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06 de Fevereiro de 2012
DOSSIÊS SALÁRIOS Sindicatos, difícil reação

Se existe um consenso sindical para recusar que se instale na Europa uma austeridade
salarial permanente e que o tema seja o centro do sindicalismo europeu, por outro lado,
a questão de como fazê-lo permanece em aberto. Seja qual for o salário mínimo comum
estabelecido, o caminho a percorrer ainda é longo

por Anne Dufresne

Atenas, cidade-símbolo. De 16 a 19 de maio de 2011, no país mais afetado pela


austeridade fiscal da zona do euro,1 a Confederação Europeia dos Sindicatos (CES)2
realizou seu primeiro congresso desde o início da crise. Para os delegados presentes, a
solidariedade com o povo grego passaria por uma ação europeia unificada: um impulso
capaz de impor uma solução alternativa ao reajuste salarial “por baixo”.

Mas, se existe um consenso sindical para recusar que se instale na Europa uma
austeridade salarial permanente e que o tema seja o centro do sindicalismo europeu, por
outro lado, a questão de como fazê-lo permanece em aberto. Levadas em conta a
disparidade das remunerações praticadas na União Europeia (UE) e a ausência de piso
salarial em alguns países, seria possível pensar em uma palavra de ordem: o salário
mínimo europeu. Para os congressistas, o tema é quente, e o campo, minado.

Em maio de 2007, durante o Congresso de Sevilha, essa reivindicação foi feita à CES –
discretamente. Os sindicalistas alemães lançaram a discussão: “Vinte dos 27 países já
fixaram o salário mínimo universal, enquanto a forte economia alemã não! Comparar-
nos com nossos vizinhos ajuda em nossa campanha nacional por um salário mínimo
interprofissional”.3 Desde a adoção desse dispositivo no Reino Unido em 1999, a
Alemanha é o único país europeu que não dispõe dessa agenda política nos sistemas de
negociação coletiva que tratam do piso salarial.

Os britânicos e os franceses – orgulhosos do bom e velho salário mínimo


interprofissional de crescimento (Smic) – são, como os sindicalistas da confederação
alemã Deutscher Gewerkschaftsbund (DGB), partidários de um salário mínimo europeu.
No fim do congresso, Jean-Christophe Le Duigou, então membro administrativo da
Confederação Geral do Trabalho (CGT) da França, manifestava sua decepção, pois
ninguém parecia ter a intenção de calçar as botas de sete léguas: “Há tempos se discute
o princípio, mas é muito difícil concretizar a reivindicação”. Marcel Grignard,
secretário-geral adjunto da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT),
perguntava-se: “Como a CES pode definir o mesmo objetivo para todos os países da
UE, se possuem sistemas salariais tão diferentes?”.

Desde 1997, os setores radicais de diversas organizações sindicais vêm imaginando


diferentes regras de salário mínimo para grupos de países em desenvolvimento
econômico similar.4 Em 2005, uma rede de pesquisadores próxima aos sindicatos5
buscou definir uma regra comum para o salário mínimo europeu em função do salário
médio nacional: 50% a curto prazo, depois 60%. Atualmente, os salários mínimos legais
correspondem entre 30% e 48% do salário médio – o que corresponde respectivamente
a 1,82 euro/hora na República Tcheca e 9 euros/hora na França. Essa regra permitiria
um aumento relativo no conjunto dos países europeus, porém o debate sobre esse plano
técnico não avançou.

Para os delegados da CES, a questão se refere menos à ideia de um salário mínimo que
à questão da autonomia dos interlocutores sociais nas negociações salariais. “Nunca
reivindicamos o estabelecimento de um Smic pelo Estado em todos os países da UE!”,
precisa um representante da CFDT no Congresso de Atenas. Os partidários de um
sistema de salário mínimo europeu se chocam com os sindicatos dos países onde a
remuneração-base é fixada por setor e a partir de convenções coletivas negociadas. É o
caso, destacadamente, dos Estados escandinavos e da Itália. “Não desejamos a
intervenção do Estado. Na Suécia, 90% dos trabalhadores são cobertos por uma
convenção coletiva. Não necessitamos de um salário mínimo legal interprofissional”,
explica um representante sueco da Tjänstemännens Centralorganisation (TCO). O
representante italiano considera que essa modalidade salarial “não é a solução mais
apropriada para a redução dos salários. Não queremos perder nossa autonomia”.

