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!
i i 9. B. BIANCHI, Il sistema educaiiuo de M: M oniessori, Florença, Le
"
f ! Monnier, 1952.
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10. Fr. DE BARTOLOMEIS, Maria Montessorl e ia pedagogia scientifica, Flo-
.. .,,/ rença, La Nuoua Italia, 1953.
11. G. CALO "M. Montessori" (comemoração solene de 6 de maio de
1953), em Vila dell'Infansia, maio-junho de 1953. xv
--r2-:-V ALITUTTI,1l prOblema dell'educazione 1tel'---Cp-=-el::-1s-:-!ie-=-r::-:o~df"i-J1,-;;[r.-1Y~fro::-:':-;lt-=-es-:-:s::-:o-:-:rI··,-
Roma, Ed. Vita dell'Infanzia, 1953.

ALAIN

(1868-1951)

"A educação pseudocientífica e pseudo-utilitáría inverte os termos, e


se acredita bem hábil começando a casa pelos andares, porque a gente os
habitará e não habitará as fundações".

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Ir
G~~~:~./~~. ~Çl~:~~.
I. O h011~e1n
(LAGNEAU, Disc.

Aquilo que, em Alain, primeiro impressionava seus alunos era


de Nallcy)

il a força da personalidade, com toda a ambigüidade dessa bela pala-


Ir vra. Serenidade sem importância, segurança de si que não parecia
I
usar máscara alguma. Não se ocupava de disciplina, e a aula era
feita de um silêncio tenso que, entretanto, não nos pesava. Por
vezes, não hesitava em voltar atrás: "Não, risquem tudo isso"; e

BIOGRAFIA. - "Da antiga província de Perche e, todavia, mistura


de' Percheron e de Manceau ", Émile Chartíer nasceu em Mortagne, em 3
de março de 1868. Aluno do colégio de Mortagne (mantido pelos padres;
mas o jovem Chartier perderá a fé ali pelos 15 anos), depois, do Liceu
de Alençon. Prepara, no Liceu Michelet, em Paris, a Escola Normal Su-
perior, e tem então, por mestre, Lagneau, de quem dirá "é o único Grande
Homem que encontrei". Recebido na Escola Normal Superior, é agrégé
de filosofia em 1892. Professor em Pontivy, Lorient, Rouen. Começa, então,
em meio à agitação do caso Dreyfus, a publicar, no Dépêche de Rouen,
seus primeiros Propos, com o pseudônimo de Alain. Em 1902, é nomeado
para Paris, onde ensinará em classe de primei ra superior no Liceu Henri
IV. Alistado voluntário durante a guerra de 1914-1918, escreve, então, Mars

326 327

-:
admirávamos essa probidade que não ligava à prudência e, por isso o aluno testemunha, a um tempo, seu cuidado e, no mais das
mesmo, não tinha, absolutamente, necessidade dela. Ria das vezes, seu desprezo para com o mestre a quem quer meter à
Importâncias e o vimos, um dia, apelar para um aluno a fim de bulha. Muitos de seus mais devotados alunos nunca, ou quase
dar resposta a uma objeção do Sr. Inspetor Geral. Sabíamos que, nunca, lhe falaram em particular. E isso era o mais belo teste-
para ele, as honras mal contavam, que havia, por duas vezes (e munho de respeito que um moço pudesse dar àquele a quem
brutalmente) recusado a Legião de Honra, e até, mais tarde, chamávamos "O Homem".
__ um.Iugar.nn.Colégio de F[ançª'----.Sabíamos que recnsaza toda ser-
··~N esse respeito pelo mestre, que--rrão po-u-e-exrstrr-sem-j-gual--
vidão. E até a nosso respeito; pois, se corrigia - com espantosa
respeito do mestre pelos alunos, está, sem dúvida, com efeito, o
rapidez - todos os nossos ensaios, nossos "enche-lingüiças" por segredo de toda educação. E, por sua própria aula, Alain nos
vezes bem longos, não era sem certa indiferença, e como que dava melhor o exemplo dessa pedagogia severa, mas grande, da
somente por obrigação. Por isso, entre ele e nós, o contato era,
qual, em seus escritos, definiu o espírito.
de ordinário, todo escolar, e porque puramente escolar e intelec-
tual, de espantoso vigor. Não que, entre sua ordinária admiração
pelos grandes autores, não soubesse, por vezes, rir das bobagens
dos Importantes - que nos acontecia escrever no quadro negro, II. Fim da educação
e nem sempre sem segunda intenção - e esse riso era sem
segredo, sem pensamento orgulhoso, sem humor (1): pura ironia A educação é um duplo respeito. Da criança, que deve ser
de homem em face de crianças. Mas entre ele e nós estava banida tratada em função da dignidade que é a sua, como homem futuro
toda familiaridade, e essas conversas de depois-da-aula pelas quais :e, . não, como criança atual. - Do mestre, antes de tudo exemplo
'por- següii;-nãõ _.apenas "professor", mas homem. Por trás de
~u ia çuerre jugée, Svstême des Beoux-Arts, e Quatre-vingl-un chapitres swr toda educação, em todos os níveis - embora de maneira dife-
.l'esprit et les passions (refundidos, mais tarde, em Éléments de philosophie)
que vem ajuntar-se às quatro coletâneas de Cent un propos publicados rente - deve haver um horizonte de humanidade. Convém
de 1908 a 1914. Mais tarde, os Propos serão publicados em diversos jornais considerar o homem sempre pelo mais alto, e não querer rebaixá-
e revistas, e em particular nos Libres Propos de 1921 a 1924 (788 propos) 10 ao brinquedo na infância, à profissão na idade madura. O
em L'Emancipatio» de 1924 a 1927 (101 propos), e novamente nos Libres homem vale sempre mais, visa sempre a mais, e isso é a própria
Propos (831 propos) de 1927 a 1935 (que concluem em 1935 nas Feuilles
Jibres). Numerosos propos foram classificados e publicados em volumes
humanidade.
diversos, na maior parte dos casos pelos cuidados de Michel Alexandre. Que é, pois, educar? É tirar o homem da barbárie primitiva,
Cumpre a eles ajuntar volumes originais, cada vez mais numerosos. Em Ievá-Io a conhecer seu poder de governar-se a si mesmo, e de não
1933 Alain se aposenta e passa para sua casa do V ésinet, onde morre em crer sem provas (12) (1). Tal é o fim essencial; e é fim urgente,
Z de junho de 1951, depois de haver, nesse mesmo ano, recebido o Grande
Prêmio nacional de literatura. Havia sido amigo de Paul Valéry, de quem
pois a barbárie vive a ameaçar sob o verniz da cultura. Educar-se
comentou Charmes e La Ieune Parque. é tornar-se senhor desses movimentos violentos que impulsionam
a juventude, não suprimindo-os, mas dirigindo-os, "de maneira
PRINCIPAIS OBRAS (além das já citadas): Le citoyen contre Ies
pouuoirs, Vingt leçons sur les Beaux-Arts, Les idées et les ãçes, Entre-
que a graça da infância neles ainda se faça ver, e o calor da
tiens au bord de, Ia mer, Sentiments, passions et siçnes, Probos sur le adolescência, mas regrados pelo juízo, o que perfaz a verdadeira
bonheu», Propos S'IW l' éducation, Les saisons de l' esprit, Les dieu», Histoire polidez" (Humanités, 16). A educação é, pois, "conquista de
de mes idées, cada momento", mas sem que sejam renegadas as idades prece-
(1) "Adotei a regra de não disputar e de não me ofender em matéria dentes; é, pela polidez no sentido mais largo do termo - bem
de problemas do espírito. Julguei como filho de Voltaire, se ouso dizê-l o, diferente do savoir-vivre -, a conquista de si mesmo. Homem
esses furiosos pensadores que procuram sempre a falha da couraça... O educado é aquele que sabe utilizar com razão as forças vivas, e
espírito é feito de tal arte, se podemos dizer assim, que é sempre mais como animais, de sua natureza, levando-as, por assim dizer, à sua
facilmente vencedor do outro que senhor de si... O sério e o riso devem
aprender a andar no mesmo passo" (Libres probos, julho de 1935, p. 348).
4. • •• prescrever-se a si mesmo o sentimento da segurança e o humor ale- (1) As referências puramente' numéricas se reportam aos números
gre" (L. P., abril de 1934, 178). dos diversos propos contidos nos Propos sur l'éducation,

