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PUC-SP
SÃO PAULO
2008
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
SÃO PAULO
2008
2
Banca Examinadora
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3
Dedico esta pesquisa primeiramente aos meus pais, José Antonio e Alba, por
serem os grandes responsáveis pela minha formação intelectual, educacional e moral,
características que me fizeram lutar e buscar sempre um grau mais elevado em minha
vida. Dedico também ao meu Mestre de capoeira Plínio, por me educar e ensinar
praticamente como filho, a arte da Capoeira Angola, sempre me possibilitando crescer,
ouvir as histórias dos mestres mais antigos e, em maior instância, preservar a tradição
da capoeira, lutando para elevá-la ao mais alto grau das culturas populares de nosso
país. Dedico por fim ao amor de Luciana, uma mulher de muito valor, paciência e
equilíbrio, características fundamentais para a “roda de capoeira da vida”, que jogo
todos os dias.
4
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi investigar o olhar e o discurso dos intelectuais que
analisaram a capoeira no período 1885-1910, caracterizando-a como crime previsto em
lei, posteriormente projetando-a como luta nacional, entendida como esporte civilizado.
Esta pesquisa possibilitará realizar importantes discussões junto aos diversos
grupos de capoeira atualmente, uma vez que ainda questiona-se o papel dos grupos
elitizados no universo da prática e ensino da capoeira, bem como a questão do
branqueamento da arte-luta.
Acredito que os intelectuais do período abrangido foram os responsáveis pela
assimilação cultural da prática da capoeira branqueando-a, tornando-a assim uma
atividade baseada em noções como civilização, modernização e padrão, alheias ao
universo cultural afro-descendente, do qual a capoeira nasceu.
Utilizei como fontes históricas os livros publicados pelos intelectuais, bem como a
imprensa periódica que divulgava e retratava a capoeira conforme o olhar e o discurso
hegemônicos originados nos grupos dominantes, comparando-os na busca por pontos
em comum e/ou divergentes.
Ao término da pesquisa, pude identificar a mudança no tratamento e na própria
divulgação da capoeira, sendo apresentada como esporte civilizado, desligando-a da
prática da malandragem dos capoeiras antigos, do período da escravidão.
5
ABSTRACT
The matter of this research is the investigation on the look and intellectual speech
from whom analyzed the capoeira in the historical period 1885-1910, charactering it as
crime foreknown in law, posterior projecting it as national fight, understood as civilized
sport.
This study will provide the reveal very important discussions to the varietal cream
of society on practical and learning from capoeira universe, as well as whitening issue
from art-fight.
I believe that the intellectual group from the period embraced were the
responsible for the cultural assimilation from the whitening capoeira practice,
transforming it in an activity based on notions like civilization, modernization and
patterns, distant to the afro-descendent cultural universe where the capoeira was born.
I utilized the published books by the intellectual as historic fonts; as well the
periodic press that divulgated and painted the capoeira as the look and speech
originated on the dominant groups, compare on the search to look for equals or
differencing points of view.
To the end of this research, I could identify the change on treatment and even on
the divulgation of capoeira, as been presented as civilized sport, turning it away from the
trickery from the old capoeira players, back from the slavery period.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................p.08
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................p.90
ANEXOS.....................................................................................................................p.100
7
INTRODUÇÃO
Morais sobre a capoeira, bem como analisou a elaboração de seus discursos que
do poder1. Acredito ter sido através da elaboração deste discurso que os grupos
1
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Ed. Loyola, 1997.
2
Dos vadios e capoeiras;
Artigo 402: Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela
denominação capoeiragem; andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma
lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo
temor de algum mal. Pena de prisão celular de dois a seis meses.
Parágrafo único: é considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a algum bando ou malta.
Aos chefes e cabeças se imporá a pena em dobro.
Artigo 403: No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo a pena do artigo 400,
pena de um a três anos em colônias penais que se fundarem em ilhas marítimas, ou nas fronteiras do
território nacional, podendo para esse fim serem aproveitados os presídios militares existentes.
Parágrafo único: se for estrangeiro será deportado depois de cumprir a pena.
8
de autoria de Rui Barbosa, em 1890, responsável pela perseguição e quase extinção da
capoeira das ruas do Rio de Janeiro. Vale destacar que, na fase anterior a esta data, a
capoeira era considerada uma prática cultural marginalizada, mas não havia meios
legais de se puni-la ou garantir processo, pois ela não constava de proibição na lei3.
Havia o combate das forças policiais aos capoeiras, mas não à sua prática, fato que a
processo, fora a época dos bota-abaixo, caracterizada por grandes reformas realizadas
no centro velho, no intuito de transformar a cidade com ares coloniais em uma nova
cidade modernizada, limpa e disciplinada. Esta era a cena urbana onde os capoeiras
atenção de políticos, da polícia e dos cidadãos “de bem”, que dificilmente conseguiam
controlá-los.
Artigo 404: se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídios, praticar lesão corporal, ultrajar o
pudor público e particular, e perturbar a ordem, a tranqüilidade e a segurança pública ou for encontrado
com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes.
3
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A negregada Instituição – os capoeiras na corte imperial (1850-1890).
Rio de Janeiro: Ed. Acess, 1999.
9
chegavam ao país importados de modelos de desenvolvimento social baseados na
esses intelectuais e seu papel na definição de novos padrões sociais, sendo assim
como modelo político, mas também como modelo social, uma espécie de carro chefe
regulador da sociedade que ainda mantinha os costumes da antiga Corte Imperial. Para
ditando normas e diretrizes sociais. Assim, para este autor a principal preocupação dos
sentimento de identidade6, capaz de dar aos brasileiros a real noção de nação e cultura
nacional que eles próprios almejavam, numa sociedade marcada principalmente pela
propriedade.
intelectuais buscaram elaborar uma nova prática da capoeira, fazendo dela um jogo
Esta forma de praticar a capoeira como jogo intencionava por fim às disputas, conflitos
4
SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças – Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil. 7ª
edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
5
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a república que não foi. 3ª edição.
São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
6
CARVALHO, José Murilo de. Entre a liberdade dos antigos e modernos: a República no Brasil. In:
Pontos e Bordados – ensaios de história e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
10
e correrias, marcas vivas do sistema social escravocrata, transformando-a em autêntica
luta nacional.
A capoeira constou na lei como crime até o ano de 1941, momento em que
durante o governo de Getúlio Vargas ela foi retirada do Código Penal, ao mesmo tempo
Durante esta fase que vai de 1890-1941, houve uma decisiva guinada na trajetória
histórica da capoeira, pois ela era tida por ameaça social em 1890, quando de sua
interessante foi que a saída de Sampaio Ferraz da chefatura da polícia em 1903 não se
seguiu outro chefe de polícia que perseguisse capoeiras na capital federal, sendo
possível acreditarmos numa espécie de vingança deste político republicano e dos que
foram os livros publicados por Plácido de Abreu e Mello Morais, em 1886 e 1901,
e ensaios tipológicos, o que nos permite enquadrar estes intelectuais como cientistas
sociais, embora Abreu não se caracterizasse dessa forma. Na medida em que estes
7
Não discuti exclusivamente Sampaio Ferraz pelo fato dele não representar personagem central na
pesquisa, mas sim a decorrência que sua repressão representou à prática da capoeira.
11
Minha intenção ao selecionar os estudos e ensaios foi investigar o olhar que
uma nova prática, buscando averiguar a visibilidade atingida pelas publicações, durante
sobre a capoeira, busquei questionar de que maneira ela foi vista e entendida pelos
nação que esses grupos possuíam e queriam disseminar através dos meios letrados.
incorporação da literatura como fonte histórica, na medida em que Abreu e Mello Morais
tornaram-se intelectuais conhecidos não somente por sua produção sobre a capoeira,
como também literatos, produzindo contos, poesias, narrativas, etc. Observei que esta
influência literária marcou a obra de ambos, sendo assim, trabalhar com sua obra
juntamente com a imprensa foi comparar as falas e o olhar expresso pelos seus
8
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão – tensões sociais e criação cultural na Primeira República.
São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983.
12
mesmo prazerosa ao ofício do historiador. Pude encontrar a ansiedade expressa por
Abreu e Mello Morais em suas obras nas diversas formas que a imprensa retratava e
urbano9. Assim, nesta linha interpretativa, sabendo que o domínio dos temas utilizados
identificar como a capoeira foi gradualmente sendo aceita pelas elites, na medida em
influência nos meios eruditos foi Barbosa, em suas investigações sobre a constituição
exercício de poder. Acredito que uma pequena passagem de suas indicações preenche
Outra questão que precisa ser melhor compreendida é a da absorção dos homens de
letras.(...) Cooptados pela classe dominante, esses intelectuais produzem uma
mensagem visando a criação de um consenso, cujo fim último é perpetuar a dominação
de classe.(...) E para isso não basta a imposição de normas sociais nas ruas: é preciso
um discurso que unifique normas, padrões e valores a serem discutidos ou disseminados.
E a imprensa cumpre essa “missão”.10
organização das fontes. Observei que através dos estudos, os autores buscaram
9
CRUZ, Heloisa Faria de. São Paulo em papel e tinta – periodismo e vida urbana (1890-1915). São
Paulo: Ed. EDUSP, 2000.
10
BARBOSA, Marinalva. Os donos do Rio. Rio de Janeiro: Ed. Vício de Leitura, 2000.
13
através de regras. Já na imprensa periódica a capoeira surgia como notícias do
ressurgiu como representação da cultura nacional, sendo por diversas vezes chamada
de nosso jogo.
