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A S P E C T O S D A O B R A LITERÁRIA D E F E R N A N D O

NAMORA

João Décio

Fernando N a m o r a , com mais de u m a dezena de obras p u -


blicadas, dentre as quais os romances A s Sete Partidas do Mun-
do, Fogo na Noite Escura, Minas de São Francisco, A Noite e a
Madrugada, O Trigo e o Joio, O Homem Disfarçado e Domingo
à Tarde, as n a r r a t i v a s Retalhos da V i d a de um Médico, Cidade
Solitária, a novela Casa da Malta e o l i v r o de poesias A s F r i a s
Madrugadas, conseguiu se f i x a r como u m dos bons valores da
moderna l i t e r a t u r a portuguesa.
Neste ensaio interessar-nos-ão três romances: Domingo à
Tarde, O Homem Disfarçado e O Trigo e o Joio; das n a r r a t i -
vas: Cidade Solitária e Retalhos da V i d a deum Médico e feua
poesia, reunida e m A s F r i a s Madrugadas.
E m p r i m e i r o l u g a r é preciso que se diga que e m sua f i c -
ção e m prosa, Fernando N a m o r a busca associar dois elemen-
tos fundamentais: o real, constituindo este a visão o b j e t i v a
das coisas através de certa experiência da v i d a que o a u t o r
traduz, especialmente de seu t r a b a l h o como médico, e o fic-
tional, que é o literário, o artístico p r o p r i a m e n t e dito, v i s t o
c o n s t i t u i r o elemento c r i a t i v o da o b r a .
Veremos, p o r o u t r o lado, que, não raro, em Fernando N a -
m o r a este elemento ficcionista perde m u i t o c o m a preocupa-
ção do objetivo que traz o a u t o r e claro está que o m e l h o r
do nosso romancista reside n a q u i l o que êle criou, p a r t i n d o da
realidade e conferindo às suas criaturas u m a vivência p r o -
funda, coisa observável, p o r exemplo, em Domingo à Tarde,
a nosso ver, seu m e l h o r t r a b a l h o e e m O Homem Disfarçado.
A busca do real então, que sentimos, p r e j u d i c a u m pouco
a busca da análise psicológica e o resultado é que muitas vê-
zes temos o romancista a borboletear, a catar a q u i e ali ele-
mentos da psicologia das criaturas, mas sem a f i r m r u m a con-
t i n u i d a d e do caráter dessas mesmas c r i a t u r a s . Disto se i n -
fere no caso de certas personagens u m a auto-suficiência, pelo
menos e m A s Sete Partidas do Mundo, explicável p o r ser u m
N a m o r a adolescente, mas que sentimos também e m algumas
passagens de O Homem Disfarçado e mesmo de Domingo à
T a r d e . Para exemplificar com este último, podemos l e m b r a r
que, por mais que o autor insista (e isto começa nas p r i m e i r a s
páginas do l i v r o ) , em certa feição do caráter de Jorge, a l e m -
b r a r como macerava o cigarro na boca, não conseguimos nos
convencer da m a i o r validade do p r o b l e m a como definição psi-
cológica. A s s i m é que realmente notamos u m a busca na cap-
tação do íntimo da c r i a t u r a humana, mas que muitas vezes
fica na simples busca.
Já achamos que Fernando N a m o r a está m e l h o r nas nar-
rativas, eis que o a u t o r parece dar-se m e l h o r c o m a fixação
do instantâneo, do incidente, embora exista ainda e m Reta-
lhos da V i d a de u m Médico m u i t o do real ao lado da ficção,
e mesmo onde o social, através de variados tipos, na m a i o r i a
h u m i l d e s e sofredores deserdados da vida, se sobrepõe ao ele-
m e n t o c r i a t i v o que está p a r t i c u l a r m e n t e no n a r r a d o r , no mo-
do como a realidade e x t e r i o r se p r o j e t a no seu íntimo. Temos
então u m a franca adesão do escritor-homem aos desprotegi-
dos da sorte, na q u a l ao n a r r a d o r interessa m u i t o mais esta
visão panorâmica dos problemas sociais que o aprofundamen-
