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Introdução à Filosofia Moral – Ética

José Rogério de Pinho Andrade

1 - O problema da fundamentação Ética

O senso moral e a consciência moral referem-se a valores (justiça, honradez, integridade,


espírito de sacrifício...), a sentimentos provocados pelos valores (admiração, vergonha, culpa, medo,
amor...) e a decisões que conduzem a ações com conseqüências para nós e para os outros. Dizem respeito
às relações que mantemos com os outros e, portanto, nascem e existem como parte integrante de nossa
vida intersubjetiva.
Senso moral e consciência moral são inseparáveis da vida cultural. A cultura nasce da maneira
como os seres humanos interpretam a si mesmos e as suas relações com a natureza, acrescentando-lhe
sentidos novos, intervindo nela, alterando-a através do trabalho e da técnica, dando-lhe valores.
Constantemente estamos emitindo julgamentos, estamos fazendo juízos sobre a realidade que nos
cerca. Estes juízos podem ser: juízos de fato e juízos de valor.
Juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por que são, referem-se ao
objeto tal qual ele é. Os juízos de valor são avaliações que fazemos sobre as coisas, pessoas, ações,
situações e acontecimentos, são proferidos na moral, nas artes, na política e na religião.
Os juízos éticos de valor são normativos, isto é, enunciam normas que determinam o dever ser
de nossos sentimentos, nossos atos, nossos comportamentos; enunciam obrigação e avaliam intenções e
ações segundo o critério do correto e do incorreto.
O campo ético é constituído pelos valores e pelas obrigações que formam o conteúdo das
condutas morais, isto é, ele é constituído por dois pólos internamente relacionados: o sujeito moral e os
valores morais ou virtudes éticas que fundamentam a instituição de normas morais.
Estas são realizadas pelo sujeito moral, principal constituinte da existência moral.
O sujeito ético ou moral, isto é, a pessoa, só pode existir se preencher as seguintes condições:
a) Ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de refletir e de reconhecer a existência dos outros
como sujeitos éticos iguais a si;
b) Ser dotado de vontade, isto é, capacidade para controlar e orientar desejos, impulsos, tendências,
sentimentos e para deliberar e decidir entre várias alternativas possíveis;
c) Ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos e conseqüências dela
sobre si e sobre os outros, assumi-las, bem como às conseqüências, respondendo por elas;
d) Ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus sentimentos, atitude e ações, por
não estar submetido a poderes externos que o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer
alguma coisa. A liberdade não é tanto o poder para escolher entre os vários possíveis, mas o poder
para autodeterminação, dando a si mesmo as regras de conduta.

