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Christiane Este livro é fruto do encontro de quatro grandes ami- César Pimentel

Freitas Luna gos, que se conheceram em momentos e tempos Figueiredo Primo


históricos diferentes, mas todos através do curso de
Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Amante do futebol-arte da seleção canarinho de 82 e do
Educação Física da Universidade Federal da Bahia, e
– UESB, onde coordeno a linha de pesquisa educação Barcelona de 2011, procuro, em minhas andanças acadêmicas,
que se reuniram recentemente na criação do Núcleo
inclusiva do grupo NEPEEL; sou mestre em Educação e bater uma bola com o conhecimento produzido com prazer
Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia
de Estudo e Pesquisas em Educação Física, Esportes e sensibilidade. Gosto de cinema e fotografia e escolho o
– UNEB, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em e Lazer (NEPEEL/CNPq/UESB), um grupo de pesqui- roteiro de minha trajetória universitária pelas lentes de minha
Educação da Universidade Federal da Bahia – UFBA, integrante sa, com sede na Universidade Estadual do Sudoeste formação na UFBA, onde estudei Educação Física em 1996,
do Grupo de Pesquisa Educação Inclusiva e Necessidades da Bahia, campus Jequié. Esta obra traz sínteses e/ou e voltei, para concluir o doutorado em Educação, em 2009.

Educação Física 
Educacionais Especiais – GEINE; pesquisadora do Observatório fragmentos dos trabalhos de Mestrado e Doutorado Tematizo meus estudos e pesquisas na área de formação
Nacional de Educação Especial – ONESSP. Sou cinéfila dos autores e teve como propósito inicial divulgar e e exercício profissional, a partir do Núcleo de Estudos e
assumida e apreciadora dos esportes, sobretudo, judô e futebol. trazer para avaliação de vocês, leitores, parte desse Pesquisas em Educação Física, Esportes e Lazer – NEPEEL,
Ouvir boa música, conversar com amigos e estar perto dos conhecimento produzido e sistematizado cientifica- que fica na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,
filhos são meus grandes prazeres, se tudo isso acontecer em mente. Importante ressaltar, que se trata de um traba- onde leciono disciplinas da área de Estágio, Lazer e Futebol.
diversos lugares do planeta, o meu mundo estará completo. Atualmente considero-me um professor em evolução, que se
lho com seriedade e rigor, embora, balizado por uma
vê no desafio de aliar o conhecimento científico às demandas
relação entre os autores de diálogos/debates, mas
contemporâneas de uma juventude cada vez mais distante dos
sempre com muito afeto. Os textos aqui reunidos

Currículo, formação e inclusão


ideais de minha geração. Aproximar-me deles sem
articulam o conhecimento nos campos da Educação distanciar-me de mim, eis o desafio por ora.
e da Educação Física, tematizando, especialmente, o
Currículo, a Formação Profissional e a Inclusão Edu-
cacional. Esperamos que este livro possa contribuir

Educação Física
para a reflexão e o avanço acadêmico, na área da Edu-
cação/Educação Física, bem como subsidiar e susci-
Leonardo de tar novas inquietações e outras produções científicas.
Carvalho Duarte Currículo, formação e inclusão
Licenciado em Educação Física pela Universidade Federal da
Bahia em 2006, especialista em Metodologia do Ensino da Fernando Reis do Espírito Santo Fernando Reis
Educação Física e Esporte Escolar pela Faculdade da Cidade
César Pimentel Figueiredo Primo do Espírito Santo
do Salvador em 2008 e mestre em Educação pela UFBA em
Christiane Freitas Luna Doutor em Educação pela PUC/SP; mestre em Educação pela
2011. Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia e coordenador pedagógico da Escola Lua Nova, sou
Leonardo de Carvalho Duarte UFBA; graduado em Educação Física pela UCSAL. Atualmente
integrante dos grupos de pesquisa CORPO/CNPq/UFBA e sou professor da UFBA, lotado na Faculdade de Educação.
NEPEEL/CNPq/UESB onde desenvolvo estudos principalmente Líder do Grupo de Pesquisa Cotidiano, Pesquisa, Resgate e
nas linhas de Educação Física Escolar, Inclusão e Ginástica. Orientação – CORPO. Tenho experiência docente e estudos
Sou um jovem Professor/Educador que orienta sua práxis, com concentração em: Currículo; Formação Profissional;
especialmente, a partir das ideias de Levy Vigotsky, Paulo Freire Didática; Metodologia do Ensino; Metodologia da Pesquisa.
e Rubem Alves. Viajar, praticar esportes, apreciar as artes e a Admirador do cinema europeu, música MPB, teatro e futebol-
culinária me encantam. Mas a família, os amigos, a comunhão arte. Minhas leituras preferenciais: Paulo Freire; Rubem Alves;
com os irmãos e a fé em Jesus Cristo são as prioridades da Florbela Espanca; Jorge Luis Borges; Carlos Drumond de
minha vida. Andrade; Clarice Lispector e Nietzsche.

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Educação Física
Currículo, formação e inclusão

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Universidade Federal da Bahia
Reitora
Dora Leal Rosa

Vice-Reitor
Luiz Rogério Bastos Leal

Editora da Universidade Federal da Bahia


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José Teixeira Cavalcante Filho
Maria Vidal de Negreiros Camargo

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Fernando Reis do Espírito Santo
César Pimentel Figueiredo Primo
Christiane Freitas Luna
Leonardo de Carvalho Duarte

Educação Física
Currículo, formação e inclusão

Salvador
Edufba
2012

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2012, autores.
Direitos para esta edição cedidos à Edufba.
Feito o depósito legal.
Projeto Gráfico
Amanda Lauton Carrilho
Revisão
Fernanda Machado
Normalização
Normaci C. dos S. Sena

Sistema de Bibliotecas - UFBA

Educação física: currículo, formação e inclusão / Fernando Reis do Espírito Santo,


César Pimentel Figueiredo Primo, Christiane Freitas Luna, Leonardo de Carvalho Duarte. -
Salvador: EDUFBA, 2012.
164 p.

ISBN 978-85-232-0974-2

1. Educação física – Estudo e ensino. 2. Educação física – Orientação profissional. 3.


Professores de educação física – Formação. 4. Currículo. I. Espírito Santo, Fernando Reis do. II.
Primo, César Pimentel Figueiredo. III. Luna, Christiane Freitas. IV. Duarte, Leonardo de
Carvalho.

CDD – 613.7

Editora filiada à

EDUFBA
Rua Barão de Jeremoabo, s/n, Campus de Ondina,
40170-115 Salvador-Ba Brasil
Tel/fax: (71)3283-6160/3283-6164
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Sumário
7 Primeiras palavras
Fernando Reis do Espírito Santo

13 Prefácio
Edivaldo Machado Boaventura

19 Capítulo  1
Trajetória do currículo
Fernando Reis do Espírito Santo

47 Capítulo  2
Formação profissional em Educação
Física: notas introdutórias sobre o
papel docente na constituição de um
currículo marginal
César Pimentel Figueirêdo Primo

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77 Capítulo  3
Currículo, Educação Física e pessoas
com deficiência: uma relação possível
Christiane Freitas Luna

129 Capítulo  4
Educação Física e inclusão:
perspectivas para ação pedagógica de
professores em turmas inclusivas
Leonardo de Carvalho Duarte

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Primeiras palavras
Eu poderia começar esta apresentação, que intitulei de “Primeiras pa-
lavras”, de várias formas. Afinal, trata-se de um mecanismo literário
utilizado com o objetivo de introduzir o leitor ou leitora na obra, fruto
de um labor acadêmico/científico, que certamente exigiu, entre outras
coisas, disciplina, pesquisa, organização, priorização do tempo, sa-
crifício para que resultasse neste livro ou como eu sempre gosto de
chamar, nesta sistematização do conhecimento. Mas optei por uma
forma de apresentação, mais ousada e diferente dos rigores da Aca-
demia, como é o meu estilo e como eu gosto de ser.
Vou falar aqui do resultado de um trabalho coletivo, falar dos autores
deste trabalho, mas, sobretudo, falar da alegria. Primeiro da alegria de
ver a realização de um sonho meu e desses autores, que começa lá na
década de 1990, com meu ingresso na UFBA, como professor. Depois,
de uma alegria incalculável vivida nos nossos encontros para o plane-
jamento deste novo desafio. Foram várias reuniões e debates sobre o
conteúdo dos textos. Discutíamos se esses textos deveriam ter mais
caráter teórico ou se deviam apresentar dados concretos, frutos das
nossas pesquisas. Pensávamos e refletíamos sobre a quantidade de
páginas e com isso vinha a possibilidade de ter que suprimir informa-
ções relevantes. Debatemos sobre a capa, sobre o título, enfim, foram

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muitos momentos, às vezes tensos, como devem ser os momentos
de produção científica, mas, na maioria das vezes, de grande alegria e
muitas risadas – de nós mesmos quase sempre.
Ao ler os manuscritos deste estudo e ter vivenciado todo o seu pro-
cesso de produção, fui instigado a procurar, no alto da estante da
minha biblioteca, um livro que não lia há muito tempo. É um trabalho
do nosso Rubem Alves que traz um texto em que ele “brinca” ou dia-
loga, como gostam de dizer os acadêmicos, de um lado, com o prazer
e, do outro, com a alegria. E ele começa falando o seguinte:
Não, eu não quero prazer! Eu quero alegria! Era isso o que dizia
uma das amantes de Tomás, o médico de A Insustentável Leveza do
Ser. E Tomás ficava perdido porque prazer ele sabia dar, é coisa de
receita fácil, mora no corpo. Mas alegria é coisa mais sutil, mora na
alma, no lugar das fantasias e da saudade.

E continua:
Há um jeito fácil de saber se o que se sente é prazer ou alegria.
Basta prestar atenção no corpo. Se ele for ficando cada vez mais
pesado, é prazer. Se for ficando cada vez mais leve, é alegria [...].

Relendo e trazendo as palavras de Rubem Alves, sinto-me à vontade


para dizer que os autores deste livro compartilham com a crença do
educador e poeta, pois transformaram os encontros de produção aca-
dêmica e científica, os quais resultaram nesta obra, em grandes mo-
mentos de alegria. Nossos corpos não ficaram pesados, pelo contrário,
ficaram com a mesma leveza de um menino que sonha e um dia vê
esse sonho se tornar realidade.
É importante lembrar que o fato de este ser um livro fruto de muitos
momentos de alegria, não retira a seriedade e o rigor de um trabalho
acadêmico/científico – muito pelo contrário, os que para isso traba-
lharam, através do grupo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
Física Esporte e Lazer (NEPEEL), têm demonstrado, na prática, como
se pode fazer ciência de forma séria e com o clássico rigor metodoló-
gico, afastando de vez o que se confunde quase sempre: seriedade e si-

8 Primeiras palavras

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sudez. Portanto, não somos sisudos e sim, alegres e sérios nas tarefas
de produzir e sistematizar conhecimento.
Quem são esses autores e sobre o que escreveram?
César Pimentel, professor da UESB, doutor em Educação pela
UFBA e líder do Grupo NEPEEL. Quando estudante, exerceu grande li-
derança nos movimentos estudantis, chegando a fazer parte da Exe-
cutiva Nacional dos Estudantes. Começamos a sonhar juntos, lá pelos
idos de 1990. Um dia, pensamos e conversamos sobre a ideia de es-
crever um livro e hoje conseguimos realizar esse sonho. O seu texto
versa sobre Formação Profissional em Educação Física e tem como
pano de fundo, a discussão sobre currículo. De forma muito com-
petente, faz essa relação e evidencia o importante papel do que ele
chama de “currículo marginal”.
Christiane Luna, professora da UESB, doutoranda em Educação na
UFBA. Desde o tempo de estudante, envolveu-se com a pesquisa na
primeira versão do atual NEPEEL (naquela época, criado na UFBA e
hoje recriado e em ação na UESB, no campus de Jequié). Foi atleta de
alto rendimento, disputando competições internacionais, o que soma
à sua bagagem, um capital cultural e esportivo muito rico, com expe-
riências vividas no seio da diversidade humana e cultural. Ela debate a
inclusão de pessoas com deficiência, ou seja, as diferenças no mundo
dos chamados “normais”. O contexto da sua discussão, também é o
Currículo e a Formação em Educação Física.
Leonardo Duarte, professor da UESB e da Escola Lua Nova, mestre
em Educação pela UFBA. Apesar de ser o “caçula” dos autores, traz
uma imensa bagagem em pesquisa. Desde o tempo de estudante,
foi bolsista do CNPq, depois, ajudou a criar e participou como vo-
luntário do grupo de pesquisa Cotidiano, Pesquisa, Resgate e Orien-
tação (CORPO). Após licenciar-se, continuou no grupo, chegando a
ser seu coordenador de pesquisas. Com a sua aprovação no concurso
na UESB/Jequié, ajudou a criar e hoje é membro efetivo do NEPEEL.
A discussão a que se propõe o texto de Leonardo é também sobre in-
clusão de alunos com deficiência nas turmas regulares das aulas de

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Educação Física. Esse debate acaba estabelecendo uma interface com
a formação em Educação Física.
Por fim, eu apareço. Sou Fernando Reis, professor adjunto da UFBA
e doutor em Educação pela PUC/SP. Tenho concentrado meus estudos
e pesquisa na área de Currículo e Formação Profissional. Sou líder do
grupo CORPO, pertencente ao Departamento de Educação Física da
UFBA, devidamente registrado no CNPq. Sou professor colaborador
do NEPEEL/Jequié. Tenho trabalhado com a disciplina Metodologia da
Pesquisa em diversos cursos de pós-graduação. Sou consultor na área
de Currículo e desenvolvo um trabalho de reformulação curricular, há
cinco anos, em um colégio público estadual no subúrbio de Paripe (Co-
légio Estadual Almirante Barroso). O texto que eu trouxe para vocês de-
bate o currículo e o seu processo histórico no Brasil e dialoga com a
Formação em Educação Física na tentativa de entender e desvelar os
cursos que formam os professores de Educação Física.
Portanto, como vocês viram, estamos todos em uma mesma sin-
tonia, quando se fala de sonho. Vale ressaltar que esses autores, um
dia, foram meus alunos, o que me enche de orgulho e me deixa vai-
doso. Hoje, somos professores/educadores, sonhadores que gostam
de falar de coisas sérias, mas de forma alegre e com bastante objeti-
vidade. E isso, acho que esta obra faz. Você, leitor ou leitora, vai per-
ceber que os temas tratados por nós, apesar de focar em objetos di-
ferentes, traz um contexto que entrelaça esses diversos saberes, com
boniteza e de forma suave, sem transformar a leitura em algo denso,
em nenhum momento.
Encerro essa apresentação, lembrando um poeta argentino pelo
qual tenho grande admiração, chamado Jorge Luis Borges, quando fa-
lava sobre o que se escrevia. Ele dizia que um
[...] homem se propõe a tarefa de esboçar o mundo. Ao longo dos
anos povoa um espaço com imagens de províncias de remos, de
montanhas, de balas, de naves, de ilhas, de peixes, de habitações,
de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes
de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a
imagem do seu rosto [...].

10 Primeiras palavras

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Este livro fala de crianças, de jogos, escolas, jovens, universidade,
profissão... Mas não se deixem enganar. Essas entidades, todas elas,
traçam as linhas dos nossos rostos. Tudo que escrevemos aqui é
sempre uma meditação sobre nós mesmos.
Por tudo isso, entendo que a literatura é um processo de transfor-
mações alquímicas. O escritor transforma sua carne e o seu sangue
em palavras e diz aos seus leitores: “leiam, comam, bebam! Isso é a
minha carne, isso é o meu sangue!!!”

Fernando Reis do Espírito Santo

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Prefácio
Fico satisfeito por colocar minha palavra neste livro. Efetiva-se uma pu-
blicação sob a liderança do prezado colega da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), professor Fernando Reis do Espírito Santo, um dos pri-
meiros docentes do Departamento de Educação Física a obter mes-
trado e doutorado.
A satisfação me leva à admiração pelo progresso recente concre-
tizado em Educação Física: currículo, formação e inclusão. Neste texto,
traça-se “uma panorâmica de políticas de currículo, trazendo teori-
zações e autores que se tornaram referências no campo do currículo
dentro e fora do Brasil”. Para tanto, muito concorreu a formação pós-
-graduada em educação, na UFBA. A publicação resulta do trabalho no
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Física, Esporte e Lazer
(NEPEEL/CNPq) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e do
grupo CORPO/CNPq pertencente ao Departamento de Educação Fí-
sica da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.
Recordo que, ao implantar o Programa de Melhoria do Ensino Médio
(PREMEN), que indica sobre a construção, equipamento e formação
de professores de ginásios polivalentes – a Bahia não possuía curso de
Educação Física. A solução encontrada foi enviar os candidatos ao ma-
gistério dessa disciplina, para a Universidade Federal de Pernambuco

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(UFPE) no início dos anos setenta do século passado. O convênio, do
hoje extinto PREMEN, assinado por mim, como secretário de Educação
e Cultura da Bahia, com o Ministério da Educação e Cultura (MEC),
exigia a licenciatura para ensinar. Diante dos poucos diplomados pela
Escola Nacional de Educação Física da Universidade do Brasil (UFRJ),1
foi o programa do PREMEN que formou, em bloco, professores diplo-
mados em Educação Física para o sistema estadual de ensino. No caso
particular, da Educação Física, a Bahia atrasou-se enormemente.
Por aquela época, o Conselho Estadual de Educação discutiu a
criação da Faculdade Estadual de Educação Física. O projeto constou
do Plano Integral de Educação e Cultura da Bahia (1968-1971) e ca-
minhou juntamente com o das quatro Faculdades de Formação de
Professores de Feira de Santana, Alagoinhas, Vitória da Conquista e
Jequié. Constituíram-se nas primeiras unidades de educação supe-
rior em Letras, Estudos Sociais e Ciências implantadas no interior da
Bahia, no pioneiro governo de Luiz Viana Filho. Pois bem, não obs-
tante a existência de professores formados em Educação Física, havia
a falta de profissionais da área da saúde para a composição do cur-
rículo. Não consegui obter, das duas Faculdades de Medicina então
existentes, profissionais disponíveis para completar o currículo. Ter-
minei o meu primeiro período na Secretaria Estadual de Educação, em
15 de março de 1971, sem que pudesse desencadear a formação supe-
rior em Educação Física.
Foi naquele contexto de carência que se compreende a salutar ini-
ciativa da Universidade Católica do Salvador (Ucsal) em instituir o pri-
meiro Curso de Educação Física, na Bahia, em 1973, em resposta à de-
manda insatisfeita.
Anos depois, a situação da Educação Física mudou bastante com a
sua recepção pela Faculdade de Educação da UFBA, na gestão da dire-
tora Jandira Simões e vice-diretora Dilza Atta. A Licenciatura em Edu-
cação Física, como ensino público federal, começou, em 1987, com
prosseguimento nas universidades estaduais.

1 Universidade Federal do Rio de Janeiro também é denominada Universidade do Brasil.

14 Prefácio

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Conjecturo o quanto foi significativa a criação do Curso e do Depar-
tamento de Educação Física na UFBA. A Universidade Federal com-
plementou-se em mais uma área de ensino e os docentes puderam
não somente realizar a carreira, pelas etapas do magistério superior,
como também se pós-graduaram e empreenderam investigações cien-
tíficas. Anteriormente, os professores de Educação Física estavam lo-
tados, administrativamente, na Superintendência Estudantil, e ensi-
navam conforme as prescrições do MEC.
A Educação Física mudou de status constituindo-se em um departa-
mento acadêmico. A lotação dos professores de Educação Física em um
departamento da Faculdade de Educação estimulou a pós-graduação.
Dentre os que vieram da Superintendência Estudantil para consti-
tuir o curso e o departamento estava o Professor Alcyr Ferraro, docente
experiente que já havia antes criado o curso de Educação Física da
UCSAL. Esse professor e mais Hélio Campos e José Ney Santos, todos
três formados em Educação Física, além de Felippe Perret Serpa e Olga
Regina, compuseram o grupo de trabalho que estudou a implantação
acadêmica da licenciatura em Educação Física da UFBA.
Como professor titular da Faculdade de Educação e membro do Pro-
grama de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação Mestrado e Douto-
rado, acompanhei o desempenho dos colegas do departamento, em
nossa alma mater. A Educação Física integrou-se à área das ciências
sociais aplicadas, precisamente, à unidade pedagógica, e não a das ci-
ências da saúde como ocorre nas demais Universidades públicas, con-
forme a experiência internacional.
Além de ensinar na graduação, preocupei-me com a formação dos
professores com experiência docente, mas sem a qualificação em nível
de mestrado e doutorado. Afinal, como conceber um Departamento
universitário sem mestres e doutores?
Por outro lado, tinha que vencer a resistência da entrada dos diplo-
mados em Educação Física, no mestrado e doutorado.
Iniciei a orientação acadêmica com Fernando Reis e Orlando Hage
que foram os primeiros a realizarem a seleção para o programa de
Mestrado em Educação. O Professor Fernando Reis, terminado o mes-

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trado, seguiu para o doutorado, na Pontifícia Universidade de São
Paulo (PUC/SP), enfrentando todos os desafios de aluno vindo do Nor-
deste. Como examinador externo, tive a satisfação de compor a banca
examinadora que consagrou a sua tese paulistana que discutiu sobre
currículo, dando prosseguimento aos seus estudos de Mestrado, aqui
na UFBA. Fernando tem demonstrado em toda a sua vida acadêmica
uma decidida liderança. Tanto liderança no ensino como na pesquisa,
haja vista a sua participação entusiástica quando da criação do NEPEL,
nos idos de 1993 na Faculdade de Educação da UFBA e hoje participa
como Professor colaborador do núcleo de pesquisa da UESB, campus
de Jequié – Ba (NEPEEL) e é o líder do Grupo CORPO. Assim, esse Pro-
fessor tem demonstrado, na prática, como se pode fazer ciência, de
forma séria e com o clássico rigor metodológico sem perder de vista as
a naturezas dos sujeitos por traz dos instrumentos.
Depois de Fernando, outros professores do Departamento de Edu-
cação Física vieram trabalhar comigo, o que demonstra a minha par-
ticipação ativa nas pesquisas e na pós-graduação dos colegas do De-
partamento de Educação Física. Orientação que continuei com outros
doutorandos, dentre os quais se inclui o Professor César Pimentel, que
embora não pertencesse ao Departamento de Educação Física, mas
que foi ex-aluno desse curso na FACED/ UFBA.
Acompanho César Pimentel desde o tempo de líder estudantil, de-
pois como profissional competente, enfim, como orientador do douto-
rado. César Pimentel, voltado muito academicamente para os estudos
sobre currículo, desenvolve com excelente desempenho o magistério na
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), campus de Jequié.
Este prefácio é muito naturalmente a continuação da convivência
acadêmica com os meus prezados alunos, colegas e amigos Fernando
Reis e César Pimentel, com os quais Prolongo a imensa alegria da
orientação acadêmica e da aprendizagem mútua com parceiros em
busca do saber. Eles prosseguem como doutores, no esforço constru-
tivo da investigação, da reflexão e do desenvolvimento do espírito cien-
tífico, agregando outros colegas como a doutoranda, Christiane Freitas
Luna, ex-aluna do Curso de Educação Física da UFBA e atual Profes-
sora da UESB que, nesta obra, ocupa-se do problema das pessoas com

16 Prefácio

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deficiências, chamando a atenção para a formação de professores e
trato com o conhecimento na área da Educação Inclusiva. O caçula do
grupo é o Professor, Mestre em Educação, Leonardo de Carvalho Du-
arte, que também é ex-aluno de graduação é pós-graduação da UFBA
e neste livro trata da ação pedagógica dos professores de Educação Fí-
sica em turmas inclusivas.
Em face deste trabalho acadêmico centrado no currículo, formação
profissional, inclusão de pessoas com deficiências e pedagogia das
turmas inclusivas, percebo e enalteço o nível alcançado pelos colegas
de Educação Física.
Parabenizo os autores e formulo os maiores desejos de continuar
com mais trabalhos e mais publicações em busca da autorrealização.
Salvador, 29 de março de 2012.

Edivaldo M. Boaventura
Professor emérito da Universidade Federal da Bahia

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1

Trajetória do currículo

Fernando Reis do Espírito Santo

O currículo é considerado um artefato


social e cultural. Isso significa que ele
é colocado na moldura mais ampla
de suas determinações sociais, de sua
história, de sua produção contextual.
O currículo está implicado em
relações de poder, o currículo produz
identidades individuais e sociais
particulares. Ele tem uma história,
vinculada a formas específicas e
contingentes de organização da
sociedade e da educação.
(MOREIRA; SILVA, 1995, p. 18)

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Cenário i - currículo: do surgimento às teorias
Neste texto, traçamos uma panorâmica de políticas de currículo, tra-
zendo teorizações e autores que se tornaram referências no campo do
currículo dentro e fora do Brasil. Partimos dos modelos mais clássicos,
demonstrando como essa temática evoluiu ao longo do tempo, eviden-
ciando, ainda, como as categorias poder e conflito estiveram presentes
na trajetória das diversas tendências das teorias curriculares. Compre-
endemos ser fundamental uma revisão da literatura como forma de
nos dar aporte teórico para uma melhor compreensão sobre currículo.
O currículo não pode ser entendido à margem do contexto no qual
se configura e tampouco independentemente das condições em que se
desenvolve, é um objeto social e histórico e sua peculiaridade dentro
de um sistema educativo é um importante traço substancial. Estudos
academicistas ou discussões teóricas que não incorporem o contexto
real no qual se configura e desenvolve, levam à incompreensão da pró-
pria realidade que se quer explicar. (SACRISTÁN; GÓMEZ, 2000)
Além disso, podemos dizer que as modalidades de construção do
currículo estão afetas à história da teorização educacional, e, de certa
forma, todas as teorias pedagógicas e educacionais são também teo-
rias sobre currículo.
Ressalte-se que mesmo que não utilizassem o termo, as diferentes
filosofias educacionais e as diferentes pedagogias, em diferentes

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épocas, bem antes da institucionalização do estudo do currículo como
campo especializado, não deixaram de fazer especulações sobre ele,
embora os estudos sobre currículo apareçam pela primeira vez como
objeto específico de estudo e pesquisa nos Estados Unidos dos anos
20 do século passado.
Em conexão com o processo de industrialização e os movimentos
imigratórios, que intensificavam a massificação da escolarização,
houve um impulso, por parte de pessoas ligadas, sobretudo à adminis-
tração da educação, para racionalizar o processo de construção, desen-
volvimento e testagem de currículos. (SILVA, T., 1999a) A partir desse
período, identificamos uma vertente conservadora, que traz uma visão
de currículo tecnicista, permanecendo em evidência até os nossos
dias. Entre os seus principais representantes, podemos citar como a
referência de maior expressão Bobbit (1918) seguido de outros como
Charters (1923), Ralph Tyler (1950), Popham (1969) e Mager (1979).
Na visão desses autores, a lógica da necessidade e da eficiência per-
passa o discurso político da integração e do consenso e as relações
entre Educação e Sociedade são consideradas neutras. As questões da
ideologia, do conhecimento e do poder são ignoradas, cedendo lugar
ao metodológico e ao instrucional.
Essa perspectiva tecnicista do currículo deve-se a F. W. Taylor (1895).
De sua Teoria da Administração Científica, extrapolaram para o currí-
culo os princípios de eficiência, racionalidade, divisão do trabalho, pro-
dutividade. O modelo institucional dessa concepção de currículo é a
fábrica. Nesse modelo, também defendido por Bobbit, os estudantes
devem ser processados como um produto fabril. Com base no prin-
cípio de que o currículo é a especificação precisa de objetivos, proce-
dimentos e métodos para a obtenção de resultados que possam ser
precisamente mensurados, desenvolveu-se uma proposta de modelo
burocrático aplicável à teoria curricular.
As ideias desse grupo encontram sua máxima expressão no livro de
Bobbit, The currículum (1918), que iria ser considerado o marco no es-
tabelecimento do currículo como um campo especializado de estudos.
Essa obra foi escrita em um momento crucial da história da educação

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estadunidense, em que diferentes forças econômicas, políticas e cul-
turais procuravam moldar os objetivos e as formas da educação de
massas de acordo com suas diferentes e particulares visões.
Bobbit propunha que a escola funcionasse da mesma forma que
qualquer outra empresa comercial ou industrial. Tal como em uma in-
dústria, Bobbit (apud KLIEBARD, 1980) queria que o sistema educa-
cional fosse capaz de especificar precisamente que resultado pretendia
obter, que fosse possível estabelecer métodos para obtê-los de modo
preciso e formas de mensuração que permitissem saber, também com
precisão, se eles foram realmente alcançados.
Esse modelo de currículo tem como pressupostos a previsibilidade,
a predeterminação e o planejamento curricular que buscam atingir ob-
jetivos como rigor, exatidão, objetividade, mensurabilidade, entre ou-
tros. Caracteriza-se como um currículo técnico, racional, denominado
como produto.
Por um currículo-produto entende-se um esquema que inclui con-
teúdos e métodos, com a finalidade de alcançar objetivos preestabele-
cidos. Nessa perspectiva, cabe à avaliação apenas o papel de aperfei-
çoar o produto, desenvolvido para harmonizar resultados e objetivos.
Quanto ao controle do currículo, é efetuado por aqueles que o desen-
volvem, sem haver participação dos que o implementam e consomem
– professores, alunos e pais.
Como podemos perceber, os meios estão separados dos fins: “o
que” deve ser ensinado é preestabelecido e o “como” ensinar é justa-
posto aos objetivos e conteúdos propostos a priori.
A padronização, a diversificação e a fragmentação no currículo, sob
a perspectiva da ideologia da eficiência social, tem uma razão de ser
– a estratificação e a seletividade social. O currículo diversifica-se para
atender às divisões de trabalho exigidas pela sociedade industrial, frag-
mentando-se para poder servir às inúmeras especialidades e modali-
dades ocupacionais.
Nessa visão, o currículo torna-se o mediador da ordem social e
econômica junto ao indivíduo, pela via da dominação cultural e ide-
ológica. Com essa base tecnicista, o currículo possibilita a união do

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poder com o saber, isto é, o conhecimento é distribuído e selecionado
de forma a assegurar a reprodução social. Desse modo, a intervenção
do Estado abrange a educação, o campo econômico e o plano político,
fazendo com que prevaleça a hegemonia estatal do grupo no poder.
(APPLE, 1982)
Na perspectiva de Bobbit, a questão do currículo se transforma em
uma questão de organização. O currículo é simplesmente uma mecâ-
nica. A atividade supostamente científica do especialista em currículo
não passa de uma atividade burocrática. Não é por acaso que o con-
ceito central, nessa perspectiva, é “desenvolvimento curricular”, um
conceito que iria dominar a literatura estadunidense sobre currículo
até os anos 80. Tal modelo de currículo encontraria sua consolidação
definitiva em um livro de Ralph Tyler,2 publicado em 1949. O paradigma
estabelecido por Tyler prevaleceria no campo do currículo nos Estados
Unidos, com influência em diversos países, incluindo o Brasil, pelas
próximas quatro décadas.
Apesar de admitir a filosofia e a sociedade como possíveis fontes de
objetivos para o currículo, o paradigma formulado por Tyler centra-se
em questões de organização e desenvolvimento.3 Tal como no modelo
de Bobbit, o currículo é aqui, essencialmente, uma questão técnica.
Esse modelo apresenta uma formulação curricular que corresponde a
uma divisão tradicional da atividade educacional que privilegia ensino,
instrução e avaliação.
Embora haja fortes semelhanças entre as propostas, é preciso dizer,
também, que o modelo proposto por Tyler expande o modelo proposto

2 Como principais marcos no desenvolvimento do campo, do início da década de 20 ao final da de


50, podemos citar a publicação do 26º Anuário da National Society for the Study of Education; a
conferência sobre teoria curricular na Universidade de Chicago em 1947; a publicação em 1949, do
livro Princípios básicos de Currículo ensino, escrito por Ralph Tyler; e, finalmente, o movimento da
estrutura das disciplinas, desenvolvido mais intensamente após o lançamento do Sputinik pelos
russos em 1957. (MOREIRA; SILVA, 1995)
3 A organização e o desenvolvimento do currículo devem buscar responder, de acordo com Tyler, qua-
tro questões básicas: 1) que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?; 2) que experiên-
cias educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos?;
3) como organizar eficientemente essas experiências educacionais?; 4) como podemos ter certeza
de que esses objetivos estão sendo alcançados?

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por Bobbit4 ao incluir duas fontes não contempladas por ele: a psico-
logia e as disciplinas acadêmicas. A segunda fonte é uma demons-
tração de certa continuidade relativa ao seu modelo. (SILVA, T., 1999a)
A orientação dada por Bobbit e difundida através da obra de Tyler
iria constituir uma das vertentes dominantes da educação estaduni-
dense no restante do século XX. Mas ele iria concorrer com vertentes
consideradas mais progressistas, como a liderada por John Dewey,
por exemplo, que em 1902 escrevera um livro com a palavra currículo
no seu título – The child and the curriculum. Nesse livro, Dewey es-
tava muito mais preocupado com a construção da democracia que
com o funcionamento da economia. Para Dewey, a educação não era
tanto uma preparação para vida ocupacional adulta, como um local
de vivência e prática direta de princípios democráticos. A influência de
Dewey, entretanto, não se iria refletir da mesma forma que a de Bobbit
na formação do currículo como campo de estudos. (SILVA, T., 1999a)
É interessante observar que tanto os modelos mais tecnocráticos,
como os de Bobbit e Tyler, quanto os modelos mais progressistas de
currículo, como o de Dewey, que emergiram no início do século XX,
nos Estados Unidos,5 constituíam, de certa forma, uma reação ao cur-
rículo clássico, humanista, que havia dominado a educação secundária
desde sua institucionalização.6 Basicamente nesse modelo, o objetivo
era introduzir os estudantes no repertório das grandes obras literárias
e artísticas das heranças clássicas grega e latina, incluindo o domínio
das respectivas línguas.