t o dramático de sentido psicológico, das criaturas nas n a r r a -
tivas.
Notamos, assim, a capacidade do romancista de v e r mais
p o r fora do que p o r dentro nestas n a r r a t i v a s . Faz exceção,
no entanto, o romance Domingo à Tarde, onde, jogando c o m
u m romance e m p r i m e i r a pessoa, Fernando N a m o r a pode apro-
f u n d a r até onde é possível a psicologia do D r . Jorge frente a
u m p r o b l e m a h u m a n o p r i m o r d i a l , que é a busca de comunica-
ção no que o t e r m o oferece m a i o r conteúdo, através de u m a
c r i a t u r a que é o r i g e m de todo o d r a m a do médico — Clarisse.
Assim, observamos que o desajuste social do médico, seja
ao ambiente de trabalho, u m hospital, seja à própria v i l a , leva-o
a sentir-se isolado, e o conduz a u m caso mais humano que de
r o t i n a , que é a atitude para com Clarisse.
E m O Homem Disfarçado podemos sentir, logo às p r i m e i -
ras páginas, através do d r a m a h u m a n o de João Eduardo, u m
certo sentido de frustração da c r i a t u r a , através de u m a i m -
possibilidade de identificação com o d r a m a humano, e senti-
mos ainda a dissecação da c r i a t u r a humana, quando da ocor-
rência do incêndio, e m que v i s l u m b r a m o s a tendência de re-
d u z i r a tragédia a proporções mínimas, nesta tendência de des-
culpar a covardia, a inação do médico que poderia salvar a
criança.
Contudo, a impotência para definir-se, para m o s t r a r sua
personalidade, parece ser i n t e g r a n t e do caráter do j o v e m mé-
dico, eis que, também quando conhece Luísa, naquela v i l a cheia
de preconceitos e m que pontifica a a l c o v i t e i r a D . E m i l i a , João
Eduardo revela-se impotente para definir-se com relação à
moça, temendo cair no desagrado da v i l a . A s s i m , por ser u m
caráter vacilante, indeciso, tendente à inação, José Eduardo
se opõe, desde o princípio ao caráter definido, coerente e isen-
t o de frustração de Luísa. Falamos e m frustração porque real-
mente o j o v e m médico, embora realizando-se profissionalmen-
te, humanamente c o n s t i t u i u m t i p o f r u s t r a d o . E m segundo
lugar, verificamos que Luísa se conhece a si própria, coisa
que não ocorre com o rapaz:
"Nas p r i m e i r a s sortidas a u m m u n d o que não era o
seu, João Eduardo confessara-lhe o seu espanto: 'Como
podes m o s t r a r - t e tão tranqüila, tão senhora de si no meio...
deles'? — 'Não mereço elogios. Fica sabendo que toda
m u l h e r nasceu para v i v e r indiferentemente entre d u q u e -
sas ou entre a ralé, conquanto essa capacidade se e v i d e n -
cie m e l h o r quando se t r a t a de d u q u e s a s . . . " ( p . 2 5 ) .
Sentimos a q u i u m a evidente consciência de si mesma que
dá Luísa, fato que não ocorre com João Eduardo, dramático,
porque sempre em busca de algo para compensar seus dramas
interiores.
O drama de João Eduardo parece d e r i v a r dos tempos d u -
ros de estudante, e m que não t i n h a certa estabilidade que po-
deria t e r agora como médico, embora sacrificando certas v i r -
tudes mesmas do caráter.
A v i d a na v i l a então v a i a b r i r b e m claramente certas ca-
racterísticas do comportamento do médico, que busca, p r i n c i -
palmente, u m a sobrevivência social e econômica, embora fos-
se u m golpe na sua consciência de h o m e m e de médico.
Destarte sentimos u m a t o t a l incapacidade de enfrentar a
opressão da vilazinha, com todos seus preconceitos, suas defor-
mações, derivando daí u m a c r i a t u r a vacilante, instável, falsa
na associação do seu comportamento e x t e r i o r com o que v a i no
íntimo:

"Por m u i t o que êle, até aí, se tivesse defendido da


absorção do ambiente, mais pelo seu j e i t o azedo, esquivo
ou retraído, do que pelo v i g o r da sua personalidade, era
incapaz de se rebelar, de i m p o r corajosamente seus gos-
tos, ou as suas convicções. A p a v o r a v a - o a idéia de que
sua presença na v i l a acabasse p o r ser indesejável; sentia-
se fracassado, infeliz, sempre que u m comentário lhe m o r -
discava o prestígio. Os seus anos de estudante e os p r i -
meiros tempos t i n h a m sido tão duros, que lhe parecia
impossível recompor a v i d a em q u a l q u e r o u t r o lado. A q u e -
le burgo mesquinho s u r g i r a - l h e na sua v i d a de aflições
econômicas, de sucessivas frustrações, de agravo p e r a n -
te o meio social, como u m acaso impossível de se repe-
t i r . " (p. 3 9 ) .

O Trigo e o Joio, p o r o u t r o lado, acaba sendo u m romance


diferente de Fernando N a m o r a , e m que sentimos u m encami-
nhar-se para u m levantamento de tipos rústicos, mas de u m a
riqueza psicológica bastante grande. Realizando u m romance
através da presença de u m a b u r r a , o autor consegue m a n t e r o
interesse em torno do assunto e m que alguns personagens ad-
q u i r e m u m verdadeiro sentido de populares. Realmente, cria-
turas como Loas, Barbaças e especialmente V i e i r i n h a parecem
tipos que se h u m a n i z a m no romance. Não há a preocupa-
ção de u m aprofundamento psicológico, nestes tipos bastante
rudes e p o r isso mesmo francos; notamos u m a grande m o v i m e n -
tação da v i d a naquela v i l a esquecida do mundo, e m que se en-
c o n t r a m os protagonistas da história. A i n d a mais, O Trigo e o
Joio resulta n u m romance preso à t e r r a no que ela t e m de p r i -
m i t i v o para o espanto do h o m e m . Há como que u m a i n t e g r a -
ção evidente entre o h o m e m e a t e r r a ; é o que se pode n o t a r
na c r i a t u r a ingênua e boa que é Loas. Perpassa as criaturas
u m a como que bondade e uma franqueza p r i m i t i v a , nesta as-
sociação do h o m e m à t e r r a . Há simplicidade n a própria his-
tória em permanecer como u m relato das peripécias e m bus-
ca da compra da b u r r a .
Estamos, como se está a ver, frente a alguns tipos popula-
res, no que apresentam de mais autêntico e deles forçoso é
destacar n u m plano de autencidade humana, V i e i r i n h a , B a r b a -
ças e em seguida Loas.
Estes dois últimos são os que mais aparecem no desenrolar
do romance e estabelecem o c l i m a dramático e m t o r n o da com-
p r a da b u r r a (Fernando N a m o r a consegue m a n t e r o interesse
da obra que praticamente g i r a e m torno disto), que é o m a i o r
desejo de Loas, pois isto seria a solução de u m a série de g r a n -
des problemas seus. Assim, esquemàticamente o romance é
m u i t o simples: a narração do t i p o de v i d a do Loas com sua f a -
mília, as aventuras pitorescas e m que se mete o Barbaças na
v i l a , onde pretende comprar a b u r r a e a presença do V i e i r i n h a ,
estabelecendo u m a espécie de hiato, de todos os modos i m p o r -
tantes para se avaliar o t i p o psicológico de Barbaças, i n e x p e -
r i e n t e especialmente para com as mulheres, e para se desco-
b r i r certos costumes da v i l a , seus vinhos, suas mulheres, e t c . . .
Mas neste episódio da v i d a de Barbaças, a nosso ver, reside
u m dos pontos altos do romance, pois sentimos mais do que
nunca a f i n u r a e a destreza com que Fernando N a m o r a sabe
c o n t a r histórias. Aliás, o autor nos parece mais à vontade nes-
t a atitude, veja-se p o r exemplo, o que ocorre com as n a r r a t i v a s
de Cidade Solitária e Retalhos da V i d a de um Médico, que co-
mentaremos mais adiante. Fica aqui, no entanto, esta i m p r e s -
são, de o contista alçar-se ao lado do romancista, ao d o m i n a r
o episódico, o instantâneo, o pitoresco, características do con-
t o . Fernando N a m o r a sabe t o m a r m u i t o b e m certos flagrantes
da vida, bastando l e m b r a r , por exemplo, a n a r r a t i v a a Piedo-
sa Oferenda de Cidade Solitária e Dias de V e n t o de Retalhos
da V i d a de um Médico, para sentirmos a força do contista.
Mas, voltando a O Trigo e o Joio, temos que, aqui ainda n o -
tamos como Fernando N a m o r a sabe contar histórias, embora
os tipos, psicologicamente não sejam b e m aprofundados, sobres-
saindo-se no entanto p o r u m a integração telúrica.

"Loas pensava e m todos esses tristes acontecimentos


do passado enquanto a r m a v a o laço ao Barbaças. S e m -
pre que a b r i a u m rego na t e r r a e o ensopava com a água
do poço, não podia d e i x a r de encarar, com ressentimen-
to e t e r n u r a , o inútil engenho que a f e r r u g e m ia cor-
roendo." (pp. 26-27).

E m contraste com a visão mais do humano social e de t i -


pos rústicos de O Trigo e o Joio, temos a presença do h u m a n o
e m sentido psicológico e m romances como Domingo à Tarde e
O Homem Disfarçado.
Domingo à Tarde resulta em feliz associação ficcionista no
sentido de trazer certos profundos dramas humanos, como os
de Jorge e Clarisse, colocando-nos, p o r o u t r o lado, na obser-
vação dos trabalhos de u m j o v e m médico de província, a l e m -
b r a r m u i t o a f i g u r a de João Eduardo de O Homem Disfarçado,
embora bem mais i n t e g r a l o p r i m e i r o como f i g u r a h u m a n a .
Domingo à Tarde é quase todo u m longo diálogo i n t e r i o r e m
p r i m e i r a pessoa, em t o m confessional, e m que põe especial-
mente a imperiosidade da comunicação h u m a n a . Nota-se a bus-
ca de identificação do médico com as criaturas humanas h u -
mildes, pobres, confirmando aliás, u m a certa preferência do
moderno romance português e m buscar nas classes mais b a i -
xas, c u l t u r a l m e n t e falando, a riqueza de tipos psicológicos pa-
r a a criação literária. Assim, nesta t e n t a t i v a de auto-análise
da c r i a t u r a temos u m a caracterização b e m f i r m e do narrador,
enquanto que as outras personagens não têm esta mesma f i r -
me configuração, conseqüência da própria técnica romancística.
Vemos então que o d r a m a do D r . Jorge é tanto mais p r o -
fundo quanto m a i o r a sua ânsia, ao conhecer o humano, de u m
lado Clarisse, de o u t r o aqueles pobres miseráveis à busca de
u m consolo, e assim v a i amadurecendo mais e mais o homem.
Neste p a r t i c u l a r estão alguns dos melhores momentos do r o -
mancista de Domingo à Tarde:

