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15 de outubro de 2020

a 17 de maio de 2021
MEMORIAL DA RESISTÊNCIA DE SÃO PAULO
A exposição Orgulho e resistências: Para o Memorial, o (re)conhecimento
LGBT na ditadura trata de um tema desses lugares e vozes é um importante
ainda pouco discutido no Brasil: instrumento de educação para a
as relações entre autoritarismo e cidadania, uma vez que aproxima
diversidade sexual e de gênero. fatos ocorridos no passado das suas
Para o Memorial da Resistência de permanências no presente. Ainda
São Paulo, realizar esta exposição que muitos direitos tenham sido
em parceria com o Museu da conquistados e políticas públicas
Diversidade Sexual e com curadoria tenham sido implementadas
de Renan Quinalha reitera e atualiza durante as últimas décadas, o Brasil
o compromisso da instituição segue entre os países que mais
com a construção da memória matam pessoas LGBTs. Além disso,
política brasileira e a valorização da enfrentamos hoje um retrocesso
democracia e dos direitos humanos. quanto aos direitos adquiridos. Mais
É importante lembrar que o do que nunca, a força simbólica
Memorial realizou, em 2014, uma dos encontros segue presente
histórica audiência pública sobre e o Memorial da Resistência se une
as existências e resistências LGBTs a essas vozes para a ampliação
durante a ditadura. O encontro, da cidadania e dos direitos
denominado “Homossexualidades e humanos no país.
a ditadura no Brasil”, foi organizado
pela Comissão Nacional da Verdade Ana Pato
em conjunto com a Comissão da Coordenadora do Memorial
Verdade do Estado de São Paulo da Resistência de São Paulo
– Rubens Paiva. O auditório lotado
reunia militantes de diferentes Jochen Volz
gerações do movimento LGBT Diretor-geral da Associação
brasileiro, reforçando o interesse do Pinacoteca Arte e Cultura
ativismo por sua própria memória e
história. Foi simbólico esse encontro
ter acontecido no antigo prédio do
Deops, encravado em pleno território
da Boca do Lixo – famosa área do
centro paulistano frequentada por
pessoas LGBTs, sobretudo das
classes populares.

Constantes apreensões
de homossexuais e
travestis no Rio de Janeiro
e São Paulo são notícias
nos Diários Associados.
Detida: Wilson Luiz, Rio de
Janeiro, julho de 1975.
MUSEU DA DIVERSIDADE SEXUAL
O Museu da Diversidade Sexual Localizado dentro da estação
nasce de uma demanda da República do metrô, em São Paulo, o
comunidade LGBTI+ em 2012, MDS tem como norma a gratuidade
que naquele momento não se via e a inexistência de qualquer
representada nos espaços de cultura barreira ao acesso, garantindo a
tradicionais. Felizmente isso mudou, inclusão e a acolhida que nos é
e um exemplo desse novo momento negada pela sociedade. Foi visitado
é a exposição Orgulho e resistências: por mais de 300 mil pessoas
LGBT na ditadura, uma parceria do desde a sua abertura, tornando-se
Memorial da Resistência de São um espaço de referência na
Paulo com o MDS, que muito nos discussão das diversidades, das
honra. Mesmo assim, não podemos sexualidades dissidentes e das
esquecer que, segundo pesquisa cidadanias negadas. Tanto o Museu
do Grupo Gay da Bahia, o Brasil da Diversidade Sexual quanto o
ainda é o país que mais mata Memorial são na sua essência
pessoas LGBT no mundo. espaços de resistência, e por isso
Nesse cenário, o Museu tem a estamos JUNTES.
missão de preservar e comunicar o
patrimônio sociopolítico e cultural Franco Reinaudo
da comunidade LGBT do Brasil, Diretor do Museu da
contribuindo para a educação e a Diversidade Sexual
promoção dos direitos humanos.

Constantes apreensões de
homossexuais e travestis
no Rio de Janeiro e São
Paulo são notícias nos
Diários Associados. Catorze
detidos, Rio de Janeiro,
fevereiro de 1953.
10 ORGULHO E RESISTÊNCIAS: LGBT NA DITADURA
13 SEXO, SEXUALIDADE E GÊNERO
15 O QUE É UMA DITADURA?
17 A DEFESA DA MORAL E DOS BONS COSTUMES

21 ARTE E RESISTÊNCIAS
29 CENSURA E LINGUAGENS

35 OS CORPOS E A POLÍCIA
37 PROSTITUIÇÃO, TERRITÓRIO E CLASSE
45 DEOPS/SP: VIGILÂNCIA, CONTROLE E REPRESSÃO

48 MOVIMENTO HOMOSSEXUAL NA DITADURA


54 DEPOIMENTOS

71 CONQUISTAS E DESAFIOS
72 HOMOSSEXUALIDADE E CONSTITUINTE
80 AS BANDEIRAS
82 A CASA 1

83 PARA SABER MAIS


84 SOBRE OS ACERVOS
86 SOBRE OS AUTORES
90 CRÉDITOS
O que ditadura e LGBTs, dois temas Assim, o cerne das políticas
que à primeira vista parecem sexuais da ditadura pretendia
guardar pouca relação entre si, reforçar o estigma contra LGBTs,
têm em comum? Qual o sentido dessexualizando o espaço público ao
de abordar, em uma exposição, os atirar para a invisibilidade corpos e
cruzamentos entre autoritarismo e coletivos que insistiam em reivindicar
diversidade sexual e de gênero? o reconhecimento de seus direitos
A ditadura não inventou a e liberdades. Onde há repressão,
mentalidade conservadora que porém, as resistências não faltam.
embalou parcela significativa da Sob a ditadura, e apesar dela,
população brasileira. O que ocorreu boates, bares e espaços de
foi que o golpe de 1964, ao concentrar sociabilidade entre homossexuais
poderes no Executivo e estruturar se multiplicavam. Enquanto se
um complexo aparato de violência, mantivessem nas sombras dos
forneceu aos síndicos da moralidade armários, ou no anonimato dos guetos,
alheia os meios de que precisavam alguns homossexuais conseguiam
para levar a cabo um projeto de se esquivar. Contudo, essa não era
saneamento moral da sociedade. mais a realidade: estavam ocupando
Em um momento no qual estava o espaço público, ostentando seu
em curso uma revolução dos orgulho e buscando um lugar político
costumes marcada pela liberação na sociedade. Aliás, foi aí que o
sexual, pílula anticoncepcional, movimento LGBT organizado deu
ampliação da presença da mulher seus primeiros passos.
no mundo do trabalho e entrada em Desde então, muita coisa mudou.
cena de homossexuais e travestis Direitos foram conquistados,
com cada vez menos pudores, a políticas públicas implementadas
ditadura organizou uma reação e São Paulo sedia a maior Parada
contra essas mudanças. do Orgulho LGBT do mundo. Mas o
Havia um objetivo moral para as Brasil ainda ocupa o topo do ranking
violências cometidas: a vida privada, internacional dos países que mais
a esfera íntima e o que se fazia entre matam essas pessoas, e há flagrante
quatro paredes entraram no cálculo retrocesso para os direitos sexuais e
da ânsia reguladora do Estado. reprodutivos na atualidade.
Pessoas eram vigiadas e suas Semelhanças entre ontem e hoje
práticas sexuais eram registradas evidenciam como a ditadura deixou
em dossiês. Músicas, filmes, peças um terreno fértil para que as práticas
de teatro, novelas e programas de de abusos e violências contra LGBTs
auditório foram vetados e impedidos seguissem naturalizadas. Por isso, é
de circular. Travestis, prostitutas fundamental (re)visitar essa história
e homossexuais, em número que é, mais que qualquer outra
crescente nas grandes cidades, coisa, uma história de orgulho e de
tornaram-se alvos privilegiados da resistências.
repressão policial nas ruas. Para os
militares, a sexualidade passou a ser Renan Quinalha
tema ligado à segurança nacional. Curador

