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Currículos Praticados
Currículos Praticados
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Currículos praticados:
entre a regulação e a emancipação
Currículos praticados: entre a regulação e a emancipação Inês Barbosa de Oliveira
Inês Barbosa de Oliveira
Revisão de provas
Alexandre Arb~x Valadares
LUll1LUlUO jJiaULaúuo.
Capa
Paulo Verardo entre a regulação e a emancipação
Gerência de produção
Maria Gabriela Delgado
2" edição
CIp.BRASIt.Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
VOZES lMPRIMIU
Impresso no Brasil
2005
Agradecimentos
DP&Aedilora
12 em deu/os praticados: entre a regulação e a emallcipação Illtroduçno 13
com o desabafo de Rosa Luxemburgo (GALLO, 1992, p. 65), com o sentido, aborda-se a discussão sobre a questão dos processos de
qual me identifico há muito. Tecer e produzir argumentos, os mais dominação cultural e de formação das identidades individuais e
consistentes possíveis, para que a expressão daquilo que sinto se c?letivas nos países de formação multicultural, _denunciando
torne crível, para mim e para os meus eventuais leitores, tem sido alguns dos aspectos dessa dominação e buscando formular
um desafio permanente. alternativas a ela.
Os produtos desses desafios são, portanto, manifestos. Manifesto Nesse ponto, voltamos o debate para a questão da cidadania e
da imaginação de um mundo melhor, possível e desejável, este da necessidade de ampliação do conceito para além das relações
trabalho testemunha uma busca dos sentidos emancipatórios dos Estado-cidadão, de modo a permitir a extensão da necessidade
fazeres pedagógicos de uma escola no Rio de Janeiro, buscando política de exercício permanente e integral da cidadania a todos os
neles as formas invisíveis para aqueles que temem os sonhos e espaços de prática social, democratizando-os, e às relações sociais
enjaulam a idéia da emancipação em formatos prescritivos e normas neles estabelecidas, bem como a todos os segmentos populacionais.
entediantes de bom comportamento, a serem segtridas como receitas, No segundo capítulo, volto-me para o estudo epistemológico
o que contradiz a própria idéia da emancipação. Não sei quantos do que é e do que pode ser o cotidiano, buscando esclarecer
querem abraçar as idéias que aqui desenvolvo, ou os meus tão co:n-c~~.~almente o termo, de modo a superar entendimentos
pessoais
disforme
gestos epistemológicos
da vida cotidiana,
e políticos
tentando
mexendo na lama
fazer dela um bolo a ser
_~~
.dualista~"':que
.... ~
espaço-tempo
o opõem a outros campos da vida social, como se o
do cotidiano fosse dissociável dos demais. Além disso,
digerido por aqueles que aceitarem o desafio. desenvolvo uma reflexão sobre os modos como vejo as articulações
do
tessitura da êíiÍ~cipação
~;dãSli.iiàSprocesS~alssêmJim~ido:
~bciai nocotidianü;\
entre a vida cotidiana e as estruturas
quanto politicamente.
Depois, mergulhando
sociais, tanto epistemológica
enquanto utopia do possível. capazes de satisfazer aqueles que a pensam e desejam ampliada, nos
Acreditando na importãncia do debate aqui realizado sobre as exige desenvolver uma reflexão sobre a questão da participação
práticas emancipatárias de uma professora, como meio de se cidadã, um dos pilares da própria idéia de democracia. Se podemos
perceberos modos como, cotidianamente, a democraciasocialpode afirmar que, na maior parte do planeta, os regimes políticos vêm se
ser potencializada pela ação concreta de pessoas comuns, desafio os democratizando; podemos também afirmar que esta democratização
leitores a mergulhar nesse manifesto produzido a partir da vida formal vem se sustentando sobre formas de exclusão, de
real e da reflexão sobre ela. A perspectiva adotada é aqu~la,que discriminação e de dominação ampliadas, que atingem numerosos
Boaventura Santos (1995, p.106) FiU!'~de teoria critica pós,mode~, " segmentos da população mundial. D~ ,:x~lusão econômica, que
segundo a qual e,tima milhões de pobres e desempregados, e à discriminªçªo
culfural a que sãOsubffi'etidos grupos sociai" ditos "minoritªrios",
as necessidades radicais não são dedutíveis de um mero exerCÍcio
à domiri~çãógl~al-;;gue vêm sêfiaõ'si'If,-;";;tidos estes e tantos o~tros,
filosófico por mais radical que seja; emergem antes da imaginação
social e estética de que são capazes as práticas emancipatórias t:J-OS~;sdemocra~ias- vêm se consolidando como democracias
concretas. ,excludentes na maior parte do planeta.
Boaventura Santos (1997,2000) tem se referido à" democracias
contemporãneas como democracias de baixa intensidade, ãs quais
opõe a idéia da democracia de alta intensidade, na qual a participação
cidadã seja ampliada e o ideal democrático da igualdade se faça
acompanhar do direito à diferença, condição para a construção de
DP&A editora
16 Currículos praficados: clllre a regulação e 11emancipação
Democracia social, cidadania ativa e emancipação nl1 sociedade lIlulficulfural 17
relações sociais que considerem e reconheçam as diferenças desenvolvimento de um certo número de práticas emancipatórias
culturais, sem criar, a partir delas, uma hierarquia entre as diversas que permitam superar a verticalidade das hierarquias apriorísticas,
culturas. No que diz respeito ao exerácio da cidadania, Santos (2001) da opressão de grupos subaltemizados - mulheres, homossexuais,
a define como um encargo, uma missão pública, uma prioridade do negros, índios, não-escolarizados, deficientes etc. -, entre outras
serviço à comunidade e à solidariedade, para além da cidadania formas de discriminação e de silenciamento produzidas em
passiva, reduzida a um conjunto de direitos pelos quais se luta. contextos não-dernocrá ticos.
Nesse sentido, a discussão que este texto propõe busca A questão que se coloca é, portanto, compreender que
compreender um pouco do que foi e é o processo social excludente mecanismos de aprendizagem, individuais e coletivos, têm
que constituiu o desenvolvimento dessas democracias, suas bases e produzido as formas de inclusão social, subalternas ou não, dos
desdobramentos, bem como representa urna tentativa de pensar os sujeitos e grupos sociais nos diversos espaços estruturais da
caminhos possíveis para pensar e investir na criação de uma sociedade, para pensarmos possíveis modos de intervenção sobre
democracia mais democrática, que inclua urna maior participação esses processos, de modo que eles possam, cada vez mais e
cidadã, tanto na esfera politica do Estado quanto na esfera social da novamente, contribuir para a emancipação social, tanto dos sujeitos
vida cotidiana, ao mesmo tempo que se insurge contra os processos quanto dos grupos sociais.
de don1inação cultural sobre os quais se erguem a exclusão social,
a discriminação e, nesse sentido, a permanência da lógica da Processos cotidianos de aprendizagem
dominação nas nossas democracias. na formação das identidades culturais'
Estamos, portanto, entendendo que a democracia não é apenas
Todos nós começamos nossa aprendizagem quando nascemos.
um regime político ou uma forma de organização do Estado. Uma
Os bebês, que não vão à escola nem compreendem ensinamentos
sociedade democrática não é, portanto, aquela na qual os
verbahnente apresentados, aprendem, a todo momento, novas formas
governantes são eleitos pelo voto. A democracia pressupõe uma
de estar em contato com o mundo, desenvolvendo suas capacidades
possibilidade de participação ativa dos cidadãos no conjunto dos
de sobrevivência, de interação com o outro e de movimentação sem
processos decisórios que dizem respeito à sua vida cotidiana, sejam
que tenhamos que lhes dizer como devem mamar, sorrir ou mover
eles vinculados ao poder do Estado ou a processos interativos nos
sua cabeça e seu corpo quando querem ou predsarn. Nesse processo,
demais espaços estruturais1 nos quais estamos todos inseridos.
aprendem formas de estar no mundo compatíveis com o meio
Deste modo, entendemos que uma determinada sociedade será sociocultural no qual estão inseridos, ou seja, tornam-se membros
tão mais democrática quanto mais intensos e efetivos forem os da comunidade de entorno e como tais são reconhecidos, na medida
mecanismos e processos decisórios sobre os quais ela se funda, em em que desenvolvem suas habilidades e formas expressivas inscritos
todas as instâncias de inserção social dos seus membros. Esta no mundo cultural que os cerca.
democracia social se fundamenta em alguns princípios e requer o
Boaventura Santos (2000) identifica seis espaços estruturais nas sociedades 2 A partir daqui, este texto retoma, de modo ampliado e algo modificado, a
capit<l.li"itas
contemporâneas, a saber: o espaço doméstico, o da produção, o discussão desenvolvida anteriormente no texto Aprendizagens culturais
coNdümas, ciriadmlia e educação (OLIVEIRA, 2002),
de mercado, o da comunidade, o da cidadania e o mundial.
16 Cllrr(culos ,,,aticados: e1ltre n regulação e fi emallcipação
Democracia social, cidadania ativa e emancipação lia sociedade 1IIllfticult1fral 19
chineses tinham, finalmente, decidido sair de sua "ignorância Estava conversando com meu filho Tiago, que, na ocasião, tinha
histórica" e aceitado a escolarização de suas crianças pelos jesuítas 8 anos de idade e freqüentava a 2' série, sobre algumas das atividades
como um meio de superação de sua "falta de cultura". Trago o que estavam se desenvolvendo na sua escola e outros assuntos. Num
exemplo porgue ~ escola e seu papel social de definidora e d!fuso~~ determinado momento, deu-se o diálogo abaixo transcrito:
dos valores da sociedade ocidental parece tão important,:ao
- Mãe, ainda existem índios no Brasil?
"desatento jornalista" que isso o leva a redigir um texto em que o
- É claro, meu filho! Muitos vivem nas cidades e são pessoas como
seu preconceito quanto a outras formas de transmissão de valores e você. Usam roupas comuns, almoçam, jantam, vão ao banheiro e
de existência cultural não lhe permitem perceber a milenar cultura assistem televisão.
oriental e suas especificidades apenas como um outro modo de ser - Quer dizer que há índios que viraram ser humano, mãe?
e de fazer.
A situação em questão evidencia uma aprendizagem do
Em um artigo sobre antropologia social, que aborda a questão
preconceito racial e cultural, tecida na vivência cotidiana e nos
dos modos privilegiados da interação dos "nossos" indígenas
contatos com os valores culturais dominantes. Tiago mostra como
brasileiros com a sociedade branca dominante, Neves (1999, p.l02)
já percebeu a lógica da estratificação social brasileira, e já "sabe"
nos mostra um pouco do que tem sido a negação histórica do direito
que "os índios eram povos selvagens e primitivos e desapareceram
indígena ao acesso à cidadania brasileira sobre a base da negação de
após o descobrimento e a civilização do Brasil. Acredito que essa
sua cultura de origem, como um processo de legitimação da
discriminação das culturas não-ocidentais, impiícita nos ,:,alores
dominação a que esses povos vêm sendo historicamente submetidos.
hegemônicos da nossasociedad2'que, sem nunca ter sido ensinada,
Oizo autor:
. éSenipre aprendida, tenha sido percebida, apreendida e incorporada
Em toda a América indígena as relações sociais se constroem a às redes de conhecimentos que Tiago vem tecendo ao longo da
partir daí em cenário marcado pela segregação, cristalizan?o vida, nos diversos espaços e modos de sua inserção no universo
diferenciações e desigualdades de uma estrutura social
cultural e social brasileiro. Mais do que isso, creio serinleressante
hierarquizada que se estenderiam desde a época das primeiras
investidas à terra descoberta até os dias atuais. que nos apercebamos do "Tiago" que há dentro de cada um de nós,
pois os processos vivenciados por Tiago são, em grandes linhas, os
Emblemáticos seriam, com relação a isso, os grandes filmes
mesmos que vivenciamos todos. A coerência e a convicção dos
ambientados no westem americano, nos quais os índios, carrancudos
discursos formais contra-hegemônicos, que emergem a todo
e cruéis- "selvagens" -são derrotados pelos amantes da democracia,
momento e vêm dando origem a muitas e diferentes tentativas de
brancos, bonitos e empreendedores - civilizados
11
ll
• E é assim que
superação dos preconceitos, não têm sido suficientes para apagar
nossas crianças, mesmo nos mais inocentes (?) brinquedos ou na
os resultados dessas aprendizagens discriminatórias em relação às
televisão, aprendem, cotidianamente, o preconceito em relação às
culturas indígenas - que aqui servem apenas de exemplo, pois o
culturas orientais, indígenas e outras. Voltarei a isso.
mesmo se passa com relação a outras culturas. Em cada um de nós
No momento, não resisto a mais uma narrativa de uma situação habita, ainda, um I<Tiago", mais maduro, às vezes, mas ainda
vivida no meu cotidiano, na qual este preconceito se faz presente em encharcado nas águas dos preconceitos e discrirninaçôes aprendidos.
uma de suas faces mais cruéis, a da negação da humanidade do outro. Na luta pela superação do que resta em nós dessas aprendizagens,
22 Democracia social, eidadallia atilm e elllllncipaçiio na sociedade l1JultiCllltural 23
Curríclllos praticados: elltre li regulação e a emancipação
sentido, uma segunda formulação é possível. O mecanismo a ser lado, o reconhecimento da pluralidade de espaços de luta social
montado e desenvolvido legitimará, nessa perspectiva, as fonnas com o conseqüente enfraquecimento do esquema clássico da luta
burguesas de gerencialnento dos conflitos, considerando, a partir de classes, e a complexificação das sociedades e das constelações
dai, como" selvageria" as formas de negociação de outras classes institucionais, cada vez lnais locais, nacionais e transnacionais
sociais, que passam a ser entendidas como falta ou insuficiência de modificam e recriam as formas de luta social, por outro lado, não se
civilidade. devem associar a nenhum tipo de "põs-modernidade" que faz o
Entendendo a selvageria desse modo, a concepção burguesa de elogio do fragmento e abandona as utopias.
cidadania encara como" selvagens" todos aqueles que, por motivos É preciso compreender que o reconhecimento da complexidade
político-religiosos, culturais e sociais não se enquadram nas da sociedade e da luta social não altera a idéia de que precisamos
28 Currículos praticados: elltre a regulação e li emancipação Democracia social, cidadania afil'a e emancipação na sociedade l1lulticuItural 29
lutar por mais emancipação social, em todas as dimensões da vida A criação, ampliação e consolidação de formas de regulação
social, consideradas agora como enredadas umas às outras, sem que social que ampliem os espaços de diálogo e de convivência
nos seja possível nem necessário eleger uma prioridade absoluta. democrática entre os diferentes sujeitos e grupos sociais permitem
A utopia da democracia COmo sistema social pressupõe o ampliar as margens de possibilidades sociais da efetivação de uma
alargamento da eqüidade em todos os domínios da vida, o que vida digna e satisfatória para parcelas mais significativas da
torna necessária a repolitização global das práticas sociais para o população. Assim, através da institucionalização de formas
seu desenvolvimento, entendendo-se que "politizar significa regulatórias mais democráticas - entendidas como aquelas em que
identificar relações de poder e imaginar formas práticas de as os espaços-tempos de exercício da diferença e da autonomia, do
transformar em relações de autoridade partilhada" (SANTOS,1995, diálogo baseado no "respeito ao outro como legítimo outro na
p. 271). É nesse sentido que a luta em todos os espaços estruturais convivência" (MATURANA,
1999) -, podemos entender, com Certeau
em que estamos inseridos impõe-se como condição de construção (1994), que atuaremos no sentido de ampliar os espaços estratégicos
da democracia. Considerando a emancipação social o conjunto das que circunscrevem as possibilidades de mise en place de táticas
lutas processuais desenvolvidas nos diversos contextos e emancipatõrias, e não apenas na substituição de algumas estratégias
circunstâncias sociais, entenderemos que tais contextos e de regulação por outras, o que nos confinaria à eterna dicotomia
circunstâncias definem as prioridades dos momentos específicos, entre regulação e emancipação, e ao entendimento de que ao poder
não sendo, portanto, passíveis de generalizações estruturalistas nem só cabe ser imposição da vontade de uns sobre a de outros. Ou seja,
de hierarquização estrutural, tampouco, de leituras que os analisem se a estratégia só é possível ao forte e as táticas se desenvolvem" sem
É nesse sentido que entendemos a possibilidade da emergência aparece como um imperativo para a viabilização da construção da
de formas sociais de regulação com caráter emancipatário, como sociedade democrãtica atravês das lutas sociais emancipatórias.
um mei~ de superar tanto a idéia de oposição quanto a de imposição Como já anunciado, é curiosamente através de mecanismos
e de caminharmos rumo ã ampliação dos espaços, individuais e regulatórios que essas lutas podem e devem ser travadas. Recuperar
coletivos, de ação sobre a sociedade e suas regras de integração a dimensão da regulação que limita o poder do mais forte, ampliando
social (HABERMAS, 1984) e de transformação democratizante. os espaços de ação tãtica do mais fraco, ê pois um dos desafios
hnportante aqui ressaltar duas importantes dificuldades inerentes contemporâneos para a emancipação social, na medida em que essa
a esse "projeto". Em primeiro lugar, temos que considerar a inércia limitação/ampliação circunscreve possibilidades de construção e
I
••.•.••..••"" •..•••. t'-.lo. •.•.••.••••••.' •.•.••.•••..L' Í'
I
entre ti regulnc;iio c n emancipação Democracia social, cidadania ativa c ema1Jcipaçiiona sociedade l1IulticlIltllrnl
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Currículos praticado$;
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b' etividade universal neutra e abstrata i alternativa, buscando nos reconhecer naquelas que contribuem para
A superação des:~~u~~~:~~d~_sem_parênteses_ pressupõ,e, para,~ \ a emancipação social, é um dos desafios da consbução democrática
- a que ele cham J " b' ti' 'dade-entre-parenteses . I e um dos motivos pelos quais é predso nos mantermos politicamente
. - d 'd"adeuma o le VI
autor, a aceltaçao aleI ~ ' ma verdade que não associados ao pensamento de esquerda. Nesse sentido, as
'd ,. de que ha uma, e sou ,
Ouseja/superaral ela. d "existe uma realidade contribuições dos autores referidos - Humberto Maturana (1999 e
I nSlderan o que
depende de nos, co. sso conhecer e noSSO explicar, e que a 2001) e Boaventura Santos (1995, 1997, 2000) - para esse debate
transcendente que vahda no fu d em tal obJ'etividade" (id., revestem-se de particular importância, na medida em que ambos
. d d nh cimentose n a
universalida e o co e d' to de que" a validade das buscam formular caminhos possíveis de respeito à diferença,
. 46) assar a atuar no enten Imen __
Ib., p. e p. fi ra em nossa aceitaçao e nao associados à necessária opção pelas alternativas mais democráticas
explicações que acellamo~,se con gu 47). Ou seja, "no caminho e emancipatórias, resultantes de ações e de reflexões sobre os
b
independentemente dela (Id., I ., p. _ _o há verdade processos de interação social.
. . . .d de_entre-parenteses na
explicat1vo da obJet1vl a. muitas verdades diferentes em Em primeiro lugar, Boaventura de Sousa Santos (1999, p. 62)
bsoluta nem verdade relativa, mas
a b 4~ formula de modo magistral a sempre difícil e central questão da
muitos domínios distintos" (id., 1 ., p. '. . . t taJitários
diferença e da igualdade. Diz o autor que é preciso compreender a
Ainda segundo o autor, o fracasso dos projetos soaaIS o
questão considerando que "todo mundo tem direito à igualdade
é de caráter espiritual, na me d'1d a e m que é o fracasso de um
quando a diferença discrimina e todo mundo tem direito à diferença
. 1"lmp ondo
tabeleeer uma ordem SOCIa
projeto ontológico que busc~ e~ivíduo como ser social consciente e quando a igualdade descaracteríza". Partindo desse pressuposto,
um dever ser que nega o m _ onstrução do mundo que ele podemos considerar que a consbução da democracia social repousa
, ticipaçao na c
responsavel por sua par . ~ . com os outros (id., ib., p. 79). sobre a possibilidade de desenvolvimento de formas de interação
traz consigo em sua conVlVenCl3
social nas quais, ao mesmo tempo em que se superam preconceitos
. associar as idéias de Maturana às de
Nesse sentido, podemos fi ue busca a objetividade, e hierarquias entre os diferentes sujeitos e gnlPOS sociais, garantem-
Boaventura Santos, quando este arma q se aos sujeitos singulares o respeito e a consideração das suas
sem neutralidade. identidades próprias, únicas. Digo "identidades" no plural por
" ' u ulosamente as metodologias que as considerar, com o próprio Boaventura, que a identidade dos sujeitos
Ser objectlvo e seguu escr, p d' posição e conhecer os
,~. ,,- m a nossa lS ,' não é um todo monolítico e definido a partir de uma pertença única,
ClenClas SOClaIS poe h 'mento cientifico e de como
, limites do con eCl mas decorre de processos formativos nos quais se enredam múltiplos
constranD1mentos
O.
e os , 'ito a uma revisa , -o constante, Por outro
,
ele é todo incerto e esta ~uJe _ d' 't de poder tomar partido fios, fatores e fOlmas múltiplas de inserção social, formando o que o
. . d' o cldadao, o Irei o d
lado rel\rm lCO,com d I'nhas posições e expon 0-
, - 'stifican o as m . autor chama de redes de subjetividades que cada um de nós é.
