento ainda era traumático para
a população, em virtude da dor e da
comoção pela perda de Vargas. O
partido mostrou-se sempre muito
criativo em suas alegações. Alega-
va que o povo não sabia votar. Ale- Presidente Juscelino Kubitschek e a Caravana da Integração
gava que o voto de um cidadão com Nacional. Rio de Janeiro, fevereiro de 1960.

151

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1 Populismo bossa-nova

A
agenda política pautava-se agora nas eleições presidenciais, mar-
cadas para outubro de 1955. Agrupados, os herdeiros do getulis-
mo lançaram a candidatura à presidência da República de Jusce-
lino Kubitschek, governador de Minas Gerais pelo PSD, tendo como vice
o ex-ministro do Trabalho João Goulart, do PTB. A UDN indicou o general
Juarez Távora. Ademar de Barros, pelo PSP, e Plínio Salgado, pelo PRP,
completavam o quadro dos candidatos.
A composição PSD-PTB era praticamente imbatível. Reunia o apoio
das massas urbanas e representantes das oligarquias regionais. Agrupava
as classes médias, setores da burguesia (industrial, agrária e comercial)
e sindicalistas. Formava uma "frente nacional" que tinha como programa
a expansão da indústria brasileira, reunindo os dois conceitos-chave do
período: nacionalismo e desenvolvimento.
Mesmo assim, as eleições de 1955 foram as mais disputadas de todo o
período populista. Juscelino alcançou 36% dos votos, contra 30% de Távo-
ra, 26% de Ademar e 8% de Plínio Salgado. A UDN praticamente mantinha
os mesmos índices da eleição de 1950. Ademar e Plínio fizeram a diferença.

Café Filho e Carlos Luz


Derrotada nas urnas, a UDN voltou à carga com suas intenções golpistas.
Carlos Lacerda denunciou a demagogia e o apoio dos comunistas aos elei-
tos. Mais uma vez, a alegação de que não tinha sido atingida a maioria
absoluta dos votos. A exaltação chegou aos quartéis. Num discurso infla-
mado, o coronel Jurandir Mamede pronunciou-se contra a posse de Jusce-
lino e Jango. O Exército mantinha-se dividido em duas alas: uma, nacio-
nalista, que defendia a posse da chapa vitoriosa; outra, anticomunista,
que propunha uma intervenção militar que "saneasse" o país e retirasse
do jogo político os comunistas e líderes populistas.
Àquela altura, o ministro da Guerra era o general Teixeira Lott, simpáti-
co à manutenção da legalidade constitucional. O general empenhava-se em
ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO

manter o Exército fora das disputas políticas e proibira qualquer manifesta-


ção de militares a respeito da sucessão presidencial. Diante da impertinên-
cia de Mamede, Teixeira Lott solicitou ao presidente Café Filho autorização
para punir o coronel. A temperatura política afetou a saúde do presidente,
internado às pressas com um distúrbio cardiovascular. Seguindo a Constitui-
ção, Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu a presidên-
cia interinamente e logo em seguida negou o pedido de punição feito por Lott.
Nesse momento, o poder civil interferia na hierarquia militar, impedindo que
o general e ministro da Guerra punisse um subordinado. Lott demitiu-se do
Carlos Luz deixando a presidência da ministério e logo depois destituiu o presidente. A presidência passou a ser
Câmara dos Deputados para assumir ocupada por Nereu Ramos, presidente do Senado, que garantiu, juntamente
a presidência da República. Rio de
Janeiro, 1955.
com os militares legalistas, a posse de Juscelino e de João Goulart.

152 Capítulo 6  Terra em transe

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Juscelino Kubitschek O regime populista
Por conta de todas essas transformações, mas tam-
O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) coinci-
bém pelas condições políticas, pode-se considerar a
diu com um período de otimismo e euforia jamais visto
segunda metade da década de 1950 o auge do regime
na história brasileira. Apoiado em uma visão de moder-
populista. Apesar de algumas escaramuças militares e
nidade industrializante, o novo presidente prometia
da mobilização dos trabalhadores urbanos e rurais, o
50 anos de desenvolvimento em seus 5 anos de man-
governo de Juscelino conseguiu conviver com setores
dato. Escadas rolantes, elevadores com música ambien-
antagônicos, amortecer os setores golpistas e supor-
te, televisores, rádios de pilha, lambretas e automóveis
tar as pressões populares. Os militares foram agracia-
formavam os símbolos de uma geração inebriada com o
dos com atenção especial. Tiveram suas reivindicações
conforto da vida moderna.
particulares atendidas e assumiram importantes pos-
Novas molduras, propiciadas pela tecnologia,
tos no governo. O movimento sindical manteve-se sob
enquadravam as ruidosas massas urbanas. Majestosos
o controle do Estado. E a aliança PSD-PTB mostrou-se
cinemas exibiam as produções hollywoodianas e os fil-
uma afinada parceria.
mes das duas grandes companhias do país, a Atlântida
Apesar da euforia e da fina sintonia política, o
e a Vera Cruz. Grandes estádios abrigavam milhares de
entusiasmo modernizador encobria uma série de
torcedores numa das fases mais entusiásticas do futebol
contrastes e ambiguidades. Época de afirmação dos
brasileiro. Largas avenidas tornavam-se passarelas de
valores nacionais, concretizada nas vitórias esporti-
desfiles de Carnaval, de mani-
vas – principalmente a Copa do Mundo de Futebol de
festações e comemorações Do chuá: gíria da
1958 – e na produção cultural e artística, que critica-
públicas, ao mesmo tempo que época que significa
"legal, ótimo". va as influências estrangeiras, o período JK foi tam-
constituíam espaço de dife-
bém marcado pela assimilação e imitação de compor-
renciação entre o coletivo, que
tamentos estadunidenses introduzidos em avalanche
circulava a pé, de ônibus ou bonde, e o individual, dos
no país. A juventude transviada de James Dean, Chuck
automóveis "do chuá" e das lambretas "bárbaras".
Berry, Elvis Presley e Jerry Lee Lewis – que ouvia
Acima de todas as possíveis molduras, emergia na
rock'n'roll, apostava corridas de automóvel, sonhava
vida cotidiana a pequena tela da televisão, que enqua-
com Marilyn Monroe, usava blue jeans e jaquetas de
drava as massas no interior de suas casas e no núcleo
couro, odiava política, consumia álcool e envolvia-se
familiar. Com programações ao vivo, shows de calouros,
com frequência em brigas de turmas – invadia com
concursos de misses, provas de conhecimentos gerais
seus símbolos as ruas, praças e avenidas do nosso
e, principalmente, novelas, a televisão alterou o com-
país tropical.
portamento de milhares de brasileiros e tornou-se o
Havia, sobretudo nas cidades, um precário equilí-
bem de consumo mais cobiçado do país. Diante da teli-
brio de valores morais.
nha mágica, a massa popular permanecia público.
Uma visão machista e maniqueísta dividia as
mulheres – cobertas por anáguas, combinações, cintas,
CINEMATECA BRASILEIRA, SÃO PAULO, BRASIL

vestidos, sutiãs com enchimento – entre as "sérias" e as


"sem-vergonha". As primeiras seriam as esposas que,
em geral, teriam casado virgens e cuidariam da educa-
ção dos filhos e da rotina doméstica. As segundas, asso-
ciadas às dançarinas e vedetes, ofereciam tratamento
de luxo aos seus seletos convidados: roupas íntimas
provocativas, perfumes, champanhe em ambiente de
pouca luz, como fazia a célebre vedete Angelita Marti-
nez, tida como amante do vice-presidente João Goulart
e do jogador de futebol Mané Garrincha. Havia também
a categoria das mulheres separadas e desquitadas, que
eram motivo de vergonha e constrangimentos para as
Primeira vinheta da TV Tupi, 1950. famílias "de bem". Ou seja, um festival de esteriótipos.

Populismo bossa-nova 153

OH_V3_Book.indb 153 18/05/16 09:40


ACERVO UH/FOLHAPRESS

Nacional-desenvolvimentismo
Pelo Plano de Metas, o governo apontava as áreas prio-
ritárias para o investimento estatal: energia, transporte,
alimentação, indústria de base e educação. Dando conti-
nuidade à política econômica do governo Vargas, procu-
rava estimular a industrialização mediante associação
com o capital estrangeiro.
A política econômica de JK, denominada nacional-
-desenvolvimentismo, era semelhante à bossa nova.
Esse novo ritmo musical, surgido na década de 1950 no
Brasil, combinava a música nacional e o jazz estaduni-
dense. A política nacional-desenvolvimentista repre-
sentava uma variação melódica dentro do modelo de
substituição de importações, visando superar um de
seus aspectos mais problemáticos: a obtenção de inves-
timentos estrangeiros no país. Nesse período, diver-
sas empresas multinacionais instalaram-se no Brasil:
O presidente Juscelino Kubitscheck entre o jazzista Louis indústrias automobilísticas, farmacêuticas, petroquími-
Armstrong e o ator Grande Otelo durante almoço oferecido
pelo presidente ao músico estadunidense. Rio de Janeiro,
cas e eletroeletrônicas. A economia diversificou-se, e a
setembro de 1957. produção industrial atingiu o extraordinário índice de
80% de crescimento entre 1956 e 1961. Era, na verdade,
As aparências cotidianas um desenvolvimentismo associado.
Além do capital externo, JK utilizou largamente a
A rígida moral não resistia ao Carnaval. Nos recatados
expansão da base monetária para financiar o déficit do
bailes de salão, a classe média alta apartava-se do con-
orçamento, bancar aumentos salariais e estimular as ati-
vívio com os grupos subalternos, mas ouvia as marchas
vidades produtivas. Como resultado, o governo deixou
e sambas produzidos nos morros cariocas, permitindo-
-se roupas e rebolados mais ousados, máscaras e farto para seus sucessores uma pesada taxa inflacionária de
consumo de lança-perfume. Nas ruas, sem as molduras cerca de 30% em 1961 e a elevada dívida externa de 3,1
dos salões, a massa ruidosa subvertia por alguns dias a bilhões de doláres. Em 1959, diante das pressões para
hierarquia social, ocupando o espaço público sem pudo- que fossem adotadas medidas de contenção de gastos
res. Ao pé dos morros e nas vielas, a malandragem de públicos, o governo JK rompia as negociações da dívida
terno e navalha vivia seu Carnaval o ano inteiro. externa com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Numa época em que se presumia que as aparências Como a bossa nova, o governo JK era elitista. Favo-
não enganavam, mulher "honesta" não podia fumar receu os setores empresariais ligados direta ou indire-
em público, usar calça comprida ou entrar num cine- tamente ao capital transnacional. Estimulou também
ma desacompanhada; o homem era obrigado a demons- o consumo de bens duráveis na classe média, simboli-
trar sua valentia e proteger as zado na capacidade de aquisição de um automóvel e a
damas de quaisquer grosse- ampliação numérica desse grupo social, empregado nas
Mandraque: gíria da
rias; os filhos deviam manter- época que significava diversas funções de gerência e direção das novas indús-
"homossexual trias instaladas.
se respeitosos aos pais, mesmo masculino."
diante de suas maiores arbitra- No entanto, a divisão da renda nacional aprofundou
riedades; o uso de uma camisa a desigualdade social. Os mais ricos haviam ampliado
lilás ou rosa por um homem não deixava dúvidas: trata- seus rendimentos. Os mais pobres participavam de uma
va-se de um "mandraque". parcela menor da riqueza nacional. É certo que a clas-
Tempos de práticas preconceituosas, de discrimi- se média ampliou sua participação na riqueza nacional.
nação, de maniqueísmo, de inconciliáveis oposições, de Mas, em 1960, 1% da população detinha quase 30%
afirmação do bem contra o mal. Também nos comporta- da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres pos-
mentos cotidianos vivia-se a Guerra Fria. suíam apenas 15%.

154 Capítulo 6  Terra em transe

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Em uma época de verdadeira euforia desenvolvi- o interior de Goiás, o governo populista procurava dis-
mentista, com enorme crescimento da economia nacio- tanciar-se das pressões populares e do impacto das mul-
nal, as disparidades sociais e regionais passavam facil- tidões. O poder refugiava-se no isolamento das imen-
mente despercebidas. Com a crise projetada para o sas avenidas e das estruturas de concreto. A República
próximo governo, tais desigualdades emergiriam com Populista estava chegando ao fim.
todo o seu radicalismo e exigiriam reformas estruturais
na sociedade brasileira. A previsão era de novas tem-
pestades no oceano político populista. Tá na rede!
Brasília DISCURSO DE INAUGURAÇÃO
A maior realização do governo JK foi a construção de DE BRASÍLIA
Brasília. Projeto modernista dos arquitetos Oscar Nie- Digite o endereço abaixo na
meyer e Lúcio Costa, a cidade foi inaugurada em 21 barra do navegador de internet:
de abril de 1960, após três anos de trabalhos contí- http://goo.gl/PxLi9b. Você pode
nuos e investimentos de milhões de dólares. Símbolo também tirar uma foto com um Vídeo de 2h21min
com o discurso do
de modernidade, integração e desenvolvimento, mar- aplicativo de QrCode para saber Presidente Jusceli-
cou o crescimento vertiginoso da importância das gran- mais sobre o assunto. Acesso em: no Kubitschek por
des empreiteiras e construtoras na vida pública do país. 30 abr. 2016. Em português. ocasião da inaugu-
ração de Brasília.
Ao deslocar os centros de decisão do Rio de Janeiro para

Esplanada dos Ministérios e catedral metropolitana Nossa Senhora Aparecida ao amanhecer. Brasília (DF), 2010. DUDU CONTURSI/PULSAR IMAGENS

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Quais eram os grupos sociais reunidos na aliança 5 Analise o Plano de Metas. → DL/SP/H9
PSD-PTB? → DL/SP/H11 6 O que foi o nacional-desenvolvimentismo?
2 Por que o governo JK foi um sucesso do ponto de → DL/SP/H7/H8
vista populista? → DL/SP/H8 7 Em que o nacional-desenvolvimentismo se diferen-
3 O governo JK transcorreu num período de profundas cia do programa econômico do governo Vargas?
contradições comportamentais. Explique essa afir- → DL/CF/SP/H9
mação. → DL/SP/H7 8 Explique a seguinte afirmação: "Como a bossa nova,
4 Quais eram as áreas de investimento estabelecidas o governo JK era elitista". → DL/CF/SP/H11
pelo Plano de Metas? → DL/SP

Populismo bossa-nova 155

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2 Desafinado

E
m 1960, pela primeira vez desde o estabelecimento da democra-
cia populista, o resultado das eleições presidenciais não favoreceu
o arranjo que orquestrou a política brasileira desde o final do Estado
Novo. Integrando a coligação que conseguiu levar Jânio Quadros à vitória,
a UDN quebrou a hegemonia da aliança PSD-PTB ao derrotar o candidato
governista Teixeira Lott. Também pela primeira vez um presidente recebia
a faixa presidencial em Brasília, a nova capital.
As eleições de 1960 marcaram uma espécie de inversão de papéis
entre a UDN e a aliança PSD-PTB. Enquanto os udenistas – tradicionalmen-
te avessos à incorporação das massas populares ao jogo político – apoia-
vam um político personalista, que se dizia acima dos partidos e campeão da
moralidade pública, o PSD lançava um militar, identificado com as posições
nacionalistas e constitucionais, mas sem os apelos carismáticos dos líderes
populistas. Extremamente popular e temperamental, Jânio aceitou encabe-
çar a aliança conservadora, prometendo, antes de sua posse, deixar a direi-
ta indignada e a esquerda perplexa. Conseguiu.
Apesar da derrota, a aliança PSD-PTB conseguiu eleger João Gou-
lart para a vice-presidência da República. De acordo com as regras eleito-
rais vigentes, era possível votar no candidato à presidência de uma chapa
e no vice de outra. As eleições de 1960 consagraram o voto Jan-Jan (Jânio
e Jango). Era um sinal da divisão e da confusão que começavam a tomar
conta do panorama político nacional. Nenhum dos grupos sociais dominan-
tes, fosse a elite conservadora, fosse a elite nacionalista, era capaz de sus-
tentar a política de reformas estruturais de que o país necessitava.
ACERVO UH/FOLHAPRESS

Jânio Quadros
O professor e advogado Jânio Quadros obteve seu
primeiro cargo eletivo em 1948, com a cassação
dos parlamentares comunistas, quando assumiu
o cargo de vereador pelo Partido Democrata Cris-
tão (PDC) em São Paulo. Sua carreira foi meteó-
rica: em 1953 foi eleito para a prefeitura de São
Paulo; em 1955 assumiu o governo do Estado de
São Paulo; em 1960, com mais de cinco milhões
de votos, ganhou a disputa pela presidência da
República.
Dotado de peculiar estilo populista, Jânio pro-
curava apresentar-se como um homem do povo.
Espalhava talco sobre os ombros para parecer
Ex-governador de São Paulo, Jânio Quadros desembarca em que tinha caspa. Simulava desmaios em apari-
Santos e é recebido por correligionários. Santos, 22 de setembro ções públicas, atribuídos ao cansaço. Fazia refei-
de 1959. ções com operários. Como administrador, pro-

156 Capítulo 6  Terra em transe

OH_V3_Book.indb 156 18/05/16 09:40


curava surpreender funcionários públicos com suas procuraram impedir a posse de Vargas e de Juscelino
aparições inesperadas nas repartições. Com uma orató- Kubitschek e a crise de 1954 expuseram a precariedade
ria rebuscada e afiada, fazia pronunciamentos bombás- do equilíbrio institucional. Acentuou-se o enfrentamen-
ticos. Seus partidários usavam uma pequena vassoura to das forças sociais, em virtude da ampliação das pres-
na lapela, que significava a certeza de sua ação enérgi- sões populares sobre o Estado, colocando em xeque o
ca e saneadora na política. A marcha de sua campanha compromisso político-social que lhe dava sustentação.
eleitoral em 1960 é emblemática: "Varre, varre vassouri- A forte aceleração econômica, calcada na expansão
nha/ Varre, varre a bandalheira/ Que o povo já está cansa- da indústria de bens de consumo duráveis, promovi-
do/ De sofrer dessa maneira/ Jânio Quadros é a esperança da pelo governo JK, havia deixado como herança o des-
deste povo abandonado". compasso entre o crescimento industrial e a produção
agrícola. O rápido aumento da população urbana e de
sua demanda, além da desorganização de determinadas
A crise econômica áreas agrícolas, acabou por redundar em seguidas crises
Ao mesmo tempo, ocorria uma escalada das pressões de abastecimento e inquietações sociais generalizadas.
sociais, e novas formas de organização popular disse- Por outro lado, o financiamento do Plano de Metas
minavam-se pelas cidades e pelo mundo rural. As ten- ampliou o endividamento externo e o déficit orçamentá-
sões verificadas ao longo da década de 1950 evidencia- rio da União, coberto por emissões monetárias que oca-
vam uma profunda crise, que não decorria das ações sionaram elevados índices de inflação. O crescimento
dos governos que se sucederam: tratava-se do gradati- desigual dos setores da economia e das regiões consoli-
vo esgotamento do regime e do modelo econômico de dou o processo de concentração de renda, estimulando
substituição de importações. As tentativas golpistas que a onda de reivindicações sociais.

A+ COMUNICAÇÃO
REPRESENTAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS DE 1947 a 1962 (em %)

5,6 16,2
13,9 37 15,4 15,3
4,9 52,8 35 35,3 30,3
5,4
7,7 7,9 9,8 7,7
29 16,8 24,4 20,2 21,5 29,8
17,2 22,7 23,4

1947 1950 1954 1958 1962

PSD PTB PCB

UDN PSP Pequenos Fonte: Elaborado com base em SOUZA, M. do C. C. de. Estados e
partidos políticos no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976. p. 144.

Rearticulação político- apoiada sobre a maioria do PSD, UDN, PSP e de outros


pequenos partidos.
-ideológica Deslocada em termos parlamentares, a aliança
Interligado à crise econômica, desenvolveu-se um reali- PSD-PTB mantinha-se vital para as eleições executivas,
nhamento político que pôs em risco o equilíbrio populista. principalmente as presidenciais. No entanto, a reação
Gradativamente, os dois maiores partidos conservadores conservadora e o realinhamento ideológico do Legislati-
(PSD e UDN) foram perdendo terreno para o PTB. Isso aca- vo criavam obstáculos para a constituição de uma base
bou provocando uma rearticulação ideológica, favorecida, parlamentar governista. Tal situação fazia com que as
ainda mais, pelas subdivisões existentes nesses partidos. pressões populares e as demandas sociais transbordas-
Assim, na segunda metade da década de 1950, sur- sem os limites institucionais.
giu a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), que pro- Jânio Quadros era a expressão do realinhamento
curava ser a expressão dos chamados "progressistas" do ideológico. Eleito com 48% dos votos, desprezou o peso
PTB, do PSB e dos setores minoritários da UDN e do PSD. do Parlamento, criticando a instituição em diversas oca-
No campo conservador, nos primeiros meses de 1961, siões. Nomeou um ministério de perfil conservador e
foi constituída a Ação Democrática Parlamentar (ADP), procurou saídas para a crise econômica que provocaram

Desafinado 157

OH_V3_Book.indb 157 18/05/16 09:40


perdas no poder aquisitivo dos salários. Com tais medi-
das, caminhou rapidamente para o isolamento político. Jânio e Che Guevara
Seu personalismo parecia incontrolável. Impôs No campo das relações internacionais, Jânio imple-
proibições moralizantes, do uso de biquínis às brigas de mentou uma política de independência. A aproxima-
galo. Eleito por uma coligação conservadora, contraria- ção com governos de países socialistas, a condeco-
va-a com sua política externa. Carlos Lacerda, o maior ração de Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do
tribuno udenista e articulador de sua candidatura, voci- Sul e pronunciamentos de apoio aos movimentos de
ferava contra a esquerdização do país e contra supostas independência das colônias portuguesas na África
tramas golpistas organizadas pelo presidente. A UDN significaram um certo afastamento em relação à
arrependia-se de sua incursão populista. influência estadunidense em nossa política externa.

FOLHAPRESS
A crise política
Do ponto de vista econômico, Jânio lançou mão de
medidas liberais (desvalorização da moeda e corte nos
gastos públicos) para tentar conter a inflação e honrar
os serviços da dívida externa. Ao mesmo tempo, prome-
teu estabelecer uma lei de remessa de lucros que limi-
tasse a saída do capital estrangeiro investido e demons-
trou apoio à ideia de uma reforma agrária no país. Ele
cumpria o que prometera: a direita estava indignada e a
esquerda, perplexa.
Completamente isolado em apenas sete meses de
Presidente Jânio Quadros condecora o ministro
governo, o presidente lançou uma cartada decisiva com cubano Ernesto Che Guevara com a Grã-Cruz da Ordem
a criação do que previa ser um verdadeiro impasse polí- Nacional do Cruzeiro do Sul. Brasília (DF), 19 de
tico. O vice-presidente João Goulart fora enviado à China agosto de 1961.
comunista em missão diplomática. Na sua ausência, em
25 de agosto de 1961, numa sexta-feira, dia tradicional-
mente marcado pela pequena presença de parlamenta-
res em Brasília, Jânio surpreendeu a nação com o enca- O Governo de João Goulart
minhamento de um pedido de renúncia ao Congresso
A UDN, mais uma vez, voltou à carga, procurando impe-
Nacional.
dir a todo custo a posse de Jango. O vice-presidente,
Sua intenção era criar um fato político com a solici-
ainda na China, foi ameaçado de prisão caso retornas-
tação da renúncia, que, em virtude da falta de quórum
se ao Brasil. No entanto, significativas manifestações
parlamentar, não poderia ser votada e seria intensamen-
populares ocorreram no Sul e nos estados do Rio de
te explorada pela imprensa durante o final de semana.
Janeiro, São Paulo e Bahia pelo cumprimento da Cons-
Acreditava que o povo sairia às ruas para clamar por sua
tituição. No Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, então
permanência no cargo e que os militares poderiam ade-
governador, liderou o Movimento de Resistência Demo-
rir a uma saída golpista como alternativa a entregar o
crática e a chamada "rede de legalidade", obtendo o
poder ao temido João Goulart. Com o apoio popular, tal-
apoio do III Exército. Havia greves. Havia multidões. E
vez tentasse estabelecer uma ditadura no país.
havia armas. Era necessário negociar ou o país experi-
Naquela sexta-feira, porém, tudo saiu diferen-
mentaria uma guerra civil.
te para o presidente. Havia quórum no Congresso, que
A adoção do sistema parlamentarista de governo
aceitou seu pedido de renúncia, e as massas não esboça-
foi a solução encontrada para o impasse. Goulart assu-
ram nenhuma reação. Os setores militares, de fato, veta-
miria a presidência, mas a chefia do Executivo passava
ram a posse de Jango. Abria-se uma nova luta política
a ser exercida por um primeiro-ministro, indicado pelo
no país, mas Jânio Quadros já era carta fora do baralho.
presidente e aprovado pelo Congresso. Em 1965, já ao
Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados,
final do mandato de Jango, seria realizado um plebis-
assumiu interinamente a presidência da República.
cito popular sobre a manutenção do regime parlamen-

158 Capítulo 6  Terra em transe

OH_V3_Book.indb 158 18/05/16 09:40


tarista. Com menos poderes que os presidentes ante- tividade dos estados no Parlamento e a concessão do
riores, Jango recebeu a faixa presidencial no dia 7 de direito de voto aos analfabetos, bem como a ampliação
setembro de 1961. dos beneficiários do ensino público e a extensão dos
A presidência de Jango (1961-1964), nascida e assom- direitos trabalhistas ao campo, emergiria no Brasil uma
brada pela ameaça golpista e mitigada em seus primeiros nova e complexa realidade social.
dezesseis meses pela adoção do parlamentarismo, mar- O poder do ainda presente coronelismo seria atin-
cou o rompimento do frágil equilíbrio político populista. gido em cheio pela incorporação das clientelas rurais
A radicalização das pressões populares transbordaria do ao jogo político e pelo acesso aos benefícios sociais
mundo urbano e chegaria até o mundo rural, ameaçan- sem a intermediação dos chefes locais. As reformas
do romper o compromisso populista de manutenção das de base buscavam estabelecer uma nova hegemonia,
estruturas sociais do campo. Os militares, por uma série calcada nas camadas subalternas em aliança com os
de fatores, passariam da divisão política existente desde setores considerados reformistas das classes médias e
1945 à coesão que possibilitaria o golpe de Estado. do empresariado.
Os gabinetes parlamentares dos primeiros-minis- Em outubro de 1963, Jango enviou ao Congresso
tros Tancredo Neves e Brochado da Rocha (ambos do um anteprojeto de reforma constitucional que possi-
PSD) não foram capazes de solucionar a crise econômi- bilitaria o início das discussões acerca das propaladas
ca e o processo de radicalização político-social em curso reformas. A UDN e o PSD assumiram um posicionamen-
no país. A inflação chegou a 54% em 1962. As tensões to contrário a qualquer alteração na Constituição brasi-
sociais cresciam. Os governos parlamentaristas não leira. Todos os esforços no sentido de realizar a refor-
conseguiram impor-se à nação. O projetado plebiscito ma agrária foram impedidos pela maioria conservadora
foi antecipado para janeiro de 1963, e 82% da popula- e pela intensa mobilização dos proprietários rurais. A
ção aprovou o retorno do presidencialismo. autoridade do presidente era posta em questão tanto
pela direita quanto pela esquerda. Os primeiros denun-
As Reformas de Base ciavam a esquerdização do país e a desordem provoca-
A partir daí, Jango retomou o controle do governo e a da pelo governo e pelas forças subversivas. A esquerda
responsabilidade pelos destinos nacionais. Procurou reclamava da omissão de Goulart em relação a algumas
implementar o Plano Trienal e reduzir as desigualda- questões concretas que poderiam ser decididas sem
des regionais. Elaborado no início de 1963 pelo econo- passar pelos labirintos parlamentares. Manifestações e
mista Celso Furtado, o plano pretendia deter a inflação greves tomavam as grandes cidades brasileiras.
sem diminuir o crescimento econômico. Para tal proje- Isolado, Jango solicitou a apreciação do pedido
to, além do corte de gastos públicos e das contenções de estado de sítio ao Congresso em outubro de 1963.
temporárias de salários, previa-se a adoção de Reformas Direita e esquerda tendiam a recusá-lo, por receio de
de Base (nas estruturas agrária, tributária, administra- uma investida contra suas principais lideranças. O
tiva, bancária, eleitoral e educacional) que pudessem presidente retirou seu pedido três dias depois. A crise
dinamizar a economia nacional. política se agigantou.
Durante a campanha pelo presidencialismo, João A+ COMUNICAÇÃO

Goulart prometeu tornar-se o presidente das reformas INDÚSTRIA X AGRICULTURA (% do PIB)


sociais. Mas em seis meses de governo houve aumen-
to da inflação e queda do crescimento econômico. Pres- Agricultura
25,8 26,1
sões do empresariado e do movimento operário invia- Indústria
54,8 50,5
Serviços
bilizaram o Plano Trienal. As reformas estruturais não 19,4 23,4
saíram do papel. Cálculo do PIB
1939 1953
O presidente passou a ser caracterizado como inde- Uma forma de calcular
o PIB é pela soma das
ciso e vacilante pela esquerda, que exigia dele uma defi- riquezas produzidas
22,8 17,9
nição política em torno das Reformas de Base, indispen- dentro do país.
Nesse cálculo entram 52,8 54,1
sáveis para o sucesso do plano econômico. Mais do que os resultados da 24,4 28
os resultados sociais provenientes das reformas, estava indústria, dos serviços
e da agricultura.
em jogo a alteração das forças políticas. Com a imple- (fonte: Estadão Negócios) 1957 1968
mentação da reforma agrária, a revisão da representa-
Fonte: Elaborado com base em IBGE, Estatísticas históricas do Brasil.

Desafinado 159

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A+ COMUNICAÇÃO
PRESIDENCIALISMO E PARLAMENTARISMO

19

19 3
19
19
46

64
6
61
sanciona Presidente da República

Congresso nacional
Leis federais
Vice-presidente plebiscito (1963)
Regime presidencialista (1946-1961 e 1963-1964)

Deputados Senadores
federais nomeia
elaboram Presidencialismo 82%
Ministros Forças armadas
Parlamentarismo 18%
sancionam
Assembleias legislativas Leis estaduais Governadores estaduais

Deputados estaduais
elaboram
Secretários
nomeiam
Supremo Tribunal Federal
sancionam
Câmaras municipais Leis municipais Prefeitos
Vereadores Tribunal federal de recursos
elaboram
Secretários
nomeiam
ELEITORES
voto direto Tribunal Tribunal Tribunal do
eleitoral militar trabalho

sanciona
Tribunais regionais
Congresso nacional indica indica
Leis federais Presidente da República
Deputados Senadores
federais indica e preside
elaboram Primeiro-ministro Justiça Justiça Justiça Justiça do
Conselho de ministros comum eleitoral militar trabalho
Regime parlamentarista (1961-1963)

aprovam ou vetam Forças armadas

sancionam
Assembleias legislativas Leis estaduais Juízes locais

Deputados estaduais Governadores estaduais


elaboram
Secretários
sancionam nomeiam
Câmaras municipais Leis municipais
Prefeitos Poder legislativo
Vereadores
elaboram Poder executivo
Secretários
ELEITORES nomeiam Poder judiciário
voto direto

Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1994. p. 59.

DIVISÃO DE TERRAS (1920 A 1960) (% hectares)


Grandes propriedades Médias propriedades Pequenas propriedades
(1 000 hectares ou mais) (100 a 999 hectares) (1 a 99 hectares ou menos)

71,5% 85,5% 85,3% 89,4%


Número de
propriedades

24% 13% 13% 9,6%


4,5% 1,5% 1,7% 1%

9% 18% 17% 21%


63% 49% 51% 45%
Área das
propriedades

28% 33% 32% 34%

1920 1940 1950 1960

Fonte: Elaborado com base em Boletim da ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária).

160 Capítulo 6  Terra em transe

OH_V3_Book.indb 160 18/05/16 09:40


Faça Os estudantes, por sua vez, divididos em diversos
Tá ligado?! em se
cadernu
o
agrupamentos de esquerda, defendiam uma aliança
operário-estudantil-camponesa. Foi criada a Frente de
(Vunesp) O período de João Goulart (1961-1964) foi Mobilização Popular (FMP), que procurava congregar a
marcado por grande instabilidade. Pode-se dizer que UNE, a FPN, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT),
esse governo viveu sob o signo do golpe de Estado.
as Ligas Camponesas e os setores da esquerda católica,
Sobre o referido período, é correto afirmar que:
a) a emenda parlamentarista de 1961 aumentou o
como a Juventude Operária Católica (JOC) e a Juventude
poder do presidente da República. Universitária Católica (JUC).
b) o sucesso do Plano Trienal no combate à inflação À direita surgiu uma série de movimentos cujos
e na retomada do crescimento econômico estabi- objetivos eram frear o avanço das reivindicações popu-
lizou a economia. lares, financiar agrupamentos e políticos de feições
c) a constante maioria do governo no Congresso era anticomunistas e destituir Jango da presidência, fosse
garantida pela aliança entre o PTB e a UDN. pelo recurso legal do impeachment, fosse pelo golpe de
d) os grandes empresários liberaram recursos para a Estado. O Instituto Brasileiro
execução das Reformas de Base. Impeachment: ato
de Ação Democrática (IBAD) e
pelo qual se destitui,
e) a proposta de reforma agrária, com emenda cons- o Instituto de Pesquisas e Estu- mediante deliberação
titucional, provocou uma forte oposição dos pro- dos Sociais (IPES) desempe- do Poder Legislativo,
prietários rurais ao governo. o presidente da
nharam papel fundamental no República.
→ DL/CF/SP/H8 financiamento de campanhas
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9. políticas parlamentares, exe-
cutivas e sindicais, de órgãos de imprensa e institutos
de pesquisa e estudos que forneciam orientação ideoló-
A mobilização popular gica e política aos empresários e latifundiários.
Os governadores Magalhães Pinto e Carlos Lacerda
Apesar da negativa em conceder o estado de sítio, a
(UDN), Ildo Meneghetti (PSD) e Ademar de Barros (PSP)
esquerda procurava vincular-se a Jango. Ofereceu-lhe
conspiravam abertamente contra Jango. O clima era de
apoio em troca da nomeação de Leonel Brizola como
confronto. Configurava-se, mais uma vez, um processo
ministro da Fazenda e exigiu, por meio de manifesta-
de radicalizações ideológicas.
ções, medidas mais arrojadas para conter a crise econô-
mica e a ameaça de golpe por parte da direita. Guinada à esquerda
Em nenhum momento da história brasileira as pres-
Nos primeiros meses de 1964, o presidente iniciou uma
sões populares foram tão intensas. A política deixava
clara aproximação com a esquerda. Não reprimiu movi-
de ser privilégio do jogo parlamentar e absorvia as uni-
mentos grevistas e ocupações de terras, regulamen-
versidades, as escolas, as fábricas, os quartéis e as áreas
tou a Lei de Remessa de Lucros, que limitava o fluxo de
rurais. O Brasil assistia a uma intensa mobilização sindi-
dinheiro que as empresas estrangeiras no Brasil envia-
cal, que redundava num número crescente de greves de
caráter político. Contando muitas vezes com o apoio táci- vam ao exterior e propôs a formação de uma frente polí-
to de setores militares, tais movimentos acabaram por tica que congregasse desde o PSD até o PCB, capaz de
incendiar as camadas subalternas das Forças Armadas. implementar as polêmicas reformas com a revisão cons-
No campo ocorria a formação de diversos sindica- titucional. A essa altura, o PSD, apesar de não apoiar as
tos, cujas direções eram disputadas por grupos católi- tentativas udenistas de impeachment do presidente, já
cos de direita e esquerda e pelo PCB, ainda na clandesti- se distanciara de qualquer articulação governamental.
nidade, reclamando a reforma agrária e o cumprimento Sem apoio parlamentar, Jango recorreria às mas-
das leis trabalhistas aprovadas no início de 1963. Mas o sas populares como forma de pressão sobre deputa-
movimento dos trabalhadores rurais tinha nas temidas dos e senadores. No dia 13 de março, uma sexta-feira,
Ligas Camponesas o seu braço mais radical. Organiza- o último ato da democracia populista pareceu sintoni-
das por Francisco Julião, em Pernambuco e na Paraí- zar, como em nenhum outro momento da nossa histó-
ba, entre 1955 e 1964, como forma de resistência dos ria, as reivindicações populares e o chefe da nação. De
pequenos agricultores e trabalhadores, as Ligas recor- forma entusiástica e radical o presidente anunciou no
riam muitas vezes às armas contra os desmandos de Rio de Janeiro, num comício realizado na estação fer-
latifundiários e defendiam uma reforma agrária radical. roviária Central do Brasil, perante uma ruidosa multi-

Desafinado 161

OH_V3_Book.indb 161 18/05/16 09:40


dão, o decreto de encampação das terras às margens de mais de 250 mil pessoas na Marcha da Família com
rodovias e ferrovias para a realização da reforma agrá- Deus pela Liberdade.
ria e prometeu uma série de outras medidas de impac- As conspirações iniciadas nos primórdios do gover-
to: tabelamento de aluguéis e uma Constituinte. Foi o no Jango foram precipitadas pelo levante dos marinhei-
Comício das Reformas. ros de 25 de março, cujos participantes foram anistia-
Procurando mobilizar as forças de esquerda e dos pelo presidente. As fortes reações no meio militar à
nelas apoiar-se, Jango lançou a definitiva cartada do quebra da disciplina e ao desrespeito à hierarquia foram
regime populista. A incorporação das massas ao jogo decisivas para a deflagração do movimento golpista. A
político chegou ao seu clímax e tinha de garantir as hesitação de oficiais e políticos de centro ia sendo ven-
profundas reformas sociais e institucionais, extra- cida pelo clima de radicalização política.
polando o próprio Poder Legislativo. Mas a ação do Em 31 de março, o general Mourão Filho, de Minas
presidente mobilizou também a oposição, levando à Gerais, iniciou o deslocamento de tropas para o esta-
composição entre a UDN e o PSD na defesa de seus do da Guanabara. Em outras regiões do país seguiram-
privilégios sociais e à gradativa coesão militar em -se movimentações de destacamentos militares contra
resposta às manifestações populares. Menos de uma o governo. Sem resistência popular ou militar, Jango foi
semana após o Comício das Reformas, setores con- deposto. No dia seguinte, milhares de pessoas saíram às
servadores organizaram uma estrondosa manifesta- ruas para saudar os revoltosos. Era o fim da República
ção contra o governo federal, reunindo, em São Paulo, Populista. A UDN, finalmente, chegava ao poder.

A Revolta dos Sargentos


Primeiro foram os marechais, no início da República, pero da alta oficialidade e dos grupos direitistas. Em
ao final do século XIX. Depois, os tenentes e capitães, setembro de 1963, em Brasília, estourava a Revolta
na década de 1920. Com Vargas, muitos chegaram dos Sargentos, com a qual os revoltosos reivindicavam
ao poder em 1930 e eram agora, em 1963, generais e o direito de participar, como candidatos, das eleições
marechais. Quarenta anos após a revolta dos tenentes, do país. Após ocuparem diversos prédios dos ministé-
o Movimento Nacional dos Sargentos insurgia-se con- rios militares, eles prenderam oficiais na base aérea de
tra a severidade disciplinar dos regulamentos militares Brasília, onde receberam apoio de deputados da Frente
e reclamava melhores salários e plenos direitos polí- Parlamentar Nacionalista (FPN). Doze horas depois, o
ticos, aproximando-se da classe operária, para deses- levante era sufocado por forças do Exército.
ARQUIVO DO ESTADO, SÃO PAULO, BRASIL

Tropas do Exército durante a


Revolta dos Sargentos, praça
dos Três Poderes, Brasília, 13 de
março de 1963.

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Quais eram as características da crise econômica 5 Que tipo de hegemonia buscava-se estabelecer com
dos primeiros meses do governo Jânio? → DL/SP/H9 as Reformas de base? Como tal hegemonia se pro-
2 Quais eram as características da crise social provo- cessaria? → DL/SP/H8/H9/H11
cada pelo desenvolvimento econômico? → DL/SP/H9 6 A adoção das Reformas de Base implicaria uma
3 O que representava, em termos político-ideológi- mudança de rumos no modelo de substituição de
cos, a candidatura de Jânio Quadros? → DL/SP/H9 importações? Justifique sua resposta. → DL/SP/CA/H8
4 Quais foram os principais aspectos do Plano 7 Quais eram as características da crise do regime
Trienal? → DL/SP/H8 populista? → DL/SP/H8/H9/H10/H11

162 Capítulo 6  Terra em transe

OH_V3_Book.indb 162 18/05/16 09:40


Um Outro Olhar Geopolítica
BRASIL SEMPRE
"Agitadores comunistas e criptocomunistas infiltraram-se e São Paulo, confraternizou. Fora a mais rápida revolução
nos comandos administrativos, sindicais e estudantis. triunfante nacional: a 1.o de abril, caía Goulart. Logo fugiu
Aqueles que em 1961, na crise da posse, defenderam para Brasília, daí para Porto Alegre e, a 4, na condição de
o rígido respeito ao formalismo constitucional, queriam asilado político, abrigou-se em Montevidéu. Outra vez, inte-
agora repudiá-lo, exigindo reformas estruturais (reforma rinamente, assumiu a presidência da República o deputado
agrária) em termos conflitantes com o texto magno. Mazzilli. Surgia, como poder efetivo, o Supremo Comando
Para as massas operárias e camponesas, terrivelmente Militar revolucionário."
desgastadas pela inflação galopante, as reformas de base GIORDANI, M. P. Brasil sempre. Porto Alegre: Tchê!, 1986. p. 33-35.
prometidas assumiam as cores da esperança.
A situação econômica mostrava-se sombria. As gre- Marco Pollo Giordanié integrante do Exército brasileiro, autor
de vários artigos e livros acerca do papel dos militares na
ves multiplicavam-se com uma frequência febril. Nunca
política brasileira e era tenente da 2.a seção (serviço secreto) do
se sabia quando era possível encontrar um banco aberto,
Comando Militar do Sul quando publicou o livro Brasil sempre.
tomar um avião para viagem urgente. As paralisações dos
transportes urbanos formavam, a espaços curtos, melan-

MÁRIO YOSHIDA
cólicas passeatas de usuários, no rumo dos empregos.
O ANTAGONISMO DOMINANTE
Com as greves, subiam os custos da produção, aumentan-
do o processo inflacionário.
A majoração de salários (o mínimo geral ou profis-
sional, o de certas categorias econômicas, a lapsos cada
vez menores) repercutia imediata e intensamente nos
custos industriais e comerciais, consumindo logo, na
voracidade inflacionária, o aumento demagógica e iluso-
riamente concedido.
[...] Para contrabalançar a propaganda subversiva
vinda de emissoras oficiais, radiodifusoras de vários pon-
tos do país congregaram-se na Rede da Democracia. A
LIMDE (Liga das Mulheres Democráticas) impediu a realiza-
ção de um congresso vermelho em Belo Horizonte. No Rio
de Janeiro, formava-se a CAMDE (Campanha da Mulher pela
Democracia) – era a sensibilidade nacional despertando.
[...] a hierarquia das Forças Armadas preparava-se
para exercer, mais uma vez, a função de Poder Moderador,
incluída no costume político-administrativo da República Estados Unidos
Pacto anti-União
nos casos extremos de regime em perigo. Fonte: Elaborado com base em SILVA, G. do C. e. Soviética

A fidelidade ao regime sobrepunha-se à obediência Conjuntura política nacional: o poder executivo e


Neutralismo
Principais zonas
ao governo que se omitia. [...] O I Exército, deslocado para geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: JoséUnidos
Estados Olympio, de instabilidade
Pacto anti-União
1981. p. 85. Soviética União Soviética
conter as colunas revolucionárias vindas de Minas Gerais Neutralismo
e China

Principais zonas
Satélites
de instabilidade
Iugoslávia
União Soviética
e China
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9. Mário, Satélites

cadernu Iugoslávia
o
Mário,
aplicar cores:
a) QuaisEUA
1 Como o autor justifica a ação militar de 31 de marçoaplicar cores: eram =os azul
inimigos internos, segundo a visão
de 1964? → DL/CF/SP/H14 militar corrente no Brasil após-aazul
Pactos anti-URSS Segunda
maisGuerra
claro
EUA = azul Mundial? → DL/SP/H9/H11/H14
2 Qual é o papel das Forças Armadas na visão dePactos anti-URSS Neutralismo
- azul
b) Quais poderes mais
eram
=claro
cinzaporclaro
ameaçados esses "inimi-
Giordani? → DL/CF/SP/H9/H14
Neutralismo =Principais
cinza claro xonas
gos internos"? → DL/SP/H11/H14 de instabilidade = verde esc
3 O reconhecimento de "inimigos internos" foi uma cons-Principais xonas URSSdepodem
instabilidade
e China = verde
= vermelho escuro
tante durante a democracia populista e, posteriormen-URSS 4 Quais relações ser estabelecidas entre o mapa
e de
China = vermelho
Satélites
Golbery do Couto e=Silva
roxoe o texto de Giordani?
te, durante a ditadura militar. Pergunta-se:
Satélites→ = roxoIugoslávioa = hachurado de vermelho
DL/CF/SP/H4/H7/H9/H14
Iugoslávioa = hachurado de vermelho
texto sem ser em curvas Desafinado 163
texto sem ser em curvas

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Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

PODEMOS NÃO SER PARTE DO MUNDO?


"Durante a Segunda Guerra, a interrupção dos fluxos de dos anos [19]60. A propósito, é oportuno acrescentar que
comércio com os países industriais da Europa e as restri- nem Vargas nem Juscelino pretendiam um Brasil autárqui-
ções com os Estados Unidos fizeram com que, no Brasil, co, isolado das economias de mercado.
a base industrial já diversificada operasse e improvisas- Vargas apenas sancionou o monopólio da Petrobras
se até o mais extremo limite, com preços relativos muito (que foi votado pelos seus mais ferrenhos adversários da
favorecidos, para atender o mercado interno e o dos paí- UDN) e Juscelino era um entusiasta da liberdade de ingres-
ses vizinhos. Em 1946, o Brasil já tinha um empresariado so de capitais e tecnologia estrangeiros. Fez-se substitui-
industrial consciente da sua importância, que pressiona- ção de importações porque, no contexto internacional dos
ria para o país continuar no seu processo de desenvolvi- anos [19]50 (quando ainda havia restrições aos movimen-
mento por substituição de importações. tos de capitais e ao intercâmbio comercial), era a opção
[…] os Estados Unidos, absortos nos problemas da Guerra mais racional para rapidamente expandir a base industrial
Fria, deram prioridade (sistematizada no Plano Marshall) à e gerar economias de escala. Estava, então, subentendido
recuperação econômica de países devastados. [...] que o Brasil deveria participar competitivamente na eco-
Nesse período, forma-se quase um consenso nacional nomia mundial quando esta se fosse normalizando. A subs-
a favor de se promover a industrialização e a moderniza- tituição de importações não era um dogma. Era um mero
ção econômica sob a liderança do Estado. Era o espírito da juízo de conveniência nas circunstâncias.
época e, afinal, parecia hipocrisia falar em deixar por conta Depois dos duros esforços do governo Castello Branco
do mercado (e, sobretudo, dos capitais estrangeiros) as (1964-67) para recuperar a economia e conter a inflação, a
decisões sobre o ritmo dos investimentos e os setores bene- estrutura econômica brasileira estava amadurecendo para
ficiados, uma vez que os próprios Estados Unidos patroci- concorrer no cenário internacional, como demonstrado na
navam, com o Plano Marshall, uma experiência internacio- fase do milagre brasileiro de [19]68 a [19]73. Mas na crise
nal de planejamento em escala jamais imaginada. mundial de [19]74-82 cometeu-se um erro que nos faria per-
Participei diretamente nesse esforço de 'industriali- der o compasso daí por diante.
zação dirigida', através do BNDE, no governo Vargas, e do Enquanto a grande maioria dos países aumentava os
Programa de Metas de Juscelino em plena atividade polí- preços internos dos derivados de petróleo, limitava gastos
tica, no meu terceiro mandato popular, acho que cabe um públicos e adotava políticas monetárias austeras, o Brasil
esclarecimento sobre minhas ideias, pelas quais sempre deixava o consumo solto e acelerava a substituição de impor-
paguei o preço que fosse. Sou um liberal cada vez mais con- tações numa direção claramente autárquica [...] e preferia o
victo e, como é reconhecido, absolutamente consistente ao endividamento externo oneroso aos investimentos de risco
longo de mais de 40 anos de vida pública. Haverá nisso, estrangeiros. Essa política econômica teria sido adequada
como querem alguns, uma incoerência com o meu papel de logo antes da Segunda Guerra Mundial, mas nada mais tinha
formulador do uso do Estado no desenvolvimento? a ver com o contexto internacional dos anos [19]70, quan-
Não. Nenhuma incoerência. Um liberal é, antes de mais do não era provável um prolongado conflito militar em gran-
nada, um homem da razão como meio e da liberdade como de escala."
fim. Há momentos em que o Estado é, de fato, o instrumen- CAMPOS, Roberto. Folha de S.Paulo, 13 dez. 1994.
to mais eficiente e assim foi nos anos [19]50, como viria Roberto Campos(1917-2001) foi um dos mais importantes
a ser, depois de sua recuperação no governo de Castello economistas brasileiros, ministro do governo de Castello
Branco, na modernização econômica da segunda metade Branco (1964-1967), senador e deputado federal pelo PDS.
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Como Roberto Campos justifica a intervenção do 3 O liberalismo econômico tem bastante prestígio nos
Estado na economia durante a República Populista? dias de hoje. O atual governo brasileiro segue a car-
→ DL/CF/SP/H8/H14 tilha liberal? Justifique e apresente pelo menos duas
medidas como exemplo. → DL/CF/SP/H8/H9
2 Qual é o receituário básico do liberalismo?
→ DL/SP 4 Como o liberalismo propõe solucionar o problema das
desigualdades sociais? → DL/SP

164 Capítulo 6  Terra em transe

OH_V3_Book.indb 164 18/05/16 09:40


Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 Analise atentamente as duas fotos a seguir:

ACERVO ICONOGRAPHIA

FOLHAPRESS
Comício da Central ou Comício das Reformas organizado Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada
por João Goulart e realizado em frente à estação Central do com o objetivo de mobilizar a opinião pública contra o
Brasil. Rio de Janeiro, 13 de março de 1964. governo de João Goulart. São Paulo, 19 de março de 1964.

a) Aponte as tendências políticas agrupadas em A partir dessas informações, relativas à história


cada uma dessas manifestações. → DL/SP/H4/H11 republicana brasileira, assinale a opção correta.
b) O populismo teve como característica a mobiliza- a) Ao término do governo João Goulart, Juscelino
ção das massas urbanas e a sua incorporação ao Kubitschek foi eleito presidente da República.
jogo político. Pode-se afirmar que as duas mani- b) A renúncia de Jânio Quadros representou a primei-
festações retratadas marcam o esgotamento do ra grande crise do regime republicano brasileiro.
populismo no Brasil? Por quê? → DL/CF/SP/H9/H10 c) Após duas décadas de governos militares, Getúlio
2 Elabore uma linha do tempo de todo o período da Vargas foi eleito presidente em eleições diretas.
democracia populista que contenha: d) A trágica morte de Vargas determinou o fim da
a) o nome de todos os presidentes da República; carreira política de João Goulart.
→ DL/CF/SP e) No período republicano citado, sucessivamente,
b) o nome dos planos econômicos implementados; um presidente morreu, um teve sua posse contes-
→ DL/CF/SP
tada, um renunciou e outro foi deposto.
c) as siglas partidárias vencedoras dos pleitos presi- → DL/SP/H9
denciais. → DL/CF/SP 5 Em uma das muitas anedotas políticas brasileiras é
3 Abelardo Jurema, um dos principais líderes do PSD, atribuída a expressão "rouba, mas faz" a simpatizan-
afirmou certa vez: "O PSD sem o PTB irá para a rea- tes do governador paulista Ademar de Barros quan-
ção; o PTB sem o PSD irá para a revolução". Como tal do questionados sobre a conduta ética de seu líder.
frase articula-se à engrenagem política montada por Independentemente da veracidade da origem da
Vargas? → DL/CF/SP/H1/H9 frase, a expressão acabou consagrada no vocabulário
político nacional.
4 (Enem) A moderna democracia brasileira foi construí-
a) Qual é o perfil de um político com essa definição?
da entre saltos e sobressaltos. Em 1954, a crise culmi-
→ DL/CF/SP/H23
nou no suicídio do presidente Vargas. No ano seguinte,
outra crise quase impediu a posse do presidente eleito, b) Na política brasileira atual há outras lideranças
Juscelino Kubitschek. Em 1961, o Brasil quase chegou à que também podem ser definidas por esse slo-
guerra civil depois da inesperada renúncia do presiden- gan? Quais? → DL/CF/SP/H12/H23/H24
te Jânio Quadros. Três anos mais tarde, um golpe militar c) Quais são as implicações negativas desse tipo de
depôs o presidente João Goulart, e o país viveu durante apresentação política para a construção da cida-
vinte anos em regime autoritário. dania brasileira? → DL/CF/SP/H12/H23/H24

Engenho e Arte 165

OH_V3_Book.indb 165 18/05/16 09:40


6 (Enem) O ano de 1954 foi decisivo para Carlos Lacerda. b) Lacerda e adeptos do getulismo, aparentemente
Os que conviveram com ele em 1954, 1955, 1957 (um opositores, expressavam a mesma posição políti-
dos seus momentos intelectuais mais altos, quando co-ideológica.
o governo Juscelino tentou cassar o seu mandato de c) a implantação do regime militar, em 1964, decor-
deputado), 1961 e 1964 tinham consciência de que reu da crise surgida com a contestação à posse de
Carlos Lacerda, em uma batalha política ou jornalís- Juscelino Kubitschek como presidente da República.
tica, era um trator em ação, era um vendaval desenca- d) Carlos Lacerda atingiu o apogeu de sua carreira,
deado não se sabe como, mas que era impossível parar tanto no jornalismo quanto na política, com a ins-
fosse pelo método que fosse. tauração do regime militar.
FERNANDES, H. "Carlos Lacerda, a morte antes da missão e) Juscelino Kubitschek, na presidência da República,
cumprida". In: Tribuna da Imprensa, 22/5/2007. (adaptado)
sofreu vigorosa oposição de Carlos Lacerda, contra
Com base nas informações do texto acima e em aspec- quem procurou reagir.
tos relevantes da história brasileira entre 1954, quando → DL/SP
ocorreu o suicídio de Vargas (em grande medida, devi-
do à pressão política exercida pelo próprio Lacerda), e 7 (IRBr-DF) O termo "desenvolvimentismo" foi uma
1964, quando um golpe de Estado interrompe a traje- palavra-chave no vocabulário dos políticos brasileiros
tória democrática do país, conclui-se que: durante os anos 1950. Explique o que foi esse projeto e
a) a cassação do mandato parlamentar de Lacerda quais as medidas tomadas com vistas à sua implantação.
antecedeu a crise que levou Vargas à morte. → DL/CF/SP/H8/H9

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

a) A trilha sonora.
Os desafinados
b) A divisão dos tempos históricos dentro da narrativa.
Diretor: Walter Lima Jr.
DIVULGAÇÃO

c) As tensões entre os personagens Quim e Dico.


País: Brasil
Ano: 2008 d) O projeto de Cinema Novo do personagem Dico.
e) A fotografia de Pedro Farkas.

Ação
1 Identifique o momento histórico do Brasil apresenta-
do na primeira parte da narrativa.
O filme conta a história de cinco músicos que partem para
Nova York, onde conhecem uma musicista brasileira que 2 Como é representado o presente da narrativa, ou seja,
comporá a voz feminina do grupo. No regresso ao Brasil, os o ano de 2008?
personagens encontram o país à beira de um golpe militar. 3 A primeira parte do filme se passa em Nova York.
Aponte algumas das ambiguidades e contrastes pre-
Luzes sentes no Brasil daquela época.
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes 4 Quais as semelhanças e diferenças entre os tipos de
nos Procedimentos metodológicos da página 10. mulher representados pelas personagens Glória e
• Leia novamente os itens Juscelino Kubitschek (p. 153), Luísa? O que elas poderiam simbolizar?
O regime populista (p. 153), A mobilização popular (p. 5 Quais as classes sociais representadas no filme?
161) e Guinada à esquerda (p. 161). 6 Em uma das cenas, Dico reclama da música que os
• Pesquise sobre a Bossa Nova e o Cinema Novo. amigos fazem. Segundo ele, a Bossa Nova exagerava
no "pertinho", "banquinho", "barquinho" e deixava de
Câmera lado questões sociais importantes para o país. Aponte
De posse de material para fazer anotações durante a exibi- as características do Cinema Novo representadas pelo
ção do filme, sugerimos que você preste atenção nos aspec- projeto do personagem de Dico, o cineasta do grupo.
tos a seguir e registre-os. → DL/CF/H1/H3/H5/H11

Estante • TOLEDO, C. N. de. O governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo: Brasiliense, 1982.

166 Capítulo 6  Terra em transe

OH_V3_Book.indb 166 18/05/16 09:40


1 (UERJ) b) foi positiva e significativa para a indústria
nacional a solução de Juscelino, fazendo
A culpa é do governo com que fosse produzido aqui, por uma filial
"Bossa-nova mesmo é ser presidente estrangeira, o que antes era feito lá fora.
desta terra descoberta por Cabral. c) o crescimento econômico teve uma forte
Para tanto basta ser tão simplesmente atuação das empresas nacionais que,
Radar
apoiadas pelo governo, se incorporavam
simpático... risonho... original."
às concorrentes estrangeiras.
Juca Chaves
d) o autor critica a solução ambígua de
Retrato do velho Juscelino que, sendo nacionalista, praticou
"Bota o retrato do velho outra vez uma política contrária ao real desenvolvi-
mento de uma indústria nativa e a favor de
Bota no mesmo lugar
uma pura e simples instalação de filiais de
O sorriso do velhinho empresas estrangeiras no Brasil.
Faz a gente se animar, oi. e) são características do nacionalismo o
[...] desenvolvimento econômico baseado no
O sorriso do velhinho capital estrangeiro, tecnologia importada
e crescimento da dívida externa.
Faz a gente trabalhar."
Marino Pinto e Haroldo Lobo → DL/SP/H8
Faça
em se Os estilos de governar de Getúlio Vargas e de 3 (UFU-MG) A respeito do panorama cultural na
cadernu década de 1950 no Brasil, podemos afirmar que:
o Juscelino Kubitschek são abordados nas letras
de música apresentadas. Um elemento comum I. o uso da imagem da mulher era comum
→ conforme nas revistas femininas, tais como "Jornal
das políticas econômicas destes dois governos
tabelas das
está indicado na seguinte alternativa: das Moças", "Querida" e "Cláudia", asso-
páginas 8 e 9.
a) trabalhismo. ciada à venda de produtos de moda, cos-
méticos, adereços ou de cunho domés-
b) monetarismo.
tico, abrangendo desde produtos para
Tá na rede! c) industrialismo. casa, como eletrodomésticos e alimentos
d) corporativismo. em geral, até remédios, uma vez que
QUESTÕES
no "lar" era ela quem deveria cuidar da
DE ENEM → DL/CF/SP/H1/H9
saúde e higienização das crianças.
Digite o endereço 2 (Anhembi-Morumbi-SP) "O desejo de fazer o
abaixo na barra II. no cinema, as chanchadas da Atlântida
país crescer de forma extraordinariamente rápi-
do navegador de representavam uma alternativa de entre-
da obrigou Juscelino a apelar maciçamente ao
internet: http://goo. tenimento para as classes populares, rea-
capital estrangeiro e aos empréstimos externos.
gl/xog0Jb. Você lizando sátiras, paródias e deboches de
pode também tirar
Desse modo, nosso nacionalismo foi estranhís-
tipos de mitos criados em Hollywood,
uma foto com um simo, baseado em capital estrangeiro, tecnolo-
como em "Matar ou correr" e "Nem
aplicativo de QrCode gia importada e crescimento da dívida exter-
Sansão nem Dalila".
para saber mais sobre na. Inclusive, muitas empresas nacionais aca-
o assunto. Acesso em: baram absorvidas por concorrentes estrangei- III. na música, o ritmo da Bossa Nova ocupou o
4 abr. 2016. ros, iniciando-se, assim, a desnacionalização centro das atenções e do mercado discográ-
da nossa indústria! Bem vistas as coisas, con- fico, ao se identificar com o nacionalismo
siderava-se como solução nacionalista a sim- musical, incorporando o samba-canção e
ples produção, aqui dentro, de produtos antes contrapondo-se à invasão cada vez maior
importados e agora produzidos aqui por uma do jazz e do rock dos Estados Unidos.
filial da empresa que os produzia no exterior. IV. o governo de Juscelino Kubitschek e sua
Ora, isso não é ser nacional: é 'national'." política cultural de aproximação das mas-
sas, apoiado pelos intelectuais da época,
O texto, de José Carlos Pires de Moura, é uma
trouxe um clima de euforia ao país, pro-
Página dedicada a análise crítica do que foi a política industrial
questões já aplica- movendo a defesa da cultura nacional
do Plano de Metas.
das em provas do diante da presença cada vez maior dos
ENEM. Busque exer- Segundo o texto podemos inferir que: produtos estrangeiros, como a Coca-Cola,
cícios sobre os temas
desenvolvidos neste a) o governo de Juscelino foi nacionalista e e ainda incorporando os setores mais
capítulo. extremamente importante para o desen- pobres da população ao consumo de bens
volvimento da indústria nacional nativa. domésticos.

Radar 167

OH_V3_Book.indb 167 18/05/16 09:40


Assinale a alternativa correta. a) a organização dos movimentos sociais no campo
a) Apenas I e II são corretas. foi aprimorada a partir da fundação de sindicatos
b) Apenas I e III são corretas. rurais evangélicos;
c) Apenas II e III são corretas. b) os trabalhadores rurais brasileiros deram início a
uma estratégia de ocupação em massa das gran-
d) Apenas III e IV são corretas.
des fazendas, por todo o Brasil;
→ DL/SP/H21 c) os trabalhadores do campo foram vítimas do
4 (PUC-PR) "Brasília nascia, brotada de uma nave mági- "perigo comunista", dependendo do golpe mili-
ca, em meio do deserto, onde os índios não conhe- tar de 1964 para libertá-los e reestruturá-los com
ciam nem a existência da roda; estendiam-se estra- base em acampamentos rurais;
das e criavam-se grandes represas; das fábricas de d) os movimentos sociais no campo brasileiro pas-
automóveis surgia um auto novo a cada dois minutos. saram a ser conduzidos e orientados pela União
A indústria acelerava-se a grande ritmo. Abriam-se as Democrática Ruralista;
portas, de par a par, à inversão estrangeira, aplaudia-
e) a organização dos trabalhadores rurais brasilei-
-se a invasão de dólares, sentia-se vibrar o dinamis-
ros passou a ser disputada por duas novas forças
mo do progresso."
políticas: a Igreja e o Partido Comunista.
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 233. → DL/SP/H9/H10/H11
7 (PUCCamp-SP) O governo de Jânio Quadros foi objeto
O texto lembra a época do governo Kubitschek e o:
de controvérsias, entre outras razões, em face de ter:
a) Plano SALTE.
a) desenvolvido uma política externa de aproxima-
b) I Plano Nacional de Desenvolvimento.
ção com países da área socialista, apesar de elei-
c) Plano Trienal. to por correntes conservadoras.
d) Metas e Bases. b) proposto ao Congresso Nacional uma lei de refor-
e) Plano de Metas. ma agrária inspirada em Cuba, país que visitou.
→ DL/SP/H8 c) rompido o acordo militar Brasil-Estados Unidos
sem aviso prévio ao Parlamento brasileiro.
5 (Fuvest-SP) A renúncia de Jânio Quadros, na se-
quência das reações à condecoração de Che Guevara d) renunciado ao apoio parlamentar das correntes
pelo presidente brasileiro, apenas sete meses após que o elegeram, aliando-se ao PTB de João Goulart.
iniciado o governo, gerou uma crise política que teve e) estimulado uma política de reformas de base, com
como consequência imediata: vistas à modernização do Brasil.
a) o não reatamento diplomático com a União → DL/SP/H7
Soviética e o abandono da Política Externa
8 (Unifesp) É conhecida a tese segundo a qual o regi-
Independente.
me militar instaurado no Brasil a partir de abril de
b) o desenvolvimento do Movimento da Legalidade, 1964 teve seu início adiado por dez anos em virtude
que tinha como objetivo manter Quadros no poder. do suicídio do presidente Getúlio Vargas, em agosto
c) a introdução do parlamentarismo, fórmula de com- de 1954. Nesse decênio, de sobrevida da democracia
promisso para garantir a posse do vice-presidente. populista, o país:
d) a implantação do regime militar, que tinha como a) amargou um descontrole inflacionário, que derrubou
objetivo esmagar a esquerda. como nunca o poder de compra dos assalariados.
e) a ruptura de relações com Cuba e o apoio aos EUA b) conheceu um de seus momentos culturais mais
para expulsar esse país da OEA. altos e criativos, como no campo da música.
→ DL/SP/H9 c) sofreu uma permanente instabilidade política, mar-
cada pelo revezamento de civis e militares no poder.
6 (UFF-RJ) A partir de 1961, as Ligas Camponesas – for-
mas de organização dos trabalhadores rurais – entra- d) recebeu um grande afluxo de imigrantes externos,
ram em crise interna, devido a divergências entre suas provenientes, sobretudo, do cone sul, por razões
lideranças. Uma defendia a adoção das teses da guer- políticas.
ra de guerrilhas e a outra, representada por Francisco e) passou de uma economia agrário-exportadora e
Julião e contrária a esta estratégia, tentou, sem suces- industrial para uma economia agrário-exportado-
so, unificar novamente a direção do movimento. ra e de serviços.
Com base nessa afirmação é possível dizer que, no → DL/SP
decorrer dos anos 1960:

168 Capítulo 6  Terra em transe

OH_V3_Book.indb 168 18/05/16 09:40


Capítulo

10
7 A era da contestação

DE OLHO nos

N
a mitologia greco-romana, os deuses foram criados pelo Conceitos
Universo. O Céu (Urano) unido à Terra (Geia) produzia filhos
que, tão logo nasciam, eram devolvidos ao seio materno. Em • Autodeterminação
nome da liberdade, Saturno, o filho caçula, revoltou-se contra o pai. • Desobediência civil
Castrou-o, libertou seus irmãos e, logo em seguida, tomou seu lugar • Pan-africanismo
e passou a governar o mundo. No entanto, com receio de perder o
poder, aprisionou seus irmãos nas trevas e passou a devorar seus • Revolução cultural
filhos assim que vinham à luz. No Brasil, a aliança entre os seto- • Movimento civil/
res civil e militar pôs fim ao populismo. Em nome da liberdade, da movimento social
ordem, da segurança nacional, o presidente Goulart foi deposto. Um • Luta armada
novo governo viria a se formar a partir dessa aliança. No entanto,
como na mitologia grega, o golpe de 1964 também devoraria seus
• Teologia da
Libertação
filhos. E muitos de seus pais.
Nos Estados Unidos, uma entranhas do sistema capitalista,
• Foquismo
impressionante explosão demo- onde acreditavam que seriam devo- • Maoísmo
gráfica verificou-se após a Segunda rados. Desconfiados, cunharam um • Contracultura
Guerra Mundial, com um aumento
de mais de 40% na taxa de nasci-
dos slogans mais famosos da Histó-
ria: "Não acredite em ninguém com
• Pop art
mentos. A geração do chamado baby mais de 30 anos". • Cinema Novo
boom viveria uma época de otimis-
mo e euforia econômica, distante ACERVO HÉLIO OITICICA, RIO DE JANEIRO, BRASIL

dos traumas das gerações anterio-


res, que vivenciaram as duas gran-
des guerras e a depressão econômi-
ca de 1929.
No entanto, a geração do pós-
guerra, nos Estados Unidos e na
Europa, ficaria marcada pelo incon-
formismo. Como nenhuma outra,
procurou romper com os valores
e costumes de seus próprios pais.
Criados num universo de prospe-
ridade, revoltaram-se contra os
valores sociais e comportamentais
de suas famílias, sonhando com a Seja marginal, seja herói ou Homenagem a Cara de Cavalo,
liberdade. Procuraram escapar das Hélio Oiticica. Estandarte, serigrafia sobre tecido, 1968.

