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CASA DE OSWALDO CRUZ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ​PRESERVAÇÃO E GESTÃO DO PATRIMÔNIO


CULTURAL DAS CIÊNCIAS E DA SAÚDE

BRUNA RIBEIRO BOMFIM DOS SANTOS

“Desde os tempos do Império”: ​um plano de emergência para a


Biblioteca Histórica do Colégio Pedro II.

Trabalho Final da disciplina de Perspectivas do Patrimônio Cultural


do Mestrado Profissional – Professora Inês El Jaick Andrade​.

Rio de Janeiro
2020
Após a tentativa de utilizar como objeto de pesquisa uma das coleções especiais presentes
na Biblioteca Histórica do Colégio Pedro II ter sido fragilizada por conta da pandemia de
Covid-19, que obrigou a instituição a realizar o ​lockdown1​ c​ omo forma de prevenção de
saúde e de minimizar a contaminação, novas possibilidades de pesquisa surgiram e me
levaram a refletir sobre a temática de preservação e as condições de conservação em que a
Biblioteca Histórica se apresenta atualmente. Surgiram então os seguintes
questionamentos: Existe uma política de preservação para todo este acervo e o espaço que
o abriga? A Biblioteca possui repositório institucional como forma de garantir a memória, a
democratização do acesso à informação e para preservar o patrimônio histórico
institucional? Quais são os riscos mais inquietantes para serem tratados nesta Biblioteca?
Quais motivos impossibilitaram a criação de um plano de emergência até o presente
período? Tais questionamentos podem ser respondidas por meio da produção da referida
pesquisa para dissertação e da apresentação de um plano de emergência, inclusive
mobilizando outros setores da instituição a considerar relevante a necessidade de ‘zelar’ por
essa documentação significativa para a pesquisa e a educação brasileira e buscar a
contribuição dos profissionais, as ferramentas e a devida atenção para tratar esses riscos.
Apesar de saber que todas as organizações estão sujeitas a riscos variados e que em
algum momento estas ocorrências podem acontecer, é importante salientar que as
organizações que priorizam a gestão de riscos e a conservação preventiva poderão passar
por essas ocorrências com impactos menos comprometedores em sua estrutura e/ou
qualidade de trabalho.
O Colégio Pedro II apresenta uma Comissão para Gestão de Riscos, mas justamente a
Biblioteca Histórica - que salvaguarda o patrimônio documental: o acervo geral desde sua
criação, as obras raras, os arquivos pessoais e coleções de professores eméritos e ex-
alunos - ainda não apresenta nenhum plano de emergência, plano de conservação
preventiva ou de preservação digital​2​. Tal condição traz à tona a relevância dos objetivos de
pesquisa desta dissertação como ferramenta para incentivar a preservação e a segurança
tanto da estrutura da Biblioteca e dos profissionais envolvidos nas atividades exercidas
neste espaço quanto para este acervo tão valioso para o ensino, a pesquisa e a Educação
na nossa sociedade brasileira.

1
De acordo com o site Dasa.com, ​lockdown ​é a versão mais rígida do distanciamento social e
quando a recomendação se torna obrigatória. É uma imposição do Estado que significa bloqueio
total. No cenário pandêmico, essa medida é a mais rigorosa a ser tomada e serve para desacelerar a
propagação do novo Coronavírus, quando as medidas de isolamento social e de quarentena não são
suficientes e os casos aumentam diariamente.
2
O Laboratório de Digitalização do Acervo Histórico (LADAH) segue fechado (mesmo antes do
período da pandemia de COVID-19 - coronavírus) após as duas funcionárias que integravam o
Laboratório terem sido conduzidas para outro setor.
Tendo como missão, o ideal de promover a educação de excelência, pública, gratuita e
laica, por meio da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, com intuito de
formar pessoas capazes de intervir de forma responsável na sociedade, o Colégio Pedro II
produziu, ao longo dos anos, documentos históricos gerados a partir das suas próprias
atividades de ensino e, mantém acervo com obras gerais destinadas à comunidade docente
e discente. Seu patrimônio histórico-cultural é composto por acervo arquivístico,
bibliográfico e iconográfico. No intuito de salvaguardar seu patrimônio histórico-cultural às
gerações futuras, o Colégio criou espaços de “guarda de memória”. Destacam-se: a
Biblioteca Histórica e o Núcleo de Documentação e Memória.

Vale mencionar que o Núcleo de Documentação e Memória, conhecido por NUDOM, foi
criado em 22 de agosto de 1995 para tratar, preservar e divulgar a produção intelectual da
Instituição desde sua fundação, constituindo-se como um guardião da memória coletiva
petrossecundense, tanto pelos documentos únicos referentes à história do Colégio, como
pelas memórias de seus antigos alunos e professores, registradas em livros, depoimentos
escritos e orais e imagens que retratam as marcas muito características dessa formação
educacional e desse modo, sendo evidenciado como um laboratório de pesquisa.

