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História antiga

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INICIAIS_Historia_Antiga.indb 2 25/06/14 20:09
História antiga

Guilherme Cantieri Bordonal


Jean Carlos Morell
Graciela Márcia Fochi
Taíse Ferreira da Conceição Nishikawa

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 3 25/06/14 20:09


© 2014 by Editora e Distribuidora Educacional S.A.

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Capa: Katia Megumi Higashi, Fernanda Caroline de Queiroz Costa
e Mariana Batista de Souza
Diagramação: Casa de Ideias

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Morell, Jean Carlos


M841h   História antiga / Jean Carlos
Morell, Guilherme Cantieri Bordonal, Graciela Márcia
Fochi, Taíse Ferreira da Conceição Nishikawa. –
Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2014.
192 p.

ISBN 978-85-68075-49-4


1. Ágrafas. 2. Civilizações. I. Bordonal, Guilherme
Cantieri. II. Fochi, Graciela Márcia. III. Nishikawa, Taíse
Ferreira da Conceição. IV. Título

CDD 930

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Sumário

Unidade 1 — Sociedades ágrafas....................................1


Seção 1  A importância da Pré-História...............................................4
1.1 O conceito de Pré-História...................................................................4
Seção 2  A arqueologia e o conhecimento histórico..........................11
2.1 A importância da arqueologia para o conhecimento histórico............11
2.2 Arqueologia e os primeiros humanos..................................................14
2.3 Uma proposta de educação patrimonial.............................................19
Seção 3  Paleolítico e neolítico..........................................................22
3.1 O período paleolítico..........................................................................22
3.2 O período neolítico............................................................................24
3.3 A migração para o continente americano............................................26
3.4 O homem pré-histórico no Brasil........................................................28
Seção 4  O estado, a escrita e a agricultura.......................................31
4.1 O estado.............................................................................................31
4.2 A invenção da escrita..........................................................................33

Unidade 2 — Civilizações orientais..............................47


Seção 1  A questão do orientalismo...................................................49
1.1 Introdução..........................................................................................49
1.2 Orientalismo: perspectivas..................................................................50
Seção 2  A sociedade egípcia.............................................................55
2.1 Introdução..........................................................................................55
2.2 Aspectos básicos do Egito Antigo........................................................55
Seção 3  As sociedades cosmológicas................................................68
3.1 Introdução..........................................................................................68
3.2 As sociedades cosmológicas: a perspectiva de Eric Voegelin...............68

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vi  HISTÓRIA ANTIGA

Seção 4  Mesopotâmia e o seu nascimento das águas........................75


4.1 Introdução..........................................................................................75
4.2 Principais aspectos dos povos mesopotâmicos....................................75

Unidade 3 — Grécia Antiga..........................................85


Seção 1  Os principais momentos históricos......................................88
1.1 Povoamento e formação social: período pré­‑homérico.......................89
1.2 Período homérico...............................................................................90
1.3 Período arcaico ..................................................................................91
1.4 O período clássico..............................................................................92
1.5 As guerras médicas ............................................................................93
1.6 A guerra do peloponeso......................................................................94
1.7 A escravidão.......................................................................................96
1.8 O período helenístico.........................................................................98
Seção 2  A experiência da pólis e da democracia.............................100
2.1 A pólis..............................................................................................100
2.2 Atenas...............................................................................................100
2.3 Esparta..............................................................................................103
2.4 A democracia ..................................................................................105
Seção 3  Aspectos culturais da Grécia Antiga..................................108
3.1 O belo e os esportes.........................................................................108
3.2 O teatro e a tragédia grega: uma finalidade moral e política.............110
Seção 4  O declínio e o legado da civilização grega........................115
4.1 O declínio da civilização grega........................................................115
4.2 O legado à tradição ocidental...........................................................118

Unidade 4 — Roma Antiga..........................................129


Seção 1  A formação da Roma Antiga .............................................130
1.1 As origens escritas de Roma..............................................................131
1.2 Aspectos arqueológicos sobre a formação de Roma..........................137
1.3 Para além das origens de Roma: sua formação política, social e
cultural.............................................................................................142
1.4 A república romana .........................................................................145
1.5 A expansão romana e a formação do exército...................................151
Seção 2  O império romano.............................................................159
2.1 Aspectos culturais da sociedade romana: a educação e a religião.....172

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Unidade 1
Sociedades ágrafas
Jean Carlos Morell

Objetivos de aprendizagem: Esta Unidade tem por objetivos


abordar temas relevantes sobre as sociedades ágrafas, a historio-
grafia, a Pré-História geral e americana, bem como contribuir para a
formação teórica no exercício profissional e docência de áreas afins.

Seção 1: A importância da Pré-História


Caro acadêmico, para uma compreensão mais ampla
desta fase da história precisamos discutir aspectos
que são fundamentais, mas que podem ser questões
divergentes entre os historiadores. São questões
como o conceito de Pré-História e a abordagem que
delimita as fases Pré-História e história.

Seção 2: A arqueologia e o conhecimento histórico


A segunda seção apresenta as características da ar-
queologia como ciência e como um ramo da história.
O objetivo desse campo do conhecimento procura
reconstituir o modo de vida do passado de socieda-
des extintas ou contemporâneas. Assim, o campo de
pesquisa da arqueologia sobre o patrimônio cultural
deixado pelas sociedades, se materializa através do
estudo dos fósseis e vestígios nos sítios, cavernas ou
escavações.

Seção 3: Paleolítico e neolítico


Esta seção tem o objetivo de levantar aspectos que
envolvem a classificação da Pré-História entre paleolí-

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tico e neolítico. Além disso, é relevante compreender
que os períodos de migração do ser humano para o
continente americano determinam, na historiografia,
a transição entre Pré-História e história. Nesse con-
texto, o aparecimento das sociedades letradas na
América é um fator determinante nesta classificação.

Seção 4: O estado, a escrita e a agricultura


A última seção demonstra os principais aspectos que
definem a transição entre a Pré-História e Idade An-
tiga. A junção de diversos contextos possibilitou um
salto qualitativo na organização e no modo de vida
social das comunidades. A consolidação da agricul-
tura, a organização das primeiras formas de estado
e a sedentarização possibilitaram a alteração social
capaz de articular: a invenção da escrita, ampliação
demográfica e a administração pública.

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Sociedades ágrafas 3

Introdução ao estudo
Caro(a) acadêmico(a), o estudo sobre a Pré-História é uma ação fundamental
para a construção do conhecimento histórico e para a sua formação profissional.
As seções desta primeira Unidade de Estudo, além de destacar os conteúdos
relativos às sociedades ágrafas e Pré-História, destacam a preocupação em
refletir sobre diferentes compreensões do passado das sociedades.
Nesse sentido, surgem perguntas relevantes como:
Quais fontes históricas podem trazer elementos sobre a história das sociedades?
Existe somente uma Pré-História?
Se o surgimento da escrita é o marco divisor entre a Pré-História e a his-
tória, então as sociedades ágrafas não fazem parte da história?
É necessário compreender que todas essas questões surgem porque o co-
nhecimento histórico não é hegemônico, nem mesmo um conhecimento exato.
Este se apresenta com divergências teóricas e diferentes abordagens conceituais.
Na primeira seção, vamos apresentar e discutir o conceito de Pré-História.
Assim, um aspecto relevante para tal discussão, é o papel da escrita como
marco divisor da transição para a Idade Antiga. Logo, a presença ou ausência
da escrita nas sociedades passa a ter diferentes abordagens na formação do
conhecimento histórico.
A segunda seção foi dedicada para que você possa familiarizar-se com as
dimensões de uma área de estudo chamado arqueologia, um campo de trabalho
em expansão para a profissão do historiador.
Na terceira seção apresentaremos as principais divisões e características da
Pré-História e as evoluções adquiridas pela humanidade no paleolítico e neolítico.
Como proposta para última seção você poderá compreender a complexidade
cultural que possibilitou o surgimento do Estado e dos primeiros impérios da
Idade Antiga.
Também é indispensável reforçar que um estudo como este não pretende
esgotar o conteúdo ou dar conta de apresentar toda a complexidade sobre a
Pré-História e as sociedades ágrafas. Nosso esforço pretende levantar alguns co-
nhecimentos que forneçam material suficiente para você continuar pesquisando
e ampliando seus horizontes teóricos. Por isso, em sua trajetória profissional,
jamais deixe de pesquisar e aprofundar seus conhecimentos.
Desejamos dedicação e sucesso em sua caminhada de estudos!

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4  HISTÓRIA ANTIGA

Seção 1  A importância da Pré-História


O primeiro aspecto a ser compreendido deriva de uma discussão que
envolve a palavra “Pré-História”. Ao usar o prefixo “pré”, em geral, estamos
nos referindo ao que vem antes da história. Logo, parece estranho formular
o seguinte pensamento: é possível existir algo antes da história? Por isso, é
indispensável, como ponto de partida, que a discussão seja centralizada no
conceito de Pré-História.

1.1 O conceito de Pré-História


Essa divergência ficou estabelecida com a consolidação do saber histórico
tradicional como ciência, no século XIX, pelo qual se acreditava ser uma ver-
dade histórica do passado somente quando houvesse tempos registrados pela
escrita. Em outras palavras, numa visão tradicional, o passado só pode ser
comprovado por documentos escritos. Logo, nessa compreensão, e por motivos
didáticos, a invenção da escrita passa a ser o marco divisório entre as fases:
Pré-História e história. E o que se situa antes dessa invenção fica num período
incerto à luz da verdade e da ciência.
Assim, nessa divisão, a Pré-História inicia-se aproximadamente há 4,5
milhões de anos, com o aparecimento do primeiro grupo humano e termina
com o desenvolvimento da escrita, entre 4000 e 3500 a.C. (GUGLIELMO,
1999; CHILDE, 1971). Interessante ressaltar uma curiosidade. Veja que, mesmo
sendo referida com o prefixo “pré”, cronologicamente é a maior das fases da
história. E como escreveu Braidwood (1988, p. 6) “Na realidade, mais de 99%
da história humana é Pré-História”.

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Figura 1.1  Esteio pintado com figuras humanas

Fonte: Pichugin Dmitry/Shutterstock (2014).

Figura 1.2  Arqueologia pré-colombiana

Fonte: mj007/Shutterstock (2014).

Entretanto, você não precisa aceitar ingenuamente a visão tradicional que


diminui o prestígio dessa fase da humanidade tão extensa e ainda pouco com-
preendida. Nesse aspecto reside uma contradição, pois o tempo anterior ao
desenvolvimento da escrita também pode ser considerado histórico. As figuras
anteriores (1.1. e 1.2) apresentam uma pista da diversidade material e cultural
das sociedades ágrafas. Isso também revela que, se por um lado a historiografia
já negligenciou a produção cultural da Pré-História, por outro, ainda há muito
o que ser pesquisado através da investigação histórica e da ampliação dos
estudos nos sítios arqueológicos. Acompanhe:

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6  HISTÓRIA ANTIGA

Considerado o período mais extenso da História, formal-


mente o início da Pré-História é associado ao surgimento
do primeiro hominídeo, há aproximadamente 4,5 milhões
de anos, e termina com a criação da escrita, por volta de
5.000 anos antes do presente. No entanto, como vere-
mos, as mudanças ocorridas na pesquisa historiográfica
dos últimos anos vêm questionando essa divisão e até
mesmo o conceito de Pré-História. O surgimento de novas
fontes, problemas e objetos trouxeram reflexões sobre
este importante momento da humanidade (SOPHIATI;
HEUER, 2013, p. 4).

Hoje, a Pré-História pode ter uma nova abordagem. Mas qual será a rela-
ção entre o modelo de ciência da história e as diferentes abordagens? Com a
colaboração de outras ciências, como antropologia, arqueologia e paleonto-
logia, novos materiais passaram a servir de indícios do passado de um povo:
imagens, relatos orais, vestígios, artefatos, ossos, armas, fotografias, músicas,
construções e outros objetos. Essas fontes podem ser tão importantes quanto a
escrita no processo de resgate do passado de uma civilização ou comunidade
(KUPER, 2008).
É com base nessa discussão que o conceito de “sociedades ágrafas” permite
empregar novos significados e desconstruir o reducionismo que cercava os
termos Pré-História e povos primitivos. O próprio termo primitivo sempre foi
carregado de um sentido desqualificador na história.
Mesmo assim, o marco do surgimento da escrita ainda continua a delimitar
a divisão entre a Pré-História e a história antiga.
Didaticamente a divisão histórica tradicional ainda é
utilizada. No entanto, o conceito de Pré-História mudou.
Agora, desde o surgimento do primeiro hominídeo na
Terra, começa a grande aventura humana, sem esquecer
todo o período que antecede o aparecimento dos seres
humanos, que também faz parte da Pré-História (SO-
PHIATI; HEUER, 2013, p. 17).

Isso nos faz pensar em outro aspecto. Veja que, na visão tradicional, a Pré-
-História é dividida nos períodos paleolítico e neolítico, como veremos em outra
seção. Essa divisão pode permanecer por uma questão didática. Entretanto,
com novas descobertas pela arqueologia, essa maneira de classificar não se
apresenta tão simples e linear. Vale a pena continuar pesquisando e mergulhar
nesse universo do conhecimento.

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A Figura 1.3 apresenta e delimita a Pré-História geral e brasileira. Apesar de


ser uma visão linear e simplificada, a imagem contribui para a compreensão
pontual do tema. Contudo, você pode perceber que as divisões e delimitações,
por uma questão didática, negligenciam as divergências entre os historiadores
e apresentam algumas datas aproximadas.

Figura 1.3  A Pré-História

Fonte: Do autor (2014).

Então, pelo mundo existiu mais de uma Pré-História? O quadro anterior


dá algumas pistas dessa situação, entretanto acompanhe nossa reflexão com
a seguinte ideia:
Da mesma forma, se a Pré-História acaba com o início
da escrita, nem todas as regiões terminam a Pré-História
em uma mesma época. No continente americano, seu fim
é associado à chegada dos colonizadores europeus, por
volta do século XV, embora se saiba que em algumas áreas
do continente americano já existia escrita muito antes da
chegada dos europeus (SOPHIATI; HEUER, 2013, p. 17).

Diante dos argumentos levantados, ainda vale a pena acrescentar que,


segundo a história tradicional, a Pré-História brasileira iniciou-se por volta de

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8  HISTÓRIA ANTIGA

32 mil anos atrás, dados os vestígios encontrados no território até então. Essa
fase vai até o ano de 1500 (época do descobrimento), datação dos primeiros
documentos sobre essas terras. Assim, qualquer tempo antes do descobrimento
pode ser classificado como pertencente à Pré-História brasileira. Interessante
discutir que, entre os historiadores, foi consenso o fato de a Pré-História ame-
ricana ter iniciado com as primeiras migrações há cerda de 13 mil anos, com
o fim da última glaciação. Entretanto, recentes achados no Chile revelaram
instrumentos de 33 mil anos. Já outro achado da Dra. Niède Guidon, no estado
do Piauí, foi uma série de ferramentas de quartzo com 31,5 mil anos. Essas
descobertas colocam à prova o que já se sabia sobre a Pré-História americana
(GUGLIELMO, 1999).

Para saber mais


Saiba mais sobre a Pré-História brasileira. Pesquise e surpreenda-se com as novas descobertas
da arqueóloga Niède Guidon. Leia o livro O paraíso é no Piauí: a descoberta da arqueóloga
Niède Guidon, de Solange Bastos.

Sem dúvida, é relevante compreender a classificação da Pré-História geral


e brasileira. No entanto, não é possível ficar alheio ao debate que questiona
a classificação linear dos tempos históricos. A compreensão desse tempo da
história humana é cercada por desafios imensuráveis. A escassez de documen-
tos impele os pesquisadores a se valerem dos mais diversificados campos de
conhecimento para tentar promover a retomada das primeiras ações do homem
na Terra.
Os primeiros fósseis definitivamente hominídeos foram
encontrados em Laetoli, na Tanzânia, e Hadar, na Etiópia,
com datas entre 3 e 3,5 milhões de anos, e receberam o
nome de Australopitecos afarensis. Um dos achados mais
espetaculares deste espécime é um esqueleto quase com-
pleto, apelidado de Lucy, encontrado por Don Johanson
e Tim White por volta de 1970, no sítio de Hadar. Alguns
especialistas apontam o A. afarensis como o ancestral
direto dos hominídeos posteriores. Outros, contudo,
argumentam que eles não eram a única categoria taxo-
nômica existente e que os ancestrais do gênero Homo e
dos australopitecíneos já haviam se ramificado há cerca
de 4 milhões de anos (GUGLIELMO, 1999, p. 24-25).

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Sociedades ágrafas 9

Convém lembrar que nossa conversa aqui não tem a pretensão de aprofundar
ou dar conta de todas as questões da Pré-História, mas propor um ponto de par-
tida capaz de incentivá-lo para novos estudos. Realize novas leituras, supere essa
visão inicial e continue pesquisando sobre a construção de artefatos, as primeiras
estruturas que serviram de morada, o desenvolvimento da arte, as relações sociais
entre as comunidades primitivas e o desenvolvimento da agricultura. Todas são
dimensões que fazem parte do intrigante mundo da Pré-História.

Questões para reflexão


Acadêmico(a), a partir dessa discussão é possível visualizar a exis-
tência de diversas Pré-Histórias?
Seria possível determinar uma Pré-História predominante na história
geral?

Atividades de aprendizagem
1. Determinadas atividades artísticas da Pré-História, como as pinturas
nas paredes das cavernas, foram chamadas de “arte rupestre”. Vestígios
dessa forma artística são fontes de pesquisa da arqueologia e contri-
buem para a compreensão sobre a vida das sociedades ágrafas. Sobre a
arte durante os períodos da Pré-História, analise as sentenças a seguir:
I. As atividades cotidianas do paleolítico foram registradas pela arte
rupestre, entretanto, os registros mais antigos desse tipo de arte
foram produzidos no período neolítico.
II. Nas sociedades ágrafas, a arte é resumida pelas atividades fú-
nebres e rituais religiosos, pois somente esses aspectos foram
encontrados pelos arqueólogos.
III. O debate sobre o conceito de Pré-História questiona e reflete
sobre as fontes que podem revelar o passado das comunidades
primitivas, em destaque, os registros escritos.
IV. O século XIX foi relevante para o reconhecimento da história
como conhecimento científico, embora isso tenha construído
uma visão reducionista da Pré-História.

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10  HISTÓRIA ANTIGA

Agora, assinale a alternativa correta:


(  ) As afirmativas III e IV estão corretas.
(  ) As afirmativas I, II e III estão corretas.
(  ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.
( ) As afirmativas II e III estão corretas.
2. A arqueologia é a ciência que estuda os artefatos criados pela huma-
nidade. Esse tipo de pesquisa é realizado em locais chamados sítios
arqueológicos ou outros que revelem informações históricas. Entre-
tanto, em abordagens diferenciadas, outros materiais podem servir de
estudo. Descreva que outras fontes podem construir o conhecimento
sobre os povos do passado.

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Sociedades ágrafas 11

Seção 2 A arqueologia e o conhecimento


histórico
O século XIX foi um divisor de águas para o estudo da história, pois a partir
desse marco essa área do conhecimento consolidou seu status de ciência. E
dentre as ciências que contribuem para o estudo da história está a arqueologia.
Compreender a arqueologia é um passo fundamental na definição de fonte
história e patrimônio cultural.

2.1 A importância da arqueologia para o


conhecimento histórico
É para reconstituir o passado e o estilo de vida de sociedades atuais ou
extintas, que a arqueologia investiga o patrimônio cultural deixado por essas
sociedades, sejam elas letradas ou ágrafas. São estudados vestígios ou fósseis
descobertos em locais como escavações, cavernas ou sítios arqueológicos. Os
vestígios podem ser pinturas, gravuras, artefatos, ossos, ferramentas e outros
materiais que sofreram ação do homem.
O termo arqueologia, que vem do grego, significa estudo do passado. Mas
essa modalidade do conhecimento certificou, durante a história, diferentes
significados profissionais ao pesquisador. As primeiras menções sobre o estudo
da arqueologia surgem entre o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna
confundindo os papéis do arqueólogo e do paleontólogo. Houve tempo em que
rotularam o arqueólogo como “o cientista dos dinossauros” (CHILDE, 1971;
GUGLIELMO, 1999).
Mesmo nesse estágio embrionário da arqueologia, já existia a preocupação
em desenvolver uma maneira de descrever como determinadas sociedades se
desenvolveram e tiveram etapas distintas nessa trajetória. Para tal intento, foram
criados métodos de estudo, instrumentos de escavação e técnicas para análise
dos artefatos em laboratório.
Sendo assim, será a arqueologia a ciência que define melhor o conheci-
mento da Pré-História?
Uma curiosidade interessante que podemos conferir na figura que segue.
Na atualidade, a arqueologia conta com a tecnologia de precisão e ima-
gem para o auxílio das escavações. Um exemplo disso é o “radar de solo”
utilizado para mapear e descobrir o que existe abaixo no solo, Figura 1.4.

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12  HISTÓRIA ANTIGA

Figura 1.4  Radar de solo

Fonte: Peter Macdiarmid/Getty Images/AFP (2014).

A pesquisa arqueológica acontece inicialmente em locais chamados de


“sítios arqueológicos”, denominados assim por terem vestígios materiais tanto
de sociedades ágrafas quanto sociedades com escrita. O debate que já fizemos
na seção anterior vale a pena continuar pesquisando. Além disso, a arqueolo-
gia estuda além da Pré-História, o material de qualquer época histórica e que
esteja associado à ação humana.
A Arqueologia, contudo, pode transcender os quadros es-
tritos da historiografia assentada nas fontes escritas, cujo
viés de classe constitui sua própria essência e a cultura
material pode tratar de temas simplesmente ausentes ou
ignorados pela documentação, como no caso das grandes
maiorias, da vida rural e do quotidiano. O discurso verbal
e artefatual entrecruzam-se, de diferentes modos, nas so-
ciedades históricas e o desenvolvimento de técnicas para
tratar de tais inter-relacionamentos permanece uma ques-
tão fundamental no seio da disciplina (FUNARI, 2007, 37).

Vamos complementar nosso argumento. No século XIX, os arqueólogos,


financiados pelos países imperialistas, iniciaram uma corrida pela busca aos
tesouros históricos. Um exemplo foi o trabalho do pioneiro Horward Carter,
arqueólogo britânico que descobriu a tumba de Tutancamón, no Egito, em
1922. A frase do documentário Tumba do Faraó Tutancamón explica bem esse
fenômeno: “a arqueologia chega ao Egito com um exército de escavadores”.

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Você pode encontrar facilmente este interessante documentário no Youtube.


Acesse: <http://www.youtube.com/watch?v=Msa4R3Jpwrc>.
A etapa que sucede a pesquisa de campo em sítios transporta o profissional
para o trabalho em laboratório somando diversas especialidades como traba-
lho com cerâmica, metalurgia, biologia, geologia e química. No laboratório
os materiais escavados e catalogados passam por limpeza e acomodação de
maneira a ser preservado com segurança. Ali eles podem ser minuciosamente
estudados e comparados com materiais de origem de outros sítios.

Para saber mais


Para determinar a idade de um achado arqueológico são utilizadas várias técnicas e métodos.
Um exemplo é a utilização do componente químico do carbono 14 que permite estabelecer
datações em fósseis de seres vivos. Durante toda a sua vida, os seres vivos absorvem o carbono
14. No momento de sua morte, a quantidade de carbono 14 começa a cair e são emitidos
elétrons. Assim, é calculada a quantidade de elétrons emitidos por minuto em cada grama do
material. Através do carbono 14, é possível determinar datas de carvões, fósseis animais e
vegetais, alguns artefatos, tintas vegetais, entre outros (SOPHIATI; HEUER, 2013, p. 4).

Figura 1.5  Arqueologia no Egito

Fonte: bumihills/Shutterstock (2014).

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14 HISTÓRIA ANTIGA

E no Brasil, quais são as dimensões que a arqueologia pode apresentar?


A arqueologia tem campo de estudo e trabalho?
Apesar de pouco difundido e reconhecido, esse estudo tem considerável
campo de pesquisa. Podemos destacar sítios arqueológicos como os existen-
tes na Serra da Capivara no estado do Piauí, pesquisados desde 1973. Possi-
velmente, o estado do Piauí guarde o maior tesouro arqueológico do Brasil
(MOSNA, 2013).

Figura 1.6 Pintura rupestre

Fonte: Yuttasak Jannarong/Shutterstock (2014).

2.2 Arqueologia e os primeiros humanos


No Brasil, os primeiros estudos arqueológicos são de ossadas humanas
encontrados em 1843 nas cavernas de Lagoa Santa em Minas Gerais. Já nesse
mesmo século XIX também foram feitas as primeiras escavações nos sambaquis
de Santa Catarina e São Paulo. Mas foi só a partir de 1950 que iniciou um projeto
nacional de pesquisa arqueológica. A partir disso foram sendo descobertos e
catalogados, mesmo com tímidos investimentos, os principais sítios arqueoló-
gicos brasileiros. (PROUS, 2007). Citamos alguns a seguir:
Parque Nacional Serra da Capivara — São Raimundo Nonato, PI.
Parque Nacional do Catimbau — Buíque, PE.

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Sociedades ágrafas 15

Sítio Arqueológico de Inhazinha e Rodrigues Furtado — Perdizes, MG.


Sítio Arqueológico de Mangueiros — Macaíba, RN.
Sítio Arqueológico Lapa Vermelha — Lagoa Santa, MG.
Sítio Arqueológico do Solstício — Calçoene, AP.
Sítio Arqueológico de Pedra Pintada — Pacaraima, RR.
Sítio Arqueológico São João Batista — Entre-Ijuís, RS.
Sítio Arqueológico do Lajedo de Soledade — Apodi, RN.

Para saber mais


O Parque Nacional Serra da Capivara está localizado no sudeste do estado do Piauí, ocupando
áreas dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias. A
superfície do parque é de 129 ha e seu perímetro é de 214 km. A cidade mais próxima do Parque
Nacional é Cel. José Dias, e São Raimundo Nonato é o maior centro urbano (FUMDHAM, 2014).

Hoje, o profissional da arqueologia pode desenvolver seu trabalho em


instituições de ensino e pesquisa lecionando ou fazendo parte de projetos
específicos (Figura 1.7). Além disso, a pesquisa arqueológica pode atuar em
licenciamentos ambientais para obras de infraestrutura com intuito de veri-
ficar os impactos socioambientais, se o espaço abranger algum patrimônio
arqueológico.
Caro(a) acadêmico(a), há pouco mencionamos a palavra sambaqui. Você
sabe o que isso significa?
É um tipo de sítio arqueológico encontrado perto de regiões litorâneas.
Em geral, são espaços que foram habitados por povos coletores e caçadores
que tinham vínculo com as regiões litorâneas na Pré-História. Veja que para
compreender a relevância de sítios arqueológicos como os sambaquis, precisa-
mos superar a dicotomia entre mito e história, primitivo e civilizado, letrado e
iletrado. Assim, os sítios indígenas passam a ter atenção merecida nas pesquisas
históricas (FUNARI, 2007).
Aprofunde seu conhecimento, surpreenda-se com o livro O Brasil antes dos
Brasileiros, de André Prous, e saiba mais sobre a Pré-História de nosso país.
Conheça também o Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB). Acesse: <http://
www.arqueologia-iab.com.br/2009/view.php?show=33&pag=14>.

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16  HISTÓRIA ANTIGA

Figura 1.7  Escavação

Fonte: ChameleonsEye/Shutterstock (2014).

Foi somente a partir de descobertas nos sítios arqueológicos pelo mundo que
algumas hipóteses sobre a trajetória da humanidade na Pré-História puderam
ser elaboradas.
O momento em que os nossos ancestrais deixaram de
ser quadrúpedes para se tornar bípedes sempre foi um
mistério sem resposta na ciência evolutiva, mas um novo
estudo publicado pela revista Current Biology dá outras
pistas. Os cientistas acreditam que os nossos antepas-
sados podem ter começado a andar sobre duas patas
em uma tentativa de monopolizar recursos e para levar
comida, em maior quantidade e de forma mais eficiente
(SOPHIATI; HEUER, 2013).

Pela indicação dos fósseis e ferramentas mais antigas encontradas, a evolução


da história humana iniciou nas savanas da África, entre 3 e 4 milhões de anos, onde
apareceram os primeiros ancestrais. Naquele tempo, algumas espécies sobrevive-
ram e outras foram extintas. É a partir dessa “era” que foram surgindo as espécies
de hominídeos, como ramapithecus, afarensis, erectus, habilis, australopithecus,
neandertalenses e sapiens (GUGLIELMO, 1999; BRAIDWOOD, 1988). Entretanto,
a “cultura” humana, como conhecemos hoje, possivelmente foi resultado do flo-
rescimento exclusivo de uma espécie, o homo sapiens. Ao aprofundar o assunto,
você terá conhecimento de mais de uma dezena de espécies de hominídeos e
alguma divergência entre os autores sobre sua datação e características.
As Figuras 1.8 e 1.9 podem lançar alguma luz sobre esse tema e fazer
compreender a complexidade que envolve a Pré-História. Há muito a ser des-
coberto, discutido e verificado.

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Sociedades ágrafas 17

Figura 1.8 Evolução e os hominídeos

Fonte: Sabatini (2011).

Figura 1.9 Os ancestrais do homem moderno

australopithecus.

Fonte: Instituto Refletir (2012).

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18 HISTÓRIA ANTIGA

Apresentamos neste momento um destaque para alguns hominídeos e


suas características (SOPHIATI; HEUER, 2013; CHILDE, 1971; GUGLIELMO,
1999). Confira:
O Australopithecus, também chamado de afarensis, que significa macaco
do sul, viveu há 3,2 milhões de anos, e uma prova de sua existência foi
um fóssil encontrado em 1974 que foi denominado de Lucy.
O Homo habilis viveu entre 2,4 e 1,5 milhão de anos. O primeiro fóssil
de Homo habilis foi encontrado na região do Quênia, em 1963. Vivia
em grupo, utilizava os instrumentos rudimentares de pedra para caçar
pequenos animais e sua alimentação era centrada na caça.
Homo erectus, que em latim significa homem em pé, recebeu esse nome
pois foi o primeiro a ter um andar semelhante ao do homem atual, com
coluna e cérebros alinhados. Viveu aproximadamente há 1,3 milhões de
anos na África e Ásia. Há indícios de que dividia as atividades diferente-
mente entre o próprio grupo. Sua maior conquista foi o domínio do fogo.
O Homem de Neanderthal tinha 1,6 m de altura e características pe-
culiares, pois se adaptou ao período glacial. Desenvolveu técnicas de
fabricação de rochas para caçar grandes animais. Possivelmente, essa
espécie foi contemporânea do homo sapiens.
O Homo sapiens, o homem moderno do qual somos descendentes di-
retos. Surgiu há 100 mil anos construindo o que conhecemos por cul-
tura humana. Logo, sua maior diferença dos outros hominídeos foi a
cultura da arte, da comunicação, da escrita e do sedentarismo.

Questões para reflexão


Ao tentar estudar os hominídeos podemos nos questionar: por que
algumas espécies de hominídeos desapareceram? Qual a relação entre
a permanência do Homo sapiens e o desenvolvimento da cultura?

Enfim, o estudo sobre os primeiros humanos só foi possível graças ao avanço


da arqueologia, mas o caminho dessa descoberta está no início. Como há mais
dúvidas que certezas, ainda há muito o que pesquisar e estudar. Em seu estudo,
não se restrinja ao conteúdo que disponibilizamos. Pesquise, descubra e am-
plie seu conhecimento. Tratar do tema sobre os hominídeos requer paciência
e muita leitura.

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Sociedades ágrafas 19

Como você encontra algumas diferenças teóricas entre autores, o melhor a


fazer é estar por dentro das novas publicações.

Para saber mais


Recomendo uma fantástica leitura. Conheça o livro Homens pré-históricos, de Robert J.
Braidwood, que já foi citado em nosso texto. Não deixe de ler outra obra de destaque: A rein-
venção da sociedade primitiva, de Adam Kuper.

2.3 Uma proposta de educação patrimonial


Aproveitamos a oportunidade do tema para apresentar uma atividade da
história contemporânea que aproxima a educação e o patrimônio histórico. O
objetivo é apresentar uma atividade educacional que articula os conceitos de
patrimônio histórico, sítio arqueológico e meio ambiente histórico. Além disso,
o texto faz uma proposta de ação educacional. Confira.
Ao visitar um monumento, local de preservação ou sítio histórico com
algum grupo, alunos ou não, é importante que as pessoas sejam orientadas a
observar o máximo de dimensões possíveis inseridas no ambiente. O objetivo
é avaliar a influência da ação do homem sobre o espaço e sobre a paisagem
natural. Nesta exploração é possível alcançar as áreas de diversas disciplinas
de ensino como: história, geografia, matemática e arte.
Na análise da educação patrimonial, durante a atividade, devem ser cons-
truídas algumas questões (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999). Logo,
algumas perguntas podem servir de ponto de partida:
Como é o lugar hoje e como foi no passado?
Quais elementos do passado permanecem no local?
Como seria viver neste local hoje e no passado?
Este local tem semelhanças com o passado de outras regiões?
As transformações que ocorreram também agiram sobre outros locais que
conhecemos?
Quais elementos que são específicos do presente e que estão tanto neste
local como em outros espaços rurais ou urbanos?
Ao estudar um local, monumento ou sítio arqueológico, e a interação entre
a atividade humana e a paisagem, pode-se usar um conjunto estruturado de
perguntas como essas, como base para que os alunos/pesquisadores proponham

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 19 25/06/14 20:09


20  HISTÓRIA ANTIGA

suas próprias questões. Isso deixa o trabalho ainda mais interessante. (HORTA;
GRUNBERG; MONTEIRO, 1999).
Cada pergunta pode gerar outras questões. A questão fundamental como era
este lugar? É o ponto de partida para a coleta de dados, o trabalho de campo,
as observações orientadas e as diferentes atividades. A partir dessa pergunta, é
possível observar, entre outros aspectos:
Onde ele está situado? Como ele se insere na paisagem natural? Quantas
estruturas existiam? De que eram feitas? Para que serviam? Quantas pessoas
viviam ali?
Perguntas como essas podem ser aplicadas a alunos de todas as idades,
com a ajuda do professor para os mais jovens. Apesar de serem colocadas
separadamente, as questões se relacionam entre si. Um conjunto de perguntas
depende de outras. Entretanto, colocá-las separadamente ajuda a compreen-
der e a estruturar os diferentes passos de uma pesquisa (HORTA; GRUNBERG;
MONTEIRO, 1999).
O uso e a compreensão de mapas, desenhos, esquemas, fotografias aéreas,
fotos antigas e recentes, documentos, são outras habilidades envolvidas na
exploração orientada de um sítio ou monumento histórico. E os monumentos
históricos podem ser encontrados em diversos contextos rurais e urbanos.
Para as crianças, com um tempo de vida mais recente e menor que o dos
adultos, quase tudo que as rodeia é produto de um passado distante, do tempo
da vovó. A própria casa, a família ou a escola podem ser material útil para
iniciar a compreensão da mudança e continuidade (HORTA; GRUNBERG;
MONTEIRO, 1999).
As estruturas remanescentes do passado são encontradas em diferentes
estados de preservação: intactas (escolas, casas...), incompletas (ruínas, mo-
numentos históricos, prédios antigos...), enterradas (estruturas desaparecidas)
e monumentos tombados, sítios históricos de importância para a cultura na-
cional e protegidos por lei através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artís-
tico Nacional — IPHAN, ou por instituições estaduais e municipais (HORTA;
GRUNBERG; MONTEIRO, 1999).
Numa visitação nem todas as perguntas serão respondidas no local. É impor-
tante que os alunos percebam que também podem existir limitações nas evidên-
cias e na verdade levantada sobre um determinado local. Essa conscientização
pode levar a novos questionamentos, hipóteses e a percepção do risco de con-
clusões precipitadas ou distorcidas (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999).

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S o c i e d a d e s á g r a f a s  21

Aproveite a ideia e quando puder desenvolva projetos educacionais que


envolvam o patrimônio histórico e natural. Contribua para o desenvolvimento
da educação patrimonial e ambiental. Explore com seus alunos os conceitos de
cultural, patrimônio, conservação, ambiente natural e cultural. Bons trabalhos!

Atividades de aprendizagem
1. O surgimento dos hominídeos ainda é objeto de discussão e muita
divergência entre historiadores e arqueólogos, pois sobre o tema da
Pré-História ainda há muito o que pesquisar e descobrir. Sobre os
hominídeos, assinale a alternativa CORRETA:
(  ) A característica essencial que diferencia os hominídeos dos outros
animais é a cultura.
(  ) Durante a Pré-História não ocorreu a coexistência entre diferentes
hominídeos.
(  ) A prova da existência do Homo habilis é a descoberta do fóssil de Lucy.
(  ) O homem de Neandertal é o único hominídeo que não faz parte
da Pré-História.
2. Depois de criado, o Parque Nacional da Serra da Capivara esteve
abandonado durante dez anos por falta de recursos federais. Análises
comparativas das fotos de satélite evidenciaram esse fato. Durante
esse período, a Unidade de Conservação foi considerada “terra de
ninguém e, como tal, objeto de depredações sistemáticas”. A des-
truição da flora tomou dimensões incalculáveis; caminhões vindos
do Sul do país desmatavam e levavam, de maneira descontrolada,
as espécies nobres. O desmatamento dessas espécies, próprias da
caatinga, aumentou depois da criação do Parque, em decorrência
de falta de vigilância (FUMDHAM, 2014).
O texto anterior denota um dos desafios que a arqueologia brasileira
enfrenta. Entre eles estão: a falta de investimentos, a articulação entre
os setores público e privado da sociedade, o avanço da urbanização,
exploração e extrativismo entre outros. Pense em algum sítio arqueo­
lógico de seu conhecimento ou em sua região e descreva quais os
desafios que podem estar diante da arqueologia nesse caso específico.

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22  HISTÓRIA ANTIGA

Seção 3  Paleolítico e neolítico


Caro(a) acadêmico(a), é comum encontrarmos na linguagem cotidiana o
termo “idade da pedra” ou a “era das cavernas” quando se quer mencionar a
Pré-História. Os termos, apesar de serem generalistas, fazem menção ao ele-
mento das rochas e, de certa maneira, é a relação do homem com o trabalho
e com a matéria-prima que sugere a divisão da Pré-História em paleolítico e
neolítico. Vejamos a seguir o modo de classificação da Pré-História e como
isso interfere na concepção da Pré-História americana.

3.1 O período paleolítico


O nome paleolítico, ou Idade da Pedra Lascada, indica a produção de
objetos com pontas ou lascas de pedras. Considerada a fase mais extensa da
humanidade, o Paleolítico iniciou-se aproximadamente 3 milhões de anos
atrás e encerrou-se em 10.000 a.C., sendo dividida em duas partes: paleolítico
inferior e superior.
Foi o tempo do desenvolvimento da caça em grupo e utilização das primeiras
ferramentas de pedras ou feitas de chifre de animais. Os vestígios daquela época
foram encontrados na Europa, na África e no Oriente. A utilização da caverna
como lar foi característica por causa das baixas temperaturas enfrentadas pelos
Australiopithecus, Homo Habilis e Homo Sapiens.
Veja, acadêmico(a), o que um historiador diz sobre o paleolítico:
O período mais longo e a mais antiga era da Pré-História
é chamado de Paleolítico. Ele iniciou-se há pelo menos
2,5 milhões, como atestam os instrumentos simples de
pedra encontrados no sítio de Hadar, Etiópia, e pode ser
estendido há cerca de 10.000 anos. O modo de produ-
ção de suas populações hominídeas pode ser descrito
como o de carniceiros, caçadores, coletores e pesca-
dores. Não havia domesticação de plantas ou animais,
com exceção dos cães e, talvez, cavalos, que surgem só
mais para o fim do período (GUGLIELMO, 1999, p. 35).

Mas, de todas as invenções e conquistas humanas no paleolítico, o controle


do fogo é digno de ser o primeiro grande passo na emancipação do homem em
relação à servidão de seu ambiente. Ao controlar e dominar o fogo, o homem
tinha o comando sobre parte de duas forças da natureza: a química e a física
(CHILDE, 1971).

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Sociedades ágrafas 23

Fique atento e perceba que as datas que delimitam as fases geralmente são
aproximadas, sobretudo quando tratamos de uma fase tão distante e cujos indí-
cios são provas irrefutáveis. Veja a Figura 1.10 e acompanhe agora um esquema
sintético sobre as realizações no paleolítico (CHILDE, 1971; GUGLIELMO, 1999):
Paleolítico inferior (cerca de 3,5 milhões a 50 mil anos)
Florescem as primeiras estruturas sociais entre os humanos.
Os primeiros artefatos e utensílios começam a ser fabricados pelo
homem.
Surgem os primeiros indícios de convívio e afeto familiar.
Domínio do uso do fogo.
Paleolítico superior (50 mil — 10 mil anos)
O homem de Cro-Magnon desenvolveu armadilhas terrestres.
Organização de comunidades mais numerosas.
São frequentes as migrações constantes para escapar do frio.
Além das cavernas, foram construídas moradias rústicas com peles de
animal.
Desenvolvimento de pinturas rupestres.
Destaque nas atividades de coleta de alimentos (povos coletores).
Primeiras noções sobre a existência da sobrenaturalidade.
O fim dessa era histórica (10 mil anos atrás) também é marcado por uma
variação climática importante na evolução das comunidades humanas: o fim
de uma era glacial com variações climáticas que amenizou o frio intenso. Tal
resultado criou um contexto bem mais favorável para se viver. Uma revolução
que dá início ao período neolítico. Compreenda melhor essa revolução climá-
tica e cultural nos próximos parágrafos.

Figura 1.10 Divisões da Pré-História

Fonte: Do autor (2014).

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24 HISTÓRIA ANTIGA

Para saber mais


As manifestações artísticas mais antigas do homem já encontradas são as pinturas rupestres
produzidas na caverna de Lascaux, com data de 11 mil a 15 mil anos. Acredita-se que os artistas
utilizavam técnicas variadas, como o uso de plumas de aves molhadas em tintas naturais, bem
como musgos, peles de animais ou as próprias mãos (SOPHIATI; HEUER, 2013, p. 93).

