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Padre A.

Negromonte

A EDUCAÇAO
SEXUAL
(Para pais e ffl.fueadóres)

"Para os puros Iodas as GOiSas são puras".


{S. Paulo}

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

1939
Livraria JOSÉ OLYMPIO Editora
Rua do Ouvidor, 110 - Rio de Janeiro
DIPRIMA.TUR

Belo I:ioriz9nte, 4 de Agosto de 1939.

t Antonio, Arcebispo de Belo Horizonte.


Protocolo n.• 1899

Prov. n.• 4

Liv. 1.° Fia. ·9

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
j)arecer do

Re11mo. Snr. Padre Helder Camara


Assistente Eclesiastico do Secretariado Nacional de
Educação da Ação Católica e Técnico do Ministerio
da Educação e Saude Publica.

Exmo. e Reomo. Sr. Arcebispo D. Antonio


dos Santos Cabral

V. Excia., bondosamente, me confiou o nihil


obstat do livro sobre educação sexual que o Pe. Alvaro
Negromonte acaba de escrever.
A principio, vacilei quanto à oportunidade de um
livro sobre o assunto, escrito,. no Brasil, por um sacer­
dote. O livro me dissipou qualquer dúvida. Posso estar
enganado - mas o que eu penso é que ele, com a graç�
de Deus, vai fazer. entre nós um bem imenso.
São páginas escritas com espírito de fé., com pu­
resa, com a maior elevação de vistas e, tudo isso, sem
perda de visão clara, de linguagem sem arrodeios, lím­
pida e cheia de sabor.
O fato de o livro ser escrito por um padre será
uma segurança para os educadores católicos, receiosos de
abrir um livro qualquer sobre educação sexual. E seria
pouco, esclarecer os nossos, enquadrados., quasi todos,
no velho grupo dos que confundem ignorancia com vir-
tude? Não vacilarei em recomendar aos Superiores Maio­
res de Ordens Religiosas masculinas e femininas que tor­
nem o novo livro do Pe. Negromonte conhecido pelos
religiosos que cuidarem de educação.
O livro, porém, não será lido apenas pelos nossos.
Haverá curiosidade de ver o que um padre escreveu sobre1
educação sexual. E que prazer pensar que, longe de en­
contrarem visão estreita, falha, errada, ou larguesa ex­
cessiva e capaz de fazer mal, os sem-fé encontrarão uma
palavra segura e precisa, capaz de fazer bem!
Não pense V. Excia. que esteja falando a amisade
que me une ao Pe. Alvaro Negromonte -. fala a minha
consciencia de educador católico e de ministro de Deus.
Escrevo esta carta no dia de S. Vicente de Paulo,
o santo que tanto se preocupou em dar ao clero santi­
dade e ciência. Que ele obtenha do Bom Deus que V.
EJfcia. possúa sempre padres como o Pe. Alvaro - pen­
sei, ao ler as páginas impregnadas de ciência e de pie­
dade, que o Pe. Alvaro escreveu. Que S. Vicente obtenha
do Bom Deus que o Negromonte ponha sempre, como
agora, a serviço de um grande zelo, um saber e um saber
dizer realmente notaveis.
Queira V. Excia. mandar sempre suas ordens para
quem se honra de ser de V. Excia.

amigo e filho em J. C.
a) Pe. Helder Camarq

Rio de Janeiro, 19 de Julho de 1939.

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INDICE

Pág;
Parecer do Pe. Helder cama1·a V

NECESSIDADE DA EDUCAÇÃO SEXUAL 1


Disciplina necessária 1
Os t�mpos mudaram 2
Inconvenientes do silêncio 4
Desprestigia os pais 6
Vantagens evidentes 7
Dados concretos 9
Perigosa timidez 11
Literatura sexual 12
Deformando os espíritos 14
A lição dos fatos 18

O SENTIDO DA EDUCAÇÃO SEXUAL .Z1


O sentido errOneo 21
Q ver4adelro ae;�lli!> ·' u
VIII IN DIC E

Pág.
OS EDUCADORES 31
Os pais . 31
Os professores 37
O medico 49
O confessor 53

AS INICIAÇOES CONDENAVEIS 63
Iniciação intelectual 66
Iniciação cientifica 69
Iniciação coletiva 75

COMO FAZER A EDUCAÇÃO SEXUAL 81


Naturalmente 81
Não mentir . 82
No momento oportuno 85
Com discreção . 86
De
.
modo. geral 87
Com que palavras 88

QUANDO FAZER A EDUCAÇÃO SEXUAL. 93


Precocidade condenavel 93
..As antecipações 94
Em que idade 99
O momento de falar 100
Responder às perguntas 101
A origem do bébé . 102
Uma boa ocasião 104
A famflia numerosa 105
As oportunidades • 106

NA ADOLESO:NCIA · 111

O PAI E O FILHO 115


A mãe por exceção 116
Respeitar o organismo 117
IN DIC E IX

Pág.
O vício solitário 119
Manifestações sexuaes 121
Convivência necessária 122
Poluções noturnas 123
A função sexual 126
O perigo venéreo 12 8
Legitima convivência 129
Os namoros 132
Momento dificil 134
Às portas do casamento 136

A MÃE E A FILHA 139


Em lugar do pai 139
A entrada n� puberdade 141
Diferença total 142
Advertência necessária 144
A palavra materna 14-6
Alguns cuidados 148
O organismo da mulher 149
Já quer namorar Í53
Ela e êle 166
o· noivado lVi.
A última preparação l-5 9
A maiternidade . 161

A LIÇÃO DA BIBLIA E DA IGREJA 163


Na Biblia 163
O Livro -de Tobias 166
Aa tradições da Igreja 169

O INSTINTO SEXUAL 176


Tendencia natural 175
Instinto poderoso 177
União necessária 178
Diferença psicológica 180
X J N D I C E

Pág.
GRANDEZA E DEGRADAÇÃO DA FUNÇÃO SE-
XUAL - 1. 185

. Il• 190

POSSIBILIDADE DA CASTIDADE 197

Na adolescência 19 8
O moço feito . 201
Argumento moral 204
A verdo.deira ilação 206

VANTAGENS DA CASTIDADE 209

Para a saude . 210


Para o espírito 213
Para a vida conjugal 216
Para a prole 218

OS MEIOS NATURAES 221

Luta necessária 221


As pequenas coisas 223
As circunstancias individuaes 225
Fugir das ocasiões 227
A castidade interior 235
Uma vida séria 236

OS MEIOS SOBRENATURAES 239

A confissão . 241
A comunhão 244
Uma vida de piedade 246

REUGIÃO E. SEXUALIDADE 249

O pecado de impureza 250


Por pensamento 253
As relatividades 26ri
JD:xageros condend.veta , 257
INDIC E XI

Pág.
A FORMAÇÃO GERAL 263

PAIS CAPAZES DE EDUCAR · 273


O que pensam . 274
O que fazem . 276
A educação direta 277
Colaboração necessâria 278

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NECESSIDADE DA EDUCAÇÃO
SEXUAL
Dividem-se as opiniões a respeito da chamada educação
sexual. São alguns a seu favor, e chegam mesmo a promo­
vê-la de maneira desabrida e evidentemente prejudicial. Ou­
tros lhe são contrários. Constituem, · de modo geral, a melhor
parte, do ponto de vista moral. São pessoas bem intenciona­
das e cheias de sinceridade, educadas no método do silêncio,
que ainda preconizam. Quem terá razão? E' o que vamos
agora examinar.

DISCIPLINA NECESSÁRIA

Estamos aquí - não precisa demonstrar - diante do


mais poderoso de todos os instintos. A satisfação sensível que
Deus ligou aos atos necessários à geração inclina de tal ma­
neira os indivíduos para êles que só uma forte resistência é
capaz de detê-los ante o que lhes é proibido. Acrescentemos
a isto que o estado de desorganização em que nos deixou o
pecado original. enfraquecendo-nos a vontade, colocou-nos
em verdadeira situação de inferioridade em face da poderosa
tendência.
Há um momento na vida em que tudo corre tranquila­
mente porque dormem ainda as fôrças, que só na puberdade
2 PADRE A. NEGROMONTE

acordam normalmente. Nessa fase da vida a castidade é fa­


cílima, porque é virtude simplesmente negativa. Mas, quando
as fôrças adormecidas acordarem, ou nos. firmaremos forte­
mente para não sermos por elas arrebatados ou iremos de
roldão.
Não se trata de uma necessidade, não. Trata-se de uma
atração viva e misteriosa, que devia ser mesmo muito forte e
ativa para poder garantir a perpetuidade do gênero humano.
E' que, em face dos seus atrativos, o homem esquece-lhe a
função eminentemente social, para se entregar à frúição dos
seus benefícios sensíveis.
E' na juventude normalmente, ou antes por precocidade,
que as dificuldades devem ser acauteladas. A explosão da sen­
sibilidade junta-se às inconsiderações da idade para facilitar a
derrota. Ai do adolescente que não estiver realmente formado
para sustentar o embate!
Não se trata apenas de estar "instruído", advertido do
perigo; trata-se sobretudo de estar preparado para êle, em
condições de poder sair virtuoso da luta 1mde e prolongada.
Se para as demais coisas da vida se requer a formação
de habitas, quem não vê que se requer aquí mais do que em
qualquer outro setpr?
Responderão os defensores do silêncio que basta uma
formação geral boa e sólida para que o jovem se saiba de­
fender no momento oportuno. De certo, sem ela é impossível
a defesa. Mas a natureza especial da tendência em questão
exige alguma coisa mais do que as outras tendências.
Para isto também seria necessário que o educando vivesse
num ambiente puro, sem os riscos extrínsecos que a sociedade
moderna proporciona.
A EDUCAÇÃO SE XUAL ,J

OS TEMPOS MUDARAM

Disto é que não se querem dar contas muitos pais, corno


também alguns educadores. Dizia-nos urna veneranda peda­
goga, encanecída no trato das moças, que estava com 75 anos
e nunca precisou que lhe falassem dêsses assuntos. Creio que
há um êrro de raiz. Nunca houve tempo em que não se pre­
cisasse de falar dêsses assuntos. 'Veremos no capítulo sôbre a
mãe e a filha os inconvenientes dêsse silêncio imprudente. Em
todos os tempos os que disso não falaram andaram errados.
Mas hoje ainda mais errados estarão os que quiserem se obsti­
nar neste silêncio. Antigamente não se falava disto. Nin­
guém falava. A ignorância podia existir sem tão graves pre­
juízos. Foi naquele tempo. que aquela educadora teve os seus
12 a 20 a�os. Mas isto faz 50 e tantos anos: tanto tempo,
que ela já se esqueceu.
Agora, os tempos mudaram. Hoje se fala das questões
sexuais com uma liberdade tão grande que é, de certo, para
lamentarmos, mas não será nunca para desprezarmos. Temos
de encarar os problemas do mundo como êles são, para os
podermos resolver, e não como desejaríamos que fôssem, para
ficarmos arquitetando remédios imaginários - ou perdendo
o tempo em lamúrias estéreis, enquanto as almas continuam
a arruinar-se.
A liberdade na educação de nossos dias, a imensa difusão
da imprensa abordando os assuntos que antigamente se guar­
davam nos tratados científicos, a irreprimível ação das pro­
pagandas radiofônicas, a literatura crescente sôbre temas se­
xuais caindo em todas as mãos, a facilidade com que hoje se
c�nversa nos salões de cousas que, ·há 50 anos, os maridos não
falavam às próprias espôsas - tudo isto conspira para o co­
nhecimento prematuro de um assunto eminentemente peri-
4 �ADRE & NEGROMONTE

goso, o qual, uma vez conhecido, deve ser bem conhecido, para
evitar as desastrosas consequências a que sempre exp'õe.
Ora, é dever dos educadores preparar os homens para
viverem no seu tempo, e não nos tempos idos. O que lhes
incumbe é preparar os homens para resistirem aos perigos da
sua época, e poderem praticar a virtude, quaisquer que sejam
as dificuldades.

INCONVENIENTES DO SILÊNCIO
Insistem os antagonistas da chamada educação sexual n_a
necessidade de muita prudência nesses assuntos, que nem se
atrevem a nomear. Acham que sôbre "certas coisas" nem se
deve falar. Não vamos negar a becessidade de uma grande
prudência, e censuraremos sem medida aos que forem falar
leviana ou demasiadamente aos educandos. Porque pode ser,
e realmente tem acontecido, que muitos se tomem de amores
pela educação sexual e se excedam, ocasionando os males que
queriam evitar. Temos não somente o direito, mas o dever
de examinar aquí as vantagens da verdadeira educação sexual
e os inconvenientes do silêncio dos pais. Comecemos pelo
silêncio.
Que acham os pais a êste respeito? Pensarão por acaso
que os seus filhos continuarão a ignorar tudo porque êles não
lhes falaram? Pois se enganam enormemente. Chegará o mo­
mento em que, atormentados pela natural curiosidade, os fi­
lhos irão procurar fora as respostas a suas perguntas, depois
de se terem perdido em divagações perigosas que lhes excita­
vam a imaginação e inquietavam o espírito, com não pequenas
repercussões na orientação moral da sua vida.
E então mal podemos imaginar os inconvenientes nas­
cidos dessa iniciação de rua. Tudo lhes foi ensinado de modo
/\ EDUCAÇÃO SEXUAL 5

w 1 1 1asciro e vil. Com palavras de calão, com anedotas libidi­


lll>NilS, com conversas impuras, com · estímulos imorais, com
wrnvuras abcenas, com alusões desrespeitosas, é que lhes fo­
r.1 111 ensinadas essas coisas a que êles �áo podem emp,:-estar
111•nhuma elevação, precisamente pela fonte baixa e corrom-
1 11<fa a que se abeberaram.
E' natural que "educados" assim, tomem tão errada
orientação na vida, como a que att hoje teem tomado. E'
11., t ural que nunca se acostumem a encarar corno coisas respei-
1 .wcis e dignas essas que lhes foram ensinadas sem nenhum
rn1peito nem dignidade. Eis porque só sabem falar ou ouvir
desses assuntos com risinhos inconvenientes e maliciosos, pon­
do maldade em todas as coisas. Eis porque o corpo é para
eles um instrumento de prazer e não um templo do Espírito
Santo.
Mas vamos conceder- o que concedemos apenas para
Argumentar - que os meninos não cheguem a êsses conhe­
rimentos de fonte envenenada. A aproximação da puberdade
1 hes porá as questões angustiantes. E' inevitavel. O espírito
quer uma resposta às perguntas surdas mas poderosas do pró­
prio organismo. A imaginação se excita. O espírito se per-
1 urba. A curiosidade se aguça. E mesmo que o menino não
v! satisfazer esta curiosidade nos livros imorais ou nas buscas
maliciosas dos dicionários, a própria inquietação já lhe foi
um mal. Aquilo durou meses, anos talvez durou. E o orga­
n ismo em formação, precisando de calma, só se encontrou com
uma sobrecarga de agitação. Não precisa dizer que isto foi
pernicioso ao pobre adolescente.
Há nisto ainda um outro inconveniente. De tudo falam
os pais ao filho. Daquilo não falam. Por algum motivo
h�-de ser. Dois motivos são fáceis, muito fáceis de deduzir,
cada qual mais gravemente errôneo : - ou porque o adoles­
cente se pode dirigir sózinho no assunto ou porque se trata
6 P ADRE A. NEGROMONTE

de coisa imoral. Sózinhos os filhos não se orientam em coisas


muito mais fáceis, muito me�os absorventes, .muito mais cla­
ras e fracas. Pedem conselhos aos pais, ou - o que é ainda
mais comum - os pais vão espontaneamente aconselhar.
Como se irão dirigir sózinhos nos emaranhados caminhos
desta tendência forte e yiva, capaz de levantar tempestades
que agitam o espírito e cobrem de nuvens escuras os caminhos ?
E se os filhos se convencem de que podem ir sózinhos é por­
que todos os caminhos são certos .
O outro motivo imaginado é que se trata de coisas in­
decentes. Damos à parte, no capítulo da finalidade da função
genésica, o que devemos pensar a êste respeito. Mas anteci­
pemos que nada mais anti-natural e contrário à verdadeira
educação do que dar essa falsa idéia aos, educandos. E' grande
caminho andado na guarda da castidade ensinarmos às crian­
ças um profundo e natural 'respeito a todo o organismo, sa­
lientando, em tempo oportuno, que os órgãos da geração são
igualmente dignos de nossq respeito, que nada teem de maus,
nem de vergonhosos em si, pois que foram feitos por Deus
para altas e santas finalidades.

DESPRESTIGIA OS PAIS
Que isto aliena a confiança dos filhos, nem precisa dizer.
A outrem. êles vão se abrir, vão dizer as suas inquietações e
desassocegos. Que isto é uma diminuição para os pais, é evi­
dente. Mesmo que os filhos se dirigissem às melhores pes­
soas do mund? - o que também só concedemos para argu­
mentar -, seria um desprestígio para aqueles que teem o di­
reito natural ao coração que geraram.
Longe dessa confiança, os pais estão igualmente longe da
alma, do estado psicológico dos filhos. Ignoram o que lhes
A EDUCAÇÃO SEXUAL 7

vai no espírito. Nem os podem desafogar, nem ajudar. Por


nlo conhecê-los, as palavras que lhes disserem não lhes fala­
r3o : parecem ditas para outros, de um outro mundo . Esta
falta de conhecimento vai criando o afastamento e distan­
ci.mdo moral e materialmente pais e filhos. Da incompreen­
Nfo nasce o desgosto, a desobediência, a ausência habitual
<lo lar.
Em consequência, no momento preciso em que os filhos
entram para os perigos da vida, quando mais do que nunca
nem antes nem depois precisam da orientação prudente e se­
gura dos pais, êsses faltam. Moralmente, faltam. E' como
11c fôssem órfãos. E' triste que se encerre a influência paterna
no instante justo em que se fazia mais necessária.

VANTAGENS EVIDENTES
Podemos deduzí-las facilmente dos males que acima
apontamos. Sejamos, pois, mais breves. Se o silêncio ator­
menta, a revelação prudente e discreta, mas satisfatória, acalma
e tranquiliza. Estão revelados os angustiosos mistérios, e todo
mistério, revelado, �e banaliza.
Se já lhe foram dados os conhecimentos necessários, por­
que irem buscar ainda lá fora, em fontes malsãs, erradas, o
que tiveram em fonte pura e verdadeira ? E estão afastadas as
iniciações clandestinas.
Os pais devem falar. Para não privar os filhos da orien­
tação moral a que êstes teem direito, para se poderem dirigir
entre os desejos obscuros da adolescência com a segurança es­
piritual que a virtude exige. Justamente para preservar os
filhos das tentações, para armá-los contra os perigos da vida
a que vão ser jogados, é que lhes devem falar. Falem, porque
a natureza mesma exigiu sempre que se falasse , em certo mo-
8 PADRE /\, N E G ROMONTE

mento da vida, e foi êrro não ter seguido as indicações da


natureza, que são as revelações dos desígnios de Deus. E mes­
mo, hoje em dia, as circunstâncias da vida obrigam a esco­
lhermos não mais entre a inocência e a ciência, mas simples­
mente eritre o conheci�ento puro ou o conhecimento impuro,
como nota Viollet. ( 1 )
Quando os filhos aprenderem com os pais, aprenderão ,
ao mesmo tempo, o respeito devido. E saberão falar e ouvir
com dignidade e elevação o que com dignidade e elevação
aprenderam. Tenho disto numerosos testemunhos, dos quais
citarei apenas êste, por sobejamente expressivo. Na povoação,
uma senhora sofria há dias com as dificuldades do parto.
Chamado o médico, o fato se tornou mais do que notório
num lugar pequeno. Até as crianças comentavam. Mas en­
quanto um grupo de meninas falava disso com malícia e risa­
dinhas, uma pequena de 1 O anos se retirou delas indignada,
dizendo : uNão sei como podem falar assim. Pois a pobre
senhora sofrendo, e elas com aquelas coisas. Nem se lembram
que também teem mães, e que um dia elas mesmas podem
passar as· mesmas dificuldades" Quem quiser que ache esta
menina muito "sabida" ; eu a chamarei de muito bem edu­
cada, muito elevada. E' que ela bebera numa fonte pura.
E' por não terem bebido nesta fonte que muitas me­
ninas não podem falar em amor sem se perturb�rem e nos
constrangerem. Importa, pois, que seja elevada e pura a pri­
meira noção que teem dessas coisas. São muito fortes, e por
vezes inapagáveis, as primeiras impressões. E Deus nos livre
de continuarmos a dar ao� nossos educandos uma noção pro­
fana de coisas tão sagradas. E corno no ambiente em que vi­
vem as crianças estão profanadas essas noções, imunizemos as

( 1 ) Jean Viollet - L'Education de la Pureté.


A E DU C A Ç Ã O S E X U A L 9

l' rianças contra as influências deletérias de um mundo cor­


rompido.
Para tal é necessária a educação dada pelos pais. E mes­
mo aqueles qu� não se sentem em condições devidas para tão
cl ificil tarefa, não se espantem. Mais valem as suas explicações
mal dadas, ou incompletas, ou sem grandes conhecimentos,
ou mesmo sem tato, do que o seu silêncio, que precipitará os
filhos nas mãos dos corrutores.

DADOS CONCRETOS

Assim, teoricamente, muitos acharão que temos razão


cm advogar a educação sexual explícita. Mas lhes ficarão
umas dúvidas, que não trepidamos em classificar de razoáveis.
E quando passarmos para a prática, as coisas correrão com
as mesmas facilidades ? Se querem entender com isto que deve­
mos lucrar cento por cento, então abriremos mão de qualquer
tentativa de educação, porque nunca se conseguiu isto. Mas
se querem saber apenas se conseguimos melhorar os costumes,
podemos apresentar alguns documentos. E começamos per­
guntando se o método do silêncio tem sido eficaz para a vir­
tude. A resposta está aí, nos costumes . Podemos, por­
tanto, dizer que está feita, lamentavelmente feita , a experiên­
cia do método do silêncio ou - o que vale o mesmo - da
iniciação clandestina.
John Keidel conta ( 1 ) as impressões horríveis do que
ouviu de lábios dos colegas, e as angústias que experimentou
quando a natureza lhe pedia explicações que não sabia dar,
não queria pedir aos colegas depravados e não ousava pedir à
sua mãe. Pai, educou devidamente o filho de 1 O anos, e teve
a consolação de saber que êle dizia aos "mestres" da rua :

(1) Apud " O :problema sexual " de autor nônim11.


10 P A D R E A. N E G R O M O N T E

"Sei tudo, e melhor do que tu, ensinado por meu pai" E


que dizendo isto, fugia das más companhias.
Liepmann ( 1 ) dá uma porção de testemunhos de um
inquérito, de cujos dados nos servimos, rejeitando as con­
clusões do autor. Foi quasi sempre a curiosidade insatisfeita,
o silêncio ou as evasivas dos pais que precipitaram as crianças
em mãos mal intencionadas ou ignorantes.
Embora sejam muito poucas as estatísticas sôbre o as­
sunto, cremos suficientemente eluci<lativos êsses dados colhi­
dos por Exner, (2 ) que os colheu de 948 estudantes norte­
amerícanos.
I. Idade das primeiras impressões referentes ao sexo.
ldade N.º de meninos
4-5 16
6-7 107 A idade média em que
8- 9 140 637 homens receberam as
10 - 11 193 primeiras impressões se­
12 - 13 139 xuais foi de 9,6 anos.
14 - 15 41
II. Idade da primeira instrução sexual conveniente.
Idade N.º de meninos
6-7 7
8- 9 7
10 - 11 32 A idade média em que
12 - 13 14 727 homens reéeberam
14 - 15 225 uma instrução sexual de
16 - 17 209 fonte pura foi de 15,6
18 - 19 105 anos.
20 - 21 38
22 - 23 6
24 - 25 5

(1) Pr.of. W. Liepmann - Jeunesse et Sexualité.


(2) Apud Dr. René Allendy - Le probleme sexuel à l'école.
A EDU C A Ç Ã O S B X U A L I1

Vemos pela estatística que, entre os 9,6 anos e os 1 5,' 6,


1 ncciaamente na época em que a imensa maioria das crianças
r,cabc as �rimeiras impressões sexuais, nenhum conhecimento
rnnveniente lhes é fornecido. Seis longos anos decorrem na
l 1,1 norância atormentada, nas buscas subjetivas, nos -devaneios
perniciosos, - a criança entregue a si mesma, na melhor das
hipóteses. Porque a verdade é · que quasi todas vão para os
1 n !dadores clandestinos.
Realmente - e voltemos agora à estatística - · - 9 1 .5 %
clnqueles estudantes declaram qtle foi impura a fonte de que
lhes veio à primeira impressão. Não admira que os efeitos
d1111Sa iniciação fôssem perniciosos, como o declararam, aliás,
79 % dêsses interrogados.
Mas dos que receberam uma instrução dos pais ou edu­
udores, houve quasi unanimidade em reconhecer os seus bons
,feitos, sendo apenas de 1 .2 a p�rcentagem dos que sofreram
mm ela maus efeito:i.
Cremos que diante disto mais vale reconhecer o êrro que
I rmos cometido até boje e por mãos à obra para a emenda,
t1ndo o cuidado de evitar os exageros sempre prejudiciais.

PERIGOSA TIMIDEZ
O êrro de muitos é ainda a falta de compreensão dos
l�mpos em que estamos vivendo. O educador tem o direito
ele lamentar os males dos tempos ; muito maior, porém, é o
lfU dever de procurar remediá-los. E para consegui-lo, pre­
cl111 justamente contar com êsses males e agir sôbre êles.
·ora, enquanto a indisciplina sexual age de maneira au­
daciosa e até desabrida, nós nos encrustamos . numa titniâez
lrrnzoavel. que nada realiza de positivo, antes favorece as
devastações morais da propaganda contrária. E thainamos a
12 P l\ D R E i\ . N E G R O M O N TE

isto prudência ! Pobre e desconhecida virtude, tão calu­


niada, servindo de máscara a tanta incompreensão e covardia
- quando na · verdade ela é que nos devia ativar âo campo,
porque consiste precisamente no emprêgo de meios aptos à
consecução dos fins.
A verdade é que o que nós não lhes queremos ensinar
êles já aprenderam de maneira aberta e, muitas vezes, brutal,
no romance, no teatro, no cinema, nas conversas - ou mesmo
nas iniciações reais, de que os educadores e os pais quasi nunca
se querem dar contas. :este obstinado silêncio facilita cada vez
mais o mal, que, como é evidente, vai crescendo assustadora­
mente, mau grado a nossa timidez ou talvez mesmo por causa
dela.
Outrossim, acontece que os jovens tomam êsse silêncio
quasi sempre em mau sentido. Ou o interpretam como uma
ínferioridade de argumentos em face dos adversários ou mesmo
como uma ausência de razões a favor da virtude.
O verdadeiro sentido da educação sexual não pode ser
confundido com a iniciação intelectual ; mas é preciso ficar,
desde agora, assentado não ser com uma excessiva timidez que
havemos de fazer face ao perigo que se apresenta às escâncaras.

LITERATURA SEXUAL
Não há quem ignore o êxito da literatura sexual.
Compreendendo que, em vista da horrível decadência
dos costumes contemporâneos e da crescente procura de livros
dêsses ternas, aí estava um veio a explorar, os homens ganan-:
ciosos multiplicaram a produção de uma literatura, que só
podemos qualificar deviclamente chamando de - pornográfica.i
A clientela é imensa. Exploram-na escritores, -editores ej
livreiros. e muitos fazem do gênero o mais forte do seu des�l
A EDUCAÇÃO SEX U A L 13

moralizante e rendoso comércio. Com uma inacreditavel sem­


ccrimônia produzem · livros obcenos honestos pais de família,
cm cujas conversas nunca se ouviu palavra inconveniente, mas
que não se pejam de escrever em seus romances as cenas mais
degradantes, descendo a minúcias nauseabundas, próprias, en­
tretanto, a fazer o êxito das livrarias. A isto se prestam, entre
nós, os escritorezinhos implumes do interior como os grandes
nomes da política e até os professores das Universidades. Sem
falarmos nos livros de importação, sobretudo francezes, o ar­
tigo nacional já bastaria para levar bem longe o mal.
Fora esta literatura imoral. que se costuma disfarçar com
o nome de realista e moderna, há uma outra ainda mais inten­
cional. E' a que trata ex professo dos assuntos sexuais. Não
vamos dizer que sejam mal intencionados todos os q\le versa­
ram o tema, errando o verdadeiro, caminho. Somos, porém,
forçados a confessar que bem poucos o acertaram - se é mes­
mo que o acertou algum dos que não tiveram em conta os
ditames do Catolicismo.
Conheço apenas o grande pedagogo W. Foerster, que
apesar-de - protestante, produziu o uMorale sexuelle et Péda­
gogie sexuelle" , livro de admiravel bom senso e de elevação
ao nível da cultura e do prestígio do notavel educador.
Em outros são muito frequentes os erros ou os pontos
de vista pessoais incompatíveis com a moral cristã, única que
responde às verdadeiras exigências da natureza humana, bem
como à lei divina e imutavel do Decálogo. Disto não exce­
tuamos nem Havelock Ellis, um dos mais profundos e sérios
autores que já tenham versado os temas_ em aprêço.
Mas são êsses os menos conhecidos. Enquanto os outros
andam muito divulgados. E não seria difícil mostrar que os
mais divulgados são os menos conformes aos bons costumes.
E' verdade que se apresentam sempre como obras cien­
tíficas, mesmo porque não seria honroso apresentar-se com
14 P A D R E A , N E G RO M O N T a

os verdadeiros nomes . E assim oferecem também excusa


aos que os lêem, sob o facil pretexto da ciência !
Seria ingênuo pensar que essa literatura só é conhecida
das pessoas maduras. Velhos e moços, homens e mulheres, e
até verdadeiras crianças se lhe atiram com igual · ardor. Se em
todos semelhantes leituras hão-de deixar maus resíduos, nos
moços ainda mais perigosas, e não raro fatais.
Que faremos nós? Lastimar apenas ? Mas são será com
lástimas que deteremos os maus costumes e estimularemos os
bons. Impedir a circulação dessas leituras ? Gostaria de saber
por que meios . Tanto mais quanto é evidente o interêsse
pelo assunto.
Poder-me-ão, talvez, argumei:itar que não devemos favo­
recer uma curiosidade rnalsã. Estamos todos de acôrdo -
contanto que possamos evitar a satisfação desta curiosidade.
Ora, é isto que não conseguiremos jamais com a ausência da
educação sexual. porque os interessados buscarão alhures o
que não lhes derem os educadores avisados. Corno, aliás, têm
feito até agora, e continuam infelizmente a fazer. Quando
seria de tão bom aviso que ministrássemos os necessários co­
nhecimentos, capazes de lhes satisfazer o espírito, sem os pe­
rigos que os corações jovens vão encontrar .nos livros desabri­
dos, errôneos ou mal intencion.ados.
O que nós não fazemos de modo elevado e dígno, en­
caminhando a vontade ao mesmo tempo que ministramos os
conhecimentos, fazem-no os maus livros deformando os es­
píritos e depravando os corações.

DEFORMANDO OS ESPÍRITOS
Não vamos pensar que a educação sexual, mesmo tni­
nistrada dentro dos melhores princípios e pelos mais pru­
dentes e seguros métodos. assegurará uma ausência absoluta
A EDUCAÇÃQ SEXUAL 15

d, faltas. Não sejamos ingênuos. Nem tão boa educação geral


,., Amos ministrando aos nossos jovens. Antes, bem fraca tem
1ldo a preparação que lhes damos para a vida.
Uma cousa, porém devemos notar : é diversa a atitude
11 � dois homens que erram - um por fraqueza, sabendo que
r t11. o mal que não quer, e não o bem que deseja, como diz
S. Paulo; - outro por consequência das teorias erràdas que
11 1ua inteligência construiu ou aceitou.
O segundo não se reprova, nem se lastima, porque não
N,• reputa culpado; antes, legitima e justifica o próprio pro­
,rdimento. Facilmente se sentiria culpado, se o seu caso cons­
t lluisse uma exceção - e o procedimento geral o condenasse.
Mas, ao contrário, quando vê que a imensa maioria age como
fie - e os que não agem, constituem a exceção : quando vê
que a esta imensa maioria justificam as idéias correntes, aceitas
como verdadeiras - então é dificílimo, senão impossível
conter o mal que se desencadeia firmado em tão disseminados
princípios doutrinários.
Ninguêm ignora que as doutrinas correntes sôbre as
cm1sas sexuais são erradas. Espalharam-se conceitos desnatu­
rndos sôbre o amor, a necessidade de gozar a vida, a impos-
1lbilidade de os moços guardarem castidade, etc. Como pelos
dtsfiladeiros morais se desce sempre muito, as doutrinas falsas
1õbre a desigualdade da moral para os dois sexos, as famílias
numerosas, a natureza do matrimônio, a fidelidade conjugal,
,1c. ganharam terreno, principalmente com os avanços do fe­
minismo que defende e exige para as mulheres os mesmos
"direitos" dos homens.
Tomemos, ao acaso, um representante da literatura se­
xual corrente. Vejamos, por exemplo.. "A Inquietação Se­
xual" de Pierre Vachet; infelizmente divulgado no Brasil.
Neate livro, o escritor francês não se peja de justificar as mais
16 PADRE A. N E G R O MON T E

depravadas práticas sexuais, chegando ao ponto de opinar que


não se deve ver na masturbação dos jovens "uma perversão
sexual própriamente dita" (pag. 60) . Empresta a sua auto­
ridade à vulgaridade grosseira de ser necessário ao moço estar
experimentado na vida sexual, quando for para o matrimônio.
(pag. 85) . Chama ao instinto genésico de "necessidade" a
que não podem fugir impunemente um homem vigproso ou
uma mulher sadia. (pag. 1 2 3 ) . A castidade é uma perversão
para êste homem que justifica as práticas contrárias à natu..
reza. (pag. 124) . O retrato qu-e traça do homem casto é
antes para aterrorizar os moços - pois que nin3uém quererá
viver atormentado, sem paz de espírito e ainda castigado por
males do corpo. (pags. 124- 1 2 6 ) . Porque Ué isto afirma
o escritor que também é médico !
E' disto e de cousas semelhantes que a nossa mocidade
vai enchendo a mentalidade em formação. E' disto, real­
mente, por infelicidadê, que estão cheios os livros que tra­
tam dêsses assuntos, com bem raras exceções.
E' claro que, informada por semelhantes teorias, a moci­
dade vive no pecado com a tranquilidade de quem pratica a
virtude. Pois, se é coisa natural e necessária ! Se, sem isto,
correm os moços graves riscos da saude mental e mesmo or-
·gãnica ! E os moços se tornam os propagandistas naturais
dessas teorias, que teem a seu favor a quasi unanimidade dos
escritores em voga, o entusiasmo de quasi todos os compa­
nheiros que os ouvem, o procedimento de grande número de
homens, a aprovação da sociedade, a palavra de professores,
o conselho de médicos, o assentimento tácito e, muitas vezes,
explícito dos próprios pais.
Não admira que, em semelhante ambiente, os moços cas­
tos sejam tidos na conta de fracos, incapazes ou deficientes, e
não raro cobertos de ridículo. E f também natµral fruto (Ie
A EDUCAÇÃO SEXUAL
. ..,
1 (

tfo falsas idéias constituir uma verdadeira glória o êxito no


pecado. Muitos se vangloriam das suas façanhas, das con­
quistas das namoradas incáutas ou levianas e das casadas in­
fiéis - e os outros ainda os admiram e invejam.
Precisamos a tão errados e nefastos princípios opor os
benéficot porque verdadeiros. Só a verdade é capaz de pro­
duzir por si a virtude. Cabe à inteligência orientar a vontade.
E são as idéias que conduzem os homens. Urge, pois, uma
séria e intensa formação da juventude neste particular. E são
os educadores - país e mestres - que devem fazer. Se não
fizerem, os jovens continuarão a perder-se, cada vez mais
desastrosa e precocemente, ·porque os meios de difusão do mal
andam dia a dia mais rápidos e eficazes.
De certo que esta doutrinação não é a educação sexual,
mas é parte necessária e importante, para que se devem voltar
as vistas dos responsáveis pelos jovens. E não esqueçamos
também de que temos o dever de fazê-la com maior vigor do
que o fazem os adversários, porque nós temos de vencer resis­
tências nada pequenas : as dificuldades da própria natureza
inclinada ao mal, as facilidades atuais para a impureza e a
atitude falsa que os erros em voga já criaram nos espíritos.
Aprende-se muito mais depressa o que se quer fazei: e o que
agrada .
Aí temos mais um argumento em favor da necessidade
da educação para a castidade - a não ser que quisessemas
deixar os nossos jovens continuar a perder-se. E agora deve­
mos acrescentar que se perderão os jovens de ambos os sexos,
porque todos sabem que essas idéias vão atingindo também
a mocidade feminina, a cujas mãos chega hoje em dia, não
sem grandes devastações, a péssima literatura que acima ana­
lizamos.
18 P A DR E A. NEGROMONTE

A LIÇÃO DOS FATOS


Sabem todos que os perigos de que falamos não estão
apenas na possibilidade. Não e simples teoria de efeitos hipo­
téticos ou longínquos. Não. Os fatos aí estão na mais con­
vincente e lamentavel exibição. E nem precisamos siquer
apresentá-los. Não percamos o tempo com isto. Quem tiver
olhos de ver - que os abra e verá. Poucas épocas levaram
tão longe a decadência de costumes. As imensas facilidades
modernas, os mil meios de fruir as emoções sexuais sem lhes
temer as consequências indesejáveis, a convivência dos sexos,
a complacência da sociedade, as ocasiões criadas pelos esportes
mal intencionados, a diminuição crescente do pudor, a redução
das vestes, a liberdade concedida ao sexo feminino, as casas
de diversão e de cômodos e muitas outras circunstâncias ainda
contribuem poderosamente para agravar o mal.
Como as cousas mudaram a êste respeito ! Muitas mães
ficariam pasmas de sabe� o que se tem passado com suas filhas.
Neste particular é gravemente elucidativa a estatística dos cri ­
mes sexuais. Por ela se revela o número espantoso das vítimas
e as circunstâncias em que caíram lamentavelmente.
E. _se muitas outras escapal'.am, foi por verdadeiro mila­
gre. Benção especial de Deus. Porque a maneira de se por­
tarem, a� facilidades a que se expuseram, as leviandades que
cometeram, o abandono a que foram votadas pelos próprios
pais, os lugares que frequentaram com o companheiro de
aventuras - tudo era muito mais para perder-se do que para
guardarsse.
Para os moços os perigos a evitar em semelhantes opor­
tunidades são : -· o escândalo, a paternidade, a ação da po­
lícia ou da família da ,vítima.
Entre as moças, se algumas há que v�o de facilidade em
facilidade, permitindo todas as misérias, contando que con-
A EDUC AÇÃO SEXUAL 19

aervem a integridade corporal. muitas outras, arrastadas · pela


leviandade ignorante, fiadas em promessas e juras amorosas,
se deixam levar, coitadas, à deshonra, iludidas muitas vezes
até o fim.
E as que escaparam, ao saberem depois do que Deus as
poupara, não cabem em si de espanto e não se cansam de
agradecer à bondade divina. Uma destas nos dizia textual­
mente que "não sabia como não se perdeu" E explicava :
"Mamãe não me devia ter educado como educou as primeiras .
No tempo delas as moças não corriam os riscos que eu, corrí" .
Em face dos perigos não há como advertir e preparar os
ânimos para eles. São tais os perigos de nossos tempos neste
particular que não podemos educar hoje sem especiais pre­
cauções que visem garantir a integridade moral. Isto é urna
necessidade de tal ordem que não o sentem só os educadores :
- reclamam-no também os educandos.
O SENTIDO DA EDUCAÇÃO SEXUAL
São muitos os que propugnam , a educação sexual, mas
todos não estão de acôrdo nem com o sentido que dão à pa­
lavra, nem com a própria designação. Entre os católicos mui­
tos não querem mesmo empregar a expressão - educação se­
xual - a que, aliás, o grande Papa Pio XI chamou "questa
parola bruta" . Preferem chamar - educação da pureza -,
que diz realmente muito melhor o que desejamos e flersegui­
mos neste trabalho específico da educação geral. Os�utros
falam de envolta, indistintamente, ora de educação sexual.
ora , de iniciação, ora de simples higiene sexual, - e confun­
dem tudo admiravelmente, dando claramente a entender que
andam sem rumos certos.e marcados. Daí resulta uma grande
diferença entre nós e êles, e mesmo deles entre si e, às vezes,
consigo próprios.

UM SENTIDO ERRÓNEO
Tenios dificuldade em determinar o que querem certos
tratadistas da educação sexual. Quando vemos Forel e Vachet
justificando os mais feios vícios, Havelock Ellis defendendo
o nudismo, Nystrom �idicularizando (como tantos outros) a
moral cristã, Watson lastimando que o seu filho tenha apren­
dido a rezar no jardim da infância, mas nada lhe tenham
22 P A D R E A. N E G R O M O N T E

ensinado das cousas sexuais, - para não falarmos senão de


alguns e dos maiores - ternos o direito de perguntar o que
êles pretendem com essa educação. ( 1 ) Para êles, corno paq
todos os que militam do lado de lá, a função sexual é uma
necessidade corno comer e beber. - Zombam, muitas vezes,
do que nós chamamos pecado, o qual só existe, segundo pa­
rece, quando se produz um mal físico ou social. Desconhe­
cem, por isso, a castidade pre-rnatrimonial, dão de ombros à
fidelidade conjugal, investem contra a indissolubilidade do
casamento, para chegarem, através do divórcio, às ilimitadas
regalias do amor livre. Embora defendam, corno dizem, a
moral natural, esquecem de todo as exigências da natureza,
e pregam a absoluta autonomia da função sexual, livre, em
muitos casos, até do próprio dever de procriar.
Corno se vê, êsses "educadores" nada mais fizeram do
que transformar em teoria os vícios sexuais, em que os ho­
mens se desmandaram. Não lhes discutimos as intenções.
Mas ternos o direito de filtrar-lhes os escritos, em face da
ciência e ela moral. Ora, é justamente a moral que êles negam,
embora façam, não poucas vezes, apelos ao seu nome. Mas a
verdade é que a moral de que falam é outra . Foi feita por
êles mesmos, para justificar os erros sexuais que o bom senso
de todos os tempos condenou. Ternos a impressão de homens
que se acostumaram ao mal e o acharam bom, e o aprovaram,
construindo sôbre êle a "moral" que pregam� Pan-sexualistas
todos êles, uns concientes como Freud, outros inconcientes
corno Stekel, reduzem o homem a uma tendência �penas, es­
quecendo todo o resto ou o submetendo às exigências do eró-

(1) Cfr. Forel. - A Questão Sexual ; Vachet - A inquietação


sexual ; H. Ellis - A educação sexual ; Anton Nystrom - La vic sc­
xuelle ct ses lois ; John B. Watson - Educação psicológica da primeira
infância.
A E D U C A Ç ÃO S E X U A L 23

tico. O que vale é que êles são sempre melhores do que as


suas ídéias. Caem em contradições, premidos pela necessi..:
dade de não praticar o que ensinam. Teem incoerências no­
táveis, já com a distinção de moral para os sexos, já por não
quererem, de certo, para as próprias esposas e filhas os "di­
reitos" ardorosamente advogados p�ra as outras.
Em essência, entretanto, o que defendem, sob o nome
de educação sexual é o que nós podemos, em sã e reta lin­
guagem, chamar de culto do erotismo. E tudo parte do grande
êrro de considerar o homem como um simples animal e não
olhar para o lado moral da função procriadora.
Não admira que preconizem para esta "educação" os
meios condicentes com os seus pontos de vista. Querem que
as crianças, desde pequeninas, cheguem ao conhecimento de
tudo o que se refere ao sexo. Propôem: a exposição da técnica
mais completa da própria função, já por figuras, já por pro­
jeções ou mesmo por exibição de animais. O modo pelo qual
um homem do valor científico de Watson ,preconiza o ensino
dos pais aos filhos é verdadeiramente repugnante - e já tem
seguidores entre nós.
Dentro dessas diretrizes, Von Ehrenfels declara, com um
pouco mais de clareza, que a moral sexual "natural" visa a
capacidade de viver e a saude. A amplitude da vaga expressão
- capacidade de viver - permitirá muitas liberdades, e a
proteção à saude já explica porque é que alguns dêsses "edu­
cadores" justificam os vícios sexuais das crianças, desde que
não seja com tanta frequência, e fazem da educação sexual
o mero cuidado profilático, com que se devem acautelar os
interessados.
Sendo assim, não se arreceiam de insistir na iniciação
intelectual ou técnica, a que emprestam tamanha importância.
24 P A D R E A. N E G R O M O N T E

Foerster lastima ( 1 ) que a pedagogia contemporânea instrua


partindo de baixo, sem libertar o homem do pêso dos ins­
tintos nem lhe apontar o mundo superior de seus altos des­
tinos. Mas os pedagogos em questão nem merecem propria­
mente a lástima de Foerster, porque nem partem de baixo :
ficam em baixo. Os instintos lhes bastam. Querem viver dos
sentidos, pensando talvez poderem racionalizá-los. Podem até
ser bem intencionados, mas nada resultará de bom dos seus
processos veterinários de educação. Fazendo tábua do pudor,
ridicularizando os preceitos divinos e as próprias exigências
da natureza, caem todos no êrro básico de desconhecer a ques­
tão moral e tratar o homem como simples animal.
Talvez pareça que dei muita importância ao lado ne­
gativo da questão. Fiz a propósito. Andam muito divul­
gados êsses conceitos. Mesmo pessoas bem intencionadas, po­
rém pouco esclarecidas e competentes, os vão aceitando, sem
maior exame, e com muita facilidade. O que temos ouvido
sôbre a necessidade da iniciação sexual nas escolas, sôbre a
urgência da divulgação da profilaxia anti-venerea, sôbre a
dissolução dos casamentos infelizes, sôbre a vantagem do
anti-concepcionismo em determinados casos, sôbre a impos­
sibilidade da castidaàe masculina, etc. mostra corno essas idéias
encontram curso rápido e entrada facil em muitos espíritos
retos, mas desprevenidos. O que aquí escreví valerá como
uma advertência. Já ficaremos sabendo que daquela maneira
só pensam os que desconhecem as exigências morais e tratam
o homem como simples animal.

( 1 ) Ver - L'éducation intégrale in L'Eglise et l'éducation


sexuelle.
A E D U C A Ç ÃO S E X U A L 25

O VERDADEIRO SENTIDO
Nós, porém, partimos justamente da consideração moral.
Não seria possível âesligar a função dos sentidos; mas seria
absurdo querer deixá-la simplesmente aí, sem considerar a
pessoa humana, e, na pessoa humana, a feição moral insepa­
ravel de todos os atos livres.
A própria natureza nos diz para que existe o instinto :
- e nós queremos que esta finalidade seja respeitada. Diver­
samente nos dous sexos, o instinto clama pela reprodução da
espécie, e ela deve, naturalmente, orientar a , questão. Fora
disto, a função é anti-natural - e a natureza mesma condena
a emoção sexual fora dos meios naturais da procriação.
E' ainda a natureza humana que exige não un\a pro­
criação qualquer, como os animais, porém uma procriação que
garanta a manutenção e a educação conveniente do filho. Ora
isto não se consegue nas uniões casuais nem temporárias, mas
numa união indissoluvel e monogâmica.
Além dêstes ditames da reta razão humana, que vê assim
claramente quando não a turvaram as paixões ou os prejuízos,
temos mais a palavra de Deus nas ordenações definitivas do
Decálogo : "Guardarás castidade. Não desejarás a mulher do
próximo" .
Com isto marcamos o termo final da educação especial
que nos ocupa. Estamos, como vêem, do lado oposto. Pomos
bem alto a nossa mira. _Caminhamos para um ideal perfeita­
mente humano, porque se ocupa do corpo sem desconhecer
os direitos do espírito e a soberania absoluta de Deus. Assim
como condenamos os que querem animalizar o homem, cui­
dando-lhe só do corpo, lastimamos os que pensam em anjelí­
zá-lo, cuidando só da alma. Cuidamos dos dous. Mas o pri­
mado é sempre do espírito - a substiância específica do ho­
mem. Consideramos a parte animal do homem, mas nos co-
26 P A D R E A. N E G R O M O N T E

nhecernos bastante para nos querermos tratar como simples


animais. E se os próprios irracionais são capazes da conti­
nência, muito mais o homem deve ser da castidade. Por isto,
a educação sexual que defendemos e propugnall)Os é um en­
caminhamento para a castidade. Fora disto, ela não tem sen­
tido para nós.
Submetemos a função à sua finalidade primeira, que é
geração, e ás suas finalidades secundárias, que são legítimas
desde que não atentem contra a primeira. Reconhecendo que
para isto é necessária a educação, não condenamos - nem a
Igreja Católica condena - a verdadeira educação sexual.
Partimos da i.nteligência, mas não ficamos nela. Quere­
mos dominar o instinto e governá-lo pelo espírito. Devemos
subordinar a emoção à sua finalidade rnonogârnica e procria­
dora. Estão os sentidos vivamente envolvidos na questão -
e nós não os desprezamos. Mas não ternos a ilusão de do­
miná-los por meros conhecimentos intelectuais ou demons­
trações técnicas, que mais servirão para desencadeiá-los. Por
isso mesmo, em nossa educação sexual, o conhecimento é um
caminho pa.ra a formação da vontade e o domínio dos sen­
tidos. Como a função sexual é, acima de tudo, uma função
moral, a sua educação específica é, acima de tudo, uma for­
mação moral.
Para atingir êste fim, fazemos, sem dúvida, a formação
ou - como dizem - a iniciação intelectual. Mas esta ini­
ciação, para nós, não é um curso de biologia, fisiologia ou
sexologia. O conhecimento do organismo, das suas funções,
do seu destino não nos pode faltar - e nós o ministramos
oportuna e moderadamente. A isto, porém, juntamos o as­
pecto moral inseparavel, vamos repetir, inseparavel dos atos
livres do homeJll. O e<iucando <;leve, portanto, saber distin-
A EDUCAÇÃO SEXUAL 27

guir o bem do mal ;, saber o que é permitido e proibido, e


mesmo no que é lícito distinguir, para evitar, o que é perigoso.
Deve conhecer os meios e a sua eficácia, para ajudar as fra­
lJUezas e deficiências do próprio temperamento e os perigos
d., vida.
Como entre saber e fazer o passo é grande, principal­
mente. nesta matéria, vamos de longe preparando o educando
para realizar o ideial da castidade, que lhe é imposto pela
lei divina e a natural. E' o treinamento do homem para a
virtude, qualquer que seja, porque é impossível dividir a alma
e fragmentar a vontade. E' o trabalho da formação geral,
sem o qual todo trabalho de educação- específica resultará im­
profícuo. Formamos e educamos sentidos, sentimentos e
vontade.
Conhecemos as dificuldades que militam contra a vir­
L ude. Elas são intrínsecas e extrínsecas. Contra aquelas, a
formação geral bastaria. Estas são muito mais agressivas e
difundidas. Os mais antigos e perigosos prejuízos correm
mundo contra a castidade, e são aceitas com aquela facilidade
com que os homens recebem o que lhe agrada aos sentidos.
Preservar os educandos dêsses pérfidos erros é difícil, e ainda
mais difícil substituí-los nas mentes pelos puros princípios da
verdade. Mas não será a dificuldade da tarefa que intimidará
llS verdadeiros educadores. Cresce de ponto a formação inte­
lectual, porque é- Ii�cessá�io convencer principalmente aos mo­
ços de que a castidade é possível e é benefica, acrescentando
a convicção séria de sua necessidade.
Não são apenas os maus que criam dificuldades à vir­
tude. Antes .fôssem. Seriam inimigos fáceis de vencer. Creio
que foi Bérulle quem disse que os piores inimigos do bem
são os bons. Já vimos que muitos querem anjelizar o homem,
e nada conseguem, senão desacreditar a virtude da castidade ,
28 P A D R E A. N E G R O M O N T E

que é também uma virtude da carne. Pois bem; na reação


contra as depravações da função sexual, os bons se excede­
ram. Erraram também o alvo, porque o ultrapassaram. O
amor á verdade manda que incluamos neste número muitos
católicos. Não faremos como os inimigos da Igreja e amigos
do sexo, que, por malícia ou por ignorância, os confundem
com o próprio Catolicismo. Não; a doutrina da Igreja foi
sempre a mesma e a verdadeira sôbre o assunto. Mas houve
numerosíssimos católicos - e ainda hoje os há, principal­
mente entre os mais piedosos e pouco esclarecidos, - que
confundiram com o pecado tudo o que se refere ao sexo. Im­
porta-nos retificar os espíritos também dêste lado, dando às
cousas o seu verdadeiro sentido e valor moral. E ensinamos a
grandeza da função sexual, orientando os espíritos com ele­
vaç�o para pensarem, falarem ou agirem nesta matéria com
aquele respeito que se deve a co�sas verdadeiramente res­
peitáveis.
Em nossos dias, como sempre, é a falta de pudor um
grande inimigo da pureza de costumes. Insistir na necessi­
dade do - pudor, ainda contrariando as idéias e os costumes do
momento, é trabalho de verdadeira educação sexual, a qual
não se consegue por condescendência aos sentidos, sempre mais
exigentes, porém justamente por uma espiritualização capaz
de conter os impulsos inferiores.
Não fazemos da castidade uma fôrça simplesmente do
espírito, porque sabemos a parte que o corpo exerce no com­
posto humano. Os argumentos fisiológicos, de que abusam
os educadores do lado oposto, nós os empregamos, com a di­
ferença de submetê-los ao critério moral, único realmente
digno da pessoa humana. Por exemplo : fazemos suma ques ­
tão da saude física, mas procuramos assegurá-la pela saude
,moral, que vale muito mais. Cremos nos preceitos de higiene
A EDU C A Ç ÃO S E X UAL 29

e de profilaxia, mas nunca procuraremos substituir por êles


os preceitos de Deus. ( 1 )
Ensinamos também os educandos a defender-se. Faze­
mos disto a suprema finalidade da nossa educação sexual.
Com uma diferença apenas - e esta diferença é básica e de­
finitiva : - que para nós defender-se significa outra cousa.
Significa preservar-se, guardar a pureza da alma e a . integri­
dade do corpo no meio dos mil perigos que o assaltam no
mundo. Significa dominar os impulsos fortes do instinto
pela vontade adextrada e esclarecida. Se quisermos tomar a
palavra de Féré, ( 2 ) significa civilizar-se, porque "a civili­
zação, diz êle, tem por fim submeter os instintos à vontade" .
Significa viver de acôrdo com a razão, a conciência e a fé, que
traçam normas e marcam um ideia! ao homem.
E para nós cristãos - e não podemos esquecer que vive­
mos numa sociedade católica - o elemento sobrenatural é
neces.sário e indispensavel. Se, em qualquer ramo educacional
erramos quando esquecemos o elemento religioso, muito mais
aquí, onde as fraquezas acentuadas do homem e urna diuturna
experiência individual e coletiva ensinam que a queda vem
sempre unida ao desprezo dos meios sobrenaturais, e que a
vitóría só é possível se os sequiosos de virtude se dessedenta­
rern nas fontes do Salvador.
Para nós, é isto a educação sexual, são êstes os seus meios
- nem é possível, fora disto, levantar a humanidade da de­
cadência moral em que afunda.

