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“ESTILOS DE CAPOEIRA”

(Texto baseado na Tese de Mestrado em


Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob o título:
Capoeira – Matriz Cultural para uma Educação Física Brasileira – autor: Prof.
Sérgio Luiz de Souza Vieira – maio/1997.)

Muito se tem escrito sobre os “estilos” da capoeira: a Angola e a


Regional. Neste capítulo abordaremos um pouco sobre a contribuição de cada
um dos seus expoentes máximos: Mestre Pastinha e Mestre Bimba contudo é
necessário esclarecer que esta divergência na realidade acontece somente fora
da roda de Capoeira, posto que se todos se juntarem numa única roda, irão
respeitar os mesmos procedimentos, cantando uníssonos, jogando de igual
para igual com outros de procedimentos ‘rotuladamente’ diferentes.
Isto nos leva a crer, que existe uma grande diversificação quanto à
identidade dos grupos, e em assim o sendo “visando interferir na realidade
social a partir da existência de conflitos” (Maar, W. L. 1994 pg. 8) exercendo
uma pressão política junto a este dinâmico processo histórico. Todavia, como
tais ‘atividades associadas’ ocorrem fora da roda e não dentro da mesma,
estamos nos referindo a uma mesma Capoeira, que vem se unificando por si só
gradativamente, pois na sede de trocar de informações e de buscar novos
conhecimentos as gerações mais novas acabam por conviver simultaneamente
com diferentes procedimentos, sem causar choques culturais, entendendo que
as mesmas fazem parte de uma riqueza que deve ser preservada em sua
totalidade.
Foto 15 e 16: Roda de Capoeira em Miami, Florida - EUA, com participação
de capoeiristas de grupos destintos
Em outras palavras, as duas colunas de sustentação da Capoeira neste
século, chamadas ‘Angola’ e ‘Regional’, são reproduzidas dentro de uma
mesma academia, que por sua vez passaram a adotar ambos procedimentos,
pois o que interessa é ‘obedecer ao toque do berimbau’, que é considerado o
‘Mestre dos Mestres’. Assim se o berimbau comandar um toque do padrão
angola, o jogo será de angola e por contrário, se o toque comandado for do
padrão regional, o jogo será regional.
Tanto uma orquestra de angola quanto a de regional tem condições de
realizar qualquer toque independentemente de fazer parte de seu acervo ou
não, pois são apenas instrumentos musicais, da mesma forma que uma tuba,
um piano ou uma corneta podem tocar um ritmo de São Bento Grande. Tal
característica é mantida não só no Brasil, como no exterior, com exceção de
poucos ortodoxos, que ainda preservam tais tradições principalmente na
Cidade de Salvador - BA.

MESTRE BIMBA
Mestre Bimba, entra para a história como sendo o primeiro Mestre
conseguir um registro oficial para sua academia, através de um alvará de
funcionamento expedido pela Secretaria da Educação Saúde e Assistência
Pública - Inspetoria do Ensino Secundário e Profissional, que a reconhecia
como Curso de Educação Física, datado em 09 de julho de 1.937, por
coincidência, aniversário da Revolução Constitucionalista.
Tendo em vista, que ainda permanecesse a Capoeira no Código Penal, sua
escola não poderia ser chamada de escola de Capoeira, então recebeu o nome
de Centro de Cultura Física e Luta Regional..
Embora o nome Luta Regional fosse apenas o nome da escola, a pratica
usual acabou por gerar o nome de Capoeira Regional, o que de certa forma era
indevido, haja visto que desde a década anterior a mesma já era considerada
como Luta Brasileira, com o nome de capoeiragem e não uma luta regional da
Bahia.
Quebrando uma tradição e inventando outra (N.1), cria uma seqüência
pedagógica e sistematiza seu ensino em estágios de formação e especialização.
Cria um novo método, no qual inclui a música ao som de um berimbau e dois
pandeiros, porém desafricaniza seu ritual para torná-lo mais aceitável à
sociedade burguesa, de onde eram originários a maioria de seus alunos,
normalmente estudantes universitários e pessoas oriundas das classes
dominantes.
Nota 1- Por tradição inventada, segundo Eric Hobsbawm, em A Invenção das Tradições,1984, “entende-se
um conjunto de práticas, normalmente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar
certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma
continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um
passado histórico apropriado...Contudo espera-se que ela ocorra com mais freqüência quando uma
transformação rápida da sociedade debilita ou destrói os padrões sociais para os quais as velhas tradições
foram feitas, produzindo novos padrões com os quais essas tradições são incompatíveis”.

Conseguindo apoio governamental, Bimba excursiona, em meados da


década de 50 com alguns de seus alunos por vários estados, dentre eles São
Paulo e Rio de Janeiro, desafiando lutadores de quaisquer outras
modalidades. Apesar da polêmica hoje instaurada sobre o resultado destas
lutas e exibições, as mesmas serviram para consolidar uma nova imagem
desportiva desta modalidade, já resgatada de sua condição marginalizada e
agora enquanto espetáculo público, divulgada nos principais jornais daqueles
estados.
Elitizando seu ensino, obtém grande aceitação social. Chamando a
Capoeira de Luta Regional e desafricanizando seus fundamentos, Bimba
geraria um processo de embranquecimento, que acabou por gerar uma grande
polêmica entre outros Mestres, que passaram a aglutinar-se no sentido oposto,
reunindo capoeiristas de segmentos sociais desfavorecidos economicamente, e
discordando que a Capoeira fosse uma luta regional, mas sim uma herança dos
escravos de Angola, passaram a inventar também uma nova tradição,
reafricanizando seus rituais e se auto-intitulando praticantes de Capoeira
Angola, (que anteriormente era chamada brincadeira de Angola) e tal qual um
costume africano, reunindo-se ao redor de um ancião, no caso, de Mestre
Vicente Ferreira Pastinha.
No ano de 1941 é fundado o Centro Esportivo Capoeira Angola, que
sob a direção de Mestre Vicente Ferreira Pastinha, constituiu-se num dos
pilares de sustentação desta modalidade. É preciso frisar que fora fundado um
Centro Esportivo, pois o velho Mestre sempre entendia a Capoeira como um
esporte (N.2) e como tal devendo ser ensinado em todas as escolas, quartéis e
universidades em todo Brasil. Nota 2- Este é um dado que uma parte de seus
discípulos atualmente desejem esconder, alegando que a mesma é tão somente
uma cultura. Infelizmente tais pessoas com um conhecimento tão restrito da
palavra cultura, ainda conseguem ter ressonância em pessoas menos
esclarecidas ainda, contribuindo para o aumento da confusão generalizada que
vem a ocorrer pela falta de um eixo central e doutrinário em relação às novas
gerações de instrutores que vem sendo formados com o tempo.
Não foi só Pastinha que tomou este posicionamento, mas também o
famoso Mestre Cobrinha Verde (Rafael Alves França), discípulo do lendário
Besouro Mangangá (Manoel Henrique), que tomando o mesmo rumo
desportivo fundou o Centro Esportivo de Capoeira Angola Dois de Julho.

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