3.2 O período neolítico


O neolítico, ou “Nova Idade da Pedra”, ou “Idade da Pedra Polida” foi
um salto histórico da humanidade. Essa revolução humana só pode ser com-
preendida se visualizarmos o que ocorreu de fantástico na transição entre o
paleolítico e neolítico.
Mas o que aconteceu de tão especial?
Entenda o que ocorreu em algumas frases.
Há aproximadamente 10 mil anos, o Hemisfério Norte foi marcado pela
redução das geleiras. Surgiram florestas que ocupam regiões onde só havia a
tundra. Diminuiu a presença de animais de grande porte como os mamutes. As
comunidades humanas passaram a adotar uma cultura mais próxima ao mar e às
florestas, e o cão foi domesticado, o que ajudou na caça de pequenos animais.
A proximidade com as florestas contribuiu para o desenvolvimento de mate-
riais e ferramentas mais sofisticadas. Possivelmente, esse é um dos embriões da
cultura do trabalho e da consciência de si (GUGLIELMO, 1999). E ainda mais:
Ocorre aqui uma crescente separação entre o homem e
a natureza. [...] Cada vez que o homem tenta extrair da
natureza o que necessita e sente sua hostilidade, procura
vencê-la utilizando seu cérebro para entendê-la e dominá-
-la. Cada vez que isso ocorre, o conhecimento se amplia
e a consciência se desenvolve (GUGLIELMO, 1999, p. 37)

Mesmo que não seja possível estabelecer uma data exata, sugere-se que
o período neolítico tenha iniciado por volta de 8.000 a.C., após grandes mu-
danças climáticas e culturais. Vejamos quais foram os avanços culturais mais
expressivos do neolítico:
É consolidada a visão do homem como um ser social.
Percebem-se as vantagens de cooperar e trabalhar em grupos.
Destaque e presença de lideranças nas comunidades.

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Sociedades ágrafas 25

Maior preocupação com a qualidade de vida.


Desenvolvimento da agricultura (trigo, milho, legumes, feijões).
Fenômeno do sedentarismo.
Trabalho com metais (iniciando com o bronze).
Construção de armas manuais.
Domesticação de animais e plantas.
Manipulação e domínio da reprodução das plantas.

Para saber mais


A Idade dos Metais é considerada o último período da Pré-História (e está situada dentro do
período neolítico), tendo iniciado há 6 mil anos a.C. e terminado por volta de 4.000 a.C. A
Idade dos Metais está dividida em três fases: Idade do Cobre, Idade do Bronze e Idade do Ferro
(SOPHIATI; HEUER, 2013).

Ainda podemos comentar algumas consequências do novo estilo de vida


desenvolvido pelo homem no período neolítico, e não mais somente no con-
tinente africano, mais em novos espaços da Europa e do Oriente Médio. É
interessante ressaltar o fenômeno da agricultura no “Crescente Fértil”, região
que se estende da foz do rio Nilo até a bacia entre os rios Tigre e Eufrates, local
onde hoje é o Iraque.
O fenômeno da sedentarização resultou de conquistas adquiridas que per-
mitiram ao homem estabelecer local fixo de morada e abandonar o estilo de
vida nômade. Foram conquistas como: a agricultura; moradias de materiais com
possibilidade de manutenção; divisão do trabalho entre mulheres e homens; o
surgimento de atividades de lazer; o desenvolvimento da cerâmica e até a ideia
de dinheiro representada por sementes ou pedras trabalhadas (GUGLIELMO,
1999; PINSKY, 2001).
A domesticação de animais é um dos temas que atrai muito nossa atenção
à Pré-História, em especial ao neolítico. Ocorreram a domesticação do cão,
a criação de porcos, cabras e gado. O convívio com animais domesticados,
além de contribuir para atividades como a caça, força para o trabalho e reserva
de alimento (carne), reforçou o sentimento de que o homem teria o destino de
explorar a fauna e a flora (recursos da natureza) disponíveis no planeta.

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26  HISTÓRIA ANTIGA

O tempo ocioso, que é possibilitado pela sedentarização, também permitiu


a especialização da produção de roupas em prol do conforto e facilidade
de locomoção. Percebam que o neolítico marca para o homem a criação
de conceitos como conforto, lazer, local de moradia fixa, senso de hierarquia,
liderança e visão social.
Não seria sensato utilizarmos o termo “fim do período neolítico”, e, sim,
a transição para a Idade Antiga. E três condições, em especial, constituíram essa
transição: o trabalho com os metais, o surgimento da escrita e a criação do estado.

3.3 A migração para o continente americano


Por certo tempo, a teoria que explicava a migração do ser humano para o
continente americano foi hegemônica entre os historiadores, entretanto, novas
descobertas nos sítios arqueológicos de Clovis (Estados Unidos), Monte Verde
(Chile) e São Raimundo Nonato (Piauí) colocaram em questão a veracidade
dos fatos, ampliando as hipóteses sobre o tema. Em especial, os estudos da
historiadora e arqueóloga Niède Guidon, que tem reconhecimento mundial, já
apresentam novos dados sobre os primeiros homens americanos na Pré-História.
A primeira teoria aceita retrata a chegada do ser humano no continente
americano (há cerca de 13 mil anos) através da Ásia, passando pelo Estreito
de Bering e alcançando o Alasca e a América do Norte (GUGLIELMO, 1999).
Entretanto, a descoberta de uma segunda rota já é aceita e complementa a
explicação através de descobertas nos sítios arqueológicos da América do Sul.
Segundo a hipótese, essa rota atravessa o Oceano Pacífico através da Oceania
e Polinésia. Artefatos encontrados nos sítios arqueológicos apontam para o
fato de algumas migrações terem ocorrido há mais de 30 mil anos, sugerindo
que levas de migração para a América aconteceram em tempos diversificados
(GUGLIELMO, 1999). O que nos resta são mais hipóteses que verdades e que
há muito que pesquisar no campo da arqueologia americana.

Questões para reflexão


Ao trabalhar com as hipóteses de migração do ser humano para o
continente americano, surgem importantes perguntas: é possível que
sejam encontradas novas rotas da migração para a América? Serão
realmente duas as rotas possíveis para essa migração? O clima gelado
do Estreito de Bering permitiria a passagem do ser humano?

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S o c i e d a d e s á g r a f a s  27

Novas descobertas ainda surpreenderão os historiadores. Confira nos mapas


(Figuras 1.11 e 1.12) uma demonstração interessante sobre as rotas possíveis
para a migração Pré-histórica das sociedades americanas.

Figura 1.11  Caminhos pré-colombianos

Fonte: Aiyelujara (2013).

Figura 1.12  Caminhos pré-colombianos

Fonte: Aiyelujara (2013).

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28  HISTÓRIA ANTIGA

3.4 O homem pré-histórico no Brasil


Além dos povos do sambaqui, que eram caçadores coletores, dos quais
se tem notícia pela arqueologia, os povos indígenas, encontrados na época
da “descoberta” pelos portugueses, formaram a Pré-História brasileira como
sociedades ágrafas. Ao desfecho desse encontro, a palavra “catástrofe” resume
com êxito os infortúnios sofridos pelas sociedades ágrafas ou ameríndias. Sua
sorte até hoje não alterou o rumo dos fatos.
Quando os europeus chegaram à terra que mais tarde viria ser o Brasil, en-
contraram uma população ameríndia culturalmente diversa e distribuída pela
costa e dentro das bacias fluviais. Se admitirmos grosseiramente a homoge-
neidade dessas culturas, podemos distinguir dois grandes blocos subdividindo
essa população: os tupis-guaranis e os tapuias. Os tupis-guaranis estavam
presentes por quase toda a costa brasileira e os tapuias (às vezes chamados
de tupinambás) ocupavam o litoral do norte até onde hoje é o estado de São
Paulo (FAUSTO, 2001).
A economia dos tupis era basicamente de subsistência e destinada ao con-
sumo próprio. Praticavam a caça, pesca, coleta de frutas e raízes e desenvolviam
a agricultura do milho, feijão, abóbora, mandioca, da qual produziam um tipo
de farinha. Cada aldeia produzia e coletava em seu espaço para satisfazer às
suas necessidades, havendo poucas trocas de gêneros alimentícios com outras
aldeias, podendo acontecer a migração de local caso ocorresse a exaustão da
terra (FAUSTO, 2001).
A chegada dos portugueses representou para os índios
uma verdadeira catástrofe. Vindos de muito longe, com
enormes embarcações, os portugueses e em especial os
padres foram associados na imaginação dos tupis aos
grandes xamãs, que andavam pela terra, de aldeia em
aldeia, curando, profetizando e falando de uma terra de
abundância. Por outro lado, por não existir uma nação
indígena e sim grupos dispersos muitas vezes em conflito,
foi possível aos portugueses encontrar aliados indígenas
na luta contra os grupos que lhes resistiam. Em seus
primeiros anos de existência, sem o auxílio dos tupis de
São Paulo, a vila de São Paulo de Piratininga muito pro-
vavelmente teria sido conquistada pelos tamoios. Tudo
isso não quer dizer que os índios não tenham resistido
fortemente aos colonizadores, sobretudo quando se tratou
de escravizá-los. Uma forma excepcional de resistência
consistiu no isolamento, alcançado através de contínuos

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 28 25/06/14 20:09


S o c i e d a d e s á g r a f a s  29

deslocamentos para regiões cada vez mais pobres. Em


limites muito estreitos, esse recurso permitiu a preserva-
ção de uma herança biológica, social e cultural (FAUSTO,
2001, p. 16).

Os índios sofreram violências de toda espécie: cultural, epidemias, per-


seguição, escravização e morte. Do contato com os europeus resultou uma
população mestiça cuja expressão cultural e participação política é normal-
mente silenciada. A palavra catástrofe é bem adequada para definirmos o que
aconteceu com a população ameríndia. Milhões de índios viviam no Brasil
na época da conquista. As hipóteses variam o número entre 2 a 5 milhões de
indivíduos. E, hoje, apenas um número entre 300 e 350 mil sobrevive sob as
ameaças do progresso (FAUSTO, 2001).

Atividades de aprendizagem
1. O solo brasileiro esconde tesouros surpreendentes. Relatos de antes
da história escrita, que explicam as origens dos povos da América e
são comparáveis, em importância, aos principais achados arqueo-
lógicos do Velho Mundo. Quando desembarcou no Brasil em 1825,
o dinamarquês Peter Lund se surpreendeu com o que encontrou.
Estabeleceu-se por aqui em definitivo em 1832. Passou a esquadri-
nhar a região de Lagoa Santa, Minas Gerais, em busca de vestígios
do passado. Explorou mais de 200 grutas, descobriu cerca de 12 mil
fósseis. E o grande achado: um cemitério com 30 esqueletos humanos,
ao lado de ossos de mamíferos da chamada megafauna. Eram ani-
mais de dimensões bem maiores que as atuais, como os gliptodontes
(tatus de cerca de um metro de altura), as macrauquênias (herbívoros
semelhantes a lhamas com trombas) e preguiças de até seis metros
de comprimento e cinco toneladas (WINKEL, 2014).
Analise o texto citado e, a partir desse contexto, assinale a alternativa
correta:
(  ) Além dos fósseis humanos encontrados, a região de Minas Gerais
é fonte de estudo para a botânica e zoologia da Pré-História.
(  ) A região de Lagoa Santa foi descredenciada pelo pesquisador
Peter Lund por não encontrar fósseis humanos.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 29 25/06/14 20:09


30  HISTÓRIA ANTIGA

(  ) O estudo dos fósseis apenas pode contribuir com a área da pa-


leontologia em prejuízo da arqueologia.
(  ) Os fósseis da fauna encontrada em Lagoa Santa são de animais
da era contemporânea.
2. O Sul do Brasil é uma das principais áreas a registrar a existência
dos sambaquis, formações Pré-históricas compostas da fossilização
de conchas, moluscos, ossos humanos e animais. Sambaquis fluviais
e marítimos já abrigavam grupos humanos há cerca de 9 mil anos,
em algumas regiões do país. Mas é no litoral de Santa Catarina que
estão os maiores sambaquis do mundo, com centenas de metros de
extensão e aproximadamente 5 mil anos de idade. No interior dessas
formações foram encontrados vestígios de fogueiras e instrumentos
cortantes, além de ossos de peixes, répteis e baleias — sinais da exis-
tência de grupos de caçadores e coletores de alimentos. O povo dos
sambaquis já produzia artefatos em pedra polida, como mostram os
instrumentos de caça, ornamentos e esculturas representando animais.
Bons nadadores e remadores, tinham em média 1,60 m de altura.
Ainda não se sabe como esses grupos desapareceram. A hipótese
mais aceita é de que tenham sido eliminados ou aculturados pelos
tupis, há cerca de mil anos (WINKEL, 2014).
O texto se refere a um tipo de sítio arqueológico muito peculiar, o
sambaqui. Assinale a alternativa correta:
(  ) O sambaqui abrigava os povos da Pré-História de mais de 9 mil
anos atrás, contendo artefatos de pedra polida.
(  ) Descobertas recentes apontam a América Central como a maior
concentração de sambaquis do mundo.
(  ) A hipótese sobre o desaparecimento do homem do sambaqui
está ligada a chegada dos Europeus no continente americano.
(  ) Estudos apontam que o homem do sambaqui já não fazia parte
dos grupos de coletores da Pré-História.

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S o c i e d a d e s á g r a f a s  31

Seção 4  O estado, a escrita e a agricultura


Caro(a) acadêmico(a), em nosso estudo sobre as sociedades ágrafas na Pré-
-História, é relevante citar alguns nomes como Império Egípcio, Inca, Asteca,
Chinês... São alguns exemplos dos primeiros estados que demonstraram na
história da humanidade um projeto de ordem social em grande escala. Tal acon-
tecimento se deve a uma conjuntura específica que evolveu aspectos como a
agricultura, explosão demográfica, surgimento do processo de sedentarização
e o surgimento da escrita.

4.1 O estado
Com a consolidação da agricultura surgiram grandes cidades e impérios
que caracterizaram a transição para a próxima fase: a História Antiga. E mais!
As novidades neolíticas, como a sedentarização, a agricultura e o aumento do
número de crianças, geraram o crescimento populacional e, por consequên-
cia, a elevação da densidade demográfica. Essa ampliação social também teve
novos resultados. E o que ocorreu foi o desenvolvimento acelerado de novas
ferramentas de trabalho, técnicas produtivas e novas formas de vida social. Em
suma, novas tecnologias sociais e materiais foram ganhando espaço. Acredita-se
que as primeiras cidades tenham surgido na região da Mesopotâmia há cerca
de 7 mil anos.
Segundo estudos arqueológicos, nas ruínas da cidade
foram encontrados restos de alimentos, cerâmica e provas
de que já existia culto aos mortos com rituais fúnebres.
Outra cidade do mesmo período foi Çatalhöyük. Em
1958, os arqueólogos descobriram um povoado em uma
coluna da Turquia central, datado de 7 mil anos e com
uma população de 8 mil habitantes, distribuídos em 2 mil
casas, de tamanho variado entre 1 e 48 metros quadrados
(SOPHIATI; HEUER, 2013, p. 104).

Para saber mais


Veja só que curioso. O desenvolvimento da agricultura facilitou o cuidado e o sustento das
crianças. E, diferente do nomadismo paleolítico, em que o número de filhos dificultava o des-
locamento, no neolítico, quanto mais crianças e adolescentes, mais fácil ficava o trabalho familiar
com as plantas e animais.

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32  HISTÓRIA ANTIGA

As cidades que surgiram próximo aos rios Nilo, Tigre e Eufrates se comple-
xificaram cada vez mais, e com o aumento da população foram necessárias
estratégias para aumentar a produção de alimentos e a construção de obras.
Perceba que, à medida que a população crescia e as cidades ficavam depen-
dentes do uso sistemático de água retirada dos rios, foi necessária a construção
coletiva de obras como estradas, diques, canais, sistemas de irrigação. Podemos
citar ainda as cidades de Uruk, Ur e Nínive. Todas dentro da delimitação do
Crescente Fértil (SOPHIATI; HEUER, 2013).

Questões para reflexão


Qual acidente geográfico foi mais determinante para a formação das
primeiras cidades? Teria sido a presença do rio ou a barreira do deserto?

Entretanto, quanto mais visível fosse a aparelhagem técnica e agrícola de


uma cidade, maior seria sua necessidade de proteção contra cidades inimigas
ou invasores, fato que exigiu melhorias na organização social e administrativa.
Possivelmente, essa centralização seja um ponto de partida para o surgimento
do Estado, que centralizou as necessidades de desenvolvimento, proteção,
distribuição de alimentos e obras coletivas de infraestrutura. Mas a pessoa do
patriarca já não dava conta de tal empreitada administrativa, o que sugere o
aparecimento de uma figura político-religiosa, o rei.
Não é por menos que nas primeiras cidades do Egito, da Mesopotâmia,
nos reinos da África, China e Índia, os reis foram considerados também figu-
ras sacerdotais. E não foi diferente com reinos americanos dos incas, maias,
astecas e olmecas.
Tal forma de governar foi denominada “poder teocrático” (que em grego
significa poder baseado na vontade divina). Nesse contexto, o rei tinha funções
como escolher os funcionários públicos, idealizar a construção de templos,
liderar a administração das cidades e o controle do excedente da produção
agrícola. Mas o rei não estava sozinho, para isso contava com a ajuda de sa-
cerdotes, governadores e um especialista chamado de escriba, um funcionário
que fosse letrado para tarefas da contabilidade ou de documentação das leis
(SOPHIATI; HEUER, 2013). Os escribas foram peças-chave para a organização
da administração dos reinos, pois eram os poucos que dominavam a escrita.
Motivo de nossa próxima discussão.

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S o c i e d a d e s á g r a f a s  33

4.2 A invenção da escrita


Com todo o avanço social, político e técnico, foi inevitável a presença de uma
ferramenta capaz de potencializar o conhecimento, em especial nas atividades
administrativas como a contabilidade da colheita. Tal ferramenta foi a escrita, que
surgiu em locais diversos do planeta entre 4 e 2 mil anos antes de Cristo. Mas até
então, os registros mais antigos encontrados são da escrita cuneiforme da Suméria,
região entre os rios Tigre e Eufrates, como você pode visualizar na Figura 1.13.

Figura 1.13  Placa de argila com escrita cuneiforme

Fonte: Musée du Louvre, Paris (2014).

Será a escrita cuneiforme o registro sistematizado mais antigo da huma-


nidade? Os sacerdotes da região da Mesopotâmia, além de suas funções reli-
giosas, também se incumbiam de administrar a produção e comercialização
de rebanhos e colheitas. Assim, as primeiras formas de escrita tinham essa
função de contabilidade. Um sistema chamado de pictográfico que consistia
em pequenos desenhos imitando e representando coisas como um boi, uma
planta ou ave (SOPHIATI; HEUER, 2013).
Já num segundo momento, passaram a utilizar símbolos que podiam repre-
sentar ideias como cozinhar, colher ou rezar e não apenas miniaturas de coisas
materiais. Tal maneira de escrita levou o nome de escrita ideográfica, somando
a possibilidade de representar tais símbolos através de sons da fala humana. E
por fim, cerca de 3000 a.C., os sumérios incorporaram à escrita a diversidade
da produção legislativa, religiosa e até literária (CHILDE, 1971).
Mas você pode questionar: o alfabeto nasceu desse trabalho? Até agora,
acredita-se que os fenícios, essencialmente comerciantes e navegadores do
Mediterrâneo, desenvolveram o primeiro alfabeto. Tinha 22 letras com sons, o

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34  HISTÓRIA ANTIGA

que serviu para facilitar o trabalho comercial. Esse alfabeto primitivo possuía
somete consoantes e os gregos o aperfeiçoaram acrescentando as vogais.
Como você pôde observar na imagem anterior, a escrita dos sumérios tinha
forma de pequenos triângulos ou cunhas, por isso o nome escrita cuneiforme. A
base material para essa escrita eram placas de argila, seguidas da invenção do papiro
(papel) e do pergaminho (couro). Sem dúvida, a escrita é uma das invenções de
significante impacto à cultura e foi uma marca da transição entre a Pré-História e
da Idade Antiga, fato que não exclui, mas dá crédito especial para ambas as fases.

Questões para reflexão


A transição da Pré-História para a Idade Antiga foi marcada por uma re-
volução que não tem data exata. Trata-se de um marco contextual. Então,
será a agricultura ou a escrita o principal responsável pelo surgimento da
organização social (estado e da administração pública)? Pense a respeito.

Atividades de aprendizagem
1. A necessidade de registrar os acontecimentos surgiu com o homem
primitivo no tempo das cavernas, quando este começou a gravar
imagens nas paredes. Durante milhares de anos os homens sentiram
a necessidade de registrar as informações e construíram progressiva-
mente sistemas de representação. Desenvolvida também para guardar
os registros de contas e trocas comerciais, a escrita tornou-se um ins-
trumento de valor inestimável para a difusão de ideias e informações.
Foi na antiga Mesopotâmia, cerca de 6 mil anos atrás, que se desenvol-
veu a escrita ideográfica, um dos inventos na progressão até a escrita
alfabética, agora usada mundialmente. Em época bastante remota,
homens e mulheres utilizam figuras para representar cada objeto. Essa
forma de expressão é chamada pictográfica. A fase pictórica apresenta
uma escrita bem simplificada dos objetos da realidade, por meio de
desenhos que podem ser vistos nas inscrições astecas presentes em
cavernas, ou nas inscrições de cavernas do noroeste do Brasil. Em se-
guida, os gregos adaptaram o sistema de escrita fenícia agregando as
vogais e criando assim a escrita alfabética. (Alfabeto, palavra derivada

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S o c i e d a d e s á g r a f a s  35

de alfa e beta, as duas primeiras letras do alfabeto grego.) Posterior-


mente, a escrita grega foi adaptada pelos romanos, constituindo-se o
sistema alfabético greco-romano, que deu origem ao nosso alfabeto.
Esse sistema representa o menor inventário de símbolos que permite a
maior possibilidade combinatória de caracteres, isto é, representação
dos sons da fala em unidades menores que a sílaba (MEC, 2014).
O texto referenciado aborda aspectos do desenvolvimento da escrita
e do alfabeto. Nesse contexto, assinale a alternativa correta:
(  ) A história do alfabeto tem uma inovação com a cultura grega, o
que possibilitou a origem do nosso alfabeto atual.
(  ) O alfabeto latino foi influenciado pelo surgimento da escrita pic-
tográfica com influência dos hieróglifos da Pré-História.
(  ) As primeiras letras do alfabeto grego fazem parte da evolução
direta dos sistemas de desenhos rupestres.
(  ) A pista mais aceita sobre o surgimento do alfabeto foi encontrada
no Vale dos Reis no Egito e nas ruínas de Roma.
2. Os chineses utilizavam tiras de bambu como material para escrita. As
tiras eram obtidas do caule da planta, raspadas internamente e coloca-
das para secar. Depois, para formar o livro, as fichas eram furadas nas
extremidades e unidas por fios de seda. Apesar de o bambu ter sido
usado antes dos papiros, a evolução da escrita está intimamente ligada
à utilização do papiro pelos escribas. As folhas de papiro escritas
eram emendadas e formavam rolos. Os rolos de papiro, criados pelos
egípcios, eram chamados Volumem (rolos). O volumem dificultava a
leitura, pois o leitor tinha de mantê-lo aberto, utilizando as duas mãos.
O título do livro era escrito no final do rolo. O pergaminho, outro tipo
de suporte à escrita, é obtido a partir do couro cru esticado. Era um
material mais resistente, fino e durável que o papiro, além de permi-
tir a escrita em suas duas faces. Lavado ou lixado, permitia escrever
diversas vezes. Foi o pergaminho que possibilitou o desenvolvimento
do codex (ancestral do livro contemporâneo), por meio da costura
pelo vinco, sem que as folhas se rasgassem ou se desgastassem pelo
manuseio. Assim, os manuscritos foram evoluindo e desenvolvendo
novos suportes, até chegarem ao papel tal qual hoje o conhecemos
(MEC, 2014).

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36  HISTÓRIA ANTIGA

Diante do texto apresentado sobre os materiais que contribuíram para


o desenvolvimento da escrita, assinale a alternativa que corresponde
aos materiais e suas fontes de matéria prima:
(  ) Papiro/papel; Pergaminho/couro; Bambu/fibras; Codex/pergaminho.
(  ) Papiro/argila; Bambu/pergaminho; Codex/couro; Pergaminho/papel.
(  ) Pergaminho/bambu; Codex/papiro; Papiro/argila; Papel/fibras.
(  ) Codex/papiro; Pergaminho/argila; Silex/sedimentos; Papiro/fibras.
3. Texto 1 — É possível que a etapa mais importante da história humana
tenha sido a “invenção” das cidades. Foi o ponto de partida para o
desenvolvimento das primeiras cidades, da escrita, dos sistemas de
comércio, do dinheiro, da estratificação e hierarquias sociais (clero,
nobreza, povo etc.), da religião e da educação organizada, da agricul-
tura sistemática, e de muitas outras coisas mais. Até recentemente, os
historiadores situavam a origem das primeiras cidades na Mesopotâmia
(espaço situado entre os rios Tigre e Eufrates, que ficam no atual Iraque),
cerca de cinco a seis mil anos atrás. As cidades mais famosas foram Ur e
Uruk. No seu auge, em 2.500 a.C., Ur tinha cerca de 40 mil habitantes,
o que era uma megalópole para a época (SABBATINI, 2000).
Texto 2 — Na realidade, não deve ter existido uma transição tão
abrupta entre as aldeias comuns de povos seminômades ou se-
dentários, ou seja, entre os povos da Pré-História e as cidades da
Idade Antiga. Diferente do que ocorreu nas civilizações mesoa-
mericanas, como nas transições dos povos: Tolteca, Maia e Asteca
(SABBATINI, 2000).
Após uma atenta leitura dos textos 1 e 2, analise as afirmativas:
I. Os textos 1 e 2 se referem ao início das cidades na história.
II. No texto 1 existe uma relação entre a invenção da agricultura e
das cidades.
III. O texto 1 faz alusão à ruptura brusca entre a Idade Antiga e a
Pré-História.
IV. O texto 2 cita características das cidades de Ur e Uruk.
Assinale a alternativa correta:
(  ) As afirmativas I e II estão corretas.

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Sociedades ágrafas 37

( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.


( ) As afirmativas II e IV estão corretas.
( ) As afirmativas II, III e IV estão corretas.

Fique ligado!
Caro(a) acadêmico(a), nesta Unidade foi relevante discutir que:
A Pré-História foi a maior fase da humanidade e, a partir do século XX,
novos debates da historiografia apontam para a superação da análise
reducionista antes as outras fases.
O conhecimento e reflexão sobre as sociedades ágrafas pode ajudar a
desconstruir a visão linear da história, em que somente as civilizações que
deixaram herança escrita são incluídas nas fontes do conhecimento científico.
A partir do fim do século XIX e início do XX, novas fontes foram aceitas
para a construção do conhecimento da história.
Novos materiais passaram a servir de indícios do passado de um povo,
como imagens, relatos orais, vestígios, artefatos, ossos, armas, fotogra-
fias, músicas, construções e outros objetos.
O paleolítico e o neolítico são as principais classificações da Pré-História
e que a revolução cultural no fim do neolítico permitiu uma passagem
entre a Pré-História e a Idade Antiga.
Somente é possível estabelecer uma data aproximada para o fim da Pré-
-História, entre 3000 e 4000 a.C., momento em que ocorreram revolu-
ções culturais como o surgimento das cidades, impérios, da agricultura,
do estado e da escrita.
A Pré-História brasileira segue uma linha do tempo diferente, logo,
faz-se necessária uma abordagem mais ampla e profunda sobre as
sociedades ágrafas.
O trabalho da arqueologia é investigar o patrimônio cultural deixado
por essas sociedades, sejam elas letradas ou ágrafas.
Na arqueologia são estudados vestígios ou fósseis descobertos em locais
como escavações, cavernas ou sítios arqueológicos.

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38  HISTÓRIA ANTIGA

Para concluir o estudo da unidade


Parabéns por chegar a essa etapa do trabalho. Sabemos que é indispen-
sável ao perfil do historiador contemporâneo tornar sua formação uma
contínua busca pelo saber. Sempre que puder, faça pesquisas, descubra
outros livros e fontes eletrônicas de conhecimento histórico. Conheça e
pesquise sobre as agências de preservação do patrimônio histórico, de
educação patrimonial e de pesquisa nos sítios arqueológicos.
Fique por dentro das conquistas e dos desafios que se apresentam ao
historiador contemporâneo. Busque ampliar a compreensão das diferentes
abordagens do conhecimento histórico sobre as sociedades ágrafas no
Brasil e no mundo. Procure novos materiais, forme sua biblioteca pessoal,
descubra artigos científicos disponíveis on-line e construa o hábito de
visitar bibliotecas. Amplie seus horizontes e sua capacidade profissional
perante os desafios do campo de trabalho profissional.
Contribua para a valorização do patrimônio histórico e do profissional
da história. Por fim, desejamos sucesso em sua trajetória de vida e trabalho.

Atividades de aprendizagem da unidade


1. A invenção da escrita não é um evento isolado na história ou exclusivo
de um povo. As referências mais antigas são da Suméria, com a escrita
cuneiforme, entretanto, em diversas partes do planeta essa invenção
foi surgindo de contextos diferentes sem haver alguma ligação ou
linearidade. Em outras palavras, a escrita pôde ser desenvolvida na
China, na Mesopotâmia e na América sem que seus povos tivessem
conhecimento um do outro. Nesse contexto, analise as afirmativas:
I. As primeiras formas de escrita foram adaptadas pelos povos da
Ásia e seguiam os moldes da escrita hieroglífica egípcia.
II. A Suméria foi um dos primeiros locais de surgimento da escrita,
em destaque com a escrita cuneiforme.

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S o c i e d a d e s á g r a f a s  39

III. Para a historiografia tradicional, a escrita e o estado são duas in-


venções que contribuíram para a transição da Pré-História para
a Idade Antiga.
IV. Segundo descobertas, a data aproximada para o surgimento da
escrita na Suméria é por volta de 3000 a.C.
Assinale a alternativa correta:
(  ) As afirmativas II, III e IV estão corretas.
(  ) As afirmativas I, II e III estão corretas.
(  ) As afirmativas I, III e IV estão corretas.
(  ) Somente a afirmativa I está correta.
2. [...] a agricultura neolítica se expandiu pelo mundo de duas formas
principais: os sistemas pastorais e de cultivo de derrubada-queimada.
Os sistemas de criação por pastoreio estenderam-se às regiões com
vegetação herbácea e se mantiveram até nossos dias nas estepes e nas
savanas de diversas regiões, na Eurásia Setentrional, na Ásia Central,
no Oriente Médio, no Saara, no Sahel, nos Andes etc. Por um lado, os
sistemas de cultivo de derrubada-queimada conquistaram progressi-
vamente a maior parte das zonas de florestas temperadas e tropicais,
onde se perpetuaram durante séculos, senão milênios, e perduram
ainda em certas florestas da África, da Ásia e da América Latina.
Desde essa época pioneira, na maior parte das regiões originalmente
arborizadas, o aumento da população conduziu ao desmatamento e
até mesmo, em certos casos, à desertificação. Os sistemas de cultivo
de derrubada-queimada cederam lugar a numerosos sistemas agrários
pós-florestais, muito diferenciados conforme o clima, que estão na
origem de séries evolutivas distintas e relativamente independentes
umas das outras. Dessa forma, nas regiões áridas, os sistemas agrá-
rios hidráulicos com cultivos de inundação ou cultivos irrigados
constituíram-se desde o fim da época neolítica na Mesopotâmia, nos
vales do Nilo e do Indo, nos oásis e nos vales do Império Inca. Nas
regiões tropicais úmidas (China, Índia, Vietnã, Tailândia, Indonésia,
Madagáscar, costa da Guiné na África etc.), sistemas hidráulicos de
outro tipo, baseados na rizicultura aquática, desenvolveram-se por
etapas sucessivas, reestruturando primeiro os espaços mais regados e
drenados (planícies e interflúvios), em seguida os espaços acidentados

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40  HISTÓRIA ANTIGA

(montante dos vales), ou de difícil proteção e drenagem (jusante dos vales


e deltas) ou, ainda, espaços que exigiam irrigação. Ao mesmo tempo,
as ferramentas e os equipamentos foram aperfeiçoados e o número de
colheitas aumentou a cada ano (MAZOYER; ROUZART, 2010).
Observando com atenção o texto sobre o desenvolvimento da agri-
cultura, é possível compreender melhor os elementos dessa revolução
humana da Pré-História. Assinale V para as afirmativas verdadeiras e
F para as falsas.
(  ) A agricultura foi uma revolução iniciada na Idade Antiga com
elementos que só foram compreendidos durante a Idade Média.
(  ) A utilização de ferramentas para o desenvolvimento agrícola só
foi possível após a revolução industrial de 1750.
(  ) O desenvolvimento agrícola já na Pré-História apresentou a inclu-
são de técnicas, tecnologias instrumentais e sistemas de cultivo.
(  ) Apesar de destacar a região do Crescente Fértil, o desenvolvi-
mento da agricultura na Pré-História foi simultâneo em diversas
áreas do planeta.
Assinale a sequência correta:
a) F — F — V — V.
b) V — V — F — F.
c) F — V — F — V.
d) V — F — V — V.
3. Walter Benjamin procura ver a história do ponto de
vista dos que tiveram sua voz calada e não puderam
se manifestar. Ele busca os indícios da história a
partir desse ponto de vista e formula uma “história
do coração”. Seu objetivo é tirar o foco da história
dos reis e imperadores e deslocá-lo para os despro-
vidos. Desse modo, ele leva o leitor a perceber que
aqueles que não puderam se manifestar, que foram
calados têm, também, seu próprio poder. Sua ideia
seria voltar aos acontecimentos e batalhas e criar
uma nova abordagem, a partir de outro ponto de
vista (SOARES, 2012, p. 97).

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S o c i e d a d e s á g r a f a s  41

O fragmento foi retirado de um artigo de Renata Ribeiro Gomes de


Queiroz Soares sobre um texto em que o filósofo Walter Benjamim
discute conceitos sobre a história. Diante desse contexto, assinale a
alternativa correta:
(  ) O texto discute o conceito de história e a relevância de um
foco que revele uma versão da história que foi ocultada e
negligenciada.
(  ) O fragmento apresenta um debate sobre a história reforçando
a necessidade de ampliação do discurso tradicional dos heróis,
comandantes e imperadores.
(  ) O fragmento apresenta novas perspectivas da história, entretanto,
sem a necessidade de revisar ou recriar os fatos ocorridos ou as
noções de verdade.
(  ) Walter Benjamim afirma um conceito de história que evita o
questionamento da historiografia oficial pelo simples motivo da
história não ser uma ciência exata.
4. A arqueologia é a ciência que procura entender a história humana
a partir do estudo do patrimônio material legado ao presente pe-
las populações do passado. Tal patrimônio tem uma caracterís-
tica híbrida e é composto por elementos naturais e culturais. A
arqueologia é uma ciência social. Devido, no entanto, às caracte-
rísticas de seu objeto de estudo, sua prática requer um exercício
constante de interdisciplinaridade, em diálogo permanente como
as ciências naturais e com as humanidades (MUSEU NACIONAL
DE ARQUEOLOGIA, 2014).
O texto reflete sobre a relevância e características da arqueologia,
relacionando suas características com o patrimônio físico e cultural.
A partir desse contexto, assinale a alternativa correta.
(  ) Estudar arqueologia é levar em conta a complexidade dos dados
materiais que se ligam à realidade física e social.
(  ) A arqueologia, como estudo da história, é exclusividade das
ciências sociais, não permitindo a interdisciplinaridade com a
geografia ou as ciências naturais.
(  ) O trabalho conjunto de diversas ciências não se aplica à arqueo-
logia, mas somente à área de estudo das paleontologia.

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42  HISTÓRIA ANTIGA

(  ) A noção de patrimônio histórico não se aplicada quando tratamos


de civilizações que foram ágrafas, ou seja, não desenvolveram
patrimônio escrito.
5. O Parque Nacional Serra da Capivara teve sua demarcação em 1990.
Em torno do parque foi criada uma Área de Preservação Permanente
de dez quilômetros que constitui um cinto de proteção suplementar
e na qual seria necessário desenvolver uma ação de extensão. Depois
de criado, o Parque Nacional esteve abandonado, e por tempos a área
foi considerada “terra de ninguém”, e como tal, objeto de depredações
sistemáticas.
A destruição da flora tomou dimensões incalculáveis, caminhões
vindos do sul do país desmatavam e levavam, de maneira descontro-
lada, as espécies nobres. O desmatamento dessas espécies, próprias
da caatinga, aumentou depois da criação do Parque, em decorrência
da falta de vigilância.
A caça comercial se transformou em uma prática popular com conse-
quências nefastas para as populações animais que começaram a dimi-
nuir de forma alarmante. Esses fatos tiveram consequências negativas
na preservação do patrimônio cultural. A falta de predadores naturais
provocou um crescimento descontrolado de algumas espécies, como
cupim ou vespas cujos ninhos e galerias destroem as pinturas.
As causas dessa situação são em parte externas à região, mas também
decorrem da participação da população que vive em torno do Par-
que. São comunidades muito pobres, algumas das quais exploravam
roças no interior dos limites atuais do parque. Essas populações difi-
cilmente compreendem a necessidade de proteger espécies animais
e vegetais uma vez que os seres humanos apenas logram sobreviver
(FUMDHAM, 2014).
O importante texto divulgado pela Fundação Museu do Homem
Americano no Piauí revela a problemática por que passam os parques
brasileiros de preservação histórica. Leia com atenção e texto e analise
as afirmativas a seguir.
I. O texto sobre o Parque Nacional Serra da Capivara revela os sérios
problemas que atinge o patrimônio cultural e natural brasileiro.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 42 25/06/14 20:09


S o c i e d a d e s á g r a f a s  43

II. A partir do texto, percebe-se a necessidade de políticas públicas


capazes de ampliar o trabalho conjunto dos historiadores, geó-
grafos e biólogos nas unidades de conservação.
III O texto revela o problema de uma atualidade histórica brasileira
que articulam questões governamentais, ambientais e culturais.
IV. Os problemas socioeconômicos de populações próximas aos par-
ques de conservação não são citados na problemática discutida.
Agora, assinale a alternativa correta:
(  ) As afirmativas I, II e III estão corretas.
(  ) As afirmativas I, III e IV estão corretas.
(  ) As afirmativas II, III e IV estão corretas.
(  ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.

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44  HISTÓRIA ANTIGA

Referências
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Brasília: Universidade de Brasília, 1988.
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FAUSTO, B. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2001.
FUMDHAM — Fundação Museu do Homem Americano. Piauí, Brasil. Disponível em:
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FUNARI, P. P. A. A arqueologia histórica em uma perspectiva mundial. Revista de História
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GUGLIELMO, A. R. A Pré-História: uma abordagem ecológica. São Paulo: Brasiliense,
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INICIAIS_Historia_Antiga.indb 44 25/06/14 20:09


S o c i e d a d e s á g r a f a s  45

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INICIAIS_Historia_Antiga.indb 45 25/06/14 20:09


INICIAIS_Historia_Antiga.indb 46 25/06/14 20:09
Unidade 2
Civilizações
orientais
Guilherme Cantieri Bordonal

Objetivos de aprendizagem: Vamos estudar nesta unidade as


principais estruturas sociais da civilização egípcia e mesopotâmica.
Observaremos de que maneira nós mantemos alguns laços com es-
sas civilizações. Promoveremos o debate historiográfico sobre essas
civilizações para observar como o historiador deve se comportar
diante de diferentes perspectivas. Logo, nosso objetivo é abordar
alguns conteúdos sobre as civilizações antigas e mostrar como deve
ser o ofício praticado pelo historiador. Nosso objetivo é apresentar
as estruturas civilizacionais que moldaram esses povos e perceber
os aspectos de ruptura e continuidade que a contemporaneidade
possui com essas sociedades antigas. Temos a preocupação de for-
necer alguns conceitos básicos para compreendermos os alicerces
desses povos.

Seção 1: A questão do orientalismo


Nesta seção estudaremos as principais discussões
teóricas na contemporaneidade sobre o estudo das
sociedades orientais. Veremos que o discurso produ-
zido pela história também é influenciado por posi-
cionamentos ideológicos e políticos.

Seção 2: A sociedade egípcia


Veremos os principais pontos sobre o surgimento da
sociedade egípcia e quais são as discussões teóricas
sobre o assunto. As diferentes perspectivas sobre esse
assunto se oferecem como uma excelente oportuni-
dade para compreendermos o ofício do historiador.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 47 25/06/14 20:09


Seção 3: As sociedades cosmológicas
Vamos basear esta seção nos estudos desenvolvidos
por Eric Voegelin. De acordo com esse autor, as so-
ciedades antigas possuíam uma estrutura política que
representava a ordem cosmológica que estruturava
suas vidas.

Seção 4: Mesopotâmia e o nascimento das águas


Os povos mesopotâmicos entraram para a história
com representantes de muitos elementos que fazem
parte direta do nosso cotidiano. Os conhecimen-
tos e as estruturas civilizacionais desenvolvidos por
esses povos são pontos determinantes do estudo
historiográfico.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 48 25/06/14 20:09


C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  49

Introdução ao estudo
Nesta unidade trabalharemos alguns aspectos históricos da política, cultura
e economia das sociedades antigas. Ingressaremos no mundo antigo estudando,
em nossa primeira seção, o orientalismo. Prosseguindo nossa viagem, saltaremos
para os egípcios. Conhecendo alguns elementos dos povos mesopotâmicos,
veremos como utilizamos diariamente vários conhecimentos elaborados pelos
povos da Antiguidade.
Você contará com a indicação de livros que possibilitarão o aprofundamento
de alguns tópicos abordados no texto. Por fim, os exercícios propostos darão
a você uma nova forma de fixação dos assuntos tratados e o mais importante:
em sua resolução, poderão surgir novas dúvidas, o que fomentará sua pesquisa
e seus estudos.
Durante a exposição dos temas trabalhados, analisaremos como os debates
na história são frequentes e as divergências sobre vários pontos comuns. O
historiador deve estar acostumado com as divergências e saber trabalhar nesse
terreno movediço.
O principal conceito que receberá nosso destaque é o das sociedades cos-
mológicas. Vamos perceber a importância da presença dos rios Tigre e Eufrates
para o nascimento desses povos. Partindo dessa compreensão, verificaremos
os vários elementos culturais criados pelos povos mesopotâmicos que ainda
influenciam nossa cultura.

