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ESCOLA ________________________________________DATA:_____/_____/_____

PROF:______________________________________________TURMA:___________

NOME:_______________________________________________________________

A DOIDA contavam a história direito, e os


meninos deformavam o conto.
A doida habitava um chalé no centro
Repudiada por todos, ela se fechou
do jardim maltratado. E a rua descia
naquele chalé do caminho do córrego,
para o córrego, onde os meninos
e acabou perdendo o juízo. Perdera
costumavam banhar-se. (...) Os três
antes todas as relações. Ninguém
garotos desceram manhã cedo, para
tinha ânimo de visitá-la.(...) Às vezes
o banho e a pega de passarinho. Só
uma preta velha arriscava-se a
com essa intenção. Mas era bom
entrar, com seu cachimbo e sua
passar pela casa da doida e provocá-
paciência educada no cativeiro, e lá
la. As mães diziam o contrário: que
ficava dois ou três meses,
era horroroso, poucos pecados seriam
cozinhando. Por fim a doida
maiores. Dos doidos devemos ter
enxotava-a. E, afinal, empregada
piedade, porque eles não gozam dos
nenhuma queria servi-la. Ir viver com
benefícios com que nós, os sãos,
a doida, pedir a bênção à doida,
fomos aquinhoados.(...)
jantar em casa da doida, passou a
Como era mesmo a cara da doida,
ser, na cidade, expressões de castigo
poucos poderiam dizê-lo. (...)Sabia-
e símbolos de irrisão. (...) E assim,
se confusamente que a doida tinha
gerações sucessivas de moleques
sido moça igual às outras no seu
passavam pela porta, fixavam
tempo remoto (contava mais de 60
cuidadosamente a vidraça e lascavam
anos, e loucura e idade, juntas, lhe
uma pedra. A princípio, como justa
lavravam o corpo). Corria, com
penalidade. Depois, por prazer.
variantes, a história de que fora noiva
Pessoas sensíveis lamentavam o fato,
de um fazendeiro, e o casamento,
sugeriam que se desse um jeito para
uma festa estrondosa; mas na própria
internar a doida. Mas como? O
noite de núpcias o homem a
hospício era longe, os parentes não
repudiara, Deus sabe por que razão.
se interessavam. E daí — explicava-
O marido ergueu-se terrível e
se ao forasteiro que porventura
empurrou-a, no calor do bate-boca;
estranhasse a situação — toda cidade
ela rolou escada abaixo, foi
tem seus doidos; quase que toda
quebrando ossos, arrebentando-se.
família os tem.(...) Os meninos
Os dois nunca mais se viram. Já
pegaram calhaus lisos, de ferro,
outros contavam que o pai, não o
tomaram posição. Cada um jogaria
marido, a expulsara, e esclareciam
por sua vez, com intervalos para
que certa manhã o velho sentira um
observar o resultado. O chefe
amargo diferente no café, ele que
reservou-se um objetivo ambicioso: a
tinha dinheiro grosso e estava
chaminé.(...) A doida, porém, parecia
custando a morrer(...)De qualquer
não ter percebido a agressão, a casa
modo, as pessoas grandes não
não reagia. Aí o terceiro do grupo, em
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seus 11 anos, sentiu-se cheio de Ele teve a impressão de que não era
coragem e resolveu invadir o jardim. xingamento, parecia antes um
(...)O garoto empurrou o portão: chamado. Sentiu-se atraído para a
abriu-se. (..) Era o primeiro a doida, e todo desejo de maltratá-la se
penetrar no jardim(...) Recuou um dissipou. Era um apelo, sim, e os
pouco e olhou para a rua: os dedos, movendo-se canhestramente,
companheiros tinham sumido. Ou o confirmavam.(...)
estavam mesmo com muita pressa,
Talvez pedisse água. A moringa
ou queriam ver até aonde iria a
estava no criado — mudo, entre
coragem dele, sozinho em casa da
vidros e papéis. Ele encheu o copo
doida. Tomar café com a doida.
pela metade, estendeu-o. A doida
Jantar em casa da doida. Mas estaria
parecia aprovar com a cabeça, e suas
a doida?
mãos queriam segurar sozinhas, mas
(...)O menino foi abrindo caminho
foi preciso que o menino a ajudasse a
entre pernas e braços de móveis,
beber.
contorna aqui, esbarra mais adiante.
Fazia tudo naturalmente, e nem se
O quarto era pequeno e cabia tanta
lembrava mais por que entrara ali,
coisa.
nem conservava qualquer espécie de
Atrás da massa do piano,
aversão pela doida. A própria ideia de
encurralada a um canto, estava a
doida desaparecera. Havia no quarto
cama. E nela, busto soerguido, a
uma velha com sede, e que talvez
doida esticava o rosto para a frente,
estivesse morrendo.
na investigação do rumor insólito.
Nunca vira ninguém morrer, os pais o
Não adiantava ao menino querer fugir
afastavam se havia em casa um
ou esconder-se. E ele estava
agonizante. Mas deve ser assim que
determinado a conhecer tudo daquela
as pessoas morrem.
casa. De resto, a doida não deu
Um sentimento de responsabilidade
nenhum sinal de guerra. Apenas
apoderou-se dele. Desajeitadamente,
levantou as mãos à altura dos olhos,
procurou fazer com que a cabeça
como para protegê-los de uma
repousasse sobre o travesseiro. Os
pedrada. Ele encarava-a, com
músculos rígidos da mulher não o
interesse.(...) E que pequenininha! O
ajudavam. Teve que abraçar-lhe os
corpo sob a coberta formava uma
ombros – com repugnância — e
elevação minúscula. Miúda, escura,
conseguiu, afinal, deitá-la em posição
desse sujo que o tempo deposita na
suave. (...) Água não podia ser,
pele, manchando-a. E parecia ter
talvez remédio...(...) Seria caso
medo.(...)
talvez de chamar alguém.( ...) E tinha
A criança sorriu, de desaponto, sem
medo de que ela morresse em
saber o que fizesse.
completo abandono, como ninguém
Então a doida ergueu-se um pouco
no mundo deve morrer.(...)
mais, firmando-se nos cotovelos. A
Foi tropeçando nos móveis, arrastou
boca remexeu, deixou passar um som
com esforço o pesado armário da
vago e tímido.
janela, desembaraçou a cortina, e a
Como a criança não se movesse, o
luz invadiu o depósito onde a mulher
som indistinto se esboçou outra vez.
morria. Com o ar fino veio uma