Por diferentes opçoes, JU. esforço de cidadama deve
C 'dero que esse ,
as aos meus alunos, onSI e o processo educativo seja Com Humberto Maturana encontramos a definição do que pode
.. d estudantes para qu
ser transmIti o a~s . 'fco e mais criativo (no prelo). ser chamado de interação sodal de acordo com os critérios definídos
ele próprio lambem maiS cn 1
pelo próprio autor de que só são sociais as relações que se
. u erar as essena 'alizaçoes
- universaJizantes
fundamentam no amor, considerado a base de interações que se
Predsamente ponsso, s p " uidade de nos
ue superamos, tambem, a tngen definem pela aceitação do outro como legitimo na convivência.
ao mesmo tempoq ,. r dora de toda e qualquer OUITO
Propomos, portanto, um debate centrado na combinação dos dois como, nesse projeto, foi equacionada a '. -
homem comum e dos tr b Ih d partiClpaçao política do
elementos supracitados, partindo da idéia de que as diferentes a a a ores".
formas culturais de entendimento da cidadania e dos modos plurais Explica que o equacionamento d 1-
sociais e o poder fOI'pr 'd as re açoes entre as classes
segundo os quais diferentes populações concebem o exercício dos ecomza o pelo p "
atrelado à necessidade da educa _ ensa~e~.to ilununista como
direitos que acreditam possuir, alcança possibilidades de da liberdade e da cidad' ,çaopara a vIabilização do exercício
entendimento dos problemas que atravessam hoje os países com arua,ouse]a a5m J
as liberdades inventaram t b" .es~as uzes que descobliram
origens culturais múltiplas, como é o caso do Brasil e dos demais am em as dlsClpl' H'
cidadania para as cJasses, f . _ mas. aummodeJode
países latino-americanos, mesmo sabendo que há outros importantes menores que llao d .
contexto das relações entre o olíti po e ser Ignorado no
elementos envolvidos na questão que ultrapassam as questões ocidental burguesa A : coeoeducativonamodemidade
relaàonadas às "novas formas" de exercícioda cidadania no contexto fundamental '_ pe agogw desempenharia um papel
das sociedades multiculturais. na superaçao da velha ordem tr d' ,
como tempo de barbárie d' _' ,a IClonal,desprezada
Acreditamos que, a partir desse debate, poderemos pensar de , e IgnoranCla de servid - d d '
e na construção da nova o d ' ao, e espotisn1o
modo mais efetivo as possíveis formas de desenvolvimento de r em como o tem d .
civilização liberdade e ti" _ po a raCIonalidade,
constelações de ações emancipatárias, que possan1 superar a " par Clpaçao.
dominação social e cultural que caracteriza a" democracia de baixa E exatamente nessa vinculação entre d - .
segundo Arroyo, estão fundamentados e ucaçao e CIdadania que,
intensidade" das nossas sociedades contemporâneas, aproximando-
cidadania e "a legitima ã d _ os dIscursos de exclusão da
nos da idéia de que "a democracia é uma obra de arte político- populares por teimar~: e a repressao .e desarticulação das forças
cotidiana que exige atuar no saber que ninguém é dono da verdade, ' , m agu po llticamente f d
d efimdas pelas elites aVI"1' d ora as cercas
e que o outro é tão legítimo quanto qualquer um" (MATURANA,OP, Iza as como o espa d l"b
pal'ticipaçãoracionaleordeira"('d 'b ço a I erdadeeda
eit., p. 75). Essa idéia, por sua vez, nos remete à discussão AI' I "I "p, 39-40),
desenvolvida por Boaventura Santos (2000) a respeito do . emdaquestãoqueseapresentaà r~ .. . '-
Importa nessa discussa-oa 'd" d P opna mstitUlçao escolar,
reconhecimento da parcialidade de todas as culturas, e da . I ela equeap 'ti 'd -
fora desses padrões é t d'd ra ca CI ada, se exercida
necessidade de se buscar formas de interação entre as diferentes " en en I a comovand I.
aparece, nessa perspecti'v a lsmo, e a educação
culturas fundamentadas na hermenêutica diatápica, a, como precond. -
comum seja aceita como cidadão É Iça0 para que a pessoa
A importância do papel da escola como instância formadora,
legitimidade dessa fónn I "E" fu~damental questionar a
tanto na forma como foi concebida pela burguesia quanto pelas u a. neeessano q t'
condicionar liberdade pa ti' _, ues lonar porque
possibilidades reais de desenvolvimento de ações emancipatárias, . . ' r clpaçao e CIdadania a essa ed -
a essa CIvilidade e a essa racionalidade" ('d 'b ucaçao,
surge como elemento fundamental na discussão. N I "I "p, 40),
esse processo, pretendemos desocuJtar .
econômicos e sociaisda exclusão da ddad . alguns ~eterm~antes
A cidadania burguesa e a educação do povo e a "plebe" ' d'd ama, refundindo o "povo"
em lOS, nessa concepça d .
No texto "Educação e exclusão da cidadania", Arroyo (1987, que, a partir da . ,o ommante de cidadania,
p, 32-33) busca referir-se ã vinculação entre educação e cidadania
"tal como foi constnlída no projeto social da burguesia e nas formas
38 Currfculos praticados: elltre li regulação e li l'maflcipação
Democracia social, cidadania afilia f! e/llallcil'ação 1/11 soch'dade 1I111l1iLII1tur,,1 39
Voltamos aqui, portanto, ãs idéias que questionam o pensamento O exercício não é simples, muito menos óbvio, e é por isso que,
donlinante e apontam para ou.tros caminhos na compreensão das tentando evitar um discurso excessivamente teórico que não
formas de exercício da cidadania. A primeira é a de que a cidadania contempla a problemática central das relações entre os diversos
e seu exerácio se relacionam não apenas com o binômio cidadão- povos no contexto de uma sociedade e de uma escola cada vez mais
Estado, mas com todas as formas de interaçâo social nas quais estamos atravessadas por conflitos sociais e por formas de convi\~o entre
inseridos (SANTOS,2000), o que significa dizer que os clireitos de culturas, povos e situações tão diferentes quanto aparentemente
cidadão devem ser pensados como direitos de inclusão e de irreconciliáveis, lanço mão aqui de mais alguns exemplos históricos
manutenção da integridade fisica e moral a ser exercidos em todos de cassação de direitos das culturas chamadas minoritárias na
os" espaços estruturais" constitutivos das sociedades contemporâneas. América Latina e de formas alternativas de busca dQ exercício da
A segunda idéia é a de que as formas específicas de manifestação e cidadania, tornadas necessárias e possíveis em alguns contextos
de reivindicação são múltiplas e se vinculam aos modos como a sociais e~pecíficos - notadamente nas escolas reais -, pretendendo
integridade tem sido negada ou agredida bem como aos modos eVIdenCiar o caráter restritivo e idealizado do discurso oficial
como, dentro dos processos de formação de suas subjetividades, dominante, que não considera essas realidades e as possibilidades
pessoas de origens vivências e referências culturais distintas
l
nelas inscritas, limitando-se a buscar modos de adequá-Ias aos
desenvolverão modos de ação cidadã distintos. modelos ou a condená-las.
CurrfCll/os ,
prallcados: til ,rrU"lIlnçiio
rl' li to> r li ClIlflllci,lUÇiio Democracia socia/, ddadm,ill aHlJil e emancipação lIl1sociedade: Il1l1lticu/tllrnf
40 41
Acredito que, com isso, será possível sair do mJto do ,selvagem e seus escritos sobre o disciptinamento dos corpos e mentes e sobre
, 1 'o mais reahsta com as a estigmatização de "loucos" e "criminosos" produzidos por esse
e d o ",(IVl'I'IZado" e buscar uma mter ocuça . r - de
chamadas culturas diferendadas, não mais sobre a ,dea ,zaçao mesmo tipo de pensamento, Modelos ideais de homem, de mulher,
uma que desconsidera as outras e os caminhos que elas abrem para de cidadão e de trabalhador são difundidos e legitimados,
o pleno exercício da cidadania, sustentando uma noção de igualdade que busca a aniquilação da
diferença e mesmo do diferente, ao mesmo tempo em que produzem
Duas passagens d o li,\ ra de Eduardo Galeano me parecem
a essencialização da diferença que cria a impossibilidade da
significativas para o debate, igualdade,
. d várias mães. Nossa identidade,
Nas Américas, a cul~rareal é ~l~.~~ . dora a partir da fecunda Passaremos, então, a pensar essa questão do desenvolvimento
que é múltipla, reahza sua Vl!a 1 a e a;.~ s temos sido adeslTados de uma concepção mais multicultural e democrática de cidadania,
contradição das partes que a mte~am. a é mutilador impede
- mos O raCismo, que , discutindo com um pouco mais de detalhamento - com base em
para nao nos enxergar '1 d lenamente com todas as suas
que a condiçã? ~1umana. res~~~e~~:~e racismo: de Norte a Sul, texto anterior (OLIVEIRA, 1999) e, mais uma vez com a ajuda de
cores. A Amenca. continu O 1 f mericano~ da minha geração Boaventura Santos (1999)- a questão das formas de tratamento da
continua cega de SI mesma. 5 a 1I10-a • .
Currículos praticados: clI!n' a regularão l' a emtmcipaçtio Democracia social, cidadallia ativa e emancipação IIQ sociedade mu/liclllturaf 43
igualdade e da diferença. Para finalizar, traremos, ainda, uma compreender os mal-entendidos que envolvem a questão da
discussão que pretende perceber a potencialidade das escolas - igualdade e da diferença e que nos dificultavam o caminho
enquanto espaço social específico - e das prãticas nelas da democracia.
desenvolvidas de contribuir para o processo de democratização
Quando se defende uma sociedade mais igualitária, na qual as
das relações culturais e também interpessoais nas nossas sociedades. oportunidades e direitos sejam os mesmos para todos, não se está
considerando que uma sociedade democrática é aquela na qual as
Identidades individuais e coletivas na sociedade pessoas levam uma mesma vida. A igualdade de oportunidades
não significa identidade nos caminhos trilhados, nem de escolha
•
.-ulticulhITal, ie;ualdad" " difer"nça •.•.. J ...••••, •••."' •• ~ •.•••• l I•.•
Hf.~~ !",-:,fi"~i", .•..•.• rt ••. n!"rf""n('~ nlltlJtl'lll.
~•.•..•
ElTI primeiro lugar, é preciso dizer que, se me pernlito associar r\ 19UI1J...J.<1\.h: p1et\ÕttlJ.h.l.<.l t: d l.h: P'V""J.LHlJ.J. •• ...l.•...:> •.••.•.••••. ~ •.••.•
o tratamento dado pelas sociedades capitalistas às diferenças caminho de vida próprio, de poder ser respeitado nessas escolhas
e de poder se viver de modo digno e satisfatório em qualquer
culturais e individuais, faço-o por acreditar que os processos que alternativa, de acordo com as próprias aptidões, desejos e valores.
produzem a exclusão são análogos e atingem tanto os grupos Concebendo-se a igualdade deste modo, não se pode aceitar nem a
culturais quanto os segmentos sociais ditos "minoritários". modelização da vida e o cerceamento da liberdade de escolha !...],
nem as desigualdades [reais] nas oportunidades e direitos das
A discriminação gerada pela inferiorização do outro se dirige, com sociedades capitalistas atuais, e nem, finalmente, a valorização
base nos mesmos argumentos, a índios e negros, mulheres e excessiva de determinadas escolhas e talentos em detrimento da
homossexuais, "loucos e criminosos" (FOUCAULT, 1977),deficientes validade de outros (OUVElRA, 1999,p. 16-17).
físicos ou mentais, 10 E é esse o debate que precisamos travar com a
Portanto, defender a igualdade de direitos vai pressupor a
igualdade formal burguesa. A fórmula burguesa de "todos os
aceitação e reconhecimento das diferenças individuais e culturais
homens (sic)são iguais perante a lei" é problemática porque ignora
que nos levam a buscar e nos permitem escolher umas e não outras
as desigualdades reais geradas pelas relações sociais de dominação
formas de estar no mundo. Diferença e desigualdade são, neste
que caracterizam as sociedades capitalistas contemporãneas,
sentido, conceitos que se opõem. A igualdade de fato inclui, como
baseadas em um sistema de "troca desigual" (SA1\ITOS, 2000). Nesse
nos diz Boaventura, o direito à diferença, também frágil nas nossas
sistema, os processos de inferiorização e de desqualificação do
sociedades de dominação cultural. Na continuidade do texto citado
"outro" atuanl como poderosos nlecanisrnos constitutivos das
acima, cligo:
relações de poder, que, ao definirem este "outro" como inferior,
buscam aniquilar a validade dos seus modos de representação e de A defesa das desigualdades nas sodedades ocidentais, consideradas
como fruto inevitável da liberdade de escolha e de ação, do espaço
compreensão da sociedade, bem como suas formas de atuação, como
aberto às diferenças e do mérito de cada indivíduo na condução de
jã vimos no debate sobre a questão das formas de exercício da sua vida, conduz esta reflexão ao segundo par de conceitos, opondo,
cidadania. desta vez, diferença e desigualdade. Não creio ser necessário
defender a idéia de que as pessoas são diferentes umas das outras,
No texto de minha autoria, a que há pouco me referi, discuti a
bem como os grupos sociais, e que isto nada tem a ver com a
questão da construção possível da democracía, buscando atribuição de privilégios àqueles que realizam esta ou aquela escolha
lU Hoje chamados, de modo politicamente correto, Uportadores de necessidades
em suas vidas ou professam determinados valores. O tratamento
especiais'" continuam a ser excluídos ou considerados cidadãos de segunda desigual, que nas sociedades capitalistas atuais é dispensado às
categoria na maior parte dos contextos sociais. pessoas, em função de suas escolhas e de suas histórias, pode ser
44 Currícl/los . ri os:
Ilrnt1cn ""I,." 17 rc.o"lIln(ão
~\ c n cmmrcipnção
DCl1locmcia SOcilll, cidadania nfi"1l c elllnncil'l7çiio //(/ sociedade l1Iu!ticlIllllrn!
45
T t'
N no direito à diferença.
•
entendido C01110uma reduçaodsflgm llca~lVa,asvezes excessivamente naquilo que se propõe para a prática pedagógica quanto no que se
ar;) poder ser J ef€n e te" _
OI preço No
pago p o resu lta d o podner
limite ~ [ ] a modelização,[...] tao realiza de fato em seu interior. Avivando o debate, trazemos um
[] 0.0 •
a to. ... f 11 C b
• ainda ressaltar que raCIsmos e pouco do que minlla expeIiênda e eshldo lne vêm ensinando a esse
nociva à democraCla. a €, 's c~nvivemos cotidianamente,
preconceitos outros, com os qual I d,'menta da diferença! respeito.
d t . cisamente no en en .
se fun amen am pIe. ld d AI umas características culturaIs, Uma pequena história da crueldade da exclusão pode ilustrar a
diversidad: como d~slgua :;~ d~erminados comportamentos,
físicas ou mtelectu3ls, ou ai . do-se assim uma problemática do preconceito racial que está presente em nossas
. d 'ores a outros, CfIan L' " ,
são conSIdera os supen 't' 'os de "humanidade" escolas.Passou-se com uma amiga minha, negra, excelente professora
hierarquia baseada em modelos e CrI en _
(id., ib., p. 17-18). de classe de alfabetização há muitos anos, quando ela tinha sete
anos de idade e freqüentava a lil série. Foi ela mesma quem me
O seja tanto ao negligenciarmos as diferenças, igualando os contou, mas, como não me autorizou formalmente a publicação,
desl 'guU aisq~anto ao negligenciarmos a igualdade, no que se refere não vou identificá-Ia. Não tendo entendido a "lição", ela dirigiu-se
, . . d f ermos nossas
aos direitos individuais, culturais e sOClal~ e az 'bTdades de à professora e pediu nova explicação. A resposta que ouviu foi:
próprias escolhas, estamos nos afasta~do as l~ral Creio P;;;SI "Para ser empregada doméstica, o que você sabe já está muito bom".
construção de uma sociedade democratica e mu cu . ntos' Outras formas menos cruéisou explicitasde preconceito e exclusão
'd
ser este o sen ti o da bela eJ'
á citada expressão de Boavenhrra Sa .
podem ser encontradas nos cotidianos das nossas escolas. É comum
.. ue a diferença nos inferioriza; OUvIDnOS bem intendonadas professoras dizerem coisas do tipo:
Temos o direito a ser 19ua~ssempre q e que a igualdade nos
temos o direito a ser dIferentes sempr - Ele é pretinho mas é limpinho.
descaracteriza(1999,p. 62).
- Elenão aprendeu a ler,mas sabe sambar como ninguém na sala!
- Para que exigir tanto, coitada, a gente sabe que não adianta!
As escolas, suas exclusóes e I' ltural
Mas em seu dinamismo e diversidade infinita, as escolas também
tentativas de inclusão no contexto mu hcu , '
desenvolvem formas de relacionamento multicultural bem mais
Para contemplar a questão colocada à escola, sera preCISO
democráticas e igualitárias, através de trabalhos coletivos,
trabalhar com práticas desenvolvidas não apenas de aCOlldo_co:: desfolclorização de práticas culturais alternativas _ como nos
ceito dominante de C1'd a d'anIa - que mclUl as re açoes
~ mostram Alexandra Lima e Renata Lobo (2002)em texto recente _ e
con _ os sociais com o Estado -, luas tambem com
cidadaos e de grup I e às práticas reais outras incontáveis experiências, mais ou menos coletivas, mais ou
relações e eventos relacionados ao espaço esco ar
menos bem-sucedidas. Também há, cada vez mais, propostas
que nele se desenvolvem. ._ curriculares que buscaITIsuperar essa segregação, presentes tanto
Historicamente, nas escolas, teITIOS assistido ao Jogo d~ tensao em projetos de escolas i,oladas, como em políticas locais de currículo
entre a Iegt'tu'na ça-o da dominação e a busca de sua superaçao, tanto que integram novidades. São propostas que incluem novas
----------- . uma das características da escola concepções da história e dos modos de ensiná-la, o reconhecimento
J1 O efeito de "forma" denunCiado como d 5 mecanismos de modelização
tradicional pode ser considerado co,~o u,~ .~ tais O mesmo poderia ser da participação das culturas africana e indígena como constitutivas
. d des "democratlcas Del en . .
presentes nas SOCle a . _ d determinados saberes e carreiras
dito com relação à hipervalonzaçao e
de nossa identidade cultural brasileira, entre outras formas de tentar
profissionais. superar - pelo reconhecimento da diferença que respeita e
Currículos praticados: elltre a regulaçiio e a emancipação
46
Existe, portanto, fora daquilo que à "ciência" é permitido misérias, e a face dos camponeses e d .
da exploração das nu',' . os pobres, da sunplicidade e
, "enas a sustentar gr d
organizar e definir em função de estruturas e permanências, uma a ver só uma face. Por isso O ~n ezas. Cervantes recusa~se
vida cotidiana, com operações, atos e usos práticos, de objetos, regras encerrado nas suas fantasi~s' om QU1xO~~ não vive totalmente
. / como um herOl de K fk .,
o vaI trazendo (quase) à realidade A a a, Ja que Pança
e linguagens"historicamente constituídos e reconstituídos de (quase) a nossa, é o protesto fa t: ti"sua loucura, que é também
acordo e em função de situações, de conjunturas plurais e móveis. . t~ . ~ n as co cont I"
eXls enCIa organizada para a mediocrid ra ~s ImItes de uma
Há "maneiras de fazer" (caminhar, ler, produzir, falar), "maneiras Charles Chaplin, Grouxo Ma C a~e. Aderunos a ele como a
rx ou
a Saint.Simon e Fourier E ad . antmflas. E - por que não?-
de utilizar" que se tecem em redes de ações reais, que não são e não . enmos tanto I
Sancho Pança que ' com o e ngen h o e a arte a e e como aderimos a
d b
poderiam ser mera repetiçáo de uma ordem social preestabelecida e t rans f arma, perante o a mo em transe o].dsa er cotidiano '
explicada no abstrato. Desse modo, podemos afirmar que a tessitura camponesa na imaginação da Dl" . ,a rea 1 ade da jovem
ti cmela (S""O'05,1993,p ..9)
das redes de práticas sociais reais se dá através de "usos e táticas dos
praticantes"! que inserem na estrutura social criatividade e A partir do que dissemos acima e da referê . ,
preocupação com o cardO nCIa a crescente
I 1ano no campo d .~.
pluralidade, modificadores das regras e das relações entre o poder
percebemosqueessasquestõe b as ClenCIas sociais,
da dominaçáo e a vida dos que a ele estáo, supostamente, s ora
não são apenas retóricas Elas ,em f ti. aparentemente respondidas,
subtnetidos. E isto acontece no cotidiano. . / e e vamente t- d
exigindo o desenvolvimento de refi _ ,es ao, ca a vez mais,
Esse fragmento de um texto já publicado (OLIVEIRA,
2001a, p. 43- o exoes que nos .
ensatar respostas avançar na _ pennltam, ao
44) é aqui reapresentado com o intuito de lançar a discussáo em tomo , compreensao do ' d
representar o cotidiano para a li _ que e e o que pode
do cotidiano, desta vez na busca de definir, conceituahnente, o termo. amp açao do no .
respeito de alguns processo '. sso entendunento a
Mas porque definir conceituahnente um termo tão utilizado e de s SOOaISque foram n r .
grandesnarrativasdamode 'd d . eg Igenoados pelas
significado táo evidente para a maior parte das pessoas? O que pode . ~ fil a e/comseuslstemad
que tornou Identicas as idéia d' . e pensaInento
ser o cotidiano a mais do que a rotina do dia-a-dia de todos nós? o o S e rotina e de cotidiano.