Seção 1  A questão do orientalismo

1.1 Introdução
Nesta seção, estudaremos os usos feitos do estudo do “orientalismo”. Veremos
de que maneira os estudos acadêmicos produziram um tipo de discurso sobre o
Oriente que buscava legitimar algumas práticas dos conquistadores sobre esses
povos. Logo, vamos perceber que, muitas vezes, ao falarmos do antigo Oriente,
estamos falando de certa forma de nós mesmos.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 49 25/06/14 20:09


50  HISTÓRIA ANTIGA

1.2 Orientalismo: perspectivas


Antes de darmos início ao estudo das civilizações antigas, é muito impor-
tante fornecer a você, caro(a) aluno(a), uma rápida descrição do cenário atual
sobre as pesquisas históricas nesse campo. Nas últimas décadas, o estudo de
algumas sociedades antigas sofreu grandes mudanças. Contudo, essas trans-
formações não foram promovidas pela descoberta de novos documentos ou
de avanços nos estudos, eles aconteceram também, mas o principal foco de
mudança foi a maneira pela qual nós nos relacionamos com o Oriente.
Devemos reconhecer que a academia europeia, que sem dúvida, junto
com a academia americana, formam o conjunto das atividades de pesquisa
nessa área, vem realizando um intenso processo de autocrítica, na tentativa
de encontrar os limites de interferência na produção do conhecimento sobre o
Oriente. Um dos principais autores que realizou pesquisas nessa área é Edward
Said. Segundo ele, o orientalismo é uma invenção do Ocidente. Mas o que
significa essa frase bombástica?
Para sustentar essa perspectiva, ele deixa claro na introdução de seu livro
“Orientalismo” — sua principal obra sobre esse tema — que fará uso da noção
de discurso de Michel Foucault, para identificar o termo.

Para saber mais


Os principais livros de Michel Foucault que abordam temas relacionados à História são: História da
sexualidade, Vigiar e punir: história da violência nas prisões e Arqueologia do saber.

Uma das principais características do método da arqueologia de Foucault


é a suspeita sobre as noções de autor e obra. Não podemos confundir a ciên-
cia da “Arqueologia” com a “arqueologia” proposta por Foucault (2008). Na
concepção desse autor, a “arqueologia” é um método que estuda as diferentes
camadas de discursividades que se sobrepõem. Isso se dá no momento em que
Foucault passa a interpretar esses conceitos de autor e obra como unidades
construídas que limitam as possibilidades interpretativas. Desse modo, com a
arqueologia não se interpretam as obras dos autores como unidades discursivas,
mas como discursos de diferentes temporalidades que apresentam rupturas e
permanências sem apresentar um sentido evolutivo. Os diferentes momentos
das obras dos autores não são necessariamente conectados por um sentido
lógico, no qual se explicam uns aos outros, mas têm suas diferenças marcadas,

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 50 25/06/14 20:09


C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  51

apontando para a multiplicidade interpretativa que, na medida do possível, não


é balizada pela concepção do autor que carrega o peso dos valores da crítica.

Questões para reflexão


De que maneira a História deve dialogar com outras disciplinas para
estabelecer uma discussão sobre os conceitos que ela utiliza?

Além disso, Foucault problematiza a concepção da unidade dos conceitos.


Para ele, um conceito não mantém necessariamente uma continuidade dentro
de uma obra. A arqueologia não interpreta o discurso como uma representação
de outra coisa que está sendo dita. Logo, não há uma transição contínua dos
discursos e ela analisa as diferenças. Sendo assim, essa análise não é regida
pela unidade de obra e autor e não estuda a psicologia do autor e a sociologia
da obra. A arqueologia não afirma o retorno à origem, mas entende o discurso
como objeto.

Para saber mais


Um dos principais autores para compreendermos a simbologia, a religião e as estruturas civi-
lizacionais é o francês René Guénon, por meio de obras como Símbolos fundamentais da
ciência sagrada.

Quando Said (1996) utiliza essas concepções elaboradas por Foucault, ele
se refere à leitura que ingleses e franceses dos séculos XVIII e XIX fizeram do
Oriente. Antes disso, segundo o autor, os europeus resumiam o Oriente às Índias
e às terras bíblicas. Percebe-se, desse modo, que a grande quantidade de textos
e pesquisas produzidas sobre o Oriente é justamente proveniente da Inglaterra,
França e atualmente dos Estados Unidos — devido à influência americana no
pós-guerra. Para Said, é nesse núcleo de produção acadêmica que encontra-
mos os autores “orientalistas”. Sendo assim, os estudos desenvolvidos pelos
“orientalistas” não indicavam somente uma vontade de conhecer o Oriente,
mas, mais do que isso, um desejo do domínio de uma cultura sobre a outra.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 51 25/06/14 20:09


52  HISTÓRIA ANTIGA

Atividades de aprendizagem
De que maneira o historiador deve produzir suas pesquisas sem compro-
metê-las com erros epistemológicos?

No entanto, seria um erro considerarmos o Oriente somente uma ideia e


apenas no plano discursivo. Desse modo, entende-se que a invenção do orien-
talismo é a tentativa de domínio político e a leitura que o Ocidente imperialista
realizou sobre o Oriente. Logo, o orientalismo fala mais sobre a política-
-intelectual moderna do que sobre o Oriente de fato. O orientalismo é um ato
político e intelectual que é caracterizado pela interpretação de que o Ocidente
é superior ao Oriente, como salienta Said (1996, p. 14): “O orientalismo é um
estilo de pensamento baseado em uma distinção ontológica e epistemológica
feita entre ‘o Oriente’ e (a maior parte do tempo) ‘o Ocidente’”.
Percebemos que, nessa perspectiva, o autor salienta que o “orientalismo”
é um “estilo de pensamento”, logo, é uma maneira de o Ocidente interpretar
o Oriente. Essa maneira é permeada por uma distinção “ontológica e episte-
mológica”, ou seja, do que é o Oriente e do que se pode saber sobre ele. No
trecho a seguir, Said desenvolve um pouco mais sua interpretação sobre o tema:
O intercâmbio entre os sentidos acadêmico e mais ou
menos imaginativo do orientalismo é constante, e desde
o final do século XVIII tem havido um comércio conside-
rável, totalmente disciplinado — talvez até regulado —
entre os dois. Neste ponto eu chego ao terceiro sentido do
orientalismo, que é algo mais histórico e materialmente
definido que qualquer dos outros dois. Tomando o final do
século XVIII como um ponto de partida muito grosseira-
mente definido, o orientalismo pode ser discutido e ana-
lisado como a instituição organizada para negociar com
o Oriente — negociar com ele fazendo declarações a seu
respeito, autorizando opiniões sobre ele, descrevendo-o,
colonizando-o, governando-o: em resumo, o orientalismo
como um estilo ocidental para dominar, reestruturar e ter
autoridade sobre o Oriente (SAID, 1996, p. 15).

Devemos destacar alguns pontos essenciais do texto supracitado. Observe


como há uma gradação evolutiva no texto de Said sobre a relação de poder
entre Oriente e Ocidente. Primeiramente, ele utilizou a palavra “intercâmbio”,

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C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  53

denotando certa troca entre as duas partes. Em um segundo momento, ele des-
creveu o “orientalismo” como uma forma de “negociação”. Por fim, explicou o
que ele entende e qual é o resultado dessa “negociação”. Percebemos a inten-
sidade simbolizada pela produção desse discurso sobre o Oriente que descreve,
coloniza, governa, domina, reestrutura e tem autoridade sobre ele. Ou seja,
na relação entre o Oriente e o Ocidente, no entendimento de Said, houve um
aumento de poder, no qual o Ocidente submeteu o Oriente. Ainda na mesma
linha interpretativa, Said (1996, p.1, grifo do autor) chama nossa atenção:
Descobri que neste caso é útil empregar a noção de
discurso de Michel Foucault, tal como é descrita por ele
na “Arqueologia do saber” e em “Vigiar e Punir”, para
identificar o orientalismo. A minha alegação é que, sem
examinar o orientalismo como um discurso, não se pode
entender a disciplina enormemente sistemática por meio
da qual a cultura europeia conseguiu administrar — e
até produzir — o Oriente política, sociológica, ideoló-
gica, científica e imaginativamente durante o período
pós-Iluminismo.

No texto supracitado, ele procurou deixar claro qual o viés interpretativo


de seu texto. As duas obras de Foucault citadas por Said são caracterizadas
pela descrição de diferentes formas de poder desempenhadas por núcleos de
discurso produzidos e exercidos por agentes dominantes na sociedade. Conti-
nuando sua análise, ele afirma:
Além do mais, o orientalismo tinha uma posição de tal
autoridade que eu acredito que ninguém que escrevesse,
pensasse ou atuasse sobre o Oriente podia fazê-lo sem
levar em conta as limitações ao pensamento e a ação
imposta pelo orientalismo. Em resumo, por causa do
orientalismo, o Oriente não era (e não é) um tema livre
de pensamento e de ação. Isso não quer dizer que o
orientalismo determine de modo unilateral o que pode
ser dito sobre o Oriente, mas que ele é toda a rede de
interesses que inevitavelmente faz valer seu prestígio (e,
portanto, sempre se envolve) toda vez que aquela en-
tidade peculiar, “o Oriente”, esteja em questão. Como
isso acontece é o que este livro tenta demonstrar. Tenta
também mostrar que a cultura europeia ganhou em força
e identidade comparando-se com o Oriente como uma
espécie de identidade substituta e até mesmo substituta,
clandestina (SAID, 1996, p. 15, grifo do autor).

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54  HISTÓRIA ANTIGA

Por fim, para encerrar nossa discussão sobre a questão do “orientalismo”,


quero ressaltar outra importante palavra do texto de Said: “interesse”. Afinal,
caro(a) aluno(a), qual é o nosso interesse em estudar as sociedades antigas?
Said nos apresentou a perspectiva de que europeus e americanos, mais do
que por uma simples curiosidade, produziram formas efetivas de domínio
sobre o Oriente. Logo, muitas vezes, ao estudar o “orientalismo”, na verdade
encontramos muito mais elementos ideológicos europeus do que propriamente
orientais. Contudo, nada é perdido. Talvez, ao estudar o Oriente, é possível que
possamos perceber alguns elementos da nossa civilização que estão ocultos à
nossa percepção. Gostaria de convidá-lo para participar comigo dessa busca!

Atividades de aprendizagem
Quais são os principais problemas conceituais que os ocidentais enfrentam
para a compreensão das sociedades orientais?

Questões para reflexão


Será que a historiografia brasileira também faz uso da História para
obter resultados semelhantes ou estamos livres dessas características
criticadas por Edward Said? Quando contamos a história das civiliza-
ções pré-colombianas, dos índios brasileiros e das sociedades africanas,
também utilizamos esses recursos? Pense nisso.

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C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  55

Seção 2  A sociedade egípcia

2.1 Introdução
A sociedade egípcia ainda desperta nosso encanto. Os vários elementos que
moldam e estruturam essa civilização chamam nossa atenção. Veremos nesta
seção quais são as principais estruturas que regiam essa importante sociedade
antiga passando pela economia, política, cultura e religião. Durante essa ex-
posição vamos perceber como ainda existem inúmeras divergências acerca da
civilização egípcia.

2.2 Aspectos básicos do Egito Antigo


É muito interessante observarmos o grande fascínio provocado pela
civilização egípcia. Sem dúvida, isso é proporcionado, em boa medida, por sua
produção arquitetônica, artística, por ter sido palco de várias cenas narradas nas
antigas escrituras hebraicas — as sete pragas do Egito, a libertação dos judeus
feita por Moisés — e por ela possuir uma série de enigmas que camuflam nosso
entendimento aprofundado de alguns aspectos dessa sociedade.
Vamos iniciar nosso estudo sobre o Egito Antigo fazendo uso de um co-
mentário de Ciro Flamarion Cardoso sobre a possível causa do encantamento
provocado pela sociedade egípcia:
O Egito faraônico não somente representa o primeiro
reino unificado historicamente conhecido, como também
a mais longa experiência humana documentada de conti-
nuidade política e cultural. [...] A continuidade e a longe-
vidade são ainda mais impressionantes do ponto de vista
cultural: a antiga língua egípcia manteve-se relativamente
estável, embora sofrendo algumas mudanças, durante
quatro mil e quinhentos anos (CARDOSO, 1982, p. 7).

Não podemos deixar de dar um destaque especial para a palavra “docu-


mentada”. A História tem como base de seus estudos os documentos. Logo, só
é possível desenvolver uma pesquisa historiográfica se tivermos disponível os
documentos necessários para tal. A civilização egípcia ganha grande destaque
entre as sociedades antigas justamente por possuir uma grande quantidade de
documentos capazes de fornecer as bases para estudos historiográficos.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 55 25/06/14 20:09


56  HISTÓRIA ANTIGA

Para saber mais


Uma das importantes obras que apresentou novas perspectivas sobre os estudo do Egito Antigo
é As religiões políticas, de Eric Voegelin.

Portanto, o Egito Antigo é a primeira forma de organização política unificada


de que temos notícia até o momento na história da humanidade. Isso significa
que, se compararmos as estruturas políticas egípcias às demais sociedades do
mesmo período histórico, concluiremos que o Egito Antigo apresentava uma
complexidade social muito grande. E essa estabilidade não se faz notar so-
mente na política, mas também no terreno cultural. A estabilidade linguística
apontada por Cardoso nos permite afirmar que se a língua era estável, a trans-
missão de conhecimentos de uma geração para outra era facilitada. Isso pode
ser facilmente comprovado, pois sabemos dos inúmeros recursos matemáticos,
arquitetônicos e de tecnologia hidráulica empreendida pelos egípcios.
Seguindo a mesma linha interpretativa sobre a questão da importância da
continuidade, Eric Voegelin salienta:
Além disso, enquanto na civilização do vale do Nilo
podemos falar legitimamente de uma continuidade do
“Egito”, apesar das interrupções da ordem imperial por
problemas internos e invasões estrangeiras, na Mesopotâ-
mia os nomes dos impérios sumério, babilônico e assírio
indicam uma pluralidade de organizações políticas de
diferentes povos (VOEGELIN, 2009, p. 59, grifo do autor).

Nesse trecho, observamos que Voegelin realizou uma comparação da socie-


dade egípcia com outras três sociedades antigas localizadas na Mesopotâmia.
Devemos prestar muita atenção no uso da palavra “continuidade” utilizada por
Voegelin. Vamos nos lembrar, caro aluno, que a maioria das sociedades antigas
desse período era nômade e, portanto, não possuía um senso de continuidade
histórica definido e, por isso, não podemos criar ilusões. A sociedade egípcia
também sofreu fortes abalos. Com quase cinco mil anos de história, os egípcios
testemunharam várias disputas internas pelo poder, sofreram com constantes
invasões, das quais saíram ora vitoriosos, ora derrotados. Mas, mesmo com
todos esses descompassos, eles foram capazes de criar uma estrutura política
capaz de fornecer um sentido de unidade.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 56 25/06/14 20:09


C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  57

Questões para reflexão


Na Antiguidade, a religião desempenhava um papel determinante em
sua relação com o Estado. E hoje, caro(a) aluno(a), qual o papel de-
sempenhado pelas religiões na constituição do nosso Estado? É possível
ainda encontrarmos pontos de contato entre essas duas esferas?

Mas, afinal, o que possibilitou a continuidade dessas estruturas políticas?


Eric Voegelin nos forneceu uma possibilidade de resposta:
A mais antiga forma política conhecida, longe de ser pri-
mitiva, foi a cidade-Estado, um aglomerado de templos
com grandes possessões de terras, cada uma propriedade
de um deus e administrada pelo fazendeiro inquilino do
Deus. [...] As várias cidades pertenciam, assim, a uma
mesma civilização, no sentido de que estavam unidas por
uma cultura religiosa comum (VOEGELIN, 2009, p. 69-70).

Se compararmos as três citações realizadas até aqui notamos que no pri-


meiro fragmento, Cardoso (1982) destacou dois elementos de continuidade da
sociedade egípcia: a política e a cultura. Na citação desenvolvida por Voegelin
(2009), percebemos a presença de um novo elemento: a religião.
Nesse pequeno trecho, Voegelin conseguiu realizar uma rápida descrição
da ligação existente no mundo antigo entre a política e a religião. Percebemos
que a primeira forma de organização política que temos conhecimento — a
cidade-Estado — era formada por uma aglomeração de templos. Sem dúvida,
boa parte desses templos estava destinada às práticas religiosas. Mas não
parava por aí. Junto desses templos era possível encontrar vastas porções de
terras cultiváveis. Devemos nos lembrar de que a prática da agricultura era a
base da economia antiga, portanto, as cidades-estados eram centros urbanos,
religiosos, econômicos e políticos. No final da citação temos o eixo central do
que dava a unidade e a continuidade política para esse tipo de organização
social: “cultura religiosa comum”. Logo, podemos deduzir que a religião de-
sempenhava um papel determinante nas sociedades antigas. Apesar de existir
uma divisão entre diferentes cidades-estados, havia um elemento unificador:
a religião. Podemos destacar, assim, estes dois polos estruturais: a agricultura
e a religião. No trecho a seguir, Flamarion Cardoso (1994) nos fornece uma
descrição da prática da agricultura no Egito:

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58  HISTÓRIA ANTIGA

As atividades agrícolas eram o setor fundamental da eco-


nomia agrícola antiga. Nós as conhecemos bem, do ponto
de vista da descrição, em virtude das copiosas cenas
representadas nas pinturas e relevos murais das tumbas.
A vida agrícola se desenvolvia segundo um ciclo bastante
curto, se considerarmos as produções básicas — cereais
(trigo duro e cevada em especial) e linho [...]. Com a pa-
ralisação das atividades agrícolas durante a inundação,
e considerando-se que a colheita, realizada em abril e
maio, terminava bem antes que ocorresse a nova cheia
do rio, vemos que o ciclo da agricultura básica durava
pouco mais de meio ano apenas. Isto quer dizer que era
possível dispor de abundante mão de obra para as ativi-
dades artesanais da aldeia, para trabalhar nas instalações
de irrigação, e para as grandes obras estatais (templos,
palácios, sepulcros reais e monumentos diversos) (CAR-
DOSO, 1994, p. 21).

Concluímos, então, que a mão de obra empregada na agricultura era tam-


bém direcionada à construção de obras arquitetônicas. Isso era forçado devido
ao ciclo de cheias do Nilo. Logo, todo direcionamento do trabalho no Egito
era voltado basicamente à agricultura e à religião.

Atividades de aprendizagem
Qual a importância do estudo da civilização egípcia na contemporanei-
dade?

Por volta do ano 4000 a.C., pequenos grupos de povos nômades começaram
a se formar no nordeste da região onde atualmente se encontra o continente
africano. Ali, esses agrupamentos que recebem o nome de nomos puderam
encontrar condições geográficas e climáticas para a prática da agricultura,
com a produção de trigo, cevada, papiro, verduras, legumes e linho e também
para a criação de animais como bois, aves, porcos, cabras e carneiros. Desse
modo, esses grupos se fixaram na região tendo como chefe o nomarca, o qual
era o líder de cada agrupamento.
Contudo, o povoamento do Egito Antigo ainda não é totalmente explicado
pela historiografia, como salienta Ciro Flamarion:

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 58 25/06/14 20:09


C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  59

O povoamento do Egito é questão das mais discutidas.


Há algumas décadas, a teoria mais corrente a respeito
ligava-o à formação da ecologia atual do norte da África.
Isto porque, durante milênios, o atual deserto do Saara foi
região de savanas, habitada por caçadores, pescadores e
posteriormente por criadores de gado e agricultores. [...]
Alguns autores, apoiados em argumentos principalmente
arqueológicos, afirmavam ter ocorrido também uma mi-
gração ou conquista proveniente da Baixa Mesopotâmia,
por volta de 3300-3100 (CARDOSO, 1994 p. 14).

Na perspectiva supracitada, percebemos a influência de uma mudança cli-


mática que contribuiu diretamente para o agrupamento das comunidades nas
margens do Nilo. Essa é uma hipótese plausível, mas muito se discute ainda
sobre o assunto:
Em 1974, reuniu-se no Cairo um colóquio científico dedi-
cado à questão do povoamento do Egito. Força é confessar
que, além de não chegar a resultados conclusivos (o que é
de fato impossível com os dados que temos atualmente),
a reunião caracterizou-se às vezes por debates estéreis e
dogmáticos, baseados em certos casos na distorção dos
fatos disponíveis (CARDOSO, 1994, p. 16).

Percebam que a teoria apresentada, que a princípio nos parecia elucida-


tiva, é fonte de acirradas discussões entre historiadores. Diante desse debate,
não temos ainda uma teoria conclusiva sobre o tema. A citação acima está
diretamente relacionada com um aspecto da pesquisa em História Antiga que
salientamos na apresentação deste livro. Muitas vezes, esbarramos na falta de
documentação para formar perspectivas conclusivas sobre o tema estudado.
Além disso, o historiador sempre deve estar muito atento aos conceitos e termos
empregados em suas pesquisas, visto que sem esse domínio podem-se cometer
erros graves. Na citação anterior, Ciro Flamarion descreveu a impossibilidade
de se igualar diferentes etnias e tratá-las no mesmo plano de referências. Con-
tinuando sua análise, ele aponta a origem das perspectivas discutidas acima:
Sendo assim, é forte tentação de atribuir a unificação do
Egito num só reino, ocorrida por volta do ano 3.000, à
necessidade de uma administração centralizada das obras
de irrigação para o bom funcionamento da economia
agrícola num país de clima desértico. Esta tese foi muito
popular no século passado (K. Marx) e em boa parte do
nosso século (K. Wittfogel). Um dos últimos a defender
uma tal “hipótese causal hidráulica” para os começos

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 59 25/06/14 20:09


60  HISTÓRIA ANTIGA

do Estado e da civilização no Egito, e para sua posterior


estabilidade, foi J. Vercoutter [...]. Será aceitável uma
hipótese deste tipo? Para começar a discussão a respeito,
forçoso é constatar que, ao contrário do que geralmente
se acredita, as indicações precisas de que dispomos sobre
a irrigação do Egito antigo não são muito numerosas. O
estudo dos sistemas antigos de irrigação pela Arqueologia
é difícil. A agricultura irrigada nunca cessou no país da
Antiguidade aos nossos dias, o que significa que os con-
sertos e sucessivas construções novas de diques e canais
destroem os traços de sistemas mais velhos (CARDOSO,
1994, p. 18, grifo do autor).

Prezado(a) aluno(a), chamo sua atenção para a importância dos conteúdos


apresentados na citação anterior. No início dela, Ciro Flamarion trata dos impor-
tantes autores na historiografia que trabalharam com a perspectiva da “hipótese
causal hidráulica”. Ao questionar se isso foi realmente possível, o autor nos
diz que é forçoso acreditarmos nessa teoria, pois nos faltam documentações
conclusivas sobre o assunto. Na sequência, aponta o motivo dessa dificuldade:
o sistema de irrigação no Egito não cessou até os nossos dias, portanto, foi
sofrendo inúmeras alterações durante a história.
O que deve nos deixar espantados com isso é que geralmente os livros
didáticos, professores e escolas tratam desse assunto sem perceber as tensões
existentes. Aprendemos na escola que o Egito era um território árido, cortado
pelo Nilo. A partir daí, os egípcios dominaram o ciclo de cheias desse rio,
construíram um sistema de irrigação e formaram uma civilização unificada. Ou
seja, para essa perspectiva, o Egito foi unificado pelas condições dos modos de
produção que se alteraram e assim possibilitaram a unificação desse território.
Mas, como vimos, não foi bem assim. Ainda não dispomos de documentos
capazes de apontar essa linearidade perfeita da unificação do Egito construída
por alguns historiadores. Mas, mesmo assim, Flamarion descreve como fun-
cionava o sistema de irrigação no Egito:
Os trabalhos recentes mostraram que o sistema egípcio de
irrigação por tanques tinha um caráter local a princípio:
não há qualquer prova de uma administração centralizada
de redes de irrigação até o Reino Médio, isto é, até mil
anos depois da unificação do reino egípcio. Nestas con-
dições, tudo indica que o papel da agricultura irrigada foi
enorme na formação e consolidação das confederações
tribais que deram origem, em cada região do país, ao
spat (mais conhecido pelo termo grego “nomo”), que no

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C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  61

reino unificado funcionou como província; o Egito antigo


compreendia cerca de quarenta nomos. A irrigação não
pode, porém, ser vista como a causa do surgimento do
Estado centralizado e da civilização egípcia: pelo contrá-
rio, um sistema centralizado de obras hidráulicas para a
agricultura irrigada surgiu como um resultado tardio da
existência de um Estado forte (CARDOSO, 1994, p. 19,
grifo do autor).

Portanto, dentro dessa perspectiva historiográfica temos uma inversão na


interpretação, pois não foi o sistema de irrigação — hipótese causal hidráulica —
que trouxe a unificação ao Egito, mas ao contrário, os indícios apontam para
a formação de um Estado centralizado que soube promover a construção de
um sistema de irrigação mais complexo:
Note-se que o abandono da “hipótese causal hidráulica”
não significa que a irrigação não fosse muito importante.
E, inclusive, uma vez instalado um sistema planejado e
centralizado de irrigação, mesmo tardiamente, nas no-
vas condições o controle institucional unificado da rede
de canais e diques acabou por transformar-se em algo
necessário: sua ausência poderia agora provocar uma
catástrofe econômica, já que se tornara difícil voltar à
descentralização anterior. Por outro lado, a crítica a
uma causalidade única ou linear baseada na “hipótese
hidráulica” não quer dizer que, abandonada esta, seja
impossível integrar a irrigação como um fator entre vá-
rios outros, em modelo causais mais amplos (CARDOSO,
1994, p. 19, grifo do autor).

Se por um lado ainda podemos discutir a origem do Estado no Egito, por


outro, ninguém é capaz de questionar sua importância. O Estado era a base
da organização e cumpria funções administrativas e religiosas. A ligação entre
a religião e a política também era muito forte. O faraó era a representação da
figura divina e cada cidade era considerada uma criação sagrada e a morada
dos deuses. Junto dos templos religiosos eram construídos os palácios, ambos
protegidos pelas muralhas das cidades. O faraó dominava os celeiros, decidia
as guerras e períodos de paz, coletava impostos, protegia sua população de
ataques externos e criava as leis que regulavam o comportamento, julgamento
e penalidades:
Assim, um dos traços mais visíveis da economia egípcia
antiga era, sem dúvida, o estadismo faraônico: a quase
totalidade da vida econômica “passava” pelo rei e seus

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62  HISTÓRIA ANTIGA

funcionários, ou pelos templos. Estes últimos devem ser


considerados parte integrante do Estado, mesmo se, em
certas ocasiões, houvesse atritos entre a realeza e a hie-
rarquia sacerdotal; aliás, os bens dos templos estavam sob
a supervisão do tjati, espécie de “primeiro-ministro” no-
meado pelo faraó. As atividades produtivas e comerciais,
mesmo quando não integravam os numerosos monopólios
estatais, eram estritamente controladas, regulamentadas e
taxadas pela burocracia governamental. Para fins do Reino
Novo, um importante documento — o papiro Wilbour
(XX dinastia) — mostra que Ramsés V, a semeadura da
totalidade das terras reais e dos templos (ou seja, de parte
muito considerável e talvez majoritária da superfície cul-
tivada) era controlada administrativamente pelo governo
central. Ao retirar-se a inundação, funcionários avaliavam
a extensão efetiva de terras aráveis disponíveis naquele
ano em cada campo submetido à autoridade de um ad-
ministrador; levando em conta este dado e igualmente
a mão de obra com que tal administrador podia contar,
fixava-se a quota de grãos que se esperava do campo em
questão para os celeiros públicos, distribuindo-se em
função disto os sacos de sementes (CARDOSO, 1994, p.
22, grifo do autor).

Essa região é cortada pelo Rio Nilo que, com uma extensão de 6.671 quilô-
metros, possibilitava a prática da agricultura e, posteriormente, da navegação.
Nos meses de junho a outubro tem-se o período de cheias desse rio e, logo
após o retorno das águas para seu fluxo normal, os solos localizados à margem
do leito permanecem mais férteis com o húmus depositado pelas cheias.
A quantidade de conhecimentos necessários para a formação dessas estru-
turas é realmente impressionante. Leia este trecho, no qual Cardoso faz uma
descrição da relação dos egípcios com os recursos naturais:
A partir de um longo investimento coletivo de trabalho,
adaptando e modificando os dados naturais através da
construção de diques, barragens, canais, reservatórios,
formaram-se nos vales fluviais em questão, sociedades
complexas e urbanizadas, baseadas na irrigação. A agri-
cultura irrigada é muito produtiva, e por isso o Egito e a
Mesopotâmia tinham populações muito mais densas do
que as regiões como a Ásia Menor, a Síria-Palestina e o Irã,
onde a irrigação, pelas condições naturais, só podia ter um
papel muito limitado, e onde a agricultura — quase sempre
dependente da água da chuva, às vezes retidas em cisternas
— era no conjunto menos produtiva. Este contraste ajuda

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 62 25/06/14 20:09


C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  63

a entender certas diferenças importantes na organização


política e econômica (CARDOSO, 1990, p. 16).

Percebemos, portanto, como vimos nos parágrafos anteriores, que o trabalho


empreendido para tornar possível a prática da agricultura foi um elemento uni-
ficador na sociedade egípcia. Com isso, ele tornou-se mais avançado tecnologi-
camente em comparação a outras sociedades. No entanto, essa produção não
era distribuída igualmente pelos trabalhadores rurais. Ao continuar sua análise,
Cardoso nos apresenta o complexo sistema social existente nessa sociedade:

O sistema predominante utilizado no Antigo Oriente Pró-


ximo para garantir a sobrevivência das cidades — muitos
habitantes não plantavam nem colhiam — e, nelas, dos
grupos dominantes e seus dependentes (família real, buro-
cratas, chefes militares e depois um exército profissional,
sacerdotes, artesãos altamente qualificados) foi baseado
na imposição de tributos em trabalho (a “corveia real”)
e em produtos às aldeias, onde viviam camponeses que
constituíam a maioria absoluta da população (CARDOSO,
1990, p. 16).

Percebemos, portanto, conforme a citação, que o trabalho empreendido


para tornar possível a prática da agricultura foi um elemento unificador na
sociedade egípcia. Com isso, ela tornou-se mais avançada tecnologicamente
em comparação a outras sociedades. A partir do momento que aqueles homens
passaram a administrar com destreza o calendário de cheias do Rio Nilo, houve
a possibilidade de um significativo aumento da produção agrícola em uma re-
gião que não oferecia condições fluviais e solos adequados para o trato agrícola.
Ademais, as abundantes águas desse rio, que se tornou um deus para os
egípcios, serviam de fonte para o eficiente sistema de irrigação formado por
reservatórios e diques. Foram esses motivos que levaram o historiador grego He-
ródoto (484-443 a.C.) a cunhar a famosa frase: “O Egito é uma dádiva do Nilo”.
A egiptologia organiza seus estudos fazendo uma divisão da história do Egito
em quatro partes, as quais passarão a ser descritas. Logo após a lenta formação
dos nomos e a fixação do homem, tem-se a constituição do Antigo Império por
volta do ano 3200 até 2000 a.C. Antes do Antigo Império havia uma divisão
não muito bem definida entre o Alto Egito e o Baixo Egito. No entanto, por volta
do ano 3200 a.C. Menés realiza a unificação do Egito, tornando-se o primeiro
faraó. O centro administrativo do Antigo Império era a cidade de Mênfis.

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64  HISTÓRIA ANTIGA

Justamente nesse período foram construídas as três pirâmides mais famo-


sas do mundo atualmente que são a Quéops, Quéfren e Miquerinos. Além
de servirem como túmulos para os faraós — que, segundo a tradição egípcia,
continuavam sua vida após a morte, por isso eram enterrados com seus perten-
ces pessoais —, as pirâmides despertam a curiosidade pelo empreendimento
arquitetônico, pelo uso de elaborados cálculos matemáticos para sua construção
e pela sua beleza imponente.
As cidades na Antiguidade eram espaços de trocas, relações comerciais,
decisões políticas e vivências culturais. Esses espaços marcam profunda-
mente a sedentarização do homem. De simples aldeias, as cidades torna-
ram-se complexos urbanos com diferenciações sociais e políticas. Nesses
centros urbanos antigos encontramos vestígios do surgimento da escrita,
dos calendários, do cultivo de vários cereais, da metalurgia do cobre e de
outras tecnologias.
O segundo período do Egito Antigo se estende de 2000 a 1580 a.C. e é
chamado de Médio Império. Nesse momento, o centro administrativo do
império se transferiu de Mênfis para a cidade de Tebas. O principal fato
ocorrido no Médio Império foi a invasão realizada pelos hicsos. “A palavra
hicsos designa de fato apenas os chefes dos asiáticos que tomaram o poder
no Egito. Não há ‘raça’ ou ‘povo’ hicso propriamente dito. Os invasores são
essencialmente semitas ocidentais” (LÉVÊQUE, 1987, p. 179).
As forças de resistência egípcia não puderam resistir ao poderio bélico dos
hicsos, os quais, com táticas e armamentos desconhecidos dos egípcios, se
sobressaíram nas linhas de batalha. Imbuídos de armas de ferro e de carros com
cavalos, os hicsos possuíam uma elaborada tecnologia de combate, destruindo
as forças egípcias em uma série de conflitos que duraram aproximadamente
duzentos anos.
Foi nesse período de instabilidade que os hebreus se instalaram na região
do Egito. Desse modo, após a expulsão dos hicsos pelos egípcios, os hebreus
foram escravizados, sendo libertados por Moisés, fundando e praticando uma
das primeiras religiões monoteístas da História, o judaísmo.
O terceiro período é chamado de Novo Império e se estende de 1580 a 1085
a.C. Esse período foi marcado pela expulsão dos hicsos e pela enorme expansão
militar e comercial dos tentáculos egípcios, como diz Voegelin (2002, p. 35-6):
Depois da época dos Hicsos, no Novo Império, a religião
de Estado irá seguir a nova e severa organização mili-

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C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  65

tar. [...] O novo Estado militar dilatou-se para além das


fronteiras do antigo império do Alto e do Baixo Egito. O
Egito entrou no seu período de império mundial; a sua
expansão territorial, a descoberta de novos países e de
novos povos, o afluxo de espólio de ouro e de escravos,
o novo luxo e o desabrochar cultural, a sua nova situação
política como potência mundial, mantendo um comércio
ativo com os impérios asiático e mediterrâneo, tudo isso
ia transformar a religião de Estado.

Quando Eric Voegelin se utiliza do termo “religião de Estado” para analisar


o Egito Antigo, ele se refere ao poder teocrático exercido pelo faraó. Nessa
forma de poder, o faraó concentrava o poder político e religioso, sendo consi-
derado, ao mesmo tempo, governante e deus. Nesse momento, não havia uma
distinção entre essas duas formas de poder para os egípcios. Estado e Religião
estavam fundidos.
Mesmo com uma zona de influência que se estendia da Mesopotâmia até
o Mar Egeu, os egípcios sofreram com a invasão dos assírios no ano 671 a.C.
A partir desse momento, o império egípcio não conseguiu mais se centralizar
e restabelecer suas forças. Após o Renascimento Saíta, quarto período do Egito
Antigo, de 663 a 525 a.C., o Egito fora invadido seguidamente por persas,
gregos e romanos.
Dentro dessa interessante relação entre política e religião da história
egípcia é possível estabelecer uma divisão de diferentes segmentos. No en-
tanto, essas diferentes castas não se encontravam em constantes conflitos,
que aconteciam também, mas tentar interpretar tudo o que aconteceu tendo
como parâmetro essas lutas de diferentes interesses seria uma maneira de
empobrecer a análise.
Vejamos a importância e o papel desempenhado pelo faraó no Egito, assim
como as tensões existentes entre as diferentes castas:
A sociedade do Egito antigo tinha, no vértice da hierar-
quia social, o rei, considerado um deus, o intermediário
necessário entre seu povo e os outros deuses. Ao contrário
dos demais egípcios, o monarca podia ter diversas esposas
legítimas, além de numerosas concubinas. A família real
(normalmente numerosa), os sacerdotes e funcionários de
alta hierarquia, as grandes famílias provinciais, formavam
uma aristocracia tendente à hereditariedade. [...] No
Reino Novo, uma verdadeira aristocracia hereditária de
funcionários, sacerdotes e altos chefes militares cercava

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66  HISTÓRIA ANTIGA

o rei e às vezes ameaçava seu poder. Há casos compro-


vados, embora esporádicos, de renovação dos quadros
aristocráticos com pessoas de origem humilde, podendo
em especial a carreira de escriba ou a militar abrir cami-
nho à ascensão social; em geral, no entanto, tendia-se à
constituição de verdadeiras castas hereditárias em todos
os níveis do corpo social (CARDOSO, 1994, p. 22).

Devemos ressaltar que num sistema de castas temos uma imobilidade social,
ou seja, quando uma pessoa nasce em uma casta, ela permanecerá nela. Logo,
a casta é recebida por hereditariedade.
Na religião egípcia nem só o faraó era idolatrado. Os egípcios eram politeístas
e divinizavam a natureza. Rá representava o deus Sol e Osíris, o Rio Nilo. Outra
prática comum era a antropozoomorfia, em que se criavam deuses de corpos
compostos por partes humanas e de animais. Eles eram representados em formas
de estátuas e sabe-se do grande zelo que se tinha por elas, sendo reservadas
até mesmo da exposição para a grande maioria da população. Estes tinham um
contato mais direto com imagens de animais sagrados que ficavam expostas nos
templos sagrados. Essa prática religiosa era formada por uma elaborada mitologia,
tendo como fator determinante a crença na vida após a morte, o que os levou a
elaborar técnicas de mumificação para a conservação dos corpos.
Pode-se afirmar que a religião egípcia foi além da religião mesopotâmica
em duas circunstâncias: primeiro, ela possuía uma visão em que o seu tem-
plo sagrado representava uma miniatura do universo, destinado a operações
mágicas de proteção contra as forças da desordem e do caos. O segundo
aspecto de destaque diz respeito ao culto funerário exercido pelos egípcios
com a mumificação:
Nenhuma crença foi tão marcante na sociedade egípcia,
ao longo de cinco mil anos, quanto a da vida após a
morte. Nos túmulos pré-dinásticos, simples covas circu-
lares cobertas de madeira, encimada por uma pilha de
rochas e sedimentos, o morto era inumado em posição
fetal, com a face voltada para o Oeste. Ao seu redor,
eram depositados vasos cerâmicos, facas de sílex, ador-
nos, entre outros objetos (EL-MAHDY, 1995, p. 118). Tais
evidências refletem, respectivamente, o renascimento e a
preocupação com o bem-estar do morto no outro mundo.
Em épocas dinásticas, notadamente após o Primeiro Perío-
do Intermediário, a vida além-túmulo seria acessível a
todos os egípcios que providenciassem a mumificação de
seus corpos, procedimento este extremamente necessário

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C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  67

para a sobrevivência das demais partes que formavam o


indivíduo (SANTOS, 2000, p. 2).

Nesse contexto, estudos realizados por arqueólogos contribuem para a


interpretação historiográfica de que havia uma forte ligação entre a produção
artística e a religião no Egito Antigo. Logo, pode-se notar a força que os elemen-
tos religiosos desempenhavam, pois influenciavam na política, na economia e
nas produções artísticas.

Para saber mais


No livro O Egito Antigo, o autor Ciro Flamarion Cardoso procura se afastar das abordagens cristali-
zadas do Egito Antigo, que o apresentam como um mundo encantado de pirâmides mágicas.

Existem suposições de que houve uma religião popular, mas essa tese não
pôde ainda ser muito bem fundamentada devido à falta de documentos que a
comprovassem. O que se sabe é que em alguns lugares os deuses locais podiam
ser cultuados de maneiras diferentes de acordo com cada localidade.
Nos estudos desenvolvidos por Voegelin, ele concluiu a forte ligação
existente entre a visão cosmológica praticada pela religião egípcia com a or-
ganização política da sociedade: “Havia uma ordem abrangendo o mundo e
a sociedade que podia ser compreendida tanto cosmológica quanto politica-
mente” (VOEGELIN, 2009, p. 86).
Voegelin elaborou a teoria descritiva das Sociedades Cosmológicas, ou seja,
nessas sociedades a organização política era uma continuação da visão que elas
possuíam da organização dos cosmos. A sociedade era uma parte integrante do
cosmo e deveria se integrar nele seguindo essa ordem. Desse modo, a ordem
política e a ordem religiosa permaneciam unidas.

Atividades de aprendizagem
É possível encontrarmos historiadores brasileiros que contribuíram para os
avanços historiográficos sobre o Egito Antigo? Cite os nomes, se houver,
e suas contribuições.

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68  HISTÓRIA ANTIGA

Seção 3  As sociedades cosmológicas

3.1 Introdução
As sociedades cosmológicas produziram uma complexa cadeia simbólica
para estabelecer a ligação entre o plano celestial pertencente aos deuses e o
plano terrestre pertencente ao homem. Essa percepção que os povos antigos
possuíam do mundo foi expressa por suas práticas religiosas. Esse entendimento
desenvolvido por Eric Voegelin nos fornecerá uma visão ampla das estruturas
civilizacionais dos povos antigos.

3.2 As sociedades cosmológicas: a perspectiva de Eric


Voegelin
Neste momento, vamos perceber como a religião exercia um papel deter-
minante na vida cotidiana dos povos mesopotâmicos. A religião era o elemento
estruturante das civilizações antigas. Para entendermos melhor a presença da
religiosidade nas sociedades antigas, vamos analisar o estudo de Eric Voegelin
sobre as sociedades cosmológicas:
Estabelecer um governo é uma experiência de criação
do mundo. Quando o homem cria o cosmion da ordem
política, ele repete analogicamente a criação divina do
cosmos. A repetição analógica não é um ato de imitação
fútil, pois ao repetir o cosmos o homem participa, na
medida permitida por suas limitações existenciais, da
criação da própria ordem cósmica. Além disso, ao partici-
-par da criação da ordem, o homem experimenta a sua
consubistancialidade com o ser do qual ele é uma par-
te criada. Desse modo, em seu esforço criativo, o homem
é um parceiro no duplo sentido de uma criatura e um rival
de Deus (VOEGELIN, 2009, p. 63).

Consideramos essa citação muito importante, e para explorá-la melhor


vamos elencar alguns tópicos para nossa análise:
1. O primeiro ponto que chama nossa atenção no fragmento de Voegelin é
o movimento de ligação que temos entre a ordem política e a religiosa,
pois, quando o homem estabelece um governo, ele opera na esfera po-
lítica da sociedade, mas devemos perceber que Voegelin chama nossa
atenção para o fato de que essa operação é também a construção ou

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C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  69

a criação do mundo. Mas de que mundo Voegelin está falando? Do


mundo simbólico criado pelas sociedades cosmológicas da Antiguidade,
no qual, a ordem social era uma extensão da ordem do cosmos. Desse
modo, a ligação entre política e religião — que na modernidade cami-
nham separadamente — formava um senso de unidade.
2. Esse homem possui a consciência de que ele está numa relação entre
a ordem criada e a ordem não criada, ou seja, entre o finito e o infi-
nito, mas na medida em que ele estabelece um governo, ele se torna
um participante da ordem não criada, visto que, os parâmetros para a
constituição dessa forma de poder político buscam suas fundamentações
na ordem transcendente. Essa percepção das duas ordens de existência
— criada e incriada — é uma noção que existe em todas as civilizações
antigas. As interpretações e as configurações de poder político e as
culturas que surgiram dessa noção são diferentes, mas a percepção de
que o homem é um participante de uma existência tensional entre finito
e infinito era uma experiência comum aos povos antigos e medievais.
Isso aponta para a defesa da ideia de que o homem é capaz de entender
essa estrutura tensional na simples observação da constituição de seu
próprio ser. Somente na modernidade houve uma depreciação desse
entendimento, no momento em que se procurou explicar tudo pelo
método científico-experimental.