169

OH_V3_Book.indb 169 18/05/16 09:40


1 Sob o signo de Saturno

R
efugiado no Rio Grande do Sul e depois asilado no Uruguai, João
Goulart recusou-se a tentar uma resistência armada ao golpe civil-
-militar. Em 2 de abril de 1964, a presidência da República foi decla-
rada vaga e novamente empossado, interinamente, Ranieri Mazzilli, presi-
dente da Câmara dos Deputados.
A intervenção militar era anunciada como passageira e saneadora dos
"desmandos provocados pela infiltração esquerdista no país". Tratava-
-se, segundo seus atores, de uma verdadeira missão salvacionista, na qual
as Forças Armadas assumiam uma função tuteladora da sociedade, como
haviam ensaiado à época da crise do regime monárquico e, posteriormente,
com o movimento tenentista, a Revolução de 30, o golpe de 1937 e diversas
vezes durante o regime populista. Confiante, a maioria dos jornais de todo o
país saudava a vitória do movimento "democrático".
Às forças sociais que efetuaram a ruptura constitucional cabia agora a
tarefa de reorganizar o país. Praticamente consensual era a necessidade de
um Poder Executivo forte, que desmobilizasse e desarticulasse as diversas
organizações populares e impedisse a ação de seus principais dirigentes.
Por outro lado, caberia formar o novo governo a partir das alianças entre os
representantes da UDN e do PSD, das principais lideranças militares e dos
diversos setores do empresariado.
No seio das Forças Armadas, unidas contra o comunismo e a esquerdi-
zação da República, restavam ainda os setores "reformistas" ou "nacionalis-
tas", cuja adesão ao golpe contra João Goulart fora obtida graças às seguidas
insubordinações hierárquicas relevadas pelo Presidente. Gradativamente,
esse grupo foi alijado do centro das decisões, e alguns de seus representan-
tes passaram à oposição ao regime. Os militares distinguiam-se ainda em
dois outros agrupamentos: a chamada "Sorbonne" ou os moderados, como
eram conhecidos os ideólogos da Escola Superior de Guerra (ESG), que for-
neceriam as bases doutrinárias para a intervenção político-social, e os repre-
sentantes da "linha dura", que comandavam as principais
EQUIPE JB/AJB

unidades militares. Durante os vinte anos de ditadura,


esses dois grupos disputaram o controle político do país
e compuseram o núcleo do poder. A hegemonia política,
tão instável durante a República Populista, seria exerci-
da pelos militares.
O Brasil assistia a uma intensa escalada de violên-
cia. A sede da UNE no Rio de Janeiro foi incendiada e seus
dirigentes, perseguidos. Seu presidente, José Serra, fugiu
do país. O jornal Última Hora, de Samuel Wainer, também
teve sua sede depredada. Lideranças sindicais e represen-
tantes da esquerda foram presos e torturados. As baione-
tas apontavam para a população civil, e o medo alastrava-
Manifestação popular contra o golpe militar. 1.º de abril
de 1964. -se pelo país.

170 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 170 18/05/16 09:40


estaduais demonstraram certa desaprovação popular ao
A institucionalização governo, que apoiou ostensivamente os candidatos da
do regime UDN. A oposição venceu na Guanabara, em Minas Gerais,
Em 9 de abril, o Comando Supremo da Revolução, uma em Santa Catarina e em Mato Grosso. Setores militares
junta militar que assumiu de fato o poder, promulgou da linha dura ameaçaram destituir Castelo Branco – que
um conjunto de regras políticas denominado Ato Ins- havia anunciado respeitar o resultado das eleições –
titucional n.º 1 (AI-1). Seu principal autor foi o jurista e estabelecer um verdadeiro "governo revolucionário".
Francisco Campos, cuja experiência em leis autoritárias Exigiam do presidente o veto à posse dos governadores
remontava à década de 1930, quando elaborara a Cons- eleitos da Guanabara e de Minas Gerais. Nem mesmo o
tituição de 1937. acordo firmado entre os eleitos e o governo federal – pelo
O Ato Institucional fortalecia o Poder Executivo e qual os secretários de Segurança Pública seriam indica-
concedia ao presidente poderes para suspender direi- dos pelo alto comando do Exército – acalmou os setores
tos políticos, cassar mandatos e exonerar funcionários mais reacionários das Forças Armadas.
públicos. As garantias constitucionais seriam interrom-
pidas por seis meses.
Made in Brazil?
Antecipando as disposições da Constituição, que
previa eleições pelo Congresso Nacional trinta dias após "Adorei a revolução de vocês!" Com essa frase, a insi-
a declaração de vacância dos cargos de presidente e nuante Brigitte Bardot avaliava o golpe militar de
vice-presidente, os deputados e senadores escolheram 1964, que, por acaso, presenciara de perto. Não
menos "insinuante" e "profundo", o embaixador
o general Humberto de Alencar Castelo Branco como
estadunidense Lincoln Gordon saudou entusiastica-
presidente do Brasil, tendo como vice o político do PSD
mente o golpe. Apesar de informado da trama mili-
mineiro, José Maria Alkmin.
tar, Gordon afirmou que tudo foi made in Brazil. No
O governo de Castelo Branco deveria durar cerca entanto, além das movimentações na embaixada dos
de dois anos, tempo que ainda restava ao mandato de Estados Unidos, agentes da CIA (Agência Central de
Goulart, quando então o Brasil retornaria à "normali- Inteligência) participaram ativamente das movimen-
dade" democrática. A eleição presidencial estava mar- tações políticas no Brasil durante o governo Goulart.
cada para outubro de 1965. Os principais postulantes A desestabilização do governo brasileiro incluiu
à sucessão eram Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, da o deslocamento do porta-aviões estadunidense
UDN, Juscelino Kubitschek, do PSD, e Ademar de Barros, Forrestal para a costa do país, em março de 1964. Na
do PSP. No entanto, pressões de udenistas e da linha época, o embaixador teria dito: "Vocês fizeram uma
dura levaram o novo governo a incluir o ex-presidente coisa formidável. […] vocês evitaram que tivéssemos
mineiro na lista das cassações políticas, sob acusação que intervir no conflito". Em função disso, uma irônica
oposição à ditadura recorria ao humor para denun-
de corrupção, em junho de 1964. Com isso, grande parte
ciar a presença estadunidense: "Basta de intermediá-
do PSD passou à oposição.
rios: para presidente, Lincoln Gordon!".
Um mês depois foi aprovada uma emenda consti-
ARQUIVO/AGÊNCIA O GLOBO
tucional adiando a eleição presidencial para o final de
1966 e prorrogando o mandato de Castelo até março de
1967. A anunciada normalidade democrática começava
a ser protelada.
Dessa vez as medidas autoritárias atingiam em
cheio as pretensões do irrequieto e temido líder ude-
nista Carlos Lacerda, que passou a criticá-las publica-
mente. Em seu currículo constavam tentativas de golpe
e desestabilização contra todos os últimos governantes
brasileiros eleitos desde 1950. Magalhães Pinto e Ade-
mar de Barros também viam ameaçados seus projetos
de ocupar a Presidência.
Brigitte Bardot no Copacabana Palace. Rio de
As divergências entre os líderes golpistas tornaram- Janeiro, janeiro de 1964.
-se mais agudas a partir de 1965. Em outubro, as eleições

Sob o signo de Saturno 171

OH_V3_Book.indb 171 18/05/16 09:40


O bipartidarismo
Eleições indiretas para a Presidência
Sob forte tensão política, no dia 27 de outubro de 1965
"No dia 20 de novembro de 1965, o governo baixou foi lançado o Ato Institucional n.º 2 (AI-2), que abo-
o Ato Complementar n.o 4, estabelecendo normas liu os partidos existentes, transformou em indiretas as
para a criação de partidos políticos. Novos partidos eleições para a presidência da República, interveio na
deveriam constituir-se de pelo menos 120 deputa-
composição do Supremo Tribunal Federal e retomou a
dos e 20 senadores em período de 45 dias, a con-
prática de expurgos e cassações.
tar da promulgação do ato. Não poderiam ser utili-
Abriu-se uma crise política no interior do regime.
zados os nomes dos partidos extintos. A severida-
Pressionado pela extrema direita, Castelo Branco não
de do ato seria posteriormente abrandada, temen-
dispunha de resultados eleitorais que pudessem neutra-
do o governo, naquelas circunstâncias, que não se
lizar e equilibrar o jogo político. Contraditoriamente, o
apresentasse um número suficiente de parlamenta-
militar que prometera a normalidade democrática ado-
res dispostos a arriscar a perda de seus mandatos
para formar um partido de oposição. Não interessa- tava, cada vez mais, medidas arbitrárias que consolida-
va ao Estado de Segurança Nacional montar um sis- vam e aprofundavam a ditadura.
tema unipartidário. Visando sua própria legitima- Em fevereiro de 1966, foi baixado o Ato Institucio-
ção, o Estado queria um partido de 'oposição res- nal n.º 3 (AI-3), que tornou indiretas as eleições para
ponsável', ao qual caberia oferecer 'crítica constru- os governos estaduais e suspendeu as eleições para pre-
tiva' ao governo. Passaram então as normas a exigir feitos de capitais e de municípios considerados de segu-
apenas que o partido a ser formado reunisse tantos rança nacional, cuja escolha tornou-se privilégio dos
membros do Congresso quanto possível. Os vários governadores. No mesmo ano, a reorganização do sis-
partidos de oposição associaram-se para formar o tema partidário deu origem ao bipartidarismo. Os par-
Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O par- tidários do governo articularam-se na Aliança Renova-
tido de apoio ao governo foi denominado Aliança dora Nacional (Arena), e a oposição organizou-se no
Renovadora Nacional (Arena)." Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Sob constan-
ALVES, M. H. M. Estado e oposição no Brasil tes ameaças e intimidações, a oposição política teve seu
(1964-1984). 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 94. espaço cada vez mais reduzido. Ironicamente, a Arena
ficou conhecida como o partido do "sim, senhor", e o
A+ COMUNICAÇÃO

REAGRUPAMENTO PARLAMENTAR (1966) MDB, como o agrupamento do "acho que sim". A contes-
tação ao regime não se daria no Parlamento.
(em %) 1964 1966
Cassações
PRP 100 Enquanto o novo núcleo do poder se organizava, trans-
corria uma ampla campanha arquitetada pelos setores
PR 100
mais conservadores do país. Exigiam-se expurgos nas
UDN 91 9 ARENA
Aliança universidades, nos serviços públicos e nas Forças Arma-
PSP 85 15 Renovadora das. Intelectuais de esquerda, lideranças políticas e sin-
Nacional
PL 80 20 dicais e militares nacionalistas foram alvo de intensa
PDC 76 24 perseguição. A linha dura controlava as comissões espe-
ciais de inquérito, criadas para investigar crimes de sub-
PST 75 25
versão e corrupção. O Inquérito Policial-Militar (IPM)
PSD 66 34 MDB
Movimento era uma poderosa arma de intimidação, à qual foram
PTN 57 43 Democrático
Brasileiro submetidas milhares de pessoas. Em junho de 1964, foi
PRT 50 50 criado o Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão
PTB 31 69 que reunia agentes de segurança civis e militares, que se
infiltravam em jornais, empresas, escolas, universida-
PSB 25 75
des, associações e sindicatos para investigar suspeitos
e reprimir atividades oposicionistas. Ao longo de 1964,
Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História aproximadamente cinquenta membros do Congresso,
do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997. p. 65.
dezenas de vereadores e deputados estaduais, cerca de

172 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 172 18/05/16 09:40


cinquenta juízes e centenas de servidores civis e milita- No entanto, além de contraditória, a aliança entre
res foram afastados de seus cargos e tiveram seus direi- as velhas raposas do período democrático populista se
tos políticos suspensos. Nomes importantes, como Jus- mostrou ineficaz. Brizola e Jânio negaram-se a partici-
celino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart, Leonel par e Goulart e Juscelino ficaram reticentes em apoiar
Brizola, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, Darcy Ribei- seu antigo desafeto. A Frente Ampla foi posta na ile-
ro e Celso Furtado foram afastados da cena nacional. galidade em 1968. Ao final do mesmo ano, Lacerda foi
preso e teve seus direitos políticos cassados. O biparti-
darismo iria durar até 1980.
A Frente Ampla

ACERVO ICONOGRAPHIA
"No fundo, chegamos à conclusão de que fizemos a revo-
lução contra nós mesmos." Essa lamentosa frase de Ade-
mar de Barros sintetizava o ânimo de alguns conspira-
dores civis em relação aos rumos do governo militar.
Após duras críticas ao regime, Ademar chegou a exigir a
renúncia do presidente Castelo Branco em um manifes-
to à nação. Em junho de 1966, teve seus direitos políti-
cos cassados por dez anos.
Muito mais agitado, Carlos Lacerda não se limitou
a discursos e artigos nos jornais contra a ditadura que Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda.
Lisboa, Portugal, novembro de 1966.
ajudara a instaurar. Procurando organizar um tercei-
ro partido político que viabilizasse suas pretensões pre-

ACERVO ICONOGRAPHIA
sidenciais, ele recorreu até mesmo aos ex-presidentes
exilados Jango e Juscelino, seus antigos inimigos, para
formar a Frente Ampla. Aproveitando-se do desconten-
tamento geral e com a gradativa perda de espaço políti-
co, o ex-governador da Guanabara tentava uma cartada
desesperada. Passou a adotar um discurso nacionalista e
exigia o retorno do país à democracia. Desde 1965, inten-
sificou seus ataques contra líderes do golpe militar. Renato Archer, João Goulart e Carlos Lacerda.
Montevidéu, Uruguai, setembro de 1967.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Leia com atenção os textos abaixo e depois respon- a) O trecho a respeito da mitologia grega mencio-
da às questões: na alguns personagens: Urano, Geia, Saturno,
irmãos de Saturno e filhos de Saturno. Associe
"Na mitologia greco-romana, os deuses foram criados
cada personagem a um grupo social participan-
pelo Universo. O Céu (Urano) unido à Terra (Geia) pro-
te do golpe de 1964 no Brasil. → DL/CF/SP/H11
duzia filhos que, tão logo nasciam, eram devolvidos
ao seio materno. Em nome da liberdade, Saturno, o b) O movimento de 1964 foi uma revolução?
filho caçula, revoltou-se contra o pai. Castrou-o, liber- Justifique sua resposta. → DL/SP/H9
tou seus irmãos e, logo em seguida, tomou seu lugar c) Quais eram as implicações políticas decorren-
e passou a governar o mundo. No entanto, com receio tes do exercício do Poder Constituinte por parte
de perder o poder, aprisionou seus irmãos nas trevas e da junta militar? → DL/SP/H9/H11/H12
passou a devorar seus filhos assim que vinham à luz."
d) Por que se pode dizer que a ditadura devorou
Trecho da introdução deste capítulo, p. 169. alguns de seus líderes? → DL/CF/SP/H9
"A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder e) Quais eram as três alas mais importantes das
Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular Forças Armadas no período? → DL/SP
ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e f) O que foi a Frente Ampla? → DL/SP
mais radical do Poder Constituinte."
Preâmbulo do Ato Institucional n.º 1.

Sob o signo de Saturno 173

OH_V3_Book.indb 173 18/05/16 09:40


O fim dos impérios
2 coloniais na Ásia
e na África

N
a lógica colonialista, os domínios europeus na Ásia e na África

◀ ANOS
DESCOLONIZAÇÃO eram extensões das metrópoles. Seus habitantes também seriam
filhos das pátrias europeias. Filhos inferiores que deveriam mani-
A Libéria torna-se o primeiro 1847 festar gratidão pela tutela dos Estados europeus.
país independente da África. ▾
A partir da década de 1950, a situação colonial passou a ser dura-
1896
A Etiópia torna-se independente. ▾ mente questionada. Os filhos da Ásia e da África negavam tal paternida-
Campanha de resistência pacífica 1919 de forçada e retomavam outras ancestralidades para servirem de base
liderada por Gandhi na Índia. ▾ para novas nacionalidades.
1930 O processo que sacudiu as colônias e enfrentou o colonialismo europeu
Prisão de Gandhi. ▾
ficou conhecido como descolonização. No entanto, o termo descolonização,
Invasão da Etiópia 1936
por tropas italianas. ▾ para alguns historiadores, carrega uma visão eurocêntrica da História, pois
Independência da Indochina. 1945 não retrata a luta das diferentes nações africanas na conquista de suas inde-
Guerra da Indochina até 1954. ▾ pendências e parece ser resultado apenas da ação do colonizador, que abri-
Independência da Índia. 1947 ria mão de pretensos direitos adquiridos em determinado momento.
Conflitos entre hindus ▾
Em seu lugar, seria preferível utilizar o conceito de "emancipação" ou
e muçulmanos.
Criação do Paquistão. "processo de independência", que enfatiza os processos históricos desen-
1948 cadeados pelos países afro-asiáticos, sujeitos históricos capazes de decidir
Assassinato de Gandhi. ▾ sobre sua própria realidade.
Reconhecimento da 1954 Foram vários os fatores que impulsionaram o processo de emancipa-
independência do Laos, Camboja ▾
e Vietnã pelo governo francês. ção política das colônias europeias localizadas na África e na Ásia. Em pri-
Conferência de 1955 meiro lugar, as duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) e a depres-
Bandung (Indonésia). ▾
são econômica entre elas abalaram a confiança da Europa ocidental na sua
Independência total do Egito. 1956
Nacionalização do Canal de Suez. ▾ "missão civilizadora", e provocaram um declínio considerável na capacida-
Independência do Sudão de real de manter seus domínios imperiais.
(Núbia) e do Marrocos. A derrota do nazifascismo alavancou a criação da Organização das
1957 Nações Unidas (ONU), que estabelecia como eixo principal de atuação o
Independência de Gana. ▾
Primeira Conferência de 1958 "princípio da autodeterminação dos povos e a descolonização" (capítulo
Estados Africanos Independentes ▾ XI de sua Carta de Fundação), princípio que seria reforçado em 1962, com a
em Acra (Gana).
1960 criação do "Comitê Especial de Descolonização".
"Ano africano": independência de
diversos países do continente. ▾ A Guerra Fria alimentou os movimentos de contestação ao colonialismo
1962 que começaram a pipocar na Ásia e na África. Mas o processo de indepen-
Independência da Argélia. ▾ dência afro-asiático também decorreu de seus movimentos nacionalistas,
Fundação da Organização para a 1963 que proclamavam os ideais de união, autonomia e liberdade. Associações
Unidade da África (OUA). ▾
Independência do Quênia. estudantis, elites nativas, intelectuais e outros setores sociais foram atraídos
Início da Guerra do Vietnã, que se 1964 por movimentos pela conquista das liberdades civis e dos direitos humanos.
estenderia até 1975. ▾
No entanto, os caminhos rumo à independência variaram, dependen-
1965 do da região e do tipo de colonização. A conquista da liberdade muitas vezes
Independência da Rodésia. ▾
1973 foi arrancada à força, com lutas sangrentas e prolongadas. O desenlace da
Independência da Guiné-Bissau. ▾ luta anticolonial esteve articulado, portanto, às especificidades das antigas
1974 potências e de seus domínios, às expectativas ideológicas e aos rearranjos
Revolução dos Cravos em Portugal. ▾
políticos estabelecidos ao final da Segunda Guerra Mundial.
Independência de 1975
Angola, Moçambique e ▾ Por meios pacíficos ou através de longas lutas internas, os velhos impé-
São Tomé e Príncipe.
rios coloniais chegavam ao fim.

174 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 174 18/05/16 09:40


e milhares de asiáticos foram presos várias vezes. De
Índia volta à terra natal, deu continuidade às suas atividades
Nos últimos anos do século XIX e na primeira década do políticas por meio do movimento de emancipação.
século XX, foram criadas diversas associações dedicadas à Parte dos ensinamentos que Gandhi pregava na
luta contra o domínio britânico na Índia. Entre elas, o Par- Índia inspirava-se nos escritos do estadunidense Henry
tido do Congresso Nacional Indiano, fundado em 1885 Thoreau (1817-1862). Thoreau foi preso por recusar-se
e que contava com o apoio de hindus e budistas, e a Liga a pagar impostos, alegando que o dinheiro seria utili-
Muçulmana, fundada em 1906, que congregava as comu- zado na manutenção da escravidão e no financiamento
nidades que professavam a religião muçulmana. da Guerra contra o México, por meio da qual os Estados
As lutas políticas se acirraram após a Primeira Guer- Unidos anexaram os territórios do Texas, Novo México
ra Mundial e, como resposta aos movimentos naciona- e Califórnia.
listas, o governo britânico suspendeu os direitos civis Baseado nessa experiência, Thoreau, publicou em
e estabeleceu a lei marcial nas regiões de conflito. Tais 1849, A desobediência civil, obra que mais tarde inspi-
leis precipitaram uma onda de violência e desordens. raria o pensamento político de Gandhi e seria retomado
Entretanto, a luta pela independência dividia os por Martin Luther King e pelos jovens da geração Flower
indianos. Os muçulmanos defendiam a criação de dois Power da década de 1960.
Estados independentes, enquanto os hindus procuravam

RÜHE/ULLSTEIN BILD/GLOW IMAGES


estabelecer um Estado único. Do ponto de vista do comba-
te à dominação britânica também havia basicamente duas
táticas: o confronto armado e a política de desobediência
civil, baseada no princípio da não violência.
Liderada desde 1919 pelo líder hindu Mahatma
Gandhi, a campanha de resistência pacífica alastrou-
-se por toda a Índia e obteve grande apoio internacio-
nal. Em agosto de 1947, as autoridades britânicas deter-
minaram o reconhecimento da independência da Índia.
No entanto, adotaram a política da partição: criava-se o
Estado do Paquistão, de maioria muçulmana, e o Esta-
Mahatma Gandhi acompanhado por trabalhadores e
do da Índia, de maioria hindu e budista. camponeses. Bengala Ocidental, janeiro de 1947.
Os conflitos tornaram-se intensos e os massa-

MÁRIO YOSHIDA
cres de muçulmanos e hindus, cada vez mais fre- ÍNDIA E PAQUISTÃO APÓS A INDEPENDÊNCIA (1947)
quentes. Gandhi considerou a divisão inaceitável RÚSSIA
e passou a trabalhar pela reconciliação dos dois
NA
CHINA
Estados. No entanto, no dia 30 de janeiro de 1948, AFEGANISTÃO
após uma cerimônia religiosa, Mahatma Gandhi
foi assassinado por um jovem extremista hindu. PAQUISTÃO
OCIDENTAL
Até hoje as rivalidades religiosas e políticas mar- Nova Délhi NEPAL
cam as relações entre a Índia e o Paquistão. Carachi
PAQUISTÃO
ORIENTAL
A desobediência civil Dacca

Gandhi nasceu em 1869 e completou seus estu- ÍNDIA BIRMÂNIA

dos em Londres, onde cursou Direito. De volta à Mar Arábico

Índia, passou a advogar. Em 1893, foi convida- Golfo de Bengala


do a trabalhar na África do Sul. Lá ficou indig-
nado com o tratamento discriminatório que o
governo sul-africano dava aos asiáticos. Orga-
ESCALA
nizou um protesto que reuniu indianos, chi- 0 320 640 km CEILÃO
neses e japoneses em um movimento pacífico OCEANO ÍNDICO
que mais tarde promoveria na Índia. Gandhi Fonte: Elaborado com base em KINDERSLEY, Dorling (Dir.). World history atlas. London: Dorling
Kindersley, 2005.

O fim dos impérios coloniais na Ásia e na África 175

OH_V3_Book.indb 175 18/05/16 09:40


Indochina Ho Chi Minh
A Indochina, região do Sudeste Asiático, reunia os atuais O nome significa "aquele que traz as luzes". Ho Chi
Laos, Camboja e Vietnã. O domínio francês se prolongou Minh teria nascido em 1890. Morreu em 1969, após
até a Segunda Guerra Mundial, quando a Indochina foi uma vida de intensos combates políticos. Foi o fun-
ocupada pelas tropas japonesas, em 1940. dador do Partido Comunista Indochinês, em 1930.
A guerra fortaleceu os movimentos de libertação Com a invasão japonesa, em 1941, fundou também
nacional no Vietnã, cuja resistência foi liderada pela o Vietminh. Foi preso pela polícia chinesa em 1942,
Liga Revolucionária para a Independência do Vietnã durante a Segunda Guerra Mundial, quando procu-
(Vietminh), fundada em 1941 pelo dirigente comunis- rava o líder Chiang Kai-shek para tentar estabele-
ta Ho Chi Minh. cer uma aliança contra as tropas japonesas. Com a
derrota do Japão, as tropas de Ho Chi Minh toma-
Com a derrota japonesa, em 1945, Ho Chi Minh pro-
ram Hanói e proclamaram a sua independência. O
clamou a independência da República Democrática
líder vietnamita tornou-se presidente da República
Popular do Vietnã, com capital em Hanói. Mas a França,
Democrática Popular do Vietnã em 1946. Nos treze
apesar de oficialmente reconhecer o norte como Estado meses em que ficou preso na China, foi confinado
livre, manteve o controle sobre o sul. De 1946 a 1954, em diversos cárceres diferentes, torturado e subme-
transcorreu a Guerra da Indochina, que culminou com tido a privações de todo tipo. Durante esse período,
a derrota da França, em 1954. escreveu alguns poemas que revelam a disposição
No acordo de paz estabelecido na Conferência de dos resistentes e revolucionários da época. Leia a
Genebra (1954), a França reconhecia a independência seguir um de seus escritos:
do Laos e do Camboja. O Vietnã foi dividido em dois: "Aqueles que saem da prisão podem reconstruir
ao norte, a República Democrática Popular do Viet- o país.
nã, socialista, com capital em Hanói; e, ao sul, a Repú- O sofrimento é um teste para a fidelidade do povo.
blica Democrática do Vietnã, capitalista, com capital Aqueles que protestam na injustiça são pessoas
de valor.
em Saigon. A conferência também previa que a divisão
Quando as portas das prisões se abrirem, o verda-
seria temporária e a reunificação deveria acontecer em
deiro dragão voará para fora".
1956. A não realização das eleições, previstas para julho
Diário de prisão de Ho Chi Minh.
de 1956, acabou por desencadear a Guerra do Vietnã Rio de Janeiro: Difel, s/d. p. 94-95.
(1964-1975).

L'INSTITUT DE LITTÉRATURE D'HANOI, VIETNÃ


MÁRIO YOSHIDA

INDOCHINA LOGO APÓS A INDEPENDÊNCIA (1954)

REPÚBLICA CHINA
DEMOCRÁTICA
BIRMÂNIA
POPULAR DO VIETNÃ

Ã

Hanói
LAOS

TAILÂNDIA
REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA
DO VIETNÃ

CAMBOJA

Saigon

ESCALA
0 230 460 km

Edição original do livro Diário de prisão, de Ho Chi


Fonte: Elaborado com base em KINDERSLEY, D. (Dir.). World history atlas.
Minh, publicado em 1960.
London: Dorling Kindersley, 2005.

176 Capítulo 7  A era da contestação

Mário,
ampliar para 138%
OH_V3_Book.indb 176 18/05/16 09:40
passou a ser governada por um colaborador das auto-
O processo de emancipação ridades coloniais e com o apoio de Francisco Franco.
política africana O Saara Ocidental foi anexado pelo Marrocos e consti-
O desenvolvimento dos transportes a partir do final do tui o único caso de território colonial que permaneceu
século XIX possibilitou o contato mais estreito entre sob dependência.
africanos e afrodescendentes. Estudantes africanos diri- Possessões francesas
giam-se para os Estados Unidos, onde se matriculavam
A França concentrou todos os seus esforços na resis-
em escolas e universidades para negros. Afrodescen-
tência ao movimento de libertação na Argélia. A guer-
dentes deixavam a América em direção à Libéria. Con-
ra da Argélia foi longa e violenta (1954-1962). Tal situa-
ferências e atividades literárias estreitaram os conta-
ção favoreceu o processo de independência em outras
tos entre negros da África e negros da América, também
regiões sob dominação francesa. Na esteira dessa luta,
conhecidos como os "negros da diáspora".
Tunísia e Marrocos obtiveram a emancipação política
Desse estreitamento começou a se formar um con-
em 1956. Até 1960, catorze colônias francesas haviam
junto de ideias de valorização da cultura africana. Essa
obtido sua independência.
valorização germinou nos Estados Unidos e no Caribe e
depois circulou pela Europa e África, trazida por estu- Possessões belgas
dantes e intelectuais africanos. Em relação à Bélgica, os territórios tutelados de Ruan-
Tal conjunto de ideias ficou conhecido como pan- da e Burundi conquistaram a independência sem con-
-africanismo. Negros de todo o mundo, dispersados frontos e sob supervisão da ONU. Os conflitos, como
ao longo de séculos devido ao tráfico negreiro, possui- vimos no capítulo 1 (p. 43), ocorreriam após o processo
riam uma pátria comum: o continente africano. Have- de emancipação política.
ria também um destino comum a todos os povos da No Congo Belga ocorreu um dos processos de inde-
África por pertencerem a uma única raça. A unida- pendência mais sangrentos. Antiga joia concedida ao rei
de africana repousaria, portanto, em uma identida- Leopoldo II, tornou-se colônia da Bélgica em 1908, pos-
de étnico-cultural. Alguns, como o jamaicano Marcus suindo um vasto território rico em cobalto, ferro, potás-
Garvey (1887-1940), chegaram a defender o retorno de sio e diamante. Os belgas reivindicavam uma retirada
todos os negros do mundo ao continente e uma separa- gradual, ao longo de trinta anos, e a manutenção dos
ção radical com as sociedades dos brancos. Seu slogan, laços por meio de uma federação. Mas os congoleses
que teve efeito em milhões de seguidores, era "A África exigiam emancipação política imediata, influenciados
para os africanos". pelo processo de autonomia do Congo Francês. Os con-
Apesar de tais ideias unitaristas, a emancipação frontos entre colonos e congoleses se intensificaram até
política na África não se deu de maneira homogênea a independência, em 1960.
nem foi o resultado de um movimento conjunto e arti-
culado de suas lideranças. Iniciou-se nas possessões Possessões britânicas
italianas e nos domínios britânicos da costa atlântica. Para a Grã-Bretanha, a perda do controle do canal de
Estendeu-se às regiões sob dominação francesa e depois Suez, em 1956, que havia sido nacionalizado pelos
à África belga. Chegou ao coração da África, nos territó- egípcios, marcou o início das dificuldades em manter
rios próximos às nascentes do Nilo, controlados pelos seu império na África. De maneira geral, na maioria
britânicos. Por fim, o movimento derrubou a última for- das regiões sob sua dominação, a retirada foi gradual,
taleza colonialista mantida pelos portugueses. com manutenção de sua influência de forma indireta.
Foi o caso da antiga Costa do Ouro, a qual, rebatizada
Possessões espanholas de Gana, conquistou a independência (1957) depois de
No caso das possessões espanholas, a maior parte do um movimento pacífico liderado por Kwane Nkrumah,
território do Marrocos espanhol foi devolvida à sobe- que se tornou o primeiro presidente da nova República.
rania marroquina. Com exceção da cidade de Ceuta, A retirada britânica de Gana acelerou a indepen-
que a Espanha franquista se recusou a entregar, pois dência de outras possessões. Entretanto, no Quênia,
era estratégica para assegurar o controle do estrei- os colonos se envolveram numa luta sangrenta trava-
to de Gibraltar. Os territórios no golfo da Guiné se uni- da contra os revoltosos Mau-Mau, organização apoia-
ram para dar lugar à República da Guiné Equatorial, que da pelos povos kikuyu, que deixou milhares de mortos.

O fim dos impérios coloniais na Ásia e na África 177

OH_V3_Book.indb 177 18/05/16 09:40


O Quênia conseguiu sua independência em 1963. Na Personalidade polêmica e grande orador, seu protes-
Rodésia do Sul, os colonos europeus, donos das terras to (1936) na Liga das Nações contra a guerra em geral e,
mais férteis, declararam independência em 1965, insta- um particular, a invasão da Etiópia é considerado um dos
lando um regime de discriminação racial, com o apoio mais belos proferidos por um líder político. É reconheci-
da África do Sul, que durou até 1979. da sua influência sobre os movimentos negros e sobre per-
sonalidades como Martin Luther King e Nelson Mandela.
Mas seu nome também é associado à dura repressão dos
Etiópia: um reino conflitos étnicos e ao fracasso da modernização da Etiópia.
independente na África Além disso, sua figura está indissoluvelmente liga-
A violenta invasão italiana da Etiópia, em 1936, gerou da ao movimento religioso Rastafári, surgido na Jamai-
intenso debate em torno da legitimidade dos povos ca entre operários e camponeses negros na década de
ditos "civilizados". 1930 e que teve no cantor jamaicano Bob Marley o mais
De um lado, estava a Etiópia, Estado africano inde- ilustre seguidor. O movimento Rastafári, baseado nos
pendente que já havia derrotado os italianos em 1896, ideais do pan-africanismo, professa a ideia de que um
tornando-se assim a referência central para os movi- monarca africano de um reino independente reunirá e
mentos africanos de autonomia. Sua história era uma liderará todos os povos de origem africana em direção
das mais antigas do mundo. O território do poderoso e à terra prometida. Para muitos rastafáris, Haile Selassié
ancestral Reino de Axum foi local de confluência das não morreu e é uma espécie de messias que irá realizar
três principais religiões: judaica, cristã e muçulmana. o destino glorioso dos negros e africanos.
Sob o reinado do imperador Haile Selassié I, a Etiópia

REPÚBLICA FEDERAL DEMOCRÁTICA DA ETIÓPIA


havia se modernizado com a construção de ferrovias e
estradas de rodagem que ligavam a capital às provín-
FRENTE

cias. Introduziu-se uma legislação eleitoral e uma Cons-


tituição escrita e, desde 1923, o país tornara-se membro
da Liga das Nações.
Do outro lado se colocava a Itália fascista de Benito
Mussolini, que havia empregado todas as armas moder-
nas, incluindo bombardeios aéreos e gases veneno-
VERSO

sos, para derrotar e dividir o país africano num conjun-


to de províncias coloniais complementares à Eritreia e
à Somália italianas. Para os africanos de toda a África,
bem como para a população negra dos Estados Unidos e Bandeira da Etiópia sob o domínio de
da Europa, a Etiópia era símbolo de uma grande injusti- Haile Selassié.
ça, pois o argumento de que se tratava de "civilizar" era
LYNN PELHAM/TIME & LIFE PICTURES/GETTY IMAGES

confrontado com a barbárie dos meios utilizados.


Os etíopes resistiram e confrontaram os italianos
durante todo o período de ocupação (1936-1941). Com
a eclosão da guerra, os etíopes se aliaram às tropas bri-
tânicas para expulsarem definitivamente os italianos.

Rastafári
Haile Selassié I (1892-1975), nascido com nome Tafari
Makonnen e posteriormente conhecido como Ras Tafa-
ri, foi regente da Etiópia entre 1916 e 1930. Coroado
imperador (1930), governou a Etiópia até 1974. Anun-
ciava-se como o herdeiro da dinastia salomônica, que
remonta ao século XII e que, segundo a tradição etíope,
descenderia diretamente do Rei Salomão e da Rainha
Makeda, também conhecida como Rainha de Sabá. Haile Selassié, imperador da Etiópia,
durante visita à Jamaica, abril de 1973.

178 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 178 18/05/16 09:40


Possessões italianas Entre 1974 e 1975 as outras colônias portuguesas
na África se tornaram independentes: Guiné-Bissau,
A independência das colônias italianas processou-se no
Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe.
início do pós-guerra. Com a derrota da Itália, suas pos-
sessões (Líbia, Eritreia e parte da Somália) passaram à O desafio das novas nações
administração anglo-francesa. A Líbia, com a supervi- Ao final da década de 1970, mais de 50 nações indepen-
são da ONU, foi a primeira nação do continente a con- dentes passaram a compor o mapa político da África. O
quistar independência. A Eritreia foi transformada em aspecto mais conhecido e mais visível da emancipação –
uma entidade autônoma ligada à Etiópia. Por fim, foram o das lutas nacionais de libertação – chegava ao fim. Mas
unificadas a Somália italiana e a inglesa. os movimentos contra o colonialismo não se resumem
Possessões portuguesas nos processos de independência política das nações que
se encontravam sob o jugo colonial. A luta continua até
A questão colonial sempre ocupou um lugar central
hoje, no âmbito das novas nações, principalmente contra
na vida política de Portugal, em razão da longa tradi-
as ameaças de novos colonialismos e de dependência eco-
ção imperial do país: a imagem que a nação tinha de
nômica com relação aos centros industrializados.
si mesma era de um povo destinado a colonizar e unir
Na pauta, a necessidade de que a independência polí-
povos e raças. Unir Europa, África, Ásia e América.
tica venha a ser completada pela independência econômi-
Seria, portanto, difícil e sangrenta a emancipação
ca. E o fim das opressões e desigualdades internas.
política das colônias portuguesas. A luta durou catorze
anos. O governo português acreditava que suas posses-
sões ultramarinas, junto com o território metropolitano, As cores pan-africanas
constituíam "um todo uno e indivisível."
Duas diferentes combinações de cores são referen-
Desde o final da Segunda Guerra, os Estados Uni- ciadas como as cores pan-africanas. O verde, o ama-
dos pressionavam Portugal a emancipar suas colônias. relo e o vermelho, primeiramente usados na bandei-
Em 1951, a expressão "colônia" passou a ser substituída ra da Etiópia. E o vermelho, o preto e o verde, ado-
pela designação "província ultramarina". A mudança foi tados pela Associação Universal para o Progresso
a expressão da tentativa de integração da África portu- Negro (AUPN), sediada nos Estados Unidos.
OH_U8_pag809

guesa à Metrópole.

MÁRIO YOSHIDA
AS CORES PAN-AFRICANAS
No início da década de 1960, enquanto boa parte EUROPA
das colônias francesas e britânicas na África havia se
tornado independente, nada parecia tirar os portugue- M a r
M
e
d i
ses de seu destino ultramarino. As revoltas começaram MARROCOS
TUNÍSIA t e r r â n e
o

em Angola (1961) e Moçambique (1964). SAARA


OCIDENTAL
ARGÉLIA
LÍBIA
EGITO
ÁSIA
Ma

CABO
No início dos anos 1970, metade do orçamento por-
rV

VERDE
erm
e l ho

MAURITÂNIA

tuguês estava comprometido para custear a guerra. Em SENEGAL


MALI
NÍGER
CHADE ERITREIA
GÂMBIA
1974, o exército e o povo português, cansados da situação, GUINÉ-BISSAU
GUINÉ
BURKINA
FASO SUDÃO
DJIBUTI
BENIN
TOGO

se revoltaram. A revolta pôs fim a uma ditadura instalada SERRA LEOA COSTA NIGÉRIA
GANA

DO ETIÓPIA
MARFIM REPÚBLICA
LIBÉRIA CENTRO-AFRICANA

em Portugal desde 1926. Uma das primeiras atitudes do CAMARÕES


UGANDA
SOMÁLIA

CONGO
novo governo foi estabelecer uma nova política em rela- GABÃO QUÊNIA
GUINÉ REPÚBLICA RUANDA OCEANO
OCEANO EQUATORIAL DEMOCRÁTICA
DO CONGO BURUNDI ÍNDICO
ção aos movimentos de independência nas colônias. ATLÂNTICO
TANZÂNIA SEYCHELLES

Portugal deixou o continente em 1975, ao final de ANGOLA COMORES


ZÂMBIA MALAUÍ
uma guerra que está entre as mais tristes tragédias da
SCAR

ZIMBABWE
descolonização e que transformou os territórios inde-

NAMÍBIA
MAURÍCIO
DA

MOÇAMBIQUE
BOTSUANA
MA

pendentes nos mais miseráveis do planeta. O primeiro 0 1080 2160 SUAZILÂNDIA

Estado a montar seu Império colonial era o último a dei- km


ÁFRICA
DO SUL
LESOTO

xar o continente africano.


Fonte: Elaborado com base em McEVEREDY, C. The Penguin atlas of african
O Brasil foi o primeiro país a reconhecer a indepen- history. London: Penguin, 1995.
dência de Angola, em 11 de novembro de 1975. Com isso Acima, os países que utilizam a combinação de três cores
Mário
reafirmou uma ligação de séculos, que remontava ao reduzir para 60% (vermelho, verde e amarelo) em suas bandei-
pan-africanas
ajustar cotas
tempo que faziam parte do mesmo Império colonial. ras, simbolizando sua identidade africana.
recalcular escala

O fim dos impérios coloniais na Ásia e na África 179

OH_V3_Book.indb 179 18/05/16 09:40


JH9_C12_p240b

MÁRIO YOSHIDA
INDEPENDÊNCIAS AFRICANAS
EUROPA M a r

M
e
d i
MARROCOS TUNÍSIA t e r r â n e o
1956 1956

ARGÉLIA
1962 LÍBIA
SAARA

M
1951 EGITO

ar
OCIDENTAL* 1922

Ve
Península

rm
elh
Arábica
MAURITÂNIA

o
CABO 1960
VERDE MALI
1975 SENEGAL 1960 NÍGER ERITREIA
1960
GÂMBIA 1960 CHADE 1993
1965 ALTO 1960 SUDÃO
VOLTA 1956
GUINÉ-BISSAU GUINÉ 1960 DJIBUTI
1974 1950 NIGÉRIA 1977
TOGO 1960
SERRA LEOA COSTA DO 1960
ETIÓPIA
1961 MARFIM BENIN
REP. CENTRO-
LIBÉRIA 1960 GANA 1960
CAMARÕES -AFRICANA
1957 SOMÁLIA
1960 1960
1960
GUINÉ UGANDA
EQUATORIAL REPÚBLICA 1962
1968 DO CONGO QUÊNIA
GABÃO 1960 RUANDA 1963
SÃO TOMÉ 1960 1962
E PRÍNCIPE ZAIRE BURUNDI SEYCHELLES
1975 1960 1962 1976

OCEANO TANZÂNIA OCEANO


ATLÂNTICO 1964 ÍNDICO
ANGOLA COMORES
1975 MALAVI 1975
ZÂMBIA 1964
1964
Até 1950 MADAGÁSCAR
ZIMBABWE 1960
Década de 1950 NAMÍBIA 1980 MAURÍCIO
1990 MOÇAMBIQUE 1968
BOTSUANA 1975
Década de 1960 1966
Década de 1970
SUAZILÂNDIA
A partir de 1980 1968
ÁFRICA LESOTO
Países independentes DO SUL 1966
1961
* O Saara Ocidental foi
anexado pelo Marrocos entre ESCALA
os anos de 1975 e 1979 0 1025 2050 km

Fonte: Elaborado com base em CHALIAND, G.; RAGEAU, J-P. Atlas politique du XX siècle. Paris: Seuil, 1988.

Faça
O Terceiro Mundo Tá ligado?! em se
cadernu
o
O surgimento de numerosos novos Estados na Ásia e na
África depois da Segunda Guerra Mundial deu origem (PUC-MG) Em 1955, realizou-se na Indonésia a
"Conferência de Bandung", quando os governantes
a um grupo de países que procuravam, muitas vezes,
dos países afro-asiáticos se reuniram para tomar
escapar da áreaMário,
de influência tanto dos Estados Unidos posição diante da bipolarização do mundo,
quanto da União Soviética. Ou seja, eles não queriam se produzida pela Guerra Fria. É CORRETO afirmar que
aplicar relevo
alinhar nem com o capitalismo nem com o socialismo. essa Conferência resultou:
Foram chamados,enviar eps
por isso, semnão
de países texto em. curvas
alinhados a) na indicação dos rumos da política a ser seguida
A Conferência Afro-Asiática de Bandung foi a pri- pelos países não alinhados, para se aproximarem
meira manifestação política desses países independen- dos interesses das grandes potências.
tes que surgiam no cenário mundial. b) no alinhamento dos países do chamado "Terceiro
Essa conferência foi organizada por iniciativa da Bir- Mundo" ao bloco socialista contra a hegemonia
mânia (atual Myanmar), do Ceilão (atual Sri-Lanka), da norte-americana.
Índia, da Indonésia e do Paquistão. Realizou-se em Ban- c) na garantia de neutralidade dos países
participantes frente às disputas que envolviam
dung, na Indonésia, entre os dias 18 e 24 de abril de
as duas superpotências.
1955. Dela participaram ainda mais 24 nações: Afeganis-
d) no apoio à política externa norte-americana para
tão, Camboja, China, Egito, Etiópia, Costa do Ouro (atual
impedir que o modelo socialista se estendesse
Gana), Irã, Iraque, Japão, Jordânia, Laos, Líbano, Libéria, pela América Latina.
Líbia, Nepal, Filipinas, Arábia Saudita, Sudão, Síria, Tai-
→ DL/CF/H7/H9
lândia, Turquia, Iêmen, República Democrática Popular
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.
do Vietnã e República Democrática do Vietnã.

180 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 180 18/05/16 09:40


Esse encontro proclamou o princípio do não alinha- • a necessidade de resolver os confrontos de forma
mento, ou seja, uma posição de distanciamento em rela- pacífica;
ção às duas superpotências. Bandung também apontava
• o direito de não se alinhar com as duas superpo-
para um outro conflito que se anunciava: o conflito nor- tências;
te-sul, ou seja, o mundo dividido entre os países ricos do
hemisfério norte e os países pobres, em sua maioria no • a proibição de armas nucleares.

hemisfério sul. Paralelamente à consolidação do não alinhamen-


A Conferência Afro-Asiática de Bandung defendia: to, também se construía a noção de Terceiro Mundo.
• a cooperação entre os países afro-asiáticos na luta
O chamado Primeiro Mundo era formado pelos países
contra o colonialismo; desenvolvidos do bloco capitalista. O Segundo Mundo
era constituído pelos países desenvolvidos do bloco
• a condenação da segregação racial;
socialista. Os países não alinhados – Terceiro Mundo –
• o direito dos povos de determinar seu destino; procuravam uma terceira via de desenvolvimento.

LISA LARSEN/TIME LIFE PICTURES/GETTY IMAGES


Conferência de Bandung, 1955.

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Quais os fatores que alavancaram o processo de 6 Patrice Lumumba, líder das lutas pela emancipação
emancipação das colônias europeias na Ásia e na do Congo belga e primeiro-ministro da República
África? → DL/SP/H7/H9/H10/H11 Democrática do Congo, em discurso proferido em
2 Qual foi a estratégia utilizada por Mahatma Gandhi 30 de junho de 1960, dia da independência, procla-
na luta contra o colonialismo britânico na Índia? mou: "A República do Congo foi proclamada e agora
→ DL/SP se encontra nas mãos de seus próprios filhos [...].
Nesse momento os próprios povos escrevem sua his-
3 Apresente pelo menos um dos elementos responsá- tória [...] não mais aquela feita em Londres, Paris ou
veis pelos enfrentamentos entre Índia e Paquistão
Washington, mas em Hanói, Luanda, Bissau, Maputo
nos dias de hoje. → DL/SP/H3/H7
[...]".
4 Aponte um aspecto em comum entre o processo de Escreva, em seu caderno, qual o significado dessas
emancipação da Argélia e o das possessões portu-
palavras no contexto colonial.
guesas. → DL/CF/SP/H7
→ DL/CF/SP/CA/H1
5 Considerando-se o contexto histórico em que se
7 O que significa a expressão Terceiro Mundo?
deu a libertação dos países afro-asiáticos, explique
a inadequação do termo "descolonização". → DL/SP/H7/H9

→ DL/CF/SP/H7/H9/H10

O fim dos impérios coloniais na Ásia e na África 181

OH_V3_Book.indb 181 18/05/16 09:40


3 "Não confie em ninguém
com mais de 30 anos"

R
adical. Hoje a palavra pode significar uma manobra arrojada sobre um
skate ou uma prancha de surfe. Uma ousada forma de se vestir ou um
difícil passo de dança. Até mesmo um refrigerante de sabor exótico e
RENE BURRI/MAGNUM PHOTOS/LATINSTOCK

cor surpreendente. Na década de 1960, os significados eram outros.


Naquela altura, muitas novidades abalavam as certezas, transformando o
cenário mundial.
Os anos 1960 foram intensos. O filósofo francês Claude Lefort, observan-
do movimentações e turbulências do período, concluiu que as pessoas haviam
encontrado novos espaços e novas formas de expressão numa sociedade que
parecia fechada, e agora passavam a se manifestar e imaginar futuros diferen-
tes do óbvio e do previsível.
Essa possibilidade de imaginar e sonhar acontecia num dos momentos
mais complexos e perigosos por que o planeta passava: a Guerra Fria. Os esta-
dunidenses apresentavam-se como defensores do capitalismo e da liberdade e,
em nome desses valores, realizaram intervenções armadas na América Latina e
na Ásia. O regime soviético pregava a igualdade e a construção de uma socieda-
de harmoniosa, ao mesmo tempo que mantinha violentos mecanismos repres-
sivos dentro do território da União Soviética e no Leste europeu. Na China, Mao
Tsé-tung consolidava seu poder, por meio da Revolução Cultural e também de
uma violenta repressão a opositores.
A América Latina enfrentava uma ambiguidade: ao mesmo tempo que
diversos países viviam sob ditaduras militares, Cuba tornava-se o primeiro
país socialista do continente. Na África e na Ásia, intensificavam-se as lutas de
independência e surgiam novos Estados nacionais. Em várias partes do mundo
– que ainda convivia sob os fantasmas da recém terminada Segunda Guerra
Mundial e da Guerra Fria –, estudantes, mulheres e negros mobilizavam-se e
reivindicavam direitos e liberdade: buscavam uma "brecha", sonhavam com
um mundo livre, com a vida livre.

A Revolução Cubana
"A Revolução cubana de 1959 também foi uma festa simbólica, uma libertação da
palavra", definiu o historiador cubano Rafael Rojas. Num país que atravessara
toda sua história sob forte influência estrangeira e enfrentara diversos governos
ditatoriais, a revolução parecia finalmente trazer a liberdade e a chance de os
cubanos expressarem-se livremente.
Cuba havia sido a última grande colônia da Espanha no continente. A inde-
pendência foi tardia e conturbada, fruto de duas guerras de emancipação e de
um intenso debate interno, que opunha os "autonomistas" (que defendiam que
Cuba se tornasse um país livre e autônomo) e os "anexionistas" (que desejavam
A série de retratos feita por René que Cuba se separasse da Espanha e fosse anexada aos Estados Unidos). A pri-
Burri está entre as mais famosas
meira guerra de independência aconteceu entre 1868 e 1878 e se encerrou com
fotos de Che Guevara. Havana,
Cuba, 1963. a vitória dos espanhóis. A segunda foi mais breve e mais violenta. Começou

182 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 182 18/05/16 09:40


em 1895 e durou três anos. Quase no final do conflito, os
Estados Unidos intervieram e ajudaram os cubanos a se
Tá na rede!
libertar do domínio espanhol. Cuba tornou-se indepen-
revolução cubana
dente e, a princípio, autônoma, mas a ampla presença de
tropas estadunidenses mostrava uma submissão de fato Digite o endereço abaixo na
à poderosa nação do Norte. barra do navegador de internet:
http://goo.gl/9f92yE. Você pode
No começo do século XX, essa relação foi formalizada
também tirar uma foto com um
com a Emenda Platt, um dispositivo constitucional que
aplicativo de QrCode para saber
autorizava intervenções armadas dos Estados Unidos na Reunião de notícias,
mais sobre o assunto. Acesso em:
ilha, sob o pretexto de protegê-la de ameaças externas. 30 abr. 2016. Em português. fotos e vídeos sobre
A Emenda Platt vigorou por cerca de trinta anos e, nesse a Revolução Cubana.
período, os estadunidenses realizaram desembarques
militares na ilha. Além disso, desde o período colonial a
economia cubana era fortemente dependente da venda de Maradona
açúcar e outras mercadorias para os Estados Unidos. No braço do argentino Diego Maradona, ex-jogador de
Políticos e pensadores cubanos questionaram, futebol, uma tatuagem reproduz uma famosa foto de
durante toda a primeira metade do século XX, a submis- Che Guevara, tirada por Alberto Korda.
são aos interesses estadunidenses. Na década de 1940, Diego Maradona assistindo semifinal da Copa Davis.
a ilha conheceu, inclusive, um breve período de amplia- Buenos Aires, setembro de 2012.
ção dos direitos democráticos e viu o surgimento de par-

GABRIEL ROSSI/LATINCONTENT/GETTY IMAGES


tidos que defendiam maior diversificação das parcerias
comerciais e a afirmação da autonomia e da soberania
nacionais. Em 1952, no entanto, Fulgêncio Batista, que já
havia sido presidente de Cuba duas vezes, deu um golpe
de Estado, assumiu o poder e impôs ao país um governo
ditatorial. Diversos setores da sociedade cubana reagi-
ram ao golpe e à ditadura de Batista. Em 1953, um grupo
de jovens – a maioria deles, estudantes de direito – ten-
tou derrubar o governante. Eles atacaram um quartel
(Moncada), mas foram duramente reprimidos. Alguns
morreram, outros acabaram presos, julgados e senten-
ciados a longas penas de reclusão. Entre eles, o advoga-
do Fidel Castro (1926-). Dois anos depois, porém, eles
foram anistiados e banidos de Cuba.
A ditadura de Batista enfrentou, ao longo de seus
quase sete anos de duração, oposição institucional e
armada. A polícia política reprimia os opositores, mas eles
se mantinham ativos, dentro e fora de Cuba, denunciando
a corrupção e o autoritarismo do regime. No final de 1956, Che Guevara, um ídolo pop
um grupo desembarcou em Cuba para lutar contra o regi- Dos quatro principais líderes guerrilheiros, três eram
me. Iniciava-se o Movimento 26 de julho – uma referência cubanos – Fidel Castro, Raúl Castro e Camilo Cienfuegos –
ao dia em que ocorreu o ataque a Moncada, em 1953. Abri- e um era argentino: Ernesto "Che" Guevara. Suas trajetó-
gado nas serras do oriente da ilha, esses rebeldes articula- rias, depois da revolução, foram distintas. Fidel assumiu
ram-se politicamente a outros oposicionistas e desenvol- o controle político e governou Cuba por quase 50 anos,
veram, por pouco mais de dois anos, ataques guerrilheiros até 2008, quando transferiu o poder para seu irmão Raúl
a posições do Exército cubano por meio do foquismo, táti- (1931-). Cienfuegos (1932-1959) morreu num acidente
ca de guerrilha que consistia em criar focos de insurreição. aéreo, nove meses depois da vitória da revolução. Guevara
No réveillon de 1959, diante da pressão políti- (1928-1967) tornou-se um ídolo e mito político.
ca e militar que sofria, Batista fugiu de Cuba. Dois dias Ainda na juventude, Che percorreu o continente
depois, os guerrilheiros ocuparam a capital Havana. numa longa viagem de motocicleta que, posteriormente,

"Não confie em ninguém com mais de 30 anos" 183

OH_V3_Book.indb 183 18/05/16 09:40


se tornou bastante conhecida. Formado em medicina, A relação do novo regime cubano com os Estados Uni-
conheceu Fidel e outros cubanos exilados no México e dos havia sido, no início, harmoniosa. Os estadunidenses
decidiu incorporar-se à luta contra Batista. Participou de foram os primeiros a reconhecer o governo revolucionário
ações decisivas da guerrilha e, depois da queda do dita- e os dois países mantiveram suas negociações comerciais.
dor, exerceu o cargo de ministro da indústria de Cuba. Em A intensificação dos programas sociais cubanos e a onda
1965, afastou-se do cargo e saiu de Cuba. Para alguns, sua de nacionalizações, porém, atingiam empresas e proprie-
retirada foi resultado de desavenças com Fidel em relação dades de estadunidenses e sugeriam um afastamento de
à política econômica do país. Oficialmente, Che teria dei- Cuba da zona de influência dos Estados Unidos. O governo
xado Cuba para lutar pela revolução em outras partes do dos estadunidense passou então a pressionar Cuba para
mundo. Nos dois anos seguintes, ele atuou em lutas rebel- garantir seus interesses econômicos e geoestratégicos na
des no centro da África e na Bolívia. Em outubro de 1967, ilha. Em 1960, o presidente Dwight Eisenhower (1890-
Che foi preso e assassinado pelo Exército boliviano. 1969) determinou a redução da cota de açúcar que o país
Sua figura, no entanto, persistiu. Para os jovens comprava de Cuba. A decisão aumentou as divergências
diplomáticas e estimulou Fidel a estabelecer outras rela-
dos anos 1960, ele representava mais do que a vitória
ções comerciais e políticas.
da revolução cubana. Para muitas pessoas, a figura de
Em plena Guerra Fria, ele conduzia diálogos diplomá-
Che se associava à luta pela mudança e pela liberdade.
ticos com o governo estadunidense e, simultaneamente,
Em 1962, o artista plástico estadunidense Andy Warhol
negociava o estabelecimento de uma parceria com a União
(1928-1987), um dos nomes centrais da pop art, reprodu-
Soviética. Esta passou a fornecer petróleo e armamentos à
ziu graficamente a foto de Alberto Korda, numa sequên-
Cuba e absorveu o açúcar que os Estados Unidos deixavam
cia de múltiplas e coloridas imagens. Warhol dava, de comprar. O governo estadunidense reagiu, rompendo,
assim, ao líder da revolução o mesmo tratamento icôni- em janeiro de 1961, as relações diplomáticas com Cuba.
co que daria a artistas como Marilyn Monroe e John Len- Em abril do mesmo ano, aviões dos Estados Unidos bom-
non. Hoje, passados cerca de 50 anos de sua morte, inú- bardearam Havana e um agrupamento armado desembar-
meros filmes e livros reforçam o caráter romântico de cou na Baía dos Porcos, em Cuba. Fidel respondeu com
sua imagem, enquanto o rosto e algumas frases de Che um famoso discurso em que criticava as ações estaduni-
estampam camisetas, pôsteres, chaveiros e todo tipo de denses, elogiava a União Soviética e, pela primeira vez,
mercadoria. Che saiu da política para se tornar ídolo pop. declarava o caráter socialista da revolução cubana:

Depois da revolução "Isto é o que [os Estados Unidos] não podem nos
Os primeiros meses tornaram-se um período de arranjos perdoar: que estejamos aqui, sob o seu nariz, e que
e negociações políticas internas e externas. Os diversos tenhamos feito uma revolução socialista sob o pró-
grupos que participaram da luta contra Fulgêncio Batista prio nariz dos Estados Unidos! Esta revolução socia-
tinham projetos e ideias diferentes para o futuro de Cuba lista, nós a defendemos com estes fuzis; esta revolu-
e era preciso definir qual rumo seria tomado. Represen- ção socialista, nós a defendemos com o valor com que
ontem nossa artilharia antiaérea crivou de balas os
tantes da sociedade civil formaram o primeiro governo
aviões agressores."
pós-revolução. Os guerrilheiros foram saudados como
heróis da luta armada contra a ditadura, mas não se con- CASTRO, Fidel. Textos – política. São Paulo: Ática, 1986. p. 61.

siderava, a princípio, que eles assumissem postos polí-


RAÚL CORRAL/GREY VILLET/TIME & LIFE PICTURES/GETTY IMAGES

ticos. Fidel Castro, no entanto, logo buscou alterar esse


cenário. Logo em 8 de janeiro de 1959, quando suas tro-
pas entraram em Havana, ele dirigiu-se, num inflamado
discurso, à população da cidade. Dias depois, foi nomea-
do comandante-em-chefe das Forças Armadas.
Guerrilheiros e civis conviveram no governo de
Cuba por seis meses, mas o prestígio e a popularidade de
Fidel, reforçados por sua facilidade oratória, ampliavam
sua força política. Na metade de 1959, Fidel assumiu o
comando político da ilha e acelerou as reformas sociais
em curso: distribuiu terras para camponeses, confiscou
Fidel Castro diante de 1 milhão de pessoas discursando na
propriedades de pessoas e grupos antes ligados a Batis-
Praça da Revolução. Havana, Cuba, 26 de julho de 1964.
ta, nacionalizou empresas estrangeiras.