São inúmeras as razões para realizar a preservação e a conservação sistemática de


documentos e de toda a estrutura que o preserva: religiosa, artística, cultural, histórica,
jurídica, econômica e/ou afetiva. Rossi (2010) inclusive comenta que a memória (como bem
sabia David Hume) sem dúvida tem algo a ver não só com o passado, mas também com a
identidade e assim (indiretamente), com a própria persistência no futuro. Para que os
imbróglios entre passado e futuro, lembrança e esquecimento não sejam motivo de caos, os
espaços de “guarda de memória” apresentam sua dinâmica e reforçam um apoio essencial
na identidade da sociedade. No ano de 1838, enquanto revoltas​3 contra a opressão social
ocorriam em outros estados do país, o Rio de Janeiro apresentava seus preciosos espaços
de memória para a comunidade: em 2 de janeiro, o Arquivo Nacional é instituído, dias
depois do mesmo mês, o Colégio Pedro II é fundado e em 2 de outubro foi fundado o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Tal ocorrido, mostra por si só a credibilidade da proposta de fundação do Colégio perante a


sociedade ao levarmos em consideração a magnitude dos outros espaços anteriormente
mencionados a nível nacional.

3
A Balaiada foi uma luta popular que sucedeu na província do Maranhão durante os anos de 1838 e 1841. A
revolta surgiu como um levante social por melhores condições de vida e contou com a participação de
vaqueiros, escravos e outros desfavorecidos.
Esta ótica é esclarecida no argumento de Le Goff (1992) em Documento/Monumento, no
cerne de que compreender que o Colégio Pedro II apresenta papel polissêmico desde a
estrutura de seu edifício até seu papel social, ampliando a necessidade de sua
conservação.  

O Colégio está localizado na famosa Avenida Marechal Floriano, no Centro da Cidade do


Rio de Janeiro e conta com mais outros 8 campus na cidade, 1 em Niterói e 1 em Duque de
Caxias. Na época da fundação do Colégio, o prédio foi reformado pelo arquiteto francês
Grandjean de Montigny. Em 1874, o edifício foi ampliado por Francisco Joaquim
Bethencourt da Silva, discípulo de Montigny, dando à escola sua atual fachada em estilo
neoclássico. O edifício foi tombado em 1983 pelo Patrimônio Histórico e Cultural.

Fachada do Colégio Pedro II campus Centro. Fonte: Google Imagens.

A Biblioteca Histórica corresponde a Biblioteca do Imperial Colégio de Pedro II, sendo


fundada no mesmo ano que o Imperial Colégio de Pedro II foi instituído. Sua menção pode
ser localizada no Regulamento nº 8, de 31 de janeiro de 1838, que contém vários estatutos
para o Colégio. Dentre eles, o artigo 146, que aponta: “Haverá no Colégio uma biblioteca
composta de livros escolhidos pelo Reitor, com a aprovação do Ministro do Império” (p. 83).
Constituído por obras raras e/ou preciosas, que refletem a influência humanística na
formação do corpo docente e discente do Colégio Pedro II, desde a sua fundação, seu
acervo abrange obras de assuntos gerais, nos diversos ramos do conhecimento, sendo
grande parte escrita em francês.
Além disso, esse acervo reúne, também, livros e periódicos do século XVI ao século XX,
perfazendo um total aproximado de 20.000 volumes. Incluem-se aí textos e coleções que
fundamentam a educação no Brasil desde o século XIX.

Parte do acervo geral da Biblioteca Histórica.


Destaque para o mezanino estruturado em ferro alemão. Fonte: arquivo pessoal.

Além do acervo antigo, a Biblioteca Histórica também é formada pelas Coleções Especiais.
Estas são constituídas por acervos pessoais doados ao Colégio Pedro II por professores e
alunos eminentes. Caracterizam-se por serem ​obras que não são facilmente adquiridas e
que a instituição atribuiu importância na sua manutenção e preservação. Destacam-se estas
coleções e os seus temas:

● Biblioteca do Professor Cândido Jucá Filho: filologia, literatura brasileira, incluindo


coleção Camiliana.
● Biblioteca do Professor Haroldo Lisboa da Cunha: Ciências Exatas especialmente,
Matemática.
● Biblioteca do Professor Roberto Bandeira Accioli: História, em especial obras sobre
Antiguidade Clássica em diversos idiomas.
● Biblioteca do Aluno Eminente Hélio Thysler: ​coleção eclética composta por obras sobre
teatro, direito, comunicação social e produções radiofônicas exclusivas.
● Centro de Estudos Linguísticos e a Biblioteca Antenor de Veras Nascentes: filologia,
literatura brasileira e estrangeira, coleção de medalhas e honrarias, além das pesquisas
produzidas pelos alunos da pós-graduação​4​.