11
SEXO, SEXUALIDADE E GÊNERO
A palavra sexo se relaciona com os Já a sexualidade está ligada
aspectos anatômicos e biológicos a práticas, comportamentos e
pelos quais a nossa sociedade afetividades, e é a partir daqui
distingue machos e fêmeas que pensamos as orientações
(genitália, aparelho reprodutivo sexuais: homossexuais (gays
etc.), sendo que o sexo biológico e lésbicas), bissexuais (pessoas
também determina a classificação que se relacionam romântica e
dos intersexos, pessoas que nascem sexualmente com ambos os gêneros)
com ou desenvolvem características e heterossexuais (os atraídos por
físicas de ambos os sexos. pessoas do gênero oposto).
As ciências sociais e a teoria No entanto, sexo, gênero e
feminista compreenderam ao sexualidade são muito mais amplos
longo do tempo que gênero é e complexos e, muitas vezes,
uma construção social acerca o que sentimos e acreditamos ser
do sexo biológico. É a partir da não cabe em nenhuma dessas
divisão dos sexos (genitálias) que caixinhas. Por isso, para além de
a sociedade condiciona gêneros classificações (sempre parciais
– masculino e feminino – a corpos e precárias), o mais importante é
sexuados. Esse processo não respeitar a individualidade de cada
é natural, e sim reflexo de uma pessoa, para que ela possa viver
sociedade que divide as funções, sua identidade, gênero e sexualidade
responsabilidades e oportunidades livremente, sem sofrer nenhum tipo
entre homens e mulheres. de discriminação ou violência.
A identidade de gênero indica
como nós nos percebemos e Leonardo Arouca
nos identificamos em relação ao Documentalista no Museu
gênero que nos foi condicionado da Diversidade Sexual
ao nascermos. Segundo a ONU, a
identidade de gênero se refere à
experiência de uma pessoa com
o seu próprio gênero. Assim, os
indivíduos trans possuem uma
identidade de gênero distinta
do sexo biológico que lhes foi
designado no nascimento. Essa
população é bastante diversa,
incluindo mulheres e homens trans,
travestis e pessoas não binárias,
dentre outras.

Constantes apreensões de
homossexuais e travestis
no Rio de Janeiro e em
São Paulo são notícias
nos Diários Associados,
geralmente em tom jocoso:
“Valter de Oliveira, ‘Jussara’,
conhecida travesti da noite, e
13 Vanda dos Santos, ‘Vandão’,
trajada como homem”.
O QUE É UMA DITADURA?
De um modo geral, uma ditadura Aos opositores, em qualquer
se caracteriza por uma forma de esfera, do projeto dos militares
governo autoritária que rompe os coube a insígnia de “terroristas/
preceitos básicos da democracia: a subversivos”, personificando o
separação e o equilíbrio entre os três inimigo interno a ser duramente
poderes (Executivo, Legislativo e combatido (como preconizado pela
Judiciário), o respeito à Constituição Doutrina de Segurança Nacional).
vigente e aos direitos fundamentais, Contra essas pessoas, a repressão
bem como o exercício regular do – alimentada pelos serviços de
voto, que efetiva a participação informação – atuou por meio da
popular por meio da eleição de censura, perseguição política,
representantes. A implantação exílio, sequestro, prisão, tortura,
de uma ditadura subverte a ordem assassinato e desaparecimento.
política preexistente, mobilizando
uma parte da sociedade ao mesmo Julia Gumieri
tempo em que subjuga, com Pesquisadora no Memorial
violência, a outra parte – pela da Resistência de São Paulo
instrumentalização de poderes
coercitivos como o exército, a polícia,
a burocracia e a magistratura.
Em 31 de março de 1964 foi
deposto o presidente João Goulart,
que havia assumido em 1961,
após renúncia de Jânio Quadros.
A destituição foi resultado da
mobilização e articulação de
diversos setores: o empresariado,
que financiou forte propaganda
anticomunista contra Goulart; a
imprensa, que somou esforços
em campanhas diversas contra
o governo; a Igreja Católica, ao
mobilizar vários estratos sociais em
marchas que pediam a intervenção
militar como mecanismo de
conservação dos supostos ideais
religiosos do país; a Câmara dos
Deputados, ao encenar ritos legais
para a legitimidade da deposição
e, por fim, as Forças Armadas – que,
por 21 anos, comandaram o país.

Prisão em massa detém 400


pessoas para averiguação
em operação conduzida
pelo Departamento de
Investigações de São Paulo,
atual DEIC. Maio de 1964.
15
A DEFESA DA MORAL E DOS BONS COSTUMES
A retórica da moralidade pública e Esse pânico moral era uma
dos bons costumes foi central na reação à emergência dos novos
construção da estrutura ideológica papéis de gênero, com as lutas
que sustentou a ditadura de 1964. feministas desafiando a ordem
O sentimento anticomunista foi binária da dominação masculina.
intensamente mobilizado para Práticas e identidades sexuais cada
caracterizar a subversão moral vez mais diversas desafiavam o
como um artifício do movimento padrão patriarcal e heteronormativo,
comunista internacional para minar produzindo (e sendo produzidas
as instituições ocidentais. A defesa por) uma contracultura pulsante de
das tradições, a proteção da experimentações e subversões.
família tradicional, a salvaguarda A politização do corpo e da
da juventude, o decoro público e intimidade contestava a tradicional
o cultivo dos valores religiosos distinção entre público e privado,
cristãos foram todos, a um só tempo, afirmando a autonomia, o desejo
motes que animaram uma verdadeira e o direito ao prazer como
cruzada repressiva contra setores reivindicações centrais. Essas
classificados como indesejáveis e mudanças atestavam que toda
considerados ameaçadores à ordem moral é particular e que os
moral e sexual então vigente. indivíduos devem ser livres para
As diversas manifestações da escolher os valores que pautam
Marcha da Família com Deus pela suas ações. [RQ]
Liberdade, ocorridas entre março e
junho de 1964, foram um prenúncio
revelador do que estaria por vir.
Apesar de vaga e abstrata, a
fórmula da “defesa da moral e dos
bons costumes” foi muito utilizada
para justificar as violências contra a
diversidade e alimentar o pavor do
diferente. Mães preocupavam-se
com seus filhos expostos às revistas
pornográficas nas bancas de jornais;
famílias se indignavam com as
telenovelas, cujas cenas eróticas
invadiam seus lares; religiosos se
revoltavam contra setores cada
vez mais amplos da juventude,
que buscavam prazer fugaz nas
tentações mundanas.

Baile dos Enxutos,


carnaval do Rio de Janeiro.
Fevereiro de 1963.