" F i c a v a m - m e os pobres, submissos e aterrados, os


que pressentiam o desfecho como u m castigo misterioso,
telúrico, de que não se podia fugir, e me p r o c u r a v a m
quase sempre apenas para o u v i r u m a p a l a v r a de c o n f o r -
to que em toda parte lhes era negada, u m a m e n t i r a mais.
e pareciam rogar desculpas do seu próprio s o f r i m e n t o .
Esperavam de m i m , cúmplice da doença, da m o r t e ou das
ilusões, não as drogas em que já n e m acreditavam, mas
u m a espécie ambígua de solidariedade que os fizesse sen-
t i r apoiados até p o r q u e m estivesse no lado do executor
no m i n u t o f i n a l ; ou mesmo a solidariedade do carrasco
e da vítima quando o m u n d o se fecha sobre os dois. M e n -
tiras era o que se pediam, sempre mentiras, logros m e n -
digados de mão estendida." ( p . 5 ) .

Sentimos desde logo esta adesão do protagonista àqueles


dramas humanos que vão além da doença e da desgraça física
dessas criaturas humildes, chega a u m a identificação nesta a t i -
tude h u m a n a . Identificação que encontramos de mesma for-
ma, embora com mais sentido dramático, na obra de José Ro-
drigues M i g u e i s .
A s s i m aos poucos vamos tentar d e f i n i r certas tônicas do
romance de Fernando N a m o r a . A superação do real pelo ele-
mento de ficção encontra sua expressão m a i o r e m Domingo à
Tarde.
P o r outro lado neste longo diálogo i n t e r i o r estabelecido pe-
la personagem p r i n c i p a l , no caso Jorge, permite-nos descobrir
u m o u t r o grande elemento na obra que estamos analisando: a
predominância evidente do tempo i n t e r i o r ou psicológico, a
alargar este p r o b l e m a de identificação do romancista com suas
personagens, especialmente com relação à f i g u r a de Clarisse,
pivô central do d r a m a p o r que passa o j o v e m médico. Esta
personagem, das mais ricas criadas por N a m o r a , assemelha-se
quase a u m m i t o , pela t o t a l despreocupação dos preconceitos
sociais, neste ponto a l e m b r a r bastante a f i g u r a de Luísa de O
Homem Disfarçado. Aliás, Clarisse parece ser mesmo u m apro-
fundamento da figura de Luísa, daí a possibilidade ainda de se
a p r o x i m a r personagens e romances neste p a r t i c u l a r .
Realmente como ambientação os romances de Fernando Na-
mora se assemelham bastante. Veja-se, por exemplo, o fato
de João Eduardo e Jorge serem médicos, l u t a r e m com u m
problema de sobrevivência, o p r i m e i r o de sobrevivência t a m -
bém m a t e r i a l , ao enfrentar aqueles tipos sórdidos de provín-
cia, o segundo de traços psicológicos v i s i v e l m e n t e mais pro-
fundos a l u t a r com u m p r o b l e m a de sobrevivência m o r a l e es-
p i r i t u a l . De todas as maneiras a atmosfera no caso destes dois
romances é mais ou menos pesada, causticante.
Todavia, e m O Homem Disfarçado nota-se uma maior re-
de de interesses a conduzir a c r i a t u r a humana, bastando l e m -
brar-se, por exemplo, as figuras de Medeiros e José Eduardo
para sentirmos i s t o . Já isto é notório pelo fato destas c r i a t u -
ras estarem impossibilitadas de se l i b e r t a r e m do existencial,
com exceção apenas do esforço de José Eduardo para f u g i r da-
quele ambiente irreparável de hospital, mas José Eduardo re-
sulta u m tipo inadaptável ao ambiente.
Inadaptação que existe também para Jorge, embora este
seja u m inadaptado n u m sentido geral da vida, ao passo que
José Eduardo o é para u m a certa realidade social. E m todo
caso os dois romances p a r t e m do real para o ficcionista, e nes-
t e aspecto Domingo à Tarde supera O Homem Disfarçado.
Outras personagens completam este quadro social de O
Homem Disfarçado; são elas o D r . Cunha F e r r e i r a e o D r . M e -
deiros, nesta terrível v i d a esmagada pelo troçar da v i d a das
ânsias de suas personagens. O h o m e m buscando realizar-se e
sentindo que tudo o impressiona, perde u m a batalha de ideo-
l o g i a . A impregnação do ambiente é evidente, no sentido de
tomar-se irrespirável para a c r i a t u r a h u m a n a .
N o caso de outros romances, p o r exemplo, A s Sete Parti-
das do Mundo, temos evidentemente outros problemas.
A s Sete Partidas do Mundo, u m típico romance de ado-
lescente e que nos traz problemas da adolescência, através da
história de João Queirós, j o v e m estudante e de suas aventu-
ras amorosas entre as quais a v u l t a m as criaturas feroirúnas
de importância no romance; Celeste, M a r i a Leonor, F l o r i n d a
e L i l i , na o r d e m e importância.
Esquemàticamente o romance é simples e nos n a r r a a h i s -
tória de João Queirós, saindo de sua cidadezinha a e n c o n t r a r
u m m u n d o de aventuras aberto para sua inexperiência e sua