2 - Ética e Moral

Os conceitos de moral e ética, embora sejam diferentes, são freqüentemente usados como
sinônimos. Moral vem do latim mos, moris, que significa “maneira de se comportar regulada pelo uso”, daí
“costume”, e de moralis, morale, adjetivo referente ao que é “relativo aos costumes”. Ética vem do grego
ethos, que tem o mesmo significado de “costume”.
A demarcação entre o campo da ética e o da moral pode ser compreendida a partir da situação dos
problemas que cabem a cada uma. Os problemas morais referem-se aos problemas práticos que se
apresentam nas relações efetivas entre os indivíduos ou quando se julgam certas decisões e ações dos
mesmos. Dizendo respeito às relações entre os indivíduos, os problemas morais exigem o estabelecimento
de normas de conduta para regular o comportamento dos mesmos. Tais normas são aceitas intimamente e
reconhecidas pelos indivíduos como obrigatórias, obrigatoriedade que nasce da adesão dos indivíduos a
elas, pois compreendem que devem agir de uma maneira ou de outra, mas sempre pautados na orientação
das normas.
Este comportamento prático-moral existe deste as sociedades mais primitivas e a ele sucedem
reflexões, isto é, além de agir moralmente os homens estabelecem reflexões sobre o esse comportamento
prático-moral tomando-o como objeto de seu pensamento. Deste modo, verifica-se a passagem do plano
prático da moral para o plano da teoria da moral, ou seja, da moral vivida e efetiva para a moral reflexa e
pensada. Instituída tal passagem, estamos no campo dos problemas teórico-morais ou éticos.
Se os problemas prático-morais são situados na ação efetiva, na escolha do modo adequado de
agir, os problemas ético-morais são caracterizados por sua generalidade. Eles se referem à abstração de
caráter teórico sobre os fundamentos das ações práticas. Sua tarefa é investigar o conteúdo do que seja o
“bom”, e não determinar como deve agir o indivíduo na situação concreta para que a sua ação possa ser
considerada boa.
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Assim, poderemos tentar estabelecer uma compreensão conceitual daquilo que se entende por
moral e daquilo que se entende por ética.
A moral é o conjunto das regras de conduta admitidas em determinada época ou grupo de homens.
Nesse sentido, o homem moral é aquele que age bem ou mal na medida em que acata ou transgride as
regras do grupo. Isto é, em função da adequação ou não à norma o ato será considerado moral ou imoral.
A moral ocorre em dois planos: o normativo e o fatual e deste modo é que se compreende que o ato
moral concreto, aquele efetivado pelos indivíduos e deve ter a sua essência procurada tanto num plano
quanto no outro e daí a necessidade de se analisar o comportamento moral dos indivíduos a partir de seus
atos concretos. Vejamos em que consiste o ato moral, qual a sua estrutura.
Um ato moral é sempre um ato sujeito à sanção dos demais, ou seja, é passível de aprovação ou
de reprovação pelos demais de acordo com as normas morais estabelecidas. Assim nem todos os atos
podem receber a qualificação moral, se a sua realização não pode ser evitada ou cujas conseqüências não
se podiam prever, não pode ser qualificado como efetivamente um ato moral e não pode ser qualificado
como moral ou imoral.
O ato moral implica em um motivo determinado. O quer dizer que o sujeito precisa agir de modo
consciente de tal motivo, caso contrário não se pode qualificá-lo como um ato moral. Assim, vê-se que o
motivo não é suficiente para a qualificação do ato.
Outro aspecto fundamental já apontado pelo anterior é que todo ato para ser qualificado como um
ato moral precisa ser praticado de modo consciente e voluntário, isto é, se faz necessária a consciência
do fim visado e a decisão de querer alcançá-lo, de realizá-lo.
Aspecto igualmente importante para a qualificação do ato moral é a consciência dos meios para
realizar o fim escolhido e o seu emprego para obter o resultado pretendido.
Em suma, o ato moral é uma totalidade de diversos aspectos ou elementos: motivo, fins, meios,
resultados, conseqüências objetivas.
Considerando a moral como o conjunto de regras que determinam o comportamento dos indivíduos
em um grupo social, podemos perceber que ela é exterior e anterior ao indivíduo. Há, portanto, a moral
constituída, que orienta seu comportamento por meio de normas. O indivíduo ao nascer encontra as
normas morais já estabelecidas e, ao longo de sua convivência com os demais, vais assimilando como suas
tais normas e se conduzindo em referência a elas.
Contudo, a moral não se reduz à herança dos valores recebidos pela tradição, pela cultura. Assim, o
homem, ao mesmo tempo em que é herdeiro, é criador de cultura, e só terá vida autenticamente moral se,
diante da moral constituída, for capaz de propor a moral constituinte. Isto é, na medida em que assimila as
normas, pode e deve fazer uma reflexão sobre os seus fundamentos procurando fundamentá-las, revê-las e
adequá-las ao novo momento em que se vive e se encontra. Aceita-as não por uma imposição cultural, mas
por uma decisão consciente de concordar ou não com elas. Assim, evidencia-se que a moral tem um caráter
pessoal, isto é, embora seja definida pela coletividade, a sua permanência depende de uma aceitação
consciente dos indivíduos.
Compreende-se ainda, que o comportamento moral não se estabelece como absoluto para todos os
tempos e lugares, ele varia espacial e temporalmente, conforme as exigências das condições nas quais os
homens se organizam ao estabelecerem as formas efetivas e práticas do trabalho e convivência. Evidencia-
se assim, o caráter histórico e social da moral.
O termo Ética vem do grego ethike, de ethikos significando aquilo que diz respeito aos costumes.
Podemos entender o termo, ainda, como parte da filosofia prática que tem objetivo elaborar uma reflexão
sobre os problemas fundamentais da moral, mas fundada num estudo metafísico do conjunto das regras de
conduta consideradas como universalmente válidas. Está, assim, mais preocupada em detectar os
princípios de uma vida conforme a sabedoria filosófica, em elaborar uma reflexão sobre as razões de se
desejar a justiça, a harmonia e sobre os meios de alcançá-las.
É, portanto, a disciplina que procura responder as questões: como e por que julgamos que uma
ação é moralmente errada ou correta? Que critérios devem orientar esse julgamento?
Em sua investigação, a ética apresenta as seguintes dimensões: ética normativa, metaética e
ética aplicada. A dimensão normativa é aquela que recorre ou à determinação da ação ou regra correta, ou
à determinação mais ampla de um caráter moral. A metaética, por sua vez, investiga a natureza dos
princípios morais, indagando se são objetivos e absolutos os preceitos defendidos pelas diversas teorias da
ética, ou se são de fato inteligíveis, ou, ainda, se podem ser verdadeiros esses princípios éticos num mundo
sem Deus. A ética aplicada é a dimensão investigativa que diz respeito à aplicação de princípios extraídos
da ética normativa para a revolução de problemas éticos cotidianos.
A ética normativa divide-se em Teleológicas e Deontológicas. As éticas teleológicas determinam o
que é correto de acordo com certas finalidades (télos) que se pretende atingir. As éticas deontológicas
procuram determinar o que é correto segundo as regras e normas em que se fundamenta a ação.
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3 – Teorias da obrigação moral