4 Tyler identifica três fontes nas quais se devem buscar os objetivos da educação, afirmando que cada
uma delas deve ser igualmente levada em consideração: 1) estudos sobre os próprios aprendizes;
2) estudos sobre a vida contemporânea fora da educação; 3) sugestões das diferentes disciplinas.
5 Segundo Kliebard (1975), essas duas vertentes se caracterizam da seguinte forma: uma voltada
para a elaboração de um currículo que valorizasse os interesses do aluno e outra para a construção
científica de um currículo que desenvolvesse os aspectos da personalidade adulta então considera-
dos “desejáveis”. A primeira representada pelos trabalhos de Dewey e Kilpatrick e a segunda pelo
pensamento de Bobbit. A primeira contribui para o desenvolvimento do no Brasil se chamou de
escolanovismo e a segunda, constituiu a semente do que aqui se denominou de tecnicismo.
6 Esse currículo foi herdeiro do currículo das chamadas “artes liberais” que, vindo da Antiguidade Clás-
sica, se estabelecera na educação universitária da Idade Média e do Renascimento, na forma dos
chamados trivium (gramática, retórica, dialética) e quadrivium (astronomia, geometria, música, arit-
mética).

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Os modelos mais tradicionais de currículo, tantos os técnicos quanto
os progressistas de base psicológica, por sua vez, só iriam ser definiti-
vamente contestados, nos Estados Unidos, a partir dos anos 70, com o
chamado movimento de reconceptualização do currículo.7 As pessoas
identificadas com o que passou a ser conhecido como “movimento
da reconceptualização” começavam a perceber que a compreensão do
currículo como uma atividade meramente técnica e administrativa não
se enquadrava muito nas teorias sociais de origem, sobretudo euro-
peia, com as quais elas estavam familiarizadas. (MOREIRA, 1999)
Para a literatura educacional estadunidense, a renovação da teori-
zação sobre currículo parece ter sido exclusividade do chamado “mo-
vimento de reconceptualização”. Da mesma forma, a literatura inglesa
reivindica prioridade para a chamada “nova sociologia da educação”,
um movimento identificado com o sociólogo inglês Michael Young.
Uma revisão brasileira não deixaria de assinalar o importante papel
da obra de Paulo Freire, enquanto os franceses certamente não deixa-
riam de destacar o papel dos ensaios de Althusser, Bourdieu, Passeron,
Baudelot e Establet. O que nos leva a concluir que o movimento de re-
novação da teoria educacional que iria abalar a teoria curricular tradi-
cional, “explodiu” em vários locais ao mesmo tempo.

Cenário ii - a sociologia do currículo


A partir dos anos 60, fortaleceram-se os elos entre mudanças na Socio-
logia e a difusão dos movimentos sociais em defesa dos direitos das
mulheres, dos negros, dos homossexuais etc. Os sociólogos voltaram-
-se então para o exame da relação entre conhecimento e ação e para
a necessidade de eliminar do trabalho sociológico prevalente seus as-
pectos patriarcais e sexistas.

7 O movimento de reconceptualização, tal como definido por seus próprios iniciadores, pretendia in-
cluir tanto as vertentes fenomenológicas quanto as vertentes marxistas, mas as pessoas envolvidas
nessas últimas recusaram, em geral, uma identificação plena com aquele movimento.

26 Trajetória do currículo

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Segundo Moreira (1995), no início dos anos 70, assistiu-se ao de-
saparecimento definitivo do consenso teórico e metodológico antes
dominante. Resumidamente, pode-se dizer que, de 1950 a 1980, ve-
rificou-se o crescimento tanto da pesquisa social aplicada como o do
ensino de uma sociologia renovada. Atendendo mais, a Sociologia bri-
tânica popularizou-se, expandiu-se e libertou-se, aos poucos, da tutela
da Sociologia americana funcionalista.
Em 1973, o termo Nova Sociologia da Educação (NSE)8 foi cunhado,
em um artigo de um periódico inglês dirigido à educação de profes-
sores, no qual pela primeira vez se fez a conexão entre o que a NSE
fazia do currículo e o papel dos professores e dos educadores como
agentes de mudança radical.
A NSE tinha como objetivo traçar um novo curso para Sociologia da
Educação como um campo intelectual ou, mais corretamente, como
um campo acadêmico. O aparecimento do livro Knowledge and control
(YOUNG, 1971), como uma referência editorial, era menos explícito
sobre seus objetivos políticos. Ele buscava definir o campo de investi-
gação de forma a distingui-lo como um campo de pesquisa sociológica,
evidenciando a estratificação social e afirmando que seus tópicos prin-
cipais de estudo deveriam ser os processos especificamente educacio-
nais do currículo e da pedagogia. (YOUNG, 1984) Era essa tentativa de
definir o campo intelectual da Sociologia da Educação em torno do pro-
blema do conhecimento escolar, sua definição e transmissão, que unia
o conjunto de artigos extremamente diversos e, em alguns casos, teori-
camente contraditórios reunidos naquela obra. (SILVA, T., 1999a)
As diferenças teóricas dessa tentativa para definir o campo tor-
naram-se explícitas. De um lado, havia as análises estruturais durkhei-
nianas de Bernstein e Bourdieu, e, de outro, a abordagem antiposi-

8 É importante ressaltar que a NSE é fruto de um conjunto de trabalhos que é usualmente associado
a uma série de eventos editoriais estreitamente relacionados: 1) o aparecimento do livro Knowledge
and control, Young (1971) que tinha o subtítulo new directions for the SOE; 2) o lançamento do
primeiro curso de Open University de Sociologia da Educação Escolar e Sociedade, para o qual
Knowledge and control era um livro de leitura; e 3) a publicação de uma pequena antologia organizada
por Nell Keddie (1973) que apresenta o trabalho do sociolinguista americano, William Labov. (SILVA,
T., 1999a)

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tivista da Sociologia do Conhecimento, bastante influenciada pelos
notáveis trabalhos prévios de C. Wright Mills (1939, 1940), e represen-
tada em Knowledge and control pelos artigos de Geoff Esland, Nell Ke-
ddie e Young.
A nova Sociologia da Educação, como uma tradição intelectual e
como um grupo de pesquisadores e professores, teve vida curta, em
parte por causa das suas próprias limitações e em parte em virtude
das mudanças nas circunstâncias econômicas e políticas mais amplas,
nas quais o foco dos professores como agentes de mudança tornou-se
crescentemente irrealista. Observa Young (1971) que [...] a crítica siste-
mática feita por Geoff Whitty (1985), levou aos nossos esforços de re-
conceptualiazação nas duas antologias que coeditamos e mais tarde
no seu próprio livro Sociology and school knowledge. Essas duas antolo-
gias representaram o fim da NSE como uma tradição distinta na Ingla-
terra, embora algumas de suas ideias possam ser encontradas no tra-
balho mais recente em sociologia do currículo.9
Embora a NSE tenha sido marginalizada por uma influente anto-
logia anglo-americana de Sociologia da Educação, ela foi retomada e
desenvolvida na área da teoria do currículo nos Estados Unidos, mais
notadamente nos primeiros trabalhos de Michael Apple. É interessante
observar que, além dos Estados Unidos, pesquisadores canadenses e
franceses apresentaram estudos na metade década de 80 que fazem
alusão à Nova Sociologia do Currículo.
Young (1971) aponta alguns fatores, que ele chama de fraquezas e
acha que elas contribuíram para o fracasso da NSE em cumprir as as-
pirações que os pesquisadores e professores tinham, que são:
1.  A NSE carecia de uma análise política do trabalho acadêmico em
educação e enfatizava demasiadamente as disputas dentro da dis-
ciplina, fracassando assim em criar vínculos com outras pessoas
dentro da sociologia da educação ou fora dela.

9 A Nova Sociologia da Educação centrou-se na estrutura do currículo acadêmico como a principal


fonte de distribuição desigual da educação. A análise que a NSE fazia do currículo como um poder
ideológico deixava como alternativa, nenhum currículo ( uma espécie de desescolarização) ou algu-
ma noção de um currículo baseado na experiência, uma noção muito bem criticada por Hall (1983).

28 Trajetória do currículo

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2.  Ao enfatizar a exclusão acadêmica através do currículo em detri-
mento de formas externas de seleção social na perpetuação de de-
sigualdades, ela atribuía uma autonomia enganadora aos profes-
sores como agentes de mudança curricular, descurava uma análise
das conexões entre o caráter de classe do conhecimento curricular
e o caráter de classe da seleção educacional.

3.  Ao deixar de fazer uma distinção entre o poder ideológico e o poder


cultural dos currículos, ela ficava sem nenhum critério para desen-
volver e avaliar alternativas curriculares. (YOUNG, 1971, p. 42)

Essa análise feita por Young nos leva a afirmar que, ao buscar ques-
tionar a objetividade e a autonomia do currículo acadêmico e ao de-
monstrar sua natureza social, a NSE estava atacando o problema
correto. Entretanto ela fracassou em ser específica e na forma como
conceptualizava o social. Esse foi o contexto no qual a NSE levantou
questões fundamentais sobre se a maior igualdade poderia ser alcan-
çada sem uma transformação substancial da organização do conheci-
mento nos currículos.
As propostas da NSE para o currículo, à medida que tentavam in-
verter o equilíbrio de poder, deslocando-o dos experts para a comuni-
dade, eram, em teoria, tanto progressistas como populares. Entretanto
elas precisavam de apoio popular. É somente quando o trabalho acadê-
mico crítico é ampliado para propor alternativas reais que ele pode ga-
nhar apoio popular e ser a base para a mudança democrática. Esse é
um comentário válido não somente para a NSE mas também para boa
parte da Sociologia da Educação de inspiração marxista do final da dé-
cada de 70 à década de 80 que lhe seguiu. (YOUNG, 1971)
Enquanto os modelos tradicionais de currículo restringiam-se à ati-
vidade técnica de como fazer o currículo, as teorias críticas sobre o cur-
rículo, ao contrário, começam por colocar em questão precisamente
os pressupostos dos presentes arranjos sociais e educacionais. As te-
orias críticas são teorias de desconfiança, questionamentos e transfor-
mação radical. Para as teorias críticas, o importante não é desenvolver
técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos
permitam compreender o que o currículo faz.

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É preciso fazer uma distinção, inicialmente, entre, de um lado, as teo-
rizações críticas mais gerais como, por exemplo, o importante ensaio de
Althusser sobre a ideologia ou o livro conjunto de Bourdieu e Passeron,
A reprodução, e, de outro, aquelas teorizações centradas de forma mais
localizada em questões de currículo como, a “nova sociologia do cur-
rículo” ou o “movimento de reconceptualização” da teoria curricular.10
As vertentes teóricas que fazem uma crítica mais geral ao modelo
de educação e que trazem importantes contribuições às teorias críticas
do currículo, à medida que estabelecem o debate sobre a relação entre
educação e ideologia e educação e poder, aparecem como um grupo
de teorias derivadas e classificadas como: teorias da reprodução social,
Althusser (1969-1971), Bowles e Gintis (1976-1981) e teorias de repro-
dução cultural, com Pierre Bourdieu e J.C. Passeron (1975-1977).11
Embora tenha sido um marco importante e continue sendo uma
referência central na teorização crítica em educação, o ensaio de Al-
thusser e seus pressupostos foram objeto de crítica e refinamento nos
anos que se seguiram à sua publicação. Por um lado, houve uma série
de contestações conceituais à própria noção de ideologia formulada
por ele, por outro, inúmeros estudos empíricos sobre o funcionamento
da escola e da sala de aula ajudaram a aumentar consideravelmente a
nossa compreensão do papel da ideologia no processo educacional,
uma compreensão que nos levou bastante além do seu esboço.
A compreensão do conceito de ideologia como consciência falsa le-
vava facilmente à sua formulação como uma questão epistemológica
centrada na dicotomia falso/verdadeiro que a despia de todas as suas
conotações políticas. Naturalmente é difícil resumir as inúmeras in-

10 Tomaz Tadeu da Silva em seu livro Documentos de identidade (1999b) nos apresenta uma breve
cronologia dos marcos fundamentais tanto da teoria crítica mais geral quanto da teoria crítica sobre
currículo: 1970 - Paulo Freire (1970), Pedagogia do oprimido; Louis Althusser (1970), A ideologia e os
aparelhos ideológicos de estado; Pierre Bourdieu e Jean Cloude Passeron (1970), A reprodução; Baude-
lot e Establet (1971), L’ecole capitaliste en France; Basil Bernstein (1971, v. 1), Class, codes and control;
Michael Young (1971), Knowledge and control: new directions for the sociology of education; Samuel
Bowles e Hebert Gintis (1976), Schooling in capitalist América; Willian Pinar e Madeleine Grumet
(1976), Toward a poor curriculum; Michael Apple (1979), Ideologia e currículo.
11 Althusser nesse ensaio iria fazer a importante conexão entre educação e ideologia que seria central
às subsequentes teorizações críticas da educação e do currículo.

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terpretações ligadas à noção de ideologia numas poucas proposições,
mas certamente uma coisa relativamente clara na literatura educa-
cional é o seu vínculo com poder e interesse. (APPLE, 1982)
As teorias de reprodução social admitem a dependência da edu-
cação em relação à sociedade e concluem que a educação e a escola
têm uma função reprodutiva, na medida em que reproduzem a socie-
dade de classes e o modo de produção capitalista. (SILVA, T., 1990) Já
as teorias de reprodução cultural partem do ponto onde as teorias da
reprodução social terminam, procurando desenvolver uma teoria da
consciência e da cultura. Referindo-se às teorias da reprodução cul-
tural, Giroux (1983, p. 23) faz uma crítica positiva:
Entretanto, as teorias da reprodução cultural fizeram um relevante
esforço para desenvolver uma sociologia do currículo que unisse
cultura, classe e dominação com a lógica e os imperativos da es-
colarização [...].

Os novos avanços teóricos, a partir de críticas às teorias da repro-


dução, vieram definir o significado do poder, da ideologia e da cultura
para a compreensão das relações entre escola e sociedade. Giroux
(1983, p. 26) relaciona os trabalhos mais conhecidos:
Especificamente, os trabalhos de Willis (1981), Hebdige (1979) e
Anyon (1980, 1981) têm sido úteis ao fornecer uma rica fonte de
literatura detalhada que integra a teoria social neomarxista e es-
tudos etnográficos, com o objetivo de esclarecer a dinâmica da aco-
modação e da resistência, isto é, a forma como esses elementos
funcionam nas subculturas de oposição da juventude, tanto dentro
como fora da escola.

Giroux admite a superação da teoria da reprodução propondo uma


visão radical da educação. Em um trabalho de síntese, incorpora as
ideias de Gramsci e dá sua contribuição para uma nova Sociologia da
Educação. Passa a ver a escola tanto como um local de dominação e de
reprodução quanto de um espaço que se abre para a luta e a resistência.
Em resumo, a base para uma nova Sociologia da Educação e do Cur-
rículo deverá derivar de uma compreensão teoricamente refinada a res-
peito da forma como o poder, a estrutura e a ação humana funcionam

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para reproduzir não só a lógica da dominação, mas também o cálculo
da mediação, da resistência e da luta social. (GIROUX, 1983, p. 29)
Em seu conjunto, esses textos formam a base da teoria educacional
crítica que se iria desenvolver nos anos seguintes, a partir dos anos
70. Eles podem ter sido amplamente criticados e questionados na ex-
plosão da literatura crítica ocorrida nos anos 70 e 80, sobretudo por
seu suposto determinismo econômico, mas, depois deles, a teoria cur-
ricular seria radicalmente modificada.
Como vimos, esboçavam-se em vários países, ao mesmo tempo,
movimentos de reação às concepções burocráticas e administrativas
de currículo. Em países como França e Inglaterra, os contornos mais
gerais de uma teoria educacional crítica tendiam a partir de campos
não diretamente pedagógicos ou educacionais, como a sociologia crí-
tica e a filosofia marxista. Nos Estados Unidos e Canadá, entretanto,
o movimento de crítica às perspectivas conservadoras sobre currículo
tinha origem no próprio campo de estudo da educação.
Os autores de currículo que se detiveram na denúncia da ideologia e
do poder engastados no conhecimento escolar, abriram caminho para
os interessados na elaboração de formas de ação capazes de concre-
tizar a construção do currículo crítico no cotidiano da escola. Os estu-
diosos dessa linha têm perspectiva histórica e relacional para analisar
o currículo e centram a sua investigação na relação currículo com sala
de aula. Tentam responder a questões como: A quem pertence esse co-
nhecimento? Quem o selecionou? Por que é organizado e transmitido
dessa forma?
Nessa ótica, a ideologia torna-se questão relevante para a compre-
ensão das relações entre ensino e currículo. Um modelo de currículo
fundamentado nesses princípios trabalha questões éticas, políticas,
sociais e não só questões técnicas e instrumentais. Assume um pacto
com a justiça social, no sentido de maximizar a igualdade econômica,
social e educacional.
As ideias de Apple (1997) sobre o papel ideológico das escolas apro-
fundam questões relativas ao poder e ao saber. Os conteúdos e as
formas ideológicas estão embutidas no currículo da escola, nas prá-

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ticas docentes e no processo de formação. Tanto estudantes como pro-
fessores internalizam a ideologia em suas mentes. A escola exerce di-
ferentes papéis: o de reprodução, o de produção e o de legitimação do
conhecimento.12
Os estudos da área de análise das políticas de currículo mostram
que é possível unir estruturas sociais e ação humana, utilizando diale-
ticamente resistência e dominação para atingir a emancipação. Duas
grandes correntes desenvolveram-se a partir da conferência sobre cur-
rículo em Nova York, 1973:13 uma associada à tradição humanista e
hermenêutica, mais presente na Universidade de Ohio, cujo principal
representante pode ser considerado Willian Pinar, e outra associada à
Universidade de Wisconsin e Columbia, mais fundamentada no neo-
marxismo e na teoria crítica, cujos representantes mais conhecidos no
Brasil são Michael Apple e Henry Giroux.
Apple (1982) identifica, na vida escolar, dois aspectos com funções
distributivas sociais e econômicas e os localiza nas formas de inte-
ração da vida escolar e no corpo do conhecimento escolar: as formas
de interação, quando comunicam significados normativos, tendências
e regras sociais; e o corpo formal, quando inclui ou exclui o conheci-
mento escolar determinando o que tem ou não tem importância. Esses
dois aspectos confirmam o currículo como um mecanismo de repro-
dução social.
A insatisfação com os rumos do campo do currículo nos Estados
Unidos, desde sua emergência nas primeiras décadas do século XX até
o início da década de 70 do mesmo século, levou numerosos pesqui-
sadores a se engajarem no movimento que procurou promover a sua
reconceptualização. Herbert Kliebard (1975), um dos mais renomados
participantes do grupo, chegou mesmo a sugerir que a tarefa para os

12 Segundo Apple (1982), no papel reprodutivo, cabe à escola a seleção e a distribuição do conheci-
mento. O papel de produção é o que a escola exerce como instituição cultural, formas culturais
ideológicas para os grupos que estão no poder e, no papel de legitimadora, a escola justifica a ação
de um grupo e a sua aceitação social, fazendo com que o sistema econômico pareça natural.
13 I Conferência sobre Currículo organizada na Universidade de Rochester, Nova York, em 1973. O
movimento de reconceptualização exprimia uma insatisfação crescente de pessoas do campo do
currículo com os parâmetros tecnocráticos estabelecidos pelos modelos de Bobbit e Tyler.

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cinquenta anos subsequentes deveria ser encontrar alternativas para o
modo de refletir sobre currículo, que dominou os primeiros cinquenta
anos do campo.
Nos vinte anos que se seguiram à eclosão do movimento de recon-
ceptualização, foram intensos e frutíferos os debates sobre questões
de currículo, em diferentes partes do mundo. Lições foram aprendidas,
ainda que tenham restado dúvidas em relação aos rumos da teoria
curricular, à promoção de práticas curriculares progressistas e ao de-
senvolvimento do diálogo entre os pesquisadores da universidade, os
professores das escolas e os membros participantes de movimentos
sociais. (SILVA, T., 1992)
Nos Estados Unidos, um cuidadoso mapeamento do campo, rea-
lizado nos anos 90 do século XX, permitiu que se identificasse, nos
textos sobre currículo, uma profusão de novos problemas, novas ten-
dências e novas perspectivas. De duas tendências presentes na emer-
gência do campo – uma voltada para o interesse da criança e outra
para a formação do adulto supostamente necessário à sociedade –,
chegou-se, em 1995, a um total de onze diferentes modalidades de
textos – políticos, raciais, de gênero, fenomenológicos, pós-moder-
nistas e pós-estruturalistas, biográficos e autobiográficos, estéticos,
teológicos, históricos e estrangeiros centrados nas instituições esco-
lares. A preocupação com o desenvolvimento curricular praticamente
desapareceu do cenário, passando a predominar o propósito de com-
preender o processo curricular. (PINAR, 1995)

Cenário iii - O pensamento curricular no Brasil


No Brasil, estudos recentes têm procurado traçar o panorama atual
de nosso campo. Como nos Estados Unidos, identificou-se uma sen-
sível diversificação das influências teóricas nas pesquisas entre nós.
Discutiu-se a situação de crise da teoria curricular crítica, sugerindo-
-se, para sua superação, um empenho maior na investigação da prática
curricular, bem como a promoção de frequentes diálogos no campo do
currículo. (MOREIRA, 1995) Acentuou-se, ainda, com base em depoi-

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mentos e produções de renomados pesquisadores da área, a neces-
sidade de uma definição mais clara dos contornos do campo, de um
maior diálogo entre a universidade e a escola.
Embora os primeiros estudos sobre currículo no Brasil datem dos
anos 20, desde então até a década de 80, o campo foi marcado pela
transferência instrumental de teorizações americanas. Essa transfe-
rência centrava-se na assimilação de modelos para a elaboração curri-
cular, em sua maioria de viés funcionalista, e era viabilizada por acordos
bilaterais entre os governos brasileiro e norte-americano dentro do pro-
grama de ajuda à América Latina. (MACEDO; FUNDÃO, 1996)
Apenas na década de 80, com o início da redemocratização do Brasil
e o enfraquecimento da Guerra Fria, a hegemonia do referencial funcio-
nalista norte-americano foi abalada. Nesse momento, ganharam força
no pensamento curricular brasileiro as vertentes marxistas. Enquanto
dois grupos nacionais – pedagogia histórico-crítica e pedagogia do opri-
mido – disputavam hegemonia nos discursos educacionais e na capaci-
dade de intervenção política, a influência da produção de língua inglesa
se diversificava, incluindo autores ligados à Nova Sociologia da Edu-
cação inglesa e a tradução de textos de Michael Apple e Henry Giroux.
Essa influência não mais se fazia por processos oficiais de transfe-
rência, mas subsidiada pelos trabalhos de pesquisadores brasileiros
que passavam a buscar referências no pensamento crítico. Com a am-
pliação do campo, produzem-se, com regularidade crescente, teses,
dissertações, documentos oficiais, artigos e livros sobre currículo.14

14 Nos anos 60, além da influência do Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Ele-
mentar (PABAEE), o desenvolvimento do campo do currículo no Brasil foi marcado pela introdução
da disciplina Currículos e Programas nos cursos de Pedagogia, após a Reforma Universitária (Lei n º
5.540/1968). Desde então, o campo do currículo instalou-se no interior das faculdades e universida-
des, tornando-se campo de ensino e pesquisa.
Nos anos 70, permanece a influência americana no campo do currículo com características tecni-
cistas. Ver: Currículo Moderno: um planejamento dinâmico das avançadas técnicas de ensino, de Robert
S. Fleming (1970); Princípios básicos de currículo e ensino, de Ralph Tyler (1974). No Brasil, esse livro
chegou a ter nove edições, de 1974 a 1984.
Na década de 80, por influência dos estudos de Apple – ideologia e currículo, bem como educação e
poder –, há um grande impulso das produções no campo do currículo. Na segunda metade da déca-
da, com uma forte influência do educador Paulo Freire, surgem trabalhos significativos no Programa
de pós-graduação em Supervisão e Currículo da PUC/SP. Entre alguns trabalhos, destaca-se o da

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Debates e teorizações dos anos 1990

No início dos anos 90, o campo do currículo vivia essas múltiplas influ-
ências. Os estudos em currículo assumiam um enfoque nitidamente so-
ciológico, em contraposição à primazia do pensamento psicológico até
então predominante. Os trabalhos buscavam, em sua maioria, a com-
preensão do currículo como espaço de relações de poder. Os estudos
que discutiam aspectos administrativo-científicos do campo foram to-
talmente superados, restando apenas pouquíssimas referências a esse
tipo de estudos nos primeiros anos da década, especialmente locali-
zadas na produção em periódicos. (MACEDO; FUNDÃO, 1996)
As proposições curriculares cediam espaço a uma literatura mais
compreensiva do currículo, de cunho eminentemente político. Na pri-
meira metade da década, a ampla maioria dos estudos se encaixava na
categoria de texto político, tal como define Pinar (1995). A ideia de que
currículo só pode ser compreendido quando contextualizado, política,
econômica e socialmente era visivelmente hegemônica. À exceção de
Paulo Freire, a maior parte das referências era a autores estrangeiros,
tanto no campo do currículo como Giroux, Apple e Young, quanto no
da Sociologia e da Filosofia, como Marx, Gramsci, Bourdieu, Lefebvre,
Habermas e Bachelard.
Nesse período, podemos situar como centrais as discussões sobre
currículo e conhecimento. Especialmente no Grupo de Trabalho (GT)
de Currículo15 da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa

Professora Ana Maria Saul (2000) – Avaliação emancipatória: desafio à teoria e à pratica de avaliação
e reformulação curricular. A importância dessa obra reside, sobretudo, na exposição de um novo
paradigma de avaliação denominada pela autora de Avaliação Emancipatória. Embora o livro trate
de avaliação de currículo e não do currículo propriamente dito, o esforço de teorização nessa área,
tão próxima , destaca-se como obra de especial relevância na produção sobre currículo nos anos 80.
(SOUZA, 1993)
15 Segundo Moreira (2002), a decisão de organizar o Grupo de Trabalho de Currículo foi tomada na
oitava reunião da ANPED. O primeiro encontro de seus membros ocorreu em dezembro de 1985,
no I Seminário Nacional de Currículo, promovido pelo Programa de Estudos de Pós-Graduados em
Supervisão e Currículo da PUC/São Paulo. Nessa oportunidade, o GT reuniu-se pela primeira vez,
coordenado pela Professora Ana Maria Saul. Decidiu-se, então, desenvolver a pesquisa em âmbito
nacional.

36 Trajetória do currículo

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em Educação (ANPED),16 mas também em periódicos da área, foram
aprofundadas questões referentes às relações entre conhecimento
científico, conhecimento escolar, saber popular e senso comum; aos
processos de seleção de conteúdos constitutivos do currículo; às rela-
ções entre a ação comunicativa e os processos emancipatórios; à ne-
cessidade de superarmos dicotomias entre conteúdos, métodos e re-
lações específicas da escola, sintonizadas com o entendimento mais
geral do currículo como construção social do conhecimento. (MA-
CEDO; FUNDÃO, 1996)
Até a primeira metade da década de 90, é possível observar que a
maioria dos trabalhos apresentados na ANPED traz, nas suas biblio-
grafias, influências de autores estrangeiros, sendo os mais citados: Mi-
chael Apple, Basil Bernstein, Jean Claude Forquin, Gimeno Sacristán,
Henry Giroux, Peter McLaren, Ivor Goodson, Antonio Nóvoa, Jurjo
Torres Santomé e Thomas Popkewitz.
No início da segunda metade da década, na tentativa de compre-
ender a sociedade pós-industrial como produtora de bens simbólicos,
mais dos que de bens materiais, começa a alteração das ênfases até
então existentes. O pensamento curricular começa a incorporar, com
mais frequência, enfoques pós-modernos e pós-estruturais,17 que con-
vivem com as discussões modernas. (MOREIRA, 2002) A teorização
curricular passa a incorporar autores associados a outras áreas peda-
gógicas ou não. Destacamos aqui: Theodor Adorno, Jean Baudrillard,
Pierre Bourdieu, Michel Focault, Giles Deleuze, Felix Guattari, Jurgen
Habermas, Edgar Morin e Boaventura de Sousa Santos.

16 O ato de trazermos, neste trabalho, uma panorâmica da produção de um grupo de trabalho inte-
grante da estrutura organizacional da ANPED teve por base o significado dessa associação para a
comunidade acadêmica. Com efeito, a ANPED é uma das principais entidades científicas do campo
da Educação no Brasil (senão a principal) e, como tal, vem desempenhando um importante papel
legitimador do conhecimento produzido sobre esse campo.
17 A perspectiva pós-estruturalista alcançou destaque no campo do currículo no Brasil em virtude das
produções nessa área oriundas do grupo de Currículo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Esse grupo, liderado por Tomaz Tadeu da Silva e constituído por seus orientandos e colabo-
radores vem desde a primeira metade da década de 90, produzindo significativamente e conquistan-
do uma inserção expressiva nos congressos educacionais nacionais. (MACEDO; FUNDÃO, 1996)

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Os enfoques presentes nos trabalhos com base nesses autores evi-
denciam preocupações com: o cotidiano escolar, a construção do co-
nhecimento em redes, distintos artefatos culturais, propostas cur-
riculares, multiculturalismo,18 o poder de controle e de governo do
currículo, bem como com a história do pensamento curricular e das
disciplinas. Entretanto, apesar da sua forte influência na década de 90,
sobre a teorização curricular, não podem ser entendidos como um di-
recionamento único do campo.
As teorias de cunho globalizante, seja das vertentes funcionalistas,
seja da teorização crítica marxista, vêm se contrapondo à multiplici-
dade característica da contemporaneidade. Tal multiplicidade não se
vem configurando apenas como diferentes tendências e orientações
teórico-metodológicas, mas como tendências e orientações que se
inter-relacionam, produzindo híbridos culturais. Dessa forma, o hibri-
dismo19 do campo parece ser a grande marca no Brasil na segunda me-
tade da década de 90. (MACEDO; FUNDÃO, 1996)
O campo intelectual do currículo é produtor de teorias sobre cur-
rículos, legitimadas como tais pelas lutas concorrenciais internas. As
produções do currículo configuram, assim, um capital cultural objeti-
vado do campo. Essas lutas que se travam no âmbito das teorizações
do currículo em torno de posições, estratégias e definições, são bas-
tante saudáveis. Caso não fosse assim, não teríamos uma área tão fértil
de produções que se vêm se renovando e desenvolvendo. Por outro
lado, a despeito das lutas, com certeza estamos todos interessados
em preservá-lo, em deixá-lo existir, o que nos obriga, como acentua
Bourdieu, a uma cumplicidade que se coloque além das lutas que nos
venha opor. Ou seja, é indispensável que perdure a cumplicidade que
nos une, apesar de eventuais antagonismos.

18 Das temáticas relacionadas ao conhecimento, temos o desenvolvimento de trabalhos em torno


da questão da multirreferencialidade (BURNHAM, 1991) indicando o campo do currículo como
complexo e capaz de exigir uma rede múltipla de referenciais para sua interpretação.
19 Macedo e Fundão (1996) se fundamentam em Bernstein (1996 apud MACEDO; FUNDÃO, 1996) e
analisam a produção de currículo da década de 90 a partir do recorte de campo do currículo como
campo intelectual criado pelas posições, relações e práticas que surgem de um contexto de produ-
ção discursiva em determinada área.

38 Trajetória do currículo

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Dessa forma, entendemos que trazer uma panorâmica da produção
do campo do currículo inclui tomar como objeto o conhecimento pro-
duzido por sujeitos investidos da legitimidade de falar sobre currí-
culo. Tal legitimidade é conferida por sua presença em instâncias ins-
titucionalizadas, tais como: instituições de ensino e pesquisa, nas
quais atuam professores, pesquisadores e orientadores; agência de fo-
mentos, em que são pareceristas e definem que tipos de estudos serão
financiados e os fóruns de pesquisadores, entre os quais o mais signifi-
cativo é o GT de currículo da ANPED. A participação dominante nesses
grupos vem se constituindo como um dos principais fatores capazes
de garantir a legitimidade e a autoridade para falar de currículo.