decidida t i m i d e z . P o r ser u m a c r i a t u r a vacilante, i m p o t e n t e
de revelar à c r i a t u r a q u e r i d a o que l h e v a i n a alma, p o r ser
u m caráter indeciso, por t e r sempre de escorar-se e m c r i a t u -
ras mais experientes, sentimos desde o início e m nosso herói a
presença da fase da adolescência. Isto ainda é mais evidente
se l e m b r a r m o s a p u r a duração de seus amores, isto é, o nosso
herói v o l t a e meia está a preocupar-se c o m u m novo amor, que
sempre j u l g a o verdadeiro e eterno. E neste borboletear n a v i -
da, Fernando N a m o r a caracteriza b e m a f i g u r a deste adoles-
cente, ingênuo, j o v e m a querer mostrar-se h o m e m (lembre-se
a atitude de João Queirós, após v i s i t a r o b a i r r o das m u l h e r e s
de má v i d a j u n t o c o m V i e i r a ) .
A s s i m , os amores de João Queirós e as suas brincadeiras
com os colegas de escola preenchem o romance, que deixa m u i -
t o a desejar no sentido psicológico, embora se desculpe até cer-
to ponto este defeito pela mocidade do a u t o r que nos escreveu
o l i v r o ( t i n h a entre 17 e 19 anos).
Nota-se ainda, especialmente n a f i g u r a de João Queirós,
u m a atitude e m que o sentimental se m i s t u r a ao sexual, n u m
m o m e n t o e m que é difícil para o protagonista destacar as coi-
sas. Essas duas atrações p o r exemplo, estão presentes c o m r e -
lação a f i g u r a de M a r i a Leonor, que aliás, d u r a pouco como
m o t i v o de interesse para o j o v e m estudante. A c r i a t u r a que
mais está presente à sua mente é Celeste. Vemos então que
Fernando N a m o r a traça u m panorama c o m a l g u m a p r o f u n d i -
dade de certos problemas em certa a l t u r a da v i d a de João Q u e i -
rós, personagem que v i v e alguns dramas na t e n t a t i v a de afir-
mar-se libertando-se da influência f a m i l i a r e dos amigos, bus-
cando tornar-se H o m e m , na realização amorosa.
Então, na idade e m que desperta o sexo na c r i a t u r a h u -
mana, é que se situa a observação de Fernando Namora, e
neste p a r t i c u l a r m u i t a riqueza humana se pode t i r a r de João
Queirós, especialmente na segunda parte do l i v r o , e m que
mais flagrante se nota a busca de auto-afirmação da parte do
nosso herói.
E m Retalhos da Vida de um Médico temos u m a série de
n a r r a t i v a s em que dois elementos parecem perfeitamente en-
trelaçados: u m deles é o objetivo, a visão do real, mais cla-
ramente do social que p r e d o m i n a sobre o s u b j e t i v o . N a obra
associam-se dois elementos: a experiência real v i v i f i c a d o r a
de u m médico frente a uma série de problemas humanos que
d e r i v a m de u m a série de doentes e criaturas que o cercam.,
levados por preconceito contra o j o v e m médico. O segundo-
elemento de p r i n c i p a l interesse é o ficcionista, e m que sen-
timos o romancista elevar sua perspectiva de v i d a l i m i t a d a ao
aspecto social a u m sentir universalizante do p r o b l e m a enca-
rando-o pelo lado h u m a n o . Esta humanidade sentimos desfi-
l a r através daquelas pobres criaturas deserdadas da sorte,
campo da experiência humana e estética de Fernando N a m o -
r a . E é justamente este elemento de ficção que eleva o ro-
mance de Fernando N a m o r a a grandes altitudes, superando a
mera visão social e documentária dos fatos. Assim, obra em-
bora vincadamente presa ao real, Retalhos da V i d a de um
Médico é também u m depoimento humano, especialmente por
t r a d u z i r a l u t a intensa do j o v e m médico contra o ambiente
hostil, impregnado de misticismo e descrente do elemento cien-
tífico. E assim vão desfilando as criaturas, das quais parece
a v u l t a r a f i g u r a do garoto abandonado de Dias de V e n t o e m
que podemos sentir u m a r e v o l t a da c r i a t u r a contra u m a esta-
bilidade burguesa que não t e m olhos para o humano, para os
humildes. E m Dias de V e n t o , especialmente, sentimos esta
definição humana flagrante e que ocorre em outras n a r r a t i -
Notamos a q u i ainda que certos elementos da Natureza en-
contram sempre preponderância nesta experiência sensorial
que perpassa a poesia de Fernando N a m o r a . E ' desta i n t e g r a -
ção dos sentidos com a realidade e x t e r i o r , seja com pessoas o u
com a Natureza que derivará sua dramaticidade e que o r i e n -
tará de u m modo o u de outro, certo egocentrismo, n u m a i m -
possibilidade quase permanente de se despersonalizar. D a q u i
deriva o intenso personalismo que marca a poesia de N a m o r a ,
personalismo que às vezes chega ao excesso, visível e m Poema
de A m o r de Relevos:

"Quero-me só, a sofrer e arrastar


a m i n h a cruz." (p. 2 5 ) .