O caso alemão ilustra bem a problemática e sua evolução. No berço do capitalismo da


região do Reno, a ideia de um salário mínimo legal sempre foi um tema delicado, pois a
Constituição prevê a primazia da autonomia das negociações coletivas e permite que as
organizações setoriais negociem por campo de atuação e por região. Contudo, diante da
diminuição do número de empresas que praticam a negociação coletiva, do
desenvolvimento de setores com políticas de baixos salários6 e das pressões sobre os
direitos sociais, esse sistema parece cada vez menos capaz de fixar normas mínimas.7 É
por essa razão que os sindicatos Nahrung-Genuss-Gaststätten (NGG, alimentação,
hotelaria e restauração) e Ver-Di (serviços privados) empreendem uma campanha,
desde 2006, pelo salário mínimo universal garantido por lei. Hoje, reivindicam o valor
de 8,50 euros/hora. Em alguns setores, também são previstos salários mínimos
específicos, cujo valor da hora trabalhada é superior ao mencionado. Essa campanha
identifica a natureza política da questão salarial e tenta compensar o escasso poder de
organização da Ver-Di em mobilizar a opinião pública. Por muito tempo hostil ao
princípio de um salário-base, a chanceler alemã Angela Merkel mudou de lado e tornou-
se favorável à medida com a proximidade das eleições. Se por um lado afirmou que
aumentaria os salários mínimos de setores já negociados, por outro não se posicionou
claramente sobre o estabelecimento do salário mínimo interprofissional, e menos ainda
sobre valores.

Muito trabalho a fazer

Seja qual for o montante, e mesmo se a Alemanha aderir à ideia, o caminho a percorrer
ainda é longo. Um responsável da Federação Europeia dos Metalúrgicos considerava
que “a França não deve exportar seu modelo de grande país” e que essa reivindicação
era “prematura e inoportuna”. Os que estão contra a reivindicação temem uma espiral
que provoque uma queda nos salários, pois “se um piso de não regressão pode ser
fixado em nível legislativo (50% do salário médio nacional, por exemplo), o mesmo não
acontece para os salários negociados, que por definição são livres”, explica Walter
Cerfeda, ex-secretário confederado da CES. “Não vejo em que ponto o piso salarial,
abaixo do qual não pode estar nenhuma remuneração, constituiria um risco para os
nórdicos!”, retruca Bernard Thibault, secretário-geral da CGT. “Por outro lado, constato
que a Romênia e a Polônia, por exemplo, não possuem uma referência europeia que
possam utilizar para se proteger dos planos de austeridade salarial que lhes são
impostos”, acrescenta ele.

A impossibilidade de um acordo sobre a questão reflete o trabalho que ainda é preciso


ser feito para chegar, em escala transnacional, a uma dinâmica reivindicativa comum.
Assim, a possibilidade de o movimento sindical europeu ampliar a mobilização em
torno da proposta parece estar nas estratégias de coordenação de negociações salariais já
existentes.8

Anne Dufresne

Socióloga e encarregada de pesquisa do Fundo Nacional da Pesquisa Científica (FNRS -


Sigla em francês) , na Bélgica. Autora do livro Le salarie, un enjeu pour
l'eurosyndicalisme: historie de la cordination des négociations collectives {O salário:
um desafio para o sindicalismo europeu - história da coordenação das negociações
coletivas}, Presses Univesitaires de Nancy, 2011

1  Entre os membros da Confederação Europeia dos Sindicatos (CES), estão 84


confederações sindicais nacionais originárias de 36 países e doze federações
profissionais europeias.
2  Ler Noëlle Burgi, “Les Grecs sous le scalpel” [Os gregos sob o bisturi], Le Monde
Diplomatique, dez. 2011.
3  Entrevista de um responsável do sindicato alemão Deutscher Gewerkschaftsbund
(DGB), 25 maio 2007.
4  Pierre Bourdieu, Claude Debons, Detlef Hensche e Burkart Lutz (orgs.), Les
perspectives de la protestation [As perspectivas dos protestos], Syllepse, Paris, 1998.
5  Constituída por pesquisadores alemães (Wirtschafts und Sozialwissenschaftliches
Institut, WSI), suíços (Rede de Reflexão) e franceses (Instituto de Pesquisa Econômica
e Social − Ires, na sigla em francês), a rede visa à promoção sindical de “tese por uma
política europeia de salários mínimos” e levou adiante a publicação da obra Minimum
Wages in Europe [Salários mínimos na Europa], coordenada por Thorsten Schulten,
Reinhard Bispinck e Claus Schäfer, ETUI-REHS, Bruxelas, 2006.
6  Por exemplo, os respectivos salários de um cabeleireiro em Saxe e de um florista em
Thuringe são de 3,06 euros e 4,54 euros brutos por hora. Cf. “Tarifspiegel: unterste
Tarife nach Branchen”, WSI Tarifarchiv 2011. Disponível em:
<www.boeckler.deSchäfer.de>.
7  O sistema atual assegura um salário mínimo, em geral baixo, em certos setores,
porém unicamente aos assalariados cobertos por uma convenção coletiva, o que
corresponde a 62% dos trabalhadores.
8  Ler Anne Dufresne, Le salaire, un enjeu pour l’eurosyndicalisme: histoire de la
coordination des négociations collectives [O salário, um desafio para o sindicalismo
europeu: história da coordenação das negociações coletivas], Presses Universitaires de
Nancy, Paris, 2011.
 

Palavras chave: sindicatos, trabalhadores, emprego, salários, governos, União Européia,


salário mínimo, Europa, crise, capitalismo, jornada, reinvindicações, representa
http://diplomatique.org.br/artigo.php?id=1104

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