A palavra inteira, sua sequência completa de sons, seria escrita: r-a-g-e
[cólera]. O novo sistema era particularmente adequado ao metro empregado para cantar as histórias da Guerra de Troia, o hexâmetro, composto de seis pés (cada um deles consistindo em geral de uma sílaba longa e duas mais curtas, ou duas longas). Esse padrão de som não podia ser captado muito bem pelo sistema fenício; estaria faltando a parte mais importante, o som longo e acentuado — o a de rage. A modificação grega forneceu as vogais longas e acentuadas. O novo alfabeto fonético era perfeito para as histórias da Guerra de Troia — e praticamente a primeira coisa que os escribas fizeram com o novo alfabeto foi escrever essas histórias.34 É mesmo possível que o alfabeto grego tenha sido inventado justo para captar o hexâmetro desses bardos.35 De qualquer modo, o novo sistema garantiu que os leitores não pensassem na vela [rig] do veleiro de Aquiles, nem no tapete [rug] em que ele dormiu durante a noite, mas na cólera [rage] que sentiu quando Agamêmnon o privou de seu bem merecido prêmio depois de uma luta renhida, tal como narra a famosa primeira linha da epopeia: “Canta, ó deusa, a cólera de Aquiles, o Pelida (mortífera!, que tantas dores trouxe aos Aqueus)”. O nome de um cantor, Homero, tornou-se famoso (embora nem tenhamos certeza de que tenha existido um cantor com esse nome), mas desconhecemos o nome do talentoso escriba que registrou no papiro a história da Guerra de Troia. E, no entanto, foi sua colaboração que tornou a versão de Homero excepcional. Uma vez que o escriba anônimo anotou a versão de um cantor, uma vez que a Ilíada não foi montada por diferentes escribas e diferentes cantores ao longo de muitas gerações, o resultado foi muito mais coerente que o de outras escrituras, como a Bíblia hebraica. Ressalte-se que, no mundo da Ilíada, com uma única exceção, não há descrição da escrita: a epopeia apresenta-se como sendo cantada, em vez de escrita. A Ilíada e o alfabeto grego, um alfabeto baseado no puro som, constituíam uma combinação poderosa, e juntos teriam consequências de longo alcance. Em algumas centenas de anos, a Grécia tornou-se a sociedade mais letrada que o mundo já conhecera, testemunhando uma extraordinária explosão de literatura, teatro e filosofia.