184 Capítulo 7  A era da contestação

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A ameaça de uma intervenção estadunidense em
Cuba prosseguiu até outubro de 1962, quando a crise entre Bombas de napalm
os dois países chegou ao auge: diante da notícia da insta- A foto, tirada em 1972, foi reproduzida em jornais e revis-
lação, em Cuba, de mísseis soviéticos apontados para os tas do mundo todo, tornou-se famosa e ampliou os protes-
Estados Unidos, o presidente estadunidense John Kennedy tos contra a presença estadunidense no Vietnã. Ela mos-
tra crianças atingidas por bombardeio de napalm. A crian-
(1917-1963) determinou o bloqueio naval da ilha. A cha- ça Phan Thi Kim Phuc, então com 9 anos, estava nua por-
mada crise dos mísseis gerou intensa inquietação, devido que havia arrancado a roupa que pegara fogo com o efei-
ao risco de um confronto direto entre as duas superpotên- to da arma química.
cias, e foi superada por meio de negociações entre Kenne-
dy e o chefe de governo soviético Nikita Kruschev (1894-
-1971). Pelo acordo selado entre os dois homens mais
poderosos do planeta, a União Soviética comprometeu-se
a retirar os mísseis de Cuba e os Estados Unidos declara-

NICK UT/AP PHOTO/GLOW IMAGES


ram que não tentariam nova intervenção armada na ilha.
Cuba no labirinto
A consolidação do regime de Fidel Castro representou
uma novidade para a América: um país socialista, a cerca
de 160 quilômetros da costa estadunidense. O governo
cubano intensificou, internamente, a repressão a todas
as manifestações de oposição, acusando-as de "traição Menina vietnamita corre da bomba de napalm. Tay
Ninh, Vietnã, 1972.
nacional". A produção cultural passou a ser severamente
controlada e os intelectuais e artistas deviam celebrar os
valores e princípios da revolução e do regime.
Por quase trinta anos, Cuba contou com apoio polí-
tico e econômico soviético. A democratização, implan- A Guerra do Vietnã
tada na União Soviética no final da década de 1980, e Nos anos 1960, enquanto Cuba mobilizava as atenções
o posterior desmembramento do país, porém, deixa- no Ocidente, outro conflito, bastante violento, desen-
ram Cuba em situação econômica bastante difícil. Dian- volvia-se no Oriente. O Sudeste asiático vivera, desde o
te do novo cenário internacional, Fidel estimulou a século XIX, sob colonização europeia: ingleses domina-
entrada de capitais estrangeiros – sobretudo espanhóis vam a Birmânia, a Malásia e Cingapura; holandeses con-
e franceses – para dinamizar o turismo. Em 2008, aos trolavam a Indonésia; franceses impunham-se sobre a
82 anos e bastante doente, Fidel deixou o governo, Indochina (Camboja, Laos e Vietnã). Durante a Segun-
sendo sucedido por seu irmão, Raúl Castro, que ini- da Guerra, o Japão impôs sua hegemonia sobre parte da
ciou uma política de reformas econômicas, com o objeti- Ásia. Na Indochina, esse avanço japonês ocorreu quase
vo de ampliar a produção industrial cubana. Ao mesmo sem resistência francesa: a França estava sob ocupação
tempo, iniciou-se um lento processo de reaproxima- alemã e a Alemanha era aliada política do Japão. Com o
ção com os Estados Unidos. No final de 2014, Raúl e o fim da guerra e a derrota do Eixo, o Japão foi forçado a
presidente dos Estados Unidos Barack Obama (1961-) retirar-se da região. A precária situação econômica fran-
formalizaram o restabelecimento de relações diplomá- cesa, associada à mobilização da população local pela
ticas, o que permitiu, no primeiro ano dessa retomada, a independência (liderada pelo Movimento Vietminh),
assinatura de algumas parcerias mercantis e o reinício dos dificultou o restabelecimento do domínio francês.
voos comerciais entre os dois países. Em março de 2016, No final de 1946, após tentativas fracassadas de
Obama foi recebido em Havana, na primeira visita, desde negociação entre o movimento emancipacionista e as
a revolução, de um presidente estadunidense a Cuba. autoridades francesas, começou a luta de independên-
O futuro de Cuba, no entanto, persiste incerto. Gover- cia. A China apoiava os rebeldes e os Estados Unidos
nada há cerca de sessenta anos pelas mesmas pessoas, auxiliavam os franceses. A chamada Guerra da Indochi-
o país atravessa hoje uma silenciosa renovação de seus na arrastou-se por oito anos e se encerrou com a derro-
quadros políticos. Na expressão do historiador Rafael ta da França. Em maio de 1954, uma conferência de paz,
Rojas, a ilha persiste num labirinto e "caberá, pelo visto, a realizada na Suíça, determinou a independência de Laos
essa nova geração de políticos cubanos, enfrentar a adiada e Camboja. O Vietnã também se tornou livre, mas foi
reforma do sistema político herdado da Revolução de 1959." dividido em dois países: ao norte, sob influência chine-

"Não confie em ninguém com mais de 30 anos" 185

OH_V3_Book.indb 185 18/05/16 09:40


sa, nascia um país de orientação comunista; ao sul, um tropas armadas. No décimo-primeiro dia de mobilizações,
Estado capitalista, ligado aos Estados Unidos. Partido ao o exército soviético invadiu a Hungria, reprimiu violenta-
meio, o Vietnã tornava-se um símbolo da Guerra Fria. mente os protestos e trocou o governo húngaro por outro,
A divisão desagradou a muitos vietnamitas. Ho Chi mais forte e subordinado aos interesses soviéticos.
Minh (1890-1969), um dos fundadores do Movimento Doze anos depois, o desafio ao comando soviético
Vietminh e líder do Vietnã do Norte, estimulou a mobi- veio da Tchecoslováquia. O presidente Alexander Dubcek
lização de setores comunistas do Vietnã do Sul que, em (1921-1992) implantou um conjunto de reformas voltadas
1960, formaram a Frente de Libertação Nacional (FLN). à descentralização da economia – o Estado retirava-se do
Mais conhecida como Vietcongue, era um grupo guerri- controle de parte das atividades produtivas – e à democra-
lheiro que rejeitava a presença estadunidense e defen- tização política: liberdade de expressão e de imprensa, fim
dia a reunificação do país. No ano seguinte, os Estados da censura e ampliação da participação política da socie-
Unidos intervieram na região, com o envio de helicóp-
dade. Era a Primavera de Praga. O projeto de Dubcek con-
teros e consultores militares. Os vietcongues, por sua
tava com grande apoio interno, mas era visto com reser-
vez, receberam apoio chinês e soviético. A escalada mili-
vas pelas autoridades soviéticas. Em agosto de 1968, após
tar cresceu gradualmente e, após 1965, os Estados Uni-
um semestre de avanços democráticos, o país foi ocupa-
dos já mobilizavam quase 200 mil soldados na região.
do por tanques do Exército soviético e forças do Pacto de
Três anos depois, eram mais de 500 mil estadunidenses,
Varsóvia. Dubcek foi retirado do poder e substituído por
apoiados por centenas de aviões e helicópteros.
um governante fiel à União Soviética. Alguns jovens tenta-
O aparato militar dos Estados Unidos, no entanto,
ram resistir ao ataque, mas foram reprimidos. No mundo
enfrentava grande dificuldade para lutar no meio das sel-
da Guerra Fria e da bipolaridade estratégica, era difícil rea-
vas vietnamitas e sofria seguidas perdas com os ataques
lizar mudanças em qualquer das zonas de influência.
guerrilheiros dos vietcongues. Dentro dos Estados Uni-
dos, grupos pacifistas exigiam a saída das tropas do Viet-
nã, denunciavam os gastos militares (perto de 200 bilhões China: A Revolução Cultural
de dólares) e o alto número de mortos e feridos (quase 50
Depois da consolidação do regime comunista implantado
mil). Cenas brutais de uso de armas químicas e assassina-
na Revolução Chinesa, Mao Tsé-tung reorganizou a produ-
tos de civis, por tropas estadunidenses, correram o mundo,
ção agrícola, agrupando grandes contingentes de campo-
no ritmo das transmissões da televisão. A guerra era acom-
neses em comunidades de trabalho coletivo. Muitos tra-
panhada ao vivo e todos podiam assistir ao horror.
balhadores rurais também foram retirados do campo e
No início dos anos 1970, os Estados Unidos começa-
levados para a cidade, para ampliar o volume de mão de
ram a diminuir a intensidade de suas ações no Vietnã e,
obra fabril e acelerar a industrialização do país. O esfor-
cada vez mais, se percebia que a principal potência eco-
ço foi mal sucedido: a produção de alimentos caiu drasti-
nômica do planeta estava sendo derrotada por um grupo
camente e a indústria não atingiu o nível que se buscava.
de guerrilheiros. Em 1973, foi assinado um cessar-fogo,
A escassez de alimentos provocou a morte de
seguido de um acordo de paz e a retirada das tropas esta-
milhões de pessoas e provocou o surgimento, dentro do
dunidenses. O conflito entre Vietnã do Norte e Vietnã do
Partido Comunista chinês, de vozes contrárias à lideran-
Sul prosseguiu ainda por dois anos, até a tomada de Sai-
ça de Mao. O governante, por sua vez, atribuía o fracas-
gon, capital do Sul, em 1975, e a unificação do país sob
so da empreitada ao conservadorismo da sociedade e
um regime comunista, liderado por Ho Chi Minh.
à sabotagem realizada por adversários do regime. Para
ampliar seu controle político e ideológico, Mao endos-
A Primavera de Praga sou as manifestações de um grupo de estudantes que,
em 1966, organizou-se na Guarda Vermelha e realizou
Se Cuba representou uma fissura importante na zona de
protestos contra alguns tipos de pesquisa e procedimen-
influência estadunidense, Hungria e Tchecoslováquia
tos pedagógicos. Eles criticavam a separação entre o tra-
mostravam que dentro da área de controle soviético tam-
balho manual e o trabalho intelectual, defendiam a apli-
bém havia insatisfações.
cação prática de todo conhecimento e diziam-se guiados
Em 1956, muitos húngaros saíram às ruas para pro-
pelo Livro Vermelho de pensamentos do "grande timo-
testar contra o domínio da União Soviética e exigir liber-
neiro" Mao. Começava a chamada Revolução Cultu-
dade. Por pouco mais de uma semana, as principais cida-
ral chinesa. Jovens e crianças eram levados a aderir ao
des do país foram palco de conflitos entre rebeldes e

186 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 186 18/05/16 09:40


movimento e denunciar todos que considerassem "con-
trarrevolucionários" ou "ocidentalizados". Maio de 1968 na França
O movimento desencadeou uma perseguição siste- A mobilização estudantil francesa talvez tenha sido a mais
mática aos opositores de Mao e a milhares de artistas e impactante da década de 1960. Iniciou-se com o protes-
intelectuais, que eram presos, mortos ou mandados para to de alguns estudantes parisienses, em maio de 1968,
campos de trabalhos forçados. Obras de teor erótico ou contra os métodos de ensino conservadores e autoritários
religioso eram sistematicamente destruídas. Milhares de que predominavam nas suas universidades . Rapidamen-
homossexuais e budistas foram massacrados, em meio te, porém, outros temas entraram em cena. Os estudantes
aos extermínios em massa comandados pelo regime, bradavam lemas em defesa da liberdade, de diversas ori-
com o auxílio da Guarda Vermelha. Manifestações de gens teóricas e ideológicas. Havia grupos anarquistas, que
individualidade e vaidade eram reprimidas: as mulheres recuperavam as ideias de Bakhunin e Proudhon. Outros
eram proibidas de se maquiar e todos os chineses passa- lembravam do projeto de vida em comunidade de Fou-
ram a se vestir de forma homogênea – homens, mulhe- rier ou da resistência de Paris durante a Comuna de 1871.
res e crianças vestiam túnicas escuras e de corte reto. As Embora a maioria dos rebeldes criticasse o stalinismo,
demonstrações públicas de afeto e o amor eram conside- uma parte deles celebrava Mao e as propostas da Revolu-
radas valores burgueses e deviam ser evitados. ção Cultural chinesa – a pouca informação sobre a China,
que circulava no Ocidente, não permitia que se soubesse
dos massacres liderados pelo regime.
Mao e a juventude Junto com as reivindicações estudantis e democráti-
A maciça propaganda ideológica do maoísmo volta- cas, os ativistas levantavam novas bandeiras: a libertação
va-se prioritariamente aos jovens, que eram instruí- do corpo e a liberdade sexual, a igualdade entre os sexos,
dos a valorizar a experiência prática e a desprezar o fim dos preconceitos raciais, o fim das guerras. Sindica-
a formação intelectual: "Eu não aprovo que se leiam tos e partidos políticos tentaram aproveitar e controlar as
tantos livros [...] Precisamos de gente jovem, de pouca manifestações dos estudantes, mas eram rejeitados por
educação, mas com uma atitude firme e experiência eles, que contestavam as formas tradicionais e institu-
política para executar essa tarefa". cionais de organização política e todo tipo de burocracia.
Eles defendiam a espontaneidade dos protestos e a parti-
SHANGHAI PEOPLE'S ART PUBLISHING HOUSE, CHINA

cipação direta na política, recusavam lideranças e dese-


javam manter o movimento, pois assim todos os poderes
estabelecidos ficavam fora de operação.
Nos muros de Paris, frases mostravam a pluralidade
do Maio de 68 e suas estratégias de luta. "A industrializa-
ção nos ameaça" ou "Você está sendo intoxicado; rádio, tv,
rádio, tv, jornal, mentira" expunham as críticas à sociedade
industrial e à mídia. "Sob o calçamento, a praia" ou "A poe-
sia na rua" revelavam a necessidade de buscar o prazer e
reinventar os espaços das grandes cidades. "Quanto mais
eu faço amor, mais eu tenho vontade de fazer a revolução,
quanto mais eu faço a revolução, mais eu tenho vontade de
fazer amor" ou "Faça amor, não faça a guerra" celebravam
a paz, a liberdade sexual e de expressão, e mostravam o
caráter rebelde do corpo e da palavra. "É proibido proibir"
e "A liberdade do outro amplia a minha ao infinito" (frase de
Bakhunin) afirmavam a defesa da plena libertação.
Essa luta foi sintetizada numa frase de Daniel Cohn-
-Bendit (1945-), um dos rebeldes: "Nós queremos abrir uma
Um olhar para o que está distante, Xiang Qijiu. brecha". Os estudantes mantiveram-se mobilizados por
Pôster de propaganda, Departamento Cultural e mais de um mês, montando barricadas nas ruas de Paris
seção política da região militar de Jinan, 1978.
e oferecendo flores aos policiais que vinham reprimi-los.

"Não confie em ninguém com mais de 30 anos" 187

OH_V3_Book.indb 187 18/05/16 09:40


CONTRACULTURA A pop art
No Vietnã, lutava-se contra a interferência estaduniden- A pop art surgiu num momento de expansão do aces-
se; na Primavera de Praga, contra o domínio soviético. Na so aos bens de consumo, do crescimento dos meios de
França, em maio de 1968, pela liberdade total. Os protes- difusão visuais, da massificação da publicidade, da
tos espalhavam-se por um mundo que vivia à beira de um valorização cada vez mais intensa das celebridades –
guerra letal, mas desejava paz. Para milhões de jovens, os atores, atrizes, cantores populares.
adultos haviam fracassado: seus pais e avós haviam assis- Artistas, como os britânicos Eduardo Paolozzi (1924-
tido à barbárie das duas guerras mundiais e não consegui- -2005), David Hockney (1937-) e Richard Hamilton
ram impedir novos conflitos,. Não se devia confiar em nin- (1922-2011) ou os estadunidenses Robert Rauschenberg
guém que tivesse mais de trinta anos de idade... (1925-2008), Jasper Johns (1930-), Roy Lichtenstein
Na Califórnia, os universitários rebelavam-se diante (1923-1997) e Andy Warhol (1928-1987), incorporaram
do arcaísmo do sistema educacional e protestavam con- o mundo das mercadorias ao trabalho artístico, explora-
tra a Guerra do Vietnã. Na Cidade do México, os estudan- ram novos materiais (lixo, objetos eletrônicos, latas de
tes rejeitavam o autoritarismo do partido no poder desde refrigerantes), novas técnicas (colagem, repetição de
a Revolução Mexicana. No Brasil, jovens lutavam contra uma imagem) e diálogos com outras linguagens (histó-
a ditadura militar. Em Milão, Amsterdã ou Berlim, contra rias em quadrinhos, cinema, publicidade).
um mundo aparentemente sem saída. Nos Estados Uni- Eles reagiam ao abstracionismo da arte moderna,
dos, contra o preconceito racial. Em quase todo o Ociden- buscavam uma comunicação ágil e rápida com o obser-
te, contra o machismo. Ao som do rock, em defesa da liber- vador e criticavam a sociedade de massas e consumo,
dade sexual e de expressão, pelo direito ao próprio corpo, por meio da apropriação e ressignificação de alguns de
expandia-se a reação aos padrões culturais hegemônicos. seus elementos.

ANÁLISE DE IMAGEMSerigrafia

Mao Warhol criou uma série de serigrafias sobre o


ditador chinês Mao Tsé-tung, motivado pela viagem
Material: Pintura acrílica, grafite, serigrafia sobre
do então presidente Richard Nixon à China e por
linho. Impresso no estúdio Factory (NYC).
seu empresário, que sugeriu que representasse a
Dimensões: 4,48 x 3,46 m figura mais importante do século XX. Inicialmente
Datação: 1973 produziu 4 telas gigantes e depois um grande
número de composições menores. Encontra-se con-
Artista: Andy Warhol servada na Fundação Andy Warhol em Nova York.

1 Primeiro olhar: Andy Warhol produziu uma sequência de telas gigan- 2 Warhol criou a série a partir do retrato oficial
tescas, de cerca de quatro metros, preenchidas com o rosto do líder do de Mao reproduzido no frontispício do Livro
Partido Comunista Chinês, denominadas Mao. Mao se tornara um objeto Vermelho. Ele reelabora as representações de
de consumo para o bem e para o mal. Um deus e um demônio. propaganda veiculadas em toda a China.

3
A escala da com-
posição evoca o
4 poder ditatorial do
governo de Mao
Aplicações de tinta na China. A repeti-
colorida sobre o ção da mesma ima-
rosto de Mao, como gem, a importância
se fosse maquia- da propaganda na
gem, dão ao ditador Revolução Cultural
militarista uma apa- chinesa.
rência feminina.
FUNDAÇÃO ANDY WARHOL, NOVA YORk, Estados Unidos

188 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 188 18/05/16 09:40


BETTMANN/CORBIS/LATINSTOCK
direitos civis e racismo
Em 1955, no estado do Alabama, nos Estados Unidos, uma
jovem negra, chamada Rosa Parks, foi presa por não ter
cedido o seu assento em um ônibus para um homem bran-
co que estava de pé, como previa a legislação estadual.
A comunidade negra, liderada pelo pastor protes-
tante Martin Luther King, boicotou os transportes públi-
cos por 381 dias. Ao final do processo, a Justiça determi-
nou ser ilegal a segregação nos transportes públicos do
Alabama. Os negros do Alabama adquiriram os mesmos
direitos que os brancos. Nos transportes públicos.
O caso de Rosa Parks projetou o nome de Martin
Luther King nos Estados Unidos. O reverendo passou a
percorrer o país em campanha pela defesa dos direitos
civis e contra a discriminação e a política de segregação
racial vigente em diversas partes dos Estados Unidos.
Em 1963, na comemoração dos cem anos da abolição
da escravatura, Martin Luther King reuniu cerca de 250
mil pessoas em frente ao Memorial Lincoln, em Washing- Encontro entre Martin Luther King e Malcolm X.
ton, capital do país, em protesto pacífico contra o racismo. Washington D.C., Estados Unidos, março de 1964.
Os esforços do movimento culminaram na decreta-
Faça
ção da Lei dos Direitos Civis, em 1964, sob o governo de
Lyndon Johnson, que proibia a discriminação sob qual-
Tá ligado?! em se
cadernu
o

quer forma. Uma grande vitória para o movimento negro. (Enem) Nós nos recusamos a acreditar que o banco
No entanto, as leis por si só não foram suficientes da justiça é falível. Nós nos recusamos a acreditar que
para eliminar a realidade de discriminação e precon- há capitais insuficientes de oportunidade nesta nação.
ceito contra os negros. Movimentos racistas como a Ku Assim nós viemos trocar este cheque, um cheque que
Klux Klan reapareceram com força, promovendo uma nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade
e a segurança da justiça.
onda de assassinatos e violência, em oposição à políti-
ca de integração racial. KING JR, M. L. Eu tenho um sonho, 28 ago. 1963.
Disponível em: www.palmares.gov.br.
Em abril de 1968, Martin Luther King foi assassi-
Acesso em: 30 nov. 2011. (adaptado)
nado na cidade de Memphis, no Tennessee. Os protes-
tos dos negros alastraram-se por todo o país. A revolta O cenário vivenciado pela população negra, no
contra séculos de opressão e violência tomava conta dos sul dos Estados Unidos nos anos 1950, conduziu
à mobilização social. Nessa época, surgiram
Estados Unidos.
reivindicações que tinham como expoente Martin
Malcolm X Luther King e objetivavam:
Enquanto Martin Luther King apostara no princípio da a) a conquista de direitos civis para a população
resistência não violenta e na integração entre negros e negra.
brancos, outros ativistas defendiam ideias mais radi- b) o apoio aos atos violentos patrocinados pelos
cais. Malcolm Little, conhecido como Malcolm X, negros em espaço urbano.
defendia uma ação ofensiva contra aqueles que nega- c) a supremacia das instituições religiosas em meio
vam aos negros seus direitos. Tornou-se muçulmano à comunidade negra sulista.
e trocou seu sobrenome "Little" por "X", por entender d) a incorporação dos negros no mercado de
que, "neste país, o negro é tratado como animal e os ani- trabalho.
mais não têm sobrenome". e) a aceitação da cultura negra como representante
Em 21 de fevereiro de 1965 foi assassinado na cida- do modo de vida americano.
de de Nova York, enquanto discursava. Suas ideias con- → DL/CF/H1/H24/H25
tinuaram a ser divulgadas por meio de outros movimen- → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
tos, como Black Power e os Panteras Negras.

"Não confie em ninguém com mais de 30 anos" 189

OH_V3_Book.indb 189 18/05/16 09:40


História E Música>> Like a rolling stone
"How does it feel "Qual a sensação
How does it feel Qual a sensação
To be on your own Destar por sua própria conta
With no direction home Sem rumo
Like a complete unknown Como um completo desconhecido
Like a rolling stone?" Como um andarilho?"
Bob Dylan, 1961.

Esse é um trecho de uma das mais conhecidas can- pós-guerra, os jovens negros queriam os mesmos direi-
ções de Bob Dylan, cantor e compositor estaduniden- tos que os jovens brancos. Mas, enquanto a América era
se. Tornou-se um hino para os jovens dos anos 1960. Na o "país das grandes oportunidades", os negros continua-
Marcha pelos Direitos Civis sobre Washington, em agos- vam isolados da riqueza. Na opressão dos guetos, os
to de 1963, Bob Dylan estava na comissão de frente. E negros revigoraram o grito ancestral amplificando-o, ele-
durante algum tempo a música estadunidense seria por- trificando-o, deixando-o mais agressivo.
ta-voz de grandes causas. Como na canção de Dylan, esses jovens sem rumo se
Após 1945, o velho blues ressurgiu nos guetos dos sentiam como andarilhos em busca de suas raízes.
negros das grandes cidades com uma nova roupagem. E as lutas pelos direitos civis foram acompanhadas
Com um ritmo mais rápido e acompanhado de guitarras de perto pelo som amplificado do rock'n'roll. Som feito
elétricas, o blues tornava-se rock'n'roll. Na América do por negros e brancos.

AP PHOTO/GLOW IMAGES
BRUCE FLEMING/AP IMAGES/GLOW IMAGES

Jimi Hendrix no Festival de Música Pop Internacional. Martin Luther King, Washington D.C., Estados Unidos,
Monterey, Califórnia, Estados Unidos, 18 de junho agosto de 1963.
de 1967.
Em 28 de agosto de 1963, na Marcha pelos Direitos Civis
Com suas roupas coloridas e o som eletrizante de sua gui- sobre Washington Martin Luther King, diante de cerca de
tarra, James Marshall, conhecido como Jimi Hendrix (1945- 250 mil pessoas, proferiu seu mais famoso e inspirado dis-
-1970), é considerado o maior pop star negro do rock. Seu curso, chamado "I have a dream" (Eu tenho um sonho).
som revolucionário, que fundia blues, rock e música eletrô-
nica, abalou as estruturas da música.

190 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 190 18/05/16 09:40


Os Panteras Negras Olimpíadas do México
Três meses após o assassinato de Luther King, foram
Tommie Smith, vencedor dos 200 metros rasos, e, John
realizados os jogos olímpicos na Cidade do México. Os
Carlos, medalha de bronze, transformaram a entrega de
jovens atletas John Carlos e Tommy Smith, primeiro e medalhas em um momento de protesto contra a supremacia
terceiro colocados na corrida de 200 metros rasos, pre- branca. Por sua ousadia, ambos perderam suas medalhas.
paravam-se para subir ao pódio. No momento da ceri- Tommie Smith (centro) e John Carlos (direita) fazem a
mônia, os dois atletas abaixaram a cabeça e ergueram saudação Black Power. Olimpíadas do México, Cidade
seus punhos fechados com luvas pretas. O mundo intei- do México, 1968.
ro assistiu ao forte protesto dos dois atletas.

ROLLS PRESS/POPPERFOTO/GETTY IMAGES


O gesto era uma referência ao grupo Panteras
Negras e um protesto contra o racismo nos Estados Uni-
dos. Mais uma vez a bandeira do país tremulava graças
ao empenho de atletas negros. O adversário já não era
Hitler ou seus seguidores nazistas, mas todos aqueles
que, em qualquer parte do mundo, insistiam em discri-
minar e segregar os negros.

Radicalização
O Partido dos Panteras Negras para Legítima Defe-
sa (Black Panther Party for Self Defense) foi fundado em
1966, na cidade de Oakland, Califórnia (Estados Uni-
dos). A proposta original do grupo era patrulhar os gue-
tos negros e proteger seus moradores da brutalidade da
polícia branca. Faziam suas rondas armados, uniformi-
zados com boina e camisas negras. Escolheram a pante-
ra como símbolo, pois, segundo eles, a pantera só ataca
quando também é atacada.
Os Panteras Negras tinham muitos adeptos entre os
jovens dos guetos das grandes cidades. Desenvolviam
programas de alimentação, assistência médica e publi-
cavam um jornal diário. No entanto, o uso da violência,
as ideias radicais contra os brancos e os constantes con-
flitos com a polícia levaram ao fim do grupo em meados
da década de 1970.

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 À luz das informações deste capítulo, procure expli- 2 Procure explicar as relações entre os Estados
car o seguinte trecho: Unidos e a Revolução Cubana. → DL/SP/H7/H8
"A Revolução Cubana era tudo: romance, heroísmo 3 Defina o foquismo. → DL/SP/H10
nas montanhas, ex-líderes com a desprendida genero- 4 Explique os motivos que levaram à derrota dos
sidade de sua juventude – os mais velhos mal tinham Estados Unidos na Guerra do Vietnã.
passado dos 30 –, um povo exultante, num paraíso → DL/SP/H7/H10/H21
turístico tropical, pulsando com os ritmos da rumba." 5 Aponte os motivos da invasão soviética à
HOBSBAWM, E. Era dos extremos. Tchecoslováquia em 1968. → DL/SP/H7/H8
São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 427.
6 Compare as propostas de Martin Luther King às de
→ DL/CF/SP/H7/H10/H11 Malcom X. → DL/CF/SP/H9/H10/H11

"Não confie em ninguém com mais de 30 anos" 191

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4 A Era de Aquário
no Brasil

N
o Brasil, apesar das crescentes medidas repressivas e das dificul-

◀ ANOS
A REPRESSÃO dades políticas estabelecidas para a oposição, crescia o sentimen-
MILITAR to contrário à ditadura. Incursões armadas no Rio Grande do Sul e
31/3. Golpe militar derruba o 1964 atentados a bomba foram frequentes em 1965 – um deles visando a um dos
presidente João Goulart. ▾ líderes da linha dura, o general Costa e Silva. No ano seguinte, apesar da
2/4. O deputado Ranieri
Mazilli é empossado como
repressão, os estudantes voltaram a se manifestar em todo o país e procura-
presidente da República. ram reorganizar a UNE, posta na ilegalidade desde 1964. A esquerda estu-
7/4. O Ato Institucional n.º 1 dantil voltou a protestar.
concede ao governo
o direito de cassar mandatos Além disso, a insatisfação popular era alimentada pelos insuficientes
e direitos políticos e de
demitir ou aposentar resultados econômicos obtidos pelo governo. Herdeiro de uma grave crise
funcionários públicos. econômica, Castelo Branco encarregou os economistas Roberto Campos e
10/4. Cassações dos direitos Octávio Bulhões de implementar medidas que resolvessem o déficit públi-
políticos de João Goulart,
Jânio Quadros, Luís Carlos co e contivessem a taxa inflacionária. Através do Programa de Ação Econô-
Prestes, Leonel Brizola.
mica do Governo (PAEG), os salários foram comprimidos, reduziram-se os
11/4. O General Castelo
Branco é eleito presidente da gastos públicos, cortaram-se subsídios, ampliou-se a arrecadação de impos-
República pelo
Congresso Nacional.
tos e procurou-se conceder facilidades ao capital estrangeiro, revogando a Lei
13/6. Criação do Serviço de Remessa de Lucros regulamentada por João Goulart. Apesar da redução
Nacional de Informações (SNI). da inflação de quase 100% ao ano, em 1964, para cerca de 35%, em 1965, e
08/6. Cassação dos
direitos políticos 40%, em 1966, a taxa permanecia elevada e em alguns setores específicos
de Juscelino Kubitschek. (eletricidade, combustíveis e trigo) foi ainda mais forte, provocando o des-
27/10. O Ato Institucional n.º 2 1965 contentamento dos assalariados. O terreno era propício a contestações.
estabelece eleições indiretas ▾
para a Presidência e extingue
os partidos políticos.
5/2. O Ato Institucional n.º 3
estabelece as eleições
1966

Sucessão presidencial
indiretas para governadores e Em 1967 a linha dura chegou ao poder. A sucessão de Castelo Branco foi
prefeitos de capitais
e municípios considerados decidida pelo alto comando das Forças Armadas. Desde 1964 o general Artur
de segurança nacional.
da Costa e Silva vinha angariando simpatias para sua candidatura. Em maio
6/6. Cassação dos direitos
políticos de Ademar de Barros. de 1966, a convenção da Arena simplesmente ratificou o nome do general.
28/10. Criação da Frente Ampla. O MDB não lançou candidato, em protesto contra as seguidas mudanças das
7/12. O Ato Institucional n.º 4 regras eleitorais, intimidações, cassações e impugnações de candidatos da
convoca o Congresso
Nacional para votação oposição, que resultaram na ampla maioria parlamentar de governistas.
da nova Constituição
a substituir a de 1946.
Para vice-presidente foi escolhido o udenista Pedro Aleixo.
24/1. Nova Constituição 1967 Poucos dias antes de deixar o governo, Castelo Branco lançou o decreto
do Brasil. ▾ que instituía a Lei de Segurança Nacional, pela qual toda ação considerada
13/3. Promulgada a Lei de
Segurança Nacional (LSN). desestabilizadora do regime – entenda-se greves, manifestações, pronuncia-
15/3. Posse de Arthur da Costa e mentos e articulações políticas – passou a ser alvo de severas punições. Na
Silva como presidente do Brasil.
prática, todos aqueles que fossem enquadrados nessa lei teriam seus direi-
5/4. Proibição de atividades 1968
da Frente Ampla. ▾ tos civis suspensos.
13/12. O Ato Institucional n.º Em 7 de dezembro de 1966, pelo Ato Institucional n.º 4 (AI-4), os depu-
5 permite o fechamento do
Congresso Nacional, cassações tados e senadores foram convocados para a eleição do novo presidente e para
políticas pelo governo e suspende a elaboração de uma nova Constituição para o país. A Constituinte foi convo-
direitos civis e constitucionais.
30/12. Cassação dos direitos
cada com prazo definido para terminar seus trabalhos e funcionou sob forte
políticos de Carlos Lacerda. pressão militar. Em 24 de janeiro de 1967, foi aprovada uma nova Constituição,

192 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 192 18/05/16 09:40


que procurava legitimar o Estado autoritário e manter o O clima de efervescência política levou parlamen-
Poder Legislativo coagido pela repressão. Reorganizava- tares a condenarem as ações repressivas contra a popu-
-se, assim, a legislação do novo governo, que, entre 1964 lação civil e a denunciar a prática de tortura por parte
e 1966, estabeleceu quatro atos institucionais, 36 atos dos agentes policiais. Diante disso, o governo passou a
complementares, 312 decretos-lei e 3 746 atos punitivos. exigir a suspensão das imunidades parlamentares dos
Na nova Carta, toda essa legislação era agora disposta de autores de pronunciamentos críticos às ações policiais
modo a conferir "legalidade" ao regime. O autoritarismo e o seu enquadramento na Lei de Segurança Nacional.
virava lei. Mas o pior ainda estava por vir. Em especial, tinham em mira o deputado Márcio Morei-
O ministério do governo Costa e Silva caracterizou-se ra Alves, do MDB, que se pronunciara contra a ação das
por forte preponderância militar, com a maioria dos inte- Forças Armadas na repressão aos estudantes. O governo
grantes ligados à linha dura. Além disso, a Constituição de exigia o direito de processar o deputado. Para tanto, era
1967 cerceara a participação política dos setores oposicio- necessária a aprovação do Congresso Nacional.
nistas e da sociedade civil. No entanto, o novo presiden- A essa altura, as arbitrariedades cometidas em
te procurou adotar uma "política de alívio", dialogando e nome do regime haviam aberto dissidências nas bases
negociando com esses setores e intensificando a constru- governistas. Para surpresa geral, os deputados negaram
o pedido do Executivo, impondo-lhe uma fragorosa der-
ção de uma imagem simpática do governo. Durou pouco.
rota em 12 de dezembro de 1968. Era a hora da verda-
de. Os governantes poderiam ceder às manifestações e
Manifestações de protesto protestos e restabelecer a democracia no país. Ou então
As restrições políticas impostas pelo regime desenca- aprofundar a ditadura.
dearam uma imensa onda de protestos em todo o país. O Cinema Novo
Além da vacilante Frente Ampla e do limitado MDB,
Influenciado pela estética do neorrealismo italiano,
ganhou força no cenário político o movimento estudan-
nasceu no Brasil, nos anos 1950-1960, o Cinema Novo.
til, em sintonia com a rebeldia dos jovens estaduniden-
Um cinema que surge escaldado pelo fracasso da expe-
ses e europeus da época. Articulando reivindicações riência industrial da Vera Cruz entre os anos 1940 e
específicas aos grandes temas nacionais, os estudantes 1950, uma tentativa de organizar o cinema nacional nos
organizaram manifestações exigindo o fim da ditadura moldes hollywoodianos (estrutura empresarial: grande
militar. Como suporte, difundia-se uma cultura engaja- estúdio; produções gigantescas; sucessos de bilheteria;
da, que propunha transformações radicais na socieda- atores glamourizados pela imprensa – enfim, o cinema
de brasileira por aliança entre intelectuais, estudantes, -espetáculo). A produção nacional não conseguia com-
camponeses e operários. No horizonte dessas propostas petir com a estadunidense.
estava o socialismo. Mas o Cinema Novo tinha a seu favor novas câme-
Os confrontos com policiais tornaram-se frequentes, ras, que ensinavam que se podia filmar com equipa-
aumentando o clima de radicalização política. Policiais mentos leves e a custos menores. Um cinema preocupa-
e grupos paramilitares invadiam universidades, tea- do com a realidade nacional, pobre de recursos técnicos
tros e centros culturais, realizando prisões e espancan- e rico de imaginação. Um cinema consagrado pela frase
do professores, estudantes, artistas e intelectuais. De um célebre de Glauber Rocha, o mais importante cinema-
lado, bombas de gás lacrimogênio, cavalaria, cassetetes, novista: "Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça", e
espadas e tiros. De outro, lenços e garrafas com água ou que ele próprio definiria como a "estética da fome". Era
amoníaco (para suportar o efeito do gás), bolinhas de o momento em que o cineasta passava a ser um artista
gude e rolhas (para derrubar os soldados de seus cava- comprometido com os problemas de seu tempo.
los), coquetéis molotov, faixas contra a ditadura e pala- Entre 1963 e 1964, com Deus e o Diabo na Terra do
vras de ordem que revelavam as disputas internas pela Sol, de Glauber Rocha, o projeto cinema-novista ganhou
hegemonia do próprio movimento: "Só o povo organiza- maturidade. O filme colocou em xeque a estrutura
do derruba a ditadura" contra "Só o povo armado derru- linear de "começo, meio e fim" em progressão, apresen-
ba a ditadura". Como em outras partes do mundo, mui- tando uma montagem fragmentária das cenas. A ruptu-
tas bandeiras dos Estados Unidos foram queimadas em ra, então, era não só política, mas também estética. O
público, em um ritual que pretendia destruir simbolica- filme foi consagrado no Festival de Cannes (França) de
mente o poder da maior potência capitalista da época. 1964, e o cinema brasileiro nunca mais seria o mesmo.

A Era de Aquário no Brasil 193

OH_V3_Book.indb 193 18/05/16 09:40


Glauber acabou tendo problemas com a esquer- do de direito, como o mandado de segurança para pri-
da engajada, que vigiava o comportamento de artistas sões e buscas e o habeas-corpus para crimes políticos.
e intelectuais. Terra em transe, seu filme premiado em Nos meses seguintes, novos atos institucionais procu-
Cannes em 1967, enfrentou protestos exaltados às portas raram "legalizar" a atribuição de poderes discricioná-
de alguns cinemas do Rio de Janeiro por uma cena em rios ao Executivo.
particular. Durante um comício, um poeta, que traz em O AI-5 marcava o início de uma nova fase da Repú-
sua retórica uma visão amarga da política, tapa a boca blica Militar. Consolidavam-se a institucionalização da
de um operário sindicalizado e grita para os demais: "Isto ditadura e o Estado de Segurança Nacional – o primei-
é o povo. Um imbecil, um analfabeto, um despolitizado!". ro de muitos a se estabelecerem na América Latina –,
que identificava, como seus inimigos internos, deter-
minados setores da sociedade tidos como agentes do
O AI-5 comunismo internacional. Disseminada pelos Estados
Na noite de 13 de dezembro de 1968, menos de 24 horas Unidos logo após a Segunda Guerra, e desenvolvida no
após a corajosa sessão parlamentar que confrontava Brasil pela Escola Superior de Guerra (ESG), a partir de
o executivo, foi anunciado à nação o Ato Institucio- 1949, a ideologia de segurança nacional tornara-se
nal n.º 5 (AI-5) e um novo Ato Suplementar que fecha- peça-chave da propaganda e das ações militares ociden-
va o Congresso indefinidamente. O AI-5, cuja vigência tais contra o "expansionismo vermelho". A formação
só expiraria por decreto do Executivo – o que só viria de lideranças civis e militares tinha como pressuposto
a ocorrer dez anos depois –, suspendia os direitos civis a incapacidade governamental das elites civis e, conse-
e constitucionais. Nesse período, qualquer cidadão bra- quentemente, previa a atribuição aos militares da mis-
sileiro poderia ser preso e perder seus direitos políticos são de salvar o país da infiltração comunista.
por ordem do Poder Executivo. Ampliando o conceito de guerra para o cotidiano da
Todos os veículos de comunicação passaram a ficar política e submetendo esta última aos desígnios geopo-
sob vigilância militar, que operava a censura prévia de líticos do Brasil – país ocidental, capitalista, cristão –,
qualquer matéria de teor oposicionista ou que desse obtinha-se uma perigosa identificação entre a nação e o
publicidade a manifestações de contestação ao regime. Estado, tido como sua representação política. Assim, as
O Poder Judiciário passou, por uma série de mecanis- discordâncias oposicionistas eram identificadas como
mos, à órbita do Executivo. Ocorreram centenas de pri- crimes contra o Estado, cujos objetivos visavam deses-
sões, cassações políticas e expurgos no serviço público, tabilizar o regime e subjugar a soberania nacional. A
além de aposentadorias compulsórias nas universida- espessa e sombria cortina autoritária cobriria o Brasil
des. Foram suprimidas as garantias básicas do Esta- por mais de uma década.

BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO


Intelectualidade suspeita
Residências de intelectuais, artistas e lideranças civis eram
invadidas e revistadas. Não era mais necessário nenhum tipo
de autorização judicial para as prisões e investigações. Muitos,
tomados pelo temor da repressão, destruíam ou escondiam
livros que pudessem ser tidos como subversivos. Pensar e ler
tornaram-se atitudes profundamente suspeitas. Talvez com
algum excesso, conta-se que policiais andavam à procura de um
filósofo comunista chamado Platão e, principalmente, de seu
mestre, o também subversivo Sócrates; um estudante de enge-
nharia teria sido preso carregando um livro evidentemente ter-
rorista: Bombas hidráulicas. Se tais casos não forem verdadei-
ros, são, contudo, verossímeis.

Capa do jornal O Pasquim após a prisão de quase


toda a equipe do jornal, novembro de 1969.

194 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 194 18/05/16 09:40


Passeata dos 100 mil. Rio de Janeiro, 26 de
cronologia junho de 1968. Setecentos estudantes
dos são presos em Ibiúna

◀ DATA

ACERVO ICONOGRAPHIA
confrontos (SP) durante o 30.º
Congresso da UNE. Em
em 1968 São Paulo, grupos de
esquerda matam Charles
A polícia invade o 28/3 Chandler, capitão do
restaurante universitário ▾ exército estadunidense e
Calabouço, no Rio de 12/10 agente da CIA.
Janeiro. Edson Luís,
de 17 anos, é morto. Confronto na Rua Maria
É criado o slogan: Antônia, São Paulo,
"Mataram um estudante! envolvendo estudantes
Podia ser seu filho!". de esquerda e direita
do Mackenzie e da
Cerca de 50 mil pessoas 29/3 Faculdade de Filosofia da
vão ao enterro, na maior ▾ USP. Militares fornecem
manifestação contra a armas para os estudantes
ditadura até então. 2/10 de direita.

A Universidade de 1/4 É denunciada a


Brasília é ocupada pelos ▾ existência de um
estudantes. Protestos plano para sequestros
em São Paulo e Rio de e assassinatos de
Janeiro. lideranças de oposição,
por parte de oficiais da
Durante a missa de 4/4 Aeronáutica do grupo
7.º dia de Edson Luís, ▾ especial de operações
militares cercam a 1/10 denominado PARA-SAR.
igreja da Candelária, na O deputado Márcio
Guanabara. Moreira Alves critica a
violência dos policiais
Na Praça da Sé, operários 1/5 contra os estudantes.
e estudantes queimam ▾
Propõe o boicote às
o palanque onde o
comemorações de 7 de
governador Abreu Sodré 2/9 setembro.
iniciava seu discurso.

A Faculdade de Medicina 5/5 Invasão da Universidade


de Belo Horizonte é ▾ 29/8 de Brasília pela polícia.
desocupada por forças
militares. Atentado a bomba contra
o Teatro Opinião no Rio
21/6 2/8 de Janeiro.
Protestos na Guanabara.
Mais dois mortos. ▾
26/6 ▸ 16/7 ▸ 18/7 ▸
Passeata dos 100 Greve dos metalúrgicos Grupo de direita CCC
mil. Momento máximo em Osasco, SP. (Comando de Caça aos
das manifestações. Os operários armam Comunistas) invade o
Intelectuais, barricadas, ocupam Teatro Ruth Escobar, em
estudantes, artistas fábricas. São Paulo, e agride os
e parlamentares contra artistas que encenavam a
a ditadura. peça Roda Viva, de Chico
Buarque de Hollanda.

Verificação de leitura 4 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Quais eram as principais diferenças entre os pode- mento do movimento estudantil e qual seu papel no
res constituintes de 1945 e 1967? → DL/SP/H7/H9 Brasil em 1968? → DL/SP/H7/H9
2 No movimento estudantil, pelo menos duas pala- 4 Quais as características do AI-5? → DL/SP/H7/H9
vras de ordem disputavam a hegemonia política: 5 Que tipo de Estado se consolida a partir do AI-5?
"Só o povo organizado derruba a ditadura" contra → DL/SP/H7/H9
"Só o povo armado derruba a ditadura". Quais são as 6 Quais são as diferenças entre o radicalismo juvenil
diferenças entre elas? → DL/SP/H7/H9 dos anos 1960 e o dos dias de hoje? → DL/SP/H7/H9
3 Que circunstâncias históricas estimularam o cresci-

A Era de Aquário no Brasil 195

OH_V3_Book.indb 195 18/05/16 09:40


5 Navalha na carne

"
[…] que várias vezes seguidas procederam à imersão da cabeça do interro-
gando, a boca aberta, num tambor de gasolina cheio d'água, conhecida essa
modalidade como 'banho chinês' […]
[…] que, inclusive, ameaçaram de tortura seus dois filhos; que torturaram seu
marido também; que seu marido foi obrigado a assistir a todas as torturas que
fizeram consigo; que também sua irmã foi obrigada a assistir às suas torturas; […]
[…] sofreu violências sexuais na presença e na ausência do marido; […]
[…] a interroganda quer ainda declarar que durante a primeira fase do
DIVULGAÇÃO

interrogatório foram colocadas baratas sobre o seu corpo, e introduzida uma


no seu ânus."
Depoimentos de vítimas da repressão militar. WRIGHT, J. (Org.).
Brasil: nunca mais. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 39-48.

"Nossos acusadores reclamam com frequência de nossos interrogató-


rios. Alegam que presos inocentes eram mantidos horas sob tensão, sem dor-
mir, sendo interrogados. Reclamam, também, de nossas 'invasões de lares',
sem mandados judiciais. É necessário explicar, porém, que não se consegue
combater o terrorismo amparado nas leis normais, eficientes para um cidadão
comum. Os terroristas não eram cidadãos comuns."
USTRA, Coronel Carlos Alberto Brilhante. Rompendo o silêncio.
Oban. DOI/Codi. 29 set. 20-23 jan. 1974. Brasília: Editerra, 1987. p. 157.

O Estado de Segurança Nacional institucionalizou a tortura, que passou a


integrar o cotidiano da luta política no país. Suprimidas as garantias e os direi-
Capa do livro Brasil sempre,
tos civis dos cidadãos, estes se tornaram vulneráveis às violências praticadas
de Marco Pollo Giordani. Porto
Alegre: Tchê!, 1986. pelo Estado em nome da defesa da nação. Transgressor dos direitos humanos,
o regime militar permitiu que a nação devorasse seus filhos.
O endurecimento do regime militar com o AI-5 provocou uma profunda
alteração na política brasileira. Eliminada a possibilidade da oposição legal e da
DIVULGAÇÃO

resistência civil, começou a ganhar corpo a opção pelo confronto militar. Muitos
grupos de esquerda, compostos em sua maioria por estudantes e intelectuais,
passaram a organizar a luta armada como instrumento de oposição à ditadura.
Entusiasmados com os sucessos revolucionários chinês e cubano, grupos guer-
rilheiros desejavam estabelecer uma república socialista no Brasil. Audaciosas
operações político-militares – como assaltos a bancos, treinamentos de tropas,
fugas de presos políticos, ataques a quartéis militares e roubos de armamentos
e explosivos – alimentaram o sonho dos revolucionários brasileiros.

A repressão
Um grande aparato repressivo foi montado para combater a oposição arma-
da. Ligado diretamente ao Conselho de Segurança Nacional, o poderoso Servi-
ço Nacional de Informações (SNI) subordinava todas as secretarias estaduais de
Capa do livro Brasil: nunca
mais, organizado por J. Wright. Segurança e os respectivos Departamentos de Ordem Política e Social (DOPS),
Petrópolis: Vozes, 1985. além de coordenar os serviços secretos e centros de operações das três Armas.

196 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 196 18/05/16 09:40


O endurecimento do regime fortalecia a opção pela repressão. Em 1969, poucos dias após o afastamento de
resistência armada; esta, por sua vez, recrudescia os Costa e Silva, militantes do Movimento Revolucionário
setores mais identificados com a ideologia de seguran- 8 de Outubro (MR-8) e da Aliança Libertadora Nacio-
ça nacional, que tinha nesse confronto campo fértil para nal (ALN) sequestraram o embaixador estadunidense
sua expansão. Paradoxalmente, com Costa e Silva, a linha Charles Burke Elbrick. Em 1970 foram sequestrados os
dura implementou e levou às últimas consequências a embaixadores da Suíça e da Alemanha Ocidental e o côn-
doutrina desenvolvida pelo grupo da "Sorbonne". Os mili- sul do Japão. A cada uma dessas ações guerrilheiras, gru-
tares assumiam o controle completo da sociedade. pos de militantes eram retirados dos locais de tortura e
No Exército foram criados dois organismos de ope- banidos do país. No entanto, para cada militante liber-
rações especiais: o Destacamento de Operações e tado, muitos eram presos ou mortos. Marighella morreu
Informações (DOI) e o Centro de Operações de Defe- em novembro de 1969. Lamarca, em setembro de 1971.
sa Interna (CODI). Vinculando as ações das polícias e Ao final de 1973, as organizações de esquerda haviam
do Exército, e financiadas por industriais brasileiros e sido completamente derrotadas. O sonho havia acabado.
multinacionais, foram organizadas em São Paulo ações
de varredura de militantes de esquerda, denominadas
Faça
Operação Bandeirantes (Oban). Em diversas delega-
Tá ligado?! em se
cadernu
o
cias, quartéis militares e mesmo em fazendas particu-
lares de membros da repressão, os representantes da (UFRRJ) "Ao chegar à Oban, fui conduzido à sala de
esquerda tinham de responder a intensos interrogató- interrogatórios. A equipe do capitão Maurício passou
rios e sofriam sessões de torturas. a acarear-me com duas pessoas. O assunto era o
congresso da UNE em Ibiúna, em outubro de 1968.
Os presos eram submetidos a choques elétricos, pau Queriam que eu esclarecesse fatos ocorridos naquela
de arara, estupros, afogamentos, queimaduras, lesões físi- época. Apesar de declarar nada saber, insistiam
cas e psicológicas de toda espécie. A humilhação e a degra- para que eu "confessasse". Pouco depois levaram-
dação eram acompanhadas por sofisticadas técnicas de -me para o pau de arara. Dependurado, nu, com mãos
tortura e por especialistas no ramo. Médicos ajudavam os e pés amarrados, recebi choques elétricos, de pilha
torturadores a manter vivos os prisioneiros. Torturadores seca, nos tendões dos pés e na cabeça. Eram seis os
torturadores, comandados pelo capitão Maurício.
renomados eram designados para cuidar de presos que Davam-me "telefones" (tapas nos ouvidos) e berravam
pudessem revelar importantes informações. impropérios. Isso durou cerca de uma hora."
Em plena "guerra subversiva" – uma das expressões Frei Betto. Batismo de sangue: os dominicanos e a morte de
caras à ESG –, o poder militar viveu mais uma crise. O Carlos Marighella. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.
presidente Costa e Silva, acometido de graves problemas O texto acima discorre sobre os procedimentos
de saúde, teve de ser afastado do cargo. Em vez de per- dos militares e demais grupos responsáveis pela
mitir a posse do vice-presidente civil Pedro Aleixo, o Alto repressão contra aqueles que lutavam contra a
Comando das Forças Armadas passou o governo do Bra- ditadura instaurada no Brasil em 1964. Sobre a ação
do regime ditatorial, podemos afirmar que:
sil a uma Junta de Ministros Militares em agosto de 1969.
a) a suspensão dos direitos e garantias individuais
Em outubro do mesmo ano, num clima de forte divisão
serviu ao propósito de debelar a oposição com
nas Forças Armadas, foi indicado para a presidência da violência.
República o general Emílio Garrastazu Médici. Setores
b) a tolerância política dos generais-presidentes con-
militares ligados ao grupo da "Sorbonne" temiam que o teve os excessos dos simpatizantes da ditadura.
aparato repressivo se tornasse incontrolável. c) a sociedade brasileira estava indiferente às ques-
As audaciosas ações dos guerrilheiros, principalmen- tões da democracia e da justiça social.
te do ex-capitão do Exército Carlos Lamarca e de Carlos d) os tenentes foram os responsáveis pelo questio-
Marighella, deputado constituinte pelo PCB em 1945, não namento da ordem e exigiram medidas moderni-
foram suficientes para vencer a ditadura. Divididas em zadoras.
inúmeros grupúsculos, isoladas politicamente e submeti- e) o estabelecimento do Estado Novo garantiu a
das a uma intensa repressão militar, em pouco tempo as entrada do país na etapa da redemocratização
organizações guerrilheiras passaram à defensiva. política.
Sequestros de embaixadores tornaram-se a forma → DL/CF/H1/H23/H24
desesperada de libertar companheiros aprisionados pela → conforme tabelas das páginas 8 e 9.

Navalha na carne 197

OH_V3_Book.indb 197 18/05/16 09:40


A fragmentação das correntes de esquerda
"A esquerda só se une na cadeia." Esta conhecida sentença do meio político revelava a dificuldade da maior parte dos repre-
sentantes de esquerda de conviver com as diferenças políticas, mesmo dentro do ainda que campo ideológico. Stalinistas,
trotskistas, leninistas, maoístas e guevaristas salientavam cada agrupamento a seu modo, as diferenças e os "equívo-
cos" de seus adversários, que, na prática política, muitas vezes chegavam a ser tratados como inimigos. A luta armada,
empreitada de enormes proporções, foi prejudicada de antemão pela característica divisão dos grupos revolucionários.

A+ COMUNICAÇÃO
AS ORGANIZAÇÕES DE ESQUERDA NO BRASIL (1961-1970)

1960 PCB (1922) POR (1953)

Extintas
1961 POLOP
Continuaram existindo
1962 depois de 1970

1963 PC do B

LIGAS
1964 MNR AP CAMPONESAS

1965 MRT
DI-GB DI-RJ/ CORRENTE PC do B ME-
1966 MR-8
MR-26 MR-21
ALA Vermelha
PCR
-1.º MAIO
ORGANIZACÃO MAR DI-RS DI-SP
1967 ALN DI-DF
MCI
1968 COLINA VPR REDE POC PCBR PRT
FB
OCML- POC- OC-
1969 MR-8 DVP VAR-PALMARES VPR PLN -PO -COMBATE
M3G MRT
-1.º MAIO

1970 MOLIPO

1973 1972 1972 1971 1973 1972 1971 1972


PCB Partido Comunista Brasileiro DI-RJ Dissidência do Estado do Rio de Janeiro VAR-PALMARES Vanguarda Armada Revolucionária
POR Partido Operário Revolucionário PCR Partido Comunista Revolucionário MRT Movimento Revolucionário Tiradentes
POLOP Política Operária ME-1.º de MAIO Movimento Estudantil 1.º de Maio DVP Dissidência Var-Palmares
PC do B Partido Comunista do Brasil COLINA Comando de Libertação Nacional Organização de Combate Marxista-
OCML-PO
AP Ação Operária MAR Movimento Ação Revolucionária -Leninista-Política Operária
MNR Movimento Nacionalista Revolucionário VPR Vanguarda Popular Revolucionária FB Fração Bolchevique
AV Ala Vermelha PCBR Partido Comunista Brasileiro Revolucionário MOLIPO Movimento de Libertação Popular
DI-GB Dissidência da Guanabara POC Partido Operário Comunista POC-COMBATE Partido Operário Comunista
MR-8 Movimento Revolucionário 8 de outubro REDE Resistência Democrática OC-1.º de MAIO Organização Comunista 1.º de Maio
ALN Aliança Libertadora Nacional PRT Partido Revolucionário dos Trabalhadores

Fonte: Elaborado com base em REIS FILHO, D. A. A revolução faltou ao encontro: os comunistas no Brasil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 13.

A resistência da sociedade estampava estrofes de Os Lusíadas e o Jornal da Tarde,


receitas de bolos. Era uma forma de lembrar aos leito-
Apesar de amordaçada pela censura, a sociedade bra-
res que haviam sido censurados pela repressão. Com-
sileira encontrou meios para resistir à onda de violên-
cia que dominava o país. As reações eram pequenas se positores elaboravam letras para canções repletas de
comparadas com outros momentos de mobilização, mas duplos sentidos, que pudessem confundir os censores.
nem por isso menos importantes. Com a repressão sobre Chico Buarque, cansado de ter suas músicas proibidas,
os estudantes, intelectuais e operários, com as cassa- criou um novo nome – Julinho da Adelaide –, a quem
ções e perseguições aos parlamentares de oposição e atribuiu a autoria de três de suas canções: Acorda, amor;
com o declínio dos grupos guerrilheiros, era necessária Jorge Maravilha e Milagre brasileiro. Irônico, o composi-
muita habilidade para enfrentar a ditadura. tor fez Julinho dar uma entrevista ao jornal Última Hora
Jornais que tinham suas matérias censuradas pas- em setembro de 1974. No ano seguinte, Julinho já havia
saram a publicar trechos de poesias, O Estado de S. Paulo "morrido", por obra de seu criador.

198 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 198 18/05/16 09:40


Mas foram as lideranças progressistas da Igreja ocupação de vastas áreas despovoadas. O crescimen-
Católica, por meio das pastorais, que exerceram o prin- to econômico afastaria o risco da sedução subversiva
cipal papel de resistência nesses anos tão difíceis. "Voz e deveria ser financiado pela associação de capitais do
daqueles que não tinham voz", ela colocou advogados Estado, multinacionais e empresariado nacional.
à disposição das famílias dos presos políticos. O objeti- Os primeiros arranjos econômicos do regime mili-
vo inicial era encontrar os prisioneiros e garantir-lhes tar valeram-se do fortalecimento do Executivo. O grau
assistência jurídica. O cardeal-arcebispo de São Paulo, de coesão dos grupos econômicos dominantes em torno
dom Paulo Evaristo Arns, fez duras críticas aos milita- dos novos dirigentes permitiu a adoção de uma políti-
res, condenou publicamente as torturas praticadas e ca de equilíbrio fiscal para reduzir o déficit público e a
denunciou os assassinatos cometidos. Membros da Igre- inflação, que passou de 100% ao ano, em 1964, para
ja deram abrigo a militantes de esquerda e ajudaram a 20%, em 1969. A liberação de crédito para as grandes
organizar fugas para fora do país. Juntamente com líde- empresas e isenções aos setores exportadores promo-
res protestantes e judaicos, o clero católico desafiava a veram a formação de grandes conglomerados financei-
OH_U8_pag828 ro-industriais que diversificaram suas atividades, sob o
hierarquia militar.
custeio e a égide do capital financeiro.
Conjuntamente, a repressão aos trabalhadores (cas-
MÁRIO YOSHIDA

A GUERRILHA DO ARAGUAIA
sações políticas, intervenções nos sindicatos, com pri-
sões e intimidações dos principais líderes, fim da esta-
bilidade no emprego, eliminação do direito de greve etc.)
determinou uma nova correlação de forças na sociedade,
absolutamente diversa da do período anterior.
Assim, foi possível implementar uma política que,
além do achatamento salarial dos trabalhadores de menor
qualificação, alterou qualitativamente as relações de tra-
balho no país, provocando maior subordinação à discipli-
na das empresas e menor atenção às necessidades e direi-
tos do trabalhador. A ditadura fazia o Brasil crescer. Na
marra. "Sem desenvolvimento não há segurança."

Crescimento econômico e
propaganda política
A partir de 1968, a economia brasileira integrou uma
nova divisão internacional do trabalho. A expansão
industrial brasileira passou a ser dominada pelo capital
multinacional, aumentando a tendência à desnaciona-
ESCALA lização, presente desde o governo de Juscelino Kubits-
0 50 100 km
chek. Incentivos a exportadores de manufaturados alte-
Fonte: Elaborado com base em MARTINS, J. de S. "A guerrilha do Araguaia". raram a composição da pauta de exportações.
In: História imediata. São Paulo: Alfa-Omega, 1978. v. 1. p. 25.
Ao contrário do desenvolvimento vivido nos anos
da democracia populista, as prioridades industriais
O milagre brasileiro passaram a ser ditadas pelas necessidades do merca-
" Sem desenvolvimento não há segurança. " A máxima do mundial, e não mais pelo mercado interno. Assim, o
do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert grande capital dirigia-se ao Brasil atraído pelos baixos
McNamara, foi levada ao pé da letra pelas autorida- custos dos fatores de produção, principalmente da mão
des brasileiras. de obra, e pelos incentivos concedidos às exportações.
Na doutrina elaborada pela ESG, a segurança nacio- A queda da inflação e os índices de crescimento do
nal completava-se com o desenvolvimento econômico. PIB – acima de 10% ao ano – foram suficientes para que
A integração das regiões Norte e Centro-Oeste ao Sudes- os propagandistas do regime apontassem a existência de
te e o estabelecimento de um complexo industrial-mili- um milagre econômico brasileiro semelhante ao que
tar deveriam sustentar a defesa nacional por meio da teria ocorrido na Alemanha e no Japão no pós-guerra.

Navalha na carne 199

OH_V3_Book.indb 199 18/05/16 09:40


O capital externo afluía de maneira nunca vista no país, ame-o ou deixe-o". A seleção tornava-se o regime de chu-
e a indústria batia recordes de prosperidade. teiras e este, sinônimo da própria nação.
As taxas de crescimento econômico eram mantidas

A+ COMUNICAÇÃO
também pela expansão das linhas de crédito ao consu- TAXA DE CRESCIMENTO DO PRODUTO INTERNO
midor – privilegiando a classe média, ávida por bens de BRUTO (PIB): 1964 a 1973 (em %)
consumo duráveis – e pelo estímulo à poupança inter- 14
na, atualizada pela correção monetária das taxas de 13,3
juros. Dirigido por tecnoburocratas civis e militares, o
Brasil era anunciado pelas campanhas oficiais como um
iminente integrante do Primeiro Mundo. 11,2
11,7
O governo Médici marcou definitivamente a Repú-
blica Militar e a história do país. No auge da repressão 10
política, com o progressivo desbaratamento da oposi-
ção armada, o silenciamento da oposição legal e o con-
trole absoluto dos meios de comunicação, o Brasil viveu 8,8
a euforia do "milagre econômico". Os índices de cresci-
mento na ordem de 10% ao ano, a ampliação do poder
de compra da classe média e as inúmeras obras de "inte-
gração nacional" fizeram os brasileiros acreditarem
num destino glorioso a eles reservado. 4,8
Na Copa do Mundo de 1970, a seleção de futebol 3,8
concretizava, nos campos mexicanos, as esperanças de 2,9 2,7
90 milhões de brasileiros. A alegria pelo tricampeona-
to foi aproveitada pelo regime como mais uma de suas
conquistas. Uma intensa guerra de propaganda inun-
19

19
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71
dou o país com seus slogans ufanistas: "Este é um país
que vai pra frente"; "Ninguém segura este país"; "Brasil: Fonte: Elaborado com base em ALVES, M. H. M. Estado e oposição no Brasil (1964-
-1984). 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 145.

ANTÔNIO GAUDÉRIO/FOLHAPRESS
A Rodovia Transamazônica
"Se houve um projeto a que o governo Médici se dedicou
com a máxima satisfação foi a Rodovia Transamazônica.
Ele tinha dois poderosos atrativos para a liderança mili-
tar: segurança nacional e desenvolvimento econômico.
Tornou-se uma cruzada nacional abrir uma fronteira tão
vasta em tão pouco tempo, e isso dava aos oficiais do
Exército uma chance de mostrar que podiam cumprir
grandiosos projetos de construção que os políticos civis
só atrapalhariam. Não houve prolongadas discussões
por parte dos civis sobre para onde a estrada deveria ir
e que cidades e vilas deveria interligar. Os oficiais mili-
tares e seus aliados tecnocratas traçaram uma reta atra-
vés da bacia amazônica, e era por aí que a estrada pas-
saria. Os engenheiros do Exército foram encarregados
de construir metade da estrada com o objetivo de assu-
mir a responsabilidade onde os construtores particula-
res não quisessem se arriscar."
DROSDOFF, D. Linha dura no Brasil – O governo Médici: Quilômetro 85 do trecho da Rodovia Transamazônica,
1969-1974. São Paulo: Global, s/d. p. 60. BR-230, entre Altamira e Itaituba. Pará, 1991.

200 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 200 18/05/16 09:40


Um Outro Olhar Biologia
A PÍLULA ANTICONCEPCIONAL
O texto abaixo refere-se ao desenvolvimento da pílula anti- a primeira que antevê, em 1950, o alcance revolucionário
concepcional na passagem das décadas de 1950 a 1960. de seus trabalhos e consegue que Katherine MacKormick,
Leia-o com atenção e responda às atividades propostas. feminista rica e decidida, financie suas pesquisas. Depois
da experimentação em Porto Rico, a pílula é comercializa-
"Desde que a pílula é legalizada, nos EUA em 1957 e
da a partir de 1960. Ela abala a vida das mulheres. Implica,
na França, pela Lei Neuwirth, em 1967, as mulheres sofrem todavia, maior vigilância médica. A primeira visita ao gine-
um acompanhamento médico muito mais rigoroso do que cologista e a prescrição da pílula marcam em geral, para
antes. A contracepção hormonal abala o poder reprodutivo uma jovem, o começo da vida sexual."
em relação ao segundo sexo. É, de resto, significativo que SOHN, A.-M. "O corpo sexuado". In: CORBIN, A.;
sua invenção se ache estreitamente ligada ao birth control COURTINE, J.J.; VIGARELLO, G. História do corpo. Trad.
[controle da natalidade]. Gregory Pincus havia começado Petrópolis: Vozes, 2008. v. 3. p. 127.

a trabalhar, na década de 1930, com os hormônios sintéti-


Anne-Marie Sohn é rofessora na Escola Normal Superior de
cos e tinha observado que se poderia bloquear a ovulação
Lion, França, especialista em questões de gênero, sexualidade
usando um medicamento. Mas não havia tirado dessa des- e história do feminismo, autora de diversos livros sobre tais
coberta conclusões contraceptivas. Margaret Sanger [...] é temas.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Realize uma pesquisa para explicar o funcionamento 3 A utilização da pílula anticoncepcional provocou
da pílula anticoncepcional como inibidora da gravi- mudanças comportamentais na sociedade contempo-
dez. → DL/CF/SP rânea? Justifique sua resposta.
→ DL/CF/SP/H13
2 Explique como o desenvolvimento da pílula anticon-
cepcional relaciona-se com a questão do feminismo.
→ DL/CF/SP/CA

Verificação de leitura 5 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Em que medida o Estado de Segurança instituciona- nossa santa criatura / Chame, chame, chame lá /
lizou a tortura no país? → DL/SP/H12 Chame, chame o ladrão, chame o ladrão […]."
2 Os efeitos da prática de torturas durante a ditadura Essa é uma das canções de autoria de Julinho da
podem ser sentidos ainda hoje no Brasil? Justifique. Adelaide. Qual é a importância desse compositor
→ DL/CF/SP/CA/H3/H11 na resistência contra a ditadura militar? Que
3 Explique como o endurecimento do regime e a exemplos de duplo sentido você consegue perce-
opção pela luta armada fortaleciam-se reciproca- ber na letra? → DL/CF/SP/H1/H9/H11
mente. → DL/CF/SP/H9 6 Que condições permitiram o crescimento da econo-
4 Qual foi o papel da Igreja Católica na resistência à mia brasileira durante a ditadura militar?
ditadura após o AI-5? → DL/SP/H9/H11 → DL/SP/H8
5 "Acorda amor / Eu tive um pesadelo agora / sonhei 7 O chamado "milagre brasileiro" beneficiou a todos
que tinha gente lá fora / batendo no portão, que afli- os brasileiros? Justifique sua resposta.
ção / Era a dura, numa muito escura viatura / Minha → DL/CF/SP/CA/H11

Navalha na carne 201

OH_V3_Book.indb 201 18/05/16 09:40


Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

A Teologia da Libertação
"Somente quando a Igreja brasileira, e latino-americana anticristão. A alternativa: o socialismo. 'Percebemos hoje
em geral, já acumulara uma larga experiência de traba- em dia', observa Frei Leonardo, 'que o ideário cristão é
lho pastoral popular, através dos vários movimentos que mais afim com aquele socialista do que com aquele capi-
pudemos registrar, é que se formula teoricamente uma talista. Não se trata de criar um socialismo cristão, trata-
nova teologia, centrada na libertação social, e não mais se de poder dizer que o ideário socialista, quando cumpri-
na salvação eterna individual. 'A teologia surge só depois do e realizado, permite ao cristão melhor viver os ideais
do meio-dia, na sesta', comenta com bom humor Frei humanitários e divinos de sua fé'.
Leonardo Boff, franciscano, nascido em Santa Catarina, O filósofo Karl Marx não mais encarna, como no pas-
o pioneiro e talvez o mais importante teólogo da liberta- sado, a imagem do diabo. Ao contrário. Ele deve ser estu-
ção no Brasil. Os teólogos da libertação fazem uma relei- dado, assimilado, como pretende Frei Betto, dominicano,
tura das Sagradas Escrituras, a partir do ponto de vista […] outro representante da mais nova geração de teólo-
dos oprimidos. E tudo o que diz respeito à libertação é gos: 'Só a partir da prática dos oprimidos, das lutas dos
destacado e enfatizado: 'O próprio povo, produtor dos tex- trabalhadores, podemos entender a estrutura interna
tos escriturísticos, como povo oprimido e espremido entre desse sistema [...] que, para perpetuar-se, gera no oprimi-
as grandes potências do Oriente Médio e Egito, a temática do sua própria negação. A via teórica desse entendimen-
do êxodo, do exílio, da libertação messiânica, a figura de to é a concepção científica da história, especialmente do
Jesus de Nazaré como libertador a um tempo histórico e modo de produção capitalista, sistematizada nas obras
transistórico, sua mensagem do Reino de Deus como total de Marx".
libertação dos homens e da criação, a cruz e a ressurrei-
SALEM, H. "Dos palácios à miséria da periferia". In: Brasil hoje:
ção como mistério pascal paradigmático de todo processo a Igreja dos oprimidos. São Paulo: Brasil Debates, 1981. p. 39-42.
de libertação autêntica, a opção preferencial pelos pobres
por parte do Jesus histórico e dos Apóstolos, a conversão
Helena Salem(Rio de Janeiro, 1948-1999), jornalista, formou-
como ruptura com um mundo que se basta a si mesmo e -se em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de
abertura para a novidade libertadora do Reino'. Janeiro, em 1970. Foi correspondente internacional e vinculou-
Finalmente, o capitalismo é condenado explicitamen- -se à imprensa de esquerda no Brasil. Foi exilada e retornou ao
te como um sistema político-econômico anti-humano e Brasil em 1979, com a Anistia.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Observe as fotos abaixo e analise o papel da Igreja Católica durante a ditadura militar: → DL/CF/SP/CA/H1/H9/H10/H11
1 2
ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL

Marechal Castelo Branco e Sebastião Bazzio, Padres tentam proteger a multidão de manifestantes da repressão
núncio apostólico do Brasil, Brasília, setembro militar, após a missa pelo estudante Edson Luís, morto pela
de 1964. polícia, Rio de Janeiro, 1968.

