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Bergamini (1994)
Bergamini (1994)
LIDERANÇA: A ADMINISTRAÇAO
DO SENTIDO
A review of ihe historical eoolution of the studies and surveys on leadership strengh the
imporiance of effective organizacional leadere.
PALAVRAS-CHAVE:
Liderança, interação, poder, ÚJ-
ttuêncie, autoridade, carisma,
cultura organizacional, motiva-
ção, atitude.
KEY WOROS:
Leaders/Jip, interaction, power,
inttuence. authority, cnerism,
organizationa/ cu/ture, motiva-
tion, altitude.
, Professora do Departamento
de Administração Geral e Re-
cursos Humanos da EAESPI
FGV.
102 Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 34, n. 3, p.102-114 Mai./Jun. 1994
LIDERANÇA: A ADMINISTRAÇÃO DO SENTIDO
© 1994, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 103
iJ!J/J ARTIGO
Cronologicamente, a seqüência históri- como os responsáveis pelos primeiros
ca do estudo da liderança mostra várias passos rumo à sistematização do estudo
etapas. A teoria dos traços originou-se de em liderança. A contribuição desses pes-
pesquisas disponíveis a respeito de lide- quisadores ficou, por assim dizer, mais
rança dentro dos períodos compreendi- restrita ao estudo do líder em si, tendo
dos entre 1904-1948.Uma revisão dessas suas pesquisas se omitido na considera-
pesquisas conseguiu isolar cerca de 34 ção de aspectos ligados às circunstâncias
traços de personalidade considerados ambientais que envolvem o vínculo líder-
como típicos de bons líderes. O enfoque seguidor. Avaliando o trabalho desenvol-
dos estilos de liderança aparece logo no vido dentro desses primeiros enfoques,
início da década de 50. Nesse momento, Smith e Peterson comentam: "Esses pes-
um grande esforço de pesquisa foi mobili- quisadores em liderança agiam como se eles
zado buscando saber como o bom líder fossem alquimistas medievais à procura da pe-
deve agir. dra filoeofal", 5 Está subentendido nessa
Essa segunda etapa da história da lide- crítica que esses pesquisadores preten-
rança inicia-se no pós-guerra, especial- diam como que" destilar a essência" da li-
mente nos Estados Unidos. Nesse mo- derança para encontrar aquilo que pudes-
mento foram criados inúmeros instru- se distinguir os líderes como pessoas es-
mentos de análise do comportamento em peciais, diferentes, portanto, do restante
liderança, representados principalmente dos mortais.
pelos questionários. Como testemunha Numa etapa subseqüente surgem as
Guiot: "Numerosas pesquisas foram levadas a teorias situacionais que possuem como
efeito tendo em vista colocar em evidência as principal foco de interesse o estudo do
relações entre os tipos de comportamento do comportamento contingente em lideran-
líder e a eficácia de sua liderança. A hipótese ça. A ênfase já não é mais colocada unica-
subjacente, orientadora da pesquisa, é aquela mente sobre uma variável isolada cir-
que propõe ser o estilo de liderança manifesto cunscrita à ação do líder sobre um tipo de
pelo líder, o determinante do nível de desem- atitude passiva do subordinado. De ma-
penho atingido pelo grupo (ou unidade orga- neira um pouco mais complexa, a princi-
nizacional por ele comandada)".» É sabido pal preocupação desse novo grupo de es-
que nesse momento todo o esforço de tudos será dirigida também às caracterís-
pesquisa contava com ambientes onde ha- ticas comportamentais dos liderados. Os
via maior controle das variáveis. defensores das proposições conhecidas
A liderança tem sido também estudada como contingenciais levantam novas va-
como um processo de interação que envol- riáveis que passam a ser objeto de investi-
ve trocas sociais. Sob esse aspecto, o líder é gação. Esse posicionamento determina o
visto como alguém que traz um benefício, caráter de maior abrangência dessas teo-
não só ao grupo em geral, como a cada rias com relação às anteriores. O ambiente
membro em particular, fazendo nascer organizacional, bem como as característi-
desse intercâmbio o valor que seus segui- cas comportamentais dos seguidores, pas-
dores lhe atribuem. Em troca, os membros sa agora a fazer parte integrante do qua-
do grupo devolverão ao líder seu reconhe- dro geral das investigações voltadas ao
cimento e aceitação como forma de lhe estudo sistemático da ciência da lideran-
conferir a autoridade para dirigir pessoas. ça. Os enfoques contingenciais propuse-
Dentro desse apanhado de estudos ram que as organizações poderiam contar
mais sistemáticos, alguns nomes se desta- com bons líderes desde que lhes dispen-
cam. Nas pesquisas sobre traços de perso- sassem treinamento adequado e promo-
nalidade surgem Stogdil e Mann. Lewin, vessem um ambiente favorável onde pu-
Fleshman, Coons, Likert e outros conheci- dessem agir com eficácia.