A pnmeua aproximaçáo que d
Essas questões, secundarizadas durante muito tempo pelas exatamente a essa identi'fi _ , po emas fazer refere-se,
, caça0 e a negligên .
ciências sociais, vêm reemergindo em tempos mais recentes. Num que elas nos ensinam sob ' oa por ela gerada, e ao
dos números da Revista Crítica de Ciências Sociais dedicado à re as caractensttcas d
moderno. Ao tomara ciêl10'a galil . o pensamento
sociologia do cotidiano, Boaventura Santos (1993) refere-se a esse eo-newtorua ' o
Minha resposta é não. E se não há melhores razões para ela, que mais perfeita expressão, baniram do d um~e~~ahdade a sua
baste a fidelidade a Cervantes. Efetivamente, para Cervantes, Dom singulares e qualitativos do real náo co:;n , o das Idelas os aspectos
Quixote e Sancho Pança pertencem-se mutuamente, são as duas l
que buscam regularidades u~ o avelS através dos estudos
faces da mesma realidade, espanhola e européia. A face das I q possam ser retraduzidas em ") . "
conquistas, da expansão e do império, das grandezas a esconder sso porque, na lTIodernidade cientificist. a, eIS
Cum'rlllos pmlkndos: (utre li rcgulaçiio c a cmaflcipaçlio Rcpc1/salldo o cotidia1/o 51
50
Jlividade por outra, ou vivemos algum momento que, com eve-se, exatam~nte, â identificação da personagem como caricatural.
L.
32 Crlrrínlllj~ praticado::;; e!ltre n HX1l1l1çifo c fi CllUlllcipnçiio Rcpc7l::~nl1don cntidiml(1
53
Hoje sabemos ou suspeitamos que as nossas trajetórias de vida E aqui percebemos o porquê da necessidade de '.fidelidade a
pessoais e coletivas (enquanto comunidades científicas) e os valores,
as crenças e os preconceitos que transportam são a prova Íntima do Cervantes", da qual nos fala Santos.
nosso conhecimento, sem o qual as nossas investigações laboratoriais Deste modo, para continuar nosso estudo, precisaremos nos
ou de arquivo, os nossos cálculos ou os nossos trabalhos de campo debruçar sobre os modos como essa articulação entre os diversos se
constituiriam um emaranhado de diligências absurdas sem fio nem
pavio. No entanto, este saber das nossas trajetórias e valores, do dá. Incorporar os fazeres e saberes cotidianos em sua diversidade
I.
qual podemos ou não ter consciência, corre subterrânea e pressupõe a percepção das diversas influências intervenientes na
clandestinamente, nos pressupostos e não-ditos do nosso discurso formaçáo dos sujeitos, suas relações e articulações. E, a partir daí,
científico. No paradigma emergente, o caráter autobiográfico do
reencontramos Boaventura Santos e o enredamento entre os
conhecimento-emancipação é plenamente assumido: um
conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes múltiplos espaços/tempos nos quais nos inserimos e que formam e
nos una pessoalmente ao que estudamos (id., ib., p. 84). constituem" a rede de subjetividades que cada um de nós é" (SANTOS,
1995 e 2000), condicionando as formas como esta se manifesta em
Ou seja, o cotidiano é o espaço-tempo no qual e através do qual,
cada situaçáo específica. Se a rede de subjetividades que constitui
alélTI de forjarmos nossas identidades e tecermos nossas redes de
cada um de nós se tece nos diversos espaços estruturais nos quais
subjetividades, em funçáo dos múltiplos conhecimentos, valores e
estamos inseridos, isto se dá porque eles estão permanentelnente
experiências com os quais convivemos nele, tornamo-nos
articulados e sempre presentes na nossa vida cotidiana, da qual são
produtores de conhecimentos, mesmo dos chamados
elementos constitutivos.
conhecimentos científicos.
No que se refere às características básicas da ação cotidiana, às
Por outro lado, ainda no sentido de ampliaçáo do debate
quais outras tantas vêm se juntar, podelllos, então, dizer que elas
epistemológico, a superaçáo das mutilações e fragmentações
assumem suas significações específicas em função dos processos de
cientificistas exige que consideremos a questáo da complexidade,
recriação permanente dos nossos fazeres, produzidos tanto em
desenvolvida por Edgar Morin e hoje defendida por muitos
função das circunstâncias específicas do momento e da fOffila como
pensadores. É ele quem afirma que precisamos do paradigma da
os vivenciamos, quanto dos processos históricos mais alnplos -
complexidade para superar o cientificismo. Explica, ainda, que a
'I.'.:J .1 ~~.-.I.
_.::::_
.-1_.,.•• ........-_h>
.•••• ""rnnronoit"t!
~irl..,T'prn•... culturais, sociais, familiares, políticos etc. - que nos fornlam,
.;~ . ..:." ~ . _ ...•.-- i.4,o._l-irl...rlp<> ,nr1ivirll1~i,p rnlpnva,>.
resposta nenl como completude, mas Sllll como desdttu e luta cuntra
a mutilaçáo, explicando que Portanto, para cOlllpreender o cobdldTIO, cumpre CLJn~1L1t.::là1U~
constitutiva do cotidiano e da lógica que o orienta exige de nós (2000, p. 197-202), cujo potencial para a compreensão dessa relação
considerar a relevância de todos os seus elementos constitutivos. entre as "regras" e os "lances" é imenso.
Articulando, portanto, as aprendizagens sobre as normas e
regularidades do sistema social no qual nos inserimos com outras, Os mapas, as escalas de leitura do mundo
fruto de 'vivências e experiências nos pequenos espaços e e suas articulações
circunstâncias da vida cotidiana, vamos considerar que a idéia
Entendendo os mapas como um dos modos de imaginar e
pejorativa de caos não se aplica. Recorrendo mais uma vez a Certeau
representar o espaço, Santos explica que eles são distorções reguladas
(op. cit.), e à leitura que dele fizemos, repetimos texto anterior
da realidade, distorções organizadas de territórios que criam ilusões
(OLIVEIRA, alo. cit.)
crediveis de correspondência (id., ib., p. 198). Boaventura acrescenta
Embora sejam múltiplas, diversas e singulares, as práticas que o objetivo dessas distorções é instituir a orientação. Essas
cotidianas, maneiras de fazer e de estar no mundo, para serem distorções são reguladas por operações e mecanismos determinados
pensadas, devem ser entendidas como um número finito de e determináveis (id., ib., p.199), obedecendo, portanto, a regras e
procedimentos, que aplicam os códigos e normas existentes
procedimentos que não são arbitrários.
seguindo uma lógicaarticulada em cimada "ocasião",que é diferente
daquela da ordem estabelecida, m<1S que se constitui, ainda assim, Já se referindo às escalas, como uma das formas pela qual os
de um certo número de formalidades. mapas distorcem a realidade (as outras são a projeção e a
Em primeiro lugar, os "jogos" específicos de cada sociedade [...] simbolização) o autor cita Monmonier. Este autor afirma que a escala
dão lugar a espaços onde os "lances" são proporcionais a situações.
[...] os jogos "formulam" as "regras" organizadoras dos lances e
é"a relação entre a distância no mapa e a correspondente distância
constituem também uma "memória" (armazenamento e no terreno". Nesse sentido, a escolha da escala
classificação) de esquemas de ações articulando novos lances
conforme as ocasiões (p. 83-84). implica uma decisão sobre o grau de pormenorização da
representação. Os mapas de grande escala tê:ql um grau mais
Sendo assim, as táticas utilizadas pelos praticantes na escolha deste
elevado de pormenorização que os mapas de pequena escala
ou daquele "lance" em uma situação específica, embora limitados porque cobrem uma área inferior à que é coberta, no mesmo espaço
pelas regras onde devem inscrever-se estes lances, possuem urna do desenho, pelos mapas de pequena escala (id., ib., p. 201-202).
formalidade que lhes é própria, que não permite o.desvendamento
do jogo enquanto totalidade, na medida em que se desenvolvem Podemos então dizer que um mapa desenhado em pequena
no contexlo complexo da vida cotidiana, com sua multiplicidade de
situações e de maneiras de se perceber e avaliar estas situações.
escala nos mostra pouco de Ulna área grande, enquanto, ao contrário,
A racionalidade própria das práticas de espaço é, portanto, a de I um mapa de grande escala no-la mostra detalhadamente, ou seja,
espaços fechados e "historicizados" pela variabilidade dos
acontecimentos a abordar. As regras são sempre as mesmas, mas
i
I
divulga muito de uma pequena área selecionada. Ou seja, através
da leitura de mapas em pequena escala, conseguimos captar, em
os lances múltiplos que elas comportam são escolhidos de acordo
com a situação e com a avaliação que dela faz cada praticante da
vida cotidiana (p. 51-52). l
I
!
grandes linhas, a lógica geral do espaço. Metaforicamente,
dizer que o que captamos nos estudos da sociedade
escala" são regras e características amplas, gerais, do seu
podemos
em "pequena
internacionais e interculturais. Contudo, por falta de acesso aos escolhas de visibilidade que fazemos não anulam a existência
"detalhes", somos incapazes de perceber como se manifestam, nos daquilo que não vemos, podemos afirmar que o cotidiano inclui,
diferentes espaços sociais, tanto esses processos de organização mesmo que de modo invisível, as normas e regras gerais sob as quaIs
quanto as iniciativas pontuais de transgressão que se desenvolvem se desenvolve, mas sempre de modo único, imperceptível à pequena
em seus interiores, os modos de fazer e de viver que os "praticantes escala dos modelos, para os quais são invisíveis as formas singulares
ordinários da vida cotidiana" (CERTEAU,1994)desenvolvem. Por ou tro de efetivação das regras.
lado, inscritos num pequeno território desse universo amplo, cuja "De perto ninguêm ê normal", 16 diz Caetano Veloso,confirmando
lógica lhes escapa, esses praticantes, mergulhados na prática, não que nenhuma regra ou normatização se efetiva tal qual prescrita na
têm acesso direto à compreensão do universo social amplo. vida das pessoas reais.O ditado popular, em outros termos, confirma:
Mais "embaixo" (down), a partir dos limiares onde cessa a "Toda regra tem exceção", o que quer dizer que, no interior das
visibilidade, vivem os praticantes ordinários da cidade, Forma normas organizáveis em modelos, as situações são, em maior ou
elementar dessa experiência, eles são caminhantes, pedestres, menor grau, sempre li excepcionais" na acepção original do termo.
I
as dimensões da vida qúe a modernidade emudeceu. Em belíssimo Pergunto-me onde se originn o prazer de "ver o conjunto", de super<1r,
diálogo imaginário entre Marco 1'010e KublaiKahn, que acompanha de totalizar o mais desmesurado dos textos humanos. [...) Aquele
que sobe lá no alt'Ofoge à massa que carrega c tritura em si mesma
os textos do seu Cidndes illvisíveis, Halo Calvino (2000, p. 71)diz:
toda identid<1de de autores ou de espectadores. Ícaro, acima dessas
- De agora em diante serei cu a descrever as cidades - disse o Kan. águas, pode agora ignorar as astúcias de Dédalo em labirintos
- Tu nas tuas viagens verificarás se existem. móveis e sem fim. Sua elevação o transfigura em mycur. Coloca-o
ã distância. Muda num texto que se tem diante de si, sob os olhos,
Mas as cidndes visitadas por Marco 1'010 eram sempre diferentes o mundo que enfeitiçava e pelo qunI estava possuído. Ela permite
dns pensadas pelo imperador. lê-lo, ser um olho solar, um olhar divino. Exaltação de uma pulsão
- Contudo cu tinha constnúdo na minha mente um modelo de esc6pica e gnóstica. Ser apenas este ponto que vê, eis a ficção do
cidade de que deveriam deduzir.se todos os modelos de cidades saber. [...1 A torre de 420 metros que serve de proa a Manhattnn
possh'eis - disse Kublai. - Contém tudo O que corresponde à norma. cont'inua construindo a ficção que cria leitores, que muda em
Como as cidades que existem se afnstam em grau diverso da norma, legibilidade a complexidade da cidade e fixa, num texto transparente,
basta-me prever as exceções à norma e calcular as combinações a sua opaca mobilidade. r... ) A cidade.panorama é um simulacro
mais prováveis. teórico (ou seja, visual), em suma um quadro que tem como condição
- Também pensei num modelo de cidade de que deduzo todas as de possibilidade um esquecimento c um desconhecimento das
outras - respondeu Marco. - É uma cidade feita s6 de exceções, práticas. O deus lIoycur criado por essa ficção! ...1 deve excluir-se do
impedimentos, contradições, incongruências, contra-sensos. Se uma obscuro entrelaçamento dos comportamentos do dia.a-dia e fazer-
cidade assim é o que há de mais improvável, diminuindo o número se estTonho o eles (op. cil., p. 170-(71).
dos elementos anormais aumentam as probabilidades de existir
realmente a cidade. Portanto basta que eu subtraia exceções ao É preciso, conhJdo, não adotar a leitura do cotidiano nem como
meu modelo, e proceda com que ordem proceder chegarei a uma possibilidade nem como uma vontade de autonomizá-lo,
encontrar-me perante uma das cidades que existem, em~ora negligenciando.lhe os elementos intervenientes que se situam na
sempre como exceção. Mas não posso faz.cr ~vançar a ml.nha
operação para alt':m de um certo limite: obtena Cidades demasiado dimensão macro da pequena escala, ou na dimensão intermediária
verossímeis para serem verdadeiras. da média escala. Num bonito e simples romance, o escritor chileno,
Luís Sepúlveda (1997)conta como foi que, absorta na sua atividade
Buscar as existências reais, as excepcionalidades realizadas, é
de pescara seu peixe, uma gaivota se deixa pegar por uma "maré
um desafio que nos exige abdicar da posição que ocupamos nos
estudos em "pequena escala", a do "olho que tudo vê" (CERffiAU, op.
, negra" e morre em conseqüência disso . .Na história, depois de
observar do alto a localização do cardume, ela mergulha atrás do
ci!., p. 170), e mergulhar naquilo que é pequeno demais para ser
peixe, o exemplar único, singular, que a vai alimentar. Se não
visto de longe. Só assim podemos entender o cotidiano. Para além
das estruturas sociais e dos condicionantes que elas criam, é preciso
conhecer-lhe as especificidades singulares, para, compreendendo- I negligendamos as relações entre o clima, a organização do cardume
e o peixe único, o trabalho sobre o cotidiano vai nos permjtiI~ para
além do reconhecimento geral das "condições do nosso mar",
as, intervir. Criticando de modo poético a prevalência da pequena
escalacomo fonna privilegiada de se lere entendera mundo, Certeau
coloca a questão. Numa metáfora narrada a partir do ilêxtase"
I
I
descobrir quem é aquele exemplar "único" a que nos vamos dedical~
buscando sua forma específica de ser e de estar, seu cheiro e seu
sabor. Imerso no mar imenso, ele nada de acordo com as
provocado pela visão de uma Nova York cuja gignlltesCil massn se
imolJiliw sol} o olhar do alto dos arranha-céus, diz o autor.
I possibilidades que as vastas águas lhe oferecem, seguindo os
constrangimentos das normas de organização do seu grupo mais
r
I
I
62 Currículos l,ralicadas: {'lItre a reSlllaçt'fo c a emollci,ltlçllo Re}Jcllsaudo o colidirmo 03
-
próximo, conhecendo-lhe a lógica e, nela, a sua função, mas o faz de ao mundo, que tanto pode ser lido nos seus macroelementos quanto
acorgo com as singularidades que o tornam diferente de todos nos seus microe!ementos, e que jamais podem ser dissociados uns
aqueles com quem está, que o tornam único na multidão. dos outros; esse mundo, no entanto, tem sido interpretado apenas a
O perigo ao qual sucumbiu a gaivota da história adveio da partir dos elementos compreensíveis pela observação e organização
perda de visão ampla proporcionada pelo mergulho distraído na daquilo que pode ser percebido na "pequena escala".
"grande escala". Do jeito como foi feito, ao mesmo tempo que pôde Em mais uma parcela de definição do cotidiano, a partir dessa
pescar seu peixe, sofreu simultaneamente a perda de visão do que metáfora, podemos dizer que o cotidiano é o espaço no qual se
se passava na média escala do cardume e na pequena escala do mar, realizam as articulações entre as macroestruturas sociais e os fazeres,
cuja percepção do alto seria inqispensável para que ela percebesse relativamente autônomos e adequados às circunstâncias,dos sujeitos
a presença da mancha de óleo que" caminhava" em sua direção. sociais reais.
O que estamos querendo significar com mais essa história é que A dificuldade da tarefa de trabalhar sobre tal complexidade é
estar mergulhado na especificidade não pode e não deve representar imensa, mas acredito que é a única que podemos assumir se queremos
o abandono das relaçôes, permanentes e dinãmicas, que esta captar no/do cotidiano sua dinâmica e os fatores que nela intervêm.
realidade micro, s6 perceptível através do trabalho de mergulho na A grade de leitura de Santos (2000)que define os espaços estruturais
grande escala, mantém com as realidades intermediárias - dos nos quais nos inserimos nos permite atuar nesse campo complexo,
cardumes - f, sobretudo, com as grandes estruturas sociais, na medida em que considera, simultaneamente, as influências que
representadas pelo mar. o cotidiano sofre tanto daquilo que se passa efetivamente em seu
Deste modo, ao trabalharmos os múltiplos espaços/tempos do interior, que pode ser melhor identificado com nossas inserções
viver cotidiano e as articulações entre eles, temos que considerar os nos espaços doméstico, da comunidade, do mercado, da produçâo,
vínculos que estes mantêm com as macroestruturas que, além de quanto daquilo que se passa "fora dele", mas que o constitui do
lhes circunscreverem possibilidades, atuam permanentemente mesmo modo e que pode ser prioritariamente situado nos diálogos
produzindo modificaçôes que não podem ser negligenciadas, com os espaços mundial e da cidadania, sobretudo, mas também
I 1!.l"I!,ililiõl., .,1 <1'\,I,Li.!, 'f""L ,:;,,;N:~1,~r~"::~I':.~r;# fH"l"F" com tudo aquilo que, nos demais espaços, ocorre em função de
oblitera a compreensão dos fatores da realidade macroscópica que a .i.~,"'ll~l.iI t'~tlhll'I':-:"II"III",l\' f"'--l, ~I ",'
, ~""'-- "
todo momento intervêm nas ações concretas desenvoh~das sempre cotidiana, definindo-lhes as possibilidades.
na microrrealidade da grande escala.
