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NOUGUE Carlos Suma Gramatical Da Lingua
NOUGUE Carlos Suma Gramatical Da Lingua
Lumen Veritatis - vol. 9-10 (1-2) - n. 34-35 - Janeiro a Junho - 2016, p. 233-250 243
Resenhas
qualquer língua ter regras; é o dique ou escrever, a ler e ainda a falar. Isso porém
comporta sem a qual ela de fato fluiria só se consegue mediante a formulação
e fluiria sem nenhuma permanência” (p. de regras as mais simples e de abran-
25). Portanto, dada a ordenação lógica gência a mais ampla possível — o que
inerente à inteligência humana, a trans- implica evitar, ainda quanto possível, as
missão de ideias por intermédio de um exceções”.
determinado idioma exige a existência A seguir, o Autor desenvolve a Suma
de certas leis fundamentais que permi- com lógica preciosa e atraente em 608
tam uma adequada comunicação entre páginas, a partir de uma divisão em dez
os homens. partes, com uma diagramação bastante
É muito elucidativo o exemplo usa- compacta.
do pelo Autor para explicar por que uma Na primeira parte do livro, dedica-se
língua possui intrinsecamente regras: aos primórdios do estudo gramatical,
“pai algum, mãe alguma, se dotados ao ou seja, as diferenças entre fala e lin-
menos do ínfimo senso natural de cuida- guagem, a diversidade de línguas, suas
do e educação da prole, deixarão de cor- semelhanças, em que se distinguem,
rigir o filho se ele disser algo errado. Se entre outras características. Define Gra-
o pequeno disser, por exemplo, ‘zinza’ mática como: “a arte diretiva da escri-
em vez de ‘cinza’, tal pai e tal mãe não ta segundo regras morfossintáticas cul-
haverão de calar-se nem, muito menos, tas, para que o homem possa transmi-
de deleitar-se com mais essa novida- tir suas concepções e argumentações
de de uma permanente deriva linguísti- com ordem, com facilidade e sem erro a
ca” (p. 25). E essa teoria, é claro, pode outros homens distantes no espaço ou no
ser facilmente transposta para as demais tempo” (p. 47). Tal acepção é certamen-
áreas do saber. te inspirada na célebre definição tomis-
Para explicar e evidenciar o sentido ta de lógica, encontrada no início de seu
profundo da gramática e seus pressu- comentário aos Analíticos Segundos, de
postos teóricos, o Autor expõe sistema- Aristóteles. Cumpre notar outro deta-
ticamente no Prólogo alguns aspectos lhe importante e louvável da obra, isto é,
básicos: ao que esta arte se ordena, em o resgate da tese segundo a qual a Gra-
que elementos deve ser fundamentada, mática haure seus princípios e luzes da
como deve ser considerada, como deve Lógica. Este fundamento supera o fra-
ser feita (aplicada) e, por fim, como deve cassado ensino da Gramática basea-
ser ensinada (p. 29-30). Finda tal prelú- do numa mera memorização de “regri-
dio realçando os obstáculos que sua obra nhas”, infelizmente tão comum no Bra-
enfrentará para atingir tais fins. Ora, sil.
sobre a finalidade da Gramática encon- Na segunda parte, o Autor desenvol-
tramos já na contracapa: “ensinar a ve, seguindo a ordem clássica das gra-
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máticas, um breve histórico da língua de, relação, lugar (ou onde), tempo (ou
lusa, desde seu ancestral mais próximo, quando), situação (ou posição), hábi-
até o mais remoto, bem como as deno- to (ou posse, etc.), ação e paixão (ou ser
minadas “etapas do Português” (p. 72). paciente de uma ação)” (p. 126).
Realizada a introdução para o estu- A sexta parte, é dedicada ao estudo
do gramatical, a parte seguinte se dedica da sintaxe. Nesta secção, o Autor dis-
ao estudo da Fonética, que versa sobre corre sobre uma visão mais profunda
as partes ínfimas da língua: o fonema da gramática, diversificando as orações,
e a letra. Vale observar que a opinião quer sejam as substantivas, quer sejam
de Nougué acerca das reformas orto- as adverbiais, ou ainda as subordina-
gráficas do Português no século passa- das ou coordenadas. Note-se uma res-
do é bastante acertada, ao alertar para salva feita pelo Autor: só se pode dizer
a necessidade de certa estabilidade nas coordenação no plano da figura, pois
regras ortográficas de um determina- “há sempre — segundo a significação
do idioma, o que pode ser bastante pre- — uma subordinante e outra subordina-
judicado por tantas mudanças sucessi- da” (p. 497).
vas (não raramente efêmeras). Seguin- Após considerar as classes das pala-
do o novo Acordo, o Autor salienta um vras e sua aplicação à sintaxe, o Autor
pormenor interessante: no que se refere passa a desenvolver um tema que gera
aos nomes próprios bíblicos é facultati- dificuldade para os lusófonos, isto é, a
vo o uso dos dígrafos finais de origem regência verbal. Contudo, pondera que
hebraica (ch, ph, th). Por exemplo: Baruc seu estudo versará, por um lado, apenas
ou Baruch. sobre “os verbos de regência mais duvi-
As duas partes subsequentes versam dosa e, por outro lado, a crase, que é um
sobre a morfologia e as classes de pala- como subcapítulo da Regência Verbal”
vras. Na primeira delas o Autor demons- (p. 501).
tra a sua grande experiência como lexi- Se a regência verbal pode gerar difi-
cógrafo através de inúmeros exem- culdades em seu emprego adequado, tal
plos oferecidos ao leitor. Já na segunda, problemática não é única, se nos volta-
exprime-se ainda sob inspiração aristo- mos para a concordância nominal e ver-
télica: “A linguagem reflete de algum bal, temas desenvolvidos na oitava par-
modo em suas construções a própria te. Frases como “Os entes humanos são
constituição da realidade. É o que se dá racionais” (p. 524) não geram particu-
com as diversas classes de palavras, as lar dificuldade; contudo, outras mais
quais expressam de alguma maneira as complexas, como “as tradições e o idio-
dez categorias ou gêneros máximos ma ingleses” (p. 525), requerem regras
do ente, a saber: a substância e seus que norteiem a maneira mais correta de
nove acidentes: quantidade, qualida- concordar os substantivos. Tratando-se
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