Sendo assim, dividi a pesquisa sobre estas fontes em três capítulos, a partir do
Plácido de Abreu, publicado ainda durante o Império, em 1886. Neste ensaio, o autor
buscou analisar os capoeiras como tipo social, caracterizados por uma cultura peculiar,
produção, de que forma a capoeira era praticada pelas ruas, quais as necessidades e
em suas páginas, e de que maneira ela era entendida pelos grupos dominantes e pelas
14
próprias elites letradas, na busca pela ressonância entre a fala de Abreu e os anseios
desses grupos que temiam a capoeira dos negros marginalizados. Sondei os principais
de analisar como ocorria a aparição da capoeira e até mesmo sua divulgação, através
em 1901, numa coleção sobre costumes populares editada pelo autor em folhetins
avulsos. Nesta obra, o autor analisou não somente a capoeira, mas sim uma série de
nacional, este sim seu propósito. Como a capoeira era tida como tradicional
exclusivo a ela com um capítulo, ficando claro que sua intenção era propor um novo
praticamente extinguiu sua prática do cotidiano das ruas, enquanto que a imprensa
seu olhar e discurso, comparando-o aos demais autores traçando paralelos entre suas
visões sobre a arte-luta. Junto a este ensaio, temos também a publicação de diversas
importante contribuição para os assuntos abordados, que incluí como capítulo extra de
Anexos.
forma como as culturas populares se expressam através de seu cotidiano, bem como
questão das classes sociais e da maneira como esta cultura herdada fora sendo
como esporte, pois atualmente vemos práticas culturais que vivenciaram processo
semelhante ao vivido pela capoeira, como o samba, que sendo produzido com a
meu objetivo maior foi, através desta pesquisa, refletir essa transformação e quais os
16
CAPÍTULO 1
acadêmica nacional uma importante linha de pesquisa que toma a capoeira como tema,
ordem dominante. Esta linha de pesquisa vem desde a década de 1960 e atingiu na
cruzam, fazendo com que a leitura de toda essa produção desse base suficiente de
fundo histórico se fez necessário para a contextualização dos autores e das questões
Confrontei com essas pesquisas a análise do olhar de Plácido de Abreu e Mello Morais,
17
visão estava baseada em sujeitos reais ou em estereótipos difundidos pela visão
hegemônica.
seguir elenco uma série dessas problemáticas desenvolvidas nesta obra e debato seus
conceitos, a partir de indicações da obra desses dois intelectuais, que analiso mais
prática, bem como realizou uma aprofundada pesquisa sobre a etnografia11 dos termos
produção acadêmica, pois após sua obra veio uma série de estudos e pesquisas que
passaram a associar a capoeira tanto ao tema cultural como tema racial, discutindo-a
11
Entendo aqui etnografia pelo entendimento universal do termo, como uma atividade característica da
antropologia, cuja disposição venha ser a organização seriada de todas as formas de manifestação
sócio-culturais de um determinado povo ou sociedade. O autor não especifica na introdução de seu
trabalho sua definição para o termo.
18
Acredito ter sido esta sua principal contribuição: incluir a capoeira no campo da
etimológica do termo, fato que o levou a pesquisar grupos e suas linguagens na África:
No caso da capoeira, tudo leva a crer seja uma invenção dos africanos no Brasil,
desenvolvida por seus descendentes afro-brasileiros, tendo em vista uma série de fatores
colhidos em documentos escritos e sobretudo no convívio e diálogo constantes com os
capoeiras atuais e antigos que ainda vivem na Bahia, embora, em sua maioria, não
pratiquem mais a capoeira, devido à idade avançada.12
O que o autor quis fazer foi incluir a capoeira como característica da cultura
negra da Bahia nos anais da produção acadêmica brasileira. Mas, além disso, esta
questão foi a base para uma discussão que surgiu posteriormente no campo da
Destaco ainda que sua obra foi fruto da amizade que o autor tinha junto aos
diversas vilas do recôncavo baiano, como Santo Amaro, Cachoeira, São Félix, e outras.
soteropolitana, teria atingido seu auge nas décadas de 1910-30, sob o comando de
12
REGO, Waldeloir. Capoeira Angola - Ensaio Sócio-Etnográfico. Salvador: UFBA, 1968.
19
Pedro Gordilho, o “Gordito”, diferentemente da perseguição à capoeiragem carioca,
sobre o tema, acabou ampliando o campo de estudos sobre a capoeira e suas formas
Carlos Eugênio Líbano Soares e Antonio Carlos S. P. Liberac são autores que
popular.
em presídio, Arsenal de Marinha, etc. Através destas fontes, o autor traçou importante
20
panorama sobre a caracterização dos praticantes da capoeira da época, e da forma
ele deu conta de cobrir todo o séc. XIX no Rio de Janeiro, desde a fase da capoeira-
dos capoeiras como forma de arregimentação e intervenção direta nas eleições. Essa
intervenção nos pleitos eleitorais fazia-se por intermédio do uso da força e da coerção
que foram alvos de grupos de capoeiras chamados Maltas, geralmente bancados por
algum deputado ou até mesmo um partido, fatos que aprofundo no próximo capítulo.
Mas aqui ressalto que a importância das maltas de capoeiras encontrou-se no fato
utilizarem a luta da capoeira como forma de profissionalização, uma vez que viviam de
13
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A Capoeira Escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro
(1808-1850). Campinas: UNICAMP, 2001.
14
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A negregada Instituição – os capoeiras na corte imperial (1850-
1890). Rio de Janeiro: Ed. Acess, 1999.
21
servir favores e serviços às grandes personalidades políticas da Corte, e acabavam
estes sujeitos capoeiras, pois sabendo de seu apoio às fugas de negros escravizados e
de todos eles15. Esse fato fez com que a maioria dos capoeiras, ao final do II Império,
de caráter republicano. Esta questão foi fundamental, pois ao fim do Império e início do
governo republicano, observei forte revanchismo da parte das forças públicas contra os
praticantes da capoeira, e o que Soares nos elucidou foi que esta tendência iniciou-se
Soares apenas indicou uma discussão sobre o papel dos intelectuais e primeiros
15
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A negregada Instituição – os capoeiras na corte imperial (1850-
1890). Rio de Janeiro: Ed. Acess, 1999.
16
Ibidem, p.38.
22
exclusivamente exercida por sujeitos negros, e passou a ser praticada também por
sujeitos brancos.
não abrangeu o papel das elites dominantes no processo de proibição desta capoeira
praticamente tirou a capoeira das ruas além de prender seus praticantes – abriu as
portas para as elites dominantes entrarem com um novo olhar e indicarem novas
como esporte.
quando a olhavam como luta-malandragem até sua fase esportiva, quando passam a
Império foi Antônio C. S. P. Liberac, em Capoeira no jogo das Cores17. Neste estudo, o
17
LIBERAC, Antonio Cardoso S. P. A capoeira no jogo das cores - Criminalidade, Cultura e Racismo no
Rio de Janeiro (1890-1937). Tese de dissertação de Mestrado. Campinas: UNICAMP, 1996.
23
época se organizavam solidariamente, forjando laços de identidade, impondo assim
uma vez que a disputa entre grupos rivais na cidade do Rio de Janeiro era marcada por
violentos combates nas ruas, com a ocorrência “natural” de mortes. Deste estudo utilizei
visão dos intelectuais com a capoeira perseguida nas ruas, buscando pontos de
sujeitos marginalizados.
assassino. Os intelectuais que abordaram a capoeira tomaram por base este tipo
e regrada.
Chalhoub nos deu uma contribuição especial sobre este aspecto da capoeira
criminosa ser na realidade uma noção estereotipada oriunda das classes dominantes e
18
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e boteqim – o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro na belle
époque. Campinas: UNICAMP, 2001, p.73.
24
de sua cultura hegemônica. Cito aqui um pequeno trecho desta problemática e como foi
aos “atos fúteis” de violência parecem ser, antes do que dados inquestionáveis da
realidade, construções ou interpretações das classes dominantes sobre a experiência ou
condições de vida experimentadas pelos populares. Estas noções, contudo, não se
confundem com a experiência real de vida dos populares, nem são a única leitura possível
desta experiência (...) são construções das classes dominantes para justificar sua
dominação de classe, sendo, então, apenas uma versão ou leitura possível da “realidade”,
apresentada de maneira mais ou menos consciente pelos agentes históricos desta
classe.19
Essa noção de ocupação dos presos me deu base suficiente para questionar se
a visão dos intelectuais sobre capoeiras vadios, vagabundos e assassinos não teria se
19
Ibidem, p.51.
20
LIBERAC, Antonio Cardoso S. P. A capoeira no jogo das cores - Criminalidade, Cultura e Racismo no
Rio de Janeiro (1890-1937). Tese de dissertação de Mestrado. Campinas: UNICAMP, 1996, p.82.
25
Outra questão analisada por Liberac foi a partidarização da capoeira na Corte. O
autor serviu-se dos inúmeros casos de prisão de capoeiras que participavam dos
capoeiras.
apontadas por Liberac possuíam outros nomes dos apresentados por Soares, o que
nos indica diversidade das fontes colhidas. Essas maltas eram conhecidas por Flor da
Gente (Glória), a Espada (Lapa), a Três Cachos (Santa Rita), Monturos (Santa Luzia),
dentre outras.
questionando a visão dos autores do final do séc. XIX e início do XX. Não se tratava
somente de pertencer a uma malta simplesmente por ser de alguma localidade, mas de
capoeira estava determinada principalmente pela ferrenha disputa entre partidos pela
cidade.
caminhos traçados pela capoeira em seu processo de formação histórica, onde buscou
Por sua busca antropológica ao perfil dos capoeiras ela acabou reunindo as
revendo desde o séc. XIX aos dias atuais. Letícia Reis construiu um pano de fundo
A autora expôs o clima de medo sob o qual vivia a sociedade carioca desta
época, gerado pelas inúmeras brigas, tumultos e conflitos causados pelos capoeiras,
ocorridos nas ruas da cidade. Ela destacou que a instituição policial não tinha
21
REIS, Letícia Vidor de S. O mundo de pernas para o ar – a capoeira no Brasil. 2ª edição. São Paulo:
Publisher Brasil, 2000.
