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Armando Boito Jr.

O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

ARTIGO
Armando Boito Jr.*

O artigo analisa a natureza do governo Bolsonaro, da sua base social de apoio mais ativa e da crise política que
lhe deu origem. Polemiza com a bibliografia clássica e atual sobre o fascismo e, operando com um conceito de
fascismo inserido na tradição marxista, caracteriza o governo e sua base social como (neo)fascistas. Sustenta a
necessidade de construir uma tipologia das crises políticas nas sociedades capitalistas e procura mostrar que
a natureza e a dinâmica da crise política brasileira de 2015-2018 são típicas da crise política que dá origem ao
fascismo. Insere o bolsonarismo no contexto da democracia ainda existente no Brasil, que caracteriza como
uma democracia burguesa em crise.
Palavras-chave: Política Brasileira. Governo Bolsonaro. Neofascismo. Crise Política.

A crise política brasileira, iniciada em tado e, definitivamente, pretérito. A segunda


novembro de 2014 – quando o Partido da So- pergunta que a mesma afirmação suscita é a
cial Democracia Brasileira (PSDB) impetrou de saber se existe, de fato, uma relação entre,
duas ações judiciais visando a anular o resul- de um lado, as características da crise política
tado da eleição de outubro daquele ano –, pas- iniciada em 2014 e, de outro, o surgimento e
sou por várias fases e levou o país, em outubro a vitória eleitoral do movimento bolsonarista.
de 2018, a um governo em que predomina um Ou seja, a crise política apresenta característi-
grupo político neofascista. cas que explicam o nascimento e a vitória de
A primeira pergunta que a afirmação an- um movimento fascista na semiperiferia do
terior suscita é a de saber por que deveríamos capitalismo?
caracterizar o bolsonarismo como uma varian- Neste texto, tentaremos oferecer alguns
te do fascismo. Há uma onda de movimentos e elementos de resposta para essas duas ordens
governos de extrema-direita em diversas regi- de questões: por que falar em fascismo e por
ões do mundo. No nosso entendimento, nem que se pode sustentar que a crise política ini- Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021
todos eles podem ser caracterizados como ciada em 2014 apresenta características que
fascistas, mas o governo Bolsonaro, sim. Qual explicam o surgimento e a vitória que o fascis-
o motivo dessa particularidade? Por que não mo obteve no Brasil. Utilizaremos, para tanto,
caracterizar o bolsonarismo um “populismo de as pesquisas empíricas que temos feito sobre
direita”? Afinal, afirmam alguns observadores política brasileira contemporânea, bem como a
e estudiosos, o fascismo deve ser considerado bibliografia clássica e contemporânea, princi-
um fenômeno político muito particular, da- palmente a marxista, sobre o fascismo original
e, especialmente, a análise que Nicos Poulant-
zas desenvolve em seu livro Fascismo e dita-
* Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) dura (Poulantzas, 1970). Como o leitor verá,
Cidade Universitária Zeferino – rua Cora Coralina nº 100 –
Distrito de Vaz Barão Geraldo. CEP: 13083-896. Campinas esse livro ocupa um lugar central nas nossas
– SP – Brasil. armando.boito@gmail.com
http://orcid.org/0000-0002-1826-7331 reflexões.

http://dx.doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.35578 1
O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

O FASCISMO ORIGINAL E O NEO- exceção pode assumir – os outros regimes des-


FASCISMO sa forma de Estado seriam a ditadura militar e
o regime bonapartista. Conforme veremos, as
Por que lançar mão, um século após a definições de Togliatti e de Poulantzas podem
criação do Fasci italiani di combattimento, no ser unificadas. Cito a seguir passagens ilustra-
ano de 1919, do conceito de fascismo? tivas da análise desses dois autores.
Inspirados na análise de autores como
O segundo elemento consiste no caráter de massa
Palmiro Togliatti e Nicos Poulantzas, susten- das organizações do fascismo. Muitas vezes o ter-
tamos a legitimidade teórica de um conceito mo fascismo é usado de modo impreciso, como
geral de fascismo, isto é, um conceito de fascis- sinônimo de reação, terror etc. Isso não é correto.
mo que transcenda as particularidades do fas- O fascismo não significa apenas a luta contra a de-
mocracia burguesa; nós não podemos usar essa ex-
cismo original, italiano ou alemão (Poulantzas,
pressão quando estamos na presença apenas dessa
1970; Togliatti, 2010).1 Boa parte da bibliogra-
luta. Devemos usá-la apenas quando a luta contra
fia, marxista e não marxista, recusa a ideia de a classe operária se desenvolve sobre nova base de
tal conceito. Pretendem colar inseparavelmen- massa de caráter pequeno-burguês, como vemos na
te o conceito de fascismo ao movimento dirigi- Alemanha, na Itália, na França, na Inglaterra e em
do por Mussolini e por Hitler e à ditadura que toda parte que existe um fascismo típico (Togliatti,
2010, p. 8, tradução nossa).
foi implantada na Itália e na Alemanha no en-
O primeiro problema que se coloca no estudo do
treguerras – vários autores recusam até a utili-
fascismo é o de sua especificidade em relação às
zação de um mesmo conceito para designar os formas de regime tais como a ditadura militar e o
movimentos e as ditaduras da Itália e da Ale- bonapartismo e em relação a outras formas de Esta-
manha. Dispensam a esse fenômeno um trata- do capitalista. Dito de outro modo, podemos definir
mento epistemológico muito diferente daquele uma forma de Estado capitalista de exceção que, ela
própria, recobre diversas formas específicas de re-
que dispensam a outros fenômenos referentes,
gimes de exceção, tais como o fascismo, as ditadu-
como o fascismo, à maneira de organização do
ras militares e o bonapartismo? (Poulantzas, 1970,
poder político. Discorrem sobre os conceitos p. 12, tradução nossa).
de democracia, ditadura, monarquia, repúbli-
ca e outros, transitando livremente da Grécia Que definições são essas? Elas são defini-
Antiga e da Europa feudal à Europa contempo- ções que poderíamos denominar teóricas e sin-
rânea, e da Europa à Ásia e à América, tratando téticas, e não definições que denominaríamos
tais conceitos pelas suas características gerais, descritivas, como o são aquelas que encontra-
abstraindo as formas específicas como se rea- mos em muitos autores que tratam da questão.
De fato, é muito comum, no estudo do fascis-
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lizam em diferentes lugares e épocas, mas não


aceitam que se aproxime Plínio Salgado ou Jair mo, historiadores e intelectuais, motivados pelo
Bolsonaro de Benito Mussolini.2 objetivo de chegar a uma caracterização geral
Pois bem, Togliatti define o fascismo do fenômeno, enumerarem numa lista maior
como um regime político reacionário de mas- ou menor diversos atributos que caracteriza-
sa, e Poulantzas o define como um dos regimes riam o fascismo. Umberto Eco (2017) enumera
políticos que a forma de Estado capitalista de um a um quatorze atributos: culto da tradição,
recusa da modernidade, irracionalismo, ação
1
O livro de Togliatti reúne as conferências por ele pronun- pela ação, medo da diferença, apelo aos setores
ciadas em Moscou ao longo do primeiro semestre de 1935.
Há edições mais antigas das Lezioni, mas essa de 2010 é médios, nacionalismo, elitismo e outras. Robert
mais completa. O. Paxton, no seu importante trabalho Anatomy
2
Um livro bem recente e que tem como objetivo central of fascism, chega, após longo exame histórico,
recusar qualquer conceito geral de fascismo é o de Emi-
lio Gentile (2019), historiador da Itália fascista. Polemizei a uma definição do fascismo como comporta-
com posição semelhante presente na bibliografia marxista
(Boito Junior, 2019). mento político marcado por um conjunto de

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Armando Boito Jr.

cerca de vinte atributos (Eco, 2017; Paxton, fascismo – na verdade, parte-se de uma “gene-
2004). Em tais definições, não estão claros os ralidade”, e não exclusivamente do fato histó-
critérios teóricos a partir dos quais são selecio- rico, para utilizar o conceito de “generalidade”
nados este ou aquele atributo, e não outros; não com o qual Louis Althusser faz a crítica ao em-
se sabe por que se chega a cinco, dez ou vinte piricismo (Althusser, 1965).
atributos a serem retidos no conceito e nada se Tanto na definição de Togliatti quanto na
diz sobre o que é principal e o que é secundá- de Poulantzas, e diferentemente das definições
rio. No final das contas, o conceito assim obtido empiricistas criticadas anteriormente, mobili-
serve muito pouco como instrumento analítico za-se conscientemente, para caracterizar o fas-
– cada fenômeno histórico considerado sempre cismo, a teoria marxista do Estado – o Estado
apresentará parte, e não a totalidade dos atribu- como organizador da dominação de classe, a
tos contidos no conceito. Faço duas observações democracia e a ditadura como formas de Esta-
para ilustrar o problema. do etc. Parte-se, simultaneamente, dessa teoria
Umberto Eco não arrola a assim deno- e das informações empíricas disponíveis sobre
minada liderança carismática como atributo fenômenos políticos que, por alguns indica-
importante do fascismo e, no entanto, se par- dores fornecidos pela citada teoria, podem,
tíssemos de uma perspectiva weberiana, sal- pelo menos inicialmente, ser agrupados sob
taria à vista que o atributo fundamental a ser um conceito comum. Chega-se a uma defini-
destacado no fascismo seria esse tipo de lide- ção teórica e, também, sintética, definição que
rança, pois, além da extrema personalização não se dispersa em inúmeros detalhes, destaca
da liderança de Mussolini e de Hitler na políti- o que é essencial no fenômeno, e, é verdade,
ca fascista, esse conceito ocupa lugar destaca- serve muito mais como um guia seguro e escla-
do na teoria weberiana, qualificando uma das recedor para a análise que como uma caracte-
três formas de dominação legítima. Robert O. rização detalhada do fenômeno. Isso se passa
Paxton, por sua vez, quando sistematiza a de- dessa forma na definição de todos os conceitos
finição de fascismo na conclusão do seu livro, do materialismo histórico: o Estado é a insti-
não alude à natureza de classe do fenômeno e, tuição que organiza a dominação de classe; o
no entanto, partindo – como nós mesmos par- capital é o valor que se valoriza; classe social
timos neste texto – de uma perspectiva mar- é o coletivo que ocupa uma mesma posição no
xista, o caráter pequeno-burguês desse movi- processo de produção etc. Cada uma dessas
mento será valorizado, dado o critério teórico definições são teoricamente informadas – de-
marxista que conduz a perguntar, acima de pendem de outros conceitos como os de do-
tudo, pela natureza de classe dos fenômenos minação de classe, valor, acumulação, relações
políticos. Porém as definições que estamos de produção etc. –, são sintéticas e exigem, Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

denominando descritivas são empiricistas. para que se produza conhecimento sobre os


Aqueles que as elaboram acreditam partir, di- fenômenos aos quais se referem, o desenvol-
reta e exclusivamente, dos fatos brutos, sem vimento do conjunto da análise do fenômeno
se apoiar em critério teórico prévio. Robert O. inicialmente definido.
Paxton é taxativo nessa matéria. Afirma que Voltemos ao conceito de fascismo. As
parte direta e exclusivamente dos casos conhe- duas definições, a de Togliatti e a de Poulant-
cidos de fascismo para, selecionando atributos zas, convergem para este ponto: o fascismo é
comuns, chegar a uma definição geral. O que uma ditadura cujo regime político é um regime
ele não explica é como poderá selecionar “os reacionário de massa. Tanto para uma quanto
casos conhecidos de fascismo” se ele não tem, para outra, um regime de ditadura militar que,
já no início da pesquisa, uma indicação, por como tal, não possui base de massa minima-
mais geral e simples que seja, do conceito de mente organizada não é, como ambos desta-