Contudo, essa paisagem melancólica e t r i s t e não é a única


na poesia de N a m o r a . Às vezes ela caminha para u m o t i m i s -
mo saudável no modo de sentir a v i d a . E ' o que está colocado
expressivamente no Poema ao Belo A d o r m e c i d o de Relevos

"O menino d o r m e . . .
dorme e s o r r i .
Há no teu sorriso,
menino d o r m i n d o ,
a quietude chorosa dos ocasos

O menino d o r m e . . . d o r m e . . .
— Toca-lhe com doçura. Veste os teus passos de v e l u d o .
Que êle nem sonhe o c e t i m das tuas mãos. (p. 2 9 ) .

E nesse t o m prossegue a poesia a denunciar, embora e x -


cepcionalmente nessa obra aquela brisa suave e calma que cer-
ca a c r i a t u r a h u m a n a .
N o entretanto, n u m sentido amplo, a visão que Fernando
N a m o r a t e m da vida, e m Relevos e M a r de Sargaços c o n s t i t u i
algo de desalentador, de descrença, de busca da realização
através dos sentidos n u m verdadeiro d r a m a de desagregação
da c r i a t u r a ao mesmo tempo de r e v o l t a contra as coisas esta-
belecidas, contra a burguesia, p o r exemplo
"— M e u amor, m e u amor, tenho o corpo f r i o ,
agasalha-me com teus beijos.
— Fôste t u que falaste? Ora, tonta, nada d i s s o . . .
E n s i n a r a m - t e m a l a melopéia.
Que m a n i a a vossa de i m i t a r a burguesia!" (p. 3 9 ) .

Vemos assim que a atmosfera de poesia é sombria, ade-


mais erótica, a caracterizar u m a vivência sensorial das coi-
sas, e m que o poeta encontra apenas o vazio, a ruína, o f i m .
Já e m T e r r a sentimos u m a atitude de o t i m i s m o do autor,
buscando certos valores i m o r r e d o u r o s da v i d a , presos d i r e t a -
mente à t e r r a .
Daí termos que como atitude e como valorização da exis-
tência, T e r r a difere dos dois p r i m e i r o s l i v r o s , eis que agora
toda u m a construção voltada e m busca da v i r t u d e da c r i a t u -
r a humana, não mais o desprezo p o r ela.
E m T e r r a , ainda mais do que nunca, está presente a N a -
tureza como propiciadora de u m a paz e consolação para a cria-
t u r a h u m a n a . E ' onde sentimos o h o m e m preso ao cosmos de
u m a maneira t a l em que a simplicidade da c r i a t u r a busca re-
f l e t i r a própria simplicidade da t e r r a . N i s t o resulta u m a pos-
sibilidade a v o l t a do elemento ao p r i m i t i v o , à gênese das coisas
da natureza está presente n u m verdadeiro processo de tomada
impressionista da paisagem. O poeta se i d e n t i f i c a como as cria-
turas simples e com o que elas f a z e m .
P o r isso acreditamos estar e m T e r r a o que m e l h o r r e a l i -
zou Fernando N a m o r a no campo da poesia.
E m Cidade Solitária notamos também a facilidade de Fer-
nando N a m o r a e m c r i a r certos tipos psicológicos, às vezes do-
tados de grande dramaticidade, como ocorre, p o r exemplo, c o m
a f i g u r a de Joel de "O h o m e m vestido de n e g r o " . Nesta n a r r a -
t i v a , aliás, reside u m dos momentos mais fortes como realis-
mo psicológico, quando N a m o r a se põe a analisar a ação de
u m bando de malfeitores chefiados pelo citado J o e l . Se a q u i
o elemento i m p o r t a n t e reside n u m psicologismo t r a z i d o atra-
vés da narração, em " A fraude", o diálogo c o n s t i t u i o aspecto
mais frisante, ao nos traçar do d r a m a de Júlia, procurando f u -
g i r à vida, refugiando-se n u m comportamento a d u l t e r i n o . Per-
passa todo o conto u m a melancolia, através da impotência das
criaturas de encontrarem a felicidade e o bem-estar e s p i r i t u a l .
E m " T i n h a chovido na véspera" a atmosfera é menos t e n -
sa, para se c a m i n h a r dentro quase que exclusivamente do cam-
po do erotismo, através das duas p r i n c i p a i s personagens, des-
tituídas de u m sentido mais elevado da v i d a . Duas linhas per-
feitamente definidas se podem notar: uma, a da análise i n t e -
r i o r , afeta especialmente ao rapaz e a outra, a do diálogo e m
que podemos m e l h o r avaliar da personalidade da moça.
Contudo, neste conto, o elemento dramático do sentir da
vida, acha-se u m tanto quanto esmaecido pelo t i p o de c r i a t u -
ras frívolas e sem perspectivas maiores que o sensual (a não
ser e m alguns momentos, no caso da j o v e m em que se nota
algo de e s p i r i t u a l ) , t e r m i n a n d o tudo n o r m a l m e n t e , sem t r a u -
mas maiores para as personagens, que aliás, não se encontra-
r i a m p o r t e r e m valores diferentes na v i d a .
E m "Sabotagem", a vista de N a m o r a se v o l t a para a p a i -
sagem de u m a m i n a para onde convergem vários tipos dife-
rentes entre os quais o Candolas e m q u e m o autor se demora
m a i s . Predomina a q u i a visão de tipos dentro da preocupação
de se estabelecer u m p r o b l e m a social (realismo e x t e r i o r ) e a
análise i n t e r i o r de algumas personagens (Candolas especial-
mente e o n a r r a d o r ) , através de u m psicologismo p a r t i n d o de
p r i m e i r a pessoa. O interesse da n a r r a t i v a reside p a r t i c u l a r -
mente na busca da verdade daquilo que todos fazem na m i n a
e no destaque de u m t i p o psicológico, o Candolas.
"O Visconde ou uma história quase humorística" nos traz
a caracterização de u m suposto nobre, v i l a r e j o dono de u m a
taberna, interessando p r i m a c i a l m e n t e o orgulho da persona-
g e m . Perpassa a n a r r a t i v a u m certo t o m de h u m o r , de comi-
cidade não m u i t o c o m u m na ficção de Fernando N a m o r a .
"Fraude" desenvolve u m diálogo dos participantes de u m
adultério, trazendo características psicológicas de Júlia, u m a
m u l h e r que v i v e sãmente dos sentidos, ao contrário da c r i a t u -
r a f e m i n i n a de " T i n h a Chovido na véspera". Há ainda a p r e -
ferência pelo diálogo, observando-se novamente como Fernan-
vas da série tais como em A V i s i t a , em que sentimos o h u -
mano através da vacilação perfeitamente compreensível. Os
tipos humanos preferidos pertencem, especialmente, ao
Alentejo, sendo alguns da B e i r a . Aliás, o A l e n t e j o é
u m a das regiões preferidas da ficção de Fernando N a m o r a .
O romance O Trigo e o Joio também se passa lá. Aliás, este
é dos poucos romances e m que Fernando N a m o r a não usa do
processo de associar a sua experiência de médico ao elemen-
to f i c c i o n a l . Os tipos e m O Trigo e o Joio também são p o p u -
lares, como os de Retalhos da V i d a de um Médico.