27
condições de prever esses casos e geralmente chegava aos locais de contenda quando
A autora nos aponta como este aparente descontrole propagou a capoeira como
Ela nos mostra como esses conflitos tiveram sua origem na participação dos
arte-luta não como meros gladiadores de ruas, mas sim personagens ativos na cena
nacional, optando por apoiar ora os conservadores, ora os liberais, encenando na arena
política não como eleitores (devido ao fato das eleições serem censitárias), mas como
Letícia Reis nos mostrou também que os capoeiras da época foram influenciados
pela chamada fase “Redentora”, como ficou popularizada a imagem da Princesa Isabel
permanecer a Monarquia no poder25. Ela nos mostrou casos em que José do Patrocínio
28
custeados principalmente para combater a campanha republicana e defender a
monarquia. Este grupo ficou conhecido como Guarda Negra, milícia formada por
Trabalhei com sua obra por ter abordado a influência das teorias científicas
raciais, principal norteadora dos debates e evoluções que caracterizaram esta fase da
buscando sua evolução e civilização, para tal a inserção das idéias esportivas foram
este ter se iniciado já ao final do séc. XIX, uma vez que observou a participação de
muitos sujeitos oriundos dos grupos dominantes como doutores, políticos, chefes de
29
Neste ponto, é premente uma discussão com Lilia Schwarcz, na obra O
27
espetáculo das raças – cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930) ,
onde a autora explorou a questão das teorias científicas e raciais que se disseminaram
nos meios intelectuais e políticos do país, ao final do séc. XIX e no início do XX,
raças branca, negra e amarela28, e esta hierarquização racial indicava também uma
período, pois percebi que a saída encontrada pelos intelectuais para o problema da
problemas, uma vez que já havia profunda miscigenação étnica e cultural, entre
europeus, africanos e indígenas e que esta mistura era vista justamente como fator de
mestiça da cultura que almejavam, atribuindo o problema de sua prática aos malandros
27
SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças – Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil. 7ª
edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
28
SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças – Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil. 7ª
edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.62.
29
Ibidem, p.18.
30
4. Embranquecimento da capoeira: formação e exclusão cultural nacional.
discute-se sobre o momento em que ela deixou de ser prática exclusiva dos afro-
descendentes e passou a ser praticada também por pessoas brancas. Esta discussão
Capoeira Regional e primeiro mestre a ter academia registrada e autenticada por órgão
Sérgio Luiz de S. Vieira, Capoeira – Matriz Cultural para uma Educação Física
capoeira à única pessoa de Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado). Nas indicações
deste autor, pelo fato de Mestre Bimba ter sido um dos primeiros mestres a ensinar em
ambiente fechado e regulamentado, ele teria levado muitos alunos das classes altas e
1930-60.
Faz-se urgente para o universo da capoeira que se esclareça esta questão, pois
30
VIEIRA, Sérgio L. de S. Capoeira – Matriz Cultural para uma educação física brasileira. Tese de
Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUC-SP, 1997.
31
Ibidem, p.85.
31
questionadores das idéias que se propagam como verdades. Portanto, busquei
sua aceitação como prática cultural e em que momento isso se fez possível. A seguir,
levando-a das praças, becos e ruas da cidade aos meios intelectuais e ambientes
Percebi que as elites dominantes tiveram que criar a idéia de uma capoeira
formação cultural nacional, entendi que as elites tenderam aceitar uma capoeira
32
CAPÍTULO 2
juntamente com uma grande leva de lusitanos que aqui aportaram durante a fase final
Acredito que durante esta fase ele acabou desenvolvendo também trabalhos literários,
e não apenas serviços de subordinado, fato que ele próprio atestou na Introdução de
acabou perseguido pela ditadura Florianista durante a década 1890-1900, mas por aqui
que a partir daí é que nosso autor acabou selando também seu próprio destino.
33
Muitos lusitanos imigrantes de sua época sofreram da parte das autoridades
policiais vigília especial. Sabemos através da obra de Chalhoub32 que esses imigrantes,
marginal, pois arrumou trabalho remunerado, mas acredito que mesmo assim se
na saída de um túnel em Copacabana. O fato teve pouco espaço nos registros dos
diários da cidade, e a causa de sua morte pode ter tido origem em sua militância contra
Acredito que Abreu foi praticante da arte/luta capoeira. Esta questão também
surgiu nos trabalhos acadêmicos em que me baseio como o de Liberac33, onde ele
também acredita que Abreu foi praticante da capoeira. Portanto orientei minha análise
Sua obra foi de grande importância para o estudo da prática da capoeira do final
32
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e boteqim – o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro na belle
époque. Campinas: UNICAMP, 2001.
33
LIBERAC, Antonio Cardoso S. P. A capoeira no jogo das cores - Criminalidade, Cultura e Racismo no
Rio de Janeiro (1890-1937). Tese de dissertação de Mestrado. Campinas: UNICAMP, 1996, p.62.
34
Entendo aqui Tipologia através da exposição elaborada por Mello Morais (que será trabalhado no
Capítulo 3), como o estudo das tradições, dos costumes e rituais que constituem a cultura das classes
sociais.
34
valentão, capanga eleitoral. Foi a partir da escolha deste autor que pude pensar a
que a fase das disputas entre as maltas, durante as décadas de 1870 e 1880, acabaria
raros, encontra-se um livreto de pouco mais de 80 páginas gastas e protegidas por fina
público leitor aquilo que se sabia apenas de conversas, boatos perdidos pelas ruas e
35
ABREU, Plácido de. Os Capoeiras. Rio de Janeiro: Tipografia Part, 1886.
36
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias. São Paulo: Ed. Três, 1973.
35
de Almeida, e o Mestre Firmo, valente terrível de O Cortiço37, de Aluísio de Azevedo,
mas um livro escrito apenas sobre este tema, falando de sua trajetória, grupos e
Introdução, ele nos deu uma das maiores contribuições quanto à memória de uma
época da capoeira que estava por ter seus dias contados. Abreu viveu a fervente
década de 1880, momento em que a relativa liberdade que os capoeiras tinham lhes
romance uma série de conflitos vividos por Fazenda, um negro marginalizado que vivia
como Lucrécio Barba de Bode, imortalizado por Lima Barreto38. Outros personagens da
Dei maior destaque na análise da primeira parte Introdução, onde Abreu nos
organização interna e ensino, e rituais de conflito. Meu objetivo em analisar estes temas
37
AZEVEDO, Aluísio de. O Cortiço. São Paulo: Ed. Moderna, 1999.
38
BARRETO, Lima. Numa e a Ninfa. Rio de Janeiro: Ed. Garnier, 1986.
36
separadamente foi ter ampla visão de como ele fez sua descrição, analisar os principais
praticantes contextualizados.
2. a. Origem da capoeira.
Uma primeira abordagem sobre a obra do autor nos leva ao questionamento que,
origem da capoeira? Nesta pesquisa não pretendia me aprofundar nesta questão, mas
Abreu me trouxe mais uma vez a ela, pois ele também questionou sua origem. Assim,
Este tema foi uma das bases que alicerçou meu TCC ainda durante minha
questão passou por uma série de trabalhos acadêmicos e pesquisas39 sobre a arte-luta.
brasileira? Como resposta, muitos mestres de capoeira, assim como muitos estudiosos,
atualmente endossam ser ela uma ancestral manifestação cultural africana, que em
39
Vide Referência Bibliográfica.
37
ponto de vista, quando percebemos que outros autores apontam uma capoeira formada
desenvolvida no Brasil, sendo para estes, portanto brasileira, como já apontou Vieira40.
Abreu registrou sua visão sobre a origem da capoeira logo no trecho de abertura
de sua obra:
intenção declara-se contrária a dar à capoeira uma origem africana. Nosso autor afirma
que na África a capoeira não era conhecida, pois as primeiras viagens de campo ao
(1960-90), e não tenho nenhuma informação sobre a passagem de Abreu pela África,
Apesar de negar sua origem africana, acredito que ele acaba caindo em
apontadas por Abreu possuem muito das cabeçadas, movimento este citado em
diversos documentos que atestam as façanhas dos capoeiras no final do séc. XIX.
Então aqui abro um questionamento quanto à postura de Abreu: por que não aceitava a
40
Ver cap. 1, VIEIRA, Sérgio L. de S. Capoeira – Matriz Cultural para uma educação física brasileira. Tese
de Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUC-SP, 1997.
41
ABREU, Plácido de. Os Capoeiras. Rio de Janeiro: Tipografia Part, 1886, p.01.
38
influência africana sobre a capoeira? Por que a negação desta matriz cultural, mesmo
outras formas de luta, mas não como a capoeira. Sem a cultura ancestral trazida com
eles da África, mesmo que a adaptando nestas terras a outra situação sócio-cultural,
formado entre nós. Lembrando a origem e a trajetória deste autor, a que nós ele se
refere? Estaria ele se referindo à ‘alta sociedade’ que pretendia civilizar-se nos
trópicos? Ou o nós a que se refere seria a população pobre, moradora dos cortiços,
imigrante, negra?
como nós à sociedade brasileira, mas acabava por negar essa integração à cultura
africana, excluindo esta matriz como formadora da cultura nacional. Essa tendência de
integrar culturas em detrimento da negação/ exclusão de outras era clara por parte das
ideologia da hierarquia racial, como vimos com L. Schwarcz42 e Letícia Reis43, que
Minha intenção em explorar este tema não foi concluí-lo, mas sim indicar que a
visão de Abreu sobre a capoeira partiu desta ideologia, e num período em que se tratou
42
SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças – Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil. 7ª
edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
43
REIS, Letícia Vidor de S. O mundo de pernas para o ar – a capoeira no Brasil. 2ª edição. São Paulo:
Publisher Brasil, 2000.
39
de instituir os grupos sociais na formação cultural do país, acredito ter sido necessário
maltas e partidos rivais. Esta capoeira das maltas foi tema amplamente descrito por
perdurando por tanto tempo que acabou por fixar-se na memória dos praticantes e na
Abreu não abordou a origem destes grupos, mas retratou suas disputas,
Guaiamu é o capoeira que pertence aos seguintes partidos: São Francisco (grande centro
do qual foi chefe Leandro Bonaparte), Santa Rita, Marinha, Ouro Preto, São Domingos de
Gusmão, além de muitos outros pequenos agregados a este.
A denominação que têm esses grupos é a casa ou a província, e a cor por que são
conhecidos é a vermelha.
Nagoa é o capoeira que pertence aos seguintes partidos: Santa Luzia (centro do qual foi
chefe Manduca da Praia), São José, Lapa, Santana, Moura, Bolinha de Prata, além de
muitos outros menores filiados àqueles.
A cor pelo que são conhecidos é a branca.44
44
ABREU, Plácido de. Os Capoeiras. Rio de Janeiro: Tipografia Part, 1886, p.02.