( 1) " Desconfiamos do en§ino sexual dado pelos mestres materia­


listas, que substituem o 6.º e o 9.º mandamentos por algumas receitas
de higiene e de profilaxia, que permitem fazer o mal, sem riscos para
a saude ". Mgr. Rousseau, bispo de Puy.
(2) Cfr. Féré - L'instinct sexuel.
OS EDUCADORES
I

OS PAIS

Uma vez estabelecida a necessidade da educação sexual,


,. de suma importância determinar quem a deve fazer. Tam­
hém aqui nem sempre é a boa doutrina aceita e seguida por
l odos. Não faltam os que a querem confiar a conferencistas,
011 quais dariam lições técnicas a grandes auditórios, e ainda
,IN ilustrariam com projeções. Muito mais numerosos são os
11ue a desejam introduzir na escola, como se ensina ginástica
1 1 11 língua pátria - e já temos assistido a algumas tentativas,
de que nos livraram até agora o bom senso e as tradições de
pndor da mulher brasileira, a quem, quasi sempre, está con­
fiJda a escola primária. Os que querem ver a educação sexual
frita pelos médicos - ou o médico da família, ou o escolar,
1 1 11 o da Saude Pública - confundem-na com a mera inicia­
�fo (sempre perigosa, sem a educação) e não sabem distinguir
o educador do auxiliar.
Deixando para os artigos seguintes as considerações sô­
hrc êsses elementos, estudemos agora a quem cabe a compe­
l�ncía da educação sexual.
Como educação, que não pode diferir da educação geral,
32 PADRE � N E GRO M O N T E

da qual é apenas um ramo, a formação para a castidade deve


caber àqueles a quem compete por natureza o grave dever de
educar. Ora, nós sabemos que o dever de educar corre pri­
meiramente aos pais. Portanto, é aos pais que cabe fazer a
educação sexual dos próprios filhos. Juntam, como é natural
e ordenado, ao dever de gerar os filhos o de educá-los. Para
isto é que foi a família instituída por Deus. E P?r isso afir­
mamos também só na constituição da família ser legítima a
geração dos filhos, que, sem a ação dos pais, não podem ser
educados.
Neste delicado e perigoso setor da educação que nos
ocupa, ainda mais se mostra a necessidade e exclusiva com­
petência dos pais. Se todo educador precisa revestir-se de umas
tantas qualidades e por-se em determinadas condições, sem o
que fracassará o seu trabalho - aquí com maioria de razão,
porque nesses assuntos todo fracasso determina uma ruína
moral, que justamente desejamos evitar. Um conhecimento
sério da vida, uma perfeita liberdade de espírito, uma autori­
dade reconhecida e acatada, uma delicadeza de sentimentos
capaz de f�lar sem ferir a quem ouve, a convivência de todas
as horas para saber dizer o que for necessário e só isto, no
momento oportuno, e tudo isto servido ademais pela ;ibsoluta
confiança do educando - eis o de que precisa quem deve
fazer a educação sexual. Ora, isto, de modo ordinário e geral,
só encontramos nos pais.
O que entendemos aquí por conhecimento da vida não é,
como poderiam alguns supor, a experiência das emoções se­
xuais, mas é a capacidade de falar c;>bjetivamente. Antes, pelo
contrário, quem se entregasse ao domínio dos sentidos, detur­
pando O· sentido do instinto sex_i;ial. mais escravo do que se­
nhor dos próprios impulsos, êste não falará em nome da '
vida, mas 1 das deturpações da vida, dos desperdícios da vida.
Envolto nas nuvens das paixões e vítima delas, o homem não
A EDUCAÇÃO S EXUAL 33

percebe as realidades objetivas, e só pode falar em nome . da


Hcnsualidade que o domina.
Por isso mesmo, o educador deve p ossuir uma inteira
l iberdade de espírito. Falar em nome da moral e não dos seus
interesses individuais. Mas é preciso não pensar que a moral
Reja um princípio abstrato, inaccessivel, lá nas alturas, muito
<listante, do homem que vive aqui na terra. Pelo contrário,
mostrar experimentalmente que os princípios da Moral se
realizam no homem pelo domínio das tendências naturais,
orientadas pela razão e pela fé.
Seria bom que o educador nunca desse a entender (como
o fazem alguns otimistas) que a virtude se consegue sem tra­
balho e sem luta. Falam da castidade como quem fala da
mansidão de um- cordeiro, quando mais acertado seria falar
como de uma fera que foi a custo domesticada. Assim é que
dariam a verdadeira impressão de terem domado os impulsos
vigorosos da tendência pela fôrça disciplinadora da vontade.
Do contrário, os jovens ficarão pensando que o educador é
casto por não ter sentido a plenitude das fôrças naturais, e
que não o poderão ser os que a sentirem.
Só pode educar quem compreende o homem como real­
mente êle é. Os que apresentassem a castidade como facil
prestariam tão maus serviços como os que a reputam impos­
sível. O educador deve falar em nome da razão, da conciência
e da fé, e não em nome dos sentidos - mas não poderá ja­
mais esquecer a fôrça ou mesmo a existência dos sentidos.
Só, portanto, o homem virtuoso, o homem que domi­
nou as tendências dos sentidos, o homem que não se deixou
vencer, ou que, vencido, retomou a liberdade do espírito, só
êle é que ,pode educar.
Aliás, somente êste educador pode gozar de autoridade
real sôbre o educando. E só uma autoridade assim será reco­
nhecida e acatada. E' bem fa�1l de compreender. Mais do
34 P AD R E A. NEG RO M O N T E

que nunca, a vida do educador vale aqui como a melhor lição


e a base em que se firmam todas as outras lições. Estaria der­
rotado o educador de quem .fôsse preciso dizer o que Cristo
disse dos fariseus: º"Fazei o que êles dizem, mas não o que
fazem"
Não esqueçamos o terreno resvaladio em que nos encon­
tramos. Contemos (é preciso contar, embora lastimando)
com a má formação, com os conhecimentos colhidos em fontes
desautorizadas, com o espírito leviano da juventude, e ima­
ginemos o quanto esta matéria exige de seriedade. Não que­
remos falar de um ar misterioso, que antes gera a malícia que
o respeito. Mas não podemos dispensar um tom grave, em­
bora natural e expontâneo, tão sério e tão digno, que o edu­
cando não possa se desviar dele. Para isto não basta a for­
ma ; requer-se a autoridade intrínseca do educador. Somente
ela não tornará possível, siquer, a mínima suposição de le­
viandade, brincadeira ou ironia - o que seria suficiente para
destruir todo o trabalho educativo.
Ainda de maior rigor serão os cuidados para não ferir a
sensibili�ade de quem ouve, ou não precipitar a curiosidade,
e, principalmente, não dar lugar a nenhuma falta. Sem es�a
delicadeza, sem êste tato, toda tentativa seria mais para desen­
cadeiar as paixões do que para contê-las.
Além do que a educação sexual exige uma convivência
de todas as horas, para poder-se dizer o necessário sem chamar
a atenção, aproveitar as oportunidades sem criá-las artificial­
mente, para se fazer naturalmente, insensivelmente, sem peri­
gos, com aquela prudência que é a alma de tudo e sem a qual
tudo estaria perdido.
A confiança que o educando deposita no educador é aquí
essencial. E' natural que esta confiança se vá fazendo aos
poucos, desde as perguntas sem sentido da criancinha até as
perguntas que a idade despertará no adolescente. Se os maiores
A E DUC A Ç Ã O S E X U A L 35

buscarem fora a quem fazer as suas confidências ou interro­


gações é por culpa dos pais ; os pequenos é aos pais que se diri­
girão. E se os pais os acolhessem como devem, fazendo por
merecer e conservar nos adolescentes a confiança que lhes 9is­
pensavam quando' pequeninos, tudo se acautelaria. Porque
ninguém há mais indicado nem em melhores condições para
merecer a confiança dos filhos do que os pais.
Diante de tão numerosas e sólidas razões, concluiremos
que são os pais os indicados e competentes para fazer a edu­
cação sexual. Os outros, nós ou rejeitaremos _como incapazes
e nocivos, ou os admitiremos como auxiliares dos pais, reco­
nhecendo, aliás, os grandes serviços que, nesta condição, po­
dem prestar. Na ausência dos pais, por exceção, também lhes
podem fazer as vezes.
Percebemos as . dificuldades que levantarão contra esta
conclusão. Também não as desconhecemos. Negamos, po­
rém, que nelas se possam baseiar os que propugnam a edu­
cação pela escola ou por preleções cientistas e técnicas. Assim,
pois, se há pais de família que não estejam em condições de
educar, quer porque não merecem a confiança dos filhos, quer
porque não lhes atraem o afeto, tornando-se desta ma;,_eira
incapazes de penetrar a vida íntima tão - cheia de reservas dos
adolescentes ; - se há os que positivamente não querem cuidar
disto, ou porque não se sentem com capacidade para responder
às questões propostas, ou mesmo acham que os pais não de­
vem tratar de "certas cousas" ; - se há os que estão conven­
cidos da necessidade da educação sexual dos filhos, que sen­
tem a falta que lhes faz uma palavra clara, franca e a�tori­
zada, mas se absteem porque "não teem coragem" ; - se os
há, finalmente, que, estando embora em condições e conven­
cidos teoricamente da necessidade desta educação, descuram-na
na prática - o remédio indicado é agir sôbre êles, educando-os
36 P A D R E A. N E G R O M O N T E

primeiramente, pregando-lhes a grave responsabilidade, ofere­


cendo-lhes os meios concretos de agir, para evitarem que os
filhos sejam vítimas das perigosas iniciações que serão fatal-­
mente procuradas ou se oferecerão.
II

O S PROFESS ORES
ESCOLAS E COLÉGIOS
Estudamos à parte que a educação sexual há-de ser rigo­
rosamente individual. Aliás estamos falando da educação, de
que a iniciação é apenas uma parte, e não a mais importante.
Tratássemos, portanto, da iniciação feita em classe pelo pro­
fessor, diríamos desde logo, com absoluta segurança, que deve
ser regeitada.
Mas · o professor, embora não seja o encarregado direto
desta educação, embora não seja a pessoa inteiramente em
condições de fazê-la, tem nela o seu papel não pequeno. E '
o da formação geral - base e garantia de toda a educação
sexual. E', pois, indireta a ação do professor. E só poderia
ser direta em casos excepcibnais, em que êle agiria individual­
mente sôbre o aluno, prevalecendo-se, sem dúvida, da autori­
dade de mestre, mas já quasi em carater particular.
Em classe o grande dever é a formação da vontade, a
preocupação de fazer o aluno dirigir a vida pelos interesses
elevados do espírito, a convicção prática de que somos espe­
cificamente homem na medida em que dominamos os instin­
tos, o amor ao ideal de uma vida pura, o sentido das respon­
sabilidades sociais decorrentes das atitudes individuais, a fir-
38 P A D R E A. N E G R O M O N T E

meza de carater que gosta de triunfar das tendências inferiores,


o amor aos prazeres elevados, a fuga de tudo o que é baixo
e grosseiro - a orientação do educando para vencer a na­
tureza desorganizada e viver segundo a razão e a fé, eis, numa
palavra, a grande tarefa do professor. Se trabalhar nisto, está
cuidando de modo eficientíssimo, embora indireto, da educa­
ção sexual, que não se pode desligar da educação do homem.
Fora desta ação geral, sobremodo benéfica, o professor
só excepcionalmente incursionará nesses assuntos.
Poderiam, talvez, argumentar os que querem a educ�ção
sexual feita na escola, dizendo que o papel dos professores é
justamente continuar ou, muitas vezes, suprir a educação do
lar. E que, portanto, lhes é igual dever cuidar desta educação
como das demais.
Responderíamos com o que acima dissemos sôbre a for­
mação da vontade, do carater - e isto se realizarem os pro­
fessores, terão feito o que de melhor existe para auxiliar os
pais, como realmente lhes é d�ver.
Mas, sem ilusões e sem o desejo de magoar á quem quer
que seja, aproximemo-nos mais da questão. Estarão os nossos
professores em condições de fazer a delicada e difícil educação
de que nos ocupamos ? Há muitos dos nossos educadores que,
pelos seus conhecimentos, pela elevação moral, pelos senti­
mentos, por seus costumes irrepreensíveis, pelo respeito com
que tratam os alunos, poderiam. sem dúvida, abordar com
êles, em público de maneira muito geral, e em particular mais
a fundo, os assuntos desta formação especializada. Do sexo
feminino é que mais os encontramos. Entre os homens é muito
menos frequentes. Os que não estiverem nestas condições são
antes para fazer a depravação sexual, do que a educação.
Estabelecemos como condição indispensavel à educação
sexual que a autoridade do educador seja tal que nem de lonie
possa o educando levar a mal as palavras que ouve, ou atri-
A E r:í tJ C A Ç Â O S E X tJ À t 39
buir-lhes intenções rn:enos retas. Ora, poder-se-ia dizér isto
de um professor cuja vida os alunos sabem ser tão pouco
edificante? Ou de quem já ouviram fora de aula idéias intei­
ramente contrárias às que ouvem agora dentro da classe? Ou
- como infelizmente não tem faltado exemplo - que lhes
foi companheiro de desmandos, quer antes, quer mesmo depois
de professor?
Das professoras poderíamos fazer idênticas perguntas .
Com .que autoridade aconselharia pureza de costumef uma
senhora de quem as alunas sabem episódios bem pouco lison­
jeiros? Ou a senhorita que elas vêem com leviandades amo­
rosas, com leituras inconvenientes, com frequentações pouco
honrosas, com conversações imodestas - ·para ficarmos ape­
nas no que se pode enumerar .sem faltar ao pudor a que tanto
ela falta?
Os defensores da educação sexual na escola - falamos
da educação e dos bem intencionados - argumentam que os
professores estão em melhores condições intelectuais do que os
pais. Intelectuais, sim, em geral. Mas já observamos que
isto não é a primeira condição, embora não seja desprezível;
e que antes se devem ter em conta as condições morais.
Dizem outros - e isto já temos muitas vezes ouvido
que os . pais abrem mão do seu dever e 9 corifiam aos mestres.
E' verdade. Há pais bastante imprudentes ou comodistas, que
preferem deixar êste cuidado aos professores. E' um êrro dos
pais; que não autoriza cousa alguma. Aos pais ninguém subs­
tituirá com vantagem neste delicado mister.
Mas não é pouco o que fazem os professores, zelosos da
pureza de costumes de seus alunos, se os subtraírem às influên­
cias capazes de lhes manchar a alma e enfraquecer o carater,
vigiando-os com discreção, repreendendo-os com brandura, e
corrigindo-os com energia, quando forem os casos. E, sobre-
40 P A D R E A. N E G R O M O N T E

tudo, ditando-lhes ao espírito a convicção dos bons princípios,


fonte da honestidade.
*
**
Não devemos ter medo. às realidades. Quaisquer que se­
jam as teorias, a verdade é que o probema sexual se manifesta
e, muitas vezes, se agrava na escola. E o próprio ajuntamento
de crianças ou adolescentes, que desperta ou fomenta os vícios
sexuais, cria, sem dúvida, para a escola .e principalmente para
os colégios uma obrigação especial a êste respeito. Fechar-lhe
os olhos seria imaginar que a dificuldade não existe só porque
não pensamos nela. Ou ainda pior, desprezar um tão delicado
problema, verdadeiro abismo para tão grande número de edu­
candos, só porque a solução não é facil.
As vezes, na própria escola primária, o professor se vê
em face de faltas graves e públicas. Que fazer? Ignorá-las
não é só impossível. (porque os próprios alunos lhe comu­
nicaram) como horrivelmente anti-educativo. - Seria dar a en·
tender que não é grande cousa - e as crianças teriam caminho
aberto para novas faltas. Deve, portanto, tomar em consi­
deração e punir o culpado. Como: - em particular ou em
público? Em particular não basta, porque a punição do cul­
pado é lição para os demais. Em público. E punirá simples­
mente, silenciosamente, sem uma palavra pública de recrimi­
nação ao mal, de· advertência à classe, de satisfação à moral?
Sem a "motivação" da pena? Pareça a quem entender; a mim
não parece que deva ser assim. Querer-se-ia evitar a iniciação
coletiva; ma� a falta, chegando ao conhecimento de todos, já
a realizou, da pior maneira. A palavra do professor é agora
um remédio necessário.
Ora, hoje em dia, isto acontece frequentemente em nossas
escolas, tão pobres de formação moral e tão ricas de ocasião
de pecado. Se os meninos falam abertamente dos seus na-
A EDUCAÇÃO S EX UAL 41

moros escolares, porque não lhes dar o verdadeiro sentido do


namoro ? Se êles foram apanhados observando, por exemplo,
os animais, porque não lhes dar uma explicação honesta do
que viam, fazendo por levantar-lhes o espírito e o coração -
o que mais facilmente se' conseguirá encarando naturalmente
a função do que com severas reprimendas e pesados castigos ?
Se uma palavra nossa lhes despertou um riso malicioso, por­
que não lhes exigirmos uma explicação que permitirá, de nossa
parte, uma retificação às idéias errôneas ou depravadas que
aprenderam ?
Sei que muitos preferem calar. E' mais cômodo para o
professor, principalmente para a professora, e mais ainda
quando à classe é de meninos ou - ainda pior - é mixta.
Sim, é mais cômodo ; mas será mais proveitoso ? Uma pro­
fessora me confiou que, quando as crianças fazem certas in­
conveniências, ela faz que não vê. Será a boa atitude ? Edu­
cará assim-?
Muitos se excusarão com as boas e fundadas razões que
demos contia a educação sexual na escola. Lembramos-lhes
então que o mal, que queríamos evitar, está feito, e agora
devemos remediá-lo. Nós nunca o provocaríamos ; mas não
devemos permitir que exista impune e devastador.
A experiência · ensina que a imensa maioria dos nossos
meninos é iniciada clandestinamente e , desta maneira, arras­
tada ao pecado, muito mais cedo do que se possa imaginar.
Em face de tão lamentavel realidade, uma palavra clara e
franca do professor, não com programas e técnicas, mas aci­
dental e propositadamente, uma palavra discreta e elevada,
não seria mais para fazer o bem do que para facilitar o mal
já existente ?
Longe _de nós querermos a questão feita matéria escolar.
Repugna-nos só pensar como é que educadores reclamam para
a escola "a livre discussão dos problemas sexuais em gru-
42 PADRE A. NE G RO M O NTE

po" ( 1 ) Mas queremos encarar o problema, não como po­


deria' existir, mas como de fato existe. E encará-lo sem falsos
pudores, sem hipocrisia - como quem mostra. ao médico uma
chaga secreta, pela necessidade de curar,:.se.

*
**
Nos colégios a questão sexual toma aspectos ainda mais
sérios. A idade sobrecarrega os perigos, e o internato os mul­
tiplica. Digam os bons pais de família as horríveis surprezas
que tiveram éom os filhos, inocentes, ao partirem de casa, e
corrompidos, ao voltarem do colégio. Mesmo nos colégios
católicos existem males - infinitamente menores que nos lei­
gos - e principalmente nos colégios masculinos. Sei que
muitos educadores se preocupam com a existência dêsses males,
mas não sei se acertam com os verdadeiros remédios.
A psico-patología sexual confere aqui muito de perto
com a experiência. .Os sexologistas falam de certos vícios que
êles chamam - de compensação. Quando os meninos se vêem
comprimidos ; quando são demasiadamente cerceados nas suas
vontades ; quando o mundo exterior lhes parece extremamente
duro ; quando exper-irnentam a sensação de ser infelizes, en­
tregam-se muitas vezes ao vício solitário , como uma compen­
sação à vida que estão levando. Assim é que vamos encontrar
vítimas do desgraçado costume· "numerosos melancólicos que
procuram na emoção venerea um exutório à hipertensão de
que sofrem" (2) A mesma verificação se fez para os difíceis
de educar. O Padre Vic:,llet, de insuspeita autoridade, lembra
que êste vício tem proporções consideráveis nos colégios de ri-

( 1 ) Cfr. Le problcme sexuel à l'école - René Allendy et Hclla


Lobstein .
(2) Henri Wallon - Les origines du caractere chez l'cnfant.
A E DU C A Ç Ã O S E X U A L '43

gorosa disciplina exterior. Façamos a ligação, que é facil : os


meninos, premidos pelos rigores que os desgostam e aborre­
cem, compensam-se nos prazeres viciosos.
Nos internatos os males se agravam. O abandono moral
é maior. A impressão de infelicidade é desoladora. Os me­
ninos corrompidos facilmente contaminam os companheiros.
Tanto mais facilmente, quanto é justamente nos colégios de
disciplina mais rígida que os superiores menos se comunicam
com os alunos : satisfazem-se em vigiá-los de longe, E os
erros pedagógicos acumulados vão multiplicando os males.
Nos colégios católicos há o remédio preciosíssimo da
confissão. Os meninos se confessam de quando em quando.
Será uma oportunidade maravilhosa de cura, pela reflexão a
que obriga o viciado, pelo efeito sobrenatural e eficaz do sa­
cramento, pela confidência que faz e a palavra de conselho
que ouve. Resta o confessor saber se valer psicologica e peda­
gogicamente da oportunidade. Também aquí seria para lem­
brar como um tratamento ríspido ou rigoroso levaria ao pe­
rigo de futuras confissões sacrílegas, porque o menino, ater­
rorizado, ocultaria as novas faltas que cometeu. Ou, �_en­
forme as . exigências, iria maquinalmente para os sacramentos,
por serem um ponto mais ou menos obrigatório dos estatutos
do colégio, sem terem por isso mesmo o valor de hábitos de
formação da vontade e da concíência.
Os bons colégios cuidam já hoje de remediar o grande
mal. Q cuidado da educação física e esportiva mistura-se ao
estudo com reais vantagens para a vida escolar, que corre mais
alegre e descansada. Não só as preocupações derivam do ter­
reno sexual, como as tentações podem ser mais facilmente ven­
cidas pelo jovem que sente o espírito descansado, o coração
alegre, e acha boa a vida que a disciplina benevolente do co­
légio lhe proporciona. Também é verdade que as boas rela­
ções, o entendimento mútuo, o ambiente de confiança que os
44 P A D R E � N E G ROMON T E

superiores preparam aos alunos dificulta a ação perniciosa dos


maus elementos.
Mas seria ilusório pensar que não existam as conversa­
ções perigosas, os v1c1os e até mesmo as perversões. Sabem
os educadores a influência que desfrutam junto aos compa­
nheiros os maus colegiais. Os colegas os invejam, e mesmo
os melhores os admiram. Acham-lhes uma graça imensa nas
anedotas pornográficas, nos ditos duvidosos, nas atitudes in­
decentes, mesmo quando, por temperamento ou educação, não
os queiram imitar. Nas rodas, são êles sempre que falam. O
perigo é tanto maior quanto os mais ignorantes das cousas
sexuais são sempre os mais curiosos.
Mesmo educadores católicos me teem dito que não _é
preciso falar-se dessas cousas aos alunos, porque . êles sa­
bem mais do que nós. Vai um comodismo tradicional na
excusa. Sabem ? E com quem aprenderam ? E porque apren­
deram com tais mestres ? E que reflexos lhes deixaram nalma
essas lições corrompidas ? E que mal não irão ainda fazer ao
serem comunicadas aos outros ? Tudo isto deve interessar ao
verdadeiro educador, e principalmente ao educador católico.
Sabem ? Mas não é verdade que sabem apenas o lado mau da
cousa, aprendido com baixeza - verdadeiras depravações da
verdade, que êles ignoram ainda, com a agravante de conhe­
cerem os erros ? E isto é tanto mais verdade quanto até os
pais, que se negam a falar com seriedade aos filhos, não se
pejam de pilheriar inconvenientemente na presença deles. E
essas idéias errôneas vão falseando a conciência dos moços. E
êles crescerão nos mesmos erros, se não lhes acudirmos com
o remédio de uma educação proporcionada às necessidades.
Não basta -a maneira geral de falar, de que usam os edu­
cadores nos seus avisos ou nas pregações. E' necessária a for­
mação direta. Como fazê-la ? Nos colégios masculinos, o
confessor pode fazer tudo, se se puser à altura da sua: missão,
A EDUCAÇÃO S EXUAL 45

com . tempo suficiente, com os necessários conhecimentos, fa­


lando com clareza, captando a confiaqça dos rapazes. Com
os maiores, ao se falar da virtude da castidade, a experiência
me tem ensinado que é de bom efeito falar com clareza sôbre
a possibilidade, dificuldade, meios, sem esquecer o que a · fisio­
logia oferece de valioso ao problema. Chamando a atenção
para a maneira elevada de encarar o problema, pondo-a em
confronto com a indignidade dos conhecimentos mal adqui­
ridos, tenho conseguido manter a elevação dos alunos. Sem­
pre termino pondo-me à disposição deles para o que mais qui­
serem, dando mostras de compreender o problema, como real­
mente é, sem exageros para um nem para outro lado.

*
**
Para os colégios femininos o problema varia um pouco.
As conversas equívocas e maliciosas tornam entre as mocinhas
maior incremento do que entre os moços. As chamadas ami­
zades particulares, praga dos colégios de meninas, derivam a
rniudo para carinhos perigosos à virtude. A preocupação se­
xual é verdadeiramente absorvente entre meninas de colégios.
As mínimas cousas, as mais simples e banais, elas referem às
cousas sexuais. Dr. René Allendy ( 1 ) refere uma série de
fatos. Numa sala de mocinhas, não se pode falar em amor,
em pecado original, etc. sem despertar malícia. Alguns colé­
gios teem mesmo urna gíria, uma "língua" em que as palavras
vulgares significam cousas impuras. Isto .nem devemos gene­
ralizar, nem desconhecer.
Daí resulta que os pais devem advertir as filhas dos pe­
rigos advindos da amizade de companheirâs sentimentais e

( 1 ) Le probleme sexuel à l'école.


46 PAD R E A. NE G RO M O NTE

cariciosas, das ligações muito íntimas e exclus�vistas, das fa­


miliaridades singulares.
Quanto às educadoras, além da vigilância geral, cum­
pre-lhes uma tarefa específica. E' necessário, de um lado, sal­
var as meninas dadas a êsses males, corrigindo-lhes positiva­
mente os defeitos, levantando-lhes o espírito por meio de idéias
certas, de conceitos elevados, fazendo-as encarar com digni­
dade os assuntos em questão. Não pensem que basta a for­
mação geral. E' necessário retificar as idéias errôneas, dando
do instinto procriador, das suas funções e órgãos uma con­
cepção digna, que sustenta os espírito numa esfera alta. Seria
talvez ocasião asada a aula de ciências naturais, quando do
estudo do corpo humano. Em vez de omitir o estudo do apa­
rêlho genital � causando assim motivo de estranheza e ma­
lícia, e deixando as meninas numa ignorância injustificavel
- era o momento para orientar as mocinhas, ensinando-lhes
com seriedade, elevação e verdade o que muitas vezes elas
aprendem de modo indigno e errôneo. Nos casos particulares,
de acôrdo com as necessidades, o entendimento pessoal resol­
veria tudo, sob a condição de se falar com clareza e simpli­
cidade. Algumas religiosas educadoras que agiram assim me
asseguraram o bom resultado colhido, acrescentando que isto
canaliza para a educadora as confidênciás, que as alunas, aban­
donadas a si mesmas, se fazem reciprocamente, com grave
dano moral. Acabaram-se os tempos - e nunca deviam ter
existido - em que as mestras nem falavam disto às alunas,
nem lhes respondiam às perguntas, nem mesmo permitiam que
lhes falassem. Em cousa dê tamanha importJância a igno­
rância era a bússola. Hoje semelhante processo constituirá
verdadeiro desastre.
Além disto, tudo o que vamos adiante dizer da mãe em
relação à filha na idade difícil da adolescência, entendemos
igualmente aplicavel à educadora. Pois é quasi sempre no
A EDUCAÇÃO SEXUAL 47

colégio que as internas precisam daqueles cuidados e instru­


ções. Quero frisar o dever especial do colégio, não só porque
assumiu o papel dos pais, como porque cria especiais proble­
mas com a reunião de muitas meninas. Só com urna perfeita
idéia da elevação das funções naturais será pbssivel criar um
ambiente de dignidade que venha substituir a atual atmosfera
de zombaria de que as colegiais são vítimas, cada mês, por
parte das companheiras. O "Journal Psychanalytique d'une
petite fille" conta a êste respeito cousas dolorosas e re_voltan­
tes. A jovenzinha fala do "medo atroz" , da vergonha que
padecia, da atitude das colegas ao perceberem, do horror' que
experimentou ao saber que aquilo perduraria por muitos anos
ainda. E pedia a Deus que aquilo nunca mais voltasse !
Quem não vê que isto precisa ser corrigido, retificado,
melhorado? ! Sei que, por muito tempo ainda, não o será.
Para muita educadora o assunto continuará a ser indecente, pe­
caminoso, indigno de pessoas virtuosas, contra a santa mo­
déstia . O êrro não está conosco. Repitamos para as que
pensam dessa maneira as palavras de Magniez : "Tudo cas­
tamente dito, mas tudo dito" Ou, ainda melhor, a palavra
de S. Paulo : . "Para os puros todas as cousas são puras" ( 1 )
Eduquemos os nossos alunos para a pureza, mas lhes ensine­
mos o que é necessário.

(1) Epist. a Tito, 1. 15.


III

o· MÉDICO
Acham alguns que o médico terá a necessária autoridade.
Realmente, como médico, êle goza de uma autoridade que
falta ao simples conferencista. Mas o excesso de conhecimen­
tos e de técnica prejudica enormemente a ação dos médicos em
geral. Se se trata de preleção pública, é evidente que ainda é
mais prejudicial que a do simples conferencista - pedagogo.
Porque o médico usa de termos duros que ferem demasiado a
sensibilidade dos jovens, causando-lhes muito mais o mal do
que o bem. Aliás, toda ação coletiva neste particular é con­
denavel e contra-indicada.
Mas se tomamos o facultativo, o médico da família, de­
vemos confessar que, embora êle não seja a pessoa indicada
para fazer a educação sexual. pode prestar excelentes serviços.
Como cuidado preliminar, tem êle de excluir, o mais possível
a sua posição de técnico : - nada de anatomia, de fisiologia,
de higiene sexual como elemento primeiro da educação. Ponhà
em jôgo os seus conhecimentos da psicologia, do tempera­
mento do seu jovem cliente. Tenha o cuidado de falar sem­
pre com aquela seriedade que os pais usam ao tratar do as­
sunto. Não se precipite, nem se apresse, mas vá a passo lento,
vendo a impressão das suas palavras no ouvinte. Insinue-se
à confiança. E assim há-de ser precioso au}:ifiar dos pais , no-
50 ·p A DR E A. N E GR O M O N T E

tadamente em certos casos patológicos, de adolescentes mal


nascidos, nervosos, anormais ou viciados.
O médico tem a seu favor um elemento que, quasi sem­
pre falta aos país : - é a ciência. Acredita-se com mais fé no
que êle diz : - "Foi o médico que disse" E isto vale quasi
como um dógma para os jovens, principalmente nesses assun­
tos sempre tão cheios de incertezas e de mistérios para êles.
Seria lamentavel que tão grande autoridade fôsse posta
a serviço do mal. Não precisa dizer que um médico que não
crê na possibilidade da continência, que aconselha_ aos moços
atos contra a castidade, que fala sem respeito, usando mesmo
palavras grosseiras, que dá a seus conselhos um ar brincalhão
- é antes o homem de quem devem fugir quantos desejam
fazer a verdadeira educação sexual, que consiste na disciplina
dos sentidos, no domínio do instinto, na guarda da castidade.
Mas o médico digno da sua missão presta ainda outro
serviço aos jovens. Há cousas que não perguntaríamos a nin­
guém - e perguntamos ao médico. O mundo é como é, não
como deveria ser. Cousas que nunca os jovens teriam coragem
de perguntar aos pais, o médico poderia responder. E resol­
veria muito problema com uma só palavra, com um conselho
prudente e eficaz - porque, repito, tem o prestígio da ciência
que falta muitas vezes aos pais.
�rro perniciosíssimo seria, porém, supor que o papel do
médico é puramente higiênico, sanitário - sem nenhuma li­
gação, sem compromisso algum com a Moral. Caem neste
êrro homens da elevação de Havelock Ellis. Como separar
uma atividade humana da sua feição moral? Como reputar
o médico um educador, dar-lhe uma função tão alta em mo­
mentos tão delicados, decisivos da vida, e fechar-lhe as portas
da formação moral? Não falar em baixeza moral, só porque
se está no consultório médico, é dar a impressão errada e muito
perigosa de podermos deixar a Moral em casa ou guardá-la
A E DU C A Ç Ã O S E X U A L

na igreja. Não é honroso para a ciência dizer que ela nada


ganha em se associar à Moral. neste como em qualquer outro
caso. Não quero confundir a ação do médico com a do sacer­
dote ou a do professor de religião ( quem escreve é um sacer­
dote ! ) , quero que a ação dêsses dous formadores morais não
se separe e menos ainda se oponha, como se fôssem duas cousas
paralelas ou antagônicas.
Mesmo porque, sem o fundo moral, a ação do médico
resulta contraproducente. E' o caso dos que não querem ver
os direitos do espírito, e se preocupam apenas com os ins­
tintos aos quais concedem todas as liberdades, desde - bem
entendido - que se acautelem os interesses da saude. Não
faltam infelizmente médicos que vão ao criminoso extremo
de aconselhar os meios de evitar os contágios, para que os jo­
vens possam continuar, sem perigos mais graves para o corpo,
a vida de perdição moral. E ainda mais nefastos se tornam os
que, sob o errado pretexto da nocividade da continência, pres­
crevem o pecado de impureza corno meio de cura de certas de­
pressões morais e psíquicas. Seriam insustentáveis essas ati­
tudes, ainda que lograssem o visado fim, não só porque o fim
não justifica os meios, como também porque é absurdo que
se pretenda sanar um mal qualquer pela prática de outro mal,
maior e de mais alta esfera.
Quando, pois, reputamos o médico um auxiliar na edu­
cação sexual. supomos que êle esteja disposto a contribuir para
a educação da castidade. Supomos que êle não se deixe absor­
ver pela especialidade, nem esqueça que a educação é sempre
integral e que não se pode educar somente uma faculdade,
isolando-a, principalmente quando se trata de um instinto po­
deroso e envolvente como êste. Supomos que êle não esque­
cerá a necessidade da forma-ção da vontade, antes de tudo ,
para se poder chegar a qualquer resultado digno da verda­
deira educação.
IV
O CONFESSOR

Que papel terá o confessor na educação sexual? Será êle


pessoa indicada ou competente para fazê-la?
Se fôssemos crer no que dizem certos escritores, defen­
sores dos "direitos do sexo" , propagandistas de uma nova mo­
ral . sexual, devíamos condenar, desde logo, qualquer ação
do confessor. Embora êste nosso trabalho fuja, por inteiro,
à feição polêniica, e tenha um tom afirmativo de quem quer
esclarecer e orientar os espíritos retos e bem intencionados -
não deixamos aquí de nos referir à maneira pela qual o co­
nhecido Farei trata dêste assunto. Poucas vezes, num homem
que se preza, num escritor com foros de cientista, num pro­
fessor de Universidade, temos visto tanto desconhecimento
das questões de que trata - para não supormos ( o que seria
pior) má fé e intensões perversas. Cada vez que Forel se
refere à religião, podemos contar· com as mais absurdas afir­
mações, atribuindo ao Catolicismo falsidades e erros em que
não cairiam os nossos alunos primários de Catecismo.
Não admira, pois, que êste revoltado contra os manda­
mentos divinos, contra a monogamia e a fidelidade conjugal,
seja uni inimigo declarado e muito pouco leal da ação do con­
fessor. Sem nenhum conhecimento da causa, mais avançado
do que seria de esperar de um professor, Forel "atesta" isto
54 P A D R E A. N E G R O M O N T E

e aquilo do que se passa nas confissões, a respeito dos pecados


contra a castidade.. E o testemunho que apresenta é, primei­
ramente, o de um leigo que lhe afirmou que "não só os as­
suntos sexuais são tratados no confessionário, como ainda re­
presentam o papel principal" . ( 1 ) E' claro que êste leigo,
mesmo que se confessasse. a miudo, só tinha prática da sua
própria confissão. E se nessas confissões o papel principal era
o dos pecados contra a castidade, a culpa não cabia ao con­
fessor . Se o autor tivesse consultado um ladrão habitual,
êste lhe teria garantido que o papel principal é dos pecados
de furto.
O segundo testemunho é o de urn padre apóstata, que
abandonou a Igreja para se fazer protestante. Como quasi
sempre acontece, não terá sido por amor à virtude da pureza
que aquele infeliz sacerdote deixou os seus votos sagrados!
Qualquer cientista honesto, qualquer homem bem inten­
cionado procuraria os autores católicos que representam o pen­
samento da Igreja ou consultaria a um bom e instruído sa­
cerdote. Nesses autores Forel encontraria, sem dúvida, min1::1-
ciosa doutrina sôbre os pecados impuros ; mas encontraria
também que aquelas perguntas não constituem "prescrições"
(como diz êle) e sim possibilidades - o que é bem diferente.
Dizer que não vê como possa o sacerdote deixar de falar tudo
aquilo ao penitente, é o mesmo que dizer que não vê como é
possível o juiz deixar de impor todas as penas a um réu (pois
que o Código Penal as contem todas) ou como o médico
pode deixar de receitar todos os remédios a um doente 1 .

( 1 ) Ver A Questão Sexual por Augusto Forel. Comp. Editora


Nacional. S.• ed., cap. XII.
A E DUC A Ç Ã O S E X U A L 55

Os que não tiverem renunciado ao bom senso, não fo­


rem animados de tão evidente má fé e conhecerem a doutrina
da Igreja e as atitudes dos confessores, pensarão de maneira
diversa.
Com efeito, ninguém está em tão boas condições para
auxiliar os pais na educação sexual como o confessor. :Êle não
pode ser o encarregado dela, mas é o melhor auxiliar, superior
ao professor e ao médico. A autoridade de que goza o sacer­
dote, principalmente no confessionário, é incomparavelmente
maior - e aí temos um elemento de primeira ordem.
A atitude do penitente facilita enormemente o trabalho
educativo. O padre fala depois de ter ouvido. Não age, por­
tanto, de maneira vaga e indeterminada, mas sôbre dados con­
cretos, apresentados com a mais exigida franqueza, com um
conhecimento perfeito da causa. O penitente, arrependido do
mal que fez, está disposto a receber os conselhos que o levarão
à emenda. Tem, além do mais. uma confiança absoluta, ge­
rada pela obrigação do inviolavel sigilo sacramental - e isto
permite falar com uma sinceridade e urna integridade de causa,
que é ilusório esperar em outra qualquer circunstância. Mesmo
os freudistas sabem do valor dessas confissões, que êles acon­
selham, mais ou menos ilusoriamente, do ponto de vista pu ­
ramente natural. Mas nós, que cremos .no sobrenatural e não
contamos com a possibilidade da castidade sem os meios so­
brenaturais - como veremos depois -- sabemos ainda me­
lhor apreciar o papel do confessor como auxiliar dos pais
neste difícil trabalho.

Como sacerdote, sinto-me perfeitamente à vontade para


dizer em que condições o confessor realizará plenamente esta
56 P A D R E A, N E G R O M O N T E

delicada missão. Não se trata apenas do padre como cate­


quista e pregador, falando, de um modo geral, dos manda­
mentos : "Guardarás castidade'.' e "Não desejarás a mulher
a mulher do próximo" . E' verdade que isto é uma contri­
buição de primeira ordem, porque forma a vontade para a
virtude, esclarecendo a inteligência e ditando os meios a em­
pregar. Mas, como confessor, o sacerdote tem outro papel.
Como desempenhá-lo?
a) Com prudência.
A prudência começa da própria maneira de ouvir a de­
claração dos pecados : sem espanto nem admiração. Se o con­
fessor desse qualquer demonstração de estranheza, já impe­
diria talvez a franqueza do penitente. Ouvir tranquilamente
tudo, como se nada houvesse de extraordinário - como, de
fato, não há.
Maior prudência ainda em perguntar. Não digo cousa
nova, é claro. Repito aquí as lições aprendidas por todos os
sacerdotes na Teologia Moral. A interrogação deve ser : 1 )
Mo derada: qualquer anciedade nesta matéria daria a entender
ao penitente uma importância maior do que a rea!. E já seria
contra-indicado, nocivo ao fim que se tem em vista. Isto,
principalmente com os jovens e com as pessoas de outro sexo.
2) Discreta: tudo o que não representa utilidade ao valor da
confissão ou ao estado de conciência e à correção do penitente
deve ser posto de laâo. 3 ) Oportuna: no tempo e do modo
mais conveniente. Qualquer pergunta extemporânea produ­
ziria também uma impressão desagradavel, chocando, cha­
mando a atenção para o assunto - o que é contrário à peda­
gogia sexual. 4) Gradativa : começando das cousas mais sim­
ples (maus pensamentos, conversas levianas) e subindo, se as
respostas são afirmativas, ou detendo-se e dando por encer­
rado o assunto, se forem negativas. E' bom nunca esquecer-
A E D U C'Ã
l
Ç ÃO SEXUAL 57

mos aquela regra de todos os teólogos : - que nesta matéria


é melhor faltar em muitas cousas do que superabundar em
uma só. "ln materia luxuria? melius est in pluribus deficere,
quam in uno superabundare" . ( 1 )
A prudência deve atingir a maneira de julgar. E' êrro
pensar que-- exagerando a culpa mais depressa se garante a
emenda. As vezes, é o contrário. O penitenté é tentado a
desanimar ou desesperar da emenda - ou mesmo a se entre­
gar, unia vez que já foi tão longe. Principalmente com crian­
ças se dá virem elas acusar-se, como de faltas graves, de umas
tantas cousas que não passam de leviandades ou i.modéstias.
Então basta advertí-las do que realmente se trata, aconselhan­
do-as a evitar o mal.
b ) Com bondade.
Se o confessor se mostrar rigoroso demais, põe-se em
grave risco a sua função espiritual e educativa. Principal­
mente um confessor de jovens deve se revestir de uma pa­
ciência sem limites. Prejudicaria, bem provavelmente, a pró­
pria integridade da confissão o confessor que se mostrasse irri­
tado. Os jovens, com medo às repreensões, seriam' tentados
a calar as faltas mais graves, particularmente as contra a pu­
reza. Ouvir com paciência, aconselhar com firmeza, mas sem­
pre com mansidão. Estragaria tudo quem fizesse cair sôbre
a cabeça do penitente- urna tempestade. Mesmo que fôsse de­
pois de ter ouvido tudo, poria em perigo as confissões futuras,
caso o penitente ainda voltasse ( o que seria improvavel) .
Errôneo seria também aterrorizar os jovens com ameaças
de castigos, se recaírem. Isto tem, às vezes, ocasionado psi­
coses. Pessoas nervosas, cheias de escrúpulos; meteram na ca-

(1) Quantos desacertos teria evitado Farei, se conhecesse esta


regrinha 1
.beça
. que �stão perdidas,
58 PAD R E A . N E G R O M O N T E
..
porque o confessor lhes disse que, se
recaíssem,· estariam condenadas. E' mais razoavel que reco­
mende voltar à confissão sem delongas, caso haja alguma re­
caída. Mesmo porque não basta uma confissão para a emen­
da, e, em casos de hábitos mais ou menos inveterados, a cura
é bem mais demorada do que seria para desejar.
E' muito de acôrdo com a exigida bondade dar aos jo­
vens e às crianças penitências não muito grandes. la mesmo
dizer - pequenas. E' a necessidade de não dar aos espíritos
impressionáveis dos adolescentes a preocupação dessas cousas.
Nem mesmo para que as evitem. Porque toda preocupação
sôbre isto é má, mesmo que seja para o bem ! E os que pen­
sarem que assim ós pecadores não se emendam, tranquilizem-
1 se : emendam-se mais facilmente. E' a bondade que conquis­

tará a confiança, que abrirá os corações, que facilitará a decla­


ração dos pecados, que convidará, muda, mas eficientemente,
a voltar.
c ) Com habilidade.
E', talvez, de todas as faltas a que mais dificuldades traz
à confissão. Não raro calam-na os jovens por vergonha de
dizê-la - e nisto as meninas sentem maiores tentações. Ou­
tras vezes é a dificuldade de expressão que os embaraça. Não
sabem como dizer. Quando querem dizer e não sabem como,
é facil ao confessor avisado ir-lhes em auxílio com perguntas,
sem esquecer de lhes ensinar depois a maneira por que se de ­
veriam ter acusado. Quando calam por vergonha, a dificul­
dade é maior. Então é que as supracitadas regras de interro­
gar devem ser postas em proveito. E' habilidade perguntar
sempre o mais, porque o penitente, dizendo o menos que fez,
tem a impressão antes de se estar defendendo do que acusando.
Irritar-se com os que negam faltas que o confessor presume
terem cometido será mais emudecê-los que dispô-los à sinceri•
A E D U C Á Ç Ã O ·s E X U A L 59

dade. Mas vale dar a falta como cousa natural, e obter a con­
fissão - fazendo, depois, as ponderações que o caso 'ditar.
Essas ponâerações requerem também habilidade. Se os
meios apontados para a emenda tomam aspectos extraordiná­
rios e heróicos, mais se consegue dar impressão da impossibi­
lidade da virtude que da exequibilidade da emen"da.

Quanto à iniciação intelectual é ainda o confessor muito


competente. De certo, não lhe é terreno vedado. Pelo conhe­
cimento que a confissão lhe dá do educando, pode ensinar o
necessário sem perigo de se exceder, sempre lembrado das .me­
didas de prudência. Principalmente os jovens falam com
grande confiança ao sacerdote. E com as meninas terá a pre­
caução de encaminhá-las às mães, de cujos lábios devem re­
ceber as necessárias instruções.
Na educação dos pais não precisa dizer que será notavel
a influência direta dos sacerdotes, se puserem nisto uni cuidado
mais especificado.
Devemos lembrar que toda a ingente e benéfica ação do
confessor só se realizará plenamente por meio da direção espi­
ritual. Deve-se evitar quanto possível ir ao primeiro confessor
que se encontrar, mas procurar um que tome particular cui­
dado do penitente, 'procurando conhecer-lhe a alma e ajudan­
do-o a conhecer-se. :êste é, aliás, o ideal para quantos querem
mais seguro progresso na virtude.

Não pareça impertinência pedir aos sacerdotes um es­


pecial cuidado nCY·estudo do assunto em questão. Sei como é
feita a educação sacerdotal. Mas é necessário cuidarmos dos
60 P A DRE � NE GROM O N TE

outros. Se para nós padres a questão já ficou resolvida, para


os que nos procuram ela constitue um grande problema. Seria
um grave êrro de nossa parte propormos uma solução pouco
viavel, pouco psicológica, ou de escolhidos.
Importa não desconhecer o papel do corpo nas lutas da
castidade. Terminando a leitura do "Solução do Problema
sexual" compilado pelo Padre Lacroix, livro cheio de filosofia
e ascética, esquecido do lado fisiológico, um rapaz me disse :
- "O moço do P. Lacroix só tem alma! " Se é condenado
o naturalismo, que prescinde do sobrenatural. é lamentavel o
desprezo do corpo n:o domínio de uma tendência com tão pro­
fundas raízes no organismo. O problema só pode ser solu­
cionado assim como é : - do corpo e do espírito. A expe­
riência me ensinou que os argumentos morais e religiosos ·ga­
nham nova fôrça, quando estribados em razões fisiológicas.
Aliás a fisiologia facilita o discernimento psicológico. E
êste discernimento é fator de primeira ordem na cura de almas.
Não é passivei aconselhar a mesma cousa a um menino de 1 O
anos, um moço de 20 e homem de 40, embora tenham acusa­
do a mesma falta contra a castidade. Nem mesmo a atitude
do confessor pode ser a mesma. E para a emenda do peni­
tente contribue muito. Alguns moços se queixam de não se­
rem compreendidos pelo confessor. Na véspera de uma co­
munhão geral de universitários, notamos que os confessioná­
rios dos padres idosos eram evitados. Depois os rapazes nos
explicaram que os padres moços os compreendem melhor. De
certo. Os velhos já se esqueceram das lutas que a castidade
exige. Esta compreensão facilita o remédio. E o não nos
esquecermos é uma boa cousa. Mas não é tudo, porque há
situações que o padre nunca atravessou, e precisa compreender.
Há, hoje, trataâos excelentes que unem todos os meios
- naturais e sobrenaturais, fisiológicos e psicológicos, nor­
mais e extraordinários - numa orientação segura para a so-
A EDUCAÇÃO SEXUAL 61

lução do problema. Os de Capellman e Gemelli merecem es­


pecial estudo. Para vermos a importancia de que se reveste a
questão para os sacerdotes, citaremos o pensamento de uma
revista catolica francesa, que, noticiando o largo estudo de
Dalbiez ( I ) sôbre a doutrina de Freud, afirmou não poder
hoje em dia ignorar o que esta doutrina contém de verdadeiro
um padre que quiser ficar à altura de nossos tempos e de suas
necessidades. Que isto valha como um apêlo.

( 1) Roland Dalbiez ,- La méthode psychanalytique et la doctrine


freudienne. 2 vols.
AS INICIAÇõES CONDENAVEIS

Uma vez que estabelecemos a necessidade da educação


sexual, fica, por isso mesmo, estabelecida a necessidade da ini­
ciação sexual. Só que nos devemos entender a propósito do
que seja esta iniciação. Trata-se do conhecimento necessário
ao educando. E' impossível orientar devidamente a vontade,
sem esclarecer a inteligência. Fixemos, mais uma vez, que
aquí os conhecimentos são dados exclusivamente em função
da finalidade da educação sexl,}al. Como esta pretende e pro­
cura o domínio do instinto pela vontade disciplinada, ou,
por outras palavras, a prática da virtude da castidade, - é­
necessário iniciar o educando, em tempo, sôbre o objeto da
virtude, as dificuldades que ela encontra no sujeito e fora dele,
a natureza do instinto que ela deve dominar, e, finalmente, os
meiôs a empregar para isto.
Parece que sôbre isto andam todos de acôrdo.
I

INICIAÇÃO INTELECTUAL

Acham todos, portanto, necessária a iniciação intelectual:


- esclarecer a inteligência. Muitos, porém, começam a errar
por não dar outra finalidade a êste conhecimento. Querem
simplesmente a instrução, e esperam dela o que os outros, me­
lhor esclarecidos, só podem confiar da educação. :Êsses intele­
ctualistas ainda são do tempo em que se confundia instrução
com educação. São dos tais que pensavam e diziam que abrir
escolas era fechar cadeias .
Atribuem comumente a imensa desordem de costumes à
falta de conhecimentos das cousas sexuais. Não vêem que a
indisciplina moral tem outra origem. E' o êrro comum a to­
dos os naturalistas e laicistas - os que afastam do terreno
educacional o problema religioso, e querem educar sem Deus,
sem bases religiosas.
Se isto fôsse verdadeiro, como seria facil a solução do
problema ! Os médicos e os estudantes de medicina seriam uns
anjos de pureza - o que, infelizmente, não podemos afirmar,
a-pesar-dos largos conhecim.entos que êles teem da matéria.
Paul Bureau ( 1 ) verificou que são justamente os que recebem
um mais difuso ensiname�to sôbre êsses assuntos que fornecem
mais grosso contingente de vítimas de impureza. E' que, além

(1) " L'indisciplinei des mreurs ".·


66 P A D R E A. N E G R O M O N T E

do mais, estamos aquí num terreno muito especial. A simples


noção, sem a formação da vontade, seria, com toda certeza, de
desastrosas consequências. Sem termos antes firmado a prá­
tica da virtude, o conhecimento do assunto despertaria a curio­
sidade, acordaria os interesses do instinto e precipitaria os jo­
vens nos perigos, que temos, justamente, o dever de evitar.
Pensar de outro modo é desconhecer a fraqueza dos ho­
mens a êste respeito, e principalmente a dos jovens. E' ignorar
também que estamos em face do mais poderoso e, por isso
mesmo, do mais desordenado de nossos instintos. O Dr.
Monsaingeon, ( 1 ) com a sua dobrada autoridade de pai e
médico, observa que o perigo está justamente em êsses conhe­
cimentos não se satisfazerem com dados platônicos, mas ten­
derem sempre para as experiências. O que foi muito bem en­
carado por Foerster, (2) o qual explica que a iniciação inte­
lectual, sem lima concepção mais elevada da vida, despertará
apenas a curiosidade do educando, que irá se informar do que
não lhe foi dito. Isto, aliás, é facil de compreender. Não se
trata de um assunto qualquer. Tem a função sexual atrações
e imperativos de que não gozam as outras funções. Cercam­
na, infelizmente, de um mistério que a faz cada vez mais in­
teressante para os jovens, cuja curiosidade, desta maneira, se
aguça.
Quando se lhes fala desta matéria, não é só a inteligência
que se abre ao conhecimento, mas a sensualidade desperta e
chama em seu auxílio a fôrça poderosa da imaginação - e
tudo s,e transtorna. E. Jordan tem, a êste respeito, uma página
notavel, em resposta aos que pretendem equiparar o ensino
das funções sexuais ao ensino das demais funções do corpo
humano. Advertidos de que a próxima lição será sôbre a res-

( 1 ) ln " L'Eglise et 1'éducation sexuelle ".


(2) Fr. W. Foerster - Moralc sexuellc et Pedagogie sexueJle.
A E D UC A Ç Ã O S E X U A L 67

piração, os alunos não aguardam a aula com impaciência nem


com inquietação. Ao sair da a-ula, não chamarão uns aos ou­
tros, pelos cantos, e nem dirão : "Que tal? Deve ser diver­
tido: e se procurássemos respirar um pouco! " Mas é isto que
lhes acontecerá se o assunto for o sexual, cuja curiosidade é já
urna das formas do instinto nascente.
Além disto - continuo resumindo o ilustre professor
da Sorbonne - nas demais funções não há necessidade de
separar o conhecimento da experiência : - o que constitue o
problema essencial da nossa questão. Pelo contrário. O pro­
fessor, que explicou os pulmões . e o seu funcionamento, não
vai presumir os alunos contra o seu uso prematuro, mas lhes
recomenda que os ponham a funcionar bem, e lhes indica os
exercícios que devem fazer.
Ainda mais, a iniciação sexual puramente de ensina­
mento compromete e destróe a formação que devemos ter em
vista. Ela serve para despertar a curiosidade, e não para acal­
má-la. Ora, nesta matéria não podemos excitar os alunos.
Um professor de história está satisfeito quando vê os alunos
o interrogarem, pedirem explicações, indicação de livros, mos­
trando assim que vão prosseguir fora o que aprenderam em
aula. A iniciação sexual que produzisse os mesmos resultados
teria impulsionado os alunos a penetrar num terreno que lhes
é vedado e só lhes oferece perigos.
Terminando esta página, Jordan, que é católico, chega
à mesma conclusão de Foerster, que é protestante : - o ensino
sexual deve ser feito no sentido "de afastar a atenção e não de
retê-la, de adormecer o interesse, e não de excitá-lo" . E Foers­
ter : "Dada a natureza particular dêste domínio, o melhor
tratamento consiste em afastar dele o pensamento" ( 1 )
Não vamos, porém, daquí concluir que não se deve fazer

(!) Loc. cit.


68 PADR E � N E G ROMON T E

a in1e1açao intelectual. Nem é esta também a conclusão dos


grandes �estres que acabei de citar. Deve-se ; mas apenas na
medida do indispensavel, e firmando-a na formação da von­
tade, que é sempre essencial para o homem. O êrro, pois, de
certos autores está em dar à iniciação o primeiro, quando o
seu verdadeiro lugar é secundário. Ou melhor : é antes um
meio, para realizarmos a verdadeira educação sexual, que é,
acima de tudo, uma formação da vontade.
II

INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Mais longe levam alguns as suas idéias sôbre a iniciação.


Pensam em torná-la um verdadeiro curso de fisiologia e de
higiene. Querem todas as explicações relativas aos órgãos se­
xuais. Mesmo homens do valor de Havelock Ellis ( 1 ) e da
súa probidade moral - porque não cuidamos dos escritores
de mal disfarçadas e inconfessáveis intenções - caem neste
êrro : "Seja como for, diz EI1is, e de qualquer maneira por
que encaremos o assunto, é certo que hoje devemos ensina,
seriamente às crianças o mecanismo sexual" Principalmente
os "educadores" materialistas insistem nesta pretensa necessi­
dade de ensinar higiene sexual aos adolescentes de ambos os
sexos. Outros, ainda menos à altura do assunto, reduzem isto
aos cuidados necessários a evitar contágios.
I**
*

( 1 ) O juizo que aquí faço de Havelock Ellis s e entenda das suas


intenções, que iparecem boas, pela seriedade com que sempre trata os
assuntos, sem perder contato com as preocupações morais. Infelizmente
não podemos julgar igualmente as suas idéias, cheias de naturalismo e
inaceitáveis. A sua obra de grande pesquizador nos serve como .rico
documentário, sem atendermos ás suas conclusões.
70 P l\ D R E A . N E G RO M O N T E

Lastimamos a confusão dêsses autores sôbre pontos tão


essenciais. Confundir a própria finalidade da educação e des­
conhecê-la, é a mesma cousa. E vamos pensar que semelhantes
homens sejam capazes de educar !
J'á dissemos o suficiente sôbre o valor da simples inicia­
ção, sem o cuidado moral. O próprio H. Ellis se desdiz com
estas palavras : "a iniciação espiritual dos rapazes e das me­
ninas está entregue aos acasos de um acidente feliz, e é pra­
ticada, as mais das vezes, sob uma forma puramente cerebral,
que não é muito favoravel, ou, pelo menos, que é absoluta­
mente incompleta"
Há um momento em que será util e mesmo necessária
uma exposição relativa ao funcionamento do aparelho genital
- é quando êle, pelo seu natural desenvolvimento, começa a
influir tão poderosamente na vida individual. E' na puber­
dade. Mas esta exposição não precisa, nem mesmo deve re­
vestir um carater científico e menos ainda técnico. Basta que
seja uma cousa real, para satisfazer a necessidade de compre­
ensão do estado em que o adolescente se acha. Além dêstes
limites, começaria a ser perniciosa. Exposições científicas e
técnicas sôbre os órgãos sexuais e seu funcionamento mais
seriam para excitar os jovens ou decepcioná-los - o que acar­
retaria evidentes prejuízos morais.
Isto não quer dizer que a educação sexual pre_scinda da
ciência ; quer dizer apenas que não se baseia nela, mas sim no
contendo moral, a cuja luz devem ser apresentados os fatos
e as leis da natureza, como quaisquer dados científicos.

*
**
Mais condenáveis seriam essas m1c1ações, se as fizessem
demasiadamente cedo. Não devemos confundir ignorância com
inocência, mas devemos saber os males que um conhecimento
A E D U C A Ç ÃO S E X U AL 71

precoce pode produzir. Aos órgãos sexuais estão associadas


as emoções intensas com que Deus quís estimular no indivíduo
a árdua função social da geração. Despertar antes de tempo
o conhecimento dessas emoções é desorganizar o desenvolvi­
mento natural da vida, quebrando o equilíbrio entre o corpo
e o espírito, determinando verdadeiras anomali_as, ou precipi­
tando as crianças no pecado e no vício. E' antecipar a inquie­
tação da adolescência, dando ao espírito da criança preocupa­
ções que ela não pode ainda compreender, e abrindo-lhe o co­
ração a tentações para cuja defesa não tem a suficiente pre­
paração.

Ainda mais gravemente errônea seria a iniciação hi­


giênica, de carater puramente profilático. Em geral, os con­
selhos dados aos moços são orientados para a fuga do perigo
venéreo. Tive em mãos prospectos da Saude Pública que en­
sinam a evitar os contágios por meios nada morais. Porque
não serão os cuidados preservativos, nem medidas profiláticas
que legitimarão atos condenados pela própria lei natural e a
divina. :Êsses "educadores" querem assegurar a saude do cprpo
com o sacrifício da saude moral - e o mais certo é que arrui­
narão . uma e outra.
Para quem conserva o senso da moralidade, os preceitos
de higiene não substituirão jamais os mandamentos divinos.
O ensino dos meios profiláticos feito desta maneira não é urna
garantia moral ; é antes um estímulo para o pecado, um enco­
rajamento para a crápula. Equivale a facilitar o vício, sem
riscos para a saude - com mais. segurança portanto. Isto é
justamente o contrário da educação, porque é a absoluta li­
berdade do instinto, o qual se precisa disciplinar e dominar,
mas cujos freios, assim, se vão deixando à sôlta.
72 P A D RE � NE GROMO N T E

Os perigos venéreos existem, e com muito maiores pre­


juízos e devastações do que em geral se presume, e devemos
advertir contra êles a mocidade. Mas não nos devemos iludir
com essas advertências : elas não darão a fôrça necessária para
evitar o pecado quando a tentação se apresentar. Já demos
acima uma prova disto, citando Paul '.Bureau segundo quem
o maior número de vítimas das moléstias venéreas é precisa­
mente dos que estavam mais advertidos - o que bem mostra
ser grande dever dos educadores formar o carater, disciplinar
a vontade, preparar para a castidade, porque isto é que é digno
de um educador, e só isto de acôrdo com a verdadeira moral.
Aliás é também o único caminho seguro, infalível, de
garantir a preservação da saude, ficando ainda certo que o
melhor meio de lutar contra a corrupção do corpo é evitar a
corrupção do espírito.