Questões para reflexão


Durante o século XVIII, os autores iluministas acreditavam que a histó-
ria da humanidade era baseada na evolução. Com isso, pensavam que
a modernidade era um período superior ao medieval e antigo. Pense,
caro aluno, se essa perspectiva pode ser sustentada atualmente? O que
as correntes historiográficas pensam a respeito desse posicionamento?

Em outro trecho de Ordem e história: Israel e a revelação, Eric Voegelin


descreve um pouco mais sobre as características das sociedades cosmológicas:
A simbolização cosmológica não é nem uma teoria, nem
uma alegoria. Ela é a expressão mítica da participação,
experimentada como real, da ordem da sociedade no ser
divino que também dá ordem ao cosmo [...]. É justifica-

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70  HISTÓRIA ANTIGA

damente, portanto, que se pode falar da ideia babilônica


de um cosmo ordenado com um Estado, e que cosmo e
império são, em substância, uma mesma entidade (VOE-
GELIN, 2009, p. 74-5).

No trecho citado, podemos perceber claramente a ligação entre a visão


teológica com a organização política, o que nos permite afirmar a presença
de teocracias nessas sociedades, visto que essas duas esferas sociais podem ser
interpretadas como participantes de uma mesma substância.

Para saber mais


Ordem e história é uma reunião de cinco livros de Eric Voegelin divididos nos seguintes títulos:
Volume I: “Israel e a revelação”, Volume II: “O mundo da pólis”, Volume III: “Platão e Aristó-
teles”, Volume IV: “A era ecumênica” e Volume V: “Em busca da ordem”.

Mas os impactos civilizacionais dessas ligações não param por aí. Para
expressar essas complexas formas de ligação entre a ordem social-política e a
ordem cosmológica foi necessário o uso de uma simbologia capaz de realizar a
ligação entre essas duas esferas. Ou seja, primeiramente, esses povos tiveram uma
apreensão intelectual da sua condição existencial. A simbologia criada diante
disso possibilitou a expressão desses elementos estruturantes desse entendimento:
Além disso, começa a surgir algo como um “sistema” de
símbolos que expressam coerentemente a existência de um
império com relação ao tempo, ao espaço e à substância.
Uma organização política existe no tempo e origina-se
no tempo como uma unidade reconhecível. No estilo
cosmológico de simbolização, porém, não há um fluxo
de tempo histórico articulado por um evento originador. A
fundação de um governo é concebida como um evento na
ordem cósmica dos deuses, da qual o evento terreno é a
expressão análoga. O que hoje chamaríamos de categoria
do tempo histórico é simbolizado pela origem num decreto
cósmico. Há poemas cosmogônicos preservados do período
da Primeira Dinastia Babilônica que descrevem a criação
da “terra celestial” como precedendo a criação da “terra
terrena”. Os centros políticos de Nippur, Uruk, Eridu e Ba-
bilônia são primeiros criados na terra celestial, depois os
centros terrenos correspondentes são construídos. Assim, a
origem das unidades políticas dominantes remonta ao início
do mundo (VOEGELIN, 2009, p. 72-73, grifo do autor).

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Sendo assim, a percepção simbólica e histórica dessas sociedades esta-


belece uma ligação direta dos planos transcendente e imanente. A origem
dos impérios, das organizações sociais e do território político não é per-
cebida historicamente, mas sobrepassa a história, visto que, sua origem é
estabelecida em outro plano. Quando as sociedades cosmológicas narram
sua história e entendem que primeiro foram criadas no plano celestial e
depois no plano terreno, não se tem mais a possibilidade de se obter a ori-
gem histórica dessa civilização, contudo, temos a oportunidade de vermos
como era a relação desses povos com o tipo de história que produziam. Essa
prática pode gerar um problema de ordem histórica, contudo, resolvia uma
necessidade ontológica.

Atividades de aprendizagem
Quais são as principais diferenças de visão de organização política
entre as sociedades ocidentais contemporâneas e as sociedades cos-
mológicas?

A simbolização da ordem cosmológica buscava elementos de legitimidade


para fazer valer a ligação entre o plano celestial e terrestre. Isso alimentava
uma sensação de unidade entre as ordens:
Tal unidade, que compreende as existências separadas
como partes, necessita da criação de um símbolo que
possa expressar o ponto de conexão física entre as duas
partes separadas, o ponto em que o fluxo do ser flui do
cosmo para o império. Um estilo de simbolização, uma
vez que o núcleo tenha sido formado e aceito, requer,
pela sua lógica interior, a criação de símbolos adicionais.
O símbolo mencionado acima como um requisito sempre
que a ordem política é simbolizada cosmologicamente
pode ser chamado pelo nome grego de omphalos, ou seja,
umbigo do mundo, em que as forças transcendentes do
ser fluem para a ordem social (VOEGELIN, 2009, p. 75).

Vamos enumerar os pontos que achamos mais pertinentes da citação feita


por Voegelin (2009):
1. Primeiramente, sua análise parte do pressuposto de que existe uma
necessidade de constituição simbólica que estabeleça a ligação entre
os dois planos. Mas essa ligação simbólica não permanece somente

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72  HISTÓRIA ANTIGA

no plano imaginário, pois se tem a conexão física entre o mundo do


cosmo e do império. Devemos estar atentos para compreendermos que a
simbologia de uma sociedade não é um emaranhado de interpretações,
fantasias e lendas sem sentido que conectadas aleatoriamente parecem
obter alguma unidade. Os símbolos efetivamente não são isso! Eles são
criados como ferramentas de expressão de uma realidade apreendida e
compartilhada por uma comunidade.
2. Em seguida, Voegelin toca numa questão muito interessante ao dizer que
o núcleo simbólico é criado e aceito. Mas aceito por quem? Pela própria
sociedade que compartilha do símbolo. Esse é um elemento muito impor-
tante para entendermos os usos da simbologia. Muitas vezes, pensamos
que os símbolos são meras criações arbitrárias que entram na cultura e
depois de certo tempo adquirem a capacidade de expressar determinados
elementos culturais. Mas, na concepção de Voegelin, desde o início o
símbolo precisa ser aceito pelo conjunto social para ter validade, o que
descarta a possibilidade do símbolo ser uma criação arbitrária. Logo, o
símbolo é compartilhado igualmente por todos.
3. O omphalos é o ponto de contato entre as duas esferas. É o ponto de
unidade, no qual o plano transcendente se abre para o plano imanente.
É chamado de umbigo do mundo, pois é justamente nele que a ordem
dos deuses dá vida ao império. O omphalos se apresenta dessa maneira
como o ponto de ligação entre a ordem criada e não criada, entre o
finito e o infinito, entre Deus e o homem.

Questões para reflexão


Vimos no decorrer desta seção que Eric Voegelin procurou contrariar
a hipótese que caracterizava as sociedades antigas como possuidoras
de uma temporalidade circular. Segundo ele, ao constituírem a liga-
ção entre o cosmo e a ordem política, esses povos passam a ter senso
histórico linear. Afinal, de que maneira o historiador deve se portar
diante das diferentes perspectivas historiográficas? Como devemos
nos posicionar diante do debate de posicionamentos tão divergentes?

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 72 25/06/14 20:09


C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  73

O uso dos símbolos não fica restrito somente ao plano transcendente, mas
nesse tipo de sociedade no qual as duas ordens possuem uma unidade, temos
a simbologia equivalente:
Experiências e símbolos estão expostos à pressão da aná-
lise reflexiva, de modo que, mesmo em culturas politeístas
e cosmológicas, se tornam visíveis as linhas de raciona-
lização que levaram, por meio do sumodeísmopolítico e
da especulação teogônica, a um entendimento da trans-
cendência radical do ser divino e, concomitantemente,
a um entendimento da natureza da realidade mundana
(VOEGELIN, 2009, p. 82).

Observamos na citação que, para Voegelin, a transcendência radical e a rea-


lidade mundana estão diretamente relacionadas. Com esses estudos realizados,
baseados em uma ampla pesquisa de fontes primárias e no acompanhamento
do debate acadêmico, Voegelin se propôs a desconstruir a ideia de que as so-
ciedades cosmológicas possuíam uma percepção circular do tempo histórico:
A crença convencional de que as culturas do Antigo
Oriente tinham uma ideia de “tempo cíclico” revelou-se
errada. As culturas antigas produziram de fato os simbo-
lismos da história linear, e os produziram caracteristica-
mente no contexto de distúrbios sérios de ordem política.
Construções lineares surgem dos temores de preservação
e de legitimação de ordem; têm a função de restaurar ou
legitimar a ordem respectiva, ou de estabelecê-la pela
revolução (VOEGELIN, 2009, p. 45, grifo do autor).

A perspectiva de que as sociedades do Antigo Oriente possuíam uma ideia


de tempo cíclico deriva do argumento de que por dependerem dos ciclos da
natureza, esses povos produziram uma temporalidade baseada nesses preceitos.
Mas, Voegelin (2009) nos aponta para o fato de que havia algo nessas socie-
dades mais importantes do isso: a tentativa de legitimar a ordem. Para compor
a totalidade dessa ordem podemos formar um quadro que expressa todos os
elementos que formam esse conjunto.

Para saber mais


Para uma compreensão aprofundada dos símbolos e da simbologia, indicamos o livro Tratado
de Simbólica, do filósofo brasileiro Mario Ferreira dos Santos.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 73 25/06/14 20:09


74  HISTÓRIA ANTIGA

Temos um trecho em que Voegelin nos explica a relação entre essas quatro
esferas:
A descoberta da classe ganha seu significado completo se
lembramos que Deus e homem, sociedade e cosmos são
os principais complexos da realidade distinguidos pelas
sociedades cosmológicas como parceiros na comunidade
do ser. Os quatro complexos em seu agregado compreen-
dem todo o corpo do ser; e os quatro simbolismos enu-
merados — teogônico, antropogônico, cosmogônico e
historiogenético — formam um agregado correspondente
de especulação que cobre todo o campo (VOEGELIN,
2009, p. 131).

Vamos enumerar alguns pontos da citação realizada acima:


1. O que é, para Eric Voegelin, a “comunidade do ser”? É a totalidade da
existência que forma uma unidade, ou seja, participantes do mesmo ser.
Segundo ele, as sociedades cosmológicas entendiam a realidade dessa
forma e isso possibilitava o contato dos diferentes planos. O homem
antigo não imaginava sua existência separada das ordens cósmica,
divina e social.
2. No entanto, para estabelecer a relação desses quatro campos que formam
uma unidade, é preciso que se tenha uma simbologia que expresse no
discurso o que acontece na comunidade do ser.

Atividades de aprendizagem
De que maneira podemos entender as sociedades cosmológicas?

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 74 25/06/14 20:09


C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  75

Seção 4  Mesopotâmia e o seu nascimento


das águas

4.1 Introdução
Os povos mesopotâmicos constituíram seus reinos em uma dependência
direta do fluxo das águas dos rios Tigres e Eufrates. Esses dois rios tornavam
possível a prática da agricultura, da pecuária e os mais variados usos da argila,
como cerâmica e tijolos. Toda organização social desses povos foi firmada na
concepção de um Estado com características teocráticas.

4.2 Principais aspectos dos povos mesopotâmicos


Pode-se estabelecer um paralelo entre o surgimento e o desenvolvimento
da civilização egípcia com a civilização mesopotâmica. Isso é possível visto
que as duas civilizações têm muitas características estruturais em comum.
Observamos que nelas houve uma forte ligação com o regime da cheias dos
rios que existiam nessas distintas regiões. A própria palavra “mesopotâmia” tem
como significado em grego “terra entre rios”. Nessa região, localizada entre
os rios Tigre e Eufrates, vários povos nômades se estabeleceram atraídos pelas
terras férteis. Salientamos, contudo, que existem algumas diferenças nessas
duas civilizações. Elas se desenvolveram de maneiras um pouco diferentes e
com tecnologias diferentes, como salienta Cardoso (1994, p. 20):
A comparação do Egito com a Mesopotâmia levará, po-
rém, a constatar certo atraso do primeiro em relação à
segunda: o nível técnico geral era mais baixo no Egito,
e os egípcios demoraram mais a adotar certas inovações
há muito introduzidas na Mesopotâmia

Portanto, somos obrigados a reconhecer que os povos mesopotâmicos pos-


suíam alguns avanços tecnológicos que o Egito não possuía. As inovações ditas
no texto se remetem principalmente a prática da irrigação. Devemos ressaltar a
grande relevância dos rios Tigre e Eufrates para o nascimento dessa civilização,
visto que ela está localizada em uma região muito árida e com solos de baixa
fertilidade. No entanto, quando esses povos passaram a dominar com destreza
o ciclo de cheias desses rios, tornou-se possível a prática da agricultura com
bons desempenhos de produção, fazendo do trato agrícola a principal atividade
do setor econômico.

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76  HISTÓRIA ANTIGA

Atividades de aprendizagem
Qual a importância dos povos mesopotâmicos para o desenvolvimento
da civilização?

O primeiro agrupamento urbano da Mesopotâmia foi a Suméria, desenvolvendo


práticas agrícolas de cultivo de cevada em regiões banhadas pelos rios. No sul da
Mesopotâmia, os Sumérios realizaram obras de irrigação e desenvolveram a escrita
cuneiforme. Eles habitaram a Mesopotâmia por volta do quarto milênio a.C., mas
devido a constantes disputas entre as cidades de Ur, Uruk e Lagash, eles foram se
enfraquecendo, tornando-se vulneráveis a invasões de outros povos.Foram inva-
didos pelos amoritas e pelos elamitas, o que levou à fragmentação de seu povo.

Para saber mais


No livro de Charles Delfante, A grande história da cidade, temos a demonstração dos
vários tipos de cidades desenvolvidas desde a Antiguidade. O autor trouxe uma série de
plantas das cidades para descrever como elas eram organizadas. O livro apresenta uma parte de-
dicada às cidades da Mesopotâmia.

O desenvolvimento dessas estruturas sociais urbanas contribuiu para o


surgimento da escrita cuneiforme, palácios, templos, ferramentas variadas,
armamentos, escolas, calendário, astronomia, conhecimentos matemáticos e
diversas expressões artísticas.
A invenção da escrita é um dos pontos fundamentais no processo de de-
senvolvimento civilizacional, pois com a burocratização da sociedade e o sur-
gimento de estruturas mais complexas de organização, resultando na formação
de Estados, era preciso estabelecer um controle das atividades sociais. O uso
da escrita atendia a essas necessidades e possibilitava o registro das atividades
religiosas, dos feitos dos reis, da simbologia e dos costumes e tradições dos povos.
Somente a partir do segundo milênio a.C. foi que a Mesopotâmia teve um
império unificado. Chamado de Império Babilônico, teve como grande go-
vernante Hamurabi, o qual elaborou um código de leis escritas que abordava
aspectos de poder, justiça e valores que compunham a sociedade. Com sede
na cidade de Babilônia, ela tornou-se um dos principais centros urbanos da
Antiguidade. Mas, afinal, caro(a) aluno(a), se no decorrer de suas atividades

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C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  77

como professor, algum aluno levantar a questão “professor, por que estamos
estudando esses povos tão antigos? O que nós temos de ligação com eles?”,
apresento uma excelente resposta fornecida por Bertrand Russell para sair dessa
situação difícil, conforme a seguir:
Procedem da Babilônia algumas coisas que pertencem à
ciência: a divisão do dia em vinte e quatro horas, bem
como a do círculo em 360 graus, além do descobrimento
de um círculo de eclipses, que permitiu predizer-se com
segurança os eclipses lunares, e com certa probabilidade
os eclipses solares. Este conhecimento babilônico, como
veremos, foi adquirido por Tales (RUSSELL, 1969, p. 8).

Vejamos a quantidade de conhecimentos que utilizamos diariamente e que


são frutos das descobertas empreendidas pelos babilônicos. Outro fator importante
dessa citação é a conclusão que podemos tirar de que havia uma troca desses
conhecimentos entre os diferentes povos, visto que, Tales era um filósofo pré-
-socrático e que, segundo Russell bebeu da fonte dos estudos mesopotâmicos. Os
babilônicos tinham suas principais cidades localizadas nas proximidades do Rio
Eufrates. Um de seus imperadores, Hamurabi, formou o código de Leis de Talião,
baseando-se na premissa do “olho por olho e dente por dente” que estabelecia
uma proporção entre a punição e o delito cometido. Desenvolveram um com-
plexo calendário capaz de registrar com precisão o ciclo de cheias do rio Eufrates
o que auxiliava na prática da agricultura, principal prática comercial desse povo.

Para saber mais


Marcelo Rede, em seu livro Família e patrimônio na antiga Mesopotâmia, faz uma impor-
tante discussão sobre o desenvolvimento das práticas que garantiam a propriedade no contexto
mesopotâmico.

Com a morte de Hamurabi, o império se descentralizou novamente e sofreu


a invasão dos assírios. A principal preocupação deles estava voltada à prática
da guerra, e realizaram conquistas pela Mesopotâmia e também no Egito. No
entanto, os assírios não puderam resistir aos ataques feitos por Medos e Caldeus.
Surgiu no século VI a.C. o Segundo Império Babilônico, tendo como auge o
reinado de Nabucodonosor II. No entanto, no ano de 539 a.C. sofreram com as
invasões de Ciro II e foram dominados pelos persas. Os assírios destacaram-se
pela constituição de um poderoso exército para os padrões da Antiguidade orien-

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 77 25/06/14 20:09


78  HISTÓRIA ANTIGA

tal. As práticas militares tornavam-se, assim, o elemento unificador dos assírios,


que conseguiam espalhar instabilidades entre os diversos povos que os temiam.
Mesmo com todas essas disputas ocorridas na Mesopotâmia podemos en-
contrar uma característica comum a todos os povos: assim como no Egito, a
Mesopotâmia era governada por teocracias.
Para entendermos esse tipo de organização política e religiosa, precisamos
realizar algumas distinções básicas. Primeiramente, não devemos encarar a
Mesopotâmia como possuidora de uma religião, mas de religiões. Elas estavam
divididas em três níveis distintos:
Uma das explicações de tamanha complexidade é que,
mais do que de “religião”, deveríamos falar de religiões.
Por um lado, o caráter localmente variável das crenças e
cultos nunca se perdeu de todo. Por outro lado, há três
níveis a considerar: a religião sacerdotal dos templos,
centrada no serviço à imagem divina em seu santuário,
estando este fechado, na sua maior parte, à maioria das
pessoas; a religião monárquica, que se referia às funções
religiosas reservadas ao soberano e dependia também das
preferências de cada rei em matéria de cultos; e a religião
dos homens comuns, que só participavam de longe ou
como espectadores da maioria das grandes cerimônias
oficiais e frequentavam usualmente pequenas capelas
situadas em zonas residenciais. Quase nada se sabe da
religião popular, bastante mais acerca da religião dos
templos, ainda mais da religião monástica, bem servida
de fontes (CARDOSO, 1990, p. 30-31, grifo do autor).

Observamos com a citação acima um importante cuidado que devemos


tomar ao estudar as sociedades antigas. Muitas vezes, ao empregarmos um
termo, como “religião”, ele pode possuir diferentes significados na Antigui-
dade. No trecho selecionado, o autor chamou nossa atenção para a existência
de diferentes práticas religiosas na Mesopotâmia. Isso não quer dizer que havia
religiões divergentes, mas as castas participavam da religião de modos diferen-
tes. Senhores e escravos não frequentavam os mesmos templos e não praticavam
os mesmos ritos. Essa característica nos permite apontar a existência de “dife-
rentes religiões”. A separação social na Antiguidade era uma marca profunda.
Como a religião era um dos fatores centrais desses povos e a sociedade era
organizada em esferas estamentais — não havendo uma mobilidade social, ou
seja, o sujeito nascia numa casta sacerdotal, nobre ou empresarial e permanecia
assim até o final da vida —, existia uma separação das práticas religiosas de
acordo com a casta de cada indivíduo.

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C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  79

Questões para reflexão


Na prática da religiosidade hitita havia uma adoração do rei, que era
considerado um sacerdote. Esse tipo de organização política e religiosa
recebe o nome de teocracia. Será que ainda hoje, prezado(a) aluno(a),
nós conseguimos encontrar teocracias em alguns países?

Outra religião que merece ser ressaltada em nossos estudos é a dos hititas.
Essa religião foi extremamente influenciada pelos mesopotâmicos. Aqui tam-
bém o Estado apresenta vínculos com a religião e mais outras característica
observadas por Cardoso (1990, p. 55-57), conforme a seguir:
Em todo Oriente Próximo Antigo, o formalismo, o ritua-
lismo e o mundo da impureza e da oferenda aos deuses
eram tendências religiosas de peso. Entre os hititas, eles
atingiram o seu auge. Tinha-se uma visão pessimista da
natureza humana: os homens são pecadores. Nota-se que a
noção de pecado não era interior, ligadas às intenções e sim
exterior, vinculada a ações (negligência na celebração de
cerimônias, quebrar proibições rituais e tornar-se impuro,
desrespeitar regras do convívio social — regras que eram
consideradas de origem divina) [...] O rei hitita era acima
de tudo, um sumo sacerdote, divinizado ao morrer. Media-
dor por excelência entre os homens e o mundo divino, era
sempre representado nos momentos em vestes sacerdotais.
Por mais diferentes que possam parecer as práticas religiosas contempo-
râneas das realizadas na Antiguidade, vemos que elas apresentam algumas
semelhanças. Veja que o rito das oferendas existe também no catolicismo. A
religião desenvolvida pelos hititas apresentava o homem com uma debilidade
existencial diante dos deuses. Para assumir sua condição e religar-se ao divino,
era necessária a prática de ritos realizados por um sacerdote. Essa é uma con-
dição fundamental que encontramos em muitas religiões antigas.

Questões para reflexão


Vimos que algumas práticas religiosas contemporâneas apresentam
semelhanças com ritos antigos. Até que ponto podemos relacionar a
religião atual com as práticas religiosas antigas?

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 79 25/06/14 20:09


80  HISTÓRIA ANTIGA

Os hititas eram de origem indo-europeia e formaram um império onde se


localiza atualmente a Turquia. Sua economia baseava-se na agricultura e na
mineração (ferro). Desenvolveram um tipo de escrita formada por representa-
ções pictográficas e praticavam uma religião politeísta que divinizava vários
elementos da natureza.

Atividades de aprendizagem
Quais foram os principais povos mesopotâmicos e suas principais carac-
terísticas?

Fique ligado!
Nesta unidade, estudamos os principais caminhos para tomar um primeiro
contato com a sociedade do Egito Antigo. É de fundamental importância
que se saiba o destaque do papel desempenhado pelo faraó, tanto como
líder político como figura religiosa. No que toca à questão religiosa, é in-
teressante observarmos as particularidades do politeísmo praticado pelos
egípcios. Não podemos nos esquecer de que, ao estudarmos as civilizações
orientais, carregamos várias visões pré-concebidas pela tradição acadê-
mica dos séculos XIX e XX. Fique atento para perceber essas influências
e saber até que ponto elas contribuem ou distorcem o objeto estudado.
Estudamos também a formação da sociedade mesopotâmica e a forte
ligação de sua gênese com as águas de dois rios: Tigre e Eufrates. Outra
característica enfatizada dessa civilização é papel desempenhado pelo
governante em que era ao mesmo tempo um líder político e um deus.
Estudamos as características básicas das sociedades cosmológicas e a
maneira que relacionavam a percepção que possuíam do cosmo com a
organização social e política.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 80 25/06/14 20:09


C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  81

Para concluir o estudo da unidade


Saiba, caro(a) aluno(a), que o campo para pesquisa em Egito e Meso-
potâmia é ainda muito vasto. A pesquisa nesses campos obteve muitos
avanços nos últimos anos no Brasil com a tradução de importantes obras
e a produção de historiadores brasileiros. O estudo dessas civilizações nos
auxilia a interpretar muitas práticas contemporâneas, pois, como vimos,
muitos elementos de nosso cotidiano apresentam laços com comporta-
mentos que nasceram na Antiguidade. A história se apresenta como uma
excelente oportunidade para compreender esses movimentos e oferecer
uma perspectiva crítica acerca dos elementos que moldam nossa socie-
dade contemporânea.

Atividades de aprendizagem da unidade


1. Leia o fragmento a seguir e responda à pergunta proposta:
A descoberta da classe ganha seu significado com-
pleto se lembrarmos que Deus e homem, sociedade
e cosmos são os principais complexos da realidade
distinguidos pelas sociedades cosmológicas como
parceiros na comunidade do ser. Os quatro comple-
xos em seu agregado compreendem todo o corpo
do ser; e os quatro simbolismos enumerados — teo
gônico, antropogônico, cosmogônico e historioge-
nético — formam um agregado correspondente de
especulação que cobre todo o campo (VOEGELIN,
2009, p. 131).

Qual era a relação das sociedades cosmológicas com as quatro sim-


bologias das ordens apresentadas acima?
2. Assinale a proposição CORRETA em relação às sociedades que se
desenvolveram na região mesopotâmica da Antiguidade.
a) A região compreendida entre os rios Tigre e Eufrates era conhecida
como Mesopotâmia.
b) Na Mesopotâmia viveram diversos povos, entre os quais podemos
destacar os sumérios, acádios, gregos e romanos.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 81 25/06/14 20:09


82  HISTÓRIA ANTIGA

c) A religião teve notável influência na vida dos povos da Mesopotâ-


mia, visto que eles praticavam a crença em uma única divindade
(monoteísmo).
d) Os babilônios ergueram magníficas construções feitas com blocos
de pedra, das quais são exemplos as pirâmides de Gisé no Egito.
e) Os povos egípcios, além da significativa contribuição no campo da
Matemática, destacaram-se na Astronomia e entre eles surgiu um
dos mais famosos códigos de leis da Antiguidade, o de Hamurabi.
3. De acordo com os conteúdos estudados nesta unidade,assinale a
alternativa correta sobre as civilizações da Mesopotâmia:
a) Assim como na atualidade, os povos da Mesopotâmia eram pra-
ticantes de religiões monoteístas.
b) O politeísmo era uma prática religiosa comum aos povos da antiga
Mesopotâmia.
c) Os povos da Mesopotâmia só tiveram notícia das práticas mono-
teístas depois das invasões promovidas pelo Império Macedônico,
visto que, Felipe II e Alexandre, o Grande, eram católicos e repre-
sentavam o poder da Igreja nas cruzadas.
d) Foi justamente nas guerras entre gregos e persas — Guerras Mé-
dicas — que ocorreu a conversão dos povos da Mesopotâmia do
politeísmo para o monoteísmo.
e) Percebemos claramente, de acordo com o estudado, que as re-
ligiões dos povos da Mesopotâmia não acreditavam na relação
direta das divindades com algumas forças da natureza.
4. Assinale a alternativa que apresenta proposições corretas sobre as
características dos Estados teocráticos:
a) Por Estados Teocráticos podemos entender que eram organizações
políticas que aceitavam a participação de todos os cidadãos.
b) De acordo com o texto, entendemos que democracia e teocracia
são termos sinônimos.
c) A teocracia era a forma de governo baseada na organização rígida
da sociedade representada pelo senado, logo, república e teocra-
cia são termos sinônimos.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 82 25/06/14 20:09


C i v i l i z a ç õ e s o r i e n t a i s  83

d) A teocracia é uma forma de governo que concentra o poder reli-


gioso e político nas mãos dos reis.
e) Como perdemos todos os documentos existentes sobre a teocracia,
a história ainda não consegue entender muito bem essa forma de
governo.
5. Leia o fragmento a seguir e responda à questão proposta:
A partir de um longo investimento coletivo de tra-
balho, adaptando e modificando os dados naturais
através da construção de diques, barragens, canais,
reservatórios, formaram-se nos vales fluviais em
questão, sociedades complexas e urbanizadas, ba-
seadas na irrigação. A agricultura irrigada é muito
produtiva, e por isso o Egito e a Mesopotâmia tinham
populações muito mais densas do que as regiões
como a Ásia Menor, a Síria-Palestina e o Irã, onde
a irrigação, pelas condições naturais, só podia ter
um papel muito limitado, e onde a agricultura —
quase sempre dependente da água da chuva, às
vezes retidas em cisternas — era no conjunto menos
produtiva. Esse contraste ajuda a entender certas
diferenças importantes na organização política e
econômica (CARDOSO, 1990, p. 16).

Disserte sobre a importância da prática da agricultura para o surgi-


mento da civilização.
A agricultura foi fundamental para a passagem do nomadismo para
o sedentarismo. Trouxe riqueza para os povos antigos, fomentando
o comércio.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 83 25/06/14 20:09


84  HISTÓRIA ANTIGA

Referências
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CARVALHO, Margarida Maria de; FUNARI, Pedro Paulo A. Os avanços da História Antiga
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FINLEY, Moses. Política no mundo antigo. Lisboa: Edições 70, 1997.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 27. ed. Petrópolis:
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GUARINELLO, Norberto Luiz. Violência como espetáculo: o pão, o sangue e o circo.
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LÉVÊQUE, Pierre. As primeiras civilizações. Lisboa: Edições 70, 1987.
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SANTOS, Moacir Elias. O saque de tumbas no tempo dos faraós. Disponível em: <http://
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VOEGELIN, Eric. As religiões políticas. Lisboa: Vega, 2002.
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______. Ordem e História. Vol. I — Israel e a Revelação. Tradução de Cecília Camargo
Bartolotti. São Paulo: Loyola, 2009.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 84 25/06/14 20:09


Unidade 3
Grécia Antiga
Graciela Márcia Fochi

Objetivos de aprendizagem: Com o estudo desta unidade você


será capaz de compreender e diferenciar a trajetória do povo grego
em relação às demais sociedades da história e, em especial, reco-
nhecer o vasto legado da mesma à cultura ocidental e os reflexos
dela, que se estendem até à época contemporânea.

Seção 1: Os principais momentos históricos


Apresentam-se os povos que foram responsáveis
pelo povoamento ou pela invasão da região e con-
tribuíram para a formação do povo grego; estruturas
e características dos diferentes períodos históricos,
bem como principais guerras que envolveram e que
transcorreram em solo grego.

Seção 2: A experiência da pólis e da democracia


Procura-se explicar a formação das cidades-Estados,
o regime político da democracia, os principais gover-
nantes desse regime, a concepção de cidadãos e o
exercício de cidadania, os diferentes perfis de cidades
apresentados por Atenas e Esparta, as implicações
sociais e políticas da prática da escravidão no interior
da sociedade grega.

Seção 3: Aspectos culturais da Grécia Antiga


Enfatiza-se a preocupação com a “harmonia” e com
o “belo” nas mais diferentes esferas da sociedade, a
prática de esportes como parte da formação física e
da tradição religiosa dos gregos; por fim, as funções

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 85 25/06/14 20:09


políticas e morais que eram atribuídas ao teatro trá-
gico nas cidades-Estados democráticas.

Seção 4: O declínio e o legado da civilização grega


Relacionar as contradições que foram responsáveis
por deteriorar a hegemonia da civilização grega em
relação aos demais países e sociedades da época, e
a consequente incorporação da Grécia ao Império
Macedônico; por fim, será relacionado o legado
dessa cultura às sociedades ocidentais.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 86 25/06/14 20:09


Grécia Antiga 87

Introdução ao estudo
Caro(a) estudante! Seja bem-vindo(a) à esta unidade, que trata da civiliza-
ção que forneceu e continua a fornecer as bases, as estruturas fundamentais às
sociedades ocidentais; da sociedade que desenvolveu concepções indispensá-
veis, complexas e em nível de sofisticação e não serão novamente alcançadas
e vividas.
Você deve estar se perguntando: “mas como isso é possível? Não pode ser!”
Vejamos algumas das circunstâncias que se impõem diante dessa afirmação:
Pensar, estudar, pesquisar e escrever sobre Grécia Antiga exige que re-
montemos a um tempo em que o conhecimento histórico era forjado em
meio às epopeias da mitologia, das tragédias e comédias do teatro, bem
como dos idealismos da filosofia e da matemática dos tempos anteriores
ao nascimento de Cristo;
Entre a nossa época e o tempo da Grécia Antiga impõem-se aproximada-
mente 2.500 anos. Por mais que aquela cultura tenha obtido reconheci-
mento e seja percebida como referência a outras sociedades, inclusive às
do presente, experimenta-se uma sensação de distanciamento em relação
aos gregos;
Muitos registros, documentos, inscrições, edificações, vestígios, memó-
rias, testemunhos e vivências se perderam, já não existem mais; quando
persistem, encontram-se desarticulados do contexto todo do qual fizeram
parte ou estão fragmentados, incompletos, em ruínas, ou ganharam ele-
mentos de outros tempos.
Agora você deve estar refletindo: “Afirmação superestimada e generosa em
relação à Grécia Antiga”. E também se perguntando: “Então, o que justificaria a
frase que foi apresentada na introdução?!” Aproprie-se dos conteúdos e temas
que serão apresentados e dos materiais que serão sugeridos ao longo desta
unidade e encontre argumentos e reúna elementos para verificar se o que foi
anunciado realmente condiz com os fatos. O desafio está lançado!
Então, é dada por iniciada a jornada de estudos, descobertas e reflexões
sobre a Grécia Antiga. Votos de uma instigante e satisfatória aprendizagem!

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88  HISTÓRIA ANTIGA

Seção 1  Os principais momentos históricos


A construção da sociedade e da civilização grega combinou circunstâncias
favoráveis proporcionadas por um cenário geográficos e por determinadas
condições históricas, populacionais, econômicas e culturais.
Pode-se tomar o período transcorrido entre os séculos XX e IV a.C. como
o tempo em que se formou, desenvolveu e declinou a sociedade/civilização
da Grécia Antiga.
Em termos geográficos, a Grécia é recortada pelos mares Egeu, Jônico, Ne-
gro, de Creta e Mediterrâneo, o que de certa forma pode ser interpretado como
fator favorável à expansão territorial via deslocamentos marítimos. Apresentava
um clima ameno de regularidade de chuvas.

Figura 3.1  Mapa da Grécia Antiga

Fonte: <http://phylos.net/matematica/grecia-antiga/>.

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A expansão e os domínios territoriais alcançados pela Grécia Antiga iam


desde a costa ocidental da Ásia Menor, aos territórios do sul da Itália, da França
até a Líbia, no norte da África.
Dentro das periodizações tradicionais da História, a Grécia Antiga encontra-
-se situada entre a época final das sociedades persa, egípcia, hebraica e fenícia
e, por outro lado, os períodos iniciais da sociedade romana e da Idade Média.

1.1 Povoamento e formação social: período pré­


‑homérico
Por volta do ano de 2000 a.C. o povo aqueu foi responsável por fundar a
cidade de Micena. Nesse período, os gregos entram em contato com a Ilha
de Creta, tomando Knossos, momento em que adquirem maiores conhecimen-
tos sobre navegação, técnicas agrícolas, valores religiosos, entre outros. Outros
povos que ocuparam as terras da Grécia Antiga foram os jônios e os eólios, que
realizam uma ocupação de forma pacífica.
Basicamente, as cidades gregas obtinham sua renda das atividades agrícolas.
Cultivavam milho, oliveiras e videiras; secundariamente coexistiam atividades
artesanais e comerciais. Os proprietários das terras constituíam conglomerados
urbanos. Dentro destes, as manufaturas eram rudimentares, e os itens encontra-
dos no comércio não passavam de produtos têxteis, cerâmicas, vidros e mobí-
lias. Nas palavras de Anderson: “a técnica era simples, a demanda, limitada e
o transporte era exorbitantemente custoso” (ANDERSON, 1994, p. 19).
Por volta dos anos de 1200 e 1100 a.C. ocorre a chegada do povo dórico na
Península Balcânica, e a consequente dominação dos povos aqueus por eles.
Os dóricos representam o último grupo que invadiu as terras gregas e o fizeram
de forma violenta, causando a destruição dos centros urbanos existentes e dis-
persando a população pelo interior do território. A partir da invasão do povo
dórico, o mundo grego pré-homérico, ou período micênico, reestrutura-se a
partir da formação de pequenos grupos familiares, os genos, que deliberavam
sobre as decisões políticas e praticavam a agricultura de subsistência.
É comum os estudiosos referirem-se a esse momento da história grega como
um retrocesso na trajetória da sociedade grega, pois a sociedade micênica já
contava com núcleos urbanos organizados e administrados, arrecadação de
impostos regulares, sistemas de escrita, atividades comerciais e artesanais so-
fisticadas, celeiros e reservatórios de alimentos entre outras estruturas.

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90  HISTÓRIA ANTIGA

1.2 Período homérico


Naquele momento, as famílias que compunham os genos usufruíam da terra
de forma coletiva, habitavam a mesma moradia, possuíam autonomia adminis-
trativa e eram lideradas por um pater, uma espécie de grande chefe. Porém, as
famílias passam a ficar cada vez mais numerosas, e o pater passa a conceder
privilégios desiguais aos integrantes dos genos, agora levando em consideração
grau de proximidade e ascendência de parentesco, tanto em relação à terra
como a bens e demais riquezas.
Com o aumento das famílias, as formações de genos reestruturam-se em
oikos, uma espécie de unidade econômica na qual existiam casas, ferramentas,
terras, armas, gado, de onde era obtida a sobrevivência de todo oiko. As prin-
cipais atividades desenvolvidas eram o pastoreio, a agricultura e a tecelagem,
o objetivo era que cada oiko se tornasse autossuficiente. As atividades eram
realizadas tanto por membros do oiko como por escravos. Guerras entre os
oikos vizinhos e os estrangeiros ocorriam com frequência, a fim de obter os
produtos que estes não possuíam.
Como resultado dessa reorganização social e da transmissão da riqueza,
acentuam-se as diferenças sociais entre pequenos e grandes proprietários,
o que fez com que muitos abandonassem as terras e fossem se dedicar às
atividades comerciais, por outro lado, os grandes proprietários fortaleceram
seu poder.
O período homérico é assim chamado diante do fato de que as principais
fontes e informações são provenientes dos registros e escritos de Homero. A
escrita de Homero mescla feitos de guerra em meio a narrativas mitológicas,
que por sua vez enaltecem e supervalorizam tanto os feitos humanos e dos
deuses. Diante desse caráter, advém a expressão “homérica” ou “homérico”,
que é utilizada quando alguém quer se referir a algo que possui forma monu-
mental e grandiosa.
Hegel (1770-1831), pensador alemão, refere-se aos gregos na seguinte
expressão: “os gregos viviam em dois elementos: Homero e o Mar”, ou seja
as mentalidades e o imaginário gregos eram tecidos e alimentados com as
narrativas e epopeias heroico-mitológicas e as circunstâncias geográficas e
físicas impostas e conferidas pela presença do Mar Jônio, Egeu e Mediterrâneo,
cenário no qual transcorriam as narrativas de Homero.
Na região do mar Egeu formava-se um labirinto de ilhas, baías e promon-
tórios que, por sua vez, oportunizavam a forma mais econômica e viável de

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circulação e troca de mercadorias através do transporte marítimo. O Mar


Mediterrâneo é o único mar interior do planeta Terra, cuja propriedade estava
em oferecer a velocidade ao transporte marítimo e ao mesmo tempo proteção
terrestre contra fortes ventos ou ondas (ANDERSON,1994).
Anderson (1994) defende que não é em vão que seja nessa região o berço
das cidades-estados e que segundo ele, Atenas propriamente um fruto das
fortunas acumuladas com as atividades comerciais. As atividades comerciais
podem ser indicadas como responsáveis por acumular economias e riquezas
suficientes ao aparelhamento de exércitos, frotas de navios bem como dispen-
sar parcelas da população do trabalho ou dos serviços militares e que, por sua
vez, puderam dedicar-se à política, à filosofia, às artes, à matemática, à física,
entre outras atividades intelectuais.

Atividades de aprendizagem
Hegel, filósofo alemão do século XVIII, ao se referir à sociedade grega,
costumava afirmar que “os gregos viviam em dois elementos: Homero e
o Mar”. O que o filósofo procurava dizer com essa afirmação? Construa
um texto justificando tanto “Homero” como “Mar”.

1.3 Período arcaico


Foi na época arcaica, entre os anos 800 e 500 a.C. aproximadamente,
que o modelo urbano da civilização grega se legitimou. A lei aristocrática
na Grécia arcaica coincidiu com o reaparecimento do comércio a longa distân-
cia (principalmente com a Síria e o Oriente) e foi favorecida com os prenúncios
da cunhagem (inventada na Líbia no século VII) e a criação da escrita alfabética
(derivada da escrita fenícia) (ANDERSON, 1994).
A urbanização prosseguia com estabilidade em torno do século VII e existiam
aproximadamente 1.500 cidades, reuniam agricultores e proprietários de terras.
As cidades eram em sua maioria muradas, os cultivadores viviam dentro das
muralhas da cidade e saíam para trabalhar no campo toda manhã, retornando
à noite. Os habitantes da cidade eram organizados em ordem descendente de
tamanho e inclusão, em tribos, fratrias e clãs, sendo os “clãs” exclusivamente
grupos aristocráticos e as fratrias, grupos mais populares.

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92  HISTÓRIA ANTIGA

A ruptura dessa ordem ocorreu por volta do último século da era arcaica,
quando sobressaem-se grupos de tiranos (650-510), proprietários de terras e
de riquezas mais recentes, que reclamavam pelas honras e a posição/status na
cidade de que os grupos militares usufruíam, que por sua vez será motivo de
conflitos e enfrentamentos entre entes.
Sólon (Atenas, 638 a.C.-558 a.C.), por meio de suas reformas políticas,
procurou mediar esses conflitos, em especial os que existiam entre ricos e
pobres. Entre as decisões mais importantes pode-se relacionar a abolição de
pagamentos de dívidas sobre a terra, circunstância responsável, até então,
por fazer dos pequenos proprietários de terra, presas fáceis dos grandes
latifundiários.
Essa medida acabou por promover o modelo das pequenas e médias pro-
priedades. Procurou também dividir a sociedade em classes, e no interior
delas foi possível uma maior distribuição de cargos políticos e administrati-
vos que antes ficavam somente reunidos nas mãos dos membros da nobreza
(ANDERSON, 1994).
Porém, esse rearranjo não persistiu por muito tempo. Os conflitos sociais
com os cidadãos logo se renovaram e agravaram, culminando com a tomada do
poder pelo tirano Pisístrato (546 a.C. e 527 a.C.). Pisístrato apostou na explo-
ração de prata na região norte da Grécia, o que lhe rendeu riqueza suficiente
para formar um exército de mercenários o que lhe conferiu estabilidade ao
governo que perdurou até a sua morte.