328 329
maturidade (ibid.). Toda a obra de Alain - e, de resto, em
partir do real que o toca, e sente melhor o preço de sua liber-
outros domínios, estética ou política, por exemplo - considera,
dade. Um se ocupa de sinais, é "burguês", vive no abstrato; o
de começo, no homem, esses súbitos e violentos movimentos do
outro representa o verdadeiro poder espirtual e, se seu pensamento
animal, tão perigosos quando expressos espontaneamente, tãoefi-
é mais lento, é mais concreto e mais seguro (1).
c~zes quand.?_.r.~~~~o~ )::()~, discipIi?a i?!erf!a.~ Edu~ar, é, r){)!~'
aJudar-a;"·cnança a atingir ou, antes, a talhar em SI a persona- / -i/ A educação deve, pois, endereçar-se igualmente a todos e,
--Ihladelivre e âí-sC1JJIínaâaque é o ente moral-o - , - -----pnmeiTo~os--espiritos-l·entos-(2~-;--0-pT0blema-qu'e-corrsiste-em-rráo----
deixar "um só gênio a guardar os carneiros" (Éléments d'icne
-f-? --~~fr~ conseqüência: a educação vale para todos, e, não,
doctrine radicale, 272), está hoje resolvido, "mas o outro mal chega
somente para um escol. Querer, antes de tudo, formar um escol
a ser tocado, que é despertar todo espírito o mais possível, .pelos
é tomar como fim certa organização social e, não, esse agrupa-
mais altos e mais preciosos conhecimentos, e dar o maior cuidado
mento de homens livres que constituem uma república. A educa-
} ••••• ••.• .•. ,1,,1.... •••..••••.•• .•.• ••••• <5- --- - -------..., ""
çao bª?_e,aç!a.jia .técnica, e na medição das aptidões, traz em SI o
víêiO de estar sempre mais ou' menos a serviço dos poderes: Sele- bem dotados, e sim pelos menos dotados. E é, entretanto, o que
cióna' os mais dignos com o fim de fazer deles "recrutas, para a importa, pois o verdadeiro progresso não está no espírito de
panego:V:érnante; conduta ridícula, se quisermos, realmente, cida- Tales, e sim no espírito de sua criada" (ibid.) . Reservar :10

dãos esc!arêc'idos"'T20T-·É·-tfistrumento de tirania: "O projeto espírito lento o saber técnico, é não ver nele senão o instrumento
por colocar nas mãos do chefe, é preparar o escravo para sua
de instruir os que são dignos disso é inútil. O projefodé-ilão
instruir senão "os que são dignos disso é aborrecido. Há nessa função de escravo (ibid.), é esquecer o homem. Muito ao con-
medição das aptidões que se anuncia, e nessa barreira contra os trário, cumpre dar a todos a mais alta educação, não uma habili-
espíritos espessos e terrosos, algo de profundamente injusto, e dade técnica, não um saber, mas o poder de governar-se, e de
toda a injustiça, talvez ( ... ). Temo um recrutamento de ministros resistir tanto aos assomos do humor, como às persuasões' interes-
e de marechais; e, de degrau em degrau, uma fi!tragem de oficiais seiras 'dos hábeis e dos Importantes. Educação, pois, que se
em todas as ordens. Assim o povo ficará sem espírito; basta que dirija mais à vontade que ao saber ; e dê maior importância à
seus senhores tenham espírito" (Libres propos, setembro de 1932, maneira de pensar que ao conteúdo do pensamento.
445). Muito ao contrário, os que devem interessar, em primeiro
lugar, ao educador, não são os gênios, que "saltam ao primeiro
apelo, e atravessam as urzes", mas aqueles que tropeçam em tudo lH. A criança e o difícil: o método severo
e se enganam em tudo, aqueles que estão sujeitos a perder a
coragem e a desesperar de seu espírito ( ... ). Se nos puséssemos
a instruir os ignorantes, veríamos algo de novo" (20). Em conseqüência, também uma educação que tome sempre o
homem pelo mais alto, enquanto os preconceitos e a propaganda
Sublinhemos quanto essa concepção pedagógica é inseparável o tomam sempre pelo mais baixo, pelo animal. Ora, essa parte
da doutrina política do Citoyen contre les pouvoirs. Há muito superior do homem aparece muito depressa: "O homem é um
arbítrio em querer, num pensamento assim firme, separar opeda- animal altivo e difícil. E, nessa matéria, a criança é mais homem
gógico do político, ou, até, do estético; os Propos passam, sem que o homem" (1). A infância não é um estado, é um ato;
cessar, e muito naturalmente, de um dos planos para os outros. a educação também será ato. A criança não está satisfeita com
O que fica sempre no primeiro plano, é o homem em sua integra-
Iidade, E é por isso que o cidadão deve, sempre e sempre, opor-
(1) "A facilidade é o mal do espírito; nunca é mais que a aptidão
se aos poderes, pois, desde que estão no poder, os melhores têm de passar da coisa para o sinal, e de pensar sobre sinais ( ... ). Espero
sempre tendência a deslizar para a solução fácil da tirania. Os alguma coisa daquele que pensa dificilmente" (L. rrotos, setembro, 32,
poderes têm sempre tendência a ser técnicos, a fazer passar os 445-6) .
meios à frente do fim, são como politécnicos que pensam por (2) "A democracia tem por primeiro dever voltar aos retardatários,
épuras, seguem pensamentos fáceis, mas desarraigados e sem que são multidão; pois, segundo o ideal democrático, um escol que não
instrui o povo é mais evidentemente injusto que um rico que recebe seus
corpo. O cidadão, ao contrário, pode pensar lentamente, mas a
aluguéis c seus dividendos" (60). fel., ; (,rf'
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330 331
I
I:
'II,
I!
11,

li: seu estado de criança, não quer ser tratada como criança; quer amargas as bordas de uma taça de mel", mas isso não é neces-
fazer de homem, Não é como um animal, ou uma planta, pro- sário. "Não prometerei, pois, o prazer, mas darei como fim a difi-
pensa ao sono, mas é desejosa de superar-se, de alçar-se acima culdade vencida; talo chamariz que convém ao homem" (2).
II'';