O entendimento desse movimento permanente entre as Raízes e opções na lessitura da rede de subjetividades
múltiplas. instâncias constitutivas do real é o que se impôe como Na articulação entre essas múltiplas pertenças e influências
trabalho. E na articulação permanente, não somente entre as diversas tecemos nossas identidades, enraizando-as nas grandes inserções
esferas da vida cotidiana, mas também entre essas e as esferas da em nossas culturas de origem e nas nossas mais amplas condições
média e da pequena escala, que precisamos nos situar. Mais que de existência, situadas nas grandes linhas da pequena escala. Por
isso, precisamos compreender o mergulho no cotidiano como a outro lado, para além desses enraizamentos, tecemos nossas
incorporação da possibilidade de entender a complexidade inerente identidades também através das opções, das pequenas escolhas do
CUlTÍ('II/0S praticados: cnfrc a regulaçiio f a fJllflllcipaçilo Rcpcnsando o cotidia11o
65
cotidiano, assumindo ou questionando os valores e critérios A operacionalidade desses conceitos para o debate que tentamos
definidos no campo macro da estrutura social e dos papéis que nos estabelecer aqui tepousa no reconhecimento da permanente
são atribuídos na organização formal e estruturada do espaço social, articulação entre raízes e opções, entre a pequena e a grande escala
possível apenas na pequena escala das grandes referências. Na esteira nas nossas inserções sociais.Sempre condicionados por um passado
de um outro debate proposto por Santos (1996), no qual o autor que nos estrutura, tecemos nosso futuro através das escolhas que
discute a "equação" entre raízes e opções como definidora da fazemos nas situações da vida social cotidiana. Aprendemos com a
identidade individual e social e de seu dinamismo, podemos modernidade a considerar a pequena escala COmo aquela que
entender que os condicionantes definidos na lógica macroscópica "importa" para estudar e captar" a sociedade", sua estrutura e seus
do mundo estruturado e traduzido como sistema social podem ser determinantes.
identificados com as raízes que nos conferem urna identidade, que
Aprendemos, ainda, que essa forma macroscópica de
é única mas também social, histórica, cultural e estruturalmente
compreender o mundo nos permitiria compreender os modos de
definida. No entanto, esses detenninantes enraizadores não são nem
ação social possíveis sobre ele, na medida em que os modelos
estáticos nem capazes de tudo dizer sobre a tessitura das redes de
construídos a partir da análise do espaço macrossocial e de sua
subjetividades que somos. A eles vão juntar-se as opções possíveis
organização em grandes categorias seriam os operadores
através de nossa ação sobre o cotidiano, sobre as circunstâncias da privilegiados da ação.
vida de todos os dias na qual estamos mergulhados e no seio da
A partir desses grandes esquemas, aprendemos a entender o
qual desfrutamos de uma relativa autonomia em relação às raízes
cotidiano como reflexo dessas grandes estruturas, traduzindo-o a
que nos condicionam.
partir dessas grandes categorias e estruturas, não reconhecendo na
O pensamento das raízes é o pensamento de tudo a~uilo que ~ mudança de escala as alterações qualitativas da vísíbilidade,
profundo, permanente, único e singular, tudo aquIlo _que, da na efetivação do que nos explica Santos, quando diz, servindo-se
segurança e consistência; o rens.~ment~ das opço~s ,€ o
pensamento de tudo aquilo que e va.navel, efe,mero, sub:tltUlvel, dos estudos da físicacontemporânea, que" a escala cria o fenômeno",
possível e indeterminado a partir das raizes. A dl!eren~a afirmação corroborada pela idéia de que as mudanças de escala são
fundamental entre raízes e opções é de escala. As raIzes sao não só quantitativas, mas também qualitativas. Reduzíndo a ação
entidades de grande escala [captadas nos mapas de pe~~e.na
na grande escala à sua dimensão quantitativa, abdicamos de
escala]. Como sucede na cartografia, cobrem vas~os ternt~nos
simbólicos e longas durações históricas, mas nao p,er:mltem compreender sua dimensão qualitativa, porquanto, no pensamento
cartografar em detalhe e sem ambigüidades as caractenstic~s do estruturalista dos grandes modelos, não haja espaço para o
terreno. É, pois, um mapa que tanto orienta quanto deson:nt~. entendimento da mudança de escala como uma mudança, não
Ao contrário, as opções são entidades de pequena escala [:aptaveIs
apenas de campo de visão, mas ainda daquilo que se vê.
em mapas de grande escala]' cobrem territórios conf1T~ados e
durações curtas, mas fazem-no com o detalhe necess~no para Assim, vamos poder afirmar que a questão das subjetividades e
.1.. calcular o risco da escolha entre opções alternativas. Esta dos processos que as produzem deve ser pensada e trabalhada como
perml li . ,. Ih T 1
diferença permite que as raízes sejam UnIcas e as esco as mu tip as.
{...} O pensamento das raízes apresenta-se como um pensamento um compósito que inclui os grandes condicionamentos" do mar
do passado contraposto ao pensamento das opções, o pensamento das marés e das luas e climas que os definem", enraizadores do~
do fuluro (SANTOS, 1996, p. 9). nossos seres e fazeres, tanto quanto inclui nossa mobilidade dentro
I
Repell~al1do o cotidiallo
66 Currículo:; praticados: C/ltre fi rrglllaçiio e a enulIlcipação b7
desse universo, na relação que estabelecemos com os cardumes, compreensão da estrutura social, fixando-se nas raízes e na
bem como nos solitários ou solidários ffiOlnentos em que estamos a dominação que as imobilizaria. Talvez possamos, a partir disso,
pescar nossos peixes, nos quais nos ven10S diante das opções. Nesse compreender o maniqueísmo que se faz presente eU1muitas dessas
sentido, podemos também afirmar que essa permanente articulação ações, como uma impossibilidade de articulação dinãmica entre as
entre raízes e opções não é igualmente distribuída entre os membros dimensões macro e micro, entre as raízes e as opções, necessária
das sociedades, apresentando-se com maior ou menor mobilidade para a compreensão tanto de uma quanto de outra dimensão do
em função dos constrangimentos impostos à mobilidade das raízes fazer diário da luta política.
pelas relações sociais de poder e de dominação. Aplica-se o lnodelo estrutural dicotômico e essencializante à
Vai ser preciso, portanto, para compreender o cotidiano, vida cotidiana, traduzindo, por exemplo, a idéia da luta de classes
considerar que a observação na grande escala e a visibilidade que se ou a da dominação do hOmelTI sobre a mulher às pessoas reais e
ganha em relação aos trabalhos voltados apenas à pequena escala, complexas que encontramos, criando uma situação de embate geral
que atribuem ao cotidiano apenas a função de refletir o que se passa que não capta a complexidade da realidade cotidiana no contexto
no campo macroscópico, estão inseridas nessa escala que não mais espeáfico dos momentos e formas múltiplas que pode assumir uma
se vê quando se mergulha, mas que condiciona a própria mobilidade formação social. Situado na urgência da luta cotidiana, o militante
e existência daquilo que se observa. Em termos de raízes e opções, a traduz de acordo com o modelo social da pequena escala,
podemos traduzir essa idéia afirmando que nenhuma raiz é tão comprometendo assim o diálogo entre elas que potencializaria sua
forte que não possa ser removida e que nenhuma opção é feita fora luta nos dois sentidos.
dos constrangünentos das raízes que a sustentam. O cotidiano é, Muitos dos problelnas que reconhecen1os na ação histórica dos
nesse sentido, o Zocus privilegiado da realização das opções movimentos sociais podem ser melhor compreendidos assim, na
circunscritas pelas possibilidades de remoção das raízes. O cotidiano medida em que esta forma de entendimento nos pemüte perceber o
aparece COlno o espaço em que constituímos nossas identidades, quanto a identificação de cada "burguês" com a dominação exercida
tanto em função das grandes narrativas e constrangimentos culturais pela burguesia ou de cada "homem" com o machismo cria e legitima
,L .;,ocit:'LlJdl' na qual no")inst'rimos quanto em função do dinamismo, uma perspectiva essencializante dos papéis sociais, considerando-
variável. móvel, das circunstàncias. lltc~ àpl'llet:-. ti"> "L1i/t":-." ddinkieb pl'lc1 c"trutuf,l -,ocic11 L-,o !1(l:-.ll":,:
O pensamento dominante, que negligencia essa complexidade a perder muito do que poderia ser construído pela mediação do
de que falamos, produz sobre o entendimento politico, em geral, e diálogo no lúvel das opções possíveis no campo e na dimensão
sobre a ação política militante, em particular, muitas conseqüências. micro da grande escala, da vida cotidiana e daquilo que ela torna
E isso nos interessa de perto, na medida em que essas conseqüências possível.
são bastante perceptíveis no pensamento sobre a escola e sobre Esse problema tem angariado relevância nos estudos sobre a
aq uHo que nela ocorre. A militância cotidiana, embora mais escola e sobre o cotidiano escolar. Entendido como espaço de
identificável com o mergulho integral na dinãmica da urgência da reprodução e repetitividade dos desígnios da sociedade de classes,
ação e das opções, tem sido fortemente baseada em dicotomias o cotidiano da escola vem sendo alvo de críticas genéricas e
essencializantes produzidas na pequena escala dos modelos de generalizantes que desqualificam tudo o que existe, em nome do
Currfcufos 1"'flticadQs: wtrc fi rC8/1 / açtio e fi elllflllcipaçdo
RepcnsQndo o COtidjflllO
69
,I
Especificilmente no que dIZ resp aluno. Redesenhmn as preScrições através do enredamento de
valores, saberes e possibilidades de inten"enção, experiências e
!
C!lrdru/os praticndos: rI/Ire a rt'gulaçtio e II emQncipação
70
DP&Aeditora
r ----~
elementos que nos são desconhecidos, levando-nos a fechar as portas cegos", que subtraem dela algo de sua male b.l.d d
d . .. alI a e e, portanto
a elementos que não se encaixem em nossas crenças anteriores. a pOSSIbIlidadede
.
entrada e articulação de novos- fios d esaeres
b '
ao an tenormente sabido.
As certezas são, desse ponto de vista, inimigas da aprendizagem, e
podem ser interpretadas como" a certeza dos ignorantes" - ditado .Em ~utros termos, e já abordando a questão dos limites da
comum no Brasil- e que indica um modo corno o senso comum raclOnahdade tal como esta é entend.d1 a na mo d.ernldade
expressa esse saber a respeito dos limites da aprendizagem para fundamental no contexto da pesquisa no/do co'"'dl.a
. ,no, po d emos ' li
aqueles que crêem já saber. Contrariamente, na pesquisa no/do com a ajuda de Maturana (1999, p ...15),a firmargue: "'
cotidiano, buscamos aceitar que: Todos os conceitos e afirmações sobre os uais não t .
e que aceitamos como se significassem a~o' I emos refletido,
A posse do real é uma verdadeira impossibilidade e a consciência par:ce que todo mundo os entende, são a~:fh~:m~~te porque
epistemológica desta impossibilidade é uma condição necessária razao caracteriza o humano é um antolho . lz.er que a
para entendermos alguma coisa do gue se passa no cotidiano (PAIS, frente à emoção [ J Q > d' ,porque nos deLxacegos
op. cit., p. 108). vivemos uma c~l~ra qUl~er dIZe
er, aIo ~os declararmos seres racionais
sva onza as emoções e -
entrelaçamento coti.d'laTIOentre razao_' e ema - , nao , vemos
, o
Para aprendermos e apreendermos a multiplicidade de viver humano - d çao, que constitUInosso
elementos constitutivos das realidades que fazem parte de nossos tem um fund~~~~~on;;O~i:~:I~onta de que todo sistema racional
campos de pesquisa, é preciso que a eles cheguemos de modo aberto
e, tanto quanto possível, despido de preconceitos. De outra perspectiva, mas no mesmo sentido, vonFoerster (1996
p. 71) desenvolve a idéia de que esses antolh - '
De minha parte, costumo salientar a colegas e amigos, em tom f . os sao capazes de
e ~ti~amente, nos deixar cegos perante aquilo que não acreditamo~
meio anedótico, que, quando terminei meu curso de doutorado, saí
eXIstir.Ele fundamenta "cientificamente" seu debate no fato de a
dele com uma única certeza: o tamanho da minha ignorância. Creio
nossa retina estar sujeita a um controle central , o qu e eXIge
. que
efetivamente ter sido este o grande amadurecimento intelectual a
para ~e~,acreditemos e compreendamos o que vemos. Ou seja a~
que cheguei ao final da trajetória de estudo e produção do curso.
contr~no do que foi difundido pela modernidade e imortaliz~d
Mais recentemente, depois de assistir a uma belíssima palestra de
por Sao Tomé, . "é preciso crer para ver" . Fechados em crençaso
Nilda Alves1? sobre os saberes cotidianos, saí com uma única e b elecldas a respeito do que podemos
preesta
d" encon trar em uma
contraditória convicção: a do imenso percurso que ainda devo fazer
ete~mada reali~ade pesquisada, estaremos cegos para aquilo que
para atingir uma reflexão tão competente e bem tecida.
nela e transgressao em relação ao que "já sabemos" P .
Dentro da metáfora da tessitura do conhecimento em rede, nesse sentido: ~ . reclsamos,
podemos expressar o que aqui queremos desenvolver nos seguintes
termos. Se nos mantemos excessivamente ligados a premissas Aconche~amo-nos ao calor da intimidade da compreensão fu . d
predefinidas a respeito do que pretendemos pesquisar, em função d~sarr~pJadntE'sde
gélidas explicaçõesgue, insensíveis às plU~ali:andeos
d
r lssemma
't d
as o viv'd f.
1 o, erguem ronteIras entre os fenônlenos
daquilo que acreditamos já saber, criamos, em nossas redes, "nós. lllm an o ou anulando suas relações recíprocas (PAIS, op. cit., p. 110/
olho humano. Ao discutir as dificuldades da medicina em atender Etimologicamente, "método" significa caminho e, como o caminho
às ~xigências do conhecimento generalizante, o autor afirma que se faz ao andar, o método que deve nos orientar é esse mesm~: o
de trotar a realidade, passear por ela em deambulações vadIas,
isso se deve ao seguinte motivo:
indiciando-a de uma forma bisbilhoteira, tentando ver o que nela
a impossibilidade da quantificação derivava da 'presença se passa mesmo quando "nada se passa". Nes~evadiar ~~ciológico,
meliminável do qualitativo, do individual; e a presença do individual como se adivinha, importa fazer da sociolOgIado cotidIano uma
[derivaria} do fato de que o olho humano é mais sensível às viagem e não um porto (op. cit., p. 113).
diferenças entre os seres humanos do que entre as pedras ou entre
as folhas (1989, p. 166). É a partir dessa perspectiva de ruptura com saberes prévios a
respeito da realidade escolar e da busca dos sentidos múltiplos e
Para nossa discussão, a afirmação de Ginzbmg pode significar enredados que ela comporta a aparente rotina repetitiva do
que a identidade absoluta entre determinados "representantes" das cotidiano, que procuraremos trabalhar metodologicamente sobre
"espécies quantitativas ou quantificáveis" pode ser questionada, na os dados da pesquisa que vimos realizando desde agosto de 2001 e
medida em que elas são fundalnentadas, na verdade, na que pretendemos agora aprofundar. Para isso, alguns
incapacidade do "nosso olho humano" de reconhecer as diferenças encaminhamentos mais detalhados se impõem.
existentes entre eles. Ou seja, onde vemos identidades e
permanências, é possível que haja um universo tão rico e tão diverso A pesquisa sobre o "como": um diálogo com Candeias
quanto os universos a que atribuímos riqueza e diversidade.
Em texto particularmente inspirado, Candeias (2001) desenvolve
Nesse sentido, e agora recorrendo a Boaventura (2000), os saberes
um interessante estudo a respeito do processo real de acesso à leitura
que assumimos como dados imutáveis e fundadores do que se vai
e à escrita na sociedade portuguesa dos últimos 150 anos. Nesse
pesquisar, além de poderem estar sendo" mal vistos", podem
estudo, o autor explica o processo através do qual as questões
representarregulações no nosso percmso, que prejudicam o pensar
inicialmente colocadas sobre o porquê do "atraso" da sociedade
emancipatário, com sua exigência de subversão dos saberes
portuguesa em relação a outras de perfil socioeconômico semelhante
naturalizados pela ciência moderna e suas "verdades universais".
quanto ao letramento da população, transformaram-se em questões
nrt ~(l, rílrFt(loxalmentp, é preciso. desaprender para voltar a
T'P"hcionadas ao modo específico como o processo ocorreu no país.
aprender (~ANroS,p. 3ti2-3ti3). lopreclbo romper dlgWlOdu, !lu' Legu,
O que nos chamou atençdu nd "lld.Jd.lltlHJ.J.l pdu Jutur l' ~l L\!<.',,1-,
de nossas redes de saberes, que regulam o que podemos perceber,
que se saiu de uma posição moderna de dicotomização e
e cristalizam nossas redes de conhecimentos, tornando-as
hierarquização para uma postura mais aberta que considerou não
ilusoriamente completas e metodologicamente inoperantes, porque
mais a questão do atraso, mas as possibilidades de compreensão do
imóveis.
processo real vivido em Portugal, em função das especificidades
Temos, portanto, que entender, mais uma vez com Pais, que os
culturais e políticas do país. Ou seja, saiu-se de uma questão
conceitos e teorias devem ser vistos como "instrumentos
formulada a partir do que" sabe" a teoria social hegemônica a
metodológicos de investigação ao serviço da capacidade criadora
respeito da associação entre progresso socioeconômico e letramento,
do cientista" (op. cit., p. 110) e que a questão do método nesse tipo
hierarquizando os países em função dos indicativos estatísticos que
de pesquisa se traduz deste modo:
os definem, para uma postura de não saber e de querer saber o que
r
I
76 CUlTiculos praticados: wtl'C 11 regulação e n ema11cipação
Elemelltos rir orientação metodológica para a pesquisfll1o/do cotidimlO das ('seo/as
77
Observação participante,
I experiências vivenciadas, substituindo com elas as - atualmente
!
depoimentos e histórias de vida dominantes - pesquisas, que, sem levá-las em consideração, vêm
condenando seus atores, classificando-os como repetidores de
'frabalhamos nesse tipo de pesquisa buscando mergulhar (ALVES,
conteúdos. Revalorizar os saberes da prática, criados e recriados
op. cit.) nos universos do(a)s professore(a)s envolvido(a)s, em
cotidianamente por aqueles que têm sobre si a responsabilidade de
tentativas de recomposição coletiva das suas histórias de vida,
"apticar" as propostas advindas dos mais diversos gabinetes, éo
visando à compreensão, não apenas de suas ações concretas, mas
desafio que enfrentamos. Para isso, acreditamos, com Thompson
dos contextos ampliados que contribuíram e contribuem para a
(1998, p. 22) que
formação de suas identidades, de modo a captar, para além dos
processos formais vivenciados por eles na tessitu.ra dos a história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto
conhecimentos, as complexas e múltiplas redes que se tecem nos o conteúdo quanto a finalidade da história. Pode ser utilizada para
processos de formação pessoal e social reais. alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos de
investigação; pode derrubarbarreirasque existam entre professores
O trabalho com histórias de vida tem sido, no campo das e alunos} entre gerações, entre instituições educacionais e o mundo
pesquisas qualitativas nas áreas de ciéncias sociais e, particularmente, exterior; e na produção da história - seja em livros, museus, rádio
ou cinema - pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram
na área da educação, preconizado e utilizado por inúmeros
a história um lugar fundamental, mediante suas próprias palavras.
pesquisadores, aparece como um de seus métodos privilegiados de
execução (CHAUJ,1983; HAClJITITE,
1995; MEIIiY,1996; AMAro e FERRBRA, O cerne da ação desenvolvida na pesquisa no/do cotidiano são,
1996; THOMPSON,
1998; 1'0" SIMSON,
1988; SOUZA,2000). Os professores portanto, as observações e as entrevistas realizadas com professores.
participantes da pesquisa são considerados como praticantes da No que se refere às entrevistas, trata-se de fazer emergir memórias e
vida cotidiana (CERffiAU,
1994) em interação, com suas representações trajetórias de formação que possanl se constituir como dados para a
e práticas, conhecimentos e processos de formação. Estes precisam, compreensão dos processos e modos de formação das identidades
portanto, ser considerados em sua diversidade cultural, política, desses professores, fundamentais para o entendimento dos valores
social e individual, na medida em que o espaço-tempo da ação e posicionamentos que animam os modos espeáfjcos dos seus
••. 1.-,_~ , ,...,,_._- -t-= >-- -- ":'-"';pro(~ ....;.. ~•••
,., h .•.•.•. A..-ô •••.""..-l1=> fazeres. Por outro lado, sabemos (OUVEIRA
e ALVES,
2001; CHAUl,1983;
vida concretas e ações especiticas.
Detentores de saberes historicamente negligenciados na medida que a elas retomam, redesenhando para si mesmos, a cada momento,
em que são forjados no cotidiano das práticas que desenvolvem, o universo de suas vivências: a memória é criação de identidade,
estes professores e professoras têm importantes contribuições a nos não apenas recuperação de dados "objetivos" a respeito de eventos
dar nesses estudos, por serem aqueles que verdadeiramente dão passados. '
corpo e sentido às propostas pedagógicas produzidas, na maior
o processo de recordar é uma das principais formas de nos
parte das vezes, longe deles. Colocar em evidência a palavra e a identificarmos quando narramos urna história. Ao narrar uma
memória, imagética e/ou verbal, desses grupos silenciados pela história} identificamos o que pensamos que éramos no passado,
quem pensamos que éramos no passado, quem pensamos que
modernidade tecnicista é um desafio que requer o trabalho com
somos no presente e o que gostaríamos de ser. As histórias que
suas próprias histórias, suas narrativas possíveis a respeito das relembramos não são representações exatas do nosso passado,
80 Currí([l/ns pralicndos: elltre n regulação e li emancipação
Elementos de arimtaçao metodológica para a pcsnui~(/ lloldo col,.d. ri
-"i" I . la/lO as escolas 81
!
ensinado ano após ano, turma após turma, vai ser trabalhado
instâncias de prática como da formulação de propostas e,
diferentemente por professores diferentes, em turmas diferentes,
em situações diferentes. considerada em sua complexidade, pode contribuir para o estudo
das realidades escolares se a entendemos como componente de uma
É nesse sentido que entendemos as práticas curriculares
rede de saberes e de práticas nos cotidianos escolares. Portanto, é
cotidianas como "multicoloridas", pois suas tonalidades vão
preciso estudar os cotidianos enquanto tais, se queremos pensar na
depender sempre das possibilidades daqueles que as realizam e das
contribuição que esses estudos podem trazer ao pensamento
drcunstândas nas quais estão envolvidos. Se desenvolvemos esse
curricular e à tarefa de elaboração de propostas curriculares realistas
pensamento em relação aos debates em torno dos limites e das
e adequadas às possibilidades emancipat6rias das diferentes
possibilidades do desenvolvimento de práticas progressistas nas
realidades.
escolas,vamos ter que assumir a presença de uma tensão pemlanente
Assim, a formulação de uma proposta curricular poderá ser
entre os elementos regulat6rios, tanto das propostas quanto das
portadora de um potencial emancipat6rio se e quando esta for
nossas convicções e possibilidades de ação e os elementos
fundamentada em uma epistemologia crítica e suficientemente
emancipat6rios (ou progressistas) que também se fazem presentes
em propostas e ações. flexível para se manter aberta às possibilidades reais dos professores
que a utilizarão, respeitando-lhes os saberes e subjetividades, bem
Buscando superar a dicotomia hierarquizante fundamentada
como aos de seus alunos.
na redução do real a modelos de comportamento monoliticos, vamos
Para formulá-la, portanto, será necessário recorrer tanto aos
considerar nesse trabalho que não há nem propostas nem práticas
estudos epistemol6gicos e formais quanto a elementos vinculados
que possam ser inequivocadamente identificadas com a regulação
_.• ~ ~ pm:"\nr1T"i'ldn() PTPto f' o branco não são 3'i cores que nos aos saberes e convicções docentes e às suas práticas, de modo a não
-4_1'"\"'''' np~ -r-rf''lrricâo inviável nem no espontaneísmo da
pernlltenl captdI d compl~XJLldUt: e d 11Y1.lt'.l.d UI;;,::,Z,t;, pIU L.::>.>V.::>.