Atividades de aprendizagem
Ao longo do período arcaico os governantes Sólon e Pisístrato enfrentaram
um contexto social de muitas agitações e insatisfações tanto por parte das
classes pobres como dos grupos nobres. Porém, cada um desses gover-
nantes lançou mão de medidas diferentes para amenizar os conflitos e
se manter no poder. No que consistiam as principais estratégias e ações
desses governantes?

1.4 O período clássico


Esse período é um dos mais expressivos da hegemonia grega diante das
demais sociedades da época, porém de intensas competições e batalhas en-

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tre as próprias cidades gregas, é o período em que ocorreu ampla utilização


da mão de obra escrava, hegemonia do regime da democracia, de alianças
entre as cidades gregas contra o povo persa (Guerras Médicas) e da união
e conflitos das cidades para decidir sobre a hegemonia entre elas mesmas
(Guerra do Peloponeso).

1.5 As guerras médicas


Diz respeito às guerras que ocorreram entre os anos de 546 a.C. e 479 a.C.
entre os povos persas e os povos gregos pelo domínio das terras da Jônia, na
Ásia Menor, e pela libertação das colônias gregas que haviam sido dominadas
pelos persas e pelo controle marítimo e comercial no mundo antigo. Entre as
batalhas que mais se destacaram têm-se a batalha de Maratona, de Termópilas,
de Salamina e, por fim, a de Platéias.
De maneira geral, pode-se dizer que ao longo das guerras médicas ficaram
evidentes as condições de guerra dos dois adversários, quando os povos gregos
apresentavam número reduzido de soldados com forte tática e estratégia de
guerra; e entre os povos persas um grande número de soldados mobilizados,
porém desprovidos de maiores treinamentos, o que, por sua vez, repercutiu
diretamente nos resultados.
A batalha de Maratona (490 a.C.), cidade nas proximidades de Atenas, foi
a primeira das batalhas, cuja vitória foi dos gregos. Em meio a essa guerra os
gregos formaram a Liga de Delos, sob a liderança de Atenas, que, por sua vez,
soube tirar proveito e ao mesmo tempo fomentar sua indústria, modernizar o
comércio, o que lhe conferiu uma hegemonia entre as demais cidades. Nesse
enfrentamento, a Liga de Delos conseguiu evitar o desembarque de milhares de
persas nas terras gregas. Porém, passados dez anos, os persas voltam a atacar
os gregos (HOMERO, 1960).

Para saber mais


A modalidade esportiva chamada de maratona, que possui a metragem de 42,195 km, foi
criada a partir da famosa história/lenda de que, durante a batalha de Maratona, o soldado
Fidípides foi incumbido de correr Maratona até Atenas para anunciar a vitória grega; no mo-
mento em que o soldado conseguiu cumprir a missão, caiu morto ao chão.

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94  HISTÓRIA ANTIGA

Esta batalha ficou conhecida como a batalha de Termópilas, os persas eram


governados por Xerxes I (518 a.C.-465 a.C.) e os gregos por Leônidas (540
a.C.-480 a.C.), rei espartano. Os números de integrantes do exército grego em
relação ao persa era muito desproporcional, então a estratégia de Leônidas foi a
de atrair os persas para um combate em meio a um desfiladeiro, o que por sua
vez desfavoreceu o uso de cavalos que era um dos potenciais das tropas persas,
e também reduzia o contingente de soldados que estariam se enfrentando ao
mesmo tempo. Nessa batalha os persas saíram vencedores, pois conseguiram
ultrapassar a estratégia do exército espartano, cercando os gregos pelas duas
entradas e/ou saídas do desfiladeiro.
Logo após a vitória nas Termópilas, as tropas persas invadem Atenas, porém
encontraram a cidade evacuada. Enquanto isso o gregos, liderados por Temís-
tocles (527 a.C.-459 a.C.), atraíam a atenção às ilhas de Salamina na qual os
gregos utilizaram aproximadamente 200 navios trirremes. A estratégia para
superar a superioridade numérica de soldados persas foi a de lançar as embar-
cações sobre a frota persa e evitar o enfrentamento corpo a corpo e por terra.
Temístocles e suas tropas venceram e Xerxes deixa o comando das tropas persas.
O último conflito das guerras médicas foi o combate de Platéias. Em 479
a.C. os persas invadem a Ática, fazendo com que o exército espartano, que
estava dividido do de Atenas, se deslocasse para lá. Ao saber disso, os persas
se retiram mais ao oeste do território, na cidade de Platéia, aonde foram tra-
vadas duas batalhas a de Micale e Platéia, cuja vitória grega fez que os persas
deixassem a região definitivamente.

1.6 A guerra do peloponeso


As guerras médicas tiveram um caráter de conflito internacional: eram os
gregos, nas mais diferentes cidades, aliados contra os povos invasores; já a
guerra do Peloponeso, que ocorreu entre os anos de 431 a.C. e se estendeu
até 404 a.C., consistiu em conflitos entre as próprias cidades gregas. Pode-se
dizer que essa guerra consistiu na disputa entre Atenas e Esparta e as respectivas
cidades aliadas (TUCÍDIDES, 1987).
Após o término das guerras médicas, os gregos, liderados por Atenas, forta-
leceram a Liga de Delfos a fim de garantir as rotas comerciais no interior do mar
Egeu e do mar Mediterrâneo e as fronteiras terrestres diante de possíveis invasões
estrangeiras. As cidades menores foram responsabilizadas em pagar um oposto
chamado phoros à Atenas e ela, por sua vez, organizaria e se responsabilizaria
pelos serviços de segurança em todo o território.

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Passados alguns anos as cidades gregas perceberam que não havia chance
de novas guerras e invasões estrangeiras; diante disso as cidades menores
como Esparta, Argos e Corinto deixam a Liga de Delos e fundam a Liga do
Peloponeso. Mesmo com a saída dessas cidades, Atenas permaneceu como
cidade hegemônica no controle das frotas marítimas e do comércio regional.
Foi um momento em que a democracia se consolidava e repercutia como mo-
delo político promissor, e gradualmente outras cidades foram implantando a
democracia em seus governos.
Quando a cidade de Córcira, que fazia parte da Liga do Peloponeso, resolve
se aliar à Liga de Delos, foi dado o motivo primordial para que o conflito fosse
deflagrado. A liga do Peloponeso da qual Esparta fazia parte, possuía vantagens
em termos de exército. A falta de alguma porção de terras no interior do terri-
tório deixou o poder ateniense — tanto em recrutamento quanto em recursos
— muito reduzido para resistir a uma coligação de rivais terrestres.
Mesmo assim, os espartanos viram-se obrigados a recorrer à ajuda dos per-
sas para financiar a frota marítima que fosse capaz de terminar com o domínio
ateniense do mar. Assim, Esparta foi a vencedora da guerra, e, por sua vez, tratou
de implementar oligarquias por toda Atenas, causando a ruína de pequenos agri-
cultores, obrigando-os à migrar para os centros urbanos (ANDERSON, 1994).

Questões para reflexão


Ao longo das Guerras Médicas, o grande inimigo grego, tanto de Esparta
quanto de Atenas, foi o povo persa. Porém, anos depois de vencidas
as Guerras Médicas, durante a Guerra do Peloponeso, os espartanos
uniram-se aos persas para vencer a rival Atenas.
Quem diria?! Pois é, diante da necessidade de garantir o poder, os
domínios, as posses, a influência e a hegemonia muitos países, gover-
nos, partidos políticos e indivíduos acabam muitas vezes aliando-se e
unindo-se a quem em outros momentos e tempos declararam e fize-
ram guerra! O caminhar da humanidade muitas vezes nos causa certa
perplexidade. O unir-se, aliar-se a quem foi ou é inimigo para chegar
ou se manter no poder continua sendo utilizado na época contempo-
rânea. E você, o que pensa a respeito? Como analisa e avalia quem se
utiliza dessa estratégia?

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96  HISTÓRIA ANTIGA

Depois disso já não houve mais oportunidade de as cidades gregas unirem-


-se e fortalecerem-se novamente. As cidade gregas do século IV mergulharam
na exaustão, enquanto a pólis clássica experimentava dificuldades crescentes
nas finanças e no serviço militar obrigatório. Por fim, a Guerra do Peloponeso
acabou aprofundando a pobreza, aumentando as tensões sociais, enfraquecendo
a estrutura da política da pólis. Anos, depois a Grécia foi anexada ao Império
da Macedônia (Mesopotâmia, Egito, Pérsia e Grécia) por Alexandre, o Grande.
Outra contradição evidente desse período residia na coexistência de
estruturas econômicas escravistas e conjunturas políticas de democracia ao
mesmo tempo. Acompanhe o texto que segue para saber mais sobre o caráter
da escravidão ao longo do período clássico:

1.7 A escravidão
Na Grécia, o trabalho escravo nunca foi predominante, ele esteve em evi-
dência entre os séculos V e VI a.C., quando as cidades-Estados transformaram
essa forma de mão de obra em um sistema auxiliar ao seu modo de produção.
Ao mesmo tempo, coexistiam camponeses livres, rendeiros dependentes e ar-
tesãos urbanos. Anderson (1994) sugere que foi graças ao trabalho escravo no
campo que a classe de proprietários de terras ficava liberada e disponível para
elaborar e discutir a filosofia, a cidadania e a política nos espaços urbanos.
A escravidão como mercadoria, regida por uma bolsa de valores, foi intro-
duzida na Grécia nas cidades-Estados rivais. Durante o século V, o apogeu da
pólis clássica, Atenas, Corinto, Égina, entre outras, possuíam uma volumosa
população escrava, às vezes até ultrapassando o número de cidadãos livres.
Escravos estes, que eram utilizados na mineração, na agricultura e na manufa-
tura, fazendo florescer a civilização urbana grega.
Porém, a escravidão na Grécia Antiga fazia sentido também muito além das
atividades econômicas, estendendo-se ao campo político e social dos cidadãos.
O conceito de liberdade presumia que o cidadão era livre do interior das cotas
de trabalhadores escravos (ANDERSON, 1994).
A escravidão também durante o governo de Péricles (444-429 a.C.) chegou
a se tornar profissionalizada, alguns escravos se tornaram responsáveis por
setores militares e, de certa forma, foram considerados “cidadãos” ou algum
status próximo disso.
Juridicamente, os escravos eram coisas sem quaisquer direitos ou garantias:
não podiam possuir bens, constituir família legal nem conservar os filhos

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pertos de si. Equiparados a animais ou a ferramentas. Uma coisa, no entanto,


é o estatuto jurídico do escravo em Atenas, e outra, sua situação real e a vida
que efetivamente levava e lhe era permitido levar.
Os escravos públicos pertenciam à própria pólis, além de ser utilizados em
diversos trabalhos manuais, uns — o corpo dos arqueiros citas — tinham a seu
cargo o policiamento da cidade, com todo o peso que tal fato implica, inclusive
autoridade sobre os cidadãos; outros, em número considerável, trabalhavam
como funcionários nos diversos órgãos e edifícios da pólis: arquivos, armazéns,
tesouros públicos, arsenais da marinha.
Em um sistema em que a quase totalidade dos magistrados e dos elementos
dos diversos órgãos mudava anualmente, esses escravos constituíam a garantia
de continuidade governativa. Sem eles, a Constituição de Atenas, tal como era,
possivelmente não teria podido funcionar (FERREIRA, 1990).
Os escravos particulares tinham certa liberdade, não moravam na casa dos
patrões e podiam ter a profissão que quisessem, desde que o trabalho fosse feito.
Não foram encontrados registros de que os escravos tinham certas caracterís-
ticas físicas ou em relação à cor, também não tinham vestimentas diferentes,
portanto, gozavam de certas liberdades e tinham certo respeito.
Os escravos privados ficavam em praça pública (Ágora) buscando quem os
contratasse, o que comprova que eles recebiam. Alguns debates na pólis des-
tacavam que muitos cidadãos questionavam essa igualdade, pois os escravos
não tinham tanta diferença dos cidadãos, por outro lado, o governo Péricles
afirmava que ela era importante (FERREIRA, 1990).
Sobre os direitos dos escravos privados, esses eram muitos; além de não
terem distinção salarial em relação ao homem livre, tinham proteção a vida e
eram protegidos pela pólis contra a violência de quaisquer cidadãos, inclusive,
referentes a maus-tratos dos patrões. O escravo privado poderia ficar asilado
em algum lugar, por autorização da pólis, se os patrões o maltratassem.
O patrão, em caso de maus-tratos, poderia perder o escravo de graça ou
perdê-lo por um preço inferior ao que vale um escravo. Parece que essa questão
da venda e a questão salarial são as únicas características que pode rebaixá-los
à condição de escravo, devido ao seu tratamento inferior. Existia a situação
também de quem cometia alguma violência ou maldade contra escravo ou
qualquer pessoa poderia até sofrer uma ação pública — essa ação poderia ser
proposta por qualquer cidadão (FERREIRA, 1990).

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98  HISTÓRIA ANTIGA

1.8 O período helenístico


Alexandre, o Grande (356 a.C.-323 a.C.) em seu governo (336 a.C.-323 a.C.)
procurou recuperar os valores e as tradições gregas e incorporá-las às cidades
que compunham os domínios do império macedônico.
O Império Macedônico originou-se de uma monarquia tribal em um interior
montanhoso e em uma sociedade que havia preservado muitas relações sociais
da Grécia pós-micênica. A realeza macedônica era hereditária, embora sujeita
a uma configuração que apresentava uma assembleia militar de guerreiros do
reino. Toda terra era praticamente propriedade do monarca, mas, na prática,
uma nobreza tribal mantinha propriedades nela e reclamava consanguinidade
com o rei, formando um círculo de “companheiros” reais do qual eram extraí-
dos conselheiros e governadores. A maioria da população era de camponeses
rendeiros livres e havia, relativamente, pouca escravidão. A urbanização era mí-
nima, a própria capital era uma fundação recente e frágil (ANDERSON, 1994).
O sucesso dos exércitos macedônicos na aniquilação das cidades–Estados
gregas e na unificação da península helênica devia-se essencialmente às suas
inovações militares, que refletiam na cavalaria associada à falange macedônica,
somada ao acesso inicial à metais precisos. Uma vez a Grécia conquistada,
criaram-se as condições necessárias ao avanço para o Oriente Próximo.
Os Estados helênicos eram criações híbridas. Os três maiores centros urba-
nos do mundo helênico foram Alexandria, Antióquia e Selêucia. As fundações
urbanas eram feitas com soldados, administradores e mercadores gregos e ma-
cedônicos. O caminho marítimo entre Rodes, Antióquia e Alexandria se tornou
o eixo do novo espaço mercantil criado pelo mundo helênico.
Os sistemas agrícolas tradicionais das grandes culturas ribeirinhas do Oriente
Próximo haviam associado proprietários senhores, rendeiros dependentes e
camponeses com a propriedade do solo. A escravidão rural nunca havia sido
economicamente muito importante (ANDERSON, 1994).
As cidades que compunham o mundo helênico eram gregas no modelo,
enquanto, no interior, permaneciam o padrão oriental. A estrutura dos Esta-
dos misturavam elementos helênicos e asiáticos. Os governantes helênicos
herdaram a poderosa tradição autocrática das civilizações ribeirinhas do
Oriente Médio. A divindade dos reis nunca foi uma doutrina do Império
Persa derrubado por Alexandre. A divinização dos monarcas logo se tornou
uma norma ideológica geral em todo o mundo helênico, o que, por sua vez,

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originou uma estrutura fundamentalmente oriental refinada pelo aperfeiçoa-


mento grego (ANDERSON, 1994).
A administração helênica no Oriente Próximo jamais elaborou códigos
legais unitários simplesmente improvisando de acordo com os sistemas de
origem grega e local, e todos sujeitos a uma interferência pessoal do monarca.
A maior parte das manufaturas urbanas — de óleo, tecidos, papiro ou da cer-
veja — eram monopólios reais. As taxações eram entregues em arrendamento
a empresários privados, mas sob o estreito controle do Estado.

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100  HISTÓRIA ANTIGA

Seção 2  A experiência da pólis e da


democracia
Atenas e Esparta foram as cidades que mais se destacaram na Grécia Antiga,
porém encontravam-se sustentadas em modelos distintos de cidades-Estado, e
sua história é marcada por disputas e rivalidades pelo exercício da hegemonia
e influência sob as demais cidades gregas. Tanto Atenas como Esparta mere-
cem um maior detalhamento no que diz respeito às suas estruturas políticas, à
formação social, à dinâmica econômica e aos principais traços culturais.

2.1 A pólis
A palavra pólis encontra-se relacionada à akropolis, que significa cidadela,
uma parte da cidade. Diferencia a unidade mais central de determinado povoado.
Encontra-se relacionada também à cidade-Estado, que compreende uma
comunidade política autogovernada e autogerida, composta por um núcleo
urbano circundado por morais que se espalham pelo interior do território.
A designação em termos de composição política também se refere à ideia
cidade-Estado, que por sua vez prevê a distinção entre dois âmbitos: o público
(no qual eram discutidas e geridas as questões públicas o bem comum) e o pri-
vado (no qual se inscrevia o exercício da sociedade civil) (ARISTÓTELES, 1998).
A origem da expressão é antiga, remonta aos tempos de Homero e Hesíodo,
aproximadamente entre os séculos VII e IV a.C., quando da tomada das cidades
gregas pelo Império de Alexandre Magno.

2.2 Atenas
Atenas pertencia à região da Ática, que continha as mais ricas minas de
prata na Grécia, que foi responsável por financiar a construção da frota naval
ateniense, bem como a existência e a cunhagem de moedas, que contribuiu
grandemente para a prosperidade comercial da cidade, conferindo o poder
de imperialismo sobre as demais cidades da Grécia, que se consolidou com a
realização e vitória nas Guerras Médicas.
A região de Atenas foi ocupada pelos povos jônios por volta do século X
a.C., mas foi somente com o posto de liderança na expulsão das forças persas
da Grécia no início do século V a.C. que a cidade gradualmente atingiu um
poder proeminente em relação às demais cidades do mundo grego antigo.

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Grécia Antiga 101

Sua base material era proporcionada pelo perfil e situação peculiar da


própria Atenas, territorial e geograficamente a maior cidade-Estado helênica,
apesar de ter apenas 1.500 quilômetros quadrados. Um terço da população
viva na própria cidade, e a maior parte do restante, no interior imediato, em
vilarejos (ANDERSON, 1994).
Estipula-se que a população ateniense não ultrapassava os 400 mil habitan-
tes, dos quais somente um número de 50 mil eram cidadãos. A imagem abaixo
procura ilustrar a composição da sociedade ateniense no campo político e no
interior da sociedade em números aproximados:

Figura 3.2 Sociedade ateniense

Fonte: <http://28navegadores.blogspot.com.br/2013/02/objetivos-para-o-
3-teste-atenas-no.html>.

A sociedade ateniense basicamente se encontrava composta por cidadãos


e não cidadãos. Os cidadãos eram do sexo masculino, filhos de pai e mãe
atenienses, com mais de 20 anos e com o serviço militar prestado. Apenas eles
podiam governar e administrar a cidade e possuir terras. Os não cidadãos eram
compostos por mulheres, crianças, metecos e escravos.
Por volta dos séculos VIII e VII a.C. tornou-se comum a escravização de pe-
quenos proprietários de terra que não conseguiam produzir alimentos suficientes
para pagar suas dívidas com grãos e ferramentas que haviam contraído junto às
famílias ricas. Além da ampliação da mão de obra escrava, consequentemente
ocorria o acúmulo e o aumento das áreas de terra das famílias aristocráticas
proprietárias de terra.

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102  HISTÓRIA ANTIGA

Por metecos pode-se compreender os indivíduos estrangeiros que residiam


em Atenas, que exerciam atividades comerciais ou artesanais. A estes recaía
as atribuições de pagar impostos de moradia e prestação de serviço militar.
Encontravam-se impedidos de possuir terras, contrair matrimônios com mulhe-
res atenienses e participar da vida política da pólis. Os escravos não possuíam
quaisquer direitos e realizavam os trabalhos mais pesados. Os indivíduos se
tornavam escravos pela forma de captura/prisioneiros de guerra ou pelo não
pagamento de dívidas.
Sólon (638 a.C.-558 a.C.) foi eleito para elaborar leis que pudessem
amenizar a tendência de concentração de propriedades e a crescente escravi-
zação da população que cada vez mais se tornava pobre e, por consequência,
escrava. Para tanto, aboliu a escravidão por dívidas e hipotecas que recaia
especialmente sobre os camponeses e, por outro, lado procurou salvaguardar
os cargos públicos da exclusividade dos líderes aristocráticos.
Na sociedade ateniense, as mulheres eram classificadas junto às crianças,
pois não deviam interferir nas questões da pólis e que diziam respeito ao mundo
masculino, sua principal atribuição eram as atividades do lar, a participação
dos rituais e nos cuidados dos filhos.
Outro aspecto importante na Atenas do período clássico foi a composição
das classes na prestação do serviço militar obrigatório. Os mais ricos eram
obrigados a servir na cavalaria ou tinham a obrigação de cuidar dos navios de
guerra; a classe média fazia parte da infantaria e eram chamados de hoplíticos
ou hoplitas, pois faziam parte da hoplita. Já aqueles que não tinham posses e
dinheiro faziam serviços auxiliares e muitos ajudavam como remadores (FER-
REIRA, 1990).
A educação era um privilégio destinado àqueles que possuíam condições
para pagar por serviços de um professor particular. A preocupação era que se
ensinasse e exercitasse o equilíbrio e a harmonia entre o corpo e a mente de
cada indivíduo. Para tanto, eram ensinados matemática, filosofia, poesia, mú-
sica, política, bem como as práticas esportivas como o lançamento de discos
e dardo, levantamento de peso, saltos, corridas, maratonas entre outros.
O expansionismo ateniense sucumbiu relativamente cedo, tanto em conse-
quência das contradições de sua própria estrutura (maior parte da população
escrava) quanto da resistência que isso propiciava, por parte das cidades mais
oligarcas do interior da Grécia, lideradas por Esparta.

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G r é c i a A n t i g a  103

2.3 Esparta
A cidade de Esparta surgiu aproximadamente no século XI a.C. com a in-
vasão de povos dóricos, que subjugaram a população espartana. Em termos
de classes e grupos sociais, os dóricos se transformaram em esparciatas e os
espartanos foram denominados hilotas, responsáveis pelos trabalhos servis e por
sustentar os esparciatas. Diante da necessidade dos esparciatas, de os hilotas
serem subjugados, Esparta se tornou uma sociedade altamente militarizada.
O sistema hoplítico, como existia em Atenas, consistia em combates nos
quais os guerreiros usavam somente lanças, a pé, em fileiras sucessivas, prote-
gidos por seus escudos, dispensando o uso de cavalos. Os hoplitas compunham
a infantaria pesadamente guarnecida, e cabia a cada soldado a responsabili-
dade de compor os próprios armamento e armadura, demonstrando que eram
oriundas de classes médias agrárias das cidades.
Esparta não conheceu tiranias, existiram governos monárquicos, que em pe-
ríodos primitivos foram responsáveis por conquistas de grandes áreas no interior
do Peloponeso. As vitórias nas batalhas no exterior favoreciam a ocupação das
posições centrais na estrutura política das cidades-Estado, regida por oligar-
quias auto armadas. O sistema que regia a política espartana era a oligarquia
composta por aproximadamente 8 a 9 mil esparciatas, grande proprietários de
terras e com qualidades militares excepcionais.
Ocorriam assembleias que eram constituídas por cidadãos que se reuniam ao
ar livre pelo menos uma vez por mês para aprovar ou rejeitar leis. Era composta
pela Gerúsia, formada por 28 gerontes (cidadãos com mais de 60 anos), e por
dois reis (diarquia), e deveriam elaborar as leis da cidade que seriam votadas
posteriormente pela Assembleia. Existiam os Éforos, uma espécie de chefia do
governo, que eram formados por cinco cidadãos com poderes administrativos,
militares, judiciais e políticos.
A sociedade era agrupada nos grupos de: aristocracia, composta pelos
esparciatas; por periecos, trabalhadores da agricultura, criadores de animais e
artesãos, e escravos denominados hilotas. Aos reis espartanos ficava associado
o governo assim como atribuições religiosas. A participação das mulheres na
sociedade espartana foi mais amplo, porém eram fundamentais no processo
de geração de filhos que deveriam ser sadios e de boa formação física para
serem futuros soldados; em tempos de guerra e combates, as mulheres as-
sumiam a liderança nas atividades econômicas dos maridos e participavam
junto às assembleias.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 103 25/06/14 20:09


104  HISTÓRIA ANTIGA

Atividades de aprendizagem
Nos dias atuais a participação das mulheres em teor de igualdade na
composição dos espaços públicos e políticos no interior das socie-
dades organizadas representa um dos temas mais em voga para os
grupos feministas e/ou que discutem questões de gênero. Uma das
interpretações que são amplamente difundidas é que as mulheres
foram historicamente excluídas ou subordinadas e nas mais diversas
sociedades que se formaram. Diante disso, pergunta-se: qual era a
participação das mulheres no interior da sociedade espartana e ate-
niense? Analise as sentenças abaixo:
a) As mulheres, tanto de Atenas como de Esparta, atuavam somente
nas atividades religiosas, na realização de rituais religiosos e nos
trabalhos com os Oráculos.
b) Em Esparta, as mulheres não participavam das decisões políticas,
atuavam mais expressivamente junto aos rituais religiosos e nas
atividades do lar. Em Atenas, deveriam se preocupar na geração
de filhos saudáveis para serem futuros soldados.
c) Em Atenas, as mulheres atuavam ao lado de seus respectivos ma-
ridos nas questões da pólis, em Esparta as mulheres gerenciavam
as atividades econômicas em políticas do maridos quando estes
se encontravam em situação de guerra.
d) Em Atenas, as mulheres não participavam das decisões políticas,
atuavam mais expressivamente junto aos rituais religiosos e nas
atividades do lar. Na sociedade espartana, deveriam se preocupar
na geração de filhos saudáveis para serem futuros soldados.
e) Em ambas as sociedades, as mulheres contavam com direitos à pro-
priedade privada, ao divórcio e à representação nos quadros políticos.

A educação em Esparta se caracterizava por ser repressiva, totalitária,


fortemente cívica, preocupava-se em formar guerreiros, fortes, obedientes e
honrados. Os meninos iam para as unidades de treinamento muito jovens. Por
isso as preocupações eram estudar estratégias de ataque, combate, proteção e
retirada. Exercícios e provas que estimulassem a resistência física, formas de

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 104 25/06/14 20:09


G r é c i a A n t i g a  105

resistências e sobrevivências diante de situações adversas, bem como primeiros


socorros. As meninas recebiam educação diferenciada que contemplava treinos
psicológicos e físicos supondo a vida adulta no interior da família em que o
homem/marido estaria ausente ocupado com guerras e combates.
Atenas e Esparta representam as duas cidades que ganharam maior projeção
e visibilidade ao longo de toda a história grega. Porém, as duas encontram-se
em uma relação de contraposição e dissemelhança fortemente demarcadas. As
duas cidades pouco uniram esforços, antes rivalizavam e duelavam de modo
a procurar demonstrar que uma era superior também em termos de domínio
das terras, controle das rotas comerciais, pelas referências culturais e artísticas
que apresentavam e defendiam.
Porém, manter essa concorrência e competitividade as tornou frágeis em
relação aos povos estrangeiros, e estes perceberam em ambas um campo fértil a
invasões e explorações. A título de exemplo, pode-se mencionar a experiência
da Pérsia, que diante desse contexto acabou por invadir as duas cidades e sub-
metê-las a seu domínio e em decorrência provocando a decadência de ambas,
conforme foi estudado anteriormente nas Guerras Médicas e do Peloponeso.

Questões para reflexão


É possível que o que ocorria entre as cidades de Atenas e Esparta se
aproximava da ideia de xenofobia, ou seja, um forte sentimento de
aversão, antipatia e desconfiança em relação ao estrangeiro, ao que
é de outra cultura ou raça; e tanto pode se dar diante de questões
de disputas de território como de salvaguardo à identidade e cultura
de uma dada sociedade. A ideia de xenofobia também se refere ao
pensamento e postura de um povo perceber-se, identificar-se como
forte e superior em relação aos demais. Agora, pergunta-se: na época
contemporânea, existem experiências de xenofobia entre culturas,
países, povos e nações?!

2.4 A democracia
A democracia é apontada como uma das maiores contribuições da Grécia
Antiga às sociedades modernas e contemporâneas do mundo ocidental, assim
como ela, a democracia que vigorou na Grécia Antiga, em especial em Atenas,

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 105 25/06/14 20:09


106  HISTÓRIA ANTIGA

costuma ser vista e indicada como o modelo mais perfeito de democracia já


praticado. Mas na realização prática existiam problemas que se fazem presentes
também em nossa época.
A formulação conceitual para democracia é definida como demo: povo, e
cracia: governo, poder, ou seja, um regime político no qual ocorre a participa-
ção do povo na elaboração das leis e na tomada das decisões.
Mas, então, como funcionava a democracia na época da Grécia Antiga? No
século V a.C. generalizou-se a política da “probolêutica”, ou seja, um Conselho
menor propunha as decisões públicas e uma Assembleia maior votava. A varia-
ção da composição do Conselho, da Assembleia e a eleição dos magistrados
do Estado acabava por conduzir a administração e definir o grau relativo de
“democracia” ou “oligarquia” em cada pólis (ANDERSON, 1994).

Para saber mais


Forma de governo baseada no patrimônio, nas propriedades, em riquezas, e os possuidores
destes exercem o poder.

Em meados do século V, o Conselho dos Quinhentos supervisionava a ad-


ministração de Atenas. Era selecionado entre o total dos cidadãos e na forma
de sorteio, para evitar os perigos da predominância de clientelagem associada
às eleições. A Assembleia mantinha um mínimo de 40 sessões por ano, com
uma assistência média de aproximadamente 5 mil cidadãos. Era necessário
um quórum de 6 mil pessoas para decidir sobre as deliberações mesmo sobre
assuntos rotineiros. O sistema judiciário que acompanhava o centro legislativo
da pólis era composto por jurados selecionados por sorteio entre os cidadãos
e remunerados por seus deveres (ANDERSON, 1994).
Clístenes (565 a.C.-492 a.C.) quando governou Atenas, alterou a organização
social das quatro tribos existentes, que por sua vez eram baseadas em laços
de sangue. Desmembrou mais dez, misturando homens de diferentes origens
e condições. Introduziu a execução dos condenados à morte por envenena-
mento com ingestão de cicuta (morte pela qual Sócrates foi condenado) e o
ostracismo, que conferia direito aos cidadãos de mandar para o exílio aqueles
que eram indicados como responsáveis por colocar a democracia em risco.
Além dos aspectos citados, a democracia não possuía caráter e composi-
ção muito populares. Na prática, a democracia ateniense estava diluída pela

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 106 25/06/14 20:09


G r é c i a A n t i g a  107

dominância informal de políticos profissionais sobre a Assembleia, que eram


recrutados de famílias tradicionalmente ricas na cidade. Essa contradição fazia
com que pensadores como Tucídides, Sócrates, Platão, Aristóteles e Xenofonte
a reprovassem, e diante desse contexto defendiam a oligarquia.
Enquanto vigorou o regime de democracia na Grécia Antiga, as cidades fo-
ram permeadas por guerras, ora contra povos estrangeiros, ora entre as próprias
cidades gregas. As guerras representam o tema central das obras de Homero,
e estas foram responsáveis por decidir as fronteiras, as fontes de minérios, as
porções de terra fértil e água potável; forjar a identidade grega, a diferencia-
ção étnica e cultural com outras sociedades, os modelos políticos e as cidades
hegemônicas no interior da própria Grécia. Mas vamos estudar cada uma em
específico e detalhá-las melhor.

Atividades de aprendizagem
As cidades gregas que ganharam maior projeção na Grécia Antiga
foram Atenas e Esparta, porém, competiam e rivalizavam, procurando
demonstrar qual das duas apresentava o modelo de sociedade e
regime político mais bem-sucedido e que deveria ser imitado pelas
cidades menores do interior. Construa um quadro comparativo entre
os modelos políticos, as estruturas sociais e educacionais que cada
uma apresentava:

Atenas Esparta
Modelos políticos
Estruturas sociais
Aspectos educacionais

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108  HISTÓRIA ANTIGA

Seção 3  Aspectos culturais da Grécia Antiga


Os aspectos de equilíbrio, harmonia e sobriedade estiveram muito presentes
na expectativa de belo e beleza dos povos gregos. É possível identificar a preo-
cupação com esses aspectos nos tratados de filosofia, nas estruturas políticas,
nas dimensões da arquitetura, na prática de exercícios físicos, no apreço pela
virtude, ética e liberdade entre outros.
O belo, que era almejado não somente ao que concernia à forma do corpo
humano, tratava-se de um belo que revestia o todo da realidade, desde os há-
bitos, os costumes, na vida privada como na vida pública. Havia uma busca
pela coerência entre a parte e o todo, o físico, a conduta e o emocional da
expressão humana.

3.1 O belo e os esportes


Os gregos são indicados como os povos que possuíam uma das mais balan-
ceadas e saudáveis alimentações da Antiguidade. O fato de a Grécia apresentar
seu território recortado pelo mar já indica que muitos dos itens/ingredientes que
advinham de lá prevaleciam na composição dos pratos. Entre os ingredientes
obtidos na parte continental da Grécia, há o azeite, o trigo e demais grãos,
azeitonas, uvas, nozes, mel, legumes, hortaliças, leite entre outros, dos quais
outros alimentos eram derivados e preparados.
A harmonia, o equilíbrio e a sobriedade foram valores que perpassavam
vários âmbitos da sociedade, cultura e cotidiano dos povos gregos, e é possível
também identificá-los na composição das vestimentas. Portavam vestimentas
longas, desde os ombros até os pés, espécies de túnicas amarradas e entrela-
çadas nos ombros e na cintura.
O uso de sandálias em couro entrelaçado aos pés e pernas era comum; estas
que por sua vez eram oriundas dos trajes de guerras e combates. A presença de
adornos e acessórios nas roupas, nos braços, peito e cabelos, especialmente
por parte das mulheres. Os cabelos das mulheres costumavam ser parcialmente
presos. Existia uma espécie de culto ao corpo, e nesse contexto se faziam pre-
sentes salões de barbeiros, espaços para banhos, termas, sessões de massagens,
depilação e perfumaria.
Na Antiguidade, os esportes e jogos eram um meio de formação e de-
monstração tanto da força física como dos valores morais, e por sua vez

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 108 25/06/14 20:09


G r é c i a A n t i g a  109

apresentavam traços de violência que se faziam necessários em tempos de


guerras ou na busca por recompensas e glória. Tanto poderiam receber um
caráter militar, pedagógico e medicinal, no qual a educação física leva-
vam o homem a explorar na relação corpo-alma e em relação à natureza
(MACHADO, 2006).

Atividades de aprendizagem
A sociedade grega é amplamente reconhecida por ser fortemente preo-
cupada em atribuir aspectos de beleza em suas mais diversas expressões,
seja política, cultural ou física. Porém, se comparado o conceito de belo
grego, acaba por ser muito distinto em relação ao que se entende por
belo em nossa época. Então, pergunta-se: no que consistiam os padrões
de beleza (“belo”) dos antigos gregos?

Na Figura 3.3 tem-se o lançador de discos, que por sua vez sintetiza os as-
pectos relacionados acima, bem como as preocupações em termos de técnicas
artísticas; é possível perceber a concepção geométrica e a ideia de momento
que a escultura transmite:

Figura 3.3  Discóbulo (lançador de disco), Morin, aprox. 455 a.C.

Fonte: Museo Nazionale Romano, Roma (2014).

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110  HISTÓRIA ANTIGA

Para tanto, criaram-se os Jogos Olímpicos, como forma de oficializar e pres-


tigiar a prática destes em meio à sociedade grega. Expressavam a competição
e a rivalidade entre as cidades, eram associados aos rituais e festividades em
homenagem aos deuses gregos. Somente homens livres e amadores podiam
participar.
As modalidades esportivas mais praticadas nos jogos olímpicos eram a
corrida simples, dupla, com armas e com tocha; lançamento de disco e dardo,
lutas e pugilismo, saltos, hipismo, entre outros.
Eram realizados de seis em seis meses, e no decorrer destes cessavam guer-
ras e demais ações políticas. Porém, com o advento e com a consolidação do
cristianismo, as festas foram proibidas, pois caracterizavam festas aos deuses
pagãos. Ao longo da Idade Média praticamente ficaram proibidos, e apenas
foram retomados no final do século XIX; a partir de então, com a perspectiva
de simbolizar a confraternização dos povos e culturas (MACHADO, 2006).
Outra preocupação dos povos gregos era que os indivíduos deveriam apre-
sentar saberes e conhecimentos de música, poesia, literatura, o teatro e das
artes de geral; realizar reflexões sobre ética, filosofia, política, matemática e até
metafísica, aspectos que, por sua vez, compunham o belo intelectual.

3.2 O teatro e a tragédia grega: uma finalidade moral


e política
Ao pesquisar imagens da Grécia Antiga, é impossível não ficar intrigado
com a quantidade de edificações gregas que eram dedicadas aos espetáculos
teatrais. Com o teatro grego, em especial com a tragédia grega, nasceu o culto a
Dioniso, o deus do vinho, da alegria, da exuberância, das potências geradoras,
da excitação de toda espécie, da união mística, propiciador da embriaguez
(HEINZ-MOHR, 1994).
Inicialmente, o culto a Dioniso não era bem aceito na sociedade grega. A
aristocracia, que determinava os cultos oficiais, recusava-se a aceitá-lo, pois
Dioniso era um deus estrangeiro. Algumas fontes apontam como sendo possi-
velmente originário da Trácia ou da Frígia. Por outro lado, as atribuições que
lhe eram reconhecidas (embriaguez e exuberância) indicavam exatamente o
oposto dos ideais gregos de equilíbrio e beleza.
Conta-se que Dioniso, em Ícaro, havia ensinado aos homens, pela primeira vez,
a arte de cultivar vinhas (SANTOS, 2014). O mito de Dioniso acabava por personi-
ficar a liberdade, a desobediência à ordem, e logo ganhou admiração entre as

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G r é c i a A n t i g a  111

populações submetidas pelos gregos, especialmente as agrícolas, que ao aceitá-lo


e celebrá-lo extravasavam sua indignação e revolta contra o povo dominador.
Diante da crescente aceitação que Dioniso recebia no interior das popu-
lações campesinas, Pisístrato (600 a.C.-527 a.C.) tratou de considerar o culto
oficial e reservou-lhe espaço no interior dos teatros gregos.
A tragédia, por sua vez, nasce e se consolida no momento em que o mito
passa a ser interpretado sob a ótica do exercício da cidadania. A partir desse
momento, tanto o universo do mito quanto o mundo da cidade perdem sua le-
gitimidade e passam a ser alvos de questionamentos e dúvidas. O herói presente
no teatro grego faz parte do universo lendário, dos tempos da aristocracia, e
caracteriza-se pelos valores decadentes da mesma (VIDAL-NAQUET, 1999).
É nesse aspecto que se estabelecem os conflitos, pois a nova cidade, a pólis,
não comportava e não tolerava mais crimes de sangue, incestos nem sequer a
vingança pautada nas leis do oikos, lar ou mesmo das façanhas divinas (SAN-
TOS, 2014).
A partir daquele momento, o herói lendário tornou-se o sujeito responsável
por seus próprios atos, sofrendo julgamento por parte dos deuses e, também, dos
homens, ou seja o homem que deveria prestar contas e pagar por suas atitudes.
Recuavam as justificativas mitológicas e ganhava espaço a moral de cidadania. A
derrota dos personagens míticos e heroicos não significa denegrir a imagem dos
valores antigos. Ao mesmo tempo em que estavam sendo vencidos, alcançavam a
glória, por meio da demonstração de nobreza, honra e superioridade na maneira
como suportam as penas e os sofrimentos advindos de seus crimes.
A tragédia grega consistiu em uma modalidade teatral na qual a imitação
de fatos e acontecimentos provocava piedade e terror, e que por sua vez oca-
sionava a purificação dessas emoções e desejos na consciência dos indivíduos.
As encenações trágicas transmitiam a ideia de que a vida ou a felicidade de
pessoas inocentes e comuns estava em perigo, e diante dessa ameaça os indi-
víduos deveriam se observar, censurar-se e moralizar-se (ABBAGNANO, 2009).
A maior parte das peças trágicas gregas sugeriam aos espectadores que
eles deveriam responder por seus atos. O momento histórico da tragédia grega
corresponde a um estado particular de articulação entre o mito e o pensamento
racional que estava sendo gestado e incorporado ao cotidiano.
O passado mitológico e o presente da cidade confrontavam-se nos palcos
gregos, ou seja, o momento era de transição entre um conjunto de valores reli-
giosos, os valores do oikos, do lar, e os novos valores democráticos e de cidadania

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 111 25/06/14 20:09


112  HISTÓRIA ANTIGA

urbana, sendo que os valores coletivos da pólis tendiam à sobreposição dos


valores individuais da aristocracia (SANTOS, 2014).
O surgimento e a utilização da tragédia coincidiu com o momento em que
os gregos estavam tentando distinguir, diferenciar a dimensão humana dos
fenômenos físicos, naturais e do universo mítico dos deuses; ou seja, procura-
vam racionalizar seu pensamento e a conduta no dia a dia. A cidade, a pólis,
demandava por um novo homem, o homem político, o homem cívico, o homem
do direito grego, aquele cuja responsabilidade seria discutida nos tribunais.

Para saber mais


Abaixo, procura-se apresentar uma pequena síntese de uma das principais narrativas das tra-
gédias gregas, Édipo Rei, de Sófocles. Procure identificar os problemas morais e políticos e o
campo do conhecimento no qual essas obras costumam ser utilizadas em nossa época:
SÓFOCLES. Édipo Rei. Trad. Paulo Neves. Porto Alegre: L & PM, 2001.