Aproximações conclusivas

[...] quanto mais formos capazes de


aperfeiçoar, em nós mesmos, nossa
sensibilidade, mais capazes seremos
de conhecer com rigor. (Paulo Freire)

Consideramos que uma grande contribuição nessa tarefa de inves-


tigação sobre currículo é uma perspectiva que tenha um foco histó-
rico. A contingência e a historicidade dos presentes arranjos curricu-
lares só serão postas em relevo se fizermos uma análise que flagre
os momentos históricos em que esses arranjos foram concebidos e
tornaram-se “naturais”. Entenda-se aqui o termo arranjo como estra-
tégias e articulação feitas por grupos e associações, pactos de domi-
nação através das políticas públicas e tentativas de consenso por parte
do Estado como forma de evitar os conflitos. (APPLE, 1999)
Desnaturalizar e historicizar o currículo existente constituem um
passo importante na tarefa política de estabelecer objetivos alterna-
tivos no processo de reformulação que sejam transgressivos da ordem

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curricular existente. É por isso que a história dos processos de cons-
trução das Diretrizes Curriculares deve ser parte integrante de um es-
tudo que se propõe a ter como base teórica a Teoria Crítica do Currí-
culo, na medida em que essa história torna-se importante na difícil
tarefa de questionar a presente ordem curricular.
É notada a presença do Estado como referência em todo o percurso
histórico de reformulações de currículo, o que representa uma cres-
cente e poderosa necessidade de regulação do controle das políticas
educacionais pelo Estado que estão relacionadas tanto com amplos
padrões diferenciais de poder econômico e político – como as agên-
cias financiadoras – quanto com temas mais específicos que aparecem
no interior do próprio sistema – a correlação de forças entre entidades.
Os embates de interesses antagônicos, sempre existirão, através
das propostas de reformulação curricular, o que possivelmente gera
tensões e estabelece rupturas e descontinuidades, as quais acabam
viabilizando formas de controle e resistência, formas de acomodação,
que contribuem para a conservação e a reprodução dos modelos pre-
viamente estabelecidos, ou formas de resistência e emergência de prá-
ticas emancipatórias, que desembocam nas reformulações curricu-
lares de cunho mais crítico e democrático.
Essas reflexões críticas sobre o processo de reformulação permitem
reconhecer que os avanços situam-se no campo dos confrontos e con-
flitos, quando as intervenções são pautadas pela crítica à realidade, na
contextualização histórica, na construção de sujeitos políticos e de pro-
posições coletivas com base nas reivindicações da maioria e no em-
bate com as orientações políticas educacionais que buscam o enqua-
dramento da Educação aos ajustes estruturais e às reformas do Estado
de forma verticalizada e, sobretudo, com políticas centralizadoras.
Com relação ao universo escolar e, mais precisamente, à dinâmica
do currículo, poderíamos ampliar seu entendimento partindo do pres-
suposto de que:
[...] o processo de fabricação do currículo não é um processo ló-
gico, mas um processo social, no qual, convivem, lado a lado com
fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais, determinantes so-
ciais menos ‘nobres’ e menos ‘formais’ tais como interesses, ri-

40 Trajetória do currículo

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tuais, conflitos simbólicos e culturais, necessidades de legitimação
e de controle, propósitos de dominação dirigidos por fatores li-
gados à classe, à raça, ao gênero... O currículo não é construído
de conhecimentos válidos, mas de conhecimentos considerados vá-
lidos. (SILVA, T., 1996, p. 67)

Nessa assertiva, fica retratado o caráter ideológico e de poder do currí-


culo, quando ele transmite uma visão de mundo social vinculada aos in-
teresses de grupos sociais pela manutenção ou supressão de vantagens.
Está se tornando senso comum a postura de aversão ante as coisas
que se denominam ideologia, como se elas fossem ideias falsas sobre
a sociedade, porém lembrando “[...] que o mundo não fala, só nós é
que falamos” (SILVA, T., 1999, p. 69), perceber a ideologia como uma
dimensão da produção humana é identificar no currículo um campo
de batalha cultural, no qual, percebamos ou não, estamos, a favor ou
contra construções de mundos.

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2

Formação profissional
em Educação Física
notas introdutórias sobre
o papel docente na constituição
de um currículo marginal

César Pimentel Figueirêdo Primo

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No mundo globalizado a universidade forma,
informa, conforma ou deforma?
A ordem econômica contemporânea, assentada no processo de
globalização,20 com forte tendência à transnacionalização dos capitais
e dos processos produtivos (MOROSINI; MOROSINI, 2006) imprimiu,
ao cenário contemporâneo, a necessidade de perspectivas homogenei-
zantes de preparação do homem e da mulher para o mundo do tra-
balho. Alicerçado num mercado de trabalho emergente das grandes
demandas internacionais, e fruto de um capital sem fronteiras clara-
mente demarcadas, a preparação desse trabalhador global vem so-
frendo marcas incontestáveis na história da formação humana.
Nesse contexto, as demandas urgidas do chamado mundo globa-
lizado têm refletido, no processo de formação profissional, uma série
de mudanças no que tange à compreensão dos conhecimentos apro-
priados para a inserção do cidadão na cadeia produtiva, ora como pro-

20 Quando nos referirmos à globalização neste trabalho, estaremos compartilhando do ponto de vista
de Oreste Preti (2000) para quem esse processo é sinônimo de nova ordem mundial, mundiali-
zação do comércio e da produção industrial, alta modernidade, sistema mundial: não importa a
terminologia utilizada e sua base epistemológica. O que importa apanhar, nesse novo contexto, é o
processo de formação de uma nova ordem global tendo por base o poder econômico, ao invés do
poder político, deslocando a discussão sobre as relações de poder para as relações técnicas, de ge-
renciamento eficaz e eficiente de recursos. Há um processo de despolitização em face de uma visão
tecnocrática, gerencial e pragmática, em que a grande empresa capitalista é posta como modelo.

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dutor ora como consumidor. Tais urgências, muito além de meras
metas contingenciais, são fruto de múltiplas e complexas adaptações
simbióticas entre mercado e sociedade, e vêm apresentando mutações
diversas à medida que os mecanismos da cadeia produtiva demandam
novas tecnologias de gerenciamento e produção, numa rota aparente-
mente sem retorno e dada como certa e irreversível para os destinos
da humanidade.
Com isso, o saber escolar desenvolveu-se historicamente relacio-
nado às pressões sociais que incluíram a imagem marca do Estado
moderno: a criação de uma democracia viável, a seleção e manu-
tenção de uma força de trabalho, a assistência no bem-estar social e
nos programas econômicos. (POPKEWITZ, 1995, p. 48) Os novos sa-
beres produtivos originaram uma demanda de novos saberes profis-
sionais. Nesse contexto, a preparação da sociedade às exigências de
um mundo em crescente processo de globalização sugeriu o alinha-
mento de diversas políticas de Estado a tais emergências, dentre elas
as do setor educacional.
As universidades, como elementos fundamentais do conjunto de
estratégias utilizadas para o processo de formação profissional, vêm
acompanhando essa trajetória histórica, ora como artífice, ora como
objeto de tais políticas. Não raro encontra-se na literatura específica,
menções às relações que essas guardam com diversas organizações
da sociedade como um todo. Hardy e Fachin (1996) em estudo de-
senvolvido sobre a gestão estratégica de cinco grandes universidades
federais do Brasil, colocam que essa relação determina valores pro-
fissionais que guiam, motivam e controlam os membros de uma
organização.
Com esse perfil, as universidades têm, em determinados contextos,
fidelizado o construto universalista da filosofia positivista, na medida
em que trabalham com categorias como ordem, equilíbrio, harmonia
e progresso em sua organização e funcionamento. (SANDER, 1995)
Assim, o currículo dos cursos de formação tem sido, regra geral, uma
das ferramentas potencializadoras dessas políticas.

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Ressalva-se aqui que esse não é um fenômeno contemporâneo, uma
gratuidade dos tempos atuais. Ele é fruto do reordenamento das rela-
ções socioeconômicas no desenrolar da história, sendo que a inter-
-relação existente entre o mundo do trabalho e o campo da educação
acompanha o desenvolvimento das sociedades há muito tempo. A
tensão que existe entre as categorias trabalho e educação se dá, prin-
cipalmente, a partir do momento em que o homem estratificou-se em
classes sociais, necessitando sempre da educação para instrumenta-
lizar o seu semelhante para o trabalho. Em tal dinâmica, a escola apa-
rece como um dos mecanismos educativos que representa de forma
mais legítima os interesses do sistema produtivo.
Postula-se, assim, uma estreita ligação entre educação (escola) e
trabalho; isto é, considera-se que a educação potencializa o trabalho.
Essa perspectiva está presente também nos críticos da “teoria do ca-
pital humano”, uma vez que consideram que a educação é funcional
ao sistema capitalista, não apenas ideologicamente, mas também eco-
nomicamente, como qualificadora da mão de obra, força de trabalho.
(SAVIANI, 1994, p.151)
Como signatárias dessa simbiose trabalho-educação, as profissões
representaram o conjunto de tecnologias específicas de determinado
saber, adaptadas ao projeto de uma sociedade que precisou se indus-
trializar e se urbanizar. A forte tendência à universalização do conjunto
das técnicas básicas necessárias para o ingresso do trabalhador nessa
cadeia produtiva provocou uma transferência da educação técnica,
do mundo do trabalho, de dentro da indústria, para o espaço escolar.
(RAMOS, 2001)
Nessa ótica, o termo profissão, utilizado
[...] para descrever as formações sociais do trabalho no contexto da
classe média, a importância cada vez maior da especialização no
processo de produção/reprodução e, especificamente no ensino, o
esforço no sentido de um prestígio profissional crescente [...] (PO-
PKEWITZ, 1995, p. 38),

deriva da tradição social e intelectual do ideal iluminista europeu, ba-


seada na razão e na racionalidade, que concedia às pessoas respon-

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sabilidade pública sobre seus atos. A evolução do conceito de pro-
fissão, tal qual conhecemos hoje, referente ao exercício profissional de
uma categoria, deve-se à ascensão da classe média anglo-americana
na ocupação do trabalho especializado, fruto de um Estado debilitado
que permitiu ou consentiu o exercício autônomo de algumas especia-
lidades. O mesmo autor complementa esse viés de compreensão ao
constatar perspectivas semelhantes na constituição do campo profis-
sional do professor:
A formação de professores tem se preocupado com uma fragmen-
tária aquisição de informação e de competências dirigidas para a
prática, minimizando uma orientação intelectual. Assim, é histori-
camente significativo que o resultado clássico das reformas educa-
tivas tenha reduzido as fronteiras das responsabilidades dos pro-
fessores. Considerações morais, éticas e intelectuais foram postas
de lado em detrimento de competências administrativas que hoje
designamos por gestão da sala de aula. (POPKEWITZ, 1995, p. 41)

Assim, a experiência de formação profissional liberal, focada num


modelo meritocrático baseado no progresso da melhoria social, foi
e continua sendo a base das principais mudanças educacionais ges-
tadas pelo Estado, que pouco alteraram na estrutura de elaboração e
funcionamento das políticas educacionais como um todo. Ao mexer
nas técnicas pedagógicas sem intervir em um currículo que continua a
promover a competitividade, o individualismo e o autoritarismo, as re-
formas liberais apenas trocaram a roupagem para que os mecanismos
de poder pudessem permanecer em ação.
Soma-se a tal fato a crescente desresponsabilização do Estado, nos
países periféricos, frente ao processo de formação profissional, na me-
dida em que mercantiliza a educação numa economia globalizada, ge-
ralmente mediada por processos tecnológicos, mostrando suas estru-
turas de controle, traduzidas num olhar tecnocrático que mantém um
forte controle dos assuntos determinantes para a consolidação e re-
produção de seu projeto político. (SANTOMÉ, 2004) Para além de uma
apressada compreensão de desimportância da máquina estatal pelo
setor, isso é fruto, na verdade, de uma mudança de estratégia, articu-
lada com a tendência de mercantilização da formação profissional, que

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vem abrindo as portas do setor para a iniciativa privada, a qual trans-
forma um bem cultural num produto ou serviço a ser comercializado.
Popkewitz (1995) volta a alertar para o perigo de consideração in-
gênua de tais políticas como algo naturalmente concebido ou proje-
tado, consequência óbvia das multirrelações sociais. Para o autor, o
arranjo desse cenário é mediado pelo controle planejado e intencio-
nado do Estado no interior das ações políticas, em que o discurso ofi-
cial corrente não é apenas um mecanismo formal que descreve acon-
tecimentos, mas é a parte integral do seu contexto, servindo para
sintonizar lealdades e solidariedades com valores bem definidos e com
certos interesses sociais.
O desenrolar desse novelo denuncia as instituições universitárias
como um dos espaços privilegiados desse cenário. Para Morosini e Mo-
rosini (2006) tais demandas têm orientado o Estado para a criação de
estratégias de controle das ações no interior das universidades que, en-
tendidas como setores estratégicos na proliferação dos tentáculos ide-
ológicos da máquina estatal, também compartilhados por um mercado
parceiro, recebem mecanismos externos de controle tais como censo
da educação superior, avaliação institucional, exame nacional de cursos,
avaliação das condições de ensino e avaliação da pós-graduação, todos
monitorados por metodologias oriundas do governo, revelando um
modelo de gestão conscientemente coordenado pelo sistema.
Sob a égide da equidade e justiça social, configura-se um projeto
de educação uniformizante que tem subtraído das instituições de en-
sino superior a autonomia de parte do processo da formação profis-
sional. Regra geral, orientada pelos desígnios do mercado, a condução
das políticas governamentais para o setor, tem tirado dessas institui-
ções a possibilidade de orientar seus programas conforme a lógica in-
terior de seus problemas e demandas locais, afetando decisivamente
a autonomia docente, privilegiando determinadas linhas científicas,
ao tempo em que marginaliza outras, geralmente destoadas dos inte-
resses globais:
É verdade que as reformas destinadas a incrementar a profissiona-
lidade dos professores com base em critérios de eficiência, assegu-
raram os postos de trabalho, mas à custa de uma redução da res-

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ponsabilidade dos professores relativamente aos currículos, tendo
aumentado a supervisão e o controle exterior de seu trabalho. (PO-
PKEWITZ, 1995, p. 45)

Santomé (2004) sinaliza para o risco de tais políticas na construção


do futuro. Alude o fracasso de uma educação emancipatória ao su-
cesso de medidas oficiais tais como a da Política de Indicadores, tão
comum na ordem do dia de diversos países que, através de programas
de avaliação do ensino, baseados na busca de índices tradutores do
sucesso ou fracasso da educação, desconsideram a realidade como
plural e multicultural. Para o autor,
[...] estamos diante de uma nova tentativa de imposição de uma de-
terminada cultura oficial, uma interpretação da história e do pre-
sente da humanidade de acordo com os interesses das ideologias
mais conservadoras [...]. (SANTOMÉ, 2004, p. 29)

O conjunto de medidas estruturais sugeridas para a adaptação das


universidades – instituições por natureza responsáveis pelo processo
de formação profissional – à lógica desse mundo globalizado, princi-
palmente a necessidade de formação de um profissional para esse ce-
nário, demandou dessas a capacidade de universalização de determi-
nadas competências na grade curricular. A eminência de adaptação ao
modelo internacionalizado de formação convidou os países afinados
ideologicamente com essa tendência a buscarem mudanças em todos
os seus sistemas de ensino. Assim a universidade passa a sofrer fortes
pressões por mudanças, orquestradas por organismos internacionais,
rompendo as fronteiras geopolíticas e instaurando estratégias de mer-
cado nas políticas públicas, na gestão e na sua prática pedagógica.
(MOROSINI; MOROSINI, 2006)
Essas notas iniciais nos dão pistas de que, pelo menos a partir das
políticas oficiais de educação, o Estado, através da Universidade e seu
papel institucional, tem muito mais conformado e informado seus ci-
dadãos do que formado para uma intervenção autônoma frente aos
desafios contemporâneos. Parte desse movimento sugere, inclusive,
uma deformação profissional, na medida em que o conhecimento me-
diado pelas políticas institucionais tem tido, na maioria das vezes, um

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caráter utilitário de sintonização com as demandas de urgência do
mercado de trabalho.

A Universidade como contraesfera pública de poder no


processo de formação profissional

Segundo Morosini e Morosini (2006), a universidade, dentro daquilo


que se entende por autonomia, vem apresentando diversas reações
ao processo de globalização. Dois grandes posicionamentos podem
ser identificados nesse processo: a tese da convergência, caracterizada
pela isomorfia da instituição aos ditames do mundo globalizado, visto
que ela se rende à lógica do modelo operacional em questão, e a tese
da divergência, idiossincrática, reagente e portadora de respostas plu-
rais, diferentes e localizadas a tais demandas. Sobre isso, esses au-
tores prosseguem afirmando:
As políticas nacional e local, econômica e cultural traduzem e re-
formam as tendências globais em face de suas culturas, histórias,
necessidades, práticas e estruturas institucionais. O local é carac-
terizado por divergências e heterogeneidade entre nações; o pro-
cesso de localização está ocorrendo tanto nos setores da educação
superior, quanto nas instituições como um todo; o papel das polí-
ticas nacionais é visto, ainda, como relevante para a organização e
a formatação dos setores da educação superior, de acordo com as
necessidades sociais e econômicas e da cultura nacional; é também
caracterizado por exigências advindas da herança e do passado.
(MOROSINI; MOROSINI, 2006, p. 56)

É possível verificar, a partir dos estudos de Wolf (1993), que a univer-


sidade convergiu quando se apresentou como ferramenta mater dos
diversos processos de profissionalização da formação dos trabalha-
dores, refletindo sempre em seu interior os diversos cenários sociais
aos quais esteve atrelada, operando suas engrenagens baseadas em
ideais e arranjos institucionais que sempre a personificaram. As ins-
tituições universitárias se apresentam como espaços privilegiados de
formação profissional daqueles que ocuparão as principais posições

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na pirâmide social do mundo industrializado. Responsáveis pelo voca-
cionismo profissional pós-industrial, as políticas contemporâneas de
formação profissional, engendradas de dentro da máquina universi-
tária, têm enfrentado diversos dilemas e desafios, regra geral, impul-
sionados pelas correntes teóricas que alimentam suas engrenagens.
Assim, essa instituição secular, que abriu suas portas como um san-
tuário do saber, composto de sábios eruditos que desenvolviam uma
cultura superior alheia às questões de ordem social, e regida pelo con-
servadorismo das elites e pela autogovernança de seus destinos, atual-
mente se presta a atender à ascensão das profissões liberais, conforme
requisitos inerentes de cada carreira, e passa a constituir o ideal de uni-
versidade como campo de treinamento. (WOLF, 1993)
Tal estado de crise, possivelmente decorrente de uma formação pro-
fissional pulverizada e carente de sentido ético, pode ser resumido no
que Wolf (1993) chama de universidade como agência de prestação de
serviços. Essa universidade do presente, que o autor chama de multi-
versidade de formação, corresponde a uma ideia de modernização e
racionalização que a põe como célula fundamental da mercantilização
do ensino, na medida em que presta serviços às organizações parti-
culares, subordinando, inclusive, a pesquisa aos interesses momen-
tâneos do mercado, em decorrência da aceitação de financiamentos
privados e da ausência, muitas vezes, do princípio político da respon-
sabilidade social.
Diante de tal panorama, a sociedade brasileira vem assistindo a iso-
morfia das instituições docentes de nível superior, inseridas no crono-
grama de metas das entidades internacionais de cooperação multilate-
rais, como necessárias e valiosas unicamente à medida que ofereçam
uma formação com boa probabilidade de ser demandada pelos cha-
mamentos do mercado e que possibilitem a obtenção de um posto de
trabalho no setor privado. Dessa maneira, algumas instituições de ca-
ráter público e, portanto, com interesses públicos – como são os cen-
tros de ensino – acabam sugadas por serviços privados e convertidas
em apêndices de empresas, para as quais preparam mão de obra de
forma gratuita. (SANTOMÉ, 2004)

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Essa universidade tem se sintonizado com um modelo de profissio-
nalização contemporânea que sujeita o ideal acadêmico a uma linha
de montagem profissional, dedicada a moldar pessoas em conformi-
dade com os paradigmas do sistema econômico no qual se inserem.
(WOLF, 1993) Dessa forma, vem conferindo atributos empresariais e
tecnológicos aos seus interesses, adaptando sua missão à venda de
serviços educacionais diferenciados e de qualidade para determinados
nichos do mercado, numa lógica de transmissão de conhecimentos
e acesso às informações de uso imediato no campo profissional, me-
diados por uma pedagogia apoiada exclusivamente nas tecnologias de
informação e comunicação (TIC).
Assim, a gestão universitária tem sido marcada pela forte influência
do mercado e da globalização e por tentativas frágeis de relações com
o terceiro setor.
No contexto da deslegitimação, as universidades e as instituições
de ensino superior são de agora em diante solicitadas a que forcem
suas competências, e não suas idéias: tantos médicos, tantos pro-
fessores de tal ou qual disciplina, tantos engenheiros, tantos ad-
ministradores, etc. A transmissão de saberes já não aparece como
destinada a formar uma elite capaz de guiar a nação em sua eman-
cipação, proporciona ao sistema os jogadores capazes de asse-
gurar convenientemente seu papel nos postos pragmáticos dos
quais as instituições têm necessidade. (LYOTARD, 1989, p. 90 apud
DIAS SOBRINHO, 2000, p. 25)

Na contramão, debates insurgentes, que tomam como ponto de par-


tida os campos conceituais de Ideologia, Poder e Cultura (MOREIRA;
SILVA, 2000), vêm defender uma preocupação não apenas com a orga-
nização do conhecimento formal, mas, também, com as implicações
oriundas das relações assimétricas, tanto no âmbito da especificidade
do espaço de formação acadêmica quanto da sociedade em geral.
Com esse cenário, o papel da universidade como unidade formadora
de novas concepções de mundo dos futuros profissionais de ensino
ganha importância, à medida que, de seu interior, eclodem as ferra-
mentas sociais de manutenção ou de transformação das engrenagens
do mundo do trabalho. Como elemento significativamente importante

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do projeto moderno de sociedade, a instituição universitária assume
papel estratégico na contraposição de alguns elementos do mundo
globalizado. Nessa perspectiva, Morosini e Morosini (2006) defendem
um modelo universitário alomórfico e idiossincrático, focado nos inte-
resses locais. A partir das contribuições de Tardif (2000) e Vaira (2004)
apontam alguns elementos:
A proposição para buscar atender uma universidade com tal esta-
tuto é a fortificação do local, em todos os níveis, acirrando este po-
sicionamento nos espaços de maior poder do professorado: é o
caso da prática profissional pedagógica, [...] o conjunto de saberes
utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho
cotidiano para desempenhar as suas tarefas. (TARDIF, 2000 apud
MOROSINI; MOROSINI, 2006, p. 50)

Assim o cerne da proposta está alocado na pedagogia universitária,


compreendendo-a mais além do processo ensino-aprendizagem
institucional, como um processo que, voltado às relações institu-
cionais, não deixa de considerar a inserção destas no espaço macro
social. (VAIRA, 2004 apud MOROSINI; MOROSINI, 2006, p. 51)

Esse quadro abre perspectivas para intervenções sociais baseadas


em modelos de intervenção e transformação, visto que impõe mu-
danças estruturais profundas na organização social como forma de
reorientar a formação profissional. É nessa perspectiva que os movi-
mentos contra-hegemônicos vêm mostrando a possibilidade de (re)
historicizar os (des)caminhos da humanidade por lentes diferenciadas,
distorcidas do foco limitado das políticas oficiais.
A construção desses espaços e de todas as suas estruturas organi-
zacionais de produção e difusão do conhecimento, numa ótica eman-
cipatória, compõe o que Giroux e McLaren (2000) chamam de contra-
esferas públicas de poder que, imbuídas do espírito reconstrucionista
dos estudos da sociologia do currículo, tomam como ponto de partida
o aspecto político presente nas relações cotidianas. Assim, a escola,
como contraesfera pública de poder, seria motivada por ideais contra-
-hegemônicos, organizados tanto no campo político como teórico, ca-
racterizando-se pela construção de esferas públicas alternativas que

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implicam em um entendimento mais político, mais teórico e mais crí-
tico, não só da natureza da dominação, mas também do tipo de opo-
sição ativa que se deve engendrar.
A universidade, na perspectiva da contraesfera pública de poder,
como gestora da formação profissional, com vistas à intervenção no
mundo do trabalho, extrapola o conceito tradicional de ensino de téc-
nicas e passa a englobar em seu arsenal de possibilidades construtivas
todos os elementos que possam envolver o universo de sentidos da
formação humana, sejam eles de qualquer natureza: cargo adminis-
trativo, docência, discência, eventos acadêmicos, documentos, legisla-
ções, etc. Todos aqui, percebidos como fomentadores, ora intencional-
mente, ora não, do processo de construção de uma possível identidade
profissional do futuro egresso de uma graduação. Assim, o olhar epis-
temológico de Macedo (2006, p. 03) nos autoriza a refletir no sentido
de compreender os
[...] atos de currículo como parâmetros, diretrizes, referenciais, prá-
ticas de implementação de diretrizes, construções/reconstruções
curriculares, normas de certificação etc, (que) se constituem de
forma potente em regulação política, epistemológica, cultural e pe-
dagógica da educação no Brasil nos últimos tempos [...].

Esse universo de considerações ilustra a complexidade e os conflitos


cotidianos que formam o palco de ocorrências no qual as reformas
educacionais, mediadas pelo reordenamento dos marcos legais, como
atos curriculares, compõem uma dimensão mais ampla e complexa
dos mecanismos gestores de um currículo entendido como
[...] lugar de representação simbólica, transgressão, jogo de poder
multicultural, lugar de escolhas, inclusões e exclusões, de uma ló-
gica explícita ou clandestina, expressão da vontade de um sujeito ou
imposição do próprio ato discursivo [...]. (BERTICELLI, 1999, p. 160)

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Educação Física e formação profissional: do
currículo oculto ao currículo marginal
Os programas institucionais de formação de professores em Educação
Física percorrem quase toda a extensão do século passado alinhados
com demandas oficiais, ligados, regra geral, aos ditames da hegemonia
social dos mandatários das políticas de intervenção nacional e, mais
modernamente, ao chamado mercado de trabalho. Soares (1997), em
seus estudos históricos sobre a relação entre a ginástica e a Educação
Física, auxilia nessa compreensão ao alertar sobre a necessidade que
se tomou, nas primeiras décadas do século XX, de se construir uma
imagem do corpo educado e adequado às demandas prementes, visto
que “[...] corpos que se desviam dos padrões de uma normalidade uti-
litária não interessam [...]”. (SOARES, 1997, p. 08)
O que se observa nos primórdios da constituição histórica da área
de Educação Física,21 como em quase todas as áreas do conhecimento
que foram objetos de políticas governamentais nessa etapa do modo
de produção capitalista, é o vínculo estreito que a escola estabeleceu
com o Estado ao assumir papéis relativos à normatização das relações
sociais. Como caracteriza Ferretti (2002), relações marcadas entre o
Estado e a ciência sempre miraram na produção de conhecimentos
que lhe são mutuamente vantajosos, estabelecendo uma relação de
interdependência entre educação e trabalho. No caso da Educação Fí-
sica, em seu surgimento acadêmico, Bercito (1996) afirma que essa
área tinha um vetor dirigido para o coletivo, expresso no nacionalismo
das primeiras décadas de um Brasil que se afirmava como república.
Concebida a nação como um vir-a-ser e a nacionalidade brasileira
como algo a ser edificado, a Educação Física teria, pois, aí o seu
papel. Sua prática estendida ao conjunto da população seria capaz
de, a partir do investimento feito sobre o indivíduo, contribuir para

21 Com a promulgação da Constituição de 1937, a Educação Física passa a ser obrigatória nas escolas
brasileiras. Assim, nasce em 1939, com o Decreto-lei nº 1212, de 17 de abril de 1939, que cria, na
recém-nomeada Universidade do Brasil (UB), a Escola Nacional de Educação Física e Desportos
(ENEFD). Aí reside a primeira experiência em nível nacional de um currículo de formação na área.
(SOUZA NETO, 2002)

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transformar o povo e a sociedade. Procedendo a uma regeneração
física, mas também moral do povo brasileiro, estaria trabalhando
ativamente para construir uma nacionalidade vigorosa. (BERCITO,
1996, p. 51)

Esse vínculo parece estar presente de forma marcante no interior da


organização das disciplinas no currículo de formação dos professores
de Educação Física desse período. Grunenvaldt (1997, p. 136), ao fazer
uma análise da proporcionalidade das disciplinas do curso da Escola
Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD), arremata:
Diante dessa proporcionalidade constatada no currículo e pelo nú-
mero de cadeiras que dependiam da ciência mãe, a biologia, e o nú-
mero de cadeiras que tratavam do conhecimento técnico-despor-
tivo, entendemos que a preocupação da ENEFD era a formação de
um homem biologizado. (GRUNENVALDT, 1997, p. 136)

E para tal tarefa, parece que a competência profissional estava intima-


mente relacionada à capacidade de execução das atividades propostas.
Os professores/as das cadeiras de ginástica rítmica, de Educação
Física geral, de desportos aquáticos, de desportos terrestres indivi-
duais, de desportos terrestres coletivos e de desportos de ataque e
defesa eram admitidos mediante contrato que versava a não pos-
sibilidade de ingresso com idade superior a 35 anos, nem perma-
nência no exercício da função depois dos 40 anos de idade. (PE-
REIRA FILHO, 2005, p. 56)

Foi assim, também, no período posterior ao golpe militar de 1964,


com o modelo curricular22 que configurou legalmente a instrução de um
currículo mínimo para a integralização da formação, motivado pelo sur-
gimento e a pela expansão dos cursos na área, e pela necessidade de se
equalizar o problema da competência do exercício profissional entre os
múltiplos técnicos desportivos e professores de Educação Física.
Focado na objetividade das tradições dos modelos curriculares
tradicionais,

22 Com a edição do parecer 894/69 e da Resolução nº 69, de 06 de novembro de 1969, do Conselho


Federal de Educação (CFE), aprova-se no Brasil o segundo marco legal de currículo para a formação
dos profissionais de Educação Física.

Educação Física: currículo, formação e inclusão 61

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[...] o que se perde aqui é a noção de que o conhecimento não é sim-
plesmente sobre uma realidade externa; ela é, sobretudo auto-co-
nhecimento orientado em direção à compreensão crítica e emanci-
pação [...]. (GIROUX, 1997, p. 46)

Numa dúbia acepção, pode-se inferir, inclusive, que a preocupação


residia tanto na ordenação pedagógica de um tipo de conhecimento
que se tornava aparentemente importante para o modelo social ao
qual o país se adequava, quanto ao perfil físico-biológico daqueles que
colocariam exemplo ao comportamento motor dos escolares.
Gerada de dentro das engrenagens de uma ditadura militar, essa re-
forma assume contornos claros de contenção ao movimento libertário
que incendiava a juventude universitária da época. Na Educação Física,
ocorre uma suspeita divisão entre aqueles que fazem política e aqueles
que praticam esporte. Ao passo que os diretórios acadêmicos foram
desmobilizados, as associações atléticas foram entusiasticamente in-
centivadas. (MELO, 1996)
Assim, essa proposta curricular não estava absolutamente preocu-
pada em fazer qualquer tipo de questionamento mais radical relativo
aos arranjos educacionais existentes, às formas hegemônicas de co-
nhecimento ou, de modo mais geral, à forma social dominante. Para
Pereira Filho (2005), um exemplo marcante desse rearranjo social para
a manutenção do status quo foi a negativa do Conselho Federal de Edu-
cação à proposta apresentada no Parecer 894/69, ao excluir, da for-
mação educacional dos futuros professores de Educação Física, a ma-
téria Sociologia.
No âmbito da formação profissional, esse modelo gerou um pro-
fessor conformado com a paisagem histórica que então se desenhava.
A preocupação do Estado com a formação de quadros perpetuadores
de seus ideais se traduziu numa política educacional de formação da
profissão do docente. Assim, na ordem das reformas educacionais, a
figura do professor, bem como de suas condições de trabalho, tem se
constituído num importante eixo temático. Com a crescente tendência
de profissionalização do ensino, o discurso de preparação do professor
tem ocupado espaço importante nas políticas públicas educacionais.

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Para Nóvoa (1995), essa articulação entre o poder oficial e sua emi-
nente representação em sala de aula acompanha as relações educacio-
nais desde a época em que a Igreja perdeu a tutela da educação para o
Estado. A criação de uma rede nacional de ensino para a educação a su-
bordina à legitimação ideológica do poder estatal numa área-chave do
processo de reprodução social. “Os professores são a voz dos novos
dispositivos de escolarização e, por isso, o Estado não hesitou em criar
as condições para a sua profissionalização [...]”. (NÓVOA, 1995, p. 16)
Nesse ínterim, a natureza política da formação acadêmica assume
uma estrutura ideológica baseada em três sistemas de mensagens: o
sistema de currículo, o sistema de estilos pedagógicos de sala de aula
e o sistema de avaliação:
O que os estudantes aprendem com o conteúdo formalmente san-
cionado do currículo é muito menos importante do que aquilo que
aprendem com as suposições ideológicas embutidas nos três sis-
temas de mensagens da escola [...]. (BERNSTEIN apud GIROUX,
1997, p. 63)

A formação profissional em Educação Física, nesse percurso histó-


rico em que marcos legais determinaram as orientações curriculares,
tem se identificado com o perfil geral da formação profissional em ou-
tras áreas de atuação. Ao incorporar currículos espelhados em política
de governo ou de mercado, ao orientar a formação docente através de
eixos comuns e não de diversidade, ao implicar seus sistemas de ava-
liação da formação aos requisitos imediatos do mercado, atribuiu um
caráter ideológico segundo o qual
[...] normas, valores e crenças não declaradas que são transmitidas
aos estudantes através da estrutura subjacente no significado e no
conteúdo formal das relações sociais da escola e na vida em sala de
aula [...]. (GIROUX; PENNA, 1997, p. 57),

tornaram-se peças-chave para as relações do currículo oficial. Para os


autores, esses mecanismos caracterizaram, na educação, como um
todo, o que cunharam de Currículo Oculto, potencialmente expresso
no campo dos sistemas de avaliação

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[...] quando se reconhece que o que se ensina e avalia em sala de
aula é tanto acadêmico quanto não acadêmico, e inclui neste úl-
timo a adaptação social e qualidades pessoais específicas [...]. (GI-
ROUX; PENNA, 1997, p. 66)

O estudo do currículo oculto torna-se, nessa perspectiva, ferramenta


fundamental para a superação das permanências históricas do currí-
culo tradicional. A despeito do posicionamento gratuito e unidimen-
sional de demonização de sua existência e dos consequentes prejuízos
de sua manifestação, ele deve ser visto como portador das reais possi-
bilidades de análises que venham a fomentar as necessárias mudanças
sociais sugeridas pelas abordagens críticas. Assim, a análise e a supe-
ração das armadilhas impostas pelo currículo oculto toma importante
papel decisório no desenho de novas alternativas para a transformação
educacional. Elementos obscuros pelos mecanismos ocultos do currí-
culo oficial, imperceptíveis aos olhos míopes de uma formação inte-
lectualmente precarizada, revelam-se, numa perspectiva superadora,
como obstáculos a serem vencidos e superados.