17
19
No Brasil, parte da produção cultural Da imprensa ao audiovisual,
dos anos 1960 e 1970 que abordava das artes plásticas ao teatro,
as experiências homo e transexuais grandes expoentes contribuíram
teve origem em movimentos da para a construção dessa arte
contracultura, como o Desbunde – transgressora. Um dos que
que utilizava nas suas produções a conquistaram maior alcance de
ironia, o deboche, a experimentação público e mídia foi o Secos e
das drogas e o culto ao amor livre Molhados, com a icônica figura de
como críticas ao conservadorismo Ney Matogrosso, que invadia os
da ditadura. Esse movimento ganhou lares das famílias brasileiras com
forma em diversas linguagens da sua voz em falsete e aparência
arte e da imprensa e abriu espaço andrógina, descortinando um novo
para a emergência de vivências universo a ser descoberto. [LA]
não normativas de sexualidade e
identidades de gênero.
Essa cena artística da época
abarcou desde José Celso Martinez
Corrêa, com seu Teatro Oficina,
até os Dzi Croquettes – grupo
antológico que na década de 70
chocou autoridades militares com
suas performances irreverentes
e andróginas e que, perseguido
pela censura, se exilou em Paris.
Consagraram-se ainda figuras como
Madame Satã, Rogéria e Clóvis
Bornay, personagens expressivos da
subcultura homossexual da época.

Frame do documentário
Divinas Divas (2017),
de Leandra Leal.

21
Jornal do Gay, noticiário Primeira edição da Pleiguei. A revista
mensal com circulação em sucedeu o jornal Lampião da Esquina
várias capitais brasileiras. e foi editada no Rio de Janeiro por
Edição de 1978. Aguinaldo Silva. Novembro de 1981.

23
25
Cassandra Rios foi a primeira escritora
brasileira a alcançar a marca de 1 milhão de
livros vendidos, sendo a única a conseguir
viver apenas da renda de suas publicações.
Contudo, com a moralização conduzida
pela ditadura, Cassandra somou 36 livros
censurados pelo governo, recebendo a
infeliz alcunha de “autora mais censurada
do Brasil”, feito que a levou à falência.

Tara, livro de Cassandra


Rios é incluído na lista de
publicações imorais em 1963.

Págs. 24-25: A Medieval,


inaugurada em 1971 na
rua Augusta, foi uma das
pioneiras entre as boates
gays paulistanas. Comandada
por Elisa Mascaro, a casa
trazia espetáculos inspirados
nos cabarés franceses.
Após anos de sucesso, a
Medieval fechou em 1984.

27
CENSURA E LINGUAGENS
Na década de 1960, novos Diante das dificuldades de
ventos sopravam por todo o contabilizar um fenômeno que teve
mundo, provocando mudanças grandes dimensões e nem sempre
e confrontando padrões deixou rastros documentados, as
comportamentais conservadores. cifras sobre o alcance da censura
Hippies, guerrilheiros, mulheres, nas diversas linguagens artísticas
negros e LGBTs pareciam ainda não têm contornos precisos.
conformar uma ampla frente para, De qualquer modo, para uma
cada um à sua maneira, tocar visão ampla de conjunto, Zuenir
cabeças e corações. Ventura, em seu livro 1968: o ano
A música, o teatro, a literatura, que não terminou, aponta que nos
o cinema e as artes visuais dez anos de vigência do AI-5 foram
se consagram como veículos censurados cerca de 500 filmes,
das disputas de valores e da 450 peças de teatro, 200 livros,
manifestação da rebeldia. No dezenas de programas de rádio,
Brasil, os anos 60 e 70, apesar 100 revistas, mais de 500 letras de
das tentativas violentas de música e uma dúzia de capítulos e
contenção por parte da ditadura, sinopses de telenovelas. [RQ]
serão fecundos para as diferentes
linguagens artísticas, porque
essas expressões de um outro
Brasil, que há tempos vinham sendo
germinadas, encontravam nas
brechas do regime suas formas de
existência e de resistência.
Natural que produções artísticas
e mudanças dessa magnitude
instaurassem tensões profundas,
sendo fator de muita preocupação
aos olhos do regime. Apesar de a
censura moral não ter sido iniciada
com a ditadura, o controle dos
espetáculos e diversões públicas foi
fortalecido e institucionalizado.

Frame do documentário
Divinas Divas (2017),
de Leandra Leal.

29
Instrução Normativa da Divisão
de Censura e Diversões Públicas
de 9 de julho de 1985, que proíbe
a “apologia à homossexualidade
e à transexualidade” na
televisão por meio da
limitação de suas aparições
em programas de auditório.

Informe de agosto de 1978


da Divisão de Segurança e
Informações do Ministério da
Justiça sobre o processo de
liberação da peça Engrenagem
do Meio, de Darcy Penteado.

31
33
Hiroito de Moraes Joanides, As detenções em massa, no centro
conhecido como “o Rei da da cidade de São Paulo, serviram
Boca”, relata em seu livro de instrumento para a prisão de
autobiográfico Boca do Lixo que foi muitas prostitutas, que acabavam
no fim da década de 1950 que se enquadradas na Lei de Vadiagem,
popularizaram nas regiões centrais mas a prática logo passou a ser
da cidade as operações ostensivas também aplicada contra travestis e
da polícia conhecidas como Rondas homossexuais (gays e lésbicas). Muitas
(ou Rondões). Essas operações dessas operações foram batizadas
naturalizaram-se como instrumentos com nomes que evidenciavam sua
para o exercício do controle e da intenção de higienização moral:
vigilância policial contra camadas Operação Boneca, Operação Limpeza,
sociais específicas e, como efeito, Pente-Fino e Arrastão, dentre outros.
vulgarizaram as prisões em massa Como bem aponta José Wilson
sob o pretexto de averiguação Richetti, um dos delegados
(à revelia, portanto, de uma responsáveis pela sua execução no
acusação formal). Para seu amplo começo dos anos 1980, o objetivo
funcionamento, a polícia contava das rondas era “limpar a cidade dos
com uma estrutura carcerária assaltantes, traficantes de drogas,
própria: o Presídio do Hipódromo, prostitutas, travestis, homossexuais e
no Brás, posteriormente utilizado desocupados”. Realizadas geralmente
também para presos políticos; a com o apoio dos moradores e
carceragem do Departamento de comerciantes das regiões onde
Investigações – responsável pela ocorriam, essas detenções em massa
Delegacia de Costumes (depois foram se convertendo em uma política
Delegacia de Vadiagem) – localizado de segurança institucional do Estado
na rua Aurora, 322, onde também e sua função era bastante clara: a
funciona o 3º DP (região da Boca repressão às classes mais populares
do Lixo) as celas do 4º DP, atuante ou a tipos classificados como não
na Boca do Luxo e localizado na rua “normais”. Em outras palavras, seus
Marquês de Paranaguá, 246. alvos foram os frutos da desigualdade
social, dos preconceitos raciais e
da moralidade cristã da sociedade
brasileira. [JG]