••.. LI"
hipervalofl.z,açdO U~ prdtIld::Jo l{uc Ul:\'t.:H.;:lU ,J. •.••.••••••.••.•
primeiro lugar, porque propostas de inspiração emancipat6ria não r'vU •.Jl\....iUIl~ .••.•.
garantem práticas emancipat6rias, do mesmo jeito que propostas cristalizadas. Deixando a sistematização epistemol6gica, já
desenvolvida em outros momentos do trabalho, trabalharemos
em tom mais regulat6rio não implicam necessariamente práticas
regulat6rias. Em segundo lugar porque a tensão entre a regulação e metodologicamente sobre as práticas pedag6gicas, os~ignificados
a emancipação não representa uma dicotomia, nem mesmo uma que llies atribuímos e as variáveis que llies são constitutivas,tentando
gradação linear. São apenas p610sanaliticamente estabelecidos para aprender com elas sobre as possibilidades de ampliação das práticas
nos auxiliar na tarefa de busca de práticas e de saberes mais pedag6gicas emancipat6rias e de sua institucionalização.
emancipat6rios do que aqueles que hoje se apresentam como É freqüente que os estudos voltados â compreensão das práticas
dominantes. A regulação e a emancipação devem, portanto, ser reais esbarrem nas dificuldades que temos em "extrair" da
complexidade que lhes caracteriza os indicativos que podem nos
r-
Currículos praticados: elltre a regulação c {/ emancipação Elementos de orirmtaçiio met d l' .
84
II o o 0gIca para a pesquisa /lalda coUd,.o"
" () d as csco 1as 85
quantificador em "pequena escala", dominante na nossa formação, ruas pejadas de letreiros que sob e Tamara.Entra-se nela por
não'"veem COIsasmas sim figu ressaem das pa re d es. O s olhos
permanece atuante, mesmo quando percebemos sua inadequação. ras d.
coisas:a tenaz indica a casa do e COIsas que significam outras
Carla Ginzburg (1989)nos fornece alguns elementos para a superação a a Iab ar d a o corpo da guard arranca-dentes
b ' a garra f a a taverna
desse problema, contribuindo, portanto, para a leitura dessas ~státuas e escudos representa~ ~õea:ança.romana a ervanária~
SITIal
de que qualquer coisa_ sabe I" ' gol!inhos, torres, estrelas:
práticas. Antes, portanto, de mergulharmos no trabalho sobre os
"dados" da nossa pesquisa, as práticas educativas na escola, e sobre
le"ãoou golfinho ou torre ou
veem-se as estátuas dos deus
eS;~:I: o que - tem por símbolo um
. [...J Da porta dos templos
os significados que lhes podemos atribuir, passemos ao atributos: a comucópia a c1' e~d'representados cada um com seus
~ ,epsI ra a medusa I
esclarecimento necessário a respeito do "paradigma indiciário" do r~confi ece-Ios e dirigir.lhes as or ' _ ' pe o que o fiel pode
tiver nenhum letreiro ou fi açoes certas. Se um edifício não
autor, pois será também a partir dele que trabalharemos nessa leitura. gura, a sua próp' f
ocupa na ordem da cidad b na orma e o lugar que
' . e astam para i d.
Pal aclOreal, a prisão a fundo - d n lCara sua função. o
, ' Iça0 a moeda a I d . .
o b ord e.I Ateas mercadorias que os vendedo' esco - a e antmética '
Ginzburg e os indícios
nas bancas não valem por. ,. res poem em exposição
O problema que se colocapara a compreensão de uma realidade coisas: a fita bordada par SI frpropnasmas como sinais de outras
a a onte quer d. i'.
que é, como já vimos (capítulo 2),múltipla, enredada, imprevisível, d Ourad a poder, os volumes de AverrOlSsa ,. ."lzer. e eganaa, a liteira
tornozelo volúpia O olha plenaa, a pulseira para o
singular etc. relaciona-se, entre outras coisas, com o fato de termos .d d. . r percorre as ruas c ' .
a a a e dIZtudo que devemospe nsarf orno .pagmasescritas:
hábitos e modos de pesquisar e de "fazer a leitura" dos dados que e enquanto julgamos visitar Tam l~z.~oS , repetir o seu discurso
nom es com que ela se defin. ara nmtamo -nos,a regtstrar . os'
não consideram essas características da realidade. É aqui que a idéia e a SI mesma e a tod
Corno realmente é a cidad b as as suas partes.
de captação e uso dos indícios ganha importãncia, na medida em e 50 esse denso. 'I
que ela contém ou oculta o h . InVOucro de sinais o
que busca superar a impossibilidade de se compreender tantos e (2000,p. 17-18). ,ornem SaIde Tamarasem tê-ia sabido
tão enredados elementos, aos quais não temos acesso direto devido
às suas características, através da percepção e do uso dos indícios Considerando essa impossibilid d d
tal,Ginzburg nos remete à necessidad: d:: ~:ar o real enquanto
fornecidos pelas práticas reais.
que ele apresenta Ler s' . a ar sobre os indicias
Começo essa parte do trabalho com mais um belo texto de Halo . lnalS compree d '
significados daquilo que nã; aderno n er atraves deles alguns
Calvino que nos mostra um pouco do que os sinais nos ensinam, ao
captar neles elementos de realidPad _ s dommar de outro modo,
mesmo tempo que exigem de nós o recurso a saberes e vivências e nao compreen' .
meiostradidonais de pesquis 'di SlvelSatravés de
anteriores para que os compreendamos, num processo de artirulação procuramos resumir a segw' a(~ sso que o seu texto nos fala e que
entre o que eles dizem" e o como os podemos interpretar.
/1 r INZBURG, 1989,p.143-180)
O autor inicia com uma d. - .
As cidades e os sinais morellianol9 de reconhecimentol~cus~ao a respeit; do método
O homem caminha durante dias pelo meio de árvores e pedras. :::-:::-_________ e pmturas, genumas ou falsas
Raramente o olho se detém sobre alguma coisa, e só quando a WC' . '
lOvanm Morelli era italiano.' •
reconhece pelo sinal de outra coisa: uma pegada na areia indica a pseudônimo, um método para' aV~;~ ~o_seculo XIX e construiu, so'b
passagem do tigre, um pântano anuncia um veio de água, a flor do baseava no reconhecimento de deta;h~IÇao ~e quadros antigos, que se
reconhecer a "singularidade" do artista. s e nao das grandes linhas para
:
86 CUfrEel/lo:. praticados: tlltrl! 11 regI/fação c a emollcipaÇtio Elementos de oriclltnçtfo mdudlJMgiClll'ara n pcsquisa "o:do L"Olillim/lJ 1111:>('xV/,1:> "7
I
onde o esforço pessoal é menos intenso", o mesmo autor vai assoaar talvez infinitesimais pennitem captar uma realidade mais profunda,
o que este diz com a psicanálise freudiana, segundo a qual os nossos de outra forma inatingivel" (CL'lZBURG, 1989,p. 151).
pequenos gestos inconscientes revelam o nosso caráter mais que A emergência desse paradigma indiciário no final do século
qualquer atitude formal, cuidadosamente preparada por nós. Ou XIX,segundo Cinzburg, vem de raízes bem mais antigas, do tempo
seja, é nos gestos naturalizados peja formação daquilo que somos em que o homem era caçador, o que exigia dele aprender a
em todos os espaços sociaisnos quais nos inserimos que expressamos
reconstruir as formas e movimentos das presas invisíveis pelas
o que há de mais profundo (enraizado) nas nossas identidades. pegadas na lama, ramos quebrados, bolotas de esterco, tufos de
O próprio Freud buscou essa relação, e a descreveu dizendo: pêlos, plumas emaranhadas, odores estagnados. Aprendeu a farejar,
"prescindindo da impressão geral e dos traços fundamentais da registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de
barba. Aprendeu a fazer operações mentais complexas com rapidez
~ .••.•..•
-- -1 •...• r-ln.-","""mfT~rin q
,...,..""'"- im['1Ort~nriacar"'ctpn<;;,tic.a fnlm:ifVInt",~nn inh~TioTde umdenso bosque ou numa clareira cheia
dus detalhes secundarlos, das partICuldndades mSlgnlhcrJIltes {...J ü..tu" .• \l'>v;. J-'. loil,.
Ut; •...
recons t rUlV .
• eI's somente através de pIstas, . t o mas indícios" (id.,
Sln I
ib., p. 154). • . da realidade ulteriormente - dos elementos pertinentes" (1989, p. 157). Explica
Ginzburg afirma que essa negação da transparenoa que este processo consistiu no seguinte:
. . d' "' . de fato operante em esferas de
legitimav~ um paradIgma m !oano ermaneceu implícito,
i~icialmente, foram considerados não pertinentes ao texto os
atividade muito diferentes, mas que P . d I d
elementos ligados à oralidade e à gestualidade; depois, também os
esmagado pelo prestigioso (e socialmente m,:,s ~levad:~:;o~t:ri: elementos ligados ao caráter físico da escrita. O resultado dessa
h . ento elaborado por Platão. Essa polermca, qu _ dupla operação foi a progressiva desmaterialização do texto,
con eom _ frid s pelas noçoes continuamente depurado de todas as referências sensíveis: mesmo
.a G reCI
. 'a "a par das transformaçoes so a d
Portanto, I ra
,.. .", (id ib P 156) teria encontra o a cesu que seja necessária uma relação sensível para que o texto sobreviva,
de 'rigor' e ClenCla 'd"
'1'1' a científico centrado o texto não se identifica com o seu suporte. [...] a noção de texto
definitiva "no aparecimento de um para!gm. d d que acabamos de invocar está ligada a uma escolha cultural, de
na física galileana, mas que se re~e Iou mUI.to malS dura ouro o alcance incalculável Od., ib.). .
que e Ia "('d1"/ !'b).. Nesse sentido, dIZ: De fato, através dessa noção profundamente abstrata de texto,
, de diso linas que chamamos de indi?árias com suas potencialidades de desenvolvimento rigorosamente
E claro que o gTupo -o ,pentra ab 50 lutamente nos critérios de
d O<' )
manutenção dessas características, que as imagens expressam e os revalorização das vozes daqueles que, atuando nas salas de aula,
textos procuram esconder. têm sido negados enquanto sujeitos de saber pedagógico, um dos
objetivos da pesquisa no/do cotidiano escolar. Nesse sentido, o
Portanto, um dos motivos por que o uso de material imagético
trabalho com a imagem surge como possibilidade de captação de
é metodologicamente importante na pesquisa no/do cotidiano
fluxos comunicadonais que estiveram sempre presentes nas escolas
reside, exatamente, no fato de ele conduzir às múltiplas realidades
mas que só agora começam a ser objetos da devida atenção (CALADO,
captadas pelas imagens, não traduzidas em textos, sejam eles
op. cil., p. 12).
discursos e propostas oficiais ou de outros tipos. As imagens são
Por muito tempo, em uma sociedade que foi formada em torno
portadoras de possibilidades de compreensão ampliada do que é e
do sentido da visão e da perspectiva, não se compreendia a
do que pode ser a prática pedagógica real, escamoteada e tomada
importãncia da imagem para o conhecimento da realidade. Essa
invisível" a olho nu" pelas normas e regulamentos da cienlificidade
posição começa, hoje, a ser subvertida, e estamos colocando sob
moderna, da hierarquia que esta estabelece entre teoria e prática e
suspeita o que poderíamos chamar "o império da imagem" como
dos textos produzidos nesse contexto.
evidencia Calado (id., ib.). É preciso reconhecer, no entanto, que
Podemos, nesse sentido, reafirmar o que nos diz Samain a
este movimento se dá sob esse mesmo "império" crescente, e, ainda,
respeito do uso combinado de textos e de imagens em pesquisa.
quanto ao espaço-tempo que ocupa em nossas vidas. Com isso,
Esses registros, é verdade, partem de lima observação, ambos são é quase impossível falar de algo ou expressar uma realidade sem
repres.entações. Resta que essas observações, essas representações, usar imagens - sejam literárias, sejam visuais, Mais que isso, a própria
essas mterpretações conjugam-se diferentemente em função dos
crítica só pode existir na medida em que dominemos, pelo uso e
suportes utilizados. O suporte imagético não funciona da mesma
maneira que o suporte verbal. Cada um põe em obra operações pelas teorias, lodo esse vasto campo.
cognitivas e afetivas singulares (1997,p. XVIlI).
É a subversão do principio de referência que presidia à constTução
das imagens tradicionais que constitui, hoje em dia, uma das mais
No mesmo sentido, na medida em que se almeja entender as
significativas ambigüidades sobre a qual, enquanto cidadãos e
realidades para além do que nelas é quantificável e organizável de educadores, devemos refletir (id., ib., p. 13).
rlf"finid()~ rp1n rpn~mpnto moderno ..
- ---~1"l,-~-I"'l<!-'F"1'":Ímf"tr~
~',it'l;-,1(~,4," ';, ~ .•~A""t.n"!;m9-f!'m("(lmof'vidpnda.estarelllos
a imagem aparece com pos~lblhdddL':' IldU lIl:'Lntd::> t:.'lH uUl1v;')
materiais, visto ser ela considerando-a como Ull1a realiddde compkÀd t:, Hllu,
pVll •. .IIuV
imagens como Debray, segundo Achutti, para quem, "para uma reais possíveis a partir da imagem "congelad " .
imagem alcançar eficáciasimbólica, não basta que seja vista, ela tem viajar neles. a que nos penrute
que ser interpretada por um sujeito que compartilhe dos códigos
As fotografias [ I o fixam I
simbólicos carregados pela imagem" (1997,p. 47). tempo e do mu'~doe o con~~=c~adorJ num congelamento do
Enteí,demos assim que essa complexidade e as possibilidades memória. r... 1 djante da foto rafi entrar na espessura de uma
arqueólogo (id., ib., p. lJ). g a, tornamo-nos viajante e
que ela abre para a pesquisa no/do cotidiano (OUVElRA e ALVI'S,
2001)
tornam a imagem e a sua utilização uma condição fundamental
. O enriquecimento das observações e dos depoimentos dos
nesse trabalho que busca, nas inúmeras realidades cotidianas sUjeItos pesqUlsados, proporcionado pelo uso de s
,;venciadas nas escolas,o que nelas há de emancipatório em relação f t áfi - eus acervos
o ogr cos pessoais, torna-se, desse modo um p d'
aos modelos e aos procedimentos regulatórios. metodoJó' fu ' roce 'mento
. gtco ndamental para a pesquisa no/do cotid'
Prontos para dialogar com essa tendência dominante, medIda em que d lano, na
I' . p~ e nos permitir superar tanto os limites impostos
colocando-nos no campo da crítica, a pesquisa no/do cotidiano pe a dlcotOlruzaçao e hIerarquização entre os saberes e fazeres com
assume a possibilidade/necessidade de falar dos cotidianos das tão os quaIs e nos quais estamos envolvidos quanto as limit _
diferentes escolas existentes, buscando sua história a partir da fala escolh d d açoes que as
as os mo os e dos termos de narrá-los t-
em representado.
de seus sujeitos, fazendo uso, também, da imagem, sobretudo de
imagens corporificadas em fotografias da ,ida social cotidiana, Saberes científicos, saberes cotidianos'
dentro e fora das escolas, entendendo, com Pais que: de volta a Ginzburg .
Nesse deslizar do olhar pelo social - nos seus aspectos mais Discutindo a questão terminológica Ginzburg afi
particulares, addentais e superfidais - o fotografar é um processo embora as diversas disciplinas cientificas t ' h . rma que,
d . ~. en am se serVido a partir
de capturar o fugaz que o olhar vagabundo do fotógrafo (ou do o mlOo do século XVU, de terminolooias semelhantes J.' .
sociólogo)possibilita(op. cit., p. 107). igu I o., amais se
a aram através desse procedimento. Ao contrário oautorafim
Portanto, é à riqueza que emana das fotografias, com todos os por exemplo, que o uso do termo" caracteres" 'd 'a,
ob' t . , para escrever seus
seus detalhes aparentemente supérfluos, e a suas possibilidades Je os, crIou uma identidade aparente que serviu na verdade
abertas de entendimento, ambos fundamentais para a compreensão para ressaltar mais ainda a heterogeneidade entr I' ,
. eeas.
do entorno da situação fotografada, da compreensão que os atores O seu grau de cientificidade na ace ã~ rI
dela têm, enquanto momento registrado das suas trajetórias de vida, bruscamente, à medida que da~ ga I.eana dO"tenn.o, decrescia
geometria passava-se às "pro . dP~opnedades Universais da
que endereçamos nosso maior interesse. Samain nos alerta, escritas e d . " pne a es comuns do século" dao::
entretanto, para o fato de que a "imagem fotográfica é uma insoição, pinturas ~ oe:~lt~~:s ~:~~r::~adeI PjrÓQPriasindi\~iduais"da;
uma marca, uma pequena queimadura de luz sobre nitratos de prata; individuais eram considerado~ las: '.. uanto m~IS os traços
possibilidade de um conhecim: Pter~ne~fites, tanto maiS se esvaía a
sempre o (ndice de um real, e que não existiria sem o seu referente" .
abrIam-se duas vias. ou 5a cnT
...no aenh 1CO rigoroso N .
. esse ponto,
(1997, p. 10).'1A fotografia não retrata a realidade: ela nos indica individual à ~nera'liza ãO lCaro conhedmento do elemento
apalpadelas, ugmparadigmÇ
a ~:f.l outPrfu°curarelaborar, lalvez às
. f I eren e ndado no co I .
Clentí ico (mas de toda unla c' t'f"'d n 1cclmenlo
21 O!' ~rifos são do autor. . d. .
111
c
l\'ldual (1989,p. 163). Icn I ICI ade por s d f' ') .e e II1" do
94
CurrÍL'ulos praticados: e/ltre a reguinçtiu e fi C'mancipação
E1l!lIlcn/os d!' llricntl1l;ão mcJudulógicn para fi pó'1l1i:,a no/du cutidlllllO das ('seu/,Is
nos l1vros mdS d VIVd voz, pelos gestos, pelos olhares; fundavam-
se sobre sutilezas certamente não. formalizáveis, freqüentemente
nem sequer traduzíveis em nível verbal; constituíam o patrimônio,
em parte unitário, em parte diversificado, de homens e mulheres
pertencentes a todas as classes sociais.Um sutil parentesco os unia:
todos nasciam da experiênda, da concretude da experiência. Nessa
concretude estava a força desse tipo de saber, e o seu limite _ a
incapacidade de servir-se do poderoso e terrível instrumento da
abstração. Desse corpo de saberes locais,sem origem nem memória
ou história, a cultura escrita tentara dar a tempo uma formulação
verbal precisa. Tratava-se, em geral, de formulações desbotadas e
empobrecidas (id., ib., p. 167).
Regulação e emancipação 110 cotidiano
da escola: o que dizem as práticas
podenl0S fazer entre essas práticas observadas e os elementos da como: a relação entre pesquisadores e equipes pesquisadas,
formação de Sandra~' em outros espaços estruturais (SANTOS,2000) entendida como uma relação de poder - fundamentada na
usando ~ para isso, partes do depoiIl1ento que esta nos concedeu-, hierarquia entre os diferentes saberes - a ser transfOlmada em relação
vamos buscar perceber a complexidade e o caráter reticular da de autoridade partilhada; a presença de valores hegemõnicos e
formação que condiciona nossa ação sobre o mundo €, neste caso contra-hegelnônicos nos processos interativos que dão forma a
específico, as práticas curriculares desenvolvidas por Sandra no muitas das aprendizagens; as reinvenções curriculares operadas
cotidiano da escola em que trabalha. Muitos são os temas incluídos através do recurso a múltiplas formas metodológicas de se trabalhar
nessas redes. Em função dos lintites deste livro e dos nossos próprios, os conteúdos escolares e a questão da avaliação e de como ela penetra
escolhemos discutir apenas aqueles que nos pennitem articular as o cotidiano muito além dos momentos a ela dedicados
observações e registros de campo com algumas das questões que explicitamente.
levantamos teórica, política e epistemologicarnente nos capítulos Acreditamos que considerar de modo sempre articulado as duas
anteriores.
grades de leitura, tematizando os relatos e observações, poderá
Com o objetivo de. compreender o fazer das professoras, contribuir para a formulação de algumas articulações que
considerando o processo de tessitura desse fazer como vinculado pretendemos estabelecer entre a dimensão cotidiana da formação e
aos seus processos de formação, duas são as grades que nos ajudatn. da ação docente e os elementos mais estruturais intervenientes.