Pelas vias do currículo marginal avista-se uma


contraformação profissional na Educação Física

O exame das contradições entre o currículo oculto e o currículo oficial,


bem como o estudo da interseção entre política e teoria pedagógica,
oferece elementos favoráveis à revelação das relações de poder pre-
sentes na sociedade como um todo e refletidas no âmbito da prática
docente. Para Giroux (1997), qualquer currículo destinado a introduzir
mudanças positivas nas salas de aula fracassará se não estiver enrai-
zado em uma compreensão das forças sociopolíticas que influenciem
decisivamente a própria textura das práticas pedagógicas cotidianas
em sala de aula.
Os chamados reconstrucionistas buscaram produzir implicações de
longo alcance nas relações das instituições sociais e políticas mais am-
plas. Nesse contexto, a negação ou minimização dos processos e va-

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lores sociais do currículo oculto é a estratégia principal ao apresentar
avanços educacionais no sentido da reconstrução curricular. Para Gi-
roux (1997), a correspondência entre avaliação e poder e a dinâmica
interpessoal fragmentada e isolada do encontro em sala de aula pre-
cisam ser substituídas por processos e valores sociais democráticos
que levem em consideração a interação recíproca de metas, pedagogia,
conteúdo e estrutura. Segundo Popkewitz (1995, p. 47),
É preciso encarar os atos de ensino como formas de regulação so-
cial, que selecionam os fenômenos, impondo-lhes fronteiras, clas-
sificando-os, distinguindo o essencial do acessório, sem esquecer
que as fronteiras delimitam também o que deve ser omitido [...] Os
sistemas de regras, distinções e categorias dos currículos privile-
giam certos tipos de interpretação do mundo a partir das diferentes
possibilidades.

Os estudos críticos e emancipatórios vêm defendendo, a tempo, o


ambiente escolar como extensão do todo social, refletindo suas rela-
ções culturais, econômicas e de poder. Inspirado no educador Paulo
Freire, Giroux (1997) argumenta que o sistema de crenças que orienta
o comportamento escolar não é visto como um conjunto de coisas, e
sim manifestações concretas de regras específicas e relacionamentos
sociais. De acordo com esse autor, os pilares de tal envolvimento so-
cial são construídos a partir de dois focos de inter-relacionamentos: o
político-ideológico e o cotidiano da sala de aula.
Por um lado o foco é o relacionamento entre as escolas e a socie-
dade dominante [...]. Por outro, o foco é sobre como a própria tex-
tura dos relacionamentos em sala de aula geram diferentes signifi-
cados [...]. (GIROUX, 1997, p. 48)

Na Educação Física brasileira, tais estudos, frutos da efervescência


pela qual passava o Brasil no final dos anos 80, tiveram influência di-
reta dos movimentos sociais organizados em partidos, sindicatos e
movimentos populares na luta pela reconstituição das liberdades rou-
badas pelos anos de exceção da ditadura militar. A isso, agregou-se o
retorno de renomados educadores do exílio, insuflando as produções

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intelectuais do país, que estabeleceram verdadeiras crises23 epistemo-
lógicas em determinadas áreas do conhecimento. O surgimento de li-
vros, ensaios e teorizações críticas nesse período colocaram em xeque
o pensamento e a estrutura educacional tradicional e nessa conjuntura
estava também o currículo, agora afetado por atos não formais, deri-
vados de um exercício contra-hegemônico, orientado para a formação
de contraesferas públicas.24
O discurso teórico, embandeirado por educadores preocupados
com a transformação social, parte do princípio de que as instituições,
da forma como se encontravam naquele momento histórico, estão per-
niciosamente destituídas não só de consciência social, mas também
de sensibilidade social. Esse tipo de comportamento histórico de de-
terminados trabalhadores da educação contribuiu para a ocorrência
de uma contra-hegemonia pedagógica no seio educacional, motivada
principalmente, pela dimensão político-ideológica de seus inter-rela-
cionamentos. Em termos mais concretos, os teóricos, professores e
igualmente estudantes incorporam certas crenças e práticas que in-
fluenciaram fortemente a maneira como percebiam e estruturavam
suas experiências educacionais. Essas crenças e rotinas são de natu-
reza histórica e social e podem ser objeto de autorreflexão.
Com isso, o debate da inovação curricular na Educação Física, pro-
posto por esses teóricos, autoriza um olhar para além do percurso oficial
e prescritivo do currículo, que não tem reconhecido o relacionamento
íntimo entre a formação acadêmica e as instituições políticas e econô-
micas, deixando a formação profissional carente de valores e de uma te-
oria social favorável a uma educação radicalmente comprometida com
a emancipação social. Assim, a escola, como contraesfera pública de

23 A compreensão do termo faz referência ao conceito desenvolvido por Moreira (1999, p. 15) que a
caracteriza por suas “contradições objetivas, decorrentes da perda do poder explicativo do aparato
conceitual e/ou da visão de mundo da teoria, e vivenciadas intersubjetivamente pelos sujeitos con-
cretos e históricos envolvidos”.
24 Os termos contra-hegemonia e contraesfera pública são aqui utilizados no sentido dado por Giroux
e McLaren (2000, p. 132) e dizem respeito à construção de esferas públicas alternativas e implicam
um entendimento mais político, mais teórico e mais crítico, não só da natureza da dominação, mas
também do tipo de oposição ativa que deveria engendrar.

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poder, seria motivada por ideais contra-hegemônicos, organizados tanto
no campo político como teórico. (GIROUX; MCLAREN, 2000)
Essas indagações levantam a perspectiva de se pensar numa reação
ao modelo curricular vigente na Educação Física brasileira, com claras
inspirações ideológicas, na medida em que se inter-relacionam o con-
texto socioeconômico e a realidade da sala de aula, reconhecendo o
notório espelhamento das relações sociais no âmbito escolar, abrindo-
-se possibilidades para se propugnar uma educação com valores ad-
versos aos dos modelos tradicionais, orientada a partir de três grandes
questionamentos fundamentais:
1.  como as regularidades básicas do cotidiano das escolas contri-
buem para que estudantes aprendam essas ideologias?

2.  de que maneira formas específicas de conhecimento curricular re-


fletem essas configurações?

3.  como estas ideologias se refletem na perspectiva fundamental que


os próprios educadores empregam para ordenar, orientar e atri-
buir significado a sua própria atividade? (APPLE apud GIROUX;
PENNA, 1997, p. 56)

E é nessa terceira questão que repousa o terceiro ordenamento legal


da Educação Física brasileira, situado no final dos anos 80 do século
passado, quando se deu seu grito do Ipiranga. A formação profissional,
ao se alinhar com óticas de intervenção emancipatória no mundo do
trabalho, locupletou-se do debate progressista e de suas potenciali-
dades em fortalecer o poder dos professores, bem como em estimular
o exercício da docência como instrumento de fortalecimento para os
enfrentamentos ao poder instituído.
As críticas pioneiras sobre o debate da formação profissional na
área apontavam para um descompromisso geral com os temas efer-
vescentes que tomaram conta da pauta nacional em tempos de reaber-
tura democrática do país, a qual privava os futuros professores de uma
estrutura teórica que lhes permitissem valorizar, compreender e avaliar
os significados que seus alunos construíam socialmente sobre si pró-
prios e sobre a escola, com isso restringindo a possibilidade de lhes

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dar os meios para o autoconhecimento e o fortalecimento do poder.
(GIROUX; MCLAREN, 2000) Para os autores,
A falta de uma estrutura bem articulada para o entendimento das
dimensões de classe, cultura, ideologia e gênero, presentes na prá-
tica pedagógica, favorecem a formação de uma alienada postura
defensiva e de uma couraça pessoal e pedagógica que frequen-
temente se traduz na distância cultural entre nós e eles [...]. (GI-
ROUX; MCLAREN, 2000, p. 133)

A perspectiva de um novo olhar sobre a formação, aditivada do in-


gresso de docentes nas universidades públicas, grávidos do debate de
redemocratização nacional, introduziu uma gama de conhecimentos
da chamada área de formação humanística e abriu novos horizontes
sobre a realidade dicotômica entre teoria e prática, reinante no meio
acadêmico da Educação Física. Para Popkewitz (1995), esse complexo
e profundo problema do debate educacional pode ser analisado como
um conflito entre a esperança que depositamos na aprendizagem e
a vontade de criar, sustentar e renovar as condições do seu mundo.
Nesse mesmo sentido, assim como se admite a ocorrência silenciosa
dos mecanismos ocultos do currículo em favor da correnteza oficial,
pode-se, também, pensar em mecanismos estranhos à lógica formal
e que operam na contramão dos ditames do currículo prescrito, esta-
belecendo lógicas de oposição ao correto funcionamento da máquina.
A tese aqui passa pela ideia, já compartilhada com outros autores
(GIROUX, 1997; GIROUX; MCLAREN, 2000; MOREIRA; SILVA, 2000;
NÓVOA, 1995; POPKEWISTZ, 1995), de que a ampliação da capaci-
dade crítica histórica dos educadores, mobilizados pelas lutas emanci-
patórias das décadas finais do século passado, trouxe à tona a possibili-
dade de identificação dos elementos ocultos do currículo, responsáveis
pela disseminação e manutenção silenciosa da ideologia dominante.
Na Educação Física, uma vez desvelados pela capacidade crítica dos
interlocutores progressistas, tais mecanismos acabaram servindo de
ponto de partida para a construção de um contracurrículo oculto, uma
espécie de resposta autônoma, grávida das insatisfações relativas aos
paradigmas de gestão da educação.

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Orientado por ações de fora para dentro da estrutura e, simultane-
amente, minando as orientações ocultas de um currículo mercanti-
lizado para os imediatismos do mercado, o que chamamos aqui de
currículo marginal pode ser interpretado como uma antítese do cur-
rículo oculto. De forma semelhante a este, aquele funciona nas do-
bras, nas sombras, nos espaços não prescritivos do currículo oficial.
Diz respeito, tanto ao sentido de margem como delimitação, aquilo
que é feito, escrito ou desenhado nela, como a compreensão de algo
fora do discurso oficial, fora-da-lei.
Assim, marginal é tanto aquele indivíduo histórico que construiu
seu fazer pedagógico por fora do curso oficial das correntezas curri-
culares, como aquele que lesa e propositadamente subverte a ordem
legal sugerida pelos documentos oficiais das políticas governamen-
tais. A esse movimento intelectual, ideologicamente rebelde e politica-
mente grávido das grandes lutas por transformação e emancipação so-
cial, que construiu seus mecanismos de atuação sem a autorização do
currículo oficial, que aqui atribuímo-lo uma característica marginal de
contraesfera pública na produção do eixo curricular da formação pro-
fissional em Educação Física.
Na perspectiva dos três sistemas de mensagens defendidos por Gi-
roux (1997), ao invés de se manifestar no campo do sistema de ava-
liação, como o currículo oculto, a defesa aqui é de que a intervenção
marginal dos educadores progressistas tem seu espaço de atuação no
sistema de estilos pedagógicos de sala de aula, tendo em vista a na-
tureza de sua manifestação estar ligada ao exercício pedagógico da
sala de aula.
Em estudo recente, Figueirêdo Primo (2009), ao buscar pistas his-
tóricas do processo de formação acadêmica do professor de Educação
Física, evidencia a existência de elementos, características e nuances
próprias das relações sociopolíticas pelas quais passava o Brasil no
final dos anos 80. O papel desempenhado pelos docentes revela um
registro muito particularizado desse período histórico, de conturbados
programas nacionais de regulamentação e legislação na área, mas que
foram determinantes para os rumos da Educação Física, marcando-a

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com diversas interferências no processo de formação, que, necessaria-
mente, não estiveram previstas na normatização curricular oficial.
Sua atuação, para além dos prognósticos almejados pela prescriti-
vidade do currículo, assenta-se numa lógica de produção do saber no
cotidiano. Busca fugir do receituário hegemônico da formação aligei-
rada para ingresso no chamado mercado de trabalho, em detrimento
de uma percepção crítica de inserção no mundo do trabalho. Ao passo
que nos extratos oficiais toma-se a política de indicadores (SANTOMÉ,
2004) para a avaliação centrada exclusivamente nos conteúdos das
disciplinas, passíveis, portanto, de quantificação do processo educa-
cional, na perspectiva marginal, os estilos pedagógicos desconstroem
esse percurso, na medida em que passam a considerar conteúdos cul-
turais de ordem qualitativa, mediados pelas dimensões sociais, emo-
cionais e morais que atribuem ao aprendizado a capacidade de leitura
e intervenção social crítica.
Duas fatias significativas dos profissionais da área da Educação Fí-
sica polarizaram esse debate. De um lado os que reclamavam com a ên-
fase dada nos cursos de formação ao ensino de conteúdos com carac-
terísticas predominantemente pedagógicas, voltadas para a licenciatura.
Os profissionais inseridos no contexto do mercado exigiam uma pos-
tura diferenciada tanto do ponto de vista didático-pedagógico como no
que tange as habilidades técnicas dos professores formados nessa pers-
pectiva curricular. (SOUZA NETO, 2002, p. 04) Para alguns pesquisa-
dores da temática, essa banda da Educação Física foi responsável pelo
discurso mercadológico da formação profissional:
Os privatistas esmeravam-se em apresentar pesquisas enviesadas
e sem representatividade amostral para argumentar que a atuação
preferencial do professor de educação física não era mais a escola.
[...] A corrente privatista, que já lutava pela transformação da edu-
cação física em “profissão liberal”, adotara a estratégia de fragmen-
tação da profissão, na época travestida de “habilitações”. (FARIA
JUNIOR, 2001, p. 22, grifo do autor)

Nesse cenário de embates conceituais sobre a perspectiva desejada


para os formados da área, o discurso dos chamados grupos progres-
sistas da Educação Física, apesar de também insatisfeitos com os de-

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sígnios do modelo curricular anterior, não se afinava com a estratégia
de saída para a formação profissional pela via exclusiva de adaptação
aos ditames do mercado de trabalho, como queriam os privatistas. A
proposição de extinção do currículo mínimo defendida por esses se-
tores distanciava-se do perfil de especialista habilitado em demandas
de mercado. Ao contrário, propunha a formação de um professor ge-
neralista para atuação em sistemas formais e não formais de ensino,
licenciados a partir de uma perspectiva humanista.
Figueirêdo Primo (2009), ao analisar cinco turmas de egressos do
primeiro curso de licenciatura em Educação Física a funcionar no Brasil
sob o prisma do novo ordenamento legal da área, constatou que a in-
trodução de conhecimentos da chamada área de formação humanís-
tica abriu novos horizontes sobre a realidade dicotômica entre teoria e
prática, reinante no meio acadêmico da Educação Física. No curso da
UFBA, esse fato se refletiu na elaboração de um currículo prescrito que
incorporou em seu texto elementos inovadores, passando a levar em
consideração a formação humana em toda a sua totalidade.
O mesmo estudo anuncia o papel que alguns professores exerceram
na formação política dos ex-alunos. O mais interessante é que grande
parte do ocorrido se deu no universo das disciplinas de natureza téc-
nica, responsável pela garantia dos conteúdos específicos que carac-
terizam o exercício profissional na área. Para o autor (FIGUEIREDO
PRIMO, 2009, p. 176),
[...] ao extrapolar os conteúdos previstos no ementário da disci-
plina, tais docentes romperam com as barreiras que normalizavam
o ensino desses conteúdos e contribuíram para a formação de co-
nhecimentos extracurriculares [...],

ou como estamos preferindo chamar neste trabalho, marginais à lógica


curricular formal. Tais docentes, que foram sinalizados pelos egressos
como tendo sido fundamentais nos traços da formação acadêmica e
do exercício profissional, tiveram uma atuação que extrapolou ao idea-
lismo oficial preconizado pela estrutura curricular do curso, indicando
os sistemas de estilos pedagógicos como algo marcante na formação
acadêmica. (FIGUEIREDO PRIMO, 2009, p. 177)

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Daí a necessidade de que a educação represente, em sua prática efe-
tiva, um decidido investimento na consolidação da força construtiva
dessas mediações. É por isso que, ao lado do investimento na garantia
dos conhecimentos científicos e técnicos, recursos que resgatam a es-
sencial significação do trabalho na sua vida, impõe-se garantir que a
educação seja mediação da percepção das relações situacionais, que
ela possibilite aos educandos entenderem as intricadas redes políticas
da realidade social, pois só a partir daí poderá dar conta do significado
e das condições de exercício das suas atividades de trabalho. Ou como
alerta Figueirêdo Primo (2009), que evidenciou nas falas dos egressos
a patente presença de ações estruturantes do perfil da formação acadê-
mica e da atuação profissional no mundo do trabalho que fugiram às
rédeas do controle da prescritividade do currículo oficial.
Assim, a paisagem histórica desenhada pelas relações acadêmicas
do processo de formação profissional em Educação Física pode ter tido,
nas suas especificidades, o retrato de uma época muito particular do ce-
nário sociopolítico brasileiro. Com certeza, as influências desse período
histórico marcaram os mecanismos de gestão do processo pedagógico
de formação na área, deixando marcas incontestes no modo como os
sujeitos resolveram imprimir seu perfil político-ideológico na formação
profissional de quem iria assumir seu posto no mundo do trabalho.

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3

Currículo, Educação Física


e pessoas com deficiência
uma relação possível

Christiane Freitas Luna

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O currículo e a educação inclusiva
Estar em uma classe com meninos em situação de risco social, idosos,
ou pessoas com deficiências sensório-motoras poderia causar ao pro-
fessor uma profunda confusão. Como saídas, poderíamos ter o pro-
fessor que, por ignorância e falta de consciência social, pode simples-
mente desconsiderar o diferente e manter o planejamento de suas
aulas para sua turma “normal” ou, tendo o mínimo de comprometi-
mento, ficar fazendo experiências com diferentes metodologias, ten-
tando achar um caminho viável.
Essa falta de habilidade para trabalhar com alunos fora do padrão
pode ser consequência de uma formação inadequada. Os currículos
de formação como espaço para o desenvolvimento da intelectualidade,
centro de discussões sobre o mundo, nos quais haveria desenvolvi-
mento de pesquisas, deveriam estar abertos ao universo de possibili-
dades. Discutir a diversidade não apenas no campo teórico, mas per-
ceber as diferenças e apontar caminhos e possibilidades de enfrentá-las
no mundo concreto, sobretudo nas classes escolares nas quais essa di-
versidade é patente.
As pessoas com deficiência poderiam ter uma educação mais signi-
ficativa e de qualidade se a formação desses professores cunhassem
currículos que estivessem realmente imbricados em uma formação
para a diversidade, nos quais as diversas necessidades especiais

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fossem discutidas e refletidas a partir da dura complexidade do es-
paço escolar da atualidade.
As licenciaturas têm negligenciado a formação para atender a uma
educação inclusiva nos cursos de licenciatura em Educação Física. Isto
se torna ainda mais drástico à medida que o caráter militarista, biologi-
zante, desportivo, de preparação para o adestramento do corpo e aptidão
física foi o tom dado à formação dessa área até muito recentemente.

O currículo multicultural: escola e formação


de professores na busca de uma
educação inclusiva
A teoria pós-crítica traz como um dos seus pontos básicos o multi-
culturalismo, a questão da diferença, destacando a diversidade das
formas culturais do mundo contemporâneo. O multiculturalismo, “[...]
forjado em meio às diversas lutas e dores dos que sofreram e desa-
fiaram as múltiplas formas de opressão [...]” (DUSSEL, 2001, p. 65)
reivindica, dos grupos entendidos como minorias, uma maior visibi-
lidade e uma atenção maior às suas peculiaridades. Pede-se a legiti-
mação de um conhecimento que é construído à margem do que é es-
tabelecido como o verdadeiro, o real, o científico.
Os engajados no multiculturalismo querem que sejam vistas as dife-
renças sem escamoteá-las, respeitando-as como construções tão reais,
tão “verdadeiras e científicas” quanto os valorizados padrões hegemô-
nicos de cultura.
Com o fortalecimento das democracias (mesmo sem a ingenuidade
de crer que elas se estabelecem em sua plenitude) e com as decepções
com projetos mais coletivos de mudanças sociais, as reivindicações
passam a ser feitas por grupamentos específicos. Percebe-se uma ten-
tativa de construir espaços específicos de lutas e de reconhecimentos,
em que as identidades estão mais visíveis, mais próximas.

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Os pós-críticos estão interessados mais em reforçar as diferenças
conjugando a ideia de que marcar territórios é uma forma de disse-
minar culturas diferentes e pela visibilidade encontrar um maior enten-
dimento e aceitação. Entendem que o currículo deve estar aberto para
inserir, enquanto conhecimento oficial, as construções culturais, so-
ciais e científicas geradas pelas minorias. Acreditam que a legitimação
deve se dar pela via oficial, convivendo com outros conhecimentos em
relações equiparadas de respeito.
Ao ampliar as concepções e os usos do currículo, pode-se perceber
a cultura se relacionar com a escola, ao mesmo tempo reproduzindo,
mas também produzindo a construção das dimensões sociais. Por-
tanto, o rompimento com as sacralizadas estruturas ascéticas de cur-
rículo vem se estabelecendo de forma gradual (às vezes, até desvir-
tuada), incentivada por grupos, que pretendem reproduzir na escola as
grandes discussões travadas na sociedade.
Vêm se somando entendimentos, apesar de não estarem ampla-
mente acatados, sobre o papel da escola na construção e legitimação
de culturas silenciadas e marginalizadas. Tenta-se libertar da rigidez de
programas e disciplinas para atender aos conhecimentos, que foram
pelos anos afora introspectados como: os legítimos, com a justificativa
de serem científicos. A tentativa é formar professores, que ultrapassem
a racionalidade cognitiva e instrumental, atingindo uma capacidade de
traduzir em práxis as densas relações as quais podem ser desveladas
no aspecto das relações humanas.
O currículo de formação do educador faz parte de uma construção
cultural. Portanto, se nossas identidades são construídas cultural-
mente, formar para a diversidade é um papel a que a escola precisa
estar atenta, assumindo isso como uma de suas funções:
[...] cada momento de nossa vida social contemporânea é cada vez
mais – e permanentemente – mediado pela cultura; nesse processo,
torna-se bem palpável a idéia de que é impossível reparar o “real”, o
“material”, o “concreto”, o “vivido” de todas as significações confe-
ridas às práticas, sentimentos identificações aí em questão. [...] Um
exame mais cuidadoso pode mostrar que, no centro das lutas pelo
poder, cada vez mais estão em jogo lutas simbólicas, lutas pela
hegemonia dos sentidos, lutas pela visibilidade de imagens, asso-

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ciadas a determinados grupos, a determinadas causas, a determi-
nadas ações políticas, e assim por diante. Ora se a cultura está no
centro, não haveria como discordar de que a construção de identi-
dades sociais e individuais já não pode ser vista, em nosso tempo,
como uma questão pertinente prioritariamente ao campo psicoló-
gico. (FICHER, 2000, p. 21)

A formação do educador carrega essas dificuldades em se adaptar


às novas formas de aceitar as diversas culturas e ampliar as formas de
conceber o conhecimento. Isso acontece nos diversos cursos, na Edu-
cação Física não é diferente. Neira e Nunes (2009, p. 223), por exemplo,
apontam um aspecto colonizado dos currículos de Educação Física:
Uma análise na teoria pós-colonial tornará visível a grande parcela
de conteúdos originários de contextos distanciados da realidade
educacional brasileira que compõe as disciplinas dos cursos de li-
cenciatura. Enquanto uma pequena carga didática é destinada às
disciplinas de formação pedagógica, um verdadeiro latifúndio é re-
servado às disciplinas biológicas e desportivas, [...] Claro está que
os professores assim formados tenderão a naturalizar e reproduzir
os mesmos valores no currículo escolar.

Na realidade moderna, em que o direito à diferença é a todo o tempo


reivindicado, em que o currículo é cotidianamente construído dentro
dos muros escolares, por todos os seus atores, e consumidos diaria-
mente com informações fragmentadas, o currículo oficial e os educa-
dores precisam redefinir um papel menos tímido e mais determinado
na luta pela fixação de determinados sentidos na articulação entre os
saberes e seus contextos sociais:
As mudanças profundas no que se refere às questões éticas e mo-
rais, por exemplo, colocam a escola – em comparação à mídia e ao
mundo maior do espetáculo – numa situação de desconforto, de
perplexidade e, ao mesmo tempo, de desafio: se, de um lado, os jo-
vens apreendem que já não valem as tradicionais regras de relações
entre aluno e professores, entre pais e filhos e se, de outro, parece
que o lugar da liberdade confunde-se com uma marca de cigarro,
de carro ou de tênis, abre-se aí um espaço absolutamente dinâmico
de produção de novos sentidos e, ao mesmo tempo, de redefinição
da escola [...]. (FICHER, 2000, p. 30)

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Planejar um currículo diante da perspectiva cultural pode tornar-
-se um trabalho muito complexo. Entende-se o currículo como um es-
boço ordenado do que se deveria transmitir-aprender, ou ainda como
um conjunto de objetivos para serem alcançados, ou ainda como
uma complexa trama de experiências que o aluno obtém, incluídos os
efeitos do currículo oculto. É preciso observar todas as condições do
ambiente de aprendizagem:
Quanto mais complexa for a concepção de currículo da qual se
parta, muito mais será também a atividade de planejá-lo e diferente
será a segurança na previsão da prática que se possa pretender.
(SACRISTÁN; GOMES, 1998, p. 56)

É quase impossível para um futuro professor acostumado a expe-


rimentar a educação sob esse modelo, pautado na racionalidade , as-
similar um currículo que não dê fórmulas, mas sim possibilidades,
que exija tomar decisões e realizar julgamentos práticos em situa-
ções concretas e abstrair teorias complexas para a tomada de postura
diante de um fato, ser um agente político integrado com as questões
sociais latentes.
A responsabilidade do currículo de formação do educador se torna
um trabalho muito difícil, no qual, primeiro, aparece a desconstrução
de modelos, que já estão quase que cristalizados na memória do
aluno-professor; depois, a exposição de como a cultura penetra na es-
cola e não pode ser deliberadamente isolada dos conflitos sociais e do
papel do educador na transformação dessa realidade, e ainda saber ar-
ticular essas questões mais amplas com os conteúdos específicos de
sua formação:
Em vez de aprenderem a refletir sobre os princípios que estruturam
a vida e prática em sala de aula, os futuros professores muitas vezes
perdem de vista a necessidade de educar os alunos para que eles
examinem a natureza subjacente dos problemas escolares. Além
disso, estes programas precisam substituir a linguagem da admi-
nistração e eficiência por uma análise crítica das condições menos
obviáveis que estruturam as práticas ideológicas e materiais de en-
sino. (GIROUX, 1997, p.159)

Educação Física: currículo, formação e inclusão 83

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A preocupação é pragmática, a universidade tem o papel de ensinar
a melhor forma de conduzir um conteúdo. O importante a aprender
é: como funciona e se o conteúdo específico foi bem aprendido; se o
aluno-professor se deixa contaminar pelas questões instrumentais e
abre mão da autonomia, na construção e desenvolvimento de um pla-
nejamento curricular, dando vez à proliferação de pacotes curriculares
que Giroux (1997) chama de “à prova de professor”.
O currículo, com todos os seus procedimentos, deve ser articulado
para favorecer o professor como intelectual transformador:
Encarar os professores como intelectuais também fornece uma vi-
gorosa crítica teórica das ideologias tecnocráticas e instrumentais
subjacentes à teoria educacional que separa a conceitualização,
planejamento e organização curricular dos processos de imple-
mentação e execução; é importante enfatizar que os professores
devem assumir responsabilidade ativa pelo levantamento de ques-
tões sérias acerca do que ensinam, como devem ensinar, e quais
são as metas mais amplas pelas quais estão lutando. [...] Num
sentido mais amplo, os professores como intelectuais devem ser
vistos em termos dos interesses políticos e ideológicos que estru-
turam a natureza do discurso, relações sociais em sala de aula e
valores que eles legitimam em sua atividade de ensino. (GIROUX,
1997, p. 161,162)

O currículo que está atento para as questões éticas e políticas torna-se


um currículo aberto que se esforça para ser reflexivo na sua construção.
Para dar conta dessa complexidade, ele deve estar sempre em devir:
É nesta interface, ciência em devir e currículo, que poderíamos
conceber o currículo em devir; sempre disponibilizado a acolher
o seu caráter desestruturante-estruturante, na organização e im-
plementação dos saberes em articulação, onde o homem em edu-
cação continuada seria sempre a principal inquietação. Um currí-
culo aberto, ético-politicamente afetado pelo acontecimento, é um
currículo que politiza, na medida em que acolhe, reflexivamente,
os movimentos contraditórios do real; vive a dialogicidade e a dia-
leticidade da realidade, portanto; enquanto opção ético-política,
disponibiliza-se para desconstruir as reificações sociais e as se-
parações epistemológicas que ainda servem de suporte para as

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construções curriculares, enquanto um dos artefatos na prática,
pouco refletido, mas poderoso na constituição de excludências.
(MACEDO, 2002, p. 61-62)

Essa perspectiva do currículo como algo inacabado e como po-


tencializador de fomentação ético-política faz parte da complexa,
mas urgente, visão de educação, em que qualificação e humanização
fazem parte de saberes que não podem ser negligenciados em um
currículo de formação de professores, descristalizando práticas cur-
riculares e pedagógicas.
A exposição a muitos modelos culturais, que estão, não apenas pro-
curando se adaptar ao modelo vigente, mas impondo a sua diferença
diante do hegemônico, criou a necessidade de produzir uma possibi-
lidade de coexistência, inclusive nas universidades e escolas, que pas-
saram a ter um papel regulador das relações intergrupais. Diante das
dificuldades de se negociar esse conflito pelo bom senso, a instituição
educacional passa a ser uma mediadora dessa negociação. É impor-
tante deixar claro que tal esquema não ocorre de forma ordenada,
abrangente, tampouco destituída de tensão.
Outro ponto fundamental é não considerar a escola como o único
setor responsável pelas mudanças de caráter cultural da sociedade e da
educação. A escola não pode ser vista como único instrumento legítimo
de confronto com modelos hegemônicos e único local onde se forja a
marginalização dos diferentes. E também não existe um modelo único
para fazer frente às imposições de um currículo oficial (e/ou oculto).
No âmbito formal, um caminho para trabalhar com o conhecimento
tendo um referencial que vai além dos documentos nacionais de currí-
culo é estabelecer um projeto político-pedagógico, uma forma de cada
instituição traçar seu caminho:
O projeto político-pedagógico é o plano global da instituição. Pode
ser entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um pro-
cesso de planejamento participativo, que se aperfeiçoa e se obje-
tiva na caminhada que define claramente o tipo de ação educativa
que se quer realizar, a partir de um posicionamento quanto à sua
intencionalidade e de uma leitura a partir da realidade. Trata-se de

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um importante caminho para a construção da identidade da ins-
tituição. É um instrumento teórico-metodológico para a transfor-
mação da realidade. (VASCONCELLOS, 2002, p. 18)

O projeto torna-se um instrumento para consolidar a autonomia da


escola, por meio do qual os participantes possam se sentir responsá-
veis pelo que acontece na instituição, tendo a finalidade de: resgatar a
intencionalidade da ação, possibilitando a significação do trabalho; e
ser um instrumento de transformação da realidade; dar um referencial
de conjunto; ajudar a construir a unidade, superando a fragmentação;
proporcionar a racionalização dos esforços e recursos; ser um canal
de participação efetiva; aumentar o grau de realização no trabalho; for-
talecer o grupo e colaborar para a formação dos participantes. (VAS-
CONCELLOS, 2002)
Ao se ter pensado em um projeto mais amplo, fica mais fácil cons-
truir, com base nas estruturas do projeto político-pedagógico, ações
que venham a ser próximas da realidade da instituição, atendendo
às suas necessidades de cunho pedagógico, em que uma das estra-
tégias é trabalhar por projetos. Precisam ser considerados projetos
que tendem a romper com as posturas homogeneizantes e que es-
tejam interessados na construção de uma realidade subjetiva diferen-
ciada, sem a redução de uma lógica binária, branco-preto, homem-mu-
lher, normal-deficiente: projetos pedagógicos que considerem a cultura
digna de atenção, que se distanciem de tentativas eurocêntricas de vi-
sitar e praticar o conhecimento e tentem romper com noções de co-
nhecimentos e práticas pedagógicas que se dedicam apenas a forma-
lizar as culturas elitistas.
Para tanto, algumas perspectivas apresentadas por Fernando Her-
nández (1998), como um desafio para repensar a Escola concebida
como geradora de cultura e não apenas como local de aprendizagens
de conteúdos, tornam-se desafios para um projeto pedagógico.
Um projeto que permita o trânsito da diversidade cultural e que tente
manter um diálogo entres as culturas deve estar presente não apenas
nas propostas da concepção, em mais um documento folheado, mas
ser percebido em todas as instâncias que dimensionam tanto o currí-

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culo como os programas, a seleção de conteúdo, etc. Mudar perspec-
tivas para conceber o conhecimento é fundamental, pois os padrões
colidem com as culturas marginais.
O currículo tem se mostrado como um evidenciador de uma mo-
nocultura, intransigente e impermeável em relação à diversidade. Fa-
zendo com que a comunidade escolar acredite que só existe uma forma
de se “formar”, apreendendo o que está escrito no livro didático. O que
se defende é a transparência e a autenticidade cultural via currículo,
orientado por um projeto pedagógico em sintonia com os princípios
de atenção à diversidade.
Os projetos também devem estar atentos para não fazerem apenas
uma supervalorização do conhecimento politicamente correto e se-
cundarizar questões de ordem metodológicas, de organização estru-
tural, avaliação, entre outros tantos fatores que interferem diretamente
em um currículo em ação. Portanto, linguagem e poder podem estar
sem conexão, o que mina os projetos que se pretendem sensíveis ao
multiculturalismo.
Os professores, como tradutores do projeto, devem estar prepa-
rados para saber lidar com questões como democracia e justiça so-
cial, pontos que devem ser trabalhados na graduação. Esse currículo
formador deve auxiliá-los a perceber como diferentes vozes podem ser
construídas em meio a relações pedagógicas específicas.
Priorizar os espaços das práticas reais em vez de modelos prescri-
tivos é uma forma de estabelecer bases mais concretas na promoção
de didáticas que não ignorem as diferenças, ponto latente, já que tra-
balhar com um aluno padrão economiza esforços. É mais fácil ignorar
as necessidades especiais, tornando a homogeneização uma prática
comum. A formação do profissional tem negligenciado neste ponto, in-
clusive, um grupo em especial, o das pessoas com deficiência.
Além das diferenças trabalhadas pela literatura como etnia, gênero e
língua, existe a dos deficientes, que tem sido pouco evidenciada em Es-
tudos Culturais, apesar de isso ser pertinente a tal campo, pois o uni-
verso do deficiente é tão cheio de conflitos, estereotipagens, que o de-
ficiente acaba por construir sua própria cultura, sendo que no caso do

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deficiente auditivo, há até uma língua diferenciada (Linguagem Brasi-
leira de Sinais – LIBRAS).
Uma abordagem multicultural pela qual se propõe superar as pro-
postas que limitem a apelar para o respeito, tolerância e convivência
pacífica, sendo crítica, deve enfatizar os processos institucionais que
gerem o currículo como uma peça do sistema cultural. Já que:
[...] parece necessário que o trabalho curricular procure articular
a pluralidade cultural mais ampla da sociedade à pluralidade de
identidades presentes no concreto da sala de aula onde desenvolve
o processo de aprendizagem. O propósito é evitar que, em nome
de uma valorização da pluralidade presente na sociedade, se re-
duza a educação multicultural a um elenco de tópicos versando
sobre características étnicas e culturais da população.[...] Pesquisar
os universos culturais dos estudantes passa, então, a ser tarefa in-
dispensável nessa abordagem, a fim de que intenções multicultu-
rais críticas não redundem em práticas pedagógicas distanciadas
das vivências e das culturas de alunos e de futuros professores.
(CANEN; MOREIRA, 2001, p. 31-32)

A formação pode ajudar a fomentar práticas que assegurem uma


concretização do currículo preocupado com essa minoria. Alguns
pontos delineados a seguir são importantes como orientações na for-
mação – formar o professor para ser um organizador da interação
dos alunos com o objeto do conhecimento e saber educar para que as
atividades sejam significativas e estimulem o potencial, inclusive de
forma cooperativa:
O perfil do docente desejável é o do profissional capaz de analisar o
contexto em que se desenvolve sua atividade e de planejá-la; de dar
respostas a uma sociedade em mudança; e de combinar um ensino
para todos, na etapa da educação obrigatória, com as diferenças in-
dividuais de modo que sejam superadas as desigualdades, mas, ao
mesmo tempo, que seja estimulada a diversidade latente nos su-
jeitos. (GONZÁLEZ, 2002, p. 244)

Responder à diversidade das necessidades especiais não é tarefa


fácil, contudo a universidade, no seu compromisso de formar para o
diverso, deve tratar de conhecimentos sobre o planejamento e ações
específicas para responder às necessidades como: criação de ambiente

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de aprendizagens efetiva; garantia da motivação e da concentração dos
alunos; promoção de igualdade de oportunidades por meio das abor-
dagens de ensino; e uso de abordagens de avaliação apropriadas e es-
tabelecimento de metas de aprendizagem. (MITTER, 2003)
Muitos dos processos de ensino ao deficiente vão além de ter deco-
rado todo o discurso sobre a concepção multiculturalista de currículo, de
estar treinado para planejar atividades inclusivas, saber selecionar con-
teúdos, trazer estratégias de ensino para uma turma inclusiva ou pro-
porcionar a avaliação adequada. Saber operar essa complexidade com
sensibilidade e compromisso político é importante para ter sucesso.
Ter sensibilidade é fundamental para ter habilidade de saber flexibi-
lizar, de ver os alunos em sua amplitude, com necessidades, anseios
e desigualdades. Tal modo de pensar o currículo em suas amplas di-
mensões, epistemológicas, pedagógicas e políticas, fica deslocado da
estrutura que hoje ainda vive as universidades e as escolas. A escola
de hoje está muito arraigada a modelos tradicionais de pensar e gerir
o conhecimento. A escola, como está instituída, por mais que queira,
jamais vai dar conta de enfrentar toda a diversidade dentro de seu uni-
verso com um único instrumental teórico pedagógico e curricular. A
sociedade tem que instrumentalizar e legitimar essas e outras expres-
sões que estão fora da prática pedagógica escolar, sob a pena de ver
todo um projeto de diversidade fracassar.