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O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

cam nas passagens que citamos, uma ditadura mencionado, mas não suficientemente desta-
de tipo fascista, mesmo que tal ditadura tenha cado pelos estudos marxistas clássicos, é a sig-
sido instituída, como alerta a passagem cita- nificativa presença no movimento e nos par-
da de Togliatti, para combater o movimento tidos fascistas daquele segmento social que,
operário. Acrescentemos algo importante para décadas depois, seria conhecido como classe
nós, que analisamos o Brasil. Interessa desta- média.4 Barrington Moore Jr., no seu alentado
car que, se o fascismo é esse regime político, trabalho intitulado Injustiça: as bases sociais
também deve ser denominado fascista o mo- da obediência e da revolta, é um dos autores
vimento social que luta pela instauração desse que dá importância à presença da classe mé-
regime e a ideologia que mobiliza esse movi- dia, tanto do setor público quanto do setor pri-
mento e legitima a ditadura fascista. No Bra- vado, na base do movimento e no coletivo de
sil, não temos uma ditadura fascista – estamos militantes e de dirigentes do partido nazista.
escrevendo em outubro de 2019 –, mas temos Ele utiliza estatísticas detalhadas sobre a com-
um movimento e uma ideologia fascistas que, posição socioprofissional do partido nazista
dentro dos limites dados pela correlação polí- produzidas pelo próprio partido. Compara a
tica de forças existente, atenta contra a demo- presença dos grupos socioprofissionais no par-
cracia burguesa e pode, dependendo da dinâ- tido com o peso de cada um deles na popula-
mica da conjuntura, chegar à instauração de ção economicamente ativa. Em conclusão, re-
uma ditadura de tipo fascista no Brasil. chaça as tentativas de negar o caráter pequeno-
Faz-se necessária agora uma primeira -burguês do movimento e do partido, destaca a
desagregação ou desenvolvimento da defi- participação dos profissionais de classe média
nição da qual estamos partindo. A mencio- e acrescenta que o partido chegou a recrutar
nada massa do “regime político reacionário entre trabalhadores manuais da indústria, em-
de massa” não é um aglomerado amorfo com bora esse segmento estritamente operário es-
composição social aleatória, mas, sim, uma tivesse sub-representado no coletivo partidá-
massa predominantemente pequeno-burguesa rio. Interessa-nos mais o que ele diz sobre a
no fascismo original e predominantemente de presença da classe média no movimento e no
classe média, conforme veremos, no neofascis- partido nazista. Afirma o autor que o NSDAP, a
mo brasileiro. Os estudos marxistas clássicos sigla alemã do Partido Nacional Socialista dos
sobre o fascismo original destacaram o caráter Trabalhadores Alemães, representou
de classe pequeno-burguês do movimento.3 É
um especial apelo para os trabalhadores de cola-
certo que o fascismo ampliou muito sua base rinho branco gerados pela sociedade industrial
original, mas a base precursora e principal foi
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adiantada, graças à posição insegura desses traba-


essa e assim seguiu sendo – era, por exemplo, lhadores […] dependentes da administração […] [e
o segmento social que mais fornecia quadros dos] salários como os operários da produção. No
para o partido fascista e nazista. Um elemento entanto, ao mesmo tempo, os trabalhadores de co-
larinho branco efetuam funções “limpas” ou não-
3
O caráter pequeno-burguês do movimento fascista ori- -manuais em um escritório, o que os deixa mais
ginal é afirmado e demonstrado por inúmeros autores
marxistas com base em ampla documentação e com es- próximos da administração e encoraja a tendência a
tatísticas de diversos tipos – geografia do voto, composi- olharem os operários com desprezo, sem deixarem
ção dos partidos fascista e nazista etc. Além dos textos de
Togliatti (2010) e Poulantzas (1970), vale a pena citar, e de temê-los. […] No todo, as características sociais
obedecendo a ordem cronológica de aparição, “I due fas-
cisme” de Gramsci (1973), texto originalmente publicado 4
Embora Hilferding (1985), em seu estudo clássico sobre
num número de 1921 do jornal Ordine Nuovo; Revolução o capital financeiro publicado em 1910, já tivesse se de-
e contra-revolução de Leon Trotsky ([1933] 1968); Fascisme bruçado sobre esse segmento que denominou “nova clas-
et grand capital de Daniele Guerrin ([1936] 1965). Traba- se média”, destacou que se tratava de um segmento que
lhando com outras problemáticas e teorias, também sus- crescia mais que a classe operária e que se distinguia por
tentam o caráter pequeno-burguês do fascismo original o possuir uma carreira, estar integrado ou mais próximo da
trabalho de Wilhelm Reich ([1936] 1972), sobre a psico- administração da empresa e usufruir de uma remuneração
logia de massa do fascismo, e o de Barrington Moore Jr. superior à do trabalhador manual, atributos que induzi-
(1987) sobre as bases sociais da obediência e da revolta. riam ao individualismo (p. 325-327)

4
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do Grupo 1 [pequena burguesia proprietária e clas- da. Mais recentemente, quando a gestão Bolso-
se média, ABJ] confirmam a tese familiar, embora naro já completara nove meses, os analistas de
intermitentemente questionada, de que o NSDAP
pesquisas de opinião constataram que também
[Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Ale-
mães] exercia maior atração sobre as classes médias
é nesse segmento social que se encontram os
baixas. Os ressentimentos que, de acordo com tais bolsonaristas mais convictos (Prandi, 2019).
evidências, alimentaram o movimento nazista eram Os dados de 2017 mostram que a classe média
aqueles do “homem comum” (little man) irado face é a base social precursora do bolsonarismo, en-
às injustiças de uma ordem social que [o] ameaça- quanto os de 2019 mostram que ela é, também,
va ou não conseguia recompensar as virtudes do
sua base mais fiel.6
trabalho árduo e da abnegação à medida que esses
esforços pessoais tornavam-se cristalizados na loja
A ideologia fascista, como não poderia
do comerciante, no lote do camponês, na habilidade deixar de ser, traz a marca de sua base social
manual do artesão, no emprego de colarinho branco – e aqui procedemos a uma segunda desagrega-
e nos dons do técnico ou do jornalista (Moore Ju- ção ou desenvolvimento da definição sintética
nior, 1987, p. 547-554). da qual partimos. A ideologia fascista peque-
O fascismo, em geral, é um movimento no-burguesa ou de classe média é uma ideolo-
reacionário de massa enraizado em classes gia crítica, mas de perspectiva conservadora.
intermediárias das formações sociais capita- Poulantzas (1970) fala em “anticapitalismo de
listas. No fascismo original, a base social era status quo”; Palmiro Togliatti (2010) e Georgi
composta majoritariamente por pequenos pro- Dimitroff (1965) falam, às vezes inapropriada-
prietários, a pequena burguesia; no neofascis- mente, em “demagogia fascista”. O fato é que o
mo brasileiro do século XXI, essa base social é fascismo original fazia a crítica ao grande capi-
composta majoritariamente pela classe média tal, aos especuladores e aos financistas de uma
e, particularmente, pela alta classe média.5 O perspectiva conservadora de pequeno proprie-
movimento neofascista e suas organizações tário; o neofascismo brasileiro, com predomí-
nasceram das manifestações pelo impeach- nio da classe média, critica a corrupção e a
ment de 2015-2016, manifestações estas que “velha política”, e o faz, no caso da corrupção,
todos os levantamentos empíricos mostram de uma perspectiva conservadora e moralista
que eram da alta classe média (Cavalcante; e, no caso da “velha política”, de uma perspec-
Arias, 2019; Galvão, 2016). Em 2017, o eleito- tiva autoritária que enaltece a concentração do
6
“O grupo dos mais afinados com Bolsonaro é formado pe-
rado pioneiro de Bolsonaro, como mostram as los que votaram nele, aprovam seu mandato e concordam
pesquisas de intenção de voto para Presidência com suas declarações. São seus adeptos fiéis, entusiastas
fanáticos, para não dizer adoradores em qualquer circuns-
da República realizadas ao longo daquele ano, tância. Representam 12% da população com 16 anos ou
mais. É o chamado grupo heavy do presidente, aquele
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quando o então presidenciável detinha em tor- núcleo duro de apoiadores irrestritos constituído por bol-
sonaristas radicais” (Prandi, 2019, p. 1). “[Esse grupo dos
no de 10% das intenções de voto, esse eleitora- 12%] não é uma fatia majoritariamente de pobres nem de
do era de elevada instrução formal e alta ren- desinformados, não são ignorantes inocentes. Sua pre-
sença aumenta com a renda familiar mensal medida em
salários mínimos: na categoria de renda que vai até dois
5
Tanto no fascismo original quanto no neofascismo, os salários, há 5% de entrevistados incluídos no grupo heavy.
proprietários de terra apoiaram o movimento desde o iní- Essa taxa sobe para 15% no grupo de dois a cinco salários
cio. Na Itália pré-fascista e no Brasil atual, os proprietários e vai para 23% no de cinco a dez salários, alcançando 25%
de terra estavam em situação defensiva diante das classes na categoria que tem renda maior que dez salários míni-
populares. Viviam, ao contrário dos demais segmentos da mos por mês. Outro bom indicador de estratificação social
classe capitalista, sob a ameaça permanente de ocupação é a escolaridade. No grupo de apoio irrestrito a Bolsonaro,
de sua propriedade pelos trabalhadores. Daí, sua predispo- estão incluídos 12% dos que tiveram o ensino fundamen-
sição favorável a um movimento antioperário e antipopu- tal como nível maior de escolaridade, 11% dos de nível
lar como o movimento fascista. As associações de proprie- médio e 16% dos que tiveram educação superior. A dis-
tários rurais foram, entre os segmentos da classe dominan- tribuição por cor é outro indicador que ajuda a entender
te, pioneiras no apoio à candidatura Bolsonaro. Tratando melhor o grupo. Fazem parte dele 5% dos indígenas, 8%
do fascismo italiano, Gramsci (1973), no já citado texto de dos pretos e igual número dos amarelos, 11% dos pardos
1921, fala da existência de dois fascismos desde o início e 17% dos brancos. É razoável concluir que os heavy de
do movimento: um da pequena burguesia e outro dos pro- Bolsonaro não retratam o Brasil. Pelo que se viu até aqui,
prietários rurais da Emilia, Toscana, Veneto e Umbria. De o grupo pode ser representado por um homem branco de
nossa parte, estamos diferenciando a classe social que or- idade madura, escolarizado e de estrato social de médio
ganiza o movimento daquela que o apoia e financia. para alto” (Prandi, 2019,p. 2).