4. GUIOT, J. M. Organisations dos, como os pesquisadores dos grupos Hampton, Summer e Weber assim re-
socia/es et comportements.
Montreal: Les Éditions Agenee das Universidades de Ohio e Michigan, sumem a contribuição oferecida nessa
d'Are INC, 1987, p. 142. foram os principais responsáveis pelas in- fase do estudo da liderança: "Os três enfo-
vestigações feitas em tomo dos estilos de ques situacionais acrescentam muito à nossa
5. SMITH, R., PETERSON, M. F.
Leadership, organization and-
liderança. McClellan e Minner investiga- atual compreensão de liderança. O modelo
cu/ture. London: Sage Publica- ram a motivação para a liderança. Todos contingencial de Fiedler mostra que existe si-
tion, 1989, p. 11. eles são reconhecidamente considerados tuações favoráveis e desfavoráveis para o líder
e que alguns tipos de líderes saem-se melhor /I A função motivacional do líder reside nas
em situações favoráveis, enquanto que outros, crescentes recompensas pessoais dos subordi-
em situações desfavoráveis. O enfoque do ca- nados no sentido da chegada aos objetivos do
minho-objetivo deu vida à noção de que os su- trabalho, fazendo com que o caminho para es-
bordinados tentam ser pessoas bem-intencio- sas recompensas se torne mais fácil de ser per-
nadas e que o líder que puder ajudá-las nesse corrido ao deixá-lo mais evidente, reduzindo
processo terá sucesso. Finalmente, os enfoques os bloqueios do percurso e as armadilhas, bem
de Tannembaum/Schimit e Vroom/Yetton como aumentando as oportunidades de satis-
mostram como realmente podem ser comple- fação pessoal em curso", 7 O papel do líder,
xas asforças que estão em jogo na tentativa do conforme o enfoque do caminho-objetivo,
líder em adequar seu comportamento à situa- caracteriza-se como aquele de agente a
ção",> Com isso, maior profundidade é quem cabe desbloquear a força motiva-
acrescentada ao estudo da liderança. cional contida no interior do seguidor.
Se, para as colocações teóricas iniciais,
o traço de liderança era inato, agora, com
os teóricos da contingência, essa caracte-
rística pode ser desenvolvida. Instala-se, a
partir desse novo enfoque, a crença de
que qualquer um pode ser um bom líder,
basta que seja preparado para tanto. A
partir desse momento é que começa a sur-
gir um grande número de programas de
treinamento e desenvolvimento em lide-
rança, avidamente consumido pelas orga-
nizações empresariais do mundo todo.
Assim, a figura do líder toma novo aspec- ta por Tack: "Os gerentes, muitas vezes, ge-
to, como propõe Pondy: "A eficácia do líder renciam departamentos, gerenciam pessoas,
repousa na sua habilidade de tornar uma ativi- mas não as lideram. A liderança eficaz os mo-
dade significativa para aqueles que estão nesse tiva voluntariamente, e esta é a palavra-chave,
conjunto de papéis - não é mudar comporta- a dedicarem suas mentes e atributos físicos
mentos, mas dar aos outros o senso de com- para um objetivo maior". 12 Para o autor é
preensão daquilo que estão fazendo e especial- axiomático que o valor da boa liderança
mente articulá-los para que possam comunicar- esteja com freqüência esquecido, para que
se sobre o sentido do comportamento deles (...). o valor da boa administração seja, guase
Essa dupla capacidade, dar sentido às coisas e que inevitavelmente, enaltecido. E por
colocá-las em linguagem significativa para um isso que para ele gerência e liderança não
grande número de pessoas, dá ao líder enorme são necessariamente parentes, embora
alatancagem"." Para administrar o sentido acredite que a liderança seja sinônimo de
que as pessoas dão ao trabalho que fazem, motivação.
é necessário conhecer como suas necessi-
dades motivacionais o valorizam.