Édipo é filho de Jocasta e Laio, rei de Tebas. Laio foi amaldiçoado pelos deuses
com a pena de que seu filho o mataria e ainda se casaria com sua própria mãe.
Logo do nascimento do primeiro filho Laio mandou que o executassem longe das
imediações do reino. Assim, Édipo foi levado para as regiões de agricultores, onde
foi salvo por pastores, que trataram de o levar até o rei Políbio, da cidade de Coríntio.
Quando adulto, Édipo é avisado da maldição que o acompanhava, e procu-
rou fugir do destino que o esperava. Parte de Coríntio rumo a Tebas, ao longo
do caminho depara-se com um grupo de aparentes mercadores com os quais
se desentende e trava enfrentamentos, acaba por matar todos, restando somente
um que conseguiu fugir. Dentre os mortos, encontrava-se Laio.
Édipo retoma seu caminho em direção a Tebas, encoraja-se a desafiar a
Esfinge, cuja sentença era: decifra-me, ou devoro-te. Édipo acerta o enigma,
e como recompensa recebe de Creonte, então governante de Tebas, a mão da
rainha viúva, e torna-se o novo rei da cidade. Passam-se mais de quinze anos e
diante de uma grande peste, Édipo consulta o oráculo de Delfos, e este anuncia
que para salvar a cidade era necessário investigar a morte de Laio. Logo chegam
notícias a Tebas de que o rei Políbio (pai adotivo de Édipo) havia falecido. Em
seguida, adentra o templo o homem sobrevivente da comitiva de Laio, que
havia sido o mesmo a abandonar Édipo recém-nascido entre os pastores no
interior dos domínios de Tebas.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 112 25/06/14 20:09


G r é c i a A n t i g a  113

Nesse momento, tudo se revela e compõe o destino trágico como havia sido
anunciado. Édipo matou o pai (Laio), desposou e teve filhos com a própria mãe
(Jocasta). Jocasta suicida-se, Édipo cega os próprios olhos e abandona a cidade.

Questões para reflexão


A moral da história de Édipo Rei nas palavras de Sêneca (4 a.C.-65 d.C.),
pensador romano, traduz de modo resumido que: “O destino conduz
o que consente e arrasta o que resiste”. Mas, para você, acadêmico(a),
é possível escapar das tramas do destino? Ou o destino é determinante
na vida dos indivíduos?

A obra de Sófocles é amplamente utilizada nos tempos contemporâneos no


campo da psicanálise, é dela que deriva a explicação freudiana de complexo
de Édipo para explicar as relações de poder e saber entre pai, mãe e filho.

Atividades de aprendizagem
Atualmente, a expressão artística do teatro encontra-se amplamente
difundida, e observa-se que as peças que contemplam narrativas cô-
micas acabam por ganhar maior evidência e prestígio. Mas o teatro
teve origem na Grécia Antiga, e tanto a modalidade da comédia como
da tragédia eram prestigiadas pela sociedade. As narrativas trágicas,
em especial, encontravam-se relacionadas às mudanças que ocorriam
no contexto político e nos códigos de morais da época. Diante disso,
analise as sentenças abaixo:
I. A tragédia grega pode ser relacionada aos aspectos da mu-
dança de regime político da aristocracia ou oligarquia ao de
democracia.
II. A teatro trágico procurava expressar que os valores do mundo
mítico e lendário deveriam ser substituídos pelos valores da pólis
e da democracia.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 113 25/06/14 20:09


114  HISTÓRIA ANTIGA

III. A tragédia grega destacava a necessidade de os gregos respeita-


rem as tradições religiosas, caso contrário, seriam severamente
punidos pelos deuses, e as penas recaíam a todos os cidadãos.
IV. O teatro grego apresentava como herói o cidadão, que por sua
vez prestava contas, respondia por seus atos e sofria as penas da
lei por suas atitudes.
Agora assinale a alternativa correta:
a) As sentenças I, III e IV estão corretas.
b) As sentenças I, II e III estão corretas.
c) As sentenças II, III e IV estão corretas.
d) Somente as sentenças II e IV estão corretas.
e) Somente as sentenças I e III estão corretas.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 114 25/06/14 20:09


G r é c i a A n t i g a  115

Seção 4  O declínio e o legado da civilização


grega
A exemplo de outras civilizações e impérios, tanto anteriores como poste-
riores, a Grécia viveu seu momento de nascimento, expansão, consolidação,
esplendor, retrocesso e decadência. Porém, com a forte presença das concep-
ções e estruturas gregas em meio à sociedade ocidental, têm-se os indicativos
de que se tratou de uma civilização eloquente e que ainda reserva aspectos
que podem orientar o momento presente.

4.1 O declínio da civilização grega


O processo de declínio da civilização grega pode ser localizado ao final do
período helenístico no interior da Grécia, a época de conquista e expansão do
Império Macedônico e a formação do Império Romano. Podem-se apontar os
séculos II e III a.C. como os momentos finais da expressividade da cultura grega.
Mas que fatores provocaram ou acentuaram o processo de declínio da
cultura grega?
As constantes guerras nas quais as cidades gregas encontravam-se envolvi-
das foram responsáveis pelas baixas de grandes números da população; exigiam
gastos e destruição das estruturas urbanas e rurais, e consequentemente por
favorecer as invasões por parte dos povos estrangeiros.
A conquista do território grego pelos macedônios combinou a decadên-
cia grega e a ascensão do reino de Filipe II. Dois anos após a vitória contra
os gregos, na Batalha de Queronéia em 338 a.C., Filipe II foi assassinado,
e seu filho, Alexandre III (Alexandre, o Grande), o sucedeu. Em 336 a.C.,
Alexandre, tornou-se rei da Macedônia e dois anos depois senhor de toda
a Grécia. Durante seu curto reinado de treze anos (entre 336 e 323 a.C.),
Alexandre realizou a conquista de territórios mais rápida e espetacular da
Antiguidade.
Por volta do ano 200 a.C., Pérgamo, a última das cidades sede do império
helênico (grego), foi incorporada ao Império Romano e, posteriormente, às
cidades que formavam o Império Macedônico passaram pelo mesmo processo.
Esse período marca o contato e a assimilação entre a cultura helênica (grega)
e as culturas orientais.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 115 25/06/14 20:09


116  HISTÓRIA ANTIGA

A existência da escravidão e a permanência de um pequeno número de


atenienses que participavam das decisões políticas foram agravadas com a falta
de medidas eficientes e o amplo uso da demagogia (manobras de manipulação
popular). A deterioração dos valores e estruturas da pólis e da democracia
foram acompanhados pela supervalorização da posse de riquezas, os bens
materiais e tudo o que estes poderiam proporcionar.
O cumprimento das leis da pólis, os ideais de preocupação com o bem
comum, com o patrimônio público, de liberdade, de virtude, de participação
popular foram substituídas pelas leis de satisfação e felicidade naturais dos
indivíduos (comida, sexo, festas), pela moral de guerra e militarização da socie-
dade, pela política de invasão, conquistas e submissão de outros povos, que por
sua vez enxergavam representação e correspondentes em regimes totalitários
e imperiais, como o Império Macedônico e o Império Romano.

Para saber mais


Por civilização pode-se entender o estágio avançado de uma cultura, o estágio em que um
conjunto de práticas, crenças e valores que se apresentam consolidadas como um modelo a
seguir, um ideal a perseguir, ou seja, indicadores do grau de formação humana ou espiritual
alcançada pelo povo, por exemplo: norte-americana, europeia, japonesa, latino-americana,
indiana, ocidente cristão, oriente islâmico.
Refere-se aos aspectos tecnológicos e simbólicos de determinada cultura. Segundo A. Toynbee
(1889-1975), consiste no conjunto dos instrumentos de que uma cultura dispõe para conservar-
-se, enfrentar os imprevistos de situações novas e perigosas, superar a crise, renovar-se e
progredir.

Atividades de aprendizagem
A sociedade grega se inscreveu de forma mais acentuada e expoente no
tempo transcorrido entre os anos de 2000 e 200 a.C. Viveu seu momento
de nascimento, desenvolvimento, expansão, auge e declínio. As estrutu-
ras políticas, o refinamento artístico, filosófico e cultural são os que esta
civilização apresentou de mais expressivo à história das sociedades hu-
manas. Então, pergunta-se: o que fez que esta civilização ruísse? Assinale
a alternativa correta:

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 116 25/06/14 20:09


G r é c i a A n t i g a  117

a) O governo grego foi atacado diretamente pelas especulações e ques-


tionamentos de filósofos, por verdades e as provas apresentadas por
historiadores e matemáticos.
b) As contradições sociais, a demagogia política, as guerras internas e
externas, a deteriorações da virtude e da cidadania e a valorização da
individualização e dos vícios.
c) As ondas de invasões que os povos nórdicos estavam empreendendo
pelo interior do Mar Mediterrâneo e Ásia central.
d) O enfraquecimento do poder do imperador Alexandre, o Grande, e as
invasões dos povos aqueus, eólios, dóricos e jônicos.
e) O fracasso das reformas empreendidas por Pisístrato, as revoltas da
população camponesa, escravos e membros do exército.

Questões para reflexão


O historiador Arnould Toybee (1987) dedicou-se a estudar e compa-
rar o nascimento, o desenvolvimento e a decadência em termos de
civilização na História da humanidade. Os estudos de Toybee podem
nos inspirar no sentido de entender o panorama mundial nos tempos
contemporâneos. Então, acadêmico(a), reflita sobre o raciocínio que
propomos:
O fenômeno de declínio que ocorreu com a Grécia no século III a.C.,
foi seguido pelo Império Romano no século V d.C. Agora, pode-se
pensar que o mesmo tende a ocorrer em relação aos Estados Unidos
e à China? (Estados Unidos, que tiveram sua projeção no século XIX
e declínio no século XX; a China, que teve sua projeção no final do
século XX e se encontra em pela expansão.)

Para saber mais


Maiores elementos podem ser encontrados em: TOYNBEE, Arnold. Um estudo da história.
São Paulo: Martins Fontes, 1987.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 117 25/06/14 20:09


118  HISTÓRIA ANTIGA

4.2 O legado à tradição ocidental


Como legado histórico de civilização grega tem-se que a filosofia, a ciência,
a matemática, a história, a arquitetura, a escultura, o teatro, a poesia, a adminis-
tração, a economia, a cidade, a democracia, o voto, o debate, o recrutamento
militar alcançaram níveis de sofisticação inigualáveis (ANDERSON, 1994).
No campo do pensamento, tem-se que foram os gregos que primeiro teo-
rizaram e sistematizaram os problemas filosóficos fundamentais do homem,
como a origem e o sentido de sua existência, do universo, do conhecimento
entre outros.
Tales de Mileto (623 a.C.-558 a.C.), Anaxímenes (585 a.C.-524 a.C.) e
Anaximandro (610 a.C.-547 a.C.) são indicados como os primeiros filósofos
da História do pensamento e das ideias. Esses filósofos preocuparam-se em
pensar sobre quais seriam os elementos básicos e primordiais à origem de to-
das as coisas na natureza. Tales defendeu que seria a água, Anaximenes, o ar,
e Anaximandro concluiu que seria a matéria propriamente dita.
Em seguida, é reconhecida a Escola de Pitágoras, os estudiosos que faziam
parte dessa escola defendiam que era o número uma noção ordenada, abstrata
e imutável como sendo a origem de todas as cosias.
Protágoras (490 a.C.-420 a.C.) defendeu a formulação de que “o homem é a
medida de todas as coisas”, o que, por sua vez, cria o meio favorável para que
Sócrates (469 a.C.-399 a.C.) posteriormente defenda as teses de “conhece-te
a ti mesmo” e “só sei que nada sei”.
Seguindo esse percurso de questionamento e reflexão sobre os principais
problemas da existência humana encontra-se Platão (428 a.C.-348 a.C.) e
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), que se dedicaram a escrever sobre questões de
virtude, ética, beleza e felicidade.
Heródoto de Halicarnasso (V a.C. aprox.) e Tucídides (460 a.C.-395 a.C.) são
indicados como os primeiros estudiosos do campo da História a se preocuparem
em diferenciar a História das narrativas mitológicas e heroicas, no sentido de
conferir um maior teor de veracidade aos fatos, racionalidade investigativa e
interpretativa, objetividade e neutralidade argumentativa, o que por sua vez
favoreceu o reconhecimento da História como uma disciplina de caráter cien-
tífico (DOSSE, 2003).
No campo da matemática, Arquimedes de Siracusa (287 a.C.-212 a.C.)
propôs o cálculo integral na matemática; no campo da física, a lei da impulsão,

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 118 25/06/14 20:09


G r é c i a A n t i g a  119

da hidrostática e da estática, do empuxo e da alavanca. Posteriormente, na


época moderna esses estudos foram retomados por Galileu Galilei e Issac
Newton (SPINELLI, 2003).
Na medicina, são registrados os estudos e tratados de Hipócrates (460
a.C.-377 a.C.), o pai da medicina, que passou a fazer experimentos de ana-
tomia humana baseados nas explicações racionalidade e na cientificidade, e
não mais na mitologia e nas superstições. Como responsáveis pelos quadros
de doenças e moléstias, levou em conta as causas internas e externas (clima,
higiene pessoal, alimentação, atividade aos organismos, hábitos e costu-
mes). Hipócrates é muito reconhecido e lembrado por sua conduta, postura
e proceder ético, a partir da qual foi criado o Juramento de Hipócrates, que
por sua vez costuma ser pronunciado e firmado pelos estudantes do curso
de Medicina.
As contribuições são registradas no campo da arquitetura e artes na qual
o estilo Clássico, caracterizado pelo uso de
colunas, frontões, escadarias que condu-
zem das calçadas ao interior dos prédios, Para saber mais
foi revisitado por diferentes momentos sendo Sociedade Brasileira de Estudos
que chegaram a fundar uma nova escola, Clássicos — SBEC.
que ficou conhecida como Neoclássica. As A SBEC reúne profissionais, estu-
edificações de templos, teatros, praças com diosos e instituições do Brasil e do
finalidade de atos públicos. Exterior interessados em estudos e
na cultura da Antiguidade Clássica
As contribuições da sociedade e cultura
e as demais a ela relacionadas.
grega da Antiguidade Clássica foram inúme-
Disponível em:
ras. Reconhecê-las pontualmente se torna <http://www.classica.org.br/>.
um exercício nada fácil, pois muitas das con-
CLÁSSICA — Revista Brasileira
cepções e estruturas gregas acabaram por se
de Estudos Clássicos.
dispersar com o passar do tempo, bem como
CLÁSSICA é um periódico editado
foram adaptadas e modificadas no interior dos desde 1988 e preocupa-se com te-
contextos em que foram introduzidas. mas da história, da literatura, da
A história e o tempo não param, o que acon- antropologia, da arqueologia, da
teceu com a história da Grécia é um pouco do linguística e das artes de maneira
que ocorre com na dinâmica da transmissão do geral pertencentes ao período clás-
sico da cultura ocidental.
saber e da cultura de qualquer outra sociedade:
Disponível em: <http://revista.
os esquecimentos, as transformações, altera-
classica.org.br/index.php/classica>.
ções e reinvenções são inevitáveis.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 119 25/06/14 20:09


120 HISTÓRIA ANTIGA

Atividades de aprendizagem
A contribuição da cultura grega é identificada em diversas áreas do co-
nhecimento, como na arquitetura, no teatro, na política, na economia, na
poesia, entre outras. O campo da filosofia ganha destaque, pois diversos
estudiosos apontam como sendo na Grécia onde teriam surgido os primei-
ros pensadores que se dedicaram às questões filosóficas. Com relação aos
temas investigados pelos primeiros filósofos, analise a alternativa correta:
a) Os primeiros pensadores preocuparam-se em estudar quais seriam os
elementos básicos e primordiais de todas as coisas em meio à natureza.
b) Os primeiros pensadores investigavam e pesquisavam sobre os pro-
blemas da existência humana.
c) Os primeiros pensadores investigavam e refletiam sobre a possibilidade
de existência de outras galáxias e vida em outros planetas.
d) Os estudiosos investigavam e teorizavam em torno do número, uma
noção ordenada, abstrata e imutável como a origem de todas as coisas.
e) Os estudiosos dedicavam-se a refletir e escrever sobre questões de
virtude, ética, beleza e felicidade.

Fique ligado!
Caro(a) estudante!
Chegamos ao fim desta unidade, ao longo da qual foi possível abordar os
seguintes conteúdos e temas:
A Grécia Antiga se desenvolveu no período histórico transcorrido entre
os séculos XX e IV a.C. e no espaço geográfico recortado pelos mares
Egeu, Jônico, Negro, Creta e Mediterrâneo.
Por volta do ano 2000 a.C. é registrada a chegada dos povos aqueus,
que fundam a cidade de Micena; posteriormente, o povo jônico e os
eólios, e, por fim, os povos dóricos.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 120 25/06/14 20:09


Grécia Antiga 121

Ao longo do período pré-homérico a população constituiu organizações


denominadas genos, que diante do crescimento da população e da am-
pliação das atividades econômicas foram rearranjadas na forma de oikos.
Sólon foi responsável por promover reformas em Atenas que ameni-
zaram as diferenças sociais entre grupos proprietários de terra, tiranos
e escravos.
O período clássico consistiu no momento histórico no qual a cultura grega
exerceu maior hegemonia em relação às demais sociedades da época.
Ao mesmo tempo que a Grécia enfrentava guerras com povos vizinhos,
coexistia intensa rivalidade entre as cidades gregas, nas quais coexistiam
modelos de cidades-Estado completamente diferentes.
A democracia ateniense pretendia conferir aos cidadãos isonomia, a
igualdade de direitos perante a lei; isegoria, liberdade de expressão do
pensamento; e isocracia, igualdade no exercício do poder.
Em Esparta e nas cidades-estados que simpatizavam com esta, vigorava
o regime de oligarquia, que consistia em uma forma de governo no qual
grandes proprietários de terras, riquezas e patrimônios governavam a cidade.
O belo que era almejado no todo da realidade social dos gregos, desde
os hábitos, os costumes, na moral da vida privada e da vida pública.
Havia um busca pelo equilíbrio, coerência e harmonia entre a parte e
o todo, o físico, a conduta e o emocional da formação humana.
A tragédia grega surgiu no momento histórico em que estavam sendo
substituídas as explicações mitológicas pelo pensamento racional; em
que os valores democráticos, os direitos e os deveres dos cidadãos es-
tavam substituindo as formas tradicionais dos oikos.
As constantes guerras nas quais as cidades gregas encontravam-se en-
volvidas causavam mortes, gastos, destruição e favoreciam as invasões
por parte dos povos estrangeiros e podem ser apontadas como motivos
externos do declínio da civilização grega.
Como motivos internos do declínio da civilização grega podem ser
indicados escravidão, o pequeno número de atenienses considerados
cidadãos, a falta de medidas eficientes, o amplo uso da demagogia (ma-
nobras de manipulação popular) favoreceram o quadro de decadência
das estruturas sociais e políticas.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 121 25/06/14 20:09


122  HISTÓRIA ANTIGA

Para concluir o estudo da unidade


Caro(a) estudante! A jornada de estudos não para por aqui. Não se dê
por satisfeito. Vá além! Potencialize seus conhecimentos e diferencie sua
formação apropriando-se dos mais diversos materiais e das referências
bibliográficas que foram sugeridos ao longo desta unidade. Você é capaz
de muito mais, acredite!

Atividades de aprendizagem da unidade


1. Entre o período pré-homérico e homérico as populações gregas forma-
ram suas bases de povoamento, definindo a forma de exploração da
terra e organizando a realização das atividades e do trabalho de suas
comunidades. Nesse contexto emergiram as formas de organização
denominadas genos e oikos, sendo que uma sucedeu a outra. Mas
qual era a estrutura básica de funcionamento que as caracterizavam?
Analise as sentenças abaixo utilizando o seguinte código:
I. Genos.
II. Oikos.
(  ) Consiste no modo de organização adotado pelos pequenos grupos
familiares a partir da chegada da última leva de povos invasores,
o povo dórico.
(  ) Essas estruturas passam a ser necessárias quando as famílias se
tornam numerosas e as atividades se diversificam em agricultura,
pastoreio e tecelagem.
(  ) No interior dessa organização a comunidade deliberava diante
de suas necessidades, usufruíam da terra de forma coletiva e
praticavam a agricultura de subsistência.
(  ) Consistiam em uma espécie de unidade econômica compostas
por casas, ferramentas, terras, armas, gado, escravos, e o objetivo
de cada unidade era a autossuficiência.

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G r é c i a A n t i g a  123

Agora assinale a alternativa correta:


a) I, II, I, II.
b) II, I, I, II.
c) II, I, II, I.
d) I, I, II, II.
e) II, II, I, I.
2. O período clássico da Grécia Antiga representa o momento histórico
no qual a cultura grega exerceu maior hegemonia em relação às
demais sociedades da época. Esse período é também marcado pelo
envolvimento desta em guerras com povos estrangeiros, rivalidade e
conflitos entre as próprias cidades gregas e forte exploração das classes
populares no interior da sociedade. Diante desse contexto, analise as
sentenças abaixo atribuindo V para as verdadeiras e F para as falsas:
(  ) No interior da Grécia a escravidão era dominante e ocorria nas
dimensões do trabalho e das estruturas políticas e sociais ao
mesmo tempo. Foi inserida como sistema auxiliar das relações
de produção ao ponto que se tornou profissionalizada, e que ao
mesmo representava a condição que diferenciava os indivíduos
que poderiam praticar a cidadania.
(  ) Clístenes foi um dos governantes de Atenas no período e foi res-
ponsável por fazer reformas que previam a pena de morte por
envenenamento e o ostracismo (deportação, exílio) de indivíduos
e cidadãos que ameaçassem o regime democrático e a ordem
pública.
(  ) Sócrates foi um dos cidadãos que foi vítima do ostracismo imposto
por Clístenes diante do fato de que se negava a trabalhar de forma
escrava em meio aos camponeses, somente queria se dedicar às
atividades intelectuais, que considerava mais dignas.
(  ) Foi o momento que ocorreram as guerras contra os povos persas,
as Guerras Médicas e em seguida entre as próprias cidades gregas,
lideradas por Espata e Atenas, na guerra do Peloponeso.
Agora assinale a alternativa correta:
a) F, V, V, V. c) V, V, F, V. e) V, V, V, F.
b) V, F, V, V. d) F, V, F, V.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 123 25/06/14 20:09


124  HISTÓRIA ANTIGA

3. Atenas e Esparta representam as duas principais cidades da Grécia


Antiga, porém estiveram a maior parte do tempo rivalizando e compe-
tindo pelo exercício da hegemonia diante das demais cidades gregas.
Porém, as Guerras Médicas fizeram que as duas cidades mudassem
a postura que conservavam diante do adversário estrangeiro que
avançava conquistando as cidades gregas. Com relação às Guerras
Médicas assinale a alternativa correta:
a) Consistiu em um conflito entre Atenas e Esparta pela exclusivi-
dade da exploração de minas de prata e pelo controle das rotas
comerciais no interior a Grécia. Nessa guerra Esparta se aliou ao
Império Persa para conseguir vencer a frota de navios atenienses.
b) Diz respeito ao conflito ocorrido entre os povos gregos e os
povos macedônicos quando Alexandre, o Grande, procurava
anexar e unificar as cidades gregas ao Império Macedônico com
sede em Alexandria.
c) Consistiu em uma guerra entre os povos persas e as cidades gre-
gas por terra fértil, água potável e rotas comerciais. A guerra se
estendeu ao longo do século V a.C. e só terminou com a vitória
grega quando as cidades de Atenas e Esparta uniram forças.
d) Diz respeito ao conflito travado entre o império persa e as cidades
gregas na região das Termófilas, na qual as cidades de Atenas e
Esparta precisaram somar forças para conseguir vencer e expulsar
o inimigo estrangeiro.
e) As guerras médicas consistiram em conflitos que os povos gregos
e persas (Leônidas e Xerxes) se uniram contra a tirania dos impe-
radores romanos e egípcios (César e Cleópatra).
4. A democracia grega é reconhecida como uma das concepções e
estruturas de governos que mais inspiraram os modelos políticos da
época moderna e contemporânea. Tanto a democracia grega como
democracia que vigora em nossa época são apontadas como portado-
ras de imperfeições e de não conseguir realizar e dispor aos cidadãos
o que se propõem. No que diz respeito à democracia grega, é correto
afirmar que:

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 124 25/06/14 20:09


G r é c i a A n t i g a  125

Analise as sentenças abaixo:


I. A democracia grega baseava-se no governo de antigos anciões e
sacerdotes que combinavam atribuições de respeito, honra em
meio a comunidade e poderes espirituais.
II. A democracia grega permitia a participação somente de cidadãos
que fossem descendentes de pais gregos, maiores de 21 anos, de
sexo masculino e que estavam em dia com os serviços militares.
III. A democracia ateniense pretendia conferir a igualdade de direitos
perante a lei; igualdade nos pronunciamentos nas assembleias,
liberdade de expressão e a igualdade no exercício do poder.
IV. Ao mesmo tempo que vigorava a democracia em meio à so-
ciedade grega, coexistiam contradições como da presença do
trabalho escravo e o controle e a distribuição de cargos políticos
entre a aristocracia urbana.
Agora assinale a alternativa correta:
a) As sentenças I, II e III estão corretas.
b) As sentenças I, III e IV estão corretas.
c) As sentenças II, III e IV estão corretas.
c) Somente as sentenças II e IV estão corretas.
e) Somente as sentenças I e III estão corretas.
5. Leia atentamente a passagem da tragédia escrita por Sófocles: Édipo
diz a seus filhos: “Vosso pai matou seu pai; fecundou o ventre de onde
ele próprio havia saído e vos teve desse mesmo do qual já se origi-
nara: eis as infâmias que vos imputarão” (SÓFOCLES, 2001, p. 101).
Agora responda: a que contexto moral, social e político é possível
relacionar essa tragédia, assim como as demais que foram escritas na
Grécia Antiga?

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 125 25/06/14 20:09


126  HISTÓRIA ANTIGA

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INICIAIS_Historia_Antiga.indb 126 25/06/14 20:09


G r é c i a A n t i g a  127

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INICIAIS_Historia_Antiga.indb 127 25/06/14 20:09


128  HISTÓRIA ANTIGA

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INICIAIS_Historia_Antiga.indb 128 25/06/14 20:09


Unidade 4
Roma Antiga
Taíse Ferreira da Conceição Nishikawa
Guilherme Cantieri Bordonalv

Objetivos de aprendizagem: Nesta unidade temos como objetivo


desenvolver uma reflexão sobre a expansão romana e a importância
do exército para a formação da sociedade. Discutiremos o cotidiano
da sociedade romana e as relações de trabalho e cultura.

Seção 1 A formação da Roma Antiga


Nesta seção trataremos da formação da sociedade
romana. Buscaremos tratar das lendas que funda-
mentam a tradição romana e refletir sobre as ques-
tões políticas que se articulam na formação dessa
sociedade que vivencia a república e a formação de
um grande império.

Seção 2 O Império Romano


Nesta seção trataremos dos fatores que levaram à
crise do Império Romano e à formação de uma nova
experiência no Ocidente e no Oriente. Trataremos da
questão do etnocentrismo romano.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 129 25/06/14 20:09


130  HISTÓRIA ANTIGA

Introdução ao estudo
Como estão os estudos sobre a sociedade romana na atualidade? Por que
ainda nos dias atuais a sociedade romana continua a inspirar roteiristas de filmes,
série de televisão, histórias em quadrinhos, tirinhas de jornais e submetem seus
olhares para desenvolverem produções artísticas e culturais que tenham como
pano de fundo as relações sociais e os modos de viver, sentir, guerrear, amar,
rezar dos romanos? Perguntas que não possuem uma resposta muito óbvia, pois
precisamos reconhecer a magnitude de uma civilização que se ergue em torno do
mar Mediterrâneo e se expande para grande parte do mundo conhecido na Anti-
guidade. Uma sociedade também marcada pela origem lendária, fundamentada
no mito e que constitui sistemas políticos articulados à fundação de instituições.
Nesta unidade realizaremos uma reflexão a respeito da formação da civili-
zação romana. Trataremos das origens de Roma e de como o mito fundamenta
a identidade de um povo. E também realizaremos a discussão sobre a formação
dos sistemas políticos romanos, a crise do Império Romano e seu legado para
a Humanidade.

Seção 1  A formação da Roma Antiga


Por que, quando falamos sobre Roma, imediatamente somos levados a pen-
sar sobre suas “origens”? Ora, falar das origens não parece tão fora de moda?
Será que conseguimos objetivar mesmo a origem dos fenômenos, povos e ci-
vilizações? Mas para tratar de Roma é necessário tratar de sua origem. E qual
seria o início da civilização romana? Um mito? A história da loba que alimenta
duas crianças seria capaz de sistematizar a identidade de uma civilização?
Falar das origens soa estranho na atualidade, atesto pela segunda vez. E foi um
historiador do início do século XX que nos adverte para o perigo das “origens”.
Ela realmente significa o começo? Ou a “origem” seria o elemento que basta
para explicar aquilo que teve início? Marc Bloch (2002) nos ensina que um
estudo histórico nunca está desligado de seu momento histórico. Por muito
tempo os historiadores buscaram as origens das coisas porque o momento em
que escreviam pedia para que se objetivasse a “origem das coisas”. Qual teria
sido a origem do Estado Inglês? Ou da Revolução Francesa? Mas é necessário
sabermos das origens antigas das civilizações da atualidade? Mesmo assim,
nesta unidade trataremos das origens, mas de forma a problematizar o mito

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 130 25/06/14 20:09


R o m a A n t i g a  131

original da fundação de Roma e interpretar as formas como esse mito vai sendo
utilizado entre os romanos para fundamentar a república e depois o império.

Para saber mais


Mito, de acordo com Mircea Eliade (1972, p. 9), conta uma história sagrada; ele relata um
acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”.
[...] o Mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais,
uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo
[...] o Mito fala apenas do que realmente aconteceu, do que se
manifestou plenamente.Os personagens dos mitos são Entes So-
brenaturais. Eles são conhecidos sobretudo pelo que fizeram no
tempo prestigioso dos “primórdios”. Os mitos revelam, portanto,
sua atividade criadora e desvendam a sacralidade [...] de suas obras.
[...] o mito é considerado uma história sagrada e, portanto, uma
”história verdadeira”, por que sempre se refere às realidades.

1.1 As origens escritas de Roma


A história de Roma possui sua origem escrita em textos antigos que transmiti-
ram, por meio de uma tradição literária, um relato fantástico dos acontecimentos.
Mistura de deuses, sacerdotisas, homens guerreiros e a sucessão de poderes fun-
damentam os primeiros escritos que na Antiguidade serviram para fundamentar a
fundação das cidades e de seus líderes. Alexandre Grandazzi (2010), ao buscar
as “origens de Roma”, desenvolve uma pesquisa sobre como os povos narravam
suas origens, remonta toda uma tradição literária baseada em elementos fan-
tásticos que narraram a chegada dos heróis nas localidades que darão início à
chamada civilização romana. O historiador cita a Eneida do poeta Virgílio que
narra a chegada do herói no Lácio; as biografias de Plutarco em Vidas que trata
das trajetórias de Rômulo e Numa; a História de Roma de Tito Lívio e as Atigui-
dades Romanas de Dionísio de Halicarnasso. Todas essas obras apresentam um
relato sobre a fundação da cidade de Roma: a lenda dos irmãos gêmeos Rômulo
e Remo, que alimentados por uma loba serão seus grandes heróis.
Esses relatos foram escritos em uma época muito posterior, mesmo porque
o tempo mítico sempre é muito difícil de precisar. Como todas as narrativas
são constituídas com base em relatos bem detalhados a respeito da origem de
Roma, muitas lacunas daquilo que se tornava inexplicável foram preenchidas

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 131 25/06/14 20:09


132  HISTÓRIA ANTIGA

por invenções. Elas são um traço marcante dessa literatura que não possui a
pretensão de compor uma obra acadêmica de História, mas por constituírem
uma concepção bem diferente da nossa em relação à natureza do exercício
histórico. Esses narradores se sentiam muito livres para remodelar os relatos
míticos que provinham da tradição oral. Esses relatos escritos sobre a origem
de Roma surgiram a partir do século III a.C., um período importante para a
afirmação da hegemonia romana, como nos afirma Bustamante (2001). Tais
relatos também servem como incentivo para a reconstituição da socieda-
de romana dilacerada pelas guerras no final da república, em que os pensado-
res romanos buscam recuperar a identidade coletiva e situá-la na nova ordem
centralizada nas mãos do poder do príncipe.

Questões para reflexão


Mas que mito é esse, capaz de sintetizar a identidade de um povo tão
diverso e contribuir para a constituição de uma identidade fundamen-
tada em um passado comum e que reafirma as origens da cidade e de
seus valores tradicionais?

Grandazzi (2010) resume esse mito e nos mostra que, de acordo com os re-
latos, a origem de Roma se inicia com Eneias, filho da deusa Vênus que manteve
uma relação com o mortal Anquises, que ao escapar do saque de Troia pelos
gregos partiu pelo mundo afora em busca de um novo reino. Uma viagem que
o conduziu pela Grécia, pelo sul da Itália, pela Sicília e finalmente ao Lácio.
Eneias se alia com Latino, o rei dos nativos laurentes, e se casa com sua filha,
Lavínia, que tinha como pretendente Turno ou Tirreno (cada um que relatou o
fato confere um nome diferente a esse importante chefe), chefe dos rútulos e rei
da cidade de Árdea. Turno, ou Tirreno, entra em guerra contra Latino e Eneias
e recebe a ajuda do etrusco Mezêncio que é considerado por alguns escritores
chefe da cidade de Caere. Eneias desaparece em combate e será visto como
um deus. Porém, ele havia fundado Lavínio e trinta anos após seu desapare-
cimento Ascânio funda Alba Longa, a quem sucede Silvio, que dará nome à
dinastia dos reis albanos e que perdurarão durante todo o período entre o fim
de Troia e o nascimento de Roma, por volta de 1184 e 753 a.C. Alba, que é
dirigida pelo perverso Amúlio, que afastou seu irmão Numitor do trono e para

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R o m a A n t i g a  133

se certificar de que ele não deixaria descendentes obrigou a filha de Numitor,


Rhea (Silvia) a tornar-se uma sacerdotisa do fogo sagrado. Porém, o deus Marte
viola a princesa sacerdotisa e ela dá luz aos gêmeos Rômulo e Remo. Amúlio
ordena que as crianças sejam afogadas no rio Tibre, mas o berço onde estavam
parou ao pé do Palatino e lá são encontrados por um pastor, Fáustulo, que vê
uma loba amamentado as crianças (GRANDAZZI, 2010).
O pastor e sua esposa, Larência, criam os gêmeos que crescem com exube-
rância força e ao tomarem conhecimento de sua história voltam para a cidade,
matam Amúlio e reconduzem seu avô Numitor ao trono. Os irmãos também
vão juntos formar uma cidade no local onde foram recolhidos pelos pastores,
porém a discórdia entre eles só aumenta e eles decidem observar os pássaros
(auspícios) para saber dos deuses qual dos dois deve fundar a cidade e governá-
-la. Remo vê os pássaros mais rápido, enquanto Rômulo vê uma quantidade
maior de pássaros. Os irmãos partem para a violência, Remo morre na disputa
e Rômulo funda uma cidade, Roma (GRANDAZZI, 2010).

Para saber mais


Figura 4.1  Loba Capitolina e os gêmeos Rômulo e Remo. Escultura
etrusca em Bronze constituída no século V a.C.

Fonte: Capitoline Museum, Rome, Italy (2014).

Os relatos sobre a origem de Roma aparecem em textos clássicos como a Eneida, do poeta
Virgílio, as Vidas, de Plutarco, a História de Roma, de Tito Lívio, e as Antiguidades Romanas,
de Dionísio de Halicarnasso.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 133 25/06/14 20:09


134  HISTÓRIA ANTIGA

De acordo com a tradição romana, existem alguns pontos que contribuem


com a construção da lenda desses irmãos. O fato de serem gêmeos, um nascimento
ao mesmo tempo impuro, por ser mais sangrento que os demais nascimentos, e
ao mesmo tempo extraordinário, pois as crianças são filhos de um deus, Marte.
Os poderes impuros os protegiam. Um tipo de nascimento que os destinava a
serem seres audaciosos, que violam as proibições e desafiam as divindades.
Tal acontecimento era considerado um anúncio de abundância e fortuna.
Rômulo e Remo estavam fadados à morte, pois representavam uma ameaça
ao seu tio-avô Amúlio. Eles possuíam uma natureza sobre-humana, ainda
crianças foram iniciados quando amamentados pela loba, alimento que os
salva. Tudo aparece como uma proteção divina e marca o futuro heroico. A
loba, de acordo com a tradição, era considerada um animal infernal, ligado
ao mundo dos mortos. Representa o caos, o mundo sem leis, sem cultos e
nem normas e Rômulo foi reconhecido como o fundador de uma nova ordem,
em novo mundo, civilizado. Dessa forma, a loba contitui o caos e Rômulo
emerge desse caos e passará pela fase pastoril, onde receberá a preparação
militar, uma preparação entre os homens pobres, que ignoram a sua identidade,
e enfim para a fase civilizada, quando funda a cidade e colocará fim ao caos
(BUSTAMANTE, 2001).
Outro ponto importante que fundamenta a lenda é a transgressão de Remo
em pular as muralhas da cidade fundada pelo irmão; acaba sendo morto por
desafiar sua autoridade. Na realidade, Remo não se desvencilha de sua natu-
reza selvagem, e como a loba, desafia a lei e a autoridade do irmão. A morte
se insere na própria natureza gemelar dos irmãos, uma vez que não se po-
deria admitir uma dupla fundação da cidade. Dois personagens antagônicos,
um civilizado, outro selvagem, que exprimem a polaridade do mundo. Por
isso, existe a necessidade da morte de um deles, um sacrifício primordial que
garantiria a riqueza, o poder e a vitalidade da comunidade que acaba de ser
fundada (BUSTAMANTE, 2001).
Remo preferiu a condição de homem selvagem, lobo, à
de cidadão, por isso, não podia ser protegido pela lei.
[...] Rômulo foi obrigado a excluir o próprio “dupla” ju-
venil e selvagem quando ele foi escolhido pelos deuses
através dos auspícios, abandonando assim a vida selva-
gem, transcorrida nos bosques, para dar início à sua fase
urbana. Remo, por não aceitar os auspícios superiores,
nem o novo “estilo de vida” adulto/urbano, pulou o
muro construído por seu irmão, reproduzindo no interior

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 134 25/06/14 20:09


R o m a A n t i g a  135

daquele perímetro o estilo de vida precedente, marcado


pelas correrias e brigas juvenis. Distintamente, Rômulo
teve a consideração justa e a gestão correta dos auspícios
que irão caracterizar em seguida não só a legitimidade do
poder dos reis latinos, mas também a dos magistrados da
cidade republicana (BUSTAMANTE, 2001, p. 98).

Roma será governada por sete reis e que enfim instituirão a República. As
narrativas apresentam uma cronologia muito parecida ao que podemos entender
que os reinados de Roma ocorreram nos seguintes períodos: Rômulo (753-716
a.C.), Numa Políbio (715-673 a.C.) Tulo Hostílio (672-641 a.C.), Anco Márcio
(640-617 a.C.), Tarquínio, o Antigo (616-579 a.C.), Sérvio Túlio (578-535 a.C.),
e Tarquínio, o Soberbo (534-509 a.C.) (GRANDAZZI, 2010).
A literatura que trata das origens de Roma oferece uma descrição detalhada
a respeito das ações políticas de cada rei, o que cada um promove durante o
seu governo, as guerras. Rômulo, por exemplo, será visto como o principal
incentivador da fundação de Roma, na luta por alianças com outras cidades,
na construção de uma administração, a criação das leis e a regulação da reli-
gião. Tarquínio, o Soberbo, último rei de Roma, impõe sua dominação sobre
os latinos, funda colônias e consagra a extensão do poder romano. Trata du-
ramente o senado, faz a plebe trabalhar e promove uma das grandes obras de
Roma o Grande Circo, que possui inúmeras arquibancadas; constrói numerosos
esgotos, templos, festas etc. E depois dele Roma nunca mais seria governada
por reis (GRANDAZZI, 2010).

Questões para reflexão


Toda essa tradição literária fundamentou as origens de Roma. Agora,
será que podemos confiar naquilo que foi narrado? Já vimos que muitas
das obras escritas acerca das origens de Roma foram elaboradas vários
séculos após a época narrada. Quais são as fontes que fundamentam
essas narrativas?

Um dos grandes narradores da História Romana foi Quintos Fábio Pictor. Ele
inaugura um novo gênero histórico em Roma, a História Nacional. Ele escreve
os Anais e desenvolve um ritmo cronológico pelo relato e pelo costume romano.
Mesmo assim, Pictor mantém a origem de Roma na figura de Rômulo. Escreveu

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136  HISTÓRIA ANTIGA

entre os anos 215 e 200 a.C. Ele pertencia a uma grande família e foi o primeiro
romano a realizar um relato de sua cidade no final do século III a.C. Realizou
um esforço grande para ajustar as várias partes da história romana e buscou
construir uma imagem de acordo com os princípios do método historiográfico
grego. De acordo com Arnaldo Momigliano (2004), Pictor foi o primeiro
romano que realizou um relato coerente da história da sua cidade, publicou
em língua grega durante ou logo ao final da segunda Guerra Púnica. Antes de
Fábio Pictor a tradição romana possuia dois tipos de história: a que narrava os
banquetes em homenagem aos grandes homens, e as crônicas de Pontífices.
E Pictor se valeu destas para interpretar o passado mais antigo de Roma. Já os
anais dos Pontífices que estavam bem mais próximos da realidade de Fábio
apresentavam um formato analítico das datas consulares. Dessa forma buscou
um equilíbrio entre as tradições romanas e os relatos gregos e não negou os
relatos orais de sua família e das famílias aristocráticas e devotou a maior parte
de sua história às origens de Roma (MOMIGLIANO, 2004).
Pela utilização dos métodos e resultados dos historiadores gregos, Fábio
Pictor utilizou o sistema cronológico e se tornou um dos historiadores mais
repeitados da Primeira Guerra Púnica e inaugurou uma nova era ao invocar
os historiadores gregos para estabelecer a ordem para as tradições romanas
(MOMIGLIANO, 2004). As obras literárias a respeito das origens de Roma
aparecem também com grande entusiasmo no momento em que ocorrerá o
processo de transformação da república romana para o Império. O príncipe
Augusto vislumbra retomar o nome de Rômulo e se lança como um novo
fundador de Roma e o passado monárquico da cidade no momento em que
foi fundada se torna um motor e uma justificativa para a nova ordem política.
O próprio Pictor acreditava que as origens de sua família teriam sido contem-
porâneas a Rômulo. Isso revela que mesmo ele sendo um dos inauguradores
de um gênero historiográfico em Roma não havia a tentativa de pelo menos
atenuar as deficiências da tradição da histórica da cidade romana e preenchia
seus relatos com invenções.
Fábio Pictor inaugurou uma história de Roma mais preocupada com a con-
tinuidade das instituições políticas do que a maioria das histórias existentes.
Para Momigliano (2004), os romanos possuem uma vontade grande de narrar
a história de Roma desde as suas origens. Dessa forma Pictor ficou preso ao
velho espírito dos anais romanos ao iniciar sua obra dando memória a um
passado imemorial.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 136 25/06/14 20:09


R o m a A n t i g a  137

Toda a experiência sobre o passado de Roma existente nas lendas, nas


poesias e nas narrativas que dão origem ao desenvolvimento de uma grande
civilização faz parte de uma intensa relação que possuem com o sagrado que
tornam possível a fundação do Mundo e Roma se torna a manifestação do sa-
grado no espaço terrestre. Tais relatos constituem identidade da coletividade que
demarcam o espaço onde foi erigida uma das maiores capitais do mundo antigo.
Na reconstituição do passado coletivo, incorporam-se
narrativas lendárias de diferentes origens, que resultaram
numa história que se apresentava como manifestação das
causas da grandeza de Roma e justificava sua pretensão
à hegemonia universal. O mito de fundação de Roma
foi conservado nos textos como produto de técnicas de
escrita elaboradas, empregadas pelos autores, que esta-
vam cientes de seus efeitos e procuravam interpretar o
passado à luz de sua época própria. Através desses relatos,
contando o seu passado, os romanos se autodefiniam,
se reconheciam. Assim, a sociedade romana antiga se
projeta e se revela a nós tal como se percebia e desejava
viver (BUSTAMANTE, 2001, p. 107-108).