Halbwachs (1990) explica que o lugar recebe a marca do grupo e o grupo recebe a marca
do lugar, que ambos se influenciam. Sendo assim, de acordo com o pensamento do

4
Até o momento, o Colégio Pedro II oferece cursos de especialização em Ciências Sociais e Educação Básica,
Educação das Relações Etnico-Raciais no Ensino Básico, História da África, Ensino de Química, além de
Programa de Mestrado Profissional em Práticas de Educação Básica e Programa de Residência Docente.
mesmo, cada aspecto e detalhe deste lugar tem um sentido inteligível apenas para os
membros do grupo.  ​Como meio de zelar por todo este acervo e a estrutura no qual está
inserido, as políticas de conservação, a educação patrimonial, o apoio técnico e do Poder
público são fundamentais para que os grupos envolvidos reconheçam a relevância da
instituição e possam mostrar a qualidade das orientações e o potencial da estrutura
pedagógica proposta pelo Colégio ao longo do tempo. Londres (2007) pondera muito bem
essa situação:

‘O fato é que, até o momento, o poder público continua sendo, no Brasil, o


protagonista das políticas de preservação, sendo responsabilizado mais
pelos limites de sua ação do que por eventuais sucessos. Ainda é pouco
perceptível para a sociedade brasileira tanto a presença do patrimônio
histórico no seu quotidiano como a importância do envolvimento dos
cidadãos na busca por soluções para sua preservação. A essa constatação
se acrescenta o fato de que as ações de preservação – como tantas outras
nas áreas social e cultural – dependem da continuidade de esforços a longo
prazo e do apoio e cooperação da população’.

Para Desvallées e Mairesse (2013), preservar significa proteger uma coisa ou um conjunto
de coisas de diferentes perigos, tais como a destruição, a degradação, a dissociação ou
mesmo o roubo; essa proteção é assegurada especialmente pela reunião, o inventário, o
acondicionamento, a segurança e a reparação. Riscos físicos como radiações solares e
umidades, químicos como poeira, biológicos que aplicam-se aos insetos e fungos,
ergonômico como levantamento de pesos e esforço repetitivo, além de riscos acidentais e
de dissociação podem ocorrer a qualquer tempo. Dessa forma, Ferreira (2017) salienta que
um plano de emergência é um documento que deverá descrever todas as possíveis
situações de emergência que requerem uma atuação imediata e organizada de um grupo
de pessoas com formação e informação específica para o efeito. O maior desejo na
elaboração desse plano de emergência é que o mesmo seja ​aplicado e revisto sempre que
houver alterações significativas nas condições operacionais, institucionais e no
ordenamento das bibliografias básicas e complementares dos pesquisadores e outros
interessados.

A preservação é um processo contínuo que permeia a tomada de consciência do valor de


um bem cultural desde a governança, a preparação dos espaços, os colaboradores que
trabalham diariamente nisto até os utilizadores e suas necessidades de pesquisa e de
práticas em educação patrimonial. Por isso, Ferreira (2017) também discursa que
“A atitude de pensar que a elaboração de um plano de emergência é muito
dispendiosa em termos de tempo, dinheiro e recursos humanos deixa de
fazer sentido quando se pensa em todo o tempo, custos e recursos humanos
necessários para dar resposta às consequências de um desastre. Proteger o
nosso património cultural é acima de tudo um dever se queremos preparar o
futuro das gerações vindouras”.
REFERÊNCIAS

DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François. Conceitos-chave de Museologia. Tradução:


Bruno Brulon Soares, Marília Xavier Cury. ICOM: São Paulo, 2013.

FERREIRA, Isabel Cristina Guimarães (2006/2007) – O Plano de Emergência: a sua


importância [Em linha]. Porto : Universidade Fernando Pessoa, 2006/2007. 78 p. Tese de
Licenciatura. Disponível em
WWW:<URL:http://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/759/1/monografia.pdf>

HALBWACHS, Maurice. “A memória coletiva e o espaço”. In: A memória coletiva. São


Paulo: Vértice, 1990. (Cap.4) p.131-160.

LE GOFF, Jacques. “Documento/monumento” In. LE GOFF, Jacques. História e Memória.


Campinas: Ed. UNICAMP; 2ª ed., 1992. p.525-541.

LONDRES, Maria Cecília F. “O patrimônio histórico na sociedade contemporânea”. Revista


Escritos. Rio de Janeiro. Ano 1, número 1, p.159-171, 2007.

RIO DE JANEIRO. COMUNICAÇÃO SOCIAL DO COLÉGIO PEDRO II. . Origem do Centro


de Documentação e Memória. Disponível em:
https://www.cp2centro.net/origem-do-centro-de-documentacao-e-memoria/​. Acesso em: 18.
dez. 2020.

ROSSI, Paolo. “O passado, a memória e o esquecimento – seis ensaios da história das


ideias”. São Paulo: Ed.UNESP; 2010. (CAP.1) p.15-38.

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