r,I
de si mesma (1), Para ela, o crescimento consiste em desem-
baraçar-se incessantemente de seu ser de ontem, "em esquecer a
cnançaaa véspera" T3). A criança é, antes de tudo, ambição
Não há dúvida de que essa opinião de Alain seja valiosa.
Não caberia, porfub dar-lhe rigidez que está bem longe de apre-
sentar. Alain observou as crianças, e sabe, tanto quanto os outros ~~~-
(5) , "nada mais deseja que não 'Ser mais criança" ( 3)
pedagogistas, que cumpre levar em conta as idades; não é, porém,
(Propos d'un Normand, 151).
essa idéia trivial de uma educação funcional que convém acentuar;
Enganamo-nos, pois, quando queremos apelar para os inte- senão; continuamos como diversor, perdemos o homem, As idades
ti resses desse ser ativo; é adulá-Io, é apelar para sua frivolidade, não serão consideradas senão em função das provas, a fim de
mante-Io em seu ser ae cnança, "'oU o~6 assegurar triuntos : "Toda a arte esta em
p~azeres ~ais a1to~ ,q.ue '<:!e pressente., T~l como o homem, a~ em medir os esforços; pois a grande preocupação é dar, à criança,.
criança "visa ao QilicII, ~; ao agradável (4), 'e reclama que alta idéia de seu poder, e sustentá-Ia com vitórias; não é, contudo,
j, a ajudemos, que a tiremos -do jogo; "ela não o pode fazer por menos importante que essas vitórias sejam penosas, e alcançadas
si mesma, mas por si mesma o quer; é o começo, e como que sem nenhum socorro estranho" (2). Se o essencial da educação
11
I o germe, de sua vontade" (3) (1). Não devemos, pois, "temer fosse adquirir conhecimentos ou técnicas, o interesse poderia,
desagradá-Ia, e, até, devemos temer agradá-Ia" (3), pois, no talvez, ser utilizado; mas o que conta é aprender a "interessar-se
fundo de si mesma, despreza os "diversores" que querem pôr-se voluntariamente", a talhar sua pessoa; e ninguém pode fazê-Io por
em seu nível. A ela lhe cabe ganhar seu prazer próprio, prazer procuração, e ninguém o pode sem pôr em jogo esse princípio
realmente superior ao prazer imediato, de uma parte porque lhe de altivez que é o próprio homen:.
li será superior, doutra, porque terá sido. conquistado: "Não há
:/ experiência que eduque melhor um homem que o descobrimento Que a própria criança procure, pois, seu caminho, através do
I
I de um prazer superior, o qual teria sempre ignorado se não
houvesse tido, primeiro, um pouco de trabalho" (5).
somente o interesse imediato não educa a criança, "o que interessa
Não ,----1-- '.
difícil; não se trata de empanturrar o espírito, mas de aguerri-lo,
de formar "um pensamento magro que cace sua caça" (5). Para
isso, certa indiferença do meio é necessária. O trabalho escolar
jamais instrui" (27); mas a criança não se limita a si mesma, deve ser bem diferente do jogo, reclama outra atmosfera, atmos-
não conquista disciplina 'Sobre si mesma senão por essa luta fera na qual a criança saiba que lhe convém praticar em sua
contra o difícil (2). tarefa de homem. Tal é a escola.
A criança precisa, pois, do chamariz do difícil, se lhe qui-
sermos pôr nas mãos "a própria aprendizagem" (2), em vez de
adestrá-Ia de fora. Nesse propósito, bem longe de facilitar-lhe o IV. A escola
trabalho, cumpre deixá-Ia ante as dificuldades naturais. Nada de
taça amarga debordas untadas de mel ; "gostaria mais de tornar
A família, com efeito, não permite à criança desenvolver-se
(1) Assinalemos a semelhança entre essas opiniões e as da Sra. MON-
suficientemente, "a família instrui mal e, até, educa mal" (8),
TESSORI e de PESTALOZZI. porque põe em jogo sentimentos vigorosos; toda falta, na família,
(2) Do medo também, cumpre desconfiar, como do interesse, pois em- é ofensa contra a afeição, e julgada como tal; "o amor é impa-
pregar o medo é afastar o espírito, essa parte do homem que faz rir: ciente" (9); e o pai, justamente por efeito ele sua afeição, não
"Os padres que me instruíram até os doze anos eram ignorantes, e isso pode, suficientemente, deixar a criança a si mesma, e, por isso,
era visível; mas eram, sobretudo, medrosos, que chegavam a me fazer faz sempre participar o trabalho feito em casa, de interesse
medo ( ). Os padres têm medo e fazem medo; e (:!2~§Th--yez)
fica a
muito vivos, os quais desviam esse trabalho ele sua direção (8 a
marca ( ). O que a criança encontra na escola leiga é uma visão do
mundo sem tragédia e, bem ao contrário, um espírito ele au~ácia, de pru- 13). Ajuntemos que, "na família, a criança não é ela mesma;
dência, e dc indústria ante as coisas, as coisas que nada jPcllsam, nada toma tudo emprestado, imita o que não' é de sua idade" (13, e
querem, não são nem boas nem más" (86). , Les idées et les ãqes, I, 191), e, desobedecendo a cada passo à
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332 . I
333
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I!
IlII regra exterior, chega facilmente ao arrebatamento, ou à timidez
conhece a seriedade do trabalho escolar, nele experimenta dificul-
dades que o jogo não apresenta. É bom, até, que a passagem do
II e à vergonha, o que bem se vê na criança mimada. Esse arreba-
recreio para a aula seja "assinalada e solene" (5), que a sineta
11: tamento, não se livrará dele senão por atividades regradas, que
l ou o apito marquem a volta a uma ordem mais severa, e signifi-
encontrará na escola (1).
li quem que a atenção deve ser elevada de um grau: deve a gente
1;/ A escola, ao contrário, é como que o meio natural da criança fazer mais estrita polícia de si mesma (AJ_(Pr0/2..Q.Ld'UI.LNoL1:JJ,flnd..,
lr
fi
Cr,T3~14)-.-NâoéUi.11a granaetamTlla-Cro), porque ---a-justiça
aí substitui os sentimentos afetuosos, sempre, por algum aspecto,
151). Mas, inversamente, o trabalho escolar não tem a severidade
da aprendizagem; não é trabalho de verdade no qual todo erro é
í injustos (7). As crianças, na escola, 'São reunidas num "povo perda de dinheiro e acarreta castigo, no qual as coisas apresentam
11
criança", com suas cerimônias e suas regras - e o trabalho esco- sua dureza desumana de coisas: "O trabalho escolar ainda não é
II
lar também é cerimônia, como o brinquedo - numa sociedade senão meio trabalho. As coisas, quando as há, não passam de
'b,
, ~t'~. '~~aU~ "a'LU~úU 'e'apanaaa da socIedade 'am.! ceados preparados para o estudo. Uma naste de trigo no vaso
escola está fora da natureza verdadeira, constitui "poderosa barreira não é um campo de trigo, e o tubo de Torricelli está bem sepa-
contra as coisas da natureza", fontes de terrores insanos; está, rado desses furos e montanhas de ar que fazem a chuva, o vento
"por necessidade, fora da natureza" (Les idées et les âges, I, 177). e o ciclone. As experiências escolares são na redoma"; e por aí
li"
Mas está, também, fora do "movimento arrebatado" dos negócios o meio escolar deixa escapar "a severa lei do mundo, que é pesa-
humanos (14). Nela, a criança encontra regra e lazer. Pode, a rem todas as coisas sobre cada coisa" (Préliminaires à la mytho-
um tempo, aprender a controlar-se e preparar-se, em paz, para logie, 53-4). Por outro lado, a escola está bem longe do trabalho
sua futura tarefa de homem. A escola é um meio especialmente nisso de que é o momento da paciência, "o momento do lazer"
adaptado à criança, "uma natureza desenhada, ordenada, limitada (L. P., abril de 1935, 158), o momento em que a gente não está
pelo homem" (15), sem deslealdade, sem armadilhas. "A escola premida pelo tempo nem pelas coisas. Alain definiu um dia a
é sociedade de certo gênero, bem distinta da família, bem distinta, educação como "esse precioso momento em que a luta contra o
I'
-17 também, da sociedade dos homens e que tem condições próprias obstáculo exterior pode sempre ser mudada numa luta contra si
:1
e organização própria, como também culto próprio e paixões mesmo" (L. P., outubro de 19.34, 502). Por isso que posso enga-
I própria. Bela matéria para o sociólogo" (15) (2). nar-me e recomeçar, pois "as adições erradas não arruínam nin-
N essa escola, apartada do mundo adulto, onde a criança está guém" (29), posso rir de mim mesmo e discutir meus erros. E
afastada do ciclo dos trabalhos reais, vai ela conhecer um trabalho cumpre que me engane, "busque 'e me agite" (29), para pensar
11
escolar que é atividade muito particular, nem jogo nem aprendiza- verdadeiramente, pois o verdadeiro pensamento jamais nasce senão
gem. "A escola é solicitada em dois sentidos, para o brinquedo dos erros superados. Bem mais: "toda a arte de ensinar está em
e para a aprendizagem; mas está entre os dois" (29). A criança nunca levar a criança até esse ponto da obstinação" (32) onde se
condena e corre para a própria infelicidade, mas-calcular o obstá-
(1) Se a educação visa ao controle do eu, compreende-se que o ar- . culo de maneira que ela possa transpô-lo, e não assinalar, de
.rebatamento é o grande obstáculo. Único, ao que saibamos, foi ALAIN, ç.<C --começo, todas as faltas ;tpor aí a criança pode aprender a enganar-
numerosas vezes (V. Les idées et les ãçes, r, 186, 190, rr, 176; Vingt leçons se de bom humor, a não ter medo de enganar-se, a não ter medo
sur les Beau%-Arts,._.29.,~ .que lhe analisou a natureza e sublinhou-lhe a de pensar (32).
importância. O ;írrebatamentõ'~ atividade doida e de modo algum contro-
lada. Se não esquecermos-o quê" os movimentos do corpo estão na base de O mestre tampouco é um pai; é bom que manifeste certa
) todas as instituições superiores do homem, educação, arte, religião, etc., to-
indiferença, e interesse sem o querer e, sobretudo, sem mostrar
das são também um triunfo sobre o arrebatamento. Mas esta lição de
) que o quer (4), a fim de deixar a criança face a face com as