202 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 202 18/05/16 09:40


2 A Teologia da Libertação estabelece uma nova prática 5 A Teologia da Libertação aproxima o marxismo do
social e política para determinados setores da Igreja. cristianismo. Quais são os pontos comuns dessas duas
Que prática é essa? → DL/CF/SP/H9/H10 doutrinas? Quais são os elementos dessemelhantes?
→ DL/CF/SP/CA/H9/H11
3 Como a Teologia da Libertação recupera a questão mes-
siânica do cristianismo? → DL/CF/SP
4 Do ponto de vista socioeconômico, como a Teologia da
Libertação classifica o sistema capitalista? → DL/CF/SP/H9

Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 "Onde pode estar a razão de ser dessa preocupação? Só 3 O cartaz abaixo foi elaborado por representantes da
pode preocupar-se com este problema quem não este- esquerda francesa em maio de 1968 e servia como
ja seguro de suas convicções revolucionárias. Pode se instrumento de propaganda do movimento que se pre-
preocupar com este problema quem tenha desconfiança tendia revolucionário. Analise as mensagens contidas
com relação à sua própria arte [...]. E pode-se perguntar nesse cartaz. → DL/CF/SP/H1/H10/H21
se um revolucionário verdadeiro, se um artista ou inte-

ATELIER POPULAR, PARIS, FRANÇA


lectual que sinta a revolução e que esteja seguro de que
é capaz de servir à revolução, pode se colocar este pro-
blema; isto é, se cabe a dúvida para os escritores e artis-
tas verdadeiramente revolucionários."
CASTRO, Fidel. "Palavras aos intelectuais".
Textos – política. São Paulo: Ática, 1986. p. 88.
Qual é a noção de liberdade artística, expressa por
Fidel Castro nesse discurso de junho de 1961?
→ DL/CF/SP/H1/H7/H9/H10/H11
2 (Enem) "Boicote ao militarismo", propôs o depu-
tado federal Márcio Moreira Alves, do Movimento
Democrático Brasileiro, MDB, em 2 de dezembro de Nós somos o poder. Cartaz francês, serigrafia sobre
1968, conclamando o povo a reagir contra a ditadura. papel, maio de 1968.
O clima tenso vinha desde o ano anterior, com a forte 4 Leia com atenção o texto abaixo e observe a sequên-
repressão ao movimento estudantil e à primeira greve cia de cartazes de propaganda oficial:
operária do período militar. O discurso do deputado
foi a "gota d'água". A resposta veio no dia 5 com a pro- Como a propaganda age sobre o consumidor?
mulgação do Ato Institucional n.o 5 (AI-5).
"Uma das perguntas mais difíceis de serem respondi-
Ditadura descarada. In: Revista de História da
das em propaganda é a respeito de como ela age sobre o
Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, ano 4, n. 39.
Dezembro 2008. (adaptado) consumidor. Permitam-me dizer-lhes em primeiro lugar
Considerando o contexto histórico e político descrito que a revolução defende a liberdade; que a revolução
acima, o AI-5 significou: trouxe ao país uma soma muito grande de liberdades;
que a revolução não pode ser, por sua essência, inimi-
a) a restauração da democracia no Brasil na década
ga das liberdades; que, se a preocupação de alguém é
de 1960.
que a revolução asfixie seu espírito criador, essa pre-
b) o fortalecimento do regime parlamentarista brasi-
ocupação é desnecessária, que essa preocupação não
leiro durante o ano de 1968.
tem razão de ser.
c) o enfraquecimento do poder central, ao convocar
eleições no ano 1970. Por uma razão muito simples: a propaganda atua sobre
as pessoas (e pessoas são bastante imprevisíveis) den-
d) o desrespeito à constituição vigente e aos direitos
civis a partir de 1968. tro de um ambiente complexo, no qual interagem diver-
sas forças e pressões, entre as quais a propaganda.
e) responsabilização jurídica dos deputados por
seus discursos a partir de 1968. É certo, porém […], que a propaganda é uma das grandes
→ DL/CF/SP/H8/H9 formadoras do ambiente cultural e social de nossa época.

Engenho e Arte 203

OH_V3_Book.indb 203 18/05/16 09:40


Isso porque trabalha a partir de dados culturais existen- A propaganda mistura apelos lógicos e emocionais, infor-
tes, recombinando-os, remodelando-os (até mesmo alte- mação e argumentação, medo e inveja, fascínio pelo novo
rando suas relevâncias), e sobre alguns dos instintos mais e necessidade de segurança. Além de muitos outros ele-
fortes dos seres humanos: o medo, a vontade de ganhar, mentos, à primeira vista paradoxais e antagônicos, que
a inveja, o desejo de aceitação social, a necessidade de ela junta e combina para atingir seu propósito maior de
autorrealização, a compulsão de experimentar o novo, a gerar nos consumidores – pela persuasão – comporta-
angústia de saber mais, a segurança da tradição. mentos que beneficiem o anunciante que a utiliza.

A propaganda age sobre os consumidores informando, A propaganda, dessa forma, age sobre o indivíduo, a
argumentando, comparando. Tanto de forma lógica e família, os grupos sociais, a comunidade, enfim, a socie-
racional como subjetiva e emocional. dade como um todo, em um processo de grande sinergia,
no qual cada anúncio interfere em muitos outros, atra-
Nesse somatório de ações sobre os instintos humanos e vés dos meios de comunicação."
de suas formas de agir, o resultado não é uma adição, é
uma multiplicação. SAMPAIO, R. Propaganda de A a Z.
São Paulo: Campos, 1995. p. 23-24.
ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL

Ontem hoje sempre Brasil, Assessoria Ninguém mais segura este país. Até 1964 o Brasil era apenas o país
Especial de Relações Públicas (AERP). Cartaz Semana da Pátria, Assessoria do futuro. E então o futuro chegou,
Cartaz de propaganda do regime Especial de Relações Públicas Assessoria Especial de Relações
militar. (AERP), 1970. Públicas (AERP). Cartaz de
propaganda do regime militar.
ARQUIVO DO ESTADO
DE SÃO PAULO, BRASIL

Brasil, ame-o ou deixe-o, Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP). Adesivo de propaganda do regime militar.

a) Identifique as principais mensagens de cada uma sobre os cidadãos brasileiros. Que efeitos e atitu-
das peças de propaganda. → DL/CF/SP/H1 des provocavam?
b) Com base no contexto da ditadura militar, levan- → DL/CF/SP/CA/H1/H2/H4/H8/H21
te hipóteses sobre como tais mensagens agiam

204 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 204 18/05/16 09:40


5 (Enem) O ano de 1968 ficou conhecido pela eferves- 7 (Fuvest-SP)
cência social, tal como se pode comprovar pelo seguin-
te trecho, retirado de texto sobre propostas prelimina-

Oakland Museum of California


res para uma revolução cultural: "É preciso discutir em
todos os lugares e com todos. O dever de ser responsá-
vel e pensar politicamente diz respeito a todos, não é pri-
vilégio de uma minoria de iniciados. Não devemos nos
surpreender com o caos das ideias, pois essa é a condi-
ção para a emergência de novas ideias. Os pais do regi-
me devem compreender que autonomia não é uma pala-
vra vã; ela supõe a partilha do poder, ou seja, a mudança
de sua natureza. Que ninguém tente rotular o movimento
atual; ele não tem etiquetas e não precisa delas".
Journal de la comune étudiante. Textes et documents.
Paris: Seuil, 1969 (adaptado).
Os movimentos sociais que marcaram o ano de 1968:
a) foram manifestações desprovidas de conotação
política, que tinham o objetivo de questionar a rigi-
dez dos padrões de comportamento social funda-
dos em valores tradicionais da moral religiosa.
b) restringiram-se às sociedades de países desenvolvi-
dos, onde a industrialização avançada, a penetração
dos meios de comunicação de massa e a alienação
cultural que deles resultava eram mais evidentes.
c) resultaram no fortalecimento do conservadoris-
mo político, social e religioso que prevaleceu nos
países ocidentais durante as décadas de 70 e 80.
d) tiveram baixa repercussão no plano político, ape- An Aquarian Exposition in West Lake, N.Y. (Woodstock concert)
sar de seus fortes desdobramentos nos planos [Uma exposição de aquários em West Lake, N.Y. (concerto em
Woodstock)], Arnold Skolnick. Litografia, 1969.
social e cultural, expressos na mudança de costu-
mes e na contracultura.

Adams/AP Photo/Glow Images


e) inspiraram futuras mobilizações, como o pacifis-
mo, o ambientalismo, a promoção da equidade de
gêneros e a defesa dos direitos das minorias.
→ DL/CF/SP/H1/H10/H21
6 Analise a reprodução da imagem abaixo, suas mensa-
gens e sua capacidade de comunicação. Como as suas
mensagens podem ter sido apropriadas pelos jovens
da década de 1960? → DL/CF/SP/CA/H1/H9/H10/H11/H21
ACERVO HÉLIO OITICICA, RIO DE JANEIRO, BRASIL

General Nguyen Ngoc Loan, comandante da polícia da


República do Vietnã, executa o prisioneiro vietcongue
Nguyen Van Lem. Saigon, 1968.

Com base nessas imagens,


a) Identifique as situações históricas específicas às
quais elas se referem.
b) Descreva dois elementos internos a cada uma que
permitam estabelecer uma relação entre elas.
Seja marginal, seja herói ou Homenagem a Cara de Cavalo,
→ DL/CF/SP/H1/H7
Hélio Oiticica. Estandarte, serigrafia sobre tecido, 1968.

Engenho e Arte 205

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8 A canção "Africa Unite", um dos grandes clássicos de Te une para os africanos que estão no mundo, te une
Bob Marley, faz parte do álbum Survival, de 1979. Leia pelos africanos de longe.
abaixo trechos da canção: África, te une.
Bob Marley, 1979. (tradução livre)
COLEÇÃO PARTICULAR, SÃO PAULO, BRASIL

a) Identifique elementos na capa do disco que se


refiram à África. → DL/CF/SP/H1
b) Transcreva em seu caderno três frases da letra da
canção que possam estar associadas às ideias do
pan-africanismo. → DL/CF/SP/H1
9 (Enem) Os textos a seguir foram extraídos de duas crô-
nicas publicadas no ano em que a seleção brasileira
conquistou o tricampeonato mundial de futebol.
"O General Médici falou em consistência moral. Sem
isso, talvez a vitória nos escapasse, pois a discipli-
na consciente, livremente aceita, é vital na preparação
espartana para o rude teste do campeonato. Os brasilei-
ros portaram-se não apenas como técnicos ou profissio-
nais, mas como brasileiros, como cidadãos deste gran-
de país, cônscios de seu papel de representantes de seu
povo. Foi a própria afirmação do valor do homem bra-
sileiro, como salientou bem o presidente da República.
Álbum Survival, Bob Marley & The Wailers, 1979. Que o chefe do governo aproveite essa pausa, esse minu-
to de euforia e de efusão patriótica, para meditar sobre a
Africa Unite [África, te une] situação do país. [...] A realidade do Brasil é a explosão
África, te une porque estamos saindo da Babilônia e patriótica do povo ante a vitória na Copa."
estamos indo para a terra de nosso pai. JOBIM, Danton. Última Hora, 23/6/1970. (adaptado)

Como seria bom e agradável, diante de Deus "O que explodiu mesmo foi a alma, foi a paixão do
e do homem, povo: uma explosão incomparável de alegria, de entu-
ver a unificação de todos os africanos como já tem sido siasmo, de orgulho. [...] Debruçado em minha varanda
de Ipanema, [um velho amigo] perguntava: – Será que
dito, deixe ser feito, nós somos as crianças do homem rasta
algum terrorista se aproveitou do delírio coletivo para
nós somos as crianças do homem mais elevado. adiantar um plano seu qualquer, agindo com frieza e
Portanto, África, te une porque nossas crianças querem precisão? Será que, de outro lado, algum carrasco poli-
vir para casa. cial teve ânimo para voltar a torturar sua vítima logo
que o alemão apitou o fim do jogo?"
África, te une porque estamos saindo da Babilônia e
estamos preparando a terra de nosso pai. BRAGA, Rubem. Última Hora, 25/6/1970. (adaptado)

Como seria bom e agradável, diante de Deus Avalie as seguintes afirmações a respeito dos dois
e do homem, textos e do período histórico em que foram escritos.
I. Para os dois autores, a conquista do tricampeo-
ver a unificação de todos os homens rastas como já tem
nato mundial de futebol provocou uma explosão
sido dito, deixe ser feito,
de alegria popular.
eu te digo quem nós somos embaixo do sol, nós somos
II. Os dois textos salientam o momento político que o
as crianças do homem rasta,
país atravessava ao mesmo tempo que conquista-
nós somos as crianças do homem mais elevado. va o tricampeonato.
Então, África, te une, te une para o bem do nosso povo, III. À época da conquista do tricampeonato mundial
Te une, pois está mais tarde do que tu pensas, de futebol, o Brasil vivia sob regime militar, que,
embora politicamente autoritário, não chegou
Te une para o benefício de tuas crianças, a fazer uso de métodos violentos contra seus
Te une, pois está mais tarde do que tu pensas. opositores.
A África espera por seus criadores, a África espera por É correto apenas o que se afirma em:
seus criadores. a) I. c) III. e) II e III.
África, você é meu antepassado fundamental. b) II. d) I e II.
→ DL/CF/SP/H1/H4

206 Capítulo 7  A era da contestação

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10 Leia os trechos das canções abaixo e depois responda Viola enluarada
às questões propostas.
A mão que toca um violão
Proibido fumar
Se for preciso faz a guerra
[…] Eu pego uma garota e canto uma canção Mata o mundo
E nela dou um beijo com empolgação Fere a Terra
Do beijo sai faísca A voz que canta uma canção
E a turma toda grita Se for preciso canta um hino
Que o fogo pode pegar […] Louva a morte
Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1964. Viola em noite enluarada
Ponteio No sertão é como espada
[…] Era um dia, era claro, quase meio Esperança de vingança
Era um canto calado, sem ponteio O mesmo pé que dança um samba
Violência, viola, violeiro Se preciso
Era morte em redor, mundo inteiro Vai à luta
Era um dia, era claro, quase meio Capoeira
Tinha um que jurou me quebrar Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1968.

Mas não me lembro de dor nem receio País tropical


Só sabia das ondas do mar
Moro, num país tropical
Jogaram a viola no mundo
Abençoado por Deus,
Mas fui lá no fundo buscar
E bonito por natureza, ah! [...]
Se tomo a viola eu ponteio
Em fevereiro, em fevereiro
Meu canto não posso parar, não
Tem Carnaval, tem Carnaval
Quem me dera agora
Tenho um fusca e um violão,
Eu tivesse a viola pra cantar.
Sou Flamengo, tenho uma nega
Ponteio […]
Chamada Tereza, ah! [...]
Edu Lobo e Capinam, 1967.
Jorge Ben Jor, 1969.
Olê, Olá
Pra não dizer que não falei das flores
Não chore ainda não
Que eu tenho um violão Caminhando e cantando
E nós vamos cantar E seguindo a canção
Felicidade aqui Somos todos iguais,
Pode passar e ouvir Braços dados ou não.
E se ela for de samba Nas escolas, nas ruas,
Há de querer ficar […] Campos, construções,
Chico Buarque, 1965. Caminhando e cantando,
E seguindo a canção. […]
Roda-viva
Geraldo Vandré, 1968.
[…] A roda da saia, mulata
As canções, como outras expressões culturais, tam-
Não quer mais rodar não senhor bém são fontes de reflexão histórica e podem ofe-
Não posso fazer serenata recer importantes informações sobre determinados
A roda de samba acabou. períodos. Assim, vamos estudar as canções da déca-
A gente toma a iniciativa da de 1960:
Viola na rua a cantar a) Pesquise as canções apresentadas acima. Procure
Mas eis que chega a roda-viva discos, CDs ou ouça pela internet gravações des-
sas canções. Ouça-as antes de iniciar o exercício.
E carrega a viola pra lá
→ DL/CF
Chico Buarque, 1967.

Engenho e Arte 207

OH_V3_Book.indb 207 18/05/16 09:40


b) Procure identificar a principal mensagem de cada d) Do ponto de vista das mensagens, como você
um dos trechos das canções apresentadas. agruparia essas canções? → DL/CF/SP/H1/H4
→ DL/CF/SP/CA/H1/H4
c) Há um elemento comum a todas as letras transcri-
tas. Qual? → DL/CF/SP/H1

Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

• O protagonista do filme tem o comportamento espe-


Bom dia, Vietnã rado para um integrante da Força Aérea estaduni-
Diretor: Barry Levinson dense? Justifique.
País: Estados Unidos DIVULGAÇÃO • Quais são os temas de suas piadas?
Ano: 1987 • Que tipo de canção ele seleciona para seu programa?
• Que imagens acompanham as canções por ele sele-
cionadas?
• Quem são os ouvintes dos programas de Cronauer?
O que fazem enquanto ouvem os programas? Que
idade parecem ter?
O radialista e membro da Força Aérea estadunidense Adrian • O que faz com que Cronauer se aproxime dos viet-
Cronauer é recrutado para apresentar um programa em uma namitas?
rádio estadunidense, em Saigon, Vietnã do Sul. Sua irreve-
rência e gosto musical agradam aos soldados, mas aborre- Ação
cem os militares de alta patente. Preocupados com a que-
1 Utilize os estudos realizados neste módulo e as obser-
bra da imagem de austeridade do exército estadunidense,
vações feitas sobre o filme para responder às ques-
alguns deles procuram censurá-lo e retirar a rádio do ar. No
tões a seguir:
entanto, diante da delicada situação do combate, o general
responsável pela base defende a manutenção de seu progra- • O que as piadas e as canções de Cronauer possibili-
ma como forma de evitar insurreição entre os soldados. tavam a ele e aos seus ouvintes?
• O que Cronauer e os vietnamitas puderam aprender
Luzes com a convivência?
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes 2 Com base nas respostas da questão anterior, inter-
nos Procedimentos metodológicos da página 10. prete a piada a seguir, feita pelo personagem Adrian
Leia novamente o item A Guerra do Vietnã (p. 185). Cronauer:
Em seguida: "– Nosso amigo é do serviço de inteligência militar.
• relacione a Guerra do Vietnã ao contexto da Guerra Poderia nos dizer o que descobriu sobre o inimigo
Fria; desde que está aqui?
• identifique os sentidos atribuídos à Guerra do – Descobrimos que não podemos encontrá-lo. Estamos
Vietnã pelo governo estadunidense e pelos grupos tendo muita dificuldade para encontrar o inimigo.
de esquerda. – O que usam para procurá-lo?
– Perguntamos para as pessoas 'Você é o inimigo?', e
Câmera em quem diz que sim, atiramos [...]"
(55:21-55:41)
Este filme apresenta uma série de contrastes que ofere-
cem pistas sobre a posição de seus idealizadores a res- 3 Como você interpreta a posição dos idealizadores do
peito da Guerra do Vietnã. Para compreender essa posi- filme a respeito da Guerra do Vietnã?
ção, atente para os seguintes elementos: → DL/CF/SP/H1/H2/H15

Estante • COHN, Sergio; PIMENTA, Heik (Org.). Maio de 68. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008.

208 Capítulo 7  A era da contestação

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1 (UFV-MG) Leia o texto: "Estaríamos, brasilei- constitucionais para impedir a ascensão de João
ros, ameaçando o regime se nos mostrásse- Goulart. A grave crise foi solucionada por meio:
mos surdos aos reclamos que, de Norte a Sul, a) da renúncia do vice-presidente João Goulart.
de Leste a Oeste, levantam o seu grande cla- b) da emenda constitucional que introduziu o
mor pelas reformas de base e estrutura, sobre- parlamentarismo.
tudo pela reforma agrária, que será o comple-
c) do confronto militar entre as duas facções.
Radar
mento da abolição do cativeiro de dezenas de
milhões de brasileiros, que vegetam no interior, d) do retorno ao poder do ex-presidente Jânio
em revoltantes condições de miséria." Quadros.
Discurso do Presidente João Goulart, Comício da Central do e) do golpe de Estado liderado pelos militares.
Brasil, 13 mar. 1964. In: SILVA, Hélio. 1964: golpe ou contra-
→ DL/SP/H9
-golpe? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 457.
3 (UFMG) O golpe político-militar de 1964 acar-
Com base no texto acima e nos seus conhe- retou transformações na economia brasileira
cimentos sobre os fatores que contribuíram originadas das mudanças nas relações de tra-
para o Golpe Militar de 31 de março de 1964, balho, das novas necessidades do desenvolvi-
assinale a afirmativa INCORRETA. mento capitalista no país e das mudanças na
a) O Golpe Militar tinha como causa funda- conjuntura internacional.
mental as profundas transformações que
se haviam operado na economia e na Todas as alternativas apresentam indicadores
Faça sociedade brasileiras, conhecidas como corretos das transformações na economia
em se
"milagre brasileiro", alterando as relações brasileira pós-64, exceto:
cadernu
o a) a abertura do país às empresas multinacio-
de forças entre os grupos sociais.
b) O governo João Goulart aproximou-se de nais a partir da abolição das restrições à
→ conforme
tabelas das forças populares e nacionalistas, como remessa de lucros para o exterior.
páginas 8 e 9. a Confederação Geral dos Trabalhadores b) a adoção de uma nova política salarial e
(CGT), as Ligas Camponesas e o Movimento a implantação do Fundo de Garantia por
Estudantil, mas tinha uma base de susten- Tempo de Serviço (FGTS), substituindo o
Tá na rede! tação parlamentar muito frágil. sistema de estabilidade no emprego.
c) Militares e grupos civis de direita já haviam c) a consolidação do setor industrial nacional
QUESTÕES através da elevação dos salários urbanos
DE ENEM ameaçado a legalidade democrática em
três tentativas anteriores de golpe: nos e do aumento da oferta e do consumo de
Digite o endereço bens não duráveis.
abaixo na barra
eventos que levaram ao suicídio de Vargas,
do navegador de na tentativa de impedimento da posse de d) a elevação do volume de impostos e a con-
internet: http://goo. Juscelino Kubitschek e na crise da renún- sequente falência de um grande número de
gl/xog0Jb. Você cia de Jânio Quadros. pequenas e médias empresas.
pode também tirar d) O programa nacionalista de João Goulart, e) a expansão da indústria petroquímica,
uma foto com um com a regulamentação das remessas de siderúrgica e do alumínio, realizada sob o
aplicativo de QrCode
lucros das empresas estrangeiras e as patrocínio do Estado, com a participação de
para saber mais sobre
o assunto. Acesso em: "reformas de base", especialmente a refor- conglomerados nacionais e estrangeiros.
4 abr. 2016. ma agrária, trazia descontentamento aos
→ DL/SP/H7/H8
setores conservadores do empresariado e
das elites agrárias. 4 (UFF-RJ) O filme Diário de motocicleta colo-
cou em evidência a figura de Ernesto Guevara,
e) A conjuntura da Guerra Fria, especialmente
médico argentino, líder revolucionário, na déca-
o momento seguinte à Revolução Cubana e
da de 1960. Ao lado do romantismo que envol-
à crise dos mísseis de 1962, intensificou a
ve a figura de "Che" há um processo histórico
hostilidade dos Estados Unidos a governos
sangrento e dotado de um sentido de busca
populistas na América Latina.
da identidade da América Latina, incluído aí o
Página dedicada a → DL/SP/H7/H8/H9/H11 Brasil. Esse sentimento decorreu da exploração
questões já aplica-
das em provas do 2 (Mackenzie-SP) Foram onze dias em clima de imperialista que conduziu o mundo latino-ame-
ENEM. Busque exer- golpe de Estado. O país, dividido entre os lega- ricano ao subdesenvolvimento.
cícios sobre os temas
desenvolvidos neste listas, que apoiavam a posse do vice-presidente, Época, 9/8/2004.
capítulo. e os golpistas, que desejavam alterar as normas

Radar 209

OH_V3_Book.indb 209 18/05/16 09:40


A partir das referências contidas no texto, assinale a b) à interrupção, por parte da URSS, do fornecimen-
opção que reúne fatos ilustrativos da repressão aos to de gêneros alimentícios e material bélico, para
movimentos sociais de oposição à política america- que a Tchecoslováquia mantivesse sua superiori-
na para a América Latina. dade frente aos poloneses.
a) Vitória de Pinochet no Chile, a intervenção do c) à histórica discriminação dirigida pelos tchecos
exército argentino no Uruguai, a morte de Che aos povos eslavos e que foi reativada com a atua-
Guevara e a Revolução de 1964 no Brasil. ção da Igreja Ortodoxa Russa.
b) Morte de Anastácio Somoza, a intervenção ameri- d) à intervenção militar praticada pelo governo sovié-
cana na Nicarágua, a Revolução Cubana de 1958 tico na Tchecoslováquia, como resposta a uma ten-
e a formação das Farcs na Colômbia. tativa da sociedade tcheca de ampliar as liberdades
c) Morte de Che Guevara, a repressão política pós- individuais no interior de um regime comunista.
-golpe de 1964 no Brasil, a oposição ao governo e) à iniciativa tcheca de romper com o regime comu-
de Salvador Allende no Chile e a invasão da Baía nista e negar a influência da URSS, optando pela
dos Porcos pelo exército americano. aliança com o governo americano e pela reorien-
d) Ditadura militar implantada no Brasil em 1964, tação da economia, no sentido de sua estatização.
a Revolução Cubana de Fidel Castro e a vitória → DL/SP/H1/H7/H9
inglesa na Guerra das Malvinas.
7 (UFC-CE) O golpe militar em 1964 foi acompanha-
e) Vitória inglesa na Guerra das Malvinas, a do por alterações na organização política do Brasil,
Revolução Cubana de Fidel Castro, a morte de Che como a cassação de direitos políticos, o fechamen-
Guevara e a Revolução de 1964 no Brasil. to de partidos e a censura. A partir de 1969, ini-
→ DL/SP/H7 ciou-se um período conhecido como “milagre” eco-
5 (FGV-SP) A Emenda Platt, definida pelo Congresso nômico brasileiro, em que predominaram os inves-
norte-americano em 1901, estabelecia: timentos em bens de consumo duráveis, a expor-
tação de manufaturados e a abertura do mercado
a) a não interferência dos Estados Unidos nos assun-
ao capital estrangeiro. Foi também característica
tos internos das Repúblicas do Caribe.
deste modelo econômico:
b) a incorporação de Cuba como um dos componen-
a) a criação da Companhia Siderúrgica Nacional.
tes da federação norte-americana.
b) o investimento de capitais nas pequenas indús-
c) o direito de intervenção político-militar norte-
trias.
-americana em Cuba.
c) a redução dos salários dos trabalhadores menos
d) o fim da escravidão e a adoção do princípio dos
qualificados.
direitos humanos em Cuba.
d) a extinção do Sistema Financeiro da Habitação.
e) a independência de Cuba e a renúncia da Espanha
ao controle de sua ex-colônia. e) a criação da Sudene.

→ DL/SP/H7 → DL/CF/SP/H8/H9/H11
6 (PUC-SP) "Circo russo na cidade: não alimentem os 8 (PUC-RS) A organização da chamada Frente Ampla
animais." de Oposição (1966), por iniciativa de Carlos Lacerda,
Grafite nos muros de Praga em 1968. após o golpe de 1964, deveu-se ao fato de que,
naquele contexto, o regime militar brasileiro:
"Os conselhos eram: ignorem os soviéticos, tratem-
a) combatia com excessiva violência a oposição
-nos como coisas, beijem e namorem sob seus narizes.
armada nos grandes centros urbanos.
Vivam. Mas façam em torno deles barragens invisíveis."
b) implantava uma política econômica contrária aos
GODFELDER, Sonia. A primavera de Praga. interesses do empresariado industrial.
São Paulo: Brasiliense, 1981.
c) afastava do exercício direto do poder lideranças
A indisposição dos tchecos em relação aos soviéticos civis que haviam apoiado o golpe de Estado.
na circunstância indicada pelas citações anteriores
d) censurava de forma indiscriminada a produção
era devida:
artístico-cultural.
a) à grande presença, em território nacional, de dis-
sidentes soviéticos asilados pelo Estado, os quais e) anulava direitos trabalhistas, como o Fundo de
gozavam de privilégios não desfrutados pelos Garantia por Tempo de Serviço.
cidadãos tchecos. → DL/CF/SP/H8/H9

210 Capítulo 7  A era da contestação

OH_V3_Book.indb 210 18/05/16 09:40


Capítulo

10
8 A esperança
equilibrista
DE OLHO nos

A
s músicas não compõem apenas os momentos íntimos e os Conceitos
sentimentos de nossas vidas particulares. Algumas delas
tornam-se trilhas sonoras de gerações e de determinados • Bipartidarismo e
pluripartidarismo
momentos históricos.
Ao final de 1970, era lançado o rock contestador, surgia o sofistica-
• Neoliberalismo
álbum John Lennon Plastic Ono Band. do "progressivo", que propunha uma • Democracias liberais
Na canção God, Lennon anunciava
não acreditar na magia, na Bíblia, em
forma de sonho que procurava eva-
dir-se da realidade e não lutar com
• Apartheid
Hitler, em Jesus, em Buda, em Elvis, ela. Ou então o rock "pesado", meta-
em Zimmerman (Bob Dylan) e nos leiro, de cabeludos performáticos e
Beatles. Após a dissolução da maior polpuda conta bancária. Ou ainda
banda de rock dos anos 1960 e desen- a disco music, o ambiente das disco-
cantado com os rumos do movimento tecas, traduzido de forma magistral
hippie, Lennon afirmava que só acre- por um grupo denominado As frenéti-
ditava nele e em Yoko (sua esposa). cas: "Abra suas asas, solte suas feras/
E completava: "And that's reality. The Caia na gandaia, entre nessa festa/E
dream is over." ("E esta é a realidade. leve com você, seu sonho mais louco/
O sonho acabou."). Eu quero ver seu corpo lindo, leve e
O início dos anos 1970 parecia solto/A gente às vezes sente, sofre,
marcado pelo pesadelo ou pela res- dança/Sem querer dançar/Na nossa
saca da década anterior. O sonho era festa vale tudo/Vale ser alguém como
enquadrado pela realidade. A morte eu, como você/Dance bem, dance Manifestação de mulheres
violenta de líderes como Che Gueva- mal, dance sem parar/Dance bem, por eleições diretas,
Congresso Nacional.
ra e Martin Luther King. A prolifera- dance até sem saber dançar".
Brasília (DF), 1984.
ção das ditaduras militares na Amé-
Cynthia Brito/olhar imagem

rica Latina e a sua consolidação no


Brasil. A continuidade da Guerra
do Vietnã. A manutenção da Guer-
ra Fria. Tudo parecia apontar para
o esgotamento da capacidade de
transformação do mundo.
O recolhimento à vida pes-
soal (como Lennon e Yoko), a luta
pela sobrevivência diária e os atra-
tivos da sociedade de consumo tor-
navam-se as referências dominan-
tes. Não por acaso, em lugar de um

211

OH_V3_Book.indb 211 18/05/16 09:40


1 Brazilian way of life

E
nceradeiras, ventiladores, ferros elétricos, geladeiras, bate-
Cultura e alienação deiras, torradeiras, aspiradores de pó, ar-condicionados, apa-
"O Homo brasiliensis reproduzido pela relhos de som, televisores. A julgar pela enxurrada de ele-
máquina modernizadora do governo trodomésticos que invadia as casas da classe média e os sonhos de
pós-1964 ficou vazio de interesses cul- consumo da sociedade brasileira, o país não deixava nada a dever
turais. Bibliotecas, exposições de arte, aos ricos e invejados primos estadunidenses. A felicidade era tradu-
espetáculos de dança e música, teatros, zida por um carrinho de supermercado lotado e o aumento crescente
produção massiva de livros e revistas,
nas contas de eletricidade.
enfim, todas as formas de refinamento
Os mais felizes e afortunados ostentavam a concretização do
da expressão artística não foram man-
tidas no horizonte de aspirações públi- "sonho da casa própria", com jardim, garagem, cachorros, gatos, papa-
cas como prioritárias, segundo o plane- gaios, crianças e, por que não?, pinguins de geladeira. Os Fuscas já
jamento socioeconômico posto em exe- haviam se tornado carros populares. Chique era ter um Opala, um
cução. Na verdade, sequer constaram Mustang, um Dodge Charger, um Puma, um Maverick.
como atividades suplementares. Foram Todos participavam da aldeia global. Criada em 1965, a Rede
deslocadas para significar meramente Globo de Televisão conseguia alcançar a liderança de audiência ao
formas ornamentais da vida. final da década de 1960 com suas novelas, programas humorísticos,
Extraída a dimensão política do
programas de auditório e documentários. Mas o campeão de audiên-
cidadão, pouco restou para a área esté-
cia era o Jornal Nacional. Seguindo à risca as orientações da censura e
tica da cultura. Retirado do cidadão o
acesso à consciência de si, ele ficou veiculando matérias favoráveis ao regime militar, tornou-se a princi-
encarcerado, sem força objetiva para pal fonte de informações em um país censurado e com altos índices
se libertar, pois somente na prática de analfabetismo.
política a sua consciência se desdobra- Com a prisão e o exílio de muitos de seus maiores intelectuais e
ria em ação libertadora." artistas, e com a ofensiva da televisão, o país ficou menos crítico e
LUCAS, F. "A crise da cultura literária no reflexivo. Ouviam-se cada vez mais músicas estadunidenses, de cujas
Brasil pós-64". In: SOSNOWSKI, S.;
SCHWARTZ, J. (Orgs.). Brasil:
letras a imensa maioria mal conseguia compreender o título. Na estei-
o trânsito da memória. ra da Jovem Guarda, tendência musical iniciada na década de 1960,
São Paulo: Edusp, 1994. p. 135-136. intérpretes e compositores elaboravam versões de sucessos interna-
cionais ou criavam suas baladas românticas para delírio das multi-
ARNALDO/AGÊNCIA ESTADO/AE

dões. O regime patrocinava grupos musicais e duplas de cantores,


como Dom e Ravel, responsáveis por uma das mais difundidas com-
posições do período: "Eu te amo, meu Brasil, eu te amo/Meu coração é
verde, amarelo, branco, azul-anil/Eu te amo/Ninguém segura a juventu-
de do Brasil".
Adolescentes e pré-adolescentes de classe média colecionavam
selos, figurinhas, jogos de futebol de botão, garrafas de cerveja e
embalagens de cigarros importados, plásticos e adesivos de marcas
de automóveis e até tampinhas de garrafas.
Esse ambiente de claro declínio cultural e político ajuda a explicar
o fracasso da luta armada como alternativa contra a ditadura. Os guer-
Jovens fazendo compras na rua Augusta. rilheiros isolaram-se da sociedade, buscando afirmar-se como a van-
São Paulo, 1973. guarda do processo revolucionário. A sociedade queria e se dispunha,
no máximo, a acompanhar a Jovem Guarda. Por enquanto.

212 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 212 18/05/16 09:41


so Nacional. Com esse mecanismo, o governo legitimou,
O auge da ditadura pelo jogo eleitoral, o seu controle político. Deixou a opo-
O governo Médici paralisou a oposição. Como seus ante- sição em situação ainda mais adversa, porque o Colégio
cessores militares, prometeu restabelecer a democra- Eleitoral permitia, apesar de todos os casuísmos, uma
cia no Brasil. Mas, ao contrário, foi responsável pela candidatura oposicionista.
ampliação da censura e da repressão política. Em sua

CLÁUDIA CARMINATI
única entrevista coletiva à imprensa, o general revelava ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS (1945-1984)
sua visão particular sobre a democracia:
1945-1964 Presidente 1964-1973 Presidente
"A democracia plena é um ideal que, se em algum
lugar já se realizou, não foi certamente no Brasil. Pelo
Eleitores Senadores
menos eu, que tomei parte na primeira revolução, em
1930, à procura desse ideal, ainda não a vivi. Entre Deputados
federais
nós não se pode, pois, falar com propriedade, em
retorno à democracia plena." Eleição Eleição Eleitores
Direta Indireta
Mas o efeito devastador do governo Médici, que
inquietava amargamente os oposicionistas, residia em
sua popularidade. Nas eleições parlamentares de 1970 1973-1984 Presidente

e nas municipais de 1972, a Arena, o partido governista,


Colégio eleitoral
obteve vitórias estrondosas. A oposição legal não con-
seguia transpor o cerco da repressão política e chegou a Senadores
Delegados das
discutir seriamente sua dissolução como forma de pro- assembleias
Deputados legislativas
testo e desmascaramento do autoritarismo vigente. A federais

esquerda armada, derrotada ao final de 1973, começava Deputados Assembleias


Eleição Eleitores
a rever sua estratégia foquista e buscava saídas políti- Indireta estaduais legislativas

cas para o seu isolamento. Ao mesmo tempo, a situação


Fonte: Elaborado com base em CAMPOS, F. de; DOLHNIKOFF, M. Atlas História do
econômica e a intensa propaganda oficial ampliavam a Brasil. São Paulo, Scipione, 1997. p. 64.
aceitação do regime, que atingia seu auge.
A essa altura, o MDB pôs em prática uma estraté-
gia que se revelaria extremamente engenhosa. Aprovei- A crise do "milagre"
tando as pequenas brechas concedidas pela ditadura, O general Ernesto Geisel , candidato da Arena, ven-
lançou a anticandidatura de Ulysses Guimarães à Pre- ceu facilmente o representante da oposição em janei-
sidência. Anticandidatura porque de antemão anun- ro de 1974. Ligado à "Sorbonne", o novo presidente ini-
ciava a impossibilidade da vitória diante de tal siste- ciou o processo de flexibilização do regime por meio de
ma eleitoral. Assim, em lugar de simplesmente disputar sua política de distensão, que previa uma série de alte-
as eleições, o MDB aproveitava-se delas para denunciar rações parciais (abrandamento da censura e de medi-
as arbitrariedades do poder militar, organizando cente- das repressivas e negociações com setores oposicionis-
nas de manifestações públicas que romperam, de certo tas). Seu objetivo era atenuar as tensões decorrentes do
modo, o silêncio imposto pela censura. O carro-chefe de exercício do poder sob regras tão autoritárias e alargar
sua pregação era a restauração das liberdades democrá- a base de sustentação do governo por meio da coopera-
ticas e a defesa dos direitos humanos. Com isso, o par- ção de setores da oposição. Pretendia implementar uma
tido iniciou sua ofensiva política, procurando tornar-se "democracia relativa", na qual era reservado ao Estado
um veículo efetivo para os descontentes com o regime. o poder de lançar mão de medidas de emergência para
suspender direitos individuais diante de contestações
O Colégio Eleitoral
organizadas. Ao mesmo tempo, permitia-se certa parti-
Em 1973, institucionalizou-se o processo de eleição
cipação da oposição nas decisões políticas. Mantinha-
indireta para a presidência da República. A partir de
-se a orientação do mago da Escola Superior de Guerra, o
então, o cargo máximo da nação passou a ser escolhi-
general Golbery do Couto e Silva, para quem a repressão
do por um Colégio Eleitoral, composto por delegados
ilimitada punha em risco a segurança nacional. Apesar
das Assembleias Legislativas Estaduais e pelo Congres-
de todos os limites, o diálogo era iniciado.

Brazilian way of life 213

OH_V3_Book.indb 213 18/05/16 09:41


Em 1974, os primeiros sinais da crise do "milagre bra- Tal situação alterou-se radicalmente no ano seguin-
sileiro" ampliaram a voz da oposição consentida. Desde te. A primeira crise do petróleo elevou o preço do pro-
1973, a inflação voltara a subir e seus efeitos aumentavam duto no mercado mundial e afetou a balança comercial
em decorrência da correção monetária. Mantida a políti- brasileira, que teve um déficit de 5 bilhões de dólares.
ca de contenção salarial, a aceleração inflacionária provo- Novas medidas foram tomadas, dessa vez no intuito de
cou queda na capacidade de consumo da sociedade e atin- estimular a entrada de capitais externos.
giu a classe média. Com medidas de limitação ao crédito, A essa altura, o Brasil importava cerca de 80% do
o governo conseguiu controlar a inflação à custa de uma petróleo de que necessitava. Fruto da política desen-
recessão de vendas e sacrificando uma das características volvimentista e das medidas de incentivo tomadas
centrais do modelo econômico: a coexistência de crédito durante a ditadura militar, a indústria automobilísti-
abundante, do controle de preços e da correção monetá- ca brasileira apresentou os maiores índices de cres-
ria. Assim, o combate à inflação voltou a ter maior priori- cimento durante os anos do milagre econômico, ao
dade que o crescimento acelerado. mesmo tempo que a malha ferroviária e outros meios
Um outro problema da economia brasileira em 1973 de transporte foram sucateados. Transportes, veícu-
dizia respeito à entrada excessiva de capitais estrangei- los e indústrias necessitavam da matéria-prima cujo
ros. Atraído pela alta taxa de juros, o imenso fluxo de preço no mercado mundial era controlado pela Orga-
capitais tendia a alargar o volume monetário em circu- nização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
lação, o que poderia acelerar a inflação e ampliar exage- Os efeitos do aumento do preço do petróleo atingiram
radamente as reservas cambiais. A solução foi limitar os em cheio a economia nacional.
ingressos de capital no país.

Futebol e política
Entusiasmados pelo efeito político obtido com a con- Martinez de Perón. O governo de Isabelita, como era
quista do tricampeonato mundial de futebol, os milita- conhecida, seria breve como a participação do sele-
res depositaram muitas esperanças em um novo suces- cionado argentino na Copa da Alemanha. As Forças
so na Copa de 1974, na Alemanha. Sem Pelé e apresen- Armadas organizavam-se para retomar o poder. A pró-
tando um futebol sofrível, a seleção não lembrava em xima Copa do Mundo, a ser disputada na Argentina em
nada aquela que quatro anos antes havia sido apontada 1978, teria botas militares em vez de chuteiras.
como o melhor time de todos os tempos. Derrotada pela

SERGIO SADE/ABRIL IMAGEM, SÃO PAULO, BRASIL


Holanda e pela Polônia, a seleção desapontou os milita-
res e provocou a fúria dos torcedores. Sinônimo do regi-
me por obra da propaganda militar, ela foi duramente
criticada, e a casa do técnico Zagallo foi cercada e ape-
drejada por populares. A manifestação não se restringia
apenas aos insucessos do escrete "canarinho". O des-
contentamento contra o regime ressurgia.

Argentina e Perón
No mesmo 3 de julho em que a seleção brasileira foi
derrotada pela Holanda, o selecionado argentino entrou
de luto para disputar sua última partida na Copa. Dois
dias antes, o seu presidente, Juan Domingo Perón, havia
morrido em Buenos Aires devido a um ataque cardíaco.
O mestre da persuasão, que esteve exilado desde 1955,
havia retornado ao seu país devido à força do movimen-
to das massas vinculado ao peronismo. Golpes milita-
res em 1966, 1970 e 1971 evidenciavam a instabilida-
de política argentina. Perón elegera-se presidente pela Brasil 0 x Polônia 1. Copa do Mundo, Olympiastadion,
Munique, Alemanha, 6 de julho de 1974.
terceira vez, tendo como vice a sua esposa, Maria Estela

214 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 214 18/05/16 09:41


lhe conferiu bases sociais mais sólidas. Por outro lado,
O crescimento da oposição tais movimentos puderam ampliar sua atuação, tendo
Os resultados desse desgaste puderam ser aferidos com o MDB como seu instrumento político para a democra-
as eleições parlamentares de 1974, que garantiram tização do país. Entidades como a Ordem dos Advoga-
à oposição a vitória na maior parte do país. O grande dos do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa
desempenho do MDB – o partido obteve 54% dos votos (ABI) e a Igreja Católica atuaram conjuntamente no sen-
válidos – levou ao Senado nomes como Paulo Brossard tido de combater o autoritarismo e a censura.
(RS), Orestes Quércia (SP), Saturnino Braga (RJ) e Ita-
mar Franco (MG). Aproveitando-se das regras eleitorais,
os candidatos emedebistas utilizaram com desenvoltu-
O caso Vladimir Herzog
ra os meios de comunicação e estabeleceram um inten- Apesar dos acenos de Geisel em direção à oposição, a
so debate político no país. Os setores oposicionistas da repressão política continuava a fazer suas vítimas. Em
25 de outubro de 1975, Vladimir Herzog, chefe de jor-
sociedade brasileira começavam a apoiar o partido da
nalismo da TV Cultura de São Paulo, foi encontrado
oposição consentida pelos militares. morto em dependências do DOI-CODI. Segundo os peri-
As eleições de 1974 provocaram reações nos círcu- tos militares e os médicos legistas, a morte foi provo-
los militares. De uma forma mais contundente, a repres- cada por enforcamento cometido pela própria vítima,
são política virou-se para o PCB, organização que não se num "tresloucado gesto por ter se conscientizado da sua
lançara à luta armada, mas que fornecera grande parte situação e estar arrependido da sua militância", segun-
do o comunicado oficial do comandante do DOI-CODI.
dos guerrilheiros e líderes para outros agrupamentos de
No dia 31 de outubro foi realizado na catedral da Sé,
esquerda. Envolvidos na campanha emedebista, vários em São Paulo, um dos mais contundentes protestos
de seus militantes e dirigentes foram presos e engrossa- contra a ditadura. Um culto ecumênico celebrado por
ram as listas de "desaparecidos". dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e
De outra parte, o acesso ao rádio e à televisão tor- pelo pastor James Wright reuniu cerca de dez mil pes-
nou-se limitado pela Lei Falcão, de maneira a expur- soas sob intensa vigilância policial. Não houve confli-
tos. O presidente Geisel ameaçou punir os militares
gar o debate político do jogo eleitoral. A partir de envolvidos no episódio. Mesmo assim, poucos meses
1976, data do decreto-lei e de acordo com ele, os can- depois, no dia 17 de janeiro de 1976, o DOI-CODI de São
didatos não poderiam mais aparecer ao vivo nes- Paulo fez nova vítima: o metalúrgico Manuel Fiel Filho.
ses meios de comunicação e deveriam se restringir a Dessa vez, o comandante do II Exército foi demitido por
apresentar seu currículo para apreciação dos eleito- Geisel, que sofria oposição feroz da linha dura.
res. Um ano depois novas alterações evidenciaram o

SILVALDO LEUNG VIEIRA


receio do crescimento da oposição: após fechar o Con-
gresso Nacional, Geisel lançou o Pacote de Abril, que,
entre outras medidas, instituiu a eleição indireta para
um terço do Senado, ampliou o número de deputados
dos estados das regiões Norte e Nordeste, e alterou as
regras das eleições para governadores estaduais.
Contando com esse reforço para as eleições parla-
mentares de novembro de 1978, o governo manteve a
maioria e, consequentemente, o controle político do
Congresso Nacional. Apesar de receber mais de 50%
dos votos, o MDB constituía pouco mais de um terço do
Senado. O partido da oposição venceu em todo o Sul e
Sudeste, onde se destacaram nomes como Pedro Simon
(RS), José Richa (PR), Franco Montoro (SP), Nelson Car-
neiro (RJ) e Tancredo Neves (MG).
Apesar de sua "derrota", as eleições de 1978 mar-
Vladimir Herzog morto sob tortura em uma das celas do
caram a consolidação do MDB como frente de oposição. DOI-CODI (Destacamento de Operações e Informações –
Isso se deu porque o partido conseguiu estreitar seus Centro de Operações e Defesa Interna). São Paulo, 1975.
laços com os movimentos de resistência civil, o que

Brazilian way of life 215

OH_V3_Book.indb 215 18/05/16 09:41


A volta dos estudantes A repressão aos estudantes
Na PUC-SP, em setembro de 1977, os estudantes orga-
"Pelas liberdades democráticas"; "Em defesa do ensino
nizaram o ato mais ousado daquele ano: reuniram-se
público e gratuito"; "Anistia a todos os presos e exilados
para discutir os passos da reorganização da UNE. Dirigi-
políticos"; "Pelo fim da censura"; "Abaixo a ditadura". Em
dos pelo coronel Erasmo Dias, então secretário estadual
1977, cabeludos, barbudos e inconformados, jovens tra-
de Segurança Pública, a polícia, agentes do DOI-CODI
ziam novamente suas palavras de ordem para as ruas
e grupos de extrema direita invadiram a universidade,
em várias cidades do país. Uma nova geração de estu-
onde se realizava a reunião, prenderam cerca de 900
dantes retomava a prática política de contestação. Na
estudantes, espancaram dezenas de professores e alu-
memória, antigas palavras de ordem, lembranças de
nos, depredaram salas de aula e laboratórios e destruí-
líderes mortos e exilados e críticas à luta armada. A der-
ram livros e documentos. Vítima da explosão de uma
rubada da ditadura deveria ser construída pela aliança
bomba de gás lacrimogênio, uma estudante teve o rosto
com todos os setores democráticos. A ação deveria ser
desfigurado. Apesar da repressão, dois anos depois, o
política, não militar. Nesse sentido, o MDB constituía
XXXI Congresso da UNE foi realizado em Salvador.
o campo estratégico privilegiado para essa aglutinação
das forças oposicionistas.

ANTONIO LÚCIO/AGÊNCIA ESTADO/AE


Passeatas-relâmpago, greves nas universidades,
cartas abertas à população e confrontos com a polícia.
Apesar de proibidas, as manifestações cresciam a cada
semana. Nas escolas e universidades apareciam novas
lideranças que comandavam os protestos e disputavam
a direção do movimento estudantil, dividido em inúme-
ras pequenas organizações.
A essa altura, a maior parte dos jovens brasileiros
mantinha-se alheia aos questionamentos políticos. For-
mada durante a ditadura, essa nova geração não desen-
volveu uma cultura própria e particular. Amortecida Invasão da Pontifícia Universidade Católica (PUC) pela
Polícia Militar. São Paulo, setembro de 1977.
pela sociedade de consumo e pelo autoritarismo, ela
nutria desprezo pela prática política. Filhos do silêncio
imposto pelo regime autoritário, muitos viram alguns Sucessão presidencial
de seus professores "desaparecerem" das escolas e uni- A abertura deveria ser "lenta, gradual e segura", de acor-
versidades. Livros, jornais, filmes e músicas que con- do com o projeto elaborado pelo governo Geisel. No
testassem a ditadura ou o imperialismo estadunidense entanto, com o aumento da crise econômica e a intensi-
eram artigos de luxo, especiarias traficadas em segredo ficação das manifestações políticas contrárias à ditadu-
pelos pátios escolares. ra, o controle da transição esteve por um fio.
Para romper com a massificação e a superficialida- A inflação anual chegou próximo dos 40% entre
de dos anos 1970, parte da juventude retomou símbo- 1974-1978, e o ritmo de crescimento do PIB dimi-
los e reproduziu comportamentos dos jovens da década nuiu para cerca de 7% ao ano nesse mesmo período.
anterior. Acreditava no socialismo, desfilava suas rou- As constantes dificuldades da balança de pagamentos
pas hippies e suas camisetas estampadas com o rosto de foram superadas à custa das reservas cambiais, e novos
Che Guevara, ouvia Chico Buarque, Caetano Veloso, Mil- empréstimos externos foram tomados para tentar evi-
ton Nascimento, Edu Lobo e Geraldo Vandré. Como se o tar uma recessão. Afinal, o maior trunfo da ditadura
tempo tivesse parado, seus valores culturais eram ainda era o crescimento econômico. Não havia espaço para
muito semelhantes àqueles esposados pela geração dos a crise na propaganda oficial. Assim, o rápido aumen-
anos 1960. De certo modo, não só acreditava naqueles to da dívida externa foi considerado o preço temporário
que tinham mais de 30 anos, como até tentava imitar os a ser pago pelo financiamento desse ajuste ao longo do
seus gestos e palavras. No entanto, não pretendia levar tempo. Com tais medidas, a dívida externa total saltou
adiante a construção da sociedade socialista como van- de pouco mais de 12 bilhões de dólares, em 1973, para
guarda do proletariado e do campesinato. cerca de 50 bilhões, em 1979.

216 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 216 18/05/16 09:41


Aparentemente, as iniciativas de Geisel consegui- mos atos de Geisel foi a revogação do AI-5, em dezembro
ram equilibrar a balança de pagamentos, e o cresci- de 1978 –, setores ligados diretamente à linha dura e ao
mento econômico manteve-se em torno de 7% ao ano. aparato repressivo respondiam implacavelmente às rei-
Porém, tais medidas tornaram a economia brasileira vul- vindicações sociais e às pressões políticas. As denúncias
nerável às instabilidades do mercado mundial. Ao final de tortura e o assassinato de Herzog e de Fiel Filho aca-
da década de 1970, uma nova crise do petróleo e a ele- baram por levar o presidente Geisel a sérias dissensões
vação da taxa de juros no mercado financeiro interna- com esses setores. Em outubro de 1977, as divergências
cional aumentaram nossas dificuldades econômicas. Em levaram à demissão do ministro do Exército, general
1980, a inflação chegou a 110% e a dívida externa, a 80 Sylvio Frota, representante da linha dura e postulante à
bilhões de dólares, em 1983, e a 90 bilhões, em 1984. presidência da República.
Pouco a pouco, as tensões sociais abafadas duran- A sucessão de Geisel expunha as fragilidades do
te os anos de maior repressão política começaram a regime. Em meio ao crescimento dos movimentos
emergir. Em 1978, uma surpreendente e ruidosa greve sociais e ao fortalecimento da oposição, os militares
de metalúrgicos, na região paulista do ABC (municípios se encontravam seriamente divididos. Descartada a
de Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul), candidatura de Sylvio Frota, a indicação do candidato
abalou o país. O movimento operário também voltou à governista foi controlada por Geisel, que acabou por
cena política, apesar da repressiva legislação trabalhis- articular o nome do presidente do SNI, general João
ta e dos mecanismos de exclusão da classe trabalhado- Baptista de Oliveira Figueiredo, tendo como vice o ex-
ra. Reivindicando uma reposição salarial de 34%, cerca -governador mineiro Aureliano Chaves. Pela oposição,
de 80 mil trabalhadores desafiaram as restrições legais que procurava tirar proveito dessas divisões, foi lan-
da ditadura e obtiveram uma significativa vitória. Além çado candidato o general Euler Bentes Monteiro, mili-
das repercussões em outras categorias profissionais, tar da reserva, que representava os setores liberais e
que também passaram a se organizar, as greves incor- nacionalistas das Forças Armadas, tendo como com-
poraram setores do operariado no processo de luta pela panheiro de chapa o senador do MDB gaúcho Paulo
democratização do país, que, ao final do governo Geisel, Brossard. Em outubro de 1978, a chapa governista foi
parecia iminente. escolhida pelo Colégio Eleitoral. Em março de 1979,
Ao mesmo tempo que a política palaciana permitia o novo presidente assumia o posto, prometendo fazer
certo espaço para a oposição se organizar – um dos últi- do Brasil uma democracia.

A+ COMUNICAÇÃO
SALÁRIO MÍNIMO E ÍNDICE DO SALÁRIO MÍNIMO REAL (em %)
em dólares

Índice do salário
mínimo real Salário 1936 Foi regulamentado
111 Salário mínimo mínimo real no Brasil.
aplicado pelos
50 100 governos brasileiros Remuneração 1940 São fixados os valores
98 (em dólares) necessária para pelo Decreto-Lei
atender as n.º 2 162.
89 necessidades
básicas de uma 1943 Primeiro reajuste
40 família de dois no salário mínimo.
adultos e duas 1984 Unificação do salário
67 69 crianças, mínimo para todo o país,
62 tais como:
30 57 • moradia,
medida consolidada pela
Constituição de 1988.
• alimentação,
• educação, 2007 O salário mínimo
40 • saúde, passa a ser corrigido
20 • lazer, todos os anos pela
• vestuário, inflação do ano
• higiene, anterior, somada à
10 • transporte, variação do PIB de
• previdência social. dois anos anteriores.
2013 O salário mínimo
de R$ 678,00 equivale
0 a cerca de 340 dólares
(cotação de 26 abr. 2013).
19

19
19

19

19
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19

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19
6

80
4

50

7
65
45

55

75
0

Fonte: Elaborado com base em Dieese, abril de 1983.

Brazilian way of life 217

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As greves de 1978

"As greves de 1978 espalharam-se a partir dos metalúrgi- que ponto mudanças sociais eram possíveis e os tipos de
cos de São Bernardo para pelo menos outras 24 catego- instituições que melhor implementariam o movimento
rias profissionais e mais de 500 mil trabalhadores em seis em direção à democracia."
estados e o Distrito Federal. No ano seguinte, aconteceram KECK, M. E. "O 'novo sindicalismo' na transição brasileira".
greves em todo o Brasil. Mais de 3000000 de trabalha- In: STEPAN, A. (Org.). Democratizando o Brasil.
dores de 113 categorias pararam aquele ano, parte deles Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 398 e 400.

em setores cujos sindicatos tinham força para liderá-los,

JUCA MARTINS/OLHAR IMAGENS


outros não. Lula, Olívio Dutra, dos bancários do Rio Grande
do Sul, e João Paulo Pires Vasconcelos, dos metalúrgicos
de João Monlevade (MG), formaram um tipo de grupo con-
sultor, ajudando, em alguns casos, a negociação entre diri-
gentes sindicais e seus associados dissidentes. […]
A eclosão do movimento dos trabalhadores no come-
ço de 1978 empolgou o país e ajudou a dar uma dimen-
são social à crescente oposição ao regime autoritário.
Havia, porém, uma grande discordância quanto às impli-
cações políticas da nova atividade operária. Longe de ser
um debate acadêmico, as diferentes avaliações analíti-
cas dos acontecimentos refletiam e contribuíram para os Luiz Inácio Lula da Silva em assembleia de
debates sobre a forma de transição brasileira, sobre até trabalhadores. São Bernardo do Campo, São Paulo, 1979.

As ditaduras militares No começo dos anos 1960, alguns países latino-


-americanos ainda viviam experiências democráti-
latino-americanas cas, como o Chile ou o Brasil, mas outros enfrentavam
A Revolução Cubana incentivou a esquerda em toda a ou já haviam enfrentado intervenções militares e regi-
América Latina: para muitos, ela era o primeiro passo mes fortemente autoritários. A Guatemala, por exem-
de um ciclo de revoluções sociais no continente. Em plo, passara, no início da década de 1950, por um con-
vários países, surgiram movimentos que pregavam junto de reformas sociais, que incluíam expropriações
a luta pela igualdade social por caminhos institucio- de propriedades de empresas estrangeiras e distribui-
nais ou armados. O estímulo trazido por Cuba provo- ção de terras para camponeses. A experiência, ocorrida
cou ainda uma valorização da "latino-americanidade" durante o governo de Jacobo Arbenz (1913-1971), termi-
na produção intelectual e cultural. Diversos músicos nara com um golpe militar conservador, apoiado pelos
e escritores – como o mexicano Carlos Fuentes (1928- Estados Unidos.
2012) ou o colombiano Gabriel García Márquez (1927-
ENRIQUE ARACENA/AFP PHOTO

2014) – retomavam, em suas obras, o passado de


exploração colonial da América Latina, questionavam
a influência estadunidense e a miséria social do pre-
sente e apostavam numa libertação futura, que ocorre-
ria por meio de lutas e conquistas sociais.
Por outro lado, os setores sociais hegemônicos
viam Cuba como uma ameaça e, para evitar a expan-
são do socialismo, aumentavam o controle político
e reforçavam os mecanismos de repressão social. Os
Estados Unidos também se organizaram para impedir
que Cuba se tornasse um modelo e que novas revolu-
Bombardeio do Palácio La Moneda, sede do governo de
ções ocorressem. Salvador Allende. Santiago, Chile, 11 de setembro de 1973.

218 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 218 18/05/16 09:41


JH9_cap11_pg218 táveis denúncias de corrupção e uma dura repressão

MÁRIO YOSHIDA
DITADURAS MILITARES NA AMÉRICA
LATINA (SÉCULO XX) política aos adversários políticos. Ao contrário do que
ocorreu no Chile, as juntas militares que governaram a
Ditaduras militares
Regime socialista Argentina não contaram com apoio irrestrito e contínuo
Países sem ditaduras
(1961-1966)
militares dos Estados Unidos e houve intensa fuga dos capitais
Colônias europeias
estrangeiros investidos no país.
(1917-1919/1985-1990)

Como explicar o militarismo?


No decorrer dos anos 1960 e 1970, os latino-americanos
viram os projetos de revolução social ser esmagados por
regimes autoritários, repressivos e fortemente autoritá-
ESCALA rios. No início da década de 1980, dois terços do conti-
0 1040 2080 km
nente viviam sob regimes militares. As constantes inter-
venções tornaram-se objeto sistemático de reflexão: o
que as justificava? Diversas teorias foram debatidas:
para alguns, os militares promoviam o desenvolvimen-
to econômico ou representavam os interesses estaduni-
Fonte: Elaborado com base em LUCENA, M. Atlas histórico de latino-
-america. Madrid: Síntesis, 2005.
denses; para outros, eles eram o sintoma de uma fragili-
dade institucional. A experiência histórica, no entanto,
não confirmava essas interpretações: raros países (Bra-
Os Estados Unidos tiveram participação decisiva
sil e Chile) obtiveram crescimento econômico consis-
também no golpe que, em 1973, encerrou a democra-
tente durante os regimes militares, as ações de algumas
cia no Chile e derrubou o presidente Salvador Allende
ditaduras contrariaram os interesses estadunidenses
(1908-1973). Allende havia sido eleito, três anos antes,
(casos da Argentina e do Uruguai), países com institui-
por uma coalizão de partidos de esquerda e defendia a
ções democráticas sólidas (sobretudo o Chile) também
transição pacífica do Chile para o socialismo. Durante
todo seu governo, enfrentou fortes pressões internas e foram atingidos por intervenções.
externas. Um grupo de militares manteve-se a seu lado A dificuldade de obter uma explicação única resul-
e tentou, sem sucesso, impedir a trama golpista articu- tava das grandes diferenças entre os regimes armados:
lada por outros setores armados, que contavam com na Nicarágua ou no Paraguai, por exemplo, ele baseava-
apoio financeiro e logístico estadunidense e brasilei- -se na Guarda Nacional, e não nas Forças Armadas.
ro. Em setembro daquele ano, os golpistas bombardea- Além disso, nesses países, o poder foi controlado ape-
ram o palácio presidencial de La Moneda. Allende mor- nas por uma pessoa ou uma família no decorrer de déca-
reu durante o ataque e foi substituído por um governo das. No Peru, ocorreu uma intervenção militar com pro-
liderado pelo general Augusto Pinochet (1915-2006). postas reformistas e anticapitalistas; na Bolívia, houve
No poder, Pinochet liderou um violentíssimo aparato de franca disputa entre setores divergentes das Forças
repressão política, que vitimou milhares de pessoas, e Armadas. Para o sociólogo Alain Rouquié, só o estudo
governou o país até 1990. comparado dos casos e da forma como os militares exer-
Em 1976, os argentinos também viram seu governo ceram o poder em cada parte pode ajudar a compreen-
constitucional sucumbir ante um golpe militar. A presi- der o militarismo latino-americano.
dente Isabelita Perón (1931-), que assumira o cargo após Na década de 1990, quando a maior parte das dita-
a morte, no ano anterior, de seu marido, Juan Domingo duras já havia caído e a América Latina atravessava um
Perón, enfrentava uma intensa crise política e financei- processo de redemocratização, foram divulgados docu-
ra. Os militares, sob o pretexto de eliminar a corrupção mentos que comprovavam a existência de uma rede de
e melhorar a economia nacional, tomaram o poder, for- colaboração entre alguns governos militares. A chama-
çando Isabelita a exilar-se. Diferentemente do que pro- da Operação Condor era uma articulação extraoficial,
punham, no entanto, os novos governantes aprofun- que reunia Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai
daram a crise por que o país passava. Os oito anos de e Uruguai. Clandestinamente, os aparelhos repressi-
regime armado na Argentina foram marcados por declí- vos dessas ditaduras ajudavam-se na perseguição aos
nio econômico, destruição do parque industrial, incon- adversários políticos.