40
Ele indicou ser a disputa por espaços na cidade responsável pela
arregimentação dos praticantes, e testemunhou ser ela fator de aglutinação dos grupos.
As famosas maltas dos Guayamús e Nagôas, grupos tradicionais que eram rivais e
os principais atores neste espetáculo sócio-urbano que era a sede da Corte Imperial.
localização geográfica nos bairros da cidade. Ele não abordou a fundamentação política
destes grupos, fato que tem sido abrangido somente por recente historiografia da
causa republicana45. Assim, acredito ser necessário outro questionamento: o autor via a
Lembrando que o autor fora escritor e tipógrafo, estaria ele inferiorizando os capoeiras
Estas são questões levantadas que não podemos determinar uma resposta, mas
hierarquizada. Acredito que Abreu devia estar se referindo aos capoeiras com uma
Com sua descrição, Abreu nos mostrou uma cidade recortada entre grupos de
45
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A negregada Instituição – os capoeiras na corte imperial (1850-
1890). Rio de Janeiro: Ed. Acess, 1999.
41
grupos. Assim, o Centro passaria gradualmente a ser mal visto pela sociedade elitista e
entre capoeiras. Creio ser esta informação determinante para a grande cirurgia que
Pereira Passos e Oswaldo Cruz, em 190446. Vale destacar que havendo diversos
colégios eleitorais espalhados por esta região, e sendo a presença dos capoeiras
Abreu fala de lados diferentes, grupos que eram rivais, mas que estavam abertos
46
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a república que não foi. 3ª edição.
São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.18.
47
ABREU, Plácido de. Os Capoeiras. Rio de Janeiro: Tipografia Part, 1886, p.06.
42
troca de partido. Os partidos políticos nesta época organizavam suas plataformas mais
pelas políticas de alianças oligárquicas que pela ideologia, como também já apontou
regras. Ironicamente, Abreu nos descreve uma situação que demonstra esta questão
Em outro tempo, quando dois bandos de capoeiras brigavam e aparecia a polícia, uniam-
se as duas forças inimigas para baterem a força pública.49
Assim, vemos que os capoeiras tinham sua orientação política, mas preferiam
adversários eram as próprias Gazetas e Jornais Diários, uma vez que ao longo das
48
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a república que não foi. 3ª edição.
São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
49
ABREU, Plácido de. Os Capoeiras. Rio de Janeiro: Tipografia Part, 1886, p.05.
50
BARBOSA, Marinalva. Os donos do Rio. Rio de Janeiro: Ed. Vício de Leitura, 2000.
43
ataque de maltas organizadas de capoeiras, claramente tendenciosos à manutenção
monárquica.
pesquisa selecionei os casos mais elucidativos, para não me distanciar muito da análise
dos intelectuais e dos capoeiras. Acredito ser importante trabalhar alguns exemplos
para comparar aos capoeiras descritos por Plácido de Abreu. Lendo alguns dos jornais
agiam sem qualquer medo de represálias ou da ação da força pública, como este caso
Ontem, pelas três horas da tarde, foi a casa da Gazeta da Tarde invadida por um grupo
de capoeiras que vinha em perseguição de vários vendedores desse jornal, que uns com
os outros repetiam ainda uma vez aquelas lutas pela preponderância, aos gritos de “Entra
Santa’ Ana!” e “Encosta Santa Rita!”. Ao chegarem à Gazeta os pequenos refugiaram-se
ali, e os outros precipitaram-se atrás deles, agredindo o jornal da casa, que quis-se opor
àquela agressão.52
periódico Gazeta da Tarde era um diário vespertino, de média tiragem e não fazia muita
frente aos grandes diários da cidade, mas caracterizava-se por ser publicamente
relatou o caso era da mesma tipografia, e publicou-o como nota de ressalva, aludindo
para que o ocorrido não se repetisse com as demais gazetas de menor porte.
51
Vide Referência Bibliográfica.
52
Folhetim Folha Nova, 05 de janeiro de 1885.
53
BARBOSA, Marinalva. Os donos do Rio. Rio de Janeiro: Ed. Vício de Leitura, 2000.
44
Neste dia, a malta de capoeiras monarquistas parece ter resolvido acabar com a
venda do diário oposicionista em suas freguesias. Sua afronta á luz do dia dá indícios
de que a polícia não era ameaça para suas ações e que as maltas gozavam de relativa
liberdade para sua atuação, o que podemos associar ao fato dos capoeiras serem
políticos de carreira sempre estavam por trás de suas ações e condutas. Ele analisou
Duque-Estrada Teixeira venceu as eleições para a Câmara dos Deputados pelo Partido
da eleição.
a utilização da imagem em suas páginas em função dos primeiros passos que ainda
dava na principal cidade do Império55 - rechaçou o caso, utilizando-se como motivo para
54
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A negregada Instituição – os capoeiras na corte imperial (1850-
1890). Rio de Janeiro: Ed. Acess, 1999, p.87.
55
BARBOSA, Marinalva. Os donos do Rio. Rio de Janeiro: Ed. Vício de Leitura, 2000.
56
SILVA, Marcos A. Caricata República – Zé Povo e o Brasil. São Paulo: Ed. Marco Zero, 1990.
45
57
também que os que o carregam não são apenas eleitores, mas sim capangas, armados
e hostis. Assim a revista estava além de caricaturando o caso, cumprindo seu papel de
57
Revista Vida Fluminense, 22/02/1873.
58
CARVALHO, , José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a república que não foi. 3ª edição.
São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
46
Mas, na década de 1880-90 onde temos a obra de Abreu, o crescimento do
movimento republicano e a intensa agitação social vivida na Corte fizeram com que a
ação das maltas capoeiras atingisse níveis alarmantes. Outro caso que pretendi dar
participavam importantes líderes deste movimento, como Silva Jardim. Acredito ter sido
por capoeiras, uma vez que o grupo de Silva Jardim era um Partido Republicano
oficializado e seu principal dirigente era figura de destaque na cena política nacional.
Através da leitura dos jornais diários da cidade, o que deu maior destaque ao
Jornal do Comércio. O diário assim expôs o caso em sua coluna noticiário policial, em
primeira página:
Em frente do edifício da Sociedade Francesa de Ginástica, onde o Dr. Silva Jardim fazia
uma conferência, foi travada a 1 e ½ hora da tarde renhida luta entre pessoas que
assistiam a Conferência e numeroso grupo de indivíduos, que estavam na rua. Pedras,
garrafas, telhas, paralelepípedos, cadeiras, tudo serviu de projéctil de parte a parte e
numerosos foram os estampidos de tiros de revólver, que se ouviram durante o conflito.60
causa política parecia ser a geradora de toda a situação. Este caso revela a forma
dos quais os malandros e capangas faziam parte. Revela também que esta participação
fazia-se pelo uso da força, da agressão e da violência, porém conferindo a estes grupos
59
BARBOSA, Marinalva. Os donos do Rio. Rio de Janeiro: Ed. Vício de Leitura, 2000.
60
Jornal do Comércio, 31 de dezembro de 1888.
47
maior poder e vantagens na medida em que os pagamentos se faziam por poderosos,
Nos dias seguintes, conferi que houve ampla cobertura do diário à apuração dos
fatos, uma vez que inúmeros senhores de bem presentes no conflito foram alvejados e
público leitor elitizado. Sabendo que os mesmos eram pessoas de influência na cena
política, acredito que o diário apresentava clara tendência a cobrar das forças públicas
O mesmo Sr. Caseaux informou-me que as pessoas do auditório que davam Vivas a
República, correspondera ao povo da rua com Viva a Monarquia, ao Imperador e a
Princesa.61
provocações com a conseqüência do conflito; nos relatos das praças e dos soldados
pedradas e garrafadas dos de fora, seguidos dos primeiros tiros dos de dentro.
61
Jornal do Comércio, 03 de janeiro de 1889.
48
Posteriormente, temos uma verdadeira guerra civil, com um lado trancado dentro
da Sede da Sociedade Francesa disparando contra os de fora, que jogavam tudo para
cima dos encurralados, tentando arrombar-lhes a porta. Nos relatos das prisões e das
levados pela polícia, havia vários relacionados dentre eles feridos pelas mesmas
navalhas.
políticas e que sua atuação determinou uma prática da capoeira expressa de forma
violenta e agressiva, utilizando de armas e meios diversos para sua ação. Esse
potencial da capoeira foi fundamental, pois dele partiu uma série de ataques contra sua
Abreu caiu mais uma vez em ligeira contradição, quando caracterizou os grupos
como bandos, tendendo a mesma visão dos principais jornais e gazetas. Apesar de
49
chamá-los assim, demonstrou posteriormente em suas descrições que eles eram mais
que isso; falou da organização interna das maltas, bem como das regras que os
determinada, com rígida hierarquia imposta pela idade e experiência, o que nos sugere
mais afamados os responsáveis pelo seu ensino e transmissão. E foi justamente esta
dominantes.
capoeira era ensinada e treinada pelos malandros e capangas. Cada malta de capoeira
fazia seu treinamento em dia marcado e local já consagrado, como o próprio autor
indica:
62
ABREU, Plácido de. Os Capoeiras. Rio de Janeiro: Tipografia Part, 1886, p.03.
63
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a república que não foi. 3ª edição.
São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.38.
50
Os Nagôas faziam os mesmos ensaios, com a diferença de que o lugar escolhido por eles
era a Praia do Russel, para com os partidos de São José e Lapa; e Morro do Pinto para
os de Santana.64
seu poder e sua situação. Então a questão da garantia da Freguesia era muito
uma prática da capoeira não letal, pois são golpes que podem causar uma lesão, mas
luta lúdica. No entanto, há elementos claros que atestam uma capoeira violenta, dotada
de poder de morte, utilizando-se para tal do uso de armas brancas, com a consagrada
navalha encenando como preferida. Neste ponto, acredito ser necessária atenção, pois
vemos que a capoeira praticada não se resumia a apenas agressões com armas, mas
havia também elementos lúdicos, que indicam a capoeira apresentar uma versão
através do ensino dos carrapetas: pequeno esperto (atrevido) e audacioso, que brama
estavam praticamente garantidas, uma vez que as freguesias continuariam sob sua
atuação. O aliciamento de menores nas maltas é fato notório, sendo que a capoeira
64
ABREU, Plácido de. Os Capoeiras. Rio de Janeiro: Tipografia Part, 1886, p.02.