I ALAr, N é facilmente esquecida e constroem-se


[Juro intelecto.
pedagogias, ou estéticas, de

'-......-.(2) Não podemos aqui mencionar senão as admiráveis análises socio-


lógicas que ALAIN levou a cabo, por várias vezes, do brinquedo infantil,
~iculdade~ -Pois que "o amor não tellL-paciência~,_o
.., nãõ deve interessar-se de~o
mestre
qual visa: "Segundo
/ penso, o bom mestre é assaz indiferente, e quer sê-lo, e se exercita
esse conjunto de cerimônias e de culto, no qual cada um é como que em sê-lo" (9), é insensível às gentilezas do coração; o que agora
protegido de si mesmo pelo juramcnto: "Qucm brinca jurou" (V., em conta, é o verdadeiro e o justo. "As lições tomam o aspecto da
particular, Lcs idées et les âges, r, 183 a 198).
335
334

22 - G.P.
.,~ -

I
I
I necessidade. É o que importa, pois a criança jamais se resignará I'
Os exames mostram ben: qual é a função da educação, pois
f à seriedade e à atenção, Se tiver a menor esperança de perder 1
são "exercícios de vontade" (78), prova,Lpor vencer, nas quais ,
f um pouco de tempo" (10). Só essa indiferença pode levar a. "),/,
criança à disciplina de si e ao trabalho: "Observei, quando era '; :
não entra mais essa política do cOflS.ão que funciona na família. .

-"!f.
J criança, que aqueles que mantinham a ordem como se varre, como
se arrumam os objetos materiais, eram Iogo temidos por essa indi-
""S3:berenão fazer uso do que a gen'tesabe; é pior que ignorar.
A ignorância não é nada; não leva a conhecer vício algum do
espir ito-j-ao-ccntrário, a-falta-por emoçãn.faz aparecer. um.espírito
ferença, que tirava toda esperança. E, sem exceção, os que queriam T

inculto, e diria, até, um espírito injusto" (78).


persuadir, escutar, discutir, perdoar, enfim, as promessas, eram I
'r desprezados, apupados e, triste de dizer, ao cabo, odiados : ao I A eQlt=cação tem por fim "libertar" desses laços de emoção. e
de costtinie e, não, modificar as naturezas (ver, nos Propos d/wn
passo que os outros, os homens sem coração, eram, ao cabo,
amados" (12). Pois a criança, lembremo-los, não gosta dos diver- N ormanti, a alegoria do jardim, 145). A .natureza "é um fundo
sores, mas antes dos que "a elevam . .. -' ~.---, erra. Dor si
1I
'I mesmo, nem virtude nem vício, mas, antes, uma forma inicial de
.: ser franco ou astuto, cruel ou caridoso, avaro ou generoso" (11);
"o humor, seja qual for, não anuncia nem bem nem mal, mas,
I1 v. Caracteres e vontades anteS;certo colorido do bem e do mal" (Les idées et les âges,
Ir, 183). O caráter é a maneira pela qual tiramos partido dessa
/1,
,: Como, pois, veremos a classe? Como uma !!espécie de oficina" natureza, é "(),,-'i1iúli.or reconhecido e julgado como tal (Éléments
I"
I:, na qual as crianças trabalham de si mesmas: "De ordinário, con- de philosophie, 200). "Ter caráter é aceitar sua própria aparência
cebo a classe primária como um lugar onde o professor quase não ,\\ e dela fazer uma arma. Como gaguejar, ou ter a vista curta"
i'l trabalha, e onde a criança trabalha muito. Nada, pois, dessas "\ (Les idées et les âges, Ir, 185). A per§9nalic~de forte "incorpora
!Ij lições que caem como a chuva, e a criança escuta de braços cru-{ ,> em vez de negar" e, sem humor, sem natíTreza selvagem, não há
personalidade forte (Éléments de philosophie, 201). É essanatu-
zad?s. Mas c~m as cria~,Ç;ls .a ler, escrever, de~en~ar, .c~l~ular;il.
1(1
copiar e recopiar " (33j :)Paredes ,Q porque e so a atividade " reza ~e cumpre saber utilizar, que cumpre "liberar".
'I' dõ escola-rque conra,-"não há prog~, para nenhum escolar do . r-~@ , idéia capital para Alain, que a ela volta a cada
'!11I "mnndo, nem no que ouve, nem no que vê, mas no que faz", e ' , passo. Mas, também, realizar-se, o que é a mesma coisa. Se "o
:1
\. não convém distrair-lhe a at~!lção.Ç6).
-------.,'UlmpõTIanté-e:~COmefeito, conheça a criança o poder que
F!.~.d C':ício não passa de estrangulamento do eu pelo eu, por falta de
1-' <: ginástica e de música" (22), é que o vício não passa de virtude e
1)1 tem de governar-se, e faça, por seu trabalho, como que a apren- meio-caminho ( 23) num homem que não chegou, por suficiente
I11I dizagem desse poder (2). ºue __~4~gJ1~_a_,domar em ~Lo arrebata- polícia de si mesmo, a liberar-se; "tudo quanto é liberado é
,--- mento e as paixões. O saber conta menos que essa políCia:-ôe'-si bom" (22).
11
, inesmo~assegurada'péii trabalho feito sem zelo excessivo, unica-
j, Segue-se daí que cada um não se realizará, não se conhecerá
i) mente para triunfar do obstáculo e de si mesmo - o que é, aqui, enquanto não houver aprendido a governar-se, e a utilizar sua
a mesma coisa. Os pedagogos são por demais "crianças bem
"

I comportadas",'que esquecem o poder das paixões (2); não sentem


natureza de maneira integral. A escola não tem, pois, de procurar
conhecer; e os psicólogos são perigosos por acreditar poder

I a insuficiência de uma "instrução na qual falta a educação do


espírito" (L. P., agosto de 1936, 148), não vêem que a criança
deve, antes de tudo, "fortalecer a vontade" (2). Para isso, o
saber é secundário, e pouco importa que se não trate senão de
opiniões, de "dizem"; "urna educação não tem que ocupar-se do
conhecer, quando se trata de realizar. A medida das aptidões
pelos testes é bem medíocre, pois a aptidão não é simples meca-
nismo: "Pode dar-se que os obstáculos de natureza fortaleçam a
vontade, enquanto vemos, muita vez, que os dons mais felizes
são anulados pela preguiça, ou pela incúria" (L. P., maio de 1936,
valor do feno que distribui" (L. P., agosto de 1936, 149). A 85) . Pensemos na gaguez de Demóstenes, que teria sido, sem
educação. se ocupa, sobretudo, de .regrar o espírito; "o estudo dos dúvida, julgada bem imprópria para a tribuna, se houvesse sido
sinais, que é polidez e cultura, é quase o todo da educação e da julgado pela aparência. Prosseguindo nessa rica idéia, Alain chega
instrução" (Les idées IJ'tles âges,: r, 138).
, ,
a reintegrar a vontade na inteligência, e isso por duas conside-