Brazilian way of life 219

OH_V3_Book.indb 219 18/05/16 09:41


denses e o pleno estabelecimento de uma economia
A democratização de mercado.
da América Latina O processo de superação do autoritarismo foi
A partir da década de 1980, as ditaduras militares lento na maior parte do continente, mas gradualmen-
começaram a entrar em colapso. As pressões e os pro- te os militares foram retornando aos quarteis e elei-
testos internos ampliavam-se, apesar da repressão, e ções livres e democráticas definiram novos governan-
denunciavam atos violentos e corruptos dos governan- tes civis para, entre outros, Argentina, Brasil, Chile e
tes. Em vários casos, a má administração dos recursos Uruguai. O trabalho de redemocratização, no entanto,
públicos agravara a crise econômica, provocando cares- dependia também da avaliação do período ditatorial e
tia, aumento inflacionário, crescimento do desemprego da eliminação de comportamentos e práticas autoritá-
e do endividamento externo. rias que persistiam. Em certos casos, os crimes come-
A política estadunidense para a América Latina tidos por agentes da ditadura foram investigados e
também passava por mudanças e deixava de apoiar os alguns responsáveis, punidos. Na maioria dos países,
regimes fechados. O fracasso financeiro e as tensões porém, a democratização política e o estabelecimento
sociais nos países latino-americanos dificultavam o de regimes liberais vieram acompanhados de anistias
aprofundamento das relações comerciais, os investi- gerais para todos que atuaram a favor ou contra as dita-
mentos de recursos por empresas privadas estaduni- duras, e independentemente dos atos que cometeram.

BETTMANN/CORBIS

Guerrilheiros sandinistas entram vitoriosos em Manágua, capital da Nicarágua, 20 de junho de 1979.

A Nicarágua e a Revolução -1934) liderava um movimento nacionalista e contrá-


Sandinista rio à presença de fuzileiros estadunidensess. A Guar-
A importante posição estratégica da Nicarágua e o pro- da Nacional, comandada por Anastacio Somoza García
jeto, muitas vezes adiado, de abertura, em seu território, (1896-1956), reprimiu os rebeldes e Sandino foi morto.
de um canal de ligação entre os oceanos Atlântico e Pací- Dois anos depois, Somoza García chegou à presidência.
fico fizeram com que os Estados Unidos mantivessem A família Somoza manteve o controle sobre a Nica-
controle contínuo dos rumos políticos do país ao longo rágua por mais de quatro décadas enquanto o país viu
do século XX. Em 1934, Augusto Cesar Sandino (1895- surgirem grupos que se inspiravam na figura de Sandino

220 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 220 18/05/16 09:41


para combater o somozismo e a influência dos Estados deu a oposição, desmoralizou o regime e inviabilizou
Unidos. Na década de 1960, vários desses grupos uni- sua continuidade. No ano seguinte, eleições presiden-
ficaram-se na Frente Sandinista de Libertação Nacio- ciais livres levaram à presidência o civil Raúl Alfonsín
nal, que contava com forte apoio dos camponeses. Em (1927-2009), da União Cívica Radical (UCR), e encerra-
1978, foi assassinado o jornalista Pedro Joaquin Cha- ram o período militar.
morro (1924-1978), que se opunha ao regime do ditador Alfonsín comandou o processo de redemocratiza-
Anastacio Somoza Debayle (1925-1990), filho de Somo- ção argentina. Ampliou o acesso à educação e à saúde,
za García. O crime contribuiu para que setores liberais e implantou programas sociais, criou mecanismos ins-
de classe média se aliassem aos sandinistas na luta con- titucionais de avaliação do regime militar. Membros
tra o regime. No ano seguinte, Somoza Debayle foi der- do aparelho repressivo foram investigados e julgados.
rubado e fugiu para o Paraguai. Uma junta de governo Ex-presidentes também enfrentaram os tribunais: Jorge
composta por liberais e sandinistas assumiu o governo. Rafael Videla (1925-2013) foi condenado à prisão per-
As divergências internas, no entanto, provocaram pétua e Roberto Viola (1924-1994) recebeu pena de 17
um rompimento rápido e, apoiados pelos Estados Uni- anos de cárcere. Ambos foram indultados em 1990,
dos, os liberais iniciaram uma luta para derrotar os mas voltaram a enfrentar a justiça, acusados de novos
sandinistas. Os conflitos entre os Contras e o gover- crimes.
no prolongaram-se por anos. Ao mesmo tempo, o país Apesar dos avanços políticos, o governo de Alfon-
enfrentava profunda crise econômica, o que enfraque- sín foi corroído pela hiperinflação e pelo forte endivi-
ceu o projeto de reformas sociais e as nacionalizações damento externo do país. Diante das dificuldades, ele
comandadas pelo presidente sandinista Daniel Ortega antecipou em cinco meses a transferência do cargo a
(1945-). Em 1990, Violeta Chamorro (1929-) – princi- Carlos Saúl Menem (1930-), eleito em 1989. Membro
pal liderança liberal e viúva do jornalista assassinado do Partido Justicialista, de orientação peronista, Menem
anos antes – venceu as eleições presidenciais e assu- adotou medidas liberais para a recuperação econômica,
miu a presidência. Apesar da fragilidade das institui- determinou a privatização de empresas estatais e bus-
ções políticas, a Nicarágua conseguiu estabilizar-se cou o apoio dos Estados Unidos e do Fundo Monetário
politicamente. O próprio Daniel Ortega elegeu-se presi- Internacional (FMI). Ele contou com bom apoio popu-
dente em 2006 e foi reeleito cinco anos depois. lar no primeiro mandato e se reelegeu em 1995. Denún-
cias de corrupção em seu governo, no entanto, abala-
O fim da ditadura argentina ram sua imagem e enfraqueceram o governo. Em 2001,
No início dos anos 1980, a corrupção e a violenta a UCR venceu as eleições presidenciais, enquanto o país
repressão política, associadas ao fracasso econômico- imergia numa crise econômica e política sem preceden-
financeiro, provocaram ampla mobilização contra o tes na história argentina. O desemprego atingia mais de
regime militar argentino. As reações vinham de todos um quarto da população, a dívida externa crescia em
os setores da sociedade: trabalhadores e membros da ritmo muito mais acelerado do que a economia, os pro-
classe média, pressionados pela inflação, pela carestia testos populares tomavam as ruas. Em poucos meses,
e pelo controle salarial; empresários insatisfeitos com a sucederam-se vários presidentes, que não conseguiram
condução da política econômica e com a queda da pro- consolidar seu poder.
dução industrial. Em abril de 1982, o general Leopol- Em 2003, o justicialista Néstor Kirchner venceu as
do Galtieri (1926-2003), presidente argentino, deter- eleições presidenciais e iniciou um período de 12 anos
minou a invasão das Ilhas Malvinas, ocupadas por de hegemonia peronista: o próprio Néstor governou até
britânicos desde o século XIX e que chamam território 2007 e foi sucedido por sua esposa, Cristina Kirchner,
de Falkland Islands. que comandou o país por dois mandatos. O período Kir-
A Inglaterra reagiu ao ataque argentino, deslocou chner dividiu a Argentina: de um lado, defensores das
forças para a região, derrotou militarmente a Argentina políticas sociais do governo; de outro, críticos do autori-
e, em junho do mesmo ano, restabeleceu seu domínio tarismo político e da política econômica de Néstor e Cris-
sobre as ilhas. Durante os três meses de guerra, o gover- tina. Em novembro de 2015, o oposicionista Mauricio
no de Galtieri conseguiu, com forte campanha naciona- Macri (1959-), da Proposta Republicana (PRO), derro-
lista interna, atenuar as críticas que vinha sofrendo. O tou o candidato da situação e encerrou o ciclo peronista-
rápido e contundente fracasso militar, porém, reacen- -kirchnerista.

Brazilian way of life 221

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Mães da Praça de Maio

COMISSÃO PROVINCIAL DA MEMÓRIA, BUENOS AIRES, ARGENTINA


Durante o regime militar argentino, um grupo de mulheres desafiou a
ditadura: as Mães da Praça de Maio. Desde 1977, elas passaram a se
manifestar semanalmente diante da sede da presidência, na Praça de
Maio, em Buenos Aires. Caminhavam e exibiam cartazes e fotos dos filhos
e parentes desaparecidos, vítimas da repressão política. Posteriormente,
o movimento desdobrou-se em outra associação, a das Avós de Maio, que
reivindica informações sobre as crianças que nasceram de mulheres grá-
vidas, presas pela ditadura. Muitas dessas crianças foram vendidas ou
adotadas ilegalmente dentro do país ou no exterior. As Avós da Praça de
Maio já conseguiram encontrar mais de cem crianças.
Na foto de 1981, obtida de um informe do Serviço de Inteligência,
veem-se Mães de Maio saindo de uma cerimônia religiosa. Agentes da
repressão identificaram com números as pessoas que haviam partici-
pado do evento.

Mães da Praça de Maio,


Buenos Aires, 1981.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Utilizando um único termo, defina o comportamen- um desenvolvimento intimidador das Forças Armadas
to da maioria dos brasileiros no início dos anos britânicas, que estão ameaçando com um uso indis-
1970. Justifique sua opção. → DL/CF/SP criminado da força’. Em meio ao clima de euforia que
2 Como a anticandidatura de Ulysses Guimarães em tomou conta do país, após o sucesso da operação de
1973-1974 fortaleceu a oposição? → DL/SP/H9/H10 ocupação das Malvinas, Galtieri anunciou uma medida
excepcional: foram postas em liberdade todas as 107
3 Quais eram as características da política de disten-
pessoas detidas durante um recente ato de protesto da
são de Ernesto Geisel? → DL/SP/H8
Confederação Geral do Trabalho."
4 Como a primeira crise do petróleo afetou a econo-
mia brasileira? → DL/SP/H7 O Estado de S. Paulo, 3 abr. 1982. (adaptado.)

5 O que foi o "Pacote de Abril"? → DL/SP a) Caracterize o regime político vigente na


6 Como a linha dura reagiu à distensão de Geisel? Argentina à época em que ocorreu o conflito com
→ DL/SP/H9 o Reino Unido (meses de abril a junho de 1982).
7 Quais eram as diferenças e semelhanças entre as b) Indique duas mudanças – uma de natureza polí-
opções políticas e culturais do movimento estudan- tica e uma de natureza econômica – provocadas
til das décadas de 1960 e 1970? → DL/CF/SP/H9/H11 pela derrota da Argentina nessa guerra.
8 (Fuvest-SP) Leia este texto e responda ao que se c) Levando em conta que, além de outras motiva-
pede. ções, a guerra a que se refere o texto implicou
também aspectos geopolíticos, discorra sobre
"Em operação militar aeronaval, que se estendeu pela
a importância estratégica das ilhas envolvidas
madrugada de quinta-feira e pela manhã de ontem,
nesse conflito. → DL/CF/SP/CA/H7/H8/H9/H15
fuzileiros navais e soldados do Exército argentino ocu-
param as Ilhas Malvinas (Falkland para os ingleses), 9 Explique a afirmação do texto: "Para o sociólogo
as Geórgias e Sandwich do Sul, pondo fim, de forma Alain Rouquié, só o estudo comparado dos casos e da
abrupta, a negociações diplomáticas que vinham forma como os militares exerceram o poder em cada
sendo mantidas nos últimos dias entre os dois países. parte pode ajudar a compreender o militarismo latino-
O presidente argentino, general Leopoldo Galtieri, jus- -americano." → DL/CF/SP/H7/H9
tificou a invasão afirmando que o Reino Unido se havia 10 O que são as Mães e as Avós da Praça de Maio e
apossado desses territórios ‘por meios predatórios’. E qual seu papel no processo de redemocratização
acrescentou que ‘a Argentina não se curvará diante de argentina? → DL/CF/CA/EP/H9/H10/H11/H13

222 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 222 18/05/16 09:41


2 O crepúsculo
dos deuses

O
governo Figueiredo deu continuidade à distensão ensaiada por
ALCYR CAVALCANTI/AGÊNCIA O GLOBO

Geisel. O último presidente militar pôs em prática a política da


"abertura", concedendo a anistia política e permitindo a reorga-
nização político-partidária. Os setores mais organizados da sociedade
reivindicavam uma anistia ampla, geral e irrestrita, ou seja, a liberta-
ção de todos os presos políticos, a volta de todos os exilados e a restitui-
ção dos direitos políticos a todos os cassados. Procurando manter o ritmo
gradual da liberalização do regime, o general Figueiredo sancionou, em
Chegada de Fernando Gabeira ao Brasil agosto de 1979, a Lei da Anistia, que beneficiou mais de quatro mil pes-
beneficiado pela anistia. Rio de Janeiro,
1979.
soas penalizadas durante os anos da ditadura.
A maior restrição ficou reservada aos condenados pelos chamados "cri-
mes de sangue" cometidos pelos guerrilheiros opositores ao regime. Por
outro lado, a lei incluía o perdão incondicional aos integrantes dos órgãos de
repressão envolvidos em torturas e assassinatos de presos políticos.
Entre 1979 e 1980, retornaram ao país nomes que pareciam saídos
das páginas da História para a maior parte dos jovens estudantes e sin-
dicalistas: Leonel Brizola, Jânio Quadros, Celso Furtado, Darcy Ribeiro,
RENE MINA VERNICE

Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, João Amazonas, além de alguns mais
jovens como Fernando Gabeira, José Dirceu, José Serra, e vários outros.
Três nomes ilustres da República Populista não sobreviveram para des-
frutar da anistia: Juscelino Kubitschek, João Goulart e Carlos Lacerda.
O retorno dos exilados e a restituição de seus direitos políticos forta-
leceram a oposição. Velhas lideranças passaram a estabelecer contatos
com os novos dirigentes sindicais, intelectuais, estudantes e políticos do
MDB. Caberia, agora, pressionar por uma transição mais rápida que esta-
Congresso de reconstrução da UNE.
Salvador, Bahia, 1979. belecesse, enfim, o regime democrático.

O novo sindicalismo
Em 1979, logo no início do governo Figueiredo, uma nova onda grevis-
ta tomou conta do ABC paulista. Uma rápida ação repressiva acarretou
a intervenção nos sindicatos e a cassação de seus líderes. Imediatamen-
te, organizou-se em torno dos operários um forte movimento de resistên-
JUCA MARTINS/OLHAR IMAGEM

cia civil, contando com a participação de muitos setores que lutavam pela
redemocratização do país.
Destituídos de seus sindicatos, os operários obtiveram o apoio da Igre-
ja Católica, que cedeu a catedral de São Bernardo do Campo como sede do
movimento grevista. Políticos do MDB, estudantes, intelectuais e jorna-
listas tomaram parte em várias assembleias, que excederam o número de
cem mil participantes. Por todo o país uma grande rede de solidariedade
arrecadou fundos e alimentos para as famílias dos trabalhadores.
Assembleia de metalúrgicos do ABC,
Estádio de Vila Euclides. São Bernardo Amadurecido pelas vitórias de 1978, o movimento grevista agora diri-
do Campo, São Paulo, 1979. gia suas baterias contra a estrutura sindical vigente. Afora as reivindica-

O crepúsculo dos deuses 223

OH_V3_Book.indb 223 18/05/16 09:41


ções salariais, os metalúrgicos estabeleceram negocia-
ção direta com os patrões. Além disso, na prática, viram O pluripartidarismo
reconhecida a representatividade de suas comissões de Para o regime militar, o bipartidarismo tinha cumprido
fábrica e de suas novas lideranças sindicais, entre as seu papel. Fortalecera o partido governista, impusera à
quais despontava o nome de Luiz Inácio da Silva, o Lula. oposição uma convivência forçada sob a mesma organi-
Mais uma vez a onda grevista não se circunscreveu zação partidária e limitara a discussão político-ideológi-
ao ABC. Por todo o país, centenas de outras categorias ca à concordância ou não com o regime.
– incluindo setores assalariados da classe média, como No entanto, o crescente fortalecimento do MDB
médicos, professores e funcionários públicos – tam- poderia provocar a perda do controle sobre a tran-
bém estabeleciam uma nova forma de atuação sindical sição democrática. Em próximas eleições, previam-
e desafiavam o regime militar com seus movimentos rei- -se vitórias da oposição, que, unida em um só parti-
vindicatórios. Começava a esboçar-se um novo sindica- do, conseguiria aglutinar todos os descontentes com
lismo, contestador das práticas das lideranças "pelegas", a ditadura com um único programa: a restauração
que serviam ao regime militar, e diverso daquele exis- da democracia.
tente no país durante a República Populista, atrelado ao Assim, sob esse programa mínimo, liberais, socia-
Estado. Esse era um dado novo na política nacional. listas, comunistas, democratas-cristãos, social-demo-
cratas e outros agrupamentos ideológicos deixavam de
A repressão lado suas divergências e punham-se a combater o regi-
Em 1980, mais um movimento grevista tomou conta do me militar. Para os grupos militares empenhados na
ABC. Dessa vez a reação do governo foi mais violenta. liberalização, tornava-se necessário dividir a oposição
Intervindo nos sindicatos e prendendo seus diretores – e expor suas diferenças. O arranjo bipartidário teria de
que seriam enquadrados na Lei de Segurança Nacional –, ser descartado. Em dezembro de 1979 foram extintos a
o governo deu mostras de que os militares ainda contro- Arena e o MDB.
lavam o país. Após 41 dias os trabalhadores encerraram
a greve sem alcançar suas reivindicações. Em fevereiro Novos partidos políticos
de 1981, os principais dirigentes metalúrgicos foram jul- Apesar de constituir um passo decisivo para a abertu-
gados e condenados por um tribunal militar. Nesse ano ra política, ao expressar mais claramente os interes-
os metalúrgicos do ABC não tiveram forças para organi- ses atuantes na sociedade brasileira, a permissão para
zar uma nova greve. o surgimento de novos partidos tinha como objetivo
Apesar de derrotados, os líderes sindicais consegui- enfraquecer a oposição, acentuando suas diferenças
ram angariar apoios importantes no Brasil e no exterior. ideológicas e estimulando as disputas eleitorais.
A essa altura uma parcela considerável do novo movi- Outros seis partidos puderam ser organizados, em
mento estudantil, que conseguira reestruturar suas respeito às severas exigências estabelecidas. Como her-
entidades e atuava em conjunto com as outras forças do deiro direto da Arena, formou-se o Partido Democrático
campo democrático – setores da imprensa, a Igreja pro- Social (PDS). A maior parte dos oposicionistas preferiu
gressista, políticos do MDB, entidades da sociedade civil abrigar-se sob a mesma legenda, o Partido do Movi-
e sindicalistas –, começava a ser atraída pela atuação de mento Democrático Brasileiro (PMDB). Os trabalhistas
Lula e dos demais dirigentes do ABC. do período populista dividiriam-se em duas agremia-
A movimentação operária serviu como divisor de ções: o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), dirigido
águas para o processo de abertura política. Em pri- por Ivete Vargas, sobrinha de Getúlio Vargas, e o Par-
meiro lugar, porque as demandas sociais decorren- tido Democrático Trabalhista (PDT), sob a liderança
tes da crise econômica da segunda metade da década de Leonel Brizola. Setores conservadores da oposição
de 1970 aceleraram as medidas de liberalização polí- e dissidentes de centro do governo formaram o Parti-
tica. Em segundo, porque se definiram os limites da do Popular (PP), que procurava se tornar o interlocutor
abertura. Enquanto governava com as elites, o regime para a transição democrática. Reunindo os principais
procurava manter a repressão sobre a classe trabalha- líderes do novo sindicalismo, grupos da esquerda estu-
dora. Para o pacto da transição democrática, a clas- dantil dos anos 1960 e 1970 e setores ligados aos movi-
se operária não estava convidada. Mas impunha-se de mentos de base da Igreja Católica, surgia o Partido dos
forma surpreendente. Trabalhadores (PT).

224 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 224 18/05/16 09:41


A+ COMUNICAÇÃO/CIA. de ÉTICA/Cláudia carminati
PARTIDOS POLÍTICOS (com registro no TSE – até abril de 2016)
De 1966 ARENA MDB
até 1979

1980 PDS PTB PP PMDB PDT PT

*1985 PRONA PL PSC PFL PJ PMN PCB PC do B PSB

1987 PV
1988 PSDB
1989 PRN
1990 PPS

1993 PPR

1995 PPB PSTU

2000 PTC

PP
2003
PRM PSOL
2005 PRB

2006 PR DEM
2007

2010 PSD
2011
2012
2013 SD
2014
2015 REDE
2016

* Outros partidos criados a partir de 1985: PTN (19) Partido Trabalhista Nacional PTC (36) Partido Trabalhista Cristão
PSL (17), PTN (19), PSDC (27), PRTB (28), PSC (20) Partido Social Cristão PSB (40) Partido Socialista Brasileiro
PCO (29), PHS (31), PRP (44), PEN (51), PPL (54), PCB (21) Partido Comunista Brasileiro PV (43) Partido Verde
PT do B (70), NOVO (30), PMB (35), PROS (90). PR (22) Partido da República PRP (44) Partido Republicano Progressista
PPS (23) Partido Popular Socialista PSDB (45) Partido da Social Democracia Brasileira
PRB (10) Partido Republicano Brasileiro DEM (25) Democratas PSOL (50) Partido Socialismo e Liberdade
PP (11) Partido Progressista PRDC (27) Partido Social Democrata Cristão PEN (51) Partido Ecológico Nacional
PDT (12) Partido Democrático Trabalhista PRTB (28) Partido Renovador Trabalhista Brasileiro PPL (54) Partido Pátria Livre
PT (13) Partido dos Trabalhadores PCO (29) Partido da Causa Operária PSD (55) Partido Social Democrático
PTB (14) Partido Trabalhista Brasileiro NOVO (30) Partido Novo PC do B (65) Partido Comunista do Brasil
PMDB (15) Partido do Movimento Democrático Brasileiro PHS (31) Partido Humanista da Solidariedade PT do B (70) Partido Trabalhista do Brasil
PSTU (16) Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado REDE (34) Rede Sustentabilidade SD (77) Solidariedade
PSL (17) Partido Social Liberal PMB (35) Partido da Mulher Brasileira PROS (90) Partido Republicano da Ordem Social

Fonte: Elaborado com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Disponível em: www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos. Acesso em: 30 abr. 2016.

O crepúsculo dos deuses 225

OH_V3_Book.indb 225 18/05/16 09:41


Ainda sob clima de incerteza, em novembro de
Eleições de 1982 1982, os novos partidos políticos se enfrentaram numa
Diversos grupos de esquerda experimentaram, depois das mais importantes eleições da história do país. Os
de tantos anos, a efervescência do movimento sindical. casuísmos e a manutenção da Lei Falcão garantiram
O contato de operários com novas e velhas lideranças ao PDS ampla maioria no Senado e maior número de
socialistas provocava uma politização sem precedentes governos estaduais. Na Câmara dos Deputados, graças
na história do país. Ao contrário do período populista, ao alinhamento da pequena bancada do PTB, o gover-
os operários não procuravam – nem aceitavam – a dire- no conseguiria manter 52% de apoio. O PMDB venceu as
ção paternalista de políticos de outras classes sociais. eleições em SP, MG, PR, GO. O PDT obteve uma impor-
A sua participação no jogo político dava-se agora sem tante vitória com a eleição de Leonel Brizola no Rio de
intermediários. Os trabalhadores forjaram seus próprios Janeiro.
líderes políticos. O caso Riocentro
O período anterior às eleições de 1982 foi marcado O clima de terror contra a abertura política teve no Rio-
pela apreensão. Em setembro de 1980, o governo fizera centro, um centro de exposições no Rio de Janeiro, seu
aprovar no Congresso a prorrogação, por dois anos, dos episódio mais contundente. Na véspera do feriado de
mandatos dos prefeitos e vereadores, adiando as elei- 1.º de maio de 1981, durante um show musical, um sar-
ções previstas. Em novembro do mesmo ano um novo gento morreu e um capitão do Exército ficou seriamen-
"pacote eleitoral" alterara as regras do jogo político, proi- te ferido na explosão de uma bomba que transportavam
bindo as coligações partidárias. O objetivo era impedir dentro de um automóvel. Apesar das negativas oficiais,
as oposições de fazerem articulações políticas nos Esta- as evidências indicavam tratar-se de uma tentativa de
dos e dividi-las ainda mais, para fortalecer o PDS. A vin- atentado terrorista, promovido por militares da extrema
culação dos votos, em todos os níveis, tornaria nulos os direita, contra a comemoração dos trabalhadores.
votos dados a candidatos de partidos diferentes. Procu- Faça
rava-se conservar a maioria governista no Colégio Eleito- Tá ligado?! em se
cadernu
o
ral, que elegeria indiretamente o presidente da Repúbli-
ca em janeiro de 1985. A respeito do sistema político brasileiro é correto
As novas medidas eleitorais tiveram como resultado afirmar:
o restabelecimento da bipolarização governo-oposição. O a) Durante toda a Ditadura Militar (1964-1985) o
bipartidarismo foi o sistema vigente, representado
recém-criado Partido Popular deliberou pela sua incorpo-
pela Arena (Aliança Renovadora Nacional) e pelo
ração ao PMDB, que procurou apresentar-se como a alter- MDB (Movimento Democrático Brasileiro).
nativa oposicionista viável. Os demais partidos (PT, PTB e
b) A partir de 1980, com a implementação do
PDT) perderam apoio devido à necessidade de fortalecer o pluripartidarismo, todos os agrupamentos políticos
principal partido de oposição. As eleições de 1982 repeti- puderam se legalizar e disputar as eleições
riam o caráter plebiscitário dos pleitos anteriores, em que legislativas e executivas, municipais, estaduais
havia apenas dois partidos, o MDB e a Arena. e federais.
Mas não foram apenas os novos casuísmos eleito- c) Apesar da possibilidade de reorganização partidária,
rais que turvaram a cena política nacional. Desde 1976 as eleições de 1982, os casuísmos eleitorais e as
limitações impostas pela Lei Falcão garantiram ao
vinham ocorrendo sequestros de religiosos e oposicio-
governo ampla maioria no Senado Federal.
nistas, atentados a centros de pesquisa e jornais identi-
d) Devido às inúmeras mudanças de regras e das
ficados com a oposição, o que evidenciava a ação de gru-
restrições ao pleno debate político, setores da
pos paramilitares e extremistas de direita descontentes esquerda, liderados pelo PT, decidiram boicotar
com a flexibilização do regime. Em 1980 e 1981, diver- as eleições de 1982 e denunciar as manobras
sas bancas de jornais foram incendiadas e destruídas por governistas.
bombas pelo fato de venderem publicações de esquerda. e) A vitória de Leonel Brizola e de Lula para os
Uma carta-bomba foi enviada à sede da OAB, matando a governos estaduais do Rio de Janeiro e São Paulo
secretária do presidente da entidade. Um dos mais des- colocou em risco o processo de abertura devido à
radicalização política proposta por esses líderes
tacados juristas brasileiros, Dalmo Dallari, foi vítima de
populares.
um violento sequestro. Outros oposicionistas também
→ DL/CF/SP/H8/H9
sofreram atentados em suas residências ou escritórios. O
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.
objetivo era intimidar.

226 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 226 18/05/16 09:41


A+ comunicação
ÍNDICES ECONÔMICOS NO BRASIL: 1960 A 1990

Distribuição de renda: Inflação: 1970 a 1983


1960 a 1990 (em porcentagem)

239
110,2

99,7
10% mais ricos

97
40% intermediários

77,2
50% mais pobres

17,4%
39,6%

44,1

40,8
41,9
1960
43%

32,7
31,5
20,5
18,2

17,4
17,3
14,9%
46,7%
1970 1975 1980 1983
1970 Fonte: ALVES, M. H. M. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 331.
38,4%

Dívida externa: 1960 a 1981


12,7% (bilhões de dólares) 61 411,0
51%
49 904,0
36,3%
1980

32 037,0

11,4%
48,7%

12 571,5 Fonte: Elaborado com base


39,9%
1990
em ALVES, M. H. M. Estado
3 101,1 e oposição no Brasil (1964-
-1984). 5. ed. Petrópolis:
Vozes, 1989. p. 332.
Fonte: Elaborado com base em IBGE,
19

19
19
19

19

Estatísticas históricas do Brasil; Anuário


60

80
70
65

75

Estatístico do Brasil, 1997.

Indicadores econômicos: 1970 a 1987


PIB PI PA Exp. Imp.
(variação em %) (variação em %) (variação em %) (milhões de dólares) (milhões de dólares)
PIB: Produto Interno Bruto
PI: Produto Industrial
PA: Produto Agrícola
1985 Exp.: Exportações
Imp.: Importações

1980

1975

Fonte: Elaborado com base em


ABREU, M. de P. (Org.). A ordem
1970 do progresso: cem anos de política
econômica republicana (1889-1989).
10 10 10 25 25 Rio de Janeiro: Campus, 1990. p. 408.

O crepúsculo dos deuses 227

OH_V3_Book.indb 227 18/05/16 09:41


de pessoas nas principais cidades brasileiras, ganhou a
A conta do "milagre" simpatia da maior parte do país, assumindo proporções
A década de 1980 iniciava-se sob uma violenta reces- gigantescas. Em 1984, mi­lhões de brasileiros saíram às
são. O pagamento dos juros da dívida externa consumia ruas exigindo o fim da ditadura militar, na maior mobi-
mais da metade das divisas obtidas com as exportações. lização popular de nossa história.
Em 1981, o PIB brasileiro apresentou variação negativa. Ainda assim o governo manteve-se irredutível quan-
Os índices de desemprego foram alarmantes. Nova crise to à manutenção do Colégio Eleitoral como forma de
na balança de pagamentos e a perda da credibilidade da escolha do sucessor de Figueiredo. Mas, diante do apelo
política governamental apontavam a necessidade de rene- popular, ofereceu à oposição a possibilidade de um acor-
gociação da dívida externa. Se o Brasil havia se aprovei- do envolvendo as eleições presidenciais em 1988.
tado de uma conjuntura internacional que lhe favorece- Por meio de uma emenda constitucional, os opo-
ra o crescimento entre 1968 e 1973, passava agora a sofrer sicionistas tentaram estabelecer eleições diretas para
com a recessão mundial, que contraía o crédito e limitava 1985, forçando o Congresso Nacional a atender às rei-
as atividades comerciais. Logo após as eleições de 1982, vindicações das grandes manifestações. No entanto,
o governo brasileiro recorreu ao FMI (Fundo Monetário em 25 de abril de 1984, durante a votação da emenda
Internacional) para renegociar sua dívida, depois de rece- Dante de Oliveira, na Câmara dos Deputados, a maior
ber empréstimos de emergência para não deixar de pagar parte do PDS posicionou-se contra a iniciativa da oposi-
os compromissos previstos para aquele ano. ção. Nas ruas, além da tristeza e da decepção, uma nova
A monitoração do FMI iniciou-se em janeiro de 1983 palavra de ordem: "O povo não esquece, acabou o PDS".
e acabou por acentuar a tendência recessiva da economia
bra­sileira, em virtude da conten­ção salarial, da limita- Os comícios das Diretas
ção da base monetária e de outras iniciativas "ortodoxas", A cor amarela foi escolhida como símbolo da campa­nha
que redu­ziram drasticamente a taxa de investimen- das Diretas. Mais do que a mensagem de sabedoria que
tos. Simultanea­men­te à variação negativa do PIB, hou­ve muitos quiseram sustentar, tratava-se de uma forma de
aumento da inflação, que dobrou em relação a 1982. não deixar o vermelho das bandeiras de esquerda domi­
Até o final do regime militar, as medidas econômi- nar as praças e avenidas. Era possível ver um pouco de
cas visaram, fundamentalmente, obter financiamentos medo no semblante das pessoas. Nem mesmo as tradi-
que cobrissem os rombos da ba­lança de pagamentos e cionais palavras de ordem "Abaixo a ditadura" e "O povo
os ju­ros da dívida, expandir o volu­me de exportações e unido jamais será vencido" conseguiam dissipar o receio
conter o vo­lume de importações. Em 24 meses o gover- de uma brutal intervenção militar.
Durante a execução do Hino Nacional, grande parte
no emitiu sete cartas de intenções para o FMI sem lograr
dos presentes se debulhava em lágrimas. Nos anos da
cumprir nenhuma das metas nelas fixadas, o que revela
ditadura, acostumaram-se a ver o Hino tomado como
o descontrole da economia brasileira no período. Foi um
símbolo do regime militar. Cantá-lo em meio a mais de
fim melancólico para o regime que prometera colocar o
um milhão de pessoas como um ato de protesto tinha
país no Primeiro Mundo.
um indescritível sabor revolucionário.
Mesmo assim, as medidas ortodoxas implementa-
Ulysses Guimarães, o "Senhor Diretas", apesar de
das pelo último governo militar conse­guiram promover
muito respeitado, não conseguia empolgar a multidão.
o ajuste externo da economia brasileira, obtendo-se um
Também foi o caso de Tancredo Neves, Franco Montoro,
surpreendente su­perávit de 13 bilhões de dólares em Fernando Henrique e Dante de Oliveira.
1984. No entanto, o mesmo não ocorreu com a inflação, O povo vibrava com Lula e Brizola, que lembravam
que, ape­sar da recessão e do desempre­go, chegou a mais que a luta política tinha de aprofundar as mudanças
de 200% no ano de 1983 e a 250% em 1984. sociais no país. Apesar do amarelo, as bandeiras verme-
lhas destacavam-se na multidão.
A derrota parlamentar foi contornada com um acor-
Diretas Já! do entre o PMDB e setores dissidentes do partido gover-
A partir de então, o principal objetivo das oposições pas- nista. A composição, denominada Aliança Democrá-
sou a ser o restabelecimento das eleições diretas para tica , levou ao Colégio Eleitoral a chapa encabeçada
a presidência da República. O movimento denominado pelo governador licenciado de Minas Gerais, Tancredo
"Diretas Já!", que começou reunindo poucos milhares Neves, do PMDB, tendo como vice o senador pelo Mara-

228 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 228 18/05/16 09:41


nhão e ex-presidente do PDS, José Sarney. Pelo gover- lenta e gradual, como fora concebida pelo general Gol-
no disputaram a eleição indireta os deputados federais bery do Couto e Silva. A aliança com a dissidência do
Paulo Maluf e Flávio Marcílio, ambos do PDS, sendo der- PDS, esta autodenominada Frente Liberal, permitiu
rotados por mais de 70% dos votos em janeiro de 1985. que ativos colaboradores do regime militar permane-
A vitória do PMDB no Colégio Eleitoral não alte- cessem nos bastidores do poder, autoproclamando-se
rou o ritmo da transição democrática, que permaneceu "guardiões da democracia".

DANIEL AUGUSTO JR./OLHAR IMAGEM


Comício das Eleições Diretas. Belo Horizonte, Minas Gerais, 1984.

Tancredo Neves

ABRIL IMAGENS, SÃO PAULO, BRASIL


Em 15 de janeiro de 1985, era escolhido o primeiro pre-
sidente civil do país depois de mais de vinte anos de
ditadura militar. Apesar das pressões populares, preva-
leceu o pacto das elites e as regras definidas pelos mili-
tares. O objetivo era adiar o inevitável debate político
que uma eleição presidencial suscitaria e afastar, mais
uma vez, o risco de uma vitória de Leonel Brizola, temi-
do desde os agora longínquos governos de JK, Jânio e
Jango. A participação no Colégio Eleitoral voltou a divi-
dir as oposições. Embora não participassem da Alian-
ça Democrática, os parlamentares do PDT votaram na
chapa Tancredo-Sarney. A direção nacional do PT deter-
minou o não comparecimento de seus oito deputados
federais. Mesmo assim, Aírton Soares, Bete Mendes e
Lysâneas Maciel não seguiram o partido e votaram na Vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Brasília, 15
chapa da transição democrática. Foram expulsos do PT. de janeiro de 1985.

O crepúsculo dos deuses 229

OH_V3_Book.indb 229 18/05/16 09:41


Um Outro Olhar Sociologia
PARA UMA NOVA TEORIA DA DEMOCRACIA
Nas sociedades contemporâneas, o termo "democra- Este máximo não é uma quantidade fixa, é uma relação
cia" funciona como um conceito regulador e classifica- social. [...]
dor. Externamente, é utilizado para avaliar (e valorizar) A renovação da teoria democrática assenta, antes de
regimes e sociedades na América Latina, na Europa, no mais, na formulação de critérios democráticos de participa-
Oriente Médio e na Ásia. Internamente, no Brasil, discute- ção política que não se confinem ao ato de votar. Implica,
-se frequentemente o aprimoramento das instituições pois, uma articulação entre democracia representativa e
políticas, maior controle da população sobre os seus democracia participativa. Para que tal articulação seja pos-
representantes, a questão da corrupção etc. sível é, contudo, necessário que o campo do político seja
Leia o texto abaixo com atenção e depois responda às radicalmente redefinido e ampliado. [...]
questões propostas. A nova teoria democrática deverá proceder à repoli-
“O capitalismo não é criticável por não ser democráti- tização global da prática social e o campo político imen-
co, mas por não ser suficientemente democrático. Sempre so que daí resultará permitirá desocultar formas novas
que o princípio do Estado e o princípio do mercado encon- de opressão e de dominação, ao mesmo tempo que criará
traram um modus vivendi na democracia representati- novas oportunidades para o exercício de novas formas de
va, esta significou uma conquista das classes trabalhado- democracia e de cidadania.”
ras, mesmo que apresentada socialmente como concessão SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice. O social e o político na
que lhes foi feita pelas classes dominantes. A democracia pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1999. p. 270-271.
representativa é, pois, uma positividade e como tal deve Boaventura de Sousa Santos(1940-) é sociólogo, professor
ser apropriada pelo campo social da emancipação. catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de
A democracia representativa constituiu até agora o Coimbra (Portugal), e um dos mais respeitados intelectuais
máximo de consciência política possível do capitalismo. contemporâneos.
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Identifique o que o autor entende por democracia ampliados e redefinidos? Justifique.


representativa e democracia participativa. → DL/CF/H24 → DL/CF/CA/H23/H24/H25
2 O autor sustenta que o capitalismo seja antidemocrá- 5 Enumere três problemas no Brasil de hoje que entra-
tico? Justifique sua resposta. → DL/CF/H23/H24 vam o aperfeiçoamento da democracia.
3 Como o autor relaciona cidadania e democracia em → DL/CF/H23/H24/H25
sua proposta de uma nova teoria democrática? 6 Apresente propostas para a resolução dos problemas
→ DL/CF/H23/H24 enumerados por você na questão 5.
4 Esse texto foi escrito em 1999. Em sua opinião, quais → DL/CF/SP/CA/EP/H23/H24/H25
seriam os espaços do campo político que foram

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 O que significa anistia política e quais as diferenças 4 Quais foram os partidos criados em 1980 e que
entre a proposta da oposição e a lei aprovada pelo setores representavam? → DL/SP/H9/H11
governo em 1979? → DL/CF/SP/H8 5 Quais eram as características da economia brasilei-
2 Quais eram as características do novo sindicalismo ra no início da década de 1980? → DL/SP
surgido ao final da década de 1970? → DL/SP/H9 6 A transição, a partir da derrota da emenda Dante de
3 Em que medida a participação dos trabalhadores Oliveira, tornou-se um pacto das elites. Isso é novo
no processo político a partir do final da década em se tratando da história brasileira? Justifique sua
de 1970 diferia da registrada durante a República resposta. → DL/CF/SP/H9/H11
Populista? → DL/SP/H9/H11

230 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 230 18/05/16 09:41


3 No horizonte
do Brasil

C
omparada a outros regimes latino-americanos, a ditadura no Brasil não
foi a mais sangrenta. No entanto, o autoritarismo ficou alojado nas estru-
turas sociais e políticas do país. A remoção do "entulho autoritário" foi
tarefa do primeiro governo civil, e até hoje não foi completamente concluída.
Em 15 de março de 1985, data da posse do novo presidente, o país foi infor-
mado de que Tancredo Neves fora internado às pressas em um hospital de Bra-
sília. José Sarney subiu a rampa do Palácio do Planalto e recebeu a faixa presi-
dencial. Significativo. Durante a ditadura, o ex-presidente do PDS, ex-governador
e ex-senador da Arena aprendera bem o percurso, realizado diversas vezes em
busca dos gabinetes do poder militar. Era acompanhado por antigos colaborado-
res do regime, como Antônio Carlos Magalhães e Marco Maciel, e pelos principais
representantes da oposição, como Ulysses Guimarães e Franco Montoro.
Em 21 de abril, data da morte de Tiradentes, morria o mineiro Tancredo
Neves, logo transformado em ídolo pelo PMDB e em santo milagreiro pela cren-
ça popular. Milhões de pessoas saíram às ruas para acompanhar o cortejo fúne-
bre em São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e São João del Rei, sua cidade natal.
Em muitas faixas empunhadas pelos manifestantes lia-se a frase: "Nós não
vamos nos dispersar".
Sem respaldo popular, cercado de desconfianças dos oposicionistas e con-
duzindo uma coalizão política extremamente heterogênea, num contexto de
Fisiologismo: clien-
telismo, prática de acentuada crise econômica, o governo Sarney pautou-se pelo imobilismo e pelo
favorecimento a apa- fisiologismo. A oposição petista e pedetista não perdoava: "O povo não esquece,
drinhados, utilização
indevida de postos e Sarney é PDS" e "Sarney não dá, diretas já".
recursos públicos. Por outro lado, o estabelecimento de uma ordem democrática impunha a
elaboração de uma nova Carta constitucional em substituição à legislação do
regime autoritário. Para tanto, foram delegados poderes constituintes ao Con-
gresso Nacional, renovado pelas eleições de 1986. Em 1985, uma complacente
legislação havia permitido a livre criação partidária, que tirou da clandestinida-
de o PCB e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), propiciando o surgimen-
Fonte: Elaborado com base em A dívida externa to de um grande número de legendas, muitas de reduzida expressão política.
e a fome. In: Programa Educativo Dívida Externa
(Pedex). p. 5.
A+ COMUNICAÇÃO

INFLAÇÃO E DÍVIDA EXTERNA BRASILEIRA: 1985 a 1989


121,1
111 113,4 115 6 moedas diferentes
105,1 Inflação desde 1981

1 973%
Dívida externa em
bilhões de dólares 36 850 000%
de inflação acumulada
durante a década de 1980
JACQUES LEPINE/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

O FMI, Fundo
Monetário 2 477%: maior
Internacional, inflação anual (1993)
980%
363% sempre foi o 1,6%: menor
242% principal credor inflação anual (1998)
79% do governo
brasileiro 5,84%:
1985 1986 1987 1988 1989 inflação de 2012

No horizonte do Brasil 231

OH_V3_Book.indb 231 18/05/16 09:41


O Plano Cruzado A Constituição de 1988
e a Constituinte "De maneira resumida seria possível destacar duas
Para conter a corrida inflacionária, em fevereiro de características marcantes da Constituição de 1988.
1986 foi implementado o Plano Cruzado, que estabele- De uma parte, ela tendeu ao aumento da regulamen-
tação da esfera das relações de trabalho e da prote-
cia o congelamento dos preços e promovia uma reforma
ção social. De outra, ela consagrou a transição do sis-
monetária. Inflação zero e aumento real de salários de
tema de representação sindical de um modelo corpo-
cerca de 8% foram decisivos para que o plano obtives-
rativista estatal para um modelo neocorporativista.
se a aprovação da população brasileira, que, entre lágri- Desta forma, pelo menos no capítulo dos direi-
mas de economistas e discursos de consumidores con- tos sociais, a Carta Constitucional afastou-se léguas
tra remarcações indevidas, virou "fiscal do Sarney". No do receituário neoliberal, que vem prescrevendo,
entanto, por motivações político-eleitorais, a flexibiliza- no país e no exterior, medidas que permitam a fle-
ção do congelamento foi adiada ao máximo, o que con- xibilização das relações trabalhistas formalizadas,
tribuiu para o fracasso do plano já no final de 1986. a diminuição do controle sindical e, quando possí-
O primeiro semestre de 1987 assistiu ao retorno vel, a redução da proteção social. No plano das nor-
da crise econômica e financeira. Em fevereiro, o país mas legais, o novo marco constitucional da ques-
anunciou a suspensão do pagamento dos juros da dívi- tão social amplia o escopo da proteção social […],
da externa. A volta da inflação e as medidas amargas de aumenta a regulação das relações de trabalho e cria
condições para o fortalecimento da representação
contenção do consumo rapidamente atingiram a popu-
sindical corporativista."
laridade de Sarney e da Nova República. Acossado pela
ALMEIDA, M. H. T. de. "Direitos sociais, organização
opinião pública, o presidente buscou apoio político para de interesses e corporativismo no Brasil".
seu governo nos setores mais conservadores do Congres- In: Novos Estudos Cebrap, n. 25. p. 59.
so Nacional. Isso trouxe consequências nefastas para as

PAULA SIMAS/OLHAR IMAGEM


novas tentativas de ajustes econômicos que ainda iriam
ser implementadas (Plano Bresser, de junho de 1987, e
Plano Verão, de janeiro de 1989).
Quaisquer iniciativas de contenção dos gastos
públicos esbarrariam nas necessidades pragmáticas
de sustentação política, que ficaram celebrizadas pelo
slogan "… É dando que se recebe", proferido com convic-
ção por um deputado de São Paulo. O governo passou
então a administrar as taxas inflacionárias, sem promo-
ver ajustes estruturais na economia do país. A perma-
nência da inflação e da recessão, o desequilíbrio fiscal
e as indefinições a respeito da política de renegociação Promulgação da Constituição. Brasília, 1988.
da dívida externa foram extremamente negativos para
o regime democrático, que procurava se firmar. Demo-
cracia e crise econômica caminharam juntas, numa
década em que se acentuaram os graves problemas Centrão e progressistas
sociais brasileiros. Na Constituinte, tal divisão impediu a implementação
Reforçado pelo Plano Cruzado, que controlara a de um projeto peemedebista. Setores conservadores
inflação e parecera ter resolvido alguns dos mais graves articularam-se numa grande frente denominada Cen-
problemas nacionais, o PMDB saíra vitorioso das urnas trão, aglutinando parlamentares do Partido da Frente
em 1986. Com a maioria absoluta dos parlamentares e Liberal (PFL), do PMDB, PDS e PTB. Em minoria, a ban-
com a quase totalidade dos governadores, o antigo par- cada progressista era composta por membros do PMDB,
tido oposicionista tinha em suas mãos o destino político PT, PDT, Partido Socialista Brasileiro (PSB), PCB e PC do
do Brasil. No entanto, dividido em termos ideológicos e B. O PMDB, o maior partido do Brasil, estava dividido.
inchado pelo ingresso de políticos recém-saídos do PDS, Em 1988, o país ganhou sua nova Constituição,
o PMDB estava controlado por conservadores. e o PMDB sofreu sua mais importante baixa, quando

232 Capítulo 8  A esperança equilibrista

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um grupo de parlamentares de centro-esquerda, lide- representante dos "descamisados", Collor conseguiu
rado pelos senadores Mário Covas, Fernando Henri- vencer as eleições. Antes dele, o último presidente elei-
que Cardoso e José Richa, e pelo ex-governador de São to havia sido Jânio Quadros (1960-1961), que prome-
Paulo, André Franco Montoro, deixou o partido para tera deixar a direita indignada e a esquerda perplexa.
formar o PSDB (Partido da Social Democracia Brasilei- A imagem de Collor procurou encarnar a moderni-
ra). Essa ruptura foi motivada pelo posicionamento da dade e a esperança de justiça social. Em março de 1990,
maior parte do PMDB em defesa do mandato de cinco o jovem presidente implementava o Plano Collor. Entre
anos para José Sarney, o que adiava as esperadas elei- outras medidas, estabeleceu o confisco por dezoito
ções diretas à presidência para 1989, e pelo alinha- meses de recursos depositados em contas bancárias e
mento do partido com os setores mais conservadores cadernetas de poupança, e o congelamento de preços. O
do Congresso. líder comunista Fidel Castro, que viera assistir à posse
de Collor, não se conteve ao saber das medidas: "Nem em
Cuba fizemos isso".
Collor Mas, no Brasil, os grupos dominantes não só permi-
O desgaste do PMDB junto à opinião pública ficou evi- tiram como até apoiaram as investidas de Collor sobre
dente em novembro de 1989, quando finalmente foram suas próprias contas bancárias. A expropriação feita
realizadas as primeiras eleições presidenciais em por um membro das elites era preferível ao "risco" de
quase trinta anos. Responsabilizado pela instabilidade uma expropriação realizada por um líder operário. Em
política do governo e pela grave crise econômica que compensação, Collor iniciou um amplo programa de
o país atravessava, o candidato peemedebista Ulysses privatização de empresas estatais e abertura da econo-
Guimarães, um dos mais importantes líderes da opo- mia brasileira ao capital internacional. A elite poderia,
sição durante os anos da ditadura, recebeu uma vota- a partir de então, desfilar pelo país em carros importa-
ção inexpressiva, amargando o sétimo lugar no primei- dos, deixando de lado as "carroças" nacionais.
ro turno eleitoral.
Dois candidatos conse­guiram canalizar as ex­pec­

EDITORA ABRIL - IMAGENS


tativas por mudanças no país: o jovem ex-governador
de Alagoas, Fernando Collor de Mello, e o líder operá-
rio, Luiz Inácio Lula da Silva, principal dirigente das
greves de 1978 a 1980 no ABC paulista.
Collor lançou-se por uma coligação partidária pra-
ticamente inexpressiva, capitaneada pelo recém-fun-
dado Partido da Renovação Nacional (PRN). Ex-inte-
grante do PDS, eleito governador pelo PMDB em 1986,
Collor recebeu inestimável ajuda de emissoras de televi-
são, que, além de garantir-lhe a necessária exposição na
mídia, promoveu intensa campanha contra seus adver-
sários. Lula conseguiu reunir a maior parte da esquerda
(PT, PSB e PC do B), animada pelos sucessos obtidos nas
eleições municipais de 1988.
No segundo turno das eleições, o Brasil viveu uma
impressionante polarização ideológica entre grupos de
direita e esquerda. Ao lado de Collor ficaram os rema-
nescentes do regime militar, os conservadores do PMDB
e a imensa maioria do empresariado e proprietários
de terras. Com Lula, além do PT, PSB e PC do B, estive-
ram PDT, PCB, PSDB e representantes dos movimentos
populares e de direitos civis.
Capa da revista Veja, edição 1 109, de 13 de dezembro
Apresentando-se como o "caçador de marajás" de 1989, com a reportagem "A batalha final para mudar o
– alusão a funcionários públicos de altos salários – e Brasil".

No horizonte do Brasil 233

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Ministério Collor
A+ COMUNICAÇÃO

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS de 1989 (% de votos)


Governando com uma pequena equipe de ministros
1.º turno 2.º Turno
de baixíssima expressão política, exceção feita a Celso
17,2 Fernando Collor*
53 Lafer, Adib Jatene, Sergio Rouanet e José Goldemberg,
16,5
30,5
Collor mantinha laços com os grupos incrustados no
11,5 poder desde 1964. Apresentava-se como uma espé-
15,4 8,9 47 cie de herói da "geração saúde". Fazia cooper, pilotava
jatos, dirigia carro de corrida, moto e jet ski. A ministra
Fernando Collor (PRN) Mário Covas (PSDB) *Após 2 anos de da Economia Zélia Cardoso de Mello e o ministro da
mandato, Collor
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) Paulo Maluf (PDS)
é substituído por Justiça Bernardo Cabral deixaram escapar à impren-
Leonel Brizola (PDT) Outros seu vice
Itamar Franco sa detalhes privados de seu caso amoroso. O criativo
Fonte: Elaborado com base em Boletins do Tribunal Superior Eleitoral. ministro do Trabalho, Antônio Rogério Magri, brindou
Faça o país com explicações surpreendentes. Sua esposa
Tá ligado?! em se
cadernu
o
foi flagrada em uma clínica veterinária transportando
sua cachorra dobermann, chamada Orca, com o carro
(Fuvest – adaptado) O presidente do Senado, José oficial do ministro. Indagado se aquele gesto não con-
Sarney (PMDB-AP), disse nesta segunda-feira [30/5]
figurava um uso indevido de bens públicos, o minis-
que o impeachment do ex-presidente Fernando Collor
de Mello foi apenas um “acidente” na história do tro filosofou: "A Orca é um ser humano como qualquer
Brasil. Sarney minimizou o episódio em que Collor, um de nós".
que atualmente é senador, teve seus direitos políticos
cassados pelo Congresso Nacional. "Eu não posso Impeachment
censurar os historiadores que foram encarregados de Em 1992, em um enredo dramático, Pedro Collor de
fazer a história. Mas acho que talvez esse episódio
seja apenas um acidente que não devia ter acontecido Mello, irmão do presidente, concedeu várias entrevis-
na história do Brasil", disse o presidente do Senado. tas à imprensa acusando Fernando Collor de farsan-
(Correio Braziliense, 30/05/2011). te, corrupto, imoral e usuário de drogas. Num país
Sobre o “episódio” mencionado na notícia acima, pode- onde as fronteiras entre o público e o privado não são
-se dizer acertadamente que foi um acontecimento claramente definidas, as críticas ao comportamen-
a) de grande impacto na história recente do Brasil e teve to administrativo do presidente não eram novas. A
efeitos negativos na trajetória política de Fernando
oposição, desde a campanha eleitoral, denunciava a
Collor, o que fez com que seus atuais se empenhassem
em desmerecer este episódio, tentando diminuir a farsa política montada em torno do candidato. Após a
importância que realmente teve. posse, denúncias de corrupção envolvendo o governo
b) nebuloso e pouco estudado pelos historiadores, inundavam os noticiários quase diaria­mente. Mesmo
que, em sua maioria, trataram de censurá-lo, assim, a credibilidade de Collor parecia não ser abala-
impedindo uma justa e equilibrada compreensão da. Ou melhor, sua falta de credibilidade era tolerada
dos fatos que o envolvem.
pela população.
c) acidental, na medida em que o impeachment
de Fernando Collor foi considerado ilegal pelo No entanto, quando as denúncias envolveram sua
Supremo Tribunal Federal, o que, aliás, possibilitou vida particular, a pretensa moralidade brasileira foi
seu posterior retorno à cena política nacional, atingida. A indignação tomou conta do país em 14 de
agora como senador. agosto, numa sexta-feira, ocasião em que, diante das
d) menor na história política recente do Brasil, o que câmeras de TV, visivelmente alterado, Collor pediu
permite tomar a censura em torno dele, promovida
aos brasileiros que se vestissem com as cores da ban-
oficialmente pelo Senado Federal, como um
episódio ainda menos significativo. deira brasileira no domingo, em sinal de apoio ao pre-
e) indesejado pela imensa maioria dos brasileiros, sidente. Desde as primeiras horas do dia 16 de agosto,
o que provocou uma onda de comoção popular e por todo o país, sem que tivesse havido condições de
permitiu o retorno triunfal de Fernando Collor à cena pla­nejamento e organização para qualquer ato públi-
política, sendo candidato conduzido por mais duas co, milhares de brasileiros saíram às ruas. De preto.
vezes ao segundo turno das eleições presidenciais.
Nos dias seguintes, jovens estudantes pintaram
→ DL/CF/SP/H2/H12/H13 o rosto de verde, amarelo e preto e tomaram as ruas
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.
e avenidas das principais cidades do país, exigindo a

234 Capítulo 8  A esperança equilibrista

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queda do presidente e ética na política. Após uma série nome alterado para real . Foi anunciado um amplo
de comícios, negociações e a abertura de uma Comissão programa de estabilização da economia, que pre-
Parlamentar de Inquérito (CPI), votou-se o impeach- via a elevação da taxa de juros e a redução do déficit
ment do pre­s i­d ente. Numa última cartada, Collor público com uma política de privatizações de empre-
renun­ciou à presidência antes de sua cassação. Mesmo sas estatais.
assim, teve seus direi­tos políticos suspensos por oito O sucesso do Plano Real embalou a campanha pre-
anos. O vice-presidente, Itamar Franco (PMDB), assu- sidencial de 1994. Fernando Henrique Cardoso lan-
miria o principal cargo da república que alguns, ironi- çou-se candidato numa aliança política entre o PSDB e
camente chamaram de "vice-presidencialista". o PFL. Para vice de sua chapa foi escolhido o senador
Marco Maciel. A vitória no primeiro turno não deixou
dúvidas sobre a aceitação do Plano Real. Mais uma vez
FABIANA FIGUEIREDO/ABRIL IMAGENS, SÃO PAULO, BRASIL

os candidatos da esquerda, Lula, pelo PT, e Brizola, pelo


PDT, não obtiveram êxito.
Em janeiro de 1995, Fernando Henrique subiu
a rampa do Palácio do Planalto como presidente da
República. Foi acompanhado por diversos representan-
tes do PFL, que já haviam feito o mesmo percurso nos
governos Sarney, Collor e Itamar. Aliás, considerando-
-se que o PFL (hoje DEM) constituiu-se de uma dissi-
dência do PDS, que era a continuação da Arena, que foi
formada principalmente pela UDN, percebe-se que os
efeitos do golpe de 1964 ainda hoje estão presentes na
política nacional. Os herdeiros de Carlos Lacerda con-
seguiram manter-se no poder.
Os primeiros anos do governo FHC foram marca-
dos por estabilidade monetária e queda da inflação.
Apesar do ritmo recessivo da economia, controlada e
Manifestação pró-impeachment de Fernando Collor. Parque
do Ibirapuera, São Paulo, 1992. limitada por uma excessiva alta dos juros, houve cres-
cimento da renda per capita e principalmente, pela
primeira vez em várias décadas, uma redistribuição
O Plano Real da renda nacional. Num país marcado pela mais per-
A montagem do governo Itamar Franco foi produto de versa desigualdade social do planeta – oitava econo-
uma série de acordos políticos entre os partidos que mia do mundo e um dos últimos em distribuição de
estiveram à frente da destituição de Collor. Mais uma renda –, a participação nos ganhos nacionais dos 50%
vez, o PT optou pela via oposicionista, seguido pelo mais pobres aumentou 1,2%, enquanto os 20% mais
PSB e partidos comunistas. No entanto, uma de suas ricos perderam 2,3%.
principais estrelas, a ex-prefeita de São Paulo, Luiza Insuficiente para resolver os desequilíbrios sociais
Erundina, aceitou participar como ministra do gover- brasileiros, a estabilidade do Plano Real conseguiu ator-
no Itamar. Para solucionar a situação, Erundina licen- doar a oposição. Dividido em grupos radicais e modera-
ciou-se do PT. dos, que estabeleciam uma duríssima disputa pelo con-
Outros partidos preferiram soluções diferentes. trole do partido, o PT oscilou entre denunciar os efeitos
PFL, PMDB, PSDB e Partido Progressista Reformador recessivos do programa econômico do governo e a vul-
(PPR) compuseram com Itamar um amplo governo de nerabilidade diante do capital estrangeiro e apresen-
coalizão. Até mesmo o PDT tinha um representante no tar alternativas político-econômicas para o país. O PDT
governo, o senador Maurício Correia. reduziu seu espaço de intervenção na mesma medi-
Em junho de 1994, o então ministro da Fazen- da da perda de popularidade de Leonel Brizola, abala-
da, Fernando Henrique Cardoso, anunciava à nação da pelas surpreendentes alianças que este promoveu:
mais um plano econômico, denominado Plano Real. apoiou Lula no segundo turno em 1989, apoiou Collor
A moeda brasileira foi equiparada ao dólar e teve seu na época do impeachment, aproximou-se do PT a partir

No horizonte do Brasil 235

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de 1995 e promoveu a entrada no PDT de diversos polí-
ticos que participaram da Arena e do PDS, como Jaime
Reeleição de FHC
Lerner e Francisco Rossi. Mas o empenho político do governo destinou-se à apro-
O primeiro governo FHC estabeleceu como meta vação de uma emenda constitucional que permitiria a
uma ampla série de reformas, com o objetivo de dimi- reeleição do presidente da República e dos governado-
nuir a participação do Estado na economia e, conse- res dos estados. A partir de uma forte ofensiva junto
quentemente, reduzir o déficit público. Uma avassala- aos grandes partidos nacionais (PMDB, PFL, PPB, PSDB
dora onda de privatizações atingiu diversas empresas e PTB), o governo conseguiu e obteve, em outubro de
estatais de setores considerados estratégicos à época 1998, uma nova vitória eleitoral. Contra a chapa FHC-
do regime populista e da ditadura militar: telecomuni- -Marco Maciel, apoiada pelo PPB, pelo PTB e pela maio-
cações, eletricidade e siderurgia. Nessa mesma pers- ria do PMDB, a oposição de esquerda lançou Lula como
pectiva neoliberal, o Brasil deu passos decisivos para candidato à presidência e Brizola como vice. Pela pri-
a integração com os países do Mercosul e a abertu- meira vez, os dois maiores partidos de oposição saíram
ra de sua economia a empresas europeias, asiáticas unidos desde o início numa disputa eleitoral.
e estadunidenses. Mesmo abalada por uma impressionante crise cam-
bial em 1998, a sociedade brasileira manteve seu apoio
Faça a FHC, que foi reeleito no primeiro turno. No entanto, o
Tá ligado?! em se
cadernu
o resultado das eleições não pode ser considerado total-
mente favorável ao governo. Nos estados, houve impor-
(Acafe-SC) Sobre os governos de Fernando Henrique
tantes vitórias de candidatos da oposição, principal-
Cardoso (1995-2002), todas as alternativas estão
corretas, exceto a: mente as de Olívio Dutra (PT), no Rio Grande do Sul,
Itamar Franco (PMDB), em Minas Gerais, e Anthony
a) Foi o primeiro presidente da República a exercer
dois mandatos consecutivos através de eleições Garotinho (PDT), no Rio de Janeiro. Em São Paulo, a
democráticas. vitória de Mário Covas (PSDB) só foi possível graças ao
b) Criação de um plano de estabilização econômica apoio de importantes lideranças de esquerda, realizan-
e de uma nova moeda, o real. do uma aproximação de setores do PSDB com setores
c) Em seu governo ocorreu a aprovação da Lei de do PT e do PSB.
Responsabilidade Fiscal, estabelecendo regras e Além disso, as eleições estaduais ativaram as
limites para a administração pública. lutas internas na base governista, excessivamente
d) Com o objetivo de supervisionar empresas ampla e heterogênea. Para garantir a governabilidade
privatizadas, o governo criou agências do país, FHC permitiu que o Legislativo Federal fosse
reguladoras, dentre elas a Aneel – Agência controlado pelos dois maiores partidos brasileiros da
Nacional de Energia Elétrica. época, o PMDB e o PFL, enquanto comandava o Execu-
→ DL/CF/SP/H24 tivo Federal com uma equipe composta em sua maio-
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9. ria por velhos companheiros de militância política e
amigos pessoais, muitos dos quais exilados e perse-
guidos pela ditadura militar. A ambiguidade do gover-
Tá na rede! no FHC foi sempre justificada pelos seus mais ardo-
rosos defensores pelas necessidades pragmáticas do
Dr. Drauzio Varella exercício do poder.
entrevista FHC Desde 1995, o ex-governador da Bahia e senador
Digite o endereço abaixo na Antônio Carlos Magalhães – o ACM, chamado de Toni-
barra do navegador de internet: nho Malvadeza por seus críticos e de Toninho Ternura
http://goo.gl/nezB9u. Você pode por seus aliados e afilhados – tornou-se uma espécie de
também tirar uma foto com eminência parda do governo brasileiro. Sua presença,
um aplicativo de QrCode para no mesmo campo político de líderes marcados pela luta
saber mais sobre o assunto. Dr. Drauzio Varella contra a ditadura – como, por exemplo, Franco Monto-
Acesso em: 30 abr. 2016. Em entrevista o ex-pre- ro, José Serra, Francisco Weffort – e propagandistas da
português. sidente Fernando
Henrique Cardoso.
modernização da política brasileira era, no mínimo,

236 Capítulo 8  A esperança equilibrista

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contraditória. Pareceu mesmo um casamento de conve- rios ao país. Enquanto o governo e a oposição viviam
niência repleto de traições. seus dilemas e limites políticos, a sociedade brasileira
Às ambiguidades e contradições do PT e dos demais apresentava índices alarmantes de desemprego, analfa-
partidos somavam-se as dificuldades da esquerda em betismo, desnutrição e violência. Se a esperança é equi-
ampliar seu leque de alianças e apresentar os progra- librista, como na canção de João Bosco e Aldir Blanc,
mas de transformações sociais e econômicas necessá- restava saber até quando o show podia continuar.
MARLENE BERGAMO/FOLHAPRESS

Presidente Fernando Henrique Cardoso sobe a rampa do Congresso Nacional, tendo à esquerda o presidente do Senado,
senador Antônio Carlos Magalhães, e à direita o vice-presidente, Marco Maciel, e o presidente da Câmara, deputado Michel
Temer. Congresso Nacional, Brasília (DF), 1999.