Por um lado, vamos perceber os processos de formação das A escolha deverá nos permitir trabalhar sobre a complexidade do
subjetividades com Santos (2000), que propõe uma grade de leitura cotidiano do fazer pedagógico, simultaneamente às dilnensões
das sociedades a partir de seis espaços estruturais, que políticas e sociais mais amplas que nele interferem e com ele
consideraremos como espaços privilegiados de inserção social- o dialogam.
doméstico, o do mercado, o da produção, o da cOlnunidade, o da
cidadania e o espaço mundial. Com isso, podemos afirmar que a Entrando na escola: a aprendizagem mútua
formação daquilo que sornas se produz nos modos como nos da autoridade partilhada
inserilno,; em cada um desses espaços e nas articulações entre esses
A própria forma de se entrar no universo da escola a ser
l1luJu:::.Jc lll:>tl':,.lU. <ilbLll1l<.l.:> .:>llu,!-"suc,,>, U1H<.l
l'Ul ULll1U luJu, LiH
pe::.qw::'dJdlllereU::Ulltdúlul':,ULil.J}Jl.U...J'-:i.u..ulJ,_',~_i'~L_'l"i-lllt t I~"
classificação mais voltada para os processos de formação docente,
wna pesquisa que pretenda compreender as professoras, seus modos
formulada por Alves (1998), nos pennite captar algumas dimensões
de trabalhar e os valores que deles participam, sem um caráter de
específicas da fornlação das subjetividades docentes e, por isso, nos
julg~m~nto e estabelecimento do que está" certo" ou," errado".
serve, também,
articulação
de base. Considerando,
que ambos os autores reconhecem
ainda, a permanente
entre os diversos
r!-
primeira preocupação é, portanto, não en~ar na escola c~mo
alguém que detém um saber superior e que, por ISSO,pode avaliar a
elementos de suas grades respectivas, o trabalho sobre as observações
práticada~~?feSso~as/A idéia é criar wna cumplicidade possível,
e registros de Fátima não será estruturado dissociando-os, mas sim
de modo a que cãda professora permaneça ã vontade no seu fazer,
a partir de grandes temas que habitam a complexidade do cotidiano,
mantendo-o igual ao que ele era antes da pesquisa, condição para a
23 Professor das turmas nas quais a pesquisa se realizou. compreensão. Para além desse fator, se temos interesse político em
..L
wo CllrríCII/(lS praticados: entre a regulação c a emancipação
Rrgulação c emancipação 110 cotidiano da escola: o que diz.em (/5 práticas
101
-..----
." cotidiana nas escolas, esse registro nos serve melhor como
.
.~:.. "
"', ,t. contribuição para a compreensão da complexidade que envolve
nossos fazeres cotidianos do que para avaliar a postura da "escola"
cmTIO conservadora ou progressista. Acreditamos que esta
classificação dicotomizante e hierárquica tem servido muito mais
aos interesses da manutenção da desigualdade na relação entre os
"saberes científicos" das "autoridades" políticas e intelectuais e os
"saberes práticos" dos professores do que a investimentos na
melhoria da qualidade - pedagógica e política - dos fazeres na
Falo l-Mural de N.1tal feito por professoras. escola. E é também no sentido de combater essa desigualdade que o
nosso estudo se volta para a compreensão das redes de saberes e de
fazeres envolvidas em toda ação pedagógica.
Ou seja, antes de nos precipitarmos em acusações, é preciso
que estejamos atentos aos limites reais das possibilidades que têm as
professoras de desenvolver práticas transformadoras, aos
constrangimentos e saberes/valores aprendidos das mais variadas
formas nos mais variados contextos e que interferem nos desenhos
dessas práticas sem que, necessariamente, estejam a serviço da
reprodução.
Quanto'à organização da sala de aula, esta é bastante clássica,
com as carteiras enfileiradas (foto 3).
Foto 2 - Mural de Natal com produção infantil.
Na continuidade de sua obselVação, Fãtima narra uma situação impossibilidade disso acontecer, Ela falou que tinha uma idéia para
bastante mteressante que evidencia a articulação entre a ação o campeonato, que era promovê-lo entre as três 4lU séries. Os alunos,
ao ouvi-la, gostaram da idéia e pediram um tempo da aula para
ped~gógica de Sandra e os valores nos quais acredita e que procura
organizarem o campeonato, o que foi aceito pela professora, que
praticar. No debate sobre a questão das formas de exerócio da cedeu o horário final do dia. (O campeonato incluiria] um dia para
autondade, vemos que, enquanto autoridade constituída, Sandra as meninas e outro para os meninos, e ela disse que esta organização
representa a norma, o pólo da regulação na sala de aula, e atua como iserve para] os meninos não monopolizarem a mesa de tot6,
impedindo que as meninas também joguem.
tal. Porém, ela pode -e o faz -agir em prol da emancipação. Dito de
outro modo, esse exerácio de autoridade nem sempre pode ser A igualdade de direitos entre meninos e meninas que Sandra
encarado como negativo ou reprodutor, na medida em que as busca promover indica sua preocupação com a ruptura da
professoras mUItas vezes introduzem valores que contribuem hierarquia predominante na nossa sociedade e a promoção da
exatamente para a ruptura da legitimidade da norma fundamentada igualdade. Em si mesma, essa ação rompe com a referida hierarquia.
em processos de regulação não-emancipatórios e criam formas de No que se refere a um dos interesses centrais desse trabalho - as
organização e regulação que contribuem para a emancipação social. práticas curriculares cotidianas -, temos aqui uma evidência de
Ou seja, no que se refere à questão da autoridade, tanto da que, para além da regulação socialpor via da transmissão subliminar
profe~sor~ em relação aos seus alunos quanto dos pesquisadores em dos valores sociais dominantes, amplamente denunciada por
relaçao as professoras, entendemos que é possível usá-la numerosos autores, o currículo oculto inclui práticas
sunultaneamente, e Comigual efeito, para defender valores e normas emancipat6rias, na medida em que, em seu cotidiano, as professoras
instituídos e para romper com valores e propostas tradicionais podem, e são muitas as que o fazem, levar aos seus alunos valores
estabelecendo outras, mesmo que em contexto de conflito' potencializadores de emancipação social.Mesmo tendo sido formada
mISturando assim as idéias e as práticas conselVadoras e progressista ' em uma família patriarcal e numa comunidade para a qual esta
- regu It"a onas eI ou emancipatórias, se mantemos a discussão s estrutura é quase natural, Sandra manifesta defender valores não-
proposta por Boaventura Santos. patriarcais, o que nos permite perceber as redes de elementos que a
O exemplo nos vem da própria ação de Sandra. Diante de uma influenciaram na constituição de suas convicções, para além de
" Ilf"!,,t"I", j, ,:Jl\.jL:'hIT':.~~lrb"..il~...:J.,-_..l"J.II 'J ':':-,' J',l!',.'H\,"-,-;-~ 1i,,~..,
...,."t-r~""V;VfonrT'l'l nnmp(;,tica f>
" ...• "'''V U...J.:xJJ4lL LU!I.
pedido de ajuda, Sandra articulou sua intelVenção sobre a situação comunitária e os valores adotado~ e prabcado~.
de modo a torná-Ia um momento de responsabWdade coletiva e de Em outra parte do relato, Fátima conta uma situação em que
equalização das relaçóes de gênero, através das soluções que propôs Sandra desenvolveu seu trabalho buscando favorecer processos de
para os problemas em torno do uso do totó (pebolim, em São Paulo agrupamento solidário e cooperativo entre os alunos e a justiça no
e outros locais) no recreio. equacionamento de conflitos, como um meio de I/melhorar a
qualidade de vida na sala de aula", segundo indica o nome da
No retorno do re~reio,Sandra teve uma Conversa séria Com eles.
I...] Na sala, ela disse que organizaria o campeonato d'd atividade que, em si só, já evidencia os valores que Sandra abraça
c . d d I pe I o, mas
a. aJu a e es. Um dos alunos levantou a hipótese de cobrar
~m no que se refere a essa questão, bem diferentes aliás da propagada
dmheIro dos alunos que quisessem partidpar do campeonato mas associação entre padrões elevados de consumo e qualidade de vida,
a professora logo reagiu, dizendo que eles sabia~ da
dominantes no mundo contemporâneo.
112 C1m"ferl/O:; Ilraticndos: m/r£' (/ regulaçiio (' a ('mancipaçiio
Regulação c emancipaçiio 110 cofidiano da cE:cOla:o que dizem as pnitims
113
esta foto, vinha um texto escrito que a professora pediu para que
horizontal e "humana" entre ela e eles, que têm a liberdade de se
um aluno lesse em voz alta e para que todos identificassem dois
erros de português existentes. E os alunos responderam. Os alunos preocupar com sua vida afetiva e pessoal.
' comentaram entre si sobre as fotos dos seus colegas e sobre o
desperdício de tirar tanta foto, se os alunos não ficassem com elas. Uma aluna se aproximou dizendo à professora que que~a qu~ ela,
a professora, participasse de um quadro do programa Dommgo
Junto aos comentários sobre as fotos, percebe-se que os alunos Legal" chamado "APrincesa e o Plebeu" para encontrar um home~.
Uma outra aluna queria que a professora ligasse para a FM O Dia
denunciam o desperdício, conseqüente do fato de algumas famílias
para cantar, o que, segundo a aluna, era o sonho da S~n~ra.Sandra
não poderem se dar ao luxo de dispor de R$ll,OO para a aquisição me explicou que ela não tem o sonho de cantar, e esta ,dela da aluna
das fotografias. Chama a atenção, ainda, que Fátima não se refere veio de uma música que ela cantou brincando em sala de aula, uma
paródia da música de Rosanna chamada '~Oamor e o poder", que
aos lamentos daqueles que não podem comprar a fotografia. É quase
ela escutou na estação de rádio Transaménca. Sandra dIsse, em tom
uma fatalidade não ter a quantia necessária. O consumo incentivado brincalhão, que não precisava ligar para a rádio, pois já estava
esbarra na impossibilidade de sua efetivação, desnudando uma das dando uma entrevista, já era famosa.
maiores perversidades da atual fase de desenvolvimento do
Cabe ressaltar a resposta de Sandra à aluna, que considera a
capitalismo, que incentiva um consumo que ele próprio, como
preocupação da menina como relacionada à busca da fama, e não
sisteJna, inviabiliza, através dos inúmeros processos de exclusão
com a realização do sonho em si. Provavelmente, a resposta se
social que vem provocando. Fátima faz referência à consciência dos
inspira em diálogos anteriores sobre o tema, evidenciando, dessa
alunos, observando que eles entendem que /lão é preciso produzir
vez, a adesão a valores contemporâneos, difundidos a exaustão na
algo que /lão será consumido, numa clara demonstração de diálogo
mídia e atuantes no cotidiano da sala de aula, mesmo que em
com os valores do consumismo, ao mesmo tempo em que a idéia do
contradição com outros anteriormente observados.
desperdício pode ser associada a uma forma de consciência
O relato de Fátima acerca de um passeio nos pemute perceber
ecológica. Talvez o significado desse episódio e dos comentários
outras clivisões sociais dominantes que se fazem presentes no espaço-
dos alunos não sejam tão intensos quanto o que indica a nossa
tempo escolar. Ela começa por nos contar que o passeio não estava
leitura sobre eles, mas aponta que, no mundo da escola, se
planejado por Sandra, que aceitou a sugestão da mãe de um aluno.
entrecruzam experiências, saberes eidéiasquese tecem e searticulam
l.oco nn inícindo rpiato, Fátima diz:
t .11...J "',L.i.'. ..1 ..••..••••.. _.lJ. •._~.::~.,J'i n...V..t---.'1.y.... .•1.I11•• .l1ll-'a.fJ'-J
•.•...
fundamental no viver coticliano dos alunos. Saímos da escola às 9:30h, apenas um ônibus, com mais ou menos
Num momento de relativa tranqüilidade na sala de aula, Fátima 45 crianças e dez mães carregando o lanche. Quando chegamos,
. Sandra conversou com eles que queria organização em fila indiana
propõe a Sandra que falem sobre a sua formação. Durante essa
e definiu que cada mãe observaria cinco crianças. [...l. Ao chegar,
conversa entre as duas, Sandra recebeu bilhetes carinhosos de alwlOS deixamos as bolsas nos bancos e as mães começaram a arrumar o
que, conforme já vimos aoma, é uma prática comUIn entre eles. lanche que levaram num outro banco, que era maior.
Como já vimos, tambêm, esta prática traduz um certo modo de
Talvez fosse desnecessário comentar a reprodução do papel
reJadonamento que Sandra mantém com seus alW1os,que écommn,
clássico da mulher na nossa sociedade, evidenciada pela presença
embora seja minoritário no cenário clássico do professor-autoridade.
de dez mães e nenhum pai, e pela não-participação das crianças na
Ainda nesse sentido, Fátima registra duas propostas interessantes
organização do espaço para o lanche, mas faço questão de registrar
dos alunos à Sandra, que evidenciam uma relação bastante
o fato em razão do significado que dele extraio sobre a potência dos
116 CurrfCll/os praticnrios: c,,'re n resu/nçiio e (I emancipaçiio
RCSlllaçiío c cmaflcipnçiio 1/0 colidi/mo dn t.'scoln: o que dium ns prdticas
117
.
valores sociais domInantes, apesar d e todas as. tentativas
andrade
Futebol é para homem! Pular corda e conversar no balanço,
ques t.oná-Ios
I
no seu fazer cotidiano, desenvolvIdas
di . _ por S .
para mulheres! Não está dito, mas é tão clara a tendência de a
O relato traz, ainda, uma outra faceta dessa VIsao:
organização do lazer infantil ainda seguir esse padrão, que não há
nino~ começaram a jogar futebol, necessidade de alongara comentário. Os acordos possíveis se dáo
Logo após o lanche, os me . "no brincavam de pular
. . nto com um mem ,
enquanto as memnas, JU b. 'dniras Ourras meninas nos jogos mistos, ainda restritos, como o queimado, que serve para
b d erra e outras fine" \: .
corda, de ca o. e.g~ r de balanço. Sandra participou de todos e é resultado de mais uma saudável negociação dos conflitos
conversavam ou. bnnca\ am "'Igumas mães, sendo
b. d' as e conversou com" . desenvolvida por Sandra, que envolveu até as mães. Fátima conta:
algumas
. nnca
.d ClT
algunc:momentos, pn 'ncipalmente por meninOS
mterrompl a em ~ . t o no banco de reservas ou Algumas meninas queriam que os meninos emprestassem a bola
que reclamavam de estar ffi]UJto e~Pgo que ec:tava batendo muito
outros que reclamavam de a gum aml _ para jogar queimado, mas os meninos não aceitavam parar seu
durante o jogo. jogo alegando que a bola era deles e que as meninas deveriam ter
trazido a sua, o que levou as meninas a queixarem-se com Sandra.
Ela estava conversando com algumas mães, o que provocou uma
polêmica entre uma delas que achava que os meninos deviam
emprestar a bola às meninas e outra que era contra. Sandra foi aos
meninos e conversou com um grupo de meninos c meninas,
dizendo aos meninos que não custava nada emprestar a bola para
que elas jogassem uma partida de queimado, da qual eles também
poderiam partidpar. E assim as meninas jogaram queimado Com
alguns dos meninos, depois voltava-se ao futebol, e assim por diante,
até o fim do passeio.
I
I Foto fi - O "acordo" do q~cimi'ldo.
compartilhar a bola com um maior número de crianças, sobretudo A denúncia a que se refere Fátima merece aqui um pequeno
quando vemos, na imagem apresentada, a presença de apenas um desenvolvimento, pelo seu significado político. Na permanente
menino. A pensar.
tentativa de criação e de desenvolvimento de mecanismos
regulatórios, as atuais políticas educacionais, reconhecendo nas
A importância dos fatores "negligenciados" escolas a presença de redes de saberes complexas e.plurais, têm
da realidade cotidiana
procurado propor formas de ação pedagógica que incorporem essa
Em outra visita, dessa vez nUIna turma de 4tl série, da mesma complexidade, mas no sentido de ampliar o controle sobre elas.
professora, Fátima toca em uma questáo muito significativa para O O exemplo dos PCNs ê emblemático. A introdução dos chamados
debate que queremos trazer agora: a volta da aula de Educação "temas transversais" nas grades curriculares das escolas surge, nesse
Física. contexto, como uma tentativa de" colonização do mundo da vida"
pelo sistema (HABERMAS, 1987).Ou seja, os temas transversais referem-
Quando cheguei, os alunos tinham vindo da Educação Física, que
ocorre na Quadra da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro se a dimensões da vida cotidiana que sempre estiveram presentes
em frente à escola. Estavam indo em grupo para beber água n~ nas escolas e, portanto, no fazer docente. A ética, o meio ambiente, a
beb~d.ouro.No quadro, ~avia exercidos de preposição para serem saúde;higiene, a pluralidade cultural e a orientação sexual sempre
corngJdos antes do recreJO, mas foram corrigidos depois do recreio.
foram e são ainda questões que emergem nos cotidianos das salas de
. O interesse de Fátima, a partir de conversas anteriores que aula e sáo trabalhadas pelos professores na medida das possibilidades
tivemos no grupo de pesquisa, volta-se para aquilo que chamo e características destes e de seus alunos. Ao defini-los como temas
"rebeldia do cotidiano", que não nos permite controlar tudo, por "obrigatórios" e propor formas específicas de traball,á-Ios, os PCNs
maiS que e~teJamos com um "bom planejamento" para nossas buscam aprisionar o trabalho docente em um formato definido pelos
atividades. E a própria Fátima que lembra: "experts", reduzindo, a partir daí, não sóa autonomia dos professores,
como a própria complexidade da realidade cotidiana, a uma "receita"
Esta situação aci_ma, sobre um planejamento de atividade que
de como devem atuar os professores. O que aparentenlente é
ac~n~ece~,'
mas nao no momento planejado, espeJha a "rebeldia do
-~-- •. _. {. f __ "_:R~_ •.•••.<'I:"-'- .....:-.... . ampliação e reconhecimento da .riqueza do cotidiano, na verdade
lJUI,., ~l HI~J~ lJU~ d C::JI..Ui.J ~t:JI1 um dmt.Hcllte lurm<.1i _ ~ublllend,J d 'I' •••• •••• UI •• I ., ••• '.." •••• ,
~ -- ~
•.••• ~ ••••
-
t~ntAah~as Incessantes por parte do Estado de controlar a sua
que buscam liJnitar o potencial emancipa tório das ações que não se
dma.mlca, com. o ~r6prio exemplo dos PCNs [Parâmet.ros
Cumculares Naaonals], que vêm disdplinar conteúdos antes não- dirigem aos conteúdos clássicosde ensino. Finalmente, cabe lembrar
escolares, quando estes já faziam parte da prática educativa das que, em sua imensa maioria, as sugestões elencadas nos PCNs
profes5~ras, notando que o interesse não é melhorar a qualidade negligenciam as possibilidades de ação real nos contextos escolares
do ~nsmo, mas tentar enquadrar, formalizar o cotidiano,
conslderand?-o um objeto que pode ser apropriado e manobrado e de formação - pessoal e formal- dos professores.
-, a compleXidade do seu c~tidjano faz a escola não ser um espaço Fátima segue seu relato, referindo-se à agitaçáo da turma, que
apena:, ~ara saberes formaIs para também incluir outros saberes.
ela avalia como vinculada náo só à aula de Educação Física, mas
Is~onao Impede que o planejamento ocorra, mas é predso que seja
feIto de uma forma aberta à dinâmica dos acontedmentos da sala também à sua presença. Com relaçáo a esse ponto, duas são as
de aula e do que os alunos trazem dos seus cotidianos. observações que julgo necessárias, ambas relacionadas à relação
entre planejamento e cotidiano. Em primeiro lugar, embora seja
120 Currículos praticados: mire a regulação e n emancipação Reglllaçno c emancipação 110 cotidiano da escola: o que dizem as prtíticas
121
sabido por" todos" que após uma aula de Educação Física os alunos esses momentos é exatamente sua imprevisibilidade, lllas é preciso
vêm agitados, é bastante raro que essa variável seja considerada na que comecemos a entender esses pequenos eventos do cotidiano,
elaboração de horários nas escolas, que costumam levar em conta não como desvios ou falhas no controle das sitnações, mas como
apenas as cargas horárias formais das diversas disciplinas. Esse constitntivos da vida e da dinãmica escolares (e da vida em geral) e
"dado" 'do cotidiano, não-quantificável ou controlável, costuma que, portanto, exigem um tratamento diferente do que lhes tem
ser negligenciado por aqueles que elaboram O planejamento, sido concedido nos planejamentos de horário e mesmo na
freqüentemente profissionais desvinculados das salas de aula e que, formulação de programas escolares, ancorando-os mais na vida real
portanto, não costumam sentir os efeitos desse fato. Arrisco a dizer e menos nos elementos quantitativos e organizáveis que dela fazeln
que essa postnra deriva diretamente do caráter burocrático e formal parte.
que assumem esses planejamentos, sem compromisso com as
possibilidades reais de efetivação ou com as singularidades de cada o poder da avaliação no imaginário
sitnação - como é o caso citado das" sugestões" de trabalho com os e no cotidiano infantis
chamados temas transversais.