*
**
Se por higiene sexual entenderem os cuidados físicos que
se devem tomar para garantir mais facilmente o adolescente
contra as arremetidas do instinto, não há ninguém de bom
senso que a não apláuda.
Desta higiene faz parte a escolha da alimentação. Nisto , ,
não somente os devemos acostumar a ser moderados - o que
é sempre de reais vantagens para o organismo - como lhes
devemos poupar tudo que produza irritações capazes -de se
refletirem no funcionamento do aparêlho genital. E' de boa
higiene fugirem dos alimentos ricos em gordura, do excesso
de carne, dos condimentos, das bebidas alcoolicas, do abuso
do café, do fumo, como de tudo o que possa trazer irritações
locais, sempre perigosas à castidade.
A higiene geral individual, se não deve chamar especial
atenção para os órgãos sexuais, não pode nem deve excluí-los.
A E D U C A Ç Ã O S � X: U: AL 73

E', de suma importância êste cuidado de limpeza. Mas a êle


acostumaremos as crianças desde cedo, como, aliás, as acostu­
mamos a todos os outros cuidados de higiene, sem fazer dis­
tinção, porque é de boa norma pedagógica não chamar a aten­
ção para os órgãos genitais, mas tratá-los em pé de igualdade
com os demais órgãos, afim de não despertarmos malícia nas
crianças.
A falta de higiene é, muitas vezes, responsavel por há­
bitos viciosos, cheios de prejuízos morais e sanitários. O
banho frio quotidiano é muito recomendavel, principalmente
para os meninos de um clima quente como o nosso.
Também entra em boa linha de conta para a higiene da
castidade o sono. Acostumando-se as crianças a dormir cedo
e levantar cedo, a deixar o leito imediatamente ao acordar, a
um leito antes duro do que macio demais, a cobrir-se pouco
para não concentrar muito calor do corpo, a trocar de roupa
para dormir, a deitar-se de lado e não de costas, teremos dado,
a respeito,, os principais hábitos, cujas razões, mais tarde, po­
derão conhecer.
A seu tempo, moças e rapazes aprenderão o que mais
for, conforme a necessidade individual.
III

INICIAÇÃO COLETIVA

A enorme decadência de costumes, alarmando a todos,


despertou a conciência da necessidade de um dique ao avanço
da imoralidade. Alguns se apressam nas medidas a tomar.
Vem dessa urgência a iniciação sexual coletiva.
�sses, como é claro, confundem também a iniciação com
a educação. Acham o mal tão grande que não comporta as
demoras da iniciação individual. Preferem a ação em comum,
muito mais rápida.
Na boa doutrina, é condenavel como contraproducente
a iniciação coletiva, e aceita e recomendavel a individual. Ve­
j amos as razões.
A iniciação não deve� despertar a curiosidade do edu­
cando, mas sim satisfazê-la, justamente para amortecê-la. Por
isto há-de ser de perfeito acôrdo com as condições do indivi­
duo. E' preciso detê-la no momento justo, que é aquele mo­
mento, dificílimo de conhecer, em que se disse tudo o que o
educando precisava saber, e não se disse mais do que isto. E'
preciso que a iniciação forneça os conhecimentos necessários,
mas proprocionados sempre ao fim da educação sexual, que é
a conservação da pureza de costumes. Isto ela só conseguirá
não ultrapassando os limites das necessidades do momento, as
quais não são as mesmas para todas as crianças da mesma
76 P A D RE � NE GRO M O N TE

idade, nem do mesmo meio ; porém, variam de pessoa a pessoa,


de acôrdo com a idade, o temperamento, o meio, a educação.
E mesmo em cada criança ou jovem essas necessidades não
aparecem de uma vez, mas aos poucos, - e aos poucos é que
deverão ser satisfeitos.
Ora, isto é inteiramente impossível na iniciação coletiva.
Por mais que se escolha e homogenize uma classe nunca se
conseguirá uma identidade de temperamentos e de conheci­
mentos capaz de permitir a mesma exposição sem riscos.
Quanto mais que, em nossas escolas, vêm as crianças dos mais
diferentes meios - e enquanto uma é ainda "inocentinha",
a outra já é demasiadamente "sabida" E se misturam pú­
beres e impúberes, realistas e sonhadores, puros e iniciados.
Não precisa dizer que essas crianças receberão de modo
muito diverso uma explicação qualquer sôbre o instinto se­
xual. Umas rirão um risozinho malicioso, como quem diz :
"Isto para mim não é nada ; eu já sei muito mais ! " , enquanto
outras arregalarão os olhos de espanto. Urnas se ruborizarão
de pudor, e servirão de zombarias posteriores às outras, que
trocarão entre si piscadelas significativas.
O adolescente de 14 anos e o menino de 1 O compreen­
derão bem diferentemente o que ouviram, e farão aplicações
bem desencontradas. O temperamento frio e realista ouvirá
e calará, e dará, talvez, alí mesmo tudo por acabado ; mas o
temperamento ardente e sonhador terá muito com que ali·
mentar as paixões nascentes e a imaginação fecunda. Quem
teve em casa uma educação cuidosa e aprendeu a fugir do pe­
cado, talvez guarde apenas uma ferida aberta na sensibilidade
moral ; mas outros encontrarão carinho para as devastações de
novas e ainda mais perigosas iniciações clandestinas.
Ninguém pode imaginar as reações produzidas por uma
iniciação sexual coletiva. Mme. Vérine conta de uma jovem
a quem uma iniciação dessas, embora feita por um mestre de
A EDUCAÇÃO S EXUAL 7 7,
grande valor moral e científico, produziu uma invencível a�er­
são ao casamento, do qual ela nem siquer gostava de .ouvir
falar. E refere ainda o caso de um rapazinho que sofreu uma
síncope durante uma preleção sôbre o perigo venéreo. Em
face dos perigos cuja gravidade êle desconhecia, o pobrezinho,
que se tinha exposto, ficou tomado de tanto horror que per­
deu os sentidos. Os educadores verdadeiros saberão imaginar
os prejuízos de semelhantes choques, e a posição de inferiori­
dade em que se colocou êste rapazinho, humilhado diante dos
companheiros.
Outros inconvenientes existem. A preleção pública vai
por em circulação entre os alunos um assunto de que seria
conveniente nunca falarem entre si. E a consequência seria
justamente a que devemos evitar: - a iniciação mútua, em
que os piores corrompem os melhores. E isto parece inevi­
tavel. Depois da preleção virão os comentários. Horríveis,
êsses comentários ! Mesmo que o professor ou o conferencista
tenha tido uma grande elevação de idéias e uma grande deli­
cadeza de palavras, não faltará motivo para chacotas desmo­
ralizantes, quando os alunos estiverem sós. E' então que mui·
tos irão compreender o verdadeiro sentido do que ouviram,
ou completarão os conhecimentos com as explicaç�es dos co­
legas, sempre maus mestres no assunto em questão.
Argumento que devemos ajuntar a êstes, já tão fortes,
é o mal da coeducação dos sexos, sistema naturalista que o
comunismo abraçou de todo coração por servir tão bem aos
seus intúitos, e que uma política educacional pouco avisada
e nada científica aceitou e vulgarizou entre nós. Quem tiver
senso, e principalmente um pai, uma mãe de família, pode
supor os riscos morais de uma aula ou preleção de tal natureza
numa classe de meninos e meninas !
Não foi, portanto, sem graves motivos ·que o S. Padre
Pio XI, na sua magistral encíclica sôbre a educação da juven-
78 P A D R E A. N E G R O M O N T E

tude ( 1 ) condenou como perigosa e prejudicial a i11iciação


sexual dada em público. Em França. protestaram contra ela
os pais, quando ensaiaram lá estabelecê-la nos liceus oficiais.
E o govêrno teve o bom senso de recuar. Aliás é o pensa­
mento mesmo dos que não são católicos, mas desejam o bem
moral dos educandos, e não cometem mais o êrro grosseiro e
palmar de esperar da instrução a salvação dos costumes. Moll ,
que é dos mais autorizados autores alemães, citado por Ha­
velock Ellis, diz que "o ensino sexual é, antes de tudo, uma
questão individual e privada ; não aconselha o ensinamento
em comum nas escolas" Stekel, (2) que é um naturalista, a
cujas idéias somos obrigados a fazer numerosas e profundas
restrições, diz : "Sou um adversário declarado do sistema de
iniciação que atualmente se propaga, e no qual vejo uma
verdadeira epidemia mental, uma espécie de exibicionismo psí­
quico. A iniciação coletiva nas escolas, tal qual é preconizada,
é um pensamento monstruoso, cuja realização levaria a inú­
meros choques sexuais"
Apesar-disto, querem alguns educadores, mesmo católi­
cos, que nos internatos seja possível a iniciação coletiva, em
pequena escala. Supõe-se um verdadeiro educador que toma
por seus discípulos o mesmo cuidado que um bom pai pelos
filhos. Conhece todas as diferenças de proveniência, de edu­
cação e temperamento, e sabe o grau de iniciação de cada um.
A norma de vida das famílias influe aquí poderosamente,
porque indica o modo e o grau da iniciação do aluno. Com
êsses dados, o educador pode falar a pequenos grupos de 3 .
ou 4 rigorosamente escolhidos como tendo a mesma mentali­
dade, o mesmo meio, o mesmo modo sério de encarar as cousas.

(1 ) Divini illius Magistri.


(2) Apud Focrster.
A EDU C A Ç Ã O S E XUAL 79

De maneira alguma falará em comum aos jovens levianos :


êles terminariam sempre pelos prejudiciais comentários entre si.
Não quero deixar de anotar o quanto isto exige de tato
psicológico e moral por parte do mestre - o que ainda mais
dificulta a ação. A iniciação individual oferece êste perigo
de menos.
Repitamos o testemunho de Camus : "As melhores
crianças perdem: o respeito de si mesmas, ocupando-se em co­
mum do lado sensual da natureza humana" .
Tratando-se, porém, d e adultos, e m escolas superiores
ou em cursos especiais (privados e. não públicos) , cremos que
a iniciação pode ser coletiva. Os moços, em geral, aos 1 S anos
estão todos iniciados, e a grande maioria no pior sentido da
expressão. A exposição já não lhes fará nenhum mal ; antes ,
com os devidos requisitos, fará bem.
Para as moças, dada a diferença de educação materna
neste particular, é muito grande a diversidade de mentalida­
res, e muito aguda a sensibilidade, para permitir, em comum,
o que se entende por iniciação.
COMO FAZER A EDUCAÇÃO SEXUAL
Mesmo os que estão convencidos da necessidade da edu­
cação sexual e da consequente iniciação, sentem a dificuldade
prática em face do modo por que hão-de fazê-la. Não tenho
a pretensão de desfazer o embaraço dos pais e educadores.
Lastimo não poder conseguí-lo, porque a formação que todos
recebemos neste particular foi bastante defeituosa. Os que
conseguirem vencer as resistências, e falarem aos seus filhos
como devem, sentirão ainda o esfôrço que estão fazendo.

NATURALMENTE
E' contra esta atitude que devemos dizer a primeira pa­
lavra. Um ar misterioso, como quem fala de cousas pecami­
nosas ou indecentes, seria embaraçante e desastroso para o
educando. As cousas devem ser ditas sem rodeios, sem preo­
cupações, com desembaraço e naturalidade. Devemos falar das
cousas sexuais corno falamos das demais cousas. Ninguém
estranhe. Porque ou não devíamos dizer ou devemos dizer
assim. O contrário seria despertar malícia, aguçar a curiosi­
dade, prejudicando os interesses da educação. Quanto maior
for o mistério de que envolvermos as nossas palavras, tanto
maior será também a curiosidade que elas despertarão nos
educandos.
82 P A D R E A. N E G R O M O N T E

E não é só a curiosidade ; é a imaginação. Muitos atir­


mam mesmo que certa sexualidade mórbida tem uma das nu­
merosas causas no mistério. :Êsse "o que será?" acende e ali­
menta as imaginações, que, excitadas, passarão da curiosidade
natural aos estados patológicos.
Uma resposta dada com simplicidade não gera malícia.
Mas, ao contrário, quanta pergunta feita com simplicidade e
_inocência terminou germinando maldade, por causa do ar con­
trafeito, do falso pudor, do vexame indisfarçado da resposta !

NÃO MENTIR

Falando assim, é claro que os pais poderão dizer tudo


o _que for necessário, sem o mínimo perigo. E aquí entra um
outro elemento essencial. definitivo na educação sexual. E' a
verdade, Os meninos têm direito à verdade, como os adúltos.
Pelo amor de Deus, não digam mentiras às crianças. Não as
enganem com histórias imbecis, cujo absurdo elas percebem
imediatamente, ou perceberão dentro em pouco. Isto seria uma
desgraça para a educação. A criança concluirá, fatalmente :
- "Mamãe me enganou" E procurará noutras fontes a ver­
dade. Esta virá, esta verdade inevitavel, mas por canais un­
puros, enchendo de sujidades a pobre alma infantil.
E o que é pior : - a criança perdeu a confiança nos
pais. E não foi sem razão ! A delicadeza de suas confidências
morais os pais responderam com fábulas e invenções. Ao seu
natural e tormentoso desejo de saber acudiram com mentiras.
Foi uma deslealdade que a criança não perdoará. Não voltará
a interrogá-los. Para que ? Para ser iludida ? !
E' êste o primeiro elemento. Sem a confiança, os filhos
não falarão mais. E, sem a verdade, não pode haver con-
A E DU C A Ç Ã O S E X U AL 83

fiança. René Béthléem conta de uma pequena que foi pro­


curar a criada para as revelações de que tinha necessidade.
- "E porque não recorreu à sua mãe ?
- Fui primeiro a ela. Respondeu-me que era um sinal
de desenvolvimento e de formação. Compreende que isto não
bastava" - respondeu a menina, que estava precisamente no
início da puberdade.
Eis o resultado lamentavel de uma educação maf orien­
tada. Isto devia envergonhar os pais, principalmente a mãe.
A filha que ela gerou do próprio sangue e formou no seio
com a própria carne, que trouxe nos braços, que lhe cresceu
no colo, que aprendeu com ela a falar e a rezar, que lhe custou
um mundo de sacrifícios e sobressaltos, a filha por cuja vida
ela daria a própria vida, agora, chegando a uma encruzilhada
tão perigosa da existência, nega-lhe a sua confiança e vai en­
tregá-la à criadinha da casa! Ou, então, vai trocá-la nas con­
fidências das companheiras, vítimas do mesmo descaso crimi­
noso das mães, sendo infolizmente de notar que essas com­
panheiras são sempre as piores, pois as melhores não se pres­
tam para isto. Ou ainda consultarão os livros que lhe pu­
derem responder às questões anciosas. E' o dicionário o pri­
meiro, porque pode ser manuseado sem maiores suspeitas. São
os livros que as companheiras lhes emprestarem.
A tragédia será ainda maior se forem meninos.
Não- raro as crianças procuraram a verdade nas perguntas
aos pais. Chamaram-nas de bobas, disseram-lhes que aquilo
não era cousa que fôssem perguntar, mandaram-lhes que co­
nhecessem o seu lugar, gritaram-lhes que menino não precisa
de saber certas cousas, quando não repreenderam ou zomba­
ram delas. E' natural que se afastassem. E mais natural ainda
que fôssem a outrem para saber o que desejavam.
Andam por aí iludidas muitas mães pensando contar
com a confiança dos filhos. .Mas enquanto elas cuidam pos-
84 PADRE � N E GROMON T E

suir-lhes todos os segredos, as · próprias filhas confessam que


nunca se atreveriam a abordá-las. Mesmo que tivessem sido
substituídas pelo mais primoroso educador - e não pela cria­
dagem! - era o lugar de mãe que tinham perdido no coração
dos filhos !
Depois que a criança foi informada por outrem, que pa­
pel fará deante dela a mãe que continua a repetir suas men­
tiras ? Um triste papel. Ao mesmo tempo, desmerece aos
olhos dos próprios filhos, dizendo ridicularias, e aumenta a
malícia das crianças com a artificilidade. E aquelas cousas ,
que deviam ser consideradas simples e naturais, começam a
ser olhadas como proibidas e pecaminosas ! Não é a verdade,
dita com simplicidade, são essas mentiras, são essas atitudes
insustentáveis que tiram a inocência. A verdade repousa o
espírito, capta a confiança, preserva a virtude.
Os pais que souberam merecer a confiança dos filhos têm
nas mãos a chave do problema. Fecharam com isto os cami­
nhos das iniciações perigosas. Para que ir buscar fora o que
os pais dão? E, fora, as cousas vêm manchadas das fontes im­
puras de que procedem, ao passo que os pais as apresentam
dignas e nobres, sérias e grandiosas, como realmente são. Esta
confiança dos filhos nos país é a melpor garantia para uma
educação pura. Os pais que a souberem merecer, receberão a
confidência dos corações inquietos, dos espíritos perturbados
ou mesmo das conciências faltosas dos filhos. E até quando
os filhos vierem confessar uma falta, mais vale o acolhimento
amigo e córnpassivo do que a tempestade sôbre o culpado.
Isto não t:}uer dizer complacência, pois a repreensão justa pode
bem vir ao lado da compaixão resultante da compreensão da
fraqueza.
Ah ! se os pais compreendessem isto ! Quantas desordens
se teriam evitado !
A EDUCAÇÃO S EXUAL 85

NO MOMENTO OPORTUNO
O mistério da vida preocupa desde cedo as crianças de
várias formas. Em pequeninos, é a curiosidade inocente, que
se satisfaz com muito pouca cousa. Nos adolescentes as curio­
sidades são legítimas ; - umas necessárias pelo próprio de­
senvolvimento fisiológico ; outras por conta do estado psico­
lógico, das inquietações da idade. E' outra condição da boa
educação sexual dizer as cousas prontamente. E' o melhor
modo de calmar as curiosidades, extinguindo-as. Quando fo­
rem perguntados, não protelem os pais demasiadamente a res­
posta. As vezes, a circunstância não permite responder. E'
por exemplo, o caso de estarmos em pre�ença de outros que
não podem ou não devem ainda ouvir o que iríamos respon­
der. Mas, logo que estivermos sós com o interrogante, res­
ponderemos cabalmente.
Pode acontecer também que, no momento, não esteja o
educador em condições de dar a resposta exigida. Mas se o
educando está acostumado a ouvir dele a verdade e toda a
verdade, se contentará em saber que, depois, tudo lhe será
dito.
"Meu filho, agora eu não tenho tempo de te explicar
isto, porque precisa de uma explicação mais longa. Mas de­
pois eu te explicarei" . E' que faltava ao educador o modo de
dizer, ou mesmo o .conhecimento da questão - e esta demora
lhe dá tempo para refletir ou estudar. Não precisa dizer que
a dilação não deve ser longa, e, na primei_ra oportunidade, a
explicação será dada.
Com um procedimento assim os pai� satisfarão as curio­
sidades naturais dos filhos em tempo, evitando que êles vão
a outras fontes, ou que entretenham perigosamente a imagi­
nação e transtornem a excitavel sensibilidade de adolescentes.
86 P A O R E A. N E G R O M O N T E

COM DISCREÇÃO

Qualquer precipitação nessas revelações pode ter conse­


quências desastrosas. E' preciso ter em conta o estado psico­
lógico dos adolescentes. Hipersensíveis, com o espírito aberto
às impressões, tomando direção na vida, uma repercussão
desa'finada quebraria, talvez para sempre, a harmonia daquela
vida. As reações de uma palavra brutal, de uma iniciação ex­
temporânea, de imagens muito vivas, de uma vista imprudente
podem determinar os rumos morais. E' preciso não esquecer
nunca o papel importantíssimo da imagin_ação.
Aquí, portanto, mais do que em qualquer outro setor
educacional, a discreção se impõe. Dêsses assuntos é preciso
não falar muitas vezes e não falar muito. Com falar muitas
vezes o assunto se torna comum e perde a sua grandeza e se­
riedade, com o perigo de resvalar, pois que é, de si mesmo,
escorregadio e inclinado. Com falar muito arrisca-se a dizer
fora de tempo, ou a dizer demais, ou a insistir sôbre cousas
conhecidas, de que não convem estar falando. E' necessário
ser discreto e ensinar os meninos a ser também. :Êles apren­
derão o q.ue precisam aprender, mas aprenderão também que
antes devem calar dessas cousas que falar.
Confessamos que não é facil dizer o necessário, empre­
gartdo sempre palavras claras que não deixem dúvidas, mas
breves que não deixem resíduos maus. Se um educador expe­
rimen,tado como Stanley Hall sentia dificuldades ao falar
dêsses assuntos, que êle achava necessários mas penosos, quanto
maiores não sentirão os pais brasileiros educados em outros
princípios, viciosamente iniciados ou ignorantes da boa dou­
trin� e dos retos caminhos! Supera-se esta dificuldade pela pu­
reza de intenção, pela seriedade dos modos, pela castidade das
palavras. A naturalidade de que acima falamos dá grande fa­
cilidade para a necessária discreção. Parece-me uma excelente
A E DUC A Ç Ã O S E X U A L 81
norma, mesmo de discreçâo, aquela de Magníez : "Tout chas­
tement dit, mais tout dit"
E' por isto que a sã doutrina exige a iniciação individual
e condena a coletiva. Realmente é impossível ser discreto para
cada um, falando a muitos.

DE MODO GERAL

Precisam os pais criar um ambiente para a educação se­


xual. E' de mau aviso e_ de péssimas consequências o mistério
de que se envolvem as cousas sexuais. Prouvera a Deus- que
os educadores compreendessem quanto isto é contraproducente !
Quando for preciso conversar em .casa, de um modo geral,
falem ábertamente das cousas que se prendem ao instinto da
conservação da espécie. As crianças se acostumarão. Olharão
essas cousas como naturais. Não terão por elas cuidados ex­
traordinários nem curiosidades malsãs. Não farão disto uma
cousa pecaminosa, nem um fruto proibido - o que atrái sem­
pre muito as atenções e atiça a curiosidade.
E' um modo indireto de preparar os filhos para enca­
rarem seriamente o difícil problema. Mas é também o mais
eficiente. O adolescente vai sendo educado sem o perceber,
vai sendo iniciado sem notar, vai aprendendo sem lhe cha­
marmos a atenção para o assunto. Vai encarando as cousas
como naturais -. o que é de primeira ordem.
O mistério da geração e do nascimento perderia grande
parte do seu interesse, se, em casa, falassem abertamente, -
com muita elevação e respeito, sem dúvida ; mas com toda
clareza - do nascimento ou da gravidez. O dr. Abrand acha
que na base da educação sexual devia estar sempre esta sim-
88 P A D RE � NE GROMON TE

plicidade que não tem vergonha de falar de cousas que nada


têm de vergonhosas. ( 1 )
A simplicidade dos pais gera a simplicidade dos filhos.
Se êles ouvem falar daquilo como de cousa natural, porque
lhe poriam malícia? Mas logo êles maliciarão, se, ao falar
dessas cousas, usam de circumlóquios incompreensíveis que
lhes despertam a atenção, ou baixam a voz a segrêdo, ou os
mandam sair sob qualquer pretexto que êles entendem tão
bem como os adultos.
A mãe está grávida. E' reputar as crianças imbecis pensar
que elas não perceberam. E, mau grado o excessivo volume
do ventre, ela vive em casa, no meio dos filhos de toda idade,
com o maior desembaraço, com toda naturalidade possível.
Está direito. Nem podia ser de outra maneira. E porque en­
tão não falam daquilo com esta mesma naturalidade? Se fa­
lassem, o mistério perderia o encanto.

COM QUE PALAVRAS


Mas uma dificuldade persiste. Sabem o que dizer, sa­
bem como haverão de falar de modo geral, mas na prática a
cousa é diferente. Não gosto de disfarçar realidades. E' di­
fícil. Uma cousa é escrever no gabinete, aconselhar em abs­
trato, imaginar circunst<âncias em que a criança vem apenas
em espírito. Outra cousa é ter os olhinhos vivos e claríssimos
da inocência nos olhando, à espera de resposta a uma per­
gunta ingênua e candidíssima que tanto mais embaraça quanto
mais ingênua é. Que responder ? E onde buscar palavras para
se fazer entender daquele anjinho, sem lhe manchar a pureza
transparente? Só no coração materno. Não é para atirar sô-

(1) Cfr. " Les initiations nécessaires ".


A EDUCAÇÃO SEXUAL 89

bre as mães ainda mais encargo. Não; mesmo porque . elas


já o teem e não se podem aliviar dele, senão cumprindo-o.
Devo entretanto tranquilizá-las. A cousa não é tão di­
fícil como parece. Há na psicologia da virtude uma lei que
devemos trazer para aquí - até porque não há virtude mais
necessária do que o cumprimento do dever. As cousas se tor­
nam mais fáceis depois que as fizemos. Antes de lhes meter­
mos mãos, era um pesadelo ! Que não daremos conta, que
está acima de nossa capacidade, que, se sair, será muito mal
feito. Mas fomos e . ficamos surpreendidos da facilidade
com que nos saímos da "difícil tarefa" . E' por isso que o dr.
Pasteau dizia às mães francesas que começassem a falar aos
filhos sôbre os assuntos de formação sexual e veriam como é
mais facil do que imaginam.
A experiênda me tem mostrado como as mães são há­
beis neste particular. Tenho muitas vezes admirado senhoras
de medíocre instrução respondendo verdadeira série de per­
guntas das quais duas ou três teriam bastado parà me em­
baraçar. E' que Deus não lhes falta com a sua divina graça,
e assim como J esús Cristo prometeu aos cristãos que não se
preocupassem com o que haveriam de responder nos tribunais
dos perseguidores, creio que o Espírito Santo também ilumina
e assiste as mães com graças espec1a1s - a graça de estado,
como dizemos em nossa linguagem católica. Nisto, pois, elas
muito mais me dão lições do que recebem.
Divergem o$ entendidos quanto às palavras com que
designar as cousas. Uns acham que certas palavras vulgares,
infantís, velam melhor a. dureza dos assuntos ; outros preferem
as palavras científicas, próprias, que os adultos instruídos e
convenientes costumam usar. Somos de parecer que estas não
causariam estranheza, se fôssem sempre usadas, tendo ainda a
dupla vantagem de elevar a mente das crianças, porque são pa­
lavras usadas sem constrangimento por todos, em tom de na-
90 P ADR E A. N E GROMO N TE

turalídade, e de não se prestarem a duplo sentido, porque só


se empregam naquela acepção.
Muitas mães de família me pedem que lhes dê fórmulas,
modelos de conversa com os filhos. Sempre me neguei, por­
que não é possível dar um modelo, um figurino de palestras.
Quantas vezes, preparando-nos para uma visita a um perso­
nagem importante, formulamos mentalmente a palestra .
que não ternos, porque desde a segunda frase a cousa rumou
inteiramente diversa do que pensávamos? E' verdade que al­
guns autores fornecem êsses modelos. Entre os melhores co­
nheço os do Padre Víollet, que é hoje das maiores autoridades
no assunto, e os de Véríne, conhecida escritora francesa. ( 1 )
Nenhum deles nos satisfaz. Acho-os artificiais, feitos com
uma criança irreal, inexistente, capaz de ouvir um pequeno
sermão, cheio de alusões, muito boas . para quem já sabe.
E uma conversa viva, real, sob todos os sentidos interessante,
corno a de que nos ocupamos, só mesmo com uma criança
viva e real. Toma o curso que a criança lhe imprimir com as
perguntas feitas com os lábios, os olhos e a fisionomia, muito
mais do que o que lhe pensavam dar os educadores. E, se
faltar esta espontaneidade, não creio que possa produzir os
desejados resulta�os, pois irá satisfazer não as necessidades do
educando mas o plano traçado a _frio pelo, educador. Se qui­
sermos falar naturalmente, temos de tratar o assunto como
tratamos os outros, no curso norm·al das oportunidades, e não
com fórmulas batidas na bigorna.
Aliás, quando vamos falar com simplicidade, tudo nos
sae bem, e melhor do que imaginamos. Principalmente quan­
do andamos prevenidos para dizer a cousa na primeira opor­
tunidade, ela vem ao nosso encontro com adrniravel presteza.

( 1 ) Ver Jean Viollet - :&lucation de la ·pureté et du sentiment,


e Vérinc - Maman naus dira e La mere initiatrice.
A EDUCAÇÃO SEXUAL 91

Uma anedota, para ilustrar O sacerdote tinha ido pregar uma


festa no interior, e na hora de lhe entregarem a pequena es­
pórtula, estava um embaraço, porque ninguém sabia como
abordar o assunto. E a conversa se estendia, sem saída' para a
comissão. Foi quando o padre contou de um seu colega que
foi pregar um tríduo, e depois ,da festa o foram levar à estação
com banda de música e acompanhamento, e, na partida do
trem, o festeiro lhe entregou um envelope, dizendo que era
"uma lembrança da festinha" O padre tomou aquilo noutro
sentido. Agradeceu, meio vexado, sacerdotalmente, e pôs, dis­
creto, no bolso. Ao revelar a chapa, encontrou . um san­
tinho! Os presentes riram, a bom rir, do engano. Mas o
presidente da comissão é que não perdeu a oportunidade : -
"Pois, re�mo., aquí tem o sr. o "santinho" da nossa festa ! "
E ' assim que as mães devem fazer com os seus filhos.

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QUANDO FAZER A EDUCAÇÃO
SEXUAL
Não confundimos - e já chamamos a atenção para isto
- e nem queremos que se confunda ignorância com inocência.
Se as crianças "sabidas" são entre nós, e talvez no mundo in­
teiro, a mesma cousa que crianças corrompidas é porque a
errada orientação até agora seguida deixou que -elas fôssem
saber essas cousas em fontes corrutoras. Se lhes tivessem mi­
nistrado de modo devido os necessários conhecimentos, êstes
não lhes teriam tisnado a candura. E', pois, errôneo o parecer
daqueles que chamam ao conhecimento das cousas referentes
à produção di vida, destruição dos sentimentos de inocência.
Mas já dissemos também e insistimos nisso como em·
cousa essencial que a instrução não é virtude. Não foi, por­
tanto, sem razão que firmamos a necessidade da formação,
acima de qualquer iniciação propriamente dita.

PRECOCIDADE CONDENAVEL
O Santo Padre Pio XI co�denou, na sua monumental
encíclica sôbre a educação da juventude, a iniciação sexual
precoce. ( 1 )

( 1 ) Cfr. " Divini illius Magistri ".


94 P A D R E A. NEG R O M ON T E

A própria natureza exige a ignorância da vida sexual


propriamente dita para o bom desenvolvimento da criança.
Estabeleceremos anomalias se precipitarmos o desenvolvimento
do espírito para muito além da marcha lenta e progressiva do
corpo.
O carater particular dêste instinto criará dificuldades
prematuras e, por isso mesmo, perigosíssimas, despertando a
sexualidade em pequenos seres humanos que não teem nem
o corpo nem o espírito preparados para ela. E' verdade que o
desenvolvimento do espírito força e antecipa o desenvolvi­
mento físico. Porém êste é infinitamente mais lento, e quebra
sempre o equilíbrio necessário ao desenvolvimento normal.
E mesmo que o corpo seguisse o espírito no mesmo passo,
seria ainda urna antecipação desnecessária e nefasta, porque
contrária à natureza. Não é o espírito que deve despertar o
instinto, mas êste é que deve acordar aquele.
E' pois um grande princípio que as crianças devem ficar
na ignorância enquanto essa ignorância não fizer mal à
inocência.

AS ANTECIPAÇOES
Mesmo que fôsse facil entre nós levar a ignorância até
os limites da idade e a natureza agisse normalmente, chegaria
o momento em que é necessário falar. Mas não tenhamos ilu­
sões a êste respeito. Não é mais possível manter a salutar
ignorância, guarda e ·preservativo da inocência infantil. As
crianças muito cedo se põem em perigosos contatos com o ci­
nema, as revistas ilustradas, os cartazes, as conversas levianas
de casa, a semi-nudez das praias e piscinas, a companhia de
outras crianças "sabidas" e mal acostumadas. Assim, a in­
quietação sexual, que s6 devia chegar com a puberdade, ante­
cipou-se em grande velocidade às vezes.
A. EDUCAÇÃO SEXUAL 95

As dificuldades do nosso clima, a nossa formação étnica,


a deficiência de disciplina moral e as lamentáveis liberdades
da educação doméstica fazem dos nossos meninos uns precoces
sexuais. As meninas podem se conservar inocentes pela pro­
teção da ignorância até o tempo oportuno. Hoje talvez nem
isto, em vista da crescente licença de costumes e da demasiada
liberdade de que estão gozando. Mas os meninos bem cêdo
beberão nas fontes corrompidas as iniciações perigosas. Uns
com os companheiros de brinquedos, cousa quasi impossível
de evitar. Os país, mesmo cristãos, deixam com facilidade os
filhos irem para a rua ou para os visínhos, cuja educação é,
às vezes, muito descuidada. Aprendem, nessas frequentações,
pela vista e pelo ouvido, aos 7 e 8 anos, o que nós só viemos
a saber aos vintio
. Os mais cuidadosos se vêem obrigados a mandar os fi­
lhos à escola, onde nem os professores zelosos, que desejamos
cada vez mais frequentes, os poderão afastar e preservar das
lições corrutoras dos maus companheiros, que são, em geral.
os que gozam de maior influência sôbre os outros.
Uma triste experiência nos tem mostrado até onde pode
ir a ini!,:iação nas crianças. Capelão de hospital. vi meniq.os de
dez anos infeccíonados de moléstias venéreas. Dir-me-ão que
eram meninos das classes desfavorecidas, cujos pais não po­
diam exercer sôbre êles a necessária vigilância. Mas eu res­
ponderei que os abastados criam os filhos na· mesma liber­
dade e na mesma ausência.
Pregando retiro espiritual . certa vez, a senhoras, chamei­
lhes, com muita clareza, as atenções para a questão da imo­
ralidade infantil. As minhas palavras levantaram celeuma,
despertaram revolta até. As mães reputam sempre os filhos
uns inocentes anjinhos, caídos do céu por descuido. Princi­
palmente se é das meninas que se fala. Pois uma das reti­
rantes, chegando em casa, encontrou tudo em alvoroço: a fi-
96 P ADRE A. N E GRO M O N T E

lhinha de nove anos tinha sido apanhada, no fundo do quin­


tal, com um priminho de onze no exercício de práticas sexuais.
O lamentavel acontecimento serviu para aquelas mães - e
servirá agora para outras -
' - verem que os filhos não são lá
tão inocentes quanto elas pensavam.
Alguns julgariam que o perigo da precocidade só existe
nas cidades, onde a corrução se exibe patente e excitadora. E
que no interior, na roça, as crianças estão a coberto dess<)s
precipitações. E' muito para duvidar. No campo se guarda
uma certa simplicidade de costumes e se preserva realmente o
menino (que a cidade expõe mais) . A vida mais natural,
menos excitada, o trabalho pesado, o círculo limitado das
amizades, contribuem para retardar o aparecimento das preo­
cupações sexuais, que a cidade desperta tão cêdo. Em com­
pensação, no campo as crianças teem as lições vivas dos ani­
mais, sabido que entre nós o curral do gado é ao lado da casa
grande da fazenda. Teem a facilidade do isolamento, favo­
recido pela imprudência dos pais que mandam para o serviço
as crianças sózinhas, sem vigilância, mesmo que sejam de sexo
diferente. Creio não errar afirmando que as crianças das ci­
dades são muito mais afoitas - o que se pode ver pelo que
escrevem nos muros, pelas palavras obscenas que proferem,
pelas atitudes que assumem em face das meninas ; e que as do
campo, mais recatadas, são entretanto muito mais brutalmente
iniciadas. E se entre aquelas o vício solitário é mais fre­
quente entre estas o pecado de animalidade tem proporções
lamentáveis.
Aliás, o que se passa no Brasil, a êste respeito, não é
diferente do que se dá em outros países. Os pastores foteranos
alemães fizeram minuciosas pesquisas sôbre a questão sexual
entre as crianças da Alemanha, e chegaram à conclusão de que
a liberdade sexual é muito maior na zona do campo. Foi
também esta a conclusão de Havelock Ellis e de Moll.
A E D U C A Ç ÃO S E X U A L 97

E note-se que estamos tomando em consideração apenas


os perigos de causas exteriores. Mas é verdade que poderíamos
pensar também nos perigos interiores, ainda mais terríveis,
porque mais. insidiosos e difíceis de conhecer. Até onde che­
garão, por exemplo, nos filhos os reflexos da sexualidade dos
pais ? Já foi dito que os pais geram mais a alma do que o
corpo dos filhos - no sentido de que ,lhes comunicam maior
semelhança espiritual do que física. Não podemos abordar
aquí o problema tão complexo da hereditariedade. Mas não
devemos esquecer as suas influências, que são muito ponde­
ráveis em educação. Os descendentes de pessoas de paixões
sexuais desenvoltas ou anormais podem madrugar no vício.
Se os indivíduos sadios não revelam sexualidade definida
durante a infância, é verdade igualmente que o número dos
que a revelam é suficiente para despertar a atenção dos edu­
cadores.. Se, por exemplo, a ereção nas crianças se deve a
meros reflexos musculares, não é raro vermos que ela lhes
desperta a atenção, ao menos como fenômeno extranho, e que
outras vezes elas a provocam por meio de excitaç_ões.
Se devemos rejeitar os exageros de Freud, que vê em quasi
todas as atividades infantís manifestações do instinto genésico
(como se fôsse êste o único instinto do homem) , devemos re­
conhecer que a criança traz em si o germe que vai, a pouco e
pouco, desabrochando. Parece-me bem razoavel o pensamento
de Sanford Bell, que, tendo estudado milhares de crianças do
ponto de vista que nos ocupa, concluiu dizendo serem tais as
manifestações sexuais embrionárias nos pequenos que, em re­
lação à sexualidade dos, adultos, a das crianças está como a
flor para o fruto. ( 1 )
Uma tristíssima experiência tem verificado crianças muito
pequeninas vítimas de vícios sexuais. Sei que os pais, e prin-

(1 ) Cit. por H. Ellis, em " A Educação Sexual ".


98 PADR E A. NE G R O M ON T E

cipalmente a s mães, se revoltarão a o ouvir que crianças de


berço já podem estar viciadas. E' que para êles o filhinho é
um anjo, cheio de inocência e de pureza. O seu amor terno
e alto nem pensa que aquele anjo se fez carne.
Cousa do acaso ou obra criminosa, encontram-se essas
precocidades. Os que não quiserem crer nas afirmações de
Vachet, porque realmente é homem que merece pouco crédito,
leiam o que diz o grande médico francês dr. Abrand, cuja
autoridade se doira com ser católico praticante e pertencer à
"Association du Mariage Chrétien" "Médico que não fala
senão de fatos certos, diz Dr. Abrand, eu afirmo que o vício
solitário, em muitos, remonta ao berço, e não faz senão se
desenvolver com a idade" E êle mesmo explica que isto pro­
vem de certas irritações locais, que podem trazer, ao ser acal­
madas, a conciência de uma sensibilidade especial que só des­
pertaria com a idade. Pode igualmente ter origem em õrirt­
quedos das pagens, que conseguem acalmar ou adormecer as
crianças por certas frições que são verdadeiras masturbações.
Isto sem querermos falar das que se servem dos pequeninos
para satisfazer a própria curiosidade - o que acontece às ve ­
zes até com as irmãzinhas do bébé. Nem podemos esquecer
que certas infelizes vão ainda mais longe, fazendo das pobres
crianças as vítimas e os instrumentos das suas paixões cor­
rompidas.
Prouvera a Deus que estivéssemos errando !
Mas as mães julgarão sempre que isto se dará com os
filhos alheios. e com os delas, nunca! Ou então, fazendo
aquela desgraçada -distinção entre meninos (que se deixam
quasi sempre à vontade, e a quem tudo é permitido) e me­
ninas (para cuja educação vão os melhores cuidados) , acham
que isto aconteceria talvez com os seus filhos, mas com as
suas filhinhas, não, não, jamais! Lastimamos muito ter de
informá-las que o perigo para as meninas é bem maior. Se,
A EDUCAÇÃO SEXUAL 99

de um lado se tem com elas mais pudor e vigilância, por


outro lado, a precocidade é nelas muito mais frequente e mais
pronunciada. O Padre Lacroix, no seu difuso livro sôbre a
questão sexual, cita textualmente u,na senhora que contara a
respeito de seu filho : "Quando êle tinha só 1 O anos, tínha­
mos por visinhas d� quarto, num hotel. meninas gemeas de
7 anos. O que elas contaram a meu filho que estavam acos­
tumadas a fazer com meninos, é um horror! "
Por tudo isso os pais não podem infelizmente esperar a
puberdade para falar aos filhos. Cuidadosos em preservar-lhes
a inocência, ministrarão os necessários esclarecimentos logo
que a ignorância não seja mais possivel. Eis um outro prin­
cípio, que é preciso não perder de vista. A inocência, quer
dizer, a pureza, a virtude, é a grande preocupação dos educa­
dores. Mantê-la. pela ignorância. enquanto pequeninos e en­
quanto possível ; e pela educação e instrução, q_uando já não
o puder ser pelo silêncio.
Assim como, em certos momentos, a iniciação era um
atentado à inocência, assim tatnbém em determinados outros
momentos, o silêncio será um crime. Então é obrigatório
falar, justamente para conservar e garantir a inocência das
crianças.

EM QUE IDADE ?
Muitos pais querem sempre que lhes precisemos a idad>'
em que deverão falar aos filhos. Eis o que não podemos fa­
zer. Depende de cada caso em particular.
De um modo geral, poderemos repetir o que se disse da
educação em geral. A Mons. Dupanloup perguntou certa
dama quando deveria começar a educação do filho.
Que idade êle tem ? indaga o grande educador.
- Três anos, excelência .
100 PADRE � N E GROMON T E

- Pois já perdeu três anos, minha senhora.


Também a educação sexual, que outra cousa não é se­
não uma educação geral olhada dêste ângulo, deve começar
do berço. As crianças são naturalmente curiosas. Quando
essa curiosidade se orienta para as cousas sexuais, os pais a
devem vigiar minuciosamente, sem que, entretanto, os filhos
percebam. Pela formação dos bons hábitos se afastara esta
curiosidade, sem precisar ainda dizer claramente porque. E'
o caso dos pequenos que levam frequentemente a mão às partes
sexuais. Corrigí-los, como os corrigimos quando metem o
dedo no nariz. Se o fizessem por necessidade, para se coçar,
por exemplo, os pais devem evitar a causa da coceira ou sim­
plesmente pelos necessários cuidados de higiene ou mesmo con­
sultando o médico, se a mera higiene não bastar.
Por êste processo indireto, mas eficacíssimo, acostumá­
los-emos á limpeza de corpo tão salutar à castidade, ao \Pudor
nas vestes e nas atitudes, à elevação de palavras e de pensa­
mentos, à fuga dos maus companheiros e dos empregados, etc.

O MOMENTO DE FALAR

Mas chegará o momento em que é preciso falar. Não é


possível fixar a idade. Se as cousas seguissem o curso natural ,
bastaria falar quando a natúreza despertasse a curiosidade se­
xual. Isto se dá, de modo muito vago e inconciente, dos 7
aos 1 1 anos, precisando-se e tomando corpo e conciência desde
a puberdade. Mas já dissemos que é ilusório pensar que, hoje
em dia, a malícia não esteja superando a natureza. Cuidem,
portanto, os pais de iniciar os filhos em qualquer idade, quan­
do for necessário.
Isto depenâe da inteligência, da curiosidade, das circuns­
tâncias de cada criança. Aos pais que se fazem dignos da con-
A EDUCA ÇÃO SEXUAL 101

fiança dos filhos não será difícil saber, porque as perguntas


dizem quais são as necessidades das crianças a respeito. E'
preciso atender às perguntas, encorajá-las com respostas claras
e verdadeiras, prontas e benévolas.
Erraria, pois, quem só quisesse falar ao filho aos 12 anos
porque ao irmão mais velho só nesta idade é que falou. Tem
êles o mesmo grau de inteligência? O temperamento de um,
calmo, frio, refletido, não será tão diverso do outro, curioso,
ardente, precipitado? O desenvolvimento físico não terá sido
diferente? As tendências podem ser medidas por u1na só bi­
tola? E as circunstâncias podemos assegurar que nunca serão
as mesmas. De ni.odo que o que uma criança só precisou de
saber aos 12' anos, outra precisará talvez aos 9 ou 1 O - e o
que esta só veio conhecer aos 1 O, talvez uma outra indague já
aos 6 ou 7 anos. Então, a obrigação dos pais é falar, e falar
a verdade.

RESPONDER AS PERGUNTAS
Poderia parecer que estamos caindo em contradição, por­
que dissemos acima que a iniciação precoce é um mal, e agora
a estamos prescrevendo às crianças de qualquer idade. Não
há contradição. Aliás ficou dito que se comece a iniciação
logo que a ignorância p.ão seja mais possível. Ora, se as per­
guntas aparecem é porque já existe a necessidade de saber. Já
não é mais precoce. Agora, se os pais não falarem, as crianças
procurarão por si mesmas as respostas, preocupando-se com o
problema - o que é de boa pedagogia evitar.
Mesmo que a pergunta não tenha sido ditada pela na­
tureza da criança, mas por uma circunstância exterior (alguma
cousa que ela viu ou ouviu ) , pouco importa. Está feita, e
precisa ser respondida. Já não é precoce para o educador,
'1"02 P A DR E A. N E G R O M O N T E

ainda que- o seja para o educando. Não satisfazer a criança


seria, sem dúvida, encaminhá-la para outros iniciadores, cujos
males já conhecemos. E nunca devemos esquecer que o modo
de fazer a iniciação influe poderosamente sôbre a orientação
da vida, com impressões muitas vezes indeléveis, inclinando
para o bem ou para o mal. O dilema aquí é o de sempre : -
ou os pais iniciam os filhos ou êles se perdem.
De maneira que sesta iniciação feita em tenra idade, nas
circunstâncias previstas, redunda num bem. E', em si mesma
um mal, porém necessário, e um mal menor em fae::e das con­
sequências desastrosas e fatais das iniciações clandestinas, então
inevitáveis.

A ORIGEM DO BÉBÉ
Nos mistérios da vida, uma das primeiras cousas que
preocupam as crianças é a origem dos bébés. Apareceu mais
um irmãozinho em casa ou na casa de um vizinho ou parente.
A criançada manifesta pelo fato uma alegria incontida. Mas
é também C? momento de saírem as perguntas. Querem saber
de onde veio, quem trouxe, quem mandou. Em geral, as res­
postas são umas tantas mentiras, que muitos reputam ingê­
nuas, mas são realmente prejudiciais. Como a parteira é in­
dispensavel nesses momentos, explicam às crianças que ela
trouxe o bébé dentro da maleta. As vezes, o bébé foi encon-
trado no jardim, quando a mamãe foi colher rosas. A história
da cegonha tem pouco curso entre nós.
São evidentes os males de tal procedimento. Os pais se
dão por muito satisfeitos porque na hora se livraram de uma
dificuldade. Não vêem as dificuldades ainda -maiores - oh !
incomparavelmente maiores ! - quando as crianças virem que
,i,oram enganadas, e, por isso, perderem a confiança nos pais.
A EDUC AÇÃO SEXUAL 1 03

As vezes, aliás, o aumento de dificuldades é imediato. E' pre­


ciso então acrescentar mentira sôbre mentira. Sabemos de
muitos fatos.
A parteira era muito conhecida na cidade e passava para
atender a uma cliente, com a sua indefectivel maleta. As
crianças cercaram-na � queriam por fôrça que ela abrisse a
mala para mostrar o niébé que levava dentro, de. presente para
d. Fulana.
Uma criança queria saber porque então a mamãe estava
de cama, só porque tinha ganho um bébé de presente.
- Mas é para esquentar o nenem que sente muito frio.
- Então deixe eu me deitar junto dele também.
E logo um pequeno mais esperto zomba dela :
- Não é, não, boba ; porque o nenem fica o tempo
todo no berço, e mamãe na cama ?
Uma pequena de 5 anos não podia compreender como
é que o nenem tão grande cabia numa rosa, onde a mamãe
dizia tê-lo encontrado.
Como vemos, essas mentiras de tão perniciosas conse­
quências futuras, não conseguem ao menos iludir completa­
mente as crianças, 1:1º momento. Em qualquer caso, as crian­
ças têm direito à verdade, e não devem ser iludidas. E' claro
que não lhes iremos dar noções científicas, explicações técnicas
ou minuciosas sôbre a concepção ou o nascimento. Também
não as poderemos satisfazer com termos vagos e abstratos,
com comparações poéticas. Mas ,não lhes negaremos a ver­
dade, embora não lhes possamos dar toda a verdade. Nem
precisa, porque nesta idade a curiosidade ainda não é sexual,
e com pouca cousa se satisfaz. Tenho encontrado muitos pais
que contentam o filhinho com dizer que foi Papai do Céu
que- deu o bébé à mamãe e agora o bébé nasceu. Não é men­
tira ; responde com bastante vantagem; acalma a criança.
Seria também imprudente resolver a situação dizendo â
1 04 P ADRE A. NE GRO M O N T E

criança : "Depois você saberá tudo" ou " Quando você


crescer mais, eu lhe direi" . Isto vai então preocupar a criança.
Em vez de acalmar-lhe a curiosidade, vai excitá-la, pondo a
imaginação em movimento. Em todo caso, a criança ficará,
pelo menos, pensando que alí deve haver alguma cousa ex­
quisita que não lhe quiseram dizer. Eu mesmo, em face dessas
evasivas dos pais, tenho ouvido as crianças perguntarem : -
"Mas porque, quando eu crescer, posso saber, e agora não
posso? " E assim se multiplicam os embaraços, ao envez de
evitá-los.
Quando, mais tarde, as crianças precisarem de saber
mais, será tempo de falar mais claro. E falar si?1ples e natu­
ralmente é sempre o melhor caminho. Será o tempo de dizer
à criança que ela foi formada lentamente no corpo de sua
mãe : que, antes de nascer, foi objeto dos cuidados maternos :
que deve ter à mamãe muito amor e muita gratidão, porque
lhe deu muito sofrimento e preocupação.
Estas palavras são textuais, da mãe à filha : - "És um
presente que Deus me deu. Nove mezes te trouxe debaixo de
meu coração, e muitos incômodos sofri por tua causa durante
êsse tempo : mas suportei tudo porque te amei muito desde o
princípio"
E' preciso não esquecer de misturar sempre o lado afetivo
às explicações. Que as crianças aprendam com isto a respeitar
o mistério da vida, por meio do amor carinhoso a seu pais.

UMA BOA OCASIÃO


Não é êste . o único problema da infância. Há crianças
realmente precoces, nós já vimos, que bem cedo inostram suas
tendências perigosas. Para essas é preciso falar mais cedo, po­
&_ sem esquecer que os perigos lhes são, sem' dúvida, maiores.
A E DU C A Ç Ã O S E X U A L 1 05

A dificuldade é sempre o momento. Para nós católicos a cousa


é mais facil. Chega a época da 1 . ª Comunhão, e nas instni­
ções necessárias entra o exame de conciência. E' bem cedo
ainda, mas é o momento oportuno para falar da pureza. A
mãe ajuda a criança a fazer o seu exame de conciência. Vai à
frente explicando os mandamentos de Deus, para ela se lem­
brar das faltas que cometeu contra êles. O sexto mandamento
proíbe maus atos, palavras feias, vistas, certos brinquedos,
etc. A criança fkará sabendo que Deus proíbe urna por� ão de
cousas ruins, como furtar, �atar, mentir, e não extranha que,
no meio delas, apareçam também os pecados contra a casti­
dade. Mas , ao falar deles, a mãe guardará a mesma calma
e naturalidade com que falou dos outros pecados, sob pena
de causar transtôrno na criança e despertar-lhe maus senti­
mentos atuais ou futuros.
Está bem começado. Daí por diante, as dificuldades di­
minuirão. A própria criança, confiante, se dirigirá à sua mãe
e lhe perguntará. Como não é necessário, nem prudente, nem
possível dizer tudo de urna vez, vai-se dizendo pouco a pouco,
conforme as perguntas e as circunstâncias.

A FAMÍLIA NUMEROSA
Nas famílias numerosas há uma grande facilidade para
tudo isto. Na vida comum- dos irmãos e irmãs, sob a direção
sábia e vigilante dos pais, as cousas se vão r�velando natural­
mente, sem curiosidades, com o respeito familiar e sem ma­
lícia, conforme é costume entre irmãos. As maternidades se
sucedem - e todos vêem aquilo com muita naturalidade e
respeito, compreendendo porque foi que a mamãe adoeceu
quando veio mais um irmãozinho. Ainda melhor quando'll
mãe fala com simplicidade do nascimento dos filhos. "Quan-
1 06 P A D R E A. N E G R O M O N T E

do eu estava grávida desta menina" "Eu estava esperando


o nascimento de Pedrinha" "Quando eu estava de resguardo
da Marg3:ridinha" , etc. E os pequenos vão por si mesmos
encadeiando os fatos, e - o que é melhor - sentindo facili­
dade para falar daquilo à mamãe que fala daquelas cousas
como das cousas mais naturais do mundo.
As meninas maiorezinhas podem ir tomando parte nos
preparativos requeridos pelo, nascimento do irmãozinho nasci­
turo. Ajudem a fazer o enxoval. Saibam para quando se está
esperando a chegada do bébé, e porque : - são nove mezes.
Preparem-se para tomar conta da casa e dos irmãos pequenos
durante o tempo em que a mamãe ficar de cama.
Tudo feito às claras, como cousas lícitas. Feito com
garbo e glória, como cousas altas e dignificantes. E feito com
as vistas em 1Deus, como cousas santas. E a iniciação, desta
maneira, se fará naturalmente, com respeito e dignidade, num
tom de virtude que só os anormais depravariam.

AS OPORTUNrDADES

Como vemos, as oportunidades vão aparecendo, naturais


e espontâneas.
Partem umas vezes das próprias crianças, com as per­
guntas, a que é preciso responder, ou com as observações que
é preciso retificar. Uma pequena, que já sabia como o bébé
vinha ao mundo, ouviu, em casa do visinho, uma das lendas
imbecís com que iludem a boa fé das crianças e lhes prejudi­
cam a educação. Chegando em casa, contou aos outros, mas
logo a mãe interveio e retificou, não sem dificuldades, porque
a pequena já ouvia a verdade com uma certa desconfiança.
óla. a mãe não podia perder a confiança da filha nem trans­
ferí-la para os visinhos, principalmente quando êsses mentem,
A E D U C A Ç Ã O SEX U A L 1 07

e num assunto tão delicaêlo, em que os filhos estão perdidos.


se não procuram os pais. Isto lhe foi ocasião para mais abun­
dantes explicações. Citou-lhe o caso de outras senhoras conhe­
cidas, que estavam grávidas - iam ter bébé. E de outra que,
dias atrás estava "gorda" e agora não estava mais - porque
o bébé tinha :rt:i.scido.
De outra fe'ita, os gatinhos nasceram dentro do forno.
o aparecimento dos gatinhos foi uma festa• para os pequenos.
Levanta-se a questão de como foram êles aparecer dentro do
forno. A menina de 9 a 1 O anos explicava que a gata tinha
chocado os ovos alí, à semelhança das galinhas. A I mãe re­
tifica. Dá uma ligeira explicação de ovíparos e vivíparos.
Mais tarde, quando a menina fizer qualquer pergunta a êste
respeito, é facil relembrar a explicação : - "Filhinha, você se
lembra da explicação que lhe dei sôbre os vivíparos, quando
nasceram os gatinhos? Pois bem, o nosso caso é o mesmo" .
E termina a explicação.
Outras vezes, são as imprudências dos adultos. Essas
imprudências são sempre lamentáveis. Mas, em face delas,
somos obrigados a conside�-las e remediá-las. Há sempre
pessoas inconvenientf?S - homens ou senhoras, rapazes ou
moças - que dizem certas cousas em presença das crianças.
Ao ouvir. aquilo, a criança arregala os olhos e os crava no pa­
pai ou na mamãe. Nessas ocasiões, os pais costumam mandar
a criança sair, porque alguém os chamou, ou para verem se o
irmãozinho está chorando, ou se a lua está bonita, ou . se
terminou a guerra da China com o Japão ! Que isto é mais
do que uma tolice, nem precisa dizer. A criança compreende :
aquilo é cousa feia, que . só gente grande pode conversar !
O mal foi semeado naquela pobre alma. Fica-lhe a preocupa­
ção : - que será? Ou ela entendeu por alto - e vai CO:Dj­
truir cem hipóteses sôbre a outra metade. E' o momento em
qut pode entrar em cena o companheiro mais sabido ou a
1 08 P A D RE � NE G ROMON TE

criadagem sempre facil de abordar e pronta em responder. Os


pais avisados não perderão a oportunidade. Lamentá-la po­
dem ; perdê-la, não. Chamem, depois, o filho e lhe expli­
quem: "V. ouviu o que fulano disse. Ficou admirado, não
foi? Tem razão. F. foi inconveniente. Aquilo não é con­
versa de um homem que se preza. Nós nunca devemos falar
dêsses assuntos sem necessidade. Mas afinal foi ocasião para
V. receber uma lição. Que foi que V. compreendeu do. que
êle disse?" E dar a explicação necessária para acalmar a curio­
sidade excitada da criança.
Pode acontecer também que os próprios pais criem dessas
oportunidades, ou por leviandade, ou propositadamente.
Quer-se entrar em explicações com o filho. Orienta-se a con­
versa para o sentido desejado, no momento em que seja facil
entrar no assunto com o interessado. Contou-me certa se­
nhora que, desejando advertir a filha, falou na conversa, vá­
rias vezes, na palavra - puberdade. A menina perguntou o
que era. Foi sangria na veia : mudou-se insensivelmente o
rumo da prosa, e a filha ficou advertida e industriada de
tudo, sem preocupações, sem mistérios, sem meias palavras,
sem sobressaltos, naturalissimamente. Apenas, no fim, per­
guntou à mãe : - "E quando será isto, mamãe? Vai demorar
muito?" A resposta : - "Não sei, minha filha. Pode ser
daquí a dias ; pode demorar ainda mezes" - tranquilizou a
menina que teve ainda o cuidado de advertir: - "Quando
vier, eu falo à senhora, não é?"
Educadas com esta confiança, recebendo assim a verdade
desde pequeninas, as crianças se dirigem aos pais com as per­
guntas da sua curiosidade, que não é sexual. Elas querem
saber aquelas cousas, como querem saber quaisquer outras. E'
de sã pedagogia responder àquelas como se responde às outras.
Um bom pai de família me contava que levou os filhos de 1 O
e de 7 anos a passeiar na fazenda. O menor 1lhe chama a
A EDUCAÇÃO SEXUAL 109

atenção para u m boi que estava muito gordo - e o pai ime­


diatamente lhe explica, que não é um boi, mas uma vaca; e
que não é gordura, mas um b�zerrinho. E se disto surgirem
outras perguntas : - Como é que a gente sabe que é vaca?
etc. - não faz mal. Já dissemos que a curiosidade infantil
facilmente se contenta, como notamos também que a vida do
campo é cheia de oportunidades à iniciação sexual, por causa
da vida dos animais.
Surgem, às vezes, outras oportunidades. A criança vai
para a escola. O encontro com os colegas, numerosos e hete­
rogêneos, é o momento para ouvir muita cousa. Advertí-lo :
tudo o que ouvir, contar aos pais ; - mas os pais terão tam­
bém o cuidado de ouvir, a sabedoria de não se escandalizar à
tôa, a prudência de não se perturbar nem se zangar, para que
o filho possa contínuar a contar.
Ou, então, é para o · colégio, interno. Se não vão se en­
contrar tão cedo, avancem os pais um pouco mais nas suas
recomendações. Se teem oportunidades de visitar, aproveitem
sempre da,s visitas para saber de tudo. E assim como pergun­
tam sôbre saude e estudos, futebol e sapatos, perguntem sôbre
os companheiros e as conversas, as preocupações do espírito e
do coração. Sei que os pais se tranquilizam, dizendo que foi
por isto mesmo que escolheram um colégio católico. E' me­
lhor não se tranquilizar, senão cumprindo pessoalmente o
dever. Na melhor das hipóteses - se a criança tiver sido edu­
cada pelo colégio - os pais não devem deixar que a confiança
dos filhos se transfira para outrem.
E' evidente que não podemos dizer aquí as mil op ortu­
nidades que se apresentam aos pais vigilantes e interessados qa
boa educação dos filhos. O educando não deve ficar preo­
cupado com êsses assuntos ; mas os pais podem. E, preocupa­
dos em encontrar as boas ocasiões, verão como estas se ofe­
recem asadas e constantes. E' só escolhê-las e aproveitá-las.
1 10 P A D R E A. N E G R O M O N T E

Assim poderão falar correntemente, ao curso da conversa, sem


ser preciso despertar a atenção dos filhos. Sou, portanto,
contrário -aos que aco1iselham aos pais dizerem ao filho : -
"Meu filho, amanhã teremos uma conversa importantíssima",
e no dia seguinte se tranca com o rapazinho no gabinete para
falar da questão sexual. Nem vale a desculpa de que é preciso
estarem sós - porque pai e filho se encontrarem sós é muito
mais comum do que s� pensa, sem precisar de convites solenes,
sem audiências prévias. E quando andamos prevenidos, agua;­
dando uma ocasião, ela nos vem como que preparada, a talho
de foice. E as cousas ditas assim 1 naturalmente, não desper­
tam a curiosidade, mas calmam ; não concentram a atenção,
desviam-na - tal como convem no delicado problema da edu­
cação sexual.
NA ADOLESCÊNCIA
Mesmo que, por uma felicidade extraordinária, pelos cui­
dados de uma educação especial e sobretudo pela graça de
Deus, as crianças tivessem crescido na inocência ignorante, che­
garia o tempo em que a própria natureza requer os necessários
conhecimentos. Vem a puberdade.
Mesmo que, antes, o silêncio tivesse sido prudente, agora
seria perigoso. Já não será mais possível a ignorância. As
diferenças sexuais se impõem com altos clamores. No meío
das transformações que o organismo padece, ou a inocência se
torna conciente e se firma pela fôrça da virtude, ou naufraga
e perece. Ainda que a criança nunca tivesse prestac;lo atenção
aos segredos do sexo, agora êles se revelam.
Não seria mais possível discutir a questão. Os que nada
ainda aprenderam dos assuntos em questão, ficariam entregues
aos azares da própria natureza ou às iniciações perigosas, que
já condenamos �antas vezes.
Uma ou outra cousa seria de lamentáveis consequências.
Gravíssima imprudência cometeriam os pais que abandonas­
sem os filhos às lições do próprio impulso sexual nascente,
cheio de curiosidades, e precisamente na idade cismadora e
ímaginosa da adolescência. Antes, na infância, mesmo em
face de conhecimentos antecipados, de tendências acentuada­
mente precoces, faltava o estímulo dos órgãos, que agora des-
112 PADRE � NEGROMONTE

pertam para .um mundo n0vo, cheio de mistérios, de angús­


tias e - o que é mais grave - de impulsos e apetites.
Não vamos negar que a tarefa, já de si difícil, assume
nesta épàca um carater ainda mais delicado.
As crianças ingênuas e simples se dirigiam com toda
con.fian�a aos pais. Diziam o que ouviram, perguntavam o
que queriam saber - quando desde o comêço os pais lhes ti­
nham dado êste excelente costume, não só a êste respeito como
sôbre todas as outras cousas. Respondiam também com a
mesma facilidade, quando interrogadas. Eram abertas, ex­
pansivas, dóceis, ternas, generosas. Iam contar tudo à mamãe.
A puberdade lhes impõs uma transformação completa .
O desenvolvimento físico age, ao mesmo tempo sôbre a in­
teligência, o coração, a imaginação e o carater. Do mundo
exterior, que eram as preocupações quasi exclusivas da criança ,
volta-se agora o adolescente para o interior. Dobra-se sôbre si
mesmo, atraído por um conjunto de fenômenos internos mais
ou menos concientes. Torna-se inquieto e sonhador, inde­
pendente e senhor de si.
Êste excesso de personalidade da adolescência faz o tor­
mento da imensa maioria das mães. Elas não compreendem
mais aquela idade que atravessaram, inconcientemente, e há
algum tempo já . Cioso de ser "gente grande", o adoles­
cente foge às confidências com os pais - e não é sem razão,
porque os pais em geral não sabem compreendê-lo. A criança
expansiva e confiante deu o adolescente arisco e fechado. O
seu mundo agora é outro.
Por isso mesmo se torna ainda mais difícil falar-lhe do
problema sexual. Mas a dificuldade cresce em virtude da
conciência do sexo que esta idade traz. O que antigamente se
falava com simplicidade e sem saber por que, já agora tem
no próprio organismo razões que refreiam as palavras e rubo-
A EDUCAÇÃO SEXUAL 1 13

rizam as faces. E' qpe o menino sente que começa a ser ho­
mem, e a menina, que começa a ser moça.
E' também nesta idade que êles, sentindo o despertar do
sexo, notam a grande diferença que existe, pressentem que
foram feitos um para o outro, e, embora sentindo a mútua
atração, se afastam. E' verdade que se procuram, mas não
com as ..intimidades e os folguedos da inffincia. Querem ver
e ser vistos, mas a uma certa distância. Entram em jôgo os
artifícios para atrair as atenções.
Nesta fase da vida a Providência Divina guarda de modo
especial os segredos da conservação da espécie. Ao impulso
natural do desenvolvimento físico, a curiosidade romperia bru­
talmente o véu de todos os mistérios, se um contraforte não o
resguardasse. :Êste contraforte é o pudor, que, na puberdade,
se desenvolve notavelmente. E' a proteção natural às im­
pressões muito vivas e chocantes das realidades sexuais inte­
riores e exteriores.
, Pois bem. Até mesmo êste pudor, anteparo divino às
súbitas manifestações do poderoso instinto, cria dificuldades
à educação. :Êle aumenta o retraimento, obriga à timidez, im­
põe o silêncio, com o tom de urna autoridade quasi insupe­
ravel. Ao lado do grande bem que faz à vida mor.ai do ado­
lescente, refreia a confiança entre pais e filhos -o único am­
biente que pode garantir a perfeita educação sexual.
O Cônego Lyttelton e o Padre Fonsagrives ( 1 ) atri­
buíram êsse retraimento dos adolescentçs à simples ausência
da iniciação na infância. Refutando-os, extremou-se também
o -admiravel Chauvin, que teve em conta apenas o estado psi­
cológico do adolescente. ( 2 ) Parece-me que, mais urna vez,
:�i,�;i
( 1 ) Ver brespectivamente : " Éducation de l'enfant ", e " Éducation
de la :pureté ".
( 2) Cfr. " La preservation morale de l'enfant ".
1 14 P A D R E A. NEGROMONTE

a virtude está no rneió. Não há dúvida que, a-pesar-dos cui­


dados educacionais com a infân�ia, como acima apontamos,
a idade retrairá e fechará um pouco o coração dos filhos.
Mas que seria deles, se nada lhes tivessem dito na. in­
fância ? Se não estivessem acostumados a falar e ouvir dos
pais, de acôrdo com as necessidades ? Sem os conhecimentos
já adquiridos, sem a conffança que a franqueza e o acolhi­
mento dos pais lhes g�ram no coração, onde iriam ter agora ?
Os que querem deixar tudo para a puberdade não pon­
deram, como o próprio Chauvin não ponderou, que agora
seria quasi de todo impossível abordar os filhos sôbre êsses
assuntos, se nunca êles tivessem sido objeto de entendimentos .
Agora - e isto é uma outra e bem forte razão - as
dificuldades crescem, por causa da malícia natural com que os
adolescentes ouvem o que se lhes diz. Mas o lhes terem fa­
lado os pais anteriormente abre e facilita os caminhos. Quan­
do aquilo lhes foi dito, eram crianças e ouviram sem se per­
turbar ; agora que a puberdade chega já encontra os conheci­
mentos de que precisa, sem acrescentar as agitações do espírito.
E' por isso que o P. Ganay ( 1 ) acha que é "sempre me­
lhor falar um ano mais cedo, do que urna hora mais tarde"
Outra dificuldade agora é que o menino já se julga um
homem, e não quer falar dessas cousas com a mamãe. Sen­
te-se vexado, e com justa razão. E' preciso que o pai entre
em cena, para cuidar do rapazinho, deixando à mãe se ocupar
da filha. A educação toma rumos bem diferentes. Tem de ser
feita segundo as tendências e as afirmações dos sexos, tão di­
versos também na sua psicologia - tanto quanto na fisiologia.