65
Ibidem, p.06.
51
para estes garotos garantia poder de barganha e influência como jovens assistentes
acredito estar claro que a capoeira era extremamente dotada de organização, fato que
foi negado pelos autores das gerações seguintes que não a admitiam, atribuindo-lhes
2. d. Rituais de conflito.
atuação nas ruas. Nesta descrição temos a caracterização de uma série de rituais que
possibilitavam aos praticantes da luta uma questão fundamental para sua constituição
Nesse sentido, Abreu fez uma relação dos termos e gírias característicos das
falas dos capoeiras e que expressavam sua natureza social popular e rebelde perante a
ordem social imposta pelos grupos dominantes. Mas do texto também extraí casos em
52
Então, sua tarefa de traduzir as gírias dos capoeiras fez mais do que
mundo clandestino das culturas marginalizadas deste período. Assim podemos pensar
o universo dos capoeiras não somente através da visão das elites, mas também a partir
de sua realidade social e dos próprios meios que utilizavam para sobreviver.
própria dos praticantes, das relações entre os grupos e maltas rivais, seus modos de
atuação, etc. O autor demonstrou conhecer estes aspectos, resultando daí sua fala
parecer muito “de dentro” da capoeira, ou seja, ele teria praticado os movimentos para
descrevê-los tão fielmente na forma poético-literária. Preferi expor todo o texto para
Branquinha: aguardente
Porre: pifão, bebedeira
Cambar: passar de um partido para outro
Tapear: enganar o adversário
Marcha: procura do Adversário
Leva: grito de vitória, perseguição ao inimigo
Pegada: encontro de dois partidos inimigos
Bramar: gritar o nome da província ou casa a que pertence o capoeira
Senhora da Cadeira: Santana
Velho carpinteiro: São José
Velho cansado: São Francisco
Senhora da Palma: Santa Rita
Espada: Senhora da Lapa
Carrapeta: pequeno esperto e audacioso que brama desafiando o inimigo
Sarandage: pequeno capoeira, miuçalha
Vou ver-te cabra: ameaça para brigar
Alfinete, biriba, biscate ou furão: estoque ou faca
Sardinha: navalha
Endireitar: enfrentar com o inimigo
Bracear: dar pancada com os braços
Lamparina: bofetada
Trastejar: dar um golpe falso
Chifrada: cabeçada
Caveira no espelho: cabeçada na cara
Alto da sinagoga: rosto
Baiana: joelhada que se dá depois de se haver saracoteado para tapear o inimigo
53
Pantana: volta sobre o corpo, aplicando os pés contra o peito do adversário
Rabo de arraia: volta sobre o corpo, rodando uma das pernas de encontro ao inimigo
Passo de siricopé: pulo que dá o capoeira depois que faz negaça, para ferir
Caçador: tombo que o capoeira dá, arrastando-se no chão sobre as mãos e o pé
esquerdo e estendendo a perna direita aos pés do adversário.
É direito: é destemido
Firma: não foge
Grampear: pegar à unha o adversário
Foi baleado: está ferido
Melado: sangue
Mole: covarde
Piaba: sem valor
Dar sorte: cair em ridículo ou cousa bem desempenhada
Passo de constrangimento: vacilação do inimigo quando leva um tombo ou é vencido; ato
de retirar-se cabisbaixo
Rujão: batalhão ou sociedade
Distorcer: disfarçar ou retirar por qualquer motivo
Desgalhar: fugir da polícia
Jangada: xadrez de polícia
Palácio de cristal: detenção
Chácara: Casa de Correção
Quero estia, quero tasca, senão bramo: quero parte disto ou daquilo, roubado, senão
denuncio
Arriar: deixar de jogar capoeiragem.66
O autor nos demonstrou que os conflitos entre maltas eram travados por
indícios que a capoeira não possuía neste caso roda, uma vez que as lutas eram
travadas através de conflitos no meio da rua, chamados pela polícia de correrias, item
não faziam parte desta capoeira os instrumentos e ritmos musicais que a caracterizam
atualmente.
66
ABREU, Plácido de. Os Capoeiras. Rio de Janeiro: Tipografia Part, 1886, p.06.
54
Nestes conflitos eram testados os golpes da capoeiragem, aplicados com os pés
direcionavam mais ou menos treinamento, quando de uma surra levada por um dos
descritas por Abreu foi utilizada pela imprensa e pelos grupos dominantes para dar
crime.
A presença da polícia não representava aos capoeiras problema, uma vez que
mais importante na prática dos capoeiras era a identidade. Como eram os bairros (ou
freguesias) os motivos das disputas, identificar-se com uma freguesia era fundamental
no ingresso do sujeito para o universo da capoeira. Já vimos também que a cor foi outra
forma ritualizada encontrada por Abreu para esta identificação. Os guayamus eram
identificados pela cor vermelha, e os nagôas pela cor branca. A questão das cores
capoeira como instituição social. Na narrativa o autor assim expôs como a questão da
Podemos observar mais uma vez os capoeiras sem a menor preocupação com
conflitos pelo simples fato de encontrarem adversários, sem ter havido motivação prévia
para tal. Destaco que o ritual de provocação de um conflito iniciava-se com a utilização
culminando assim com sua proibição. Pelo fato do capoeira entrar em um recinto
comercial causando uma briga, vemos que a identidade não passava apenas pela
e situação privilegiada.
milicianos organizados:
Quando, por exemplo, a banda de música sahe do centro da cidade, isto é da terra dos
Guayamús, e dirigi-se para os lados da Lapa ou Cidade Nova, os capoeiras que
pertencem aqueles partidos acompanham o Batalhão, prevenidos para o encontro com os
Nagôas, visto irem à “terra alheia”.
Estes já os esperam e, chegada a música ao local onde se acham, sahe o carrapeta
(pequeno esperto e atrevido) de entre os companheiros com direção aos Guayamús e
brada:
67
ABREU, Plácido de. Os Capoeiras. Rio de Janeiro: Tipografia Part, 1886, p.02.
56
_É a Lapa! ... é a Espada. Quando é daquela província.
_ É a Senhora da Cadeira! Quando é de Santana.
_ É o Velho Carpinteiro! Quando é de São José.
E assim por diante. Então trava-se a luta.68
marchas públicas já podia ser motivo para atenção das autoridades policiais, mas não,
audácia e valentia, indo à frente dos préstitos gritando o nome dos inimigos a sua
primeira vista.
Acredito que estes rituais tinham por papel dar identidade aos grupos sociais
desafiarem a ordem pública, que era na realidade sua própria algoz, atenta
controladora.
capoeiragem, pertencer o sujeito a uma freguesia (ou bairro), ser conhecido nas ruas
por valente, adquirir “status” numa sociedade elitizada, na qual os negros não tinham
Observamos assim que Abreu não aceitava a condição social dos que a
praticavam, mas ele também não deu nenhum indício de que desejava sua melhoria
nem apontava alternativa política para tal. Assim em sua obra temos uma tendência a
esta opinião surgia em função da situação de marginalização social dos que praticavam
68
ABREU, Plácido de. Os Capoeiras. Rio de Janeiro: Tipografia Part, 1886, p.03.
57
Morais, que este tinha objetibvos mais claros e definidos para uma nova prática da
58
CAPÍTULO 3
CIENTÍFICO (1901-1909)
Destaco a obra de Alexandre Mello Morais Filho por ter sido o primeiro a publicar
por parte das autoridades policiais através de sua classificação como crime previsto em
lei.
Mello Morais era baiano, mas passou a maior parte de sua vida no Rio de
família o preparava para as ordenanças para o clero, ou seja, planejava fazê-lo padre,
assim foi enviado pela primeira vez ao Rio de Janeiro em 1866, matriculando-se no
Seminário de São José. Posteriormente, regressando para Salvador para concluir sua
em uma república estudantil, em função de sua família ter tido problemas financeiros e
praticamente falido.
nossa literatura como Castro Alves, Lapa Pinto, Pedro Moreira, dentre outros. Com esta
sobre o Brasil e nossa cultura em terras estrangeiras; este jornal acabou não tendo
muito sucesso, fechando pouco tempo depois. Assim, o autor mudou-se para a Bélgica,
onde estudou Medicina, chegando inclusive a formar-se em curso oficial. Acredito que
esta última passagem foi importante na constituição do discurso de Mello Morais, dando
um forte tom cientificista às suas interpretações, o que aparecerá bem explícito em sua
obra quando ele refere-se às culturas e costumes de origem africana e indígena, que
fim de sua vida. A partir deste regresso, Mello Morais viveu um período de intensas
interesse e gosto pelas coisas do Brasil, passando a partir daí a dedicar sua obra na
mas também produziu diversos ensaios sobre história literária, poesia, crítica de arte,
dois personagens de uma mesma história, mas com papéis distantes. Abreu era
e voltando ao país para colher os frutos que seu diploma lhe possibilitaria. Mas ambos
Em uma das mais originais obras produzidas sobre cultura popular do início do
Brasil69, Mello Morais abordou uma série de manifestações, rituais e eventos culturais
das ruas da capital, demonstrando ser a arte/ luta uma prática já difundida e conhecida
em nossos meios sociais. Destaco esta característica como uma primeira valorização
69
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901.
61
Neste estudo, Mello Morais passou pelos mesmos temas observados por Abreu,
mas com questões pertinentes a sua época. Analisei suas argumentações, buscando
fundamentações de seus discursos sobre a capoeira. Acredito que Mello Morais teve
mais subsídios para investigar os temas, apresentando mais conhecimento das culturas
memorialista70, ficando claro em diversos momentos ele rememorar por sua própria
Abreu que ele descrevia acontecimentos de sua época, inclusive mantendo relações
com capoeiras, já Mello Morais observa uma capoeira quase extinta, buscando valores
como fonte para o historiador, mas analisar o olhar dos autores sobre a capoeira, e no
obra. Destaco que, nesta obra, ele não desejou apenas relembrar os fatos vividos, se
que suas referências eram mais volumosas e a estruturação de seu discurso estava
70
Entendo aqui memorialista como um estudo baseado nas lembranças de sujeitos reais, que
vivenciaram determinada época ou situação a ser lembrada. E essas lembranças têm o papel de dar
novo significado ao momento em que o próprio sujeito que recorda vive, às suas expectativas e à sua
própria condição. Para tal, tomo como referência a definição de Marilena Chauí, desenvolvida na
Apresentação de Memória e Sociedade, de Ecléa Bosi, lembrar não é reviver, mas re-fazer. É reflexão,
compreensão do agora a partir do outrora; é sentimento, reaparição do feito e do ido, não sua mera
repetição.