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O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

poder no Executivo e aponta para o fim da po- populares que a aceitação do presidente mais
lítica parlamentar, isto é, para o fim da demo- perde pontos (Prandi, 2019) –, contudo foi um
cracia burguesa.7 apoio suficiente para que Bolsonaro vencesse a
O aspecto crítico do discurso fascista e eleição presidencial de 2018.
neofascista pode, de maneiras distintas, ob- O discurso superficialmente crítico, mas
ter – e de fato obtém – impacto popular que profundamente conservador do fascismo, pode
transcende sua origem de classe. Nessa maté- confundir inclusive as organizações democrá-
ria, há dois erros a evitar. O primeiro consiste ticas e populares. No Brasil, parte importan-
em imaginar que o fascismo penetra indistin- te do Partido dos Trabalhadores (PT), de seus
tamente e por igual todas as classes populares dirigentes, deputados e integrantes da equipe
e dominantes, de tal modo que poderíamos governamental de Dilma Rousseff mostraram
desprezar a divisão em classes para a análise acreditar, por seus atos e suas palavras, que
do fenômeno fascista. Todos teriam sido igual- a Operação Lava Jato era, de fato, para com-
mente atraídos por Hitler ou Mussolini. Esse é bater a corrupção, e não uma operação que
o erro presente em muitos textos que recorrem instrumentalizava politicamente a luta contra
a Freud para analisar o fascismo, mobilizando a corrupção para golpear exclusivamente em-
a ideia de carência do pai protetor e autoritário presas nacionais e o próprio PT, satisfazendo
para explicar o sucesso político do fascismo.8 interesses e expectativas políticas do capital
O outro erro consiste em ignorar o impacto po- estrangeiro e da alta classe média.10 Essa ope-
pular desse fenômeno. Os comunistas comete- ração mostra como os conflitos entre frações
ram esse erro na luta contra o fascismo origi- da burguesia atravessam as instituições do Es-
nal.9 No Brasil, o neofascismo nascido na alta tado, pois a ação de um ramo da burocracia de
classe média logrou obter, ao longo do ano de Estado, alinhada politicamente e dispondo de
2018, apoio em segmentos populares. Foi um vínculos com o Departamento de Justiça dos
apoio tardio e, ao que parece, volátil – as atu- Estados Unidos, visava a destruir, com o apoio
ais pesquisas de avaliação do governo Bolso- militante da alta classe média, um ramo im-
naro indicam que é nesses mesmos segmentos portante das empresas nacionais e eliminar a
direção do partido de centro-esquerda, o PT,
7
Convém nuançar. De um lado, o fascismo original tam-
bém levantava a bandeira da luta contra a corrupção. Cito que vinha colocando obstáculos à política ex-
Dimitroff (1935, p. 12, tradução nossa): “O fascismo en-
trega o povo para ser devorado pelos elementos mais cor- terna dos Estados Unidos para a América La-
ruptos e venais, mas, antes deles, vem com a exigência de tina. Na extrema-esquerda também vicejaram
‘um governo honesto e incorruptível’. Especulando sobre
a profunda desilusão das massas com governos democráti- ilusões diante do discurso neofascista nascen-
cos burgueses, o fascismo denuncia hipocritamente a cor-
te. O Partido Socialista dos Trabalhadores Uni-
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rupção (por exemplo, os casos Barmat e Sklarek na Alema-


nha, o caso Stavisky na França e muitos outros)”. De outro
lado, o neofascismo também critica as elites financeiras ficado (PSTU) e ao menos uma das tendências
e empresariais que teriam se aliado à esquerda comunis- do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), à
ta, manipuladora dos pobres desinformados, durante os
governos do PT. É exemplar nesse sentido a palestra de qual pertencia a candidata à Presidência da
Abraham Weintraub no Congresso Conservador (CPAC)
realizado em São Paulo, em 11 e 12 de outubro de 2019. República em 2014, a deputada Luciana Gen-
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=60B-
jYlCoDlo. Acesso em: 15 out. 2019. ro, apoiaram a Operação Lava Jato, atraídos
8
Theodor Adorno (2006) apresenta esse tipo de análise
pelo discurso aparentemente crítico do neofas-
inspirada em Freud, que ignora a natureza de classe da cismo.
base de apoio do fascismo.
Trata-se de um movimento de massa da
9
“Um dos aspectos mais fracos da luta antifascista de nossos
partidos reside no fato de que eles reagem inadequada e muito classe média e/ou da pequena burguesia que
lentamente à demagogia do fascismo, e ainda hoje continuam a
olhar com desdém para os problemas da luta contra a ideologia deve ser qualificado de reacionário, porque o
fascista. Muitos camaradas não acreditavam que uma variedade seu objetivo político principal é a eliminação
tão reacionária da ideologia burguesa como a ideologia do fas-
cismo, que em sua estupidez frequentemente chega ao ponto da
loucura, fosse capaz de ganhar influência de massa. Este foi um 10
Procuro demonstrar essa tese no meu livro sobre a crise
grande erro” (Dimitroff, 1935, p. 77-78, tradução nossa). política iniciada em 2014 (Boito Junior, 2018).

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do pensamento e dos movimentos de esquerda. ra da economia e do Estado capitalista, o sen-


No fascismo original, a esquerda eram os par- timento de ameaça vinda de baixo, sentimento
tidos operários de massa – o partido socialista de dissolução da sociedade devido à propaga-
e o partido comunista – com seus programas ção de valores dissolventes, o apego a valores
que apontavam para a transição ao socialismo. tradicionais, o ativismo político, o culto da
Nesse contexto, de polarização política inten- violência, o irracionalismo e outras caracte-
sa, o fascismo mimetizou conscientemente os rísticas dos movimentos fascista e neofascista,
comunistas e os socialistas e organizou-se tam- estão articulados com sua natureza de classe
bém num partido de massa, sem o que, como pequeno-burguesa e/ou de classe média numa
afirmava Hitler, o movimento não poderia ser situação de crise provocada pela percepção do
vitorioso. No neofascismo, o inimigo a ser agravamento do conflito de classes.
combatido é o movimento democrático e po- Em muitos países, os movimentos fascis-
pular, guiado por um reformismo superficial e tas e, atualmente, os neofascistas não lograram
desprovido de organização partidária de mas- conquistar o poder governamental ou sequer
sa. Nesse novo contexto, de polarização polí- participar dele, e onde o lograram nem sempre
tica moderada se comparada ao cenário ante- implantaram uma ditadura fascista. Porém,
rior, o neofascismo se satisfaz, até o presente em todos os países em que chegou ao poder,
momento, com a agitação nas redes sociais, o o fascismo o fez, não como representante dos
apoio das igrejas pentecostais e neopentecos- interesses das classes intermediárias que lhe
tais que estão – elas sim – organizadas junto à deram origem – a pequena burguesia e a classe
população de baixa renda e com manifestações média –, mas, sim, após ter sido politicamen-
de rua esporádicas, como as manifestações de te confiscado pela burguesia ou uma de suas
26 de maio e de 30 junho deste ano, em apoio frações com o objetivo de, apoiada nesse movi-
ao governo Bolsonaro e ao ex-juiz Sérgio Moro. mento, superar uma crise política implantan-
Uma análise importante a ser desenvol- do um governo antidemocrático, antioperário
vida seria mostrar como a definição teórica e e antipopular. A pequena burguesia e a classe
sintética permite explicar elementos geral- média continuam politicamente ativas sob o
mente arrolados de forma um tanto aleatória governo e o regime fascista, mas apenas como
nas definições que denominamos descritivas classe-apoio, isto é, uma classe que, na defini-
do fascismo. Um exemplo: arma ideológica im- ção de Poulantzas, serve de base a um regime
portante para combater a esquerda é o nacio- político determinado por razões ideológicas e
nalismo bolsonarista cujo conteúdo consiste, sem ter, necessariamente, seus interesses con-
única e exclusivamente, em designar uma su- templados pelo governo (Poulantzas, 1968)
posta homogeneidade da sociedade nacional – aliás, ao contrário, o que os estudos sobre Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

como bem maior – homogeneidade apresen- o fascismo original mostram é que a peque-
tada, simultânea e contraditoriamente, como na burguesia foi a primeira vítima da política
algo existente e algo ainda a ser atingido. Essa econômica fascista favorável ao grande capital
homogeneidade estaria ameaçada pelas lutas (Poulantzas, 1970).
da esquerda e por seus valores – luta pela terra, Advirta-se que a fração burguesa que co-
luta pelos direitos dos trabalhadores, luta das opta o fascismo e, graças a isso, instaura sua
mulheres, dos ambientalistas, da população hegemonia não é a burguesia agrária. Esta, em-
LGBT, dos negros, indígenas e outras. A luta bora tenha sido pioneira no apoio ao fascismo
democrática e popular estaria do lado de fora e ao neofascismo, não está, numa sociedade
da nação e ameaçaria sua suposta ou almejada capitalista industrial e urbanizada, em condi-
homogeneidade interna. A hipótese é que os ções de assumir a hegemonia na sociedade e
demais elementos, como a crítica conservado- sequer no bloco no poder – refiro-me aos pro-

7
O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

prietários de terra, e não ao conjunto dos seg- nham perdido durante os governos encabeça-
mentos burgueses envolvidos no agronegócio dos pelo PT – fundamentaremos mais à frente
em que, de resto, os fazendeiros ocupam posi- essas afirmações. O fato é que a dinâmica de
ção subordinada. Quem coopta o fascismo em nascimento desde abaixo e cooptação pelo alto
proveito de sua hegemonia política são outras prevaleceu tanto no fascismo original quanto
frações burguesas que são distintas no fascis- no neofascismo brasileiro. A herança dessa
mo e no neofascismo – afinal, repetimos, o fas- dinâmica é ambígua: ela fornece uma base de
cismo se define pela forma de Estado (ditadu- massa para o mandatário – Mussolini, Hitler,
ra), pelo regime político (fascismo) e engloba Bolsonaro –, mas pode criar dificuldades para
o movimento e a ideologia que implantam e a implementação da política burguesa pelo go-
legitimam esse regime, e não pela composição verno fascista, como já mostraram os conflitos
ou hierarquia do bloco no poder.11 do governo Bolsonaro com o movimento dos
Pois bem, no fascismo original, foi o caminhoneiros.
grande capital monopolista que cooptou o O fascismo original surgiu no século
movimento fascista predominantemente pe- XX nos países centrais. Foi um movimento
queno-burguês para encerrar o período de he- reacionário de massa predominantemente pe-
gemonia política do médio capital. Seguimos queno-burguês, voltado contra o movimento
nesse ponto a análise de Poulantzas e de auto- operário socialista e comunista, que mobilizou
res marxistas coevos do fascismo, como Palmi- uma crítica conservadora, típica do pequeno
ro Togliatti, Georgi Dimitroff e Daniel Guerrin, proprietário, à economia capitalista e à políti-
análise segundo a qual o capital monopolista, ca parlamentar e chegou ao governo cooptado
embora já predominasse na economia italiana pelo grande capital. O neofascismo surgiu no
e alemã pré-fascista, não tinha ainda conquis- século XXI e, no caso brasileiro, na semiperife-
tado a hegemonia política no interior do bloco ria do sistema imperialista.12 É um movimen-
no poder, isto é, não tinha logrado colocar seus to reacionário de massa predominantemente
interesses no centro das decisões de política de alta classe média, e não pequeno-burguês;
econômica, externa e social do Estado. Veio a voltado contra o movimento democrático e po-
conquistá-la e, diferentemente do que ocorreu pular, e não contra um movimento socialista e
em outros países centrais, como os Estados comunista de massa que não existe no Brasil
Unidos ou a Inglaterra, apenas quando da im- atual; mobiliza uma crítica conservadora, de
plantação da ditadura fascista. No neofascis- classe média, à corrupção e à política demo-
mo brasileiro, quem cooptou o movimento ne- crática, e chegou ao governo cooptado pelo ca-
ofascista predominantemente de classe média pital financeiro internacional e pela fração da
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

foi o grande capital internacional e a fração da burguesia brasileira a ele integrada, e não por
burguesia brasileira a ele integrada. Foi com uma burguesia nacional expansionista que, de
base nesse movimento que esses dois setores fato, não existe no Brasil. Ambos os movimen-
burgueses recuperaram a hegemonia que ti- tos prestam serviços a frações da burguesia,
11
Atílio Boron entende, diferentemente do que acabamos mas sem se deixar reduzir a instrumentos pas-
de afirmar, que o fascismo se caracterizaria pelo fato de
representar a hegemonia no bloco no poder de uma bur- sivos que essas frações manipulariam ao seu
guesia nacional imperialista. Ele se baseia na análise do bel prazer.
fascismo original e deduz dessa tese que seria um “grave
erro” caracterizar como fascista o governo Bolsonaro, in-
serido numa era em que a burguesia nacional seria “peça
de museu”. Criticamos essa tese argumentando que, de
um lado, tal como ocorre com a democracia burguesa ou
a ditadura militar, o fascismo é um regime político e per- 12
Como advertimos no início deste texto, segundo o con-
mite, ainda que dentro de certos limites, a formação de di- ceito que estamos elaborando, nem todo governo ou movi-
ferentes blocos no poder com diferentes frações burguesas mento de extrema-direita da atualidade pode ser caracte-
hegemônicas e, de outro lado, que uma mesma fração bur- rizado como neofascista. Para sê-lo, ele tem de representar
guesa pode exercer sua hegemonia em diferentes regimes uma reação com base de massa a um movimento ou gover-
(Boito Junior, 2019). no de esquerda ou de centro-esquerda.