Identidade e diferença, uma conexão


com o currículo
Qual é a identidade do deficiente? Essa pergunta não pode ser respon-
dida de forma simples. É notório que, quando a deficiência nos salta
aos olhos, como uma deformação física, o que o outro vê é um “alei-
jado”, uma pessoa diferente, é um deficiente. Mas ao defrontarmos
esse deficiente físico com um surdo, podemos notar que esses são
diferentes, suas necessidades não são as mesmas. Como configurar

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esses fatos para entender a colocação do deficiente físico e o auditivo
em uma mesma categoria? O que os identifica?
Nesse primeiro momento, podemos constatar que diversas identi-
dades emergem diversas diferenças e que a compreensão do ser dife-
rente chega através de uma construção lógica em que o irregular é ex-
cluído. É preciso estar atento, pois, a identidade é relacional, o outro é
necessário para que se possa construir sua identidade.
Apesar de sabermos que o que predomina é a irregularidade, existe
algo que identifica os deficientes, o sentimento de estarem fora do pa-
drão e que, portanto, é vedada a sua participação plena nas constru-
ções sociais. O que emerge é a condição de excluído. Este tema (in-
clusão/exclusão) nos leva à origem dessa noção de pertencimento, o
que nos faz analisar a relação destas palavras com os conceitos de
identidade e diferença:
A identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações
sobre quem pertence e sobre quem não pertence e sobre quem
está incluído e quem está excluído. Afirmar a identidade significa
demarcar fronteira, significa fazer distinções entre o que fica dentro
e o que fica fora. A identidade está sempre ligada a uma forte sepa-
ração entre “nós” e “eles”. Essa demarcação de fronteiras, essa se-
paração e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e rea-
firmam relações de poder. (SILVA, 2003b, p. 82)

Pertencer a um grupo e se identificar com ele não é em si um pro-


blema, pelo contrário, a identificação traz traços positivos. O que real-
mente dificulta a relação entre identidade e diferença são as relações
de poder que as permeiam. A hierarquização é um dos pontos que de-
sintegram a conduta desejável de se sentir pertencente a um grupo. Ao
colocar o diferente como o oposto ou inferior indesejável, maculam-se
as possibilidades de convivência aceitável, visto que harmonioso seria
um termo pouco aplicável, pois tal palavra pode trazer a negação de
um conflito real, que sempre existiria por conta das tensões inerentes
a toda relação de poder. Ou, por outro lado, a harmonia poderia dar
uma ideia falsa, já que, por trás de uma relação supostamente harmo-
niosa, podem-se esconder traços de submissão e opressão, em que

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são essas as condições que podem mascarar os conflitos gerados pela
diferença, ou seja,
A identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com re-
lações de poder de definir a identidade e de marcar a diferença não
podem ser separadas das relações mais amplas de poder. A iden-
tidade e a diferença não são nunca inocentes. Podemos dizer que
onde existe diferenciação – ou seja, identidade e diferença – aí está
presente o poder. A diferença é o processo central pelo qual a iden-
tidade e a diferença são produzidas. (SILVA, 2003b, p. 81)

Para complementar, é preciso entender também que a identidade e


a diferença não são algo fixo, já que “são elementos passivos da cul-
tura”, com mudanças feitas a partir de atribuições de sentido, constru-
ídos pelo mundo social em constante processo:
Primeiramente, a identidade não é uma essência; não é um dado
ou um fato – seja da natureza, seja da cultura. A identidade não
é fixa, estável, coerente, unificada, permanente. A identidade tam-
pouco é homogênea, definitiva, acabada, idêntica, transcendental.
Por outro lado, podemos dizer que a identidade é uma construção,
um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato perfor-
mativo. A identidade é instável, contraditória, fragmentada, incon-
sistente, inacabada. (SILVA, 2003b, p. 97)

Além das duas categorias inicialmente apresentadas (identidade/di-


ferença - poder, identidade/diferença - transitoriedade), há uma ter-
ceira, que também tem uma relação estreita com o entendimento da
identidade e da diferença. Um dos pontos em que podemos perceber a
identidade é vislumbrá-la como algo que está ligado a estruturas da lin-
guagem discursiva e narrativa. As circunstâncias culturais, históricas e
institucionais constroem significados, que passam a se envolver e en-
volver os outros nos discursos. Podemos dizer que existem discursos
e narrativas de igualdade. A identidade e a diferença são resultados de
criação linguística, do sentido e da posição que damos/assumimos
diante desse outro:
Dizer, por sua vez, que identidade e diferença são o resultado de
atos de criação lingüística significa dizer que elas são criadas por
meio de atos de linguagem. Isto parece uma obviedade. Mas, como

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tendemos a tomá-las como dadas, com “fatos da vida”, com fre-
qüência, esquecemos que a identidade e a diferença têm que ser
nomeadas. (SILVA, 2003b, p. 76)

O discurso, sendo um processo de construção social, é negociado


pelos participantes, não é algo que já vem estabelecido. A mediação
dos discursos depende das relações estabelecidas fora do “eu”, condi-
cionadas às questões sociais e históricas:
É, portanto, a presença do outro com o qual estamos engajados no
discurso (tanto no modo oral quanto no modo escrito) que, em úl-
tima análise, molda o que dizemos, e, portanto como nos perce-
bemos à luz do que o outro significa para nós. [...] O que somos.
Nossas identidades sociais, portanto, são construídas por meio de
nossas práticas discursivas com o outro. (LOPES, 2002, p. 32)

Percebendo as relações que estão intrinsecamente ligadas às ques-


tões de identidade e diferença, em que estas são definidas, a subjeti-
vidade, com seu caráter não fixo, faz-nos imaginar a força com que os
sistemas simbólicos levam avante as divisões e desigualdades sociais.
Portanto, ao questionarmos as contorções sociais, como elas são or-
ganizadas, quem as influencia, as relações de poder subjacentes, me-
diadas pelos discursos, questiona-se também a identidade. As identi-
dades passam a ser contestadas:
O ponto importante que desejo enfatizar aqui é que nossas iden-
tidades envolvem articulações pré-discursivas (material e discur-
sivas) semióticas e estão sempre relacionadas às práticas sociais
materiais de uma formação social mais ampla. Identidades são
conseqüentemente vistas pelos/as criticalistas como uma forma
de trabalho produtivo no qual elas são criadas, contextualizadas,
recontextualizadas a partir de co-padrões intertextuais específicos
de relações de significados dos seus uso. (MCLAREN, 1997, p. 46)

As identidades são construídas dentro de contextos, discursiva-


mente extraídas de formas de relacionalidade. A construção da iden-
tidade é uma construção social; as questões que vão identificar o
indivíduo no futuro são introjectadas desde a infância e, progressiva-
mente, interiorizadas e reguladas pelos discursos e ações dos outros.

92 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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Porém essa etapa é aumentada cada vez que o indivíduo amplia seus
horizontes no mundo social, tornando a formação da identidade mais
complexa, problemática e até contraditória.
Sem a intenção de uma abordagem mais completa do tema, não se
pode deixar de perceber que a identidade é um produto de um sistema
representacional. Há um argumento que defende que as representa-
ções precedem as identidades:
Nos seus termos, o caso limite é aquele em que as condições para
a aceitação de uma nova representação acarretam a dissolução de
uma identidade existente – o que significa mudança para o indi-
víduo ou abandono, dissidência, cisma ou reorganização para o
grupo. A identidade então, não é uma coisa, como uma atitude ou
crença determinadas, mas a força ou poder que liga uma pessoa
ou grupo a uma atitude ou crença; numa palavra, a uma represen-
tação. A identidade é uma luta pelo reconhecimento, e a alteridade
é construída no decorrer desta luta. A identidade, então, é, antes de
mais nada, separação e diferenciação do outro, portanto, a íntima
relação entre o eu e a identidade, ambos são construções da dife-
rença. (DUVEEN, 2002, p. 98-99)

Isso diante de todo esse aparato relacional, em que os discursos e


as suas representações podem gerar uma afirmação de identidade, ou
como dito, criar a dissolução de uma identidade existente.
Não basta estar atento para a diversidade, deve-se perceber que
existe uma dificuldade para sua expressão. É preciso permitir que ela
seja entendida e respeitada como uma outra, que não é superior ou su-
balterna, e que necessita de uma experiência de análise dos fatores de
opressão e as estratégias de ressignificação das diversidades culturais
no quadro plural que estas apontam:
A afirmação da diversidade cultural, anulada pelo discurso dos ven-
cedores, é contra-hegemônica. É um desmonte crítico das verdades
estabelecidas, uma multiplicidade arrasadora que retraça o mapa
da geografia identitária de uma sociedade e de uma nação cons-
truída sobre representações congeladas de si mesma. As novas
identidades, não reconhecidas pelo processo da opressão e da desi-
gualdade, quebram o espelho narcísico e impõem à cultura respeito
ao diverso. O igualitarismo de hoje não é o igualitarismo de ontem,

Educação Física: currículo, formação e inclusão 93

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pensado por Rousseau ou por Babeuf, como homogeneização e ni-
velamento das necessidades [...] o igualitarismo de hoje passa pela
política do reconhecimento das diversidades culturais que sempre
existiram, mas longe da atenção pública. (CARONE, 1998, p. 181)

As questões de identidade, como já foram discutidas, estão intrin-


secamente ligadas a relações sociais, que são percebidas no dia a dia
e que se propagaram entre o povo. E como tema que tem sido muito
debatido nas instituições, uma delas já percebeu, melhor dizendo, foi
obrigada a perceber, que é preciso estar atenta para acompanhar o trem
da história: a escola. Por muito tempo, em nome da igualdade, a es-
cola encorajava os alunos e os professores a ignorarem as diferenças.
Tudo isso referendado por um currículo nacional que era “igual” para
todos. Contudo, sabe-se, hoje, que esse ocultamento da diferença não
é um objetivo realista, nem desejável, pois ele transmite aos alunos
a mensagem que as diferenças são algo que não pode ou não deve
ser comentado. Um objetivo coerente é explorar honestamente as dife-
renças e entender que a “identidade” curricular não é fixa, nem estável.
A política educacional nacional faz referências às questões da dife-
rença na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) e elas
são mais objetivamente tratadas nos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (PCNs). Essas políticas também se referem de forma concreta ao
trato das diferenças na escola. Nos seus documentos, os PCNs sus-
tentam teoricamente conceitos como: pluralidade cultural, transversa-
lidade, ética, cidadania e autonomia. Outro ponto é a abordagem que
o currículo faz das diferenças subjetivas de seus partícipes. Um dos
temas tratados nos documentos é a pluralidade cultural, fazendo refe-
rência a questões das desigualdades sociais e ações excludentes refor-
çadas pela escola:
Entretanto, a concepção de pluralidade está fundamentada numa
visão hegemônica e não dialética entre a diversidade cultural (o par-
ticular) e as características comuns (universais). Concebem através
de uma abordagem de cunho essencialista o ser humano numa di-
mensão universal, e a humanidade como manifestação de formas
concretas e diversas do ser humano. A diversidade é vista então
como constitutiva da natureza humana e como fator de determi-
nação da identidade nacional. (OLIVEIRA, 2004, p. 46)

94 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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Essa visão acaba por reforçar a ideia de que existe um “normal” e
que ele aceita os outros de forma consensual, e postula um argumento
de que “a normalidade hospeda o diverso”. Apesar desses pontos obs-
curos, o texto dos PCNs tenta argumentar que a educação é um meio
importante para que se estabeleça uma mudança de postura em re-
lação ao diferente.
Esse “deslize” na proposta oficial do trato com a pluralidade cultural
acaba por manter os alunos em lados opostos em relação à normali-
dade e a diferença, ou entre o “diamante” e o “latão”:
O/a aluno/a “diamante” tem privilégios, sendo valorizado/a como
pessoa e estimulada a sua auto-estima. Já o/a aluno/a “latão” é
negado/a como pessoa, negado/a em suas potencialidades hu-
manas e sendo estimulada a sua baixa auto-estima. Representação
social de superioridade de uns e inferioridade de outros materia-
lizada na prática pedagógica meritocrática, competitiva e antidia-
lógica. Assim o/a aluno/a “diamante” competente constitui-se no
referencial identitário do processo escolar, o “ser” e o/a aluno/a
“latão”, o “não-ser”, o/a negado/a, já que “não serve para nada”,
visto/a como inútil para a escola e para a sociedade. (OLIVEIRA,
2004, p. 142)

Entender melhor a questão da identidade e diferença é preciso para


perceber o alcance que pode ter suas representações. Representações
essas que se ligam aos sistemas de poder. Portanto, existe uma crítica
da identidade e da diferença e as suas formas de representação. “Não
é difícil perceber as implicações pedagógicas e curriculares dessas co-
nexões entre identidade e representação [...]”. (SILVA, 2003b, p. 91-92)
A escola, com seus instrumentos curriculares e pedagógicos, pode ser
capaz de desenvolver um posicionamento crítico em relação às repre-
sentações da identidade e diferença.25
Para tanto, a necessidade de se perceber as questões políticas da di-
ferença e sua tradução no currículo são fundantes. O currículo pautado
no entendimento plural sem se fixar na hegemonia de um modelo é

25 A questão da representação implica em dizer que o sujeito deve/pode se posicionar em frente do


diferente e a identidade, ou seja, de um modo geral, aplicando ao próprio currículo a problemática
da diferença/identidade, vemos que se trata de uma identidade histórico-social. Na verdade, ele a
constrói.

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uma meta. Em termos prático-pedagógicos, o que se vê é a ênfase na
instrução, no ensino, assimilação e reprodução de conteúdos e uma su-
bordinação ao mundo do trabalho. (LIMA JÚNIOR, 2003, p. 83)
Já existem algumas escolas que se mostram atentas à questão da
diferença. Os processos programáticos e pedagógicos do currículo
podem apontar para um desvelamento da pluralidade cultural, todavia,
eles podem cometer alguns equívocos, que tornam inócua a contri-
buição de um novo olhar para o diferente. Por exemplo, uma escola
que não deixa passar em branco a questão do deficiente e, para tanto,
resolve fazer, em um dia especial, discussões, sensibilização com de-
poimentos de deficientes e/ou familiares, oficinas, apresentações, vi-
sitas a instituições entre outras dinâmicas para tratar do universo da
pessoa com deficiência. Em um dia, podemos gerar alguns desequilí-
brios no pensar o deficiente, entretanto, o fato de ser um momento iso-
lado demonstra que essa preocupação é um ato fora do dia a dia do
currículo. Outro ponto é que seria impossível dar uma dimensão real
do universo de deficiente. Compreender que tal parcela da sociedade
faz parte da história e que, no cotidiano, tendemos a não ver esses in-
divíduos ou, então, enxergamos de forma estereotipada as potenciali-
dades, os desejos e as agruras por que passa o deficiente.
Segundo Derman-Sparks e Task Force (1998 apud SAPON-SHEVIN,
1999, p. 291), precisa-se estar atento com a promoção de um cha-
mado “currículo turista”, que apresenta a diferença como algo exótico.
Outro ponto indesejável é a colocação das pessoas com deficiência de
“sucesso” como referência, por exemplo, ao mostrar Ludwig van Bee-
thowen como um surdo que era genial e teve o reconhecimento. Apesar
de ser um recurso possível para mostrar potencialidades, muitas vezes
inimagináveis em um deficiente, deixa de lado o deficiente comum,
que não precisa ser genial para ser compreendido e respeitado. Ao
apontar exceções, corre-se o risco de generalizações deformadas. Para
se tornarem integrantes da sociedade, as pessoas com deficiência não
precisariam ser “heróis”, que, apesar de suas impossibilidades físicas,
cognitivas e sensoriais, consegue se destacar em um campo específico.
Pode-se, com tal tipo de referência, esconder ou mascarar o dife-
rente, e, apesar da tentativa de dar visibilidade ao outro, que vive em

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um mundo obscuro, é possível deformar uma visão, categorizando
os deficientes entre “pobres mortais infortunados” e os iluminados.
A escola precisa estar atenta também para esse ponto. No campo do
atletismo, os para-atletas são respeitados, mas os deficientes que não
demonstram uma habilidade especial, não têm o mesmo cuidado na
simples participação nas aulas de educação física com o intuito apenas
de favorecer as vivências de práticas corporais significativas.
Nesse universo tão complexo em que se estabelece a relação entre
identidade e diferença, percebemos que é preciso estar atentos aos fa-
tores que determinam a identidade/diferença e à maneira como estas
estruturas podem estar expostas (ou ocultas) no mundo social onde a
escola é um meio de reprodução. Nos discursos, oficiais ou não, existe
um reforço de uma identidade dominante e, muitas vezes, uma ne-
gação ou folclorização das diferenças.

Pessoas com deficiência e o currículo


O acesso e a permanência nas instituições escolares são pontos de
grande relevância para se estabelecer uma perspectiva mais democrá-
tica no trato com as minorias. É na escola que observamos como é di-
fícil se concretizar uma verdadeira ação inclusiva. A falsa democracia
tem atrapalhado a visão de que a exclusão existe de fato, mas sempre
são amenizadas pelas metanarrativas democráticas ou pela simples
negligência em fatores decisivos na sustentação de políticas inclusivas.
Dispor de leis que garantam o recebimento de crianças com defici-
ência nas escolas de ensino regular pode parecer uma atitude democrá-
tica, contudo, antes de se divulgar o caráter acolhedor das instituições
de ensino oficial, é preciso verificar outros fatores que vão para além do
acesso e que são fundamentais, tanto do ponto de vista externo, como
meios de transportes adaptados para a condução, quanto do interno,
como salas de recursos multifuncionais para atender às demandas
criadas por uma criança deficiente nas classes regulares. Só assim, cer-

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cando-se de todos os cuidados, refletir-se-á sobre uma política que pro-
duza instrumentos para que se quebrem hegemonias excludentes.
O discurso contemporâneo de democracia, apesar de reconhecer as
especificidades do trato com grupos diferenciados, ainda não conse-
guiu materializá-lo. A escola ainda comete equívocos de reforçar pos-
turas discriminatórias e homogeneizantes, importando valores de uma
cultura única.
A Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais:
acesso e qualidade, ocorrida na Espanha, talvez seja o documento
mais referendado no que diz respeito ao incentivo de programas de
Inclusão. A chamada Declaração de Salamanca (cidade-sede) de 1994
amplia as discussões da Conferência Mundial de Educação para Todos.
Segundo Carvalho (1999, p. 24-25),
Cada um de nós, educadores interessados em desempenhar, ade-
quadamente, o nosso papel – que é pedagógico, mas também po-
lítico -, precisamos saber o que dizem esses documentos, verda-
deiros marcos históricos, cuja discussão internacional tem sido a
mais ampla e a mais frutífera.

Na Declaração de Salamanca, além do reconhecimento das dife-


renças e da dificuldade de acesso, atenta também para um ponto fun-
damental: a formação de professores. A proposta da Educação In-
clusiva fica indefinida porque ela depende de uma formação docente
qualificada. Existe uma falta de articulação entre as políticas de Edu-
cação Inclusiva e a de formação de professores. Diante de todas as
conquistas alcançadas a respeito das questões que tangem a pessoa
com deficiência, essa talvez seja a de maior fragilidade.
A grande dificuldade dos professores de diversos níveis educacio-
nais é, justamente, lidar com o diferente, o inesperado, o incomum.
Oriundos de uma formação tradicional, segundo a qual o único mé-
todo de ensinar é falar e escrever na lousa, ou melhor, em que os
únicos canais sensoriais utilizados são a visão, a fala e a audição, é
compreensível que se sintam perdidos diante dos alunos, os quais
requerem educação diferenciada e especializada. (WECHSLER,
2002, p. 202-203)

98 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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No Brasil, essas conferências citadas acima tiveram um efeito im-
portante, influenciando em tópicos de diversas leis. Hoje a mais re-
cente Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de
2006, e ratificada no Brasil em 2008, atualiza diversos temas que ainda
estavam se desenvolvendo, sobretudo pelos intelectuais da área e os
grupos organizados.
A tentativa então é de superar definitivamente o paradigma da pre-
paração, em que o recurso utilizado era o de classes especiais como
comentam Ferreira e Guimarães (2003, p. 108):
A situação atual do atendimento às necessidades escolares é
cunhada pelo paradigma vigente de atendimento especializado e
segregativo, extremamente forte e enraizado no ideário das insti-
tuições e na prática profissionais que atuam no ensino especial. A
indiferenciação entre os conceitos de integração e inclusão escolar
reforça ainda mais.

Apesar de termos uma discussão de certos grupos que acreditam que


a escola especial (mesmo cumprindo um papel histórico importante no
projeto de inclusão das pessoas com deficiência) seja uma forma supe-
rada e segregativa que precisa ser extinta – chamada muitas vezes de
“depósitos de pessoas com deficiência” – um grupo de surdos e inte-
lectuais ainda defende a classe especial visto que acredita que nem uma
escola inclusiva adequada vai dar conta das especificidades de uma cul-
tura surda. (PERLIN; MIRANDA, 2003; QUADROS, 2003)
Contudo, de uma forma geral, a ideia de ter classes especiais sofre
uma influência da sociedade naquele momento histórico (século XX)
que compreendia a deficiência como um problema da “pessoa”, da fa-
mília, e o máximo que a sociedade deveria exigir era um tratamento es-
pecializado na tentativa da cura:
O início da obrigatoriedade e da conseqüente expansão da escolari-
zação básica levou a um considerável aumento dos alunos com de-
ficiência, dificuldades de aprendizagem e outras necessidades es-
peciais nas salas de aula regulares. Surgiu uma divisão no ensino,
criando uma pedagogia diferenciada: uma educação especial ins-
titucionalizada, baseada na capacidade intelectual, diagnosticada
por meio do quociente intelectual e de testes psicológicos. Como

Educação Física: currículo, formação e inclusão 99

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decorrência, multiplicaram-se as classes especiais que se diferen-
ciam em etiologias: para cegos, surdos, pessoas com deficiência
mentais e outros casos. Constituíram, assim, subsistemas da edu-
cação geral. (FERREIRA; GUIMARÃES, 2003, p. 94)

A educação inclusiva é uma proposta de dimensões alargadas que


pressupõe uma mudança no entendimento das responsabilidades de
ver e tratar os excluídos.
É proposto um novo paradigma e implica a construção de um pro-
cesso bilateral no qual as pessoas excluídas e a sociedade buscam,
em parceria, efetivar a equiparação de oportunidades para todos.
(MENDES, 2002, p. 61)

A questão da educação inclusiva não é só pedagógica, outros grupos


precisam tomar consciência do que significa a inclusão social e quais
os papéis que cada um deve assumir para sua efetiva implantação. To-
davia, a valorização da educação como meio de elevar a cidadania e o
capital intelectual de um país embalam aspirações democráticas (con-
fere-se à educação um papel estratégico para o desenvolvimento de
uma forma mais ampla, além de ser ressaltado que é por meio dela que
serão formados cidadãos críticos e produtivos independentes de sua
condição sensorial ou social).
A inclusão no sistema educacional implica em uma reforma radical
nas escolas no que se refere a currículo, avaliação, pedagogia e todas
as formas educacionais e sociais oferecidas pelas escolas. Baseia-se
em um sistema de valores que faz com que
[...] todos se sintam bem-vindos e celebra a diversidade, que tem
como base o gênero, a nacionalidade, a raça, a linguagem de
origem, o background social, o nível de aquisição educacional ou a
deficiência. (MITTLER, 2003, p. 34)

Esse discurso da inclusão esbarra na realidade concreta de uma cul-


tura escolar que mantém um perfil de ensino tradicional com a funcio-
nalidade da educação marcada pelo papel de único caminho para ter
uma profissão e auferir-lhe lucros.

100 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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Temos também outros grandes obstáculos (tanto de natureza pe-
dagógica quanto estrutural) quando nos referimos às escolas públicas
(as quais recebem a maioria dos alunos com deficiência) e às parti-
culares de pequeno porte, que vão desde as dificuldades estruturais,
como rampas de acesso, os apelos dos professores de uma melhor re-
muneração, até a qualificação dos professores para absorverem e sa-
berem traduzir os conceitos de inclusão em ação.
O que se constata é que o educador, mesmo quando entende o seu
papel na política de inclusão, sempre recai nos problemas de qualifi-
cação para exercer o seu papel, pois, na sua formação, não existe uma
preocupação em discutir mais profundamente possibilidade de inter-
venção pedagógica com o paradigma da inclusão.
Os currículos ainda trabalham com uma formação técnica, conteu-
dista, em que o acúmulo de conhecimentos específicos é o que de-
termina uma boa formação. O currículo é permeado por relações de
poder, construções frutos de uma ideologia dominante. É essa ideo-
logia que determina que conhecimento é válido e importante. Os cur-
rículos são a expressão dos interesses de grupos e classes colocados
em vantagem em relações de poder. (SILVA; MOREIRA, 1995, p. 29)
Falar de uma ideologia dominante não efetiva uma relação de pas-
sividade. As relações de poder contam com as resistências, pois as
culturas, apesar de terem suas expressões limitadas pelas amarras
de uma cultura oficial, estão presentes nas afirmações de interesses
entre diferentes grupos. As diferenças são construídas nas relações de
poder. O currículo, visto como um emaranhado de macrotextos (polí-
ticas) e microtextos (transformados na sala de aula), tem em todo esse
percurso, registros de traços de disputas por predomínio cultural, das
negociações em torno das representações dos diferentes grupos e das
diferentes tradições culturais, das lutas entre os saberes oficiais e os
outros saberes, subordinados e relegados (SILVA, 1999a, p. 22):
Essas diferenças – de raça, classe social, gênero, linguagem, cul-
tura, preferência sexual e/ou deficiência física ou mental – têm,
com muita freqüência, justificado as discriminações e as persegui-
ções sofridas por indivíduos ou grupos. Exemplifique-se com as

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violências cometidas, em diferentes partes do mundo, contra co-
munidades negras, latinas e asiáticas, cujos sistemas de valores
são rotulados como inferiores, primitivos e carentes do refina-
mento e da moralidade que caracterizariam a cultura ocidental, a
cultura branca, cujo poder lhe tem dado o direito de definir o que se
deve entender por normal e desejável em áreas cruciais da vida e da
experiência humanas. (MOREIRA, 2001, p. 84)

Não se pode substituir um paradigma por outro, uma hegemonia


por outra, uma metaidentidade por outra sob pena de se permanecer
na mesma estrutura de funcionamento. As resistências têm lutado
para a mudança de valores que são refletidos nos campos de sociali-
zação como a escola, onde a
[...] igualdade formal que pauta a prática pedagógica, serve como
máscara e justificação para a indiferença no que diz respeito às de-
sigualdades reais diante do ensino e da cultura transmitida, ou me-
lhor dizendo, exigida [...]. (BOURDIEU, 1998, p. 53)

Portanto,
[...] a implementação da Educação Inclusiva no sistema educa-
cional brasileiro implica em enfrentar a problemática da inclusão/
exclusão e romper com um silêncio instaurado historicamente
sobre temas relativos à educação de “alunos com deficiência”, na
formação inicial dos docentes do ensino regular. Esse silêncio pode
dar lugar à reprodução de concepções e atitudes sociais de margi-
nalização e segregação no tratamento dado aos “alunos com defici-
ência”. (SANTOS, 2002, p. 37)

Com essa formação geral comprometida, é importante utilizar todo


o arcabouço vivencial das instituições e professores de ensino especial
na otimização da inclusão total. O Atendimento Educacional Especia-
lizado (AEE) passa a superar a concepção de Educação Especial como
substitutiva e se adéqua as novas políticas de Educação Inclusiva:
A implementação da educação inclusiva requer a superação desta
dicotomia eliminando a distância entre o ensino regular e o espe-
cial, que numa perspectiva inclusiva significa efetivar o direito de
todos os alunos à escolarização nas escolas comuns de ensino re-
gular e organizar a educação especial, enquanto uma proposta pe-
dagógica que disponibiliza recursos, serviços e realiza o atendi-

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mento educacional especializado, na própria escola ou nas escolas
especiais, que se transformam em centros especializados do sis-
tema educacional, atuando como suporte ao processo de escolari-
zação. (PAULON; FREITAS; PINHO, 2005, p. 20)

O AEE apoia o desenvolvimento do aluno com deficiência, cuida de


transtornos gerais de desenvolvimento e altas habilidades, disponibi-
lizando o ensino de linguagens e de códigos específicos de comuni-
cação e sinalização, oferece tecnologias assistivas (TA) adequadas e
produz materiais didáticos e pedagógicos, tendo em vista as necessi-
dades específicas dos alunos. Oportuniza ainda o enriquecimento cur-
ricular (para alunos com altas habilidades). O AEE deve se articular
com a proposta da escola comum, embora suas atividades se diferen-
ciem das realizadas em salas de aula de ensino comum.
Na sociedade atual em que vivemos com recursos cada vez mais
ampliados de tecnologia, a escola não pode abrir mão desse conheci-
mento produzido. A escola deve estar atenta às Tecnologias de Infor-
mação e Comunicação (TICs). As TICs podem constituir um recurso
fundamental, por meio da inclusão digital, o acesso das pessoas com
deficiência à escola, pois permitem: comunicação, a troca de informa-
ções, construção de conhecimento e ainda avaliação que permite veri-
ficar a capacidade intelectual.
Para Galvão Filho (2009, p. 41),
[...] já é possível perceber, talvez como de certa forma também te-
nham percebido os contemporâneos de Gutenberg, que viven-
ciamos os primórdios de um novo fenômeno cultural e social se-
melhante ao ocorrido nos tempos de Gutenberg, que entramos
numa nova etapa, de uma nova mudança paradigmática nas rela-
ções da humanidade com as informações e com os conhecimentos.
Transformações essas com profundas implicações sobre a maneira
como o ser humano ensina e aprende, e, portanto, com profundas
implicações para as nossas concepções e expectativas em relação
a escola, a partir das diferentes e variadas possibilidades abertas
pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).