62
baseada numa visão científica, portanto seu olhar sobre a prática da capoeira mais
e disputas travadas entre das maltas e por fim uma descrição dos rituais de luta, da
científico da prática.
principalmente lutas praticadas em outros países. Assim, ele buscou através do estudo
européias produtoras e exportadoras de cultura civilizada, tema que o próprio autor faz
71
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901, p.257.
63
Quando Melo Moraes comparou a capoeira ao boxe inglês, ao savate francês e o
jogo de pau português, o que me pareceu claro foi sua intenção em elevar o Brasil
frente estas nações. É importante lembrar que nesta época as elites dominantes do
Inglaterra. Pela análise do texto percebi que a intenção do autor para com a capoeira
era utilizar-se dela para melhorar a imagem do país, garantindo nossa grandiosidade
capoeira e de suas façanhas, sua visão mostrou-se elitista como a de Abreu. Ele foi
Em sua obra ele não deixa claro qual ponto de referência está tomando para
inferiorizar os capoeiras, mas acredito que sua referência seja o grupo social dominante
do qual fazia parte. Com outro trecho podemos ver como sua visão elitista abarca
Quando estudávamos no Colégio de Pedro II, foi nosso lente de francês o bacharel
Gonçalves, bom professor e melhor capoeira. (...) O Dr. D.M., jurisconsulto eminente e
deslumbrante glória da tribuna criminal, cultivou em sua mocidade essa luta nacional,
entusiasticamente levada a excessos pelo povo baixo, que a afogou nas desordens, em
correrias reprovadas, em homicídios horrorosos.72
72
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901, p.258.
64
Vemos que Mello Morais “enobrece” a capoeira, atribuindo a ela a participação
inferioriza quando praticada nas ruas, caracterizando por povo baixo os malandros que
que ele aceitava a capoeira quando realizada civilizadamente, por pessoas de “boa
referência”, mas tendia a seu controle, lembrando que a capoeira de sua época já havia
ginástica:
O capoeira não é nada mais nem nada menos do que o homem que entre dez e doze
anos começou a educar-se nesse jogo (a capoeiragem), que põe em contribuição a força
muscular, a flexibilidade das articulações e a rapidez dos movimetnos – uma ginástica
degenerada em poderosos recursos de agressão e pasmosos auxílios de desafronta.73
Percebemos em sua fala que ele deu destaque aos elementos presentes na
capital federal.
73
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901, p. 258.
65
valorização e disseminação de novos modos, costumes e valores na sociedade
Entre 1908 e 1910 a Marinha Brasileira realizou ampla campanha a favor do jiu-
jitsu, a ser ensinado como ginástica nas forças armadas. Mas o projeto da Marinha e
despertava interesses à imprensa, uma vez que novos grupos atraídos pela arte-luta
no centro do Rio de Janeiro. A luta foi acompanhada por grande platéia, o que sugere
popular.
Ciríaco em primeiro plano - vale destacar que a utilização da fotografia como recurso
74
CRUZ, Heloísa F. São Paulo em papel e tinta – periodismo e vida urbana (1890-1915). São Paulo: Ed.
EDUC, 2000.
75
MARTINS, Ana Luísa. Revistas em Revista-imprensa e práticas culturais em tempos de república
(1890-1922). São Paulo: Ed. EDUSP, 2001, p.345.
66
técnico novíssimo à época tinha como propósito dar maior destaque ao caso, bem
fina malandragem da época, em terno de linho branco, bengala a mão, chamada por
ele Santo Antônio 16, além de seu chapéu de banda. Lemos no rodapé da fotografia a
76
KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Ed. Ática, 1989.
67
O creoulo Ciríaco, agilissimo, pacifico e celebre capoeira, conduzido pela Avenida Central
em alegre troça de estudantes que o proclamam em altas vozes – o vencedor do jiu-jitsu e
doutor de borla e capello, em capoeiragem...77
também deu conta de prestar crédito ao caso. Ela prestou homenagem através de
próprio capoeira.
alegando estar trazendo ao seu público leitor a verdadeira narrativa dos acontecimentos
e até para surpresa do próprio capoeira, que pedira que sua fisionomia e características
Cheguei em frente cum ele, dei minhas cuntinença e fiz a primeira ginga, carculei a artura
do negrinho, a meiada das perna, risquei com a mão pra espantá tico-tico, o camarada
tremeu, eu disse: Antão? Como é? Ou tu leva o 41 dobrado ou tu está ruim comigo,
pruque eu imbolá, não imbolo. O japonês tremeu, risquei ele por baixo, dei o passo da
limpeza gerá, o negrinho aturduou, mexeu, mas não cahio.
Aí, Ciríaco! Entra com teu jogo inteiro! Eu me queimei e já sabe: tampei premeo, distroci a
esquerda, virei a pantana, óia o home levando com o rabo-de-arraia pela chocolatera.
Deu o ar comprimido e foi cume poeira. Ahi eu fiz o manejo da cumprimentação e convidei
o home pro relógio de repetição, mas o gringo se acontentou com a chamada e se deu
por satisfeito.78
adversário japonês. Pela sua fala, após atingir o estrangeiro com golpes precisos, o
77
Revista O Malho, 13 de agosto de 1910.
78
Revista A Notícia, 19 de maio de 1909.
68
situação piorasse. Claro que existe aqui tom vantajoso do malandro, mas a luta de fato
69
Vemos Ciríaco mais uma vez cercado pelos estudantes de medicina, realizando
não identificado, exibindo sua categoria ao desfilar dentre eles muito bem trajado,
assumindo-a como nosso jogo contra a influência estrangeira, representada pelo jogo
japonês, o que indica que ela também demonstrava a preocupação de retratar e elevar
se exibiam internacionalmente.
como meio atrativo de novo público e a capoeira era digna representante nacional desta
modalidade esportiva.
Pudemos observar assim que, através das páginas das revistas ilustradas, a
capoeira era utilizada como forma de se criar uma identidade nacional, forjada entre o
público leitor masculino e a capoeira como luta nacional, capaz que hostilizar qualquer
luta estrangeira.
Acredito que este caso representou justamente o tipo de capoeira defendido por
Mello Morais (para ele autêntica luta nacional) e que agradaria os grupos sociais que
antes tinham medo e não aceitavam a antiga prática dos capangas eleitorais. Fica claro
também que o desejo deste autor por uma capoeira civilizada era compartilhado pelas
70
revistas periódicas, importantes como meio de comunicação difundido dentre as elites
consumidoras.
como prática, aceitando-a como esporte nacional, e que esse movimento foi se
praticá-la nos meios sociais que nas décadas anteriores foram tão hostis.
Como a febre amarella, que não sabemos porque espanta tanta gente e quer-se a todo
instante debelar, a capoeiragem, que é uma luta nacional, degenerando em assassinatos,
tem merecido perseguição sem descanso, guerra sem condições. Entretanto na Europa o
tifo, a difteria, o cólera e mais epidemias produzem anualmente grandes destroços e a
ciência não cogitou nunca do seu extermínio, mas de preveni-la; os jogos de destreza e
71
de força são regulados em seu exercício, disciplinados pela arte, não havendo quem se
oponha senão aos abusos.79
refere-se aqui à perseguição policial sobre a capoeira, mas como se posiciona frente ao
controle das atividades culturais? Os abusos citados pelo autor seriam os conflitos
praticados nas ruas da capital federal, encabeçados pelas maltas capoeiras? Assim ele
indicou pensar a capoeira não como um corpo criminalizado, mas sim como um corpo-
capoeiras na capital federal, através de Sampaio Ferraz. Nesta data, uma série de
para o Brasil. E quando ele diz tem merecido perseguição sem descanso, guerra sem
79
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901, p.257.
72
faria sobre seu microscópio, buscando vencer alguma chaga endêmica. Mais para
frente em sua exposição, ele volta a esta visão sobre a arte da malandragem:
Essas lutas, essas aptidões, que variam de povo para povo, mas com o fim que acima
indicamos, concorrem para reunir mais um traço à fisionomia nacional, e têm merecido de
espíritos eminentes sérias reflexões: Darwin e Ribot socorreram-se desses elementos no
estudo da generalização das leis da hereditariedade.80
Com estas colocações o autor demonstrou possuir uma visão eugenista no que
se refere à discussão sobre as classes sociais no Brasil. Vemos assim que a ideologia
do melhoramento racial era pano de fundo utilizado pelas elites dominantes para se
entender e explicar as questões culturais observadas pelas ruas e praças das principais
discurso de Mello Morais frente às manifestações populares, apesar dele acreditar tratar
80
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901, p.258.
81
SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças – Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil. 7ª
edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
73
Entre as nossas classes populares avultou sempre neste país assinalando nos primeiros
tempos costumes de uma torrente de imigração africana, e depois um herança na
mestiçagem nos conflitos das raças.82
Para Mello Morais, vemos que a questão das culturas formadoras da nação
estava mais realista que para Abreu. Ele remete aos africanos parte da
culturalmente por sua origem. Mas, como cientista social, acreditava que a
histórico, ele retomou a primeira metade do séc. XIX, alegando esta ter sido uma
Nas garrafadas de março, um dos nossos mais eloqüentes oradores sagrados fez
prodígios nesse jogo, livrando-se de seus agressores; recordamo-nos ainda de um frade
do Carmo, que, por ocasião de uma procissão do Enterro, debandou a cabeçadas e a
rasteiras um grupo de indivíduos imprudentes que o provocaram.83
Vemos que o autor criou uma imagem da capoeira – indicando a partir da década
de 1830 – ter sido heróica, o que acredito ser uma visão distorcida deste momento.
sobre a capoeira das décadas de 1810-50 ter sido alvo de inúmeras queixas por parte
pelos próprios chefes de polícia da corte quando não davam conta de conter tantos
82
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901 p.257.