35
PROSTITUIÇÃO, TERRITÓRIO E CLASSE
O território conhecido como Boca Com o fechamento da Zona
do Lixo se conforma enquanto do Bom Retiro, o meretrício, agora
espaço organizado em 1954, após o extraoficial, reproduziu suas
repentino e repressivo fechamento mesmas lógicas e ramificações no
da Zona de Confinamento do Bom bairro vizinho. A Santa Ifigênia, que
Retiro no ano anterior. Essa Zona, vivia seu esvaziamento devido à
regulamentada pelo governo de expansão da cidade para a Zona
Adhemar de Barros no início dos Oeste, viu então nascer, em suas
anos 40, compreendia as ruas ruas e hotéis, a Boca do Lixo – o
Itaboca e Aimorés e destinava-se à maior território de prostituição
prática oficializada da prostituição da história de São Paulo. Na
feminina mediante o registro na mesma época, mas em direção
Delegacia de Costumes. Com a ao Centro Novo (República e
regulamentação, operava-se um Vila Buarque), a prostituição
controle policial e sanitário sobre entrelaçou-se à modernização dos
a prostituição, com o objetivo modos de vida e de divertimento
principal de afastá-la do Centro na cidade, agora com suas muitas
Velho da capital, que passava por danceterias, inferninhos e bares
reurbanizações no quadro do plano frequentados pela boemia mais
de avenidas de Prestes Maia. abastada. Ali, na definição de seus
A oficialidade da Zona de próprios frequentadores e em
Confinamento contribuiu para a contraposição à Boca do Lixo, surgia
diferenciação social das prostitutas a Boca do Luxo. [JG]
e de seus frequentadores: na área
regulamentada, diminuíam-se os
índices de repressão e extorsão
policiais. Atraídas por esse véu de
segurança, atuavam ali mulheres
mais pobres e vulneráveis, muitas
condenadas moralmente pela
sociedade. Fora do confinamento, o
recurso à prostituição nas ruas (o
chamado trottoir) estava geralmente
associado à complementação de Pág. 34: Boanerges Mário Teófilo
dos Santos, “Cuba”, travesti. Rio
renda, e com isso as mulheres de Janeiro, abril de 1961.
conseguiam estabelecer seus
“Não há xadrezes em número
próprios critérios para a prática. suficiente para abrigar não
No entanto, por não possuírem as 3 mil prostitutas que
registros oficiais, estavam muito perambulam em São Paulo,
mas sequer duzentas. E
mais suscetíveis ao encarceramento então está acontecendo o
por vadiagem. que o Diário da Noite, neste
sensacional flagrante mostra
aos seus leitores, num xadrez do
Departamento de Investigações,
onde normalmente cabem
dez presas, são empilhadas
setenta”. Reportagem do Diário
da Noite. 5 de março de 1955.

37
1

1 Praça da República
2 Praça da Luz
M Memorial da Resistência
Boca do luxo
Boca do lixo

Wilson Luiz, travesti,


registro com peruca. Rio
de Janeiro, julho de 1975.

39
A década de 1970, do boom gay e da
liberação sexual, também foi marcada pela
popularização da terapia hormonal e pela
chegada da cirurgia de redesignação sexual
no Brasil. Ampliou-se, assim, a presença
de transexuais no espaço público. Como
resposta às demandas por moralidade, a
repressão se fez presente e ainda mais forte,
buscando restringir e sufocar os espaços
de sociabilidade trans através de rondas
específicas contra essa população. Em 1976,
por exemplo, foi lançada a Portaria 390 da
Delegacia Seccional Centro, que autorizava
a prisão para averiguação de todas as
travestis que frequentassem o território
policiado pelo 4º DP (a Boca do Luxo). No
documento, instruía-se claramente que
todos os cadastros realizados deveriam ser
ilustrados com foto para averiguação, por
parte da justiça, da periculosidade da detida.

José Carlos, a “Helena


Loran”, bicha presa. Rio de
Janeiro, novembro de 1970.

41
Homossexuais e travestis
apreendidas. Rio de
Janeiro, julho de 1975.

43
DEOPS/SP: VIGILÂNCIA, CONTROLE E REPRESSÃO
Em 1924, por meio de um decreto A documentação produzida pelo
estadual, foi criada em São Paulo Deops/SP ao longo de seus quase
a Delegacia de Ordem Política e 60 anos de funcionamento como
Social, posteriormente denominada órgão do aparato administrativo-
Departamento Estadual de Ordem -legal de vigilância e repressão
Política e Social de São Paulo do Estado era armazenada em
(Deops/SP), extinto apenas em 1983. arquivo próprio – hoje preservado
Vinculado à Secretaria de Segurança pelo Arquivo Público do Estado
Pública, o Deops tinha como de São Paulo aberto a consulta
atribuição desempenhar a função pública. Distribuído em prontuários
de polícia política: uma modalidade e dossiês, o arquivo do Deops/
específica de polícia com funções SP ultrapassa 2 milhões de
preventivas e repressivas, destinada documentos, organizados com
a manter a ordem político-social codificação alfanumérica e
definida pelo Estado. Ao Deops acessados, muitas vezes, via fichas
cabia conservar a sociedade remissivas (aproximadamente
afastada dos conflitos sociais 1.100.000). Essas fichas auxiliavam
de origem popular, regulando o o acesso aos nomes pessoais,
“mundo do trabalho” (compreendido institucionais ou de movimentos
como um valor social), e controlar políticos ou sociais investigados
a organização de movimentos pelo Departamento. [JG]
políticos divergentes, fossem eles
à direita ou à esquerda do modelo
governamental. Para cumprir tais
funções, fazia uso de práticas legais
ou ilegais, mas geralmente violentas,
além da produção e armazenamento
de informações.

Ação policial do 3º DP
na Boca do Lixo. 27 de
janeiro de 1969.

45
47
MOVIMENTO
A concentração de populações de Ainda que o projeto de distensão
gays, lésbicas e travestis nos grandes implementado progressivamente
centros urbanos em meados do pela ditadura seguisse bastante
século XX propiciou uma integração limitado e controlado, novos e
relativa desses grupos às cidades em antigos atores políticos entravam
expansão – ainda que inicialmente na cena pública disputando os

HOMOSSEXUAL
em guetos delimitados e isolados. rumos e o ritmo desse processo.
Além dos tradicionais pontos de A segunda metade da década de 70
pegação, como parques, praças, foi caracterizada por manifestações
saunas e banheiros públicos, onde massivas capitaneadas sobretudo
era possível flertar e encontrar sexo por estudantes e trabalhadores.
casual entre homens, outros circuitos A reorganização de coletivos
menos clandestinos e marginais feministas e negros passou a

NA DITADURA
de sociabilidade foram sendo espraiar-se por diversas partes do
progressivamente desbravados, país, reforçando as demandas pela
sobretudo com a exploração ampliação da cidadania desses
econômica de um mercado voltado a segmentos marginalizados.
esse segmento, como casas noturnas, Nessa conjuntura, em 1978 é que
bares, boates e festas privadas. surge o jornal Lampião da Esquina
Esse longo percurso propiciou a e o Grupo Somos, pioneiro do
criação de uma rica subcultura LGBT Movimento Homossexual Brasileiro
em São Paulo, mas foi somente (MHB). À época, essa era a sigla mais
no final da década de 1970 que o utilizada para designar o conjunto
movimento social pôde se organizar de militantes formado por homens e
politicamente, tendo uma agenda de mulheres homossexuais – havendo
reivindicações mais bem-definidas ainda, nessa primeira fase, uma
e um repertório de ação semelhante notória exclusão de pessoas
ao dos demais grupos organizados trans e bissexuais dos espaços de
da sociedade civil no contexto da organização. Somente durante os
redemocratização. anos 1990 é que o movimento passou
a ser também referenciado como
GLS (gays, lésbicas e simpatizantes),
GLT (gays, lésbicas e travestis), GLBT
(gays, lésbicas, bissexuais e travestis)
e, mais recentemente, LGBT, para
contemplar expressamente um arco
mais amplo de identidades de gênero
e de sexualidades de modo a dar mais
visibilidade a outras identidades para
além dos homens gays. [RQ]