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Apesar da composição política denominada Aliança 3 Quais as consequências políticas do Plano Cruzado?
Democrática, os primeiros anos do governo Sarney → DL/SP
foram marcados por uma intensa polarização ideo- 4 Quais foram as principais medidas econômicas
lógica. implementadas por Collor? → DL/SP/H8
a) Descreva em termos político-partidários tal 5 Como as relações viciosas entre as esferas pública
situação. → DL/SP/H9 e privada no Brasil ficaram evidenciados no caso
b) Que espaço institucional foi privilegiado para do impeachment de Collor? → DL/CF/SP
tal confronto? → DL/SP 6 Acompanhando a política brasileira, você é capaz
c) Quais as consequências dessa polarização para de fornecer outros exemplos em que tais esferas se
a bancada governista? → DL/SP/H9 confundem? → DL/CF/SP
2 Em termos econômicos, qual era o principal pro- 7 Por que a República brasileira pode ser chamada de
blema a ser enfrentado por Sarney e que medidas vice-presidencialista em 1992? → DL/CF/SP
foram implementadas pelo Plano Cruzado? 8 Quais foram as principais características do Plano
→ DL/SP/H8 Real? → DL/SP/H8

No horizonte do Brasil 237

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4 We are the world

E
m março de 1985, quase o mundo inteiro ouvia a mesma canção: We
are the world, composta por Michael Jackson e Lionel Richie e grava-
da por 45 artistas estadunidenses. A gravação fazia parte do progra-
ma USA for Africa (Estados Unidos pela África) e pretendia arrecadar recur-
sos para países africanos. Calcula-se que a venda de discos e a divulgação do
videoclipe tenham arrecadado cerca de 55 milhões de dólares. Mais do que o
dinheiro, a canção tinha função simbólica: mostrava um mundo em que os
continentes estavam articulados, as ações tinham efeitos globais e era preci-
so superar muitas dificuldades políticas e sociais.
De fato, naquele momento, o mundo passava por profundas mudanças. A
América Latina libertava-se dos regimes militares e se democratizava. A União
Soviética passava por profunda reestruturação interna. Árabes e israelenses
reuniam-se e discutiam a paz no Oriente Médio. Os mais de quarenta anos de
Guerra Fria pareceram mesmo encerrar-se, em 1989, quando o Muro de Berlim
foi derrubado numa festa que reuniu alemães ocidentais e orientais. No ano
seguinte, o governo sul-africano libertou Nelson Mandela, em meio a um pro-
cesso que provocou o fim do regime segregacionista do apartheid.
Os primeiros versos de We are the world diziam: "There comes a time when
we hear a certain call / When the world must come together as one" (Chega a hora
em que ouvimos um certo apelo / Quando o mundo deve unir-se num só). As
décadas seguintes mostrariam que não houve essa união. Mas aqueles dias
pareciam concluir um ciclo bastante difícil e abrir um novo, e melhor, tempo.
SCHNÜRER/GLOW IMAGES

Alemães celebrando a abertura da fronteira entre Berlim ocidental e oriental, 10 de novembro de 1989.

238 Capítulo 8  A esperança equilibrista

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A queda do Muro de Berlim A África do Sul e o fim
No princípio da década de 1980, a União Soviética vivia do apartheid
uma crise profunda. Seu parque industrial estava ultra-
A União da África do Sul foi criada em 1910 com base em
passado e a produção, em queda. Os gastos militares –
uma composição política entre regiões dominadas pelos
que incluíam os programas espacial e nuclear – haviam
bôeres (descendentes dos antigos colonos holandeses
abalado significativamente os recursos nacionais. A
estabelecidos na região desde o século XVII) e por colonos
população enfrentava problemas sérios nos serviços
britânicos. Tratava-se de um Estado semi-independente
de água e de energia elétrica, além das dificuldades de
que continuava fazendo parte da Comunidade Britânica
obtenção de alguns alimentos. Em várias das repúbli-
de Nações e reconhecia a monarquia sediada em Londres.
cas soviéticas controladas política e militarmente pela
O regime de segregação racial seria oficializado
Rússia, surgiam manifestações nacionalistas. Os setores
em 1948, com a chegada ao poder do Partido Nacional.
conservador e reformista do Partido Comunista diver-
A África do Sul passou a desenvolver uma das políticas
giam quanto às mudanças a ser feitas. Pequenas refor-
de discriminação mais violentas que o mundo conhe-
mas, realizadas entre 1982 e 1985, foram insuficientes
ceu: o apartheid.
para alterar significativamente o cenário crítico.
O termo apartheid significa "desenvolvimento sepa-
Em 1985, Mikhail Gorbatchev (1931-), do grupo
rado". O governo sul-africano transformou tal separação
reformista, assumiu o poder. No início do ano seguinte,
em um elaborado sistema legal de segregação e estabele-
anunciou um conjunto amplo de mudanças: fim da cor-
cia a existência de quatro grupos: brancos, negros, mesti-
rida armamentista; revitalização da indústria; recons-
ços e asiáticos. O apartheid atingia a habitação, o empre-
trução (perestroika) da economia, a partir do estímulo à
go, a educação e os serviços públicos. Foi implantado para
iniciativa privada; nova política de relacionamento do
favorecer a permanência no poder da minoria branca.
Estado com a sociedade, marcada pelo redução da cen-
As leis do apartheid determinavam:
sura e pela transparência (glasnost) dos atos do poder
• negros não podiam ter participação política, ou
público. No mesmo ano, um grave acidente na usina
seja, eram proibidos de votar e serem eleitos;
nuclear de Chernobyl revelou o colapso por que passava
• negros não tinham direito à propriedade e eram
a União Soviética. A ampla divulgação dos efeitos mor-
obrigados a viver em terras reservadas; nas cida-
tais do acidente, por sua vez, mostrava que de fato a cen-
des habitariam bairros separados dos destinados
sura havia sido reduzida.
aos brancos;
A abertura política aumentou o espaço para as con-
• os casamentos mistos eram proibidos;
testações nacionalistas e estimulou movimentos separa-
• brancos e negros estavam proibidos de frequen-
tistas nas repúblicas. Gorbatchev ainda ampliou a dimen-
tar juntos qualquer estabelecimento comercial,
são de suas decisões, ao dar declarações bastante críticas
exceto se tivessem autorização especial;
sobre ações passadas do regime soviético e ao incentivar a
• os trabalhadores negros eram obrigados a obter
democratização no Leste europeu. Nos anos seguintes, os
autorização para circular nas zonas reservadas
governos comunistas da região foram, um a um, derruba-
aos brancos.
dos. Em 1991, o Pacto de Varsóvia, associação militar lide-
Louise Gubb/CORBIS SABA

rada pelos soviéticos, foi extinto. No final do ano, a Rússia


tornou-se independente das demais repúblicas, iniciando
um processo de fragmentação política. Gorbatchev renun-
ciou ao cargo e viu, nos meses seguintes, o total desmem-
bramento e o fim da União Soviética.
No dia 9 de novembro de 1989, em meio ao clima de
mudanças promovido pelas reformas de Gorbatchev, o
governo da Alemanha Oriental retirou a guarda do Muro
de Berlim. As populações do lado oriental e do lado oci-
dental da cidade precipitaram-se na direção da barreira
e, em clima de comemoração, a derrubaram. Caía o prin-
cipal símbolo da Guerra Fria. Nelson Mandela durante visita a uma escola. Johanesburgo,
África do Sul, 2000.

We are the world 239

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Em 1961, a África do Sul obteve sua independên- A indignação mundial levou diversos países a
cia completa e desligou-se da Coroa britânica. Daí em romper relações diplomáticas e econômicas com a
diante, a política do apartheid foi radicalizada. Outras África do Sul. A economia do país entrou em crise, por
leis aprovadas classificavam e separavam os negros em causa das sanções internacionais. Os protestos pros-
diversos grupos étnicos e linguísticos. Com essas leis seguiram nas ruas das principais cidades. Ao mesmo
foram criados, em 1971, Estados étnicos em terras reser- tempo, ampliavam-se os apoios ao movimento pela
vadas aos negros africanos. Esses territórios reservados, libertação do principal líder da luta contra o apartheid:
denominados bantustões, que significa "pátrias dos Nelson Mandela.
bantos", eram justamente as terras menos férteis e sem Isolado, o governo passou a adotar uma política de
riquezas minerais. Somente nos miseráveis bantustões reformas, com a subida ao poder de Frederik de Klerk,
os negros teriam direito a cidadania. em 1989. As reformas implantadas por De Klerk supri-
Nas grandes cidades os negros eram obrigados a miram as leis do apartheid, e novas organizações políti-
morar na periferia dos centros industriais, as townships. cas negras puderam atuar com liberdade. Foi nesse con-
Eram bairros enormes e pobres, sem transporte público, texto que Nelson Mandela seria libertado, em 1990, e o
sem os serviços básicos, como água encanada, eletrici- diálogo com o CNA, restabelecido.
dade ou asfalto. Os trabalhadores negros eram obrigados As reformas abriram espaço para as eleições livres
a usar passaporte para transitar nas áreas urbanas desti- e democráticas que se realizaram em 1994. Em maio
nados aos brancos. O governo estabeleceu o uso separa- desse ano, após 350 anos de dominação branca, a Áfri-
do de bibliotecas, parques, praias, transportes públicos. ca do Sul realizou eleições que conduziram Mandela à
A oposição ao regime segregacionista tomou corpo presidência. Pela primeira vez, todos os cidadãos sul-
na década de 1960, quando o Congresso Nacional Afri- -africanos, brancos e negros, puderam votar.
cano (CNA), uma organização negra fundada em 1912,
JH9_cap12_pg234
lançou uma campanha de desobediência civil.
JH9_cap12_pg234 Faça
Tá ligado?! em se
cadernu
o
MÁRIO YOSHIDA

ÁFRICA DO SUL À ÉPOCA DO APARTHEID (ENEM) "Tendo encarado a besta do passado olho
(1948-1990) ZIMBABWE
BI
Q
U
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no olho, tendo pedido e recebido perdão e tendo feito
M
ÇA E

SUDOESTE BOTSUANA
ZIMBABWE
M
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BI
Q
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correções, viremos agora a página – não para esquecê-
M
ÇA
AFRICANO
(Administrado pela
BOTSUANA
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O -lo, mas para não deixá-lo aprisionar-nos para sempre.
SUDOESTE
Avancemos em direção a um futuro glorioso de uma
África do Sul)
AFRICANO
(Administrado pela
África do Sul)
Windhoek Johannesburgo
Pretória
nova sociedade sul-africana, em que as pessoas
TRANSVAAL SUAZILÂNDIA

Windhoek Johannesburgo
Pretória valham não em razão de irrelevâncias biológicas ou de
TRANSVAALORANGE SUAZILÂNDIA
outros estranhos atributos, mas porque são pessoas de
NATAL
Kimberley
ORANGE valor infinito criadas à imagem de Deus."
LESOTO NATAL
Kimberley Durban

LESOTO
Desmond Tutu, no encerramento da
PROVÍNCIA DO CABO
Durban Comissão da Verdade na África do Sul.
PROVÍNCIA DO CABO
No texto, relaciona-se a consolidação da democracia
East London
Cidade na África do Sul à superação de um legado
do Cabo Porto Elisabeth
East London
Cidade a) populista, que favorecia a cooptação de
do Cabo Porto Elisabeth
ESCALA
dissidentes políticos.
0 265 530 km

0
ESCALA
265 530 km
b) totalitarista, que bloqueava o diálogo com os
movimentos sociais.
c) segregacionista, que impedia a universalização
Bantustões
Lebowa
da cidadania.
Venda
Bantustões
Ciskei
Venda
Kwandebele
Lebowa
d) estagnacionista, que disseminava a pauperização
Bophuthatswana Owa Owa social.
Ciskei Kwandebele
Transkei Divisão internacional
Bophuthatswana Owa Owa e) fundamentalista, que engendrava conflitos
Gazankulu Divisão de províncias
Transkei Divisão internacional
Kwazulu
Gazankulu
Áreas metropolitanas
Divisão de províncias
religiosos.
Kangwane
Kwazulu Áreas metropolitanas → DL/CF/SP/H12/H15
Kangwane
Fonte: Elaborado com base em CHRISTOPHER, A. J. The Atlas of → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
Changing South Africa. New York: Routledge, 2001.

240 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 240 18/05/16 09:41


Faixa de Gaza. Ele também previa a realização de novas
Israel e OLP rodadas de negociação, para definir a retirada israelen-
Israelenses e palestinos também pareciam buscar a paz se de áreas ocupadas e tratar da constituição de um
em 1993 quando, por meio da mediação do presiden- Estado Palestino.
te estadunidense Bill Clinton (1946-), Yitzhak Rabin A paz, no entanto, permaneceu distante do Orien-
(1922-1995), primeiro-ministro israelense, e Yasser te Médio. Grupos radicais judeus e palestinos – como o
Arafat (1929-2004), líder da OLP, celebraram um acor- Hamas – recusaram-se a aceitar os termos da negocia-
do e apertaram-se as mãos. O pacto determinava o reco- ção e mantiveram o conflito na região. O próprio Rabin
nhecimento do Estado de Israel pelos palestinos e a for- acabou assassinado, dois anos depois, por um jovem
mação de governo palestino autônomo na Cisjordânia e estudante judeu ortodoxo.

Arafat e Rabin
O aperto de mãos entre Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, tendo tenha estampado tal foto em sua primeira página. No Brasil,
Bill Clinton ao fundo, tornou-se uma das fotos mais divulgadas um periódico elaborou uma manchete perfeita, simples e pre-
no ano de 1993. Difícil imaginar um jornal no mundo que não cisa: "Eu sou, tu és".

Yitzhak Rabin, Bill Clinton e Yasser Arafat durante Acordo de Paz de Oslo, Casa Branca, Washington D.C., Estados
Unidos, 13 de setembro de 1993.

RON EDMONDS/AP PHOTO/GLOW IMAGES

Verificação de leitura 4 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Explique o que foram a perestroika e a glasnost. 3 O que era o apartheid? Aponte três de suas carac-
→ DL/SP/H8 terísticas. → DL/SP
2 Relacione a queda do Muro de Berlim com as 4 Caracterize o acordo de paz de 1993, entre Rabin e
mudanças realizadas por Gorbatchev. Arafat. → DL/SP/H7/H9
→ DL/SP/CA/H7/H8/H10/H13

We are the world 241

OH_V3_Book.indb 241 18/05/16 09:41


Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar
Leia os trechos da entrevista do cientista político José Luís Fiori e depois responda às questões propostas.

UTOPIA LIBERAL CHEGA À SUA FASE TOTALITÁRIA


"Não há fim das utopias, fim da modernidade nem fim das mo, e, no entanto, todos co­nhecem e deploram a história do
ideologias. Assiste-se hoje à realização da primeira das uto- stalinismo e do nazismo.
pias modernas, a liberal, que agora entra em sua fase totali- Liberalismo, socialismo e nacionalismo deram contribui-
tária, a exemplo do que aconteceu com o nacionalismo e com ções decisivas para a destruição dos antigos regimes e para
o comunismo, que degeneraram no nazismo e no stalinismo. a construção das bases ideológicas, políticas e materiais da
Fiori inclui o Brasil de Fernando Henrique Cardoso no face igualitária e libertária do mundo moderno. Mas foram
rol de países que estão na rota do liberalismo totalitário. Diz essas mesmas utopias que no século 20 deram lugar a regi-
também que o governo está hoje próximo do meio-fio e que, mes que a filósofa Hannah Arendt caracterizou como totalitá-
a longo prazo, FHC se tornará um personagem grotesco da rios. Regimes impostos em nome de axiomas simples e abs-
nossa história. [...] tratos, rigorosamente irreais, mas sustentados por constru-
Folha – O sr. vai sugerir no seminário uma tese algo ções teóricas aparentemente científicas e irrefutáveis, a par-
paradoxal de que o liberalismo, hoje triunfante no mundo, tir de ideias puras como 'classe', 'partido', 'nação' ou 'povo'.
apesar dos esboços de reação aqui e acolá, estaria entrando Pois bem, estamos começando a viver o que nos faltava: a
numa fase totalitária. Isso não soa como contradição em ter- fase totalitária do liberalismo. [...]
mos, liberalismo totalitário? Folha – Quais os sintomas que lhe permitem falar em
Fiori – O modelo de desenvolvimento capitalista da totalitarismo nesse último caso? Afinal, temos eleições, liber-
maior parte da Ásia era o único espaço de dissonância, dade de imprensa, democracia por toda a parte e aparente-
marcadamente mercantilista ou mesmo nacionalista, com mente cada vez mais.
relação ao modelo liberal anglo- Fiori – A ilusão de uma terceira onda democrática tem
-saxão de organização capitalis- Dissonância: dado lugar a uma rápida decepção, que aparece sob a forma
ta. Neste sentido, o fundamenta- discordância. de 'melancolia democrática'. A contrapartida liberal das
lismo liberal do FMI e do gover- Fundamentalismo: ideias utópicas e axiomáticas do nazismo e do stalinismo é
fanatismo.
no norte-americano, recentemen- a entronização de ideias como 'indivíduo racional', 'mercado
Axioma: premissa.
te aplicado à Ásia, deve ser reli- desregulado, competitivo e eficiente', 'Estado mínimo, etc.
do também na forma de uma cru- Com uma diferença fundamental: naqueles casos, foi essen-
zada asiática, ou de um ataque da utopia liberal ao último cial a presença de um poder político e policial de tipo nacio-
baluarte das forças hereges da utopia nacionalista. Para nal. O rolo compressor da utopia liberal não precisa disso. O
entender isso, é preciso levar em conta uma rea­lidade mais poder do capital vai dissolvendo o conteúdo substantivo da
ampla, que vem se consolidando depois do fim da URSS e vida política; os poderes executivos corrompem ou esvaziam
do bombardeio eletrônico de Bagdá. Pode-se falar no enrai- os poderes legislativos; os processos eleitorais se transfor-
zamento de um novo sistema político-ideológico de voca- mam numa competição empresarial ou num business como
ção global e totalitária. qualquer outro. O resto é purpurina que sobrou de carna-
Fala-se muito em fim das utopias, da modernidade etc. vais passados. Por isso Tony Blair pode propor ao sr. Clinton
Estamos no entanto em plena modernidade e sob a égide de a criação de uma 'internacional' de centro-esquerda, apesar
sua primeira utopia. É como se tivesse chegado a hora e a vez de suas ideias serem praticamente as mesmas de seus ante-
de viver o momento totalitário da última das utopias moder- cessores de direita."
nas: a utopia liberal. Parece, sim, uma contradição em ter- Folha de S.Paulo, 13 abr. 1998. p. 4.
mos, mas, no seu devido tempo, foi um completo contrassen-
so falar de totalitarismo comunista ou de nacional-socialis- José Luís Fiori,sociólogo e economista, é professor titular de
Economia Política no Instituto de Economia da UFRJ.
Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Quais são as características do discurso neoliberal? denunciadas por Fiori? → DL/CF/SP/H9


→ DL/CF/SP 3 Quais seriam as características da utopia liberal?
2 Quais são as características do autoritarismo liberal → DL/CF/SP

242 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 242 18/05/16 09:41


Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 Analise o trecho da canção de Cazuza e Frejat e o poema de Augusto de Campos. Leve em consideração o processo
político e social brasileiro, bem como o papel da cultura e da mobilização dos estudantes e intelectuais, na época
em que foram compostos.

Ideologia
Meu partido é um coração partido
E as minhas ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos […]
E aquele garoto que ia mudar o mundo
Frequenta agora as festas do grand monde
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia, eu quero uma pra viver.
Cazuza e Frejat, 1988. Augusto de Campos, 1985.
→ DL/CF/SP/H1/H4/H10/H11
2

PAULO CARUSO/FOLHA DE S.PAULO

Diretas Já, Paulo Caruso. Charge extraída do jornal Folha de S.Paulo, caderno Ilustrada, 24 de abril de 1984.

Analise a charge acima: mesmo aqueles que possuem uma pequena proprie-
a) Identifique o maior número possível de persona- dade sentem-se cidadãos de pleno direito.
gens retratados. → DL/CF/SP/H1 Na tradição política dos EUA, uma forma de incluir
b) Procure interpretar a posição que cada um ocupa socialmente os cidadãos é:
na charge. → DL/CF/SP/H1/H9/H11 a) submeter o indivíduo à proteção do governo.
c) Que mensagens você consegue perceber nessa b) hierarquizar os indivíduos segundo suas posses.
imagem? → DL/CF/SP/CA/H1/H9/H11 c) estimular a formação de propriedades comunais.
3 (Enem) Na democracia estadounidense, os cidadãos d) vincular democracia e possibilidades econômicas
são incluídos na sociedade pelo exercício pleno dos individuais.
direitos políticos e também pela ideia geral de direi- e) defender a obrigação de que todos os indivíduos
to de propriedade. Compete ao governo garantir que tenham propriedades.
esse direito não seja violado. Como consequência, → DL/CF/SP/H8/H9

Engenho e Arte 243

OH_V3_Book.indb 243 18/05/16 09:41


4 Com base nas fotos, compare o estilo e as condições a) o Brasil estava conseguindo manter uma distri-
políticas dos breves mandatos de Jânio Quadros e buição de renda e uma inflação equilibradas.
Fernando Collor de Mello. b) diminuíram as disparidades na distribuição de
renda no Brasil.
MARCOS GUIÃO/ANGULAR

c) a inflação alta não foi um instrumento concentra-


dor de renda.
d) o Brasil tem melhor distribuição de renda que os
Estados Unidos.
e) as classes pobres tiveram sua renda sensivelmen-
te diminuída, podendo a inflação ter funcionado
como instrumento transferidor de renda.
→ DL/SP
Jânio Quadros, 6 (Enem) "Colhe o Brasil, após esforço contínuo dila-
1987. tado no tempo, o que plantou no esforço da constru-
ção de sua inserção internacional. Há dois séculos for-
DANIEL JUNGMAN/ANGULAS

mularam-se os pilares da política externa. Teve o país


inteligência de longo prazo e cálculo de oportunidade
no mundo difuso da transição da hegemonia britânica
para o século americano. Engendrou concepções, con-
ceitos e teoria própria no século XIX, de José Bonifácio
ao Visconde do Rio Branco. Buscou autonomia decisó-
ria no século XX. As elites se interessaram, por meio de
calorosos debates, pelo destino do Brasil. O país emer-
giu, de Vargas aos militares, como ator responsável e
previsível nas ações externas do Estado. A mudança de
Fernando Collor
regime político para a democracia não alterou o prag-
de Mello, 1989.
matismo externo, mas o aperfeiçoou."
→ DL/CF/SP/H1/H9/H11
SARAIVA, J. F. S. "O lugar do Brasil e o silêncio do parlamento."
5 (Anhembi-Morumbi-SP) Analisando os dados das In: Correio Braziliense, Brasília, 28 maio 2009. (adaptado).
tabelas abaixo podemos dizer que no final do regime
Sob o ponto de vista da política externa brasileira no
militar (1964-1985):
século XX, conclui-se que:
DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO BRASIL a) o Brasil é um país periférico na ordem mundial,
devido às diferentes conjunturas de inserção
Ano internacional.
População
1960 1980 1983 1986 b) as possibilidades de fazer prevalecer ideias e
Pobres 12% 9% 8% 8% conceitos próprios, no que tange aos temas do
comércio internacional e dos países em desenvol-
Ricos 37% 46% 46% 48% vimento, são mínimas.
c) as brechas do sistema internacional não foram
DIFERENÇA DE RENDA ENTRE OS 20% MAIS bem aproveitadas para avançar posições voltadas
RICOS E OS 20% MAIS POBRES para a criação de uma área de cooperação e asso-
ciação integrada a seu entorno geográfico.
Estados Unidos 11 vezes
d) os grandes debates nacionais acerca da inserção
Brasil 32 vezes internacional do Brasil foram embasados pelas
elites do Império e da República por meio de con-
EVOLUÇÃO DA INFLAÇÃO ANUAL NO BRASIL sultas aos diversos setores da população.
e) a atuação do Brasil em termos de política exter-
Ano % na evidencia que o país tem capacidade decisó-
1962 52 ria própria, mesmo diante dos constrangimentos
1981 95 internacionais.
1983 211 → DL/SP/H9/H15
1986 224

244 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 244 18/05/16 09:41


7 Em 1965, em uma conferência da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), Che Guevara conclamava
os presentes a organizar "dois, três... muitos Vietnãs". Desde os anos 1960, Cuba tornou-se a base para a elaboração
de uma arte revolucionária, com cartazes de propaganda e campanhas de solidariedade contra o sistema capitalista
e em defesa dos movimentos de esquerda. Analise separadamente cada um dos cartazes abaixo e escreva um peque-
no resumo a respeito da situação política a que cada um se refere.

a) b)

OSPAAL

OSPAAL
Jornada Internacional de Solidariedade Capitalismo: Negação dos Direitos Humanos.
com a América Latina, Asela Pérez. Silk Rafael Enríquez. Silk screen, 1970.
screen, 1970.
→ DL/CF/SP/H1/H7/H9/H21 → DL/CF/SP/H1/H9/H21
c) d)
OSPAAL

OSPAAL

Dia de Solidariedade com o Povo da África Sandino Vive, Rafael Enríquez. Offset, 1984.
do Sul, Berta Abelenda. Offset, 1968.
→ DL/CF/SP/H1/H7/H21 → DL/CF/SP/H9/H21

Engenho e Arte 245

OH_V3_Book.indb 245 18/05/16 09:41


8 Observe estas fotos e escreva sobre as relações estabelecidas, no Brasil, entre o futebol e a política nos últimos
trinta anos. → DL/CF/SP/H1/H9/H21

JORGE ARAÚJO/FOLHA IMAGEM


O Globo

O capitão da seleção brasileira de futebol, Carlos Alberto, e Militantes pela anistia política abrem faixa por "anistia
o presidente Emílio Garrastazu Médici. Brasília (DF),1970. ampla, geral e irrestrita" nas arquibancadas do estádio
do Morumbi, junto à torcida Gaviões da Fiel, durante jogo
entre Corinthians e Santos. São Paulo, 1979.
Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

A vida dos outros Câmera


Durante a exibição do filme, sugerimos que você faça anota-
Diretor: Florian Henckel
DIVULGAÇÃO

ções sobre os seguintes itens:


von Donnersmarck
País: Alemanha • Como se organizavam os mecanismos de espionagem
Ano: 2006 e perseguição política.
• Como as transformações por que passa o personagem
do agente da Stasi são expressas por suas atitudes e
sua expressão facial.
• Qual é a reação do escritor, ao descobrir, após o fim da
A trama mostra a trajetória de um agente da Stasi, polí- Alemanha oriental, que havia sido alvo da espionagem
cia política da Alemanha Oriental, que deve espionar um da Stasi.
escritor, suspeito de ter vínculos com pessoas e países
do Ocidente. O agente acompanha o cotidiano do escri- Ação
tor por meses, até que se vê diante da necessidade de Elabore um texto sobre o seguinte tema: Controle e liberda-
tomar uma decisão importante. O filme ainda mostra o de política.
que acontece com a vida dos dois personagens principais Seu texto deverá abordar os seguintes aspectos:
depois da queda do Muro de Berlim. • Como o filme representa o panorama político da
Alemanha oriental e o funcionamento da polícia
Luzes
política;
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes • O medo de viver sob constante vigilância;
nos Procedimentos metodológicos da página 10. • A vida em liberdade e a ânsia por conhecer o pas-
Leia novamente os itens We are the world (p. 238) e A sado.
queda do Muro de Berlim (p. 239). Após a leitura:
• A importância da luta contra o autoritarismo.
• Caracterize o processo de reformas na União
→ DL/CF/SP/CA/EP/H2/H8/H11/H15/H22/H24
Soviética e seus efeitos nos países que viviam sob
influência soviética.
• Analise o significado simbólico da queda do Muro
de Berlim.

Estante • VIEIRA, E. A República brasileira (1964-1984). São Paulo: Moderna, 1985.

246 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 246 18/05/16 09:41


1 (Vunesp) "Um conjunto de normas mais ou → DL/SP/H9
menos semelhantes se impôs na Argentina após 3 (UFMG) Considerando-se a atuação dos par-
1976, no Uruguai e no Chile, depois de 1973, na tidos políticos no Brasil entre 1964 e 1984, é
Bolívia quase ininterruptamente, no Peru, de INCORRETO afirmar que:
1968 até 1979, no Equador, de 1971 a 1978".
a) o Movimento Democrático Brasileiro (MDB)
Clóvis Rossi
Radar
foi uma frente de oposição desde sua cria-
Assinale a alternativa que melhor expressa ção, nos anos 1960, até os anos mais duros
o conjunto de normas de exceção que mar- do Regime Militar, o que lhe rendeu perse-
caram a trajetória político-institucional dos guições e rígido controle.
países latino-americanos, indicados no texto. b) o Partido da Social Democracia Brasileira
a) Dissolução de partidos e sindicatos, com (PSDB) foi criado, no fim dos anos 1970,
objetivo de estabelecer uma nova ordem como opção para setores médios ansiosos
democrática e popular. pelo alinhamento à nova ordem mundial,
capitaneada pelo FMI e pelo neoliberalismo.
b) Domínio político das organizações guerri-
lheiras. c) o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) cria-
do no início dos anos 1980 teve sua legen-
c) Extinção dos partidos políticos, interven-
da disputada por diferentes seguidores de
ção nos sindicatos e suspensão das elei-
Vargas, mas, na prática, revelou-se distan-
ções diretas.
Faça te do trabalhismo histórico.
em se d) Política externa alinhada automatica-
cadernu d) a Aliança Renovadora Nacional (Arena),
o mente à União das Repúblicas Socialistas
criada nos anos 1960, foi um dos princi-
Soviéticas e ao bloco do Leste.
→ conforme pais esteios do Regime Militar, susten-
tabelas das
e) Formação de uma frente parlamentar, para tando até atos que atentavam contra a
páginas 8 e 9.
revisão constitucional. liberdade do próprio Parlamento.
→ DL/SP/H8 → DL/SP/H8
2 (Cesgranrio-RJ) As tensões na América Central,
Tá na rede! no final dos anos 1970, podem ser exemplifica-
4 (PUC-BA) Em poucos anos, entre 1986 e 1990,
o Brasil assistiu a planos econômicos, ajus-
QUESTÕES das através da: tes, alterações e complementações nas políti-
DE ENEM a) Revolução no Haiti de 1979, quando a cas monetária, fiscal, salarial e cambial. Esses
Digite o endereço Frente de Libertação Nacional, aliada às Planos e medidas tinham sempre o objetivo de:
abaixo na barra minorias negras, coloca no poder os repre- a) o controle da dívida externa, intensa cam-
do navegador de sentantes dos setores militares nacionalis-
internet: http://goo. panha para amenizar os problemas sociais,
tas, e da Revolução Hondurenha. a modernização do Estado.
gl/xog0Jb. Você
pode também tirar b) Revolução Nicaraguense de 1978, e da b) a estabilização da economia por contro-
uma foto com um Guerra Civil Salvadorenha de 1980, que le da inflação, a renegociação da dívi-
aplicativo de QrCode coloca no poder, sob a tutela da URSS, os da externa e a retomada do crescimento
para saber mais sobre partidários da Frente Farabundo Martí de
o assunto. Acesso em:
autossustentado.
Libertação Nacional.
4 abr. 2016. c) a reforma administrativa, o controle do
c) Revolução Nicaraguense de 1978, que déficit público e a contração da demanda.
coloca a Frente Sandinista de Libertação
d) o aumento do consumo, o saneamento
Nacional no poder após a queda de Somoza,
das contas públicas e a retomada do cres-
e da Guerra Civil Salvadorenha de 1980.
cimento.
d) Revolução Cubana que institucionaliza
e) a reforma administrativa, o programa de
o socialismo após a derrota de Fulgêncio
privatizações, um projeto de desregula-
Batista e da Revolução Nicaraguense.
mentação e liberalização da economia.
Página dedicada a e) Revolução Cubana que promove a implan-
questões já aplica- tação do socialismo na América Latina atra- → DL/SP/H8
das em provas do vés do mito Che Guevara e da Revolução
ENEM. Busque exer-
cícios sobre os temas Antilhana.
desenvolvidos neste
capítulo.

Radar 247

OH_V3_Book.indb 247 18/05/16 09:41


5 (UERJ) O balanço das privatizações b) Trata-se de uma política de segregação racial
que previa uma lenta incorporação da população
"O que o governo diz: Dinheiro arrecadado + dívidas
negra às atividades políticas do país.
transferidas = 85,2 bilhões de reais
c) Trata-se de uma política de integração racial
As contas que o governo esconde: Dinheiro que não baseada na perspectiva ideológica da mestiça-
entrou nos cofres do governo ou que saiu deles = 87,6 gem cultural entre as diversas etnias negras.
bilhões de reais" d) Trata-se de uma política de segregação racial que
propunha a eliminação gradual da minoria negra,
Adaptado de BIONDI, Aloysio. O Brasil privatizado. como forma de garantir a dominação branca.
São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.
e) Trata-se de uma política de segregação racial que
Os dados apresentados referem-se ao processo de excluía negros e asiáticos da participação política
privatizações no Brasil, nos anos 1990. A expansão e restringia até mesmo a sua circulação pelo país.
desse processo, em escala global, como parte das → DL/H8
políticas neoliberais, é decorrente da relação entre:
8 (UFU-MG) A respeito do panorama político no Brasil
a) falência das empresas estatais e endividamento
na década de 1990, assinale a alternativa correta.
do Estado.
a) O segundo mandato de Fernando Henrique
b) especialização produtiva e flexibilização da legis-
Cardoso, iniciado em 1998, foi obtido em fun-
lação trabalhista.
ção de sua grande aprovação popular, tendo em
c) manutenção do sistema previdenciário e cresci- vista o sucesso do Plano Real, que fez diminuir os
mento dos gastos públicos. índices de desemprego e aumentar a distribuição
d) expansão dos conglomerados internacionais e de renda. Ao defender o monopólio nacional do
desregulamentação econômica. petróleo e das telecomunicações, o governo FHC
→ DL/SP/H9 conseguiu interromper o crescimento das esquer-
das, derrotadas nas eleições de 2000.
6 (Fuvest-SP) Nos últimos 20 anos, houve mudanças
b) A eleição de Fernando Henrique Cardoso em
socioeconômicas significativas no Brasil. Entre elas,
1994 representou a vitória da social-democra-
observa-se que:
cia no Brasil por meio do Plano Real, concebido
a) a produtividade agrícola avançou, mas não elimi- pelo PSDB, Partido Social Democrático do Brasil,
nou os movimentos sociais no campo. evitando assim uma aproximação do governo aos
b) o país entrou na era da globalização e a produção setores mais conservadores da política como o
industrial alcançou autonomia tecnológica. PFL, Partido da Frente Liberal.
c) as crises econômicas não foram superadas, mas c) Apesar de todo o discurso do presidente Collor
o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu continua- em defesa dos "descamisados" e da promessa de
mente. "caça aos marajás" do serviço público, a decep-
d) as políticas para o meio ambiente ocuparam o ção e a indignação da população, bem como o
centro da agenda governamental e suas metas envolvimento do presidente em esquemas de cor-
principais foram implementadas. rupção, foram marcas do primeiro governo eleito
e) o desemprego se agravou, mas as políticas públi- após o fim da ditadura.
cas compensaram seus efeitos negativos. d) A construção de imagens carismáticas dos gover-
nantes pela mídia e pela propaganda governamen-
→ DL/SP/H11
tal, na década de 1990, especialmente de Collor
7 (FGV-SP) De 1948 a 1991, vigorou na África do Sul o e de Itamar Franco, baseou-se na disseminação
regime denominado apartheid. A esse respeito é cor- do culto à modernidade e à democracia. Com a
reto afirmar: revalorização do princípio da ética na política, os
a) Trata-se de uma política de segregação racial que esquemas de corrupção, detectados no governo
excluía os negros da participação política, mas Collor, foram diminuindo nos governos seguintes.
lhes reservava o livre direito à propriedade da → DL/CF/SP/H23/H24
terra.

248 Capítulo 8  A esperança equilibrista

OH_V3_Book.indb 248 18/05/16 09:41


Capítulo

10
9 A globalização

DE OLHO nos

A
ll that jazz. O show não pode parar para a indústria do entre- Conceitos
tenimento estadunidense. O show deve ser um espetácu-
lo pirotécnico, capaz de deixar o mundo embasbacado. No • Biotecnologia
cinema, na Disneylândia, na política, na televisão, na ciência ou na • Biodiversidade
Broadway, o que conta é a tecnociência como espetáculo, efeitos, • Terrorismo
miragens. Um show que seduz os mais miseráveis habitantes do pla-
neta, que parecem sonhar em um dia serem integrados ao "mundo • Globalização
maravilhoso das compras". • Governabilidade
O espetáculo tornou-se coti- se torna mercadoria. O político que • Presidencialismo
diano em grande parte do planeta se candidata a um cargo eletivo, o de coalizão
– Las Vegas, cidade estadunidense novo modelo de celular ou a mos-
de shows e cassinos, é exemplo pri- tra de obras de um pintor famoso
vilegiado de uma tendência global. são propagandeados intensamente
Os meios de comunicação de massa e criam a ilusão de que se vive num
repetem exaustivamente imagens mundo meio mágico, em que o pas-
e ícones, criam celebridades, mis- sado pode ser moldado de todas as
turam o mundo da arte com o da formas e o futuro é condicionado ao
política e com o do consumo. Tudo avanço técnico.
Catherine Krulik/Cia. de Ética

Serviços de
internet disponíveis
na Oca Digital
instalada nos I
Jogos Mundiais
Indígenas, Palmas,
Tocantins, 2015.

249

OH_V3_Book.indb 249 18/05/16 09:41


1 Admirável Mundo Novo

N
um ensaio do início dos anos 1970, o escritor mexicano Octavio Paz

◀ ANOS
Tecnologia (1914-1998) relembrou um episódio curioso e instigante: a visita
e sociedade
de um hindu muçulmano a Londres, no final do século XVIII. Ele
Invenção do transistor, 1947 chamava-se Mirza Abu Taleb Khan e, de volta à sua terra, fez um relato de
tecnologia de processamento ▾
de impulsos elétricos em sua viagem e do que mais o impressionou:
grande velocidade.
Dois computadores na UCLA 1969 "Os ingleses têm opiniões muito estranhas a respeito do que é a perfei-
(Universidade da Califórnia, ▾ ção. Insistem que é um qualidade ideal e que é totalmente baseada na com-
Los Angeles) trocam dados no
primeiro teste da Arpanet, paração; dizem que a humanidade se elevou gradualmente do estado de
rede militar experimental selvageria à dignidade exaltada do filósofo Newton, mas que, longe de ter
de computadores.
alcançado a perfeição, é possível que em idades futuras os filósofos vejam
Fundação do Greenpeace, 1971
organização ligada à preservação ▾ os descobrimentos de Newton com o mesmo desdém com que vemos agora
do meio ambiente e ao o estado rústico das artes entre os selvagens."
desenvolvimento sustentável.
Invenção do microchip, Apud: PAZ, Octavio. Os filhos do barro. São Paulo: Cosac Naify, 2013. p. 28.
que permite a ampliação
da capacidade de O hindu fez, em poucas linhas, uma síntese precisa da modernidade no
processar informações.
Ocidente. Para Octavio Paz, Abu Taleb notou que nossa concepção de pro-
Surge o primeiro sistema de 1978
troca de mensagens entre ▾ gresso é ideal e relativa: acreditamos que o avanço da técnica e da tecno-
usuários de computador. logia seja irrefreável e, ao mesmo tempo, jamais nos sentimos satisfeitos,
É inaugurado em Brasília 1991 sempre esperamos por algo maior e melhor, por um futuro que nos redima.
o serviço de telefonia ▾
móvel celular. A crença na tecnologia não impede que ela também se torne ameaça-
Eco-92, no Rio de Janeiro. 1992 dora. De Frankenstein a Star Wars, a literatura e o cinema mostraram que
Conferência das Nações Unidas ▾
para o Meio Ambiente e o o domínio técnico pode gerar monstros. No livro de Mary Shelley (1797-
Desenvolvimento resulta em -1851), publicado em 1818, o Dr. Victor Frankenstein conta como criou,
tratados visando estabilizar a
concentração de gases do efeito em seu laboratório, uma criatura gigantesca, que depois escapou ao con-
estufa na atmosfera. trole do criador e passou a agir brutalmente. Na saga Star Wars, inicia-
Embratel lança, 1994 da em 1977, o incrível progresso tecnológico presta-se tanto àqueles que
em caráter experimental, o ▾
Serviço Internet Comercial. valorizam a vida e a liberdade, quanto aos que matam para impor um
Criada a ovelha Dolly, 1997 império totalitário.
clone nascido de uma ▾
única célula de uma ovelha. Antes e depois de Star Wars, o cinema explorou os temores das pessoas
Lançamento do principal 1998 perante a tecnologia e o futuro. O cineasta alemão Fritz Lang construiu em
site de buscas na internet. ▾
Metropolis, filme de 1927, uma denúncia da submissão e da alienação dos
É descoberto o vírus Melissa, 1999 homens num mundo de máquinas. Charlie Chaplin transformou a auto-
que infectou mais de um milhão ▾
de computadores em uma noite. mação humana numa comédia ácida em Tempos modernos (1936). Stan-
Lançamento do principal 2005 ley Kubrick alertou para a opressão das máquinas em 2001: uma odisseia
site de compartilhamento ▾
de vídeos na internet. no espaço, de 1968. Os riscos da engenharia genética foram mostrados em
A temperatura na superfície 2007 Blade Runner (1982), de Ridley Scott, que também ofereceu uma perspecti-
terrestre aumentou em média ▾
0,76 °C entre 1850 e 2005. va sombria do futuro, marcada pela degradação ambiental e pela violência.
A maior parte do aumento de
temperatura observado foi
A série Matrix, iniciada em 1999, associou o fascínio do desenvolvimento
causada por concentrações da informática e das formas da realidade virtual a uma artificialização da
crescentes de gases de efeito
estufa, emitidos por atividades vida e a animação Wall-e, de 2008, apresentou um mundo futuro terrível,
humanas como a queima repleto de lixo e poluição; os poucos humanos que sobreviveram haviam
de combustíveis fósseis e a
destruição de florestas. abandonado o planeta e agora vagavam pelo espaço numa nave controla-
da por máquinas.

250 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 250 18/05/16 09:41


A literatura também produziu representações ter- de invasão de privacidade e de vigilância à distância. O
ríveis do futuro mecânico. George Orwell (1903-1950), risco de ataques a computadores pessoais, corporativos
crítico ferrenho dos totalitarismos nazista e stalinista, ou vinculados a órgãos públicos provocou o surgimento
publicou, em 1949, o angustiante livro 1984. Para ele, o de uma imensa quantidade de aplicativos destinados à
mundo caminhava para a opressão total, para a supres- proteção de dados. Da mesma forma, o domínio e o acú-
são da liberdade, num cenário em que todas as informa- mulo de informações tornaram-se estratégias de contro-
ções eram manipuladas e as pessoas, ininterruptamen- le e geração de riqueza: num mundo em que tudo parece
te vigiadas e controladas. A perda da individualidade e a estar disponível para o consumo, um determinado dado
despersonalização já haviam sido, mais de duas décadas também é mercadoria, também tem seu preço.
antes, tema de Aldous Huxley (1894-1963), em Admirá- A biotecnologia associou-se à engenharia genéti-
vel mundo novo, de 1927: mulheres e homens circulavam ca e abriu caminho para novos controles da vida e do
numa sociedade perfeita, em que todos os procedimen- corpo. Em 1997, um grupo de cientistas da Escócia
tos eram padronizados e os comportamentos, homoge- divulgou a notícia de que havia conseguido criar um
neizados, sem direito a reclamações ou contestações. O mamífero a partir de uma célula adulta: a técnica da
fascinante progresso também ameaçava. clonagem permitia, por meio de reprodução assexua-
da e manipulação genética, o surgimento de um indiví-
duo idêntico ao portador da célula que o gerou. Quan-
Novas tecnologias do a notícia circulou, o animal – uma ovelha chamada
Nem todas as visões terríveis do futuro se confirmaram. Dolly – já tinha sete meses de vida. Dolly viveu sete
No entanto, as últimas décadas do século XX e as primei- anos, teve dois filhos por processos normais e sua vida
ras do século XXI alcançaram conquistas técnicas de efei- foi acompanhada atentamente por cientistas, que nota-
tos ambíguos e aplicações, em alguns casos, preocupan- ram, entre outros fatores, seu envelhecimento precoce.
tes. A informática e as redes de computadores facilitaram Depois dela, outros animais foram criados por meio de
o acesso à informação, mas também criaram mecanismos manipulação de genes.

História E Biotecnologia>> M
 anipulação genética
Uma das principais questões que a engenharia genéti- um risco alto demais, que envolve questões éticas, políti-
ca gerou e ainda gera é sua aplicação em seres humanos. cas e comerciais. Haverá um momento em que se deseja-
Diversos países têm hoje legislações que vedam a manipu- rá obter humanos com um só biótipo, com o planejamen-
lação genética de genes humanos. Entre as muitas preocu- to prévio do padrão corporal, da cor dos olhos e da pele,
pações que percorrem os debates, uma prevalece: quais do sexo e das habilidades motoras? Um regime fechado e
são os limites toleráveis e as aplicações da manipulação autoritário poderia empregar as ferramentas da engenha-
genética? Para alguns cientistas, é um caminho importante ria genética em suas estratégias de dominação? O corpo e
para desenvolver medicamentos e tratamentos para doen- a vida se transformarão definitivamente em mercadorias
ças hoje consideradas incuráveis. Para outros, corre-se controláveis e sujeitas às leis e necessidades do mercado?
CREATIVE COMMONS

Os dois camundongos
das extremidades foram
geneticamente modificados para
que carregassem uma proteína
verde fluorescente que brilha
verde sob luz azul, 2012.

Admirável Mundo Novo 251

OH_V3_Book.indb 251 18/05/16 09:41


O papel da internet Biodiversidade e sustentabilidade
Pela internet circulam bilhões e bilhões de informações As pesquisas e o desenvolvimento tecnológico não se
diariamente. É possível realizar pesquisas com facilida- prestam apenas à invenção de novos mecanismos e
de, trocar mensagens e dados, trabalhar à distância, rea- equipamentos; elas também devem reconhecer a bio-
lizar operações comerciais e muitas outras coisas. Mas diversidade, ou seja, a diversidade biológica do mundo
ela é também o espaço de atuação de hackers – espe- natural, que inclui plantas, animais e microrganismos.
cialistas em informática que, de forma lícita ou ilíci- Foi justamente essa variedade genética e biológica que
ta, penetram em sistemas alheios e obtêm informações. permitiu a adaptação e o desenvolvimento das diversas
Em alguns casos, a atividade desses "piratas" da inter- espécies, nos mais distintos locais e ecossistemas. Algu-
net gera resultados positivos: foi por meio da ação deles mas regiões do planeta, por suas condições naturais,
que se desenvolveram sistemas operacionais abertos e facilitam a diversificação das espécies. O Brasil é desses
gratuitos. Da mesma forma, hackers são contratados para locais: calcula-se que cerca de 20% das espécies conhe-
identificar possíveis falhas de segurança em sistemas e cidas estejam representadas aqui.
permitir sua correção rápida. Em outros casos, a pirata- O estudo da biodiversidade permite, por exemplo,
ria visa à obtenção de benefícios e lucros pessoais por a produção e o desenvolvimento de alimentos e medi-
meio do crime; por exemplo, com a violação de dados camentos, além de matérias primas para boa parte da
bancários e a transferência irregular de recursos finan- produção industrial. A utilização dos recursos naturais
ceiros. A ação dos hackers pode, ainda, produzir resulta- e a preservação da biodiversidade, no entanto, são con-
dos polêmicos. Em 2006, o australiano Julian Assange tinuamente ameaçadas por ações humanas de explora-
(1971-) fundou o Wikileaks, uma organização que divul- ção desregrada e agressão ambiental. Práticas e ações
ga informações e documentos de governos e empresas de sustentabilidade, como o replantio do que foi extraí-
privadas. As fontes são anônimas e, muitas vezes, obti- do ou o estímulo ao consumo controlado da água e de
das por meio da invasão de bases de dados. Algumas alimentos, facilitam a preservação e a continuidade das
pessoas consideram o Wikileaks uma importante forma fontes de recursos.
de denúncia política e social; para outros, é espionagem. Num mundo em que o petróleo e o carvão, altamen-
A internet também facilitou a divulgação de mani- te poluentes e degradantes do ambiente, continuam
festos políticos: o Exército Zapatista de Libertação Nacio- sendo bastante utilizados, buscam-se fontes de ener-
nal (EZLN), desde seu surgimento, em 1994, recorreu gia limpa e renovável, como a hidráulica e a eólica. A
à rede para divulgar suas ideias e estabelecer contatos preocupação com a biodiversidade e a sustentabilida-
com grupos simpatizantes dispersos pelo mundo. Na
de assume também um sentido social: avalia-se que, na
contramão, regimes autoritários e fechados, como os da
atualidade, cerca de 16% da população mundial consu-
China ou do Irã, preocupados com a divulgação, para o
mam quase 70% dos recursos disponíveis. A implan-
exterior, de informações internas, criaram mecanismos
tação de políticas de proteção ambiental e a superação
de controle rigoroso do acesso à internet. No entanto,
dos graves desníveis sociais podem contribuir para ate-
nem sempre a tentativa de impedir a livre manifestação
nuar esse quadro.
pela internet tem sucesso: em alguns países do Norte da
África e do Oriente médio, ela foi intensamente utilizada
ALBERTO CESAR – GREENPEACE/AP PHOTO

pelos rebeldes na chamada Primavera Árabe.


A internet permitiu a criação das chamadas redes
sociais: mecanismos de relacionamento e comunicação
rápida entre pessoas do mundo todo. Por meio deles,
bilhões de pessoas associam-se, estabelecem amizades e
manifestam-se publicamente. A quase ausência de con-
trole dessas manifestações permite a democratização do
direito à voz, mas, como ressaltou o semiólogo italiano
Umberto Eco, pode também facilitar a difusão de notí-
cias falsas e opiniões autoritárias ou equivocadas, daí a
necessidade de selecionar cuidadosamente as informa-
Áreas desmatadas da floresta amazônica preparadas para o
ções e verificar sua confiabilidade. plantio de soja. Amazônia, 2004. (vista aérea)

252 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 252 18/05/16 09:41


a conquista de direitos. No Brasil, por exemplo, a lei
Políticas do corpo Maria da Penha entrou em vigor em 2006, ampliando
Qual é o lugar do corpo num mundo em que tudo pode o rigor das punições contra crimes domésticos contra
se tornar espetáculo e mercadoria? Segundo a historia- mulheres. Também aumentou, nas últimas décadas,
dora Denise Bernuzzi de Sant’Anna, a presença de mulheres em cargos públicos e na dire-
"O corpo humano, derradeiro território a ser con- ção de grandes empresas. No que se refere aos direi-
quistado, desvendado e controlado, revela-se, assim, tos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e tran-
um campo preferido às experimentações da biotecno- sexuais), o Conselho Federal de Medicina deixou, em
logia e dos investimentos da economia de mercado, 1985, de definir a homossexualidade como patologia e,
justamente quando é fortalecido um paradoxo carac- em 2010, foi instituído o Dia Nacional do Combate à
terístico das sociedades industriais: por um lado, Homofobia. No ano seguinte, o Supremo Tribunal Fede-
tem-se o culto, a adoração, a valorização extremas ral reconheceu o direito de união estável entre pessoas
das aparências e da saúde; por outro, a fragmenta- do mesmo sexo e, em 2013, o Conselho Nacional de Jus-
ção do organismo e das terapias em expansão, a dis- tiça aprovou uma resolução que obrigava todos os car-
persão de células, genes e órgãos, além do comércio tórios do país a oficiar o casamento homoafetivo.
destes materiais em larga escala. Em suma, esta era No entanto, muitas pessoas continuam a sofrer per-
favorável aos cultos do corpo é também aquela que seguições e ataques em função de seu gênero ou orien-
facilita a sua manipulação e comercialização desen- tação sexual e as políticas públicas direcionadas aos
freada. O corpo pode fornecer mão de obra e também
setores LGBT continuam a ser insuficientes. Da mesma
matéria prima."
forma, a presença de mulheres em postos legislati-
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem.
vos, por exemplo, é desproporcional à sua presença na
São Paulo: Estação Liberdade, 2001. p. 76.
sociedade brasileira e a média salarial paga às mulhe-
A suposta perfeição da forma física é explorada nas res ainda é inferior à que é paga aos homens.
academias e nas clínicas estéticas, com a aplicação de
programas de preparação e modelação corporal ou com Faça
a realização de procedimentos cirúrgicos e terapêuticos. Tá ligado?! em se
cadernu
o
Ao mesmo tempo, é amplamente divulgada pela mídia,
que anuncia, por exemplo, como determinadas celebri- (Enem) "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.
dades conseguem atenuar os efeitos do envelhecimen- Nenhum destino biológico, psíquico, econômico
define a forma que a fêmea humana assume no
to físico, transformando-as em exemplos e modelos a
seio da sociedade; é o conjunto da civilização que
serem seguidos. Estimula-se, assim, o consumo maciço elabora esse produto intermediário entre o macho e
de bens associados à busca dessa perfeição física, faci- o castrado que qualificam o feminino."
lita-se a exposição e espetacularização dos corpos, que BEAUVOIR, S. O segundo sexo.
também são preparados para o trabalho produtivo e para Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
a geração de riquezas. Em tempos de globalização, o
Na década de 1960, a proposição de Simone de
corpo torna-se mercadoria. Beauvoir contribuiu para estruturar um movimento
Questão de gênero social que teve como marca o(a):
a) ação do Poder Judiciário para criminalizar a
Nos anos 1960, a francesa Simone de Beauvoir (1908-
violência sexual.
-1986) proclamou: " Ninguém nasce mulher: torna-se
b) pressão do Poder Legislativo para impedir a
mulher". Ela buscava revelar que a questão do sexo e
dupla jornada de trabalho.
do gênero não era uma determinação biológica. Beau-
c) organização de protestos públicos para garantir a
voir explorou mitos e estratégias de dominação que,
igualdade de gênero.
desde a infância, definiam as diferenças de gênero e
d) oposição de grupos religiosos para impedir os
impunham lugares e papéis sociais para homens e casamentos homoafetivos.
mulheres; ou seja, as pessoas tornavam-se homens ou
e) estabelecimento de políticas governamentais
mulheres a partir dos significados culturais que lhes para promover ações afirmativas.
eram atribuídos.
→ DL/CF/H24/H25
Mais de cinquenta anos depois, é possível atestar
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.
que os movimentos afirmativos de gêneros permitiram

Admirável Mundo Novo 253

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As transformações na família já ocorrera no Vietnã, não tinha campo de batalha.
Com bombardeios constantes e direcionados às gran-
A família tradicional alterou-se bastante no decorrer
des cidades, aos portos e áreas estratégicas iraquia-
do século XX. No País de Gales, por exemplo, o núme-
nas, os estadunidenses obtiveram uma vitória rápida:
ro de divórcios saltou de um em cada 58 casamentos, em
no final de fevereiro, as tropas iraquianas renderam-
1938, para um em cada 2,2 casamentos, em 1985. Meta-
-se e se retiraram do Iraque.
de dos partos na Suécia, em 1980, eram de mulheres
Em 40 dias de luta, morreram perto de cem mil
solteiras. Novas invenções, como os anticoncepcionais,
pessoas – a maioria civis –, confirmando uma terrí-
associadas a mudanças comportamentais e à redução da
vel tendência das guerras: na Primeira Guerra Mun-
interferência religiosa na vida privada transformaram
dial, apenas 15% dos mortos eram civis; na Segunda,
os comportamentos sexuais e sociais. Ao mesmo tempo,
essa porcentagem subiu para pouco mais de 50%; nos
ocorreram mudanças no papel das mulheres – inclusive
conflitos localizados do final do século XX, ela ultra-
sua inserção mais ativa no mercado de trabalho –, novas
passou 90%.
concepções educacionais e novas abordagens da infân-
Numa época em que tudo pode ser transformado
cia e das questões de gênero.
em espetáculo, a Guerra do Golfo foi transmitida, via
Nesse contexto, a família nuclear, idealizada como
satélite, para o mundo todo. Bilhões de pessoas acom-
estável e composta por mãe, pai e filhos, passou a con-
panharam, nas salas de suas casas, os ataques aéreos
viver com o que a psicanalista Maria Rita Kehl chama de
e a explosão contínua de bombas sobre Bagdá e outras
"família tentacular". Esse outro modelo familiar inclui,
áreas do Iraque. As imagens a serem divulgadas eram
por exemplo, filhos de casamentos desfeitos, irmãos
previamente controladas pelas autoridades estaduni-
não consanguíneos, mães e pais solteiros, crianças ado-
denses, para evitar a exposição da morte e do horror da
tadas em casamentos homoafetivos.
guerra. Quem assistia ao conflito pela televisão não via
os mortos, mas uma espécie de show bélico.
a nova ordem

BRAD RICKERBY-FILES/REUTERS/LATINSTOCK
A renovação tecnológica e os novos relacionamen-
tos pessoais, mediados ou não pela internet, acompa-
nharam a reorganização geoestratégica do mundo pós-
Guerra Fria. Para muitos, o fim da União Soviética daria
aos Estados Unidos plena hegemonia política e militar
sobre o planeta. O próprio governo estadunidense bus-
cou estabelecer essa liderança e o primeiro alvo do novo
intervencionismo estadunidense foi o Oriente Médio.
O Iraque, um dos principais produtores de petró-
leo, era governado há mais de vinte anos por Sad-
dam Hussein (1937-2006) e participara, entre 1980
e 1988, de uma violenta guerra contra o Irã, que con-
sumiu amplos recursos financeiros e comprometeu a
Ataque às Torres Gêmeas (World Trade Center). Nova York,
exploração petrolífera iraquiana. Hussein, nesse perío- Estados Unidos, 11 de setembro de 2001.
do, havia se aproximado do Kuwait e contraído dívida
estimada em mais de 10 bilhões de dólares. Em agosto
de 1990, tropas iraquianas invadiram o Kuwait, numa 11 de setembro
tentativa de pressionar o país vizinho a perdoar a dívi- A aparente hegemonia planetária dos Estados Unidos,
da e entregar campos de petróleo e portos importantes. juntamente com sua intervenção militar no Oriente
A Organização das Nações Unidas (ONU) reagiu à Médio, desencadeou reações de grupos terroristas, que
invasão e exigiu a retirada das tropas iraquianas. Hus- realizaram atentados contra representações diplomá-
sein não cedeu à pressão internacional e declarou a ticas e comerciais estadunidenses em diversas partes
anexação do Kuwait ao Iraque. No início de 1991, uma do mundo.
coalizão liderada pelos Estados Unidos atacou o Ira- O ataque mais violento, no entanto, ocorreu den-
que. Iniciava-se a primeira Guerra do Golfo que, como tro do próprio território dos Estados Unidos, no dia

254 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 254 18/05/16 09:41


11 de setembro de 2001. Terroristas islâmicos desvia- A avaliação foi precisa. Bin Laden só foi localiza-
ram quatro aviões comerciais de suas rotas. Dois deles do no Afeganistão e morto por forças dos Estados Uni-
foram lançados contra o World Trade Center, as Torres dos em 2011, dez anos depois do ataque às Torres
Gêmeas que ficavam na ilha de Manhattan, no centro Gêmeas. Durante todo esse período, a retórica oficial
de Nova York. O terceiro avião atingiu o Pentágono – estadunidense insistiu na necessidade de combater o
complexo estratégico-militar, em Washington D.C. – e o "Mal" representado pelos terroristas. Num jogo de espe-
quarto caiu na Pensilvânia, sem alcançar seu alvo, que lhos, Bin Laden e outros líderes do terrorismo islâmi-
talve fosse a Casa Branca. No total, quase 3 mil pessoas co nomeavam os Estados Unidos como o "Grande Satã".
morreram e mais de 6 mil ficaram feridas. Ao contrário do que alguns imaginaram, o fim da Guer-
A reação do governo estadunidense foi imediata. A ra Fria não havia eliminado os conflitos e estabelecido
organização Al-Qaeda, liderada por Osama Bin Laden uma só liderança planetária: ele abrira uma temporada
(1957-2011), foi responsabilizada pelo ataque e suas de constantes deslocamentos de forças, de incontáveis
bases de operação no Afeganistão foram atacadas. guerras localizadas e de tensão contínua.
A iniciativa bélica dos Estados Unidos no Afeganis- As ameaças terroristas e o instável cenário interna-
tão buscava liquidar a Al-Qaeda e seu líder, mas tam- cional no pós-11 de setembro provocaram mudanças sig-
bém pretendia demonstrar a mesma eficácia militar da nificativas. Dentro dos Estados Unidos e dos países que
Guerra do Iraque, dez anos antes, e confirmar a supre- os apoiaram, como Reino Unido, França e Itália, o con-
macia estadunidense. O governo afegão, que era contro- trole e a vigilância da sociedade se tornaram muito mais
lado pelo movimento fundamentalista islâmico Talibã rigorosos. Novas práticas foram adotadas pelas autori-
e dava proteção aos terroristas, foi derrubado em dois dades fronteiriças, foram instalados sistemas de escu-
meses, mas a Al-Qaeda continuou a operar na região.
ta e filmagem em pontos centrais das grandes cidades.
A caçada dos Estados Unidos a Bin Laden pelo
O Congresso estadunidense aprovou uma nova e dura
Oriente Médio e pela Ásia Meridional prosseguiu nos
legislação contra o terrorismo, mesmo diante do protes-
anos seguintes. No princípio de 2003, o governo ira-
to de organizações de defesa dos direitos humanos. Em
quiano de Saddam Hussein foi acusado, pelo presiden-
todo o Ocidente, cresceu um sentimento de aversão aos
te estadunidense George W. Bush (1946-), de colabo-
islâmicos, que passaram a ser vítimas de perseguições e
rar nos ataques de 11 de setembro e esconder armas
preconceitos, apesar de a maioria deles reiterarem sua
de destruição de massa. Sem comprovar as acusações,
rejeição a todo tipo de terrorismo.
tropas estadunidenses novamente invadiram o Iraque
Os discursos políticos voltados às questões exter-
e depuseram Hussein, que foi capturado, julgado e,
nas também ganharam força nas campanhas eleitorais
três anos depois, executado.
e atraíram a atenção dos eleitores. A propaganda visual
O controle e a propaganda (televisão, cinema, cartazes) explorou, principalmen-
Um mês depois do atentado de 11 de setembro, o semió- te nos Estados Unidos, os recentes conflitos internacio-
logo italiano Umberto Eco alertou: nais e instigou o nacionalismo. A globalização avançava
e junto com ela, paradoxalmente, ganhava força a sen-
"Por um lado, as operações de guerra [dos Esta-
sação de pertencer a uma comunidade nacional.
dos Unidos no Afeganistão] podem levar as mas-
sas fundamentalistas do Oriente a tomar o poder nos O neoliberalismo
vários Estados muçulmanos, e até naqueles que hoje
Antes que a ordem mundial do pós-Guerra Fria mostras-
apoiam os Estados Unidos; por outro lado, a inten-
se suas fissuras e o mundo imergisse num novo ciclo de
sificação dos atentados insustentáveis podem levar
as massas ocidentais a considerar o conjunto do Islã conflitos, o capitalismo mundial passou por mudanças
como o inimigo. Diante disso, teríamos o confronto profundas. Do final da Segunda Guerra Mundial até a
frontal, o Armagedon decisivo, o embate final entre as década de 1970, o comércio e a produção haviam cres-
forças do Bem e do Mal (e cada uma das partes con- cido bastante em todo o mundo capitalista. Os Estados
sideraria a outra como a do mal). Não é um cenário nacionais controlavam rigidamente as atividades eco-
impossível." nômicas, regravam o funcionamento dos mercados, tri-
ECO, Umberto. "Scenari de una guerra globale". La Repubblica, butavam as empresas e ofereciam, com níveis variados
15 out. 2001. Disponível em: http://goo.gl/t2nSPj. de eficácia, os serviços essenciais de saúde, educação,
Acesso em: 30 abr. 2016. (traduzido pelos autores)
saneamento público e moradia. Os sindicatos, em diá-

Admirável Mundo Novo 255

OH_V3_Book.indb 255 18/05/16 09:41


logo quase contínuo com os órgãos públicos e as asso- mo tinha, na sua opinião, superado os impasses e obs-
ciações patronais, valiam-se da legislação que protegia táculos dos tempos da Guerra Fria, atingido o ápice da
o trabalho e de seus mecanismos de mobilização para evolução econômica, política e social e estabelecido um
obter melhorias e conquistas salariais. padrão de organização para o mundo todo.
Na década de 1980, no entanto, ganhou força o dis-
Políticas governamentais
curso neoliberal, que, retomando e atualizando princí-
A ascensão do neoliberalismo foi marcada pela atua-
pios do pensamento econômico do século XIX, defen-
ção do presidente estadunidesne Ronald Reagan
dia a auto-regulação dos mercados, a flexibilização das
(1911-2004) e da primeira-ministra britânica Margaret
regras de atividade empresarial e a informalização das
Thatcher (1925-2013). A própria palavra neoliberalismo
relações de trabalho. Segundo alguns estudiosos, como
passou a ser associada às políticas econômicas desen-
Henri Pirenne, a mudança correspondeu a uma alter-
volvidas pelos dois líderes políticos. Reagan presidiu os
nância regular, dentro do capitalismo, entre fases de
Estados Unidos de 1981 a 1989 e reduziu drasticamente
regulação e fases de liberdade econômica. Além disso,
os encargos fiscais, estimulando as atividades das gran-
as novas possibilidades tecnológicas e estratégias de
des empresas e ampliando sua capacidade de lucro.
comunicação facilitaram a reorganização empresarial,
Thatcher foi a primeira mulher a liderar a Grã-Bretanha
provocaram inúmeras fusões e incorporações e geraram
e controlou o país entre 1979 e 1990. Ganhou o apelido
o aparecimento de grandes corporações, com atuação e
"Dama de Ferro" pelo rigor e severidade com que gover-
presença em quase todo o planeta.
nou e enfrentou os sindicatos e associações de trabalha-
Os gestores dessas megaempresas passaram a rea-
dores, restringindo o alcance da legislação trabalhista e
gir às altas tributações em determinados países e trans- levando adiante um amplo programa de privatização de
feriram diversos setores para outros locais, escapando empresas públicas.
também de legislações restritivas da exploração do tra- A influência britânica e estadunidense fez com que
balho e do respeito ao ambiente. Tornou-se comum, por as políticas e práticas neoliberais ganhassem força em
exemplo, grandes indústrias automobilísticas ou de ele- quase todos os países capitalistas. Na Europa continen-
trônicos manterem apenas sua sede administrativa no tal, Ásia, África e América Latina, quase todos os países
país de origem e deslocarem todo seu aparato produti- conheceram, nesse período, uma onda de privatizações
vo para regiões da África, da Ásia ou da América Lati- e desregulamentação financeira, abrindo-se ao ingres-
na, onde a mão de obra era mais farta e barata, o custo so da tecnologia e do capital estrangeiros, oferecendo
das instalações era reduzido e os juros pagos ao capital benefícios e vantagens fiscais para que conglomerados
investido, mais altos. Ou, então, transferiam-se parcelas transnacionais operassem dentro de suas fronteiras.
do processo de fabricação para outras empresas ("tercei-
rização"), em geral do exterior. Um dos resultados dessa Uma outra globalização?
política de globalização da produção foi uma significa- No final de 1999, foi realizada em Seattle, nos Esatdos
tiva alta do desemprego nos países ricos: nas duas últi- Unidos, a 3.ª Conferência Ministerial da Organização
mas décadas do século XX, os países da União Europeia Mundial do Comércio (OMC), órgão internacional vol-
cresceram economicamente entre 50 e 70%, enquanto tado a assuntos mercantis. Ela reunia representantes
o desemprego atingia níveis alarmantes e superava os dos principais países industrializados e tinha o objeti-
20 milhões de trabalhadores. vo de intensificar as negociações para a supressão de
barreiras e tarifas alfandegárias e, dessa forma, iniciar
De Berlim a Seattle um novo período no livre comércio global. O evento,
Alguns defensores do neoliberalismo sustentavam que no entanto, ficou marcado pela imensa manifestação
o processo de globalização provocado pelas novas práti- de grupos contrários à globalização. Ecologistas, estu-
cas empresariais permitiria um maior crescimento eco- dantes e sindicalistas, entre outros, protestaram con-
nômico mundial e contribuiria para a difusão planetá- tra o avanço das políticas neoliberais, questionaram
ria das novas tecnologias. O historiador estadunidense os danos ambientais provocados pela indústria, defen-
Francis Fukuyama (1952-) chegou a afirmar, em 1989, deram o respeito à soberania nacional e aos direitos
que o estágio alcançado pela democracia liberal, após sociais (educação, moradia, saúde) e de cidadania.
a queda do Muro de Berlim e as mudanças econômicas A polícia reprimiu com violência as manifestações
em curso, representava o "fim da história". O liberalis- e os confrontos tomaram conta da cidade estaduniden-

256 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 256 18/05/16 09:41


se. Os ativistas afirmavam um modelo de globalização e rechaçava, sob o lema "Um outro mundo é possível", os
distinto do que era alardeado pelos ministros que par- efeitos do neoliberalismo, que ampliava a concentração
ticipavam dos acordos comerciais. Muitos manifestan- de riquezas e eliminava históricas conquistas sociais.
tes propunham uma espécie de cidadania global como
forma de se defender da política econômica agressiva,
liderada pelas grandes empresas e pelos governos dos
Tá na rede!
países ricos.
A BATALHA DE SEATTLE
Dois anos depois, em Gênova (Itália), durante a reu-
Digite o endereço abaixo na barra
nião do G8 – grupo dos oito países mais industrializados –,
do navegador de internet: http://
novos protestos tomaram as ruas e desviaram a aten-
goo.gl/t6rTn1. Você pode também
ção do público do que acontecia dentro das salas de reu-
tirar uma foto com um aplicativo Contém entrevistas
niões. A partir de 2001, os críticos da globalização neo- de QrCode para saber mais sobre e depoimentos de
liberal passaram também a organizar anualmente seu o assunto. Acesso em: 30 abr. organizadores e par-
próprio evento de reflexão e debate, o Fórum Social Mun- ticipantes do movi-
2016. Em inglês.
mento.
dial. O primeiro deles ocorreu no Brasil, em Porto Alegre,
BOB EDME/AP PHOTO/GLOW IMAGES

Manifestação anticapitalismo com integrantes vestindo a máscara Anonymous. Paris, fevereiro de 2012.