83
Ibidem, p.259.
84
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A Capoeira Escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro
(1808-1850). Campinas: UNICAMP, 2001.
85
Ibidem, p.21
74
Em outra passagem ele apresenta outra visão distorcida sobre o passado da
capoeira:
Podemos observar que Mello Morais via a capoeira de seu tempo como uma arte
falida, sendo ela praticada por uma gente de péssima índole social, assassinos e
gatunos, conforme sua tipologia. E por se referir a um tempo antigo onde a capoeira
seria disciplinada, acredito que o autor clamava assim por um ideal disciplinador para
Nesta definição, vemos claramente que a postura de Mello Morais era interferir
não somente na prática da capoeira, como também de criar uma idéia generalizadora
86
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901, p.260.
87
REIS, Letícia Vidor de S. O mundo de pernas para o ar – a capoeira no Brasil. 2ª edição. São Paulo:
Publisher Brasil, 2000.
75
sobre suas origens, forjando um sentido histórico e uma série de valores pertinentes a
partidárias, na mesma direção de Abreu. Com uma descrição mais detalhada desta,
assim falou:
Os capoeiras formam maltas, isto é grupos de vinte a cem, que a frente dos batalhões,
dos préstitos carnavalescos, nos dias de festas nacionais provocam desordens,
esbordoam, ferem, etc...88
Ele não se referiu mais aos famosos grupos da década de 1870-80, guayamus e
eventos cívicos nacionais. Acredito que assim ele apontou na direção de aceitá-la mais
grupo social, simplesmente relatando o que a memória social guardara dos capoeiras
daquela época antiga: desordens, feridos, etc. Não há em seu olhar indício de
organização estruturada da parte das maltas, o que indica que Mello Morais não
88
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901, p.258.
76
aceitava esta capacidade na arte da malandragem, mais uma vez os inferiorizando
Ele não pode deixar de mencionar os bairros e os nomes de guerra pelos quais
desordeiros:
O capoeira antigo tinha igualmente seus bairros, o ponto de reunião das maltas; suas
escolas eram as praças, as ruas, os corredores. A malta de Santa Luzia chamava-se a
dos luzianos; a do Castelo, de Santo Inácio; a de São Jorge, da lança; dos ossos a do
Bom Senhor Jesus do Calvário; flor da uva, a de Santa Rita, etc.90
Observamos que ele já fala das maltas como ocorridas em outro tempo,
rememorando-a, dando indícios de que em sua época estas freguesias já não viviam
seus protagonistas, ele deu indícios de que sua prática fizera escola pelas ruas, praças
e corredores, dando a ela status de cultura popular urbana sacrallizada através de seus
agentes, os capoeiras.
rememorou a questão:
Ao seu ombro tisnado escorou-se até há pouco o senado e a câmara, para onde, a luz da
navalha, muitos dos que nos governam, subiram(...)
Alistados nos batalhões da Guarda Nacional, os capoeiras exerciam poderosa influência
nos pleitos eleitorais, decidiam das votações, porque ninguém melhor do que eles
arregimentava fósforos, emprenhava urnas, afugentava votantes.91
89
Ver Cap.1, LIBERAC, Antonio C. P. A capoeira no jogo das cores – Criminalidade, Cultura e Racismo
no Rio de Janeiro (1890-1937).
90
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901, p.259.
91
Ibidem, p.259.
77
Mello Morais enfatizou que diversos políticos da mais alta classe política
algum Mello Morais questiona esse uso político dos capoeiras, apenas descrevendo
seu trabalho rude de agressores e capangas eficazes. Vale questionar se ele estava
Observamos que ele fala da capoeira tendo servido apenas de ferramenta nas
Assim ele abordou o tema das maltas e do jogo político-partidário, tratando dele
a formação cultural da socidade, não entrar nesta questão da prática poítica foi uma
falha na obra de Mello Morais. Ele tinha uma idéia civilzadora da capoeira, mas não das
92
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901, p.260.
78
2. e. Os rituais na prática da capoeira.
movimentos, Mello Morais foi mais descritivo que Abreu, pois ele tinha o objetivo claro
Mais uma vez podemos observar que a violência fazia parte desta prática de
capoeira e que as armas sugerem que os conflitos e disputas acabavam com mortes e
93
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901, p.260.
79
feridos gravemente, advindo daí o temor das elites dominantes na prática descontrolada
da arte-luta.
massa corporal.
Mello Morais não pode deixar de atestar as características rituais que também
foram enxergadas por Abreu, o que nos sugere sua força enquanto memória social. A
A capoeiragem antiga e moderna tem a sua gíria, a sua maneira de expressão, pela qual
são compreendidos os lances do jogo. Deveras arriscados, difíceis, e dependendo de
rapidez e hábito, não é sem longa prática que conseguem tais lutadores fazer-se
notáveis.94
94
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Tecnho Print, 1901, p.261.
80
maior tempo de prática, outro indício de perpetuação desta manifestção popular em
destacar sua força como luta nacional. Percebi que houve uma evolução na aceitação
observei que, sem a referência cientifica e a apropriação cultural engendrada pela elite
nacional dariam a direção neste processo, e estes sujeitos não foram os malandros
observei que sua obra esteve baseada no próprio ensaio de Mello Morais, publicado
cinco anos antes. Neste sentido, acredito que Campos apontava na mesma direção,
destaque principal aos aspectos sociais da alta elite carioca, com tendência à
modernidade e aos avanços que a vida urbana observava através de novos produtos e
mulheres95.
Janeiro, festas requintadas, cabarés, o que nos indica que seu público leitor era
Lima Campos responsabilizou-se por ter escrito uma das grandes referências
publicou em sua coluna o artigo Nosso Jogo: a Capoeira, contendo um grande texto,
95
MARTINS, Ana Luísa. Revistas em Revista-imprensa e práticas culturais em tempos de república
(1890-1922), São Paulo: Ed. EDUSP, 2001.
96
Para referências deste caricaturista, ver SILVA, Marcos A. Caricata República – Zé Povo e o Brasil. São
Paulo: Ed. Marco Zero, 1990.
82
falas e gírias populares dos próprios capoeiras (incluí em capítulo extra de Anexos, ao
final da pesquisa) pelo fato de ter acompanhado a edição da reportagem Nosso Jogo e
constituição de seu discurso, conforme trabalhado com os outros autores. Dividi este
histórico através do séc. XIX, culminando com o que ele chamou de atualidade, as
edição buscando uma reposta ou comentários por carta do público leitor, esperando
ansioso por uma repercussão do fato, mas sem sucesso. A revista não mais divulgou
Das cinco grandes lutas populares: a savata francesa, o jiu-jitsu japonês, o Box inglês, o
pau português, é a nossa capoeira (...) a melhor e mais terrível como recurso individual de
defesa certa ou de ataque impune.97
97
Revista Kosmos, março de 1906.
83
destituí-las de seus sujeitos produtores – os marginalizados, como no caso dos
Das cinco grandes lutas populares ... a nossa capoeira... a melhor e mais terrível. (...) o
que bem indica o grande valor defensivo que possue essa estratégia popular e que a
coloca acima de todas as congêneres de qualquer outra nacionalidade.98
caracterização popular para a capoeira, referendando-a como prática vinda das classes
marginalizadas, mas o destaque em seu discurso sempre tendia a elevá-la como luta a
capoeira, desde sua origem à sua trajetória nos tempos do Império. Nesta passagem,
Campos tinha pouco espaço na Revista, portanto seu histórico foi diminuído,
98
Revista Kosmos, março de 1906.
99
Revista Kosmos, março de 1906.
84
Conforme esta apresentação da capoeira, o autor a desliga completamente de
qualquer relação com a cultura africana. Para ele, ela representou sim a luta do mais
fraco contra o mais forte, mas em sua visão o mais fraco era o mestiço brasileiro,
africanas para dar a ela o status de cultura nacional, portanto branca mesmo que ainda
mestiça. Aliado aos conceitos melhoradores da raça brasileira, o mestiço era sim
portanto a capoeira seria uma autêntica invenção cultural nacional para superar sujeitos
Creou-a o espírito inventivo do mestiço, por que a capoeira não é portugueza nem é
negra, é mulata, é cafusa e é mameluca, isto é – é cruzada, é mestiça, tendo-lhe o
mestiço anexado, por princípios atávicos e com adaptação inteligente, a navalha dos
fadistas da mouraria lisboêta, alguns movimentos sambados e simiescos do africano e,
sobretudo, a agilidade, a levipedez felina e pasmosa do índio nos saltos rápidos leves e
imprevistos para um lado e outro, para vante e, surprehendentemente, como um tigrino
real, para traz, dando sempre a frente ao inimigo.100
a questão de associar a cultura popular a uma idéia generalizadora de mestiço, fez com
do tipo nacional. O autor negou visivelmente não ser a capoeira africana, dando aos
Referente às características simiescas revela o autor possuir uma visão elitista sobre a
imensa tradição cultural africana, uma vez que esta associação intensificou-se
100
Revista Kosmos, março de 1906.
85
principalmente a partir de teses defendidas pela ideologia do branqueamento já
discutidas.
cultura nacional, dissociando-a das tradições culturais africanas foi uma primeira
característica que deu condições à capoeira passar a ser aceita socialmente, mesmo
que ainda de forma muito gradual. Podemos observar que ele valorizou por demais as
Tendo a sua gênese em dois pontos diversos: ao norte em Pernambuco, nos primeiros
faquistas contra o marinheiro, como, em represália a autonomasia de cabritos,
apelidavam os cafagestes o ex-possessor, apelido aliás honroso, e, ao sul, aqui no Rio,
nos primeiros capoeiras propriamente ditos (porque a capoeira legítima é por excelência
carioca).101
Assim Campos entrou no âmbito das origens da capoeira atribuindo a ela ser
Ele não fez nenhuma menção a capoeiragem de São Salvador da Bahia ou ao grande
celeiro de capoeiras que fora o recôncavo baiano. Como sabemos de larga data ter sido
101
Revista Kosmos, março de 1906.