8
Armando Boito Jr.

PARALELO ENTRE A CRISE PO- a despeito das inevitáveis particularidades de


LÍTICA GERADORA DO NEOFAS- uma e de outra. Lá, a crise política levou, tanto
CISMO E AQUELA DO FASCISMO na Itália quanto na Alemanha, à implantação
ORIGINAL de governos sob controle do partido fascista,
mas em composição com partidos burgueses,
O fascismo não brota apenas de uma e, em seguida, à implantação de uma ditadura
crise conjuntural. Os estudiosos do fascismo fascista, passagem que se deu de modo grada-
original destacaram o processo de unificação tivo e relativamente prolongado no primeiro
tardio da Alemanha e da Itália, a posição in- país e de modo concentrado no tempo e rápido
termediária desses países na cadeia imperialis- no segundo. Aqui, o que temos até o presente
ta, o peso de instituições e ideologia feudais é um governo com predomínio fascista que faz
remanescentes – a Prússia, o Mezzogiorno – ameaças e toma medidas contra a democracia.
como elementos da história de longa duração Tais diferenças de resultados devem encontrar
que favoreceram o surgimento do fascismo. No raízes nas especificidades de tais crises.
Brasil, o longo e recente passado escravista, as Do mesmo modo que fizemos quando
mudanças políticas efetuadas pelo alto, como caracterizamos o neofascismo, diremos que,
em 1930 e 1985, a instabilidade do regime de- mudando o que deve ser mudado, mas per-
mocrático, a tradição do pensamento autoritá- manecendo dentro dos limites de uma ma-
rio e a significativa presença da classe média triz conceitual que é comum a ambos os fe-
como força social distinta – ora progressista, nômenos comparados, é defensável sustentar
ora conservadora – na história política nacio- que, entre, de um lado, a crise política que
nal concorreram, de maneiras variadas, para a deu origem ao fascismo original e, de outro,
formação do quadro histórico que favoreceu o a crise política que deu origem ao neofascis-
surgimento do neofascismo. Gramsci destaca mo no Brasil, entre uma e outra, predomina
um elemento social de longa duração e im- a semelhança. O leitor poderá estranhar tal
portante para a explicação do surgimento do afirmação. Na segunda década do século XX,
fascismo na Itália: a violência entranhada na embora já tivéssemos um capitalismo finan-
sociedade italiana. Como hipótese, podemos ceiro e internacionalizado, era outra, então, a
supor que seja mais fácil surgir e crescer um etapa desse sistema e do sistema imperialista
movimento que elege a violência como objeto internacional. Ademais, a classe operária en-
de culto numa sociedade que já pratica regu- contrava-se organizada nos partidos socialista
larmente a violência em forma extremada.13 e comunista, e a Europa burguesa enfrentava
a ameaça representada pela Revolução Russa
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021
Nossa análise, contudo, se restringirá à con-
juntura na qual o neofascismo se originou. de 1917. Porém, do mesmo modo que histo-
Se partirmos da caracterização sintética riadores e economistas apontam a semelhança
que Poulantzas faz da crise política que gerou de aspectos fundamentais da crise econômica
o fascismo original, veremos que o modelo que de 1929 com aspectos da crise econômica de
ele apresenta pode se aplicar à crise política 2008 – afinal ambas são crises da mesma eco-
da qual se originou o neofascismo no Brasil, nomia capitalista em períodos de semelhante
predomínio financeiro e gestadas nos países
13
GRAMSCI, A. Forze elementari. In: Antonio Gramsci, centrais –, assim também as citadas crises po-
Sul fascismo. Organizado por Enzo Santarelli. Editori Riu-
niti. 2012. p. 105-107. Gramsci descreve um cenário que líticas apresentam regularidades como ocorri-
permite pensar em semelhanças entre o Brasil de hoje e a
Itália do início do século passado. Gramsci destaca, com das no contexto de um mesmo tipo de Estado,
exemplos ilustrativos, a prática corrente do homicídio na o capitalista, que se desenvolveram no interior
Itália de então, os massacres de população pobre, as for-
mas humilhantes de controle dos trabalhadores por seus do processo político que é próprio da socieda-
patrões e a violência privada dos proprietários de terra.
Ver particularmente a página 106. de capitalista, que articula de maneira inédita

9
O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

na história os conflitos entre frações da classe lítica distinta da situação revolucionária em senti-
dominante com a luta das classes populares, do estrito, uma crise que determina uma forma de
Estado e formas de regimes verdadeiramente espe-
e são crises que se inserem em instituições e
cíficos? […] podemos determinar, no quadro geral
mobilizam instrumentos políticos originais da crise política, espécies diferentes e particulares
desse mesmo tipo de sociedade – como é, jus- de crise, cada uma conduzindo a formas de regime
tamente, o caso do partido de massa que surge de exceção – bonapartismo, ditaduras militares, fas-
apenas no capitalismo e organizando, pela pri- cismo – específicas da forma de estado de exceção?
meira vez na história de modo estável e legal, (Poulantzas, 1970, p. 60, tradução nossa).

a classe trabalhadora fundamental de uma so- Em Fascismo e ditadura, Poulantzas não


ciedade de classes. Enfim, estamos adotando logra, no nosso modo de ver, entregar por com-
uma tese e uma suposição: a) as crises polí- pleto o que prometeu sobre essa questão. Ele
ticas na sociedade capitalista apresentam par- apresenta uma caracterização muito rica da
ticularidades diante de suas congêneres em crise política que permitiu a ascensão do fas-
sociedades escravistas e feudais; e b) estamos cismo ao poder na Itália, em 1922, e na Alema-
supondo que essas crises podem variar, mas nha, em 1933. Evidencia que, a despeito das
apenas dentro de certos limites. especificidades de uma e de outra, o modelo de
Nicos Poulantzas não é o primeiro autor crise é o mesmo, mas não esclarece suficiente-
marxista a conceber a ideia de que o fascis- mente porque o tipo de crise que ele apresenta
mo nasce de um tipo particular de crise po- não poderia levar, por exemplo, a uma ditadu-
lítica. Contudo é ele, salvo engano, o primei- ra militar – possibilidade que, de resto, esteve
ro a procurar retirar dessa ideia todas as suas presente tanto na Itália quanto na República
consequências. Ele sustenta que os diferentes de Weimar. Localizamos a origem dessa lacu-
regimes políticos da forma de Estado capita- na no seguinte ponto: parece-nos que faltou ao
lista de exceção – fascismo, ditadura militar, trabalho de Poulantzas uma análise específica
bonapartismo – provêm de diferentes tipos de da dinâmica da crise política que levou ao fas-
crise política. Ao proceder assim, rompe com cismo. Como os diferentes elementos que Pou-
o economicismo e o historicismo que marcam lantzas utiliza para caracterizar a crise política
algumas tradições marxistas: rompe com a que deu origem ao fascismo agem uns sobre
ideia de que somente a economia tem uma di- os outros? Como essa ação incide sobre a evo-
nâmica necessária que se impõe às intenções lução da crise? Como essa evolução propicia
dos agentes enquanto a política seria o cam- viragens nas posições das forças em presença?
po de exercício da liberdade, e rompe também Essas questões, se bem respondidas, permiti-
com a ideia correlata de que, na política, tudo
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

riam, nós acreditamos, avançar no caminho


se explicaria pelas circunstâncias específicas aberto por Poulantzas em seu livro.
de cada conjuntura, circunstâncias essas que, Poulantzas aponta muitos aspectos e
de tão variadas, seriam refratárias à constru- dimensões para caracterizar tal crise política.
ção de modelos explicativos. Supõe, portanto, Ei-los aqui minuciados:
a possibilidade de tipificar o processo político
das sociedades capitalistas de modo a explicar a) acirramento dos conflitos no interior do bloco no
poder – conflito entre o médio e o grande capital, en-
e, em certa medida, prever a transição de um
tre a burguesia agrária e o grande capital, entre os
Estado democrático para um Estado ditatorial
proprietários semifeudais da terra e o grande capital;
e, ademais, para este ou aquele tipo de ditadu- b) crise da representação partidária das classes do-
ra – fascista, militar, bonapartista. minantes: rompimento dos laços de representação
partidária entre representantes e representados, e de-
Desta forma, para chegar ao problema da crise po-
clínio eleitoral dos partidos burgueses tradicionais;
lítica, devemos fazer a seguinte pergunta: podemos
c) instabilidade política e incapacidade hegemôni-
identificar as características gerais de uma crise po-

10
Armando Boito Jr.

ca das classes e frações dominantes, fragmentação generalizada. Nos nove pontos referentes à
das organizações políticas burguesas, sendo que a classe dominante, aos seus partidos e ao Esta-
solução não fascista da crise exigiria a fusão dessas
do, há, segundo nos parece, elementos de cir-
organizações num partido único da burguesia;
d) os partidos políticos tradicionais da burguesia
cunstância e desdobramentos que podem ser
não adotam o fascismo, tentam até mesmo, e ainda descartados para uma caracterização geral da
que timidamente, resistir à sua ascensão; crise política característica do nascimento do
e) ativismo político e fortalecimento da burocracia fascismo. Reteríamos, então, os três elementos
civil e militar do Estado – Forças Armadas, Polícia, seguintes: acirramento dos conflitos no inte-
tribunais, administração – em detrimento dos parti-
rior do bloco no poder, crise da representação
dos políticos;
f) conflito entre ramos e instituições do Estado vin-
partidária das classes dominantes e ativismo
culado aos conflitos de classe e crise institucional; político e fortalecimento da burocracia civil
g) distorção característica entre o “poder formal” e o – aí incluído o judiciário – e militar do Esta-
“poder real” caracterizando a crise política; do. Em seguida, é importante reter, no campo
h) impossibilidade de qualquer fração da classe do- das classes populares, a série de derrotas e a
minante estabelecer ou manter sua hegemonia nos
situação defensiva do movimento operário,
quadros do regime democrático;
i) multiplicam-se os ataques aos partidos políticos e
bem como a novidade que foi a constituição da
à política parlamentar; pequena burguesia como força social distinta
j) série de derrotas e situação política defensiva do e, por último, a crise ideológica generalizada.
movimento operário; Ficamos, assim, com seis elementos caracteri-
k) ofensiva da burguesia e, particularmente, do zadores da crise política que leva ao fascismo:
grande capital contra o movimento operário;
l) constituição da pequena burguesia como força so- a) acirramento dos conflitos no interior do bloco no
cial distinta; poder;
m) crise ideológica generalizada, tanto das ideologias b) crise da representação partidária das classes do-
da classe dominante quanto das ideologias das clas- minantes;
ses dominadas – inclusive na ideologia socialista. c) ativismo político da burocracia civil e militar pro-
vocando crise institucional;
Como dissemos, essa lista guarda notó- d) série de derrotas e situação defensiva do movi-
ria semelhança com a situação brasileira que mento operário;
deu origem ao governo Bolsonaro. Indicare- e) constituição da pequena burguesia como força
social distinta; e
mos isso a seguir. Agora queremos apontar
f) a crise ideológica generalizada.
que tais elementos caracterizadores da crise
são apresentados de modo abundante e descri- Quanto à dinâmica da crise política,
tivo, e sua dinâmica, como também já disse- consideramos importante detectar algumas in-
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021
mos, não é analisada com o devido destaque terações e encadeamentos entre os elementos
por Poulantzas. Vamos reter o essencial dessa citados e a evolução política que proporcio-
longa lista e tratar de pensar a relação entre os nam. É o acirramento dos conflitos no interior
elementos e a dinâmica da crise, tomando para do bloco no poder que desencadeia a crise po-
análise o caso brasileiro. lítica – o movimento operário encontra-se or-
Observemos a lista. Em primeiro lugar, ganizado, ativo, mas derrotado e na defensiva.
do ponto 1 ao ponto 9, trata-se de elementos Esse acirramento somado à crise de represen-
referentes à burguesia, aos ramos e instituições tação partidária da burguesia agrava e prolon-
do aparelho de Estado e aos partidos políticos ga a crise. Os partidos burgueses perdem apoio
burgueses. Em segundo lugar, os pontos 9, 10, eleitoral, e a burguesia e suas frações não se re-
11 e 12 referem-se ao movimento operário e à conhecem mais em suas propostas programáti-
pequena burguesia e, por último, o ponto 13 cas. Estão impossibilitadas de desmobilizar o
diz respeito à conjuntura de crise ideológica movimento operário e se tornam disponíveis