Ainda com relação a essa meSlna situação de agitação, uma fala
A aula de Educação Física é apenas uma dessas tantas variáveis de Sandra, estrategicamente produzida para tentar diminuir o
"qualitativas" que habitam a realidade cotidiana das escolas, mas "caos", evidencia o tipo de relação que perpassa o imaginário infantil
não habitam os gabinetes da maior parte dos que as planejam. quando se trata de avaliação. Fátima explica:
As diferenças reais nas situações de aula não cabem numa grade
horária voltada para as frações de tempo destinadas a cada disciplina Quando todos os alunos, ainda agitados, também pela minha
presença, já tinham ido ao bebedouro, ela (Sandra) me apresenta à
e a cada professor. As aulas, antes ou depois do recreio, as primeiras
turma dizendo que eu era uma representante da Escola Francisco
ou últimas de cada dia, as dos diferentes dias da semana, entre Manuel, escola do segun~~ segmento do Ensino Fundamental, para
outras, são algumas dessas diferenças, vividas e sabidas por onde boa parte deles ua, e que tinha vindo para observar o
com~ortament~. da turma, para avaliar se a turma tinha condições
professores, desconhecidas e ignoradas pela maior parte dos
ou nao de frequentar aquela escola, o que me provocou risos ao
"planejadores". ver a.reaçã~ das crianças, logo quietas. Uma aluna disse que era
Em segundo lugar, mas no mesmo sentido, o fato de Fátima mentira, pOISeu estava rindo. Depois, a professora me apresentou
à turma como pesquisadora.
atribuir à sua presença parte da agitação traz à luz os inúmeros
fatores de "dispersão" que interferem no fazer cotidiano dos A turma fica quieta diante da suposta avaliadora, evidenciando
professores: um trem que passa perto da escola, um campeonato a compreensão que tem sobre os critérios que espera ver postos em
decidido em favor de um time com muitos torcedores na turma, o prática. Paralelamente, a "credibilidade" da avaliadora é posta em
cheiro convidativo da merenda ou o repulsivo de banheiros cheque quando Fátima sorri, o que é incompatível com O que se
próximos à sala, um evento significativo na comunidade antes ou espera de uma avaliadora. Como e onde as crianças aprenderam a
depois da aula, urna festa, um novo casal de namorados na sala, um se comportar diante da avaliadora e a "saber" como esta deveria
desentendimento no recreio etc. Tantas são as possibilidades! comportar-se? A resposta, embora evidente para alguns, não pode
Não estou sugerindo que se incorpore um "horário" para a ser encontrada em nenhuma instrução formalizada ou em textos
dispersão na grade horária da escola, até porque o que caracteriza escritos. Ela está nas práticas avaJiativas vividas por todos nós,
122 ClIrrfcl/lus praticados: {'/ltre a regulação e a t'lIlallci/lflçtio RegI/fação e emallci/Illção 110 cotidiano da escola: o q/lr di::.ellla~ ,,,ática:o 123
nos seus modos de se efetivar, no poder absoluto que conferem a abordar a regra que parece seguir, Sandra cria mecanismos de uso
quem avalia, enh'e outras coisas. Fátima observa com propriedade. que lhe permitem, dentro do espaço da norma, agir de modo a
reduzir-lhe os efeitos.
Esta percepção da aluna sobre a situação acima está baseada num
saber possivelmente construído no seu cotidiano familiar e Fátima percebe, ainda, que a rigidez do discurso disciplinador
comunitário, e reafirmado pela instituição escolar, sobre O modelo esbarra na postura de Sandra depois de obtida alguma disciplina
do poder avaliador. Ou seja, que postura um avaliador deve ter no
para a realização da tarefa, quando a turma volta do recreio.
seu trabalho, que seja uma postura séria para que possa ter
credibilidade?
Ao voltarem do recreio, eles continuaram a fazer a prova. Observei
que a disciplina tão exigida antes da prova, na prática, não era tão
Fátima observou, ainda, o momento de realização de uma prova, rigorosa, sobretudo depois do recreio. Ou seja, a ordem de "não
e póde perceber o quanto este inlaginário assustador se confimla e conversar, não olhar para os lados", foi sendo substituída por
.infirma simultaneamente no fazer cotidiano, quase como se a conversas em baixo tom de voz, entre aqueles que haviam
autoridade da prova e das regras próprias que ela tem dependessem terminado. Os alunos que ainda faziam a prova olhavam para os
lados e até tinham conversas rápidas com os colegas.
mais de atitudes formais do que da efetivação dessas normas na
realidade. É ela quem conta: Os motivos que levam Sandra a aderir e burlar ao mesmo tempo
as normas formais da avaliação surgem no seu depoimento a respeito
No dia 4 de dezembro havia prova. Já ao subirmos as escadas uma
aluna perguntou a Sandra se a prova estava fácil, e Sandra do assunto, quando ela explica o porquê do compromisso com a
respondeu que estava "mole, mole". [...] A prova foi distribuída e, nomla e as razões de suas táticas transgressoras, mostrando-nos,
antes que eles começassem, Sandra fez algumas recomendações mais uma vez, a complexidade que envolve a prática docente, as
com uma feiçâo muito séria, tais como: "Aredaçâo vale tanto quanto
o resto da prova; quero que leiam o texto com atenção; no exercício negociações que fazemos com as normas, o papel das nossas crenças
com verbo, vocês devem ter atenção à frase para não errarem na e valores na definição de nossas táticas.
conjugação. O que é para envolver é para envolver, o que é para
sublinhar é para sublinhar. Não quero letra garrancho e fraca,quero Inês: E você, Sandra, a avaliação, a 4~ série já é um pouco mais
letra bonita. A quem conversar ou olhar para o lado, retirarei a complicado?
----_. c ..a~Lo..-- ,,-. __ 1__ ,.. _~_{... '1 ••.•. __
Sandra: Então. eu faço assim. toda semana, eu marco um teste pra
t:;rupu;, Ut' }Jdl<.J\-!<.J;:> ;,t,. •• l Ot:.IIU ••.•V, 1110.'''' •••••• ',-"'.v . ....,., ... 's.. V
i ••.• I>-\"
•••. l
de Sandra ao falar da p.rova vem confirmar o que já dissemos faço, eu não mudo o conceito em funçã~desse teste ou dessa prova,
sobre o poder do avaliador, com postura séria, relembrando aos mas se eu der uma matéria nova, eu dou assim no meSmo dia um
a'lunos a autoridade do professor e exigindo disciplina. testezinho, uns cálculos diferentes, por exemplo: número decimal,
eu dou aquela explicação e um teste. É aí que eu vejo como é que
Temos nesse relato tudo o que Fátima identifica, mas temos eles estão respondendo aquilo e se eu fico mais naqu,elamatéria ou
tambêm um outro lado, muito presente nas formas cotidianas através sigo, é pra ajudar mesmo, mas faço prova bimestral pra fazer o
boletim, uma coisa pra eles levarem pra casa, pra ficarem satisfeitos,
das quais as professoras burlam as regras que fingem obedecer,
estudarem pra prova. Estudem, eu digo, faço um pouco daquele
dando informações que "não deveriam" dar aos alunos, ajudando- terrorismo que tem que estudar muito, boto as mães apavoradas,
os com a tarefa. Todas as explicaçõesque se intercalam nas exigências elas ficam cansadas, doidas pra me ver pelas costas: "Não, a gente
representam ações táticas de Sandra para" dar cola" aos seus alunos, não agüenta mais estudar tanto, é final de semana". Eu falei: "Mas
é isso mesmo". Não que eu acredHe muito nisso, mas eu acho que
buscando melhorar seus resultados. Ou seja, na própria forma de se não for assim também eles não vão estudar, não vão fixar aquilo.
124 Curríclllos praliClldos: entre a regulação e a emancipação
Regulação e emancipação /lO cotidiallo da escola: o qlle dizem as práticas
125
D~pois, numa 5i'. série, eles vão ver uma coisa difere~te, é_cada
professor com uma cabeça, tem tudo qU,anto é tipo _ah, entao ;~ o clássico mural com o mapa é completado por" estórias" da
acho que eles vão preparados para tudo, e a preparaçao que eu região, recuperando elementos da cultura local, infelizmente sob o
pra minha filha, que eu acho ~ue deu .certo. Então eu faço com eles título de "folclore". Percebe-se aqui a dificuldade que se coloca aos
também, é mais a preocupaçao pra VIda.
professores no trataInento de elementos da cultura que não habitam
A difer~nça entre a norma e a realidade é flagrante e consciente. os" cânones" do que chamamos" cultura", mas se percebe também
i a preocupação em valorizá-los, estampando-os e atribuindo-lhes
Espelha o que sabemos, todos nós que passamos pela escola como I
alunos ou como professores, a respeito dos modos como as I status através da escrita. A leitura que podemos aqui fazer evidencia
realidades cotidianas modificam e enriquecem os modelos
! o caráter sempre complexo da realidade
de elementos emancipatórios
cotidiana na combinação
e regulatórios. Se o tratamento das
supostamente
próprias.
rigidos através das formas interativas que cada ~po
cria em função de seus valores, suas possibilidades e caractensticas I
j
I! estórias" é folclorizado, colocando-as num lugar menor eln relação
à cultura erudita, por outro lado, elas estão lá, contadas, escritas e
!
expostas, permitindo aos alunos percebê-Ias Como constitutivas de
I, suas vidas e histórias.
As "metodologias" pedagógicas e seus sentidos
i, Surge, ainda, uma estratégia metodológica importante, que é a
Esta última parte de estudo do relato de Fátima traz ~ que talvez !
combinação da música com o trabalho. É uma fonna, senão
seja, do ponto de vista estritamente pedagógico da funçao da escola ! inovadora, decerto portadora de prazer e de valorização de outras
de transmitir conhecimentos" organizados pelos pro~~mas
11
nosso Sudeste" e outro com o título "Samba do Sudeste . PergunteI ~andra: Não, porque eu trabalhava em Jardim [da Infância}, eu já
a ela sobre os dois murais, ela falou que trab~lhou o Folclore e o tinha alguma experiência em Jardim. A minha primeira série, eles
Sudeste e que a próxima região seria a Norte. E Junto. a este trabalho também não sabiam ler, então era praticamente um trabalho que
eu conhecia .
.- d o, Bras,') ela utilizou um CD
com as reglOes . da Bla Bedran,f quee
também trabalhava com as regiões do Brasil: c.om este cn oqu Inês: Você importou um pouco do Jardim?
do Folclore, de características das regiões brastlerras. Sandra: É.
126 Currículos l'raticndos: l'IIlrr a regulaçtio e a emflllci,mçtio
Regulação e rmallci,lnçtiO 110 cotidiallo da e:,.cola:o que dizem IIS l'rtfti~as 127
i. _."'.'"
I2R Cllrríw/os pmtimdos: entre a regulaçiio e a emancipaçiio Regulação e emancipação 110 cutidimlO da escola: o quc di::':('1I1
as práticas
129
Sem se limitar a qualquer regra preestabelecida, sempre adequada às suas possibilidades e valores, bem corno às de seus
buscando potencializar as possibilidades oferecidas pela situação, alunos. Negligenciar esses fatos, reduzindo o cotidiano a modelos
Sandra mostra, nessa passagem, a riqueza de possibilidades de das práticas pedagógicas associáveis aos modelos de escola _
"contaminação" metodológica e do quanto esse tipo de trabalho se tradicional, escola no vista, progressista, construtivista etc. _
toma neces~árioelTIdeterminados contextos desfavoráveis, quando pressupõe ignorar não só os fazeres reais dos professores mas
o objetivo do trabalho é consciente e assumido com prazer e ( também, e sobretudo, todos os saberes de que dispõem e que ~ão se
envolvimento. enquadram nos modelos.
Essa mistura de procedimentos metodológicos no fazer Ainda com relação a atitudes que atestam a complexidade das
cotidiano evidencia-se, também, na escola pesquisa da, no trabalho práticas metodológicas nas relações que mantêm com os valores e
realizado por uma outra professora. A atividade se inicia com um possibilidades dos professores e de suas turmas - no caso, a postura
passeio ao Jardim Botânico, onde as crianças foram incentivadas a e preocupação de Sandra com a formação mais ampla de seus
recolher folhas do chão. Na continuidade, depois de "estudarem alunos: para além da aprendizagem dos conteúdos _, o episódio
essas folhas e de classificá-las",os alunos montaram um mural (foto transcnto abaixo é significativo. Fátima conta o evento:
7) no qual essas mesmas folhas, misturadas a outras "técnicas"
Ao ~orrigir um exerCÍcio de matemática de porcentagem, uma
expressivas, contam um pouco do passeio e daquilo que foiestudado. ~enma levantou o dedo para responder, mas não respondeu. Com
ISSO, a professora perguntou para ela o que ela perderia se errasse
ou o ~ue ganharia se estivesse certa, A menina responde: "Nada".
Issonao a convenceu a responder o exerCÍcio.Um menino respondeu
~-•.
e a mesma menina disse que errou.
~,;:
,,~utra vez Sandra procura, agora através de uma questão
..,.'\ /
, . ;..' . r. ., ..
retonca, romper com valores tradicionais, em prol de posturas que
favoreçam seus alunos e suas aprendizagens. Ao questionar a aluna
sobre os prejuízos do erro, tenta mostrar que o erro não é um
problema real, e que o medo de errar não se relaciona a
conseqüências reais do erro, expressando sua preocupação em
garantir a palavra da dúvida, nem sempre fãcil para alunos que
Foto 7 - O mural do passeio. enfrentam dificuldades com os conteúdos. Além disso, Sandra
esclarece o que pensa sobre o erro, mostrando considerá-lo como
As folhas" de verdade" juntam-se aos desenhos das árvores e elemento constitutivo do processo de aprendizagem, postura
mesmo ao Mickey e a Minie para compor a história do passeio. bastante identificada com o pensamento crítico e progressista em
Produção estética singular da turma, este mural e a atividade que educação. Por outro lado, considerando o que sabenlos sobre as
lhe deu origen1 trazem à tona a riqueza do cotidiano escolar e as conseqüências imensas, do ponto de vista da auto-estima, Oliginadas
"misturas" que fazem os professores de métodos e técnicas artisticas j pela demonstraçáo de não-saber numa sociedade que se funda sobre
I
e de ensino na busca do desenvolvimento de uma prática pedagógica o mito da perfeição e do sucesso como condição de reconhecimento,
130 Currículo:; praticado:;: clltre a reSlIlllção c il clllallcipação
Regulilção c CllIilllcipaçilu IlO cotiditlllO da f:;cola: o quc dizclII a:> pratIcas 131
DP&A editlll"a
Curr[w/u:; jJmlicado:;: miTe n TC'glllaçãlll' a C'mancipação COlidI/são 135
saberes, percepções e sentimentos que habitam esse e outros tantos de suas "redes de subjetividades" nas relações que estabelecem,
cotidianos escolares. Organizando um pouco melhor minhas a partir dos múltiplos e articulados elementos que habitam os
obserVações, busco finalizar esse trabalho evidenciando alguns diversos espaços-tempos que constituem o cotidiano, com os
enredamentos e elementos de complexidade anunciados, bem Como significados que se lhes podem atribuir em cada circunstãncia,
a presença e articulação entre valores e saberes oriundos de outros mediante processos internos e intersubjetivos de negociação de
espaços interativos no cotidiano dessa escola, tanto os trazidos por sentidos. Nesse sentido, ganha concretude a necessidade anunciada
professoras quanto por alunos e seus pais.
de irmos ao coticliano e à sua complexidade para compreendermos,
Em primeiro lugar, percebemos que o espaço escolar indica não só as especifiCidades de cada fazer, mas também o modo como
muito mais do que apenas aquilo que aparenta, tanto no que se se inserem na luta emancipatória pela democracia e como podem
refere à sua organização quanto na sua forma de expressar os ser potencializados no sentido de sua institucionalização crescente.
conteúdos escolares, os valores e os outros saberes que nele Consideradas em sua complexidade, as práticas cotidianas
penetram, bem como as formas como são trabalhados, também podem contribuir para o estudo das realidades escolares, na medida
percebidas em sua complexidade.
em que estas são compostas pelas redes de saberes e de fazeres
Percebemos, ainda, nos registros de momentos do trabalho de presentes nos cotidianos das escolas reais, e que contribuem para a
um dia em cada uma das turmas observadas, valores transmitidos e formação das redes de subjetividades que são professores e alunos.
valores questionados, contradições entre modelos pedagõgicos e Portanto, é preciso estudá-las enquanto tais, se queremos pensar na
sociais que coabitam o espaço escolar e interferem nas relações entre contribuição que esses estudos podem trazer ao pensamento
os sujeitos sociais e, portanto, nos processos de aprendizagem e de curricular e à tarefa de elaboração de propostas curriculares realistas
formação das subjetividades de alunos e professores que criam novas e adequadas às possibilidades emancipatórias inscritas nas
interferências que possibilitam nOvas criações. realidades nas quais elas se desenvolvem.
Sabemos ser impossível separar a professora que acredita no O trabalho com as noções de Boaventura Santos a respeito dos
seu valor profissional e briga por ele da que defende as "meninas", espaços-tempos estruturais e articulados nos quais tecemos as redes
p...-I", 4"'•.•. ,.. UI) •••. """"1~.""i.--.••.•.•••••.•.•..•..•••
~,.( .•..•.•.•.. h..o.B ••..•• ..._..__.•_1-' ~ ~..:I~1J..._
de sujeitos Que somos, bem como os debates que o autor propõe a
dJ~J1l do vdJor ~stehco, um vaJor pedagogico, ou a que expJica o .L.;)t' ••.
~~,-,Uul•••..•
,•.••.••••••.•.• o'""-..,..... .•..•.•••. _-".~..r- --"
~••..•.••.•.••.
dever de casa ou corrige o trabalho no quadro. Todas são Sandra, emancipação como solidariedade, aliado ao conceito de democracia
pessoa plural e multifacetada, portadora de valores e de saberes que de Humberto Maturana, tornam-se, aqui, portadores de elementos
evidencia todo o tempo na sua relação com seus alunos, muito para para pensar e compreender a questão curricular, tanto em instâncias
além do que se concebe como o professor mero transmissor de de prática como na c1imensão da formulação de propostas, na medida
conteúdos curriculares. E é com todas essas facetas que ela se forma em que podemos, com essas noções, compreender a necessidade e a
e aos seus alunos, também nas suas múltiplas faces. possibilidade de expanclir as práticas emancipatórias já existentes,
É na dinãmica interativa intersubjetiva, conflituosa ou não, dos não apenas no que se refere aos conteúdos de ensino, mas sobretudo
espaços-tempos cotidianos que se forjam e se desenvolvem as no que se refere à multidimensionalidade do fazel/saber escolar, em
identidades de alunos e também de professores, através da tessitura vez de imaginarmos, a partir de um ideal qualquer, modelos de
L ..:... __
136 Cunfudo::; pmticllâos. t'l1tre Il regulação e Il emancipação COl1clusiio
137
práticas incompatíveis com as capacidades e desejos dos professores derr;~cráticos para avaliar as diferentes formas de participação
e alunos a quem se destinam. "De nada valerá inventar alternativas pohtIca. E as transformações prolongam-se no conceito de
de realização pessoal e colectiva, se elas não são apropriáveis por cidadania, no sentido de eliminar os novos mecanismos de exclusão
da cidadania, de combinar formas individuais e formas colectivas
aqueles a quem se destinam" (SANTOS, 1995,p. 333). de cidadania e, finalmente, no sentido de ampliar esse conceito
Entendendo, ainda, que o potencial dos estudos no/do cotidiano para além do princípio da reciprocidade e simetria entre direitos e
deveres (SANTOS, 1995,p. 276).
ultrapassam os significados que, com freqüência, lhe são atribuídos,
de ser espaço de mera repetição de uma suposta ordem social Atuando no sentido, não de uma educação para a cidadania,
superior, vamos considerar esta dimensão da vida e do fazer/saber mas de uma educação na cidadania, que entende o aluno como um
dos sujeitos sociais como palco privilegiado dos fazeres cidadão em processo de educação, Sandra rompe, nlesmo seUl o
emancipatários e da luta pela democracia. explicitar, com o modelo dominante do que é e do que deve ser a
Porque os momentos são "locais" de tempo e de espaço, a fixação vida cidadã. Mesmo envoltas em dificuldades e contradições,
momentânea da globalidade da luta é também uma fixação conforme observamos nos relatos e em sua análise, as práticas
localizada e é por isso que o cotidiano deixa de ser uma fase menor voltadas para a igualdade entre meninos e meninas, respeitando-
ou um hábito descartável para passar a ser o campo privilegiado
lhes as diferenças, para a co-responsabilidade sobre o espaço da sala
da luta por um mundo e uma vida melhores. [...] [Assimentendidos]
o senso comum e o dia-a-dia vulgar desvulgarizam-se e passam a de aula, o respeito aos direitos de cada um nesse mesmo espaço, a
ser oportunidades únicas de investimento e protagonismo pessoal solidariedade entre ela e os alunos e dos alunos enh"esi, evidenciam
e grupal. Daí a nova relação entre subjetividade e cidadania (SANTOS,
o desenvolvimento de uma prática de cidadania, de uma educação
1991,p. 167).
cidadã, que vai muito além do ideário de uma educação para a
cidadania, que pressupõe que os alunos só se tomam cidadãos depois
Práticas cotidianas de cidadania
de devidamente educados para tal.
