Você está na página 1de 17

p. 11 “INTRODUÇÃO.

Se não receássemos
parecer demasiado ambiciosos, teríamos dado a este
livro o seguinte subtítulo: Introdução a Uma Filosofia da
História. Porque, no fundo, é esse o sentido deste
ensaio, embora com a particularidade de, em vez de
utilizarmos a análise especulativa do fenómeno histórico,
irmos investigar as concepções fundamentais das
sociedades primitivas que, conhecendo também uma
certa forma de “história”, se obstinam em a não ter em
conta. Ao estudarmos essas sociedades tradicionais,
surpreendeu-nos sobretudo um aspecto: a sua revolta
contra o tempo concreto, histórico, a sua nostalgia de
um regresso periódico ao tempo mítico das origens, à
Idade do Ouro.”
p. 11 “(…) hostilidade em relação a qualquer
tentativa de “história” autónoma, isto é, de história sem
regulação arquetípica.”
pp. 11-12 “Quanto a nós, dever-se-á ver nesta
depreciação da história, ou seja, dos acontecimentos
sem modelo trans-histórico, e nesta recusa do tempo
profano, contínuo, uma certa valorização metafísica da
existência humana.”
p. 17 “O PROBLEMA. Este livrinho propõe-se
estudar certos aspectos da ontologia arcaica: mais
exactamente, as concepções do ser e da realidade que
podem ser detectadas no comportamento do homem das
sociedades pré-modernas. As sociedades “pré-
modernas” ou “tradicionais” compreendem tanto o
mundo a que geralmente chamamos “primitivo” como as
antigas culturas da Ásia, da Europa e da América.”
p. 17 “É evidente que as concepções metafísicas
do mundo arcaico nem sempre foram formuladas numa
linguagem teórica; mas o símbolo, o mito e o rito
exprimem, em planos diferentes e com os meios que
lhes são próprios, um complexo sistema de afirmações
coerentes sobre a realidade última das coisas, sistema
que podemos considerar como uma metafísica. Contudo,
é essencial compreendermos o sentido profundo de
todos estes símbolos, mitos e ritos para que possamos
traduzir na nossa linguagem habitual.”
pp. 17-18 “Se tentarmos comprender o significado
autêntico de um mito ou de um símbolo arcaico, somos
forçados a concluir que esse significado revela a tomada
de consciência de uma determinada situação no Cosmos
e que, por consequência, implica uma posição
metafísica.”
p. 18 “Mas, se a palavra falta, a coisa existe: só
que ela é “dita” - isto é, revelada de modo coerente – por
símbolos e mitos.”
p. 18 “Um objecto ou uma acção adquirem um
valor e, deste modo, tornam-se reais, porque de
qualquer forma participam de uma realidade que os
transcende. Entre muitas outras pedras, uma torna-se
sagrada – e, por consequência, fica imediatamente
impregnada de ser -, porque constitui uma hierofania, ou
porque possui um maná, ou porque a sua forma reflecte
um certo simbolismo, ou ainda porque comemora um
acto mítico, etc. O objetcto surge como um receptáculo
de uma força exterior que o diferencia do seu meio e lhe
confere significado e valor.”
p. 19 “Passemos agora aos actos humanos,
aqueles que, evidentemente, não dependem do puro
automatismo, cujo significado e valor não se prendem ao
seu puro valor físico, mas à qualidade de representação
de um acto primordial, de repetição de um exemplar
mítico.”
p. 19 “Em todos os actos do seu comportamento
consciente, o “primitivo”, o homem arcaico, apenas
conhece os actos que já foram vividos anteriormente por
outro, um outro que não era um homem. Tudo o que ele
faz já foi feito. A sua vida é uma repetição ininterrupta de
gesto inaugurados por outros.”
p. 19 “O produto da Natureza, o objecto fabricado
pela indústria, só encontram a sua realidade e identidade
na medida em que participam numa realidade
transcendente. O gesto só adquire significado, realidade,
na medida em que retoma uma acção primordial.”
p. 19 “Determinados factos consevados ao longo
de várias culturas1 ajudar-nos-ão a compreender melhor
a estrutura desta ontologia arcaica.”

1 Aqui o autor parece indicar o uso do método comparativo das


religiões
p. 20 “Dividimos a nossa documentação em
algumas grandes rubricas: 1º – factos que demonstram
que, para o homem arcaico, a realidade é função da
imitação de um arquétipo celeste; 2º – factos que
mostram como a realidade é conferida através da
participaçã no “simbolismo do Centro”: cidades, templos,
casas, tornam-se reais pelo facto de serem identificados
com o “Centro do Mundo”; 3º – finalmente, os rituais e os
gestos profanos significativos que só assumem o
significado que lhes é atribuído por repetirem
deliberadamente esses actos praticados ab origine por
deuses, heróis ou antepassados.
p. 21 “Na cosmologia iraniana de tradição
zervanita “todos os fenómenos terrestres, abstractos ou
concretos, correspondem a um termo celeste,
transcendente, invisível, a uma “ideia”, no sentido
platónico. Todas as coisas e noções se apresentam sob
um duplo aspecto: o de mênók e o de gétîk. Há um céu
visível: há também um céu mênók que é invisível
(Bundahishshn, 1º capítulo). A nossa terra correspoonde
a uma terra celeste. Qualquer virtude praticada na terra,
no gêtâh, possui uma contrapartida celeste que
representa a verdadeira realidade...”
pp. 25-26 “A importância dos cerimoniais védicos,
escandinavos ou romenos clarifica-se quando
examinamos o sentido da repetição da Criação, acto
divino por excelência. Para já, importa reter um facto:
qualquer território ocupado com vista à fixação ou à sua
utilização como “espaço vital” é previamente
transformado de “caos” em “cosmos”; isto é, por um
ritual, é-lhe conferida uma “forma” que o torna real. É
claro que, para a mentalidade arcaica, a realidade se
manifesta como força, eficácia e duração. Por isso, o real
por excelência é o sagrado; porque ´so o sagrado o é de
uma maneira absoluta, age eficazmente, cria e faz durar
as coisas. Os inúmeros gestos de consagração – dos
espaços, dos objectos, dos homens, etc. - revelam a
obsessão do real, a ânsia de ser do primitivo.
p. 26 “Paralelamente à crença arcaica nos
arquétipos celestes das cidades e dos templos,
encontramos uma outra série de crenças, mais bem
documentadas ainda, e que se referem à sua investidura
do prestígio do “Centro”. Examinámos esta questão
numa obra anterior; aqui, contentar-nos-emos em
recordar as conclusões a que chegámos. O simbolismo
arquitectónico do Centro pode ser formulado desta
forma: a) a Montanha Sagrada – onde se encontram o
Céu e a Terra – está no centro do Mundo; b) qualquer
templo ou palácio – e, por extensão, qualquer cidade
sagrada ou residência real – é uma “montanha sagrada”,
tornando-se assim num Centro; c) sendo um Axis Mundi,
a cidade ou templo sagrado são considerados como
ponto de encontro entre o Céu, a Terra e o Inferno.
p. 32 REPETIÇÃO DA COSMOGONIA

Você também pode gostar