11
O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

para a adoção de soluções que até então seriam Em pesquisas anteriores, chegamos à
rechaçadas como aventureiras inclusive para conclusão de que o principal conflito no inte-
o rompimento com o jogo democrático. O mo- rior da burguesia brasileira tem sido o conflito
vimento operário, embora impossibilitado de que opõe, ainda que moderadamente, as gran-
apresentar uma saída própria para a crise polí- des empresas nacionais que são a base do que
tica devido às derrotas sofridas e à sua situação denominei “grande burguesia interna”, ao ca-
defensiva, permanece suficientemente organi- pital estrangeiro e à burguesia a ele associada
zado e ativo para resistir ao aprofundamento da (Boito Junior, 2018). Convém fornecer alguma
exploração pleiteado pelo grande capital. Essa indicação sobre o que estou denominando ca-
fração da burguesia não aceita a política de con- pital estrangeiro e burguesia associada.
ciliação que os governos do médio capital – Gio- O capital estrangeiro é heterogêneo e
litti (1920-1921) na Itália e Brüning (1930-1932) mantém relações variadas com a economia bra-
na Alemanha – propõem à socialdemocracia.14 sileira (Farias, 2018). Temos o capital estran-
A pequena burguesia, organizando-se, por in- geiro externo, que entretém com a economia
termédio do movimento e do partido fascista, brasileira relação meramente comercial ou fi-
como força social distinta, assume o combate ao nanceira – indústria automobilística sem planta
movimento operário, que também era o objetivo instalada no Brasil, capital de empréstimo para
do grande capital, mas revela notável incapaci- empresas brasileiras ou implantadas no Brasil
dade hegemônica: não apresenta uma platafor- etc. Temos também o capital estrangeiro inter-
ma própria e coerente para a política econô- nalizado – plantas industriais pertencentes a
mica, externa e social. Sua organização desen- empresas multinacionais e implantadas no Bra-
cadeia ações violentas contra as organizações sil, capital financeiro possuidor de bancos co-
operárias e se destaca por uma pronunciada merciais, de investimentos ou seguradoras com
ideologização da ação política como resposta filiais no Brasil, capital financeiro presente no
aos ensaios, para ela ameaçadores, de revolu- mercado de ações e de títulos da dívida pública
ções operárias na Itália e na Alemanha e diante etc. O capital estrangeiro, externo ou internali-
da vitória da Revolução Russa. A carência de zado, pode, como se vê nos exemplos citados,
partidos políticos representativos da burguesia atuar em vários setores da economia.
torna necessária e a incapacidade hegemôni- É complexo analisar a ação política des-
ca da pequena burguesia torna viável a tática ses segmentos burgueses. Eles não proclamam
do capital monopolista de se apropriar politi- abertamente seus interesses e preferem agir
camente do movimento fascista pequeno-bur- nos corredores da burocracia de Estado, não
guês para instaurar sua hegemonia política. de maneira pública na cena política (Guilmo,
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

Esse tipo de crise política e essa dinâ- 2019). Possuem, contudo, algumas associa-
mica são, mudando o que deve ser mudado, ções conhecidas, como a Câmara do Comércio
semelhantes àquilo que temos visto na política Brasil-Estados Unidos (Amcham), o Instituto
brasileira nos anos recentes. Vamos analisar a Brasileiro do Petróleo, a Associação Brasileira
seguir como cada um dos pontos e também a de Bancos Internacionais, a Associação Inter-
dinâmica desse tipo de crise se apresentam no nacional de Mercado de Capitais, Associação
Brasil. Começaremos pelo exame dos conflitos Brasileira das Entidades dos Mercados Finan-
no interior das classes dominantes. ceiro e de Capitais e outras (Guilmo, 2019; Val-
le, 2019). O Instituto Brasileiro do Petróleo, que
14
Poulantzas (1970) apresenta fatos e argumentos convin-
centes para defender a tese da existência de uma relação sempre abrigou em sua diretoria integrantes do
política preferencial dos governos Giolitti e Brüning com estafe das grandes petroleiras estrangeiras, re-
o médio capital e para evidenciar a política de conciliação
desses mesmos governos com o movimento operário, bem presenta os interesses dessas últimas. Resistiu
como para mostrar a oposição do grande capital a ambos
(Poulantzas, 1970). à política para o petróleo dos governos encabe-

12
Armando Boito Jr.

çados pelo PT e, uma vez empossado Michel plataforma e, quando o faz, entra em conflito
Temer, passou a ter livre trânsito no Palácio do com o capital internacional – como indicare-
Planalto e foi voz importante na mudança da mos mais à frente a título de ilustração.
política para o setor (Narciso, 2019). As segu- A ideia da existência de um conflito
radoras e os bancos estrangeiros presentes no entre, de um lado, o que estou denominando
Brasil foram ouvidos sobre o projeto de refor- grande burguesia interna e, de outro, o capital
ma da previdência do governo Temer antes que internacional e a grande burguesia associada,
tal governo ouvisse as centrais sindicais. A im- é polêmica e tem propiciado, por parte dos
prensa publicou a agenda do Ministério da Fa- críticos dessa tese, um uso anacrônico e des-
zenda e da Previdência, da qual constava uma locado da bibliografia sobre a questão da ine-
sequência de reuniões, que tinham por pau- xistência de uma burguesia nacional no Brasil.
ta a reforma da previdência, entre o ministro Anacrônico porque usa, para analisar o Brasil
Henrique Meirelles e cerca de dez instituições de hoje, uma bibliografia produzida nas déca-
financeiras internacionais. O então presidente das de 1960 e 1970 que discorre sobre aquele
Michel Temer compareceu pessoalmente a um período, e não sobre o Brasil atual; deslocado
encontro de investidores internacionais reuni- porque, para saber se existe ou não no Brasil
dos pelo Banco JP Morgan, em São Paulo, para atual conflito entre o capital nacional e o capi-
lhes expor as supostas virtudes da PEC do con- tal estrangeiro, recorre a uma bibliografia que
gelamento dos gastos públicos e do projeto de discute algo diferente e muito mais profundo,
reforma da previdência social (Boehm, 2016). qual seja a questão de saber se existiria no Bra-
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos sil uma burguesia nacional anti-imperialista,
ofereceu, como se tornou público, inicialmen- que era o tema em debate nas décadas de 1960
te graças aos documentos revelados pelo site e 1970. Por isso iniciaremos o exame dos con-
WikiLeaks e, posteriormente, por reportagens flitos no interior do bloco no poder realizando
da grande imprensa, vários cursos para a for- uma breve digressão.
mação de recursos humanos para a Operação A ditadura militar brasileira logrou
Lava Jato, que liquidou o monopólio das gran- unir numa aliança estável a grande burgue-
des construtoras nacionais no mercado interno sia interna brasileira e o capital internacional.
de obras públicas – e o Programa de Aceleração Essa aliança contrasta com o que se passava
do Crescimento (PAC) tinha tornado o merca- no bloco no poder no período 1930-1964. Até
do brasileiro de obras públicas maior que os então, a burocracia de Estado, agindo como
mercados da Argentina e da Índia somados. força social distinta, havia empolgado um pro-
Se considerarmos os diferentes segmen- grama industrializante, contando com o apoio
tos do capital estrangeiro vinculados à econo- hesitante da burguesia industrial interna e dos Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

mia brasileira, internalizados ou não, pode- trabalhadores urbanos para contornar ou ven-
mos constatar que as associações e os Estados cer interesses imperialistas que, durante esse
nacionais a eles ligados pressionam, no geral, período, apresentavam obstáculos variados ao
pela implantação de uma política neoliberal avanço da industrialização brasileira (Farias,
extremada: abertura comercial, desregulamen- 2018). Tais obstáculos foram sendo desmon-
tação financeira, privatizações, superávit pri- tados pelo Estado nacional brasileiro e, na
mário, redução dos direitos trabalhistas e so- medida em que avançava a industrialização,
ciais. Até a eleição de Bolsonaro, era o PSDB foram também sendo retirados pelo próprio
que vocalizava na cena política essa platafor- imperialismo que, gradativamente, foi aderin-
ma do capital internacional e da burguesia as- do ao programa industrializante. O programa
sociada. A burguesia interna, por seu lado, faz desenvolvimentista da ditadura militar, ao
oposição seletiva a um ou outro aspecto dessa amputar a perna populista e popular daquela