336 337
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i',
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I·, .,
II
rações. A primeira é que a experiência nos mostra assaz quanto, comum vale para todos: "A cultura comum faz florescer as dife-
nesse domínio da inteligência, é difícil julgar antecipadamente: renças" (22). A própria escrita se diferencia, nos vários indivi-
"Decidir do que um homem poderá, ou não poderá, segundo as duos, pela cultura. Cada um aprende à sua maneira a mesma
promessas, os sinais e as aptidões, é um prazer de enfatuação do
:1 qual me guardo. Há já tantos exames que nos enganam quanto
disciplina, a mesma atividade, mas continua ele mesmo, como se
!fI vê no violinista, ou no esgrimista; ou antes, torna-se melhor ele
ao.valor dos homens! Jamais 'acontece que se tenha vantagem em mesmo. O mesmo método é, pois, bom para todos, posto sejam
I
pôr em grande desfãque aquele que foi primeiro numa certa coisa. todos diferentes, e esse mesmo método não tem por fim o torná-
,t,i .Esse gênero de desigualdade não dura: é absorvido, é apagado por 10s semelhantes, e, sim, torná-Ias ainda mais diferentes, com per-
mil modos" (Minerve, 91). A inteligência de um homem depende mitir, a cada um, descubra-se a si mesmo.
I
I1
de seus esforços, de sua vontade; posso ser inteligente no ofício
que escolhi, ao passo que me mostrei sem inteligência em face da
Para isso são úteis as mil necessidades da disciplina escolar.
Libertar-se é aprender a seguir uma regra, a não usar de ardis.
geometria. "Daí me veio essa idéia de que cada um é tão exata- Quando, vindo de um mestre indiferente, as lições tomam o
I: mente inteligente quanto quer. A linguagem poderia haver-me aspecto da necessidade, a criança não mais pode trapacear consigo
I
instruído' suficientemente acerca' disso; pois, imbecil quer dizer, mesma, aprende o sentido de "É preciso"; e já é saber muito (10).
exatamente, fraco ( ... ). Vontade, e preferiria dizer trabalho, O trabalho escolar exige toda a atenção, e com tanto mais eficácia
eis o que falta" (24); antes julgar o homem pela mandíbula, pela quanto foi usado o zelo primeiro (6). A própria ortografia e a
'''parte que abocanha e não larga mais" (24) do que pela cabeça. leitura são, aqui, meio de libertar-se, pelas regras que impõem:
. Segunda consideração que leva ao mesmo ponto, é que dá-se "É preciso ler e ainda ler. A ordem humana se mostra nas regras,
com as inteligências o que se dá com os corpos. Não se pode e é polidez seguir as regras, ainda ortograficamente. Não há
julgar um homem pela estatura, porque cada 'estatura tem suas melhor disciplina. O selvagem animal, porque nasceu selvagem,
vantagens. Assim também a "inteligência tem bem mais de um encontra-se, por isso, civilizado e humanizado, sem pensar nisso,
caminho. Um é míope,. mas, também, observa melhor", o outro e somente pelo prazer de ler" (25). Vê-se melhor, por esse viés,
é vivo, e por isso se engana (M inerue, 90-91). O que importa é o sentido do "método severo". Se a criança se dobra a ele, se
a maneira pela qual faço uso de minhas capacidades ou, antes, gosta da dificuldade, é justamente para elevar-se, isto é, para
o ponto até onde as levo, liberando-as: "Que de variedades na realizar-se. As lições divertidas não passam, jamais, de jogo. E
inteligência, no juízo, na invenção! Que dois homens desenvol- cumpre ainda observar que o próprio jogo é já, muita vez, "ceri-
vam seus poderes, como fizeram Platão 'e Aristóteles; ei-los mônia". Com mais forte- razão, o trabalho escolar é cerimônia e
diferentes por sua mesma perfeição; e, dizei qual vale mais, se polidez, polícia de si e, por isso mesmo, libertação.
assim ousardes" (ibid., 92) (1).
Chega-se, assi.f!1.J_ªessa .,g!§tndeidéia de que, pois que se trata,
somente, d~e~r .sua natu~e, não, de vencê-Ia, a cultura VI. o programa
(1) A] untemos, ainda, essa observação importante de que é sempre
bom contrariar os' gostos do aluno. Há, nisso, uma idéia' profunda à qual Que disciplinas deve a criança praticar? Deixaremos 'essa
ALAIN volta frequentemente (19, 20, etc.). Citemos um Propos dós últimos .\ escolha às crianças, ou às famílias? Certamente não; "acho ridí-
(L. P., 'abril de 1935, 164):'" Agora tenho ainda por dizer que não cum- culo que se deixe a escolha às crianças, ou às famílias, de apren-
pre orientar a instrução segundo os sinais de uma vocação. Primeiro, por- der isto antes que aquilo. Ridículo também acusar o Estado de
que as preferências pode~ntar. E também p0!9.ue é2..~!!illre.J}Orn.J.nstruir-
se a gente daquilo qu.e~~@~.,-deJ~htr. Contrariai, pois, os gostos, de querer impor isto e aquilo. Ninguém deve escolher, e a escolha
Come~ tempó. 'ESte não gosta senão de ciências; que estude,
pois, a história, o direito, as belas-letras; tem necessidade disso mais que para um caráter ( ... ) Desejaria dizer que essas aventuras, que alargam
outro ( ... ); todo homem deve ser tomado inteiramente como gênio uni- o ofício, alargam também a alma e dão paisagem ao conhecimento do eu.
versal; ou, então, nãó cabe até falar de instrução; falemos de aprendi- Ter alma é, talvez, escapar para ofícios possíveis, de modo a julgar do
zagem. E estou muito seguro de que o apelo, rude embora, à vocação alto o ofício real. O homem está tão acima daquilo que faz; conservemos-
universal de julgar, de governar e de inventar, é sempre o melhor tônico lhe esse lugar".