A perspectiva de utilizar as tecnologias, falando de uma forma ampla,


pode dar às pessoas com deficiência uma possibilidade de maior auto-

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nomia e ter recursos imprescindíveis ao favorecimento da superação
de limitações impostas pelas deficiências. “Para as pessoas sem defici-
ência, a tecnologia torna as coisas mais fáceis. Para as pessoas com de-
ficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis.” (RADABAUGH, 1993)
As tecnologias assistivas se estabelecem então como um campo
que traz todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para
proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com defi-
ciência e consequentemente promover vida independente e inclusão:
Enfim, creio que todas essas possibilidades e recursos de Tecno-
logia Assistiva ajudam a deixar ainda mais claro, mais evidente, o
enorme potencial de desenvolvimento e aprendizagem das pes-
soas com diferentes tipos de deficiência, o que, muitas vezes, não
é tão transparente, tão facilmente perceptível, nas interações corri-
queiras do dia-a-dia, na ausência desses recursos. Construir novos
recursos de acessibilidade, novos ambientes, na verdade, cons-
truir uma “nova sociedade” que inclua as pessoas com deficiência
em seus projetos e possibilidades, não significa apenas propiciar o
desenvolvimento e a auto-realização dessas pessoas, mas, princi-
palmente, é possibilitar a essa sociedade crescer, expandir-se, hu-
manizar-se, através das riquezas de um maior e mais harmonioso
convívio com as diferenças. (GALVÃO FILHO, 2009, p. 218)

A acessibilidade, com o conceito atualizado, vai além das questões


relativas à arquitetura. Segundo Sassaki (2004), o termo vem sendo
utilizado desde a década de 40 para designar a condição de acesso das
pessoas com deficiência inicialmente nas questões relativas à reabi-
litação física e profissional, mas recentemente está sendo ampliado.
O decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, no seu art. 8º define:
Para os fins de acessibilidade, considera-se:

I - acessibilidade: condição para utilização, com segurança e auto-


nomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos
urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos disposi-
tivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa
portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.

104 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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Sassaki (2004) estabelece ainda que o conceito de acessibilidade se
divide em seis dimensões: arquitetônica, comunicacional, metodoló-
gica, instrumental, programática e atitudinal. A escola, para se esta-
belecer como inclusiva, deve se beneficiar de todas essas dimensões
assim como toda a sociedade.
A percepção de acessibilidade só fica completa quando se há o es-
tabelecimento de uma equiparação de oportunidade. A pessoa com
deficiência deve ter a seu alcance produtos, serviços e estruturas que
proporcione um ambiente acolhedor e que permita autonomia, sem o
constrangimento de ter negados seus direitos por falta de uma prepa-
ração democrática.
A acessibilidade na Educação deve estar sincronizada com os va-
lores socias, pedagógicos e tecnológicos da sociedade contemporênea.
Estabelecer novos conteúdos ou novos instrumentos, sem mudar a
perspectiva de escola pouco pode ajudar em uma verdadeira proposta
que recusa a exclusão. Para uma educação dos novos tempos é pre-
ciso estar atento a essa sociedade da informação que, como afirma Sa-
cristán (2007), é uma expressão polivalente e contraditória. Ele con-
tinua sua leitura e nos diz:
Entendemos que, como pessoas interessadas na educação, de-
vemos informar melhor sobre o que é essa forma de sociedade da
informação, para ver mais exatamente como afeta nossas inquie-
tudes para que o tema não converta, simplesmente, em mais um
tópico de atualidade que satisfaça o vazio dos discursos – agora
empobrecidos – sobre até onde acreditamos que deve ir a Edu-
cação. (SACRISTÁN, 2007, p. 42)

Para não incorrer no discurso falacioso de acessibilidade, a escola pre-


cisa estabelecer um projeto que sistematize ações, que efetive as metas
de uma visão atual e fortalecida por políticas públicas de sustentação
dessa proposta. Acesso e permanência devem estar indissociados:
É preciso compreender, porém, que quando se fala educação inclu-
siva, fala-se em educação além da escolar, ou seja, não se cogita só
de ensino, mas de apoios e suportes, de trabalhos em equipe e de
toda uma gama de mudanças institucionais que vão além da orga-
nização didática. Criar uma escola compreensiva supõe, dentre ou-

Educação Física: currículo, formação e inclusão 105

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tras coisas, contar com equipes multiprofissionais dentro de “um
projeto global que seja capaz de estabelecer relações dinâmicas de
coordenação planejamento e apoio”. (CARNEIRO, 2007, p. 67)

Entre as estratégias de manejo para um ensino inclusivo com o apoio


do Atendimento Educacional Especializado e tendo como recursos as
Tecnologias Assistivas, temos as salas de recursos multifuncionais:
As salas de recursos multifuncionais são espaços da escola onde
se realiza o atendimento educacional especializado para alunos
com necessidades educacionais especiais, por meio do desenvol-
vimento de estratégias de aprendizagem, centradas em um novo
fazer pedagógico que favoreça a construção de conhecimentos
pelos alunos, subsidiando-os para que desenvolvam o currículo e
participem da vida escolar. (ALVES, 2006, p.15)

Essas salas, se utilizadas de uma forma competente, tanto do ponto


de vista do recurso humano quanto do material, torna-se um grande
avanço na implementação de escolas inclusivas. As salas seriam um
espaço de criação de um ambiente especializado, mas, não segrega-
tivo. O fato de estar no espaço da escola regular como um comple-
mento de um projeto educacional traz uma maior possibilidade de ter
um sistema colaborativo de fato.
As salas podem oferecer vários recursos que tornam a vida escolar
da pessoa com deficiência mais significativa. A produção de materiais
didáticos adaptados concorre para a competência do funcionamento
desse espaço e pode fazer a diferença e facilitar o acesso ao conheci-
mento, muitas vezes sem se distanciar da proposta pedagógica ori-
ginal da sala regular.
Materiais com textura, jogos de categorização, softwares, ou adapta-
ções mecânicas para informática, mobiliário, estabelecem-se como re-
cursos para a autonomia do aluno e mediação do aprendizado. Todos
esses materiais devem ser bem trabalhados por pessoas que consigam
aliar todo o aparato tecnológico ao conhecimento de desenhos peda-
gógicos adequados em um sistema de coparticipação do professor es-
pecializado e o de classe regular:

106 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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A sala de recursos multifuncionais é, portanto, um espaço organi-
zado com materiais didáticos, pedagógicos, equipamentos e profis-
sionais com formação para o atendimento às necessidades educa-
cionais especiais. No atendimento, é fundamental que o professor
considere as diferentes áreas do conhecimento, os aspectos rela-
cionados ao estágio de desenvolvimento cognitivo dos alunos, o
nível de escolaridade, os recursos específicos para sua aprendi-
zagem e as atividades de complementação e suplementação curri-
cular. (ALVES, 2006, p.14)

A sala de recursos multifuncionais já é reconhecida como um com-


ponente importante para sacramentar de vez a escola especial como
modalidade complementar, confirmando essa mudança cultural de re-
organização da concepção de escola. Afinal uma escola para ser de fato
moderna e aliada aos princípios do novo modelo de sociedade tem que
ser boa para todos.
As políticas públicas, no que tange às ações inclusivas, reconhecem
as salas multifuncionais como um componente de programas de in-
clusão. Traz através dos órgãos gestores nos diversos âmbitos (fe-
deral, estadual e municipal), apoio legal, materiais de sensibilização,
recursos financeiros e outros instrumentos que possam facilitar a im-
plementação nesses espaços.
Todavia, como tudo que tange o universo do deficiente, tem sido uma
conquista a duras penas e muito lenta. Avaliar políticas de inserção de
recursos como esses é sempre relevante para que uma ideia tão útil e
que dispõe de aparatos legais e legítimos para o seu estabelecimento,
não seja operacionalizada de forma inadequada nas diversas escolas –
que têm como obrigação tornar-se acessível à pessoa com deficiência e
dispor de tecnologias assistivas para estabelecer a mediação.
A educação comprometida com ideais baseados na cultura da in-
clusão deve percorrer um caminho longo, mas irremediável para se
instaurar um currículo que além de pensar no deficiente, também
saiba instituir uma prática que não silencie as vozes discriminadas.
Isso deve ser refletido em todas as áreas de conhecimento, inclusive
na Educação Física que tem em sua história uma formação que cami-
nhou ao largo de ideais como esses.

Educação Física: currículo, formação e inclusão 107

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A construção dos currículos de Educação
Física: um panorama histórico nacional
A busca de compreender o conhecimento que norteia a Educação Fí-
sica é a do entendimento de como se constrói o pensar dessa área em
seus diversos aspectos. A ênfase curricular que se pretende apresentar
incide, não na questão apenas epistemológica, mas também nas polí-
ticas públicas e nos consequentes programas de formação.
A Educação Física, entendida como atividade física orientada, re-
monta sua história há séculos. Têm-se registros de escritos e figuras
na Grécia antiga e também no Oriente de movimentos monitorados,
contudo, tal história apenas nos norteia ontologicamente sobre o nas-
cimento dessa área do conhecimento. Como qualquer campo, para
se estabelecer como tal, passa por diversos conflitos na busca da sua
identidade, busca esta que se arrasta até a atualidade. Esse ir e vir da
Educação Física na tentativa de estabelecer uma epistemologia pró-
pria, que identifique seu objeto de estudo, ainda é um conjunto de con-
tradições, as quais foram acentuadas a partir de 1980. Foi a partir desse
momento que alguns teóricos começaram a tentar buscar o objeto de
estudo da Educação Física e a elaborar os discursos que orientavam a
especificidade dessa matéria. Como afirma Fensterseifer (1981, p. 90),
“[...] só podemos falar de uma epistemologia da Educação Física, após
as manifestações discursivas desta”.
A Educação Física até então tomava emprestados os discursos de ou-
tras áreas do conhecimento, sobretudo a biomédica, que a sustentava:
Dar sentido é encontrar razões (valores) que orientem e justifiquem
nossos atos (em qualquer instância). Os valores presentes na Edu-
cação Física têm a ver com os valores presentes na sociedade. Ao
perceber que ambos são criação histórica, a Educação Física perde
sua ingenuidade (parte dela pelo menos) e percebe que uma re-
flexão epistemológica choca-se com uma problemática mais ampla
(política). A Educação Física precisa então perceber-se nesse todo
e isso exige “teoria”. (FENSTERSEIFER, 1981, p. 92)

108 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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Ainda não existe um objeto claro,26 por isso é mais fácil perceber o
que tem tratado a Educação Física, como se deu uma mudança de pen-
samento, perceber as correntes e suas reflexões epistemológicas, se-
gundo seus horizontes político-pedagógicos e como isso vem influen-
ciando a formação nos cursos de Educação Física.
A Educação Física se inicia como área de conhecimento na escola
no final do século XVIII (período em que Educação Física passa a ser
disciplina obrigatória na grade curricular). Nesse momento histórico,
a intenção da sua difusão tinha fins profiláticos e terapêuticos: era pre-
ciso formar corpos saudáveis e disciplinados. Aos médicos que in-
centivavam tal prática, juntaram-se os militares, que passaram a ser
os grandes responsáveis pela materialização dos discursos médicos.
A Educação , no referido período, resumia-se à ginástica, considerada
o conteúdo genuíno dessa área do conhecimento e era trabalhada nos
âmbitos escolares por meio dos métodos ginásticos criados por mé-
dicos e fisiologistas europeus. A preparação das aulas desses profissio-
nais era, provavelmente, efetuada a partir das poucas obras sobre a ma-
téria e de algumas poucas viagens que os militares faziam ao exterior.
A Educação Física é embevecida com os traços militares, as ativi-
dades desenvolvidas nas escolas eram reproduções do método ginás-
tico aplicado nas Forças Armadas e era o conteúdo curricular básico
das escolas brasileiras. Só em 1939, com a criação de uma instituição
superior para formar professores de Educação Física, é que se tem o
primeiro modelo curricular nacional:
Nesse período, década de trinta, a Educação Física brasileira foi cha-
mada para colaborar com o desenvolvimento do país em três as-
pectos, a saber: na construção da nação a partir da regeneração fí-
sica, moral e eugênica do povo, na formação de corpos dóceis para
o processo de industrialização e na preparação para a guerra. O
modo de produção que emergia requeria a inserção da racionali-
zação no trabalho industrial e nos recursos utilizados para a capa-
citação profissional do trabalhador. Desse modo, tanto a Educação,
responsável pela formação técnica do trabalhador, como a Educação

26 É sabido, contudo, que a reflexão epistemológica não se refere apenas à delimitação do objeto, mas
a compreensão deste, do sujeito epistêmico, da relação que os engendra e, por fim, do conhecimen-
to gerado nesse processo.

Educação Física: currículo, formação e inclusão 109

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Física, responsável pela preparação física da força dos trabalha-
dores, representaram um papel preponderante como instrumentos
de qualificação profissional. (ESPÍRITO SANTO, 2003, p. 57)

Era um currículo que trazia nas suas propostas uma visão técnico-
-linear de formação voltada para a organização e o desenvolvimento:
[...] depois de alguns anos sob a direção de militares, quando o pa-
drão de formação profissional se confundia com a preparação de
um cidadão segundo os padrões do Estado Novo, os médicos as-
sumiram os direcionamentos da ENEFD e passaram a imprimir ini-
ciativas cada vez mais substanciais de levar a Escola a ocupar seu
papel de Escola-Padrão. Tais iniciativas são percebidas na busca
da reformulação curricular, na preocupação com a realização de
pesquisas, de organização e oferecimento de cursos de aperfeiço-
amento e congressos, de envio de professores da Escola para o ex-
terior, no recebimento de professores renomados no exterior como
conferencistas e na publicação de um periódico específico, cuja
criação foi muito mais significativa do que uma medida de cumpri-
mento legal. (MELO, 1996, p. 35)

A grade curricular dos cursos oferecidos pela escola padrão mostra


como os cursos de formação em Educação Física no Brasil evoluíram
pouco até o fim dos anos 70, uma vez que os cursos de licenciatura no
Brasil mantinham, na sua grade curricular, as mesmas disciplinas do
primeiro curso de formação de professores da década de 1930.
Para fazer o curso, o candidato à matrícula na primeira série do Curso
Superior de Educação Física ou na série única de qualquer dos outros
cursos, deveria apresentar prova de identidade e prova de sanidade,
submeter-se à rigorosa inspeção de saúde e prestar exame vestibular.
Já os docentes eram escolhidos realizando provas que demonstrassem
a capacidade física, moral e técnica do candidato. A capacidade peda-
gógica era um requisito de menor importância. Às mulheres era dado
o direito a fazer os cursos, contudo, o caráter sexista estava explícito na
diferenciação entre homens e mulheres. Os programas de educação fí-
sica e de desportos destinados aos alunos do sexo masculino eram di-
ferentes daqueles destinados às alunas.

110 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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O ensino era ministrado mediante aulas teóricas, aulas práticas e
aulas de exercícios. Nessa configuração curricular, na perspectiva téc-
nica, com projeção do modelo de treinamento, o docente deveria se
preparar pelo domínio de técnicas que ele deveria aprender a aplicar;
por isso, sua formação não requeria um currículo maior, essa formação
bastaria, tendo em vista que, na época, era considerado suficiente para
o exercício profissional o domínio de habilidades de intervenções espe-
cíficas e pontuais que se mostrassem eficientes.
Trata-se de uma Educação Física entendida como atividade prática
que, no Brasil, nas quatro primeiras décadas de século XX, foi marca-
damente influenciada pelo pensamento médico-higienista, pelos mé-
todos ginásticos europeus e pela instituição militar responsável pela
formação dos profissionais da área. Essa formação delineou, para a
época, um perfil do profissional de Educação Física que o diferenciava
dos demais profissionais do magistério.
No início da década de 1960, com a aprovação da Lei nº 4.024/61,
modifica-se o processo de formação de professores no Brasil. Instituem-
-se os currículos mínimos de validade nacional e a complementação fi-
xada por estabelecimentos de ensino, o que deve ser considerado um
pequeno avanço em relação ao que se tinha até aquele momento no
campo da formação profissional. A partir do fim da década de 1960,
acompanhando as grandes mudanças que o mundo passa a assistir, as
lutas contra a ditadura, os movimentos da contracultura e outros movi-
mentos de luta democrática, a educação começa a ser questionada. As
universidades, nesse momento, tentam empenhar seu papel de insurgir
contra a falta de liberdade de pensamento e expressão, acolhendo e re-
velando pensamentos contemporâneos, tornando-se um foco de mu-
danças e resistência. Surgem, nesse cenário, literaturas que ousam
pensar numa educação diferenciada, num currículo diferente dos mo-
delos tradicionais como A pedagogia do oprimido, Paulo Freire (1970),
A ideologia e os aparelhos ideológicos de Estado, Louis Althusser, (1970),
Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, A reprodução (1970), entre ou-
tros. Embora não tenham ocorrido mudanças drásticas, podemos ver
uma preocupação maior com uma formação mais ampliada, passando

Educação Física: currículo, formação e inclusão 111

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a fazer parte do currículo mínimo disciplinas pedagógicas como Didá-
tica, Psicologia da Educação, entre outras.
Conforme Faria Júnior (1987, p. 28):
[...] com sete anos de atraso em relação à legislação (Parecer 292/62
do CFE) e com trinta anos, de fato, em relação às demais licencia-
turas, matérias pedagógicas [...] foram efetivamente incluídas nos
currículos de Educação Física.

Ainda assim, é importante ressaltar que esse currículo foi resultado


fundamentalmente de duas reuniões de estudos coordenadas pela Di-
visão de Educação Física do MEC, em que diversas proposições foram
apresentadas por escolas e profissionais da área, o que, para aquele
momento político do País, pode ser considerado um avanço na for-
mação do profissional de Educação Física.
Vemos acima que, apesar do avanço no que diz respeito ao currículo
prescrito, essa proposta curricular não estava absolutamente preocu-
pada em fazer qualquer tipo de questionamento mais radical relativa-
mente aos arranjos educacionais existentes, às formas dominantes de
conhecimento ou, de modo mais geral, à forma social dominante. O
que nos leva a classificá-la como uma proposta fundamentada na te-
oria tradicional de currículo, conforme Silva (1999a).27
No campo da Educação, consolida-se, nesse período, o movimento
tecnicista, que tem como marco legal as Leis nº 5.540/68 e 5.692/71 –
leis estas elaboradas sob os auspícios e acordos MEC/USAID. Ainda
em relação a outros aspectos concernentes aos critérios adotados para
indicação das matérias na proposta curricular daquele momento, po-
demos listar: a diminuição do número das matérias básicas de funda-
mentação científica ao estritamente necessário; destaque das matérias
destinadas à formação educacional, incluindo, na Didática Geral, a da
Educação Física e, na Filosofia, História e Sociologia da Educação, a
dos Desportos; destaque maior à prática de ensino que deve se tornar
matéria autônoma.

27 Na visão tradicional de currículo, ele é pensado como um conjunto de fatos, de conhecimentos e


informações selecionadas e que devem ser transmitidas.

112 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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Nessa modificação curricular, a perspectiva de formação profis-
sional continua sendo acadêmica, de enfoque enciclopédico, e técnica,
de modelo de treinamento identificadas acima. A única diferença subs-
tancial é que, agora, as instituições superiores de educação física ti-
nham relativa autonomia para acrescentar, formalmente, à estrutura
do currículo mínimo, outros enfoques e perspectivas.
Apesar desses pequenos avanços do segundo currículo em relação
ao primeiro, é possível perceber que o modelo de conceber a formação
do profissional de Educação Física traz resquícios fortes de uma con-
cepção antiga de currículo. Por exemplo: continuávamos com a visão
de currículo centrada exclusivamente na grade curricular, tomando o
status quo como a referência desejável, restringindo-se à atividade téc-
nica de como fazer currículo. Diferente das teorias críticas que pro-
põem desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o
currículo faz. (SILVA, 1999a)
Do fim da década de 1970 até 1987, agora sob os auspícios de in-
tensa luta pela reconstituição das liberdades democráticas por parte de
segmentos sociais organizados em partidos, sindicatos e movimentos
populares, foi criada, mediante seminários específicos realizados no
Rio de Janeiro (1977), Florianópolis (1981) e Curitiba (1983), sob a co-
ordenação do Ministério de Educação – Secretaria de Educação Física
e Desportos –, uma nova legislação, que culminou com a Resolução
003/87 do Conselho Federal de Educação. Quase vinte anos depois do
segundo currículo oficial, com a implementação da Resolução nº 03,
de 16 de junho de 1987, do CFE, vivenciou-se na Educação Física uma
relação pioneira de formação universitária, pois foi conferida às Insti-
tuições Superiores de Educação Física (ISEF) total autonomia na com-
posição curricular para a formação própria de um perfil profissional. A
incumbência do Conselho Federal de Educação era garantir a preten-
dida unidade por meio da fixação do currículo mínimo e a duração mí-
nima dos cursos superiores, e que, para tal, os cursos não deveriam
ser, necessariamente, iguais quanto ao perfil desejado, à estruturação
e às matérias que comporiam seu currículo.
Dessa forma, o currículo mínimo passou a ser mais concebido não
como um elenco de disciplinas obrigatórias, mas como áreas de co-

Educação Física: currículo, formação e inclusão 113

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nhecimentos, dentro das quais seriam definidas por cada ISEF as ma-
térias e disciplinas do currículo, no qual a preocupação por uma for-
mação do profissional de Educação Física generalista e humanista se
configurou no grande mote daquela reformulação curricular, preconi-
zada na Resolução 03/87.
O novo currículo deveria superar os problemas que se arrastavam
desde o estabelecimento da Resolução 69/69, como a inexistência de
uma definição de perfil, enorme abrangência de conteúdos na área des-
portiva, a Educação Física não era pensada como uma área de conhe-
cimento específico, em muitas Instituições de Ensino Superior (IES), o
currículo mínimo se tornava pleno e tratamento meramente informa-
tivo e superficial na área biológica e humana.
Diante do quadro brevemente exposto acima, ratificou-se o enten-
dimento de que seria imprescindível a manutenção da linha de au-
tonomia e flexibilidade contida na proposta curricular da Resolução
03/87, o que possibilitaria a cada IES elaborar seu próprio currículo
com ampla liberdade para ajustar-se, numa ótica realista, às peculiari-
dades regionais, ao seu contexto institucional e às características, in-
teresses e necessidades de sua comunidade escolar, quer no plano do-
cente, quer no discente. Outra mudança que mostra uma perspectiva
diferente na direção de deixar de ser uma formação eminentemente
técnica, tendo uma preocupação com a inserção de conhecimentos
discutidos como necessários a qualquer curso de licenciatura, é a in-
clusão de uma disciplina relativa à educação especial. Diante dos pro-
jetos de inclusão do deficiente nas escolas regulares, era preciso que
um conhecimento específico pudesse ser tratado no decorrer da for-
mação de professores na tentativa de melhor qualificá-los para o con-
tato com pessoas com necessidades educacionais especiais.
Eventos como o Ano Internacional da Pessoa Portadora de Defi-
ciência (1981), organizado pela Organização das Nações Unidas
(ONU) visavam pressionar para que houvesse mais ações que bene-
ficiasse as pessoas com deficiências nos diferentes níveis, inclusive
na educação. A Resolução nº 03/87, no parágrafo IV, do artigo IV, deu
origem à sugestão de uma disciplina específica nos currículos dos
cursos de Educação Física.

114 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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Em 1973, já havia sido criado o Centro Nacional de Educação Espe-
cial (CENESP), que tinha como metas planejar, coordenar e promover
o desenvolvimento da educação especial em todos os níveis, inclusive
o superior, e pode ser considerado o primeiro passo no sentido de
traçar uma política pública de educação especial. (CARMO, 1991, p.
101) Mas, foi na década de 1980 que se verificou uma preocupação
mais efetiva com políticas públicas voltadas para os deficientes. Foi
nesse espaço de tempo que alguns órgãos foram criados, como a Co-
ordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Defici-
ência (CORDE) e a Secretaria de Educação Especial (SESP). É claro que
aquele passo não foi garantia da qualidade do conhecimento que era
abordado nos cursos de Educação Física. Havia uma limitação do co-
nhecimento, pois ele não preparava os profissionais para se relacionar
com os deficientes, o conteúdo abordado era cheio de fragilidades,
apontava para conhecimentos meramente técnicos e não existia uma
preocupação com aspectos filosóficos, históricos, entre outros.28 São
transferidas as ações técnico-desportivas dos considerados normais
para os deficientes, reduzindo outras práticas pedagógicas concer-
nentes à Educação Física e pertinente às pessoas com necessidades
especiais. (CARMO, 1991, p. 07)
Diante das recomendações dos currículos anteriores a esta Reso-
lução n.° 03, de 1987, como dito, apresentam-se algumas modificações
mais condizentes com o entendimento de um currículo mais moderno
sem as amarras de um currículo nacional.
Quanto à estrutura curricular, os cursos de Educação Física passa-
riam a compreender duas partes: Formação Geral29 e Aprofundamento
de Conhecimentos.30 Identifico também, nesta última concepção cur-

28 Não entravam no conteúdo dos programas temas como etiologias, discussões sobre estigma e
inserção social, políticas públicas referentes ao deficiente, enfim não se aprofundava em questões
relevantes para além do adestramento técnico adaptado.
29 Em bases científicas, consideraria os aspectos humanísticos (Conhecimento Filosófico do Ser hu-
mano, e da Sociedade) e técnicos.
30 Possibilitaria a cada aluno, por opção feita e/ou pela vocação ou disponibilidade dos meios dispo-
níveis em cada ISEF, a realização de pesquisas, estudos teóricos e/ou práticos, literalmente apro-
fundando seus conhecimento.

Educação Física: currículo, formação e inclusão 115

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ricular, uma perspectiva técnica com projeção de modelo de tomada
de decisões, o qual, segundo (GÓMEZ, 1998), considera que as des-
cobertas da investigação sobre a eficácia do professor não devem ser
transferidas mecanicamente em forma de habilidades de intervenção,
mas transformam-se em princípios e procedimentos, que os docentes
utilizarão ao tomar decisões e resolver problemas em sua vida coti-
diana na aula. É também uma perspectiva de reconstrução social, pois
o professor é considerado um profissional autônomo, que reflete criti-
camente sobre a prática cotidiana para compreender tanto as caracte-
rísticas dos processos de ensino-aprendizagem quanto do contexto em
que o ensino ocorre, de modo que sua atuação reflexiva facilite o de-
senvolvimento autônomo e emancipador dos que participam no pro-
cesso educativo. (GÓMEZ, 1998)
Portanto, podemos considerar que uma perspectiva dessa recons-
trução social seria uma escola inclusiva, o que afetaria as ações do dia a
dia do professor no sentido de que devesse reconsiderar as estratégias
para alcançar um grupo, que, até então, era quase ignorado no campo
social e escolar. Diante dos pressupostos do programa de formação, jul-
gamos ter a perspectiva de reconstrução social com o enfoque crítico,
na medida em que enfatizam aspectos fundamentais que preveem:
[...] a aquisição por parte do docente de uma bagagem cultural de
clara orientação política e social [...] o desenvolvimento de capaci-
dades de reflexão crítica sobre a prática, para desmascarar as influ-
ências ocultas da ideologia dominante na prática cotidiana da aula
[...] atitudes de busca, de experimentação e de crítica, de interesse
e trabalho solidário, de generosidade, de iniciativa e colaboração.
(GÓMEZ, 1998, p. 28)

Talvez esses pontos não tenham sido buscados e materializados nos


currículos pela falta de uma hegemonia de pensamento, fruto de um
reflexo do processo político mais amplo, pois o que havia muito cla-
ramente era uma disputa entre duas correntes (a técnica e a progres-
sista), que coexistiam nos espaços acadêmicos e que sempre atuaram
em busca de territórios. É então possível verificar uma mudança na po-
lítica norteadora dos programas de formação e consequentemente na
organização pedagógica do currículo, fruto de um reflexo do quadro

116 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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geral da Educação, que passou a articular os elementos pedagógicos,
econômicos, políticos e sociais. Essas mudanças se refletem a partir
do fim da década de 1980.
A partir de 2002, assiste-se a uma nova alteração nas diretrizes para
os currículos de formação em Educação Física. Essa alteração evolui
em direção à flexibilização, rompendo com a obrigatoriedade de se
compor um currículo obedecendo a áreas previamente estabelecidas,
sendo apenas fixada a carga horária mínima para a sua integralização
– Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s), as resoluções CNE/CP
1, de 18 de fevereiro de 2002, e CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002.
Ao se estabelecer diretrizes para todos os cursos de licenciatura, a
Licenciatura em Educação Física percebe que, apesar de suas especifi-
cidades, participa de um conceito maior; ao ser vista como um compo-
nente curricular da escola, deve estar atenta aos posicionamentos pe-
dagógicos, sociais e políticos necessários a qualquer formação voltada
para um currículo para atuar no campo escolar.
Algumas práticas precisam ser redimensionadas a fim de reco-
nhecer os novos modelos de sociedade, de aquisição de conhecimento
sem perder de vista a competência técnica e política. Entre os novos
desafios, está tornar-se menos excludente, visto que estar fora dos pa-
drões, por muito tempo, relegou os alunos, na disciplina Educação Fí-
sica, à exclusão. Trazer à tona conhecimentos significativos, contextu-
alizados e atualizados é um desafio que a Educação Física e as demais
disciplinas têm para se fazer legítima no espaço escolar. Temas como
mídia, tecnologias da informação e assistivas, manifestações de cul-
turas populares, conteúdo cultural e artístico precisam ser sintoni-
zados à luz dos conteúdos específicos.
A liberdade dessa nova concepção de currículo pode ser aproveitada,
trazendo esse frescor de conteúdos e metodologias sem as amarras de
uma proposta oficial. Dentro desse contexto, o desafio de muitas IES
tem sido reformular currículos na atenção de um profissional com co-
nhecimento teórico-prático que lhe dê a possibilidade de reconhecer as
contradições de uma sociedade, que reconhece como merecedores de
atenção, independente de sexo, etnia, condições sensoriais, ou classe

Educação Física: currículo, formação e inclusão 117

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social, a partir de suas próprias experiências, no trato com os conheci-
mentos específicos da área.
Após dois anos da publicação das Resoluções nº 01/02 e 02/02, ba-
seado no Parecer CNE/CES 58/2004 de 18 de fevereiro de 2004, ocorreu
a promulgação da Resolução nº 07 de 31 de março de 2004, a qual ins-
titui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação
em Educação Física, em nível superior de graduação plena. (BRASIL,
2004) Apesar de divergências, ao tentar levar esse conteúdo apenas
aos bacharelados, o texto não trata dessa diferenciação:
Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Na-
cionais para o curso de graduação em Educação Física, em nível su-
perior de graduação plena, assim como estabelece orientações es-
pecíficas para a licenciatura plena em Educação Física, nos termos
definidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica. (BRASIL, 2004)

Tal divergência mostra apenas que as interpretações sobre o texto se


revelam mais um espaço de lutas entre as ideologias em disputa pelo
poder. Em paralelo a essas discussões, podemos notar que nessa le-
gislação o conteúdo relativo a pessoas com deficiência é revelado, seja
de forma mais ou menos específica. Por exemplo, no art. 6º § 1º, em
que se estabelece as competências e habilidades, vemos no texto o re-
conhecimento de uma sociedade plural:
Dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudi-
nais específicos da Educação Física e aqueles advindos das ciências
afins, orientados por valores sociais, morais,éticos e estéticos pró-
prios de uma sociedade plural e democrática. (BRASIL, 2004, p. 02)

Podemos ver ainda no mesmo texto “[...] diagnosticar os interesses,


as expectativas e as necessidades das pessoas (crianças, jovens,
adultos, idosos, pessoas portadoras de deficiência, de grupos e comu-
nidades especiais)” (BRASIL, 2004, p. 02) em uma alusão direta às pes-
soas com deficiência. Tema ainda reforçado no§ 4º:
As questões pertinentes às peculiaridades regionais, às identidades
culturais, à educação ambiental, ao trabalho, às necessidades das
pessoas portadoras de deficiência e de grupos e comunidades es-

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peciais deverão ser abordadas no trato dos conhecimentos da for-
mação do graduado em Educação Física. (BRASIL, 2004, p. 03)

Vimos, portanto, que não é possível construir uma política pública


e excluir esse tema que se torna cada vez mais pertinente nas diversas
áreas da sociedade. Mas, como já foi dito, essa diretriz não é garantia
de um respeito maior a essas questões, visto que a construção de um
currículo é uma luta de poder, em que cada componente constituinte
da construção do documento estabelece, como “mais importante”, os
conhecimentos por ele pesquisados. É nessa luta de território que se
definem quais os conhecimentos deverão compor o currículo.

Algumas conclusões
Ver a escola como um espaço para todos é uma perspectiva que deve
exigir algumas mudanças na realidade, e algumas delas devem se con-
cretizar fora das instituições da educação básica, mesmo tendo cons-
ciência de que uma única escola não dará conta de todas as demandas
sociais e culturais.
Um dos espaços de mudança pode ser os currículos de formação do
educador, os quais precisam: reavaliar os conhecimentos que devem
ser almejados pelos cursos; discutir mais profundamente os conceitos
de inclusão e exclusão; perceber como os processos de exclusão se es-
tabelecem na prática docente; bem como observar as contribuições de
reforço da exclusão pela práxis do professor – e, a partir da conscienti-
zação, imprimir verdadeiras mudanças de postura.
Para se incluir a diversidade, deve haver modificações internas no
currículo e nas escolas. Mudanças na organização, na oferta de apoio a
professores e alunos, nas classes, na utilização de recursos humanos,
materiais pedagógicos, físicos da comunidade, alterações estruturais
e arquitetônicas, preparação do pessoal técnico-administrativo e tudo
mais que ocorra como necessário.