13
O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

que foi a primeira fase do desenvolvimentismo (1980) examina com riqueza de detalhes essas
clássico, logrou atender, ao mesmo tempo, aos oportunidades de investimento para o capital
interesses da grande burguesia interna e do ca- nacional em diferentes ramos da economia –
pital estrangeiro que, na passagem da década oportunidades que variavam de um ramo para
de 1950 para a década de 1960, aderira pro- outro, é verdade – e corrobora a tese de Car-
gressivamente ao processo de industrialização doso e Faletto (1970), de Caio Prado (1966) e
dependente do Brasil e em outros países da de Florestan (1973). Formara-se uma “tríplice
América Latina. aliança” entre capital estatal, capital privado
Essa aliança foi analisada em ensaios nacional e capital estrangeiro.
clássicos da historiografia, da sociologia e da O avanço do modelo capitalista neoli-
ciência política brasileira. Basta pensar nos beral minou aquela aliança. Com esse mode-
textos de Caio Prado Jr. (1966), Fernando Henri- lo, veio uma novíssima forma de dependência
que Cardoso e Faletto (1970), Florestan Fernan- que revigorou a dimensão financeira na relação
des (1973), Peter Evans (1980) e outros. Car- entre o centro imperialista e a periferia depen-
doso designou a situação da década de 1960 e dente e pressionou e ainda pressiona para que
1970 com o conceito de nova dependência, por seja revigorada também a função primário-ex-
contraste com a antiga forma de dependência, portadora da economia latino-americana na di-
vigente nas três primeiras décadas do século visão imperialista do trabalho, fazendo recuar o
XX e que se baseava no capital de empréstimo processo de industrialização periférica. O eco-
e na especialização da periferia na produção de nomista Samir Amin qualificou essa novíssima
bens primários. Característica fundamental da dependência como uma relação de bombea-
nova dependência era o investimento estran- mento ou de sucção sem contrapartida (Amin,
geiro industrializante, denominada internacio- 2002; Dumenil; Lévy, 2004). A ideia é que a
nalização do mercado interno. Com a política nova dependência teria estimulado, ainda que
desenvolvimentista da ditadura militar e essa dentro dos limites da dependência, a moderni-
nova postura do imperialismo, dependência e zação capitalista da periferia, ao passo que a no-
desenvolvimento (do capitalismo) na América víssima dependência não teria nada a oferecer
Latina se tornaram compatíveis, e não mais ex- a essa mesma periferia como compensação pela
cludentes como imaginava até então – e não dominação e exploração imperialista.
sem motivo, acrescentamos nós – grande parte A conclusão a que se deve chegar para
do pensamento crítico brasileiro e dos intelec- o tema do qual nos ocupamos é a seguinte: na
tuais comunistas. Caio Prado Jr. (1966), em seu novíssima forma de dependência, redefini-
ensaio, ao argumentar contra a tese da exis- ram-se os interesses e a posição dos diferentes
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

tência de uma burguesia nacional que poderia segmentos da burguesia brasileira. É por isso
participar da primeira etapa – anti-imperialista que é anacrônico citar as obras dos autores
e antifeudal – da revolução brasileira, pergun- que escreveram tratando do período desenvol-
tava a seus adversários teóricos e políticos: por vimentista, obras datadas, como se elas fossem
qual motivo a burguesia brasileira se voltaria suficientes para esclarecer a posição atual da
contra o imperialismo se o capital estrangei- burguesia brasileira. Em debates públicos, ci-
ro estava, ao abrir plantas novas e criar ramos tam-se as teses de Caio Prado, Cardoso e Falet-
industriais inteiros no Brasil, como a moderna to, Florestan e outros sobre a aliança sólida da
indústria farmacêutica, possibilitando opor- burguesia brasileira com o capital estrangeiro
tunidades de investimentos e vendas jamais como se ainda estivéssemos no período desen-
vistas pela burguesia brasileira? Caio Prado volvimentista. Esquecem-se, no entanto, de
chega a falar em aspecto progressista que o im- citar o argumento com o qual tais autores sus-
perialismo tinha então assumido. Peter Evans tentavam essa tese e sem o qual tal tese não faz

14
Armando Boito Jr.

sentido: o argumento se referia ao fato de o im- mentos da política econômica dos governos
perialismo agir, na época, como mola propul- FHC, Temer e Bolsonaro, todos eles represen-
sora do desenvolvimento capitalista do país. tantes da hegemonia do capital internacional e
Ora, é preciso ter em mente que o capitalismo da burguesia associada, e, de outro, a política
brasileiro deixou para trás a época do chamado econômica dos governos encabeçados pelo PT,
desenvolvimento dependente ou associado, no que organizaram a hegemonia da grande bur-
qual a economia cresceu a uma taxa média su- guesia interna. O que queremos indicar é que,
perior a 5% ao ano ao longo de meio século, e em seus múltiplos e variados aspectos, a polí-
ingressou numa época de crescimento baixo e tica neoliberal fere, para atender aos interesses
estagnação. A grande burguesia interna que as- do capital internacional e da fração da burgue-
cendera à hegemonia política, juntamente com sia brasileira a ele integrada, os interesses de
o grande capital internacional graças à ditadu- diferentes segmentos da grande burguesia in-
ra militar, marginalizando no interior do bloco terna e que a política neodesenvolvimentista
no poder os interesses do médio capital, viu dos governos encabeçados pelo PT fez exata-
crescer seus conflitos com seu antigo aliado. mente o oposto, isto é, relegou a um plano se-
Não tivemos a formação de uma burguesia na- cundário os interesses do capital internacional
cional anti-imperialista tardia no Brasil, mas para atender a grande burguesia interna (Boito
tampouco assistimos à integração completa Junior, 2018). Os bancos resistem a políticas
do conjunto da burguesia brasileira ao capi- de internacionalização do mercado bancário
tal internacional. A partir da implantação do brasileiro como aquelas implantadas por Fer-
modelo capitalista neoliberal e da novíssima nando Henrique Cardoso e Pedro Malan em
dependência que lhe corresponde, o conflito 1995, revertidas pelos governos encabeçados
entre o médio e o grande capital, que fora do- pelo PT e que voltam a ser cogitadas no Brasil
minante até então no bloco no poder, foi subs- atual; a indústria resiste à abertura comercial
tituído nesse posto pelo conflito entre a grande na amplitude exigida pelo capital internacio-
burguesia interna e a dobradinha formada pelo nal, foi contemplada com as políticas de con-
capital internacional e a fração da burguesia teúdo local nos governos do PT e volta, na atu-
brasileira a ele integrada. alidade, a perder essas reservas de mercado; a
Durante as três últimas décadas da histó- agropecuária resiste às políticas de equilíbrio
ria política brasileira, foi esse o conflito princi- fiscal que colidem com a política de emprésti-
pal no seio do bloco no poder. Os conflitos entre mo subsidiado, sucessivos perdões das dívidas
o médio e o grande capital, entre os segmentos dos fazendeiros junto aos bancos públicos e
bancário e produtivo e outros continuaram ati- de preços mínimo garantidos para a produção
vos, mas o conflito principal, no nosso entendi- agrícola; a construção pesada perdeu com a Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

mento, é o que citamos. Esse conflito não exclui desativação do mercado de obras públicas nos
a unidade. A grande burguesia interna não é governos FHC, teve seus interesses atendidos
uma burguesia nacional. Ela não faz nada para pelo PAC do segundo governo Lula e voltou a
romper com o imperialismo e não tem interesse ser tratada a pão e água pela política de auste-
em tal rompimento. Mas, nos limites dessa uni- ridade fiscal de Temer e Bolsonaro.
dade geral, existem conflitos variados entre os Voltando ao cerne do nosso problema, o
diferentes segmentos da burguesia interna – os conflito do capital internacional com a gran-
bancos, a indústria, a agropecuária – e o capital de burguesia interna se agravou justamente na
estrangeiro, internalizado ou não, nos diferen- crise política de 2014-2018, e essa é, como vi-
tes ramos da economia. mos, a primeira característica de uma crise po-
Para ilustrar, apresentemos um brevís- lítica que pode levar ao fascismo em qualquer
simo contraste entre, de um lado, alguns ele- de suas variantes.

15
O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

Serei breve nesse primeiro ponto e tomo Enquanto houve crescimento econômi-
a liberdade de remeter o leitor interessado em co no período dos governos encabeçados pelo
uma análise mais fundamentada do problema PT, o capital internacional permaneceu na de-
para o meu citado livro Reforma e crise política fensiva. Os candidatos presidenciais do PSDB
no Brasil. A crise política se iniciou devido a – que funcionou entre 1995 e 2015 como o
uma ofensiva política restauradora do capital partido político do capital internacional e da
internacional e da burguesia associada contra o burguesia associada, e não da classe média
governo Dilma, pois os governos encabeçados que é apenas sua base social – procuravam,
pelo PT representavam a hegemonia da gran- inclusive, esconder na campanha eleitoral sua
de burguesia interna no bloco no poder. Essa condição de herdeiros de Fernando Henrique
hegemonia foi obtida graças à estratégia dos Cardoso. A situação começou a mudar em
governos encabeçados pelo PT de formar uma decorrência da política do primeiro governo
ampla frente política, que eu denomino neode- Dilma, que representou uma tentativa de ra-
senvolvimentista, frente política essa que incor- dicalizar o neodesenvolvimentismo petista, de
porou no plano das medidas de política social aprofundar a integração do Brasil ao grupo dos
grande parte da baixa classe média, do opera- Brics e em decorrência também da queda do
riado, do campesinato e, principalmente, dos crescimento econômico. Nessa nova situação,
trabalhadores da massa marginal. Os governos o capital internacional e a fração da burguesia
Cardoso tinham representado a hegemonia do brasileira a ele integrada – bem como o Esta-
capital internacional e da fração da burguesia a do norte-americano, conforme já atestam do-
ele associada, tendo como base preferencial de cumentos tornados públicos – avaliaram que
apoio a classe média alta, mas também setores era necessário reagir e que seria possível ven-
operários – basta lembrar a posição favorável da cer. Passaram, então, à ofensiva política (Boito
central Força Sindical a políticas neoliberais. Junior, 2018). Primeiro, apostaram na vitória
Como já indicamos, Cardoso radicalizou a aber- eleitoral em 2014, chegaram perto de con-
tura comercial, reduzindo à metade as tarifas quistá-la, mas perderam. Depois, assumiram
aduaneiras que já tinham sido reduzidas pelo a proposta do impeachment que nascera no
governo Collor; juntamente com Pedro Malan, movimento da alta classe média. Finalmente,
iniciou de modo acelerado uma política de in- ao longo do segundo semestre de 2015, logra-
ternacionalização do mercado bancário; redu- ram afastar parte da grande burguesia interna
ziu drasticamente o crédito agrícola subsidiado da base do governo Dilma. A burguesia interna
e congelou o mercado de obras públicas. Essas também demonstrava interesse em retomar o
medidas, uma a uma, feriam interesses de dife- programa de reformas trabalhista e previden-
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

rentes segmentos da grande burguesia interna ciária e, ademais, imaginou-se segura porque,
para atender aos interesses da indústria estran- com o impeachment, quem assumiria o gover-
geira, dos bancos internacionais e do capital fi- no seria o PMDB, e não o PSDB. O fato é que,
nanceiro. Havia, contudo, uma área de unidade com esse deslocamento de força, a frente po-
entre essas frações burguesas em disputa. Tra- lítica neodesenvolvimentista entrou em crise.
tava-se da dimensão antioperária e antipopular O conflito entre os de cima, que ensejou
do neoliberalismo – redução dos direitos tra- uma campanha eleitoral polarizada e politiza-
balhistas e sociais –, mas, no mais, os conflitos dora em 2014, e a crescente insatisfação da alta
cresceram ao longo da década de 1990 (Boito classe média com a política social dos governos
Junior, 1999). Cresceram de tal modo que possi- encabeçados pelo PT ensejaram o surgimento
bilitaram a aproximação política entre a grande da segunda característica da crise política que
burguesia interna e a candidatura de Lula da pode originar o fascismo: a constituição de
Silva em 2002. uma classe intermediária, no caso do neofas-