(1) Cit. por Dr. Pasteau - " Comment faire l'initiation sexuelle ? "
O PAI E O FILHO

Entrado o menino na puberdade, começa forçosamente


a se preocupar com a ideia do outro sexo, precisamente porque
nele o sexo desperta e começa a afirmar os seus direitos. En­
carando os problemas de outro ângulo, já não · lhe bastarão
as explicações vagas, que a mamãe lhe dava. Sentindo-se um
homem, não quererá, de certo, pedir outras explicações a uma
mulher, mesmo que seja esta mulher a sua propria mãe.
Isto é muito bem feito. Porque tarnbern, nesta ocasião,
a mulher já não lhe saberia falar. Êle agora quetn urna pa­
lavra cheia _ de conhecimentos positivos, e mais p'rovida de
lógica do que de sentimentos. Precisa de querp lhe compreenda
mais as razões do organismo do que as da razão e do coração.
Quer ouvir uma palavra de quem sentiu o que êle sente agora.
"Para conhecer um sexo é preciso começar por ser dêste sexo" ,
disse, com acêrto, M. Vérine. O rapazinho advinha isto, e
quer ouv,ir a voz de quem experimentou em si o que êle ex­
perimenta agora. E' o pai que lhe deve falar.
Só em casos excepcionais, em que o pai de todo não
soubesse o que dizer ou como dizer ; ou ainda quando não
ousasse falar ao filho - é que não só poderia, mas até deveria
confiar a outrem êste cuidado. Quem seria êste outrem já o
indicamos. Há de ser um educador de absoluta confiança tanto
para o pai como para o educando. Se quizer apelar para o
médico da família, só o faça se êle for tambem u.m educador,
1 16 P A D RE � NE GROMON TE

homem moderado e razoavel, cheio de bom se_nso, e princi­


palmente cristão. Quando o rapazinho está interno num co­
légio ( e eu suponho que só se confia um filho a um bom
colégio, no sentido moral ; e Pc!ra os católicos o colégio deve
ser sempre um colégio católico) o problema pode ser entregue
ao diretot, que providenciará por si ou por outrem. Em qual­
quer caso, o sacerdote é muito autorizado, já pela confiança
do educando, já pelas circunstancias que o cercam. Mesmo
uma outra pessôa, uma pessôa amiga do joven, a pedido do
pai, pode acudí-lo num caso desses, se está nas condições mo­
rais requeridas.

A MÃE, POR EXCEÇÃO

Se, para o rapazinho, a mãe já não é mais a pessôa in­


dicada para a educação sexual direta, não quer dizer que não
tenha mais o que fazer junto a êle. A formação geral, do
carater, do coração, continúa a reclamar os seus cuidados. En­
quanto ao pai se reservam as informações fisiológicas (sempre
de envôlta com a formação moral) , a vigilância sôbre o co­
ração e o espírito do filho é uma tarefa que ninguém usurpará
jamais a uma digna mãe cristã. Ela velará sôbre as manifes­
tações morais das paixões nascentes. Orientará a vida do fi­
lho, pela elevação dos conceitos. Recomendará a pureza dos
pensamentos. Dirá no momento oportuno a palavra delicada
e profundamente impressionante que as mães sabem. dizer aos
filhos. Velará sôbre as leituras e as amizades. Ajudará a
guardar o filho. E, principalmente, comunicará ao marido
a hora de falar. Sim, porque nisto não há quem a substitua.
O coração materno tem antenas. Verdadeiro preságio, aquele
instinto divinatorio inexplicavel das mulheres eleva-se mcn­
velmente nas mães. "Uma coisa está me dizendo" E as
A EDUCAÇÃO SEXUAL 117

111 ulheres acertam, sem ninguém saber por que. Nem elas
mesmas sabem. Nas mães é o coração que afirma, quando
Ne trata dos filhos. E mesmo que não queiram acreditar
(quando as coisas não são boas) , já tinham advinhado. O
pai não pode dispensar um semelha1_1te orientador. Os seus
avisos são verdadeiros marcos no caminho.

RESPEITAR O ORGANISMO

O pai não pode ter ilusões com o filho adolescente. Ou


o filho foi iniciado em casa, como de dever, ou os compa­
nheiros lhe ministraram os mais avançados conhecimentos.
Ficamos na melhor hipótese, que é sempre a mais desejavel.
Naquela altura em que o deixamos na infância, toma-o
agora o pai. O corpo em pleno e extranho desenvolvimento
requer novas explicações. Desperta com isto a preocupação do
outro sexo. Deixar-se a si o pobre joven seria fatalmente
perdê-lo. Não insistimos sôbre isto : a experiencia é dema­
siado freq�ente e gritante. "A puberdade é um arroio que
todos teem de atravessar. Não há fugir. Aos pais, pelo maior
amor, pelo melhor conhecimento, que teem dos filhos, e pela
confian5a que lhes inspiram, aos pais cumpre ajudar os jovens
nesta idade difícil em que tantos se perdem - e quando os
pais veem a saber o mal já não tem remedia, ou dificilmente
se cura" .
E' a hora d� . o pai advertí-lo do sentido daquele instinto,
que lhe abre um mundo novo. :f!:le deve agora saber que "a
lei da sexualidade· rege toda a natureza animada - os vege­
J:ais e os animais - e deve aplicar-se ao homem, rei da cria­
ção." (1 ) Cabe aqui muito bem e elucida bastante o assunto

( 1 ) Dr. Surbled - Conselhos aos Rapazes.


118 .P A D R E A . N li G ROMO N T E

a explicação d:. reprodução dos vegetais. Nesta idade é im­


possivel que o rapazinho já não se tenha dado conta tambem
da sexualidade dos animais. E' quase certo que viu entre êles
a união dos sexos, e sabe que é uma condição para a pro­
dução de novas vidas.
Agora, talvez, ainda seja cêdo pàra explicar como se dá
a geração. Mas é o momento para chamar-lhe a atenção para
o valor dos órgãos sexuais e de sua alta e nobre finalidade.
Importa, sobretudo, mostrar-lhe a necessidade de respeitar o
próprio corpo, não só pelas vantagens espirituais (principal­
mente os católicos devem, embora sem exageros, acentuar a
gravidade do pecado de impureza) e morais, como tambem
pelas vantagens corporais. O rapazinho apenas começa o
desenvolvimento de seus órgãos sexuais. Neste período de ver­
dadeira formação, êles exigem o mais absoluto repouso, o mais
escrupuloso respeito, para se poderem desenvolver normal­
mente e exercer no organismo a sua ação benéfica.
A muitos passa despercebida esta ação dos órgãos sexuais .
Mesmo os pais menos cultos podem demonstrar isto a seus
filhos por meio de exemplos vulgares. De dois bezerros, um
deu o touro vigoroso, elegante, impetuoso e dominador; o
outro, a quem em tempo retiraram as glândulas sexuais, é o
boi apático e submisso. O organismo masculino deve muito
ao perfeito funcionamento dessas glândulas. A diferença entre
o galo íntegro e o frango castrado pode ser tambem apresen­
tada para mostrar, de modo simples e prático, o quanto in­
fluem essas glândulas no desenvolvimento do organismo, nos
característicos de fôrça e vigor do indivíduo.
E' preciso concluir pelo respeito a esses órgãos a que Deus
confiou tão grande influencia individual e nos quais está a
fonte de futuras vidas.
A EDUCAÇÃO SEX UAL 1 19

O VÍCIO SOLITÁRIO

E' bom contar com a possibilidade do v1c10 solitário


nesta ocasião. A idade se presta infelizmente a isto. Há de
ser muito grande a delicadeza do pai, que começará por sondar
de longe o terreno. Há meninos maus e corrompidos, que não
se envergonham de praticar atos indecentes. Quem sabe, al­
r;nm dos companheiros será desses? Nunca lhes ouviu con­
versas? Nunca lhes viu ações? E, conforme as circunstâncias,
entrar no assunto. Mostrar-lhe o mal que se faz com isto, o
pecado que se come_te e a ruína que se prepara para o futuro.
Não cabe aqui a descrição dos males que causa, princi­
palmente ao adolescente, o vício solitário. Aliás, é facil per­
ceber que o rapazinho está desabrochando, em pleno desenvol­
vimento, e tudo o que o organismo perder é em detrimento
próprio, atual e futuro. Tambem o pai não precisa ser ex­
traordinário para perceber as agitações do filho, as frequentes
perturbações, a modificação excepcional do carater, a incons­
tância acentuada da vontade, a insônia, etc. E' verdade que
a transformação da idade modifica enormemente o tempera­
mento do adolescente, mas não será tão difícil notar as di­
ferenças de carater mórbido. Não é da idade, mas do vício,
se o menino se torna pálido, desconfiado, evitando olhar para
a gente ; se perde a capacidade de trabalho, principalmente in­
telectual ; se foge dos camaradas e prefere a solidão, se já não
tem as expansões de alegria, próprias dos adolescentes. Isto
são sintomas do vício.
E' claro que o filho, envergonhado, se negará a con·
fessar. O pai se esforçará por obter a resposta, insistindo sôbre
o desêjo de curá-lo e não de puní-lo, mesmo porque, advir­
tamos bem, o caso é de cura e não de punição. Conseguida
a confissão, está ·meio caminho andado para a difícil emenda.
E' essencial que o menino seja então tratado com uma grande
1 20 PADRE � NEGROMONTE

bondade, para lhe voltar a inteira confiança nos pais. E' tam­
bern ne�essário levantar-lhe e sustentar-lhe o moral abatido,
porque muitas vezes êles querem se corrigir e não conseguem.
Isto lhes dá a deprimente impressão de já serem escravos do
miseravel vício, do qual pensam que não s� poderão mais
libertar.
A cura se fará com remédios naturais e sobrenaturais.
Um regime alimentar não excitante, os banhos frios, os exer­
cícios físicos, os passeios ao ar livre, obrigam a uma ligeira
fadiga e levam ao sono. Evite-se tratar o menino com rigor
e exigencias, que irritam e entristecem - o que pode levar
de novo ao vício, por urna espécie de compensação. Não
tendo outro prazer na vida, procuram aquele. Mas urna dis­
creta vigilância é necessária; como tarnbern o é, de quando em
quando, urna palavra de estímulo que escore o esfôtço daquela
vontade enfraquecida.
Aqui entra, corno elemento de cura ide primeira ordem,
essencial, indispensavel, a frequência aos sacramentos. Neste
momento, um bom confessor, esclarecido e acolhedor, enér­
gico e , moderado, tem um papel inestimavel, que é necessário
não esquecer. E' igualmente de muito bom aviso que o joven
volte sempre ao mesmo confessor, que lhe ficará conhecendo
o organismo espiritual.
Apesar do valor que teem em si os argumentos morais,
a experiência ensina que os de ordem fisiológica impressionam
mais. Se o paciente persiste no vício, vale a pena levá-lo ao
médico, cuja palavra tem no assunto uma autoridade de grande
pêso e pode impressioná-lo beneficamente.
Devem saber os pais que não é somente na puberdade
que aparece a masturbação. Teem aparecido casos de grande
precocidade. São excepcionais, e não tão faceis de perceber-se.
São mais frequentes crianças de 8 e de 1 O anos entregues a
essa perversão. Lutaremos sempre com a dificuldade de con-
A EDUCAÇÃO SEXUAL 121

vencer os pais de que seus filhos são capazes dessas misérias,


que êles supõem sempre existirem nos extranhos . Mas es­
tamos em face de um vício muito mais comum do que se
possa imaginar. Já falei de certas precocidades devidas a ou­
tras causas a que podemos agora juntar mais algumas. Assim
é, por exemplo, que o feio costume de levar a mãosinba aos
órgãos sexuais pode degenerar no vício. E as roupas ,teem
nisto grande responsabilidade. Muito justas, obrigam a
criança a tocar-se, desembaraçando-se ; muito folgadas, ro­
çam-na, excitando-a.
Por isso, terão os pais o cuidado de proporcionar aos
filhos uma boa educação, incutindo-lhes desde cêdo o amor à·
pureza, o santo temor de Deus, sem se esquecerem da vigilân­
cia contínua e discreta com que os acompanharão.

MANIFESTAÇÕES SEXUAIS
Aumentam na puberdade as preocupações com as coisas
sexuais. O que na infância era visto sem maiores preocupa­
ções toma agora uma importância enorme. Impressiona.
Preocupa. Absorve. Deixa vestígios fortes e duradouros. As
vigílias são então perigosíssimas. Juntam-se carne e espírito
para as excitações. Os pensamentos fervilham noite e dia. O
rapazinho passa das preocupações conciêntes aos sonhos. Agi­
ta-se com as atitudes dos namorados que vê enlaçados na rua.
Aparecem-lhe desejos, que já não são vagos e indecisos, mas
se orientam para a vida da espécie - e a ideia da mulher o
persegue. Sente-se acompanhado pelo "eterno feminino" .
Tudo isto s e lhe reflete fatalmente no corpo. Aparecem,
com grande fréquência, as ereções, devidas a causas físicas ou
psicológicas. O jovem deve saber o que isto é e o que vale.
São coisas naturais e sem importancia à noite, por causa da
1 22 P AD R E A. N E G RO M O N T E

pressão da bexiga que se encheu. Podem ser provocadas por


excitações físicas, corno o roçar das calças, a bicicleta, o selim
de cavalgar, - e então o meio de calmá-_las é evitar a causa.
Na ordem psíquica, as leituras e lembranças eróticas, os pen­
samentos e desejos deshonestos bastam para produzí-las -
e neste caso a cura se faz pela derivação das preocupações ex­
citantes.
Do ponto de vista espiritual, saiba o joven que não se
trata de pecados, mas de meros fenômenos naturais, sem ne­
nhuma responsabilidade nos casos em que não foram volun­
tariamente provocados. Quando derivem de causas psíquicas,
importa combatê-las. Purificar o espírito e o coração, afastar
as más leituras e recordações, povoar a mente de ideias boas
e tudo se reduzirá às proporções da natureza. Acontece que
o menino pensa nessas coisas, mesmo sem querer. Mas não se
preocupe, porque desde que a vontade repele, não há pecado.
Continue sempre fiel às práticas essenciais da vida cristã, em
particular aos sacramentos da penitência e da Eucaristia. Abra
a propria conciência ao confessor e siga os seus conselhos com
confiança.

CONVIVENCIA NECESSÁRIA

E' muito variavel a idade da puberdade. Nos países


como o nosso, de clima quente, não esperamos muito. Ela se
adianta. Aos 1 4 ou 1 5 anos, e às vezes antes, é preciso o pai
avançar um pouco as suas conversas com o filho. Já dissemos
que o adolescente é muito mais fechado e esquivo do que o
menino. O pai não pode esperar que lhe venha falar. So­
bretudo porque, em pequeno, não a êle, mas sim à mãe é que
se dirigia. O pai deve abordá-lo com franqueza, em tom con­
fiàencial e amigo. E' preferível ser um pouco afôito a ser
A EDUCAÇÃO SEX U AL 1 23

tímido. Mas é preciso tambem que o pai não procure o filho


apenas para conversar dessas coisas. Vivam como bons ami­
gos - melhor diria : como pai e filho. Seria então muito
facil introduzir. os assuntos que se prendem à disciplina moral
do filho. E a formação iria sendo feita insensível e gradati­
vamente, ao curso da convivência, na própria vida de família.
Tudo deve ser dito, mas tudo não pode ser dito de uma vês.

POLUÇÕES NOTURNAS

Acontece que pouco depois de iniciada a puberdade apa­


. recem as poluções. Se o joven não está preparado para rece­
bê-las, passará um susto que lhe fará mal ao espírito. Por
isto mesmo o pai se apressará a instruí-lo e formá-lo a res­
peito. Não são necessarios tão grandes conhecimentos para
isto. O rapaz já ficou instruído do valor das glândulas se­
xuais para o desenvolvimento e resistência do organismo. Sem
termos técnicos e sem aparato científico, era a explicação do
papel endócrino das glândulas. Agora avançamos com êle um
pouco, para que fique conhecendo, como é necessário, a outra
função dessas glândulas. A explicação é simples. Os testículos
segregam o sêmen, que vai se acumulando nos canais e pas­
sando às vesículas seminais. O fato de se encherem as vesículas
não representa coisa alguma de anormal para a vida do joven,
porque o próprio organismo se encarrega ou de reabsorver ou
de eliminar as sobras. Reabsorvendo, o organismo ganha com
isto, fortalecendo-se : é uma grande economia. Nem precisa
muito esfôrço ·para perceber o valor da substancia a que a
Providencia Divina confiou a produção de uma nova vida.
Mas como a reabsorpção é mais lenta do que a produção, a
própria natureza se encarrega de aliviar o organismo dos ex­
cessos. Essa eliminação se pode dar de vários modos. "Nos
1 24 PAD RE � NE G ROMON TE

indivíduos continentes os espermatozóides se transformam em


glóbulos eosinófilos (Kõnigstein) ou passam ás urinas (Mi­
lian e Manlock) "raramente em estado normal, as mais das
vezes sob a forma de corpos policromatófilos" (Escande) " ,
escreve Alcântara de Vilhena, no seu estudo sôbre a Conti­
nência. Ou de modo mais direto e rápido, pelas poluções que
sobreveem quase sempre á noite, e se chamam, por isso mesmo,
poluções noturnas.
E' natural que o seu aparecimento cause uma certa ex­
tranheza ao joven que não foi prevenido. Uns se assustam,
temendo qualquer transtôrno na saúde. Outros · se intranqui­
lizam , receiando ter caído em pecado, mesmo porque é comum
acontecerem ligadas a sonhos eróticos. Incertezas, inquieta­
ções, anciedades, escrúpulos, abatiment;,o moral e físico, seriam
as inevitaveis consequências para os jovens que as ignorassem.
Facilmente, porém, êles se tranquilizarão, nem mesmo pade­
cerão outro contratempo, além do aborrecimento natural do
caso, se lhes tivermos dito que é cousa natural e expontânea,
comum aos homens continentes e sem nenhum prejuízo para
a saude. "A polução natural, expontiânea, explica o dr. Sur­
bled, não él vício nem doença : é um fenômeno ,fisiológico,
o resultado quase forçado da secreção espermática. E' mesmo,
pode-se afirmar, um fruto da continência, que retém o líquido
fecundante nos canais espermáticos, ( 1 ) E depois de explicar
que os casados ou os solteiros incontinentes não as padecem
ou padecem raro (porque esvasiam a vesícula seminal pela
função sexual) , acrescenta : "A adolescência distingue-se or­
dinariamente pela frequência das poluções, pelo menos quando
escapa ao vício solitário e se conserva na pureza."
Simples fenômeno natural, não são as poluções para

( 1 ) Dr. Surbled - A vida do joven.


(2) ld. - ibd.
A E D U C A Ç ÃO S E X U A L 125

temer-se, como um mal ou um perigo, conforme o fazem crer


os inimigos da continência. O próprio Forel, cujas idéias sô­
bre a castidade estão longe de merecer as nossas palmas, diz:
"Em geral, a castidade é facilitada depois de completa a pu­
berdade, muitas vezes aos 20 anos de idade, por emissõ�s no­
turnas de sêmen, acompanhadas de sonhos eróticos, a saude
não se ressentindo absolutamente com isto." ( 1 ) O Dr. Wyss,
prof. em Zurich, é de opinião que "estas emissões se dão de
quando em quando, em todo homem, e não teem, entenda-se
bem, nenhuma consequencia má." (2) Trousseau chega a di­
zer que "elas indicariam antes um excesso de saude e de po­
tência, que um estado de fraqueza e de moléstia." ( 3 ) E'
claro que se se tornam muito frequentes, dão risco á saude.
O dr. Alcântara de Vilhena, no citado estudo, dá a opinião
de Rohleder que acha normais duas poluções por semana. A
menos que se trate de um temperamento excepcional, disse­
ram-me os médicos que consultei a êste respeito já ser isto de­
mais, principalmente para um adolescente. E, se fôrem muito
frequentes, é necessario estudar-lhes as causas. Estas podem
ser psíquicas - maus pensamentos, leituras excitantes, con­
versas, cinemas imorais, frequentações levianas de pessoas de
outro sexo, etc., - ou físicas : excesso na comida, abuso de
álcool, alimentos muito temperados, deitar de costas para dor­
mir, etc'. - ou mesmo patológicas - pessoas anémicas, ner­
vosas, fracas. Nos últimos casos - vejam bem - as polu­
ções não causam as doenças, são causadas por elas, embora
realmente as agravem. Então é o caso de consultar o médico.
Vale muito chamar a atenção do joven para isto, porque

( 1 ) Apud Irineu Torres - Devemos e ,podemos guardar castidade.


(2) Apud Alcantara de Vilhena - Da continencia e seu fator eu­
genico.
(3) Apud A. Vilhena - 1 . e.
1 26 P AD R E A. N E G R OMO N TE

alguns querem fazer das poluções um argumento contra a pos­


sibilidade e as vantagens da castidade. Já vimos que sem
razão. Certas consequências desagradaveis que as acompanham
só perduram nos pacientes enfraquecidos ou de temperamento
excita;el. Mas, nesses casos, não faz mal repetir, elas são o
efeito e não a causa do estado patológico. Para os casos nor­
mais, eis a valiosa opinião de Wyss ; "Cansaço, abatimento,
dor na espinha dorsal, pêso na cabeça e outros fenômenos
desaparecem em poucas horas. Outras consequências nunca
fôram verificadas, embora muitos moços tenham receio delas."
O pai que não estiver á altura de versar o assunto com
o filho pode valer-se de bons livros, que já hoje os temos em
português. O livro pode ser dado a ler ao proprio moço, desde
que lhe esteja proporcionado, e êle tenha a franqueza de se
dirigir ao pai sôbre as dificuldades encontradas ou os escla­
recimentos desejados. Ou então, durante a conversa, o pai
pode ler trechos ao filho, o que facilita comentarias e expli­
cações e possibilita a supressão do que não for conveniente.

• A FUNÇÃO SEXUAL
Chegados a esta altura da idade e da iniciação, é tempo
de falar com toda clareza da função sexual como tal e de sua
finalidade. Deus criou estes órgãos para, por meio deles, ga­
rantir a perpetuidade do gênero humano. Por bem dizer, êles
pertencem mais á espécie do que 3:0 individuo, porque existem
em função dela e não dele. Eis porque o individuo só tem o
direito de usá-los para o fim a que Deus os destinou. Mas
Deus organizou a procriação humana dentro do rnatrimônio
uno e indissoluvel, tal corno o requer a própria natureza do
homem. Por isso, só no matrimônio . e para os fins naturais
o homem tem direito á função sexual. Fora disto, a função
A E D U C A Ç ÃO SE X U AL 1 27

é um grave abuso e uit, pecado mortal. E o pai aproveitará


para, agora mais do que nunca, uma vez que os perigos se
aproximam, incutir no espírito do filho uma alta idéia da
castidade; mostrando que ela é possível. benéfica e, sobretudo,
obrigatória.
Coni esta idade, o rapaz ainda não pensa em casar. Mas
todos êles pensam em mulher. E' o momento de ouvir, a êste
respeito, a palavra paterna. Já sabe que é pela união d.os
sexos que se produz a vida. Mas talvez ainda não encarou
isto de um ponto de vista bastante elevado, olhando os planos
sapientíssimos de Deus. Só com esta visão realista no melhor
sentido da palavra, é que compreenderá a alta missão que lhe
reserva o futuro. A maneira vulgar dé encarar a questão é
grosseira e indigna. E' impossível que êsse mocinho não a
tenha ouvido. E o que êle sente por enquanto é apenas a
atração do outro sexo, sem ter ainda percebido a elevação do
instinto. Mas saberá agora que o futuro lhe reserva a pater­
nidade. Para isto, escolherá, entre as jovens de seu conheci­
mento, a que julgar mais digna de ser a mãe de seus filhos.
Muitos pais receiam falar assim al?ertamente aos filhos,
temendo desprestigiar-se deante deles com o conhecimento que
lhes dão das suas relações sexuais. Não vemos razão para isto.
Cêdo ou tarde, os filhos saberão de que maneira fôram gera­
dos. E só há vantagem em saberem de um modo elevado e
digno, fazendo da função genésica a idéia que merece. O moço
que aprender isto de seu pai, incapaz de pensar levianamente
da própria mãe, fica fazendo do matrimônio e das relações
sexuais a que êle conduz, uma grande idéia. "Uma coisa tão
digna e elevada, que minha mãe pratica, sem nada perder de
sua grandeza moral" , pensará êle.
Então será facil dizer ao filho que se poupe e se conserve
sempre puro, para ser digno da esposa que Deus lhe reserva e
fazer a felicidade da prole, porque uma só falta pode preju-
1 28 P A DRE � N E GROM O N T B

clicar o seu futuro, da esposa e dos filhos. Com isto, terá, ao


mesmo tempo, advertido o rapaz e proporcionado os meios
para a justa apreciação do valor das jovens com quem con­
vive, permitindo-lhe, desde agora, encarar as responsabilidades
do amor conjugal.

O PERIGO VENÉREO
Por mais otimistas que sejamos, por mais que desejemos
a absoluta continencia dos moços, a regra geral, infelizmente,
não é esta. Faço questão de sermos realistas. Vivemos numa
sociedade enormemente corrompida, em que o moço padece
imensas dificuldades para se conservar um homem casto.
Mesmo que tenha tido uma boa formação - o que tambem
não é frequente - o ambiente lhe proporciona tantos con­
vites á imoralidade, que raros são os que se guardam do mal.
E' verdade que hoje os moços puros são muito mais nume­
rosos, porém ainda continuam a ser uma exceção, dizêmo-lo
com tristeza. Em face disto, é sempre de temer que o rapaz,
arrastado pelas ocasiões que lhe veem ao encontr o, tentado
pelos convites e mesmo pelas zombarias dos companheiros, ou
levado pelos impulsos fortes da paixão tumultuosa, faça as
suas nefastas experiências. Eis porque será oportuno falar­
lhe tambem claramente do perigo venéreo.
Já ficou acentuaão que é sem bases morais uma educação
feita em vista desses perigos. Não estamos incidindo no êrro
que condenamos. Não baseamos nisto a educação sexual que
defendemos. A melhor prova é que já chegamos a êsse ponto
sem acenar com êsses males. Não fazemos ?isto um elemento
básico, mas o reputamos uma fôrça a mais, um auxiliar para
a castidade. O moço já sabe que deve ser casto, e por que
altos motivos morais e mesmo fisiológicos. Não faz mal que
A EDUCAÇÃO SEXUAL 1 29

o ajudemos com motivos de outra ordem. Além disso, e sem­


pre dentro da realidade, há certos moços a quem pouco se lhes
dá dos outros motivos, mas que se impressionarão em face
dos perigos para a saude. Darei ainda um passo. O mal ve­
néreo anda por aí devastando a nossa pobre mocidade, carco­
mendo a saude, infelicitando os lares, comprometendo, cada
vez mais, a raça. Por motivos vários e culpa nossa, as razões
morais não teem bast�do para deter os moços á distancia dos
abismos. Continuam a perder-se. Não será um mal menor
que, ao menos, a saude se poupe em parte, já que não nos é
possível atingir o ideia! ?
Por tudo isto, e ante-postos os motivos superiores, o pai
chamará a atenção do filho para essas consequências da im­
pureza. Expor-lhe-á os riscos da saude e da prole. A con­
clusão é sempre que o único preservativo seguro e infalível é
a castidade. Com isto, como é demais evidente, não estamos
autorizando o vício desde que não haja contágio, mas nos
estamos ajustando a urna dolorosa realidade, cujos males pro­
curamos minorar, por não os podermos suprimir de todo.

LEGITIMA CONVIVENCIA
Como sempre, o moço se sente inclinado à convivencia
com as mocinhas. Vem, desde o início da puberdade, acen­
tuando-se esta inclínação. Alguns pais acham graça nos sai­
mentas do rapazola, embora não achem a mesma graça quan­
do se trata das filhas. Outros, principalmente as mães, se
opõem a essa convivencia e procuram impedí-la. A uns como
aos outros falta razão. A convivência é natural, e a dema­
siada separação dos sexos resulta contra-producente. Não será
por separarmos rapazes e moças que lograremos uma indife­
rença mútua, para cuja realização seria necessária a transfor-
1 30 P ADRE A. N E G R O M ONTE

mação da própria natureza. A natureza não respeita o que


se faz contra ela. Os edu�adores que querem educar a juven­
tude em reclusões excessivas conseguirão apenas decepções para
si com a ineficacía dos seus métodos e a queda dos seus
alunos. ( 1 )
Da legitima conyivêncía social podem e devem os pais
tirar motivos para acostumar os filhos a um grande respeito
a suas jovens companheiras, a atitudes corretas e dignas.
Com isto. estaríamos até corrigindo a tendência excessiva
da juventude para as ligações sentimentais, que são exclusi­
vistas e procuram a solidão, tão êheia de perigos, ou se ma­
nifesta por cartas ou bilhetes. Estaríamos vigiando as atitudes
de rapazes e moças, velando sobre a sua correção nas mútuas
relações. Estaríamos ensinando-lhes a viverem lado a lado sem
inconveníentes nem perigos graves.
Para isto é necessário tê-los acostumado desde pequenos
a essa correção, por bons hábitos de gentileza e recíproco res­
peito. A vida em família basta para saber tratar as proprias
irmãs - e assim saber respeitar as alheias. As imprescindíveis
relações da família - primas, visinhas, visitas - estenderão
natural e paulatinamente o circulo. Acostumado a uma eleva­
ção de trato na infância, o rapazinho dificilmente o perderá
mais tarde. E quando os naturais impulsos o afastarem da
bôa linha de conduta, um simples exame de conciência ou a
advertência dos pais bastará para repô-lo na sua dignidade.
Mas para isto, estamos supondo que esta legítima con­
vivencia seja natural. Porque é claro que prolongadas con-

( 1 ) Podiamos citar o exemplo de certos internatos. As meninas


comungam tcdos os dias, mas na segunda-feira seguinte a um domingo
de saida muito poucas voltam á meza da comunhão. E' que o colegio
insensivelmente, na melhor das intenções, mas num caminho muito errô­
neo, está adotando para as meninas os processos do seu noviciado.
A EDUCAÇÃO SEXUAL 131

vivencias degeneram em familiaridade, que são sempre peri­


gosas e terminam fatalmente por exceder-se. O mesmo se diga
dos jogos em comum, quando são desmedidos, ou inadapta­
dos ao pudor feminino, e tiram as atitudes de uns e outros dos
limites .do cavalheirismo, que eleva, para a camaradagem, que
vulgariza.
Esta educação que vem de cêdo e se apura na adolescencia
é sobremodo necessaria. Porque, se nas grandes reuniões a que
os pais comparecem ou êles mesmos promovem em beneficio
dos filhos, a vigilância é possível, nas demais opor�unidades
já não é. A vigilância, portanto, não basta. Nas mil ausên­
cias do lár, facilitadas pela educação móderna, os filhos, se­
nhores de si, ficariam escravos das tendências, se estas não ti­
vessem sido disciplinadas pela fôrça interio1- da educação.
Avançamos um passo largo e diremos que uma vigilância de­
masiada seria mesmo contraindicada, porque irritaria os jo­
vens, afastando-os da presença dos pais, para se poderem en­
treter livremente com as suas companheiras.
Chamem-me de ingenuo ou passadista, mas eu gostaria
de ver restabelecidas as antigas festas de famílias, numa a,le­
gria sã e comunicatÍva, presidida pelos pais, que as promo­
viam e animavam. Todos reunidos, cavalheiros e senhoras,
moças, rapazes e crianças, - aprendiam-se as maneiras gentis
e respeitosas, vendo e fazendo, dentro de um ambiente fami­
liar que bastava a todos. E' pena tenhamos acabado os jogos
e divertimentos familiares, onde os sentimentos se orientavam
para um lar, e os tenhamos substituído por clubes, onde se
separam idades, ficando os jovens por sua conta, fóra de um
ambiente doméstico, do qual se vão afastando cada vez mais.
Voltar áqueles antigos e bons costumes é de vantagem para a
educação, como ·tambem é um apostolado em favor da fa­
mília, que a vida dispersiva de nossos tempos está cada vez
mais esfacelando.
132 PADRE � NE GROMON TE

OS NAMôROS
Seria bom que o rapaz, advertido pelo pai dos inconve­
nientes do namôro, deliberasse deixá-lo para o momento opor­
tuno. Mesmo porque as mães, cuidadosas das filhas, não lhes
facilitariam ensejas desmoralizantes. Mas como andamos longe
do ideal ! E' bem diverso o que se dá. O namôro virá, muito
mais cêdo até que seria para esperar. O ambiente em que se
vive, despertando e exc,itando artificial e prematuramente o
instinto, leva até as crianças a frequentações que só deviam
existir como preparação imediata para o casamento.
Um pai cuidadoso não deixará o filho entregar-se a esses
desatinos. Enganam-se os que reputam êsses flirts inofensivos,
como os que teem na conta de cousas inevitaveis nessa idade.
Precisamente por serem nessa idade e serem flirts, são_ inter­
ditos e perigosos. De fato, se ainda não podem pensar em
casamento, essas relações servem apenas para desatar-lhes a
paixão, incendiar a imaginação, transtornar o sentimento.
O moço, excitado pelo pensamento, pela lembrança, pela
figura, pelo desejo da namorada, começa a perder o domínio
de si mesmo, no momento justo em que devia empregar todas
as forças para assegurá-lo. Enquanto se lhe enfraquece a von­
tade, vão se robustecendo as tendências inferiores. Os seus
interesses, os seus estudos, os seus deveres cedem caminho á
paixão crepitante. E' a preocupação. O tempo do estudo,
como o do trabalho ou está tomado pela presença ou pela
lembrança da namorada. Horas inteiras passa debruçado sôbre
os livros, sem conseguir ler uma página, porque o pensamento
está longe. E, se leu, não sabe o que leu.
A paixão crescente lhe domina o espírito. Os desejos
impuros queimam-se as veleidades de pureza. A tendencia se­
xual governa-lhe o espírito e os atos. E' facil vêr como a
mentalidade dêste pobre joven está pansexualizada. Ainda
A EDUCAÇÃO SEXUAL 1 33

mais facil de concluir pela impossibilidade da castidade do


leviano rapaz. Sob os estímulos do espírito excitado, o corpo
tem as suas exigências. O organismo, tocado por forças arti­
ficiais, se torna uma fonte de tentações.
Assim não é possível manter-se nos limites da honesti­
dade. Repetem-se os encontros. Passam-se as fronteiras do
sentimentalismo, num convívio cada vez mais íntimo, em que
o afeto quer sinais tangíveis de manifestação. E' fatalidade
psicológica que esses sinais apareçam - as carícias, os abra­
ços, os beijos .
Não esqueçamos a origem desta afeição. Eu posso con­
viver na mais estreita intimidade com minha mãe e minhas
irmãs. Os seus abraços e os seus beijos nunca me despertarão
um movimento desordenado. ( 1 ) Nunca pensarei em passar
daquelas manifestações naturais do meu puro amor de filho
e de irmão. Mas no caso em fóco a afeição é diferente. Parte
de uma tendência que só se satisfará com a posse.
O moço o percebe, confusa ou distintamente, e procura
se iludir dizendo que saberá se conter. Mas o pai lhe lembrará
que em desfiladeiros tão escorregadios é muito mais facil não
se pôr o pé do que, atirando-se, evitar a queda. Além do que,
se o moço não tem fôrça para resistir ás solicitações de agora,
ainda fracas, como resisitirá mais tarde, arrastado pelo ardor
da paixão ebuliente? E chegará o desgraçado momento em
que, cego pela paixão, levou- á deshonra aquela que dele só
esperava a felicidade.
E' inutil lastiplar tarde demais que "não compreende
como se deu aquilo" . que "nunca pensou em semelhante des­
graça", que "foi um momento de irreflexão. "
Bem melhor teria sido ouvir a voz do bom senso, e não
brincar com o amor.
( 1) A menos que se trate de um anormal ou pervertido pela
corrução.
PAD R I! A. N l! G R O M O N i E
/

MOMENTO DIFICIL
Mas há de chegar, afinal, o momento em que o moço
queira realmente escolher aquela que será mais tarde a mãe dos
seus filhos. Emprego propositadamente esta expressão, em
lugar da corrente - companheira da vida. E' que logo aqui
deveremos dar a entender que o casamento não é cousa que in­
teresse simplesmente aos cônjuges, mas é feito em vista de um
fim superior, não puramente individual mas social. O moço
deve estar bem compenetrado disto, para buscar no matrimô­
nio não a satisfação dos sentidos, mas a geração dos filhos.
Em vista disto - cousa, aliás, tão razoavel - a escolha
dá esposa devia ser feita a sangue frio, calculadamente, e não
como é feita por aí, ao acaso dos encontros, ou por critérios
ainda mais desprezíveis. Nem me digam que é cousa impos­
sível. Pois, sendo o homem muito mais forte, menos senti­
mental e mais raciocinador, ser-lhe-ia mais facil dominar-se e
escolher a donzela mais em condições de lhe dar uma progénie
s ã qe corpo e pura de espirita. Questão de querer, e querer de
verdade, empregando os meios para isto. Não seria tão difícil.
Bastava escolher primeiro a joven e depois namorá-la.
Talvez pareça ingenua esta opinião. Não faltará mesmo
quem a ridicularize. "Cousa de padre! Bem se vê que nunca
amou . " Serã0- possivelmente os defensores do exame pré­
nupcial 1 . Ora, será muito mais facil, incomparavel, infi­
nitamente mais facil conseguir uma escolha a sangue frio do
que impedir um casamento nas vésperas.
De qualquer maneira, insistimos em que o namôro se dê
quando ambos estiverem em condições de se casar. E o moço
que sentir maiores dificuldades para guardar a castidade de .
solteiro não deve protelar muito o casamento. Enganam-se os
que pensam que para esses o noivado é um remedia. O noi­
vado tem sido, ás ·vezes, um meio de conduzir alguns moços
A EDUC AÇÃO S E X U A L 135

para o bom caminho. Mas tem sido ocasião para numerosas


quedas - como vimos acima. Por isso, os noivados não de­
vem ser longos, principalmente quando há encontros frequen­
tes. E' condenavel que um estudante, mal começados os cursos,
esteja noivando, para casar quando se formar. Todos com­
preendem os riscos que corre a virtude deste joven.
Estabelecido o noivado, seria igualmente perigoso entrar
nas intimidades que acima condenamos entre os namorados.
Na capítulo anterior já apontamos as razões desta condenação.
E os moços, se puzerem de parte a paixão, nos compreenderão
melhor do que as moças. "Mas já sou noivo .
Tambem eram noivos aqueles 1 1 1 insensatos que desvir­
ginaram as pobres noivas da estatística que tambem citamos
no mesmo capítulo. "Mas ficamos em casa com a família"
Distinguir é bom para esclarecer. Com a família, isto é, á
vista da família, convivendó com a família - está muito bem.
Mas em casa . com a família lá para um lado, e vocês so­
zinhos - está muito mal. Estamos falando a linguagem da
razão, sem outras preocupações que não sejam a defeza dos
bons costumes.
Fui vigário. Quantas vezes, os pobres noivos aflitos me
vieram pedir pressa no casamento, com mêdo ás consequências
de "um momento de loucura" E quasi sempre era na própria
casa da noiva. Num desses casos, a noiva me contou, entre
soluços, que o fato se dera na sala de visitas, enquanto a fa­
mília inteira conv�sava na sala de jantar. Repito aqui as pa­
lavras textuais daquela vítima de tantas imprudencias, porque
conteem uma lição tremenda : - "Se hoje vivo envergonhada
é porque minha mãe nos abandonou, entregando-me a meu
noivo! "
Na supra citada estatística de crimes sexua�s. em 654
crimes 25 1 se deram na própria residência da moça. Quere­
mos criar uma disciplina interior, que sustenta ·as fraquezas da
136 PADRE � N E G R O M O N TE

carne, mas não acreditamos em nenhuma disciplina capaz de


resistir, quando se abrem todas as válvulas e facilitam todas
as ocasiões de cair. Com um instinto tão imp.?tuoso o melhor
é não facilitar.

AS PORTAS DO CASAMENTO
O pai que educou realmente o seu filho não o deixará ir
agora para o casamento sem lhe dizer uma palavra sobre a
vida conjugal. Que o moço não fique pensando que tudo lhe
será permitido no matrimônio, mas saiba que dentro das três
finalidades do sacramento - geração de filhos, remedio á con­
cupiscencia e demonstração do amor conjugal - êle pode usu­
fruir tranquilo os seus direitos de espôso.
Isto um bom pai deve dizer ao filho, em qualquer hipó­
tese. Se este moço não foi casto antes do matrimônio, arrisca­
se a novas faltas em face das exigências da moral conjugal. Se,
a6 contrario, foi um puro, precisa de uma iniciação pre-nup­
cial, não no sentido de uma experiencia sexual condenada pela
moral, mas de uma palavra clara e franca.
Conheço o caso de uma senhora que tomou á parte o
futuro genro na vespera do casamento e pediu que tratasse
com respeito e muita moderação a filha que ela lhe ia entregar
no dia seguinte. Era isto que o pai devia dizer ao filho, para
evitar o desgôsto que tantas jovens padeceram e ainda outras
padecerão com as realidades um tanto brutais com que não
contavam, e lhes causaram tantas decepções, chegando mesmo
a tragédias.
Além disso o pudor feminino tem delicadezas que o ho­
mem deve conhecer. Basta, de certo, uma bôa formação geral
�ara evitar excessos.
Assim como dissemos da mulher, digamos <JUe o homem
A EDUCA ÇÃO S EXUAL 13 7,

deve compreender a psicologia feminina. A esposa pensa . nas


alegrias do coração, enquanto o homem lhe dá, quasi sempre,
o segundo lugar. Dous casos esclarecerão de sobra o nosso
pensamento e orientarão a vida do joven esposo. Num, a mu­
lher se tomou de horrível desagrado � vida conjugal e chegou
á separação, porque o marido não lhe respeitou o pudor na
noite de núpcias. Noutro, a esposa se enojou do marido por­
que êste atribuiu a tristeza dela á continencia que êle estava
guardando - e ela sentia apenas a falta de seus carinhos. Em
muitos outros, o desembaraço, a precipitação, a falta de deli­
cadeza, a violencia dos instintos mal governados, a preocupa­
ção demasiada co·m as relações sexuais magoaram a sensibili­
dade delicada da joven esposa, feriram-lhe o pudor, e criaram­
lhe no espírito um incuravel desgosto á vida matrimonial. ( 1)
E' preciso que o marido poupe a esposa. Que êle não
pense somente em si : pense nela tambem. Saiba ser generoso,
abrindo mão de seus desejos quando a sua frequência ou ino­
portunidade a maguariam. E sobretudo que não dê essa im­
pressão - lamentavel aos olhos femininos - de que casou
para ter mulher ! São frequentíssimas as queixas das senhoras
a este respeito. Só ·nessas ocasiões os maridos se mostram ca­
rinhosos ; isto mesmo, uma vez .satisfeitos, metem-se de novo
no seu egoísmo. "Os homens só nos querem para isto" - é
a frase que corre entre as jovens esposas decepcionadas.
Ainda pode ser pior. Não faltam os que, pensando que
tudo lhes é permitido, querem impor á conciência da esposa
uma nova moral imoralíssima, que a esposa de maneira alguma

( 1 ) Era a tradução da palavra de Raoul Plus em " La Chasteté du


Mariage " ·: " En théorie, il sait bien que la femme n'aime pas comme
l'homme, qu'elle se plait aux compliments, aux c!âlineries, qui, facile­
ment, l'importunent. En ;pratique il se figure être aimé cornme il aime,
et ne calculera pas que l'omission d'une parole aimable ou d'un joli
geste attendu, peut avoir l'importance d'une catastrophe ".
138 P A D R E A. N E G R O M O N T E

poderia aceitar. Não cabe aqui urna exposição dos males mes­
mos físicos do neo-maltusianisrno, quando é certo que não lhe
faltam nem lamentaveis cor.sequencias psíquicas. ( 1 )
Mas o marido tem, como é evidente, o claro e grave dever
de respeitar a saude e o bem moral da esposa. E deve pensar
que, se a esposa não tem coragem de lhe resistir --. como aliás
é o dever - nem de se separar dele - há uma outra separação
que se dará infalivelmente : a do espirita e do coração.
Só uma sólida educação, só uma bem feita formação
moral, só um completo domínio de si mesmo, só uma visão
elevada do matrimônio, uma grande delicadeza para com a
esposa e um grande amor aos filhos, tudo isto firmado e dou­
rado pelo esclarecido e vivido sentimento será capaz de esta­
belecer no lar aquela sonhada felicidade, que prouvera a Deus
fôsse mais frequente.

( 1 ) Cfr. Dr. Ervin Woffenbiitel - A regularização cientifica da


natalidade, e Dr. D. Guchteneere - La limitation des naissanccll.
A MÃE E A FILHA
Já ficou acentuado o gran.de papel da mãe na educação
sexual da infância. E' ela que recebe, na confiança ilimitada
dos filhos, todas as perguntas, sem distinção. Aparecem, de
envôlta, as perguntas ingênuas mas embaraçosas das cousas
misteriosas da geração. E' a mãe que as deve responder, por­
que foi ela .a interrogada. Vimos até que não precisa ter
preocupações neste sentido: - desde que captou e manteve a
confiança dos filhos, as perguntas veem tão naturais, que dis­
pensam as iniciativas e os cuidados. Também é verdade que
qualquer mãe, mediocremente instruída, ou até sem instrução,
é capaz de satisfazer a legítima curiosidade infantil. A tarefa
é muito mais do amor materno, do tato e da delicadeza femi­
nina, que dos conhecimentos técnicos. Nisto a mãe é insubs­
tituível, como em tantos outros misteres. E só na sua au­
sência ou impossibilidade é que outrem lhe poderia tomar o
lugar.

EM LUGAR DO PAI
Até a puberdade, os filhos - meninos e meninas - es­
tiveram todos aos cuidados maternos. Aí, o rapazinho, cioso
do seu sexo, rião quererá mais se dirigir à mãe. O pai, que
tivera até então um papel secundário, passa a ter o primeiro,
140 P A DRE � N E GROMON T E

ou mesmo o exclusivo. Mas pode também acontecer que o


filho não queira se dirigir senão àquela que já o conhece tão
bem. Ouve o que o pai lhe diz, mas as confidências ainda
pertencem ao coração maternc. Ou então - o que infeliz­
mente é comum - o pai não se importa com a educação dos
filhos. Diz mesmo, lavando as mãos como Pilatos, que isto
fica entregue à mulher, porque êle "tem mais em que se
ocupar . " Ou ainda - outro caso frequente - é homem
sêco e esquisito, trata o filho como um estranho, nunca con­
versou com o menino, não tem "tempo a perder com crian­
ças " , e agorjl, mesmo se quiser, não tem a confiança do rapa­
zinho, e não lhe . pode falar, e menos ainda ouví-lo !
Em todos êsses casos, é a mãe que cuidará da educação
sexual dos filhos adolescentes. Bem mais difícil missão ! As
afirmações sexuais âo mocinho o distanciam da mãe, e esta
se sente diminuída na própria autoridade, e mesmo embara­
çada para falar. Falta-lhe aquela expressão de fôrça que só
os homens teem, e aquele tom de quem experimentou em si
o que diz ao filho. Mas que fazer? O que ela não pode é,. na
solicitude do coração materno, deixar que o filho se perca
nas iniciações clandestinas, inevitáveis si as legítimas lhe fal­
tarem. E, vencendo todas as dificuldades ou mesmo todas as
repugnâncias · naturais, falará. E' uma necessidade falar. Fi­
cará muito menos perfeita a educação feita por ela, mas é
o único meio - uma vez que o marido não quer ou não pode
fazer.
Devo dizer, para alento das mais tímidas, que conheço
várias senhoras que falam corajosamente aos filhos rapazes.
Umas porque são viuvas e assumiram necessariamente os ofí­
cios do pai, que Deus levou ; outras, porque, no caso, é como
se fôssem viuvas ; e outras, porque antes fôssem viuvas . E,
como sempre, todas colhem resultados bons, embora desiguais.
E todas são unânimes em dizer que a dificuldade maior está
A ED U C A Ç ÃO SEX U A L 141

e ni começar : - urna vez tendo começado, o mais se aplaina,


e falam com urna facilidade e um desembaraço, de que elas
mesmas se admiram. E' que não faltam os auxílios divinos a
quem quer fazer bem o seu dever.
Nesses casos, o caminho a seguir é o que foi indicado
no capítulo anterior.

A ENTRADA NA PUBERDADE

Normalmente, porém, o adolescente ficará aos cuidados


do pai, e a mãe se encarregará agora simplesmente da mocinha.
Agora, a filha já não é menina, mas também não é moça.
Ou, por outra, é "menina e moça" - corno na conhecida no­
vela de Bernardiµi Ribeiro. As modificações do organismo
estão se revelando mais no espírito do que no corpo, exterior­
mente. Ela se sente inquieta, preocupada, cismadora. Modi­
fica-se. Torna-se às vezes, desobediente, respondona, autori­
tária. Alterna, sem aparentes motivos, "sem se saber porque" ,
a tristeza e a alegria. Retrai-se. Procura menos, muito menos
a mamãe, e dá todas as preferências às amiguinhas. Gosta
muito mais dos passeios, muito menos de casa. Preocupa-se
demais consigo mesma. Dá-se os ares de uma pequena prin­
cesa, arisca e caprichosa, querendo que tudo lhe corra bem e
sem dificuldades. Está vaidosa como nunca.
A mãe, - coitadas das pobres mães! - anda muito
mais preocupada ainda. Que menina! Está ficando impossí­
vel! Tem feito cada uma! . E a pobre mãe tem s�do vista,
às vezes, na costura ou na alcova, sozinha, pensativa, o co­
ração oprimido, os olhos cheios de lágrimas ! Oh! os corações
de mãe! Eu os tenho sentido muitas vezes nos seus desa­
bafos e confidências. E, nesses casos, quando elas me dizem
que "já não sabem mais o que fazer", eu lhes respondo que
1 42 P A D R E A. N EG R O M O N T E

deixem o tempo passar O tempo é o grande terapeuta da


adolescência. Assim como trouxe o "mal" . assim o levará.
Essas modificações são produzidas, aliás, pelas modifica­
ções do organismo. As que se revelam exteriormente podemos
mesmo dizer que são inferiores às que se passam interiormente
- ou são consequências delas.
Essas modificações exteriores são por demais conhecidas,
- nem as precisamos descrever. Reputamos mesmo um êrro
terem certos autores feito descrições minuciosas das formas -
o que nem dá utilidade ao estudo, nem deixa de ser pouco
conforme ao pudor.
Mas as modificações internas são de grande valor. Im­
porta não desconhecê-las. O papel dos ovários e do útero é
da máxima importância. :êles orientam a vida da mluher. E'
precisamente neste momento que êles começam a funcionar.
As mães não deviam ignorá-lo ; as filhas também precisam
de saber.

DIFERENÇA TOTAL
Já dissemos, ao falarmos do moço, a importância das
glândulas sexuais para o organismo. Vimos c;omo todas as
atividades humanas lhes estão, em grande parte, subordina­
das. Vejam bem : - todas as atividades humanas, e não só
as atividades fisiológicas. Não nos podemos demorar no as­
sunto ; mas há experiências feitas nos animais, e observações
feitas nos homens. A ablação das glândulas sexuais dá aos
animais machos, como daria ao homem, caraterísticas femini­
nas, e vice-versa. Os pêlos dos bois, por exemplo, em deter­
minadas raças, é semelhante aos das vacas. Nos frangos cas­
trados as penas tomam desenvolvimento diferente das do galo,
a crista e as barbelas não crescem, perde-se o instinto com­
bativo, o c�nto desaparece ou se assemelha ao mero cacarejar
A EDUCAÇÃa S E X U AL 1 43

da galinha. . Entre um frango castrado e uma franga a que


tiraram os ovários há uma enorme semelhança. ( 1 )
A secreção interna das glândulas sexuais é que dá ao ho­
mem e à mulher os seus caraterísticos. Esta secreção, lançada
ao sangue, dá "aos tecidos, aos humores e à conciência as suas
caraterísticas masculinas e femininas, e a todas as nossas fun­
ções o seu caráter de intensidade" (2)
O bom ou mau funcionamento dessas glândulas influe,
portanto, sôbre todo o organismo. O dr. Nicolau Ciancio,
num livro de divulgação científica, aliás muito interessante e
útil ( 3 ) , comparou o produto das secreções internas com o
tempero da comida : "um pouquinho de sai ou de pimenta
basta para dar o "gôsto" a um inteiro prato de comida, um
miligrama de extrato da tiróide ou do ovário basta para mo­
dificar o organismo de uma pessoa" .
Tenhamos, po1s, como certa a necessidade do bom fun­
cionamento dos órgãos sexuais internos da mocinha para o
seu desenvolvimento e sua normalidade. Se, como vimos aci­
ma, a secreção ovariana impregna todo o organismo, podemos
então afirmar que a diferença entre o homem e a mulher não
se dá apenas pelas diferenciações sexua,is. E' muito mais pro­
funda. Passa à própria estructura dos tecidos, e é verdade
aquilo que disse Carrel :, - "Cada célula do seu corpo tem o
sinal do seu sexo" .
E', portanto, essa secreção interna que faz a verdadeira
diferençiação sexual. A melhor e mais prática prova disto está
precisamente na puberdade. Agora, com o início do funcio­
namento dessas glândulas, � que se faz sentir nos indivíduos
e para êles a diversidade sexual.

(1) Cfr. Tales Martins - Glândulas Sexuais e hipófise anterior.