Durante muitos anos, a forma pela
qual os candidatos a cargos de chefia, ge-
rência ou administração foram escolhidos
'(1:
baseou-se em padrões que pouco tinham
1íd4i1!: .será tanto maior
a ver com o futuro papel de liderança a
ser desempenhado por essas pessoas. As-
'" "
qúantdm,ais ele for 1*
sim sendo, a realidade atual das organiza- .. .'.. 'tt'
ções empresariais brasileiras acusa uma
tons"iderado como
ausência marcante daqueles que, no exer-
cício de tais cargos, poderiam ser qualifi-
facilifador'tJê· consecação
cados como verdadeiros líderes. Por ou-
tro lado, os programas de treinamento e
desenvolvimento dos novos chefes foram
principalmente planejados para oferecer
pesadas doses de conhecimentos técnicos
e administrativos e muito pouco era men-
cionado sobre aquilo que dizia respeito ao
processo de interação pessoal no contexto Em que pese as diferenças individuais
da liderança. Sem os cuidados necessá- entre o líder e seus seguidores, é pela
rios, instaurou-se em pouco tempo um consciência dessas diferenças que a ação
clima de desmotivação generalizada. do líder reconhecidamente eficaz faz sen-
Conseguir que a motivação não desapa- tir a importância da sua presença. Sob
reça é fazer com que se continue vendo esse aspecto, o líder sabe que pode contar
sentido naquilo que se está fazendo no com as necessidades interiores originárias
trabalho, como salienta Sievers ao propor da busca de realização pessoal e da pre-
que "a motivação só passou a ser um tópico- servação da auto-imagem daqueles que
tanto para as teorias organizacionais, quanto aceitam ser dirigidos por ele. Essas pre-
para a organização do trabalho em si - quando disposições naturais são interpretadas
o sentido do trabalho desapareceu ou então foi pelo líder como "forças que organizam nos- 10. SMITH, P., PETERSON, M.
perdido (...) Como conseqüência, as teorias mo- F. Op. cit., p. 10.
sas percepções, julgamentos e ações para atin-
tivacionais se têm transformado em sucedâ- gir a competência. A existência de um estado 11. SIEVERS, S. Além do suce-
neos do sentido do trabalho". 11 O desapareci- de necessidades pressupõe que haja uma con- dâneo da motivação. In: SER·
mento desse sentido pode ser atribuído GAMINI, C., CODA, R. Psicod»
dição a ser preenchida. Todos têm necessida- nâmica da vida organizacional:
principalmente ao descaso das organiza- des complexas que pedem satisfação e que são motivação e liderança. São Pau-
ções quanto à motivação para o trabalho. a expressão das personalidades nas quais exis- lo: Biblioteca Pioneira de Acmi-
A maioria daqueles que ocupam cargos nistração de Negócios, 1990, p.
tem. A ampla gama de comportamentos hu- 117,
que deveriam ser preenchidos por líderes manos é composta de múltiplos padrões de ne-
nem mesmo acredita que para trabalhar cessidades. Interpretar esses padrões indivi- 12. TACK, A. A liderança moti-
seja necessário estar motivado. O panora- vacional. São Paulo: Siamar,
duais é um dos desafios para compreender e Serviço Cultural Interamericano
ma organizacional lembra a descrição fei- aceitar as diferentes necessidades das pessoas e e Editora ttda, 1989, p. 26.
a um certo status na vida, galgou degraus, ou não existem líderes universais que se
atingiu objetivos significativos, merece a sua saiam bem em qualquer circunstância,
confiança. Mas a confiança completa é assegu- com qualquer tipo de grupo ou em qual-
rada (ou não) somente depois que as pessoas quer espécie de ambiente organizacional.
tiveram a oportunidade de conhecer mais o in- Num exame mais amplo do histórico
divíduo. Os alicerces da credibilidade são da liderança é possível destacar três
construídos tijolo por tijolo". 26 Esse clima de grandes aspectos que podem ser conside-
credibilidade pressupõe transparência e rados como verdadeiramente relevantes.
honestidade de princípios evidentes nas Numa primeira fase, atribui-se à figura
ações do líder em qualquer momento e do líder traços pessoais específicos, certos
diante de qualquer desafio. tipos de motivações e determinados esti-
O autoconhecimento, a segurança pes- los comportamentais considerados como
soal e a maturidade emocional parecem elementos-chave do processo de lideran-
ser ingredientes indispensáveis ao líder. É ça. Para os primeiros teóricos, os subordi-
importante que não se sinta ameaçado ao nados são entendidos como sujeitos que
admitir a influência ascendente que ema- sofrem passivos a ação do líder.
na do seguidor sobre ele. A influenciação
exercida em duplo sentido e a transfor-
mação mútua são requisitos de valor in-
questionável quando se pretende liderar
eficazmente."Nunca deveríamos fingir sobre
aquilo que não sabemos, não deveríamos ter
medo de perguntar e aprender com pessoas in-
feriores e deveríamos ouvir cuidadosamente os
quadros de pessoal nos mais baixos níveis. Ser
um aluno, antes de tornar-se professor, apren- organização
) .
confere ao
der com os quadros de níveis inferiores antes
de expedir ordens" . 27 rder quª,lidades .
CONCLUSÕES carismátiGas"'qop o torna
Yi; .•
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114 Artigo recebido pela Redação da RAE em março/94, avaliado e aprovado para publicação em maio/94.