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decisão. Não deixaria a mulher para à beira da cama, pegar-lhe nas mãos
chamar ninguém. Sabia que não e esperar o que ia acontecer.
poderia fazer nada para ajudá-la, a
Carlos Drummond de Andrade In: Contos de
não ser sentar-se Aprendiz. Adaptado.

Após a leitura do conto responda às questões de 01 a 09

1.Descreva qual era o hábito dos moleques da cidade em relação A Doida?

2.Quais são as duas versões contadas pela população em relação a vida da


Doida?

3.O que aconteceu com A Doida após ela se fechar no chalé localizado no
caminho do córrego?

4.Quais eram as expressões de castigo ou zombaria utilizadas pelas pessoas da


cidade onde A Doida morava?

5.Porque as pessoas da cidade ou familiares não internavam A Doida em um local


apropriado?

6.Qual era a justificativa utilizada pela população da cidade quando chegava um


forasteiro que por ventura estranhasse a situação? Você concorda com essas
afirmações? Justifique.

7.Após a tentativa de jogar pedras na chaminé não ter dado nenhum resultado o
que aconteceu com os meninos? Relate os fatos:

8.Após invadir a casa da Doida relate o que aconteceu com o menino e a dona da
casa? Faça uma breve descrição das atitudes dele e da mulher a partir desse
momento?

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9.Após contato com a mulher relate qual sentimento apoderou-se do menino? Em
seguida, relate o desfecho do conto.

10.Relate o que você sentiu ao ler esse conto.

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