16
Armando Boito Jr.

cismo, a classe média, em força social distinta, no PT e na esquerda o inimigo a ser combati-
reacionária e ativa. Foi após a eleição de 2014, do e eliminado. As manifestações de rua, suas
polarizada entre dois campos políticos dirigi- palavras de ordem, as referências grosseiras e
dos, cada um deles, por uma das frações bur- agressivas aos adeptos da esquerda e da centro-
guesas em luta, que a classe média e, particu- -esquerda, a ameaça e a agressão a seus militan-
larmente, sua fração superior, organizou-se em tes, dirigentes e intelectuais em locais públicos
força social distinta. Organizações e intelectu- por bandos dessa extrema-direita atestam o que
ais desse segmento social tomaram a iniciativa afirmamos. Em segundo lugar, porque o conjun-
de propor o impeachment de Dilma Rousseff to do movimento reacionário de classe média
e criaram movimentos novos e especialmente rompia com o jogo democrático, ao pleitear o
voltados para a luta pela deposição da presi- impeachment sem sequer terem encontrado
dente eleita. O PSDB, o partido da burguesia motivo que o fundamentasse e algumas de suas
associada e do capital internacional, hesitou. alas lutavam explicitamente pela implantação
Diante da perspectiva de mais quatro ou talvez de uma ditadura – pediam a intervenção mili-
doze anos de governos encabeçados pelo PT, tar. Acrescente-se que as pesquisas de intenção
posto que após o segundo mandato de Dilma de voto, bem como o mapa das apurações de
o candidato do campo neodesenvolvimentista 2018, evidenciam que a alta classe média votou
seria Lula da Silva, apostara na impugnação da na proporção de 8 ou 9 sobre dez no candidato
vitória de Dilma Rousseff na justiça eleitoral. que defendeu abertamente durante a sua cam-
Perdeu e passou meses com uma linha hesi- panha eleitoral a ditadura militar, a tortura, os
tante, pois sua direção estava dividida sobre a torturadores, o machismo e a homofobia.
proposta de impeachment que viera do movi- É certo que esse movimento não era e
mento de classe média. José Serra era a favor de não é homogêneo. O Movimento Brasil Livre
abraçar a proposta, Geraldo Alckmin era con- (MBL) assumiu pioneiramente a proposta do
trário e Fernando Henrique Cardoso balançava impeachment, enquanto o grupo Vem pra Rua
entre os dois – afirmava que a oposição deveria, chegou a tal posição mais tarde. Já sob o go-
sim, agitar a proposta do impeachment, mas verno Bolsonaro, os dois grupos citados deci-
apenas como ameaça (Singer, 2018). Um epi- diram não participar da manifestação de 26 de
sódio significativo, que é sintoma da diferença maio de 2019 quando notaram a força das pa-
entre, de um lado, o perfil social e a orientação lavras de ordem que propunham o fechamento
política do PSDB e, de outro, o perfil e a orien- do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal
tação do movimento pelo impeachment, foi a Federal. Porém ambos mobilizaram suas bases,
expulsão dos principais dirigentes tucanos de um mês depois, em 30 de junho, para uma ma-
uma manifestação pelo impeachment na Ave- nifestação de apoio ao governo neofascista de Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

nida Paulista – para a qual, de resto, sequer ti- Bolsonaro. Tudo isso parece indicar o que já
nham sido convidados. afirmaram muitos observadores: há um núcleo
Por que o movimento da massa da alta duro do bolsonarismo, que nós estamos carac-
classe média pela deposição de Dilma Rousseff terizando como neofascista, que é a base mili-
pode ser considerado o embrião do movimento tante de Bolsonaro e em torno do qual gravita
neofascista? Primeiro, a motivação do conjunto uma periferia mais ampla de variados matizes
do movimento era reacionária. Ela expressava de direita e extrema-direita.
a revolta da alta classe média com a pequena Duas observações relacionadas ao ele-
ascensão das camadas de renda mais baixa, as- mento analisado: primeiro, a mobilização re-
censão essa propiciada pela política econômica acionária da classe média esteve vinculada ao
e social dos governos encabeçados pelo PT. E surgimento do ativismo político da burocracia
o movimento da alta classe média identificou civil, mormente do Judiciário e da Polícia Fe-

17
O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

deral, e às crises institucionais daí derivadas; no meio popular.15 Ele escondeu seu programa
segundo, dizer que o neofascismo é um movi- neoliberal extremado desses trabalhadores.
mento da alta classe média não significa que Porém deve-se notar que, assim como na Ale-
não tenha obtido impacto popular. Sobre o manha e na Itália os partidos socialistas e co-
ativismo político da burocracia de Estado, que munistas retiveram, enquanto houve eleições
é o terceiro elemento que analisamos da crise livres, a maioria eleitoral junto ao operariado,
política que antecede o fascismo, é claro que assim também no Brasil, Lula e o PT retiveram
estamos nos referindo à Operação Lava Jato, a hegemonia eleitoral entre os trabalhadores
que envolveu grande parte do “sistema de jus- da massa marginal, como evidenciou a vitória
tiça” – contou com a cobertura passiva e ativa de Fernando Haddad nos estados nordestinos
do STF, dos tribunais superiores e regionais e na eleição presidencial de 2018. O neodesen-
da PGR. Os delegados da Polícia Federal, os volvimentismo entrou em crise, mas o lulismo,
procuradores, juízes, desembargadores e mi- não. A política econômica e social que procu-
nistros do STF são, ao mesmo tempo, parte rava estimular o crescimento econômico e re-
integrante da alta classe média –seus salários duzir a pobreza por intermédio da intervenção
altíssimos e suas condições de trabalho pri- do Estado perdeu sustentação, não só devido à
vilegiadas os colocam, para ser mais preciso, ofensiva política restauradora do campo neoli-
no topo dessa fração de classe – e também beral ortodoxo, como também pela desagrega-
funcionários do aparelho repressivo do Esta- ção da frente política neodesenvolvimentista
do, responsáveis pela manutenção da ordem que sustentava tal política. Contudo o lulismo
capitalista. Esses dois pertencimentos sociais em seu sentido estrito, isto é, a relação neopo-
concorreram para a adesão ativa desses buro- pulista, ao mesmo tempo progressista e perso-
cratas ao neofascismo ou para uma atitude co- nalizada, de Lula da Silva com os trabalhado-
nivente diante desse movimento. Na crise que res da massa marginal, continua vivo e forte.
precedeu a implantação do fascismo na Itália O quarto elemento da crise política que
e na Alemanha, o aparelho judiciário também dá origem ao fascismo também está claramen-
desempenhou um importante papel político, te presente na crise política brasileira. A clas-
acobertando os crimes dos bandos fascistas e se operária e demais classes populares, assim
condenando unilateralmente as ações de au- como o campo democrático, sofreram sucessi-
todefesa de socialistas e comunistas (Shirer, vas derrotas de 2014 em diante e se encontram
2017). Na Alemanha, já no período pré-fascis- desde então claramente na defensiva política.
ta, o parlamento foi esvaziado com a implanta- Verificou-se ainda uma crise ideológica do
ção da prática de o primeiro ministro governar campo neodesenvolvimentista. O crescimento
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

por decreto; no Brasil, o Executivo Federal e o estava em queda, e o governo Dilma decidira
Congresso foram cercados, ao longo da crise, aplicar um ajuste fiscal pesado, além de im-
pelo Judiciário e pelas Forças Armadas. plantar ou anunciar medidas caras ao grande
A segunda observação é a seguinte: o capital e antipopulares. A ofensiva ideológica
movimento da alta classe média foi, como é sa- do neoliberalismo completou o quadro. Pas-
bido, engrossado, durante a campanha eleitoral sou-se a discutir o que foi chamado de esgota-
de 2018, pela adesão das igrejas pentecostais e mento do programa neodesenvolvimentista. O
neopentecostais à candidatura neofascista de governo Dilma deu o primeiro passo à direita e
Bolsonaro. Essa adesão permitiu – e, ao que
15
Segundo a última pesquisa de intenção de voto realizada
parece, fundamentalmente devido aos valores antes do segundo turno pelo instituto Datafolha, enquan-
patriarcais, machistas e homofóbicos vigentes to Bolsonaro e Haddad estavam praticamente empatados
no eleitorado católico, na população evangélica Bolsonaro
na base popular dessas igrejas – a penetração obtinha vantagem de 11 milhões de votos, montante um
pouco superior à vantagem que Bolsonaro obteve no se-
ainda que tardia da candidatura de Bolsonaro gundo turno da eleição (Alves, 2018).

18
Armando Boito Jr.

foi sucedido pelo governo Temer, que foi mui- didos. Essas greves e protestos têm dependido
to mais longe, representando uma mudança de em grande medida de pequenas organizações
qualidade. O governo que, no Brasil, antece- do movimento popular, vinculadas aos tra-
deu a implantação do governo neofascista já balhadores da massa marginal, que praticam
era, do mesmo modo que ocorreu com o fas- o trancamento de rodovias e vias urbanas. De
cismo original, um governo conservador. Isto resto, a capacidade de resposta do movimento
é, nem o fascismo, nem o neofascismo surgem sindical à conjuntura é mesmo pequena. As gre-
e, ao contrário do que ocorreu com as ditadu- ves gerais ou dias nacionais de luta precisam
ras militares no Cone Sul da América Latina, ser marcados com cerca de dois meses de ante-
como resposta direta e imediata a governos po- cedência, para contornar a relutância das cen-
pulares ou reformistas. trais sindicais pelegas e para compensar a baixa
Dissemos, retomando a expressão de capacidade de mobilização decorrente da dis-
Poulantzas, uma série de derrotas: abandono tância entre a cúpula burocrática e a base sin-
do programa neodesenvolvimentista por Dil- dical. Criou-se uma situação extravagante tanto
ma em 2015 no seu segundo mandato e negan- no caso da luta contra a reforma trabalhista do
do tudo o que dissera na campanha eleitoral; governo Temer quanto no caso da luta contra a
derrota acachapante na votação do impeach- reforma da previdência do governo Bolsonaro.
ment em abril de 2016; aprovação da PEC que A data da greve, tendo de ser definida com tanta
congela os investimentos sociais em dezembro antecedência, precisou se basear em projeções
de 2016; aprovação final da Reforma Traba- incertas sobre o prazo para a tramitação das re-
lhista em julho de 2017; condenação e prisão formas de tal modo que, quando chegou o dia
de Lula da Silva em abril de 2018, num pro- marcado para os trabalhadores cruzarem os bra-
cesso claramente persecutório; impugnação ços, as votações das reformas pelo Legislativo já
da candidatura Lula e vitória de Jair Bolsonaro tinham ocorrido.
na eleição de 2018. Nessas derrotas, a mobili- Ofensiva restauradora do campo neo-
zação operária e popular foi muito frágil. As liberal extremado, constituição de um movi-
manifestações neofascistas pela deposição de mento reacionário de classe média e derro-
Dilma e pela prisão de Lula foram bem maiores tas e defensiva do movimento democrático e
que as manifestações em defesa dos trabalha- popular somaram-se à crise das instituições
dores, da democracia e dessas lideranças po- democráticas e de representação dos partidos
líticas. Era como se, no Brasil, a classe média burgueses para criar uma dinâmica que possi-
abastada compusesse a maioria da população. bilitou a vitória do neofascismo no Brasil.
É certo que houve e há luta. A greve ge- O partido político que tradicionalmente
ral de protesto de um dia de duração contra a representava o campo neoliberal era o PSDB. Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

Reforma da Previdência em 28 de abril de 2017 Ele vinha numa trajetória eleitoral descenden-
foi um movimento muito bem-sucedido. Foram te. Sua boa performance na eleição presiden-
também realizadas duas grandes e bem-suce- cial de 2014 foi, na verdade uma reação passa-
didas manifestações de protesto de estudantes, geira. Em 2018, nem esse nem qualquer outro
professores e do pessoal da Educação, em maio partido burguês revelou viabilidade eleitoral.
de 2019, contra o corte de verbas promovido Como mostram reportagens da imprensa, prin-
pelo governo Bolsonaro. Mas o corte de verba cipalmente do jornal Valor Econômico, o deno-
se manteve e está sendo aprofundado com o minado “mercado” apoiava preferencialmente
projeto da reforma neoliberal das universida- a candidatura Geraldo Alckmin. Na medida
des. A fragilidade maior é do movimento sin- em que tal candidatura foi se revelando elei-
dical. Outras greves ou dias nacionais de luta, toralmente inviável, o grande empresariado foi
além da greve de 28 de abril, foram malsuce- paulatinamente adotando a candidatura Bolso-