Educação Física: currículo, formação e inclusão 119

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Mais do que rearranjos nos aspectos formais do currículo, é ne-
cessário que os componentes que efetivam o currículo sejam sensi-
bilizados para as necessidades de mudanças concretas. Não se trata
apenas de aumentar o número de disciplinas para atender a essa de-
manda, modificar ementas ou até mesmo mudar a concepção teó-
rica dos projetos de curso, pois o currículo oculto, aquele que ignora
as amarras oficiais, pode manter as mudanças apenas nos amonto-
ados de papéis que sustentam o currículo oficial. Afinal, como perce-
bemos, isso já aparece nas incoerências mostradas em alguns pro-
jetos, que mantêm uma proposta muito avançada na concepção do
curso a qual acaba por não ser alinhada com a composição das disci-
plinas, ementas e, até mesmo, nas estruturas fragmentadas com que
os conhecimentos são tratados.
A educação inclusiva pensa numa escola para todos, e isso certa-
mente não é algo simples. Não se trata de incluir as crianças com de-
ficiência nas classes regulares, nos moldes em que estas estão estru-
turadas hoje. Trata-se de um projeto de descobrir quais estratégias a
escola regular terá de desenvolver para efetivamente incluir o sujeito e
como o professor, responsável para por em prática estes objetivos es-
teja preparado para tal. Para tanto, na sua formação, o futuro professor
deve estar o tempo todo sendo sensibilizado para a necessidade de
adotar uma postura política para a inclusão e ser capaz de ver o outro
(aluno) em todas as suas dimensões.
Os cursos de formação de professores carregam a obrigação legal
de ter, ao longo da formação, de tratar das diversas temáticas (es-
portes, atividade física, lazer), da abordagem de um aluno com defi-
ciência e outras diferenças e não renegar uma disciplina para atender
ao aspecto legal, encaixotando um conhecimento. Nem sempre os co-
nhecimentos privilegiados para discutir esse tema são suficientes para
deixar à vontade os professores em suas experiências docentes. Por
isso é preciso investir na formação de formadores.
A valorização, o respeito das pessoas com necessidades educacio-
nais especiais (Pc/NE), bem como sua inclusão na cidadania e nos
bens coletivos, podem se efetivar não pela via de sua redução ou ajus-
tamento à identidade das pessoas tidas como normais (seja lá em que

120 Currículo, educação física e pessoas com deficiência

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aspecto for), mas pela da convivência na diferença, mantendo-a, ainda
que lutando pela construção da dignidade de vida humana em todos
os seus aspectos, dentro desse processo político.
Mesmo com o fortalecimento de uma teoria crítica de currículo que
supera as tradicionais, as quais estavam voltadas apenas para o ca-
ráter técnico, com objetivos apenas formacionais, e ainda com as dis-
cussões mais recentes dos pós-críticos, e as questões do multicultu-
ralismo, os currículos, de uma forma geral, inovam muito pouco em
suas constituições, no intuito de referendar as minorias. Os cursos de
licenciatura em Educação Física ainda trabalham em uma perspectiva
voltada para um aluno chamado “padrão”. Os grupos considerados
minorias, nos quais se encontram as pessoas com deficiência, não são
levados em consideração pela maior parte do professorado, mesmo
sabendo que o universo dos alunos nas salas de aula das escolas (prin-
cipalmente as públicas) é uma realidade bem diferente.
Para uma formação dar conta de atender às futuras demandas so-
ciais/escolares como as pessoas com deficiência, o primeiro momento
está em reavaliar os fatores que influenciam na formação. O currículo,
sendo o primeiro passo para uma concepção de formação, tem de ser
modificado em alguns pontos, para que as discussões eloquentes e as
políticas públicas bem-intencionadas não esbarrem na prática, na rea-
lidade concreta. Deve-se conceber um currículo avançado e atento às
questões das minorias de uma forma geral e, mais especificamente
das pessoas com necessidades educacionais especiais (Pc/NE) para
que os futuros educadores se sintam no mínimo confortáveis em con-
viver no seu trabalho diário com as dificuldades de serem competentes
diante da diferença.

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4

Educação Física e inclusão


perspectivas para ação
pedagógica de professores
em turmas inclusivas

Leonardo de Carvalho Duarte

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Introdução
A Educação Física é uma disciplina/prática pedagógica que integrou
a escola brasileira há menos de dois séculos. Na maior parte desse
tempo, desempenhou e talvez continue desempenhando, o papel de
“educação do físico”, de preparação e adestramento do corpo. Infor-
mações registradas na historiografia e aspectos gerais do surgimento
e desenvolvimento dessa prática pedagógica/ disciplina escolar, par-
tindo do contexto da Europa do século XVIII até os dias de hoje na so-
ciedade brasileira, permitem-nos sintetizar que ela surgiu da necessi-
dade social e nas engrenagens do capitalismo com objetivos explícitos
de contribuir para a formação de homens e mulheres aptos ao novo
sistema. Sob as influências e determinações das instituições médica e
militar, ambas com caráter tradicional e conservador, desenvolveu prá-
ticas higiênicas e de ordem, posteriormente agarrou-se ao esporte, a
fim de legitimar-se socialmente, e apenas em tempos recentes tem re-
pensado sua contribuição e função social.
Apenas nas últimas décadas, a Educação Física constitui-se em um
campo acadêmico empenhado na permanente discussão dessa área
de conhecimento. As décadas de 1980 e 1990 são marcos da pro-
dução acadêmica, mas apenas recentemente estamos incorporando
os avanços científicos às práticas escolares da disciplina. Por isso,
o momento presente deve ser receptivo às novas propostas para as

Educação Física: currículo, formação e inclusão 131

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aulas, reconhecendo possibilidades de transformá-las e reorganizá-las
de acordo com os desafios atuais da educação escolar, entre eles, a
Educação Inclusiva.
O discurso e as propostas da Inclusão são novidades que estão se
consolidando nas últimas décadas no campo educacional através de
políticas públicas para o qual surgiram e continuam surgindo uma
série de leis, convenções e resoluções que asseguram o acesso e
obrigam as escolas a matricular pessoas com deficiências nas turmas
regulares.31 Historicamente essas pessoas foram alijadas do convívio
social e da participação nos sistemas regulares de ensino; somente em
tempos recentes, temos nos preocupado com essa questão, por isso
a Inclusão Escolar ainda se constitui como uma inovação educacional.
A história das pessoas com deficiência32 em nossa civilização é uma
história de exclusão e de negação. Matamos essas pessoas ou as aban-
donamos à própria sorte; na antiguidade, as exterminamos por con-
siderá-las empecilhos, gregos e romanos matavam seus filhos “defei-
tuosos”. A deficiência esteve associada ao castigo divino e às ações
demoníacas, explicações místicas, sobrenaturais e espirituais. (CAR-
VALHO, 2008) Noutro momento, as pessoas com deficiência foram
alvo de piedade e caridade, com o advento do cristianismo se constitui
um novo olhar sobre a deficiência. (MARQUES, 2001)
No século XIX, engendrou-se a institucionalização do indivíduo com
deficiência, mantido segregado em conventos, hospícios ou em es-
colas especiais. Foi também nesse período que tiveram início no Brasil
as primeiras ações para atender às pessoas com deficiência. (CAR-

31 Dentre as políticas públicas brasileiras que “garantem” o direito de todas as pessoas à educação,
independente de qualquer diferença, podemos citar a própria Constituição Federal de 1988 (art.
208, III); o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, (ECA, Lei n.º 8.069, art. 53); e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei n.º 9394/96, Art. 4). Essas legislações
registram em seus textos a garantia legal da igualdade de acesso e atendimento educacional espe-
cializado para Pessoas com Deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
32 “Pessoa com deficiência” passou a ser a expressão adotada contemporaneamente para designar esse
grupo social. Em oposição à expressão “pessoa portadora”, “pessoa com deficiência” demonstra que a
deficiência faz parte do corpo e, principalmente, humaniza a denominação. Ser “pessoa com deficiên-
cia” é, antes de tudo, ser pessoa humana. É também uma tentativa de diminuir o estigma causado pela
deficiência. A expressão foi consagrada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2006. (LANNA JUNIOR, 2010, p. 17)

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VALHO, 2008) Tentando sintetizar as ideias sobre o tratamento dis-
pensado a essas pessoas, falando especificamente do Brasil, Lanna Jú-
nior (2010, p. 30) afirma que “Todas as iniciativas, desde o Império até
a década de 1970, são parte de uma história na qual as pessoas com
deficiência ainda não tinham autonomia para decidir o que fazer da
própria vida” [...].
Nos últimos anos, observa-se uma tendência de mudança na forma
de se entender o que é deficiência e como a sociedade é responsável
por ela. (MEDEIROS; DINIZ, 2004) O tratamento dado às pessoas
nessa condição também tem passado por transformações ao longo
da história da humanidade. A Inclusão e a Educação Inclusiva são evi-
dências dessas transformações e por isso temas em destaque na atua-
lidade: como uma proposta inovadora que visa superar as concepções
e práticas até então hegemônicas na educação das pessoas com defi-
ciência tem sido amplamente divulgada e discutida no seio do próprio
movimento político dessas pessoas e na população em geral, tendo em
vista que essa proposta atinge de diferentes maneiras toda sociedade.
A Inclusão Escolar é uma inovação educacional que propõe a aber-
tura das escolas às diferenças, tendo em vista que o ensino ministrado,
ainda hoje, aos alunos, nas escolas de ensino regular, não dá conta do
que é necessário para que essa abertura se concretize, pois a maioria
delas adota medidas excludentes quando se defrontam com essas dife-
renças. “A Inclusão é uma provocação, cuja intenção é melhorar a qua-
lidade do ensino das escolas, atingindo todos os alunos que fracassam
em suas salas de aula [...]”. (MANTOAN, 2003, p. 10)
A Educação Inclusiva não deve ser vista como uma moda passa-
geira. Ela é resultado de muitas discussões, estudos teóricos e práticas
que tiveram/têm a participação e o apoio de organizações de pessoas
com deficiência e educadores, no Brasil e no mundo. Fruto também de
um contexto histórico em que se resgata a Educação como lugar do
exercício da cidadania e da garantia de direitos. (GIL, 2005)
A Inclusão e a Escola Inclusiva impõem mudanças de perspectiva
educacional, não apenas para atender as necessidades das pessoas com
deficiência, mas para atender a necessidade de todo e qualquer aluno.

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Para além do cumprimento das leis em vigor no nosso país, a efetivação
das escolas inclusivas se faz necessária e urgente pelo mérito da busca
por mudanças e transformações sociais. Por isso, ratificamos a impor-
tância das discussões e debates constantes em torno da Educação, mas
especialmente, sobre as propostas que se apresentam na atualidade
para a educação de pessoas com deficiência na perspectiva da Inclusão
e da consolidação de uma escola verdadeiramente inclusiva.
Quem já passou por esse tipo de experiência pode atestar que ter
numa turma regular, alunos com qualquer tipo de deficiência é um
grande desafio para o professor. Equacionar as demandas desse aluno
e dos demais é uma tarefa muito difícil. Geralmente ficamos entre a
exclusão/não participação dessas pessoas nas aulas, por ignorância,
falta de consciência social ou habilidade técnico-pedagógica, des-
considerando as diferenças e a importância de incluir esse aluno em
nossas aulas.
Assim nascem as motivações e o interesse pelo desenvolvimento
desta pesquisa: no “chão da escola”, com a intervenção cotidiana
nas aulas de Educação Física na sala de aula, na quadra, no pátio, no
parque, nos diferentes espaços da escola. Fruto de experiências na for-
mação inicial e continuada, especialmente do esforço de sistemati-
zação e produção do conhecimento realizado durante o curso de mes-
trado em educação, na linha de Educação e Diversidade do Programa
de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação
da Universidade Federal da Bahia, concluído em fevereiro deste ano.
Deste estudo deriva a possibilidade de discutir a seguinte questão:
Como os professores de Educação Física podem, na sua ação pedagó-
gica, relacionar-se com a diferença gerada pela presença de alunos com
deficiência em turmas regulares? Com o objetivo de apresentar pers-
pectivas para as intervenções de professores durante as aulas de Edu-
cação Física em turmas inclusivas.
Metodologicamente, este trabalho constitui-se como um estudo de
caráter qualitativo que tentou responder à questão colocada e materia-
lizar os objetivos propostos através da apresentação de um estudo de
caso desenvolvido em uma escola da rede privada de ensino da Cidade

134 Educação física e inclusão

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de Salvador-Bahia, onde investigamos as ações de dois professores
de Educação Física em quatro turmas que têm a presença de crianças
com deficiência.

Reflexões sobre Educação Física e inclusão


Historicamente, a Educação Física ocupou-se da formação de padrões,
corpos padrões, alunos padrões, supervalorizando os mais ágeis, mais
fortes e mais velozes em detrimentos dos menos ágeis, menos fortes e
menos velozes. Segundo Falkenbach, Drexsler e Lauxen (2008), a Edu-
cação Física tem um histórico de seleção, performance e técnica muito
forte e há muitas dificuldades iniciais no processo da inclusão nesta área.
Sobre esse assunto, Soler (2005, p. 18) destaca que:
[...] a história de Educação Física Escolar é uma história de exclusão
e marginalização com os menos hábeis, meninas e portadores de
necessidades especiais, inclusive todos os dias enxergamos na
mídia uma ditadura estética, em que só é valorizado o corpo per-
feito, alijando-se o corpo comum [...].

Na década de 1990 se concretizaram proposições metodológicas


com intenção direta e efetiva de mudanças na prática docente e na
prática escolar dessa disciplina. Trabalhos como o de Darido (2003),
Xavier Neto (2005), Seabra Júnior (2006) e Gonçalves (2009), e ou-
tros destacam a coexistência atual dessas abordagens e nos permitem
identificar que elas não incorporaram de maneira significativa as ques-
tões das diferenças, da diversidade, da deficiência e da inclusão.
Seabra Júnior (2006) destaca que não encontrou evidências claras
e específicas à inclusão na maioria das abordagens metodológicas da
Educação Física, analisadas por ele em seu trabalho de mestrado. Gon-
çalves (2009), fazendo análise de três importantes abordagens33 no ce-
nário das propostas teóricas para a metodologia do ensino da Edu-

33 São elas: a abordagem critico-superadora, de autoria de um coletivo de autores, a abordagem criti-


co-emancipatória, proposta pelo professor Elenor Kunz e abordagem da saúde renovada de Markus
Vinicius Nahas.

Educação Física: currículo, formação e inclusão 135

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cação Física, afirma que as apresentadas não conseguem subsidiar a
partir de seus conceitos e proposições, as práticas inclusivas:
Pertencimento de classe social, emancipação humana, pedagogia
dialógica, crítica à hegemonia esportiva, Educação Física para além
da prática pela prática, qualidade de vida, promoção da saúde.
Enfim, temos aí um farto leque de conceitos, de imenso valor, mas
particularizado para as aulas que não precisam preocupar-se com
a relação entre alunos com deficiência e alunos sem deficiência.
Temos propostas cuidadosamente pensadas e comprometidas
com as dimensões estética, cultural, política, social, subjetiva, de
saúde pública, todas atreladas a uma mesma disciplina que tem
por excelência em seu trabalho o movimento. No entanto, todos os
compromissos supracitados parecem inacessíveis aos alunos com
prejuízos motores e/ou mentais e/ou sensoriais. O requinte e o re-
finamento que se constituem ao longo dos debates (sejam eles da
área pedagógica ou da área da saúde) passam longe das pessoas
com histórico de deficiência. (GONÇALVES, 2009, p.117)

Apesar de trazer avanços no sentido de expressar concretamente


a inclusão como um princípio norteador da Educação Física no En-
sino Fundamental, a política nacional expressa na publicação do Mi-
nistério da Educação (MEC) dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) traz também equívocos conceituais e poucas pistas sobre o
acolhimento, adaptação e desenvolvimento de pessoas com deficiên-
cias, sejam elas físicas, sensoriais ou intelectuais durante as aulas.
Ao fazer uma análise do documento, Gonçalves (2010) reconhece
sua importância fundamental por nortear as práticas pedagógicas
das escolas em todo o território nacional, mas também identifica que
o texto deixa explícito, em diversos momentos, os limites de inter-
venção dessa disciplina, especialmente quanto à inclusão de pessoas
com deficiência. Entre as principais críticas levantadas por essa au-
tora estão: a) o pequeno espaço destinado à orientação para inclusão
de pessoas com deficiência; b) ausência de referência a outros tipos
de deficiência, além da deficiência física, o que permite uma formação
“diferenciada” e “limitada” para esses alunos; c) inúmeras expressões
de alunos idealizados, representados nos discursos sobre tudo aquilo
que é possível fazer.

136 Educação física e inclusão

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Falkenbach, Drexsler e Lauxen (2008), através de um estudo descri-
tivo e interpretativo de cunho bibliográfico, realizaram uma busca em
artigos de três revistas reconhecidas da área34 e também no banco de
teses e de dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal do Ensino Superior (CAPES) no período compreendido entre os
anos 2000 a 2006, e puderam concluir que:
A partir desta pesquisa, pode-se perceber que não há registros
na bibliografia da área da educação física, de intervenções e expe-
rimentos de inclusão nas aulas de educação física dentro da es-
cola regular. As produções nos mostram que a inclusão está acon-
tecendo a partir do momento em que relatam a participação de
crianças com necessidades educativas especiais nas aulas de edu-
cação física na classe regular. Mas não há publicações de propostas
de inclusão para esta área do conhecimento. (FALKENBACH; DRE-
XSLER; LAUXEN, 2008)

Disso podemos considerar que a lacuna identificada nas propostas


da década de 1990 se estende até pelo menos a primeira metade da dé-
cada seguinte, tendo em vista que a produção sobre o tema é pequena,
apenas 25 trabalhos no período de tempo de seis anos. (FALKEN-
BACH; DREXSLER; LAUXEN, 2008) Além disso, esse quantitativo não
se ocupa com intervenções e experimentos de inclusão nas aulas de
Educação Física dentro da escola regular, o que de fato é a proposição
e a busca do paradigma da inclusão e da Escola Inclusiva.
No âmbito da formação acadêmica e profissional, os trabalhos de
Luna (2005) e Oliveira (2007) apontam questões significativas para
pensar a preparação dos professores de Educação Física para lidar
com questões como diversidade, diferenças, inclusão e deficiência. Na
medida em que identificam que esse conhecimento não é tratado de
forma concreta no momento da formação, o currículo e os programas
de cursos não dão importância a essas questões, bem como os pro-
fessores formadores têm percepções limitadas sobre a deficiência, evi-

34 São elas: Revista Movimento, Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Lecturas: Educación Física y De-
portes – revista digital. Os autores registram que as revistas foram escolhidas pela sua regularidade
de publicação, bem como por serem periódicos de qualificação internacional na área da Educação
Física pelo Qualis da Capes.

Educação Física: currículo, formação e inclusão 137

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denciam-se lacunas da formação inicial e consequentemente da atu-
ação dos professores que passam por esse processo formativo.
Nesse cenário, muitos professores e escolas sustentam discursos
contrários à inclusão de pessoas com deficiência na turma regular,
tendo em vista que eles não tiveram a preparação/formação adequada
para desenvolver intervenções apropriadas e consistentes, transfe-
rindo responsabilidades para os currículos, as universidades e as polí-
ticas da educação.
Algumas experiências de pesquisas têm apontado para dificuldades
da concretização da inclusão durante as aulas e pelos professores de
Educação Física em diferentes lugares do Brasil. Falkenbach, Drexsler
e Lauxen (2008), em investigações realizadas sobre o fenômeno da in-
clusão na realidade das escolas da região do Vale do Taquari, mais es-
pecificamente nas redes de ensino municipal e estadual de cidades do
interior do estado do Rio Grande do Sul, verificaram carência de expe-
rimentos pedagógicos práticos na área. Mas afirmam que:
[...] os estudos possibilitaram constatar significativas dificuldades
no processo de inclusão de crianças com necessidades especiais
na rede regular de ensino e ainda mais pronunciadas na prática pe-
dagógica em aulas de educação física [...]. (FALKENBACH; DRE-
XSLER; LAUXEN, 2008)

Mansur e colaboradores (2007), após estudo realizado na cidade de


Laranjal – Minas Gerais, com a intenção de conhecer a opinião de pro-
fessores de Educação Física sobre a inclusão de alunos com deficiência
no sistema regular de ensino, considerou que “[...] os professores não
possuíam conhecimentos suficientes para incluir um aluno deficiente
em suas aulas”. (MANSUR et al., 2007, p. 498) E destacou que:
Todos professores relataram que há necessidade de cursos de ca-
pacitação para aquisição de conhecimentos sobre os vários tipos
de deficiência e cursos de reciclagem sobre inclusão escolar, estru-
tura adaptada do espaço físico, material didático adequado, mé-
todo adequado de ensino, apoio técnico-pedagógico especializado,
à adequação metodológica de ensino que envolva todos os alunos
e trabalho em equipe. (MANSUR et al., 2007, p. 498)

138 Educação física e inclusão

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Contudo, outros discursos e outras opiniões também se fazem pre-
sentes nesse cenário. Muitos professores de Educação Física já com-
preendem a inclusão como um desafio a ser assumido pela escola:
A escola deve se preparar para receber todas as diferenças e per-
ceber que cada ser humano é uno, e por ser único se torna muito
especial, todos são especiais: professores e alunos. A escola é o
lugar ideal para se formarem novos pensamentos a respeito das
diferenças, sempre lembrando que só tem alguma coisa a trocar
quem é diverso. (SOLER, 2005, p. 19)

Carmo (2001) considera significativo o trabalho que a área da Edu-


cação Física vem desenvolvendo com as pessoas com deficiência, nas
últimas décadas, mas reconhece que, assim como as outras áreas de
conhecimento, ainda existem problemas das mais diferentes ordens e
formas, sobretudo no tocante ao atendimento ao ensino e à pesquisa,
voltados para as pessoas com deficiência. E dessa forma ressalta que:
[...] esperamos que os professores de Educação Física em face da in-
clusão escolar tomem partido nessa luta social, não se distanciando
da realidade, nem se deixando petrificar pelas adaptações moti-
vadas por sentimentos passionais e pieguistas tão comuns entre as
pessoas que trabalham com os deficientes. (CARMO, 2001, p. 80)

Sassaki (1997) também destaca a evolução da Educação Física e do


Esporte no sentido da inclusão e como é possível integrar a pessoa
com deficiência no meio social através dessa área do conhecimento.
Para Gorgatti (2005, p. 27) “[...] a inclusão nas aulas de Educação Fí-
sica, quando bem orientada e estimulada, pode viabilizar vários be-
nefícios para todos [...]”. Essa afirmação corrobora com outros au-
tores como Mantoan (1997), Stainback e colaboradores (1999) e Gil
(2005). Essa última destaca que “[...] estudos e experiências realizados
no Brasil e no mundo demonstram que a Educação Inclusiva é bené-
fica para todos os envolvidos [...]”. (GIL, 2005, p. 25)
Apesar disso, podemos considerar que as propostas e ideias de in-
clusão ainda encontram opiniões divergentes entre os professores,
pesquisadores, pessoas com deficiência e sem deficiência, ou seja,
entre a população brasileira e mundial. Essa divergência acontece nas

Educação Física: currículo, formação e inclusão 139

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mais diversas áreas de conhecimento, assim como também na área da
Educação Física.
Para Cidade e Freitas (2002), a Educação Física adaptada na escola,
constitui-se em uma grande área de adaptação ao permitir a partici-
pação de jovens e crianças em atividades adequadas às suas necessi-
dades e possibilidades, proporcionando que sejam valorizados e se in-
tegrem num mesmo mundo. Carmo (2001) desenvolve considerações
sobre essa questão pautando uma inversão de prioridades. Nessa pers-
pectiva, a preocupação recai muito mais na adaptação do que na criação
de atividades compatíveis com as condições e habilidades das pessoas.
Muitos profissionais da Educação Física acreditam que ao adap-
tarem os conhecimentos existentes aos deficientes estão realizando
um grande feito, ou sendo extremamente criativos. No nosso modo
de entender, todo esse sucesso e criatividade, existe, porém, está
servindo muito mais para manter o princípio da igualdade universal
entre os homens e as mazelas daí decorrentes, do que para expli-
citar o princípio da diferença e da desigualdade, na tentativa de su-
peração deste quadro social. (CARMO, 2001, p. 74)

Outra crítica que se apresenta sobre essa questão é a desenvolvida


por Gonçalves (2010) no sentido de relembrar a reivindicação histórica
da área contra a esportivização da Educação Física na escola. Durante
anos, lutamos contra a hegemonia do Esporte e anunciamos a impor-
tância da divulgação das mais diferentes manifestações da cultura cor-
poral nas aulas de Educação Física. Propor para as aulas dirigidas a
pessoas com deficiência apenas as adaptações de modalidades espor-
tivas é no mínimo um retrocesso histórico.
Também é importante salientar que grande parte das discussões
feitas pela educação física, no que tange à deficiência, se limita a
tratar dos esportes adaptados como solução, inclusive os Parâme-
tros Curriculares Nacionais também sinalizam para essa possibi-
lidade. No entanto, considerando que a educação física escolar é
severamente criticada pela hegemonia do modelo esportivizado,
nessa mesma lógica poderíamos seguir nossa contestação quanto
ao ensinamento das modalidades paradesportivas durante suas
aulas. Além do mais, dedicar somente o ensino do paradesporto
como conteúdo para as turmas com alunos com histórico de defi-
ciência é de alguma forma assumir que, para além disso, não sa-

140 Educação física e inclusão

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bemos o que fazer em nossas aulas. Esse fato se une ainda à ne-
gação do direito ao conhecimento dos demais conteúdos, como
dança, ginástica, lutas, práticas corporais oriundas da cultura po-
pular, e ao caráter segregador do paradesporto, que na busca da in-
clusão acaba por separar deficientes e não deficientes em sua prá-
tica. (GONÇALVES, 2010, p. 30)

A presença efetiva de pessoas com deficiência e a demanda pela


consolidação da Escola Inclusiva hoje denuncia as “lacunas” e “limita-
ções” do sistema escolar. Para Sassaki (1997), a inclusão implica em
modificações da sociedade como pré-requisito para a pessoa com defi-
ciência buscar seu desenvolvimento e exercer a cidadania.
Com isso não queremos simplesmente depositar na escola a res-
ponsabilidade pela construção de uma sociedade inclusiva, porque sa-
bemos que a Educação sozinha não transforma a sociedade. (FREIRE,
1996) Mas sabemos também que sem a Educação, sem iniciativas
e práticas que busquem consolidar uma Escola Inclusiva, teremos
menos chances de construir uma sociedade menos excludente, mais
democrática, mais justa e mais inclusiva.

Ação pedagógica de professores de Educação


Física em turmas inclusivas:
um estudo de caso
Do ponto de vista do debate acadêmico, o nosso foco de abordagem
situa-se no interior do campo epistemológico da práxis pedagógica de
professores de Educação Física. No que tange à especificidade da abor-
dagem dentro desse cenário, a opção de recorte do estudo recai sobre
a ocorrência da problemática em foco no contexto específico de uma
Escola Inclusiva.
Diante das possibilidades existentes na pesquisa qualitativa e con-
siderando a especificidade e complexidade do tipo de problemática le-
vantada, fizemos opção pela realização de um estudo de caso que, se-
gundo Gil (1999, p.72-73):

Educação Física: currículo, formação e inclusão 141

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[...] É caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de
poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e
detalhado, tarefa praticamente impossível mediante os outros tipos
de delineamentos considerados [...].

Nossa pesquisa se desenvolveu em uma escola da rede privada de


ensino na cidade de Salvador-Bahia. Nesse universo, tivemos como
objeto de investigação, a atuação e prática pedagógica de dois profes-
sores da área curricular de Educação Física, especificamente quando
estiveram ministrando suas aulas em 04 turmas regulares que têm
alunos com deficiência. As reflexões e proposições que seguiram de-
rivam de generalizações feitas a partir da observação, análise e teori-
zação realizada a partir deste estudo de caso, fruto da conclusão do
curso de mestrado em educação em fevereiro de 2011.
Vale ressaltar que não foi objetivo desse estudo discutir e/ou apre-
sentar como deve ser a ação/intervenção do professor para lidar com
as especificidades de cada deficiência. Queremos perceber e discutir a
ação pedagógica do professor quando está diante da diferença gerada
por qualquer tipo de deficiência, justamente por isso fizemos a opção
de trabalhar com quatro turmas diferentes e com crianças que apre-
sentam características, deficiências e necessidades diferentes.
Quanto à recepção e acolhimento inicial dos alunos com deficiência
pelos dois professores, consideramos que, de uma maneira geral,
ambos demonstraram segurança, cuidado e atenção, direcionados a
essas crianças. No início da maioria das aulas, tiveram preocupação
de aguardar e iniciar a comunicação e as atividades com a turma após
a chegada de todos. O contato/comunicação inicial com as crianças
com deficiência em geral ocorreu da mesma forma de como ocorreu
com as demais crianças da turma.
Dos momentos iniciais de recepção e acolhimento, algumas ati-
tudes especialmente nos chamaram atenção, uma delas foi o contato
afetivo que os professores dedicaram às crianças com deficiência. Para
Onrubia (2003, p.136),
[...] estabelecer um clima de relacionamento afetivo e emocional
baseado na confiança na segurança e na aceitação mútuas, em que

142 Educação física e inclusão

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caibam a curiosidade, a capacidade de surpresa e o interesse pelo
conhecimento em si mesmo [...].

é uma das características principais dos processos de interação pro-


fessor/alunos em situações de aula e estão implicadas nos processos
de criação de Zonas de Desenvolvimento Proximal (ZDP).35
Outro elemento importante do momento de recepção e acolhi-
mento foi a ação dos professores de aguardar e tentar iniciar as aulas e
a comunicação com a turma sempre na presença de todos os alunos.
Também nesse momento inicial das aulas, aparece uma preocupação
com a qualidade dessa comunicação, ou seja, com a compreensão das
crianças sobre aquilo que foi dito, explicado ou acordado com a turma.
Onrubia (2003) também destaca como característica fundamental
da interação professor/aluno a utilização de uma linguagem clara e ex-
plícita como tentativa de evitar mal-entendidos e incompreensões. Ba-
seando-se em Edwards e Mercer (1988 apud ONRUBIA, 2003, p. 142),
afirma que:
[...] um uso adequado da linguagem é uma das características es-
senciais de uma interação capaz de fazer avançar adequadamente
através dessas ZDP. Assegurar ao máximo que não se produzam
mal-entendidos na comunicação é um dos requisitos necessários
para esse uso adequado e, para isso, é decisivo empregar formas
de comunicação o mais explícitas possível e tratar de testar siste-
maticamente se não ocorreram rupturas na compreensão mútua.

Nesse aspecto da comunicação, surgiu como desafio para um dos


professores a intervenção com uma criança que tem audição compro-

35 Segundo Onrubia (2003, p. 127), proposta pelo psicólogo soviético l. S. Vygotski há mais de meio
século, no âmbito de uma posição teórica global que defende a importância da relação e da inte-
ração com outras pessoas como origem dos processos de aprendizagem e desenvolvimento hu-
mano, recuperada junto com o conjunto da obra vygotskiana nos últimos anos e objeto crescente
de interesse e aprofundamento no âmbito psicológico e educacional, a ZDP é definida como a
distância entre o nível de resolução de uma tarefa que uma pessoa pode alcançar atuando indepen-
dentemente e o nível que pode alcançar com a ajuda de um colega mais competente ou experiente
nessa tarefa. (VYGOTSKI, 1979 apud ONRUBIA, 2003) Em termos gerais, a ZDP pode ser definida
como o espaço no qual, graças à interação e à ajuda dos outros, uma pessoa pode trabalhar e resol-
ver um problema ou realizar uma tarefa de uma maneira e em um nível que não seria capaz de ter
individualmente. (NEWMAM; GRIFFIN; COLE, 1991 apud ONRUBIA, 2003)

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metida e mesmo com uso de aparelho auditivo realiza alguns gestos
que facilitam a comunicação. Mas o professor demonstrou-se atento
a essa diferença e necessidade do garoto, utilizando-se de gestos e si-
nais na comunicação.
Sobre essa questão é importante registrar que de acordo com o de-
creto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 da Presidência da Repú-
blica, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) deve ser disciplina curri-
cular obrigatória nos cursos de formação de professores, o acesso à
comunicação, à informação e à educação deve ser garantido às pes-
soas surdas em todas as etapas e modalidades de educação. Diz ainda
que a LIBRAS deve ser difundida em toda comunidade escolar, con-
forme os artigos terceiro e décimo quarto.36
Não queremos dizer com isso que, nesse momento, os professores
têm obrigação de saber utilizar a língua de sinais, mas consideramos
que devemos esperar que, no futuro próximo, todos os professores do
nosso país tenham minimamente a competência ou condição neces-
sária para desenvolver o seu trabalho com pessoas com deficiência au-
ditiva, em qualquer nível. E, dessa forma, caminharemos para aban-
donar os discursos da falta de capacitação, habilidade e/ou apoio
técnico para trabalhar com essas pessoas:
[...] Dizer “enquanto a sociedade, a escola, os alunos, os pais, os
programas não se modificarem, eu não posso fazer nada” é uma
posição muito cômoda e paralisante. Seria absurdo negar o peso
dos fatores estruturais, diz Perrenoud, mas é preciso vencer a imo-
bilidade diante deles e relativizar o seu papel. Ainda segundo Perre-
noud, é preciso vencer os preconceitos e as resistências em relação
aos alunos desmotivados, desinteressados, sujos, agressivos, mal-

36 Art. 3°. A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de
professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudio-
logia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de
ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas
acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos
conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, des-
de a educação infantil até à superior.
V - Apoiar, na comunidade escolar, o uso e a difusão de libras entre professores, alunos, funcioná-
rios, direção da escola e familiares, inclusive por meio da oferta de cursos. (BRASIL, 2005)

144 Educação física e inclusão

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cheirosos, indisciplinados, esquivos negligentes (com deficiência).
(ANDRÉ, 1999, p. 21, grifo nosso)

No desenvolvimento da aula, tentamos focar nossa observação nas


relações e interações entre as crianças sem deficiência e as crianças
com deficiência e vice-versa. Num plano geral, as relações se estabe-
lecem de maneira tranquila na maior parte do tempo, mas também são
permeadas por conflitos e incompreensões de ambas as partes em di-
versos momentos. Portanto, as relações entre as crianças constituem-
-se como um espaço de tensão permanente entre os processos de in-
clusão e exclusão.
Nesse contexto, dirigimos o nosso olhar e a nossa atenção para as
intervenções dos professores com as crianças com deficiência e nas
situações onde estavam diretamente envolvidas. Uma preocupação
dos professores evidente em nossas observações foi o oferecimento
de ajuda às crianças com deficiência. Ambos disponibilizaram ajudas
em diferentes momentos das aulas. Esses auxílios geralmente foram
em forma de sustentação corporal e estratégias que facilitaram e pos-
sibilitaram a participação durante a aula ou como uma expressão de
atenção e apoio às crianças.
Podemos considerar que essas ações coadunam com a concepção
construtivista, pela qual o ensino é entendido como uma ajuda ao pro-
cesso de aprendizagem e não substitui a atividade mental/corporal
construtiva do aluno, nem ocupa seu lugar. (COLL, 1990 apud ON-
RUBIA, 2003) Onrubia (2003, p.125) baseado nos trabalhos de Coll
(1990, 1991) faz o seguinte alerta:
Se a ajuda oferecida não estiver “conectada” aos esquemas de co-
nhecimentos do aluno, se não for capaz de mobilizá-los e ativá-los
e, ao mesmo tempo, forçar sua reestruturação, não estará cum-
prindo sua missão. A condição básica para que a ajuda educacional
seja eficaz e possa realmente atuar como tal é, portanto, a de que
essa ajuda se ajuste às situações e às características que, a cada
momento, a atividade mental construtiva do aluno apresentar.