49
Ato do Movimento Negro
Unificado (MNU) com
participação do Grupo Somos.
20 de novembro de 1979.

51
Ato contra os Rondões
do delegado José Wilson
Richetti. 13 de junho de 1980.

53
DEPOIMENTOS
propus: já que nós vamos fundar um Nesse período em que esteve aqui, ele O evento estava sendo organizado aqui
A luta pelos direitos da população LGBT grupo, vamos homenagear os argentinos deu uma entrevista ao O Pasquim, onde em São Paulo, basicamente pelo Grupo
no Brasil se faz permanentemente e que nos precederam, que se anteciparam eu tinha colaborado também. O Pasquim Somos, e seria realizado na Escola de
a muitas mãos. Sobre o período da a nós, e vamos batizá-lo de Somos. era um jornal de humor, mas que ainda Medicina da USP, seguido de um ato
ditadura militar, ouvimos em entrevista Porque tanto em português como em preservava o machismo da sociedade, público no Teatro Ruth Escobar. Nesse
importantes ativistas que compartilharam espanhol é a mesma palavra, e se você porque ainda tratava a bicha de forma contexto de abril de 1980 acontece a
conosco lembranças dos processos ler de trás para a frente, é palindrômica: pejorativa, satírica, fazia muita piadinha. greve geral do ABC, a terceira Greve
que envolveram a fundação do Somos: s-o-m-o-s, s-o-m-o-s. Então é como Era só assim que a bicha era retratada, Nacional dos Metalúrgicos. Então no
Grupo de Afirmação Homossexual, no se os contrários se atraíssem. E todo comicamente. Pois bem, O Pasquim primeiro dia do nosso evento alguém
final da década de 1970. As entrevistas mundo gostou do nome, adotaram, entrevistou o Winston Leyland, fez as propôs uma moção de solidariedade com
de João Silvério Trevisan e James e ficou Somos: Grupo de Afirmação gozações de praxe, mas o Winston deu a Greve Geral. Todo mundo conclama,
Green foram realizadas em 2016 pelo Homossexual. Essa foi uma ideia muito o recado dele. Mas aquilo não bastava. vota a favor e é aquele momento de
Memorial da Resistência de São Paulo oportuna, porque a intenção do grupo E esses intelectuais perceberam: “Poxa! euforia, mas depois, no decorrer do
por meio do Programa Coleta Regular de era a visibilidade. A gente tinha que sair O que o O Pasquim fez com o Winston, encontro, há um debate sobre se o Somos
Testemunhos. Já o Museu da Diversidade do armário. Não podia mais ser aquela a gente poderia fazer muito melhor. Nós deveria ou não participar do Primeiro
Sexual produziu, em 2017, as entrevistas coisa de grupinho de amigos ou de poderíamos entrevistá-lo e, mais do que de Maio. E isso era um debate ridículo
com Marisa Fernandes e Glauco Mattoso. alguns artistas e cantores, como Ney isso, poderíamos ter uma publicação também, mas o movimento era muito
Para o catálogo, as transcrições passaram Matogrosso, que apenas se afirmavam, permanente que entrevistasse outros jovem e com pessoas que tinham pouca
por um processo de tratamento técnico, assim, corajosamente. Não! Tinha que e que manifestasse opiniões”. Aí surgiu formação política. O Darcy Penteado
visando uma maior fluidez de leitura, ser um coletivo e tinha que ser uma coisa a ideia de fundar o jornal Lampião da propôs um ato no dia sete de setembro, eu
mas as entrevistas integrais podem ser organizada. Ou seja, nós tínhamos que Esquina, que todo mundo do meio propus um ato nacional que fosse em 28
conferidas nos respectivos acervos. fazer frente ao preconceito e, ao mesmo conhece porque já está disponível na de junho, porque era ligado ao Stonewall
tempo, ocupar espaço para mostrar que internet e tem um filme da Lívia Peres que e às mobilizações internacionais, e
nós tínhamos representatividade. Já que retrata o histórico dele. propusemos a participação no Primeiro
GLAUCO MATTOSO nós éramos uma suposta percentagem Coincidentemente, a criação do de Maio. A reação das pessoas foi:
Escritor de 10% da população [risos]. E isso nem Lampião (que existiu de 1978 até 1981) “Não! Não podemos, porque vamos
Na Argentina, eles tinham um movimento sempre é verdadeiro, não é? Pois em fez surgir o Grupo Somos, porque um ser utilizados e manipulados!”. E essa
sexual mais pioneiro e mais avançado alguns lugares somos até mais de 10%. dos fundadores do Lampião, o João proposta perdeu a votação por um voto.
do que o nosso, mas, com a ditadura Nesse contexto, houve uma coincidência Silvério Trevisan, foi também fundador Depois, dentro do Grupo Somos, houve
de 1976, eles foram obrigados a sair que foi a seguinte: em 1977, um ativista do Somos. Ele era um aglutinador de uma comissão de homossexuais que
de lá. E um dos que saíram e vieram gay americano, chamado Winston opiniões, de tendências. Com ele e com o organizou um contingente de pessoas
para cá foi o Néstor Perlongher. Foi Leyland, visitou o Brasil. Ele veio porque Darcy Penteado, que também tinha muita para participar do Primeiro de Maio em
através dele que nós tivemos mais tinha interesse em pesquisar autores influência na sociedade, porque era uma São Bernardo. E isso foi muito importante,
notícias do que era a organização dos homossexuais para as antologias da sua personalidade, uma celebridade, a gente porque foi realmente a primeira vez – ou a
grupos gays argentinos. Lá eles tinham editora. Nos EUA, ele tinha uma publicação conseguiu aglutinar intelectuais. Assim, a segunda vez, se você contar o Movimento
uma publicação chamada Somos, que chamada Gay Sunshine e uma editora, a Gay cronologia do Grupo Somos coincide com Negro Unificado – que o movimento
parodiava uma outra revista argentina do Sunshine Press, que publicava antologias a do Lampião, e ambos acabaram mais ou claramente fez uma intervenção junto
estilo Veja ou IstoÉ. Só que o somos desta de autores gays de todo o mundo traduzidos menos ao mesmo tempo. às lutas populares e sociais no Brasil,
revista era uma espécie de afirmação ao inglês. Então ele estava pesquisando dizendo que somos parte delas. “Somos
da nacionalidade: “somos argentinos autores latino-americanos e brasileiros, Entrevista conduzida por Lufe Steffen homossexuais da classe trabalhadora,
com orgulho”, mais ou menos isso, por visitou o Brasil e fez amizades com vários em 8 de maio de 2017. das classes médias, das classes
causa da ditadura militar. Então o somos intelectuais. Só que essas pessoas não se oprimidas, exploradas, discriminados
da publicação gay argentina era mais afirmavam como homossexuais, elas se JAMES GREEN e marginalizados e temos o direito
uma paródia, como se dissesse assim: afirmavam como intelectuais e estavam Escritor de participar desse dia de festa dos
“somos, mas não isso que vocês são”. dispersas pela imprensa brasileira. E o A partir de 1980, o jornal Lampião, que trabalhadores!”. E as nossas faixas foram
Na época eu pensei: já que a repressão Winston Leyland teve o condão de atrair, era uma espécie de força aglutinadora visionárias: “Contra a discriminação
acabou com o movimento gay argentino, vamos dizer assim, seletivamente, os nacional, propõe um encontro nacional de do trabalhador homossexual”, porque
por que não homenageá-los? Então intelectuais homossexuais. grupos já organizados de homossexuais. ninguém imaginava naquele momento

