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Paulo - + Marcelo Gleiser: Entre a física e a metafísica - 24/09/2006

São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2006

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+Marcelo Gleiser

Entre a física e a metafísica

É pensando nas fronteiras do saber


que novas idéias surgem

Metafísica, por definição, é o estudo dos fundamentos da


realidade e do conhecimento. Por fundamentos da realidade
deve-se entender o significado do ser, do saber, da
substância, da causa, da identidade, do espaço e do tempo.
Física, por sua vez, está relacionada com o estudo do mundo
material e as leis que descrevem seu funcionamento.
Qual a relação entre as duas, se é que existe alguma?
Coloquialmente, metafísica virou exatamente o que não é
realidade. Quando alguém fala, "Ah, mas isso é metafísica",
a conotação é de que o assunto sai da realidade, é
especulativo demais, coisa de sonhador. Estranho como o
sentido da palavra foi modificado.
Mas será que essa divisão entre a física e a metafísica
realmente procede? Talvez no passado fizesse mais sentido,
se bem que as duas sempre flertaram. O ponto é que a física,
especialmente a física moderna, desenvolvida a partir do
inicio do século XX, também lida com noções de saber, de
espaço e de tempo. A modificação, ou melhor, o casamento
entre a física e a metafísica, se solidificou quando Einstein
desenvolveu sua teoria da relatividade, combinando os
conceitos de espaço, tempo e matéria. Se a matéria encurva o
espaço e pode afetar a passagem do tempo- como explica a
teoria da relatividade geral (1916)-, é impossível falar de um
sem mencionar o outro. Ou seja, o comportamento e as
propriedades da matéria são intimamente ligadas com a
estrutura do espaço e do tempo. Ademais, se um observador
em movimento em relação a outro obtém medidas diferentes
de espaço, tempo e massa -como explica a teoria da
relatividade especial (1905)-, o saber, se interpretado como
dependente do que aferimos da realidade, também é parte da
física.
saber, no caso, equivale a informação
Talvez seja por isso que alguns físicos brincam que enquanto
os filósofos discutem as propriedades do espaço e do tempo,
eles as descobrem e definem. Na verdade, as duas disciplinas
estão mais juntas do que se admite, a filosofia (da ciência,
deve-se dizer) focando nos conceitos e a física na
matemática, ambas tentando entender nossa relação com a
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realidade física e subjetiva do mundo.


Recentemente, alguns físicos vêm sendo acusados de estarem
fazendo mais "metafísica" do que física, no sentido
coloquial. Trabalham na teoria das supercordas, que supõe
que as entidades fundamentais da matéria não são partículas
pontuais mas tubos submicroscópicos capazes de vibrar de
modos diferentes. Cada vibração tem sua freqüência que
pode ser equacionada como uma partícula de matéria. O
objetivo das supercordas é unificar as duas teorias
fundamentais da física moderna, a teoria da relatividade e a
mecânica quântica, que descreve o comportamento dos
átomos e das partículas subatômicas.
O problema é que a matemática da teoria é extremamente
complexa e leva a previsões realmente bizarras. Por
exemplo, o número de dimensões do espaço não seria três,
como pensamos (norte-sul; leste-oeste; acima-abaixo) mas
dez, uma temporal e nove espaciais. As seis dimensões extra
estariam enroladas em uma esfera ou outra geometria
compacta de tamanho tão pequeno a ponto de ser
absolutamente invisível aos nossos olhos e aos experimentos.
Outra previsão é a existência de uma série de partículas, ditas
supersimétricas.
Infelizmente, nenhuma das previsões foi ainda verificada.
Alguns dizem que jamais serão. Mesmo que isso seja
verdade e as supercordas não passem de uma fantasia, é
pensando nas fronteiras do saber que novas idéias surgem,
algumas corretas. O duro é não insistir em algo errado a
ponto de não ver-se o óbvio.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica do Dartmouth College,


em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

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