A crise de 2008 e a eleição


bancos estadunidenses notificaram prejuízos bilioná-
de Barack Obama rios e um deles declarou falência, após o Federal Reser-
2008, último ano do período presidencial do republi- ve (banco central estadunidense) anunciar que não iria
cano George W. Bush, foi marcado por uma forte crise oferecer socorro financeiro. As demais instituições ban-
econômica. A ampliação excessiva do crédito, seguida cárias reduziram drasticamente o crédito, afetando a
de uma onda de inadimplências e da redução brusca produção industrial e produzindo queda significativa
dos valores praticados no mercado imobiliário, provo- no Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos e de
cou forte abalo no sistema bancário. Alguns dos maiores outros países do Ocidente.

Admirável Mundo Novo 257

OH_V3_Book.indb 257 18/05/16 09:41


Desde 1929, o capitalismo não passava por crise tos em infraestrutura e educação. A taxa de desemprego
tão forte. O governo estadunidense interveio em ins- subiu até outubro de 2009, quando atingiu 10%, e em
tituições financeiras e liberou cerca de 700 bilhões seguida caiu gradualmente. O PIB só retomou o cresci-
de dólares para evitar o colapso do sistema. Na União mento no terceiro trimestre daquele ano.
Europeia, medidas semelhantes foram adotadas, inter- Na política externa, o governo manteve os efetivos
rompendo o ciclo neoliberal de aposta na auto-regula- militares no Afeganistão, mas coordenou a retirada das
ção do mercado. tropas que lutavam no Iraque. Reeleito em 2012, Obama
iniciou um processo de reaproximação com Cuba e bus-
Obama presidente cou ampliar o comércio com os países da região do Pací-
No final de 2008, com a economia bastante desorgani- fico. Em 2015, assinou a Parceria Transpacífico, um
zada, os eleitores estadunidenses escolheram, para a amplo acordo de livre-comércio que envolve doze paí-
presidência, o democrata Barack Obama (1961-), candi- ses e desloca o eixo do comércio mundial.
dato da oposição. Com a vitória, Obama tornou-se o pri- As eleições presidenciais de 2016 apresentaram
meiro afro-americano a governar os Estados Unidos. uma divisão clara entre o Partido Republicano e o Parti-
Uma de suas principais iniciativas foi a proposição e do Democrata. Entre os republicanos, um dos postulan-
aprovação de um projeto de reforma da saúde, que uni- tes à candidatura presidencial foi o empresário Donald
versalizou o atendimento médico nos Estados Unidos. Trump, defensor de propostas bastante conservadoras
No plano econômico, tomou medidas para supe- no plano social e político. Os democratas, por sua vez,
rar as dificuldades trazidas pela crise: congelamento dividiram-se entre a pré-candidatura de Hillary Clinton,
dos salários mais altos do funcionalismo, aumento de moderada, e a de Bernie Sanders, que defendia avanços
impostos, redução dos gastos públicos e investimen- rápidos nas política sociais.
Stephen Azzato/NBC NewsWire

SCOTT OLSON/GETTY IMAGES


Barack Obama durante sua campanha pela indicação O presidente Barack Obama no palco com a primeira-
democrata. Chicago, Estados Unidos, 5 de fevereiro de -dama Michelle Obama, depois de seu discurso de vitória.
2008. Chicago, Estados Unidos, 6 de novembro de 2012.

Um mundo em tensão em várias partes do mundo, junto com o desperdício de


Na segunda década do século XXI, não é possível sonhar água, a poluição atmosférica e o emprego de fontes ener-
com a paz internacional, nem acreditar no "fim da his- géticas poluidoras.
tória". A degradação ambiental prossegue, a intolerân- Os discursos em defesa dos direitos de cidadania e
cia continua presente no nosso cotidiano e há conflitos liberdade continuam prevalecendo, sobretudo no Oci-
em diversas regiões do planeta. Alguns avanços permi- dente, mas muitos países ainda mantêm pena de morte,
tem que tenhamos esperança: em dezembro de 2015, justiça precária e violentos aparatos policiais repressi-
representantes de 195 países assinaram o Acordo de vos. O respeito à escolha de orientação sexual está pre-
Paris, que obriga os países a adotarem medidas capazes sente na legislação de muitos países, o que não impe-
de restringir o aquecimento global e combater a mudan- de que lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
ça climática. Enquanto isso, o desmatamento avança sofram constantes ameaças, perseguições e ataques.

258 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 258 18/05/16 09:41


na. As ações do grupo – sustentado financeiramente,
Da Primavera Árabe sobretudo, pela venda de petróleo extraído dos territó-
ao Estado Islâmico rios ocupados – incluíram destruição de obras do patri-
Guerras e rebeliões prosseguiram em todos os conti- mônio histórico, captura e execução pública de reféns e
nentes. Desde o final de 2010, países árabes do Norte realização de atentados terroristas em vários países da
da África e do Oriente Médio enfrentaram fortes protes- Europa. No Norte da Nigéria, Boko Haram, outro agru-
tos contra o autoritarismo, a corrupção governamental, pamento fundamentalista islâmico, realizou ataques e
a violência policial. sequestros dentro do país, rejeitando terminantemente
O conjunto de mobilizações recebeu o nome de todo tipo de interferência cultural ocidental.
Primavera Árabe . Iniciou-se na Tunísia, e atingiu, Em 2015, Paris foi alvo de atentados fundamenta-
entre outros, Argélia, Egito, Jordânia, Iêmen, Iraque, listas. Em janeiro, a redação do jornal de humor Charlie
Kuwait, Líbia, Marrocos e Síria. As mobilizações vale- Hebdo, que havia satirizado o islamismo, foi atacada
ram-se da agilidade das redes sociais para burlar a e doze pessoas morreram, incluindo Stéphane Char-
vigilância dos regimes e propagar as ideias e propos- bier (1967-2015), um dos mais importantes cartunis-
tas dos manifestantes. tas franceses.
No Egito, Iêmen, Kuwait, assim como na Líbia e Na noite de 13 de novembro, ataques simultâneos
Tunísia, os governantes foram derrubados. A Síria, atingiram o teatro Bataclan e as imediações do Stade
onde os protestos se iniciaram em janeiro de 2011, de France, resultando em cerca de 400 mortos. Nos
imergiu numa violenta guerra civil, que dividiu o país. dias posteriores aos atentados ao jornal e ao teatro, a
Em meio às disputas entre as forças rebeldes e as tropas capital francesa foi palco de grandes manifestações,
do presidente Bashar al-Assad (1965-), um grupo cha- com milhões de pessoas protestando contra a intole-
mado Estado Islâmico (EI) passou a reivindicar territó- rância. Muitas delas eram muçulmanos, que faziam
rios e a ampliar sua presença e força na região. questão de afirmar que a maioria dos islâmicos repu-
O EI pretendia liderar os muçulmanos na constru- diava as ações terroristas e sofria com o preconceito
ção de um califado que abarcasse desde o Sul da Turquia anti-islâmico que se difundiu no Ocidente desde o 11
até terras de Chipre, Israel, Jordânia, Líbano e Palesti- de setembro de 2011.

Verificação de leitura 1 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Explique a afirmação de Denise Bernuzzi Sant’Anna: guerra podem levar as massas fundamentalistas do
"Las Vegas tem valor indicativo. Indica pelo menos Oriente a tomar o poder nos vários Estados muçulma-
duas tendências contemporâneas, dentro e fora da nos, e até naqueles que hoje apoiam os Estados Unidos;
América: a transformação da história em pastiche e o por outro lado, a intensificação dos atentados insusten-
táveis podem levar as massas ocidentais a considerar o
estreito vínculo construído entre cultura, lazer e con-
conjunto do Islã como o inimigo." → DL/CF/SP/CA/H7/H8
sumo, tendo por resultado a transformação de centros
culturais em supermercados." 5 Caracterize o neoliberalismo, exemplificando-o com
medidas tomadas por Ronald Reagan e Margaret
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem. Thatcher. → DL/CF/SP/H7/H8
São Paulo: Estação Liberdade, 2001. p. 55.
6 Quais as características da "outra globalização" pro-
→ DL/CF/SP/CA/H11 postas por ativistas antiglobalização?
2 Indique duas preocupações que o desenvolvimento → DL/CF/SP/H10/H11/H13/H15
da biotecnologia provoca. 7 Como a crise de 2008 afetou o projeto neoliberal?
→ DL/CF/SP/H16/H17/H20/H28 → DL/CF/SP/H8
3 Caracterize a maneira como a Guerra do Golfo foi 8 O que foi a Primavera Árabe e quais seus principais
televisionada. → DL/CF/CA/H3/H7/H8/H15/H21 desdobramentos?
4 Explique a afirmação de Umberto Eco, após o ataque → DL/CF/SP/H7/H8/H10/H11/H13/H15
ao World Trade Center: "Por um lado, as operações de

Admirável Mundo Novo 259

OH_V3_Book.indb 259 18/05/16 09:41


Um Outro Olhar Atualidades
MANIFESTO ZAPATISTA
No capítulo 1 deste volume abordamos a Revolução reconquista de territórios e espaços sociais que antes
Mexicana (p. 38). Emiliano Zapata, líder camponês da não tinham interesse para o capital. Conhecimentos
revolução, inspirou o nascimento do Exército Zapatista ancestrais e códigos genéticos, além de recursos
de Libertação Nacional (EZLN), em 1994. O movimento é naturais como a água, os bosques e o ar são agora
contrário ao atual modelo de globalização. Leia o trecho mercadorias com mercado aberto ou por abrir. Quem
de documento do movimento a respeito do assunto: se encontra nos espaços e territórios com estas e
"1. Não se pode entender o sistema capitalista sem o con- outras mercadorias, são, querendo ou não, inimigos
ceito de guerra. Sua sobrevivência e seu crescimen- do capital."
to dependem primordialmente da guerra e de tudo o
Subcomandante Insurgente Marcos. La geografía
que a ela se associa e implica. Por meio dela e nela, o
y el calendario de la teoría. Disponível em:
capitalismo desaloja, explora, reprime e discrimina. http://goo.gl/QRgqjz. Acesso em: 30 abr. 2016.
Na etapa de globalização neoliberal, o capitalismo faz (traduzido pelos autores)
guerra à humanidade inteira.
2. Para aumentar seu lucro, os capitalistas não só recor- Subcomandante Marcosé o nome usado pelo principal porta-
rem à redução dos custos de produção ou ao aumen- -voz do EZLN. Segundo ele, "Marcos é o nome de um colega
to de preços de venda das mercadorias. Isto é correto, que morreu, e sempre usamos os nomes daqueles que morreram
porém incompleto. Há pelo menos três outras formas nesta ideia de que um não morre, se a luta continuar". Em 1995,
a mais: uma é o aumento da produtividade; outra é a o governo mexicano declarou que conhecia a identidade do
produção de novas mercadorias; uma mais é a abertu- Subcomandante Marcos, identificando-o como Rafael Sebastián
Guillén Vicente, nascido em 19 de junho de 1957. Ex-aluno
ra de novos mercados.
da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Nacional
3. A produção de novas mercadorias e a abertura de Autônoma do México (UNAM) e professor da Universidade
novos mercados conseguem agora a conquista e Autónoma Metropolitana (UAM), em Cidade do México.
JS/RCS

STRINGER/REUTERS/LATINSTOCK

Subcomandante Marcos em evento na Universidade Cerca de 20 000 membros do EZLN marcharam em silêncio
Autônoma. Cidade do México, 21 de março de 2001. em quatro municípios para comemorar o 15.º aniversário
do massacre de Acteal. Chiapas, 21 de dezembro de 2012.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 A respeito do item 1, do texto do Subcomandante 2 A respeito do item 2, explique as estratégias para


Marcos, explique por que "não se pode entender o sis- ampliar os lucros no capitalismo. → DL/CF/H15/H24
tema capitalista sem o conceito de guerra". 3 Sobre o item 3, caracterize aqueles que podem ser
→ DL/CF/CA/H1/H15/H24/H25 vistos como "inimigos do capital". → DL/CF/H15/H24

260 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 260 18/05/16 09:41


2 África: desafios,
esperanças, paradoxos

N
a década de 1980, a África apresentava uma constelação de 53
JON HICKS/CORBIS

países independentes. Mesmo sabendo que o continente pos-


suía imensas riquezas naturais, é possível identificar os obs-
táculos ao progresso material: grande fragmentação político-territo-
rial, dependência tecnológica, falta de capitais para exploração de
suas riquezas, rivalidades étnicas internas, falta de competitividade
de sua produção agropecuária, e o próprio controle de seus principais
recursos pelas grandes empresas multinacionais.
Centro da cidade de Johannesburgo, Essa primeira geração de governantes tinha como desafio superar
África do Sul, 2005. (vista aérea) as mazelas deixadas pela dominação colonial. Além disso, procuraram
retomar a estruturação de um movimento de países não alinhados, jun-
tamente com outros Estados da Ásia e América Latina, que tinham entre
suas principais reivindicações: revisão das regras do comércio mundial;
STEPHANE DE SAKUTIN/ AFP PHOTO

facilitação do acesso dos países emergentes a tecnologias, mercados e


capitais para exportação de seus produtos e apoio técnico e institucio-
nal das Nações Unidas para os programas de desenvolvimento econô-
mico. Em resumo, buscavam uma nova ordem econômica internacional.
Porém, ao longo da década de 1980, acentuou-se ainda mais a ten-
são diplomática e militar e as divisões entre os Estados africanos. Isso
favoreceu um longo e destrutivo ciclo de conflitos intracontinentais e
a militarização. O acirramento dessas rivalidades inviabilizou a coope-
Jovem usando tablet. Johannesburgo,
África do Sul, 2012. ração e o desenvolvimento do comércio entre os países do continente,
deteriorou as frágeis bases de união continental, desorganizou a econo-
mia e dilapidou as riquezas naturais.
Dilacerada internamente, politicamente instável e estagnada eco-
ERIC LAFFORGUE/GAMMA-RAPHO/ GETTY IMAGES

nomicamente, a maioria dos países africanos ainda teve de lidar com


novas transformações econômicas. Diante de uma nova geração de
indústrias alicerçadas na automação e na produção de artigos de alta
tecnologia, acentuava-se ainda mais a posição subalterna do continente
africano no comércio mundial.
Por outro lado, até o final dos anos de 1990, as trocas comerciais
e as relações políticas se davam principalmente no sentido norte-nor-
te ou no sentido sul-norte. No início deste século XXI, uma tendência
muito forte é a intensificação do comércio e das relações políticas sul-
sul, quase como uma forma de reativar o espírito de Bandung ou do
movimento dos países não alinhados.
Nesse contexto surge o desenvolvimento do comércio afro-asiático,
com a expressiva presença comercial da China e da Índia no continen-
te africano.
Entretanto, a presença desses dois países no continente africano
vem chamando a atenção internacional, que coloca a questão da compe-
Garoto da etnia Surma com adornos. Vale tição político-militar nos moldes da corrida imperialista que antecedeu
do Omo, Etiópia, 2010. a Primeira Guerra Mundial.

África: desafios, esperanças, paradoxos 261

OH_V3_Book.indb 261 18/05/16 09:41


China na África: imperialismo Investimentos chineses na África
do século XXI? entre 2003-2006
O interesse da China pela África é consequência do Atualmente o volume dos investimentos chine-
enorme crescimento econômico chinês e do aumento ses na África é de cerca de um bilhão de dólares ao
da demanda por matérias-primas. O relacionamento da ano. Grande parte desses investimentos é feita pelas
empresas estatais chinesas em parceria com empre-
China com os países africanos remonta aos tempos da
sas privadas ligadas à construção de infraestrutura
Guerra Fria. Nesse período, a China apoiou movimen-
de base: estradas de ferro, rodovias, telecomunica-
tos de libertação nacional no continente com a venda ções, saneamento básico.
de armamentos e treinamento militar. A ajuda mais No Sudão, desde meados de 1990, metade das
expressiva ocorreu na antiga Rodésia, o que justifica, de exportações de petróleo é destinada à China. Na
certa forma, o envolvimento chinês com o atual gover- Nigéria, a China investiu bilhões de dólares na com-
no do Zimbábue. pra dos direitos de exploração de campos de petró-
Em meados da década de 1990, as relações econô- leo. O interesse chinês se estende às reservas petro-
micas foram retomadas. O crescimento chinês decolava líferas de Guiné Bissau, República do Congo e Gabão.
Além do petróleo, as importações chinesas
e o país buscava ampliar seu espaço de atuação. Assim,
incluem algodão do Oeste africano, cobre e cobal-
a China passou a se aproximar de países não ocidentais
to da República Democrática do Congo, minério
sem imposição de agenda política, pois os problemas de ferro e platina de Zâmbia e madeira do Gabão,
enfrentados na área dos direitos humanos, ao mesmo Camarões e Congo.
tempo que afasta a China dos países ocidentais, a apro- As boas relações garantidas pelos investimentos
xima de muitos desses países africanos que também em infraestrutura e pela concessão de ajuda garan-
sofrem pressões internacionais. No entanto, segundo os tem trânsito livre dos produtos chineses nos mer-
analistas internacionais, essa ajuda pode ser facilmen- cados africanos. Os produtos chineses chegam aos
te utilizada por elites corruptas para proveito próprio, mercados de toda a África. Na Etiópia, por exemplo,
90% das mercadorias são de origem chinesa.
favorecendo governos autoritários.
A China, para concluir seu processo de crescimen-
to econômico, necessita de matérias-primas estratégi- PRINCIPAIS DESTINOS DOS INVESTIMENTOS
cas, cujas fontes, muitas vezes, encontram-se na África. CHINESES NA ÁFRICA (MILHÕES DE DÓLARES)
Entretanto, a estratégia chinesa se direciona também
País 2003 2004 2005 2006
para outras regiões, como a América Latina e o Orien-
te Médio. Argélia 2,47 11,21 84,87 98,93
Entre 1989 e 1997, o comércio bilateral China-
Zâmbia 5,53 2,23 10,09 87,44
-África cresceu em torno de 400% e, nos últimos vinte
anos, quintuplicou. A China ultrapassou a Inglaterra Nigéria 24,40 45,52 53,30 67,79
e hoje é o terceiro maior parceiro comercial africano,
Sudão 0­ 146,70 91,13 50,79
ficando atrás somente dos Estados Unidos e da França.
Todavia, o volume de comércio sino-africano ainda cor- África do Sul 8,86 17,81 47,47 40,74
responde a 40% do volume do comércio entre Estados
República
Unidos e África.
Democrática 0,06 11,91 5,07 36,73
As exportações africanas para a China estão concen-
do Congo
tradas em produtos primários, como petróleo e miné-
rios, enquanto a China exporta para a África principal- Total de
mente produtos manufaturados, como produtos têxteis, investimen- 74,81 317,43 391,68 519,86
tos na África
eletrodomésticos e materiais para a indústria. Os inves-
timentos diretos estão ligados à exploração de recursos Fonte: Elaborado com base em Statistical bulletin of China's outward FDI,
naturais e à infraestrutura. 2006.

262 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 262 18/05/16 09:41


priadas para as realidades do Terceiro Mundo e etni-
Índia na África camente multirracial, elementos facilitadores para as
Os laços da Índia com o continente africano são antigos transações econômicas com o continente.
e o país mantém presença significativa desde o perío- O aumento de medidas protecionistas dos países
do colonial, principalmente na África oriental. No perío- industrializados com relação aos produtos brasileiros,
do colonial, os comerciantes indianos atuavam também sobretudo por parte dos Estados Unidos, e as rivalidades
nas colônias britânicas, o que favoreceu o desenvolvi- regionais com a Argentina também contribuíram para
mento de pequenas comunidades indianas, especial- reforçar a política africana do Brasil, em decorrência da
mente na África do Sul. relativa receptividade dos africanos.
No início da Guerra Fria existia ainda vontade de
cooperação no contexto do movimento dos não alinha-
dos, principalmente com o Egito, mas investidas india- O paradoxo africano
nas contra o Paquistão contribuíram para o distancia- Nos dias de hoje, há uma preocupação crescente em agre-
mento entre os governos dos dois países. gar ao consumo valores de solidariedade e ética. A noção
Na década de 1990, após o processo de reforma de consumo consciente nasce da preocupação com o
política e econômica, a Índia se voltou novamente para impacto que tais necessidades terão no meio ambiente
a África. Assim como a China, a Índia busca matérias- e na extensa rede de atores que contribuem para a fabri-
-primas e mercados para seus produtos. cação dos produtos que chegam às nossas casas. Tal prá-
Por outro lado, assim como o Brasil, a Índia vem tica significa o conhecimento sobre a cadeia de valores
buscando apoio entre os países africanos na ONU para se que envolve os produtos que adquirimos.
tornar membro permanente no Conselho de Segurança.
Celulares que matam
Um bom exemplo é o percurso dos produtos eletrônicos
JOEL SILVA/FOLHAPRESS

que tanto facilitam nosso cotidiano. Computadores, celu-


lares, DVDs, aparelhos de GPS, videogames e câmeras
digitais são feitos de uma liga metálica chamada popu-
larmente de coltan. As principais reservas desse minério
estão concentradas na República Democrática do Congo.
Das minas situadas no coração da África até os
produtos eletrônicos comercializados no mundo todo,
o percurso do coltan é marcado por guerras, mortes e
muito sangue. Sua exploração é apontada como um dos
principais combustíveis que alimentam a guerra civil na
República Democrática do Congo. Uma rede que envol-
Operários trabalham na construção de usina de álcool,
na província de Malange, interior de Angola. Empresas ve governo, grupos armados, empresas multinacionais,
brasileiras participam da reconstrução de Angola após indústria armamentista, exploração de trabalho infan-
longo período de guerra no país. Luanda, Angola, 2010. til, trabalho escravo. Um comércio que já deixou um
saldo de mais de três milhões de mortos. Os negociado-
Brasil na África res que exploram minérios têm como principais clien-
A intensificação das relações Brasil-África insere-se na tes Estados Unidos, Alemanha, Holanda e Bélgica. A
retomada das relações sul-sul e na mudança da inserção empresa que detém o monopólio de exploração é, na
brasileira no cenário internacional. verdade, formada pela associação de três empresas com
Embora metade da população brasileira seja com- origens diferentes: uma empresa belga, uma ruandesa e
posta por descendentes de africanos e o país seja o outra sul-africana.
segundo com maior população negra do mundo, apenas
Diamantes de sangue
nas últimas décadas verificou-se um processo real de
aproximação com o continente africano.
e a indústria petrolífera
Potência emergente, o Brasil se apresentava com Tidos como símbolos de poder e riqueza, os diaman-
um considerável parque industrial, tecnologias apro- tes, são o mineral mais duro e resistente de que se tem
conhecimento e têm grande importância para a indústria.

África: desafios, esperanças, paradoxos 263

OH_V3_Book.indb 263 18/05/16 09:41


Pelo seu grau de dureza, são utilizados como ferramentas

ISSOUF SANOGO/AFP PHOTO


para cortar, tornear, polir e furar.
A África possui jazidas de diamantes em dezessete
dos seus 53 países. O continente é responsável pela pro-
dução de 60% das pedras consumidas no mundo, um
mercado que movimenta bilhões de dólares todo ano.
Em países como Angola, República Democrática do
Congo e Serra Leoa, o controle das jazidas de diamantes
e petróleo é disputado pelo Estado e por grupos arma-
dos. As companhias mineradoras e seus intermediários
estimulam a guerra fornecendo armas e soldados. Em
alguns casos, apoiam governo; em outros, as guerrilhas Centro de venda de diamantes. Kono, Serra Leoa, 2012.
de oposição.
Conflitos africanos: simplificação
Em Angola, diamantes e petróleo financiaram a
e imprecisões
guerra civil, que deixou milhões de mortos. O conflito
envolveu duas organizações armadas que disputavam O conflito de Darfur é mostrado pelos meios de comunica-
o poder desde a independência do país. O Movimento ção de maneira simplista, como um conflito etnorreligioso
para a Libertação de Angola (MPLA), que atualmente que opõe milícias árabes pró-governo aos rebeldes africa-
representa o Estado, controlava as reservas de petróleo, nos. O termo "conflito étnico" mascara a realidade. Além
e a União para a Independência Total de Angola (Unita) das disputas políticas e sociais, está na raiz dos massacres
controlava o mercado de diamantes, que eram vendi- a disputa pelo controle da região mais rica em recursos
dos e trocados por armamentos utilizados para enfren- naturais (terras, água, petróleo, minérios) do Sudão.
tar o governo. Os confrontos terminaram em 2002, mas Na região convivem diversas etnias africanas e
a guerra deixou um rastro mortal: cerca de dez milhões população de origem árabe. As populações africanas,
de minas terrestres ainda estão espalhadas pelo país, o marginalizadas e ignoradas pelo governo árabe de Car-
que coloca grande parte da população em risco e já dei- tum, organizaram-se num movimento de guerrilha anti-
xou milhares de mutilados. governamental. Todavia, tanto opressores quanto opri-
Na República Democrática do Congo, os conflitos midos professam a mesma religião muçulmana, já que
envolvem o Estado e grupos armados. Esses grupos, as populações africanas haviam sido islamizadas desde
desde 1998, têm o apoio externo tanto de países como o século XIII. Não se trata, portanto, apenas de uma
de empresas multinacionais interessadas nas reservas questão religiosa.
de diamantes, cobalto e cobre – além das de coltan.
Serra Leoa foi palco de uma guerra civil que durou
A indústria farmacêutica
de 1991 a 2002. As jazidas de diamantes estavam sob
Uma das maiores tragédias da humanidade, a epidemia
controle do grupo armado Frente Revolucionária Unida
de Aids no continente africano tem sido utilizada como
(FRU), que contava com o apoio dos governos da Libéria
oportunidade para redução de custos e relaxamento dos
e de Burkina-Fasso. Burkina comprava armas do Leste
padrões éticos de pesquisa.
Europeu, que eram levadas para a Libéria, onde seriam
Na África subsaariana, o número de portadores do
trocadas por diamantes. Da Libéria as armas seguiam
vírus HIV já ultrapassou a marca de 25 milhões. A insta-
para Serra Leoa. A situação deixou um saldo de 50 mil
bilidade política e a falência econômica de muitos paí-
mortos e mais de 300 mil refugiados.
ses têm feito da região o lugar perfeito para a realização
Embora as guerras civis tenham sido controladas
de testes de novos medicamentos desenvolvidos pela
nessas regiões, a situação de violência ainda é muito
indústria farmacêutica. Na África, o custo dos testes é
complexa. No caso do Sudão, sobretudo na região de
até cinco vezes menor do que nos países desenvolvidos.
Darfur, as riquezas petrolíferas descobertas têm provo-
A Gilead Laboratorie – laboratório cujas pesquisas
cado a cobiça de importantes empresas multinacionais,
são financiadas pelo governo estadunidense e por ins-
que querem controlar essa região e desbancar a China,
tituições beneficentes – tem realizado testes em países
que investiu maciçamente na exploração das jazidas
como Botsuana, Malauí e Gana, com o apoio de políticos
sudanesas.
corruptos e de setores científicos africanos.

264 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 264 18/05/16 09:41


Em 2005, os testes de um antivirótico utilizado contribuir para a unidade africana, a UA surge num
no tratamento da Aids foi suspenso na Nigéria. Moti- contexto diferente, caracterizado pela eliminação das
vo: problemas éticos graves. De julho de 2004 a janei- últimas sobrevivências coloniais: pacificação de socie-
ro de 2005, em Camarões, foram realizados testes em dades dilaceradas por décadas de guerra civil, como
400 prostitutas. As voluntárias, muitas vezes analfabe- Angola e Moçambique; avanços democráticos com a
tas, receberam informação escrita em inglês e algumas remoção de velhos ditadores do poder, como Mobuto
pensaram que estavam sendo vacinadas. Sese Seko, da atual República Democrática do Congo;
As indústrias farmacêuticas continuam a organi- e emergência de novas lideranças regionais, como os
zar testes clínicos no continente africano, muitas vezes dirigentes sul-africanos.
ignorando a ética e a segurança dos pacientes. Nessa atmosfera foram estabelecidas as condições
A África continua, no século XXI, sofrendo as para a construção de novos consensos políticos conti-
consequências da exploração de que tem sido víti- nentais e para maior convergência diplomática e coope-
ma durante muitos séculos. Por trás das justificativas ração econômica, através da criação de um Parlamen-
políticas, étnicas ou religiosas para os diversos confli- to Pan-Africano, do Tribunal de Justiça, de um Conselho
tos que assolam o continente africano, há um elemen- Econômico e Social, de uma força comum de defesa e de
to decisivo que direciona os massacres noticiados pela um sistema financeiro (Banco Africano, Fundo Mone-
imprensa no mundo todo: o domínio dos recursos natu- tário, Banco de Investimentos). Os desafios não são
rais e das riquezas. pequenos, trata-se de um esforço ambicioso, alicerçado
numa ampla coalizão de governos.
À medida que o mundo se torna cada vez mais
África, Áfricas excludente e que as economias industrializadas pro-
A África sofre uma contradição cruel. Ao mesmo tempo movem a formação de grandes blocos regionais, parece
que o continente concentra os piores índices de desen- não haver alternativa para as nações africanas a não ser
volvimento humano, também concentra reservas investir na proposta de unificação para otimizar o apro-
extraordinárias de riquezas naturais. Parte dessas rique- veitamento das grandes riquezas do continente, fortale-
zas é desviada para financiar a violência contra as pró- cendo sua posição negociadora e estimulando o inter-
prias populações; outra parte enriquece grandes inves- câmbio econômico, científico e cultural entre os povos
tidores estrangeiros. do continente.
O resultado tem sido dramático para o continente. A Seria, sobretudo, uma forma de reconciliar a África
participação da África no mercado mundial é de menos consigo mesma, com suas riquezas e mazelas, com seus
de 2%, e sua dívida externa é de mais de 300 bilhões valores e tradições, com sua unidade, divisões e diver-
de dólares. Em 2002, com a finalidade de conduzir os sidade. Talvez uma chance de encarar o passado sem
esforços dos países africanos conjuntamente, foi cria- as pressões do colonialismo, mas enfrentando-o sem as
da em Durban (África do Sul) a União Africana (UA), rivalidades internas – sem, contudo, esquecer que elas
em substituição à Organização da Unidade Africana existem. Para uma melhor compreensão de seu comple-
(OUA), fundada em Adis-Abeba (Etiópia) em 1963. xo presente para condução de seu próprio futuro. Talvez
Se a OUA tinha como principais objetivos dar apoio para poder entender que há muitas Áfricas, cada qual
econômico e militar às lutas de libertação nacional e com sua especificidade.

Verificação de leitura 2 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 Que fatores podem ser apontados como obstáculos 4 Que tipos de problemas são provocados pela ação
ao desenvolvimento econômico da África? de indústrias farmacêuticas no continente africano?
→ DL/SP/H7/H9 → DL/SP/H16/H23
2 Quais são os interesses da China no continente afri- 5 Quais as diferenças de objetivos entre a Organização
cano? → DL/SP/H7 da Unidade Africana (OUA) e a União Africana (UA)?
3 Quais elementos podem ser considerados como → DL/SP/H9
facilitadores nas relações entre Brasil e África?
→ DL/SP/H7

África: desafios, esperanças, paradoxos 265

OH_V3_Book.indb 265 18/05/16 09:41


3 Lula: para além
do bem e do mal

N
a noite de 27 de outubro de 2002, no Brasil, milhares de pessoas saí-
ram às ruas. Em grandes cidades europeias, como Berlim, Lisboa,
Londres e Paris, brasileiros abraçavam-se em meio a bandeiras verde-
-amarelas e vermelhas. No país, de norte a sul, a comemoração arrastou mul-
tidões para as ruas e avenidas.
Mais uma vez, a avenida Paulista, na capital do estado de São Paulo, serviu
de palco para uma gigantesca manifestação popular. A manifestação comemo-
rava a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2002.
Com 61,3% dos votos válidos, Lula conseguiu vencer o candidato do governo,
José Serra (PSDB), que obteve 38,7%. Pela primeira vez na História do Brasil, o
candidato de um partido ideologicamente identificado com a esquerda chega-
va ao poder. As bandeiras do PT, PC do B, PDT, PSB, PPS e PCB tingiam o Bra-
sil de vermelho.
Desde a campanha eleitoral, o discurso do PT evitava assustar o empresa-
riado e as classes médias do país. Uma propaganda menos agressiva, ao lado
de uma política de alianças mais ampla, que incluía partidos e setores de cen-
tro-direita (o vice-presidente era José Alencar, do PL de Minas Gerais), trouxe
uma imagem mais conciliadora ao PT e reforçava o chamado presidencialis-
mo de coalizão, marca dos governos de FHC. Após o primeiro turno, o apoio
dos candidatos Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB) garantiu a vitó-
ria nas eleições.
A primeira equipe do governo Lula caracterizou-se pela presença de anti-
gos representantes da esquerda brasileira. Ex-militantes da luta armada,
ex-exilados e ex-opositores da ditadura militar agora tinham a incumbência
de governar o Brasil. Ainda assim, os setores mais à esquerda do próprio PT
foram preteridos na formação do ministério. O governo optou por uma política
de composição e aproximação com outros partidos, como PV, PL, PMDB, PTB,
PP (antigo PPB), além dos partidos mais identificados com a esquerda.
Por essas posições, o PT sofreu críticas de antigos companheiros. Em outu-
bro de 2003, quase um ano após a eleição de Lula, o depu-
COLEÇÃO PARTICULAR, SÃO PAULO, BRASIL

tado Fernando Gabeira (RJ) deixava o partido após discor-


dar da política ambiental do governo e da maneira como foi
recebido pelo ministro José Dirceu.
Ironia do destino. Gabeira foi um dos sequestrado-
res do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick,
em 1969. Em troca do embaixador, foram libertados 15
integrantes da esquerda presos pela ditadura. Entre eles,
José Dirceu.
Em dezembro de 2003, novos problemas com a ala
mais à esquerda do partido governista. Após duras críticas
à política econômica do governo, a senadora Heloísa Hele-
Comemoração pela vitória de Lula nas eleições na (AL) e os deputados Luciana Genro (RS), João Batista, o
presidenciais. Avenida Paulista, São Paulo, 27 de Babá (PA), e João Fontes (SE) foram expulsos pelo diretório
outubro de 2002. nacional do PT.

266 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 266 18/05/16 09:41


A expectativa internacional em torno do governo O desgaste político do PT
manifestava-se no início de 2003. Em janeiro, em uma
Vários fatores podem ser apontados para se entender
de suas primeiras intervenções internacionais, o pre-
por que o presidente não perdeu seu mandato, como
sidente Lula participava dos dois fóruns mundiais, em
ocorreu com Fernando Collor, em 1992. Em primei-
Davos e em Porto Alegre. Uma outra globalização seria
ro lugar, Lula costurou uma ampla base de apoio em
mesmo possível? Um governo de esquerda poderia inse-
torno da aliança de partidos de centro-esquerda com o
rir o Brasil no mundo globalizado e realizar a inserção
PMDB (ou a maioria deste partido) e outros de centro-
social da maior parte da população brasileira? Questões
direita (PL, denominado PR após a fusão com o direitis-
que se mantêm em aberto e que se apresentam como
ta PRONA) e PP (ex-ARENA e PDS, principal base políti-
cruciais para a discussão dos problemas de nosso país.
ca de sustentação da ditadura militar).
Em segundo lugar, o escândalo aflorou ao final do
SÉRGIO LIMA/FOLHAPRESS

primeiro mandato. A agenda política previa a realização


de eleições em outubro de 2006, quase um ano depois
do início das denúncias. De certo modo a oposição
optou pelo "julgamento das urnas", em vez de mais um
desgastante processo político. No jargão político: "san-
grar, mas não matar".
Em terceiro lugar, os indicadores econômicos e
sociais brasileiros eram extremamente positivos. A eco-
nomia brasileira crescia significativamente, e ocorria
uma distribuição de renda também marcante.
Por último, apesar das transmissões ao vivo de
Posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Brasília, audiências das CPIs (Comissões Parlamentares de
2003.
Inquérito), do interrogatório de integrantes do governo,
dos discursos de opositores e denúncias, a cobertura da
Reeleição e mensalão imprensa televisiva foi de certo modo dócil com Lula.
Em 2006, Lula foi reeleito com 60% dos votos contra Muito mais contundente foi a ação da imprensa escri-
39% do candidato da coligação PSDB-PFL, Geraldo Alck- ta, importante para formar a opinião de determinados
min, um percentual próximo ao obtido em 2002. Mas, setores da sociedade, mas incapaz de tornar-se referên-
ao contrário das quase cem mil pessoas que ocuparam a cia para a esmagadora maioria da população.
avenida Paulista, menos de cinco mil simpatizantes fes- Por todos esses fatores, Lula não apenas conse-
tejaram a reeleição. guiu navegar no tormentoso mar da política brasileira,
Apesar da vitória eleitoral, ocorrera uma gran- como também passou a recuperar seus ótimos índices
de mudança com relação a Lula e ao PT. A política de de popularidade. No início de 2009, ostentava mais de
composição com setores de centro-direita que oferecera 82% de aprovação entre os cidadãos brasileiros. Recor-
governabilidade no Congresso Nacional fora acompa- de histórico de popularidade de um presidente da Repú-
nhada também pela divisão de áreas da administração blica desde o fim da ditadura militar.
federal, troca de favores, desvio de recursos de campa- Interessante notar que, com o PT, completava-se o
nhas eleitorais e um esquema de propinas destinado ao ciclo de incorporação de setores da elite à burocracia do
pagamento de deputados e senadores com o objetivo de Estado brasileiro. O governo Sarney (1985-1990) per-
alinhá-los com o governo. mitira a incorporação das elites ligadas ao PMDB, que
O chamado escândalo do mensalão, como ficou representavam, fundamentalmente, os setores que
conhecido, foi responsável pela cassação do deputado haviam realizado a oposição consentida durante a dita-
José Dirceu e provocou sérios desgastes em nomes do pri- dura, numa equilibrada e moderada composição com
meiro escalão do partido, como José Genoíno, o deputa- antigos representantes do regime militar. Com Itamar
do João Paulo Cunha, e os ex-ministros Antônio Palocci, e Fernando Henrique Cardoso, os antigos setores oposi-
Luís Gushiken e Ricardo Berzoini, acusados pelo crime cionistas passaram a exercer a hegemonia política – em
de formação de quadrilha. A crise política quase levou ambos os casos, integrantes das elites mais diretamente
ao impeachment de Lula. vinculados às camadas dominantes do país.

Lula: para além do bem e do mal 267

OH_V3_Book.indb 267 18/05/16 09:41


Os governos Lula representaram a incorporação das O Poder Judiciário e a democracia
elites sindicais e de representantes de setores organizados
Em 1982, realizaram-se as primeiras eleições pluripar-
da sociedade. Além disso, um número expressivo de anti-
tidárias desde 1966, com a participação de cinco agre-
gos opositores do regime militar, que se dedicaram à luta
miações (PDS, PDT, PT, PTB e PMDB) . Em 1985, os mais
armada, passou a ocupar cargos no primeiro escalão do
diversos partidos políticos puderam disputar as eleições
governo federal: José Dirceu (Aliança Libertadora Nacio-
municipais, inclusive os partidos comunistas (PCB e PC
nal), Franklin Martins (Movimento Revolucionário 8 de
do B), proscritos desde 1947. Em 1989, realizaram-se as
Outubro), Dilma Roussef (Vanguarda Popular Revolucio- primeiras eleições diretas para a presidência da Repú-
nária), Paulo Vannuchi (Aliança Libertadora Nacional), blica, desde 1960.
sem contar o ex-presidente do PT, José Genoíno (partici- Pode-se dizer que, entre 1982 e 1988, tivemos o pro-
pante da guerrilha do Araguaia pelo PC do B). Uma parte tagonismo do Poder Legislativo. Em 1989, e nas elei-
da geração de 1968 chegou ao poder no Brasil. ções gerais subsequentes (1994, 1998, 2002, 2006 e
2010), foi a vez do Poder Executivo sobressair como
LULA MARQUES/FOLHAPRESS

representação democrática da sociedade brasileira.


Com o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribu-
nal Federal (STF), realizado entre agosto e dezembro de
2012, destaca-se a atuação do Poder Judiciário.
Em maio de 2008, o STF aprovou a realização de
pesquisas com células-tronco no país. Em março de
2009, decidiu favoravelmente aos povos indígenas a
questão da presença de não-índios nas terras da reser-
va Raposa Serra do Sol. Em maio de 2011, o STF reco-
Deputado José Dirceu (PT) discursa na Câmara dos nheceu a equiparação da união homossexual à heteros-
Deputados na tentativa de salvar seu mandato. Brasília,
setembro de 2005.
sexual. Para muitos, o Poder Judiciário acaba realizando
as funções legislativas. Para outros, é a morosidade do
Faça Congresso que obriga o Judiciário a resolver importan-
Tá ligado?! em se
cadernu
o
tes e polêmicas questões da sociedade brasileira.
De qualquer modo, em dezembro de 2012, após 53
(PUC-RS) Considere as afirmativas a seguir, sobre
sessões, o STF decidiu pela perda de mandato dos depu-
fatos relacionados à política interna do Governo Luiz
Inácio Lula da Silva. tados João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e
I. Foi criado o programa "Primeiro Emprego", como Valdemar Costa Neto (PR-SP) e pela condenação de 25
forma de combater o trabalho infantil e o escravo, denunciados (onze com prisão em regime fechado, onze
em expansão em várias regiões do país. com prisão em regime semiaberto, um em regime aber-
II. Ampliaram-se, através do ProUni, as vagas no ensi-
to e dois com penas alternativas).
no superior, para acolher alunos provenientes do
ensino público e com renda familiar reduzida. A autuação do STF, independentemente de se con-
III. O Programa Fome Zero, taxado por vários repre- cordar ou não com as decisões ou da argumentação jurí-
sentantes da sociedade civil de assistencialista, dica que se possa apresentar, revela um Poder Judiciá-
tem sido criticado pelos entraves burocráticos e rio com independência com relação ao Poder Executivo
pela forma de controle adotada para a concessão e ao Poder Legislativo. A independência entre os pode-
dos benefícios, que dificultam a expansão do pro-
res é um dos pré-requisitos para a existência de um regi-
grama.
IV. O Governo Federal reduziu significativamente os me democrático.
impostos visando a diminuir a carga tributária
sobre a classe média e a produção industrial.
Estão corretas as afirmativas: As políticas econômica
a) I e II d) II e IV
e social
b) I e III e) III e IV
Em 1989, quando Lula candidatou-se pela primeira vez
c) II e III
à presidência, um líder empresarial afirmou que, caso
→ DL/CF/H24/H25 se confirmasse a sua vitória, o país mergulharia no caos
→ conforme tabelas das páginas 8 e 9.
e milhares de empresários sairiam do Brasil.

268 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 268 18/05/16 09:41


O governo dos Estados Unidos esteve envolvido no A estabilização econômica iniciada no governo Ita-
golpe que derrubou João Goulart em 1964 e em inú- mar Franco recebeu um forte impulso numa conjuntu-
meros outros golpes contra governos nacionalistas e ra internacional favorável de 2004 a 2008. O final do
esquerdistas na América Latina. Em 2009, o presiden- governo FHC foi marcado por uma gravíssima crise eco-
te Barack Obama, num de seus primeiros contatos com nômica. Aliás, os economistas, quando se referem ao
Lula, exclamou: "Esse é o cara!". A afirmação tinha um período de 1980 a 2000, utilizam a denominação déca-
significado positivo. Logo, Obama completou: "É o polí- das perdidas para o crescimento econômico, para a
tico mais popular do planeta!". geração de emprego e para o desenvolvimento em geral.
Ainda mais surpreendentes são as defesas enfáti- Políticas de contenção e restrição no início do gover-
cas do ex-ministro Delfim Neto, integrante do primeiro no Lula permitiram a reversão do quadro anterior. Mais
escalão da ditadura militar, ao presidente Lula. Delfim ainda: o êxito de uma cautelosa política fiscal e monetá-
repetiu diversas vezes que Lula era o "maior estadista ria trouxe confiança interna e externa, necessária para a
do país". estabilidade política.
O Brasil teria mudado tanto a ponto de aceitar um Por fim, pouco antes da crise econômica de 2008, o
governo de esquerda sem riscos de instabilidade polí- governo brasileiro anunciava possuir reservas suficien-
tica? A democracia brasileira estaria completamente tes para saldar a dívida externa que estrangulou o cresci-
consolidada a ponto de não ser abalada por uma alter- mento econômico do país durante quase dois séculos. Ao
nância de poder tão drástica? O mundo estaria tão dife- final da crise, pela primeira vez na História, o Brasil con-
rente que um presidente estadunidense pode demons- tribuiria com recursos para o FMI (Fundo Monetário Inter-
trar tamanho entusiasmo por um líder esquerdista que nacional), para contornar os problemas econômicos mun-
já foi conhecido como "o sapo barbudo"? diais. O Brasil passava de devedor à condição de credor.
É importante tentar avaliar o governo Lula para

A+ COMUNICAÇÃO
além das paixões políticas e dos interesses eleitorais. O PARTICIPAÇÃO DA POBREZA NO TOTAL
DA POPULAÇÃO (em %)
Partido dos Trabalhadores que chegou ao governo fede-
66
ral em 2002 não manteve as mesmas propostas políti- Renda mensal per capita abaixo
cas do início dos anos 1980. Reforma agrária radical, de 151 reais define a pobreza
rompimento com o FMI (Fundo Monetário Internacio- 34,6 30,3
nal), luta contra o imperialismo e não pagamento da 20,5 21,7
15,5
dívida externa são bandeiras que foram deixadas de 8,5
lado nesses últimos trinta anos.
1970 1981 1990 1995 2001 2006 2011
Por outro lado, deve-se notar que o Brasil experi-
Fonte: Elaborado com base em O Brasil e a economia criativa. Um novo mundo nos
mentou quatro governos seguidos (cinco, se conside- trópicos. Rio de Janeiro: José Olympio/Fórum Nacional, 2008. p. 184.
rarmos o governo de Itamar Franco de 1992-1994) com
uma política econômica semelhante. Ao contrário do TAXAS DE CRESCIMENTO DO PIB
que se poderia supor, o governo Lula deu continuida- Período 30 anos 23 anos 3 anos
de ao programa econômico iniciado por FHC (e Itamar).
Crescimento
Do ponto de vista social, através de programas médio anual 7,1 2,2 3,5
bem-sucedidos como o Bolsa-Família e o Bolsa-Esco- (em %)
la (e vários outros), o governo estabeleceu uma tími-
Anos 1950 - 1980 1980 - 2003 2003 - 2006
da, porém eficiente, política de inclusão social e dis-
Fonte: Elaborado com base em PASTORE, A. C.; PINOTTI, M. C.; ALMEIDA,
tribuição de renda. Mais uma vez, deve-se lembrar que L. P. "A retomada do crescimento: em que velocidade?". In: VELOSO, J. P. R.;
muitos desses programas foram concebidos durante os ALBUQUERQUE, R. C. (Orgs.). Chegou a vez do Brasil? Rio de Janeiro: José Olympio/
Fórum Nacional, 2007. p. 297.
governos de FHC. Porém, a sua intensificação e amplia-
ção ocorreram na gestão de Lula. Governo Dilma
Tais programas permitiram a ascensão social de As pesquisas de opinião apontavam que cerca de 87%
setores subalternos, diminuição da pobreza no país e da população brasileira consideravam o governo de
ampliação no poder de compra das camadas médias. Lula ótimo ou bom em dezembro de 2010. Esse altíssi-
Tais medidas, apesar do caráter assistencialista, dina- mo índice de popularidade foi decisivo para a vitória da
mizaram o mercado interno. ministra Dilma Vana Rousseff sobre José Serra (PSDB).

Lula: para além do bem e do mal 269

OH_V3_Book.indb 269 18/05/16 09:41


O Brasil elegia uma ex-guerrilheira vinculada à VPR çou a sexta posição entre os países mais ricos do
(Vanguarda Popular Revolucionária) e ex-presa política mundo em 2012.
que havia sido torturada durante a ditadura. É também a Enquanto a situação econômica do país era posi-
primeira mulher a ocupar o cargo máximo da República. tiva no início daquele ano, do ponto de vista político
Dilma foi candidata por uma ampla coligação de denúncias de corrupção e tráfico de influência levaram
dez partidos. Entre eles, o PMDB, que indicou o candida- à demissão de sete ministros. Mesmo assim, após um
to a vice-presidente, Michel Temer. No primeiro turno, ano de governo, a popularidade de Dilma superava a
Dilma obteve aproximadamente 47% dos votos, contra de todos os presidentes desde 1992. Entre os entrevis-
cerca de 37% de Serra e 19% de Marina Silva, ex-minis- tados, 59% consideraram o governo de Dilma ótimo ou
tra de Lula que concorreu pelo Partido Verde (PV). No bom. Após um ano de governo, o índice de Collor era de
segundo turno, Dilma obteve 56%, contra 44% de Serra. 23%; Itamar alcançou 12%; FHC 41% e Lula 42%.
Contando com maioria parlamentar, o início do Se a situação econômica do país permitia-lhe figu-
governo de Dilma caracterizou-se pela manutenção da rar cada vez mais em reuniões de grandes potências
política econômica do governo de Lula. Com isso, as mundiais, a situação das instituições democráticas bra-
dificuldades decorrentes da crise mundial foram con- sileiras e as reformas sociais profundas na educação,
tornadas por sua equipe de ministros. saúde e saneamento básico ainda se mantinham como
Em virtude dos problemas econômicos em nações pontos negativos.
europeias como Itália e Reino Unido, o Brasil alcan-

ADRIANO MACHADO/AFP PHOTO


A presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer sobem a rampa do Palácio do Planalto. Brasília
(DF), 1.º de janeiro de 2011.

As jornadas de junho
Mídia Ninja

Em junho de 2013 o Brasil foi sacudido por uma imensa


onda de manifestações provocadas pelo Movimento Passe
Livre (MPL) contra o aumento das tarifas e a qualidade dos
transportes públicos. Em poucos dias, outras demandas
sociais e políticas engrossavam as manifestações, dura-
mente reprimidas pelos policiais militares: fim da violên-
cia policial, mais verbas para educação e saúde, combate
à corrupção e críticas profundas ao sistema político vigen-
te, aos parlamentares, governadores e à presidente Dilma.
Retomavam-se, com visibilidade, antigas bandeiras
dos movimentos sociais, arriadas nos últimos doze anos
em nome da governabilidade e das alianças políticas esta- Manifestantes diante do Congresso Nacional. Brasília (DF),
belecidas pelos governos do PT. 18 jun. 2013.

270 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 270 18/05/16 09:41


Após uma dura campanha ao longo do primeiro
VITÓRIA DE PIRRO turno, repleta de ataques pessoais e momentos de gran-
O sucesso das tropas do rei Pirro, de Épiro, contra as for- de tensão, Dilma e Aécio obtiveram os votos necessá-
ças militares romanas em 279 a.C. na batalha de Áscu- rios para a disputa em segundo turno. Essa etapa não foi
lo, serviu de exemplo para se referir a determinadas menos tensa. Marina e o PSB declararam apoio a Aécio.
vitórias cujo desgaste é tão grande, que se assemelham Até o dia da eleição, em 26 de outubro, as pesquisas de
a derrotas. A vitória de Dilma Roussef nas eleições de opinião indicavam empate técnico, com ligeira vanta-
2014 pode ser entendida como uma delas. gem para Dilma, o que viria a se confirmar com a apu-
Em março de 2013, a avaliação positiva do gover- ração. Dilma obteve 51,64% dos votos válidos, enquan-
no chegava a 65%. Ao final de junho, após as manifes- to Aécio recebeu 48,36%. Foi a disputa mais acirrada
tações, o índice despencava para 30%. Em dezembro desde 1989. O país encontrava-se dividido.
de 2013 chegava ao fim o julgamento dos envolvidos
no Mensalão, com a condenação de 25 denunciados e Crise política e crise econômica
a perda do mandato de 3 deputados federais, todos da A apuração do esquema de corrupção na Petrobras,
base do governo federal e algumas lideranças históricas a prisão e uma sucessão de delações premiadas leva-
do PT. ram o governo de Dilma à paralisia. Gradativamente,
A situação política agravou-se ao longo de 2014. Em os apoios obtidos no Congresso Nacional às custas de
março, o doleiro Alberto Youssef foi preso e revelou um negociações e divisão de espaços na máquina pública
novo esquema de lavagem de dinheiro proveniente de começaram a se desarticular. O governo perdia a maio-
corrupção e superfaturamento de obras na Petrobras, ria parlamentar necessária para sua sustentação polí-
que envolvia diretores da empresa, grandes empresá- tica. Grande parte do PMDB, que controlava as presi-
rios e políticos ligados ao PT, PP e ao PMDB, partidos da dências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
base do governo. passou a adotar uma posição de independência que,
A operação Lava Jato (ou Petrolão) atingia, em cheio muitas vezes, os vinculava à oposição.
o governo federal e indicava uma disputa apertada nas Em meio à crise política, uma devastadora crise eco-
eleições presidenciais de outubro. Além de Dilma e nômica intensificou-se desde o final de 2014. No início
Temer, na aliança encabeçada pelo PT e PMDB, lança- de 2016, a inflação acumulada em um ano ultrapassa-
ram-se o ex-governador de Pernambuco Eduardo Cam- va a casa dos 10%. A cotação do dólar oscilava acima de
pos com Marina Silva como vice, pelo PSB. Pelo PSDB o 3,6 reais. A projeção do mercado para 2016 era de uma
candidato escolhido foi Aécio Neves, ex-governador de queda de cerca de 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto).
Minas Gerais. A taxa de desemprego aproximava-se de 10%.
Em agosto, no início da campanha, um acidente Atordoado, o governo mal conseguia encaminhar
aéreo matou o candidato do PSB, logo substituído por propostas para a solução da crise. Por outro lado, uma
sua vice, Marina Silva. corrente conservadora conseguia ganhar cada vez mais
espaço no Congresso e pautava as discussões políticas
no país.
CLÁUDIA CARMINATI

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2014 Com números tão ruins na economia, com as inves-
tigações na operação Lava Jato atingindo cada vez mais
integrantes do governo, a crise política instaurou-se ple-
Aécio Neves namente. Mesmo com denúncias e acusações de envol-
Aloysio Nunes vimento de integrantes da oposição como Aécio Neves
e Eduardo Cunha (presidente da Câmara dos Deputa-
51,64% 2.º turno dos), a indignação da opinião pública voltou-se princi-
PT
palmente contra o PT e o governo de Dilma.
48,36% Vestidos de verde e amarelo, milhões de manifes-
PSDB
tantes tomaram as ruas em protestos ao longo de 2015.
Dilma Rousseff As manifestações atingiram seu ápice em 13 de março de
Michel Temer 2016, quando cerca de cinco milhões de brasileiros saí-
ram às ruas em diversas cidades do país. A maior mani-
Fonte: Elaborado com base em boletins do Tribunal Superior Eleitoral. festação ocorreu em São Paulo, na mesma avenida que

Lula: para além do bem e do mal 271

OH_V3_Book.indb 271 18/05/16 09:41


em 2002 havia comemorado a vitória de Lula nas elei- Em abril, a base de sustentação do governo ruiu. O vice
E
ções presidenciais. Em 2016, os manifestantes pediam a -presidente, Michel Temer e o seu partido, o PMDB, passa-
renúncia de Dilma e a prisão do ex-presidente. ram a articular com a oposição a destituição de Dilma e a
Conversas telefônicas entre a presidente e o ex-pre- montagem de um novo governo. Em 17 de abril, a Câma-
sidente foram gravadas pela Polícia Federal e abertas à ra dos Deputados, presidida por Eduardo Cunha, acolheu
imprensa pelo juiz Sérgio Moro, o principal comandan- o pedido de impeachment por 367 votos. Em 12 de maio, o
te da investigação. Os ânimos acirraram-se ainda mais. plenário do Senado aprovou o afastamento de Dilma por
Opositores exigiam a renúncia da presidente. Governistas 55 votos. No mesmo dia, Temer assumiu a presidência.
acusavam o juiz de violar a Constituição e de exceder os É importante lembrar que manifestações são legítimas
limites de sua magistratura, ao revelar conversas da pre- em um regime democrático. Os manifestantes, de quais-
sidente, o que só seria legal com autorização do Supremo quer preferências ideológicas ou siglas partidárias, devem
Tribunal Federal. Em um clima de intensa polarização e lembrar, também, que só podem ocupar as ruas porque
espetacularização da política, o show parece chegar próxi- a democracia foi instaurada a partir de 1985, pela qual,
mo ao seu final. milhares saíram às ruas quando era proibido protestar.
DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO

THIAGO QUEIRÓZ/ESTADÃO CONTEÚDO

Manifestantes pró-impeachment (cerca de 500 mil). Manifestantes contra o impeachment (cerca de 100 mil).
Avenida Paulista, São Paulo, 13 mar. 2016. Avenida Paulista, São Paulo, 18 mar. 2016.

Verificação de leitura 3 → conforme tabelas das páginas 8 e 9.


Faça
em se
cadernu
o

1 A chamada "crise do Mensalão" causou grande des- da geração de 1968 chegou ao poder no Brasil".
gaste político ao presidente Lula. No entanto, não → DL/CF/SP
houve a instauração de processo de impeachment. 3 Do ponto de vista econômico, houve ruptura entre
Aponte três razões para isso. as políticas adotadas por FHC e as adotadas por
→ DL/CF/SP/H9/H21 Lula? Justifique sua resposta. → DL/CF/SP/H9
2 Comente a seguinte afirmação do texto: "Uma parte

272 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 272 18/05/16 09:41


Engenho Arte
Engenho E Arte
Leitura complementar

a liberdade de expressão
"Nos últimos dias, aconteceu uma execução de jornalis- de de expressão. A segunda questão é o fato de se incitar
tas. [...] Para os europeus, é necessário conservar a liber- à violência. Você diz que não concorda com nada na reli-
dade de expressão e evitar represália da parte do terro- gião ou na política, mas os que não concordam com isso
rismo. [...] não podem ameaçar a liberdade de expressão. É muito
forte essa ideia, muito difícil. A terceira medida que fez a
Hoje os terroristas são fundamentalistas islâmicos.
França ter essa manifestação espontânea foi o desejo de
Eles vêm de várias regiões, são frutos de uma mistura cul-
fraternidade. Houve muitas ameaças terroristas na França.
tural, linguística e política. Nunca esqueça que os seres
Nós assumimos essa responsabilidade humana, republi-
humanos, assim como vocês e eu, provêm de sua cultura,
cana, democrática. Os franceses não são heróis, não são
de sua língua, de sua visão de mundo, de sua liberdade, de
melhores que outros povos. Simplesmente é defender o
sua política, de seu patrimônio, de sua representação his-
direito fundamental de um país. [...]
tórica. Estamos todos no mesmo barco, porque a cultura é
a mais importante. Charlie Hebdo é o exemplo de quem exagera na liber-
dade de expressão, mas, de todo modo, deve ser defen-
Quando os terroristas dizem que estamos proibidos
dido. Não há concessão possível para a liberdade de
de representar Maomé, é porque o Islã proíbe a represen-
expressão. [...]
tação de Maomé [...]
Essa é a radicalização da democracia, é a liberdade
O assassino dos jornalistas de Charlie Hebdo entrou
por tudo e para todos, seja pela religião, seja pela política,
na redação e atirou em todos que estavam lá, somente por
seja pela comunicação, seja no poder ético. Não se pode
eles terem ousado representar o profeta. Esse é o grande
interditar a liberdade de expressão, mesmo se não gostar
debate. Se a França fizer alguma concessão, terá que assu-
do que foi dito. Esse é o arranjo político de Charlie Hebdo.
mir para o mundo que a Europa é uma parte do mundo em
Por isso que o mundo inteiro se manifestou, porque mui-
que não há liberdade de expressão total. [...]
tos países viram que o que se passou na França diz respei-
Com a manifestação de hoje, a França, que é um to à liberdade de expressão do mundo inteiro. [...]
pequeno país, com 60 milhões de habitantes, levou qua-
Eu repito que a lição desse massacre é a liberdade de
tro milhões de pessoas às ruas. Algumas pessoas liam o
expressão absoluta, a fraternidade, liberdade e, finalmen-
Charlie Hebdo. Era um jornal que tinha a tiragem de 100
te, a França como símbolo de certa concepção de univer-
mil exemplares. Não era um jornal popular, mas o massa-
salidade [...]."
cre dos jornalistas fez com que, espontaneamente, milha-
res de pessoas saíssem às ruas por três questões essen- WOLTON, Dominique. "A liberdade de expressão e o Charlie Hebdo".
Líbero, v. 18, n.º 35, junho de 2015. p. 11-12.
ciais: não se deve tocar na liberdade de expressão. Mesmo
se ela for inconveniente, ela é absoluta, como ocorre na Dominique Wolton(1947-) é sociólogo e diretor de pesquisas do
Suécia, na Finlândia. É preciso ter respeito com a liberda- CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), na França.