( 2) Dr. Alexis Carrel - O homem, êsse desconhecido.
(3) Nicolau Cíancio - Livre das Moças.
1 44 P A D RE � NE OROMO N T E

ADVERT�NCIA NECESSÁRIA
E' com o funcionamento dos ovários que se dá o fenô­
meno da menstruação. Varia um pouco a idade em que isto
possa aparecer. Entre nós, graças ao clima, vem sempre um
pouco mais cedo: cêrca dos 12 'anos. Há casos excepcionais
de vir muito antes - mesmo aos 8 anos. Mas, excepcionais.
Quando passar dos 1 6 anos já convem consultar o médico : é
para suspeitar uma anomalia.
A mãe deve estar muito atenta, em qualquer caso, para
não deixar que a filha seja surpreendida pelo fenômeno. A
surpreza seria grande e desagradavel, podendo ter efeitos muito
mais graves do que muitas imaginam.
Sei que muitas mães ainda estão vítimas de prejuízos
nesse particular. Por cousa alguma quererão falar disto à sua
filha. Peço-lhes que procurem se lembrar dos transes angus­
tiosos por que passaram ou da mestra que tiveram para os cui­
dados indispensáveis ao fenômeno. Envês de aprenderem isto
com elevação e respeito dos lábios da própria mãe e -recostadas
carinhosamente . sôbre o coração materno, foram aprender no
fundo da casa, duma criada sem elevação, por entre garga­
lhadas desmoralizantes. O próprio Balzac já tinha observado
que tudo o que a mãe procurou severa e cuidadosamente cons­
truir na filha até esta idade, uma simples criada destroi com
uma palavra ou com um gest�. Queixem-se de si mesmas as
mães, se as filhas não foram preparadas :com dignidade, se
não encaram o fenômeno com elevação. Vejam, por exemplo,
o tom de zombaria com que as moças falam do assunto, corno
se fôsse uma ridicularia, ou o falso pudor de outras que re­
putam como verdadeiramente imoral e pecaminosa uma sim­
ples alusão a isto. A culpa é das mães que deixaram as filhas
ser instruídas por quem não tem capacidade moral, ou as dei­
xaram entregues aos próprios devaneios.
A EDU CAÇÃO SEXUAL 1 45
Imaginem também os sobressaltos da pobre mocinha, se
o fenômeno lhe sobrevem sem que ela saiba de que se trata.
Aquela perda do precioso líquido da vida é mesmo para assus­
tá-la. De onde vem ? Que terá acontecido ? Falar à mamãe
- ela não falará, se não, estiver acostumada a falar essas cousas
à mamãe. Consultar o médico - nem llie passa pela cabeça,
senão como um espantalho, uma terrível ameaça cuja vergonha
ela já começa a sentir, apavorada com a demora do estranho
mal.
Uma estatística feita por Filt na Inglaterra ( 1 ) revela
que 25 % das moças não tinham sido preparadas, tendo por
isto muitas experimentado grandes sustos, com ataques ner­
vosos, com providências prejudiciais à saude física e mental.
Entre nós, creio que a porcentagem será imensamente maior,
porque são raríssimas as que tiveram a felicidade de ser devi­
damente avisadas.
São inúmeros os testemunhos de senhoras, cuja entrada
na puberdade constituiu uma verdadeira tragédia, cheia de ina­
pagáveis vestígios. Demos textualmente o depoimento de En­
gelman, cujas observações foram muito numerosas nos Esta­
dos Unidos : - "São em grande número as senhoras a quem
o medo, a excitação nervosa, a exposição ao frio fizeram doen­
tes durante a puberdade. Nada mais natural do que a mo­
cinha, surpreendida por uma perda de sangue, súbita e inex­
plicavel, procurar fazer cessar a hemorragia que ela supõe pro­
vir de algui:n ferimento. E' frequente nesses casos, o emprêgo
da água fria e de compressas frias. Algumas tentam deter o
fluxo com banhos frios, como aconteceu a uma donzela, que
se tornou depois uma mãe doentia, tendo sofrido durante
anos, por causa dessa imprudência. A terrível experiência não

(1) Cit. por H. Etlis - A educação sexual.


1 46 P A D R :E A. NEGROMONTE

foi perdida ; ·- e, lembrada do que sofreu, deu u filbu lições


que poucas teem a sorte de receber, concernentes ao cuidado
que se deve ter nos períodos de atividade funcional necessárias
à saude da mulher" ( 1 )
Bem seria para desejar que as mães brasileiras, pensando
no que sofreram a êste respeito, preparassem as filhas, pou­
pando-lhes os sobressaltos, os padecimentos ou a fonte infor­
mativa que tiveram. Sim, porque isto pode ter consequências
ainda mais graves. Havelock Ellis refere de uma jovenzinha
de 15 anos que se precipitou ao Sena, em Saint-Ouen ; salva, e
interrogada na polícia, respondeu que fôra levada ao suicídio
por se achar atacada de uma "moléstia desconhecida" - a
qual o inquérito revelou ser a mais natural de todas, e que
muito mais merece o nome de saude. E' evidente que aquela
mãe foi a verdadeira culpada desta tragédia. Ela devia ter
educado a filha. Do mesmo teor é o que lemos no prof. W .
Liepman, (2) que reuniu grande número de testemunhos.
Num deles declara a depoente que esteve gravemente enferma,
graças ao pavor experimentado com as primeiras regras.

A PALAVRA MATERNA

Por tudo isto, a menina deve ser prevenida do que vai


. acontecer. A mãe a chamará e lhe dirá, antes que aconteça.
Cousa normal e não mórbida, sinal certo de que ela já não é
menina mas sim moça, começa a ser aguardada com alguma
superioridade, tranquilamente, com uma certa anciedade mes­
mo - e teremos eliminado os graves riscos da ignorância e
da surpresa.

( 1 ) Engelman - The health of American girl.


(2) W. Liepman - Jeunesse et sexualité.
A E D UC A Ç Ã O S R X U A L t 4z

Porque é preciso saber também que tste momento l, por ·


si, um momento de agitação psíquica. Acusa, ainda nos casos
mais normais, uma excitação nervosa, uma irritabilidade, uma
maior sensibilidade de espírito, certa tristeza. Um momento
agudo, fisiológica e psicológicamente.
E' sabido que um traumatismo qualquer, um estado de
espírito, uma preocupação demasiada, um susto, as emoções,
podem influir desagradavelmente sôbre o catamênio . . Pode di­
minuí-lo ou mesmo detê-lo.
Ora, seria gravemente prejudicial à saude da jovem que
logo na primeira menstruação ela se visse perturbada, assus­
tada, desorganizando assim a boa marcha de funções que tanta
influência exercem na vida feminina.
Mais um motivo para ela ser prevenida e prevenida ,pela
própria mãe. Porque a mãe terá também o cuidado de pre­
parar o ânimo da filha, para que esta receba com elevação o
que vai acontecer. Por causa dos incomodos e aborrecimentos
naturalmente ligados à perda de sangue, dos cuidados que exi­
ge, e mesmo dos reflexos patológicos que quase sempre a acom­
panham, muitas mocinhas recebem com indignação o fenô­
meno menstrual. :Zangam-se, irritam-se.
Vem daí uma série de males. O sentimento de inferiori­
dade em face do sexo masculino. Grande número de moças
preferia ser homem - o que lhes dá à vida um certo ar de
resignação, quando deviam estar contentes e honradas com a
condição de mulheres. Outras vezes, descontentes com serem
mulheres, recorrem a meios de estancar ou diminuir as regras,
para podetem se entregar mais facilmente aos seus esportes ou
cuidados sociais. E' que não lhes ensinaram a significação e
o valor das suas funções, o papel que elas exercem na vida,
na missão da mulher. E' claro que o estado de espírito se
reflete sôbre as funções do corpo - e a verdadeira educação
deve cuidar igualmente dos dois.
1 48 P A D R E A. N E G R O M O N T E

ALGUNS CUIDADOS
E' preciso que a mocinha comece desde cedo a conhecer
o próprio organismo, para saber respeitá-lo. Quando ela sou­
ber a importância enorme do bom funcionamento ovariano e
os seus reflexos, também saberá respeitar e estimar, no seu de­
vido valor, o fenômeno mensal que o regula. Importa, pois,
que a mãe ensine à filha como se há-de portar, não só durante
aqueles dias, mas sempre, para garantir a saude.
A jovem suportará com relativa facilidade as privações
dos divertimentos (bailes, esportes, excursões) , dos gostos pes­
soais ; fugirá das emoções ; tomará precauções contra o frio, a
variação da temperatura, a chuva ; poupar-se-á trabalho ex­
cessivo, cansaço ; submeter-se-á ao repouso e à tranquilidade
durante aqueles poucos dias - quando estiver bem infor­
mada do bem que tudo isto lhe fará e dos males que uma sim­
ples imprudência lhe poderá acarretar.
Se a mãe lhe dissesse que as insônias, as tristezas ,em
que ela fica sem saber por que, o cansaço que sente sem m9-
tivo, a inapetência, a variabilidade de !ânimo, a prisão de ven­
tre, a palidez, o estado da pele, as dores de cabeça, e até óu­
tros males mais graves lhe podem ser. trazidos por suas im­
prudências, logo a interessada tomaria as precauções tão pre­
ciosas quão fáceis e benéficas.
Os médicos estão hoje aconselhando um verdadeiro re­
pouso da moça, principalmente da adolescente, durante os
dias da menstruação. Na Inglaterra, no� Estados Unidos e
mesmo entre nós já há quem advogue para as moças as férias
mensais, individuais, segundo a época de cada uma, quer para
as alunas quer para as professoras e demais funcionárias. So­
mos de opinião que os pais não deveriam nunca deixar as fi­
lhas jovenzinhas fazer concursos, provas e exames, se elas es­
tiverem neste período de atividade funcional.
A EDUCAÇÃO SEXUAL 149

Mas não pensem as mães que podem tomar essas provi­


dências sem as filhas saberem por que. Não. E' de toda van­
tagem que estas ajam concientemente. Isto facilitará imensa­
mente a tarefa. Ou antes : é o único modo de realizá-la. E'
claro que a mocinha ficará radiante se a mãe lhe disser : -
"Não irás esta semana à escola" Mas talvez ficará indignada,
tendo emoções que lhe queriam poupar, se lhe disserem : -
"Não irás ao baile, não tomarás parte no torneio esportivo,
não assistirás ao jogo dos argentinos com os brasileiros" . Se,
porém, ela estiver informada dos verdadeiros motivos, lasti­
mará, de certo, e se conformará em se privar das diversões,
embora com mais dificuldade do que se conformou em não ir
à escola . "Ninguém ignora que os incomodas da menstrua­
ção são originados, em grande parte, pela vida mundana, ar­
tificial, febril e agitada dos grandes centros. As mulheres do
campo, que vivem ao sol e ao ar livre, levando urna existência
calma de costumes simples, são melhor menstruadas que as da
cidade, e não conhecem os incomodas que essas padecem" .
(Dr.. Surbled)

O ORGANISMO DA MULHER

A mulher não tem apenas o direito, tem também o dever


de conhecer o próprio organismo, sem excetuar os órgãos que
Deus reservou diretamente para a geração, e que exercem tão
grande papel no conjunto orgânico.
Importa conhecer a delicadeza do organismo feminino,
para o respeitar devidamente. Principalmente a extrema sen­
sibilidade daqueles órgãos a que a Divina Providência confiou
a delicadíssima função de produzir novas vidas.
A ignorância neste particular pode ser, como vimos, de
muito lamentáveis consequências. E' por não saber condu-
1 50 P A D R E A. N E G RO M O N T E

zir-se, poupar-se nem se respeitar que muitas pagam mais caro


o tributo que a Natureza lhes impôs, aliás sem grandes ri­
gores. Vítimas da própria imprudência ou leviandade, dos
próprios caprichos ou descúidos, atribuem a Deus, com lásti­
mas e imprecações, o que deviam penitenciar em si mesma!i.
Prega-se ainda, infelizmente, a perigosa teoriã da igual­
dade dos sexos. Nada mais falso. E' por ela que as mocinhas
se atiram a tudo o que fazem os rapazes, como se os direitos
fôssem iguais, como se os organismos fôssem idênticos. Claro
que não falamos do ponto de vista moral. Neste são perfeita­
mente os mesmos os direitos. O que pode fazer um rapaz,
também o pode a moça ; e se esta não puder é que também
aquele não pode. Em face da lei moral são inteiramente
iguais. O mesmo não se dá fisiologicamente. Já vimos que
há uma diferença tão profunda entre homem e mulher que
atinge a todo o organismo, a cada célula.
Cada um tem de se tratar de acôrdo com a própria na­
tureza, sem reformá-la. Dissemos, pouco acima, que cada
aluna ou funcionária precisa, em rigor, de 4 a 5 dias de férias
todos os mezes. Ninguém irá dizer a mesma cousa dos ho­
mens, porque o seu organismo é diferente. Em face da fisio­
logia não é apenas ridículo querer equiparar os sexos : - é
perigosíssimo.
Precisamos convencer disto as nossas meninas e moças.
São as pretensões insensatas neste particular que dificultam
as funções caraterísticas da mulher. E se queixam depois !
No que concerne aos esportes, as mocinhas devem saber
o que lhes convem e o que não convem. Todos nós temos o
dever, mais do que o direito, de cuidar da conservação e ga­
rantia da saude. Os esportes, moderados, estão ao alcance de
todos, e trazem apreciáveis resultados. Não os podemos inter­
dizer à mulher, contanto que não atentem ao pudor nem se
tornem contraproducentes à saude.
A E D U C AÇ ÃO S E X UA L 15t

Sendo a mulher menos resistente que o homem, os seus


exercícios tomarão isto em consideração. Os excessos fazem
mal não apenas à saude, mas também à beleza feminina. A
mulher com formas de atleta é detestavel. O esporte feminino
não irá até o atletismo, mas · ficará nos intúitos do desenvolvi­
mento harmônico do corpo, da higiene e da estética.
Os entendidos aconselham os movimentos que desenvol­
vem particularmente os músculos do abdomen (por causa dos
esforços que a maternidade lhes exige) e do torax (para au­
mentar a capacidade respiratória, que é fraca nas mulheres) .
Recomendam igualmente a natação, o tenis e principalmente a
marcha a pé. E condenam, em geral, todos os exercícios que
masculinizam a mulher. Principalmente na puberdade, no
momento ".em que o útero aumenta de volume, por urna subs­
tituição do tecido conjuntivo pelo tecido muscular, e o ová­
rio, por urna radical e profunda modificação da sua estru­
tura, se integra na função correspondente. Neste período de
crescimento, são tão graves as consequências dos exercícios fí­
sicos· masculinizados, que não só pode degradar-se a função
sexual, como ainda contrair-se essa âoença tão generalizada
da clorose com palpitações cardíacas, da época pre-púbere e
pubertária" ( 1 ) Donde é preciso concluir pela moderação
dos referidos exercícios durante a puberdade e mesmo pela
sua abstenção nos dias delicados do catamênio.
Não se deve perder de vista que a grande função a que
Deus destinou a mulher é a maternidade. Tudo nela se en­
caminha para isto. Deve se encaminhar. O que contrariar
êste nobre fim - a verdadeira grandeza da mulher - é tam­
bém contrário à natureza : tende a desfazer e não a aperfeiçoar.
Ora, uma das mais desastradas consequências dos esportes

( 1 ) Dr. Jorge Calado - O exibicionismo desportivo feminino -


in Brotfria - frv. de 1939.
152 P A DRE � N E GR O M O N T E

na mulher é a defqrmação da bacia. E ' precisamente na pu­


berdade que a bacia aumenta, para se tornar o precioso es­
crínio que mais tardê- comportará o filho antes de vir à luz.
Ao da mulher que naquele tempo, por exercícios impróprios
ou imoderados, lhe reduziu o diámetro, masculinizou-a, aper­
tando-a, endurecendo-a. Queixe-se de si mesma, se a materni­
dade lhe impuser perigos tremendos, ou mesmo se não se pu­
der dar naturalmente, mas exija os rigores arriscados. das· in­
tervenções cirúrgicas.
Junte-se a isto o perigo ainda maior de quererem, c·om
medo a novo parto, evitar a procriação, criando urna situação
insustentavel para a vida conjugal ou atentando contra as leis
divinas e naturais, com o detestavel crime que é usar do
matrirnônio impedindo-lhe o principal efeito, por m�ios
positivos. a
O ciclismo, que hoje as mocinhas estão generalizando
cada vez mais entre nós, é um desses rna,léficos esportes cujas
desagr.;'dáveis consequências chegam "a determinar a rigidez
do perínéo, a ponto de impedir o parto e tornar necessária
uma intervenção cirúrgica" . ( 1 ) Isto se aplica igualmente à
equitação. São também cheic:,s de perigos os exercícios de
saltos e as corridas.
Tudo isto é de vantagem, de grande vantagem mesmo,
qué a mãe explique à filha. Talvez fôsse desnecessário, mas
não queremos deixar de dizer que não será tudo explicado de
uma vez, nem somente em face dos inconvenientes. Os mo­
mentos se apresentarão por si e ditarão a oportunidade das
conversas. A mocinha irá sabendo, ao mesmo tempo; as van­
tagens e os perigos - para não cairmos nos males que dese­
jaríamos evitar.

(1) H. Ellis - A Educação ·sexual.


A EDUC A Ç Ã O S E X U A L

Também aquí a mãe se pode valer de certos manuais,


que não reputo vantajosos nas mãos de todas as moças, mas
serão um valioso auxiliar às mães que não sabem dizer as
cousas, ou simplesmente não sabem.

JA' QUER NAMORAR


E' agora, nesta fase delicada da vida, que aparece na
mocinha aquele vago e inexprimível desejo de agradar aos
moços, de lhes chamar a atenção, de ser amada. A medida
que o corpo se transforma, transforma-se também o espírito.
Reflexiva, cismadora, toma conciência das tendências que vão
despertando, sem saber embora encaminhá-las, nem talvez
discerní-las. E' verdade que se perturba diante dos olhares dos
homens, que-�utrora nem-notava; mas é também verdade, que,
apesar-disso, os procura e os deseja.
Não tardará o dia em que, entre os vários rapazes com
quem convive, a-mocinha já não tenha escolhido um. Os pais
ou ignoram ou fingem ignorar. E muitos explicam mesmo
que é cousa da idade. Outras vezes, é objeto de pilhérias e
zombarias em casa.
E' evidente que tudo isto está errado. Ainda não é tempo
para cuidar de casamento -·- e a mocinha não o pode fazer.
Os pais que ignorassem os passos de sua filha não estariam
à altura de sua missão. E não sabemos qualificar o procedi-
mento dos que fingissem ignorá-los, deixando. a juventude
desarvorada se encaminhar por caminhos perigosos. Ainda
pior, se isto é motivo de brincadeiras em casa - o que vale
uma aprovação e um estímulo.
Não será também com reclusões, com proibições de toda
ordem, que se orientará a adolescente, em quem a própria
idade, acordando os instintos, pôs o problema. E' a hora para
1 54 PADRE .A. NEGROMONTE

mais uma confidência das duas amigas - mãe e filha. E' o


momento de lhe dizer, com palavras cheias de carinho e de
entusiasmo, a grande missão da mulher. A maternidade lhe
encherá o futuro. Hoje, mais do gue nunca, é preciso que as
mães verdadeiramente dignas da sua missão, deem às filhas
a estima do seu grandioso instinto. Em face do combate que
o mundo corrompido move à procriação, é necessário desper­
tar, desde cedo, o amor ao sentimento maternal. A mocinha.
em face disto, aprende a prezar a própria dignidade, prepa­
rando-se desde já para ser mãe.
Ou não se convencerá com facilidade. Objetará que as
outras namoram. E' facil mostrar que as outras andam erra­
das. E' cedo demais para pensar numa cousa que só muito
mais tarde pode ser realizada. E' agora o momento de dizer
à filha o verdadeiro sentido do namoro : estuclo mútuo, para
se conhecerem e saberem se, unindo-se, poderão ser felizes .
Teoricamente , fica adiado o namoro.
Mas, na prática, as cousas são menos lógicas. Se a mãe
não souber encaminhar a filha, o mal não se evitará. E' pre­
ciso proporcionar às mocinhas um ambiente de vida capaz de
entretê-las e satisfazer-lhes á psicologia. Isto é, sem dúvida,
um trabalho de suma importância, para as moças como para
os rapázes. A mãe deve procurar todos os meios de fazer que
o lar lhes baste o mais possível. Deve ser-lhes familiar e con­
fidente como se fôra da mesma idade, procurando nunca en­
velhecer, para. poder compreender-lhes o espírito e satisfazer­
lhes o coração, até o tempo de se orientarem na escolha da
vocação.
Mas disto, como do trabalho, da ação, das obras sociais,
falamos à parte, tratando da formação geral. Aliás já repeti�
mos até que um dos melhores modos de educar sexualmente
é afastar do assunto as preocupações do �ducande>, seJ!l que êle
9 perceba.
A EDUCAÇÃO SEX U AL 155

ELA E �LE
Mais tarde, chegará, porém, inevitavelmente, o tempo
dos namoro�. Fazem mal as mães que se opõem terminante­
mente a que as filhas namorem. Tenho ouvido, a êste res­
peito, uma réplica irrespondível : - "E mamãe não namo­
rou ?" E lá se vai a autoridade materna. Se fazem mal as que
alcovitam as filhas, também erram as que assumem em face
delas um papel de promotor público. Como sempre, a vir­
tude está no meio.
A filha sabe que a mãe não se oporá a um namôro bem
orientado, para o casamento - desde que isto se faça dentro
dos limites da graça divina, da moderação, do bom nome.
E a mãe deve ser a primeira a ter noticia de uma simpatia
assun.
Os livros que ti:atam da preparação das moças para o ca­
samento estão cheios de conselhos a êste respeito, e dos peri­
gos das relações frequentes, estreitas, levianas, para ficarmos
nos menores males :Êsses livros são numerosos e encon­
tradiços. ( 1 )
Deixamos um pouco ao largo o assunto que nos levaria
longe, para dizer apenas uma cousa que em nenhum deles
encontrei. E' a diferença entre a moça e o rapaz. A mulher
é muito mais calma, muito mais tranquila, muito mais sen­
timental. A bem poucas interessa e preocupa direta e energi­
camente a vida sexual. Nas suas leviandades com o rapaz
querem apenas acariciar e ser acariciãdas. Salvas as exceções,
passam muito pouco além dêsse desejo. Por isso mesmo levam
tão longe as suas facilidades. E' que não sabem que estão com
elas acendendo no rapaz uma fogueira de concupiscência.

( 1 ) Em português, temos o do P. Geraldo Pires de Souza - Na


escolha dtJ futuro - e as traduções dos trabalhos do wnego Nysten.
156 P A D R E A. N E GR O M O N T E

A . diferença é enorme. Enquanto a moça quer apenas


sentir que é amada, quer o carinho de um gesto, o amparo de
um braço a que se apoie, de um ombro a que se acoste -
o rapaz, mesmo que procure o confôrto deste amor puro, a
presença desta que lhe será a companheira, nunca excluirá disto
a preocupação sexual. Aquelas carícias que para a moça talvez
sejam inocentes e quasi diríamos infantís, que não. lhes deixam
sinão a impressão agradavel e até pura de que são amadas,
estão provocando incêndios no coração do rapaz. A moça,
porque "não sente nada com aquilo", porque "aquilo não
lhe faz mal nenhum" , não imagina, e nem pode mesmo ima­
ginar o que sente o moço, o mal que lhe faz aquilo. Ele
arde, as mais das vezes, em desejos sexuais. O que para ela é
uma carícia, para êle é uma provocação.
Além disso, o sexo masculino, muito mais forte e ardo­
roso, tem, na própria constituição orgânica, elementos de im­
pulsão que falta ao sexo feminino. Mesmo entre os animais
é facil ver a quem pertence a iniciativa e até mesmo a agressão
para o congresso gerador. Esta diferença, que muitas senhoras
casadas não c_ompreendem - não há jeito de compreenderem!
- é preciso que se explique às moças que namoram. Não
vão elas, com as facilidades de seu temperamento calmo e sen­
timental, acender os rastilhas que podem levar a verdadeiros
incêndios - como tantas vezes teem levado. E' preciso as
moças saberem as repercussões que provocam nos rapazes as
suas atitudes e' maneiras, que, muitas vezes, são tomadas como
simples faceírices, meras demonstrações de um amor muito
puro.
Muitas pobrezínhas não lamentariam hoje uma desgraça
irremediavel. se tivessem tido as precauções ditadas pelo conhe­
cimento do que acima expuzemos. Muitas mães se teriam
poupado lágrimas amaríssimas e resguardado a honra das fi­
lhas e o bom nome da família, se tivessem fornecido êsses co-
A E D U C A Ç Ã O S E X U ÃL 1 57

nhecimentos tão fáceis e salutares, dos quais entretanto · muitas


fogem por mal entendido pudor.
Não se facilite com uma paixão tão forte e impetuosa,
tão facil de acender e tão difícil de acalmar, tão exigente e
resvaladia ! Uma vez impulsionada, não sa_bemos onde irá
parar. Quantas vezes parou no crime e na vergonha - e
quantas mais ainda em pecados de desejos, verdadeiras devas­
tações de corações e almas ! E. no entanto, tinha partido de
uma simples manifestação de afeto ! Mas é que a paixão,
sempre mais exigente porque insaciavel, foi pedindo mais, e
mais lhe foi sendo dado, até se cair no precipício. Aquí, não
há como evitar toda facilidade por mínima que seja. Tudo,
realmente, é o primeiro passo. A certa mocinha que lhe pedia
uma opinião sôbre o passeiar de mãos dadas com o namo ­
rado, respondeu um experimentado sacerdote, rico conhecedor
dos homens e dos fatos : - "Para começar, está ótimo !"

O NOIVADO

Mas já são noivos - responderão. E' claro que o serem


noivos é motivo para maior intimidade espiritual : - um mais
profundo e completo conhecimento mútuo. ·Mas também é
claro que o noivadó não muda a natureza dos homens. O
perigo continua o mesmo em si ; apenas aumenta pela mais
frequente e autorizada convivência.
Sei quanto certas afirmações magoam, os pobres pais.
Principalmente as mães. Mas me perdoarão de fazê-las, por­
que correspondem inteiramente à verdade. São muito poucas
as moças que atrave11saram puras os noivados de hoje. São
muito poucas as que não fizeram ao noivo concessões levianas,
além dos limites da razoavel demonstração do amor. E, por
isso mesmo que o terreno é resvaladio - lúbrico quer dizer
1 58 P AD R E A. N E G R O M O N T E

escorregadiço, - muitas foram muito além do que pensavam


ou queriam. E não poucas chegaram às últimas consequências
das imprudências, mais fáceis de evitar que de deter.
Eu sei que as mães sempre acham que isto se deu ou se
dará com as filhas das outras, e com as delas não. Mas é
que as pobres vítimas tinham mães . que também pensavam
assim. E porque pensavam assim é que as cousas puderam
andar tão mal.
Mas será isto verdade? perguntarão algumas, duvidosas.
Façamos primeiro um apêlo à própria memória. Quantos
casos conhecemos de casamentos apressados, para encobrir o
mal feito, para o filho nascer legítimo? Mas são exceções,
responderão. Sim, sem dúvida. E seria possível que já fôsse
a regra? ! Ainda assim, observemos que muitos mais nume­
rosos são os casos desconhecidos, os que ficam encobertos,
porque 11ão tiveram consequências visíveis ou porque as pró­
prias vítimas e as suas famílias eram interessadas em ocultar.
Se as mães quiserem ver documentos tristíssimos, vejam
os comunicados oficiais da polícia do Rio sôbre os crimes se­
xuais. O que tenho em mãos é de 1 935, e dá um total 654
crimes. Pois bem ; dêsses criminosos 1 1 1 eram noivos, e 422"
namorados. Viram? Nem podia ser de outra maneira . . Difi­
cilmente um estranho ou desconhecido teria oportunidade para
um crime desta natureza.
E fiquem todas sabendo - mães e filhas - que tudo
isto começa por um simples- enlace de mãos . O resto vem
deppis, aos poucos, em progressões aritméticas ou geométricas,
conforme os temperamentos e as oportunidades-.
Parece claro que a moça advertida disto tomará cuidados
que as incautas, ignorantes do que lhes possa acontecer, não
tomar�o. E mais claro ainda parece que as mães não deixem
desaparelhadas as filhas num tempo em que os crimes desta
naturez� se multiplicam c:om tão l�méntavel frequência.
A EDUCA ÇÃO SEXU A L 1 59

A ÚLTIMA PREPARAÇÃO
Noiva, com as instruções até agora recebidas, a moça se
prepara, na castidade positiva e concíente, para o casamento
que não tarda. Até hoje, na grande maioria dos casos, as mo­
ças teern ido para o matrirnônio na completa ignorância do
que êle realmente seja, a menos que se trate dos lamentáveis
acontecimentos que acima referimos. Aquí. mais urna vez,
confundiram-se a inocência e a ignorância. Já hoje, porém,
alguns querem que à candidata se diga tudo, inclusive minu­
ciosidades técnicas E: precisas sôbre o próprio ato conjugal.
Como sempre, falta razão aos extremos.
A mãe não pode deixar a filha ir para o rnatrimônio na
absoluta ignorância do que se vai passai. E' preciso que ela
saiba o que é "dom dos corpos" . que o cas.tmento não é uni­
camente uma união de almas, mas que "o homem . se umra
à sua mulher : e serão dous numa só carne" ( 1 ) E' tempo
de lhe dar o sentido preciso das atrações v3.gas e mais ou menos
indefinidas que ela tem experimentàdo de certo. E' necessário
que saiba que a união sexual é condição indispensavel da
transmissão da vida.
Agiria mal a mãe que tudo lhe calasse a êste re�peito,
sob o desarrazoado pretexto de um falso pudor, - como a
que recomendasse apenas deixar-se guiar pelo marido, entre­
gando-a dêste modo aos caprichos ou perversões dos homens,
que nem sempre teem sabido respeitar a inocência das esposas.
Além disso, esta ignorância tão completa poderia dar lugar
- como tantas vezes tem dado - a surpresas desagradabilís­
simas, criando dificuldades à vida conjugal e doméstica. Po­
deríamos referir casos de esposas que não se quiseram sujeitar
à vida conjugal, ou de outras, muito mais numerosas, que·

(1) Gen. II. 24.


1 60 P ADRE A. N E G ROM O N T E

perderam o entusiasmo do casamento e mesmo a estima ao


marido, por causa d�sa revelação meio brutal, com que elas
jamais contaram nos seus cálculos de noivas.
As mães que se admirarem disso peço que se lembrem
das próprias impressões do casamento e leiam a opinião de
uma jovem de excelente educação, impecavel moralidade e só­
lida piedade esclarecida. Lamentando a educação que muitas
mães, "com mentalidade do século passado" , dão às filhas,
"trazendo tudo debaixo de 7 chaves" , esta mocinha ( 1 9 anos)
esclarecida lembra que um dia a moça precisará de abrir todas
as 7 chaves de uma vez - e nesse dia "a moça lamenta não
haver uma oitava chave" com que possa fechar o caminho
errado em que se meteu. Sim, porque o casamento é uno e
indissoluvel ! E ela irá esperar resignada, se for boa cristã,
ou desesperada, se não o for, que a chave da morte chegue .
Se não somos partidários da ignorância, também não o
podemos ser dos que desejam conhecimentos técnicos, com­
pletos, a respeito do ato sexual. Digamos de antemão que
êsses conhecimentos, aliás, não poderão dar jamais o alcance
daquele ato. Aos que não o realizaram êle será sempre um
mistério. Mas existe ainda um outro aspecto a considerar. Há
certas cousas que se fazem, e das quais nunca se fala. Se a
realização do ato gerador nada tem que fira a suscetibilidade
humana, a sua descrição tem. Ela feriria o pudor, desagra­
daria a jovE;m, que sentiria o seu idealismo tocado por uma
realidade um tanto brutal. O dr. H. Abrand ( 1 ) diz que
essa descrição clara e técnica pedida para as noivas por certos
extremados êle não · encontrou nem mesmo nos tratados de
medicina. "O pudor, continua o grande médico francês, tem
o seu lugar mesmo no templo da verdade inteira e nua ; mé-

( 1 ) Notions pratiques d'éducation sexuelle, in Les initiations né­


çessaires.
A EDUCAÇÃO SEXUAL 161

dicas escrevendo para médicos detiveram-se diante de precisões


inúteis"
O grande papel da mãe é respeitar o pudor, esclarecendo
o espírito da filha.

A MATERNIDADE

Um do crimes mais atuais, um dos maiores desrespeitas


à lei sagrada do rnatrimônio, um dos mais graves atentados
contra a natureza, um dos índices da decadência moral dos
nossos tempos, e, ao mesmo passo, uma das mais lamentáveis
amostras da falta de amor ao Brasil, é o horror aos filhos.
Olha-se pata o filho como um entrave ao prazer, uma limi­
tação à liberdade, um peso, na vida, urna parcela a mais no
orçamento da .despesa.
Recebem-no, hoje em dia, muito frequenterr..ente, com
desgôsto, como um fardo. Ou ainda pior: evitam-no. Anda
tão longe a corrução neste particular, que os noivos já esti­
pulam entre si que não terão filhos, quando se casarem. Ou
só terão um ou dois.
Com isto, frustrando a finalidade primeira e máxima
do casamento, transformam-no num instrumento de satisfação
dos sentidos, buscando apenas os prazeres sensuais que êle
proporciona, fugindo-lhe, porém, covarde e criminosamente,
às responsabilidades e encargos.
De que seja ·tamanha aberração um crime detestavel nos
diz abertamente a Escritura Sagrada, condenando o procedi­
mento de Onan. Casando-se coni a cunhada, viuva de seu
irmão Her, que morrera sem deixar filhos, Onan, "quando se
juntava com a mulher de seu irmão, (ago;a· sua esposa) ,
impedia que ela concebesse, afim de não nascerem filhos em
nome de seu irmão. E por isso o Senhor o feriu com a morte,
1 62 P A D R E A. NEGROMONTE

porque fazia uma cousa detestavel" ( 1 ) E a própria razão


indica quanto é imoral a satisfação de um instinto com uma
finalidade marcada, se se procura desvirtuar esta finalidade.
Ora, o instinto sexual foi dado por Deus ao homem para con­
servação da espécie e não para usufruto pessoal.
Do ponto de vista cristão, trata-se de um gravíssimo pe­
cado que cousa alguma poderá excusar ou justificar. Se nal­
guns casos, havendo razão para isto, é lícito usar do matri­
mônio sómente nos dias em que a geração não se pode dar
(método Ogino-Knaus) , nunca, de maneira alguma, e por
nenhum motivo, é permitido frustrar a geração por �eios me:..
cânicos ou químicos.
A mãe, digna da sua missão, despertará no espírito e
no coração da filha casadoira a beleza e o gôsto da materni­
dade. Em todo êste capítulo foi isto o pensamento central.
Preparar a moça para as hon�as e as grandezas da materni­
dade. Escorar-lhe o ânimo em face das lutas que o futuro lhe
apresenta. Mostrar-lhe com clareza os erros correntes neste
sentido. Infundir-lhe, desde logo, um grande amor aos filhos
- cousa facil, aliás, porque corresponde às vozes íntimas e
gritantes da natureza. Acenar-lhe com as vantagens de uma
família numerosa, que é uma verdadeira benção de Deus.
Mas, nisto, como em todas as demais cousas, a mãe deve
ser o exemplo. Ela deve poder dizer à filha aquilo que Jesús
Cristo disse a seus discípulos: "Eu vos dei o exemplo, para
que. assim como eu fiz também vós o façais" (2)

(1) Gen. XXXVIII. 9 e 10.


(2) S . J�ão , XIII. 15.
A LIÇÃO DA BIBLIA E DA IGREJA
Aos que oferecem dificuldades à educação sexual. como
se ela fôsse uma inovação perigosa, vamos apresentar a lição
das Escrituras Sagradas e as tradições da Igreja a êste respeito.
Pode-se afirmar, sem medo de errar, que a excessiva prudên­
cia, o demasiado recato nas palavras tem sido sempre o sinal
dos tempos mais corrompidos. Quanto mais simples os cos­
tumes, tanto mais naturalmente se fala nessas coisas, que são
tão naturais como as outras. O que dizemos dos tempos é
verdade também quanto às pessoas. E esta é uma verificação
facil: as pessoas puras teem uma admíravel liberdade de pa­
lavras. Ao passo que os círcunlóquios, os subentendidos, o
falso pudor, o escândalo passivo são mais encontradiços nos
que menos amam a virtude.

NA BÍBLIA

A Bíblia inteira, do primeiro ao último livro, está cheia


de instruções sôbre a questão sexual. A legislação mosáica,
como toda legislação, desce a minúcias que espantariam a
muitos leitores. ( 1 ) E Moisés não fala com meias palavras.
Diz tudo com uma clareza, uma franqueza de lei.

( 1 ) Eis um- dos motivos pelos quais a Igreja Católica não põe
indistintamente a Bíblia em todas as mãos. As vezes, o leitor, conforme
a sua condição ou icl.de, encontra mais motivo de escândalo que de edi-
164 P A D RE � NE OR O MON T E

Ná parte histórica, encontramos os mesmos caracterís­


ticos. Os fatos são narrados com um realismo perfeito. Epi­
sódios terríveis, cenas de perversão sexual, quedas de fraque�a
ou de malícia, o pecado de Daví e os desmandos de Salomão,
a tentação de Suza�a e ·de José do Egito, tudo, afinal, vem
descrito em tintas claras e fortes, sem medo aos escrúpulos das
muliérculas ou dos fariseus de todos os tempos.
Os livros sapienciais, aconselhando a fuga aos perigos
das mulheres, usam da mesma liberdade. Vão a minúcias.
Descrevem os falsos encantos das meretrizes. Mandam fechar
os ouvidos aos seus chamamentos, em descrições que mostram
como os costumes de então eram semelhantes aos de hoje.
Os profetas vão ainda além. As suas próprias compa­
rações não recuam deante de imagens sexuais, bem fortes, aliás,
e, pode nos parecer, desnecessárias. E tudo isto, repetimos,
com as palavras mais próprias, sem disfarces, sem eufemismos.
Os salmos,- que eram_ cânticos populares, trazem igualmente
dessas comparações e usam de linguagem aberta.
Para não pensarmos que foi apenas no Antigo Testa­
mento, quando ainda eram os homens mais rudes, acrescen­
temos explicitatnente que também o Novo Testamento é as­
sim. Se não tem certas descrições, se não refere certos fatos, é
porque não era necessano. Mas, quando necessário, diz as
coisas com a mesma liberdade e a mesma clareza. S. Paulo,
censurando alguns desmandos dos coríntios, usa das liber­
dades de Moisés. Com que indignação o Apóstolo mcrepa os

ficação. Havelock Ellis conta dos jovens protestant�s que marcavam os


lugares " interessantes " da Bíblia é mostravam uns aos ·outros, no próprio
culto dominical. Bem mais avisada é a Igreja Católica, que fa.z os
resumos da História Sagrada para os seus meninos e �olescentes, prote­
lando o conhecimento do texto para idade mais ponderada. Os próprios
judeus tinham a resp�ito os seus cuidados. O " Cântic� dos Cânticos " só
podia ser lido por um judeu de 30 anos.
A EDUCA ÇÃO SEXUAL 1 65

que tomam os membros de Cristo e os tornam membros de


meretriz ! E, nas dezenas de vezes que fítla do pecado de im­
pureza, chama-o pelo nome, dizendo abértarnente que os for­
nicadores não entrarão no reino de Deus. E assim por diante.
Nos Evangelhos encontramos um sadio realismo nos
próprios lábios de N. Senhor Jesús Cristo. Numa das suas
mais lindas parábolas, diz que o filho pródigo "devorou todos
os seus haveres com as meretrizes" ( 1 ) E es�a mesma expres­
são empregou contra os fariseus. (2) Quando O consultaram
sôbre o divórcio, falou uma linguagem franca, dizendo pala­
vras fortes, que muitos hoje em dia não quererão usar. ( 3 )
Falando do pecado de desejo, usa de expressão igualmente
forte : "já adulterou no seu coração". (4) Para dizer que os
pecados impuros nascem do coração: "De dentro, do coraçã o
dos homens procedem os rnáus pensamentos, os adultérios, as
fornicações, os homicídios" . (5) Quando falou aos Após­
tolos das suas tristezas e alegrias, a comparação que fez foi
com a mulher que dá à luz um filho, com uma expressa alusão
às dôres do parto. (6) No elogio da castidade, corno aliás
sempre que a oportunidade se ofereceu, Jesús falou com a
mesma clareza e precisão, sem recuar diante dos termos.

(1) Luc. 15. 30.


(2) Cfr. Mat. 21. 31.
(3) Cfr. Mat. 19. 9.
( 4) Mat. 5. 28.
(5) Marc. 7. 21, .
(6) Cfr. J oan. 16. 21. Há muita gente que gostaria de corrigir o
próprio J esús Cristo, fazendo-O moderar a linguagem.
1 66 P A D R E. A. N E GRO M O N T E

O LIVRO DE TOBIAS
E', porém, no Livro de Tobias, que a educação sexual
tem a sua verdadeira consagração na Bíblia. Alí estão todos
os seus característicos, nas mais perfeitas minúcias. Tudo o
que exigimos dos pais em relação aos filhos neste ramo da
educação, Tobias fez com o seu filho. Remeto o leitor ao
livro sagrado. Se já o leu, vê-lo-á agora sob êste aspecto, que,
de certo, lhe escapou. Se não o leu ainda, aproveite para ver
que tesouros perde quem não se dá à leitura da Sagrada
Escritura.
Antes de tudo, o velho pai estava em condições de edu­
car. Era fiel a Deus, amante da virtude, que êle mais ensi­
nava pelo exemplo que pelas palavras. Tinha coragem para
a virtude. Tinha coragem de ficar sozinho, mesmo quando
todos os outros capitulavam na adoração dos deuses de ouro.
Quando se entregava a suas atividades caritativas, nem lhe
faltaram as censuras, nem os insultos de estranhos e da pró­
pria espôsa. Continuou a fazer o bem, superando as dificul­
dades do meio, mostrando quanto o seu ânimo estava tem­
perado.
As primeiras preocupações com o filho não foram as
iniciações sexuais, de que muitos andam por aí esperando mi­
lagres impossíveis. Não. "Ensinou-lhe, desde a infância, a
temer a Deus e a se abster de todo pecado" Foi a preocupa­
ção do santo temor de Deus. Não queria que o filho se man­
chasse de pecadó algum. E' inutil, aliás, querer evitar apenas
um pecado, deixando todos os outros reinarem soberanos no
coração.
Ao lado dêste santo temor, o cuidado positivo da pie­
dade. "Bendize ao Senhor em todo o tempo, e pede-lhe que
dirija os teus passos" "Serve ao Senhor na verdade e procura
fazer sempre o que lhe é agradavel" Esta piedade não é uma
A EDUC AÇÃO S EXUAL 167

coisa simplesmente exterior, não é mera respeitabilidade, -


porque os outros t�bém são da mesma religião. E' coisa
real. Coisa de toda a vida. Envolve todas as ações do homem .
Por isso Tobias quer que o filho pague um justo salário aos
trabalhadores e náo retenha coisa alguma do que pertence a
outrem. Faz da esmola uma verdadeira preocupaç�o. Está
em vários de seus conselhos, com uma insistência digna de no­
tar-se. A esmola abranda o coração do homem. Ensina o des­
prendimento. Combate o egoísmo - e o egoísmo é um dos
primeiros móveis da impureza. Frisa a necessidade da humil­
dade : "Nunca permitas que a soberba domine em teus pensa­
mentos .e em tuas palavras, porque nela teve começo toda a
perdição" Era a formação geral, como diríamos hoje. Era
a formação da vontade, diriam os educadores católicos. E' a
formação do carater, diria Foerster.
E somente depois dêste trabalho preliminar, indispen­
savel, começa a formação específica da castidade - a educação
sexual. Ensina ao filho a sua origem, e lhe ensina com isto
a ser bom filho. "Honra a tua mãe todos os dias de sua
vida. Tu te deves lembrar do que sofreu e a quantos peri­
gos se expoz, quando te trazia no útero" Vejam : falou a
verdade, e não enganou o menino; falou êle mesmo, e não
deixou que outros fôssem dizer o que diriam mal ; misturou
o ensino real com o sentimental, levantando assim o espírito
do menino, que ia se acostumando a pensar nesses assuntos
com dignidade, através da lembrança de sua mãe. Tudo como
ensina e deseja ainda hoje a melhor pedagogia.
Mais tarde, conforme as necessidades, o ensino crescerá.
O pai não reputará indecoroso entrar em explicações com o
filho, dando-lhe claramente os conselhos que a idade exige.
E falará sempre claro e digno. "Tem muito cuidado contigo,
meu filho; guarda-te de toda fornicação ; e fora de tua espôsa,
não consintas em conhecer o crime" O cuidado que a casti-
1 68 P A D R E � N E G R O MONTE

dade exige - a vigilância ; o pensamento de se conservar casto


para a espôsa futura - duas virgindades se deyem encontrar;
o perigo das mulheres, e os caminhos que conduzem a êle.
Tudo, nessas poucas e perfeitas palavras.
Quando o filho vai sair de casa, para uma demora mais
longa na ausência dos pais, por causa dos.perigos que se podem
multiplicar, o velho renova um conselho de piedade, de amor
aos caminhos de Deus.
Por ocasião do casamento de Tobias, o moço, com Sara,
as palavras do Anjo ao rapaz são uma lição acabada de edu­
cação sexual. "Ouve-me, diz o Anjo, e eu te mostrarei quem
são aqueles sôbre os quais o demônio pode prevalecer. São os
que vão para o casamento de tal modo que excluem a Deus
de seu coração e de seu espírito, e se entregam à sua libidina­
gem:, como o cavalo e o jumento, que não teem intelecto : sôbre
êsses o demônio tem poder" E então passa a ensinar ao moço
a continência matrimonial.
E o moço aprendeu de tal forma que levou para o ma­
trimônio o desejo de ser pai, e não o de satisfazer às paixões.
Casado, antes de consumar o matrimônio, entregou-se com a
sua espôsa à oração, dizendo: "Nós somos filhos de santos e
não nos podemos unir como os gentios·, que não conhecem a
Deus" . E depois, na oração, falou assim ao Senhor : "E ago­
ra, Senhor, tu sabes que _não é por causa da luxúria que recebo
a minha irmã ( 1 ) como espôsa, mas só por amor aos filhos,
que· possam bendizer o teu nome" .
Mas vejam como êstes elevados sentimentos corresp on­
diam aos dos pais. A oração que os velhos pais fizeram a
Deus pedia que, no casamento, os dois jovens pudessem "ben-

( 1 ) Era prima. :este é um modo de falar dos hebreus. Também


no Evangélho se fala dos " irmãos de Jesús ", quando se trata de seus
parentes próximos.
A EDU C A Ç Ã O S EXU A L 169

dizer a Deus cada vez mais" - nunca que o casamento lhes


fôsse um motivo de fortuna material ou de gozo. Quando
partiram, o desejo expresso dos velhos foi de lhes poderem
ver os filhos : seria a sua consolação antes da morte que se
aproximava.
Na última parte do livro, vemos o resultado desta edu­
cação. Já era urna benção o modo por que os filhos tratavam
os pais. Mas o escritor sagrado assegura que toda a descen­
dência permaneceu nos caminhos do Senhor, merecendo por,
igual a complacência de Deus e a estima dos homens.
Querem melhor e mais claro modêlo de educação se­
xual? ( 1 )

AS TRADIÇÕES DA IGREJA
Os que acharem que à Igreja repugna falar dessas coisas�._
desconhecem o seu espírito e as suas tradições. Desconhecem ;
mesmo o seu modo de rezar. A verdade é que a Igreja trata
dêsses assuntos com a mesma liberdade das Escrituras Sagra­
das, no pé de igualdade das coisas altas e santas, porque tudo
é puro para os que são puros, corno lembra S. Paulo.
A Igreja não pode desconhecer a fôrça sexual. porque a
religião envolve a vida toda. Além disso, a santidade da
função entrou nos planos divinos, de que a Igreja é guardiã.
A necessidade de ensinar os mistérios da fé obriga a
pensar no problema da geração. Que é a Incarnação? Corno
se deu? Quem não sabe a Ave-Maria? "bendito é o fruto
do vosso ventre" Rezar isto, sem lhe saber a significação?

( 1 ) Todos os pontos acima tocados acompanham o Livro de Tobias.


Só não fizemos as referências de capítulo e versículo, para não multi­
plicar as citações. O que é textual está entre aspas.
1 70 P A D RE A. N EG R O M O N T E

Em pequeninos, sim ; mas depois, impossível. Nem seria isto


uma oração desejavel - dizermos uma coisa que não s;ibemos
o que significa. A respeito da Incarnação, podemos levantar
uma série de perguntas. Porque Jesús, como homem, não tem
pai? Virgem-Mãe, que vem a ser? Será possível repetir-se
tanto esssas coisas sem compreensão?
E a linguagem da Igreja é bastante clara, sem rebuços,
para dizer o que quer. Vejam na ladainha de N. Senhora :
· "Mãe intacta" , e, no latim, ainda mais forte : "Mater in­
violata" - A expressão consagrada para dizer a virgindade
perpétua de Maria : "Virgem antes do parto, no parto e de­
pois do parto"
A Ave-Maria não é a única <?ração assim. Lembramo-la
de preferência, por ser a mais conhecida. No Credo encontra­
mos a conceição e o nascimento de Jesús com a mesma cla­
reza : "foi concebido por obra do Espírito Santo ; nasceu
de Maria Virgem" E o Credo é um resumq das verdades que
devemos saber, como católicos.
No ensino do Catecismo, ou não explicaremos as coisas
o'u elas terão de se relacionar inevitavelmente com o problema
em questão. Como havemos de explicar os Mandamentos sem
o sexto e o nono? Quando as crianças são pequenas, podem
deixar de saber; mas quando crescem um pouco, continuarão
a ignorar?
Há coisas mais sérias. O Catecismo fala de pecados sen­
suais contra a natureza. Se não for para ensinar aos alunos,
para que puseram lá? Só para êles decorarem? - Como
ensinar o Matrimônio, sem dizer para que é? Seria por isso
que certos catequistas só ensinaram o Catecismo decorado?!
Nas tradições da Igreja até a iconografia servia à verda­
deira educação sexual. Das antigas imagens, muito correntes
na Idade Média, em que N. Senhora era vista grávida em vi­
sita a S. Izabel ainda mais grávida, poucas restam hoje em
A EDUCAÇÃO SEXUAL 171

dia. Ainda encontrei nalgumas igrejas estampas de N. Se:.


nhora amamentando o Menino Jesús. E a devoção a N. Se­
nhora do Bom Parto não é tão comum, com igreja�. e todo
mundo falando nisto sem a mínima malícia dêste mundo ?
Quem sabe se um dia os defensores do falso pudor quererão
acabar com os presépios de Natal porque trazem o Menino
.Jesús no berço, ao lado de N. Senhora? Quanto mais se
vissem as imagens antigas do nascimento de Maria, com os
anjos prestando a S. Ana os cuidados de que só precisam as
parturientes? Abjuravam a fé, na certa.
Se consultarmos os escritos dos Santos Padres e Dou­
tores, ou mesmo dos grandes pregadores da Igreja, lá encon­
traremos o assunto tratado com uma enorme liberdade, com
as maiores clarezas, e com bastante veemência quando descre­
vem os crimes correntes no seu tempo. Não vamos multipli­
car as referências, nem fazer citações. Mas indicaremos o que
escreveu S. Clemente de Alexandria ; o que disse o grande S,.
João Crisóstomo, em cujos sermões há quadros terríveis d�
costumes impuros ; o que se encontra nas obras de S. Agó's·/
tinbo, inclusive as "Confissões" : as páginas do próprio S�
Bernardo, o doutor melífluo, nas suas "Meditações" ; os capí­
tulos de S. Francisco de Sales na "Introdução à Vida De­
vota" , dedÍcados à pureza e particularmente à pureza con­
jugal ; mais perto de nós, os sermões de Santo Cura d' Ars,
que dizia todas as verdades sôbre a questão com uma simpli­
cidade de criança. Ainda mesmo entre nós, os preg�dores di­
zem as mesmas coisas, talvez com urna linguagem mais velada,
por causa da dureza dos corações.
De modo que também as tradições da Igreja são por um
ensino elevado e puro das coisas sexuais, porque não é a
ignorância que faz a virtude, mas uma continência conciente
e advertida dos perigos. Os que quiserem opor-se à educação
sexual, os que preferirem que as crianças e os jovens apr�q-
1 72 PADRE � NE GRO MON TE

dam essas coisas em fontes impuras e depravadas, valham-se


de outro� argumentos, e não da Religião e menos ainda da
Católica, que não tem medo à verdade nem preza a ignorância,
mas tem meios de fazer castos os instruídos que amam a vir­
tude e sabe instruir sem fazer o espírito descer das altas es­
feras em que sempre deve viver.
Os que repetem gue a Igreja condena a educação sexual.
não põem a questão devidamente. As condenações da- Igreja
atingem somente os erros cometidos na educação sexual e não
ela mesma. Os dois mais importantes documentos a êste res­
peito são a encíclica sôbre a educação da juventude, do S.
Padre Pio XI, e um decreto do Santo Ofício, de 2 1 de março ·
de 1 93 1 . Por êsses documentos, que nos serviram de guia,
as condenações versam sôbre ; a) a educação feita sem os ele­
mentos sobrenaturais ; b) a mera iniciação intelectual, fisio­
lógica ou técnica, sem a necessária formação da vontade ; c) a
iniciação coletiva, feita nas escolas ou por conferências pú­
blicas ; d) a iniciação precoce, que mais serve para despertar
as paixões ainda adormecidas pela idade ; e) a iniciação brutal,
que desrespeita o pudor, que é uma das principais guardas da
virtude ; f) a iniciação que estim.ila ao pecado, porque a fi­
nalidade mesma da educação é a guarda do mandamento di­
vino sôbre a castiâade ; g) a educação feita por quem não tem
autoridade para isto.
E' longo o trecho da encíclica, mas não podemos deixar
de citá-lo. "Perigosa no mais alto gráu é' a orientação na­
turalista, que em nossos dias penetra na parte mais delicada
da educação humana, que é a da · pureza dos costumes. Muito
espalhado anda o êrro dos que perigosamente se atrevem a re­
comendar uma educação sexual isenta de toda religião, pre­
tendendo garantir a mocidade contra os perigos da sensuali­
dade por meios puramente naturàis, por uma perigosa e pre­
coce iniciação sexual, dada para todos sem distinção de sexo,
A EDUCAÇÃO SEXUAL 1 73

e até em público, e, o que é pior ainda, expondo de propósito


a mesma mocidade às ocasiões, para acostumá-la, corno dizem,
e imunizar o espírito contra os perigos da puberdade.
Enganam-se, porém, êsses gravemente, não reconhecendo
a inata fraqueza d.:i natureza humana, nem a lei da carne, que
o Apóstolo diz repugnar à lei do espírito, e desconhecendo os
fatos · de experiência quotidiana, de que sobretudo as faltas da
mocidade contra a pureza não são tanto consequência da igno­
rância quanto, antes, da fraqueza da vontade de quem se ex­
põe às ocasiões, e por isso fica privado da graça divina.
Se, porém, consideradas todas as circunstâncias, se tornar
necessária, em tempo oportuno, alguma instrução individual,
mas não pública, acerca dêste delicadíssimo assunto, devem (m
que receberam qe Deus a missão educativa proceder ao escl'á:­
recirnento sexual com as precauções conhecidas da pedagogia
cristã tradicional"
E' êste o verdadeiro pensamento da Igreja exposto por
quem tem autoridade para falar em seu nome. Assim pensa
a Igreja. Assim quer que ajam os pais e educadores.
O INSTINTO SEXUAL
Adão e Eva foram criados direta e imediatamente por
Deus. Está �o tex_io da narrativa bíblica que êle foi formado
do limo da terra, e ela do próprio corpo de Adão. Mas Deus
não quís fazer dêste modo os demais homens. Entre os vários
instintos de que dotou o homem e a mulher está o da repro­
dução, de que aliás já tinha dotado todos os animais.
Foi justamente para isto que Deus criou os dous sexos
- homem e mulher - aparelhando-lhes devidamente o or­
ganismo, de maneira a servir às altas funções que a conser­
vação da espécie lhe havia de reclamar. E, como para acentuar
a missão procriadora, acrescentou-lhes expressamente aquilo
que a própria natureza implicitamente já lhes dizia : "Crescei
e multiplicai-vos" . { 1)

TEND:F.NCIA NATURAL
Trata-se, como se vê, de uma tendência natural. Por
ela os homens - homem e mulher - se inclinam para deter-

( 1 ) Gen. 1 . 28. Muitos pensam que o pecado original tenha sido


um pecado contra a castidade. Tomam neste sentido o " fruto proibido ",
dando-lhe uma significação simbólica, incompatível com o texto bíblico
e destoante da própria natureza das cousas. Em face do instinto pro­
criador, da criação de Eva para Adão, da ordem expressa ele :Pe1.1s, é
evidente o êrro dessa interpretação.
1 76 P ADRE A NE GROMO N T E

minados atos pelos quãís o instinto realiza a sua finalidade.


Não é, pois, de admirar que haja uma· inclinação mais ou
menos acentuada das pessoas de um para as pessoas de outro
sexo. E' cousa, de si mesma, natural.
Estas tendências estão em nós, como nos animais, para
todos os atos necessários à conservação do indivíduo ou da es­
.pécie. A fome não passa disto. Sem ela não procuraríamos
o alimento : definhávamos e morríamos. Se subirmos à esfera
intelectual, encontramos a curiosidade que desperta o gôsto de
saber. Sem ela, estagnaríamos nos conhecimentos rudimen­
tares, sem nunca evoluirmos. E' verdade que o instinto age
diferentemente da curiosidade. Por isso mesmo, o exemplo
da fome, o instinto de conservação do indivíduo, nos serve
mais de perto, no caso. O próprio organismo tem recursos
em si para despertar-se e reclamar seus direitos. Foi Deus que
fez assim, para assegurar a vida. Se fôssem necessários exem­
plos para cousas tão simples e sabidas, bastaria lembrar que
o estômago vasio clama por alimento, que o cheiro e o aspecto
dos manjares despertam o desejo de comer.
Que nisto vai a sabedoria da Providência divina nem
precisa dizer. Realmente, comer é cousa, por si, desagradavel
e íncômoda. Para os cuidados da alimentação trabalha rude­
mente a imensa maioria dos homens. Ter de sujeitar-se às
naturais consequências da digestão é bem pouco elegante.
Quem de nós iria praticar ato tão animal, se não fôssemos
todos obrigados pelo natural apetite, pela nei:.essidade do or­
ganismo? E se o próprio organismo não nos despertasse e es­
timulasse, é bem pouco provavel que, de iniciativa nossa, an­
dássemos tão afadigados à busca de alimentos. Haja vista a
abstinência, às vezes, tão prejudicial, de certos doentes que
perderam o apetite. E a dificuldade em fazê-los alimentar-se,
quando não se sentem atraídos, quando nada lhes apetece nem
sabe! Por isto é que Deus pôs no organisri10 o necessário es-
A E D UC A Ç Ã O S E X U A L 1 77

tírnulo, e nos deu ainda o paladar, que, sentindo o prazer da


alimentação, instiga o homem para os atos indispensáveis à
conservação individual.

INSTINTO PODEROSO

Não é diferente o que se passa com a tendência sexual.