338 339
~
I
:1
1
está f9ta __ N apoleâo, acredito, exprimiu em duas palavras o que pais e a ama e, não, com essa existência pura que o filósofo não
tõ(1o homem deve saber o melhor possível: geometria e latim. chega a conceber senão tardiamente e a duras penasw'. Dizer isso
Ampliemos; entendamos por latim o estudo das grandes obras, e, é ainda dizer que não vamos diretamente para o mundo, mas não
principalmente, de toda a poesia humana. Então, tudo está o encontramos, em sua realidade, senão graças a esse rodeio do
dito" (19). qual Platâo, na República, mostrou a importância.
-~~'~É.b0m-que,à-s-vezes,Hm-Ala-in-veHha-81'-Htalme-n-te-lem8mr-a-- ~--_. ~É>Pois;-insânia-querer-pTucutar;-numa-ação-direta-s~Jbre()
pedagogos simplórios que" a escolha 'está feita", que não cabe às mundo, de uma parte o conhecimento do mundo, doutra, a polícia
crianças fazer o programa; mas esse programa depende de ríeces- de si mesmo. Não que as técnicas, as quais se contentam com
siàã.aes-psíq-1ilcãs e morais que as crianças não podem senão multiplicar as experiências, não possam ter êxito; mas, se "milha-
ignorar. Essas necessidades dependem dós passos naturais do espí- res de ensaios conduzem bem mais longe que a observação mais
fito humano. da maneira Dela aual est ' "
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·-vv •• ...-..v • .,v,,-V""') J...-., I··;,
sociedade ou, para dizer melhor, da maneira pela qual a criança a esse "pensamento da ponta dos dedos" (como dizia, muita vez
vá para o homem. A todos, sem exceção, o que falta é o "batismo Alai n, em seus cursos), característico do técnico, do homo faber,
humano" (19) (1). E as disciplinas que importam são aquelas que o espírito nada ganha com isso. "Qual é, pois, o próprio desse
melhor permitem, à criança, elevar-se para o homem, assegurando pensamento técnico? É que ensaia com as mãos, em vez de pro-
seu poder sobre si mesma, e seu poder sobre o mundo.j: curar pela reflexão. O primeiro movimento da telefonista:, que é
, Cremõs-~~it-;fa.~iimente que a criança deva começar pelo sacudir o aparelho, é movimento de técnico" (Humanités, 193).
11 mundo, que deva, de início, ser posta em contato com a natureza. O técnico é o homem que diz: "Vamos ver", que busca a solução
.I Ora, a ordem necessária é inversa. "Não nascemos para o mundo, do problema fora de si mesmo. Dessa prática nasce facilmente
nascemos para os homens, para suas leis, seus decretos, suas certa precipitação e impaciência e, ao mesÍ110 tempo, certo cepti-
paixões. Daí essa ordem invertida segundo a qual nossa física é cismo; é que, com efeito, o resultado obtido continua sendo um
J
uma política prolongada, adaptada, retificada. Se ajuntarmos aqui, "acontecimento" e, por isso, incompreensível. Para que fosse
1 à guisa de lembrete, que a criança aprende quase tudo dos outros, assegurado, seria preciso compreender-lhe a engrenagem, transfor-
li e sempre o nome antes da coisa, compreenderemos que ( ... ) má-Ia em "fato" verdadeiro. Ora, isso não é possível senão pela
todo espírito é religioso e mágico para começar" (Les idées et /" intervenção do espírito. Ciência puramente técnica, limitada aos
les âges, l, 129-130). A essa idéia, herdada de A. Comte, Alain . acontecimentos, não é verdadeira: "Nada há de verdadeiro nas
volta a cada passo; dela tirou, em particular, as profundas ciências se chamarmos verdade o que é; pois, o que é muda e se
I análises dos deuses infantis e da mentalidade infantil que se dissimula. A verdade verdadeira, se assim pudermos dizer, é essa
:1 encontram em Les dieu» e nos Préliminaires à Ia mythologie. revisão de nossas idéias, que fazemos segundo o espírito, combi-
"Fomos crianças antes de ser homens", segundo frase de Descartes nando o _simples com o simples, como vemos em aritmética e. em
~l que Alain gostava de lembrar, e ser criança é viver num mundo geometria ( ... y.
Nessa matéria, porém,mal se crê em Platão;
i humano, num mundo protegido, num mundo onde temos, de
começo, trato com as vontades desses grandes magos que são os
caçoamos das puras idéias; não temos consideração pelo espírito;
11
daríamos todos os teoremas do mundo por um pequeno fato. Tal
(
a embriaguez dos técnicos, e, ademais, orgulhosa" (L. P., junho
(1) Citemos ainda o fim desse Propos 19, no qual ALAIN mostra que de 1933, 296).
cumpre transpor para o plano leigo esse esforço para a salvação que era
o essencial do cristianismo: "Geometria e poesia; isso basta. Uma tempera O selvagem é aqui testemunho cujas técnicas aperfeiçoadas se
a outra. Mas as duas são necessárias. Hornero e Tales a levarão pela acomodam muito bem com as mais desvairaclas mitologias; pode
mão. A criança tem a ambição de ser homem; cumpre não enganá-Ia;
mais do que sabe. Quando quer compreender o mundo, usa não
ainda menos dar-lhe a escolher no que ignora. Sem isso o catecismo nos
faria enrubescer. Pois, os teólogos ensinavam a todos tudo quanto sabiam,
detendo-se no espírito rebelde. E, na dúvida, batizavam toda forma huma- (1) Sobre esse problema da existência pura --' e sobre o do entendi-
na. Iremos nós escolher, e recusar o batismo humano ao frívolo, ou ao mento - ALAIN escreveu talvez a mais profunda de suas obras, e a mais
adormecido?" Como dizíamos atrás, trata-se de formar, homens, não um difícil, Eniretiens au. bord de Ia mer, infelizmente muito pouco conhe-
escol e escravos. cida.

310 341
"I
-,

mais as técnicas aqui ineficazes, mas sinais humanos. Pois, repi-. , bem fazer (26) - a fim de fazer "o difícil rodeio" (27) pela
tamo-lo, são os sinais que vêm primeiro: "Qual a criança a quem "abstração preliminar" (31).
não se mostraram as coisas e, primeiro, os homens! Onde está Em lugar desse ensino das ciências que é, quase inteiramente,
a que aprendeu sozinha a direita e a esquerda, as semanas, os tempo perdido, até no secundário, pois, "sob o nome de trabalhos
meses, o ano?" (Humanités, 207). O homem conheceu os sinais práticos, ensinamos uma técnica imperfeita que não ensina ofício
humarros-antes das=coisas; bem mais, conheceu-os -sinais antes de algumr-e arrolha -(') espírito", em vez-de seguic..o. impulso-da
compreendê-I os ; "é experimentando os sinais que ele chega às técnica, iremos, ao contrário, "reencontrar a ordem do espírito.
idéias; e é compreendido bem antes de compreender; isto é, fala isto é, a ordem que esclarece, faz compreender, dá alguma idéia
antes de pensar" (ibid., 208). É, pois, pelos sinais e, não, pelas ""'
da necessidade natural, e, por oposição, alguma idéia também da
coisas que o ensino deve começar. E cumpre nos lembremos de
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liberdade do espírito, valor supremo agora sacrificado à ernbria-
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comunicação antes de ser significação. Por conseqüência, "apren- pelas experiências mais simples. Pela aritmética e pela geometria,
der a pensar é, pois, aprender a por-se de acordo; aprender a nas quais se descobrem as necessidades mais evidentes, as razões .
. 'bem-pensar é concordar com os homens mais eminentes, pelos E é notável que 'Seja somente mediante a necessidade geométrica
melhores sinais... Lições de coisas, sempre prematuras; lições que possamos compreender a necessidade exterior, como a his-
de sinais, ler, escrever, recitar, bem mais urgentes. 'Pois, se não tória das idéias o ensina assaz: o selvagem pode, realmente, ser
são nossas primeiras idéias falsas que encaminhamos pouco a maravilhoso atirador de arco, mas, por falta de geometria, con-
pouco no sentido da verdade, pensamos em vão. Como acontece tinua no nível da magia (27 e 19). E cumpre, primeiro, a prova
com as maravilhas da técnica; todo o espírito está na máquina, e mais rigorosa, degraus de provas, o que tem o duplo resultado
continuamos tolos" i Humanités, 209). de assegurar, com a noção da necessidade, a polícia de si mesmo.
Depois da geometria, pouco de física, mas física elementar
ou, antes, mecânica elementar. Evitar, antes de tudo, essa idéia
VII. As ciências perigosa de que a última verdade da ciência contemporânea con-
vém ao aluno; é preciso ser um Poincaré para compreender em
que sentido se pode duvidar do movimento da Terra. Cumpre
Agora se compreende por que a ciência-rainha é a geometria, voltar aos antigos, a Descartes, ou, melhor, a Tales. É bom
"a chave da natureza" (19). É o teórico, o geômetra, que com- "reconduzir toda idéia à primeira infância" (17), considerá-Ia
preende melhor o real, por exemplo o eclipse. Os casos particulares como os antigos a consideraram. O que falta à criança, "não é a
não são dados, mas compreendidos com base em idéias universais última palavra do homem, ( ... ) mas, antes, a primeira" (ibid.).
forneci das à criança pela sociedade. A criança não começa por O pensamento dos antigos pode estar ao nível do da infância;
pensar o particular, mas o geral ou, antes, o universal, como o não, porém, o de Einstein. Partir dos antigos, é guardar-se da mar-
"papá" que designa todos os homens, 'e "vamos sempre de gem, da esperança, do impulso, porque resta por fazer. Assim, é
pequeno número de idéias muito gerais, para um número maior porque a criança tem necessidade de futuro, que cumpre voltar
de idéias particulares" (Humanités, 212). ~ aos antigos; então acorremos, de certo modo, das antigas idades
Cumpre, pois, partir da idéia mais simples e mais conhecida, e estamos, desde o começo, lançados segundo o movimento justo
se quisermos compreender a natureza; e progredir, depois, lenta- (ibiã.). Vale mais, pois, refletir sobre os princípios elementares.
mente: "Ir do conhecido para o desconhecido, é a nossa sorte; sobre a polia, sobre a alavanca. Alain freqüentemente voltou a
vale dizer, do simples e abstrato para o concreto e individual, que esses exemplos simples, para ele mais instrutivos que a física
não esgotaremos" (30). Partamos, pois, da aritmética e da moderna, porque estão em nosso nível, ao nível de nossos erros
geometria, e sigamos a série das ciências traçada por A. Comte. (18). Escrevia: "Aproveito mais em ler a física celeste de Des-
Mas o importante não é ir longe; "pouca ciência, mas boa ciência" cartes, que em procurá-Ia no jornal da manhã" (30), e seus
(19); é preciso tomar seu tempo - o que o Secundário sabe alunos ficavam, por vezes, surpresos por vê-Io insistir neste ou