Nessa perspectiva, podemos entender alguns dos valores que
A politização do social, do cultural e, mesmo, do pessoal abre um
Sandra abraça e difunde entre seus alunos, como a solidariedade,
campo imenso para o exercício da cidadania e revela, no mesmo
a responsabilidade coletiva, a igualdade de gênero e o diálogo como passo, as limitações da cidadania de extracção liberal, inclusive da
meio de solução de conflitos, como contributos fundamentais para cidadani~ s~cial, circunscrita ao marco do Estado e do político por
a repolilização global da prática social e, portanto, para o exercício ele constItuldo. Sem postergar as conquistas da cidadania social,
como pretende afirmar o liberalismo político-econômico, é possível
das novas formas de cidadania a que nos referimos no primeiro pensar e organizar novos exercíciosde cidadania [...J e novas formas
capítulo. Tais valores representam um aprofundamento e um de cidadania (SANTOS, 1991,p. 170).
alargamento do calnpo político aos diversos espaços estruturais,
ampliando a própria noção de cidadania às dimensões que a teoria
Solidariedade e caos-
liberal despolitizou, ao confiná-Ia ao espaço da relação Estado-
a tessitura do conhecimento-emancipação
cidadão.
Ampliando essareflexãoa partir dos significadose desdobramentos
A diferenciação das lutas democráticas pressupõe a imaginação possíveis das práticas emandpatárias que identificamos no trabalho
social de novos exercícios de democracia e de novos critérios
de Sandra, e articulando-as ao que diz, mais um vez, Boaventura . .
":.~'.5..".>..•.'.. "
.
13B
Currículos praticados: cutre a regl/lação c a clII(fllcipação
Conclusão 139
entre as diversas culturas presentes nas suas salas de aula. Como solidariedade converte a comunidade no campo privilegiado do
vimos anteriormente (capítulo 1), a dominação cultural tem sido conhecimento emancipatório" (id., ib., p. 80). Entretanto, esta idéia
um dos principais pontos nevrálgicos do fazer escolar hegemônico, de comunidade não se limita ao grupo originário e,ao território
e sua superação uma de nossas principais lutas no contexto do mais próximo do qual fazemos parte. É aqui entendida como uma
projeto de construção de uma escola mais democrática. Recordando IlCOCOIllUllidade.
Amílcar Cabral, Santos (1991, p. 188) reafirma que "a cultura e o
A neocomunidade transforma o local numa forma de percepção
renascimento cultural constituem, por excelência, a pedagogia da
do global, e o imedialo numa forma de percepção do futuro. E um
elnancipação". campo simbólico em que se desenvolvem terntonahdades e
t'emporalidades específicas que nos permitem conceber o nosso
próximo numa teia intersubjetiva de reciprocidades (id., ib., p. 81).
140 CurríCll/os prnfiClldos: entre 11rcgulaçiío c a C/n{l11cípaçilo
COllclusiio
141
do outro na convivência (id., ib., p. 77). cujo valor depende da profundidade e do alcance do
conhecimento elnancipatório que consegue produzir, ou seja, da
A tarefa não é simples e envolve inúmeras condições de
medida em que elimina o colonialismo e constrói a solidariedade"
efetivação e problemas. Entendendo que "o conhecimento- (SANTOS, p. 95-96).
emancipação é um conhecimento local criado e clisseminado através
Torna-se aqui necessário esclarecer o porquê da identificação
do discurso argumentativo e que só pode haver discurso
de virtualidades emancipatórias no princípio da comunidade, e é,
argumentativo dentro de comunidades interpretativas" (SANTOS,Op.
mais uma vez com Santos que o faremos.
cit., p. 95),vamos assumir que:
A idéia da obrigação política horizontal, entre cidadãos, e a idéia da
as comunidades interpretativas são comunidades políticas. São aquilo
participação e da solidariedade concretas na formulação da vontade
a que chamei neocomunidades, territorialidades locais-globais e
geral são as únicas susceptíveis de fundar uma nova cultura política
temporalidades imediatas-diferidas que englobam o conhecimento
e, em última instância, uma nova qualidade de vida pessoal e
e a vida, a interacção e o trabalho, o consenso e o conflito, a
colectiva, assentes na autonomia e no au togoverno, na
intersubjetividade e a dominação, e cujo desabrochar emancipa tório
descentralização e na democracia participativa, no cooperativismo
consiste numa interminável trajectória do colonialismo para a e na produção socialmente útil (id., ib., p. 170).
solidariedade própria do conhecimento-emancipação (id., ib.).
Mais uma vez podemos perceber o quanto existe de busca
São totalidades complexas, que precisam ser ampliadas,
emancipatórianas práticas observadas e no fragmento autobiográfico
precisam se proliferar, se queremos superar os monopólios de
presente na entrevista de Sandra, mesmo que fundamentada muito
interpretação do real herdados do cientificismo moderno ou a
mais em valores assumidos e práticas reais do que em um discurso
142
ClIrrfclIlos Jlralicndos: CII/rl: n regllla~'àoe n emollcipaçtio Condusão ]43
produzido em defesa da democracia ou da emancipação. Sandra regulação, assume seu potencial emancipatório, na medida em que
procura horizontalizar ao máximo as relações entre ela e seus alunos "é o princípio menOSobstruído por determinações e, portanto, o
e taníbém entre eles, buscando fazé-los compreender a importãncia mais bem colocado para instaurar uma dialética positiva com o
dessa obrigação política horizontal para os modos de interação em pilar da emancipação" (id., ib., p. 75).
suas salas de aula.
Duas outras dimensões desse princípio - a participação e a A racionalidade estético-expressiva
solidariedade - são fundamentais, em função de sua pouca e a reumanização do conhecimento
colollJzação peja ciência moderna. No caso da participação, a No que se refere ao pilar da emancipação, a racionalidade
colonização deu-se, sobretudo, na esfera política (cidadania e estético-expressiva resistiu melhor à cooptação total e é, por ISSO,a
democracia representativa), permitindo que muitos domínios da forma de racionalidade preferencial para o pensamento pós-
vida social mantivessem a participação como uma competência não- moderno emancipa tório. Afirmando que o "caráter inacabado da
especializada e indiferenciada da comunidade. No caso da racionalidade estético-expressiva reside nos conceitos de prazer,
solidariedade, a colonização atuou, sobretudo, através das políticas autoria e artefactualidade discursiva", Santos (1991, p. 76) aponta
sociais do Estado-providência. Porém, na esmagadora maioria dos alguns elementos que pem1item vislumbrar as" correções de rumo"
países a solidariedade comunitária não especializada -a sociedade- da emancipação possíveis de serem pensados a partir dessa
providência - continua a ser a forma domínante de solidariedade
(id., ib.). racionalidade.
Em primeiro lugar, ao afirmar que "fora do alcance da
O desenvolvimento cotidiano de práticas participativas e colonização, manteve-se a irredutível individualidade
solidárias em todos os espaços estruturais nos quais estamos intersubjetiva dolwlI1o-l"dens" (id., ib.), o autor induz a recuperar a
inseridos, bem como a busca de ampliar sua institucionalidade, legitimidade do critério de prazer que a modernidade baniu de
assumem, nesse sentido, importância capital na tessitura da nossos fazeres cotidianos e a ressaltara importãncia desse no trabalho
emancipação social. As práticas pedagógicas desenvolvidas nessa pedagógico como elemento em si mesmo, emancip,~t6rio. Em_bora
per~PE"ctiva...p€'la importância oup ~nc.~1Jpm n~ f~n -f"'l ••.••.
~fí:lI não"f"ia uma novidade enquanto "senso comum, a lmportanaa
~Ut>Jt:UVlt.1e.tl1L"::. d..tlluel~::. YUl: ddd::' partIopam, aparecem, portanto,
de::'::'d rccupcr<..ll,-l.Ju liv., JI..•.....
~'- l.vJ'- , •._ •...__.l.. . ,:. "I", ,~,."".
como fundamentais nessa compreensão.v
recentes a respeito da perda de envolvimento prazeroso dos
É nesse sentido que o princípio da comunidade, enquanto professores com o seu cotidiano, como fator determinante no seu
representação mais inacabada da modernidade no domínio da crescente absenteísmo e adoecimento.
'Zl Lurs~ Cortesão (ZOOl) fo~m~la em :eu. texto "GuIliver entre gigantes: na A noção de autor- junto com outros conceitos a ele associa~o~,tais
tensao entre estru~ra e agenaa, que slgruficados para a educação?" a hipótese como inidativa, autonomia, criatividade, autoridade, autentJcld?~e
de qu.e a educaçao p.ode ser entendida Corno espaço estrutural. Como a e originalidade - é o conceito que subjaz à organização do domU1lO
próp~a ~utora, ac~edltam~sque, embora pertinente e operacional, a idéia artístico e literário da modernidade I...
] (5•••.
,,,os, 1991, p. 76).
pre~lsarta de maiS e maIOres reflexões e desenvolvimentos. Por isso,
conti~uamos a,~abalh~r as relações complexas entre as práticas escolares e as
premissas políhco-eplstemológicas sem assumirmos como verdadeiras a Sem precisar da distinção entre sujeito e objeto,a idéia de autoria
sedutora hipótese da autora. não renuncia à dimensão ativa do sujeito. O autor é originado •.,
144 CllrríC/llos praticarios: CIII1"é'a regll[açtío e a emancipação
COllc/l/siio
]45
é sujeito, sem que, para isso, tenha que definir seus temas e obras
Segundo Castoriadis, a "Oração fúnebre" de Péric1es mostra que o
como objetos controláveis e manipuláveis. O sujeito, autor de sua objetivo da polis é a criação de um ser humano, o cidadão ateniense,
própria vida, das suas redes de saberes e de fazeres, reemerge com que exige e vive na e pela unidade destes três elementos: o amor e
toda força nessa idéia, numa forma de existência de subjetividades a "prática" da beleza, o amor e a "prática" da sabedoria, o cuidado
e a responsabilidade para com o bem público, a coletividade e a
cliadas e realizadas na intersubjetividade.
palis. Constata-se, portanto, nessa importante obra, o
reconhecimento do sentido do belo como fundamental na formação
o outro conceito organizador do domínio artístico e literário é o de do cidadão e na manutenção da democracia (id., ib., p. 8).
artefactualidade discu.rsiva. Todas as obras de arte têm de ser criadas
ou construídas. São o produto de uma intenção específica e de um
Portanto, no novo paradigma de conhecimento, há que se
ato construtivo específico. A natureza, a qualidade, a importância e
a adequação dessa intenção e dessa construção são estabelecidas revalorizar as dimensões estéticas e criativas da produção humana,
por meio de um discurso argumentativo dirigido a um público- recuperar a importância das humanidades como dimensão essencial
alvo. [...} Entendida nesses termos, a racionalidade estético- de toda produção humana, porquanto sejam essenciais à produção
expressiva une o que a racionalidade científica separa (causa e
intenção) e legitima a qualidade e a importância (em vez da da própria vida humana. A revalorização dos estudos humanísticos,
verdade) através f ... ] do conhecimento retórico (id., ib., p. 77). contudo, não se dá sem problemas, na medida em que exigem uma
transformação no seio mesmo das humanidades. "O que nelas há de
Recuperando o sujeito-autor, bem como o nexo entre aquele
futuro é terem resistido à separação entre sujeito e objecto e entre
que produz, sua intencionalidade e sua obra, as noções de autoria e
natureza e cultura, e terem preferido a compreensão do mundo à
a de artefactualidade discursiva presentes na racionalidade estético-
manipulação do mundo" (id., ib., p. 93). Recuperar, portanto, esse
expressiva se inscrevem nos novos modos de criar conhecimento
núcleo e colocá-lo a serviço de uma reflexão global sobre o mundo
do paradigma emergente que "reclama para si uma proximidade se faz necessário.
com a criação literária ou artística" (id., ib., p. 92). Nesse sentido,
temos podido, tambêm, perceber o florescimento de pesquisas e Como catalisadores da progressiva fusão das ciências naturais e
das ciências sociais, os novos estudos humanísticos ajudam-nos a
estudos voltados para a dimensão estética e criativa na/da escola,
procurar categorias globais de inteligibilidade, conceitos quentes
como fatores importantes para compreender o que nela se passa e a que derretem as fronteiras em que a ciência moderna encerrou a
prise elJ compte dessa dimensão para a compreensão da formação das realidade (id., ib., p. 94).
subjetividades de alunos e professores, bem como a
Concei tos quentes, intersubjetividade discursiva, argumentação
intersubjetividade de um com o outro, para além das aulas de artes
dialógica, conhecimento retórico e, sobretudo, prazer são algumas das
que, consoantes com o paradigma moderno, dissociam o fazer e o
idéias que nos pennitem pensar a emancipação social e a construção
viver estéticos do aprender cognitivo e dos processos interativos.
da democracia" como uma obra de arte político-cotidiana, um produto
Desenvolvido nessa linha de pensamento, o trabalho recente e
do desejo de convivência democrática, não da razão. [...J A conspiração
inspirado de Victorio Filho (2002, p. 12) discute as relações da
democrática não requer um ser humano novo, requer apenas
produção estêtica - artística ou não -, como elemento da tessitura
sinceridade na participação conspiratória democrática" (MAll.JRA'IA, op.
do que chama de "vidas mais bonitas", com as demais dimensões de
cit., p. 77) e que, por isso mesmo, exige de nós imaginação social e
produção da existência de todos nós. Ele relembra, a partir de
estética na tessitura de nossas práticas emandpatórias concretas, através
Castoriadis, a articulação histól;ca entre elas.
da inserção da novidade utópica no que nos é mais próximo.
).16
Cllrril'lIius lJralicados: elltn' n regulaçdo t~(Il'mallcipaçtio COlidI/são 147
-
A utopia em ação na escola: It estatuto da espera, tornando-a simultaneamente mais
formando subjetividades rebeldes :c:~:reOmais ambígua. A utopia é, assim, o rea!ismo desespera~o
de uma espera que se permite lutar pelo conteudo da espera, nao
Considerando um dos desafios do conhecimento-emancipação em geral mas no exacto lugar e tempo em que se en~ontr~. A esperança
a passagem da ação conformista à ação rebelde, Santos (2000) não reside, pois, num prinápio geral que prov]d~ncla um futuro
eral. Reside antes na possibilidade de .cr~ar campos de
evidencia dois fundamentos importantes para se pensar no
~xperimentação social onde seja possível reSIstir localment~ às
potencial emancipa tório das práticas sociais. Em primeiro lugar, evidências da inevitabilidade, promovendo com êxito alternativas
relativiza o papel das estruturas sociais COmolimitadoras da ação ue arecem utópicas em todos os tempos e excepto naqueles ~m
social possível, entendendo que "as estruturas são tão dinãmicas ~ue ~correram efetivamente. É este o realismo utópicO que presIde
às iniciativas dos grupos oprimidos que, nu~ mundo onde parece
quanto as ações que elas consolidam", Superando a dicotomia ter desaparecido a alternativa, vão constrUl~do, um P?uco. po;
moderna enh.e determinação e contingência. Por outro lado, mas toda parte, alternativas locais que tomam posslVel uma VIda dign
no mesmo sentido, reconhece que as ações e as subjetividades são 1/
e decente.
tanto produtos como produtores de processos sociais", superando, À teoria crítica compete, em vez de generalizar a. partir dessas
alternativas em busca da alternativa, torná-Ias ~on~ea~a.s ~~ra além
nesse caso, a dicotomia entre eStrutura e ação (2000,p. 33).
dos locais e criar, através da teoria da traduçao, ~nteh!pbil~dades e
Conclui, nesse sentido que, para a teoria crítica pós-moderna, a cumplicidades recíprocas entre diferentes a1ternati~rasem dl.ferentes
necessidade é centrar a discussão sobre a dualidade entre a ação locais. A criação de redes translocais entre alternativas locaISé uma
forma de globalização contra-hegemônica - a nova face do
conformista e a ação rebelde. Com isso, a teoria critica pós-moderna cosmopolitismo(SANTOS,
2000,p. 36).
procura reconstruir a idéia e a prática da transformação social
emancipatória. ''li especificação das formas de socialização, de É com base nessa idéia que entendemos a criação cotidiana de
educação e de trabalho que promovem subjetividades rebeldes ou, alternativas curriculares numa perspectiva progressista - coletiva,
ao contrário, subjetividades conformistas é a tarefa primordial da solidária e dia lógica - como prática da utopia, na medida e~ qu.e
inquirição crítica pós-moderna" (id., ib.). configura a "inserção da novidade utópica no que nos esta maIs
Mais adiante, o autor afirma que "a construção social da rebeldia próximo" pela inclusão de valores e crenças vinculados ao
.- --..-- ••••..••~ -I", .-_ •••••• ,-...,;.,,-, -I. ~ -4 ,. s: .;. f
conhecimento-emancipação, fundamentados na sohdanedade
• -,I- •• - -...~- •••• ~.=;.••_ ...1"",,,,!
indignaçao é, ela práplia, um processo social" (id., ib.). E é por isso
que, na busca da utopia da democracia social, precisamos perceber, saberes/fazeres/valores a partir da complexidade do real e de suas
nas práticas sociais que desenvolvemos ou estudamos, o que nelas imprevisibiJidades.
há de potencialmente formador de subjetividades rebeldes, de São táticas emancipatórias que trazem para o cotidiano usos
construção de uma esperança para além da espera. astuciosos das regras estabelecidas, reorgani7.ando-asde acordo com
A resposta do autor é pungente e relevante para o tema deste as possibilidades inscritas em cada situação. A propriedade dessa
livro, o que justifica a longa citação. Diz ele: idéia se manifesta inequivocamente nos estudos das práticas reais
das professoras, desenvolvidos nas pesquisas no/do cotidiano das
[A teoria oítica] tem de assumir uma posição explicitamente utópica,
escolas. No caso desta, pudemos observar, nos fazeres cotidianos de
uma posição que sempre teve, mas que durante muito tempo
clamou não ter. Recuperar a esperança significa, neste contexto, Sandra, que ela trabalha não só ensinando os conteúdos curriculares
oficiais, mas tambêm difundindo os valores que abraça, prahcando,
148 CllrrÍClIlos praticado."-: entre fi rcgulaçiio e fi emallcipaçiio
OP&A editora
150
Currículos prtltimdos: elllrc a rcgulaçãu e a cmancipação
Referêllcias bi/lliográfims 151
Paulo (orgs.) Redes culturais, dií.'crsidade c educação. Rio de Janeiro: idéias e dos saberes, detenninal1tes no fazer
DP&A, 2002, p. 19-36. pedagógico cotidiano. No último capítulo,
Luís. História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar.
SEPÚLYEDA,
sintetiza-se o debate e recompõem~se as
Lisboa: ASA, 1997. diversas dimensões politicas e
epistemológicas trabalhadas nos
SOL7.A, Maria Cecília C. C. de. Escola e memória. Bragança Paulista: IFAN-
CDAPH/ Edus!, 2000. capitulos anteriores.
THoMP5o\:, Paul. A "1'0:;: do passado. História oral. 2. ed. Rio de Janeiro: paz
e Terra, 1998. Inês Barbosa de Oliveira é mestre em
Educação pelo Instituto de Estudos
THUMSON,Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação
Avançados em Educação (Iesae) da
entre a história oral e as memórias. In: PEREtMUTIER, Daisy; AmoNAccI,
Maria Antonieta (orgs.) Ética e história oral. Projeto história. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, doutora em
PUC-Sr; (15), p. 51-84, abro1997. Educação pela Universidade de Ciências
HUmanas de Estrasburgo (França) e pós-
VICTOR10 FILHO, Aldo. Imagem, estética, criação e o cotidiano escolar.
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. doutora pelo Centro de Estudos Sociais
Rio de Janeiro, 2002. da Universidade de Coimbra. Professora da
Vo'\! FOERSTER,Heinz. Visão e conhecimento. Disfunções de segunda Faeuldadc de Educação e do Programa
ordem. In: SCHNITMAN,Dora Fried. Novos paradigmas, cultura e de Pós-graduação em Educação da
subjcfividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. Universidade do Estado do Rio de Janeiro
i (Uerj), pesquisa há alguns anos o cotidiano
VON SIMSON,Olga de Moraes. Experil1lClltos COI11 histórias de vida. Itália-
Rra<;il. São Paulo: Vértice/Revista dos Tribunais, 1998.
I escolar e sua importância para o campo do
I currículo. Foi professora de primeira a
quarta série no Colégio Pedro II durante
onze anos e é membro do GT
Curriculo da ANPEd.
~I
-.
Fruto de um estágio de pós-doutoramento quc tive o gosto de orientar, este
livro aprescnta uma reflcxão que começa por interrogar a idéia de
cmancipação social e a tensão cntre ela e a regulação, buscando comprcender
de quc forma processos e modos de regulação democráticos podem contribuir
para a emancipação social.
-;;,
} •... .
~'.
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~~4~'
-
I,
--
-- -2-
DP&A
edlt:ora