Esta tem por finalidade não a simples conservação do indi­
víduo, mas a da espécie. Ao indivíduo em particular ela traz
muito maiores dificuldades do que as simples preocupações
com o pão de cada dia. Pensemos nas trabalheiras infindas
que dão os filhos. Pensemos nisto, tendo em consideração,
não apenas o homem, mas também e principalmente a mulher,
cujo dispêndio é muito maior na obra da propagação da es­
pécie. Lembrenio-nos da inferioridade da criança em face de
qualquer outro animal. Com um mês de nascido, um cabrito
já pode viver por si muito mais do que um menino de 7 anos.
Quem se iria submeter a tantas dificuldades, a tantas canseiras
e tão grandes e absorventes preocupações, sem um estímulo
forte, sem urna tendência poderosa, sem uma inclinação do­
minadora?
Deus sabe o que estava fazendo. Pôs nos dous sexos
esta atração forte. Deu aos corpos órgãos adaptados a des­
pertar e estimular esta tendência. Lançou nas secretas profun­
dezas do ser humano êste desejo de se ver reproduzido e per­
petuado nos filhos. Por isso, nada há tão forte como o ins­
tinto de paternidade e maternidade. Para servir a êste desejo
de ter filhos, Deus inclinou os dous sexos um para o outro.
E ainda fez mais : ligou aos atos necessários à geração
dos filhos urna satisfação, uma emoção sensível, que mais de
perto ainda chamasse os homens a perpetua-r a espécie, e, ao
mesmo tempo, fôsse uma das compensações às dificuldades,
1 78 P A D R E A. N E G R O M O N T E

canseiras e sobressaltos que traz consigo a constituição da fa­


mília. De maneira que a emoção sexual é organizada, pre­
vista e doada por Deus para melhor assegurar a multipli�ação
da espécie humana. Assim, mesmo que os indivíduos pro­
curassem apenas um prazer pessoal, estava garantida a huma­
nidade, se deixassem correr naturalmente as funções naturais.
Se quiséssemos, pois, avaiiar quanto esta tendência é mais
forte do que as outras, bastaria termos em vista a .superiori­
dade da espécie sôbre o indivíduo. Umas se satisfazem em
manter a vida individual ; a outra se responsabiliza pela exis­
tência da humanidade. Por aí podemos também avaliar a
inte:i;i.sidade dessa emoção, que deve, sem dúvida, corresponder,
em parte, à grandeza da responsabilidade do instinto.

UNIÃO NECESSÁRIA

Como vimos, o fim da tendência sexual é a geração de


filhos, a perpetuação da espécie. O prazer está unido à função
genésica para facilitar e, até certo ponto, garantir a procriação.
Pode-se dar que o homem realize esta função pensando pro­
ximamente no prazer, mas isto é apenas um caminho para o
fim natural do ato gerador.
Seria errôneo pensar, enttetanto, que isto seja a razão
de ser da união dos sexos, a finalidade da função sexual. Não.
Seria transformar em individual uma função que só está no
indivíduo a serviço da sociedade. Seria transformar em fim
o que é simplesmente um meio. Daquí concluiremos o quanto
tem de ilegítimo, de anti-natural, de anárquico a união dos
sexos sem a possibilidade organizada da geração de filhos.
Também nos devemos lembrar de que a união do ho­
mem com a mulher não se realiza apenas do ponto de vista
A EDUCAÇÃO SEXUAL 1 79

sexual. Há entre os dous uma diferença psicológica que exige,


até certo ponto, a união para se completarem. ( l )
Além disto, muito mais do que isto, Deus não podia
ordenar os sexos para a geração dos filhos, deixando que êstes
ficassem no abandono ou ausência da necessária educação. Ora,
fora do casamento é possivel a geração dos filhos, mas não é
possivel a sua educação.
Daquí, então, concluiremos que a união dos dous sexos
não se pode fazer do ponto de vista puramente transitório,
mas deve ser uma união permanente. Não pode ser apenas
sexual, mas tem de ser espiritual. Aliás é somente êste aspecto
espiritual que faz propriamente o amor, o qual é diverso, di­
versíssimo da atividade genésica do organismo. E insistamos
bem que só o amor, que é espiritual, dá sentido humano à
função genésica, que, em si mesma, é comum aos animais. Os
homens compreenderam tão bem que a união sem amor é falsa
e imoral que, para disfarçar as suas paixões erradas, chamam
de amor ao ato sexual. Mas isto é um desvio e uma perversão.
E' verdade que o amor tende para a união. Quando um
homem ama a uma mulher com intenção de realizar com ela
as tendências naturais, é claro que pensa na Únião corporal,
é mais claro ainda que êle só pode pensar nisto depois de ter
amado espiritualmente. Mesmo porque se falta o elemento es­
piritual, não existe elemento especificamente humano, e êste
"amor" se reduziria à simples função sexual dos animais.
Pode�os, pois, dizer que o amor é a. união do homem
com a mulher, mas não podemos dizer que a união do homem
com a mulher seja o amor ! Mesmo porque somente o amor
é capaz de garantir a permanência da união, necessária aos fi­
lhos, os quais são a razão de ser da função sexual. Os homens
estão aquí em face de uma tl!ndência que está no indivíduo

(1) Ver Alceu de Amoroso Lima - Idade, Sexo e Tempo.


1 80 P AD R E A. N E G R OM O NTE

mas o supera, porque tem em vista a espécie. Ordenada para


o bem da prole, a tendéncia sexual só pode ser satisfeita
quando acautela e garante os direitos da prole. Ora, êsses
direitos só se acautelam dentro do matrimônio uno e in­
dissoluvel.
E ainda mais : somente o amor aos filhos, somente o
desejo de ter filhos, de servir à finalidade da função, pode
dignificar a união sexual. Sem isto, não vamos dizer, como
os autores costumam, que os homens se uniriam à semelhança
dos brutos. Não, os brutos só se unem para a geração dos
filhos. Sem o desejo de filhos, excluindo a possibilidade da
geração, os homens descem abaixo dos brutos, que são inca­
pazes de corromper os instintos. Sem o desejo de filhos, o
homem leva para a união sexual apenas o corpo, acionado
por um desejo de satisfação egoísta, da qual foi excluído, com
o mesmo golpe decepador, o elemento humano e o fim na­
tural da função. Ora, isto só seria possível no homem, se
fôsse possível em vida uma separação real entre a alma e o
corp9. ( 1 )

DIFERENÇA PSICOLÓGICA

Insistindo um pouco mais sôbre a finalidade da função


genésica, que é a geração de filhos, estabeleçamos bem clara
uma diferença entre o homem e a mulher, do ponto de vista
sexual. Esta diferença servirá para frisar ainda melhor a tese
em questão.

( 1 ) Como não nos queremos deter aquí senão no que se prende


diretamente à questão sexual, não nos demoraremos em mostrar ao leitor
impaciente a necessidade de uma união indissoluvel para legitimar a
vida sexual. Foerster em " Morale sexuelle et pédagogie sexuelle ", e o
P. Leonel Franca em " O Divorcio " versam o tema com lariUeza e
proficiência.
A E D U C A Ç ÃO S E X U AL 181

O homem, mais forte na atração carnal propriamente


dita, se deixa facilmente arrastar por ela, sem maiores preo­
cupações com a finalidade. A fôrça da . tendência é nele muito
maior, olhada dêste ângulo. Nisto não vai mal nenhum. E'
ainda e sempre a disposição sapientíssima da Providência Di­
vina. O próprio organismo masculino se encarrega de esti­
mular o instinto, que no homem é ativo e agressor. Muito
mais instigado pela natureza, o homem esquece infelizmente
os valores naturais e vai buscar somente o prazer. Já disse­
mos que se fôsse apenas isto, ainda não havia mal, porque
atrás dêste prazer, unido a êle, consequente, viria também a
geração dos filhos.
Mas o homem não somente esquece, porém transtorna
os valores. Então é que se dá o lamentavel êrro dos que ou
buscam o prazer fora do matrimônio, ou mesm� .no matri­
mônio, mas eliminando a possibilidade da geração. t:stes não
esquecem somente a finalidade da função, frustram ainda a
sociedade, usando em exclusivo benefício individual a ten­
dência de que são depositários e usufrutuários, mas não se­
nhores. Cométem mais um gravíssimo êrro : não levam em
conta que a função sexual é úma função a dous. E por isto
mesmo tem que respeitar a psicologia da outra parte.
O homem deve conhecer a psicologia da mulher neste
particular. Se no homem a grande fôrça sexual, a primeira
que aparece, a que mais se salienta é o desejo do prazer, na
mulher êste desejo é muito esbatido e vago, Fica quasi sempre
silencioso e adormecido antes do casamento. Mesmo no ca­
samento muitas continuam indiferentes, surdas ao apetite pro­
priamente dito, - e outras conservam acentuada repugnância
à vida sexual, só se sujeitando a ela pelo amor ao marido e
pelo desejo de filhos. Sem as manifestações da amizade do
espôso e sem os filhos elas nunca se sujeitariam à vida conju­
gal, que a muitas só infunde aversão, considerada em si mesma.
1 82 P A D R E A. N E G R O M O N T E

E ainda as que normalmente não são indiferentes a essas emo­


ções deixam-nas sempre em segundo lugar, ficando o primeiro
para o amor ao marido e aos filhos. Estamos pesando os
se_ntimer.tos naturais para argumentarmos. Ora, como a fun­
ção sexual é uma função a dous, ela deve satisfazer os senti­
mentos não apenas de um, mas do casal.
Podemos e devemos concluir que a função sexual só é
natural e legítima quando realizada dentro do matrimônio e
setn destruir as possibilidades naturais da transmissão da vida.
Daquí devemos ainda concluir que a união matrimonial
não é apenas uma un�ão sexual. E' também isto, nem pode
deixar de ser. Mas é igualmente um complemento mútuo.
Ainda mais diferentes psicológica do que orgânicamente, os
cônjuges se completam na vida. ( 1) E como êles se unem
em vista da finalidade procriadora, frisemos ainda um pouco
a necessidade desta união permanente para o bem da prole.
Não foi sem razão que Deus fez que uma nova vida só apa­
recesse mediante a união de duas vidas. Êstes , dous seres que
se uniram para produzir um novo ser, são necessários para
sustentá-lo e guiá-lo na vida. Se a mãe é que traz no ventre
o pequenino ser que ela sente desenvolver-se e crescer nas suas
entranhas maternas; se é ela que lhe prepara as roupinhas mi­
núsculas e aguarda entre sobressaltada e venturosa o momento
de apertá-lo nos braços e cobrí-lo de beijos, - o pai também
não o esquece. Percebe agora uma nova responsabilidade na
vida. Estuga o passo nos negócios, trabalha com mais ardor
e entusiasmo. E no meio de seus absorventes afazeres, sur­
preende-se às vezes a pensar no filho que ainda não nasceu,
ou que repousa no bercinho, inteiramente alheiado da vida,
cujas responsabilidades o pai sabe que lhe estão de todo en-

( 1 ) Remeto mais uma vez os leitores ao citado. livro de Alceu de


Amoroso Lima, no Capítulo : - O homem e a mulher.
A ED U C A Ç Ã O S E X U A L 1 83

feixadas nas mãos. E os próprios cônjuges se sentem cada vez


mais unidos através do filho. O filho é um laço que une cada
vez mais estreitamente o coração dos cônjuges. O leitor sabe
de lares que só não se desfizeram porque existiam filhos. E'
que os filhos garantem ainda mais a estabilidade da família.
E muitas vezes mesmo onde a desgraça pesou mais escura
e forte, vemos os filhos detendo tragédias que haviam de ser
fatais num lar sem berço. Em lábios trêmulos de raiva vin­
gadora, na minha vida de padre, eu tenho ouvido estas pala­
vras salvadoras : "Eu só me contenho porque ela é a mãe de
meus filhos" . E em lábios resignados, essas palavras de um
coração traído e maternal : "Eu não posso deixá-lo : é o pai
dos meus filhos" E os filhos vão garaptindo a estabilidade
dos lares. E o confôrto que · êles dão nos sofrimentos? E a
alegria que êles espalham na vida? E o traço de união que
estabelece um berço entre duas almas que já estavam separadas.
porque existia, no matrimônio, apenas a união dos corpos?
Os filhos - última razão de ser da função dos sexos - são
igualmente o ponto de cantata e o elemento unificador da
união conjugal.
E, de qualquer maneira, vemos que a tendência sexual
abrange o corpo e o espírito, devendo deduzir daí que a sua
satisfação não se pode limitar às · exigências dos sentidos, com
exclusão da alma.
GRANDEZA E DEGRADAÇÃO DA
FUNÇÃO SEXUAL

A corrupção imensa com que os desregramentos dos ho­


mens mancharam e envergonharam a função procriadora faz
com que muitos a considerem como cousa vil, desprezível e
pecaminosa. Nada mais falso. Foi o próprio Deus que pôs
no ser humano a poderosa faculdade de reprodução. E nin­
guém vai pensar que Deus pôs em nós uma fôrça do mal.
um:a tendência vil. Pelo contrário, bem pesadas as nossas fun­
ções naturais, nenhuma existe que iguale a grandeza e a digni­
dade da geração dos filhos. A produção de urna nova vida é
o ato que mais de perto participa da onipotência criadora de
Deus. Do ponto de vista natural. é a paternidade o ato que
mais aproxima o homem do Criador. O instinto, a própria
emoção sexual, nada têm . nem podem ter de mal em si mes·
mos, porque entram nos planos divinos, foram ligados pela
sabedoria de Deus à natureza humana, afim de que o homem
pudesse realizar a multiplicação da espécie sôbre a terra que
lhe era confiada. Aliás, já ficou dito que o homem recebeu
ordem expressa de se multiplicar, e para isto Deus lhe deu a
1 86 P A D ll E A. NEGRO M O N T E

companheira da vida, com o nome de "mãe de todos os vi­


ventes" . ( 1 )
Em face dessas considerações, há pessoas que compreen­
dem a grandeza da paternidade, da maternidade, mas não se
podem conformar com igual dignidade para a função sexual.
De ante-mão podemos observar que elas estão sendo vítimas
dos prejuízos correntes, das deformações que o vício intro­
duziu. Os meios foram escolhidos por Deus para a conse­
cução daquele fim. Nos homens poderia ter havido um êrro
entre os fins e os meios. Em Deus, não. Portanto, se o fim
é tão nobre e elevado, tão grande e santo, os meios também
o serão forçosamente.
E ninguém vá pensar que não seja isto uma cousa orga­
nizada e disposta por Deus. Pois, não foi :ele que criou o
homem e a mulher e os dispôs dessa maneira com os elementos
orgânicos necessários -à reprodução? Sim, foi Deus que for­
mou todo o nosso corpo, todo, sem a mínima exceção, quando
modelou pela sua Vontade Criadora os corpos dos nossos pri­
meiros pais. A Bíblia conta como Deus, não achando bom
que o homem ficasse só, lhe deu a mulher por companheira,
e lhes abençoou a união, da qual resultaria a geração dos fi­
lhos. (2) E que esta união seria também dos corpos, ainda
o diz expressamente a Bíblia, afirmando, naquele sadio rea­
lismo de Jesús Cristo, que marido e mulher não são duas, mas
uma só carne. ( 3 ) Aliás, mesmo que 2 Bíblia não o dissesse,
os homens o compreenderiam pelas tendências fortes que Deus
lhes pôs no corpo e na alma. Não é somente a paternidade
que é uma alta função humana, estabelecida e desejada por
Deus; mas participam dessa grandeza o ato gerador e os ór­
gãos da geração.

( 1 ) Gen. 3. 20.
(2) Gen. 2. 18.
( 3 ) Mat. 1 9. 6.
A ED U C A Ç ÃO S E X U A L 1 87

Sabemos que os pais geram o corpo e Deus infunde a


alma em cada novo homem. E' doutrina comumente aceita
que a alma é infundida por Deus, desde o momento da fe­
cundação do óvulo. Quando, no ato da procriação, os dous
germes se unirem, o paterno e o materno, a Onipotência
Criadora intervem imediatamente para a criação da alma, que
é tirada do nada para animar o novo homem. Tambem isto
é um elemento para julgarmos da grandeza desta função. O
próprio Deus a aguarda, atento, por assim dizer, ao momento
em que seja necessário criar a nova a!ma exigida pela fe­
cundação.

Mas não podia Deus , ter escolhido um outro meio de


produzir a vida humana? Esta pergunta é ainda um fruto
dos mesmos prejuízos qué dão à função sexual um sentido
corrompido e pecaminoso. Respondamo-la, entretanto. E'
evidente que pódia. Assim como fez Adão, ou como fez Eva.
Ou mandando as crianças pelos Anjos para embelezar a vida
dos -adultos com a sua inocência e os seus encantos.
Não lhes parece, principalmente esta última, uma boa
solução? ! ( 1 ) De certo. Criados sem a tendência sexual,
livres dos perigosos estímulos da carne, os homens não teriam
oportunidade para se degradar nos pecados contra a espécie
humana, que são os pecados contra a castidade. Teríamos
extirpado da terra - quem sabe? - noventa por cento dos
males que nos afligem. E, ainda, seria um meio muito mais
digno e muito mais puro. Pois examinemo-la.
Imagine que seria com você, meu casto leitor, ou minha
pudica leitora. Um anjo desceu do céu, tal como você pro-

( I ) Escrevo esta página sôbrc uma hipótese imaginada por Maniez


cm A toi, pere "
188 P ADRE � NEGROMONTE

põe, e lhe pôs nos braços urna lindíssima criança, a mais linda
que V. imaginar, e lhe disse : - "Eis aí um filho que Deus
lhe manda! " Que ideal! Sem os incômodos da gravidez, sem
as dôres do nascimento, sem despezas com médico, sem sobres­
saltos, um filhinho, mandado diretamente por Deus. No pri­
meiro instante, um deslumbramento. Nos primeiros dias, um
encanto. E depois . o cansaço, o aborrecimento. "Mas por­
que, perguntará V., para mim êste pequeno e não para o meu
visinho, por exemplo, que tem muito mais recursos e facili­
dades do que eu? Para Fulana seria até um divertimento, que
ela tem pouco o que fazer. Mas para mim? ! " E lá se iria o
pobre pequeno, enjeitado . - Ah! isto não, direis vós. E
aduzireis como argumento que conheceis muitas mães que re­
petem essas mesmas palavras, mas nunca enjeitaram, e nunca
se desfariam dos seus filhos. Bem, mas é preciso ver a dife­
rença : êstes são filhos, foram gerados por elas, formados das
suas entranhas, fibra por' fibra, o coração lhes palpitou mezes
a fio bem perto do coração ; estão unidos, estreitamente liga­
dos. O outro, não ; foi trazido pelo anjo .
Mas _suponhamos que, para obedecer a Deus, - quantos
se inclinariam a esta obediência? - a criança fôsse aceita.
Tudo ia mais ou menos bem. Mas, quasi de repent�. o pe­
queno começa a se mostrar desobediente, preguiçoso, insupor­
tavel. Por causa dele, despezas, preocupações, aborrecimentos.
Ao bem que lhe fazem os "pais" , responde com descaso e in­
gratidões. Esperam que passe a crise, mas a cousa piora. Aos
quinze anos - teria chegado a tanto? - desperdiçado, inu­
til, mas arrogante e ingrato, passa das desobediências, das
zombarias aos maus tratos.
Quem continuaria a suportar êste menino, que nenhum
laço natural prende ao lar? Mas há um laço espiritual, dir­
se-á. Muito fraco, por si só, para prender os homens, que são
A EDUCAÇÃO S EXUAL 189

apenas espírito. Como também os laços do sangue não bas­


tariam, porque o homem não é só matéria.
O melhor modo há-de ser, portanto, aquele em que o
filho se liga aos pais por laços tanto do corpo como do es­
pírito. Perfeito traço de união, de insuperavel solidez, em­
polgando o homem todo quanto é, em completa harmonia
com a natureza humana, composta, a um tempo, de corpo e
alma. Só a procriação, tal como Deus a fez para os homens,
garante esta ligação de pais e filhos, por toda vida. Nos ani­
mais, onde falta o laço espiritual, o pai e filho se desconhe­
cem ; e entre mãe e filho as ligações não. passam da infância,
enquanto a natureza. não pôs o pequenc em condições de viver
por si. Mas no homem os laços da descendência corporal são
sustentados e enobrecidos pelo parentesco espiritual. Os pais
sabem que aquele filho foi Deus que lhes deu, mesmo sem
precisar que um Anjo lhes diga. Há nos traços da fisiono­
mia, nos gestos e nas atitudes do corpo os indícios daquela
certeza com que afirmam: - "Eis aquí a carne da nossa
carne, os ossos dos nossos ossos" Há nas manifestações do
espírito os mesmos sinais da filiação. E isto , de modo indes­
trutível. Homens feitos, senhores da própria vida, vivendo
distante, os filhos continuam a viver nas preocupações amp­
tosas e ternas dos velhos pais, cujos corações não envelhecem
no cuidado indormido de se alegrar com as alegrias dos "me­
ninos", ou se entristecer com as suas dores, ou se desvelar por
sua vida.
A única maneira à.e realizar esta dupla paternidade -
corporal e espiritual, - é a que Deus escolheu. Em nenhuma
os pais contribuíram tão de perto para a produção da vida,
ou se fariam mais imediatos instrumentos de Deus. Em ne­
nhuma, o filho estaria mais ligado aos pais por tantos e tão
estreitos laços, capazes de resistir a tantas canseiras, tantos des•
gostos, tantas preocupações.
1 90 P A DR E A . N E G R O /ll O N T E

O que é preciso, sem dúvida, é nos acostumarmos a olhar


a transmissão da vida do .ângulo superior por que aquí o en­
caramos, - único, aliás, compatível com os designios de Deus
e a dignidade do homem.

II

Isto é suficiente para mostrar que a função sexual foi


organizada por Deus para a geração de filhos, e esta só é
possível ordenadamente no matrimónio uno e indissoluvel.
Dentro dêstes limites, esta função não é �penas legítima, mas
de alta dignidade, por ser a mais visinha participação do Po­
der Criador.
Donde vem, então, o vêso de chamarem a esta tendência
de má, a esta função de impura, a êstes órgãos de vergonhosos?
Não pode vir deles mesmos, criaturas de Deus, saídos das
mãos divinas, com uma elevada finalidade social. Vem do
mau uso, da maneira indigna, da verdadeira degradação com
que os homens depravados corromperam o seu corpo, profa­
nando o exercício ·da função procriadora, descendo-a do seu
alto pedestal de multiplicadora da espécie para o vil mister
de servidora do indivíduo.
Não foi difícil, infelizmente, esta degradação. Vimos
que Deus uniu ao ato sexual um prazer intenso, não só para
compensar, até certo ponto, as dificuldades oriundas das res­
ponsabilidades da geração, mas também para estimular os in­
divíduos a se porem a serviço da espécie. Os homens se dei­
xariam arrastar por êste prazeli, e assim serviriam à propa­
gação do gênero humano - segundo o pensamento divino.
Movido por esta tendência, o homem se deixaria levar aos
trabalhos da vida conjugal e às responsabilidades da pater-
A E DUC A Ç Ã O S E X U A L 191

nidade, deixando um lar em que era o filho e fundando um


lar em que será o pai. Tudo de acôrdo com o plano divino.
Mas os homerts, seduzidos pelo prazer dos sentidos, mais
facilmente cuidaram dele que da finalidade a que Deus o des­
tinou. Sempre acontece assim com os prazeres sensíveis. Não
seria ainda um mal. O êrro foi os homens esquecerem a fina­
lidade mesma e buscarem a função só pelo prazer, fora do
matrimônio, ou ainda nele, mas lhe frustando os efeitos
naturais.
Todos compreendem ser isto um desrespeito ao plano
divino, que tem em vista primariamente a geração, deixando
o prazer sensível e o amor como servidores dela. Usar dos
órgãos procriadores, experimentar a emoção sexual para a
geração dos filhos no matrimônio, não era mal, nem é ; é um
direito do indivíduo ; é mesmo, socialmente falando, um de­
ver, pois que, do contrário, a sociedade se extinguiria. O mal
é o abuso da função. E' servir-se dêste meio para outro fim,
que não o intentado pela vontade divina. E' desrespeitar a
natureza.
O mal, portanto, são as relações sexuais antes do casa­
mento ou as extra-matrimoniais, porque, ainda que levem à
geração, não estão organizadas por Deus, nem asseguram os
direitos do filho, quanto à educação. O mal são as uniões
livres, à mercê das paixões e dos caprichos, feitas sem laços
indestructíveis, que são os únicos que tranquilizam o futuro
da prole. O mal é, por isto mesmo, o divórcio, que deixa os
filhos sem pais. O mal está muitas vezes no próprio matri­
mônio, desde que dele se exclua a geração de · filhos, ficando
a função a mero serviço d� indivíduo, como uma fonte de
gozos, quando devia ser uma fonte de vida.
Não vamos acompanhar a degradação vergonhosa dos
homens pelos resvaladeiros da impureza. Os animais, priva­
dos da inteligência e da liberdade, deixaram-se guiar pelas leis
192 P A D R E � N E G ROM O N T E

fatais dos seus instintos. Mas o homem serviu-se das facul­


dades espirituais para corromper o instinto ! Os que presu­
mem ter encontrado práticas contra a natureza nos bichos
con.fessam que só o viram excepcionalmente, que se trata de
um ato acidentalmente aprendido, e que não desperta nos ou­
tros animais o desejo de · imitação. ( 1 ) Descem ainda mais
os viciados, e vão das práticas solitárias às homosexuais, mis­
turando-se às vezes com os brutos, em violações cada vez mais
degradantes da dignidade humana e da alta função, que assim
corrompem. Um homem atirado por êsses tortuosos e resva­
ladiços caminhos irá facilmente ao fundo do abismo, porque
a tendência é forte, e ainda mais forte, se alimentada dêste
modo. E vai se tornando exigente e dominadora, à medida
que a vão satisfazendo, de maneira a não bastar amanhã o
que hoje lhe concederam. Não admira que um tal repute uma
necessidade o próprio vício, pois que êle mesmo o iniciou·,
desenvolveu e alimentou, tornando-se escravo da tendência
de que devia ser senhor.
Mas todos quantos escaparam ao domínio do vício -
mesmo que tenham faltas a lastimar - hão-de compreender
que implica ainda uma traição à elevada confiança deposta
por Deus no homem. Por grande que fôsse a inclinação se­
xual, estando o homem governado pelas faculdades superiores,
devia subjugá-la e vencê-la, e com tanto mais facilidade quanto
a sua natureza é superior à dos animais.
Os que reputam a função sexual urna necessidade fatal,
um direito à outrance, se esquecem que devemos elevar as pai-
•xões à altura de princípios, e não rebaixar os princípios ao
nível das paixões. �les, êsses pobres coitados, afizeram-se de
tal modo ao lado sexual da vida, que consideram o homem
um animal abaixo dos animais, quando a verdade é que lhes

(1) Cfr. S. Stall - O que um rapaz deve saber.


A EDUCAÇÃO SEXUAL 193

estamos muito acima, e ternos exigências morais que os irra­


cionais desconhecem. Ora, precisamente a função sexual é a
que realiza uma união m.:1is estreita entre a moralidade e a
atividade corporal, como observa Mersch : ( 1 ) "Em parte
alguma, a atividade do corpo é tão intrinsecamente de ordem
moral; em · parte alguma aparece melhor, com tão rigorosas
exigências, o valor absoluto que a nossa alma dá à nossa
carne Mas os que se afundaram nos abismos sem limites
da sexualidade, perdidos nas escuridões, não vêern a disciplina
dos costumes que requer vista cheia de claridades espirituais.
êles continuarão a rolar para mais fundo, porque um abismo
precipita noutro abismo. Mas isto não impede que os outros
vejam claro.
E os que vêern claro sabem que isto é urna degradação
e um aviltamento. E tanto maior quanto mais alta reputam
a dignidade da procriação. Tanto maior é a queda, quando
de mais alto se cai. Mas sabem igualmente que essas degra­
dações_ não tirarão jamais a auréola divina da função sexual.
Os desregramentos dos homens, a vileza da paixão desaçai­
mada, as profanações que deshonram não mudarão a essência
das cousas. O instinto de conservação da espécie foí posto por
Deus no mais profundo da natureza humana, com as res­
ponsabilidades tremendas do próprio fut�ro da humanidade.
Deus quís, por êle, associar o homem à conservação dos ho­
mens. Em todas as outras atividades o homem: produz cousas;
mas na atividade genésica produz um outro homem. Se com
isto provamos que não há degradação comparavel à degrada­
ção do instinto sexual, provamos igualmente e em primeiro
lugar que esta será sempre· urna grandiosa função, cuja digni­
dade essencial permanecerá intangível às misérias humanas.

( 1) E'. Mersch, - Amour, Mariage, Chasteté, i,s Intelligence et


ronduite de l'amour.
194 P A D R E A.. N E G R O M O N T E

Daquí tiramos duas conclusões que nos parecem essen­


ciais. Para nós mesmos a de olharmos sempre a função pro­
criadora pela sua grandeza ; para compreendê-la tal como Deus
a quer, para falar dela com dignidade, e nunca com zombaria
e malícia ; para respeitá-la, · só usando dela dentro da finali­
dade que Deus lhe fixou. E para os outros, como educadores,
ensinar a pensar assim, a falar assim, a agir assim.
Estas idéias nortearão a teoria da educação sexual : ter
as cousas sexuais como respeitáveis e ensinar a respeitá-las.
E nos ensinarão também a ver como estão errados os que só
se referem às cousas da procriação, chamando-as de vergo­
nhosas e impuras; à tendência sexual, de pecaminosa ; aos ór­
gãos sexuais, de indecentes. :Êles estão confundindo, lamen­
tavelmente, a função com o abuso, o plano divino com os
desregramentos dos homens, e levam a idéia de vergonha, que
devia ficar com o pecado, para a própria função, tão alta e
digna na mente do Criador.
Estão sendo vítimas de prejuízos muito antigos e, infe­
lizmente, muito divulgados. Os homens, levados pela deser­
de� do poderoso instinto, se deixaram arrastar e desgarra­
ram-se. O prazer, que era um caminho para o dever, começou
a ser procurado por si mesmo, numa demonstração de agois­
mo, realmente vergonhosa. E' facil imaginar a que excessos
lastimáveis os homens foram arrebatados. Destruíram as bar­
reiras do pudor e da moral, inverteram os valores naturais,
profanaram_ o santuário da família, nem recuaram deante do
crime, do vício e da deshonra, espalmando uma vaga de in­
dignidades de que nos dão notícia a história do passado e a
visão de nossos dias. Porque o move! de tanta miséria, de
tanta vergonha, era a tendência sexual, passaram a chamá-la
com o nome de vergonhosa, esquecendo-se, numa generaliza­
ção explicavel, que o qualificativo devia reservar-se ao abuso.
Mas a pecha ficou. Tendência, função, órgãos - tudo
A EDUCAÇÃO SEXUAL 1 95

costuma ainda ser designado assim. Foi um excesso dos mo­


ralistas, que não contaram, de certo, com o reflexo que isto
teria sôbre a própria moralidade. De fato, hoje recuam mui­
tos deante da educação sexual, porque não querem falar aos
filhos de cousas tão vergonhosas e indecentes ! . Não vêem
que estão julgando a função nobre e santa pelo abuso pro­
fanante e indigno, nem percebem quanto isto tem de anti­
educativo e de imoral, pois que os próprios filhos vão reputar
de viciosos os pais, no dia em que souberem mal sabido que
os pais praticam as ações "vergonhosas" para os filhos po­
derem vir ao mundo.
Devemos contar com êste detestavel preJu1zo, mas para
combatê-lo e corrigí-lo em nós e nos que de nós dependem,
mesmo porque um alto conceito da sexualidade, tal como Deus
a fez, é, sem dúvida, um elemento de melhoria moral, tão
necessária a êstes nossos tempos corrompidos.

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POSSIBILIDADE DA CASTIDADE

Vale pouco provar que a castidade é possível. Não creio


que muitos moços estejam convencidos da sua impossibili­
dade. Os que chegaram a esta convicç�o foram levados pelos
desregramentos a que se entregaram. Terminaram pensando
como vivem, por não terem vivido conforme pensavam -
para repetirmos a tese que Bourget explorou num dos seus
mais conhecidos romances.
E' verdade que existem os convictos da impureza. Che­
gam mesmo a supor que nem seja pecado. São deformados.
Não foi a natureza que lhes falou. Não foram as fôrças do
organismo que se impuzeram. Ouviram os prejuízos correntes
e sentiram as imposições dos maus exemplos.
Um terceiro grupo existe : os que procuram se convencer
da pseudo-inipossibilidade. Seria melhor que fôsse impossí­
vel! E' mais prático acreditar que seja nociva I E' dêsses que
o salmista lastima não quererem compreender para não fica­
rem obrigados a agir bem. ( 1 ) Para todos a grande e lamen­
tavel verdade é que não amam a virtude e preferem o vício.
Por isso dão pronta aceitação às idéias viciosas e fecham o
entendimento à argumentação da virtude, embora percebam
de que lado anda a verdade .
Não falta infelizmente quem aja dêste modo. Até aque-

(1) Cfr. 'Sal. 35. 4.


198 P ADRE A. NEGROMONT E

les que a profissão constitue guardas naturais e defensores da


saude do povo se fazem, às vezes, difus_ores dêsses errados con­
ceitos. E os pobres moços, privados da disciplina natural da
raça e dos benefícios de uma sólida formação moral, .resvalam
bem depressa, empurrados por conselhos tanto mais fáceis de
seguir quanto partem de lábios autorizados e satisfazem aos
secretos desejos do próprio coração. Em casa, os pais, por
terem trilhado os mesmos caminhos, extranhariam a preser­
vação dos filhos, como cousa a temer. Em torno, a sociedade
é cheia de complacências. No fundo, anda a mesma razã'o,
velha e desmoralizada, de que, afinal, é uma exigência irre­
fugivel da natureza.
Ao pêso de semelhante mentalidade não é possível ser
casto. As idéias tendem a realizar-se. Se a castidade é difícil
para os que a reputam um dever, será de todo em todo irnpra­
ticavel aos que a teem como impossível. Urge reformarmos a
mentalidade a respeito. Foi por isto que não omitimos êste
capítulo. Apenas o reduziremos, porque o assunto vem tra­
tado com suficiente largueza e profundidade por quasi todos
os autores sérios que estudam a questão.

NA ADOLESC�NCIA
São poucos os inimigos da castidade dos adolescentes.
Alguns não se pejam de justificar o vício solitário, a pretexto
de que só os excessos são prejudiciais aos meninos. Mesmo
desprezando os argumentos morais, de pequ_ena valia,· ou de
nenhuma, para semelhantes homens, a própria ciência dirá os
males produzidos pelas perdas seminais dos mocinhos, cujo
organismo em formação deve economizar todas as fôrças ne­
cessárias ao próprio crescimento. :ele não pode tirar de si para
dar a outrem o que ainda lhe é necessário. Isto é lei biológica.
A EDUCAÇÃO SEXUAL 1 99

A simples célula só se reproduz, quando supernutrida. E'


evidente prejuízo o organismo privar-se do que constitue sua
mais rica substância, como é, sem dúvida, aquela a que Deus
confiou a produção de uma nova vida. ( 1 ) Crescido no des­
perdício de tão precioso elemento, o moço se verá prejudicado
tanto nas resistências do corpo como nas faculdades superiores
da inteligência e da vontade. Está muito de acôrdo com os
estudos de endocrinologia, tão avançados nos últimos tempos.
E' sabido que as glândulas sexuais têm, antes da época pro­
criadora, durante ela e depois, uma função interna de nutrição
do organismo, especialmente benéfica ao sistema nervoso.
Sendo tema em que me falece autoridade, copio à letra o va­
lioso parecer de Herzen, professor de fisiologia em Lausanne :
"Compreende-se o que acontecerá a un;: organismo jovem que
muito cedo começa a fatigar e estragar o órgão, que lhe deveria
fornecer o produto interno. Assim, êle força o órgão a dar
muito cedo o produto externo, com prejuízo de todo o orga­
nismo, que, por isto, não pode atingir o desenvolvimento
normal . O organismo que, desta forma, se tornou fraco,
fornece germcns fracos ; e com isto vem sofrer a descendên­
cia E como refutando os que condenam apenas os excessos
da juventude, acrescenta : "Esta é a causa das desgraçadas
consequências, não só do abuso como também do simples uso
dos Ófgãos genitais, antes que êles e todo o corpo tenham
atingido à madureza" (2 )
Digam o que quiserem os adversários da virtude, se o
jovem se desperdiça precisamente na época em que o orga­
nismo se desenvolve, é claro que o desenvolvimento se ressente
dêsses desperdícios. A precocidade da função sexual se devem

(1) Uma perda seminal vale uma perda de · sangue vinte vez.es
maior.
(2) Dr. A. Herzen - Science et Moralité.
200 PAD RE A NE GRO M O N TE

numerosas psicastenias 2 as impotências, que os advogados da


impureza imputam erradamente à castidade. Nem faltam tam­
bém as estatísticas para mostrar que é maior a mortalidade nos
que precocemente se deram às práticas sexuais. Ribbing ( 1 )
diz que o casamento é causa da mortal�dade de 60 % dos ca­
sados antes dos vinte anos, ao passo que apenas de 14 % dos
casados depois dos vinte anos. E quando não se vá tão longe,
a experiência ensina que facilmente se gastam e estiolam os
que madrugaram na impureza. Teem aspecto de velhos, com
a fisionomia cansada, falhos de resistência, os que quiseram
provar o fruto antes de deixá-lo amadurecer. Podemos, pois,
concluir com o Dr. Surbled, o qual, depois de afirmar que
"os excessos precoces teem por efeito rápido e certo debilitar e
alterar o temperamento, chegando algutnas vezes a causar as
mais graves doenças e atingir as fontes da vida", diz : "A ne­
cessidade da continência é evidente em toda idade, mas se im­
põe particularmente aos jovens", e "é principalmente um meio
de assegurar o desenvolvimento completo do organismo e de
fazê-lo atingir sem dificuldades a idade adulta" (2 )

Alguns objetam, dando ares de ciência à defesa da imo­


ralidade, que o mocinho de 15 anos já é, às vezes, capaz de
fecundar; portanto a natureza já lhe autoriza a função. Dis­
pensem-me de repetir que à própria natureza, bem ordenada,
repugnam as ligações extra-matrimoniais. E consideremos a
outra face da questão. A-pesar-da capacidade de procriação,
o mocinho de 15 ou 1 7 anos está em pleno desenvolvimento.

( 1 ) Apud Mário de Alcântara Vilhena - Da continência e seu


fator eugênico.
(2) Dr. Subled - A vid1 do jovem.
A EDUCAÇÃO SEXUAL 20 1

E tudo o que acima dissemos lhe cabe e assenta como dito


para êle.
Quanto ao mais, os argumentadores ligeiros confundem
o início da virilidade com ela própria, como confundem a vi­
rilidade com a nubilidade. O rapazinho, mesmo capaz de ser
pai, está apenas no comêço do desenvolvimento, que vai ainda
durar anos inteiros. Os seus elementos de fecundação, raros e
fracos, só mais tarde aumentam em número e qualidade. Ele
é, pois, um fruto, que começa a desabrochar. E' um botão,
que aguarda o tempo para se fazer flor.
Mesmo que quisessem autorizar o casamento dêsse me­
ninote - único modo de legitimar as relações sexuais -
ainda andariam mal avisados. Seria prejudicar ao mesmo
passo o pai e os filhos. :êstes sairiam fracos e mal constituí­
dos, por terem sido produzidos por um organismo em for­
mação e ainda não maduro para a função a que se precipitou.
Aquele, dando do qu� ainda lhe exigia a natureza, viveria
num regime deficitário que cedo o arrastaria à falência.

O MOÇO FEITO

Já não é o adolescente. E' o rapaz feito. Fruto ama­


durecido e forte, cheio de seiva, transbordante de vida, em
plena virilidade e nubilidade. Será possível guardar a casti­
dade? Damos, primeiro, a palavra da ciência. Daremos de­
pois a imposição da Moral.
Poderíamos fazer aquí mil citações de autoridades das
maiores do mundo. Quantos já tiveram em mãos os tratados
a respeito lhes conhecem os nomes. Fournier, Beale, Francotte,
Perrier, James Paget, Féré, Mantegazza, Bourgeois. Goy, Jules
Payot, Oesterlen, Andrew Clarke, Dubois, Barbet, Delatré,
Gernelli, Eulenburg, Gowers , Kulmer, Friedel, Rault, Acton,
202 P A D R E A. N E G R O M O N T E

Héricourt, Kraft-Ebing, Napheys, Riebing, Quayrat, Maigné,


Pieczwiska, lsch-Wall, Farei, Appenheirn, Fiaux, os conheci­
díssimos Good e Surbled - para lembrarmos os mais citados
entre os estrangeiros. No Brasil, mesmo na época em que era
moda afrontar os princípios religiosos em nome da ciência,
pronunciaram-se a favor da continência, autoridades do v ulto
de Austregésilo, Hilário de Gouveia, Taner de Abreu, Nasci­
mento Silva, Eduardo Rabelo, Celestino Bourroul, Moreira
da Fonseca, sendo de lembrar que, no mesmo tempo, dous mo­
ços corajosos faziam do assunto o tema das suas teses de dou­
torado. ( 1 ) Mas não iremos citar aquí os testemunhos in­
dividuais.
Por facilidade, transcreveremos alguns que empenham a
autoridade de coletividades notáveis.
A Conferência Internacional de Profilaxia e Sanitária
aprovou por unanimidade esta conclusão, na reunião de 1 902
em Bruxelas : - "E' preciso ensinar à mocidade masculina
que a castidade e a continência não são, de modo algum, <la­
nosas, mas são virtudes das mais recomendáveis, até mesmo
sob o ponto de vista médico"
A Faculdade de Medicina da Universidade de Cristiania
fez esta declaração, qúe é cabal, porque torna expressamente
o lado negativo da questão : - "A asserção recentemente feita
por algumas pessoas, e , divulgada pelos jornais, de que uma
vida moral e urna continência perfeita são nocivas à saude, é
totalmente errônea, como testemunha a nossa longa expe­
riência, que é, neste particular, unanimemente seguida. Não
conhecemos caso _ algum de debilidade proveniente de urna
condu_ta perfeitamente pura e moral".

( 1 ) Eram o dr. Mário Alcântara de Vilhena - Da continência e


seu fator eugênico, ou Da continência como base para a constituição
duma raça vigorosa ; e o dr. Irineu Torres de Vasconcelos - Devemos
e podemos guardar Castidade antes do matrimônio. ·•·
A EDUCAÇÃO SEXUAL 203

Os médicos de Nova-York - e os Estados Unidos sã9


o país mais materialista do mundo - subscreveram esta de­
claração : - "Averiguando a extensão dos sofrimentos, as
doenças físicas, os resultados de uma hereditariedade deplora­
vel e o mal moral inseparavel de uma vida impura, nós abaixo
assinados, médicos de Nova-York e arredores, nos unimos para
declarar que a castidade - uma vida pura e continente para
os dous sexos - promove as melhores condições de vida física,
mental e moral"
Em face da horrível decadência física, produzida pela
incontinência, os professores de Higiene de vinte Universida­
des da Alemanha, Austria e Suíça dirigiram um "Apêlo à Mo­
cidade" , exortando os moços à castidade : - "Antes de tudo,
exortamo-vos a vos absterdes tanto quanto possível das rela­
ções sexuais. Todos quantos se entregam às relações sexuais
fora do matrimônio devem contar não só com a possibilidade,
mas com a probabilidade de uma infecção. Reputamos de
nosso dever pedir-vos uma maior disciplina de vós mesmos,
armar-vos contra as tentações que vos cercam, e vos lembrar­
mos que a experiência de tantos séculos mostra que a absten­
ção ou a limitação das relações sexuais não cria nenhum obs­
táculo ao desenvolvimento físico e intelectual da mocidade.
Falamos apenas em nome da higiene, deixando de lado os pre­
ceitos de moral, que também se impõe legitimamente neste
assunto. Lembrai-vos de que, agindo contra os nossos con­
selhos, perdeis a saude, rebaixais os vossos pensamentos e sen­
timentos"
Quanpo alguns médicos disserem que a castidade é i_m­
possivel ou nociva aos rapazes, meçamos a sua paupérrima
autoridade e comparemos com as poucas aquí apresentadas.
Vejamos de que lado está a ciência, e lastimemos que, ao me­
n09 em nome da higiene, da defesa da saude e do futuro d!l
204 P ADRE � NE G R O MON T E

gente brasileira, êles não se façam propagandistas da virtude,


que, ao mesmo passo, re�guarda os corpos e alevanta os
espíritos.

ARGUMENTO MORAL

Ouvimos o que diz a ciência, não urna falsa e interessada


ciência, mas a pura e verdadeira ciência, que falou por alguns
dos órgãos mais representativos . . Ouçarn?s agora a Moral.
O preceito da castidade está no J?ecálogo. Deus que o tinha
gravado no coração do homem, renovou-o de modo expresso
na revelação do Sinai, proibindo as ações e os desejos da im­
pureza. Lei de Deus para os homens, êste mandamento é uni­
versal no seu âmbito, e não pode admitir exceções de pessoas,
de raças ou de climas. Ditado pela Sabedoria oniciente, é imu­
ta\tel no seu conteudo, e há-de sobrepairar às paixões desen­
freiadas dos homens. A sua obediência ligou Deus a própria
salvação eterna, pois Jesús Cristo declarou no Evangelho : -
"Se queres entrar na vida eterna, observa os mandamen­
tos '* , ( 1 ) e S. Tiago diz que quem falta a um só dos man­
damentos desrespeita a todos. (2)
Seria uma impiedade e uma blasfêmia dizer que Deus
exigiu dos homens, sob pena de eterna condenação, urna cousa
impossível. Sem fazer auto-citação, repito o que escreví num
pequeno tratado da Moral católica: ( 3 ) "a) Só ordena urna
cousa impossível quem ignora a natureza da cousa ordenada
ou da pessoa a quem ordena. Ora, os Mandamentos foram

( 1 ) Mat. 19. 17.


(2) Cfr. Epist. de S. Tiago, 2. 10.
(3) P. A. Negromonte - Caminho da Vida - ed. das " Vozes "
de Petrópolis.
A E D U C A ÇÃO S EX U A L 205

dados por Deus ao homem. Atribuir a Deus alguma igno­


rância, seria uma blasfêmia.
b) De.us exige a observ'ância dos Mandamentos como
condição para nossa salvação. Dizer que Deus nos castigará
porque não fizemos uma cousa irnpossivel, é impiedade, que
atribue ao Senhor uma injustiça" .
E que o céu não pertencerá aos impuros S. Paulo o
diz expressamente : "Nenhum impuro entra no rtino de
Cristo" . ( 1 )
Poderíamos acrescentar os elogios que Jesús Cristo fez à
virgindade perpétua, e não apenas temporal, corno também
os conselhos de S. Paulo aos que se quisessem conservar célibes.
A Cristo consultaram os fariseus : "E' lícito a um homem
repudiar a sua mulher ?" E como o Divino Mestre respondesse
que a ninguém é lícito separar o que Deus juntou, e que co­
meterá adultério quem repudiar a espôsa e tornar outra mu­
lher, ou o que se unir à mulher repudiada, os discípulos re­
plicaram : " Se é tal a condição do homem com a sua mu­
lher, é melhor não casar" Ao que respondeu Jesús : "Nem
todos compreendem esta palavra, mas aqueles a quem foi con­
cedido. Porque há eunucos que nasceram assim do ventre de
sua mãe ; e há eunucos a quem os homens fizeram tais ; e há
eunucos que se castraram a si mesmos por causa do reino dos
céus. Quem pode compreender, compreenda." (2) Só mesmo
os que nfo podem compreender, não compreendem que Cristo
fala aquí dos homens que, por um motivo espiritual, escolhem
o estado celibatário, vivendo em castidade perfeita.
S. Paulo ensina que é melhor o homem viver em estado
de virgindade. E' mais perfeito. Mas sabe que a perfeição
não é para todos. Os perigos são grandes, e os que não pu-

(1) Epist. aos Efes. 5. 5.


(2) Cfr. Mat. 19. 3-12.
206 P A D R E A. N E G R O M O N T E

derem guardar-se na castidade absoluta, casem, pois que, tendo


a sua espôsa, podem mais facilmente evitar o perigo. Mas êle
mesmo é virgem, e aconselha a virgindade aos que quiserem ,
lembrando, entretanto, que o dom não é de todos. Por isto
mesmo diz textualmente : - "Mas se não se conteem, ca­
sem-se. Porque é melhor casar-se do que abrasar-se" . E passa
depois a fazer o elogio da excelência da castidade perfeita. ( 1 )
Ora, ninguém, de bom senso, vai dizer que Cristo e seu
Apóstolo louvaram, encareceram e aconselharam aos homens,
como melhor e mais perfeita, uma cousa impossível.

A VERDADEIRA ILAÇÃO

Um último argumento. Fazem do pequeno número de


homens castos um argumento de excessivas proporções. São
poucos os castos ; logo, a castidade é impossível.
Em primeiro lugar, é muito discutível que sejam assim
tão poucos. E' facil saber quantos são os impuros : os postos
anti-venéreos e as devastações sifilíticas os denunciam e ano­
tam. Mais se percebe o crime que a virtude. Além disto,
quando se quer um pretexto, a generalização é muito facil.
O ladrão, para se tranquilizar no vício, dirá com simplici­
dade : "ora, toda gente furta" Mas os que teem olhos
para ver o bem, e os que podem olhar de face a virt!lllde, afir­
marão, sem dúvida, que o número de homens puros é muito
superior ao que se pensa. :Êstes segredos não andam desven­
dados com as facilidades que denunciam os crimes. Falando
disto, Hoornaert, para mostrar como um só criminoso atrai
maiores atenções do que numerosos homens ho�estos, lembra
que os jornais nunca se preocuparam em anunciar que os mi-

(1) Cfr. 1.• Epist. a•s Coríntios. Cap. VII.


A E o ·u c A Ç Ã O S E X U A L 207

lhans de caixeiros da cidade são probos, mas abrem colunas


para o caixeirinho oesvergonhado que fugiu com o dinheiro
do patrão,
Mas vamos supor, somente para argumentar. que sejam
poucos os castos. Que mostra de senso lógico darão os que
concluírem daí pela impossibilidade da continência? Alguns
fazem ; logo, é impossível aos .homens ! Não é o contrário
que parece lógico : Alguns praticam ; logo, é P.ossivel? Nem
precisava tanto : bastava um. Bem se vê que não é a inteli­
genc1a, é o cor;ição que quer errar Podíamos repetir, com
o salmista, que "êsses sempre erram pelo coração" ( 1 )
d
Outras dificuldades estudaremos adiante ou não mere­
cerão nossas preocupações, por serem demasiado fracas ou de
evidente má vontade. Como, por exemplo, dizerem que os
continentes são anormais. Anormais, que cumprem a lei na­
tural e a divina, dominam os seus instintos mais fortes, go­
vernam a matéria pelo espírito ! Até faz lembrar a anedota
do vigário que, pároco de uma população inteira de papudos
e papudo também êle, vendo o povo zombar de um extranho
que não tinha papo, chamou os fiéis à ordem, mandando que
tivessem caridade com o pobre irmão defeituoso .

*
**
Concluindo êste capítulo, que nem precisava ser tão lon­
go, porque os outros livros o tratam com bastante largueza.
devemos advertir que uns confundem dificuldade com impos­
sibilidade. Os educadores fariam mal, muito mal, em apre­
sentar aos jovens a castidade corno virtude facil. E' difícil. A
tendência é forte e não serão os fracos que poderão detê-la.
Há uma continência facil, em temperamentos frios ou doentes :

(1) Sal. �-4. 10.


208 P A D R E A. N E G R O M O N T E

- mas não é virtude, é incapacidade; não é a regra, é exceção,


- e não estamos contando com moços doentios. Queremos a
plenitude do espírito governando a robustez do corpo. Isto
custa. Os impulsos do instinto são poderosos, porque teem
a seu cargo a tarefa ingente de perpetuar a espécie humana.
Além disto, o mundo moderno tem mil maneiras de incenti­
var a impureza. E os moços vivem no meio dêste mundo.
As tentações são numerosas e sedutoras. Não é com facilidade
que um homem enfrenta a correnteza impetuosa dos sentidos
avolumada pelos perigos exteriores, e lhe sai vencedor. Não !
A peleja é rude e penosa. A luta exige fôrça de vontade.
Como em todas as cousas difíceis, os covardes sucumbirão,
porque são covardes !
Outras dificuldades existem. São particulares, mas pon­
deráveis para a educação da castidade. Há temperamentos ter­
ríveis. Servido por um temperamento assim, o moço experi­
mentará ainda maiores dificuldades. Por isso, redobrará de
vigilâncias e esforços - de meios.
Ou então, está viciado ! Arrastado pelo declive escorre­
gadio, reputa necessidade o que é vício. E, mesmo que deseje
corrigir-se, sentirá as dificuldades crescerem na medida em que
o vício avançou.
Mas, ainda nestas conjunturas, não se pode falar em im­
possibilidade, em tendências invencíveis, em necessidade, a me­
nos que se tratasse de casos patológicos, os quais não servem
para argumeento. Difícil, sim ; impossível, não. Virtude dos
fortes, e não dos displicentes.
Mas não deixemos de dizer que a castidade é impossível.
E' impossível. Não escondamos. Não enganemos. A casti­
dade é impossível . aos que não querem ser castos. Mas
aos que não querem, todas as virtudes são impossíveis.
VANTAGENS DA CASTIDADE
Provamos que a continência é uma virtude natural e ne ­
cessária, mais do que possível. Não escondemos que seja urna
virtude dificil. Importa, portanto, apresentarmos as vanta­
gens desta virtude, que deve ser de grandes benefícios, para
poder despertar o iânimo de quantos se dispõem a enfrentar as
düiculdades e chegar a praticá-la. Infelizmente largos pre­
juízos contra a castidade andam fartamente disseminados. E
mais se pensa nos imaginários males do que nos bens reais da
bela virtude. Vem âaí que, sendo dificil e, segundo dizem,
perigosa, os homens mais querem fugir-lhe, entregando-se ao
vício, que é facil e agradavel aos sentidos.
Os arrependimentos veem tardios, quando a alma já está
manchada de pecados e puida pelo vício, a saude está arrui­
nada, e o homem abatido sente a inteligência enfraquecida e
a vontade escravizada ; quando o lar se ressente dos estragos
fatais de que os poores filhos estão vítimas. Examinemos as
vantagens da continência e ponhamo-las na outra concha da
balança em que os defensores da imoralidade pesam os decan­
tados benefícios da impureza.
210 P A D I'- E A . N E G R O M ONT E

PARA A SAUDE
O primeiro argumento é o da saude. A castidade faz
mal. Indiretamente, se quiserem, e diretissimarnente para quem
pode ver, já provamos que não. Porque nos falece autoridade,
demos o parecer de numerosos médicos e educadores, professo­
res de universidades, membros de sociedades científicas. Nin­
guém pensará que êsses homens aconselhariam alguma coisa·
nociva à saude. Nos testemunhos citados da!. 4 grandes cole­
tividades há referências expressas ao prejuízo, que é por todos
êles condenado.
Sabemos que, a-pesar-disso, muitos continuarão a dizer
o que quiserem, atendendo mais a inconfessáveis desígnios do
que à voz incorruptível da verdadeira ciência. Outros ainda
duvidarão : os argumentos são apresentados de tal modo
A própria exposição dos pretensos males bastaria para
urna refutação cabal. São verdadeiras contradições. Uns di­
zem que a continência super-excita ; outros que atrofia. Uns
que reduz à frieza ; outros que leva à erotomania. Uns que
estagna a função dos órgãos ; outros que obriga a aberrações.
Destroem-se uns aos outros, dando-nos pouco trabalho inte­
lectual de refutá-los, é verdade, mas fazendo um mal horrível
aos pobres moços que lhes dão ouvidos.
Entre todas, a balela mais corrente é a das psicastenias.
Do simples nervosismo à loucura, atravessando toda a escala
das perturbações psíquicas, a castidade é acusada de produzir.
Poderíamos repetir aquí mil testemunhos de médicos eminen­
tes. Não é preciso, porque andam muito citados nos livros ­
mais em voga sôbre o assunto. ( 1 ) São unânimes. Alguns
chegam a empregar expressões bem fortes. O dr. Good fala

( 1 ) Cfr. as obras citadas de Irineu Torres e Mário Vilhena ; Le


combat de la ' Pureté, de Hoornaert.
A EDU C A ÇÃO SEXUAL 21 1

de "uma literatura pseudo-médica" que· "é uma pornografia


médica, nunca porém merecerá o título honrado de serviço
ou glória da ciência" ( 1 )
Para não multiplicarmos as citações - o que podería­
mos fazer com a máxima facilidade - limitar-nos-emos a
duas. Uma é de Forel, que não morre de amores pela conti­
nência, e cujo valor vem acrescido por ser neurologista de re­
nome ; "Nunca pude verificar que urna psicose proviesse da
castidade, mas ao contrário verifiquei muitos casos em que ela
foi provocada pela sífilis e por excessos de toda espécie" Ou­
tra é de Mantegazza, que também não é muito amigo da con­
tinência : "Todos os homens e mais do que ninguém os moços
podem experimentar os benefícios imediatos da castidade .
Sei disto porque numerosíssimos são reduzidos à fraqueza, à
estupidez e à paralisia pelos excessos sexuais; sei disto porque
enumeraria umas vinte moléstias que podem provir da luxu­
ria ; mas nunca vi uma só doença produzida unicamente pela
castidade" (2 )
:Êste "unicamente" de Mantegazza tem muito valor. De
fato, pode acontecer que um homem continente venha a se
prejudicar com isto . Será o caso de ser continente, mas não
ser casto. Privando-se externamente dos atos contra a casti­
dade, alimenta interiormente pensamentos e desejos que o ex­
citam. E' claro que o corpo, estimulado pelo espírito, tra­
balha muito mais. Dá-se um verdadeiro desequilíbrio de for­
ças. O homem começa a se inquietar, a irritar-se, a se per­
turbar, numa insatisfação perigosa. Neste caso a continência
pode trazer e realmente traz inconvenientes para a saude. Dão-

(1) Higiene et Morale.


(2) Paulo de Mantegazza - Higiene do Amor. Devo esclarecer
es leitores que se trata de um livro mau, condenado pela Iireja, incluse
no !ndice dos livros .proibidos.
2 12 PADRE � NE GROMONTE

se as psicoses : nervosismos, excitações, neurastenias, tristezas,


insatisfações. Mas, feita a distinção entre a continência e a
castidade, compreenâerão todos que não foi a castidade que
produziu o mal. Desde o momento em que as forças inte­
riores se conformassem com a privação exterior, o equilíbrio
se restabeleceria. Isto acontece, aliás, com todas as virtudes.
Se eu viver na pobreza, alimentando desejos de conforto, de
luxo mesmo, viverei numa permanente insatisfação, excitado,
nervoso, revoltado. Tudo chegará à tranquilidade, no dia
em que me conformar com o meu estado. Devemos, então,
dizer que a pobreza leva à psicose? Não; mesmo porque há
pobres mais equilibrados e mais felizes do que muitos mi­
lionários .
Compreendamos bem que a castidade não é apenas uma
virtude do corpo, mas é acima de tudo uma atitude do es­
pírito e um sentimento do coração. As psicoses se explicam
quando os homens conteem o corpo e soltam as rédeas ao
espírito. Mas isto não é virtude. A êsses tais Jesús Cristo
considerou no Evangelho como pecadores : "Eu, porém, vos
digo que todo o que olhar para uma mulher, cubiçando-a, já
adulterou com ela no seu coração" . ( 1 )
A verdade ·é que a virtude da castidade é , sob todos os
aspectos, benéfica. E mesmo a simples continência é infini­
tamente melhor do que a impureza, do ponto de vista da
saude. Não é somente não produzir moléstias. E' ser um
acumulador de e�ergias físicas. Não sabem disto apenas os
atletas, que se guardam muito tempo antes das suas compe­
tições. Sabem--no também os criadores que isolam os seus ga­
los de briga e os cavalos de corrida, quando os teem de exibir.
E, neste ponto, os animais não diferem de nós. O dr. Perrier

(1) Mat., 5. 28.