102
REGO, Waldeloir. Capoeira Angola - Ensaio Sócio-Etnográfico. Salvador: UFBA, 1968.
86
Posteriormente ele analisou os meados do séc. XIX, referindo-se às décadas de
1870 e 80 como o período áureo da capoeira, atribuindo a este uma fase de instituição
não pode deixar Campos de referir-se aos Guayamus e Nagoas, protagonistas da fase
Sampaio Ferraz, Chefe de Polícia já citado. No entanto, em momento algum o autor fez
Quando chefe de polícia do governo provisório, em 1890, Sampaio Ferraz, deu caça
tenaz e de morte às maltas, conseguindo destroça-las, pela elimininação dos chefes e dos
imediatos de mais ascendência.103
atestando a necessidade de se controlá-la, uma vez que citou Sampaio Ferraz e sua
tenacidade ao realizar seu trabalho de destroça-las. Como ele escreveu este artigo
numa fase em que mudanças indicavam novo rumo à própria prática da capoeira,
acredito que o autor assim difundia a capoeira, como se cada abuso cometido por seus
a civilizadamente.
Ao tratar de sua atualidade, o escritor fez críticas aos capoeiras de sua geração:
Hoje a capoeira é usada com caráter menos profissional e sem arregimentação séria e
disciplinada como outrora, quando a organização e a manutenção das maltas obedeciam
às disciplinas de uma regulamentação perfeita e um verdadeiro quadro de classe, dsede
as chefias e as sub-chefias até os carrapetas..os capoeiras modernos não levam já a
esses extremos o amor a arte; são mais, a bem dizer mashorqueiros navalhistas,
faquistas enfim, estrilhadeiros avulsos, que própria, exclusiva, profissional e
arregimentamente capoeiras.104
103
Revista Kosmos, março de 1906.
104
Revista Kosmos, março de 1906.
87
Concluiu o escritor ser a capoeira de sua época prática dada aos ladrões,
Explorando também o autor Lima Campos (na obra a autora ainda não havia
tomado ciência do nome deste autor, uma vez que sua publicação fazia-se apenas com
as iniciais L. C.), ela indicou que ele tirou da capoeira sua essência africana105,
atribuindo aos índios da terra a levipedez felina e pasmosa nos saltos rápidos, leves e
real, para traz, dando sempre frente ao inimigo. Ao negro criador da luta, restou ter
fundamentando assim um discurso sobre sua trajetória e prática? Segundo sua visão,
qual o sentido de se praticar a capoeira? Para quais sujeitos e grupos ele estava
através da pesquisa. Lima Campos não escondeu sua visão cultural branqueadora,
onde buscou dissociar da cultura nacional por ele imaginada as tradições sócio-
culturais africanas; para ele, a capoeira aparecia como produto da mestiçagem cultural
105
Revista Kosmos, março de 1906.
88
nacional, sintonizando-se mais uma vez com o discurso de Mello Morais de se aceitar
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O início desta pesquisa se deu a partir de meu TCC, onde investiguei as origens
adeptos das mesmas. Trabalhei como fontes revistas atuais sobre capoeira, onde tinha
diversas entrevistas e artigos históricos sobre os mestres e seus alunos que mantinham
seu trabalho.
programa de História, o objetivo inicial era investigar dois eventos ocorridos no Rio de
capoeira como esporte nacional. Então, meu objetivo principal foi investigar estes
aceita como esporte, e não apenas como luta estigmatizada pela violência e temor,
No entanto, tive grande dificuldade em trabalhar com este evento, pois em visita
de Documentação), descobri que este evento não foi registrado pela aeronáutica, não
90
constava nenhuma ata ou relatório de cobertura do evento. Averiguando o ocorrido
neste evento, notei que os mestres da capoeira não se sentiram a vontade durante o
ditadura intensa que o país atravessava. E esta confirmação obtive com depoimentos
colhidos de mestres que participaram deste evento, relatados em revista atual sobre
capoeira106. Busquei assim contato com estes mestres, visando atingir o ocorrido
durante os simpósios; atingi seus contatos via internet, e descobri que ambos eram
resposta não foi promissora, uma vez que não se mostraram favoráveis a relembrar do
Simpósio (atestando não ter sido muito bom o contato entre os mestres e os
mestres não foi fator positivo, pois meu trabalho não me permitia viajar e permanecer
tempo suficiente com os mestres para colher deles depoimentos seguros sobre o
malandros das ruas da capital federal em esporte regrado e regido por normas e
padrões moralizantes. Por questão de gosto e interesse por esta temática, delimitei este
106
Revista Capoeira, São Paulo, setembro de 1998 a junho de 2000.
91
Arquivos Públicos ou de Instituições Universitárias, fato que para minha realidade
profissional foi mais adequado. Nos trabalhos citados as fontes correspondiam a livros
encontrei grande parte das revistas e autores que não encontrei facilmente em livrarias;
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, pesquisar neste local foi um dos momentos mais
marcantes de minha pesquisa, pois encontrei todos os livros e autores de época citados
a mudança no trato da capoeira, tanto pelas imagens como pela própria divulgação de
uma prática não mais marginalizada, mas sim possível de representar a cultura do país.
Assim, a evolução do tema através da Dissertação seguiu a própria trilha deixada pelas
fontes sondadas, fato que destaquei em cada capítulo, com a especificidade de cada
da capoeira, uma vez que uma questão ainda latente venha a ser a culpabilidade que
sociais elitizadas. A partir das pesquisas e análises que realizei, creio dar conta de
93
FONTES LITERÁRIAS:
MELLO MORAIS FILHO, Alexandre José de. Festas e tradições populares no Brasil.
Rio de Janeiro: Ed. Tecnho Print, 1901.
FONTES PERIÓDICAS:
94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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AREIAS, Anande das. O que é capoeira. 4ª edição. São Paulo: Editora da Tribo, 1999.
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BARROS, Edgar Luiz de. O Brasil de 1945 a 1964. 3ª edição. Repensando a História.
São Paulo: Ed. Contexto, 1990.
BARROS, Edgar Luiz de. Os Governos Militares. 3ª edição. Repensando a História. São
Paulo: Ed. Contexto, 1990.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política – ensaios sobre literatura e história
cultural. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1986.
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Cia das Letras, 1989.
CAPOEIRA, Nestor. Capoeira – Galo já canto. 4ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Record,
1999.
CARVALHO, José Murilo de. “Entre a liberdade dos antigos e modernos: a República
no Brasil”. In: Pontos e Bordados – ensaios de história e política. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 1998.
95
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a república que não
foi. 3ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
CRUZ, Heloisa Faria de. São Paulo em papel e tinta – periodismo e vida urbana (1890-
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HOBSBAWN, Eric e RANGER, Terence. A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Ed.
Paz e Terra, 1997.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens - o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Ed.
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MATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema
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MESTRE BOLA SETE. A Capoeira Angola na Bahia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Ed.
Pallas, 1997.
96
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séculos de imagens sobre o negro no Brasil (1637-1899). São Paulo: Edusp, 2000.
PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2001.
REIS, João José e GOMES, Flávio dos Santos. Liberdade por um fio – História dos
quilombos no Brasil. 3ª Reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil – A história do levante dos Malês em
1835. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984.
SILVA, Marcos A. Caricata República – Zé Povo e o Brasil. São Paulo: Ed. Marco Zero,
1990.
97
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A Capoeira Escrava e outras tradições rebeldes no
Rio de Janeiro (1808-1850). Campinas: UNICAMP, 2001.
SODRÉ, Muniz. Mestre Bimba – corpo de mandinga. Rio de Janeiro: Ed. Manatti, 2002.
VIEIRA, Luiz Renato. O jogo de capoeira – cultura popular no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Sprint, 1998.
COLEÇÃO Lex - Anuário de Leis e Decretos Oficiais. São Paulo: Tipografia do Diário
Oficial, títulos consultados: 1890, 1941, 1943, 1953, 1972, 1973.
OLIVEIRA, André Luis de. O significado dos gestos no jogo da capoeira. São Paulo:
Psicologia PUC-SP, 1993.
VIEIRA, Sérgio L. de S. Capoeira – Matriz Cultural para uma educação física brasileira.
São Paulo: Educação PUC-SP, 1997.
98
ARQUIVOS E BIBLIOTECAS CONSULTADOS
99
ANEXOS
Não te conto nada seu compadre! O samba esteve cuerêréca. No fim que houve uma
choramella de escacha. O Cara Queimada estava de sorte com a Quinota quando o marchante
O marchante era sarado, foi logo encaroçando a joça. Eu tive que entrar com meu o meu jogo,
sim, tu sabes, que não vou nisso, e ali eu estava separado, não havia cara que me levasse
vantagem. Quando a coisa estava preta eu fui ver como era p´ra contar como foi.
100
A peneiração
Com pouco vi o cabra peneirando na minha frente, dansei de velho, o typo era bom! Sambou em
entrou no cateretê comigo...
101
A cocada
Fiz duas chamadas nos materiais rodantes, de uma palma, sempre com os mirones grelados no
meço, o cabra não leu... fiz uma figuração por cima para o bruto fugir com o carão, e grampeei
o indivíduo. Chamei o cabra na xinga, levei a caveira de lado e fui buscar o machinismo
mastigante do poeta.
O cabra engoliu a língua, danou-se, não perdeu a cisma, ganhou tento e compareceu de novo...
102
O calço ou a rasteira
Cahi no bahiano rente a poeira, e isquei-lhe um rabo-de-arraia que o marreco voou na alegria
do tombo, indo amarrotar a tampa do juízo numa canastra, e ahi gritei: Entra negrada! O turuna
103
A lamparina
Grimpei, perdi a estribeira, cocei-me, dei de mão na barbeira e... ia sapecar-lhe um rabo de
104
Meter o andante
Ahi não conversei, grudei na parede, escorei o tronco, e meti-lhe o andante na caixa de comida.
O dreco bispando que eu não era pecco, chamou na canela que si bem corre, está muito longe...
105
Typos e uniformes dos antigos Nagôas e Guayamús, sendo os principais distintivos dos primeiros
cinta com cores branca sobre a encarnada e chapéo de aba batida para a frente e dos segundos
106