19
O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

naro que, repetimos, até 2017 era uma candi- de crise ideológica generalizada dos dois pro-
datura da alta classe média e que contava com gramas políticos que até então polarizavam o
o apoio de proprietários rurais. Os candidatos processo político nacional – e esse é também,
dos maiores e mais tradicionais partidos bur- como vimos, um dos elementos característi-
gueses – o PSDB e o PMDB – somados ficaram cos da crise política que antecede o fascismo.
com apenas 5,96% dos votos válidos no pri- Um grande empresário afirmou ao jornal Va-
meiro turno da presidencial de 2018. A im- lor Econômico que Alckmin era um bom pilo-
prensa publicou reportagens que estampavam to de avião de passageiros, mas que “o Brasil”
o grande medo que tomou conta do chamado precisaria eleger para a presidência um piloto
mercado diante da possibilidade de vitória de de avião de combate. A crise de representação
uma candidatura dita populista que ameaçaria partidária envolvia, portanto, a erosão dos la-
o programa de reformas neoliberais iniciado ços entre representante e representado. Não foi
pelo governo Temer. Tratava-se de reconheci- apenas por pragmatismo eleitoral que os gran-
mento implícito de que os interesses do grande des empresários se aproximaram de Bolsona-
empresariado e a democracia tinham entrado ro e Paulo Guedes, isto é, do neofascismo que
em rota de colisão. A continuidade do progra- lhes oferecia a política econômica ultraliberal.
ma econômico neoliberal, diferentemente do Jair Bolsonaro percebeu, durante a cam-
que ocorrera na década de 1990, parecia exigir panha eleitoral, a proposta de cooptação de
soluções mais radicais e até temerárias, como sua candidatura e decidiu anunciar o ultrali-
o apoio à candidatura de um político de ex- beral Paulo Guedes para o Ministério da Eco-
trema-direita, defensor de regime ditatorial, nomia. Prometeu e está entregando o ultrali-
sem base partidária e sem história que o cre- beralismo com nova rodada de abertura ao
denciasse à Presidência da República. Mas a capital estrangeiro, com a política externa de
dinâmica da crise legitimou a opção dos gran- alinhamento passivo com os Estados Unidos e
des empresários. Os partidos políticos pisotea- com o corte de direitos trabalhistas e sociais.
ram a eleição de 2014, uma vara do judiciário Porém, como é típico do fascismo, Bolsonaro
assumiu a função de tribunal de exceção com e sua base social, embora estejam a serviço da
jurisdição nacional, os militares diziam pu- grande burguesia, não aceitam ser reduzidos –
blicamente o que o STF podia ou não podia e não se reduzem – a um instrumento passivo
fazer: essa crise das instituições democráticas da classe social que franqueou seu acesso ao
precedeu a opção do grande empresariado pela poder governamental.
candidatura neofascista.
Além do cálculo eleitoral, havia também
Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

insatisfação da grande burguesia associada e do CONSIDERAÇÃO FINAL


capital estrangeiro com aquilo que entendiam
ser a moderação do neoliberalismo dos candi- Neste artigo, nós realizamos, pelo me-
datos burgueses tradicionais. Alguns grandes nos em parte e partindo do texto de Nicos Pou-
empresários manifestaram na imprensa o de- lantzas, a tarefa de discernir os elementos e a
sejo de reformas neoliberais mais profundas e dinâmica da crise política de um regime de-
ousadas, a passagem para um ultraliberalismo. mocrático que pode levar à instauração de um
Em um movimento simétrico e oposto ao re- governo fascista e, também, à implantação de
alizado pelo campo democrático e popular, a uma ditadura fascista. Mobilizamos essa ideia
grande burguesia também passou a procurar, para explicar a ascensão do neofascismo no
se não um novo programa, uma dosagem mais Brasil.
forte do mesmo remédio que vinham aplican- O agravamento dos conflitos de classe e
do. Ou seja, encontramos aqui um indicativo a sua repercussão nas instituições do Estado

20
Armando Boito Jr.

fazem parte de toda crise política. É certo que Numa crise da democracia burguesa,
o tipo de conflito de classe e o tipo de reper- os conflitos que se agravam podem ser de ou-
cussão nas instituições do Estado variam de tra natureza, por exemplo, o agravamento dos
um tipo de crise para outro. Numa crise revo- conflitos entre frações da classe dominante, e
lucionária, quando a continuidade do capita- a crise institucional, repercutindo esse agra-
lismo está em questão, as contradições que se vamento, pode se traduzir em mero confronto
agravam são aquelas que opõem o movimento entre instituições pertencentes ao próprio apa-
operário ao campo burguês e a repercussão nas relho de Estado. Mas esse último fenômeno
instituições do Estado pode significar o esva- pode ocorrer tanto numa crise política que an-
ziamento da capacidade decisória de todos os tecede a implantação de uma ditadura fascista
ramos do Estado em benefício de um poder quanto naquela que antecede a implantação
alternativo organizado fora dele – um movi- de uma ditadura militar. Acreditamos ter for-
mento guerrilheiro, um exército popular ou necido elementos para mostrar que o que há
uma rede de conselhos operários e populares. de mais específico na crise pré-fascista talvez
É a clássica situação de duplo poder, quando se resuma à combinação de quatro dos ele-
duas instituições aspiram, representando pro- mentos que examinamos, analisados nas suas
gramas políticos e interesses sociais contradi- relações recíprocas e, também, na dinâmica
tórios, a soberania sobre um mesmo território. que tais relações ensejam: crise de hegemonia
Lênin concebeu e definiu o conceito de crise no bloco no poder, crise de representatividade
política revolucionária para explicar a origem dos partidos burgueses, situação de derrota do
das situações de duplo poder. Tal tipo de crise movimento operário e popular que, contudo,
reuniria três características gerais: a) impossi- permanece ativo e, finalmente, a constituição
bilidade para as classes dominantes de mante- de uma classe intermediária como força social
rem inalterada a forma de dominação; b) piora ativa e reacionária. Espero que o texto tenha
abrupta das condições de vida das classes do- fornecido elementos para ligar, um ao outro,
minadas; e c) desenvolvimento acentuado, em cada um desses quatro elementos e para indi-
virtude das razões anteriores, da atividade das car a dinâmica daí resultante.
massas empurradas pela crise e pela própria
classe dominante “para uma ação histórica in-
Recebido para publicação em 27 de fevereiro de 2020
dependente” (Lênin, 1979, p. 27-28). Eviden- Aceito em 08 de abril de 2021
temente, cada um desses três elementos exi-
giria especificações e desenvolvimentos, mas
eles fornecem um instrumento eficiente para a REFERÊNCIAS
análise. O historiador Georges Lefebvre (1939) Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

fez dele, mesmo sem o dizer, um guia esclare- ADORNO, A. A teoria freudiana e o padrão da propaganda
fascista. Margem Esquerda, São Paulo, n. 7, p. 55-78, 2006.
cedor e inovador para a análise da Revolução ALTHUSSER, L. Sur la dialectique materialiste. In:
Francesa de 1789.16 O modelo de crise política ALTHUSSER, L. Pour Marx. Paris: François Maspero, 1965.
p. 161-224.
revolucionária elaborado por Lênin se revelou
ALVES, J. E. D. O voto evangélico garantiu a eleição de Jair
eficiente para analisar mesmo as revoluções Bolsonaro em 2018. Diário do Centro do Mundo, 2 nov. 2018.
Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.
anteriores àquelas ocorridas no século XX. br/o-voto-evangelico-garantiu-a-eleicao-de-jair-bolsonaro-
em-2018-por-jose-eustaquio-diniz-alves/. Acesso em: 10
16
Na resenha que fez desse livro, o historiador Lucien Feb- fev. 2019.
vre enalteceu exatamente o modelo utilizado por Lefebvre AMIN, S. Oltre il capilatismo senile. Milão: Punto Rosso,
para analisar a Revolução, isto é, a caracterização da crise 2002.
e de sua evolução, como a grande novidade e a grande con-
tribuição do livro: “Nada de mais claro, mais nítido e mais BOEHM, C. Temer diz que Reforma da Previdência será
original que o simples esquema da Revolução em 89, tal enviada ao Congresso na próxima semana. Brasília, DF:
qual o traça com mãos seguras Georges Lefebvre, conhece- Agência Brasil. 2016. Disponível em: http://agenciabrasil.
dor qualificado dentre todos de nossa história revolucio- ebc.com.br/politica/noticia/2016-12/temer-diz-que-
nária” (Febvre, 1940, p. 147, tradução nossa).

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O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO

reforma-da-previdencia-sera-enviada-ao-congresso-na- GUILMO, N. O capital internacional como agente político


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Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

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Armando Boito Jr.

THE BRAZILIAN PATH TO FASCISM LE CHEMIN BRÉSILIEN VERS LE FACISME

Armando Boito Jr. Armando Boito Jr.

The article analyzes the nature of the Bolsonaro L’article analyse la nature du gouvernement
Government, its most active social base of support, Bolsonaro, sa base sociale de soutien la plus active
and the political crisis that gave rise to it. It polemizes et la crise politique qui les a engendrés. Il polémique
with the classical and current bibliography on avec la bibliographie classique et actuelle sur le
fascism and, operating with a concept of fascism fascisme et, opérant avec un concept de fascisme
embedded in the Marxist tradition, characterizes the ancré dans la tradition marxiste, caractérise le
government and its social base as (neo)fascists. It gouvernement et sa base sociale comme (néo)
argues for the need to develop a typology of political fascistes. Il soutient le besoin de développer une
crises in capitalist societies, showing that the nature typologie des crises politiques dans les sociétés
and dynamics of the 2015-2018 Brazilian political capitalistes et entend montrer que la nature at
crisis are typical of the political crisis that gives dynamique de la crise politique brésilienne de 2015-
rise to fascism. Finally, it places bolsonarismo in 2018 sont typiques de celle qui donne naissance au
the context of the democracy still existing in Brazil, fascisme. Il place le bolsonarisme dans le contexte
which it characterizes as a bourgeois democracy in de la démocratie existant encore au Brésil, qu’il
crisis. caractérise comme une démocratie bourgeoise en
crise.

Keywords: Brazilian Politics. Bolsonaro Government. Mots-clés: Politique Brésilienne. Gouvernement


Neo-fascism. Political Crisis. Bolsonaro. Néofascisme. Crise Politique.

Caderno CRH, Salvador, v. 34, p. 1-23, e021009, 2021

Armando Boito Jr. – Doutor em Sociologia (USP). Pós-doutorado (Fondation Nationale des Sciences
Politiques – FNSP, Paris). Livre-docente (Unicamp). Pprofessor titular (Unicamp), academic visitor na
University of London e professor visitante sênior na Fondazione Gramsci – Roma. Professor titular de
Ciência Política da Unicamp. Editor da revista Crítica Marxista e dirige a Coleção Marx 21, publicada pela
Editora da Unicamp. Coordenou o projeto temático intitulado “Política e classes sociais no capitalismo
neoliberal” (Fapesp) e o projeto “Mundialização neoliberal, política e conflitos sociais no Brasil e na
França” (Capes-Cofecub). Autor dos livros O Golpe de 1954: a burguesia contra o populismo (Editora
Brasiliense); O sindicalismo de Estado no Brasil: uma análise crítica da estrutura sindical (Editora
da Unicamp); Política neoliberal e sindicalismo no Brasil (Editora Xamã); O sindicalismo na política
brasileira (Editora IFCH-Unicamp); Estado, política e classes sociais (Editora da Unesp) e Reforma e crise
política no Brasil: os conflitos de classe nos governos do PT (Editora da Unicamp e Unesp); Dilma, Temer
e Bolsonaro: crise, ruptura e tendências na política brasileria (Editora Phillos).

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