342 343
1
r naquele ponto da Dioptrique cartesiana, hoje em dia bem obsoleto. IX. As humanidades
Mas é que, para ele, era, antes de tudo, necessário compreender
aquilo de que se falava em ciências. Donde seu desprezo por
essas classes primárias que são "Universidades em miniatura" Essas prescrições valem tanto para as letras como para as
(42), onde o mestre deve saber tudo e falar de tudo: "Odeio ciências, para o "latim" C01110 para a "geometria". Aqui ainda
_____ a.-cr:iança.-de'.'c-t~contato_direto_co.ill-Qs_p.r.oblemas_e_co.ill-Qs~ _
-essas-pequenas-SorbomresJ'-(-2S-)-. -0 que deve penetrar, por foda
sinais. E aqui ainda é bom voltar aos antigos (1).
parte, é o espírito científico, não a ciência que esmaga; e é mais
seguro procurar esse espírito científico em suas origens que na A leitura é meio de tomar contato com o pensamento dos
massa dos últimos descobrimentos que não podem esclarecer (60). grandes homens. Por isso, cumpre aprender não somente a ler,
J,
Simples reflexão sobre a polia leva mais longe que o conheci- mas a ler depressa, a ler" facilmente, vivamente, sem esforço, de
14-•.•....1 ...........•..... 1....•4-:,..1 •... 1 _~_ l'
r ',' :Ia letra. e possa nrestar atencão
rente à quarta dimensão. Cumpre
- -
"graduar
"a experiência, é a ao sentido" (42). Só sob essa condição a criança sairá da escola
arte "de instruir" (61). com o gosto de ler, e não esquecerá o pouco que sabe. Ora, o
livro deve ser sempre "ia professor-chefe", e os mestres "os
adjuntos do livro" (41), pois é pelo livro que se conhecem os
grandes autores, expressos pelos grandes sinais. "Ler é o verda-
VIII. Lição e experiência deiro culto" (5). Inventemos, pois, técnicas para fazer a criança
ler depressa; e que sem cessar a criança leia, releia e aprenda,
assim, a ler baixinho, a ler com os olhos (42 e 44) : "Se o mestre
Compreende-se, assim, que Alain rejeite toda lição magistral
se calar, e se as crianças lerem, tudo vai bem" (25).
que vá além da. criança. Não se trata de poder recitar lições de
física, ou de ciências naturais, que não passariam de palavras; "É preciso ler, e ainda ler" (25), pois é esse conhecimento
trata-se," primeiro, de compreender. Não é ao mestre que cabe dos sinais que, verdadeiramente, civiliza. O de que a criança tem
trabalhar, mas ao aluno, e a lição magistral não tem valor senão necessidade, é, antes de tudo, das Humanidades, "As Belas-
Letras são boas para todos e, sem dúvida, mais necessárias ao
quando o aluno, em seguida, repuser a aula em forma, coisa que
r mais grosseiro, ao mais pesado, ao mais indiferente, ao mais
não vale, evidentemente, para um garotinho (35). De outra
violento" (25). Os grandes autores são bons para todos. E que
forma, são "bobas" lições de moral, de história, ou de ciências
se não diga que a criança quase não compreenderá, pois o poder
naturais, ante crianças que ignoram o sentido das palavras;
da poesia - a qual deve vir em primeiro lugar - está "nisso
daquilo tudo nada resta depois de oito dias (35, 36). Convém
de que, em cada leitura, primeiro, antes de nos instruir, nos dis-
lembrar que "a gente não aprende a escrever e a pensar escutando
põe, pelos sons e pelo ritmo, segundo modelo humano universal"
um homem que fala bem e pensa bem. Cumpre experimentar,
(19). Que a criança escute "o belo gorgeio" humano, que seja,
fazer, refazer, até que o ofício entre, como se diz" (37); é
de começo, tomada pela harmonia. Demos-lhe, pois, para ler, os
preciso longo rodeio para saber somente um pouco (64). Até em melhores autores, La Fontaine (melhor que Florian), Corneille,
aritmética, é bom que a criança assimile primeiro bem as noções, Racine, Vigny, Hugo; que ouça as belas coisas, como a música;
com "o auxílio dê cubos, de preferência a passar muito depressa e veja os belos desenhos de Rafael, de da Vinci, de Miguel
para operações algébricas inteiramente mecânicas (53). Os mes- ~
Angelo; que ouça Beethoven desde o berço, "nada é belo demais
tres "de piano nos mostram, aqui, o caminho, eles que se não para essa idade" (5). Há nesse ponto, sem dúvida, um paradoxo,
espantam com o fato de uma criança aprender tão pouco numa e Alain não teme sublinhá-lo, e voltar a ele freqüentemente:
hora.' É, sem dúvida, mais demorado fazer de modo que a própria
criança prove,. primeiro, todas as verdades; mas esse é um tra- (1) "Se me perguntarem que livro é bom para as crianças, direi
balho que deixa alguma coisa (37). Lembremo-nos sempre de Hornero, a Bíblia, as Fábulas; e logo se vê porquê. A infância do indi-
víduo se parece com a infância da espécie. Se quiserdes conhecer o estado
que "não se trata "de mostrar toda a natureza", mas de "regrar o
primi tivo de nossas idéias, lede os livros mais antigos. Se quiserdes segui I"
espírito peloobjeto, segundo a necessidade claramente percebida" t nossa sabedoria até as raízes, haveis de encontrar os magos, os prodígios e
(19). Que o mestre "escute e vigile bem mais do que fale" (33). os dcuscs " (Propos SlW la reliqion, 53).