A EDUCAÇÃO SEXUAL 213

diz que· "tanto nas leis de higiene humana com em zootecnia,


a continência é um requisito para a prosperidade nutritiva" .
A coisa é por demais intuitiva, e dispensa insistências.
Basta olharmos um moço casto e um impuro. Nem seria para
admirar. Quando pensamos no valor da substância que perde
o homem na função genésica, podemos bem avaliar de quando
se priva o organismo. Podemos ainda melhor avaliar o quanto
lucra o sistema nervoso em guardar tão preciosas reservas para
si. A continência é salutar. "São benefíéios corporais, diz o
dr. Taner de Abreu, o resguardo da saude muito especialmente
contra as infecções sifilítica e blenorrágica, ambas de funestís­
simas consequências, e a poupança de força nervosa, pois,
como é sabido, a função genésica é a que maior soma destas
forças consome e gasta"
Do quadro dos males da impureza, por trágico e ver­
gonhoso, mais vale nos furtarmos. Muitos já o terão visto
em descrições bem vivas. Outros, mais infelizes, experimen­
taram em si mesmos. São tão graves e perigosos que nem
ainda os inimigos da castidade se atrevem a negá-los. Isto
é, ao mesmo passo, a maior condenação do vício, e o melhor
elogio à virtude. Equivale a dizer que são da impureza os
males que atribuem à castidade.

PARA O ESPÍRITO
Os defensores da incontinência nunca aceitam discussão
no plano do espírito. Encaram o homem do simples aspécto
corporal, como se não passáss�os de animais, e êles de vete­
rinários. E' que no plano espiritual sabem de antemão que a
discussão lhes será esmagadoramente desvantajosa.
Se o físico beneficia com a castidade, muito mais o es­
pírito. O homem casto revigora corpo e espírito. Aquela
214 P AD R E A . N E G R O M O N TE

leveza e agilidade de espírito que Mgr. Julien anotou como


uma das qualidades do clero católico, é fruto da castidade, sem
dúvida. ( 1 ) Os homens puros guardam por muito mais tem­
po a claridade e o vigor das faculdades intelectuais. O nosso
grande Rui afirmou que devia a lucidez da inteligência à
continência de toda a vida e à abstenção completa dos últimos
anos. (2)
Só podia ser assim. As gliândulas endocrinas influem
muito favoravelmente sôbre o cerebro. Ora, nós sabemos que
nas glândulas de função endocrina e exocrina, a diminuição
de um funcionamento importa no aumento do outro. E' o
caso das glândulas sexuais. Repousadas da sua função exo­
crina pela continência, começam a beneficiar o organismo,
com grande quantidade de elementos nutritivos. ( 3 ) Vem
daí o revigoramento não apenas físico, mas intelectutal dos
homens castos.
O espírito não é só inteligência. E' vontade. A covar­
dia moral é o grande mal dos nossos tempos. As capitulações
se multiplicam vergonhosamente. Não haveria exagero em
dizer que tudo isto se deve à impureza. Não há vício que en­
fraqueça tanto o espírito. Andam atrás dele todos os vícios
a galope. A imagem não é minha : é de Junqueiro, que escre­
veu em Pátria:
O' cidadela da Pu'reza, quando
Um vício te faz brecha, sem tardança,
Prestes os mais acodem galopando.

( 1 ) Cfr. Mgr. E . L. Julien - L e Prêtre.


(2) E' afirmação de A. Felício dos Santos, no ,prefácio da edição
brasileira de " A Vida do Joven ", de Surbled.
(3) 20% de calcio ; .30% de fósforo ; potassio, ferro, magnesio,
alem de espennina e colesterina, que agem principalmente sôbre o sistema .
n ervoso.
A E D U C A Ç ÃO SEXUAL 2 1 5'

A história está cheia de lições neste particular. Foi a


desgraça de Alexandre Magno, a desmoralização de Marco
Antônio, a vergonha de Cesar, a ruína de Napoleão. Camões
deixou no III canto versos imortais a respeito das devastações
da impureza no reino de Portugal. E êle explica. E' que

"um baixo amor os fortes enfraquece"

Na vida individual as ruínas ainda são mais fáceis de


perceber. Os moços fracos, sem resi�tências espirituais, sem
espírito de perseverança, sem ânimo para o trabalho, sem co­
ragem para os empreendimentos difíceis, sem capacidade para
as tarefas de fólego, estão julgados. Não lhes peçamos urna
atividade séria, nem digna, nem penosa, que êles não nos se­
rão capaz-es de exercer. A vida lhes desceu das alturas para o
mais baixo nível dos sentidos. Deles foi que Lacordaire disse
com energia : "A alma se materializa" A indulgência embo­
tada só poderia vencer pelo esfôrço da vontade ; mas a von­
tade es!á amolecida pelo vício.
O moço casto acostumou-se a reagir. Afez-se a vencer
as dificuldades, que os sentidos lhe opõem. Sente que traz
consigo um inimigo vigilante, e não pode dormir no posto
de luta sem tréguas. As muitas restrições a que se obriga,
para poder ser casto, ensinam-lhe a ser forte e temperado. Os
pequenos ou grandes esforços pedidos ;i. vontade disciplinam­
lhe o ânimo. O gosto de viver as convicções puras lhe dá ri­
jeza ao carater. A sua vontade está acostumada à mais difícil
de todas as vitórias, que é a vitória do homem sôbre si mesmo.
E por isto as demais vitórias não lhe serão difíceis.
Em L'E.tape, Bourget fala do "esgotado coração do
moço libertino" A quanto descem os sentimentos do impuro
é bem difícil escrever. Difícil e sobretudo desagradavel. To­
cado pelas forças sinistras da libertinagem, o mesmo homem
216 P A D R E A. N E G R O M O N T E

elevado, bom, generoso e digno de outrora é hoje um gros­


seiro, malicioso, egoísta e baixo. Inexplicavel dureza de co­
ração, que faz sofrerem tantas mães e filhas! Insensi.vel
egoísta, o que deixa os seus em necessidades, canalizando os
haveres para a crápula. As lições da história são clássicas. O
coração impuro não recua diante de nenhuma indignidade.
Daví se faz homicida por ter sido adúltero. Foi para agradar
a Taís que Alexandre incendiou Persépolis, como para agra­
dar a Herodíades Herodes matou a João Batista. Para saciar
os instintos desencadeiados o homem vítima da impureza é ca­
paz de todas as misérias. Vai arruinar a saude, envergonhar a
própria família ou lançar a dcshonra em outros lares,_enlameiar
um futuro? Pouco importa. De tudo fará o impuro tábua
raza. A insensibilidade moral o caracteriza. Eymieu refere de
um juiz de menores que julgou 1 7 mil processos. Eram moças
e rapazes autores de roubos, assassinatos, parricídios, etc. Não
havia entre êles um só que não tivesse começado pela impu­
reza. E' muito significativo.
Só os castos manterão elevados os sentimentos do coração.
A ternura do amor filial, a delicadeza de ideiais, a dedicação às
grandes obras sociais, a compreensão dos nobres impulsos, só
os procuremos com os homens castos, se os quisermos encon­
trar. Há-de se explicar por isto que todos os grandes artistas
de quaisquer artes tenham sido castos. Só conservando puros
os sentimentos, são os homens capazes de grandes elevações.

PARA A VIDA CONJUGAL

E' praga de nosso tempo a infidelidade conjugal dos ho­


mens. Fizeram muito propositadamente a distinção de moral
para o homem e para a mulher. Desta exigem tudo ; daquele,
nada. Além de errônea, esta directriz conduz muitos lares à
A EDUC AÇÃO SEXUAL 217

m1sena. Os leitores pensarão logo nas desastrosas consequências


físicas que as infidelidades teem carreiado para a pobre espôsa,
vítima corporal dos estragos morais do espôso. Mas isto seria
o menos. Ela sofre mais no coração. Custa-lhe tolerar o ho­
mem que não lhe reserva por inteiro o amor. Doe-lhe saber
que uma pessoa corrompida concorre às preocupações daquele
que a escolheu para espôsa, ao pé do altar de Deus. As amar­
guras aparecem. As queixas se fazem ouvir. As desavenças tol­
dam a felicidade, que era o sonho mais acalentado para a vida
do casamento. E muitos lares se desfizeram .
Há misérias maiores. Os leitos conjugais são profanados.
Conto um fato, ilustrativo dessa miséria moral. A jovem,
cristã e piedosa, tornou-se, casada, mulher má e corrompida. -
escandalosa. A mãe, que já não tinha lágrimas para chorar
tanta miséria, levou-a um dia à minha presença. Interrogando-a
sôbre como foi possível passar de piedosa a depravada, respon­
deu-me textualmente: - "Fui corrompida pelo meu marido" .
Muitas não chegarão a tão grande desgraça, mas sofrerão a
mesma ação maléfica.
Tudo isto é fruto da intontinência no tempo de solteiros.
Os que não souberam ser castos em solteiros, menos o saberão
depois de casados. Voltam-se aqui as objeções contra os que
as formulam. Os castos são acusados de erotomania. Casados,
se desmandariam em exigências sexuais. O contrário é que é
verdade. São os impuros que se desmandam. Os castos estão
acostumados a se conter: continuarão contendo-se. Os impu­
ros, gastos de emoções, querem-nas sempre novas. E se depra­
vam, depravando a espôsa, com exigências indignas.
Enganam-se os que pensam ser o casamento remédio para
a vida corrompida. O matrimônio tem sérias exigências de
moral sexual. A saude da espôsa pode exigir largo tempo de
continência. O nascimento de um filho obriga a cerca d.e dois
mezes de abstênção. Durante êste tempo, que fará o espôso ?
218 P A D R E A. N E G R O M O N T E

O homem casto está acostumado a dominar-se. Mas o outro ?


Sem querermos supor indignidades repugnantes, verdadeiras de­
gradações, que sabemos infelizmente existirem, o incontinente
haveria de recorrer à infidelidade. Logo, é necessário que o
homem se tenha acostumado a conter os impulsos na juven­
tude, para ser um espôso digno.
A moral conjugal tem outras exigências. As fraudes an­
ticoncepcionais são, além do mais, uma violação à conciência
cristã. E é preciso apregoar-se que nem tudo é permitido no
casamento.
Só os moços castos serão esposos fiéis. Havelock Ellis, a
quem ternos feito tantas restrições, diz que "sem castidade é
impossível conservar a dignidade do amor sexual" E' pela
incontinência que muita espôsa vive reduzida à triste condição
de escrava das paixões do marido, amaldiçoando o casamento,
violada no santuário de seu pudor. com humilhantes capitu­
lações da virtude, sendo antes uma cortezã do que uma espôsa,
no elevado sentido da palavra.

PARA A PROLE

Por mais triste que seja o quadro da impureza nos que


a praticam, existe outro quadro ainda mais lastimavel. Que
sofra o homem, em consequência dos próprios atos. Mais do­
loroso é ver sofrerem pequeninos seres .inocentes, pelas faltas
dos pais. Mais doloroso é ver-se um futuro comprometido
desde o ventre materno. E' triste ver um homem vítima da
impureza. Muito mais triste ver a raça empobrecida, pondo em
riscos o destino da Pátria.
Pela mortalidade infantil é grande responsavel a sífilis,
desgraçaâo fruto da incontinência. E os que sobrevivem ? Ra­
quíticos e doentios, arrastam pela vida afora a dolorosa he-
A EDUCAÇÃO SEXUAL 219

rança de um organismo mal formado. Os moços deviam ler


as páginas sentidas em que Legouvé descreve as angustias do
Duque de Candé em face da desgraça do filho , causada por seus
desmandos de rapaz. ( 1 ) Ou sentir o pezar tremendo e irre­
mediavel com que um pai exclamava, à cabeceira do leito em
que o filhinho agonizava : - "Fui eu que o matei! "
Uma prole forte e sadia, crianças robustas e alegres, in­
teligentes e vivas, são o premio de pais castos.
Mais do que alhures, pagam aquí os filhos os pecados dos
pais. Vem desta herança má o grande número de pequeninos
loucos e débeis mentais, que constituem hoje uma das mais pe­
sadas cargas dos Estados. Um diretor de casa correcional, alar­
mado com o que vira em mais de vinte anos de convívio com
pequenos pela idade e grandes pelo crime, disse um tanto tra­
gicamente que tinha convivido com espéctros. Espéctros, dizia
êle, que representavam uma horrível tragédia humana. A in­
vasão dos tarados é mais perigosa que a dos bárbaros. Os her­
deiros da sífilis teem dado mais trabalho à civilização.
São do Padre Sertillanges estas palavras causticantes: "Eu
desejaria poder amaldiçoar todos os pais que inundam a terra
com torrentes de sangue envenenado ; que devastam o mundo
com hordas de loucos ; e que afeiam a humanidade com regres­
sivos macacos" - Mas para não pensarem que o grande pen­
sador queria apenas poder amaldiçoar, continuemos um pouco
a citação : "Ao mesmo tempo. queria também saber cantar,
acompanhado por uma orquestra de anjos, a pureza, a honra e
o triunfo dos pais que teem enriquecido a terra, gerando filhos
sãos e vigorosos ; que teem aformoseado o mundo, povoando-o
de filhos belos e alegres ; e teem dignificado a humanidade, en­
tregando-lhes homens bons, sadios e produtores. "
Lembremos um aspécto ainda da castidade dos pais. E'

(1) Les percs et Jes ('n fants de XIX siecle.


220 PADRE � N E GROMON T E

que êles transmitem a castidade aos filhos. Não é somente pela


educação, é também, e principalmente, pela geração que os pais
resolverão o problema sexual dos filhos. Há exemplos clássi­
cos de como um tronco humano impuro vicia uma descendência
de muitas gerações. Isto não é cousa fatal ; mas não há d-µvida
que existe urna certa predestinação. O próprio povo explica
os desmandos de filhos cujos pais eram corrompidos : "Isto é
filho de pai ! . " E' que as inclinações viciosas, as disposições
para a impureza foram, às vezes, a própria causa da existência
do filho. Se é evidente que os filhos herdam os sentimentos
dos pais, nenhuma herança mais rica e mais formosa podem
êstes deixar aos filhos que o domínio soberano que souberam
exercer sôbre o mais poderoso de todos os instintos. E' a mais
segura predestinação para a virtude.

E' de primeira necessidade na educação sexual ir fixando


no ânimo do jovem essas idéias de possibilidade e vantagens da
castidade. São as idéias que conduzem o homem. Elas incli­
nam para a virtude, facilitando-lhe o caminho. Os educadores
não podem esquecê-lo.
OS MEIOS NATURAIS

No capítulo sôbre a possibilidade da continência ficou


dito que a castidade é uma v:irtude difícil. Acrescentamos mes­
mo que é uma virtude impossível a quem não quizer empregar
os meios ; como tudo no mundo, aliás. O conhecimento dos
meios é, portanto, necessário, e o seu emprego, essencial. Cui­
daremos de indicá-los. Uma pedagogia que mostrasse um fim,
mas não apontasse os meios de atingí-lo, seria ilusória. Ela
deixaria o homem entregue a si mesmo numa trágica incerteza
da sua realização, joguete da própria fraqueza e inconstância,
num estado de espírito que passaria ao desespero da virtude.
E' esta a imensa vantagem da pedagogia sexual do Catolicismo:
não deixar o homem a braços com abstrações, mas pô-lo em
contato com a realidade da sua própria natureza e dos meios
de orientá-la para o bem. E cresce êste valor quando considera­
mos que a Igreja é a única que compreende o homem como
realmente é, e a única que dispõe de meios capazes de levar a
bom termo a devastada natureza humana.

LUTA NECESSARIA

A castidade é uma vitória. E toda vitória supõe luta. E


a luta da castidade é, sem dúvida, a maior da vida. Os que qui­
zerem ser castos, os que querem cumprir êste dever de todo ho-
222 P A D � E A. N E G 1'. 0 M O N TE

mem digno, teem de viver em contínua guerra. Ou, ao menos,


numa paz armada, a espera do inimigo que não dorme e pode
surgir a cada momento, nas mais traiçoeiras emboscadas.
Esta é a condição de todos os homens. Há exceções. Mas
representam deficiências, que nem p odemos elogiar nos outros,
nem desejar para nós. São anormais os que não sentem a fôrça
da tendência mais poderosa da natureza. Muitos talvez pen­
sem que os castos e principalmente os santos eram dêsses tem­
peramentos deficientes, e por isso foram puros. Engano! Os
santos foram homens como todos os homens, quanto às pai­
xões. Foram diferentes, apenas, pelas atitudes morais. Os que
se admiram dos combates dos santos dão mostras da ignorân­
cia mais completa do que seja a virtude. S. Paulo sentia os es­
tímulos da carne como qualquer outro homem do primeiro ou
do vigésimo século. O que êle chama "a lei da carne" entra
em luta aberta contra à lei da razão. Os seus gostos interiores
s.entem a contradição do corpo. ( 1 ) O que S. Paulo experi­
menta em si é a lei de todos os homens normais. Os estímulos
do organismo em oposição à lei de Deus e aos ditames da pró­
pria razão; Na vida dos demais santos se encontra a mesma
coisa. E' claro que a Igreja não iria canonizar a incapacidade
de pecar, mas a vitória sôbre os instintos. Nem reservamos a
nossa admiração para os doentios, mas para os herois. Quando,
portanto, os Porei, os Nystrom, os Vachet disserem que a cas­
tidade é impossível porque S. Jerônimo, no fundo do deserto,
sentia as atrações dos espetáculos de Roma, ou porque o demô­
nio misturava nos arrebatamentos místicos de alguns. santos fi­
guras de impureza, temos a responder que isto indica que êles
eram homens corno os outros e foram castos como os outros
podem ser, se quiserem lutar corno êles lutaram.

(1) Cfr. Rom. 7 - 1 4.


A E DUC A Ç Ã O S E X U A L 223

E' eminentemente pedagógico apresentar aos jovens essas


lutas dos santos, para que êles não pensem que os santos foram
castos porque eram diferentes - como, infelizmente , é comum
pensar. Nisto fazem muito mal certas vidas de santos, escritas
com muito boa vontade, mas ausentes da verdade histórica e
da realidade psicológica. Escritas com sinceridade, seriam mo­
tivo não de desânimo para o leitor, mas de estímulo e con­
fôrto. �les lutaram, nós também lutamos ; êles venceram, nós
venceremos também. Pela natureza somos iguais ; resta que o
sejamos pela coragem de ser virtuosos - e isto fica ao alcance
de cada um.
Assim, pois, Ja ninguém se admira quando é tentado,
não se perturba nem desanima pensando que só êle padece aque­
las dificuldades, que por isso não pode ser puro como são .
os que nada disso sofrem. Não. Pelo contrário. Sabe que é
uma condição da vida de todos os homens normais. Encara a
dificuldade como uma prova. Entra para a luta de ânimo tran­
quilo e seguro, porque foi assim que viveram todos os ho­
mens, nem é possível viver de outra maneira, se êle é um
normal.

AS PEQUENAS COUSAS

Mas também, porque sabe que a luta é de todos, tornará


as devidas precauções para a vitória. Por mais que faça, as di­
ficuldades não o deixarão. Vimos S. Paulo, o Grande Após­
tolo, atormentado pelos estímulos da carne, e S. Jerônimo hor­
rivelmente tentado no fundo do deserto, em rigorosas penitên­
cias. Há um inimigo que não nos abandona : é a nossa própria
carne. O nosso corpo, com o seu funcionamento, com a ten­
dência que Deus nele depoz., despertará sempre em nós o desejo.
2 24 P A D R E A NE GROM O N TE

Cumpre-nos domá-lo, dentro das condições de nosso estado -


os casados como casados, os solteiros como solteiros.
Ai dos que pensarem que isto .é facil! Facil é a poderosa
tendência se degradar. Facil é a nossa natureza, inclinada ao
mal, deixar-se levar pelo desfruto dos prazeres sensíveis, ainda
com prejuízos morais. E tanto mais forte é a tendência, quanto
mais facil a derrota. E tanto maior o prazer, tanto mais rá­
pida a capitulação. Ora, não precisa repetir que estamos em
face da mais poderosa de nossas tendências. Se qualquer dàs
nossas tendências, alimentada, pode nos levar à escravidão, esta
muito mais do que as outras. Nas coisas morais não se pode,
de longe, cornpatuar com o inimigo. Certos povos teern como
provérbio que ao diabo não se dá nem o dedo mínimo. E' o
nosso caso. A impureza qualquer concessão, por pequena que
fôsse, seria fatal por fim. O terreno é realmente lúbrico. ( 1 )
Entrar por êle a dentro é arriscar-se sempre a quedas, que po­
dem ser mortais. E' muito mais facil fugir do que deter-se em
meio : - tal qual como nos escorregadouros.
Daí, pois, a máxima prudência em tudo o que facilita o
domínio da paixão. Coisa de pouca monta pode levar a gran­
des desastres, se não for detida em tempo. Não basta, pois,
combater o que leva diretamente ao pecado. E' preciso saber
vencer ainda o que só indireta e longínquamente pode con­
duzir a êle. Nem basta também evitar ap enas o que é pecado.
Há muitas coisas que são lícitas, e não convêm, como lembra
S. Paulo. ( 1 )
A prudência, que tantas vezes é recomendada para os
perigos de fora, devemos empregá-la ainda mais cuidadosa­
mente contra os perigos de dentro. Os nossos maiores inimigos
são os de casa. Se tivéssemos evitado as imprudências, tería­
mos vencido os combates, nos quais sucumbimos porque o ini-

( 1 ) Lúbricus em latim quer dizor escorregadiço.


A EDUC A Ç Ã O S E X U A L 225
migo tinha posto de manso o pé em nosso território. Se não
tivéssemos reputado pequenas coisas algumas leviandades, não
teríamos resvalado para os abismos, a que fomos arrastados
sem saber como, dizemos, mas a nossa conciência diz que
sabe . E' um pretexto da paixão dizer que isto não é nada .
Há certos males que só são curáveis no princípio. Uma
vez bem instalados, é difícil ou impossivel a cura. A tuber­
culose é dêsses, para o corpo. A impureza, para a alma. E'
muito mais facil evitá-los de todo, que curá-los. Ao que for
predisposto à tuberculose cabe tomar todas as precauções, que
o resguardem do mal. E todos nós, todos nós. sem exceção,
somos predispostos à impureza. Todas as precauções são pou­
cas. Elas ajudam o organismo a guardar-se, e facilitam a vi­
tória na hora difícil da luta. Não é por condescendências, sem­
pre perigosas, que haverem<?s de vencer, mas impondo restri­
ções à carne, domando-lhe os ímpetos, canalizando a tendência
pela vontade. Qualquer compromisso com o inimigo é uma
predisposição para a derrota. Os que não obstarem no prin­
cípio, ver-se-ão depois a braços com as inevitáveis dificuldades
da medicina na cura das moléstias velhas, como no célebre verso
de Ovídio.

AS CIRCUNSTANCIAS INDIVIDUAIS
Embora os perigos sejam de todos, nem todos a.s pade­
cem da mesma maneira. Guardemos bem isto, que explicará
muita coisa em nossa vida. Os temperamentos variam com as
pessoas. Cada homem reage diferentemente diante da mesma
causa. Além disso, cada homem difere de si mesmo, de acôrdo
com as circunstâncias. A idade, o estado de espírito, as de-

(1) l.ª Cor. 6. 12.


226 P A D R E A. N E GR O M O N T E

pressões- físicas ou morais, a excitação do momento, os com­


panheiros, o regime de vida, eis algumas das inúmeras circuns­
tancias ·que podem tornar o homem estranho a si mesmo.
Concluiremos daquí que as tentações contra a pureza são
para todos os homens, mas são diferentes para cada indivíduo.
E que, portanto, um não se pode dirigir pelas atitudes dos ou­
tros, mas deve tomar para si as suas precauções. Outros dan­
sam e dizem que não pecam ; mas tu não podes dizer a mesma
coisa : a própria experiência te ensinou o contrário. Outros
leram êsse livro, assistiram essa fita, viram êsse espectáculo, e
não pecaram. Tu poderás fazer as mesmas coisas? Só porque
êles fizeram, não. E' preciso ver as diferenças.
Importa imenso aos educadores ensinar o, educando a co­
nhecer-se. Infelizmente estamos educando hoje em dia por ata­
cado, coletivamente, como se faz tijolo, com fôrmas exteriores,
sem a grande preocupação do conhecimento de si mesmo, que
foi sempre a maior preocupação dos verdadeiros educadores.
Nas regras do discernimento dos espíritos pôs S. Inácio de
Loiola, talvez o mais perfeito disciplinador de hom_ens, o me­
lhor das suas preocupações pedagógicas. Acostumemos desde
cedo os meninos a saberem porque agiram desta ou daquela
maneira.
Para conhecerem a sua mentalidade sexual. ensinemos ­
lhes a observar o que lhes desperta mais comumente as tenta­
ções contra a pureza. O coração? A fantasia? A memória?
As leituras? Os olhares? O jovem ficará, às vezes, embara·çado
porque tudo isto entra nas suas tentações. Mas não s.erá tão
difícil ver onde se polarizam. O ponto onde se concentrarem,
eis o ponto fraco. Para êste ponto fraco se dirigem todas as
fôrças do inimigo ; para êle se devem dirigir também todos os
nossos cuidados. Se o pobre moço já tem a desgraça de algu­
mas quedas, ainda mais facil lhe é saber porque caiu. Apare-
A EDU C A Ç ÃO S E XUAL 227

cerá a mesma complexidade das causas, mas êle perceberá o que


foi que o decidiu afinal a cair.
Com êsses dados, é muito mais facil e mais segura a
. defesa. Bem conhecido o próprio temperamento e as suas va­
riantes, as demais circunstâncias são quasi intuitivas. A mesma
pessoa que em estado normal resistiu a determinadas excitações;
não se exponha quando já se sente excitada : - a queda seria
fatal. Ora, essas excitações teem várias causas. Veem do pró­
prio organismo, do cansaço, do estado nervoso, de leituras, vis­
tas, lembranças ou conversas, até do trabalho prolongado ou
de ficar assentado muito tempo. Tanto mais quanto basta sen­
tir-se excitado para redobrar de cuidados, para tomar precau­
ções, que noutro momento talvez não fôssem necessárias....
As coisas sensíveis são mais fáceis de entender. Ponha-se
tudo i.sto deante do educando em exemplos do corpo. Dois
moços : um pode andar a cavalo, jogar futebol, nadar ; o ou­
tro, fraquinho e ameaçado, nada disso. O mesmo rapaz fará
tudo aquilo quando estiver de boa saude ; mas resfriado não
irá à piscina ; cardíaco, não jogará mais. Outras vezes, êle
nada sente, mas não se expõe : sabe que tem havido vários
casos na família, e é preciso ter cuidados. Nós já dissemos que
os vícios dos pais se transmitem aos filhos. Quem tem essa
tara multiplique os seus cuidados também. Como se vê, a re­
latividade é um regulador da luta pela virtude da castidade.

FUGIR DAS OCASIÕES

De S. Bernardo se conta que a certo moço desejoso de


não recair em pecados impuros aconselhou que fugisse da oca­
sião : Occasionem fuge. E que, tendo recaído e tornado a pe­
dir conselho, o santo apenas inverteu a ordem das palavras,
dizendo-lhe : Fuge occasionem. Queria, de certo, com isto in-
228 P A DRE � N E GRO M O N T E

dicar o santo doutor que na fuga das ocasiões está quasi toda a
vitória. Sirva a lição. Queremos ensinar a castidade aos nossos
educandos? Ensinemos-lhes a fugir das ocasiões.
a) Máus companheiros. São os máus companheiros dos
piores estôrvos à virtude. São mais terríveis que as do dernô­
nio, as suas seduções. Ao diabo mais facilmente se resiste que
ao máu companheiro. :êste tem feitiços, que aquele ignora. As
suas zombarias são temíveis. O prestígio de que gozam é ca­
paz de desacreditar o moço que lhes resistiu, junto aos demais
compa:iheiros. As suas palavras entram de fato pelos ouvidos.
Os seus epítetos fazem tremer. As suas perseguições apavoram.
As suas atitudes são afoitas, e tanto mais afoitas quanto os
bons são covardes. ( 1 ) E . o respeito humano é um fato.
Mas, apesar-de-tudo, os máus companheiros devem ser evita­
dos. Devem ser fugidos como leprosos.
b) Más conversas. Fugindo-lhes, evitou-se um segundo
tropêço : as más conversas. E' urna das pragas da mocidade.
Da simples leviandade à mais grosseira obcenidade costumam
ir as conversações dos moços que não sabem prezar a sua digni­
dade. Nem para os gracejos, nem para os momentos graves,
nem muitas vezes para as coisas sagradas abrem exceções. Do
mal que produzem nem se pode imaginar a extensão. Além do
que as profere, atingem tantas almas quantas as ouviram ; e
destas ainda existem as que vão propagá-las. Sobram razões
ao Apóstolo para proibir · aos Efésios que tenham relações com
quem as pronuncia. E' por demais evidente que elas corrom­
pem os bons costumes, depravam os corações, rebaixam os sen­
timentos, povoam as mentes de idéias impuras, cortam as azas
do espírito, acostumam os pobres moços a uma lamentavel
atmosfera de que sentem dificuldade de sair. Aos que fazem

(1) Leã-0 XIII escreveu que nada estimula tanto a audacia dos
máus como a timidez dos bons.
A E D U C A Ç ÃO SE XUAL 229

disso o objeto de suas conversas, digamos sem rebuços, a cas­


tidade é impossível. "Que as palavras deshonestas sej'am ba­
nidas da vossa boca" Êste conselho de S. Paulo aos colossenses
é para todos os homens dignos, mas principalmente para os
moços ·que querem ser castos. Infelizmente as más conversas
não são privilégio dos máus : há moços, cuja vida é muito me­
lhor do que as palavras. Não basta evitar os rnáus companhei­
ros, é preciso evitar positivamente as más. conversas.
c) Cinema. O terceiro escôlho da virtude é o cinema.
Não percamos tempo em discutir o assunto. Toda gente sabe
qual o tema habitual dos filmes modernos. Os melhores me­
recem mais restrições do que fazem os censores oficiais. Ima­
ginemos o mal que isto pode produzir. Lembremos que a ação
é vista, enquanto os livros apenas descrevem. Ponderemos que
a imagem pela visão é mais forte e impressionante. De que n�o
é capaz uma paixão de moço, atiçada p or semelhantes ima­
gens.? Já que tocamos no. assu!_lto, não esqueçamos que as im­
pressões fortes tendem a realizar-se, principalmente quando
não encontram resistência ou as encontram fracas. Ora, infe­
lizmente a resistência dos nossos jovens, do ponto de vista do
amor à castidade, é bem mais fraca do que forte. E' a ês.ses
cinemas que vão os moços, as moças e as crianças . ( 1 ) Em

( 1 ) Tenho a impressão de que os pais de família ignoram por com­


pleto a influência do cinema. Alguns dados, para êles refletirem. Estu­
dos científicos de primeira, inteiramente alheios à idéia religiosa, afirmam
que esta influência é enorme dos 15 aos 30 anos, sendo mas fraca daí por
diante. Nas crianças o mal é tão grande que muitos querem que os me­
ninos nunca frequentem o cinema, ainda mesmo os bons. A agitação das
cenas lhes é nociva aos nervos, perturbando-lhes o sono.
Do ponto de vista moral, tem sido o cinema sobremaneira deletério.
O que jovens de ambos os sexos vêem na tela os tem levado a ligações
pecaminosas, como tem produzido muitas defecções morais e dissoluções
de lares pelo divórcio ou a separação dos cônjuges.
230 P A D R E A. N E G R O M O N T E

semelhante escola de imoralidade êles não aprenderão, de certo,


a virtude, qualquer que seja e menos ainda a castidade.
d) Leituras. Em ordem de devastações veem as leituras.
Aos máus livros Bourget ·chamou "uma espécie de dinamite
moral" Pois, o mundo está todo minado . Já tocamos no
assunto, ao falarmos da necessidade da educação sexual. O
veneno anda mais espalhado do que se pensa. Os escritores
mais imorais e os livros mais obcenos são os mais lidos. As
imagens que despertam, as recordações que deixam, os desejos
que excitam, são antes de molde a alimentar as más tendências
que a combatê-las. Só os que não querem ver precisam que se
lhes diga o tnal dessas leituras. A imaginação se povoa de
fantasmas lúbricos, que agitam o espírito e o corpo, enfra­
quecem a resistência, aliciam os sentimentos, toldam a razão,
vencem a vontade, prostram o homem.
Não pensem que são apenas os rapazes que leem essas

Observações cuidadosas revelaram que as cenas de nudez, de beijos,


de atos mais ou menos ligados ao sentido sexual são os que maior in­
teresse despertam nos espectadores e maior excitação lhes causa.
O P. Lacroix refere (o. c.) um inquérito ilwn instituto correcional
de moças decaídas. Procurava-se saber qual tinha sido a influência do
cinema na sua queda. O resultado merece um pouco de reflexão. Eram
78. Dessas, apenas 8 declararam que o cinema não tinha influído sôbre
a sua desgraça. Das outras, 8 denunciaram prejuizos físicos ; 20 decla­
raram que nunca mais puderam se esquecer das cenas que viram. Eis
algumas declarações textuais : " Desde então nunca mais pude ter gôsto
pelo que é puro ". " Muitas vezes ainda aquelas cenas imorais me en­
chem a imaginação ". " As dansas indecentes que vi me perseguem dia e
noite ". " Vi alí romances amorosos que não eram inteiramente ruins.
Mas a minha imaginação desenvolvia o que ví, e me impeliu a fazer o
mesmo ". Outras acusam a platéia de maiores perigos do que a tela. E'
a oportunidade de se acharem sós com os namorados, de darem expansão
às más tendências, de excitar-se. Um testemunho : " Uma vez despertada
a sensualidade, excitados os baixos instintos, já não é dificil uma moça
deixar-se seduzir. Alí, na escuridão, já se permitem muitas ousadias ".
A E DU C A Ç ÃO S E X U A L 23 1

coisas. O P. Wenzel Lerch, jesuíta austríaco, ( 1 ) dá o sé·


guinte testemunho : "Constituem legião as moças a queJ]l essas
leituras pervertera!D o coração e encheram o espírito de idéias
errôneas · e falsas sôbre a realidade da vida. Raro é o dia em,
que a imprensa não nos refere fatos tristes em apôio desta
asserção" Hoornaert conta de uma jovem que, terminando a
leitura de um romance de Rousseau, dirigiu-se à praça em que
está a estátua do escritor em Genebra, e fez saltarem os miolos.
E o autôr comenta: "O fato causou sensação porque o sangue
vermelho correu na praça. Nos dramas secretos de uma alma,
ocasionados pelas más leituras, não corre o sangue vermelho,
mas a fé e a inocência s� esvaem por irremediáveis feridas" . (2)
Eu mesmo poderia citar entre muitos um fato real, do Brasil,
que abrirá os olhos a muitos pais. Nun.1 pensionato de reli­
giosas foram encontrados 3 livros debaixo do colchão de uma

Outro : " Na escuridão da platéia e no aperto dos espcctadores ví muitas


baixezas ". 37 moças acusam o cinema de lhes ter inspirado o gôsto pelas
vestes indecentes, pelas dansas, tais quais viam na tela, para imitar as
" estrelas ", pela vida de prazeres, pelos próprios prazeres sexuais até
então desconhecidos, pelo desprezo da honra. As citações textuais seriam
mais significativas, por serem as próprias palavras das vítimas. Não as
faço por brevidade. 13 moças salientam que por causa do cinema perde­
ram o gôsto do trabalho e da oração. E' claro que assim, facilmente, se
degradaram. Outras se tornaram rebeldes aos pais, desgostaram-se da
vida que levavam e, desejosas de vida mais faustosa ou rica de aventuras
- como viam - fugiram de casa e se perderam.
Sem querermos dizer que todas as moças frequentadoras de cinema
chegam aos mesmos resultados, damos aqui motivos de reflexão aos pais
de família, que ainda cuidam da honra de suas filhas. Muitas dessas
pobres moças do inquérito declaram que eram levadas ,pelos próprios pais
ao cinema. E êles certamente nunca pensaram que elas iam chegar a
tamanha miséria. Mas a verdade é 111.1e chegaram, mesmo sem êles
pensarem !
( 1 ) Apud Lacroix, o . e.
(2) P. J. Hoornaert. Le combat de la pureté.
232 P A D R E � NEGROMONTE

.Pensionista : - dois deles eram de Mary Stopes, livros dos


mais imorais 41ue se possa imaginar. Tenho visto senhoritas
lendo a Questão Sexual de Forel no bonde. E os romances?
Os tais romances modernos .
Conheço as excusas para semelhantes leituras. Que é por
motivos literários ; que se precisa conhecer de tudo; que se
acompanha o movimento literário. Excusas. No fundo, há
sempre a verdadeira causa, inconfessavel, que se disfarça sob
êsse manto velho e esfarrapado. Que não fazem mal essas lei­
turas nem os ingênuos crêem : só os imbecís. No momento,
talvez, não façam. Mas a semente fica, para brotar nas horas
de lazer, nas noites infindas e perigosas de insônia, nos mo­
mentos de excitação. Então cresce, toma de repente o espírito
como um salteador, ou vai vingando aos poucos, como uma
hera daninha, até produzir os seus frutos de morte. Digam
com sinceridade se, às vezes, num livro bom, o que nos ficou
mais gravado não foi o trecho impuro que o escritor impru­
dente intercalou ! E com maior sinceridade ainda ensinemos cs
jovens de ambos os sexos a fugir dêsses livros, dessas revistas
e dêsses jornais perigosos com aquele cuidado com que quise­
rem guardar · a virtude da castidade.
e) Bailes. E' nos bailes que naufragam muitos jovens de
ambos os sexos. Alí ou se arruínam, ou preparam a ruina que
não tardará. Neguem os que tiverem interesse em negá-lo : esta
é a verdade. Não nos venham dizer que S. Tomás de Aquino
reputa os bailes indiferentes, podendo, portanto, tornar-se até
bons, segundo as intenções. Nem que S. Francisco de Sales au­
toriza as dansas, desde que não sejam más. Creio-me bem in­
formado da doutrina da Igreja. Duvido, entretanto, que os
santos doutores pudessem autorizar os bailes modernos, em
concreto, tais quais realmente são. Os trajes femininos, os mo­
vimentos, a música, o ambiente, as conversas e . as intenções
fazem dos bailes verdadeiros sorvedoiros de almas e da dansa
A EDUCA ÇÃO SEXUAL 233

"verdadeiros atos de prostituição" , na frase um tanto forte de


Laurent.
Não quero citar Santos Padres. Cito homens do mundo.
Vítor Marguerite, que deve ser muito conhecid<? : "A dansa
desmoralizadora, o tango, o fox-trot, o schimmy, eis, ao que
parece, a preocupação das moças modernas. :Êste sonho, na rea­
lidade, não passa de um precoce e pedgoso desvirginamento"
Maurois, no seu mais recente livro ( 1 ) , chama às dansas "um
artifício da conservação da espécie" Isto diz muito a quem
souber entender . Os que quiserem ver até onde pode chegar
a destruição moral dos bailes leiam o que diz Jeannel, num
escrito objetivo do ponto de vist3: histórico e moral. sôbre a
maior degradação dos homens e das mulheres. ( 2 )
A s excitações alí vão além do que conseguem as leituras,
as conversa.is e os cinemas. Não impressionam apenas a ima­
ginação, não criam somente fantasmas, mas atingem direta­
mente os sentidos, com provocações diretas da sexualidade.
Quaisquer que sejam as excusas em contrário, os bailes moder­
nos são incompatíveis com a_ castidade.
f) Pessoas de outro sexo. Poderíamos ainda apontar
muitos outros perigos a evitar. A. ociosidade, por exemplo, é
dos maiores. Diz o Santo Cura d' Ars que aos ociosos o de­
mônio nem precisa tentar : êles caem por si no pecado. A curio­
sidade tem sido constante ocasião para muitos. Não nos preo­
cupará muito neste trabalho, porque a educação, feita como
aquí a preconizamos, evitará o perigo das iniciações clandesti­
nas, que são as únicas desmoralizantes. E' no leito que muitos
jovens teem encontrado o ensejo de perder a virtude. O leito
foi feito para o necessário repouso. Despertar e levantar-se de­
vem ser atos imediatos. Não há pior conselheiro que o tra-

( 1 ) L'art de vivre.
(2) J. Jeannel - La Prostitution.
234 P AD R E A. N E GROM O N TE

vesseiro. Teriam sido sábios ou santos os jovens de ambos os


sexos que tivessem entregue ao estu�:io ou à virtude o tempo
que desperdiçaram no leito, depois de acordados.
Ensinaremos, porém, os jovens a fugir dos perigos do
outro sexo. E' da puberdade essa atração. Já dissemos que é
diferente para cada sexo. • Os moços se preocupam mais dire­
tamente com a função sexual; as moças com amarem e serem
amadas. Quando chegam à nubilidade, a preocupação sexual
já não poderá mais ser desprezada. E seria um êrro, se fôsse.
Uma das boas condições da educação sexual é acostumar os
jovens a se entreterem com elevação, com aquele respeito que
um rapaz quer para sua irmã. Mas isto não _quer dizer que os
moços e as senhoritas não pensem em casamento. Pensem e
cuidem disto, se intendem fundar um lar. Toda a questão está
em fazer essas relações sem perigo para a virtude.
Ora, é isto o que constitue o problema. E' facil passar
dos justos limites. As moças, no seu desejo de carinhos, não
percebem a desordem que estabelecem com exageros , que para
elas nada representam, mas são uma fogueira para os rapazes.
Quando um moço se aproxima de urna jovem com intenções
de casamento - é a melhor hipótese - ' entra em cena a ten­
dência sexual. Tudo nas relações entre os dois leva àquela
tendência. Pode ser que as coisas caminhem vagarosamente,
mas não deixarão âe caminhar.
Tenhamos bem presente que o amor sexual só se contenta
com a posse completa da pessoa amada, como no casamento.
Lembremos ainda que a tendência no homem é agressiva e atre­
vida. Relembremos que as moças, sem o quererem, alimentam
e atiçam esta agressividade, com as suas carícias, as suas facili­
dades, as suas condescendências. Começa-se por um simples
contato de mãos ; passa-se a outras familiaridades. Aos poucos,
a tendência vai se alimentando, vai crescendo, vai dominando ;
e as resistências vão desaparecendo. As ocasiões se multiplicam.
A EDU C A ÇÃO SEXUAL 235

Os encontros aumentam a intimidade e facilitam os. contatos,


principalmente hoje, que êsses encontros se dão quasi sempre
a sós. E o poderoso instinto, cheio de astúcias e perseverança,
vai conquistando terreno. Os próprios namorados juravam -
e era verdade - que nunca pensaram que fôsse dar naquilo.
Mas um . dia, quando menos cuidaram, como quem acorda de
um sonho - um máu sonho - viram que tinham chegado ao
pecado mortal, senão à vergonha e à deshonra.
Dizer que essas relações entre os jovens nada significam
é desconhecer o instinto sexual e �s fraquezas humanas. Pre­
tender que seja possível mantê-las sem perigo para a virtude é
fechar os olhos à realidade de todos os dias. Desculpá-las a
pretexto de que são naturais entre namorados e noivos é querer
justificar as causas que produzirão fatalmente os efeitos que
toda gente reprova. .&� preciso que o instinto fôsse cego e
surdo, isto é, que não existisse para resistir às excitações dos
namoros modernos.

A CASTIDADE INTERIOR

A grande luta em prol da castidade consiste em não deixar ·


que o instinto se apodere de nós. Por grandes que sejam os
estímulos orgânicos, êles cedem deante da fôrça do espírito.
E' o espírito. E' o espírito que conduz o homem. Só quando
o espírito se tiver enfraquecido, a matéria o governará. Mas
ai ! do homem, quando a torrente de dissolução descer das nas­
centes espirituais. Principalmente nesta questão. Aquí os ór­
gãos só se tornam demasiadamente exigentes quando estimu­
lados pelos pensamentos e desejos. Moderados êstes, aqueles
seriam muito mais calmos e contentáveis. Uma grande preo­
cupação, pois, deve ser a moderação do espírito. Se soubésse­
mos que os máus pensamentos são o mais poderoso elemento
236 P ADRE A. NE G RO M ON T E

de impureza, ensinaríamos aos jovens de ambos os sexos a


cuidarem melhor de sua continência interior. Os pensamentos
impuros alimentam a paixão ; e a paixão fortificada pelo es­
pírito, termina por dominá-lo. E' que o espírito perde tudo
o que lucram as paixões. O mais grave perigo de todas as oca­
siões de pecado é alimentar os máus pensamentos. Porque,
muitas vezes, as quedas não se dão no momento. Ficam as
imaginações indecorosas. fermentando no espírito, preparando
o terreno, debilitando a vontade, organizando as destruições
morais. Os que zombam do pecado por pensamento revelam
a sua completa ignomncia de psicologia. São as idéias que
conduzem os homens. Se elas são profundas e arraigadas -
e nenhuma tem mais raízes em nossa natureza - terminarão
por se traduzir em atos.
Mostrou-se Jesús Cristo um grande psicólogo, quando
considerou uma necessidade a castidade do espírito para ga­
ràntir a continência do corpo. E os que pensarem diferente­
mente, nem uma nem outra guardarão. A castidade exterior é
fruto da tríplice castidade interior : da inteligência, da vontade
e dos sentimentos.
Para fugir aos máus pensamentos é necessário fugir a to­
dos os perigos acima apontados. No meio deles as faculdades
interiores se impregnarão da carne, a alma se torn,a materiali­
zada, na frase de Lacordaire.

UMA VIDA SÉRIA

Mas não basta fugir. Nem é possível fugir apenas. O


homem não vive de vácuo. Todos temos necessidade de leitu­
ras, de companheiros, de diversões, de conversas, de reuniões
sociais. Nem será possível afastar umas das outras as pessoas
de sexo diferente. Nem precisa.
A EDUCAÇÃO SEXUAL 237

Importa sobremaneira aos educadores orientar os jovens


para as boas leituras. Aos que me dizem que lêem máus livros
por motivos literários costumo perguntar o que conhecem de
Vieira e Castilho, de Bernardes e Herculano, ou mesmo de Rui
e. Nabuco. Nada, em geral. Pois existem em nossa língua te­
souros que esgotariam a vida de um homem, sem ser preciso
manchar-se nas ímundícies, que atentam a um tempo contra
a beleza da moral e do vernáculo. Falta, principalmente aos
nossos jovens, o gôsto pelas leituras altas e puras. Não teem
formação intelectual para os estudos. sérios. As letras finas e
elevadas não lhes despertam o paladar. Não nos satisfaçamos
em verificar e lastimar a desgraça, cuidemos de remediá-la.
A alma é indivisível : não poôemos elevá-la de um lado
apenas. Quando os moços se ocuparem de coisas sérias, terão
menos preocupações com baixezas. Nesse dia, os seus compa­
nheiros serão escolhidos entre os que comunguem dos mesmos
ideiaís ; as suas conversas teem de que se alimentar sem precisar
recorrer aos vícios ; as suas reuniões não serão apenas os bailes ;
as suas frequentações não lhes oferecerão os perigos de agora ;
os divertimentos vergonhosos não os seduzirão com tanta faci­
lidade. Nesse dia, êles continuarão a padecer os estímulos da
tendência que não se extingue, mas saberão dominá-los, cana­
lizando-os para a sua verâadeíra finalidade. Quando esta ten­
dência pedir a fundação de um lar, êles irão escolher a pessoa
que Deus lhes destinou. Mas olharão para ela com aquele
sumo respeito que desejam para a honradez intangível de sua
mãe e para a virgindade imaculada de sua irmã.
Nunca será de mais repetir que a educação sexual é, antes
de tudo, uma formação geral, uma sólida formação da von­
tade, uma segura orientação do carater.
OS MEIOS SOBRENATURAIS

A muitos educadores bastam os meios naturais para a


guarda da castidade. Desde que o homem possa distinguir o
bem do mal, pela simples luz da razão, pode também evitar
o mal e praticar o bem. O homem reto, valendo-se dos meios
indicados, consegue domar as paixões e viver segundo a razão,
governando a matéria pelo espírito. Para melhor prova apre­
sentam exemplos de homens .que não tinham réligião e viveram
castamente. Dominados pelo gôsto da arte ou da ciência, dedi­
cados, por completo, às suas preocupações, pouco sentiram
ou, se sentiram , venceram os estímulos da carne.
Que dizer? Reconhecemos nos naturalistas razão para se
contentarem com os meros elementos naturais. Rejeitando a
Religião, não podem dispor de outros. E' verdade que alguns
homens excepcionais teem sido castos, sem os auxílios da ,Re­
ligião. Mas daí não podemos concluir nem que os meios na­
turais bastem ao comum dos homens, nem que não deva em­
pregar os meios sobrenaturais quem os possue, quando a pró­
pria experiência demonstra como são prontos e eficazes. Fôs-_
sem os naturalistas mais amantes da pureza dos costumes que
do próprio parecer, já teriam aberto mão de suas teorias, que
tão pequeno resultado dão. Af�staram a idéia religiosa da
educação, multiplicaram os meios naturais, e o resultado foi
a espantosa decadência moral que não precisa descrição, porque
está viva sob os nossos olhos.
240 PADRE A. NE G R O MO NTE '

Não é, pois, sem razões que a Igreja Católica condenou


tantas vezes o naturalismo pedagógico em geral e o naturalismo
da pedagogia sexual em particular. Na encíclica sôbre. a edu­
cação da juventude, disse o imortal pontífice Pio XI : "Peri­
gosa no mais alto grau é a orientação naturalista, que em nossos
dias penetra na parte mais delicada da educação humana, que
é a da pureza dos costumes. Muito espalhado anda o êrro dos
que perigosamente se atrevem a recomendar uma educação se­
xual isenta de toda a religião, pretendendo garantir a mocidade
contra os p_erigos da sensualidade por meios puramente na­
turais." ( 1)
A Igreja n:ão se afasta de seus processos sobrenaturais de
educação. Em França, alguns sacerdotes quiseram realizar a
educação sexual por meios intelectuais, de iniciação fisiológica,
e logo a Santa Sé os advertiu do seu êrro, chamando a atenção
para os meios sobrenaturais, que não devem nem podem ser es­
quecidos nem desprezados.
Isto não quer dizer igualmente que desprezemos os meios
naturais. Mesmo porque é conhecidíssimo o princípio: a graça
não destroe, mas supõe a natureza e aperfeiçoa. Como sacer­
dote e corno brasileiro, não posso esquecer êste capítulo, de
máxima significação. Corno sacerdote, toco com os dedos os
benefícios que os meios sobrenaturais produzem em todos que
deles se aproximam. Corno brasileiro, escrevo para um povo
católico, que não pode e não quer descindir dos meios educa­
tivos que lhe oferece a grande educadora e civilizadora dos po­
vos, que tem sido a Igreja. Os elementos que vamos indicar
não são exclusivos. Não dispensam os cuidados naturais que
nos ocuparam no capítulo anterior. Mas os completam e
aperfeiçoam.

( 1 ) Divini illius Magistri.


A EDUCAÇÃO SEXUAL 24 1

A CONFISSÃO
Sendo o mais eficaz dos remédios espirituais, é o primeiro
que apresento. E não vou provar que é instituição divina, nem
que é facil, nem vou desfazer os prejuízos correntes contra ela.
Há muita coisa escrita sôbre isto, e o lugar não é bem êste
livro. A verdade é que nenhum outrq meio vale a confiss.ão
sacramental.
Dissemos acima que o conhecimento de si mesmo é uma
das condições essenciais para acertar o caminho da castidade.
Pois nada ensina melhor o homem a conhecer-se do que a prá­
tica da confissão. A necessidade do exame de conciência obriga
o penitente a mergulhar dentro de si, a sondar não apenas os
atos, mas os pensamentos, os desejos e as intenções. O que
há-de mais secreto em nós sobe á tona. A nossa realidade apa­
rece, sem o perigo das ilusões em que constantemente vivemos.
Dos benefícios da confissão poderemos dar mil testemu­
nhos de ordem natural. Médicos e educadores sem religião a
preconizam. Um ímpio como Voltaire disse : "A confissão
deve ser considerada como o maior freio dos crimes ocultos"
Hoje em dia, até em nome do freudismo se aconselha a con­
fissão, para desfazer os recalques.
Mas, passemos aos efeitos. sobrenaturais. Purifica a alma.
Livre do pecado mortal, caminha com desembaraço pelos ca­
minhos da virtude. Isto não é apenas uma frase : é urna rea­
lidade. Digam os que se confessam se não é verdade que depois
da confissão sentem muito ma-ior facilidade para vencer-se.
Sentem mais elevação do que nunca. Sentem horror ao mal
que praticaram e o detestam, fugindo dele. Quem não vê que
isto é uma garantia âos bons costumes? E'. Ainda mais por­
que não somente perdoa os pecados, mas fortalece a alma con­
tra os perigos futuros.
Não argumentem coin as recaídas. Não; porque é claro
242 P A D R E A. N E G R O M O N T E

que a confissão não tira as tendências humanas. E, muitas


ve.zes, o penitente anda tão habituadr:>, que não é possjvel ven­
cer-se e emendar-se, senão com largo tempo e redobrado es­
fôrço. No mundo da graça, os milagres também são raros .
A cura do espírito segue os mesmos trâmites da cura do corpo.
Mas argumentem, sim, com as recaídas, para dizer que elas
existem, é verdade, porém muito menos frequentes do que
antes. E à medida em que recorrerem à confissão, elas dimi­
nuirão até a emenda total.
Apelamos, mais urna vez, para a experiência dos que,
impuros, recorreram a esta terapeutica divina. Ainda quando
morosa, a curá é sensível. E, quando não se dá, é porque os
meios sobrenaturais não agem por si sós, mas exigem também
igualmente a cooperação do indivíduo e assentam sôbre a ne­
cessidade dos meios naturais. Quem se confessasse e se expu­
zesse a todos os perigos, é evidente que cairia. Isto, creio, até
os inimigos compreenderão. Mas, ainda compreendo, pod�ão
objetar que, neste caso, não é a confissão, são os meios naturais
que fazem a cura. Responderíamos que devem, entretanto,
observar que foi a confissão que obrigou ou estimulou ao em­
prego dos meios naturais. Para quem não quer ver os efeitos
sobrenaturais, não será motivo suficiente ?
Tudo na confissão é benéfico. E' humilhante a decla­
·ª
ração dos pecados, principalmente a dos pecados contra cas­
tidade, às vezes, tão vergonhosos. Mas isto mesmo é um pre­
servativo. Justificando as suas "Confissões" , que não foram
sinceras nem penitentes, J. J. Rousseau disse : "A confissão
das minhas faltas aproveita à minha regeneração, porque, im­
pondo-me a obrigação de revelar tudo e com verdade, a ver­
gonha de confessá-las de novo me preservará de recair nas mes­
mas culpas" Também isto é um efeito natural para quem
se recusa a ver os efeitos sobrenaturais, de tanta eficácia.
Há homens muito exigentes, que não se querem satis-
A ED U C A Ç Ã O SEXUAL 243

fazer com o bem feito assim. Poderíamos perguntar se se sa­


tisfazem com o mal . Preferimos dizer-lhes que, a princípio ,
vale aquele constrangimento, mas depois o próprio espírito se
·levanta, o hábito se facilita e a virtude se firma.
Contemos, finalmente, com a ação do confessor.
°
Não se
reduz a perdoar os pecados. Fôsse só isto, e já era grande coisa .
Tirar q pêso dos pecados. Aliviar a alma. Alijeirar-lhe o
passo. Fortificá-la pela graça divina. Dar-lhe a impressão de
poder caminhar. O confessor instrue a causa particular do pe­
nitente. Difere muito o pregador do confessor. Aquele indica
os meios gerais ; êste aplica remédios particulares. Um fala
para a multidão, outro fala a uma só pessoa. Um se dirige às
almas, outro conversa com uma alma que lhe desvendou os
seus mistérios e segredos. Os conselhos que dá são sumamente
preciosos; porque são sumamente precisos. Os meios que in­
dica se ajustam, à maravilha, às necessidades do indivíduo. O
conhecimento da vida da pessoa, das suas circunstâncias, das
suas condições morais, das suas disposições espirituais autoriza
o confessor a receitar uma fórmula bem diferente dos "prepara­
d011"
· do púlpito.
E já que a comparação está sendo feita com remédios,
aproveitemos para dizer que devemos ter o nosso confessor,
assim como temos o nosso médico. Conhecendo-nos, pode
acompanhar a marcha do nosso espírito. Dizemos-lhe, com
uma só palavra, o que a outro não diríamos em meia horà de
exposição. E êle nos receita com muito maior precisão e se­
gurança. E porque conhece, não somente os nossos pecados,
mas a nossa vida e até as nossas . virtudes, pode encaminhar
não só um setor das nossas atividades espirituais, porém toda
a nossa vida cristã. Ser-nos-á, então, o confessor, o mestre,
o confidente e o amigo, o melhor e, às vezes, o único amigo
de nossa vida.
244 P A D R E A. N EGROMON TE

A COMUNHÃO
Estamos em pleno terreno sobrenatural. A presença real
de Nosso Senhor Jesús Cristo na Eucaristia é um dógma. E'
praticamente o dógma central da Igreja Católica. E ainda mais
praticamente para a vida cristã. De modo que a comunhão é
a união do homem com Cristo real e perfeito como está no
céri. Bastava dizer isto para ter dito tudo. Na comunhão nós
nos "misturamos com Deus " , como disse afoitarnente S. João
Crisóstomo. Comum união ou comunhão : íntima, perfeita,
inteira. A Pessoa de Cristo se une a. nós. Cristo se faz nosso
alimento espiritual.
Comemos a sua Carne, mas ao inverso dos outros ali­
mentos, não é Ela que se muda em nós, somos nós que nos
mudamos nEla, como diz S. Agostinho. Por alguns instantes
temos em nós o próprio Sangue, a própria Carne de N. Se­
nhor, sob as aparências da Hóstia Consagrada. Precisa dizer
de quanto é capaz êste contato ? Como urna chama divina sa­
neia tudo o que toca : pensamentos, desejos, afetos. Purifica
as fontes mesmas do nosso sêr e agir.
Consumidas as espécies de pão, desaparece a__ presença real
de Cristo, mas ficam os efeitos : "Quem come a minha carne
e bebe o meu sangue, permanece em mim e eu nele" . ( 1 ) Esta
permanência vai realizando a nossa mudança em Cristo. E'
uma verdadeira convivência espiritual. Como em toda convi­
vência, vamos apanhando os modos de pensar, de querer, de
agir daquele com quem convivemos.
Já devemos estar purificados, porque a Comunhão exige
o estado de graça ; mas nos restam as perigosas raízes do mal.
e essas vão sendo destruídas pela Comunhão. O organismo es'­
piritual, revitalizado, vai corrigindo as inclinações viciosas da

(1) Jo. 6. 57.


A EDUCAÇÃO SEXUAL 245

natureza inferior. Quanto mais forte o espírito, mais facil a


vitória sôbre a carne. A tendência não desaparece, mas vai en­
fraquecendo. Quanto mais o homem se eleva para Deus, menos
sente o pêso das paixões desorganizadas. Vai se estabelecendo
o equilíbrio: o espírito governando o corpo. E' a hierarqui­
zação dos valores humanos. Isto parece muito claro: a Euca­
ristia atua também sôbre o corpo.
Apelamos, ainda, para a experiência. Os que comungam
sentem os efeitos benéficos da Eucaristia. Ainda os mais im­
puros, pondo-se em contato com a Carne puríssima de Cristo
se purificam. Êles teem sentido melhoras, que nenhum outro
remédio lhes proporcionou. E' também da experiência que
castos são os moços que comungam, e os que não comungam
não conseguem manter-se puros. O remédio é sobremodo efi­
caz, e não é difícil. Está ao alcance de quem quiser.