Neste último l i v r o , p o r t a n t o três aspectos devem ser res-


saltados: a presença da análise psicológica, presa à f i g u r a do
narrador, a experiência do social, através das criaturas com
que o médico entra e m contacto e o interesse pelo destaque
de criaturas pobres e h u m i l d e s do p o v o .
A s F r i a s Madrugadas, obra poética de Fernando N a m o r a
compreende a coleção de versos dos l i v r o s Relevos, Mar de
Sargaços e T e r r a .
I n i c i a l m e n t e o que se nota em sua poesia é a presença da
apuração dos sentidos na captação da realidade, captação es-
sa não raro cheia de melancolia, de ar sombrio, p o r vezes a t i n -
gindo a u m certo sadismo dos sentidos. E m segundo lugar, é
evidente que a Natureza c o n s t i t u i u m elemento sempre pre-
sente à poesia, Natureza que atinge diretamente o h o m e m que
está voltado para ela e que busca interpretá-la. O u t r a nota ca-
racterística é a perfeita consciência daquilo que busca e pre-
tende realizar. E ' o que vemos n a p r i m e i r a poesia de Mar de
Sargaços

" A m i n h a poesia vagueia pelo m u n d o ,


por todos os caminhos do m u n d o ,
desnorteados como os ponteiros de u m relógio v e l h o ;
a m i n h a poesia ora tem u m m a r de espuma, como u m j a r -
dim noturno,
ora o deserto que o s i m u m veio m o d i f i c a r ,
ora a m i r a g e m de se estar perto do oásis,
ora os pés cansados e a febre a chicoteá-los." (p. 5 1 ) .
do N a m o r a se sente b e m na colocação do instantâneo, do i n c i -
dental, t r a d u z i n d o o essencial da c r i a t u r a humana, no caso a
j o v e m Júlia.
"Não é do coração" nos relata a experiência de v i a g e m de
u m português, ao estabelecer contacto com u m casal de belgas,
resultando daí o elemento dialogai e m que podemos perceber
as reações de cada u m r e l a t i v a m e n t e às paisagens da f r o n t e i r a
entre Espanha e França.
O "Rapaz do t a m b o r " nos traz a psicologia de u m menino,
preocupado e m saber do mistério que cerca v i d a de seu p a i .
O interesse m a i o r reside n a m o r t e trágica do m e n i n o , inocen-
temente crente de que, tocando seu t a m b o r poderia enfrentar
os soldados que m a t a r i a m seu p a i . O conto está assim cercado
de u m a atmosfera pesada, na descrição dos acontecimentos re-
lativos à v i d a de Jenito, o pobre rapaz do t a m b o r .
" A Piedosa oferenda" apresenta u m a carga de h u m o r , ao
traçar a v i d a , por assim dizer, picaresca de C r i s p i m , u m a de
suas melhores criações nestas narrativas, p a r t i c u l a r m e n t e pe-
l a captação psicológica de u m t i p o cínico, aproveitador das c i r -
cunstâncias, e especialmente fingido, conseguindo despertar
com suas lágrimas, a simpatia e a compaixão da família do
professor, seu antigo conhecido.
" U m a avaria no automóvel" constitui-se em u m i n c i d e n t e
e m que Fernando N a m o r a coloca o v a l o r do tempo a desfazer
a aproximação das criaturas humanas, quando depois de dez
anos u m h o m e m v o l t a à v i d a onde d e i x o u inúmeras amizades,
percebendo agora que tudo m u d o u i n e x o r a v e l m e n t e . O f i n a l da
n a r r a t i v a situa o pobre h o m e m a f u g i r angustiadamente da i n -
diferença de pessoas que e m tempos passados conhecera. E' o
sentir de que como o tempo e a distância m o d i f i c a m sensivel-
mente as c r i a t u r a s .
" P i q u e n i q u e " decorre n u m a atmosfera de devaneio, de
sonho, destacando-se a análise psicológica de u m v u l t o f e m i -
n i n o , Cristina, através de u m monólogo e m que a mesma situa
sua v i d a , suas ambições, a fuga no Piquenique, etc.
"Cidade Solitária", u m dos bem estruturados contos da