55
a possibilidade de fazer um trabalho ter uma luta nossa, porque estaríamos Vocês não podem imaginar o que e já éramos umas 30. Então, foi muito
sindical. Só que nós tínhamos uma dividindo o movimento proletário. aconteceu naquele momento. Foi um legal, porque foi ali que eu percebi: “Esta
certa orientação, pela minha formação E quando eu digo nós, são esses tiroteio de gente se levantando: “Na é a luta que eu quero!”. Em 1976, 1977,
marxista, de trabalhar na cidade dentro movimentos. Isso era um argumento que minha faculdade tem um monte de eu oferecia o meu carro para o Libelu, o
dos sindicatos. Já existia esse trabalho voltava o tempo todo. Era uma culpa que preconceituoso, não se pode nem Liberdade e Luta, para que eles fizessem
nos Estados Unidos, não era impossível nos era inculcada. Na noite da nossa pronunciar a palavra homossexual, e eu tudo o que precisassem: pegar coisas na
imaginar a possibilidade de isso ocorrer discussão, sobre os homossexuais, sou homossexual!”. Foi um tiroteio, uma gráfica do movimento estudantil, levar
também no Brasil e fazer uma intervenção nós estávamos literalmente “cagando guinada. Foi uma guinada! Todo mundo gente, pegar gente, levar para casa, para
política na sociedade. Essa foi a intenção, nas calças”. Tanto que eu tive que chorando de alegria. E as pessoas vieram o hospital, o que precisasse. Mas eu não.
mas isso provocou uma grande tensão tomar remédio, um calmante. E eu me depois falar com a gente. A partir desse Nada de entrar em partido. Partido nem
dentro do Grupo Somos, uma ruptura. lembro que cheguei para o diretor do momento, o Grupos Somos começou tinha, porque era tudo clandestino, mas
Pessoas saíram, fundaram um outro Cebrap, o Procópio Ferreira, que era a existir. Inclusive porque as mulheres tinha algumas organizações. Só que eu
grupo, depois esse grupo também foi se um querido, e disse: “Procópio, pelo vieram. E nós tínhamos muita dificuldade não queria. Não queria sindicato, nada.
separando, e com isso houve uma certa amor de Deus, vai na mesa com a gente? para trazer mulheres para o grupo, porque Eu amava a autonomia. Eu trabalhava
pulverização do movimento aqui em São Para dar um pouco de base, porque os para as lésbicas era muito mais difícil. em uma metalúrgica e fui às greves
Paulo. Chegamos a nos juntar um pouco negros ontem foram massacrados”. Aparentemente, elas podiam estar no operárias em São Bernardo, quando o
depois para uma campanha no centro da Quando nós chegamos no auditório, armário com mais tranquilidade, mas Lula era dirigente sindical, mas nada
cidade contra o delegado Richetti. Ele tinha gente saindo pela janela, para assumir era uma coisa muito mais daquilo me interessava. Interessava-
tinha uma política de “limpar” o centro literalmente [risos]. E vocês não difícil naquele ambiente machista, de um me a luta, o movimento, o ativismo,
da cidade e prendeu mais de 1500 podem imaginar o pânico. Eu comecei patriarcado totalmente controlador, e a defesa, o combate contra o que
pessoas, entre elas prostitutas, travestis, a discussão me apresentando. Mas de em uma sociedade como as sociedades agora chamamos de homofobia. Era
trabalhadores do sexo e pessoas que repente se levanta do público um cara latino-americanas, onde o machismo é isso que me interessava. Então para
frequentavam o centro. E nós fizemos que a cada vez que via uma trans ou um particularmente pesado. mim foi muito, muito importante!
uma mobilização, acho que foi no dia homossexual tinha uma dor de cabeça Então foi a partir daquele momento Então, quando já éramos um grupo
catorze de junho de 1980, em frente ao violenta. A culpa batia diretamente, né? E que o Somos de fato começou a existir, grande de mulheres, a gente percebeu:
Teatro Municipal, e uma passeata, que foi ele se levanta e começa a falar contra nós, e com vários grupos internos. Houve “Puxa, os caras são machistas… Nossos
na verdade a primeira mobilização política que nós estávamos dividindo o movimento momentos em que tivemos mais de 100 melhores amigos”. Porque finalmente
nacional do movimento LGBT no Brasil. proletário. Eu botei a mão na cintura e subi pessoas participando ativamente do tínhamos conhecido os gays. E a gente
É um pouco esquecido pela Parada Gay, em cima da cadeira, baixou um santo, e eu Somos. Conseguimos criar vários grupos: conheceu também o Ferro’s Bar, a
mas catorze de junho de 1980 é, para disse: “Olha, eu não vim aqui para ensinar grupo de contato internacional, grupo grande referência. Tinha também outros
mim, o lançamento político do movimento ninguém!”. E disse isso com todo o meu de contato nacional, de divulgação, de bares, boates. Foi maravilhoso, porque
a uma esfera nacional. estofo anarquista, porque eu já tinha discussão, de recepção dos novatos e conhecemos a noite lésbica em São
conhecido o grupo anarquista no Brasil, já novatas. Quando eles chegavam, eles Paulo! Passamos a ver iguais o tempo
Entrevista conduzida por Luiza conhecia toda a questão de ação direta, entravam em um dos grupos para poder todo! Meu convívio com héteros era
Giandalia e Desirée Azevedo em autonomia e já estava bem treinado falar um pouco, e existia essa ansiedade trabalho e família. O resto, todos os meus
24 de novembro de 2016. nesses conceitos. Tanto que no Grupo de poder falar um pouco de si, de contar amigos e amigas eram gays ou lésbicas
Somos, nós éramos um board, um grupo o porquê eles estavam lá. E eram jovens! e isso era maravilhoso! E a gente lutava.
JOÃO SILVÉRIO TREVISAN que fazia, a cada mês, uma troca do nosso Então aquela noite na USP teve um Lutava muito. Fazia muitas coisas dentro
Escritor, dramaturgo e cineasta porta-voz. Essa era uma preocupação que impacto muito grande, e foi impactante do Somos. Mas os gays, nossos amigos,
No começo de 1979, houve uma série de tínhamos para evitar lideranças, porque porque trouxe exatamente o que a gente 99% deles eram bem machistas. Então eu
debates sobre as tais “lutas menores” e todos eram donos da sua voz. Esse era o não esperava. me lembro muito bem do James Green e
e em cada noite no Centro Acadêmico de nosso projeto. “Chega da sociedade tirar do Trevisan dizendo: “Vocês entraram no
Ciências Sociais da USP. Era a Semana a nossa voz enquanto homossexuais! Aqui Entrevista conduzida por Luiza Giandalia e Somos, vocês estão no Somos, mas vocês
de Minorias, e em cada noite haveria um dentro todo mundo vai ter voz”. Era um Desirée Azevedo em 6 de outubro de 2016. têm que ir também para o movimento
debate sobre uma “luta menor”. Estava consenso da gente. Então, nessa noite feminista! Levar essa discussão do
lotado! Inclusive no jornal Lampião saiu eu me botei em cima da cadeira e disse: MARISA FERNANDES movimento homossexual lá para dentro,
uma foto da nossa noite. Eu já tinha ido na “Eu não vim aqui para ensinar nada para Historiadora e Coordenadora e trazer a discussão do feminismo aqui
noite do Movimento Negro, e os negros viado e lésbica, nem dizer o que eles têm do Coletivo de Feministas Lésbicas para o Somos. Porque vocês reclamam
haviam sido massacrados pelo público. que dizer. Eu sei como dói em mim, então Nós fomos as primeiras mulheres a entrar que nós somos machistas, e a maioria
Massacrados porque ninguém admitia vou pedir aos viados e às sapatas aqui do no Grupo Somos. As duas primeiras. Logo é mesmo, nós somos sim, então vocês
– não se admitia – que pudéssemos público que se manifestem!”. depois, veio uma enxurrada de lésbicas serão as responsáveis”. E abriu-se outra