Portanto, oferecer uma “ajuda ajustada” à aprendizagem supõe criar


ZDP e ofertar nelas ajuda e apoio para que os alunos possam ir modifi-

Educação Física: currículo, formação e inclusão 145

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cando, na atividade coletiva, seus conhecimentos, os sentidos e os sig-
nificados do aprendizado, adquirindo possibilidades de atuação autô-
noma perante as tarefas. (ONRUBIA, 2003)
Outro elemento importante desenvolvido na ação dos professores,
e que podemos identificar com nossa investigação, foram as situações
de interações entre professor/aluno e aluno/aluno. Oliveira (1997, p.
57) destaca que “[...] o ser humano cresce num ambiente social e a
interação com outras pessoas é essencial para seu desenvolvimento
[...]”. Essas considerações são feitas com base na produção do psicó-
logo soviético L. S. Vygotski, que, no âmbito de uma posição teórica
global, defende a importância da relação e da interação com outras
pessoas como origem dos processos de aprendizagem e desenvolvi-
mento humano. Como ele diz: “Nós no tornamos nós mesmos através
dos outros [...]”. (VYGOTSKI, 2000, p. 65)
A interação social das pessoas com deficiência e sem deficiência
no contexto educacional é a “[...] chave para a construção do conheci-
mento. A heterogeneidade possibilita a troca, e conseqüentemente, se
amplia à capacidade individual [...]”, é o que considera Marques (2000,
p. 104). A mesma autora destaca que a pessoa com deficiência deve
participar ativamente da vida social, superando o caráter segregador,
excludente e caritativo dado historicamente às pessoas com deficiência:
Sobre a pessoa com deficiência são atribuídas socialmente muito
mais incapacidades do que aptidões, o que limita suas relações
sócio-culturais, minimiza suas aprendizagens e limita seu desenvol-
vimento. Para a teoria histórico-cultural, o homem nasce com uma
potencialidade, a de aprender e é nessa perspectiva que essa abor-
dagem concebe seu desenvolvimento. (OLIVEIRA, 2007, f.53-54)

A afirmação feita pelo autor acima também se baseia nos estudos


de Vygotski sobre a deficiência. Para ele, a criança com deficiência
passa pelas mesmas mediações semióticas de desenvolvimento das
pessoas sem deficiência. As relações socioculturais são mais determi-
nantes no destino dessas pessoas do que a deficiência em si. Assim,
o meio social e o contexto educacional podem facilitar ou dificultar a

146 Educação física e inclusão

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criação de caminhos para o desenvolvimento da pessoa com defici-
ência. (OLIVEIRA, 2007)
Dessa forma, podemos considerar que as ações dos dois profes-
sores possibilitaram e favoreceram as interações professor/criança
com deficiência e crianças com deficiência/crianças sem deficiência.
Lembrando que, nessas interações se constituem as zonas de desen-
volvimento proximal37 onde as pessoas “menos competentes” podem
aprender com o auxilio de outras “mais competentes”:
Com relação à atividade escolar, é interessante destacar que a inte-
ração entre os alunos também provoca intervenções no desenvol-
vimento das crianças. Os grupos de crianças são sempre heterogê-
neos quanto aos conhecimentos já adquiridos nas diversas áreas e
uma criança mais avançada num determinado assunto pode con-
tribuir para o desenvolvimento das outras. Assim como o adulto,
uma criança também pode funcionar como mediadora entre uma
e outra criança e às ações e significados estabelecidos como rele-
vantes no interior da cultura. (OLIVEIRA, 1997, p. 64)

Algumas ações dos professores caminharam no sentido contrário


do favorecimento da interação e, consequentemente, da criação de
ZDP tendo em vista que a criação dessas zonas e o avanço através
delas dependem que se estabeleça a interação concreta entre o aluno
e outros que possam ajudar em seu processo de aprendizagem. “Sem
possibilidade de participação efetiva do aluno, não há tampouco pos-
sibilidade de criação de ZDP nem de intervenção nelas [...]”. (ON-
RUBIA, 2003, p.135)
[...] o ensino deve apontar, fundamentalmente, não para aquilo que
o aluno já conhece ou faz, nem para os comportamentos que já
domina, mas para o que não conhece, não realiza ou não domina
suficientemente; ou seja, deve ser constantemente exigente com
os alunos e colocá-los diante de situações que os obriguem a en-

37 De acordo com a caracterização de Vygotsky e os seus seguidores, é na ZDP que pode produzir-se
o aparecimento de novas maneiras de o participante menos competente entender e enfrentar as
tarefas e os problemas, graças à ajuda e aos recursos oferecidos por seu ou seus colegas mais com-
petentes ao longo da interação. [...] a ZDP é o lugar onde graças ao suporte e à ajuda dos outros,
pode desencadear-se o processo de construção, modificação, enriquecimento e diversificação dos
esquemas de conhecimentos definidos pela aprendizagem escolar. (ONRUBIA, 2003, p 128)

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volver-se em um esforço de compreensão e atuação. (ONRUBIA,
2003, p. 125)

A diversificação das atividades e a oportunidade de escolha ofe-


recida aos alunos, em diversos momentos nas aulas, são mais ele-
mentos positivos da ação dos professores. As aulas que observamos
apresentaram um repertório grande de atividades.
Diversificar os tipos de atividades, possibilitar que em um dado
momento os alunos possam escolher entre essas tarefas dife-
rentes, propor em alguns casos atividades com opções ou alterna-
tivas internas ou com diversos níveis possíveis de execução final,
constituem dessa perspectiva, outros tantos recursos para facilitar
a participação do conjunto de alunos, no maior grau possível. (ON-
RUBIA, 2003, p.136)

A diversificação e o espaço da escolha foram garantidos pelos pro-


fessores em todas as turmas. Essas ações garantiram o direito das
crianças com deficiência de falarem por elas mesmas. Isso é impor-
tante na medida em que podem dirigir as suas escolhas com auto-
nomia, sem a intermediação de outros que talvez não conheçam ver-
dadeiramente suas necessidades. Dessa forma, podemos verificar que
[...] estamos evoluindo das práticas de falar por elas, para a de
falar junto com elas, e progressivamente, de mais ouvi-las, apren-
dendo sobre suas necessidades e expectativas [...]. (CARVALHO,
2008, p. 32)

Nos momentos de finalização das aulas, não tivemos grandes dife-


renças da despedida do professor com o grupo e com os alunos com
deficiência. Na maioria delas, a despedida aconteceu em momentos
coletivos em que estiveram presentes todas as crianças e a atenção
dos professores foi dirigida ao grupo. Apenas em algumas foi pos-
sível observar a aproximação por parte dos professores para com as
crianças com deficiência para fazer algum tipo de verificação ou inter-
venção específica.
Entretanto, destacamos duas questões sobre esse momento: não
ocorreram em todas as aulas, pois o tempo pedagógico de algumas

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aulas não contemplou a organização da roda de finalização para re-
flexão sobre o desenvolvimento das aulas. A segunda questão é que o
espaço de finalização não problematizou de forma direta os conflitos
provenientes das diferenças geradas pelas deficiências.
As intervenções dos dois professores não evidenciaram as deficiên-
cias das crianças e dessa forma não possibilitaram o reconhecimento e
afirmação dessas diferenças. Nas situações observadas, pudemos con-
siderar que os conflitos foram gerados pelas limitações ou dificuldades
das crianças com deficiência, mas também podemos inverter a ordem
e julgar que os conflitos nascem do preconceito, do estranhamento, da
rejeição, da falta de habilidade, das limitações, por parte das crianças
sem deficiência para lidar com as diferenças.
Oliveira (2007, f.52) destaca que:
As relações sociais produzidas entre o(s) outro(s) e o sujeito com
deficiência têm historicamente cristalizado sentidos/significados
que individualizam a deficiência e rotulam os sujeitos, idéia que,
a nosso ver, representa parte das concepções de deficiências cons-
truídas sócio-historicamente pela humanidade, o que configura um
débito histórico da sociedade para com essas pessoas. Por muitas
vezes, na tentativa de manter o status quo a ideologia dominante
tem nos passado uma mensagem que naturaliza a deficiência e
atribui ao sujeito um sentimento de “pena”, de valor menor.

Não será possível superar essa visão nem mesmo reparar esse “dé-
bito histórico” do qual o autor fala sem enfrentar diretamente essa
questão. Parece-nos que essas ações dos professores apenas circun-
daram a problemática principal, popularmente diríamos que eles fi-
caram “comendo pelas beiradas”, mas não chegaram ao “X” da
questão, que ao nosso entender seria problematizar as diferenças e en-
contrar caminhos para a inclusão das crianças com deficiência nas ati-
vidades. Especialmente porque, segundo Silva (2000, p.100):
A questão da identidade, da diferença e do outro é um problema
social ao mesmo tempo em que é um problema pedagógico e cur-
ricular. Uma política pedagógica e curricular da identidade e da di-
ferença tem a obrigação de ir além das benevolentes declarações
de boa vontade para com a diferença. Ela tem que colocar no seu

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centro uma teoria que permita não simplesmente reconhecer e ce-
lebrar a diferença e a identidade, mas questioná-las.

Preocupando-nos em retratar a perspectiva dos participantes con-


forme princípio da abordagem qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), rea-
lizamos entrevistas estruturadas com os dois professores. Destacamos
alguns elementos da fala dos professores que revelam informações,
entendimentos, concepções e estratégias para tratar as diferenças no
cotidiano das aulas de Educação Física. Também percebemos contra-
dições no próprio discurso e entre o discurso e as práticas observadas,
além de limites e possibilidades na atuação e intervenção com alunos
com deficiência.
Quando foram questionados sobre como identificam as diferenças
nas aulas, embora nenhum dos dois professores tenha apresentado
uma reflexão mais objetiva sobre a questão, ambos versaram sobre
a ideia de que as diferenças são percebidas e conhecidas no dia a dia
das aulas. As falas revelam uma compreensão de que as diferenças
existem porque as crianças não são iguais, ou porque as crianças são
diferentes, têm desejos, comportamentos e interesses diferentes. No
primeiro momento, nenhum dos professores associou a diferença com
a deficiência, o que parece demonstrar uma percepção mais ampliada
sobre a questão.
Quando questionamos os professores sobre o que implica a pre-
sença de uma criança com deficiência na aula de Educação Física, ti-
veram discursos próximos destacando a responsabilidade do pro-
fessor em fazer a turma respeitar as “limitações” e “capacidades”
dessas crianças, ou de fazer com que essas diferenças não tenham co-
notação negativa durante as aulas.
Outro elemento que está presente nas falas foram as ações de adap-
tação e criação de atividades que atendam às necessidades dos alunos
com deficiência. Em outros momentos da entrevista, os professores
também citaram as duas possibilidades, tanto das adaptações nos
jogos e nas brincadeiras existentes como da criação de novas ativi-
dades, jogos e brincadeiras.

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Sobre essa questão, é importante lembrar a crítica, que já trouxemos
anteriormente, feita por Carmo (2001) de que as adaptações podem
estar servindo muito mais para manter o princípio da igualdade uni-
versal entre os homens e as mazelas daí decorrentes, do que para ex-
plicitar o princípio da diferença e da desigualdade, na tentativa de su-
perar esse quadro social.
A questão de número três do nosso roteiro marcou a diferença mais
significativa no discurso dos dois professores. Enquanto um professor
respondeu com muita convicção “sim, completamente” quando foi
questionado se acreditava que os alunos com deficiência estavam inclu-
ídos nas aulas dele, o outro respondeu negativamente a mesma questão.
Sobral, baseado em Maturano (apud RAPPAPORT, 1985, p. 21),
considera que:
[...] além das características de estruturação, organização e manejo
de classe, o professor mais bem sucedido apresenta uma atitude
otimista percebendo os seus alunos como capazes de aprender e a
si mesmo como capaz de ensiná-los [...].

Díaz-Rodríguez e Bregow (2009, p. 325, grifo nosso ), comentando


esse apontamento consideram que:
[...] este otimismo destacado pela autora de referência e que se
pode traduzir em comportamentos de alegria, tranqüilidade, so-
ciabilidade, dialogismo, organização, perseverança, etc., consti-
tuem os chamados “traços” da personalidade desse professor, que
na condição de ensino, resultam positivos para a estimulação da
aprendizagem de seus alunos, pois tal comportamento otimista
pode ser imitado, ou quando menos reconhecido pelos aprendizes
e favorecer seu estado de ânimo ajudando sua disposição para
aprender (participar).

Em diferentes momentos das entrevistas, é possível detectar indica-


ções de dificuldades para trabalhar com as diferenças, especialmente
com a deficiência das crianças em quatro âmbitos, são eles: 1) as “ne-
cessidades” e “limitações” das crianças com deficiência; 2) criar adap-
tações e modificações nas atividades; 3) o “preconceito” ou “falta de

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respeito” das crianças sem deficiência; 4) a história de vida e de atu-
ação profissional anterior.
A respeito dessas dificuldades, podemos apresentar alguns ele-
mentos reflexivos que se constituem em nossa experiência pedagógica
e na perspectiva teórica que estamos adotando ao longo desse tra-
balho. Não queremos com isso refugar o discurso e as experiências
dos professores, apenas pretendemos acrescentar novas perspectivas
para um diálogo oportuno sobre as questões.
A inclusão de crianças com deficiência na escola regular tem se cons-
tituído como um grande desafio e uma provocação, com a intenção de
melhorar a qualidade do ensino e provocar rupturas em sua estrutura
organizacional. (MANTOAN, 1998) Isso exige das escolas uma supe-
ração das perspectivas homogeneizantes e uniformizantes que, histo-
ricamente, foram constituídas para o ensino, tendo em vista que já sa-
bemos que cada criança chega à escola com um estoque individual e
cultural diferente.
Díaz-Rodríguez e Bregow (2009) consideram que esse estoque não
tem sido aproveitado pela escola, que trata de homogeneizar o que é
heterogêneo através do mesmo ensino, dos mesmos requerimentos e
procedimentos metodológicos iguais para todos, obrigando a turma a
um aprendizado único, sem atender as diferenças individuais. Esses
autores destacam que a mediação38 pode ser individualizada ou feita
em subgrupos, buscando atender às características biológicas e psi-
cológicas próprias e as particularidades semelhantes de uns e outros:
Quando os objetivos instrucionais requerem um trabalho mais pes-
soal com o aluno, como, por exemplo, a realização de exercícios ou
tarefas em geral, tanto teóricas como práticas, a mediação torna-
-se individual, e é nela que o professor tem que considerar as limi-
tações e potencialidades de cada aluno, em particular, para dosar o
conteúdo em tempo e forma, respeitando os diferentes ritmos de
aprendizagem e principalmente no contato que durante o tempo de

38 Segundo Díaz-Rodríguez e Begrow (2009) Vygotski caracteriza a mediação como momento espe-
cial, formando parte essencial da zona de desenvolvimento proximal, que é propiciado pela orien-
tação certeira e oportuna de outra pessoa, constituída numa ajuda eficiente e norteadora que não
oferece a solução e sim o caminho solucionador que abrevia e estimula o processo de obtenção de
aprendizados na criança.

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aula estabelece com o aprendiz oferecendo-lhes as orientações per-
tinentes [...]. (DÍAZ-RODRÍGEZ; BEGROW, 2009, p. 337)

Quanto à segunda dificuldade relacionada com as adaptações e mo-


dificações dos jogos e brincadeiras, refletimos anteriormente sobre
a questão das adaptações e também reconhecemos a necessidade e
a importância da diversificação das atividades como recurso para fa-
cilitar a participação do conjunto de alunos, no maior grau possível.
Ainda temos a possibilidade de recorrer a materiais e espaços peda-
gógicos diversos, com diferentes formatos, tamanhos, cores, texturas,
níveis de dificuldades, como tentativa de fazer com que os alunos dis-
ponham de mais instrumentos para participar efetivamente das ativi-
dades durante as aulas, e com isso, possam explorar os recursos de
acordo com as diferentes habilidades. (ONRUBIA, 2003)
Quanto à questão do preconceito e da falta de respeito das crianças,
remetemos à discussão sobre as funções sociais da escola. A edu-
cação, ao longo da vida, deve ser holística e fundamentada em quatro
pilares fundamentais, sendo eles: aprender a conhecer; aprender a
fazer; aprender a ser; aprender a viver junto. (DELORS, 2004) Isso
traz para escola perspectivas de atuação em diferentes campos da for-
mação humana, dentre elas a formação ética e cidadã. Além disso, os
conteúdos escolares são de três dimensões, são eles: os conteúdos
conceituais, os conteúdos procedimentais e os conteúdos atitudinais,
esses últimos mais diretamente relacionados com a formação de ju-
ízos de valor, ou seja, com a construção e organização de princípios
morais e éticos.
Portanto essa dificuldade apontada pelos professores é apenas um
dos desafios com os quais a escola precisa se comprometer, especial-
mente as escolas de educação infantil e ensino fundamental que par-
ticipam da vida das crianças no momento mais significativo da for-
mação da sua personalidade. O preconceito, a intolerância, a falta de
respeito são objetos de estudo das ações pedagógicas e educativas
dos professores.
Ainda com as entrevistas, identificamos que as atividades das aulas
são reconhecidas pelos professores como propositivas para a inte-

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ração entre as crianças com deficiência e as crianças sem deficiência. E
também que os professores têm poucas referências e indicações de lei-
turas e conhecimentos sobre a questão das deficiências. Os dois pro-
fessores, quando foram questionados sobre sugestões de leituras e/ou
tipo de conhecimentos para professores que trabalham com pessoas
com deficiência, apresentaram respostas confusas e pouco conclusivas.

Reflexões conclusivas
Objetivamos, com este trabalho, analisar a ação pedagógica de dois pro-
fessores de Educação Física em turmas inclusivas do ensino fundamental
I de uma escola da rede privada de ensino na cidade de Salvador-Bahia,
além de identificar o tratamento dado por esses professores às questões
das diferenças, especificamente, aquelas geradas pela presença de pes-
soas com deficiências nas aulas de Educação Física na escola.
As nossas análises se constituíram as partir de dezesseis horas de
observação das aulas dos professores em turmas inclusivas, que são
aquelas turmas regulares da escola comum cujos discentes matricu-
lados incluem alunos com algum tipo de deficiência. Nesta pesquisa,
foram analisadas quatro turmas, cada uma delas com uma criança com
deficiência. Destacamos que o nosso interesse esteve voltado para as
ações dos professores diante das diferenças geradas pela deficiência,
independente qual fosse ela. Além das observações, realizamos entre-
vistas com os professores e análise de documentos (projeto pedagó-
gico e curricular da escola e planos de aula) que constituem o trabalho
pedagógico do professor.
Os resultados desta investigação sugerem que os professores desen-
volvem ações pedagógicas que favorecem a inclusão das crianças com
deficiência nas aulas de Educação Física, na medida em que a maioria
das ações e intervenções dos professores possibilitou as interações
entre as crianças com deficiência e outros sujeitos sociais (professores,
crianças sem deficiência e monitora), o que pressupõe a possibilidade
de criação e avanços nas zonas de desenvolvimento proximal.

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Dessa forma, as ações pedagógicas dos professores de Educação Fí-
sica da escola pesquisada parecem ter superado as perspectivas histó-
ricas que acompanharam essa prática pedagógica/disciplinar escolar
que, ao longo do tempo, negligenciou as diferenças, supervalorizando
os padrões e desenvolvendo práticas seletivas e excludentes impossi-
bilitando a participação ampla de todas as pessoas, independente das
suas capacidades físicas e habilidades corporais – apesar do histórico
de seleção, performance e técnica exacerbada que existe na Educação
Física e da falta de subsídios teóricos e práticos da área, visto que suas
proposições teórico-metodológicas não incorporaram as perspectivas
da inclusão, não se preocuparam com alunos com deficiência (GON-
ÇALVES, 2009) e não há publicações de propostas de inclusão para
essa área do conhecimento. (FALKENBACH; DREXSLER; LAUXEN,
2008) As crianças com deficiência foram acolhidas, incentivadas e cui-
dadas durante as aulas dos dois professores que também demons-
traram sensibilidade e estratégias para tratar as diferenças durante as
suas aulas.
Entre as principais estratégias e ações dos professores em relação
às crianças com deficiência estiveram as “ajudas” oferecidas em di-
versos momentos das aulas. Quando ofereceram esse tipo de ajuda à
aprendizagem, identificamos a criação de ZDP, tornando-se possível
que as crianças com deficiência fossem modificando, durante as ati-
vidades coletivas, seus conhecimentos, bem como os sentidos e sig-
nificados do aprendizado, adquirindo possibilidades de atuação autô-
noma perante as tarefas. (ONRUBIA, 2003)
Os dois professores demonstraram segurança na recepção e acolhi-
mento inicial dos alunos com deficiência. Estiveram, na maior parte do
tempo pedagógico, atentos às necessidades dessas crianças. Princi-
palmente estabeleceram contatos afetivos através de gestos corporais
que expressaram sentimentos e emoções dos professores e alunos e
foram cuidadosos na utilização das linguagens, favorecendo as intera-
ções e a participação das crianças nas aulas, já que o relacionamento
afetivo e a utilização de linguagem clara, evitando mal-entendidos na
comunicação são características importantes na interação professor/

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aluno e também estão implicadas nos processos de criação de zonas
de desenvolvimento proximal.
A estrutura das aulas, apesar de não ser reconhecida pelos profes-
sores no rol de estratégias, é favorável ao acolhimento e ao trato com
as diferenças, já que: a) ao início, estabelece uma comunicação com
o grupo, tornando as opções e escolhas mais democráticas nas aulas
e consequentemente, o ambiente mais propício a participação, garan-
tindo o direito de expressão de todas as crianças, inclusive as crianças
com deficiência; b) no desenvolvimento das atividades, possibilita vi-
vências, modificações, construção de regras, e diferentes níveis de difi-
culdades a partir da constatação de limites, problemas, do estabeleci-
mento de acordo ou surgimento de conflitos; c) a finalização permite
uma reflexão sobre o desenvolvimento das atividades e tudo que acon-
teceu no tempo pedagógico da aula.
Em adição, entre as estratégias utilizadas pelos professores po-
demos identificar a diversificação das aulas em diferentes âmbitos:
das atividades, dos espaços e dos recursos e materiais didático-peda-
gógicos. Tanto nas observações como em parte dos planos de aulas
analisados, podemos notar a atenção dos professores no sentido de
oportunizar diversas atividades com graus de dificuldades variáveis,
utilizando-se de diferentes objetos, materiais e brinquedos. Essa di-
versificação também favoreceu a participação das crianças com defici-
ência nas aulas, tornando as atividades mais atrativas.
Um dos elementos fundamentais para o desenvolvimento da criança
e da aprendizagem são as interações com outras pessoas. As ações pe-
dagógicas e as propostas de atividades dos professores possibilitaram
e favoreceram as interações entre professor/criança com deficiência e
crianças com deficiência/ crianças sem deficiência. O espaço das aulas
de Educação Física na escola pesquisada prioriza os jogos e brinca-
deiras entre os seus conteúdos e dessa forma as crianças têm um es-
paço privilegiado de interação nessas aulas.
Sabemos que através dessas interações podem se constituir as
zonas de desenvolvimento proximal pelas quais as crianças com defi-
ciência podem aprender com o auxílio de outras crianças e dos profes-

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sores. Entretanto também destacamos que não basta possibilitar uma
intensa relação interpessoal, seja entre os próprios alunos, seja entre
alunos e professores é preciso que existam atuações concretas do pro-
fessor na mediação das aprendizagens.
Os espaços de interação das crianças com deficiência com as
crianças sem deficiência no contexto da escola pesquisada foi iden-
tificado com um local de tensão permanente entre a inclusão e a ex-
clusão, entre as atitudes acolhedoras, compreensivas e interativas e
outras de rejeição, preconceito e discriminação. Esse cenário compôs
as intervenções dos dois professores de Educação Física que, durante
as aulas, trataram dessas questões.
Apesar de reconhecer que a maioria das ações pedagógicas possi-
bilitou a inclusão das crianças com deficiência nas aulas de Educação
Física, as entrevistas realizadas também sugerem que os professores
têm uma fragilidade teórica na fundamentação das suas ações e inter-
venções. A prática pedagógica desses dois profissionais parece se de-
senvolver sem auxílio efetivo de uma produção teórica consistente que
dê subsídios às propostas e ações desenvolvidas.
Dessa forma, também fazemos críticas aos professores e as suas
ações pedagógicas na medida em que se revelam contradições no
trabalho de ambos. Ficamos especialmente preocupados com as in-
dicações das dificuldades para trabalhar com as diferenças, especifi-
camente, com aquelas geradas pelas deficiências. Isso porque conside-
ramos que, o que se aponta como dificuldades são elementos presentes
no cotidiano da escola como desafios e conteúdos de trabalho.
No entanto, reconhecemos que participar de um projeto como
o da Educação Inclusiva que pretende rupturas e transformações é
sempre um grande desafio para nós, que nos dedicamos à tarefa do-
cente. Também reconhecemos que essa tarefa não está isenta de pro-
blemas, dificuldades, limitações e fracassos muitas vezes impostos
pelas próprias condições de realização da própria tarefa. Assim con-
cordamos que:
O trabalho do professor é particularmente complexo porque [...]
deve estar bem orientado para as regularidades da atividade pes-
soal da criança, ou seja, conhecer a psicologia da criança [...] deve

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conhecer as dinâmicas sociais particulares do cenário social da
criança [...] deve saber sobre as possibilidades de sua própria ativi-
dade pedagógica para usá-las com sensibilidade e assim, elevar a
um novo nível a atividade, a consciência e a personalidade de seus
pupilos [...] o trabalho do professor sempre contém um caráter pro-
fundamente criativo. (DAVYDOV apud DANIELS, 2003, p. 43)

Nossas análises sugerem que a ações pedagógicas dos professores


de Educação Física da escola pesquisada ainda estão carentes de refle-
xões, observações e leituras críticas, mas também estão permeadas de
iniciativas inclusivas, especialmente quanto ao tratamento dispensado
durante as aulas nas turmas regulares que têm a presença de crianças
com deficiências.
Acreditamos que a perspectiva da concepção construtivista do en-
sino e da aprendizagem pode dar respostas à diversidade e as dife-
renças no cotidiano escolar, especialmente nas aulas de Educação Fí-
sica, visto que defende a importância da relação e da interação com
outras pessoas como origem dos processos de aprendizagem e desen-
volvimento humano e as aulas de Educação Física podem se constituir
como espaço privilegiado de relações e interações.
Entretanto, consideramos que serão necessários novos estudos e
pesquisas que tenham como foco intervenções e experimentos de in-
clusão nas aulas de Educação Física dentro da escola regular. Dessa
forma, será possível desenvolver mais subsídios para o desenvolvi-
mento de propostas de inclusão para essa área de conhecimento.
Chegamos à conclusão desse estudo conscientes das suas limita-
ções e incompletudes, acreditando que não seria possível acontecer
de outra forma tendo em vista a natureza do trabalho, a complexidade
das questões abordadas e as inquietações que o conhecimento produz
a cada novo dia. A concretização deste texto foi um grande desafio. Es-
peramos que ele possa trazer contribuições para a escola, professores
e especialmente para os alunos com deficiência e que de alguma forma
se configure como alguns passos no caminho que ainda necessitamos
percorrer para que a sociedade seja de fato Inclusiva.

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colofão

Formato 160 x 230 mm

Tipologia Klavika 9/ 35 pt
Scala Sans 9/12 pt
LCD Plain 18/ 50 pt
Papel Miolo Alta Alvura 75 g/m²
Capa Cartão Supremo 300 g/m²

Impressão Edufba
Capa e acabamento Cartograf

Tiragem 400 exemplares

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Christiane Este livro é fruto do encontro de quatro grandes ami- César Pimentel
Freitas Luna gos, que se conheceram em momentos e tempos Figueiredo Primo
históricos diferentes, mas todos através do curso de
Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Amante do futebol-arte da seleção canarinho de 82 e do
Educação Física da Universidade Federal da Bahia, e
– UESB, onde coordeno a linha de pesquisa educação Barcelona de 2011, procuro, em minhas andanças acadêmicas,
que se reuniram recentemente na criação do Núcleo
inclusiva do grupo NEPEEL; sou mestre em Educação e bater uma bola com o conhecimento produzido com prazer
Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia
de Estudo e Pesquisas em Educação Física, Esportes e sensibilidade. Gosto de cinema e fotografia e escolho o
– UNEB, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em e Lazer (NEPEEL/CNPq/UESB), um grupo de pesqui- roteiro de minha trajetória universitária pelas lentes de minha
Educação da Universidade Federal da Bahia – UFBA, integrante sa, com sede na Universidade Estadual do Sudoeste formação na UFBA, onde estudei Educação Física em 1996,
do Grupo de Pesquisa Educação Inclusiva e Necessidades da Bahia, campus Jequié. Esta obra traz sínteses e/ou e voltei, para concluir o doutorado em Educação, em 2009.

Educação Física 
Educacionais Especiais – GEINE; pesquisadora do Observatório fragmentos dos trabalhos de Mestrado e Doutorado Tematizo meus estudos e pesquisas na área de formação
Nacional de Educação Especial – ONESSP. Sou cinéfila dos autores e teve como propósito inicial divulgar e e exercício profissional, a partir do Núcleo de Estudos e
assumida e apreciadora dos esportes, sobretudo, judô e futebol. trazer para avaliação de vocês, leitores, parte desse Pesquisas em Educação Física, Esportes e Lazer – NEPEEL,
Ouvir boa música, conversar com amigos e estar perto dos conhecimento produzido e sistematizado cientifica- que fica na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,
filhos são meus grandes prazeres, se tudo isso acontecer em mente. Importante ressaltar, que se trata de um traba- onde leciono disciplinas da área de Estágio, Lazer e Futebol.
diversos lugares do planeta, o meu mundo estará completo. Atualmente considero-me um professor em evolução, que se
lho com seriedade e rigor, embora, balizado por uma
vê no desafio de aliar o conhecimento científico às demandas
relação entre os autores de diálogos/debates, mas
contemporâneas de uma juventude cada vez mais distante dos
sempre com muito afeto. Os textos aqui reunidos

Currículo, formação e inclusão


ideais de minha geração. Aproximar-me deles sem
articulam o conhecimento nos campos da Educação distanciar-me de mim, eis o desafio por ora.
e da Educação Física, tematizando, especialmente, o
Currículo, a Formação Profissional e a Inclusão Edu-
cacional. Esperamos que este livro possa contribuir

Educação Física
para a reflexão e o avanço acadêmico, na área da Edu-
cação/Educação Física, bem como subsidiar e susci-
Leonardo de tar novas inquietações e outras produções científicas.
Carvalho Duarte Currículo, formação e inclusão
Licenciado em Educação Física pela Universidade Federal da
Bahia em 2006, especialista em Metodologia do Ensino da Fernando Reis do Espírito Santo Fernando Reis
Educação Física e Esporte Escolar pela Faculdade da Cidade
César Pimentel Figueiredo Primo do Espírito Santo
do Salvador em 2008 e mestre em Educação pela UFBA em
Christiane Freitas Luna Doutor em Educação pela PUC/SP; mestre em Educação pela
2011. Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia e coordenador pedagógico da Escola Lua Nova, sou
Leonardo de Carvalho Duarte UFBA; graduado em Educação Física pela UCSAL. Atualmente
integrante dos grupos de pesquisa CORPO/CNPq/UFBA e sou professor da UFBA, lotado na Faculdade de Educação.
NEPEEL/CNPq/UESB onde desenvolvo estudos principalmente Líder do Grupo de Pesquisa Cotidiano, Pesquisa, Resgate e
nas linhas de Educação Física Escolar, Inclusão e Ginástica. Orientação – CORPO. Tenho experiência docente e estudos
Sou um jovem Professor/Educador que orienta sua práxis, com concentração em: Currículo; Formação Profissional;
especialmente, a partir das ideias de Levy Vigotsky, Paulo Freire Didática; Metodologia do Ensino; Metodologia da Pesquisa.
e Rubem Alves. Viajar, praticar esportes, apreciar as artes e a Admirador do cinema europeu, música MPB, teatro e futebol-
culinária me encantam. Mas a família, os amigos, a comunhão arte. Minhas leituras preferenciais: Paulo Freire; Rubem Alves;
com os irmãos e a fé em Jesus Cristo são as prioridades da Florbela Espanca; Jorge Luis Borges; Carlos Drumond de
minha vida. Andrade; Clarice Lispector e Nietzsche.

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