Roma se torna uma organização governada por leis, com um herói de origem
divina e nobre, o que justifica a sua própria posição hegemônica no mundo
mediterrâneo. Essas lendas difundem o caráter nobre, guerreiro e conquistador
do povo romano e a proteção divina rememorada em suas festas que sedimen-
tam a crença na origem mítica (BUSTAMANTE, 2001).

1.2 Aspectos arqueológicos sobre a formação de Roma


Além dessas constatações literárias a respeito da formação de Roma, lendas
que fixam o início e a origem de uma das maiores civilizações da humanidade,
temos também os estudos arqueológicos que junto com a tradição literária
oferecem conclusões de ordem histórica. Muitos elementos materiais na atua-
lidade contribuem para a restituição do passado mais antigo da cidade romana.
Há cerca de 20 anos, houve uma retomada das atividades arqueológicas no
Lácio, ou seja, na região mais central da Itália que renovou profundamente o
conhecimento e as problemáticas (GRANDAZZI, 2010).
Com o passar dos anos muitas outras descobertas foram realizadas pelos
arqueólogos que atestaram a existência de mais vestígios que permitiram co-
nhecer mais detalhadamente o modo de vida dos habitantes da localidade e
revelaram a especialização que esses homens tinham com o bronze. Os quadros

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 137 25/06/14 20:09


138  HISTÓRIA ANTIGA

mais recentes das descobertas arqueológicas possuem um caráter provisório,


pois muitas lacunas ainda não foram preenchidas, mesmo com tantas etapas de
escavação e descobertas. O que sabemos é que nas regiões das colinas Capi-
tólio e do Palatino e no Vale do Fórum existiam um conjunto de estradas, que
os locais de enchente pela elevação das águas do rio Tibre foram aplainados,
sobre-elevados e reforçados por aterros. Por volta de 625 a.C., na Regia, uma
grande cheia arrastou cabanas que depois serão substituídas por um espaço
funerário. Um edifício foi constituído no mesmo local (GRANDAZZI, 2010).

Para saber mais


Este mapa (Figura 4.2) mostra a região do Lácio, local onde Roma e Lácio formaram um povo
que se expandiu por toda a Europa e parte da África. Nele, a parte mais escura se refere ao
Lácio, onde fica situada a capital Roma. De acordo com os vestígios encontrados, homens de
neandertal habitaram a região e a partir do século XVII a.C. Muitos fragmentos encontrados
permitem supor que vilarejos existiram em suas encostas meridionais. No Capitólio, Palatino
e no Fórum Boarum, locais onde as escavações mais avançaram revelam a ocupação da parte
sudoeste da colina que domina o rio. Naquele século muitas tumbas foram descobertas e
permitiram completar as lacunas das pesquisas e demonstram que pequenas comunidades já
reservavam rituais funerais para seus líderes e sacerdotes (GRANDAZZI, 2010).

Figura 4.2  Região do Lácio na Itália

Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:ItalyLazio.png>.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 138 25/06/14 20:09


R o m a A n t i g a  139

Mais tarde se descobrem áreas sagradas datadas do século VII a.C. e a partir
de então os século VII e VI a.C. marcam uma época de profunda transformação
urbana, com a descoberta das áreas sagradas, edifícios de tijolos e telhas, cursos
de água canalizados e solos drenados. Os arqueólogos encontram vestígios
cada vez mais numerosos que evidenciam a existência de uma rede de poços,
canais, cisternas. Esses estudos arqueológicos indicam a construção de casas,
bairros, mansões luxuosas por toda a parte do centro de Roma datam do ano
530 a.C., e é, portanto, visível que Roma se transforma profundamente durante
esse período, com a construção de muralhas que serviam para defender uma
grande extensão de pastagens e terras cultiváveis contra as incursões de povos
inimigos (GRANDAZZI, 2010).
As origens de Roma podem hoje contar com as pesquisas arqueológicas que
modificaram sensivelmente a história contada pelas lendas. A arqueologia nos
oferece diferenciados pontos de vista que nos levam a entender que a ocupação
de Roma ocorreu durante a Idade do Bronze no Palatino, Capitólio e Fórum, seus
locais mais importantes. O século VIII a.C. é uma temporalidade marcada pela
estruturação de habitats, que são protegidos por muralhas defensivas. A partir
do século VI a.C. a urbanização se acelera e se definem os regimes políticos
e as influências culturais dos povos etruscos e gregos para a composição da
sociedade romana. Dessa forma a arqueologia encontra as linhas de força e as
etapas que correspondem aos momentos descritos pela tradição literária. Tam-
bém encontra uma série de vestígios que só ganham significado por meio da
tradição literária e, portanto, todos os vestígios são de estatuto arqueológico e
muitos outros são de natureza literária. A tradição literária transmitiu uma série
de dados antigos a respeito de rituais, monumentos e espaços de Roma. Uma
categoria particular de documentos foi constituída pela epigrafia por causa dos
estudos arqueológicos que revelaram inscrições com nomes de protagonistas
das origens lendárias (GRANDAZZI, 2010).
Os arqueólogos encontraram vestígios de cabanas dos pri-
meiros moradores de Roma e alguns aspectos das lendas
puderam ser comprovados. Esse é o caso do domínio dos
estruscos, um povo que vivia no norte de Roma, e cuja
influência na cultura romana foi muito grande (FUNARI,
2002, p. 81).

Em relação aos tempos da monarquia cuja origem, segundo a doutrina clás-


sica, teriam seus inícios lendários enquanto o fim possui um caráter histórico,
as datações hoje aceitas situam o início da cidade de Roma no fim do século

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140  HISTÓRIA ANTIGA

VII e VI a.C. com a transformação do Fórum em um espaço público e a prepa-


ração de locais como o Comitium e o Templo de Vesta que teriam fornecido
à cidade nascente um local de reunião que faltava para ela existir. Isso destoa
da lenda de que Rômulo havia construído o Palatino, para uma ideia de que
Roma se constituiu pela urbanização progressiva (GRANDAZZI, 2010).

Para saber mais


Capitólio (Figura 4.3) e Palatino (Figura 4.4) são duas das sete colinas da cidade de Roma. O Fórum
(Figura 4.5) fica em uma área mais central da cidade de Roma.

Figura 4.3  Edifício do Capitólio em Roma

Fonte: Taras Vyshnya/Shutterstock (2014)

Figura 4.4  Circus Maximus et Domus Augustana. Palatino na Itália

Fonte: David Ionut/Shutterstock (2014).

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R o m a A n t i g a  141

Figura 4.5  Fórum Boarum

Fonte: Frank Bach/Shutterstock (2014).

De acordo com Grandazi (2010), a tradição literária e a arqueologia pare-


cem estar em posições opostas. Porém, uma série de documentos e objetos só
podem ser descritos e adquirir sentido por meio da tradição literária. Esse é o
caso da loba encontrada no Capitólio. Como a escultura de bronze continha
resquícios de terra, foi possível datar o século V como a época de sua produção
em uma época importante para Roma que celebra o tratado Foedus Cassianum,
com os povos latinos. Na literatura, Dionísio de Halicarnasso diz que a estátua
se trata de uma obra de bronze de confecção antiga e que portanto supõe a
existência da lenda de Rômulo e Remo (GRANDAZZI, 2010).
Por outro lado, os dados da tradição literária são comprovados por meio
dos vestígios arqueológicos e que, portanto, possuem caráter documental. É o
caso, por exemplo, de textos que ficam gravados nos santuários e que tratam
de pactos de Roma com os Latinos, Gábios e Cartagineses presentes na obra
de Políbio. Essa tradição literária transmitiu uma considerável série de dados
sobre os antigos e que revelam seus rituais, dados sobre os pactos políticos, os
espaços de Roma e seus monumentos (GRANDAZZI, 2010).
Todas essas pesquisas desenvolvidas que tratam das fontes literárias e os
documentos descobertos pela arqueologia tornaram acessível a análise das
realidades religiosas, sociais e institucionais de Roma. A religião, nesse mo-

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 141 25/06/14 20:10


142  HISTÓRIA ANTIGA

mento em que vemos as origens de Roma, constitui a estrutura do conjunto


da sociedade, e será por ela que se exprime e se reflete toda as formas de
atividade e pensamento humano. Não é possível nas narrativas encontrar uma
separação entre política e religião e também existe uma lacuna que demosntra
as incertezas a repeito dessa época e que não permitem conhecer as religiões
latina e romana mais arcaica (GRANDAZZI, 2010).

1.3 Para além das origens de Roma: sua formação


política, social e cultural
Além dos vestígios literários e arqueológicos que atestam as origens
da cidade e do desenvolvimento de um processo histórico que acarretaria
uma vida política intensa perpassada por sistemas políticos que estruturaram
a vida romana, a república e o Império, a língua também será fator importante
para a compreensão do desenvolvimento da cidade. O latim, língua oficial,
que também dá origem à língua portuguesa, foi difundido por uma tradição
literária, poesias, história, discursos, que eram copiados e publicados. Mas
muita coisa ainda se perdeu dessa tradição literária, primeiro porque o número
de cópias era muito reduzido e segundo porque durante a Idade Média, período
em que os padres tratavam de realizar as cópias, apenas preservaram o que era
importante para a igreja e o restante se perde por falta de interesse dos copis-
tas. Mas o mundo romano foi um mundo dominado pela escrita. Além do uso
dos papiros, cartas e documentos burocráticos escritos em material perecível
muitas inscrições foram deixadas em locais que hoje são grandes monumentos
históricos para serem vistos em grandes distâncias e inscrições em grafite que
ornaram vasos e paredes. Tudo isso carrega um potente corpo documental
que oferece aos historiadores informações valiosas sobre a vida e o cotidiano
das pessoas romanas (FUNARI, 2002).

Para saber mais


A língua latina possui suas origens na região central da Itália entre humildes pastores e rústicos
agricultores e depois se torna a língua oficial do Império Romano. Existem duas modalidades de
latim apontadas pelos filólogos: o latim clássico e o latim vulgar. O clássico aparece na literatura
e será a língua das escolas e das academias. O vulgar é a língua das famílias, camponeses, soldados,
marinheiros, e que se torna um conglomerado de vários falares. E é deste latim vulgar que pro-
cedem as línguas românicas, dentre as quais o português (CARVALHO; NASCIMENTO, 1984).

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 142 25/06/14 20:10


R o m a A n t i g a  143

Observe o mapa da Figura 4.6:

Figura 4.6  Região do Lácio no século V. Observe o Rio Tibre que cruza
toda a planície e chega ao Mar Tirreno

Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Latium_-5th_Century_map-pt.
svg?uselang=pt-br>.

De acordo com Predro Paulo Funari (2002), a Península Itálica se situa em


um local de grandes cadeias de montanhas: Apeninos no centro e ao norte os
Alpes. Um local com vários rios, o que acarreta o desenvolvimento de terras
férteis, pântanos cercada de bosques e florestas. A 25 quilômetros da foz na
margem esquerda do rio Tibre viviam os latinos e em área estratégica surge
a cidade de Roma. A maioria da população que habitava a localidade era
indo-europeia, com latinos, sabinos e gregos ao sul e os etruscos ao norte. Os
etruscos influenciam muito a composição cultural da cidade romana pela com-
binação de elementos gregos e orientais. Entre 753 e 509 a.C. Roma cresceu e
deixou de ser uma pequena povoação para se tornar uma cidade com intensas
edificações e fortificações, com o desenvolvimento de uma língua corrente e
uma ampla estrutura político-administrativa.
Na formação do povo romano existem muitas semelhanças com elementos
que formaram os povos gregos. É comum encontrar na historiografia obras que
relacionam as principais formas de governo desses dois povos, comparando

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144  HISTÓRIA ANTIGA

suas proximidades e distâncias. Logo, não é possível obter uma ampla inter-
pretação do mundo romano sem a noção prévia dos principais elementos que
compunham a Grécia Antiga.
Essas ligações não são encontradas somente no território político e econô-
mico, mas também nas esferas culturais. Contudo, muitas vezes, esses elementos
foram ressignificados pelos romanos dando novas conotações a influências
vinda dos gregos. Pode-se ter como exemplo o desenvolvimento da religião
romana, a qual, antes de ser impactada pelo cristianismo, deu novos nomes
para as divindades gregas.
A região da Península Itálica não apresentava um litoral que favorecesse
as práticas marítimas, o que dificultou, no início, as relações comerciais com
outros povos. Mesmo assim, após o período inicial de formação de Roma e
com o aumento da produção agrícola, houve um intenso comércio realizado
no mar Mediterrâneo que posteriormente tornou-se motivo de grandes conflitos
por postos comerciais.
A República Romana teria sido inaugurada em 509 a.C. quando os nobres
romanos (patrícios) expulsam o rei etrusco e inauguram um sistema político
diferenciado, a república.
O estudo das lendas e dos mitos constituem importantes referenciais sobre
a estrutura social da cidade romana. De acordo com Finley (1997), a estrutura
social romana se assemelha à das cidades-estado gregas. Ou seja, cidades
agrárias que possuíam muitos conflitos de classes que basicamente estavam
limitadas entre proprietários de terras e camponeses devedores. O poder
estava monopolizado pelos membros dessa aristocracia que detinha a riqueza
O poder e a autoridade eram monopolizados pelos pri-
meiros, quer formalmente quer de fato. Aristocráticos é,
contudo, outra palavra ambígua, mas confrontamo-nos
aqui com uma hierarquia ou ordem de sentido restrito,
famílias que como tal a si próprias se identificavam e que
também assim eram consideradas pelos demais; isto foi
mais óbvio em Roma com o aparecimento (cuja pista não
é possível reconstituir) de uma ordem patrícia fechada;
e mais incerto na Grécia, talvez apenas por causa da
natureza das fontes, embora não devêssemos subestimar
como indicar a frequente reivindicação de antepassados
heroicos ou divinos. Os aristocratas também possuíam
grande parte da riqueza; deverá contrariar-se a moderna
tendência para denegrir esse fator em termos de esca-
lonamento. A riqueza é sempre um conceito relativo; o

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Roma Antiga 145

que interessa é que os aristocratas da Grécia e de Roma


arcaicas detinham suficientes recursos e mão de obra
(também esta indicativa de riqueza) para adquirir arma-
mento e cavalos para uso próprio, para importar metais
e outros bens necessários e, às vezes, para fornecer as
embarcações requeridas, para construir templos de pedra
e outros edifícios públicos (FINLEY,1997, p. 22-23).

Durante a monarquia existia o Senado, formado por um conselho de famí-


lias patrícias que tinha como função eleger o rei. O último rei foi Tarquínio, o
Soberbo, que foi deposto pelos patrícios em 509 a.C., acarretando a expulsão
dos etruscos e a formação do período republicano em Roma.
Seguindo o desenvolvimento político da história romana podemos verificar
três fases divididas em:
1. Monarquia, quando temos a fundação da cidade em 753 a.C. até 509
a.C., de acordo com a tradição;
2. A República, de 509 a.C. a 27 a.C.;
3. O Império de 27 a.C. a 395 d.C., ano da divisão do Império em Ociden-
tal e Oriental, com capitais em Roma e Constantinopla (FUNARI, 2001).

1.4 A república romana


A sociedade romana estava dividida nas seguintes categorias:
Patrícios, que eram nobres proprietários de terras e chefes das famílias
poderosas.
Clientes, que eram servidores e protegidos do nobres.
Plebe, que congregada os demais habitantes.
De acordo com Pedro Paulo Funari (2002),
[...] os patrícios detinham todos os direitos políticos e
só eles podiam ter cargos políticos, como os de cônsul e
senador. Os patrícios constituíam uma aristocracia de san-
gue, com antepassados comuns, daí seu nome “aqueles
com pais”. Os clientes e a plebe (composta de homens li-
vres, pequenos agricultores, comerciantes e artesãos) não
possuíam direitos plenos. O poder dos patrícios vinha da
posse e exploração da terra, trabalhada por camponeses,
às vezes escravizados por dívidas. Os patrícios romanos
governavam a cidade principalmente em beneficio pró-
prio, aplicavam as leis conforme seus interesses pessoais
e procuravam reduzir à servidão plebeus camponeses

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146  HISTÓRIA ANTIGA

que não conseguiam pagar suas dívidas (FUNARI, 2002,


p. 83, grifo do autor).

Desse modo, os patrícios detinham o poder de explorar suas terras com


mão de obra camponesa, que por vezes eram escravizados por suas dívidas.
Governaram a cidade romana em benefício próprio e aplicavam a lei de acordo
com seus interesses pessoais. Muitas lutas entre patrícios e plebeus aconteciam
por volta de 450 a.C., os plebeus conseguiram o registro de leis que pudessem
evitar injustiças praticadas pelos cônsules que administravam a justiça, membros
da nobreza, e que aplicavam a justiça a seu favor.
Nos anos de 367-366 a.C., as revoltas se debruçaram sobre a escravidão por
dívida. A partir dessa gravíssima situação secular os plebeus empreendem uma
série de reivindicações obtendo vários frutos — foi a melhor fase de conquistas
plebeias em mais de dois séculos. A Lei Licínia Sextia determinou que os ju-
ros pagos fossem abatidos do total da dívida, proibindo a alienação do corpo
como penhora. Porém, apenas para as dívidas contraídas a partir daquela data.
Regulamentou, também, o tamanho dos lotes públicos acessíveis a particulares.
E estendeu à plebe o direito de exercer os cargos de cônsul e tribuno militar,
abrindo as portas do Senado aos de menores poderes fundiários.
Um código será aprovado que continha um conjunto de normas que passou
a fundamentar o Direito Romano. A Lei das Doze Tábuas, uma das maiores
heranças romanas e que fundamentou a vida em sociedade proporcionando a
limitação da hegemonia e o arbítrio dos poderosos patrícios. Nesse processo
em que verificamos as lutas sociais os plebeus conquistaram a abolição da
escravidão por dívidas, a criação do cargo de “tribuno da plebe” e reconhe-
cimento dos poderes da assembleia da plebe e a possibilidade de casamentos
entre plebeus e nobres (FUNARI, 2002).
Nos anos de 287-286 a.C. nasceu o plebiscito. Mais uma vez retirando-
-se da cidade para junto das montanhas os plebeus conseguiram impor aos
patrícios que as leis votadas na Assembleia da Plebe tivessem validade para
todos. É o reconhecimento a Assembleia Plebeia. Confirmação de um Estado
formado por duas cidadanias: a patrícia e a plebeia. Disfarçado e alimentado
pelas guerras constantes que vedavam, quase por completo, a capacidade de
formação de senso crítico.
Assim, com o desenvolvimento desse conjunto de leis, fruto da luta dos
plebeus para obter reconhecimento diante de uma sociedade fortemente hierar-
quizada, podemos elencar outras vitórias que são significativas para o desenvol-

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R o m a A n t i g a  147

vimento da república romana. Temos a constituição de uma nova ordem social


fundamentada da riqueza. Além de patrícios e plebeus, uma camada plebeia
passou a enriquecer, formando o que Funari (2002) chamou de nobreza mone-
tária, que englobava os nobres de sangue (patrícios) e os plebeus enriquecidos,
formando uma nobreza patrício-plebeia. Esses plebeus enriquecidos passaram
a adquirir propriedades de terra e utilizaram o trabalho escravo.
Importante é reconhecer que a atuação do homem romano na vida pública
da república romana estabeleceu determinados valores que irão perdurar ao
longo da história romana. Com o desenvolvimento das leis e da justiça, o
período republicano no quadro da cidade antiga submeterá o indivíduo ao
interesse do Estado. Uma lenta elaboração proveniente de uma prática política
própria em que instituições vão se estabelecendo por meio das lutas internas
e guerras contra os povos vizinhos. Cícero, na obra Da Republica, reconhece
que a república é o resultado de uma longa sucessão de cidadãos ilustres que
asseguraram o desenvolvimento do poderio republicano. Nesse caso, o cida-
dão é respresentado como agricultor, proprietário que cultiva a terra e soldado.
Como pudemos perceber, o início da república romana é marcado por uma
aristocracia rural que explora suas terras (CORASSIN, 2006).
Desde o início da República, a partir do final do século VI
a.C., Roma foi controlada por uma aristocracia de proprie-
tários fundiários cuja principal riqueza era a exploração
de suas terras. A instauração da República significou a
vitória dessa aristocracia rural sobre os elementos urba-
nos que se haviam desenvolvido durante a monarquia
etrusca. A aristocracia conservadora romana, no entanto,
foi se enriquecendo com o acréscimo de novos elementos
que foram se integrando a ela e assimilando os padrões
de ideias e os comportamentos que a caracterizavam.
Desenvolveu-se um conjunto de valores, praticamente
um código de conduta, que implicava uma transmissão
e que dizia respeito a quase todos os aspectos da vida
(CORASSIN, 2006, p. 272).

Mas então, como funcionava o regime republicano?


De acordo com Funari (2001), o regime de realeza foi extinto e em seu lugar
foi instituída a magistratura que “eram cargos anuais com mais de um ocupante
para que o poder não ficasse centrado nas mãos de uma só pessoa” (FUNARI,
2002, p. 83). Os magistrados mais importantes eram os chamados cônsules.
Estes eram acolhidos no senado. Existiam também os tesoureiros, chamados

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148 HISTÓRIA ANTIGA

de questores, e os encarregados de cuidar da infraestrutura da cidade romana


como edificações, rede de esgotos, ruas, tráfego e abastecimento, os edis. Os
encarregados da justiça se chamavam pretores, e os revisores dos contratos e da
lista de senadores eram os censores. O senado influenciava na escolha desses
magistrados, mas a plebe e os soldados também participavam dessas escolhas.
O senado passou a ser a instituição responsável pela administração da
cidade. Era composto por 300 membros vitalícios escolhidos pelos cidadãos
mais importantes. Os senadores decidiam as leis, administravam as finanças,
as guerras e os tratados de paz.
A participção política em Roma estava dividida em três níveis:
Assembleia por centúrias — decidia guerras e tratados de paz e elegia os
magistrados mais elevados, como cônsules, pretores e tribunos militares.
Assembleia por tribos — os cidadãos eram divididos por tribos de acordo
com sua respectiva origem e local de residência.
Tribunos da plebe — votavam leis relativas à plebe, os plebicitos e elegiam
tribunos e edis.
Os participantes das sessões do senado romano eram apenas homens, uma
vez que as mulheres não poderiam fazer parte da representação política gover-
namental, e não eram consideradas cidadãs de Roma. Reunidos em assembleia
aqueles cidadãos escolhiam os tribunos da plebe, que eram magistrados que
tinham o direito ao veto sobre as decisões do senado. A formação desses cida-
dãos romanos ocorria por meio da educação. Desde crianças eram instruídos
para a vida pública e inseridos em um sistema de valores transmitidos que de
acordo com Corassin (2006), os valores básicos da sociedade romana eram
transmitidos de geração em geração e fundamentada no respeito aos costumes
dos antepassados.
Em Roma, sempre se valorizou a tradição, objeto de um
respeito indiscutível; muitas vezes, havia um tom pejo-
rativo quando se falava de res novae, as “inovações”,
mas que também significava “revolução”, com um valor
negativo. Para nós, que incensamos tudo o que é novo,
parece estranho, pois associamos à ideia de “novo” um
valor positivo: é difícil para nós associar uma conotação
positiva ao que é mais velho. Entre os romanos, encon-
tramos o inverso: nos discursos políticos, apela-se para
a memória dos antepassados, para a glória dos próprios
ancestrais; muitas vezes o novo é apresentado como o
ameaçador ou desestabilizador. A formação do cidadão

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 148 25/06/14 20:10


R o m a A n t i g a  149

desenrola-se no quadro da família, sob a autoridade do


pater familias (CORASSIN, 2006, p. 274).

O poder estava, então, dividido entre o senado e o povo, mas a influência


dos senadores nas assembleias populares se acentuava, uma vez que os homens
das armas que estavam reunidos garantiam mais os votos dos poderosos do
que dos camponeses. Segundo Cardoso (1993), os mais importantes eram os
cônsules, generais supremos que convocavam o senado, dirigiam os negócios
públicos, presidiam os cultos e reuniam o exército; e os tribunos da plebe,
que, em número de 10, representavam o poder de “pressão” da plebe. Tinham
poder de vetar as leis que prejudicassem a plebe (salvo em tempo de guerra).
Em caso de grave perigo militar, os cônsules ou o senado podiam nomear, por
seis meses, um magistrado supremo, o ditador.
A história de Roma também é marcada pela expansão. Para Funari (2002),
os romanos entravam em conflitos com as cidades vizinhas e as conquista-
vam. Primeiro foram em direção ao Lácio, seguiram à Itália central, meridional
e setentrional. Os povos conquistados recebiam tratamentos diferenciados.
Poderiam receber a cidadania romana ou ser escravizados. Tudo dependia da
forma como ocorria a conquista. Dessa forma, Roma foi o resultado da união
desses povos, que acolhidos como cidadãos ou escravizados, formavam um
exército fortificado e conquistador que forçava a aceitação de sua hegemonia
pelo território italiano.
Roma, de uma união de povos, sabia conviver por vezes
com a diferença e adotava, por vezes, uma engenhosa
tática para evitar a oposição e cooptar possíveis inimigos:
incluir membros das elites de povos aliados na órbita
romana, com a concessão de direitos totais ou parciais
de cidadania. Assim, haviam povos que se aliavam aos
romanos e seus governantes tornavam-se seus amigos,
enquanto outros lutavam e, ao perderem, eram submeti-
dos ao jugo romano (FUNARI, 2002, p. 85).

Importante então é compreender por que Roma buscava anexar tantos


territórios. Para Funari (2002), isso ocorria pela necessidade de formar um
exército poderoso, com base nessas alianças políticas com as cidades vizinhas,
para o fornecimento de forças militares. Esses povos eram então incorporados
pelo Estado Romano. Os que não aceitavam a integração eram escravizados
ou massacrados e todas as suas terras eram divididas entre os romanos e seus
aliados. Surge então o que Funari (2002) chama de “método” de tratar de forma

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150 HISTÓRIA ANTIGA

diferenciada os povos conquistados e que favorecia o domínio romano sobre


o território italiano. Se por um lado alguns povos aliados recebiam todos os
direitos dos cidadãos romanos, outros povos recebiam apenas alguns direitos.
Povos numerosos tinham garantida a manutenção de sua representação política,
seus próprios magistrados e suas leis, muito embora estivessem sob a tutela
romana e fossem obrigados a fornecer tropas quando Roma necessitasse.

Para saber mais


Já ouviram a expressão de que “todos os caminhos levam a Roma”?
Muito bem, com a motivação de evitar as revoltas, os romanos construíram estradas por todo
o território a fim de garantir o acesso rápido de tropas. Nelas foram construídas colônias que
tinham como função garantir a fidelidade dos povos aos romanos. Como podemos visualizar
no mapa (Figura 4.7)

Figura 4.7 Estradas consulares que partem de Roma

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Estradas_consulares.svg>.

Essas estradas eram habitadas por cidadãos romanos que recebiam lotes de
terras que haviam sido conquistadas e confiscadas. Formavam uma grande via
de comunicação que se tornaram fundamentais para o fortalecimento de Roma.
Em uma sociedade bastante militarizada, o exército de-
sempenha um papel fundamental. Paul Petit, em seu
livro A paz romana, nos lembra que a força dos romanos

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 150 25/06/14 20:10


R o m a A n t i g a  151

estava nas conquistas territoriais. Seu exército, composto


por infantes armados de escudos e lanças, acabou por
superar outros tipos de armada antiga. Além disso, desen-
volveram táticas militares elaboradas como a construção
de estradas e de acampamentos fortificados. No entanto,
os romanos não avançaram muito na navegação e manti-
nham, segundo esse mesmo pesquisador, somente a frota
necessária para evitar a pirataria no mar Mediterrâneo
(GARRAFFONI, 2006, p. 48).

1.5 A expansão romana e a formação do exército


Os exércitos foram se consolidando no decorrer das guerras ocorridas
entre os séculos VI e III a.C. Tratava-se de uma instituição romana importante,
era constituído por cidadãos. De acordo com Funari (2002), até 111 a.C. o
exército não era permanente, compunha-se de cavaleiros (de elite) e campo-
neses (infantaria) durante o verão que retornavam às suas propriedades e lá
permaneciam o restante do ano. A participação era obrigatória nas campanhas
e portanto retirava um contingente grande de pessoas do campo. A infantaria
foi a principal responsável pela conquista do território da Península Itálica
pois estavam armados de escudos e lanças o que tornava o exército romano
superior aos demais exércitos da Antiguidade. Muitas técnicas militares foram
desenvolvidas nesse período. Os acampamentos militares funcionavam como
verdadeiras cidades protegidas por fortificações e com toda a estrutura: enfer-
marias, latrinas, saunas, cozinhas, fábrica de armamentos. Muitos engenheiros
e trabalhadores participavam na contrução de pontes para poder chegar ao
destino desejado (FUNARI, 2002).
Durante a República (século V a.C. até o século I a.C.),
período em que são travadas as três Guerras Púnicas, o
exército romano tinha uma formação distinta da que se
configurou, posteriormente, durante o Império (27 a.C.
395 d.C.). Nessa época o exército ainda não havia se
profissionalizado nem era permanente, o que significa
que nos períodos em que não havia guerra, seus membros
voltavam às suas terras e desempenhavam suas profissões
de origem (GARRAFFONI, 2006, p. 48).

O exército estava dividido em legiões. Formavam unidades com aproxima-


damente três mil infantes, 1.200 homens de assalto e 300 cavaleiros. Todos
comandados por cônsules e pretores, chamados de generais, que significa
“aqueles que mandam”. Os generais vencedores recebiam honras e desfilavam

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 151 25/06/14 20:10


152  HISTÓRIA ANTIGA

com suas tropas na cidade de Roma. Existiam também forças auxiliares que
ofereciam apoio às tropas romanas. Esse era um elemento unificador que servia
para generalizar o uso do latim entre os povos conquistados.
Além da conquista da Peninsula Itálica, a partir do século III a.C. a expansão
romana se estende para além da Itália e isso causa uma profunda transformação
da sociedade camponesa. As guerras passaram a se tornar cada vez mais ren-
táveis pela captura dos inimigos que se tornavam escravos que eram utilizados
nas fazendas. Como existia a necessidade de produzir alimentos para fomentar
as guerras e a participação dos camponeses estava cada vez mais difícil na
infantaria, o general Mário em 111 a.C. desenvolveu um sistema assalariado
de participação dos soldados nas guerras, acarretando a profissionalização do
exército. Isso fez que os soldados assalariados passassem a ser mais leais aos
generais que lhes pagavam do que ao Estado Romano (FUNARI, 2002).
No período republicano (509 a.C. a 27 a.C.) Roma teve um longo embate
com Cartago. O episódio é conhecido como Guerras Púnicas e durou de 246
a 146 a.C. Localizada no norte da África, banhada pelo mar Mediterrâneo,
Cartago era o principal centro de comércio nessa região e começou a disputar
os mesmos interesses que os romanos. Depois de totalmente arrasada e in-
corporada ao comando romano, Cartago passou a ser uma via de acesso que
fornecia escravos, marfim, metais preciosos, produtos agrícolas para Roma. O
papel desempenhado pelo exército na sociedade romana foi fundamental para
que o Império pudesse chegar ao seu apogeu, mas também foi determinante
para o declínio e a queda de Roma.
As Guerras Púnicas ocupam um lugar de destaque entre
os vários conflitos em que Roma se envolve no período
republicano. A partir dessas guerras, os romanos vão,
gradualmente, desenvolvendo as táticas de seu exército
e definindo suas estratégias de ocupação nos territórios
conquistados, expandindo assim os limites de suas con-
quistas. Para que se tenha uma ideia da importância
dessas guerras, basta pensarmos que antes da Primeira
Guerra Púnica os romanos não haviam saído, ainda,
da Península Itálica, e ao final da Terceira Guerra já
haviam submetido o norte da África e a Península Ibé-
rica e estavam dirigindo seus olhares para terras mais
distantes como a Britannia (atual Inglaterra) e regiões
mais orientais. (FUNARI, 2002. P. 56).

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 152 25/06/14 20:10


R o m a A n t i g a  153

Como podemos visualizar no mapa da Figura 4.8, Cartago, detinha uma


posição estratégica, pois era o grande centro do poder do Mediterrâneo.

Figura 4.8  Cartago

Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:CarthageMap.png>.

Vencidas as guerras contra o rei Piro de Épiro, evento marcante para a


cultura romana, pois nesse episódio Roma entra em contato com os povos de
origem grega, Roma passa a desenvolver contato com Cartago. Hoje a cidade
de Cartago fica onde é a Tunísia.
Situada na península do golfo de Túnis, a cidade estava
posicionada de forma estratégica e, por isso, depois de
adquirir sua independência, passou a exercer o controle
político sobre boa parte do Mediterrâneo. O acesso à
cidade era razoavelmente difícil, já que era protegida
por montanhas pelo interior e pela baía, no outro ex-
tremo, onde se situava um dos portos mais importantes
do Mediterrâneo. Com uma economia fundamentada no
comércio, os cartagineses controlavam a exploração e
venda de minérios em regiões da atual Espanha e no sul
da Itália (GARRAFFONI, 2006, p. 53 e 54).

Para saber mais


As batalhas contra o rei de Épiro, Piro, são marcantes, pois esse rei utilizou elefantes para assustar
o exército romano.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 153 25/06/14 20:10


154  HISTÓRIA ANTIGA

O historiador Michael Grant, em seu livro History of


Rome, assinala que a sorte dos romanos começa a mu-
dar quando esses conseguem descobrir uma maneira de
reverter a situação, isto é, desenvolver estratégias para
controlar e atacar os elefantes. Os romanos perceberam
que atacar esses animais com os javalis seria uma alter-
nativa, pois os elefantes assustados fugiam, na direção
inversa, destruindo o próprio exército que os controlava.
Essa tática foi um passo estratégico fundamental para
vencer os conflitos (GARRAFFONI, 2006, p. 51).

1.5.1 Primeira Guerra Púnica (264-241 a.C.)


Período em que Roma aumenta suas conquistas territoriais e ocorre o
desenvolvimento das cidades e das populações e com isso a necessidade de
reorganização do abastecimento para as regiões conquistadas. Com isso os
escravos passam a ser utilizados nas mais diferentes funções e Roma então se
dirige para o sul da Peninsula a fim de conquistar mais territórios e escravos.
Com isso, Roma se desloca para Cartago, e em um primeiro momento desen-
volvem relações amigáveis, mas ao passo que Roma deixou de respeitar alguns
tratados comerciais entra em guerra contra o exército da região. Ao que tudo
indica o conflito teria se iniciado porque Roma, com o pretexto de salvar Messina
(atual Sicília), local importante para o comércio e linha de demarcação de in-
fluência política entre Cartago e Roma, dos mercenários. Cartago se aliou ao
rei de Siracusa e os romanos atacaram o acampamento do rei e deram início
à guerra contra os púnicos.
Embora a guerra tenha trazido muitos gastos aos romanos,
a captura de escravos e os novos territórios anexados
foram importantes conquistas para a aquisição de novas
riquezas. A transformação pela qual passava Roma não se
restringia ao campo militar, mas também atingiu o plano
administrativo, legislativo e cultural. Para manter o domí-
nio sobre os locais conquistados, os romanos reestrutura-
ram sua legislação e criaram novos postos administrativos.
Já no plano cultural, os contatos com os povos helênicos
foram fundamentais para o nascimento e desenvolvimento
da literatura latina, de diferentes estilos de pintura parietal
e de escultura. Além disso, foi introduzida, em Roma, a
primeira luta de gladiador, em memória do falecido Iu-
nius Brutus Pêra, segundo nos relata Tito Lívio (Ab Vrbe
Condita, livro XVI) (GARRAFFONI, 2006, p. 61).

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 154 25/06/14 20:10


R o m a A n t i g a  155

Para saber mais


Os romanos possuíam um forte exército, mas necessitavam de frotas marítimas para enfrentar
seus inimigos. O grande desafio dos romanos era vencer pelo mar. Dessa forma, tiveram de
contruir embarcações de guerra. De acordo com Garraffoni (2006, p. 58), os romanos utilizaram
rampas em seus navios que eram içadas para invadir os navios inimigos:
Construíram barcos chamados quinquerremes, isto é, cada banco
de remo era movido por cinco homens, que não necessaria-
mente precisavam conhecer as técnicas de navegação. Esse tipo
de navio foi a grande arma tática usada pelos romanos: como
seus oponentes eram reconhecidos pela sua habilidade em
mar, os romanos optaram por construir grandes navios que
podiam carregar cerca de trezentos homens para o combate
corpo a corpo, transformando os encontros marinhos em
embates tão semelhantes quanto possível às batalhas terrestres
(GARRAFFONI, 2006, p. 58).

1.5.2 Segunda Guerra Púnica (218 a 201 a.C.)


De acordo com Garrafoni (2006), os cartagineses diante da derrota sofrida
voltam seus olhares para a Hispania. Estes conquistam a Península Ibérica e exer-
cem seu domínio por um vasto território. Ao que tudo indica a segunda Guerra
Púnica pode ser herdeira da primeira, pois envolve diretamente os membros das
famílias cartaginesas que buscavam o controle das áreas da Espanha. Parte do
exército romano se dirigiu para a Hispania para deter Aníbal (221 a.C.), impor-
tante comandante do exército cartaginês. E para a Sicília, território importante
para a entrada na África.

Apesar das dificuldades impostas pelo clima, em espe-


cial a neve, e alguns conflitos com as populações locais,
Aníbal atravessou os Alpes, reorganizando seu exército
na planície do Pó. Venceu os romanos em uma série de
batalhas e conseguiu convencer os gauleses a se alia-
rem a ele. Embora Aníbal tivesse a chance de marchar
contra Roma, preferiu não o fazer, dirigindo-se para o
sul da península a fim de provocar nos povos da região
desentendimentos e sublevação contra os romanos. Os
romanos contentaram-se em vigiar seus passos. Quando
as investidas de Aníbal tornaram-se mais fortes, os roma-

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 155 25/06/14 20:10


156  HISTÓRIA ANTIGA

nos decidiram detê-lo em Cannae (GARRAFFONI, 2006,


p. 64 e 65).

Os romanos tiveram muitas derrotas contra o exército cartaginês, porém


Roma saiu mais poderosa dos combates uma vez que conseguiu manter a leal-
dade do seu exército e a conquista de muitos territórios que ficariam sob o seu
domínio por muitos anos.

Para saber mais


Uma das batalhas mais importante e que foram narradas por Tito Lívio e Políbio no ano de 216
a.C. Roma marchou com um exército com oito legiões para preparar uma emboscada ao exército
de Aníbal. Os romanos tinham cerca de 155 mil homens, mas Aníbal, com um número mais
reduzido de soldados, utiliza a maioridade numérica do exército romano a seu favor, posicio-
nando o seu exército em duas colunas. Os romanos ao atravessarem o rio para atingir à planície
foram surpreendidos pelos cartaginenses:
Quando os romanos atravessaram o rio, Aníbal posicionou seu
exército em duas colunas e, no momento exato da travessia, o
exército girou formando uma única linha. Os 10 mil cavaleiros se
distribuíram por alas, os númidas foram posicionados frente à
cavalaria latina. Demorou algum tempo para que as tropas se
posicionassem, e o grande número de pés tocando o chão levan-
tou muita poeira. Com agilidade, as tropas de Aníbal aproveita-
ram-se do vento, levantando, assim, grande quantidade de areia
do chão. Suas tropas ligeiras vieram apoiar as alas que partiram
para o combate corpo a corpo (MAGNOLI, 2006, p. 68).
Nesse combate a infantaria romana foi pouco a pouco sendo vencida, graças à habilidade tática
de Aníbal.

1.5.3 Terceira Guerra Púnica (149 a 146 a.C.)


É a guerra que durou menos tempo mas, de acordo com Garraffoni (2006),
“varreu Cartago do mapa político da Antiguidade”. No final, Roma implemen-
tou definitivamente o seu domínio pelo Mediterrâneo e desenhou as bases do
Império que se delineava por conta da crise da república. Ao final da segunda
Guerra Púnica, o império cartaginês estava reduzido a seu território no norte
da África e enfrentava dois problemas externos: perda de seus recursos e a
possibilidade de ser atacada pelos aliados romanos na África.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 156 25/06/14 20:10


R o m a A n t i g a  157

Essa guerra foi um pouco distinta das anteriores, pois, do


ponto de vista romano, concentrou-se na tomada da ci-
dade de Cartago, que era fortemente murada. Os romanos
não conseguiram escalar o muro e tinham então de abrir
brechas em locais onde os cartagineses se concentravam
para resistir à invasão romana. Algumas batalhas foram
travadas, também, fora das muralhas, com intuito de
procurar outras possibilidades para derrotar a cidade. Na
medida em que o exército romano avançava, encontrava
acampamentos externos abandonados pelos púnicos e os
incendiava (GARRAFFONI, 2006, p. 70).

Essas guerras proporcionaram o aumento do território Romano. Sicília,


Sardenha, Córsega, Hispania e o Norte da África , foram anexados e além dos
territórios da Ásia, Gália, exercendo sua influência política, econômica, social
e cultural.
Para administrar toda essa grande quantidade de povos e
culturas, Roma teve de reestruturar-se. Houve necessidade
de nomear mais governantes para as novas províncias
anexadas, o exército profissionalizou-se e, como conse-
quência, ocorreu o desenvolvimento de novo sistema de
abastecimento para que produtos da dieta mediterrânica
atingissem locais mais distantes. Mudanças profundas,
portanto, foram necessárias, e, aos poucos, foi surgindo a
base do Império que seria mantido nos séculos seguintes.
Em poucas palavras, as Guerras Púnicas movimentaram
grande quantidade de recursos humanos e econômicos,
movimentação essa que propiciou muita riqueza, luxo e
escravos à elite romana, assim como provocou o alastra-
mento da pobreza entre os camponeses devido a destrui-
ção de parte da agricultura (GARRAFFONI, 2003, p.72).