57
porta gigantesca para nós, que foi o
movimento feminista.
Nós já estávamos na comissão
organizadora do 2º Encontro da Mulher
Paulista no Tuca, na PUC, que ocorria no
dia 8 de março. E ali tinha um grupo de
esquerda, o MR-8. Meu Deus do céu!
O que foi aquilo? As mulheres ali,
querendo derrubar a ditadura, e era como
se nós não quiséssemos. Nós éramos
uma perfumaria, uma coisa inútil. A luta
era geral, era pela derrubada da ditadura,
pelas lutas democráticas, por creche
para as mulheres, mas não se falava de
sexualidade. Nós éramos uma aberração!
E encaramos a violência dentro do
movimento feminista. Foi terrível o que
fizeram com a gente. Não nos davam
voz, não nos davam inscrição, jogaram
nosso cartaz no chão. Para o evento, nós
havíamos feito um cartaz com a frase
“amor entre mulheres” e tinha uma foto
de uma mulher abraçando a outra.
A foto era de nós mesmas: lindas, jovens.
Era uma negra de peitos de fora e uma
branca a abraçando por trás. Mas em dois
instantes o cartaz foi parar no chão e as
fotos foram rasgadas. Foi uma loucura! Se
vocês pegarem a imprensa da época, está
lá registrado, porque a grande imprensa
registrava os bafon, e a gente era bafon.
Neste dia do evento, os gays foram
cuidar da creche. Olha que lindo!
As mulheres foram para o 2º Encontro
da Mulher Paulista e os gays do Somos
foram para a creche. Depois houve um
debate entre os homens que estavam
lá, os companheiros das feministas
que estavam no evento discutindo
machismo. E aqueles homens todos,
de esquerda, stalinistas, tiveram que
se confrontar também com o debate
dos gays presentes. Então, na época,
tudo era divino, maravilhoso. E foi muito
importante.

Entrevista conduzida por Lufe Steffen


em 8 de maio de 2017.
Pág. 59: “Coluna do Meio”, seção
homossexual criada por Celso
Curi e publicada no jornal Última
Hora (São Paulo) de 1976 a 1979.
10 de fevereiro de 1976.

O boletim Chanacomchana
era tido como “um espaço
criado por mulheres lésbicas
para mulheres lésbicas”. Foi
produzido pelo Grupo de Ação
Lésbica Feminista no início
da década de 1980 e contou
com diversas edições. Nos
anos 90, reformulou-se como
a revista Um Outro Olhar,
produzida por Miriam Martinho.

61
Edição experimental do Lampião da Esquina
dedicada ao processo de Celso Curi pela
publicação da “Coluna do Meio”. Tido como
porta-voz do movimento homossexual, o
jornal, que circulou entre 1978 e 1981, teve
distribuição em todas as regiões do Brasil
e se tornou um marco de visibilidade
para o movimento. Abril de 1978.

63
Boletim Somos nº 4, Edição experimental de O Corpo,
produzido pela Frente de boletim publicado pelo Grupo
Liberação Homossexual Somos. Novembro de 1980.
(FLH) da Argentina, cujo
título inspira o primeiro Panfleto da Facção Homossexual
grupo de homossexuais da Convergência Socialista, uma
organizados no Brasil. das tendências políticas atuantes
no Grupo Somos. Junho de 1981.

65
Cartaz do I Encontro Brasileiro Cartaz do evento em
de Homossexuais, realizado celebração aos quatro anos
em São Paulo no dia 6 de abril de Movimento Homossexual
de 1980. O evento reuniu grupos no Brasil. Junho de 1982.
das principais capitais brasileiras
e mais de 500 pessoas.

67
69
CONQUISTAS
E DESAFIOS
Mais de três décadas já nos separam Nos últimos dez anos foram
do final da ditadura. Passamos por assegurados, por decisões
um longo, complexo e controlado vinculantes do Supremo Tribunal
processo de transição que, apesar Federal (STF), os direitos
de seus limites, culminou com a historicamente reivindicados no
promulgação, em 1988, de uma nova mundo todo pela comunidade: a união
Constituição comprometida com estável e o casamento homoafetivo
valores básicos de cidadania. (2011), a mudança de prenome
Assim, o antigo Movimento e sexo nos registros de pessoas
Homossexual Brasileiro (MHB), trans (2018) e a criminalização da
surgido durante a ditadura, LGBTfobia (2019). Contudo, apesar
tornou-se o atual movimento LGBT, de todos esses avanços, o momento
sofrendo diversas transformações vivido é bastante grave. O Brasil
e contribuindo para promover segue ocupando, ano a ano, o topo
importantes mudanças nas dos rankings internacionais de
mentalidades e instituições. Por assassinatos de pessoas LGBT.
todo o país proliferaram coletivos e Noticiam-se casos de censura
grupos organizados, diversificando e de desmonte das políticas de
as identidades dentro da “sopa de diversidade sexual e de gênero. Entre
letrinhas” LGBT; multiplicaram-se as garantias asseguradas pelo STF
as formas de luta, conquistando-se e o policiamento de rua, que deveria
direitos, construindo-se políticas se empenhar em implementá-las, há
públicas e realizando-se os maiores ainda uma distância abissal.
atos de rua desde as Diretas Já, Desse modo, a proposta desta
com as Paradas do Orgulho LGBT; exposição, de conduzir o olhar para
e, no mundo virtual, ocuparam-se as o passado, diz respeito também ao
redes sociais com novos ativismos. desejo de olhar para o presente, a
fim de buscar meios para que uma
determinada versão da moral e dos
bons costumes não volte a ter, entre
Desenho da cartunista nós, o mesmo peso que teve tão
Laerte Coutinho produzido pouco tempo atrás. [RQ]
para a exposição.