Faça
em se → conforme tabelas das páginas 8 e 9.
cadernu
o

1 Relembre os princípios da Revolução Francesa de dade e, finalmente, a França como símbolo de certa con-
1789 (estudada no volume 2) e os relacione à afir- cepção de universalidade."
mação: "Charlie Hebdo é o exemplo de quem exagera → DL/CF/CA/H3/H9/H10/H15/H21/H24
na liberdade de expressão, mas, de todo modo, deve ser
defendido. Não há concessão possível para a liberdade 2 É possível afirmar que vivemos um período de plena
de expressão. [...] Eu repito que a lição desse massacre é liberdade de expressão? Justifique a resposta.
a liberdade de expressão absoluta, a fraternidade, liber- → DL/CF/CA/EP

Engenho e Arte 273

OH_V3_Book.indb 273 18/05/16 09:41


Faça
Mãos à Obra em se
cadernu
o

1 "Após oito anos de negociação, Estados Unidos, Japão 4 O petróleo é o resultado de uma lentíssima decom-
e mais dez países fecharam em Atlanta, EUA, o Tratado posição de resíduos orgânicos. Esse material acumu-
Transpacífico, no que o jornal americano The New York lou-se em camadas sedimentares há dezenas ou cen-
Times definiu como o maior acordo comercial regional tenas de milhões de anos formando uma substância
da história. [...] o TTP, na sigla em inglês, abrange 40% oleosa. A formação das reservas de petróleo remonta,
da economia global." portanto, às eras geológicas dos períodos Paleozoico,
Folha de S. Paulo, 5 out. 2015. Mesozoico e Cenozoico, nos quais se desenvolveram
Explique o que é o Tratado Transpacífico e indique os primeiros organismos vegetais e animais, como os
dois de seus principais objetivos. dinossauros e os primeiros mamíferos.
→ DL/CA/H7/H8/H9 O petróleo é hoje a principal fonte de energia do
2 (Enem) O índio do Xingu, que ainda acredita em Tupã, mundo contemporâneo e teve sua utilização iniciada
assiste pela televisão a uma partida de futebol que acon- na segunda metade do século XIX, no decorrer do
tece em Barcelona ou a um show dos Rolling Stones na desenvolvimento industrial e tecnológico conhecido
praia de Copacabana. Não obstante, não há que se ilu- como Segunda Revolução Industrial. Sua utilização
dir: o índio não vive na mesma realidade em que um em larga escala esteve vinculada ao desenvolvimen-
morador do Harlem ou de Hong Kong, uma vez que são to de motores a explosão que utilizavam gasolina ou
distintas as relações dessas diferentes pessoas com a óleo diesel como combustível.
realidade do mundo moderno; isso porque o homem é As maiores reservas de petróleo encontram-se na
um ser cultural, que se apoia nos valores da sua comu- região do Oriente Médio, responsável por mais de
nidade, que, de fato, são os seus. 60% do total mundial. Em 1960, os principais
GULLAR, F. Folha de S. Paulo. São Paulo: 19 out. 2008. (adaptado) países exportadores do produto fundaram a Opep
(Organização dos Países Produtores de Petróleo),
Ao comparar essas diferentes sociedades em seu
visando valorizar o petróleo no mercado interna-
contexto histórico, verifica-se que
cional. Hoje em dia são integrantes da Opep: Arábia
a) pessoas de diferentes lugares, por fazerem uso de Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Kuwait,
tecnologias de vanguarda, desfrutam da mesma Qatar, Líbia, Nigéria, Argélia, Angola, Venezuela e
realidade cultural. Equador.
b) o índio assiste do futebol ao show, mas não é capaz
Pode-se notar que a maior parte desses países
de entendê-los, porque não pertencem à sua cultura.
exportadores de petróleo são islâmicos e adversá-
c) pessoas com culturas, valores e relações diversas rios, no plano internacional, dos Estados Unidos.
têm, hoje em dia, acesso às mesmas informações.
A descoberta de reservas de petróleo no litoral brasi-
d) os moradores do Harlem e de Hong Kong, devido à leiro em 2007 provocou fortes discussões nos meios
riqueza de sua História, têm uma visão mais apri- políticos e empresariais do Brasil. A chamada camada
morada da realidade. pré-sal constitui-se de uma faixa ao longo da costa,
e) a crença em Tupã revela um povo atrasado, entre Santa Catarina e o Espírito Santo. Abaixo de
enquanto os moradores do Harlem e de Hong 7 mil metros de profundidade e sob uma extensa
Kong, mais ricos, vivem de acordo com o presente. camada de sal, encontram-se as reservas petrolíferas
→ DL/CF/SP/H5/H11/H16/H20/H21 que podem fazer do Brasil um dos maiores produtores
3 "Em dezembro de 2010 um jovem tunisiano, desempre- de petróleo do mundo. Se as estimativas estiverem
gado, ateou fogo ao próprio corpo como manifestação corretas, com tais reservas o país pode triplicar a sua
contra as condições de vida no país. Ele não sabia, mas produção de óleo e gás natural.
o ato desesperado, que terminou com a própria morte, A divisão dos rendimentos entre as unidades da
seria o pontapé inicial do que viria a ser chamado mais federação e o destino dos altíssimos lucros esti-
tarde de Primavera Árabe." mados tornaram-se pontos de acirradas discussões
"Um ano de Primavera Árabe, a primavera no país. Se as previsões estiverem certas, há uma
inacabada". estadao.com.br, 8 out. 2012. oportunidade de se estabelecerem novos rumos para
a resolução dos problemas sociais e econômicos
Explique o que foi a "Primavera Árabe", exemplifi-
brasileiros. A respeito do assunto, leia o texto e o
cando alguns de seus efeitos.
infográfico a seguir.
→ DL/CF/H7/H8/H10/H11/H15

274 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 274 18/05/16 09:41


ERIKA ONODERA/A+ COMUNICAÇÃO
PRÉ-SAL

Navio de
7 mil metros transporte
de profundidade
e sob extensa
camada de sal. Navio-sonda

93 bilhões 2 000
Camadas metros Tubos de
de dólares em
1 Água perfuração
investimentos.
50 a 100 bilhões
2 Pós-sal
de barris de petróleo Abriga a maioria das
em toda a área. reservas do Brasil. 1 000
metros

3 Sal
Camada irregular
cuja espessura vai
de 1 000 a 2 000 2 000
metros
metros.

4 Pré-sal
Por suas características Rocha-reservatório
de petróleo
geológicas, marca o
início de um novo modelo A reserva
exploratório, com
tecnologia mais resistente
à corrosão, a altas
temperaturas e pressão.
Produção
MG
2012 – 200 mil barris/dia
SP
ES
2017 – 1 milhão de barris/dia PR RJ
Em 1 barril 300 km

1 barril 36% óleo diesel 9% nafta Área de Tupi


19% gasolina 5% outros Bacia de
158,9 L = 17% óleos combustíveis 4% querosene de aviação
Bacia de Santos Campos

10% GLP

Fonte: Elaborado com base em Petrobrás. Disponível em: http://goo.gl/hlI0MQ. Acesso em: 30 mar. 2016.

Pré-sal, Fundo Social, Fundo Soberano e a questão A mesma lei preceitua que o FS está vinculado direta-
social no Brasil mente à presidência da República, a quem cabe definir
"[...] O Fundo Social (FS) é construído em meio às pers- a composição e o funcionamento do Comitê de Gestão
pectivas da descoberta do pré-sal. É gerido pela Lei n.º Financeira do Fundo Social (CGFFS) e o Conselho
Deliberativo do Fundo Social (CDFS) esses dois orga-
12.351, de 22/12/2010, tendo "finalidade de constituir
nismos definem a política de investimento e propor as
fonte de recursos para o desenvolvimento social e regio-
prioridades e a destinação dos recursos.
nal, na forma de programas e projetos nas áreas de com-
bate à pobreza e de desenvolvimento: I – da educação; II O Fundo Social, embora possua finalidades e objetivos
– da cultura; III – do esporte; IV – da saúde pública; V – da diferentes do Fundo Soberano do Brasil, tem em comum
ciência e tecnologia; VI – do meio ambiente; VII – de miti- com este o fato de, na sua instauração, não contar com
gação e adaptação às mudanças climáticas". nenhum ministro das áreas mais sensíveis às questões

Engenho e Arte 275

OH_V3_Book.indb 275 18/05/16 09:41


sociais. Esta constatação, percebendo o estágio embrio- to das condições de vida nas cidades. As principais
nário de formação desses fundos, deve animar os seto- economias emergentes que despertam o interesse
res e organizações populares na formulação de propos- dos empresários do mundo são: Brasil, Rússia, Índia
tas, com o fim de fazer firmar representantes das áreas e China (BRIC). Tais países apresentam caracterís-
sociais, dos variados matizes populares. […]" ticas comuns, como mão de obra abundante e sig-
nificativas reservas de recursos minerais. Diante do
ROMÃO, Frederico Lisboa. Disponível em: http://goo.gl/KhSNYf. quadro apresentado, é possível inferir que a reunião
Acesso em: 30 abr. 2016. (adaptado) desses países, sob a sigla BRIC, aponta para:
a) A descoberta dessa grande reserva petrolífera no a) um novo sistema socioeconômico baseado na
litoral brasileiro pode significar um grande estí- superação das desigualdades que conferiam sen-
mulo para o desenvolvimento do país. Na sua opi- tido à ideia de Terceiro Mundo.
nião, em quais áreas deveriam ser investidos os b) a razoabilidade do pleito de participarem do
recursos obtidos com a exploração do petróleo? Conselho de Segurança da Organização das
Justifique. → DL/SP/EP/H18/H25 Nações Unidas (ONU).
b) A área abrangida por esses campos está localizada c) a melhoria natural das condições sociais em
na região litorânea dos estados de Santa Catarina, decorrência da aceleração econômica e da redu-
Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. ção dos níveis de desemprego.
Discute-se a distribuição da riqueza também d) a perspectiva de que se tornem, a médio prazo,
entre as unidades da federação. Na sua opinião, economias desenvolvidas com uma série de desa-
como tais riquezas devem ser distribuídas entre fios comuns.
os Estados brasileiros? Justifique sua resposta. e) a formação de uma frente diplomática com o obje-
→ DL/SP/EP/H9/H25 tivo de defender os interesses dos países menos
c) No momento, como as opiniões a respeito da des- desenvolvidos.
coberta do pré-sal têm sido exploradas politica-
→ DL/SP/H7
mente no Brasil? → DL/H14
7 (Enem) O desenho do artista uruguaio Joaquín Torres-
d) Quais as repercussões internacionais dessa des-
-García trabalha com uma representação diferente
coberta? → DL/CF da usual da América Latina. Em artigo publicado em
5 "Há grande diversidade entre aqueles que procuram ins- 1941, em que apresenta a imagem e trata do assunto,
piração em sua fé no Islã. A monarquia vaabita da Arábia Joaquín afirma:
Saudita e os líderes religiosos xiitas do Irã têm profun- "Quem e com que interesse dita o que é o norte e o sul?
das discordâncias políticas e divergem igualmente em Defendo a chamada Escola do Sul por que na realida-
questões socioeconômicas. Em termos mais amplos, de, nosso norte é o Sul. Não deve haver norte, senão em
ocorre nos movimentos islamitas um debate sobre se a oposição ao nosso sul. Por isso colocamos o mapa ao
meta correta é mesmo chegar ao poder estatal, assim revés, desde já, e então teremos a justa ideia de nossa
como sobre a democracia, a diversidade social, o papel posição, e não como querem no resto do mundo. A ponta
das mulheres e da educação e sobre a maneira de inter- da América assinala insistentemente o sul, nosso norte."
pretar o Corão. E, embora a maioria dos islamitas aceite
TORRES-GARCÍA, J. Universalismo constructivo.
a realidade da existência dos atuais Estados e suas fron- Buenos Aires: Poseidón, 1941. (adaptado)
teiras, uma minoria mais radical procura destruir todo o
ENEM

sistema e estabelecer um califado que abarque a região


inteira [do Oriente Médio]."
SMITH, Dan. O atlas do Oriente Médio.
São Paulo: Publifolha, 2008. p. 108.

Identifique o principal argumento do texto e o exem-


plifique, citando episódios dos últimos anos.
→ DL/CF/H7/H8/H10/H11
6 (Enem) Figuram no atual quadro econômico mun-
dial países considerados economias emergentes,
também chamados de novos países industrializados.
Apresentam nível considerável de industrialização e
alto grau de investimentos externos, no entanto as
populações desses países convivem com estruturas
sociais e econômicas arcaicas e com o agravamen-

276 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 276 18/05/16 09:41


O referido autor, no texto e imagem anterior, a) à garantia de liberdade coletiva pelo uso da força.
a) privilegiou a visão dos colonizadores da América. b) aos anseios idealistas utópicos perante as con-
b) questionou as noções eurocêntricas sobre o venções sociais.
mundo. c) à natureza imitadora da maioria dos indivíduos
c) resgatou a imagem da América como centro do diante das instituições sociais.
mundo. d) à possibilidade de reação e reversão de processos
d) defendeu a Doutrina Monroe expressa no lema condicionantes.
"América para os americanos". e) às relações de poder presentes nas sociedades.
e) propôs que o sul fosse chamado de norte e vice- → DL/SP/H4/H9
versa.
9 (Enem) Os textos abaixo relacionam-se a momentos
→ DL/SP/H1/H4/H7 distintos da nossa História.
8 (Enem) "Eu não vou mais precisar de muita força, vou "A integração regional é um instrumento fundamental
usar todas as que tenho agora" – ele pensou. E ele se para que um número cada vez maior de países possa
lembrou das moscas que rebentam suas perninhas ao melhorar a sua inserção num mundo globalizado, já
tentarem escapar do mata-moscas. que eleva o seu nível de competitividade, aumenta as
KAFKA, Franz. O processo. Porto Alegre: L&PM trocas comerciais, permite o aumento da produtivida-
Pocket, 2007. p. 258. (fragmento)
de, cria condições para um maior crescimento econô-
mico e favorece o aprofundamento dos processos demo-
QUINO
cráticos. A integração regional e a globalização surgem
assim como processos complementares e vantajosos."
Declaração de Porto, VIII Cimeira Ibero-Americana,
Porto, Portugal, 17 e 18 de outubro de 1998.

"Um considerável número de mercadorias passou a ser


produzido no Brasil, substituindo o que não era possí-
vel ou era muito caro importar. Foi assim que a crise
econômica mundial e o encarecimento das importações
levaram o governo Vargas a criar as bases para o cres-
cimento industrial brasileiro."
POMAR, Wladimir. Era Vargas – a modernização conservadora.
São Paulo: Ática, 1999.

É correto afirmar que as políticas econômicas men-


cionadas nos textos são:
a) opostas, pois, no primeiro texto, o centro das
preocupações são as exportações e, no segundo,
as importações.
b) semelhantes, uma vez que ambos demonstram
uma tendência protecionista.
c) diferentes, porque, para o primeiro texto, a ques-
tão central é a integração regional e, para o segun-
do, a política de substituição de importações.
d) semelhantes, porque consideram a integração regio-
Normalidade II, Quino. Disponível em: http://www.filosofia.com.br/ nal necessária ao desenvolvimento econômico.
figuras/charge/49.jpg. Acesso em: 26 mar. 2009.
e) opostas, pois, para o primeiro texto, a globali-
zação impede o aprofundamento democrático
O Controle Social pode ser tomado como um conjun- e, para o segundo, a globalização é geradora da
to de penalidades e aprovações, chamadas também crise econômica.
de sanções. Estas são aplicadas aos indivíduos pela
→ DL/SP/H4/H8
sociedade para assegurar a conformidade das con-
dutas aos modelos estabelecidos. A imagem e o texto
destacam aspectos relativos:

Engenho e Arte 277

OH_V3_Book.indb 277 18/05/16 09:41


10 (Enem) e qualquer nação que não compartilhe de seu fanatis-
1 – "[...] O recurso ao terror por parte de quem já mo. Foi um ataque à vida e aos meios de vida. As empre-
detém o poder dentro do Estado não pode ser sas aéreas, o turismo e outras indústrias foram afeta-
arrolado entre as formas de terrorismo político, das e a confiança econômica sofreu, afetando empregos
porque este se qualifica, ao contrário, como o ins- e negócios britânicos. Nossa prosperidade e padrão de
trumento ao qual recorrem determinados grupos vida requerem uma resposta aos ataques terroristas."
para derrubar um governo acusado de manter-se
O Estado de S. Paulo, 8 out. 2001.
por meio do terror."
Nesta declaração, destacaram-se principalmente os
2 – Em outros casos "os terroristas combatem contra
interesses de ordem:
um Estado de que não fazem parte e não contra um
a) moral.
governo (o que faz com que sua ação seja cono-
tada como uma forma de guerra), mesmo quando b) militar.
por sua vez não representam um outro Estado. Sua c) jurídica.
ação aparece então como irregular, no sentido de d) religiosa.
que não podem organizar um exército e não conhe- e) econômica.
cem limites territoriais, já que não provêm de um
Estado". → DL/SP/H1/H7
BOBBIO, N., MATTEUCCI, N. e PASQUINO, G. (Org.). 12 (Enem) O fim da Guerra Fria e da bipolaridade, entre
Dicionário de política. Brasília: Ed. UnB, 1986. as décadas de 1980 e 1990, gerou expectativas de
que seria instaurada uma ordem internacional marca-
De acordo com as duas afirmações, é possível com-
da pela redução de conflitos e pela multipolaridade.
parar e distinguir os seguintes eventos históricos:
I. Os movimentos guerrilheiros e de libertação O panorama estratégico do mundo pós-Guerra Fria
nacional realizados em alguns países da África e apresenta:
do Sudeste Asiático entre as décadas de 1950 e a) o aumento de conflitos internos associados ao
1970 são exemplos do primeiro caso. nacionalismo, às disputas étnicas, ao extremismo
religioso e ao fortalecimento de ameaças como o
II. Os ataques ocorridos na década de 1990, como
terrorismo, o tráfico de drogas e o crime organi-
às embaixadas de Israel, em Buenos Aires, dos
EUA, no Quênia e Tanzânia, e ao World Trade zado.
Center em 2001 são exemplos do segundo caso. b) o fim da corrida armamentista e a redução dos
gastos militares das grandes potências, o que
III. Os movimentos de libertação nacional dos anos
se traduziu em maior estabilidade nos continen-
1950 a 1970 na África e Sudeste Asiático, e o ter-
tes europeu e asiático, que tinham sido palco da
rorismo dos anos 1990 e 2001 foram ações con-
Guerra Fria.
tra um inimigo invasor e opressor, e são exemplos
do primeiro caso. c) o desengajamento das grandes potências, pois
as intervenções militares em regiões assola-
É correto o que se afirma apenas em: das por conflitos passaram a ser realizadas pela
a) I. Organização das Nações Unidas (ONU), com
b) II. maior envolvimento de países emergentes.
c) I e II. d) a plena vigência do Tratado de Não Proliferação,
d) I e III. que afastou a possibilidade de um conflito nuclear
como ameaça global, devido à crescente cons-
e) II e III.
ciência política internacional acerca desse perigo.
→ DL/SP/H9
e) a condição dos EUA como única superpotência,
11 (Enem) O texto abaixo é um trecho do discurso do mas que se submetem às decisões da ONU no que
primeiro-ministro britânico, Tony Blair, pronunciado concerne às ações militares.
quando da declaração de guerra ao regime Talibã:
→ DL/CF/SP/H3/H7
"Essa atrocidade [o atentado de 11 de setembro, em
13 Leia abaixo o trecho do documento com atenção.
Nova York] foi um ataque contra todos nós, contra
pessoas de todas e nenhuma religião. Sabemos que a "Parece-me gente de tal inocência que se nós os enten-
Al-Qaeda ameaça a Europa, incluindo a Grã-Bretanha, dêssemos e eles a nós, que seriam logo cristãos [...]

278 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 278 18/05/16 09:41


Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal, que a de conhecida de suas ações terroristas ocorreu em 2001,
Adão não seria mais, quanto à vergonha [...] [...] e a quando foram atingidos o Pentágono e as torres do
terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvo- World Trade Center.
redos [...] Pelo sertão, nos parece do mar, muito grande, A partir das informações acima, conclui-se que:
porque a estender olhos não podíamos ver senão terra e a) as ações guerrilheiras e terroristas no mundo con-
arvoredo, que nos parecia mui longa terra. temporâneo usam métodos idênticos para alcan-
Nela, até agora, não podemos saber que haja ouro, nem çar os mesmos propósitos.
prata, nem coisa alguma de metal nem ferro [...] Mas, a b) o apoio internacional recebido pelas Farc decor-
terra em si, é de muitos bons ares [...] Águas são mui- re do desconhecimento, pela maioria das nações,
tas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, queren- das práticas violentas dessa organização.
do a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas c) os EUA, mesmo sendo a maior potência do plane-
que tem. ta, foram surpreendidos com ataques terroristas
que atingiram alvos de grande importância sim-
Mas, o melhor fruto que nela se pode fazer, me parece, bólica.
que será salvar esta gente, e esta deve ser a principal d) as organizações mencionadas identificam-se
semente que Vossa Alteza nela deve lançar. quanto aos princípios religiosos que defendem.
Deste Porto Seguro, da vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, e) tanto as Farc quanto a Al Qaeda restringem sua
sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500." atuação à área geográfica em que se localizam,
respectivamente, América do Sul e Ásia.
PERO VAZ DE CAMINHA. In: SIMÕES, H. C.; GONZAGA, R. R.
O achamento do Brasil. A Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei
→ DL/SP/H2/H7/H9
d. Manuel. Salvador/Ilhéus: EGBA/Editus, 1999. p. 55-59. 15 Leia o texto abaixo com atenção e responda às ques-
tões propostas:
Provavelmente, você conhece ou já ouviu falar
nesse documento. É a famosa carta de Pero Vaz de "Os governos Lula e Dilma, sustentados pelo subpro-
Caminha, escrivão que acompanhava a esquadra letariado, buscam equilibrar as classes fundamen-
de Pedro Álvares Cabral em sua chegada à América tais – proletariado e capitalistas –, pois o seu suces-
do Sul em abril de 1500. Depois de tantos estudos so depende de que nenhuma delas tenha força para
sobre o Brasil e o mundo, você já tem elementos para impor os próprios desígnios: o reformismo forte, que
analisar esses últimos 500 anos de História. Escreva ambiciona o aumento rápido da igualdade, impondo
uma carta-resposta a Caminha contando aquilo que travas ao moinho satânico, ou o neoliberalismo, que
você considera importante acerca do que foi feito tende a aumentar a desigualdade, impondo perdas
nestas terras e com os seus habitantes nativos nos aos trabalhadores. A estatização dos conflitos, [...]
últimos 500 anos. Elabore sua carta como uma espé- desmobilizando as classes, corresponde ao propósito
cie de capítulo de fechamento deste livro. Elabore a de evitar a radicalização. Como fração de classe que
seção "Um Outro Olhar", a "Mãos à obra", a "Leitura não pode se auto-organizar, o subproletariado depo-
Complementar" etc. sita no Estado, não na sociedade organizada, a espe-
rança de sair da pobreza sem passar por turbulências
Construa seu capítulo relacionando as informações e
que poriam em risco o processo de integração."
análises fornecidas com aquilo que você já estudou
em outras unidades. SINGER, A. Os sentidos do lulismo. Reforma gradual e pacto
→ DL/CF/SP/CA/EP conservador. São Paulo: Cia. das Letras, 2014. p. 200-201.

14 (Enem) Na América do Sul, as Forças Armadas a) De acordo com Singer, como se deram as relações
Revolucionárias da Colômbia (Farc) lutam, há déca- entre as classes sociais durante os governos Lula
das, para impor um regime de inspiração marxista no e Dilma?
país. Hoje, são acusadas de envolvimento com o nar- b) O final do primeiro governo Dilma foi marcado por
cotráfico, o qual supostamente financia suas ações, uma profunda crise econômica e política. Analise
que incluem ataques diversos, assassinatos e seques- as condições e características dessa crise e seus
tros. Na Ásia, a Al Qaeda, criada por Osama Bin Laden, desdobramentos.
defende o fundamentalismo islâmico e vê nos Estados
Unidos da América (EUA) e em Israel inimigos pode- → DL/CF/SP/H13/H14/H15/H22/H23/H24
rosos, os quais deve combater sem trégua. A mais

Engenho e Arte 279

OH_V3_Book.indb 279 18/05/16 09:41


Faça
Em Cartaz em se
cadernu
o

• Faça uma pesquisa sobre a situação politica de


Diamante de sangue Serra Leoa de 1990 até 2002.
Diretor: Edward Zwick • Observe e analise a imagem, abaixo, do cartaz da

DIVULGAÇÃO
País: E
 stados Unidos campanha da Anistia Internacional.
Ano: 2006
Câmera
De posse de material para fazer anotações durante a exi-
bição do filme, sugerimos que você preste atenção nos
seguintes aspectos e registre-os:
• Qual a situação de Serra Leoa apresentada pelo filme.
A trama se passa em Serra Leoa, em finais da década de
• De que maneiras as crianças estão envolvidas com
1990, durante a guerra civil que assolava o país. A trama
a guerra.
tem dois personagens centrais: um ex-mercenário nasci-
do no Zimbabwe, branco, que se aproveita da desorga- • Quais os grupos envolvidos na trama.
nização gerada pela guerra para traficar diamantes da • Qual o papel desempenhado pelos países desenvol-
área de conflito para a Europa, financiando de modo dire- vidos.
to as atrocidades cometidas, e um "aldeão" negro que • Como são representados os guerrilheiros.
é separado de sua família por milicianos e passa a ter
como objetivo de vida reencontrá-a. Ao ser forçado pelos
Ação
rebeldes a trabalhar numa área de mineração, encontra e 1 Qual a temática do filme?
esconde um valioso diamante, o que fará com que o trafi- 2 Como foi caracterizado o personagem Danny Archer?
cante passe a ajudá-lo a encontrar a família para receber
3 Em sua opinião, qual é a imagem da África que o filme
em troca o diamante.
transmite?
Luzes 4 Como são apresentadas as relações entre os países
desenvolvidos do Ocidente e os países subdesenvol-
Retome as instruções oferecidas para análise de filmes
vidos africanos?
nos Procedimentos metodológicos da página 10.
Antes de analisar o filme, é necessário retomar informa- 5 Em sua opinião, o filme cumpre seu objetivo de mos-
trar a realidade enfrentada pela população africana?
ções e conceitos contidos no capítulo.
Justifique sua resposta.
• Releia o item Diamantes de sangue e a indústria
petrolífera (p. 263-264). → DL/CF/SP/H1/H7/H11/H15/H18
ANISTIA INTERNACIONAL, FRANÇA

Qual preço por esses


diamantes? Cartaz da
campanha da Anistia
Internacional, 2003.

Estante • BARBOSA, Alexandre de Freitas. O mundo globalizado: política, sociedade e economia.


São Paulo: Contexto, 2001.

280 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 280 18/05/16 09:41


1 (UFC-CE) "Ocorre que o capitalismo visto em pers- cia. É um processo complexo em que os Estados
pectiva histórica de longa duração, logo se revela devem deixar claro onde querem chegar. Caso
como modo de produção e processo civilizatório contrário, prevalecem as preocupações."
[...] Neste sentido desenvolveu-se o Mercantilismo,
Carta Capital, 2002.
o Colonialismo e o Imperialismo e o Globalismo
[...] Cabe reconhecer, pois, que a globalização, a De acordo com o texto, pode-se afirmar que,
Radar
globalidade ou o globalismo compreende um novo para Cofferati, a globalização é um fenômeno
surto de expansão das forças produtivas e rela- que deve ser visto com cautela, já que provoca a:
ções de produção capitalistas" a) inevitável diminuição das desigualdades
IANNI, Otávio. A globalização e o retorno da Questão entre os países ricos e pobres.
Nacional. Primeira Versão. n. 90. IFCH. b) necessidade de elaboração de regras cla-
Campinas: Unicamp, junho de 2000. p. 9-10. ras e de questionamento dos modelos de
A fase de expansão do capitalismo, chamada democracia atualmente adotados pelos
de globalização, caracteriza-se por: Estados nacionais.
a) concretizar o ideal internacionalista, que c) substituição de governos nacionais por
nasceu no século XIX, no seio do movi- uma administração supranacional.
mento operário, no contexto de expansão d) maior intervenção dos Estados Nacionais
do capitalismo. sobre seus mercados.
b) cristalizar o ideal do Fórum Mundial Anti- e) impossibilidade de ação regulatória de órgãos
Faça -Davos com os postulados do movimento supranacionais sobre os mercados globais.
em se pacifista, surgido na década de 1970, após
cadernu → DL/SP/H1/H7/H9
o a guerra do Vietnã.
c) implementar políticas de estatização de 3 (Fuvest-SP) "... a atual renovação do mercado
→ conforme
empresas privadas, empréstimos interna- mundial autorregulador já enunciou veredic-
tabelas das
cionais com juros baixos para os países tos insuportáveis. Comunidades, países e até
páginas 8 e 9.
emergentes. continentes inteiros... foram declarados 'supér-
fluos', desnecessários à economia cambian-
d) internacionalizar a economia, junto ao sur-
te da acumulação de capital em escala mun-
Tá na rede! gimento de organismos específicos, como a
dial [...] o desligamento dessas comunidades e
Organização Planetária do Comércio, tendo
QUESTÕES locais 'supérfluos' do sistema de abastecimento
como marco geral a teoria neomercantilista.
DE ENEM mundial desencadeou inúmeras divergências...
e) usar um discurso em favor do mercado e sobre 'quem é mais supérfluo do que quem'."
Digite o endereço contra o planejamento econômico governa-
abaixo na barra ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX, 1994.
mental, junto ao surgimento de organiza-
do navegador de
ções multinacionais e estruturas mundiais Para tal situação, contribuíram decisivamen-
internet: http://goo.
gl/xog0Jb. Você de poder. te, na década de 1980:
pode também tirar → DL/SP/H9 a) a hegemonia do neoliberalismo e o colapso
uma foto com um da União Soviética.
aplicativo de QrCode
2 (Unirio-RJ) Sergio Cofferati, líder da Confede-
razione Generali Italiana, a maior confedera- b) a crise da social-democracia e o sucesso
para saber mais sobre dos tigres asiáticos.
o assunto. Acesso em: ção sindical da Itália, fez, em recente entrevis-
4 abr. 2016. ta à revista Carta Capital, as seguintes declara- c) o fracasso do consenso de Washington e o
ções sobre o processo de globalização: êxito da China.
"Quando não acompanhada por regras cla- d) a dominação do keynesianismo e a estag-
ras, [a globalização] produz desequilíbrios e nação da África e da América Latina.
inquietude. Os jovens é que percebem os ris- e) a expansão do fundamentalismo islâmico e
cos. Desequilíbrio porque as condições de com- a desintegração do Leste Europeu.
petição entre países pobres e ricos jamais serão → DL/SP/H9
alteradas. É provável que as diferenças se acen-
tuem porque os países ricos descarregam sobre
4 (UFSCar-SP) O orgulho e o irracionalismo que
Página dedicada a conduziram o mundo em conjunto para um
questões já aplica- os mais pobres suas próprias contradições. [...]
das em provas do desequilíbrio cada vez mais insuportável entre
Para que se tenha mercado global é necessária a
ENEM. Busque exer- as redes financeiras e econômicas, que acu-
cícios sobre os temas existência de órgãos supranacionais dotados de
mulam riquezas, e as sociedades fragmenta-
desenvolvidos neste capacidade de ação. Para criá-los é preciso ceder
capítulo. das, cada vez mais desiguais, não podem conti-
cotas de soberania dos Estados. Desse modo, se
nuar se escondendo atrás do tema ambíguo da
faz necessário repensar os modelos de democra-

Radar 281

OH_V3_Book.indb 281 18/05/16 09:41


globalização. Podemos discutir as vantagens e os incon- → DL/SP/H9
venientes da crescente internacionalização das trocas,
6 (UFPI) Leia, com atenção, a seguinte afirmação. "O
mas esse debate complexo não tem muito a ver com
neoliberalismo reinterpreta o processo histórico de
a realidade brutal oculta pela palavra "globalização".
cada país: os vilões do atraso econômico passam a ser
Esta proclama a superioridade de uma economia mun-
os sindicatos e junto com eles, as conquistas sociais..."
dializada sobre todos os processos de controle exerci-
dos em nível nacional. Em seu nome, falou-se muito Emir Sader
no declínio dos Estados nacionais, quando a realidade Tal afirmação se configura diretamente como uma:
observável não corresponde a esse tema de propagan- a) crítica à inexpressiva conscientização política dos
da que busca afirmar o direito de um capitalismo sem sindicatos.
controle nem regras a dominar o mundo.
b) defesa dos ideais da direita, na elaboração e pre-
TOURAINE, Alain. "A política contra a cegueira". servação de políticas públicas.
In: Folha de S. Paulo. Caderno Mais! 27 jan. 2002.
c) reação à política neoliberal, que menospreza as
O autor argumenta a favor da ideia de que a globa- reivindicações dos sindicatos.
lização: d) ampliação do conceito de cidadania social a toda
a) possibilitou amenizar as desigualdades sociais e população brasileira.
econômicas no mundo capitalista, preparando-o
e) resultante do acordo estabelecido entre os países
para uma sociedade mais igualitária.
ricos e os menos favorecidos.
b) tem enfraquecido principalmente as organizações
políticas dos Estados nacionais, sem contudo afe- → DL/SP/H1/H9
tar as organizações econômicas nos seus merca- 7 (PUCCamp-SP) "A reação de Bush foi imediata. O presi-
dos interno e internacional. dente americano condenou energicamente a invasão e
c) enfraqueceu ainda mais o controle que os Estados chegou a qualificar Saddam Hussein como uma 'amea-
podiam exercer sobre o capitalismo, ao se consi- ça à humanidade', um 'novo Hitler'. Passando das pala-
derarem principalmente sociedades com econo- vras aos atos, Bush também exigiu que a ONU adotasse
mias desiguais. uma série de medidas punitivas, incluindo um amplo
boicote econômico ao lraque. Essas medidas desem-
d) tem beneficiado igualmente todos os países do
bocaram num ultimato: Saddam teria até o dia 15 de
mundo, quando aliada à mundialização política e
janeiro de 1991 para retirar suas tropas do Kuwait.
cultural.
Caso não o fizesse, o lraque seria atacado por uma
e) possibilitou a internacionalização das trocas, força multinacional liderada pelos Estados Unidos. [...]
amenizando a brutalidade dos impactos do capi- Os ataques contra Bagdá, a capital do Iraque, foram
talismo "selvagem". realizados a partir de janeiro. Os Estados Unidos envia-
→ DL/SP/H8/H9 ram 500 mil soldados para a região. A presença dessa
5 (Unifesp) Embora o terreno ideal do socialismo- força militar deu aos Estados Unidos absoluta predo-
-comunismo tenha desmoronado, os problemas que minância no território. Nessa época, a União Soviética
ele pretendeu resolver permanecem: o uso descarado estava politicamente paralisada..."
da vantagem social e o desordenado poder do dinhei- O texto permite afirmar que a Guerra do Golfo:
ro, que muitas vezes dirige o curso mesmo dos acon- a) representou a última ameaça à paz mundial, colo-
tecimentos. E se a lição global do século XX não servir cando na mesma mesa de negociação os blocos
como uma vacina curativa, o imenso turbilhão verme- socialista e capitalista.
lho pode repetir-se em sua totalidade.
b) significou apenas uma trágica continuação da
SOLJENITSIN, A. The New York Times. 28 nov. 1993. batalha estratégica entre comunistas e capitalis-
Do texto, depreende-se uma: tas pelo controle do Leste Europeu.
a) crítica ao neoliberalismo e a crença na história c) revelou a importância de as superpotências con-
como um campo aberto de possibilidades. tinuarem as negociações para limitar a escalada
b) admiração pelo socialismo e a convicção de que o armamentista.
futuro histórico pertence ao comunismo. d) reforçou a mentalidade de que inexiste lugar para
c) hostilidade para com o socialismo e uma visão o diálogo pacífico como meio de solucionar os
otimista quanto ao futuro do capitalismo. conflitos no Oriente Médio.
d) incompreensão com relação ao capitalismo e ao e) foi uma ação militar internacional de grande
socialismo e cegueira com relação ao futuro. envergadura realizada de acordo com as novas
regras do jogo geopolítico.
e) aceitação do capitalismo e a aceitação conformis-
ta da tese que sustenta o fim da história. → DL/SP/H7/H9

282 Capítulo 9  A globalização

OH_V3_Book.indb 282 18/05/16 09:41


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283

OH_V3_Book.indb 283 18/05/16 09:41


Índice de mapas e infográficos
Mapas Independências africanas / 180 mínimo real (em %) / 217
O mundo em 1900 / 16 A guerrilha do Araguaia / 199 Partidos políticos (com registro no TSE
Ditaduras militares na América Latina – até abril de 2016) / 225
África (1914) / 17
(século XX) / 219 Índices econômicos no Brasil: 1960 a
A região balcânica / 25
África do Sul à época do apartheid 1990 / 227
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
(1948-1990) / 240 Inflação e dívida externa brasileira:
/ 27
1985 a 1989 / 231
A Europa pós-Primeira Guerra / 29 Infográficos Eleições presidenciais de 1989 (% de
África (1939) / 43 Indicadores econômicos: 1930 a 1945 votos) / 234
A coluna Prestes-Miguel Costa (1924- / 92 Distribuição de renda no Brasil / 244
-1927) / 56 Guerra civil espanhola • voluntários Diferença de renda entre os 20% mais
Migrações internas (1930-1943) / 89 estrangeiros nas brigadas, por ricos e os 20% mais pobres / 244
Regimes políticos – Década de 1930 / nacionalidade, 1937 / 108
Evolução da inflação anual no Brasil /
104 Partidos políticos: 1945-1965 / 133 244
A Guerra Civil Espanhola (1936) / 106 Eleições presidenciais (1945-1960) Principais destinos dos investimentos
A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) (em %) / 135 chineses na África (milhões de
/ 106 Mercados de exportação da América dólares) / 262
A Segunda Guerra Mundial (1939-1941) Latina (em %) / 143 Participação da pobreza no total da
/ 110 Representação na Câmara dos população (em %) / 269
Países do Eixo versus Forças Aliadas / Deputados de 1947-1962 (em %) / Taxas de crescimento do PIB / 269
113 157
Eleições presidenciais de 2014 / 271
Países socialistas e capitalistas (1955- Indústria x agricultura (% do PIB) / 159
Pré-Sal / 275
-1960) / 129 Presidencialismo e parlamentarismo
Plano da ONU para a partilha da / 160 Linhas de tempo
Palestina (1947) / 130 Divisão de terras (1920 a 1960) A Revolução Mexicana / 38
Fronteiras do Estado de Israel (1949) (% hectares) / 160
Cronologia da crise / 58
/ 130 Reagrupamento parlamentar (1966) /
Emergência do totalitarismo / 65
Palestina após a Guerra dos Seis Dias 172
Estado populista I / 88
(1967) / 130 As organizações de esquerda (1961-
-1970) / 198 A Argentina e o peronismo / 141
O antagonismo dominante / 163
Taxa de crescimento do produto interno Descolonização / 174
Índia e Paquistão após a independência
bruto (PIB): 1964 a 1973 (em %) / A repressão militar / 192
(1947) / 175
200 Cronologia dos confrontos em 1968 /
Indochina logo após a independência
Eleições presidenciais (1945-1984) / 195
(1954) / 176
213 Tecnologia e sociedade / 250
As cores pan-africanas / 179
Salário mínimo e índice do salário

284

OH_V3_Book.indb 284 18/05/16 09:41


Índice remissivo e aonomástico
ifargoilbiB
A C Cultura / 15, 28, 30, 37, 43, 46, 54, 57,
81, 107, 114, 120, 149, 153, 167, 168,
Ação Integralista Brasileira (AIB) / 83, Capitalismo, capitalista(s) / 15, 16, 18, 182, 188, 193, 203, 205, 207, 212, 216,
87, 88, 99, 100 19, 24, 32, 33, 34, 35, 38, 50, 51, 52, 58, 218, 222, 243, 259, 265, 273, 274, 275,
66, 73, 74, 91, 93, 101, 125, 126, 127, 282
Ademar de Barros / 135, 136, 152, 161,
128, 129, 137, 140, 141, 145, 149, 169,
165, 171, 173, 192 Cultura africana (negra) / 177, 189
176, 180, 181, 182, 186, 193, 194, 202,
Aliança Democrática / 228, 229, 237 203, 209, 219, 230, 242, 245, 255, 256, Cultura erudita / 54
258, 260, 281, 282
Aliança Liberal / 62, 63, 64 Cultura germânica / 25
Caudilhismo / 21, 22, 23
Aliança Nacional Libertadora (ANL) / 75, Cultura ocidental / 53, 83
84, 88, 98 Cercamentos (enclosures) / 15, 16
Cultura popular / 19, 121
Alienação / 205, 212, 250 Che Guevara (Ernesto) / 158, 168, 182,
183, 184, 209, 210, 211, 216, 245, 247 Cultura socialista / 37
Anarquismo, anarquista(s) / 15, 19, 35,
39, 40, 42, 66, 83, 89, 118, 124, 187 Cinema Novo / 166, 169, 193 D
Anistia / 134, 162, 183, 202, 216, 220, Civilização / 24, 30, 42, 44, 54, 69 Declaração dos Direitos da Mulher / 82
223, 230, 246, 280
Classe operária / 21, 25, 53, 66, 67, 75, Democracia / 23, 41, 51, 69, 84, 86, 93,
Antissemitismo / 53, 69, 79, 84, 97 88, 93, 101, 138, 162, 224 95, 100, 124, 132, 134, 135, 138, 149,
Antropofagia / 53, 57 Classes sociais / 19, 40, 69, 101, 166, 226 151, 156, 161, 163, 165, 168, 173, 193,
197, 199, 203, 211, 213, 217, 218, 219,
Apartheid / 211, 238, 239, 240, 241, 248 Clinton (Bill) / 241, 242 224, 225, 229, 230, 232, 233, 240, 242,
Arafat (Yasser) / 130, 241 Colégio Eleitoral / 213, 217, 226, 228, 229 243, 244, 247, 248, 256, 268, 269, 274,
281
Área(s) de influência / 17, 58, 125, 126, Collor (de Mello) (Fernando) / 88, 233,
180 234, 235, 237, 244, 248, 267, 270 (Re) Democratização / 39, 93, 99, 132,
150, 185, 186, 197, 215, 217, 219, 220,
Arns (dom Paulo Evaristo) / 199, 215 Colonialismo, colonialista(s) / 23, 43, 221, 222, 223, 238, 239, 252
46, 144, 174, 177, 179, 181, 265, 281
Assembleia Constituinte / 80, 82, 88 Departamento de Imprensa e
Comando de Caça aos Comunistas / 195 Propaganda (DIP) / 88, 90, 100
Ato Institucional (AI) / 133, 171, 172,
173, 192, 194, 195, 196, 201, 203, 217 Comunismo, comunista(s) / 15, 23, 29, Departamento de Ordem Política e
32, 35, 46, 47, 48, 49, 52, 54, 57, 63, Social (DOPS) / 100, 196
Autodeterminação / 28, 169, 174
66, 68, 69, 70, 76, 77, 78, 83, 84, 85,
86, 87, 88, 89, 94, 97, 98, 99, 100, Descolonização / 125, 174, 179, 181
B 104, 114, 118, 123, 124, 125, 126, 127, Desigualdade(s) social(is) / 95, 154,
Biodiversidade / 249, 252 128, 132, 133, 134, 136, 137, 138, 139, 164, 235, 282
140, 141, 144, 145, 146, 147, 148, 149,
Biotecnologia / 249, 251, 253, 259 152, 156, 158, 161, 163, 168, 170, 176, Desobediência civil / 169, 175, 240
Bipartidarismo, bipartidário / 172, 173, 186, 188, 194, 195, 198, 210, 224, 225, Dilma (Roussef) / 268, 269, 270, 271,
211, 224, 226 231, 233, 235, 239, 242, 268, 282 272, 279
Bipolarização / 125, 126, 129, 148, 180, Consolidação das Leis do Trabalho Distribuição de renda / 60, 227, 235,
226 (CLT) / 88, 90, 99, 138 244, 248, 267, 269
Bloco Operário e Camponês (BOC) / 57 Constitucionalismo, constitucionalista(s) Ditadura(s) / 35, 38, 39, 41, 49, 50, 52,
/ 79, 80, 81, 88, 94, 100, 133 53, 56, 65, 67, 78, 81, 83, 86, 87, 89,
Bolchevique(s) / 33, 34, 35, 47, 48, 51,
57, 66, 68, 144, 198 Constituição / 16, 34, 38, 39, 40, 41, 42, 93, 94, 95, 100, 105, 108, 132, 133,
49, 51, 67, 68, 75, 80, 82, 83, 86, 88, 134, 149, 158, 163, 170, 171, 172, 173,
Brizola (Leonel) / 158, 161, 173, 192, 92, 94, 95, 98, 100, 134, 135, 149, 152, 179, 182, 183, 184, 188, 192, 193, 194,
223, 224, 226, 228, 234, 235, 236 157, 158, 159, 171, 178, 192, 193, 203, 195, 196, 197, 198, 199, 201, 202, 203,
Burguesia, burguês, burguesa / 19, 20, 217, 232, 272 204, 210, 211, 212, 213, 214, 215, 216,
24, 33, 34, 35, 37, 39, 51, 62, 73, 74, 75, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 224,
Contracultura / 169, 188, 205 226, 228, 229, 231, 233, 236, 248, 266,
80, 84, 88, 89, 90, 99, 138, 144, 145,
152 Contrarrevolução / 23, 35 267, 269, 270

Bush (George e George W.) / 255, 257, Coronelismo / 22, 159 Dívida externa / 84, 154, 158, 167, 216,
282 217, 221, 227, 228, 231, 232, 247, 265,
Corporativismo, corporativista(s) / 53, 269
67, 83, 86, 89, 150, 167, 232

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DOI-Codi (Destacamento de Operações Franquismo, franquista(s) / 101, 107, Impeachment / 151, 161, 234, 235, 237,
e Informações – Centro de Operações 108, 109, 124, 177 267, 272
de Defesa Interna) / 196, 197, 215, 216
Frente Ampla / 173, 192, 193, 210 Imperialismo, imperialista(s) / 15, 16,
Doutrina Truman / 127 17, 18, 34, 46, 57, 123, 138, 140, 144,
Frente Liberal / 229, 232, 248
209, 216, 261, 262, 269, 281
Dutra (Eurico Gaspar) / 114, 133, 134,
Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) /
135, 136, 140, 149 Império(s) / 21, 22, 24, 25, 26, 28, 29, 35,
157, 161, 162
41, 43, 45, 49, 51, 105, 126, 130, 139,
E Futurismo, futurista(s) / 23, 28, 54 144, 149, 174, 177, 179, 244, 250
Eleições diretas / 165, 211, 226, 228, G Integralismo, integralista(s) / 54, 75, 79,
229, 233, 247, 268 83, 84, 86, 87, 88, 97, 98, 99, 133
G8 / 257
Elite(s) / 21, 52, 54, 56, 63, 71, 79, 81, Intentona Comunista / 84, 85, 87, 88, 94
88, 90, 94, 100, 133, 135, 145, 156, Gandhi (Mahatma) / 174, 175, 181
Internacional Comunista / 47, 63, 84, 97
174, 194, 209, 224, 229, 230, 233, 244,
Genocídio / 15, 26, 44, 46
262, 267, 268 Internacionalismo, internacionalista(s)
Getulismo, getulista(s) / 81, 99, 132, / 15, 19, 281
Emenda Platt / 183, 210
133, 136, 139, 149, 152, 166
Itamar Franco / 215, 234, 235, 236, 248,
Esportização da sociedade / 101
Glasnost / 239, 241 269
Estado de compromisso / 53, 75
Globalização / 248, 249, 253, 255, 256, J
Estado Novo / 86, 88, 89, 91, 93, 94, 95, 257, 259, 260, 267, 277, 281, 282
96, 99, 100, 117, 120, 132, 133, 134, Jânio Quadros / 135, 156, 157, 158, 162,
Golpe militar / 135, 141, 142, 151, 165,
135, 136, 138, 140, 150, 156, 197 165, 168, 173, 192, 209, 223, 229, 233,
166, 168, 170, 171, 173, 192, 209, 210,
244
Estado(s) / 19, 20, 21, 22, 24, 29, 32, 33, 218, 219
34, 35, 36, 37, 40, 43, 44, 45, 47, 51, Juscelino Kubitschek (JK) / 135, 151, 152,
Gorbatchev (Mikhail) / 239, 241
52, 54, 56, 60, 62, 65, 67, 68, 69, 73, 153, 154, 155, 157, 164, 165, 166, 167,
74, 75, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 86, 87, Goulart (João) (Jango) / 135, 138, 140, 171, 173, 192, 199, 209, 223, 229
88, 89, 90, 91, 93, 94, 95, 96, 98, 99, 152, 153, 156, 158, 159, 161, 162, 163,
100, 103, 107, 108, 109, 115, 117, 120, Justicialismo, justicialista(s) / 125, 141,
165, 168, 169, 170, 171, 173, 192, 209,
123, 127, 129, 130, 131, 132, 133, 135, 142, 221
223, 229, 269
136, 137, 138, 140, 141, 145, 147, 149,
150, 153, 156, 157, 159, 161, 162, 164, Governabilidade / 236, 249, 267, 270 K
166, 172, 175, 176, 178, 179, 182, 183, Governo Populista / 155 Kennedy (John) / 185
186, 189, 193, 194, 195, 196, 198, 199,
201, 209, 210, 213, 224, 227, 230, 236, Guerra Fria / 121, 125, 127, 128, 129, 131, Ku Klux Klan / 189
239, 241, 242, 244, 247, 255, 259, 264, 137, 141, 144, 145, 146, 147, 148, 149,
266, 267, 278 154, 164, 174, 180, 182, 184, 186, 208, L
209, 211, 238, 239, 254, 255, 256, 262,
Estatuto do Indigenato / 44 263, 278 Lacerda (Carlos) / 137, 138, 139, 149, 152,
158, 161, 166, 171, 173, 192, 223, 235
Eva Perón (Evita) / 141, 142, 147 Guevarista / 198
Lamarca (Carlos) / 197
F H Lava Jato / 271
Fascismo, fascista(s) / 48, 61, 65, 66, Hamas / 241 Lei de Segurança Nacional (LSN) / 88,
67, 71, 76, 78, 86, 89, 90, 99, 100, 101, 89, 192, 193, 224
105, 107, 108, 109, 112, 123, 124, 132, Hegemonia / 17, 23, 24, 29, 30, 42, 57,
141, 142, 150, 178 74, 79, 86, 100, 112, 115, 126, 150, 156, Lei Falcão / 215, 226
159, 162, 170, 180, 185, 193, 195, 218,
Federalismo / 15, 21, 22 221, 244, 254, 267, 274, 281 Lênin / 25, 26, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 47,
48, 51, 52, 96
Feminismo, feminista(s) / 79, 82, 201 Hitler (Adolph) / 30, 65, 68, 69, 70, 72,
76, 78, 83, 96, 102, 103, 104, 105, 107, Leninista / 198
FHC (Fernando Henrique Cardoso) /
228, 233, 235, 236, 237, 242, 248, 266, 109, 111, 112, 115, 116, 117, 119, 120, Liberalismo, liberal(is) / 15, 19, 24, 39,
267, 269, 270 121, 123, 191, 211, 282 42, 50, 60, 61, 62, 63, 64, 66, 68, 69,
Ho Chi Minh / 176, 186 70, 76, 84, 91, 93, 95, 100, 103, 124,
Fidel Castro / 37, 183, 184, 185, 203, 136, 137, 138, 149, 164, 221, 229, 232,
210, 233 Holocausto / 101, 116, 117, 129, 146, 147 242, 248, 256
FMI (Fundo Monetário Internacional) / Liga das Nações / 29, 104, 144, 178
154, 221, 228, 231, 242, 247, 269
I
Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) / 218,
Foquismo, foquista(s) / 169, 191, 213 Ideologia / 15, 19, 22, 43, 70, 89, 93,
224, 228, 233, 235, 236, 266, 267, 269,
101, 122, 129, 149, 194, 197, 242, 243
Francisco Franco (General) / 107, 124, 177 270, 279

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Luta armada / 169, 184, 196, 198, 201, 118, 120, 121, 123, 124, 128, 130, 137, Paz armada / 23, 24, 125
212, 215, 216, 266, 268 140, 144, 149, 152, 156, 157, 162, 167,
Perestroika / 239, 241
170, 172, 173, 174, 175, 198, 209, 217,
Luther King (Martin) / 175, 178, 189,
220, 221, 239, 242, 247, 255, 269, 278 Peronismo, peronista(s) / 141, 142, 147,
190, 191, 211
150, 214, 221
Nações Unidas / 44, 51, 109, 129, 131,
M 147, 174, 250, 254, 261, 276, 278 Perón (Juan Domingo) / 141, 142, 147,
214, 219
Macarthismo / 125, 128, 144 Nazifascismo, nazifascista(s) / 53, 54,
121, 124, 134, 149, 174 Pintura muralista / 39, 42
Madero (Francisco) / 38, 39, 40, 42, 49
Nazismo, nazista(s) / 28, 30, 65, 67, 68, Plano Collor / 233
Magalhães Pinto / 161, 171 69, 70, 71, 72, 76, 77, 78, 83, 84, 85,
Plano Cruzado / 232, 237
Malcolm X / 189 88, 96, 97, 101, 102, 103, 104, 105,
107, 111, 112, 114, 115, 116, 117, 120, Plano de Metas / 150, 151, 154, 155, 157,
Mandela (Nelson) / 178, 238, 239, 240 121, 122, 123, 124, 126, 129, 130, 141, 167, 168
Maoísmo, maoísta(s) / 169, 187, 198 142, 144, 145, 148, 191, 242, 251
Plano Marshall / 127, 164
Mao Tsé-tung / 52, 128, 182, 186, 187, Neoliberalismo, neoliberal / 78, 211,
Plano Real / 235, 237, 248
188 232, 236, 242, 247, 255, 256, 257, 258,
259, 260, 274, 279, 281, 282 Plano Salte / 136, 150, 168
Marcha da Família com Deus pela
Liberdade / 162, 165 Neorrealismo / 125, 193 Plano(s) quinquenal(is) / 36, 37, 61
Marginalização / 22 New Deal / 58, 60, 61, 64, 74 Plano Trienal / 159, 161, 162, 168
Marighella (Carlos) / 136, 197 Nova Política Econômica (NEP) / 35, Plínio Salgado / 54, 83, 86, 87, 135, 152
37, 52
Marxismo-leninismo / 23 Pluripartidarismo / 125, 211, 224, 226
Marxismo, marxista(s) / 19, 52, 198, O Politburo / 35
203, 279
Obama (Barack) / 185, 257, 258, 269 Política da boa vizinhança / 101
Marx (Karl) / 19, 32, 202
Olga Benário / 84, 85, 88, 97 Política de apaziguamento / 101, 104,
Menchevique(s) / 33, 34 111, 123
Oligarquia(s) / 15, 21, 22, 55, 56, 57, 62,
Mensalão / 271, 272 63, 74, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 86, 91, Pop art / 169, 184, 188
93, 94, 99, 132, 133, 134, 150, 152
Militarismo / 27, 65, 121, 129, 148, 203, Populismo, populista(s) / 32, 33, 75, 79,
219, 222 Operação Bandeirante (Oban) / 196, 197 88, 91, 93, 94, 96, 100, 132, 133, 135,
136, 139, 140, 150, 151, 152, 153, 155,
Mito, mítico, mitologia / 70, 103, 123, Organização das Nações Unidas (ONU)
156, 157, 158, 159, 161, 162, 163, 164,
142, 169, 173, 183, 247 / 44, 51, 129, 130, 140, 145, 174, 177,
165, 166, 168, 169, 170, 173, 199, 209,
179, 254, 263, 276, 278, 282
Modernidade / 30, 69, 153, 155, 230, 223, 224, 226, 230, 236, 240
233, 242, 248, 250 Organização dos Países Exoprtadores
Porfírio Díaz / 38, 39, 40, 49
de Petróleo (Opep) / 214, 274
Modernismo, modernista(s) / 53, 54, 55, Positivismo, positivista(s) / 15, 21, 99
57, 77, 78, 84, 99, 155 Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN) / 127, 145 Pré-sal / 274, 275, 276
Monarquia / 21, 22, 27, 44, 52, 65, 66,
67, 68, 105, 124, 239, 276 Organização para a Libertação da Presidencialismo de coalizão / 249, 266
Palestina (OLP) / 130, 241
Movimento civil / 169 Presidencialismo, presidencialista(s) /
P 151, 159, 160, 235, 237
Movimento operário / 19, 32, 39, 57, 77,
79, 83, 88, 90, 99, 100, 105, 138, 141, Prestes (Luís Carlos) / 56, 63, 84, 85,
Pacote de Abril / 215, 222
159, 217, 281 87, 88, 96, 97, 98, 100, 134, 136, 173,
Pacto de Varsóvia / 127, 145, 186, 239 192, 223
Movimento(s) social(is) / 77, 168, 169,
205, 210, 217, 240, 248, 253, 270 Pan-africanismo / 169, 177, 178, 206 Primeira Guerra Mundial / 23, 24, 26,
27, 29, 30, 31, 33, 34, 37, 43, 48, 50, 51,
Mussolini (Benito) / 65, 66, 67, 101, 105, Pancho Villa / 38, 40, 41, 42, 49 52, 58, 59, 61, 64, 65, 67, 68, 69, 71,
107, 115, 123, 178 82, 91, 95, 102, 105, 111, 119, 120, 121,
Pan-eslavismo / 23, 25
130, 131, 175, 254, 261
N Panteras Negras / 189, 191
Programa de Ação Econômica do
Nacional-desenvolvimentismo / 151, Parlamentarismo, parlamentarista(s) / Governo (PAEG) / 192
154, 155 151, 158, 159, 160, 161, 168, 203, 209
Proletariado, proletário(a)(s) / 19, 20,
Nacionalismo, nacionalista(s) / 15, 18, 19, Parlamento / 33, 52, 65, 69, 100, 157, 25, 32, 33, 52, 53, 66, 75, 83, 88, 133,
20, 24, 25, 35, 38, 45, 54, 56, 65, 66, 67, 159, 168, 172, 244, 247, 265 138, 216
68, 70, 81, 82, 83, 89, 98, 99, 107, 109,
Passeata dos 100 mil / 195

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Q S Teologia da Libertação / 169, 202, 203

Queremismo, queremista(s) / 125, 134 Sarney (José) / 229, 231, 232, 233, 235, Territorialização do mercado de
237, 267 trabalho / 79, 89
R Terrorismo, terrorista(s) / 32, 130, 194,
Segunda Guerra Mundial / 30, 36, 58,
Rastafári / 178 70, 74, 101, 105, 107, 110, 111, 112, 196, 206, 226, 249, 254, 255, 259, 273,
114, 117, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 278, 279
Realismo socialista / 37, 42 125, 126, 128, 129, 130, 131, 133, 136, Thatcher (Margaret) / 256, 259
Rebelião / 25, 32, 40, 42, 52, 63, 81, 107, 137, 141, 142, 143, 148, 149, 163, 164,
259 169, 174, 176, 179, 180, 182, 185, 194, Totalitarismo / 29, 53, 69, 144, 242, 251
254, 255 Trabalhismo, trabalhista(s) / 39, 62, 65,
Reformas de base / 151, 159, 161, 162,
163, 168, 209 Segunda (II.ª) Internacional / 25 79, 82, 88, 89, 90, 93, 95, 96, 98, 99,
100, 106, 133, 134, 135, 141, 149, 159,
Reformismo, reformista(s) / 23, 56, 79, Segurança Nacional / 88, 89, 169, 172, 161, 167, 210, 217, 224, 225, 232, 247,
159, 170, 219, 239, 279 192, 193, 194, 196, 197, 199, 200, 213, 248, 256
224
Reichstag / 65, 69, 77, 123 Tratado de Brest-Litovsk / 34
Selassié (Haile) / 178
Repressão / 25, 27, 32, 33, 35, 39, 85, 86, Tratado de Versalhes / 28, 68, 103, 104,
100, 121, 124, 128, 132, 136, 142, 178, Sentimento nacional / 15, 19 105, 109, 121, 123
182, 185, 192, 193, 194, 196, 197, 198, Serviço Nacional de Informações (SNI) /
199, 200, 202, 203, 210, 213, 215, 216, Tríplice Aliança / 25, 26
172, 192, 196, 217
217, 218, 219, 220, 222, 223, 224 Tríplice Entente / 25, 27, 28, 124
Sindicalismo, sindicalista(s) / 133, 138,
República / 20, 21, 35, 38, 40, 50, 55, 141, 149, 152, 218, 223, 224, 230, 256 Trótski / 34, 36, 37, 47, 48, 51, 96
56, 62, 63, 66, 68, 71, 73, 74, 75, 77, 78,
82, 88, 91, 94, 95, 98, 100, 106, 107, Sionismo / 125, 130, 131 Trotskista / 198
108, 115, 124, 127, 128, 131, 133, 134,
Socialismo, socialista(s) / 15, 19, 23, 25, U
138, 139, 151, 152, 155, 156, 158, 160, 26, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 42, 47,
161, 162, 163, 164, 165, 166, 170, 172, 48, 51, 52, 61, 63, 65, 66, 67, 68, 69, Ulysses Guimarães / 213, 222, 228, 231,
176, 177, 180, 181, 192, 194, 196, 197, 71, 78, 83, 84, 89, 105, 107, 124, 125, 233
200, 205, 206, 210, 213, 217, 223, 224, 129, 133, 144, 145, 149, 158, 168, 176,
225, 226, 228, 230, 232, 235, 236, 237, União Europeia / 145, 256, 258
180, 181, 182, 184, 185, 193, 196, 202,
239, 244, 247, 262, 263, 264, 265, 267, 216, 218, 219, 224, 225, 226, 232, 242, Utopia / 242
268, 270, 275 247, 282
República de Weimar / 65, 68, 69, 71, V
Soviete(s) / 33, 34, 35, 47, 52
103 Vargas (Getúlio) / 62, 63, 74, 79, 80, 81,
Stálin / 36, 37, 47, 48, 49, 83, 96, 105,
Republicanismo / 21 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91,
112, 127, 129, 144, 145
92, 93, 94, 95, 96, 98, 99, 100, 113,
Resistência(s) / 25, 26, 35, 36, 39, 49, Stalinismo, stalinista(s) / 36, 37, 48, 114, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138,
81, 86, 101, 104, 109, 111, 112, 115, 107, 145, 187, 198, 242, 251 139, 140, 142, 145, 146, 147, 151, 154,
117, 122, 126, 132, 146, 158, 161, 162, 155, 157, 162, 164, 165, 166, 167, 168,
170, 174, 175, 176, 177, 185, 187, 189, Subcomandante Marcos / 41, 50, 260
209, 224, 244, 247, 277
196, 197, 198, 199, 201, 215, 223
Substituição de importações / 79, 91, 93,
Vietnã / 147, 174, 176, 180, 185, 186,
Revolta(s) / 21, 26, 33, 34, 47, 54, 80, 95, 135, 150, 154, 157, 162, 164, 277
188, 191, 205, 208, 211, 245, 254, 281
85, 139, 146, 162, 179, 189
Sufrágio universal / 19, 79, 82, 98, 124
Voto censitário / 20, 21
Revolução / 16, 17, 19, 20, 21, 23, 26, 30,
Sufragista(s) / 82
32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, Voto direto / 142, 160
42, 47, 48, 49, 51, 52, 56, 57, 61, 63, T Voto secreto / 47, 57, 62, 81, 88, 142
64, 65, 66, 68, 74, 75, 77, 78, 79, 80,
81, 82, 83, 84, 87, 88, 93, 94, 98, 100, Tancredo Neves / 95, 159, 215, 228, 229, Y
128, 132, 137, 144, 145, 146, 169, 170, 231
171, 173, 174, 182, 183, 184, 185, 186, Yitzhak Rabin / 241
187, 188, 191, 198, 203, 205, 209, 210, Tecnologia(s) / 23, 25, 27, 28, 30, 38, 54,
213, 218, 219, 220, 247, 260, 273 126, 147, 153, 164, 167, 250, 251, 256, Z
261, 263, 275
Revolução Industrial / 16, 17, 58, 274 Zapata (Emiliano) / 38, 40, 41, 42, 49,
Teixeira Lott / 152, 156
Roosevelt (Franklin) / 58, 60, 61, 74, 52, 260
103, 112, 127 Tenentismo, tenentista(s) / 53, 55, 56,
Zapatismo, zapatista(s) / 38, 41, 42, 50,
57, 75, 77, 78, 80, 81, 85, 87, 170
52, 252, 260

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