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David Moura

Nascido, criado e deseducado em Recife, 1978.

Aprendeu na pele que não é de todo honesto o descrever-se.

Por isso deixa que seus rabiscos falem por si mesmo.


Sonho Duma Noite de Verão
“... Imaginai
Que pelo sono passastes;
Que estando a dormir, sonhastes;
Que o sonho não durou nada,
E que no nada acordastes.”

Num instante, não mais que num instante,


Passou-se a eternidade desta vida,
Encenada em estado delirante
Aos borrões da visão entorpecida.

Num sonho, não mais que num breve sonho,


Desenrolou-se, bêbada, a existência,
Em farsa alegre, em cântico tristonho,
Ao frouxo gargalhar da consciência...

Não mais que numa noite de verão,


Cálida, atordoante ao som da lira,
Representou-se a dramatização;

E enquanto cai o pano e a lua expira,


O sol vai espalhando o seu clarão
Sobre a última ilusão que se retira!
Astrolábios Solitários
“O verbo divino será pelo céu impresso...”

O mundo dorme enquanto caravelas


Navegam astrolábios solitários
Ao longo de sistemas planetários
De ilógicas noções e formas belas.

Desesperando bíblias e rosários


Através de galácticas procelas,
Assim profetizadas entre velas
À luz de temporais e estrondos vários.

Tudo aquilo que não se pode ver,


Desde os longevos tempos abissais
Ao desfolhar das derradeiras rosas,

Só se revela a quem consegue ler


O livro que se encerra nos sinais
Das mais tremeluzentes nebulosas!
Do que não se Evita
“Não há na alma vontade alguma absoluta ou livre.”

Estes versos são como os acidentes


Que a natureza arroja sobre o mundo:
Não se desculpam num sermão imundo
Nem se preocupam co'o temor dos entes!

Eles são o que diz o vagabundo


Num instante de ideias transcendentes:
Não pretendem chocar mais que as sementes
Dum vigoroso coração profundo!

E chegaram trazidos pelo vento


Que também traz o furacão terrível
Co'a naturalidade imprevisível

De tudo o que acontece e não se evita,


Pois não pude conter o pensamento
Nem lhe impedir a tradução escrita!
Bosta de Razão
"Não há homem que tenha menos razão do que aquele que não tolera a ideia de não
ter razão"

Engole a tua bosta de razão


Com todas as verdades que ela encerra
E vomita a moral que o gato enterra
Através da certeza vil do cão!

Eu por mim não pretendo ser na Terra


Mais certo ou mais errado que o tufão,
A noite, o dia, a luz e a escuridão
Co'a naturalidade que te berra.

O bem e o mal que pesas em segredo


Remetem sempre à face da existência
Velada pelas sombras da aparência;

É que nas falas de quem fica mudo


Há muito mais respostas que o teu medo
De nunca se sentir perfeito em tudo!
Um Beijo
“Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!”

Um beijo no espectáculo da aurora,


Entre o viço e a beleza da ventura,
É o mais divino selo da ternura
Que toda a natureza revigora;

Um, nesta tarde que, afinal, perdura,


Revela o próprio amor que ardeu outrora,
Que a mesma força imensa comemora
No inescrutável seio da loucura;

Outro, na escuridão da madrugada,


Reflete, sem vergonha, a fluorescência
De tudo o que profundamente agrada

Numa paixão de escandalosa urgência:


O fogo da vontade aperreada
De aos gozos celebrar nossa existência!

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