Assim, verificamos a importância do exército na formação do território


romano. Dentre as muitas dificuldades para o asseguramento do territó-
rio conquistado Roma tinha a necessidade de desenvolver postos avançados
e acampamento militares a fim de garantir que as ordens fossem cumpridas.
Desse modo o domínio romano se manteve por muitos anos por conta da
existência de uma estrutura que fosse capaz de cobrar impostos e reprimir
rebeliões, além de salvaguardar as fornteiras (FUNARI, 2002).
O alcance geográfico do domínio romano, ainda hoje,
chama a atenção,pois nunca houve, antes ou depois,
império tão grande e integrado como o romano. Observe
o enorme espaço geográfico que o domínio dos romanos

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 157 25/06/14 20:10


158  HISTÓRIA ANTIGA

alcançou em seu apogeu, no século II d.C. Como vimos,


com as conquistas romanas, muitos povos diferentes aca-
baram dominados pelo Império: os hebreus, no Oriente
Médio, os bretões, na região da atual Inglaterra, os gaule-
ses, onde hoje é a França, os egípcios, os gregos e muitos
outros povos (FUNARI, 2002, p. 89).

Nesse processo houve o enfraquecimento da república uma vez que o


principado inaugurado por Augusto em 27 a.C., apesar de manter a fachada
republicana, passou a decidir de forma soberana por todo o território.

Atividades de aprendizagem
1. Na atualidade, temos a república como regime político que pre-
dominante. Como vimos nessa seção a república tem sua origem
na Antiguidade clássica. Em Roma, nos primeiros séculos de vida
republicana, predominavam, do ponto de vista econômico, social e
político, respectivamente:
a) A agricultura baseada no trabalho livre, a luta entre patrícios e
plebeus e um poder aberto à participação dos cidadãos.
b) A agricultura baseada no trabalho escravo, os patrícios e um poder
fechado à participação das classes subalternas.
c) O pastoreio baseado no trabalho compulsório, os plebeus e um
poder oligárquico exercido por ricos comerciantes.
d) A manufatura baseada no trabalho servil, uma luta de classes
generalizada e um poder restrito aos proprietários rurais.
e) O comércio baseado no trabalho autônomo, o entendimento entre
as classes e um poder exercido por ditadores eleitos.
2. Quais são os resultados trazidos para a sociedade romana pelas ex-
pansões ocorridas por todo o Mediterrâneo durante a República?

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 158 25/06/14 20:10


R o m a A n t i g a  159

Seção 2  O império romano


Quais seriam as aproximações entre nós e o Império Romano? Será que
a integração existente durante o Império Romano é capaz de propor alguns
questionamentos para o presente em que vivemos? Como que o princípio da
res publica constituído em Roma que possuía a concepção de que as relações
da ordem e da obediência estavam centradas nas leis e na soberania do povo
pôde se modificar para se tornar o Império? Não é muito precisa a data para
o final da república romana, mas sabemos que foi o resultado do crescimento
territorial de Roma que se tornou uma Cosmópolis uma vez que ultrapassou
os limites institucionais e espaciais das cidades estados mais clássicas e tor-
nou uma prática a concessão de cidadania aos povos conquistados (MENDES,
2006). Para Mendes (2006), diante da difuculdade em determinar a passagem
da república romana para o império podemos buscar a compreensão dessa
mudança profunda na sociedade romana como uma revolução cultural. Uma
modificação que não ocorre apenas na mudança de regime político, mas na
tradição, na memória, no conhecimento em que a autoridade política, social
e militar dos líderes romanos se alinham com a autoridade acadêmica dos
especialistas filósofos, matemáticos, linguistas e juristas. Desse modo temos o
desenvolvimento de um regime absoluto que se consolida pelo militarismo e
que vai desmembrando as estruturas políticas do regime republicano.
Durante os anos de guerras civis, o general Caio Júlio César, que havia
conquistado a Gália e demonstrado ao senado romano forte tendência tirana,
passou a oferecer uma nova orientação política. Mesmo sendo morto pelos
senadores, em episódio muito conhecido, foi sucedido por outros generais
e por seu sobrinho Otávio, conclamado príncipe de Roma e que se tornou o
único grande general, sendo intitulado “Augusto, o venerável”. O regime então
se modificou, não vemos mais a atuação republicana, mas um governo repre-
sentado por um único príncipe que se tornou um general do exército romano.
Os poderes de tribuno possibilitaram a Augusto, que já
se encontrava protegido pela inviolabilidade, o direito
de vetar as decisões do Senado, de convocá-lo, assim
como a Assembleia do Povo e de propor com primazia
os projeto de lei. Enfim, possibilitou o controle do poder
civil, que, segundo Tácito, foi a “essência do principado”
(Anais, III, 56. apud MENDES, 2006, p. 29).

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 159 25/06/14 20:10


160  HISTÓRIA ANTIGA

Questões para reflexão


Quais seriam as modificações sofridas pelo sistema republicano e de
que forma o Império se fundamenta como regime político?

Diante dessa afirmação, podemos verificar que Otávio, chefe do comando


militar superior do senado tinha soberania ilimitada podendo emitir editos,
declarar a guerra e a paz, concluir tratados, criar serviços civis e militares. Tam-
bém tinha a prerrogativa exclusiva de controle da política monetária. Autorizou
o surgimento de cargos em prefeituras para o funcionamento da administração
de Roma e da Itália. Tinha o poder de justiça sobre os exércitos e cidadãos
romanos. Recomendava os candidatos às Assembleias. De acordo com Men-
des (2006, p. 30) o principado representou o fim do que havia de participação
popular uma vez que a liberdade eleitoral “foi quebrada pelas novas práticas
introduzidas no processo eleitoral”. O senado perdeu importância como uma
instituição pública e republicana, mas os senadores ganhavam individualmente
uma vez que passaram a ocupar os cargos criados pelo regime imperial.
Durante a República, as grandes questões políticas eram
debatidas em público. Sob o novo regime eram discutidas
e decididas por poucos homens. Iniciou-se a prática do
gabinete governamental. Formaram-se comitês compostos
pelos cônsules, um titular de cada magistratura e quinze
senadores escolhidos por sorteio, cuja duração era de seis
meses. (Suetônio, Augusto, 33). Estes comitês se consti-
tuíram em órgãos de administração e não de autoridade,
utilizados pelo príncipe como um conselho. As princi-
pais questões do governo, sem dúvida eram debatidas
numa outra instância, formada pelos amigos de Augusto,
designada Conselho do Príncipe. Com o fortalecimento
do governo imperial, a importância deste Conselho foi
aumentada, passando a ser o responsável pelo destino de
Roma e do mundo (MENDES, 2006, p. 30).

Durante seu reinado, iniciado em 27 a.C., e seguindo mais 250 anos te-
remos a chamada “Paz Romana”, tendo como regime político o império que
concentrava o poder nas mãos dos imperadores e a administração do domínio
romano sofreu alterações a fim de mobilizar todos os poderes administrativos
dos órgãos da república para as mãos do imperador. De acordo com Funari
(2002, p. 89):

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 160 25/06/14 20:10


R o m a A n t i g a  161

O imperador era reverenciado e adorado como um dos


deuses romanos, daí sua enorme autoridade, derivada
também do temor que inspirava. No “período de paz”,
novas conquistas foram efetivadas e as atividades econô-
micas e culturais ganharam grande impulso, surgindo
novos e portentosos edifícios, monumentos, aquedutos,
pontes, circos e anfiteatros.

Durante o Império, os romanos desenvolveram uma ampla capacidade


administrativa, realizando tratados com povos distantes e posicionando colô-
nias e cidadãos por todo o território. Muitas províncias foram criadas após as
conquistas fora da Península Itálica e no século I a.C. formaram-se as províncias
senatoriais que tinham governadores nomeados pelos senadores e sem tropas e
as imperiais que eram administradas por militares e indicados pelo Imperador.
Cada província tinha uma capital, onde o governador era
também assistido por um conselho provincial, formado
pela elite dos romanos da região, e por funcionários ad-
ministrativos, em geral libertos imperiais. Cada província
era dividida em regiões administrativas, cada uma com
uma capital, o que facilitava principalmente a cobrança
de impostos, a manutenção das estradas, dos aquedutos
e da administração em geral. Na base, estavam as cida-
des, cada uma com grande autonomia na gestão de seus
assuntos, com constituição própria, câmaras municipais
(ordo decurionum) e magistrados locais (duúnviros) (FU-
NARI, 2002, p. 90-91).

Em decorrência da exploração das regiões conquistadas o Império romano


se fortaleceu e as mesmas guerras de conquista que arruinaram a vida dos pe-
quenos camponeses enriqueciam os cidadãos, patrícios e plebeus que eram
grandes proprietários de terras, os comerciantes que eram importadores e donos
de ofícios e lojas em Roma e os publicanos que eram cobradores de impostos.
A utilização do trabalho escravo nas propriedades provocou o êxodo rural,
pois agricultores arruinados e uma massa de plebeus desocupados passaram
a se deslocar para a Capital e dessa forma, para amenizar o problema social
o Estado passou a lhes oferecer subsídios (FUNARI, 2002).
Pode-se dizer que Roma contava então com dois gru-
pos sociais bem distintos: uma minoria muito rica, que
constituía o grupo político dirigente no exército e nas
instituições, e uma grande massa de pobres, que vivia
“do pão e do circo”, ou seja, recebia alimentos a preços
baixos e espetáculos públicos gratuitos para sua diversão
(FUNARI, 2002, p. 98).

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 161 25/06/14 20:10


162  HISTÓRIA ANTIGA

Durante as primeiras quatro décadas de reinado, Octávio Augusto manteve


o Senado e a os cônsules que eram fortes símbolos republicanos. Acusados
de corrupção os cônsules foram destituídos de sua função e Augusto passou
a realizar um governo de alta popularidade entre os camponeses. Primeiro
porque passou a perdoar suas dívidas com o Estado Romano, criou tribunais
que ofereceram maior agilidade à justiça e distribuiu dinheiro e alimentos em
momentos de crise. Também incentivou os espetáculos e as grandes lutas dos
gladiadores, com a construção de anfiteatros e circos.

Para saber mais


Primeiras dinastias do Império Romano:
Após a morte de Octávio Augusto em 14 d.C., assume Tibério, seu genro, até 37 d.C. Calígula
de 37 d.C a 41 governa e condena à morte muitas pessoas, sendo assassinado. Cláudio de 41
a 54 d.C. acabou envenenado por sua esposa para que Nero, de 54 a 68 d.C., filho bastardo
de Cláudio, pudesse suceder. Nero assassina sua mãe e se torna um perseguidor implacável
dos cristãos.

A partir do ano de 69 d.C., com a dinastia dos Flávios até 96 e dos Anto-
ninos entre os anos 96 e 192 temos um período de esplendor no qual novas
cidades foram surgindo e o estilo de vida romano passou a ser adotado nas
mais distantes localidades, o que chamamos processo de romanização das
regiões. Afirma Gibbon (1989, p. 86), que a dinastia dos Antoninos foi “o único
período da História em que a felicidade de um grande povo se constituiu no
único objetivo do governo.”

Para saber mais


Por que o cristianismo, que foi tão combatido pelos imperadores romanos, tornou-se a religião
oficial do Estado romano?

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 162 25/06/14 20:10


Roma Antiga 163

Figura 4.9 Extensão máxima do Império Romano durante o Império de Trajano no século I d.C.

Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Roman_Empire_Trajan_117AD.png>.

No ano de 284 a 285 d.C., com o imperador Dioclesiano, que buscou


tornar o Império mais governável, houve a divisão de Roma em duas partes.
O lado ocidental ficou aos seus cuidados e o lado oriental ficou sob a autori-
dade do general Maximiano. Para Eduard Gibbon (1989), Dioclesiano era um
homem racional e utilizou o cerimonial para defender o seu poder imperial.
Com isso ele dividiu o poder, pois era impossível manter um governo para
todo o Império. Anos mais tarde, Dioclesiano dividiu o Império Romano entre
quatro governantes, uma ação que enfraqueceu o senado, uma vez que Roma
deixou de ser o centro do Império e passou a contar com quatro centros de
poder: Treves, Milão, Sirmio e Nicomédia.
Também foi responsável por forte perseguição aos cristãos. Somente
após a sucessão de Constantino em 313 d.C. Roma restaurou o seu poder cen-
tral. Constantino concedeu liberdade de culto aos cristãos e colocou um fim
às perseguições religiosas. E, por fim, Teodósio seguiu a divisão do Império em
duas partes que levou ao Império Romano no Ocidente com sede em Milão e
o Império Romano do Oriente com sede em Constantinopla. Nesse perído o
território romano se encontra com um forte assédio de outros povos que visam
a invasão do território. Esse período é o chamado de crise do Império Romano.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 163 25/06/14 20:10


164  HISTÓRIA ANTIGA

Em 324 d.C., o imperador Constantino conseguiu assegurar o controle


por todo o Império Romano, e ao unificar as duas metades do Império, buscou
constituir as fortalezas para conter o avanço das invasões. Por isso, ao se deparar
com o espaço existente no que hoje é a Turquia, determinou a construção de
uma capital, Constantinopla, como o centro administrativo dessa nova Roma.
As técnicas utilizadas para a construção da cidade são advindas da cultura
romana, e aliou seu apego aos costumes romanos e o aperfeiçoamento das
construções das igrejas e dos grandes edifícios. Constantinopla, que ficava no
local onde estavam povos chamados de bizantinos cresceu sob o comando
dos imperadores romanos e do cristianismo.
Mas conforme o sonho ambicioso da construção de uma nova capital
no polo oriental do Império Romano, Constantinopla nasceu com a esperança
de que pudesse servir como um novo centro de unidade para o mundo romano.
Mas essa ideia acabou por transformar o próprio objetivo da construção da
cidade, e fez emergir o que podemos chamar de Império Bizantino. A sede
do governo romano em Constantinopla fez que uma nova cultura e sistema
político nascessem no final do mundo antigo.
A fundação de uma nova capital representou a construção de uma
cidade suntuosa, com uma complexa rede de aquedutos capaz de abastecer
todos os cantos da capital. Igrejas e edifícios foram erguidos a fim de delimi-
tar os rumos da administração política que sempre seguiria os princípios do
cristianismo. A civilização bizantina estava envolta pela crença nos valores da
religião, e se tornava uma capital imperial, cristã e metropolitana.
O filho de Constantino, Constâncio (337-361 d.C.), estabeleceu Cons-
tantinopla como a capital Imperial, pela ampliação dos planos de seu pai.
Constituiu um senado, muito parecido com o romano, enfatizou o caráter
cristão da cidade, via construção da catedral, a Igreja de Santa Sofia, que hoje
é um enorme museu em Istambul, e construiu a igreja dos Santos Apóstolos,
que abrigou o corpo de seu pai, tornando-se um dos maiores mausoléus do
mundo cristão. E, com o objetivo de fazer de Constantinopla uma capital pa-
triarcal, ou seja, sede do papado cristão, organizou o abrigo ao Concílio Geral
da Igreja. Na realidade, Constantino e Constâncio haviam criado as bases para
a fundamentação do patriarcado bizantino e foi Teodósio (379-395 d. C.) que
fez de Constantinopla não penas a nova Roma, mas também constituiu uma
nova Jerusalém.

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R o m a A n t i g a  165

Teodósio, além de conquistar o título de patriarcal para Constantinopla,


deu continuidade às obras de Constantino, e conseguiu dar início ao processo
de enraizamento do cargo imperial na cidade. Muralhas eram construídas para
evitar o avanço das invasões e nessa nova Roma, a população passou a ultra-
passar a antiga. A cidade estava adquirindo forma, com o desenvolvimento de
ruas e avenidas, praças, foros e igrejas. Todas as principais instituições ficavam
ao redor da praça. Também Constantinopla se constituía como uma cidade
de bairros, que surgiram muito rápido, e neles ficavam as atividades de supri-
mento da cidade, onde se distribuíam alimentos e local de desenvolvimento
de mosteiros.
Na época de Teodósio (379-395 d. C.) os mosteiros desempenharam
papel importante para a criação da estrutura da cidade. Os monges na cidade
de Constantinopla desempenhavam seus papéis no interior das cidades e por
meio das obras de caridade cuidavam das necessidades dos pobres e favorece-
ram a estabilização de uma sociedade que estava em expansão. Os mosteiros,
na opinião de Angold (2002) eram os mediadores entre os ricos e pobres, por
distribuírem parte da riqueza nas atividades sociais. O que estava ocorrendo no
século IV era um processo de destituição da figura imperial da capital romana,
e com a emergência de uma nova capital os esforços para fundamental a figura
dos imperadores bizantinos estava enraizada no cristianismo. Mas de que forma
o cristianismo iria alterar a qualidade da autoridade Imperial? (ANGOLD, 2002).
Trata-se de um problema que envolve a discussão da religião e da
política. Vamos pensar o seguinte: na capital romana, antes do século V, os
imperadores haviam compartilhado da ideia de que o imperador participava
do divino. Este era o ponto que unia e fundamentava a autoridade do impe-
rador e a sociedade romana. Mas após a conversão ao cristianismo, algumas
modificações precisaram ser realizadas.

Para saber mais


O cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano no ano 380 d.C. Foi o Imperador
Teodósio I que determinou através da lei conhecida como Édito de Tessalônica. Porém, foi
Constantino I que, convertido ao cristianismo, buscou utilizar sua eloquência para reforçar o
exército romano com os cristãos que ainda eram perseguidos no território. Ele proclamou em
313 o Édito de Milão, lei que garantia liberdade para cultuar qualquer deus, o que seria fun-
damental para a futura conversão total do império à religião.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 165 25/06/14 20:10


166  HISTÓRIA ANTIGA

O imperador Constantino precisou definir a sua posição, uma vez que não
mais poderia se intitular como um semideus. Passou a afirmar que era apóstolo
de Cristo, e com isso buscava relacionar à sua persona a figura de Jesus. Com
o tempo os imperadores foram adotando a postura mais ortodoxa e católica o
que fazia os imperadores serem julgados pela moral da Igreja. Em episódio que
libertou provisoriamente o Império Romano do Ocidente, o imperador Teodósio
precisou se justificar da matança generalizada ocorrida, o que demonstra que
a autoridade moral e a disciplina da igreja estavam se fundamentando. Para
essa relação da autoridade imperial e espiritual é importante que tenhamos
atenção. Nas primeiras experiências em que o Império Romano oficialmente
se declarou cristão, o cargo imperial esteve sob a vigilância da autoridade
moral da igreja. Em Roma o patriarcado, após a fragmentação do Ocidente
pelas invasões bárbaras, teve a experiência da manutenção da autoridade da
igreja ante os reinos que se formaram. Mas no caso de Constantinopla, os im-
peradores bizantinos estabeleceram uma aliança que levou ao desevolvimento
de um padrão de cooperação, conflito e recriminação (ANGOLD, 2002).
Foi o imperador Crisóstomo que estabeleceu entre os anos de 398 e 404
a estreita relação entre o imperador e a igreja. Ele determinou que por todo o
território do Império Bizantino os povos se convertessem ao cristianismo. Em
seu reinado ficou clara a relação entre o imperador e o patriarca para o bom e
correto desenvolvimento de um governo imperial, através do reconhecimento
de obrigações mútuas. O lado secular da autoridade imperial foi estabelecido
no hipódromo onde o imperador e o seu povo fundamentavam os laços com
o povo. No palácio ele era a personificação da majestade terrena, represen-
tante da lei, e legatário da conversão ao cristianismo. O palácio imperial se
transformou em um santuário cristão, um sinal do favor divino. E no século V
Constantinopla surgia como uma grande cidade, um grande centro de influência
e o mais poderoso centro do mundo romano (ANGOLD, 2002).
Constantinopla adquiriu uma experiência própria, e se tornou o ponto da
unidade do mundo romano, mas não teve êxito diante da queda do mundo
romano no Ocidente, nas lutas em que apoiou o ocidente por conta das in-
vasões. Sua fundação alterou o equilíbrio do Império Romano. O Ocidente
ficou aberto às conquistas dos bárbaros. Embora tenha existido a tentativa de
recuperar parte do território ocidental conquistado pelos bárbaros, no Oriente
os imperadores bizantinos resolveram minimizar suas perdas e passaram a
reconhecer as autoridades bárbaras (ANGOLD, 2002).

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 166 25/06/14 20:10


R o m a A n t i g a  167

O resultado desses processos de invasões foi o desenvolvimento de uma


capital imperial em Constantinopla, que acarretou o desequilíbrio do Impé-
rio Romano. O Ocidente ficou aberto à conquista dos bárbaros. Até houve
tentativas para impedir o avanço das invasões. Um dos casos mais conhecidos
foi a expedição de Leão I (457-474) lançada em 468 contra o norte da África,
em uma tentativa de arrancar o local dos povos vândalos. Também determinou
o envio de outros exércitos para a Itália, para inserir um candidato oriental no
trono ocidental, com a ideia de recuperar o trono (ANGOLD, 2002). Constan-
tinopla, por sua posição geográfica era incomparavelmente mais forte do que
as cidades ocidentais.

Questões para reflexão


O que significou para Roma a divisão do território em dois?

Voltemos um pouquinho para o Ocidente para tratarmos também da crise do


Império Romano. No século III d.C., Dioclesiano, de acordo com Carlan (2008),
ocorreu um importante programa de reformas que tinha como objetivo a res-
tauração do Império. O Estado será restaurado como uma monarquia absoluta
e o imperador terá a autoridade máxima e seguirá o modelo das monarquias
orientais para a o restabelecimento da ordem social e política desgastada. Po-
rém os povos germânicos passaram a invadir as fronteiras do Império Romano
buscando novas terras. Nota-se que no princípio esses povos foram aceitos
pelos romanos e até mesmo incorporados ao sistema e vistos como cidadãos,
aos poucos foram sendo incorporados ao exército romano e alguns de seus
chefes passaram a fazer parte da administração imperial.
Então por que estes povos foram chamados de bárbaros?
De início, explica Carlan (2008), o termo bárbaro significava estrangeiro
e foi utilizado pelos romanos para designar os povos que não tinham os seus
costumes e sua organização política. Primeiro essas ocupações foram pacíficas
pois o exército romano necessitava de contingente para guardar as fronteiras.
Mas como passar do tempo, a partir do século IV, quando o Império já se via
dividido em duas partes, as fronteiras romanas se encontravam com povos e
culturas não romanizadas, povos nômades.

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 167 25/06/14 20:10


168  HISTÓRIA ANTIGA

A sucessiva falta de mão de obra no campo obrigava


o Império a permitir a entrada deles povos, formando
assim assentamentos caracterizados distintamente: os
federados, ligados a Roma por um contrato, aos quais
era permitida a preservação dos costumes, organização
social e política, em troca da prestação de serviço militar.
No decorrer do século IV, estes tratados de federação
aumentavam substancialmente, na tentativa de vencer a
crise que se aproximava (CARLAN, 2008, p. 140-141).

Os povos germânicos foram aceitos dentro das fronteiras porque trabalhavam


nas terras dos cidadãos e se inseriam no efetivo militar. Mas, com o passar do
tempo, os altos impostos e as explorações sofridas pelos agentes do império e a
própria crise administrativa conduziram esses povos a atacar e dividir o mundo
romano. Os povos germanos invasores eram formados pelos godos, visigodos
e ostrogodos, os francos, suevos, burgúnios, anglos, saxões, os alamantos entre
tantos outros povos. Os vândalos invadiram as Gálias, atacaram a Espanha e
o norte da África (Cartago), passaram a saquear o Mediterrâneo Ocidental. E
como nos afirma Carlan (2008, p. 141):
Os visigodos retiraram-se da Itália e foram para o oeste.
Estabeleceram o seu governo no sul da região, em quase
toda a Hispania (Península Ibérica). Os francos se desloca-
ram para o norte das Gálias. Durante o governo de Clóvis
(dinastía merovíngia), adotaram o cristianismo tradicional.
Os saxões, aliados dos anglos e dos jutos, se instalaram na
Bretanha, com costumes diferentes dos romanos.

Para saber mais


Carlan (2008) analisou as moedas romanas do período e verificou a forma como os bárbaros foram
tratados pelos romanos. As representações contidas nas moedas transmitem a luta dos romanos
contra os bárbaros. Em moedas cunhadas entre os século IV e V o autor observa a presença de
soldados derrotando um inimigo bárbaro com suas armas. Escudos e espadas humilham o inimigo
e se aliam aos dizeres TEMP (REPA) RATIO, que significa retorno dos tempos felizes.

Questões para reflexão


Seriam, então, os povos invasores “bárbaros”?

INICIAIS_Historia_Antiga.indb 168 25/06/14 20:10


R o m a A n t i g a  169

Mas, afinal, podemos ainda afirmar que uma civilização de tamanhas pro-
porções e com todas essas influências realizadas no Ocidente tenha declinado
e caído? O fim do mundo antigo existe realmente? O que deixou de existir e o
que ainda vive dos antigos em nós? Esse é um debate muito complexo:
O fim do Mundo Antigo sempre representou, ao longo
da História, um apaixonante tema para todos aqueles
que se sentiam atraídos pela “grandeza” e “decadência”
de Roma, o que não nos deve suscitar uma excessiva
admiração — a expressão “fim do Mundo Antigo” não
possui, no espaço desse trabalho, nenhum conteúdo
pejorativo, daí que a utilizaremos com frequência, nas
páginas subsequentes, para definir o ápice de todo um
amplo conjunto de transformações que vinham se proces-
sando no interior da sociedade romana desde o século III.
Estas transformações redefiniram de tal forma o perfil da
Civilização Clássica que se torna impossível negar que a
Idade Média significou o advento de uma outra civiliza-
ção, não obstante inúmeros elementos da cultura romana
poderem ser detectados sem muito esforço ao longo de
todo o período medieval (SILVA, 2001, grifo do autor).

Desse modo, não podemos negar que a passagem da antigudade para a


medievalidade é marcada por um período de grandes transformações em todos
os aspectos sociais. É impossível negarmos isso! No entanto, o que podemos
questionar é o emprego de termos como “queda” e “declínio”, tão correntes
nos debates historiográficos. Veremos que a utilização desses termos apontam
para uma compreensão epistemológica da história. Por isso, enfatizamos várias
vezes durante esse livro que é necessário o historiador estar muito atento aos
conceitos utilizados para elaborar seu texto, pois o domínios dos conceitos
facilita a construção de um discurso do qual o historiador possui um domínio:
Na sua obsessão pelos acontecimentos políticos, únicos
passíveis de uma datação “precisa” e meticulosa que
muitas vezes preferia a década ao século, o ano à dé-
cada, o mês ao ano e assim por diante, os historiadores
do século XIX elaboraram periodizações para a História
que, devido ao seu excessivo esquematismo, acabaram
dando margem a interpretações reducionistas e por de-
mais desconectadas da realidade social, sempre complexa
e infinita (BLOCH, s.d.: 157-8). No que diz respeito à
História Antiga, na tentativa de delimitar com “exatidão”
e “rigor científico” o momento em que se deu a passa-
gem da Antiguidade para a Idade Média, os historiadores

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170  HISTÓRIA ANTIGA

não hesitaram em eleger o desaparecimento da unidade


política imperial nas províncias do Ocidente (o qual, de
acordo com a tradição, teria se dado com a deposição
do último imperador, Rômulo Augusto, por Odoacro,
rei dos hérulos, em 476) como o marco final do Mundo
Antigo. A partir de então, inaugurava-se uma nova era
na História da Civilização Ocidental cuja única relação
que mantinha com a anterior devia-se ao fato de tê-la
sucedido no tempo, posto que a “queda” do Império era
considerada o acontecimento máximo a condicionar a
mutação abrupta em todos os níveis da sociedade (SILVA,
2001, grifo do autor).

Sendo assim, a noção de “queda” e de “declínio” do mundo antigo é


uma concepção que nasceu para atender às necessidades metodológicas de
correntes historiográficas do século XIX que tinham a intenção de estabe-
lecer balizas temporais rígidas precisas para suas pesquisas. Não negamos
que esse período foi marcado por inúmeras transformações, mas podemos
questionar se essas mudanças promoveram uma queda ou uma ascensão de
outra civilização:
O conceito de decadência, não obstante incluísse cri-
térios morais e culturais, se pautava fundamentalmente
por critérios de ordem política (LE GOFF, 1984, p. 416),
fazendo derivar das oscilações do sistema político, como
já dissemos, a transformação de toda a sociedade. O que
se encontra subjacente à utilização desse conceito e, con-
sequentemente, à opinião geral que ele visa a expressar,
é uma determinada concepção de temporalidade que,
embora rompida na passagem do século XVIII para o XIX
com a dissolução da episteme clássica, continuou por
muito tempo ainda presente no trabalho dos historiadores
(SILVA, 2001, grifo do autor).

Portanto, a percepção da queda do império romano nasceu de uma inter-


pretação historiográfica que se reocupava em delimitar os eventos históricos
partindo de compreensões fornecidas pelos acontecimentos políticos. Eram
desses parâmetros que o historiador atendiam às necessidades impostas pela
episteme adotada previamente pelo seu método de trabalho e pesquisa:
Nesse sentido, não se aceitava mais a opinião de que
a Civilização Clássica havia simplesmente acabado no
momento em que Rômulo Augusto foi deposto ou quando
se processou a substituição do escravo pelo colono como

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mão de obra dominante (a exemplo do que sustentavam


os marxistas mais ortodoxos). Tudo passará a depender,
doravante, da perspectiva de abordagem escolhida pelo
pesquisador para empreender a sua análise. Um exemplo
disso são os historiadores que até hoje se esforçam para
provar que a Civilização Romana se desfez no momento
em que as invasões “bárbaras” tornaram-se mais numero-
sas e ofensivas e os chefes germânicos assumiram o poder
nas localidades provinciais, juntamente com os bispos e
os antigos proprietários romanos ou romanizados. Esse
ponto de vista, não obstante possua uma certa coerência,
não esgota a problemática, uma vez que resta sempre a
pergunta: mas, toda a Civilização Romana se reduzia
apenas ao funcionamento satisfatório das instituições
político-jurídicas e administrativas? Decerto que não, e
isso fornece aos outros sistemas sociais uma importância
equivalente à do sistema político ou mesmo do econô-
mico (SILVA, 2001, grifo do autor).

O questionamento proposto pela citação é inquietante. Será que mesmo


com as modificações políticas trazidas pela passagem da Antiguidade para a
medievalidade ainda podemos falar em queda e declínio? Por que devemos
adotar somente os parâmetros políticos para sustentar as nossas perspectivas?
Será que é possível produzirmos pesquisas historiográficas que contemplem
outras percepções? Acreditamos que sim:
Ao tratarmos da desagregação do Império priorizando os
aspectos políticos desse processo, não estamos de modo
algum optando por uma perspectiva reducionista, uma
vez que todo conflito social apresenta, naturalmente, inú-
meras motivações. As ações que os indivíduos praticam
contra a ordem estabelecida são, em muitos casos, uma
resposta a transformações ocorridas o âmbito do processo
produtivo ou do sistema de valores, de tal forma que, no
caso da sociedade romana, os conflitos que põem em
risco a manutenção do Império muitas vezes só podem
ser entendidos na sua plenitude se nos reportamos às de-
ficiências do modo de produção escravista antigo ou ao
combate entre duas visões de mundo, uma pagã e outra
cristã, num contexto em que os valores culturais estão se
modificando com uma profundidade e rapidez inusitadas.
Sendo assim, sejam provocados por fatores econômicos,
religiosos ou mesmo políticos, o certo é que os conflitos
sociais que irrompem no Baixo Império se tornarão cada
vez mais agudos e incontornáveis, desestabilizando o

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172  HISTÓRIA ANTIGA

Estado e acarretando a sua dissolução. Nesse momento,


o antigo ideal de Res Publica recebe o seu golpe de mi-
sericórdia. Doravante, Estado e sociedade tomarão rumos
distintos, o que significará o fim do Império em termos
efetivos (SILVA, 2001).

Reconhecemos, assim, as transformações políticas ocorridas nesse período,


mas apontamos também para a possbilidade de existência de outras formas de
compressão dos constantes conflitos ocorridos no final do império romano.

2.1 Aspectos culturais da sociedade romana: a


educação e a religião
Importante conhecermos os aspectos culturais da sociedade romana. A partir
de agora falaremos um pouco sobre esses aspectos. De acordo do Funari (2002)
os romanos consideravam a “família”, algo um tanto quanto mais abrangente
do que nós entendemos na atualidade.
Os romanos chamavam de família tudo o que estava sob
o poder do pai de família e que dividiam em três grupos:
os animais falantes, os mudos ou semifalantes e as coi-
sas. Assim, o pai possuía mulher, filhos e escravos como
animais falantes, vacas e cachorros como animais semifa-
lantes e suas casas e mobília como coisas. Em princípio,
o pai tinha direito de vida e morte sobre os membros
de sua família, ainda que, na prática, houvesse algumas
limitações (FUNARI, 2002, p. 97-98).

Esse patriarca era o proprietário dos bens. Entre os plebeus também exis-
tiam essas relações em que os pais exerciam uma autoridade sobre sua mu-
lher e filhos, e eles mesmo quando se casavam continuavam sobre o domínio
formal do pai.
A educação das crianças da elite romana acontecia em casa ou na escola,
que era financiada pelo Estado. As crianças aprendiam a ler, a lutar, a andar a
cavalo e tudo o mais que pudesse transmitir os valores das tradições. De acordo
com Corassin (2006), a educação romana valorizava esta tradição uma vez que
os valores são transmitidos entre as gerações e a educação ocorre nesse meio
familiar sob a autoridade do pai. Com o passar do tempo o jovem vai sendo
inserido na vida pública, integrando-se ao corpo dos cidadãos e passando pela
iniciação na vida militar e nas atividades do fórum.

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Para saber mais


A educação intelectual desenvolveu-se, sobretudo por influência grega. Mas o cidadão abastado
aprende o que um proprietário rural precisa conhecer, principalmente, a agronomia; a dirigir a
exploração de suas propriedades; a gerenciar o trabalho dos escravos por meio de seu inten-
dente. Os autores romanos como Catão, Varrão, Columela e Paládio nos deixaram obras sobre
agricultura. O De agricultura, de Catão, é um manual da nova economia rural da Itália após as
conquistas, no século II a.C., quando as culturas arbustivas suplantam a velha cultura de cereais.
A aristocracia romana adapta-se à nova condição econômica, baseada no escravismo. Preocu-
pam-se em ensinar aos filhos o que um senhor proprietário de terras deve conhecer: como
comprar uma propriedade, como cuidar dos escravos, a produção mais rendosa. Outra área
que evolui é a jurisprudência, que reúne os casos julgados; as regras e os precedentes têm
importância na vida política e na prática dos tribunais (CORASSIN, 2006, p. 275).

No aspecto religioso podemos afirmar que os romanos eram politeístas e


concebiam muitas divindades de natureza antropomórfica. Esses são traços da
influências etruscas e gregas. Os romanos pelo intenso programa de conquistas
e expansão territorial desenvolveram uma flexibilidade em relação às demais
religiões e como afirma Funari (2002, p. 114), “a facilidade de incorporá-las
foi um fator importante em sua capacidade de dominar povos tão variados e
uma área geográfica tão grande”.
O cristianismo nasce na região da Palestina, onde muitos povos, como os judeus,
samaritanos, gregos e romanos partilhavam ideias muito diferentes a respeito da
religião. Nesse contexto nasce Jesus, o que sabemos apenas pelo que está escrito
nos evangelhos, livros escritos por volta de 70 d.C. Suas pregações conquistaram
muitos seguidores, porém boa parte dos judeus não cria que ele fosse o Messias.
Jesus foi condenado à morte na cruz pelos romanos,
acusado de dizer-se o rei dos judeus, em 30 d.C. Logo
em seguida à sua morte, seus seguidores formaram uma
comunidade, de gente humilde, chamados de “pobres”,
que se reunia em memória de Jesus, que passou então
a ser conhecido entre os que nele acreditavam como
“Cristo”, “ungido” do Senhor, o salvador que os judeus
esperavam e que teria morrido na cruz para salvar a to-
dos os justos. Os cristãos acreditavam na existência de
um único Deus universal e que Jesus era o Messias que
trazia aos homens não riqueza e independência e sim o
perdão de seus pecados e a promessa da felicidade eterna
após a morte para aqueles que o merecessem (FUNARI,
2002, p. 127).

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174  HISTÓRIA ANTIGA

Mesmo com sua morte, seus seguidores passaram a desenvolver prega-


ções através do Mediterrâneo e incorrem em grande adesão pelos povos que
estavam à sua margem. E já em 70 d.C., o cristianismo já não passava apenas
de uma seita, mas tinha conquistado muitos adeptos em boa parte do mundo
romano. Primeiro, os princípios do cristianismo atingem as classes mais baixas.
Os cristãos ganham a liberdade de culto no século IV com Constantino pelo
Édito de Milão, e
Em seguida, esse mesmo imperador procurou tirar vanta-
gem e interveio nas questões internas que dividiam os pró-
prios cristãos e convocou um concílio, uma assembleia da
qual participaram os principais padres cristãos. No con-
cílio, foram discutidas as diretrizes básicas da doutrina
cristã. Depois, Constantino cuidou pessoalmente para que
as determinações do concílio fossem respeitadas, ou seja,
passou a ter um controle muito maior dos cristãos e suas
ideias. Antes de morrer, o imperador resolveu batizar-se
também (FUNARI, 2002, p.130).

Constantino foi um imperador que se converteu ao cristianismo e, quando


isso acontece, os cristãos já estavam organizados em uma estrutura hierárquica
que será utilizada pelo imperador em seu favor. O cristianismo passa a ser uma
religião do Estado Romano com Teodósio, como já vimos, e nesse momento
a religião cristã ainda convive com os deuses das demais religiões existentes,
mas depois passa a probir os cultos dos demais deuses.
Quando o cristianismo se tornou a religião do Estado, o
culto aos antigos deuses começou a ser combatido, ainda
que persistisse, por muitos séculos. Não foi combatido à
toa, mas porque o cristianismo tornou-se uma religião de
Estado e os que não o aceitassem estariam, de certo modo,
desfiando o poder. Nos lugares mais distantes, no campo, o
cristianismo demorou a firmar-se, daí que os que cultuavam
deuses tenham sido chamados de “pagãos”, os habitantes
das aldeias. O cristianismo foi, assim, fundamental para
a mudança da sociedade e o fim do mundo antigo liga-
-se, diretamente, à sua transformação em religião oficial
(FUNARI, 2002, p. 131).

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Atividades de aprendizagem
1. O nascimento do cristianismo pode ser visto como uma revolução
na História Ocidental, pois ultrapassou a dimensão religiosa e, de
forma decisiva, influenciou as estruturas polítcas, sociais, culturais e
econômicas do Ocidente. Como podemos considerar o cristianismo
no contexto da crise do Império Romano?
2. Considere a seguinte afirmação:
Várias tribos germanas se instalaram pacificamente
no interior do Império, chegando mesmo a integrar o
exército romano. Isso foi muito comum após a crise
do terceiro século. Por volta do ano 400, 30 ou 50 por
cento do exército romano era composto de mercenários
germânicos. Sem outra saída, alguns grupos bárbaros
foram alistados no exército de Roma como unidades
inteiras para ajudar na defesa contra outros grupos. Isso
foi muito popular durante as guerras civis do século IV,
quando aspirantes ao trono romano precisavam levantar
exércitos rapidamente. Essas unidades bárbaras manti-
nham seus próprios líderes e não tinham a lealdade e a
disciplina das legiões (CARLAN, 2008. p. 140).

Por que os povos germanos, considerados “bárbaros”, foram incor-


porados aos exércitos romanos?

Fique ligado!
Nesta unidade estudamos as origens narrativas do Império Romano e
vimos como a arqueologia e a literatura são importantes fontes para o
conhecimento sobre a Antiguidade. Ao estudar a formação da Roma
Antiga, conseguimos notar uma série de proximidades com a sociedade
grega, principalmente em sua relação com a terra. No entanto, houve uma
diferença fundamental entre essas duas civilizações: enquanto a Grécia
manteve-se fragmentada, Roma se unificou primeiramente em monarquia,
seguida da república e atingindo seu apogeu com o império.

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176  HISTÓRIA ANTIGA

Para concluir o estudo da unidade


Com a expansão das conquistas territoriais, os romanos enriqueceram.
Contudo, com o enfraquecimento do poder central, as sólidas bases
constituídas do império começaram a ruir diante das invasões de bárbaros
convertidos ao cristianismo. A formação da cidade romana, seu domínio
pela Península Ibérica e expansão pelo Mediterrâneo. O desenvolvimento
das estruturas políticas que balizam a política no mundo atual, a república
e o Império.

Atividades de aprendizagem da unidade


1. Considere o seguinte documento histórico: ao estudar o Império
Romano na época de Trajano (98-117), o professor propõe a análise
iconográfica de um aureus, uma moeda de ouro, detendo-se na efígie
e na legenda que a acompanha (Figura 4.10).

Figura 4.10  Imperador Trajano (98-117). Moeda de ouro

Fonte: nevio/Shutterstock (2014).

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Com base nas informações da legenda o que podemos concluir sobre


os primeiros séculos da era cristã?
2. Considere a seguinte afirmação de Funari, no livro Grécia e Roma
(2002, p. 129):
Durante mais de dois séculos haverá perseguições
aos cristãos, pois o Estado romano via na sua recusa
ao culto aos deuses e ao imperador um desafio à
ordem. As execuções públicas dos cristãos, martiri-
zados em espetáculos nos quais eram crucificados
ou jogados às feras famintas para serem devorados,
eram vistas e apreciadas por muita gente. Para a
maioria dos romanos que não se havia convertido,
os cristãos eram apresentados como uma ameaça
nociva, pois se recusavam a honrar os deuses e os
imperadores.

Por que os cristãos foram perseguidos pelos romanos?


3. A partir do século III, verificamos o processo chamado de “Crise do
Império Romano”. O que podemos considerar sobre esse contexto?
4. Assinale a alternativa correta sobre o Édito de Milão:
a) Assegurou a liberdade de culto aos cristãos.
b) Restaurou o culto aos antigos deuses republicanos.
c) Possibilitou o desenvolvimento do movimento iconoclasta.
d) Consolidou o judaísmo como religião oficial de Roma.
e) Perdoou as dívidas dos cristãos com o estado romano.
5. Como as narrativas a respeito das “origens de Roma” podem oferecer
aos historiadores da Antiguidade elementos para a compreensão da
história romana?

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178  HISTÓRIA ANTIGA

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Acesso em: 3 dez. 2008.

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