série, apresenta a análise i n t e r i o r de u m quarentão, R a i m u n -
do, frente a seus problemas no escritório e na v i d a e m geral,
buscando u m a integração com as criaturas humanas, impos-
sibilitada pela própria conformação psíquica do h o m e m . Daí
d e r i v a m certos problemas que o atingem duramente: o isola-
mento, a falta de apoio humano, a h i p o c o n d r i a . Releva n o t a r
o quadro social que Fernando N a m o r a desenvolve à v o l t a de
Raimundo, impossibilitando a este a fuga de seu desespero de
h o m e m isolado dentro de si mesmo.
Temos a q u i u m a expressiva mostra da captação do m u n -
do i n t e r i o r de u m h o m e m presente a u m a atmosfera de f r u s -
tração que não raro encontramos nas criações de Fernando
N a m o r a ; basta lembrar, por exemplo, a f i g u r a de João Eduar-
do, de O Homem Solitário.
"O Companheiro de v i a g e m " nos apresenta u m contras-
te entre dois tipos psicológicos, O engenheiro Jorge Reis e
Adérito Lopes, f i g u r a exótica a entrometer-se na v i d a do p r i -
m e i r o . O conto nos deixa e m atitude de expectativa e m saber
q u e m era realmente a f i g u r a do senhor Lopes, afinal u m con-
d u t o r de camioneta de mais influência na região que o pró-
p r i o engenheiro, t i p o explosivo e nervoso.
F i n a l m e n t e e m " F e i r a de c h u v a " Fernando N a m o r a situa
i n i c i a l m e n t e u m a v i l a c o m sua paisagem e e m seguida a l o j a
do sr. Custódio sempre a protestar contra as feiras que p r e -
j u d i c a m o seu comércio. Interessa p a r t i c u l a r m e n t e a carac-
terização psicológica do comerciante, mostrando especialmen-
te como o hábito já se i n c o r p o r o u à sua v i d a (o hábito de
vender).

Achamos necessário r e s u m i r as historietas de Cidade So-


litária, para m o s t r a r que p r i m e i r a m e n t e interessa a Fernando
N a m o r a caracterizar aquilo de mais flagrante na c r i a t u r a h u -
mana. Ademais ressalte-se sempre a presença de elementos
sociais a reforçarem certas captações da psicologia das perso-
nagens. Finalmente, destaque-se a preferência do contista pelo
elemento dramático da vida, pouco restando para aquilo que
seria u m a atmosfera de saudável o t i m i s m o .
C o m tudo isto, já estamos a v e r que certos valores são f u n -
damentais na ficção de Fernando N a m o r a , tais como a busca
de u m aprofundamento psicológico quase sempre conduzido
dentro de u m a visão amarga da v i d a , tanto nos romances como
nas n a r r a t i v a s , a preferência como tema de criaturas h u m i l -
des, sofredoras, e ainda mais a presença de u m realismo so-
cial em que sentimos a p r o f u n d a adesão do romancista às cau-
sas do h u m a n o no seu sentido mais p r o f u n d o . Relembre-se a i n -
da que toda a ficção de Fernando N a m o r a liga-se n a t u r a l m e n -
te à experiência de vida, superando-a n a t u r a l m e n t e para a t i n -
g i r alto nível de composição artística e estética.
Justifica-se desta maneira a colocação do autor de Reta-
lhos da V i d a de u m Médico entre os mais expressivos ficcio-
nistas da moderna l i t e r a t u r a portuguesa.

OBRAS CONSULTADAS:

N A M O R A , Fernando — A s Sete Partidas do Mundo, Lisboa, Editora


Arcádia, 1958, 2a. ed.., 268 p p .
Domingo à Tarde, Porto Alegre, E d i t o r a Globo S. A . , 1963,
153 p p .
O Homem Disfarçado, Lisboa, Editora Arcádia S. A . , 309 pp.
Retalhos da Vida de um Médico, Lisboa, Guimarães E d i t o -
res, s. d., 4a. ed., 267 p p .
As Frias Madrugadas, Lisboa, Editora Arcádia, s. d., 151 pp.
Cidade Solitária, Lisboa, Editora Arcádia, 1959, 2a. ed., 293 p p .

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