I - As éticas teleológicas têm em comum o relacionar a nossa obrigação moral com as conseqüências de
nossa ação, isto é, com a vantagem ou benefícios que podem trazer, quer para nós mesmos, quer para os
demais. Tem como correntes principais o egoísmo ético e utilitarismo. Se considerarmos o bem pessoal,
estaremos diante do egoísmo ético (“deves fazer o que te traz o maior bem, independentemente das
conseqüências – boas ou más – que derivem para os outros”). Caso seja considerado o bem dos outros,
sem implicar necessariamente na renúncia ao próprio bem, estaremos diante de alguma forma de
utilitarismo (“faz aquilo que beneficie, fundamentalmente, os outros, ou o maior número de homens”).
A tese fundamental do egoísmo ético diz que cada um deve agir de acordo com o seu interesse
pessoal, promovendo, portanto, aquilo que é bom ou vantajoso para si. O egoísmo ético fracassa na sua
intenção de explicar os atos a favor do outro que não podem ser considerados como satisfação de interesse
ou tendências egoístas.
A vantagem deste tipo de ética é a facilidade de determinar o próprio interesse, comparada com a
dificuldade de determinar o que seria do interesse de todos, ou o que traria maior beneficio para todos.
Posturas típicas do egoísmo ético:
a) O indivíduo entende que as ações de todos devem convir com seu interesse.
b) O indivíduo age apenas segundo seu interesse individual.
c) O indivíduo crê que cada pessoa deve sempre agir de acordo com seu interesse próprio (egoísmo ético
universal).
O problema com as duas primeiras posturas é que seriam benéficas apenas para um indivíduo e,
com a terceira, é que se estivesse vigente, não comportaria enunciados de normas ou ações com validade
universal.
Utilitarismo, por sua vez, assinala que cada indivíduo deve agir de forma a proporcionar o maior
bem para todos os que o cercam, isto é, devemos fazer aquilo que traz resultados para o maior número de
pessoas. Em cada situação concreta, deve-se determinar qual o efeito ou conseqüência de um ato possível
e decidir-nos pela realização daquilo que pode trazer maior bem para o maior número.
O utilitarismo divide-se em:
a) Utilitarismo de ação: cada indivíduo deve analisar a situação particular na qual se encontra e descobrir
qual a ação que trará o maior beneficio para todos os envolvidos.
b) Utilitarismo de regra: devemos agir segundo regras que determinam o maior bem ou a maior felicidade
para todos a quem dizem respeito nossa ação.

II - Éticas deontológicas do grego déon (dever) quando não faz depender a obrigatoriedade de uma ação
exclusivamente das conseqüências da própria ação ou da norma com a qual se conforma, ou seja, a análise
das conseqüências de um ato ou comportamento não deve influir no julgamento moral sobre as ações ou as
pessoas. O que é imoral ou moral decide-se com respeito a outros padrões que não sejam as
conseqüências da ação.
Deontologia deriva do grego déon, o que é obrigatório e logos, ciência, teoria. Passou a designar o
código moral das regras e procedimentos próprios a determinada categoria profissional.
Classificam-se as teorias éticas deontológicas em: a) do ato e b) da norma.
As teorias deontológicas do ato coincidem quando sustentam que o caráter específico de cada
situação, ou de cada ato, impede que possamos apelar para uma norma geral a fim de decidir o que
devemos fazer. Assim, é preciso “intuir’ como devemos operar em um caso determinado, ou decidir sem
recorrer a uma norma, visto ela não poder nos indicar o que devemos fazer em cada caso concreto. Não
havendo uma norma geral que sirva para nos orientar como devemos agir, em cada caso concreto o que
importa é o grau de liberdade com que se age.
As teorias deontológicas da norma sustentam que o dever em cada caso particular deve ser
determinado por normas que são válidas independentemente das conseqüências de sua aplicação.
Correntes principais das éticas deontológicas:
a) Intuicionismo moral: fundamenta-se nas crenças de que as pessoas são dotadas de um conhecimento
imediato quanto ao que é correto ou não.
b) Ética do dever: inaugurada por Kant, pretende discriminar as regras do que é certo ou errado
moralmente por meio do imperativo categórico, segundo a qual a ação é imoral se a regra da ação
puder ser tomada da regra universal. Contudo, para que uma ação seja moral é preciso que, além da
conformação à máxima externa, o móbil da ação seja o respeito à lei moral, e que não derive de
sentimentos egoístas.

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