344 , 345
t
I
"Tenho uma idéia estranha, bem afastada do que se diz cornu-
f mento. Alain gostava de dizer que não se pensa verdadeiramente
mente, na matéria, idéia verificada muitas vezes, é que o que é I senão com a pena na mão e, segundo ele, isso valia para todas
belo para todos e universalmente humano, é, justamente, o que .~ as idades (34). Sem dúvida não se trata de escrever sempre da

~r
parece ter sido escrito para cada qual" (21) (1). Aliás, é perigoso, mesma maneira. Cópia, versão latina, aula ditada (34), feitura
aqui, substituir os mestres por comentários medíocres, cumpre laboriosa e lenta de frases (37), todos esses exercícios de diversas
-_YQltàr_à-ÍontLuma-v:ez-mais~Mas,aqui-ainda,temo-os-comen~ ~idades_pr.ep.aram_p.ar.a_escr.e.v.er:,_mais_tar.de,_sem-T.ascunhO-e-se.m_---
tários. Busco o incontestável, até no contestável; e os gênios, rasuras, como Alain pedia aos alunos que fizessem, pois o rascunho
poetas, oradores ou panfletários, são fatos humanos incontestáveis. se presta a muitos rodeios, muitas evoluções, não permite essa
Quero que sejam lidos; quero que sejam sabidos, e recitados; disciplina excelente que consiste em achar, assim-assim, fim
isso mesmo é compreendê-los e faço muita questão de que sejam l, conveniente para uma frase já começada.
compreendidos como são. Se o mestre ~_ ._.. L -,.,., ,.
Mas é. sempre. em torno das zrandes o
loas, ou vOciferações, então já não tenho garantias. Há realmente procuremos nossas idéias, nos grandes textos - e, não, em
100 liceus e 200 colégios; não temos 300 gênios" (L. P., agosto extratos (45), ficando o mestre como repetidor que faz a apresen-
de 1935, 342). tação (L.P., agosto de 1935, 342), mas instruído ele próprio, nas
N em sempre é fácil, sem dúvida, captar "essa antiga ciência fontes. Pois, a invenção não é tão fácil; quer coisa diversa da
da natureza humana, dispersa nos grandes livros que cumpre ler livre espontaneidade, é obediência a modelos. "Nunca se saberá
vinte e trinta vezes; e, se a trigésima leitura é agradável, a pri- suficientemente que é mais importante fixar o espírito que ins-
meira é ingrata e difícil" (85). De início, a criança não compre- trui-lof ... ) Eis porque penso que a cultura é algo de muito
enderá. Mas pode, como vimos, ser tomada por esse "gorgeio importante e de muito sério, que nos mune de formas belas e
humano". Alain não se arreceia de atribuir o maior lugar à reci- )
invariáveis, sobre as quais cumpre refletir bem, pois não podemos
tação e à cópia de belos textos. Cumpre dar, à criança, um modelo, mudá-Ias. E é loucura querer que alguma idéia nova nos dê novos
I destinos; não, mas uma idéia bem velha, a repetir sempre a
e como "um espelho no qual se veja logo engrandecida e puri-
ficada" (21). Aqui, é tal como no desenho; no desenho livre a mesma canção; pois é verdade que tudo está dito, mas, também,
criança não' vai bem porque se deixa ir, porque nele não encontra nada está pensado" (L.P., agosto de 1933, 394). Voltemos, pois,
uma liberação. Na cópia, porém, de. um modelo, encontra segu- ., aos antigos (1), aos clássicos, aos provérbios, a Homero, a Platão,
rança; "seja qual for o modelo, não 'se pode fazer um desenho I
a Shakespeare, a Balzac, para neles encontrar nosso próprio pensa-
conveniente senão moderando e temperando todos esses tumultos I mento; "entregues a nós mesmos, e sempre sem defesa contra a
...~
do coração, tão sensíveis no tremor e no peso da mão. A vulgari- I
paixão do dia, derivamos naturalmente de pensamento em pensa-
dade se exprime só nesses traços pesados que furam o papel" (21). mento" (ibid.) (2).
Assim também, no copiar os belos autores - ou no recitá-los _
a criança se liberta dos movimentos do humor; "será melhor ela
mesma, só pela atenção na cópia de uma bela obra" (21'), os Conclusão
"pensamentos de aventuras" (40) aí encontrarão apoio e, pouco
a pouco, forma estável.
Ao próprio Alain cumpre aplicar-lhe a doutrina. Não o
A escrita é, com efeito, uma disciplina, e cumpre conservar-
lhe esse caráter de disciplina. Pelo respeito da ortografia; mas, t conhecer por extratos, nem por comentários, mas por freqüenta-
também, pelo cuidado de fazer obra arquitetural; e querem-se (1) "Não há Humanidades modernas, pela mesma razão que faz que
belo caderno, belos títulos em' rondo, belas margens (45, 42); e, cooperação não seja sociedade. Cumpre que o passado esclareça o pre-
no caderno, copiar belas fórmulas, "Pensamentos". Há nisso sente, sem o que nossos contemporâneos são, a nossos olhos, animais enig-
ginástica que desata os músculos, torna flexível, guia o pensa- máticos" (Propos sur le christianisme, 28).
(2) Vê-se aqui como ALAIN podia concordar com V ALÉRY, para quem
(1) Cumpriria, aqui, expôr as opiniões estéticas de ALAIN, cujo fun- "a filosofia é questão de forma ", e como, na poesia de VALÉRY, ALAIN
damento essencial reside em que o belo' regra os movimentos dó corpo. V., podia encontrar seu próprio pensamento. V. a Introduction de VALÉRY ao
sobretudo, as Vingt leçons sur les Beaus-Arts. Commeniaire de charmes, de ALAIN.

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Propos d'ml Normand reeditados por Gallimarel em cinco volumes, 1952,1960.
ção assídua, sempre fecunda. Adotar-lhe primeiro as idéias, como i Les idées et les Gallímard, 1927.
ãqes,
ele recomendava a todos os leitores das grandes obras - e como
também o havia dito Rousseau - depois compreendê-Io, reescre-
I
.(,
Les dieu», Gallimarel, 1934.
, Préliminaires à Ia m:yfhologie, Hartmann, 1934.
vendo-lhe' as reflexões. Não tentar separar num pensamento de Humanités, Mérielien, 1946 (em particular capo III, de 1925).
vigorosa unidade, ter sempre presentes ao espírito os cuidados Esquisses d'Alain, I, Pédagogie en'[antinc, P.U,F .. 1963 (curso de Sévigné ).
essenciais: o corpo selvagem por domar ou, antes, por liberar, As edições ele La PféIade reuniram em três volumes as obras prin=--
coisa que se faz por pequenas mudanças, pequenos cuidados coti- cipais de ALA!!': o volume de Pro pos traz boa biooibliografia ; 05 três
dianos; a prudência que remonta sempre à fonte a fim de nela volumes trazem índices.
encontrar o. mais simples e o mais humano; a veneração da huma- Um Alain éducateur foi publicado em 1964, por G. Pxscxt, nas P.U.F.
nidade representada pelos grandes autores; e a indomável vontade '.

de conservar sempre em sua posse o aguilhão da dúvida.


o que basta para dizer que não' teríamos desculpa alguma
se ihouvéssemos querido simplesmente dar, aqui, um resumo da
doutrina (e esse pensamento nos fez hesitar por longo tempo).
Trata-se apenas, para nós, numa galeria dos grandes pedagogistas,
de. não esquecer aquele que foi, talvez, o maior; trata-se, por
esta .introdução insuficiente à sua obra, de convidar os educadores
a tomar consciência do proveito que tirarão, voltando à fonte pura,
e freqüentando um pedagogista que, pela ação que exerceu sobre
tantos alunos, soube provar, pela prática, o valor de seu método (1).

Jean CHÂTEAU
~
tI"

BIBLIOGRAFIA DAS PRINCIPAIS OBRAS


PEDAGóGICAS

o essencial da doutrina se encontra nos Propos SUl' l' éducatio», publi-


cados pelo editor Rieder em 1932, e reeditados pelas Presses Universi-
taires de France. Trata-se de Propos publicalos anteriormente e reunidos
por Michel ALEXANDRE. ' .. - .

Mas, para esclarecer certos pontos, é bom referirmo-nos também às


outras 'obras, em 'particular às seguintes:
-Lib;e~Pfop;s, de 1927 a 1936, passim,

(1) Citemos a propósito um pensamento que - ai de nós I - vai


longe, 'referente aos ensaios de métodos pedagógicos, tanta vez inúteis: "Os
ensaios são decididos, em parte, por' homens que ensinavam bem, .mas
não ensinam mais; em parte, par outros que ensinavam mal, e por essa ra-
zão, escolheram a administração; em parte, por homens de escritório, que
nunca ensinaram, e não seriam absolutamente capazes disso, e que me pcr-
mito' chamar os ilctrados da instrução pública" (43).
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