UMA VIDA DE PIEDADE


Não podemos fazer aquí um manual de vida ascética.
Não é possível apontar todos os meios de que devem os jovens
lançar mão para se conservarem puros. Aliás, são todos os
meios da vida cristã. E' preciso levar uma boa vida espiritual,
para se guardar a pureza da alma e do corpo. Tome-se um
tratado de ascética: o que estiver indicado alí para a santidade
da vida, é indicado para a guarda da castidade. Oração, me­
ditação, exame de conciência, mortificação, devoção a N. Se­
nhora, exercício da presença de Deus, etc., são os meios de que
devem valer-se os que prezam a graça divina e a querem manter
no coração. Como também êstes são os elementos de uma só­
lida piedade, limito-me a recomendar uma vida piedosa aos
que quiserem ser castos.
Os educadores encaminharão os jovens para isto. Ensi-
246 P A D R E A. N li G R O M O N T E

narão, desde muito ceào, o santo temor e b amor de Deus. A


necessidade de conservar a conciência pura de qualqu�r mancha
é o primeiro preservativo contra os pecados impuros. Bati­
zados, somos templos de Deus, o Esp írito Santo habita em nós,
e precisamos respeitar e amar esta divina presença.. Os que ti­
verem esta convicção, evitarão o peçado e principalmente o
pecado contra a castidade. Vem do pequeno amor à graça di­
vina a horrível facilidade com que se cae no pecado mortal.
Ensine-se aos educandos a estima ao estado de graça. Sem isto,
trabalham em vão os que edificam a casa.
Chamo, em particular a atenção para o modo de educar
religiosamente. ( 1 ) E' necessário dar convicções e espontanei­
dade aos adolescentes. Acostumá-los a agir por si mesmos.
Não os obrigar a muitas práticas religiosas, que os cansam e
enfadam, afastando-os da religião. Despertar-lhes entusiasmo
religioso. Dar-lhes um elevado ideia!, apresentando-lhes com
simpatia os grandes exemplos de virtude cristã, a cuja imitação
se sintam atraídos. Encaminhá-los às práticas acima indicadas,
principalmente à frequência dos sacramentos.
E' de grande necessidade instruir os jovens sôb!e o que
seja Ó pecado contia a castidade, afim de evitar as deformações
tanto para um como para outro lado, em escrúpulos ou laxis­
mos, todos perigosos.
Para a educação da pureza, propriamente dita, importa
infundir o amor à bela virtude. Sem isto, são baldados todos
os esforços dos educadores. Repetiremos que esta virtude vem
de dentro para fora, vem do espírito para o corpo. Não há
constrangimentos exteriores capazes de preservar a quem não

( 1 ) Em nosso livro " A Pedagogia do Catecismo " os leitores en­


contrarão o modo de educar ·religiosamente, de acordo com os melho�cs
métodos modernos.
A E D UC A Ç Ã O S m X U A L 247

queira ser puro. O amor à castidade é um dos primeiros cui­


dados dos educadores.
Sei que tudo isto supõe urna concepção cristã da vida.
Sei igualmente que não é coisa facil nestes tempos calamitosas
em que· os ·homens trocaram o desejo do céu pelo da terra,
a felicidade eterna pela temporal e substituirarn Deus por
Venus. As alegrias e consolações que antigamente se espera­
vam da religião, os homens do século de Freud estão pro­
curando no sentido sexual. Em tam'anha e tão lastimavel in­
versão de valores, a concepção cristã da vida há muito que
se perdeu. Mas por isso mesmo perderam-se os bons costumes.
A onda montante da imoralidade ameaça sufocar as almas e
destruir os lares. Em face dos males horríveis que padecemos,
os homens desorientados apelam para a polícia, quando deviam
apelar para a Religião. Foi a ausência da Religião que oca­
sionou a desgraça ; somente a sua volta é capaz de remediá-la.
Muitos continuarão a se perder, com vícios e crimes, que os
nossos maiores desconheceram, porque viviam urna vida muito
mais calcada no Cristianismo. Em compensação, há um rever­
decimento da fé. Há um renascimento espiritual, de que te­
rnos o direito de esperar muito mais do que das medidas com­
pressoras que outros pedem à fôrça. Da reação católica, da
formação cristã da juventude em bases mais sólidas e profun­
das, do movimento formador da Ação Católica, ternos fé em
Deus que nos virá de novo o eterno conceito de vida, em que
o espírito retomará o seu primado, a Religião ocupará o seu
lugar e os homens organizarão os costumes pelos ditames da
razão e da fé. A tarefa é difícil. Talvez não fique ainda para
a próxima geração. Mas não será por isto que os bons pais
de família e os verdadeiros educadores hão-de desanimar.
RELIGIÃO E SEXUALIDADE
Os inimigos da Igreja não se cansam de deturpar-lhe a
doutrina. Constroem moinhos de vento, e se atiram corajosos
e quichotescos contra êles, para os destruírem. Mas não se
lembram de que, assim, estão destruindo o que forjaram, e !1,ão
a verdadeira doutrina da Igreja, que, às vezes , nem conhecem !
Podemos ficar certos de que assim é em todas as coisas. Tam­
bém no assunto que nos acupa.
Quando vemos o que disseram certos escritores a respeito
da Religião e a Sexualidade, ficamos pasmas de como se pode
ser tão ignorante e afoito. O que pensa a Igreja a respeito da
função genésica já o dissemos, expondo a orientação que se
deve imprimir à educaçã� sexual, e explicando a verdadeira fi­
nalidade do instinto sexual. O que se afastar daquelas idéias
gerais, contradizendo-as, é pura imaginação, ignorância ou má
fé dos inimigos, nem sempre lembrados da probidade que deve
presidir ainda mesmo os combates.
Tomo, por exemplo, o Dr. Anton Nystrom, no seu volu­
moso estudo "La vie sexuelle et ses lois" , - e escôlho êste
porque juntou maior número de inverdades, mas podia tomar
outro, como Forel - e vejo os desacertos que êste homem tem
a triste coragem de expender. Segundo êle, a Igreja ensina que
tudo o que é carnal é pecado ; que é preciso combater e ex­
tinguir a tendência sexual, porque ela, em si mesma, é uma
tendência má ; que qualquer prazer no ato genésico é pecado.
250 P A D R E A. NE G R O M O N T E

A respeito do casamento, tem o corajoso escritor a sem-ceri­


mônia de afirmar que S. Paulo condena o casamento, só o
admitindo como um remédio à imoralidade, e que os Santos
Padres da Igreja sempre reputaram o matrimônio uma satisfa­
ção da má tendência. Adianta que a castidade absoluta é o
princípio fundamental do Cristianismo, e que o celibato é o
único meio de se alcançar o céu. São êstes alguns dos fantasmas
do Dr. Nystrom . ( 1 ) Damo-los apenas para os leitores verem
como argumentam os inimigos da Igreja, nesta como nâs ou­
tras matérias.
A Igreja que une os esposos por um Sacramento, que lhes
benze o leito nupcial, que Jhes deseja a fecundidade, acusada
de querer extinguir a tendência, que ela, melhor do que nin­
guém, sabe que foi posta pelo próprio Deus nos homens! S.
Paulo, que chamou ao matrimônio de "grande. sacramento" ,
que disse a conhecida palavra : "casar é bom" , como ficaria
admirado de saber do que escreveu o instruído autor dessas
acusações! E que o celibato é o único meio de salvação ! Que
faz então a Igreja, administrango o sacramento do matri­
mônio? Dá aos nubentes um bilhete de ida para o inferno !
Não é formidavel? Pois, são assim os nossos inimigos e
os da castidade !
Vejamos a verdadeira doutrina.

O PECADO DE IMPUREZA
Já ficou dito qual a grandeza da função sexual. Partici­
pação do poder criador, com imensas responsabilidades sociais,
nada tem de pecaminoso em si mesma, e só os abusos e depra­
vações são pecados, e pecados tanto mais graves quanto mais

( 1 ) Ver no cap. II o n.º 2.0 - L'ascetisme du christianisme.


A E D U C A ÇÃO SEX U AL 25 1

elevada a tendência. Esta, em si, vem de Deus : corresponder­


lhe é atender aos apelos de uma obra divina. O pecado é aten­
tar contra os desígnios de Deus. Já explicamos isto. Não pre­
cisa repetir.
Digamos praticamente o que é o pecado contra a casti­
dade. Para haver um pecado mortal são necessárias 3 coisas :
- a) matéria grave ; b) conhecimento pleno ; c) consenti­
mento perfeito. Faltando uma destas 3 condições, não há pe­
cado mortal.
Ora, ouve-se dizer, muitas vezes, que todo pecado contra
a castidade é pecado mortal. Como entender isto? E' preciso
saber que só é pecado mortal a luxúria diretamente procurada
ou consentida. Por isto se devem entender aqueles atos que,
por sua natureza, são capazes de provocar a completa satisfação
do� sentidos. E mesmo êsses atos só são pecado quando dire­
tamente procurados ( 1 ) ou consentidos.
Mesmo em uma ação impura pode deixar de haver pecado
mortal, se faltou uma das condições acima. Ainda que seja
grave a matéria, o pecado pode não ser grave, se a pessoa não
tinha conhecimento disso, ou se, no momento do ato, não con­
sentiu. Ou, como dizem os teólogos, houve pecado material,
mas não houve pecado formal, isto é, não houve culpa.
.Assim, por exemplo, se a ação foi praticada durante o
sono, ou em sonho, não houve pecado algum, porque quem
dorme não pode dar consentimento : está inconciente. Mas
praticou a ação e sentiu essa ou aquela impressão. Pouco im­
porta: no sono é impossível o pecado. - Ou ainda : a pessoa
praticou certas ações, sem saber que eram pecaminosas. Só
muito tempo depois (ou poucos minutos depois, é a mesma
coisa) veio a saber que eram gravíssimos pecados. Mas.

( 1 ) Isto não se entende com o matrimônio, no qual são lícitos,


como é claro, os atos correspondentes à geraçáe.
252 P A D R E � N E G ROMON T E

quando fez, não sabia. Pois bem : não pecoü, porque não
tinha conhecimento da coisa corno matéria de pecado. - Um
terceiro caso. A pessoa fez uma coisa que, em si, é matéria para
pecado mortal ; mas pensava que era pecado venial. S-ó depois
veio a saber que o pecado era mortal. De agora por diante,
se ela repetir a ação, é pecado mortal, porque ela já sabe;. mas
àquele primeiro foi apenas pecado venial, pr,>rque ela o conhecia
como venial.
Há casos mais difíceis de discernir. Quando praticou a
ação, estava entre dormindo e acordada. A matéria é grave.
Foi pecado mortal? Se o estado era realmente êste, de serni­
vigília, houve também uma semi-conciência, e portando não
houve pecado mortal, o qual supõe um "consentimento per­
feito" A questão é saber qual era realmente o estado. - Ou­
tros se preocupam demasiadamente com terem sentido certa
satisfação. Pecaram ? Só por isto, não. E' lembrar sempre
as 3 condições. Faltando urna, não há pecado mortal. A ma­
téria era grave ; eu tinha conhecimento disto ; mas não consenti.
A vontade é tudo, corno se vê. Desde que eu não queira, não
há pecado. Ora, sentir é ato da sensibilidade, e não da vontade.
Em compensação, outro dirá : "Eu fiz, sabia que era
pecado ; mas não tive intenção de agravar a Deus" Mas não
precisa esta intenção. Se precisasse, muito poucos homens peca­
riam, porque esta é realmente urna intenção rara. Basta a
desobediência voluntária para constituir o pecado. A desobe­
diência é, por sua natureza, injuriosa a Deus. Esta intenç·ão de
agravar a Deus aumentaria desmesuradamente a malícia do
pecado.
Resumindo : é sempre pecado mortal procurar diretamente
a luxúria. Os atos que não levam diretamente à luxúria não
são pecados mortais. Uma leitura não muito excitante, urna
conversa menos decente, etc., não são pecados mortais. São
veniais. Que devem ser evitados, nem precisa dizer. Não só
A E D U C A Ç ÃO S E X U A L 253

por si mesmos, como pelo perigo que__ conteem de fazer res­


valar para faltas mais graves. Há, praticamente, muitos pe­
cados contra a castidade que são veniais ; e teoricamente mesmo
há parvidade de matéria desde que não se procure diretamente
a luxúria.

POR PENSAMENTO

A pureza interior é condição essencial da continência. E'


do coração que nascem todos os males. Da fermentação dos
pensamentos máus saem as grandes desordens morais. Quem
não quisesse evitar os pensamentos contra a castidade não atin­
giria a virtude.
Isto traz muitos embaraços aos que amam a pureza. Os
máus pensamentos não os deixam. Estão pecando por isso ?
Vale a pena explicar, porque é grançle a confusão a respeito,
mesmo entre pessoas que deviam saber melhor esta doutrina.
E não convem formarmos mal a conciência dos nossos edu­
candos.
"Distingamos bem 3 casos: a) Pensar numa coisa que
tem um lado impuro. E', por vezes, necessário. b) Pensar
numa coisa por êste lado impuro. E', às vezes, legítimo, quan­
do, por exemplo, se estuda. Deus, que tudo conhece, conhece
também êste aspecto das realidades. c) Pensar numa coisa só
por êste lado impuro. E' máu" . ( 1 )
Em qualquer caso, porém, o aspecto impuro da questão
tem de ser repelido. O pensamento não depende da vontade.
Eu posso pensar numa coisa sem querer. Um pensamento
máu pode permanecer comigo sem a minha vontade e contra
ela. Desde que se resiste, isto é, não se quer aquele pensa-

( 1) Hoornaert, o. e.
254 P A D R E A. N E GROM O N T E

menta, não há pecado. - Compreendamos as dificuld::ídes de


muitas pessoas. Os pensamentos são horríveis ; agitam, não
só a imaginação como ainda o próprio organismo. Não im­
porta : se não houver consentimento, não se peca. - Mas, se
_os pensamentos se demorarem? E' a mesma coisa. O tempo
não influe para o pecado. Num �egundo pode-se cometer um
pecado mortal, se houve consentimento ; e o pensamento pode
se demorar anos a fio, sem haver pecado.
E quando ;e está fazendo urna coisa que nada tem que
ver com a impureza, mas veem máus pensamentos com aquilo?
Isto acontece. Coisas indiferentes, perfeitamente inocentes, po­
dem âar lugar a máus pensamentos, a sensações desagradáveis,
a desejos impuros. Que fazer? Teoricamente, afastar o con­
sentimento. Desde que a coisa é em si mesma honesta, e a in­
tenção é boa, e não há perigo de consentimento - não há
motivo para fugir-lhe. Pode-se continuar a fazer. - Se a coisa
é má ou perigosa em si mesma, é claro que não se pode. Se a
intenção é má, ainda menos. Mesmo que a coisa em si seja
boa e a intenção boa, se há perigo de consentir, somos obri­
gados a deixar de fazer ou interromper o que fazíamos. Desde,
porém, que não haja perigo de consentimento, não há motivo
para nos privarmos daquilo_. Do contrário, a vida cristã se
tornaria insuportavel, porque é comum virem êsses máus pen­
samentos das coisas mais inofensivas. - Praticamente, tome
cada qual as suas mais cuidadosas precauções, de acôrdo com
as necessidades espirituais. A paixão é muito sutil, e o dernô­
nio muito esperto, para nos iludirem com uma segurança, que
só existia em nossa presunção e nosso engano. Mais vale nos
privarmos disto ou daquilo, e ficarmos na graça divina.
A E D U C A Ç Ã O S EX U A L 255

AS RELATIVIDADES
Nem sempre os pecados acompanham imediatamente as
causas. Estas, às vezes. costumam incubar as faltas, que depois
aparecem. São corno as sementes que já teem em si os frutos,
mas demoram em produzí-los. - Outras vezes, a pessoa con­
fessa que não queria o efeito, mas pôs a causa. Artifícios da
paixão. Astúcias do inimigo das almas. - A responsabilidade
é a mesma. Quem quer a causa quer o efeito. Quem é a causa
da causa é a causa do causado, dizem os filósofos.
Os jovens devem t�r em vista êste princípio, quando teem
de _agir em determinadas circunstâncias. As causas não pro­
duzem sempre os mesmos efeitos. Produzem-nos diferentes nas
diferentes pessoas. corno os produzem diferentes na mesma pes­
soa em condições diferentes. - Vamos a um exemplo, que es­
clarecerá melhor as duas coisas. Um moço quer saber se pode
beijar a noiva. Vamos conceder que êste beijo nenhum ma.l
lhe faça no momento; mas depois o deixa a sonhar. A imagi­
nação exaltada o arrasta, e êle cae no pecado. - Ainda que o
moço se desculpe, porque a beijou na presença dos pais, êste
beijo é pecaminoso, porque é fonte de pecados. Ou êle se des­
culpe porque um outro jovem lhe disse que beija a noiva e não
peca. O outro não peca ; mas êle peca.
As causas de pec;1do, como vemos. sendo as mesmas para
todos, variam para cada indivíduo. De modo geral, as que
provocam sempre efeitos mãus são más, essencialmente más.
As outras serão só acidentalmente más, conforme as circunstân­
cias. E' certo, entretanto, que aquilo que determina um pecado
tem a mesma gravidade e malícia do pecado. E esta gravidade
é proporcionada à fôrça com que a causa impulsiona para o
pecado. Por exemplo : foi um olhar máu. Em que medida
êsse olhar é pecado ? Se êle levou apenas a um pecado venial,
foi venial ; mas foi mortal, se produziu um pecado mortal. E
256 P A D R E A. N E G R O M O N T E

para que êle produzisse UJ?i pecado mortal entra e m: jogo uma
porção de suposições. Foi de perto ou de longe? Rápido ou
demorado? por simples curiosidade oü por malícia ? para uma
figura ou para uma pessoa? por si mesmo, mais ou menos ex­
citante? que efeito se podia esperar dele? Tudo isto são cir­
cunstâncias a medir. ( 1 )
Podemos julgar daquí os males que fazem as modas in­
decentes. Quantos moços serão levados ao pecado pelas vestes
indecentes das �enhoras e senhoritas? "Conta as estrelas, se
podes" Não constituirá isto um pecado? Mas, de certo,
pois que é causa de pecado. - Dirão, para excusas, que êsses
pecados são alheiõs. A excusa não vale: uma causa de pecados
alheios chama-se escândalo, o qual também pode constituir um
pecado mortal, se leva a pecados mortais, como uma causa a
seu efeito. E' o caso _das modas. Nem precisa perder tempo
em discutir isto. (2) De fato, muitas, muitíssimas escapam
dêsse pecado por leviandade. Ficam apenas no pecado de imo­
déstia, a que também não é possível escapar quem se veste com

( 1 ) Os autores costumam classificar as causas excitantes na se­


guinte ordem ascendente : a palavra, a estátua, a pintura (por causa das
côres) , a visão direta da coisa, o contato. Por esta classificação, os bailes
devem ser tidos como das causas de piores consequências para a virtude
da pureza.
(2) Não me recordo onde vi a notícia de uma reclamação que fize­
ram os doentes de um hospital ao capelão, pedindo que as mocinhas que
foram catequizá-los para a confissão não voltassem com aqueles vestidos,
antes de êles comungarem ; do contrário, não poderiam comungar. - Um
moço ilustrado e reto nos dizia que " se essas meninas soubessem os in­
cêndios que espalham com essa falta de roupas, talvez se exibissem me­
nos ". - Um avô dizia a um sacerdote que lhe fazia mal ver como se
vestiam as s1.1as netinhas de menos de 7 anos. - Cito fatos. De todos o
melhor é o que se deu com o ministro Keuyper, da Holanda. Num baile
da côrte, vedaram entrada a suas duas filhas porque estavam vestidas . • .
decentemente. Sinal dos tempos.
A E D U C AÇ Ã O S E X U A L 257

tanta parcimônia. Não haja dúvida, entretanto, de que cons­


tituem uma perigosa causa de pecados. A visão é direta e so­
bremodo excitante, por não ser total mas dar muita margem
à fantasia. Oferece mais perigo o que se imagina em seme­
lhantes condições do que mesmo o que se vê.
As vezes, acontece que a pessoa, arrebatada pela paixão,
cai no pecado, "sem saber como" Ainda muito tempo depois
do fato, não encontra explicação para a sua insensatez. "Fi­
quei cego" "Estava louco" "Só depois caí .em mim e vi o
que tinha feito" - Como julgar a responsabilidade em seme­
lhantes conjunturas? Os princípios são os mesmos. A menos
que se trate de coisa imprevista, de todo ein todo, e rápida
como um relâmpago - casos, aliás, bem raros - é a mesma
teoria das causas. Porque ficou cego? Porque enlouqueceu?
Porque pôs as causas que cegam e enlouquecem. /Assim, toda
gente já sabia, de .ante-mão, que havia de ��ar tenlouquecer.
A responsabilidade moral é inteira, nesses casos. - Quando
um casal de jovens se entrega, a sós, a intimidades, é já res­
ponsavel pela última desgraça que lhe possa acontecer. A ex­
periência ensina em demasia o que costuma acontecer nessas
oportunidades. Cumpria evitar o primeiro passo perigoso, que,
uma vez dado, leva ao fundo do abismo. O verdadeiro mo­
mento da responsabilidade é o do primeiro passo, quando o
sujeito está ainda muito senhor de si.

EXAGEROS CONDENÁVEIS
A tendência sexual é a que maiores estragos tem produ­
zido na humanidade. E' facil de compreender que os homens,
arrastados pela sua impetuosidade, pusessem a serviço indivi­
dual o prazer que Deus só lhes concedeu como um estímulo e
uma compensação dos trabalhos prestados à espécie. Soltos os
258 P A D R li A . N E GR O M O N T E

freios à paixão, ela se tornou o maior de todos os sorvedoiros


dos homens. "Noventa e nove vezes sôbre cem, a paixão se­
xual dominaria as outras e seria olhada apenas como uma fonte
de sensações voluptuosas e de prazeres fáceis. Para a quasi tota­
lidade das naturezas incultas, o prazer seria o único fim, a lei
suprema da vida" . ( 1)
Era uma dissociação perigosa e ilegítima entre a satisfação
. sensível e a sua finalidade. As emoções são legítimas, quando
dentro do plano estabelecido por Deus. O egoísmo humano
transtornava o plano divino. Nisto estava a grande desordem.
E, como a paixão é sobremaneira enérgica, as suas devastações
foram e continuam a ser quasi infinitas. Os seus efeitos desas­
trosos andavam , como ainda andam, por toda parte, à mostra,
saltando aos olhos, como se fôssem os únicos males da pobre
humanidade.
Isto espantou os moralistas. Espantou a todos os que
queriam ver a moralidade dos. costumes se manter intacta.
Assestaram-se contra os vícios impuros as mais poderosas ba ­
terias. O combate se generalizou de tal maneira, que, dentro
de algum tempo, podia parecer que era o único mal a com­
bater. Porque a paixão era culpada de tantos estragos; come­
çaram a chamá-la de má; porque a tendência levava os ho­
mens ao pecado, taxaram-na de pecaminosa ; porque os máus
tinham feito do prazer uma preocupação, os bons falavam no
prazer como de coisa proibida.
Houve exageros nas palavras, talvez mesmo nos modos,
e ainda na essência. Mas plenamente justificáveis. A reação,
em face dos males invasores, se excedeu algum tanto. Daí re­
sultaram duas coisas : - que era reputado impuro tudo o que

( 1 ) J. Rénault - Comment préparer les enfants au respect des


questions sexuelles ?
A EDUCAÇÃO SEX U A L 259

se referia à questão sexual. e que se dav.a a o pecado contra a


castidade uma gravidade maior do que realmente tem.
Ainda hoje esta mentalidade existe, principalmente entre
os bons, os melhores. Por mais desarrazoada que seja, é ainda
muito corrente. Não se pode tocar em coisa nenhuma relativa
ao assunto, nem de longe, nem por máxima necessidade, sem
despertar vexames, espalhar escândalos, semear escrúpulos. -
Por causa dêste êrro, muitos pais ainda _se opõem á educação
sexual dos filhos, recusam-se a falar-lhes dessas coisas, embora
tenham certeza de que os filhos vão aprendê-las · em fontes im­
puras. - Muito� educadores não querem absolutamente falar
aos educandos. Nos colégios nem se ensina o organismo hu­
mano por inteiro, para evitar o estudo do aparêlho genital.
- Como se vê, estão êsses educadores e pais ainda vítimas de
uma mentalidade errônea e muito espalhada. Petrificaram-se
em prejuízos correntes durante séculos, e tanto mais correntes
quanto êsses séculos eram corrompidbs. Não compreendem
que, lutando contra os erros, deviam lutar também contra
êste, embora de modo indireto, que é, no assunto, o melhor.
Em segundo lugar, deu-se ao pecado de impureza uma
gravidade maior do que realmente tem. Foi a extensão do mal
que deixou esta impressão. Foram as suas destruições morais
que levaram naturalmente a êsses exageros. E' um pecado mor­
tal, sem dúvida. Pela sua própria natureza; sim, porque é um
desvio da finalidade. Mas que seja o mais grave de todos os
pecados, não é verdade. ·e 1 ) Que tudo o que ofender, ainda
de longe, à castidade seja pecado mortal, também não é
verdade.

( 1 ) " O que é verdade é que a impureza é, entre todos os pecados


mortais, o que representa menos " aversio a Deo " e mais "conversio ad
.creaturam ".
E por isso N. Senhor, que no Evangelho se mostra tão severo contra
a perversidade e orgulho dos fariseus, usa, pelo contrário, conhecendo a
260 PADRE � NEGROMONTE

�sses exageros estão muito espalhados. Pensam com isso


fazer o bem. Valham as intenções, mas a coisa em si está mal
feita. E' antes ocasião para maiores e mais numerosos pecados.
Melhor, muito melhor, seria ensinar a verdadeira doutrina, e
empregar os meios que a Igreja preconiza para a guarda da
castidade. N�o espalhariam tantos escrúpulos tolos. Não cria­
riam tanta malícia nos adolescentes.
E, do aspecto religioso dessa maneira de educar, só
adveem prejuízos. Multiplicam os pecados, envez de dimi­
nuí-los, porque é verdade que quem faz urna coisa leve, pen­
sando que é pecado mortal, peca mortalmente de verdade.
Ainda mais : dá-se aos educandos a impressão de que não é
possível evitar o pecado contra a castidade. Então, êles se re­
signarão a viver em pecado. Ou tomarão medo à Religião,
que lhes impõe um pêso tão duro e difícil, que só seria pos­
sível carregar dentro âos muros dos conventos. E se dá aos
inimigos a impressão de que êsses erros são da Igreja, quando
realmente são apenas daqueles que não conseguiram ultrapassar
os prejuízos que tantos males já teem feito às almas.
Do aspecto pedagógico, isto também constitue um êrro.
Já dissemos muítas vezes que, em matéria de educação da cas­
tidade, a boa norma é não preocupar . o educando com o as­
sunto. E' pensar nisto o menos possível. E' dispersar, e não
concentrar a atenção, dos jovens principalmente. Com êsse
errado sistema, "alguns acabam por se alucinar ante essas mi­
sérias, e tanto concentram a atenção em tudo o que diz reapeito
à pureza, que acabam por acreditár que a Religião se teduz
somente a ela " , diz o Padre Hoornaert, jesuíta belga, de cuja
autoridade já nos temos valido tantas vezes neste trabalho.

" fraqueza da carne " de muita_ misericórdia com 'os arrependidos que
11
chorando, correm a seus pés divinos para implorar perdão das surprezas
da carne e da fraqueza dos sentidos ". P. Hoornaert, o. c.
A E D UC A Ç Ã O S E X U A L 261

De fato, encontramos verdadeiras alucinações a êsse respeito.


O próprio P. Hoornaert cita o caso "de algumas mulherezinhas
que não querem olhar para o Crucifixo, porque N. Senhor não
está inteiramente vestido"
São exageros, e, como todos os exageros, condenáveis.
Proscrevamo-los dos nossos métodos de educar : servem apenas
para deformar os espíritos, para desprestigiar -nos a autoridade,
para espalhar a praga dos espíritos, para desprestigiar-nos a au­
toridade, para espalhar a praga dos escrúpulos. Levam mais as
almas ao pecado que à virtude. E principalmente os católicos
se convençam de que a Igreja não precisa de semelhantes pro­
cessos. Leão XIII disse que toda verdade é católica e que a
Igreja não precisa do êrro nem da mentira para se defender.
No tema em questão também isto é verdadeiro. A doutrina
da Igreja, tão natural, tão alta, tão pura, basta, por si, como
o mais autorizado meio de formação das conciências. E quando
estas estiverem bem formadas, os educadores podem ficar tran­
quilos, porque cumpriram o seu dever.
A FORMAÇÃO GERAL
O grande êrro dos educadores naturalistas é pensarem que
basta a iniciação intelectual para se fazer a educação sexual.
Convenceram-se de que a desordem dos costumes vem da falta
de conhecimento do instinto e dos seus segredos. Entregam-se,
por isso, à iniciação intelectual, ao ensino da questão sexual,
como se isto fôsse a solução do difícil e complexo problema.
Daí resulta o tom meramente doutrinário que dão aos seus es­
forços, dignos de uma causa mais bem visionada. Tornou-se
a mania de iniciação verdadeiramente perigosa e exclusivista.
Mesmo entre os que mais se aproximam da verdade estão
os que acreditam demasiadamente nas virtudes da inteligê ncia.
Para êsses, a noção do dever evitaria os estragos morais. Se
déssemos aos jovens uma clara visão de seus deveres, êles se
decidiriam a cumprí-los.
Uns e outros se esquecem de que a questão não se resolve
pela inteligência só, mas principalmente pela vontade. O de­
lírio sexual do século em que vivemos não vem da falta de
conhecimentos da questão, mas da indisciplina da vontade. A
melhor prova disto é que antigamente era talvez maior a igno­
rância, e os costumes muito mais puros. Importa, sem dúvi­
da, uma iniciação intelectual nos moldes já estudados, porém
muito mais importa urtia sólida formação da vontade, que en­
rijeça os homens para todas as resistências.
A verdadeira causa da desordem moral é a fome de gosos,
264 P A D RE � N E GRO M O N TE

o domínio do homem pelos sentidos, a ausência de formação


moral, que possibilite a prática do bem pelo primado do es­
pírito. O homem deslocou as vistas do dever para o prazer,
e fez do prazer o seu interesse quasi único. E-a vontade enfra­
quecida não pode resistir às solicitações dos sentidos desatados
e ambiciosos. Nem o conhecimento da questão, nem a clara
noção do dever, nem o temor do contágio susterão os impulsos
do instinto, excitado pelos mil ardís arquitetados pelo mundo
moderno. Só uma vontade forte e disciplinada conterá os im­
pulsos inferiores.
Para isto é preciso preparar a vontade, afim de que· as
atitudes espirituais dos jovens sejam capazes de conduzir vir­
tuosamente o corpo. A atitude sexual é uma atitude do ho­
mem, dependente, portanto, das atitudes gerais. A educação
sexual, igualmente, é uma partícula apenas da educação geral.
Tem razão Foerster quando diz que "a melhor educação se­
xual é uma educação geral" Foi a falta de formação da von­
tade que nos levou a êste miseravel estado de indisciplina dos
costumes. Os educadores leigos, naturalistas, deviam meditar
mais nesta falência dos seus métodos. Fizeram pouco caso da
formação interior, aesprezaram a vontade, e os costumes se
perderam.

....*
Michelet, que ninguém achará suspeito, disse que para ser
forte, é preciso ser puro. Invertemos-lhe a palavra para dizer
que é preciso ser forte para ser puro. O homem forte deve ser,
portanto, a preocupação do educador. Se olhamos para os
nossos jovens, mesmo de relance, o que logo vemos é a fra­
queza do carater. Uma vontade fraca à mercê das paixões;
uma sensibilidade exagerada em procura de confôrto : - eis
os jovens de nossos dias. E' contra isto que precisamos reagir.
A EDUCAÇÃO SEXUAL 265

Tomemos um dos nossos meninos. Examinemos como


está sendo educado. A sensibilidade brasileira não tolera nem
que a criao..�a chore : - corre logc .l acalentá-la. Não pode
ver a cr.iança em dificuldade: - corre imediatamente a aju­
dá-la. . Não sabe contrariar os pequenos. Se antigamente se
fazia isto por sensibilidade, mal orientado amor, hoje se faz
por comodismo, para não ter trabálho com as crianças. Ainda
pior.
Os ricos vão criando os filhos em um ambiente horrível
de facilidades, de satisfações, de requintes, em que a preocupa­
ção é o luxo, o gôso da vida, sob o nome menos vergonhoso
de confôrto. As vertiginosas acelerações do progresso contri�
buem para nos fazerem muito mal à formação do homem
forte. Temos tudo à mão. Desde pequenos, nada fazem de
difícil os homens modernos. Não se cansam em caminhadas.
Não se preocupam com os estudos, porque as escolas lhes fa­
cilitam em demasia a aprendizagem. Não padecem o frío. Não
suportam o calor. Nem mesmo as dôres quasi os afligem. Os
aqÚecedores, os ventiladores e analgésicos se multiplicam, pro­
porcionando confortos agradáveis, mas enfraquecendo paula­
tinamente a vontade.
Tudo o que custa é posto de lado. Os próprios pais são
os primeiros a fazer assim. Custa-lhes manter uma ordem : -
êlis a relaxam. Custa-lhes exercer a vigilância : - abandonam
o filho a si mesmo. O menino pede uma coisa; negam ; mas
se o menino insiste, deixam, para se verem livres.
Seríamos tidos como retrógradas, se acoll:selhássemos a
fazer as crianças · comerem do que se põe à mesa e não do que
gostam. Seríamos deshumanos, se não déssemos aos pequenos
o que pedem, chorando ou insistindo. Perguntar-nos-iam para
que as empregadas, se mandássemos os próprios meninos fa­
zerem a cama e arrumarem o quarto. Censurar-nos-iam, se
deixássemos a criança passar µieia hora de fome, para esperar
266 P /\ D R E /\. NEGROMONTE

o almoço, que tardou um pouco. Seríamos impiedosos, se


não déssemos ao filho um presente de aniversário, se não o
felicitássemos por um triunfo escolar, se não o élogiássemos
porque teve o primeiro lugar num torneio esportivo, se o pri­
vássemos de um passeio ou jogo ou divertimento, sem motivo,
apenas para exercitar a sua vontade, se o mandássemos a uma
caminhada maior a pé, se o deixássemos passar um pouco mais
de frio e outras co�sas semelhantes.
A verdade é que desta maneira estariamas preparando o
menino para ser um homem forte. Serão sempre uns vencidos
na vida êsses meninos que fazem tudo o que querem, êsses co­
léricos que pedem as coisas chorando e esperneiando, que nada
fazem porque teem quem lhes dê tudo nas mãos, que comem a
toda hora e comem tudo o que querem e tudo o que teem ,
êsses "maricas" , que não podem suportar um pouco de frio
ou de fome, de sêde ou de cansaço, que não são capazes de
fazer meia hora de silêncio, que não levam adiante coisa algu­
ma que requer constância ou sacrifício. Os que agem por ca­
pricho serão fatalmente, vítima dele um dia.

Não tenhamos dúvida de que isto é fatal para o problema


da moralidade, e particularmente para a questão sexual. Só
serão castos os que se tiverem acostumado às vitórias sôbre si.
E' do grande De Maistre êste pensamento que deve dar o que
pensar aos pais, principalmente às mães : "Muitos resistirão
aos 30 anos diante de urna mulher formosa, porque lhes en­
sinaram, aos 5 ou 6 anos, a privar-se voluntariamente dum
brinquedo ou dum doce". ,Quem educa com condescendências,
educa para a impureza. Os que se acostumaram a não resistir
diante de coisa alguma, não saberão resistir diante dos im-
A E D U C A Ç Ã.O S E X U A L 267

pulsos sexuais. Tanto mais- quanto, se o fim é mais difícil,


a vontade deve estar mais adextrada e forte.
Nem isto parece difícil também de compreender : - o
menino é a semente, o homem o fruto. "A vida depende da
infância, corno a colheita do grão que se semeia", disse Le
Play, o conhecido sociólogo francês. Quando a criança só tem
como atrativos os brinquedos e os doces, acostumá-la a pri­
var-se deles, para que depois, crescendo os atrativos, tenha
crescido também a resistência.
Esta ginástica da vontade começa de muito cedo. Com
urna semana de nascidas, estão as crianças viciadas a só dormir
nos braços . O cuidado deve ser maior do que muitos pen­
sam. O exercício há-de ser prolongado. Muito mais para a
vontade do que se exige para o corpo. Será talvez duro, se­
vero, exigente, mas é necessário. Ensinemos a resistência. Fa­
çamos a cultura da energia. Exercitemos a vontade em todos
os domínios. Ponhamos a formação do carater no centro de
nossa pedagogia, se quisermos formar homens castos.
Quando nós católicos falamos de mortificação, os ímpios
zombam. Verdade é que não entendem. Julgam que quere­
mos extinguir a vida, quando desejamos firmá-la nas suas
verdadeiras bases. Pensam que queremos sufocar a natureza,
quando apenas desejamos hierarquizá-la. Dizem que preten­
demos matar as paixões, quando o nosso escopo é canalizá-las.
13les não compreendem a necessidade da mortificação como
uma preparação para ,;1s lutas índefectíveís da vida. Dos nossos
santos que faziam pesados jejuns, longas abstinências, terríveis
penitências êles falam com urna linguagem que não se repete.
Acham doentios os rigores das mortificações feitas sôbre coisas
lícitas.
Isto revela apenas que desprezaram os educadores na­
turalistas os caminhos formadores da vontade. Não se saberá
privar do ilícito que não se acostumou a privar-se do que é per-
26 8 P AD RE A . N E G R O M O N TE

rnitido. Nas coisas morais não basta a tática da defensiva.


Ternos de tomar positivamente a ofensiva. Em lugar de citar
mil palavras dos santos, darei uma só de Stuart Mill, que não
cheira a sacristia : - "De quem nunca se absteve de alguma
coisa permitida não podemos esperar que se abstenha fOm segu­
rança do que lhe é proibido. Não duvidamos que se volte um
dia a exortar sistematicamente a juventude à ascese, e que se
lhe ensine de novo, como antigamente, a vencer os seus desejos,
a superar os perigos e a suportar sofrimentos voluntários. E
tudo isto como simples exercício educativo" . ( 1 )

Sei qoe a isto se opõe urna pedagogia ligeira, em nome da


liberdade. Mas é em nome da liberdade que falamos. Pois ser
livre não é fazer o que querem os caprichos, mas o que manda
a vontade. A verdadeira liberdade consiste em o homem do­
mar-se. E' livre o homem que faz o que é de sua vontade, e
não o que lhe ordenam as paixões. Porque somente êste é o
homem forte, somente êste pode ser um homem casto. Eis por­
que dizemos que os que zombam da mortificação desconhecem
a natureza humana, desconhecem os segredos da educação, des­
conhecem os trâmites da formação da vontade.
E repetimos, com S. Míll, que não basta a niortíficação
do proibido, mas é ainda necessária a do lícito. Exercitado em
dominar os impulsos inferiores pelos ditames superiores da
vontade, o homem não .sentirá dificuldades quando a moral
exigir contenções contrárias às paixões. E mesmo que sinta,
saberá triunfar dessas dificuldades. E' como o soldado que se
exercita no tempo da paz, para saber vencer no tempo da
guerra. Só por uma formação assim, conseguiremos formar
jovens castos.

( 1 ) Apud Foerster - Morale sexuelle et pédagogie sexuelle.


A EDU C A Ç ÃO S E X U A L 269
'**
*

Não podemos demorar-nos aquí em expor como se faz


esta formação geral. O assunto é por demais versado em livros
de boa pedagogia ( 1) Mas não será supérfluo dizer que uma
boa educação supõe cuidados do corpo e da alma, preocupação
de formar uma alma forte num corpo forte. E como a maior
despreocupação hoje em dia é com a alma, faz-se necessário
encaminhar os esforços particularmente para a formação da
vontade, que tem sido tão desprezada pelos chamados novos
educadores.
A falta de ideiais tem sido a grande desgraça dêsses tem­
pos. Perderam-se os grandes amores que enchiam outrora o
coração da mocidade. A desregrada sêde de emoções arrancou
a sensibilidade às próprias crianças. O entusiasmo é hoje dis­
tribuído para os esportistas e os bandidos dos cinemas norte­
americanos e dos romances policiais. As idéias nobres e belas
não arrebatam mais os ânimos da juventude.
Mas precisamos fazer circular de novo nas veias da mo­
cidade o amor das coisas grandes e belas. O amor do belo e
do bem, o amor da família e da Pátria, o amor do próximo,
principalmente dos pobres e das crianças, o amor do trabalho
e do dever, todos êstes elevados amores, que se perderam ou
se estão perdendo, precisamos re�suscitar no coração dos jovens.
Ao lado desta elevação dos corações, a elevação da von­
tade. Uma vontade rija e inflexível, que corrija e desconheça
as irresoluções, uma vontade que só veja diante de si o dever
a cumprir e não conheça outras conveniências senão as conve­
niências do dever, uma vontade que governe os sentidos e

( 1 ) Cremos que os pais encontrarão um precioso manual de edu­


cação geral em " CATECISMO DA EDUCAÇÃO " de René Bethléem.
E' dos melhores e mai� completos que conhecemos.
270 P A D R E A. N :! G R O M O N T E

oriente as fôrças cegas das tendências inferiores, urna vontade


que saiba querer o que quer; para se poder conduzir ao fim -
eis o fito essencial dos verdadeiros educadores. Mais que de
tudo, estamos precisados dela.
E para formá-la, a criação dos bons hábitos. O grande
mal dos nossos tempos é a deficiência do carater. "Não há
In:aior penúria do que a penúria de homens" , dizia J. J. Rous­
seau, a quem citamos sem entu&iasmo, principalmente neste as­
sunto. Mas a verdade vale, dita seja por quem for. Desen­
volvamos os hábitos que firmam o carater. Somos um povo
sem disciplina. Falta-nos o gôsto da ordem, da obediência,
da pontual,.i.dade, da perseverança, da profundeza. das coisas
difíceis e interiores.
Fomos, sem culpa nossa, vítimas das idéias anárquicas
dos tempos. Eramas um povo criança, e nos alimentaram com
os caldos de cultura dos bacilos de dissolução social. E' ver­
dade que os povos que nos mandavam os seus erros teem vir­
. tudes. Porém é a doença que é contagiosa e não a saade.
De todas as nossas necessidades é, talvez a autoridade, a
mais sensível. Ora, a autoridade não é apenas um direito, ou
um dever, E' uma. condição essencial da existência social. Um
dos mais graves erros da nova educação foi começar por um
enorme desprestígio da autoridade. Ela já estava fraca, e ce­
deu com maior rapidez ainda. Estamos corrigindo o êrro, mas
é necessário dar-nos mais pressa e energia ao trabalho. Não
falamos da pressão exterior, que é necessária também, mas
principalmente do domínio interior : - ensinar a criança a
obedecer. Quem não sabe obedecer aos outros não saberá obe -
decer a si mesmo.
Os país, infelizmente, abriram mão da sua autoridade.
Por comodismo : acham ,difícil e aborrecido. E a anarquia in­
vadiu os lares. Mas a autoridade dos pais deve ser mantida e
respeitada. Apoiando a autoridade em Deru t na razão, e co-
A EDUCAÇÃO SEXUAL 271

meçando cedo, procedendo com dignidade e justiça, sendo dis­


cretos e moderados, mandando pouco mas exigindo o que
mandam, sendo espêlho dos filhos, os pais triunfarão das cor­
rentes anárquicas que ameaçam subverter o mundo.
Paul Bureau, ao terminar o seu magistral trabalho sôbre
a Íill.disciplina dos costumes, declara, conciente do plano que
traçou, estar ·exigindo nada menos que uma revolução : - la
tâche à accomplir n'est rien moins qu'une révolution. ( 1 ) E'
isto também o que estamos exigindo com a simples declaração
das nossas necessidades morais, educacionais. Muitos nos re­
putarão um ingênuo. Não importa. Outros julgarão fazer
a educação sexual, sem a formação geral. Êsses é que estão
errados. A �lma, una e indivisível, não se educa por secções.
Educa-se integralmente. Os que não quiserem levantá-la in­
teira, hão-de vê-la rastejar na lama, a contra-gç,sto, embora.
Ainda haverá os que dirão que estamos pensando em
formar santos. Creio que êstes não se enganaram, se deram à
palavra o seu verdadeiro sentido. O mais intoleravel êrro da
educação moderna é satisfazer-se com tipos vulgares. Ela pre­
tende mesmo estandardizar os homens. Mons. Dupanloup,
dos mais notáveis educadores franceses do século passado, disse
que nada deve infundir maior repugnância ao educador do que
a formação de tipos vulgares. A mediocridade é o molde em
que se querem atirar quasi todas as naturezas. E Pio XI, que
pode servir de padrão a todos os homens dêste séc;ulo, disse
que, em nossos tempos, mais do que em quaisquer outros,
ninguém tem o· direito de ser medíocre.
A formação geral que desejamos é a que dê aos homens
a coragem de ficar sosinhos, sem os outros ou contra os ou­
tros, todas as vezes que a sua conciência o exigir. Com êste

(1) Paul Bureau - L'indiscipline dcs mCl!Urs.


272 P A DRE � NE GROMON T E

domínio de s i mesmo, êle será um forte, um dominador, um


casto, portanto, superando as tendências inferiores , as idéias
em voga e os companheiros impuros com que a vida o obriga
a conviver.
Como se vê a castidade dos · moços de amanhã está nas
mãos dos pais dos pequeninos de agora.
PAIS CAPAZES DE EDUCAR
Tudo o que dissemos é inutil, se não se dispuzerem os
pais a cumprir o seu dever. Aquí está realmente a chave do
problema. Enquanto os pais continuarem no mutismo que
guard�ram infelizmente até agora, os filhos se perderão nas
iniciações clandestinas, nas preocupações obsedantes, nas prá­
ticas viciosas, sem ter quem lhes diga uma palavra elevada e
guiadora.
Outro mal não pequeno é que alguns pais, em face do
perigo que é enorme, influenciados por leituras erradas, dêem
à educação sexual uma orientação que irá antes perverter do
que preserrar os filhos.
Somos forçados a reconhecer que, no momento atual, a
imensa maioria dos pais não está em condições de fazer a
educação da castidade dos seus filhos. Faltam-lhes as tradi­
ções de uma edúcação semelhante, e não estão recebendo ainda
o que os costumes lhes negaram. Ainda os melhores não sa­
bem como fazer. Nem a mentalidade corrente é favoravel. As
idéias em circulação são mais para continuarem as desgraças
passadas, acrescidas de todos os meios de perversão, que os
tempos modernos oferecem. Urge, como a primeira de todas
as medidas, tornar os pais capazes de educar.
2 74 PADRE A. N E G R O M O N T 1i

O QUE PENSAM
A enorme influência do. modo de pensar dos pais sôbre
os filhos exige uma grande correção de idéias. O que pensa­
rem os pais sôbre a castidade, pensarão os filhos. A questão
é complexa e abrange muitas atividades. O próprio conceito
de vida está empenhado nela. Os nossos modos de pensar
saem espontâneos em nossas conversas, sem possibili<lade de
controle na intimidade do lar, onde vivemos à vontade, sem
o policiamento social das reuniões de fora. Em casa, pensamos
em voz alta, dizemos o que sentimos. A alma nos vem para
as palavras, tal qual realmente existe. E os filhos nos obser­
vam, ouvem, bebem as palavras, sorvem os pensamentos, im­
pregnam-se dos nossos sentimentos.
Que pensam os pais sôbre o problema sexual? Ainda
quando não querem falar diretamente aos filhos do assü�to,
porque acham vergonhoso, ou não sabem o que irão dizer,
o tema é tão frequente que mal se pode im'3ginar. São os fatos
do dia, estampados na imprensa. Que disse o pai ,aôbre o
moço que se desgarrou ? Justificou-o, talvez. Para o pai,
aquilo são coisas da mocidade, inevitáveis. Quer dizer que
a possibilidade da castidade é uma balela. Outras vezes, é a
ridicularia sôbre um rapaz puro, como se a pureza fôsse uma
incapacidade. Atribuíram até à continência do jovem as per­
turbações de saude que padeceu. E as vantagens da castidade
passam para o mundo das fábulas perigosas. E os filhos estão
ouvindo tudo isto, e tirando as suas conclusões.
Outros chegam a maiores dislates. Dizem abertamente
que não querem "maricas" em casa. Sabemos de casos em que
o pai mandou o filho se corromper no meretrício, dando-lhe
dinheiro para a sinistra empreitada. Até de mães tenho ou­
vido essas teorias, na presença dos filhos !
A questão tem outras feições. Que pensam os pais da
A 1! D U C A Ç Ã O S E X U A L 275

fidelidade conjugal ? São frequentes as tragédias motivadas


pelo perjúrio de cônjuges. Como se comenta em "asa o la­
mentavel assunto? Ora, se dá razão <lº cônjuge pecador, por
motivos vários. Ora, se faz a conhecida e erradissima dis­
tinção entre a moral para o homem e a mulher. Ora, se excusa
o crime como coisa de nonada e muito natural em nossos dias.
E os filhos e as filhas vão ouvindo aquilo, e aprendendo .
Como recebem os filhos os lares modernos? Fala-se deles
como de intrusos. São impecilhos à vida. Causam desgostos
e aborrecimentos. Desde o momento em que a mulher se
sente mãe, começam as lamúrias em casa. Ou, ainda pior, as
ameaças. Nunca mais querem filhos, dizem abertamente. Já
bastam os dois ou três que teem. Estão pobres. A mulher
está envelhecendo. As finanças estão se arruinando com tanto
menino. Ou então são as zombarias das que continuam a
procriar. Zombarias grosseiras, às vezes. Trata-se do assunto
livremente, na presença de todos. Descem a minúcias. Dis­
cutem os meios a empregar, as suas técnicas e a sua eficácia.
Os filhos ouvem . Quando não é a insinuação direta ou o
conselho perverso. Dizia-me há pouco uma senhora, a quem
eu perguntava se a filha casada já tinha filho, que "êsse ne­
gócio de filho só para mais tarde" e que a menina precisava
de "desfrutar a mocidade" E dizia isto em presença de outra
que era noiva. Que lições !
Corno preparam o casamento dos filhos? Eis outro pro­
blema. Que pensam das modas indecentes, dos bailes mo­
dernos, dos namoros exagerados, dos encontros clandestinos,
dos divertimentos perigosos? Outros problemas.
Os filhos pensarão como pensarem os pais. Importa,
pois, um saneamento das idéias dos que quiserem educar de­
vidamente. Não repetiremos o que já ficou dito da possibili­
dade da castidade, das suas evidentes vantagens, das virtudes
dos esposo,, do amor aos filhos, do perigo das oca1íões. Di-
276 P A DRE � N E GRO M O N T E

remos, entretanto, que serão incapazes de educar filhos castos


os pais que nâo trouxerem para o comum de suas idéias essas
convicções sôbre a castidade.

O QUE FAZEM

Muito mais para os filhos valem os exemplos que as


palavras dos pais. Mandar e não fazer, ou mandar uma coisa
e fazer o contrário - eis os maiores tropeços dos educadores.
Palavras sem exemplo são tiros sem bala, disse o Padre Vieira.
A influência do exemplo é definitiva. E aquí mais do que em
qualquer outra parte. Os filhos herdam as qualidades dos
pais. Pais castos geram filhos castos. Transmitem aos filhos
os seus sentimentos principalmente as mães em cujas entranhas
a criança começa a existir e se forma, alimentada do corpo
conto da própria alma materna.
Depois serão as influências do exemplo na educação. Se
já influía tanto o que se fazia no mais secreto da vida con­
jugal, se já manchavam a alma dos filhos os vícios que des­
honravam a dignidade matrimonial, o desrespeito à espôsa, a
infidelidade dos cônjuges, o horror à concepção, muito mais
nefasto vai ser agora o que os filhos podem observar. Pobres
filhos, que souberem por outros os desmandos do pai em sol­
teiro ou os virem ainda agora !
Não é somente o exemplo direto, é também o indireto.
O modo de viver e de encarar a vida, de tratar os filhos, de
se dedicar a seus cuidados e vigilância, a orientação que se
lhes imprime às ações, o apreço que se dá à idéia religiosa e,
ainda mais, à prática religiosa, todas as atitudes enfim são
um caminho para a vida casta ou impura dos filhos. Mesmo
que se guardasse um silêncio absoluto sôbre êsses assuntos, seria
A EDUCAÇÃO SEXUAL 277

impossível esconder a vida aos olhos dos filhos, muito mais


vigilantes e argutos do que imaginamos.
Mas a virtude dos pais é meio caminho para a virtude
dos filhos. Lembrem-se das palavras de Tobias a Sara: "Nós
somos filhos de santos" :Êste pensamento basta para des­
pertar o amor à dignidade humana, à elevação moral. Tudo
se completa, quando a expressão vem dourada pelos reflexos
de uma vida verdadeiramente cristã.

A EDUCAÇÃO DIRETA
Diretamente, do ponto de vista da educação sexual, os
pais estão assim divididos : os que não sabem fazê-la, mas a
desejam ; os que a fazem erradamente ; os que não a querem
fazer.
Aos que estão fazendo erradamente cremos ter apre­
sentado aquí elementos para emendarem a orientação. Su­
pondo - nem outra coisa é de supor dos pais - que são
bem intencionados, pedimos-lhe que fixem como finalidade
da educação sexual a guarda dá castidade, · e empreguem os
meios que conduzem" a isso. Já mostraram uma grande co­
rajem em começar essa educação específica, diante da qual a
imensa maioria dos pais teem recuado.
Os que não querem dar aos filhos uma educação sexual,
também estão errados. São igualmente bem intencionados.
Mas os antigos prejuízos, em que foram educados, fazem jul­
gar como indecentes essas coisas, indignas de ser o objeto das
conversas de pais a filhos. Também a êsses cremos que êste
livro oferece argumentos capazes de convencer as pessoas de
facil compreensão e boa vontade. Se êles não querem que os
filhos se corrompam, não pensem que conseguirão com o si­
lêncio. Não. Pelo contrário. êsse silêncio será o mais pode-
2 78 �AD R 5 � N � d R O MON T E

roso elemento de corrução. Falem aos filhos, e a corrução se


afastará.
Outros pais haverá que desejam evitar os males, que já
teem talvez verificado nos filhos à falta desta educação. Mas...
não teem coragem, apesar-de mais facil do que se imagina.
Isto é assim com quasi todas as coisas : são muito mais fáceis ,
depois que as fizemos. A dificuldade estava no medo.
A todos, porém, fica um apêlo insistente : - Façam a
educação sexual dos seus filhos. Por mal feita que seja, será
infinitamente melhor do que as iniciações excusas que teem
sido a ruina de tantas almas até hoje, e continuarão ainda a
dizimá-las, se os pais não acudirem com o único remédio
salvador. Façam a educação sexual dos seus filhos , antes que
os governos, alarmados com as proporções do mal, queiram
tomar as medidas erradas e desastrosas das iniciações coletivas
através das escoias, como se vem fazendo em outros países.

COLABORAÇÃO NECESSÁRIA

Não bastam os apelos. Não basta êste livro. Poucos


imaginarão os trabalhos que êle me custou e os dissabores que
me custará aindá. Vai cheio de boa· vontade, mas não tem a
pretensão estulta de ' bastar. Somos um povo em formação.
Os nossos cuidados espirituais teem sido muito poucos. A
ignorância religiosa, em que nos deixaram e ainda continua­
mos, é grande por demais, e não açertamos facilmente com
os rumos. A educação católica era, até pouco, fraca e super­
ficial. O assunto em questão foi e continuará abandonado
por muito tempo ainda por um número enorme de pais e
educadores.
O maior de todos os argumentos será a incapacidade : -
não sabem Reconheçamos que é verdade. E nio nos po-
A B O U C A Ç Ã O S J! X U A L 279

nhamos a lastimar somente. Empreguemos os meios para


remediar a deficiência.
O 1 . º Congresso Católico de Educação, reunido no Rio,
em 1 934, estudou, entre outros, o problema da educação se­
xual e propoz a organização de centros entre os educadores
e os pais, para que êstes fôssem esclarecidos e guiados nesta
pedagogia especial. E' o caminho que temos. Os que defen­
dem a educação sexual escolar, argumentam com a ignorância
dos pais. Pois bem, a solução é a que propoz o Congresso
Católico, e não a que querem os precipitados defensores de
uma tese condenada pela experiência dos povos e a sabedoria
infalível da Igreja. Atuemos sôbre os pais, para que êstes
possam atuar sôbre os filhos.
Somos de parecer que, na imensa maioria, os educadores
também não estão aparelhados para influir sôbre os pais. Con ­
cedemos entretanto que é muito mais facil atuar, no momento,
sôbre êles, para prepará-los.
São os educadores mais abertos à influência das idéias
novas. Teem uma mentalidade mais em cantata com os pro­
blemas educacionais. Iludem-se menos com os bons costumes
das ·crianças e dos jovens, que não são seus filhos. Assim, o
primeiro trabalho direto será sôbre os educadores.
Mas, quem o fará? Hoje, em quasi todas as capitais
brasil�iras existem as organizações da Ação Católica. Porque
elas não organizarão cursos especiais, dedicados aos educa­
dores, ou mesmo aos educadores e pais ao mesmo tempo ?
Existem ainda muitos núcleos de educadores católicos, orga­
nizados pelo Brasil afora. Tomem êsses núcleos para tema
de seus trabalhos os assuntos de que nos ocupamos aquí. Es­
tudem-nos mais a fundo. Desdobrem as faces mais práticas
das questões. Orientem os educadores e os pais, que s� inte­
ressarem, e o mais irá sendo Jeito ao1 poucos.
Convoco em especial o clero brasileiro. A questão é vital.
280 P ADRE A. N E GROM 0-N T E

A dissolução dos costumes se prende imensamente ao tema em


foco. Sabem disso os sacerdotes, melhor do que ninguém,
porque ninguém toca mais de perto as feridas abertas nas
pobres almas da juventude. Se nos púlpitos, a questão só
pode ser tratada indiretamente, nas associações de homens e
nas organizações de mães de família podémos abordá-lo dire­
tar..ente. Ponhamo-nos à altura dos tempos em que vivemos.
Mais vale remediá-los que lastimá -los. O Grande Pio XI disse
que estava satisfeito de viver neste século, e ninguém trabalhou
mais para curar-lhe os males.
Faltam-nos publicações de valor sôbre o assunto. Te­
mos em português muito poucas. Dessas, grande maioria (
dedicada especialmente aos moços; uma outra às jovens; ne­
nhuma aos pais. Sei que poucos se atrevem ao terreno, que
a depravação geral tem por indecente. Poderia dizer aquí
quantos contraditares me apareceram. Precisamos ultrapassar
essa mentalidade retrógrada. Devemos olhar o bem qµe pode­
mos fazer. E todo o bem que podemos fazer, devemos fazer.
Enquanto ficamos em nossa timidez, os máus avançam ocu­
pando os terrenos que deixamos baldios, por desídia ou co­
modismo. Há uma literatura vastíssima, do outro laclo.
Tanto em traduções âo que de pior a Europa tem produzido,
como em edições originais do mais lamentavel fundo moral.
E as edições se esgotam. E as mentes vão se enchendo de
idéias erradas, porque não encontram as boas. Os católic"os
europeus teem sido mais vigilantes. A "Association du Ma­
riage Chrétien" tem uma série de publicações em que coope­
ram pais, professores, médicos e sacerdótes, unidos por uma
causa que é comum, porque é o bem da sociedade. Um dos
congressos da referida associação versou unicamente a questão
sexual. Deus permita que o exemplo dos c;itólicos francezes
nos sirva de estímulo. Venham outras publicações.
Esta colaboração de todos é necessária, porque o mal vai
A EDUCAÇÃO SEXUAL 281

com proporções assustadoras e atinge alturas desconhecidas do


próprio paganismo.
Pela salvação das almas que se perdem, pela dignidade
humana que perece, pela saude do povo que se corrompe, pelo
futuro da Pátria que periga, vamos todos a esta cruzada que
salva as almas, dignifica o homem, fortalece a raça e assegura
os destinos da Pátria. E sempre com o olhar bem fito em
Deus, porque "se o Senhor não edificar a casa, em vão tra­
balharam os que a edificam" ( 1 )

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

(1) Sal. 126. 1.

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