71
HOMOSSEXUALIDADE E CONSTITUINTE
conforme anteprojeto a V.Ex.as. recém- Social, visou a homenagear os cerca de Associação Brasileira de Antropologia
JOÃO ANTÔNIO MASCARENHAS encaminhado por aquele eficiente órgão. sessenta mil (60.000) homossexuais (1982 e 1986), Associação Brasileira de
(1927-1998) foi um importante A proibição por nós pleiteada encaixar- imolados em campos de concentração Estudos Populacionais (1984), Associação
ativista na luta pelos direitos dos se-á perfeitamente bem no dispositivo nazistas, onde eram obrigados a usar Brasileira de Psiquiatria (1984) e
cidadãos homossexuais no Brasil, que substituirá o atual Art. 153, § 1º. É ali um triângulo rosa em seus uniformes de Associação Nacional de Pós-Graduação
além de fundador do jornal Lampião o seu lugar. prisioneiro, como distintivo da orientação em Ciências Sociais (1984).
da Esquina e do Grupo Homossexual Se o machismo constitui o móvel da sexual e único motivo do encarceramento.
Triângulo Rosa (1977-1988), atuante discriminação por sexo, esse mesmo SOLIDARIEDADE DE POLÍTICOS
no Rio de Janeiro. Em seu discurso na machismo provoca a discriminação O MOVIMENTO Em 1981, o Grupo Gay da Bahia – o
Assembleia Nacional Constituinte, em por orientação sexual. Logo, nada O Movimento Brasileiro de Liberação primeiro a ser registrado no Brasil –
27 de abril de 1987, argumentou sobre mais lógico que ambas as proibições Homossexual não assume a configuração lançou-se numa campanha para tornar
a urgente necessidade de proibir a apareçam juntas, lado a lado. Aliás, de uma pessoa jurídica determinada e sem efeito, em território nacional,
discriminação por orientação sexual na temos a honra de ver esse nosso não se cinge à simples soma dos grupos o código 302.0 da Classificação
nova Constituição brasileira. A seguir, pensamento compartilhado não só de liberação homossexual existentes no Internacional de Doenças, da
o texto do discurso está reproduzido pelo Conselho Nacional dos Direitos País. Impõe-se como um ordenamento, um Organização Mundial da Saúde,
integralmente, sem intervenções. da Mulher como, igualmente, pelo Prof. processo em marcha, rumo a um fim pré- que qualifica a homossexualidade
Hélio Santos, da extinta Comissão de estabelecido. Assim, em sua amplitude, de “desvio e transtorno sexual”
Estudos Constitucionais, e pelo Prof. compreende todas as manifestações (Capítulo V, “Transtornos Mentais”).
Excelentíssimos senhores e senhoras Cândido Mendes de Almeida, Presidente intencionais, de pessoas jurídicas e físicas, Essa iniciativa foi calorosamente
Constituintes, da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, suscetíveis de contribuir para o combate apoiada por ativistas gueis, de diversas
conforme recente depoimento prestado aos preconceitos, em matéria de sexo. Unidades Federativas, e, como resultado,
O EXPOSITOR por S.S.a. a esta colenda Subcomissão. O movimento, em seu feitio atual, com ela solidarizaram-se: a. – sete
Na condição de representante não Proibir a discriminação por orientação iniciou-se na Holanda, em 1947, passando Câmaras Municipais (Florianópolis;
só do TRIÂNGULO ROSA, mas de sexual somente em lei ordinária daí para a Dinamarca e a Noruega, em Maceió; Olinda; Pompeia, SP; Porto Alegre;
todas as entidades congêneres que representaria um ato discriminatório. 1948, e, nesse mesmo ano, sem qualquer Salvador; São Paulo); b. – três Assembleias
integram o Movimento Brasileiro de Daria a impressão que as outras espécies vinculação com a Europa, surgiu nos Legislativas (Bahia, Rio de Janeiro,
Liberação Homossexual, queremos, de discriminação eram mais importantes, Estados Unidos da América, onde São Paulo); c. – trezentos e cinquenta
em primeiro lugar, manifestar nossa que somente elas mereceriam figurar na adquiriu força especialmente a partir de e oito (358) políticos eleitos em 15-XI-
satisfação por estarmos aqui presentes Carta Magna. Estaria, aí, ferido o princípio 1969. No Brasil, só começou a afirmar- 82, inclusive S.Ex.as. o Sr. Presidente
e, em segundo, desejamos expressar da isonomia. Uns seriam, e continuariam a se em 1978, coincidindo com a criação da Assembleia Nacional Constituinte,
nossos cumprimentos pela largueza ser, “mais iguais” do que outros. da Associação Internacional Lésbica e Deputado Ulysses Guimarães, e o Sr.
de vistas de V.Ex.as., que os levaram Guei, com sede em Estocolmo, a qual, Senador Mário Covas, Líder do PMDB.
a disporem-se a ouvir, na Assembleia O TRIÂNGULO ROSA hoje, congrega filiados em mais de trinta
Nacional Constituinte, um porta-voz de Agora, umas breves informações sobre países, inclusive o nosso. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
um segmento social estigmatizado. o TRIÂNGULO ROSA e o Movimento, Finalmente, em Sessão Plenária
do qual ele faz parte. O TRIÂNGULO SOLIDARIEDADE DE de 9-II-85, o Conselho Federal de
A REIVINDICAÇÃO ROSA é um grupo carioca de liberação ASSOCIAÇÕES CIENTÍFICAS Medicina resolveu acatar a nossa
Vimos à presença dos ilustres homossexual, legalmente registrado, A exiguidade de tempo coage-nos a reivindicação. A homossexualidade
parlamentares, que compõem esta cujo objetivo consiste em lutar pela restringir-nos à enumeração de uns que, no Brasil, há muito tempo não
Subcomissão, a fim de solicitar- proteção dos direitos de todas as poucos, mas significativos, exemplos, era mais capitulada como crime,
lhes que, na próxima Constituição minorias oprimidas, sem exceção, e, no exterior e em nosso país. também deixou de ser considerada
Federal, incluam expressa proibição de de maneira especial, pela formada As Associações Norte-Americanas de doença, daquela data em diante.
discriminação por orientação sexual pelos homossexuais, os quais se Sociologia (1969), de Antropologia (1970),
no dispositivo que substituirá o Art. veem expostos a uma condenação de Psiquiatria (1973) e de Psicologia (1975) RESPALDO À NOSSA ATUAL
153, § 1º, da Constituição vigente. Cabe de intensa carga emocional, que declararam-se contrárias à discriminação REIVINDICAÇÃO
ressaltar que tal reivindicação não é só os torna verdadeiros párias. por orientação sexual. No mesmo sentido Cumpre frisar algumas outras
nossa, ela é esposada pelo Conselho O nome escolhido pela associação, posicionaram-se a Sociedade Brasileira importantes atitudes de apoio à
Nacional dos Direitos da Mulher, de que eu sou o Diretor de Comunicação para o Progresso da Ciência (1981 e 1982), nossa atual reivindicação:

73
até 24 do corrente mês de abril, sobre direitos civis. Apesar disso, é por exemplo, falsa sinonímia entre ser identificados como gueis e, não
vinte de sete (27) Constituintes um dos países mais atrasados sobre o “homossexual” e “travesti prostituto”; raro, até atacam violentamente os que
solidarizaram-se conosco; assunto, no mundo ocidental cristão. Se, frisa a homossexualidade de um compartilham da mesma orientação
o XXI Congresso Nacional dos de um lado, há San Francisco, a cidade delinquente, quando essa não influiu sexual, pois, assim – pensam – dão uma
Jornalistas, em novembro último, mais ostensivamente guei do universo, em nada sobre o delito cometido; demonstração de heterossexualidade
emendou o Código de Ética do de outro, em pouco menos de metade induz, gratuita e erroneamente, e dissipam eventuais suspeitas de que
Jornalista, a fim de proibir a dos Estados (24 em 50) a sodomia uma vinculação pretensamente receiam ser alvo.
discriminação por orientação sexual (coito anal) e a felação (coito oral; boca/ automática entre a homossexualidade Além disso, há quem afirme que
(Art. 10º, letra “d”), aprovando, por pênis), mesmo entre cônjuges, são ainda e o submundo, especialmente com o vocábulo “homossexual” não
unanimidade, proposta patrocinada criminalizadas, quando na França, desde a prostituição e o tráfico de drogas, é substantivo, somente adjetivo.
por dez sindicatos de jornalistas Napoleão, em princípios do século XIX, quando, no corpo da notícia, nada Destarte, poder-se-ia somente falar
profissionais; tais condenações foram varridas do existe que corrobore a insinuação; em ato, atividade, relação e identidade
o Prof. Hélio Santos comunicou-nos Código Penal. trunca fatos ou, até, relata-os de forma homossexuais.
que, ao propor inclusão da expressão Nas Leis dos Direitos Humanos, das inteiramente inexata, procurando ligar Mas isto não preocupa o TRIÂNGULO
“particularidade social” no § 1º do províncias de Québec (1975) e Ontário a homossexualidade com o crime ou ROSA nem os demais integrantes do
Art. 31, do capítulo da “Declaração de (1986) é proibida a discriminação por com a doença; Movimento Brasileiro de Liberação
Direitos”, do esboço constitucional orientação sexual e o Ministro da Justiça, nega-se a retificar informações Homossexual. Não nos interessa
elaborado pela Comissão de Estudos do Canadá, garantiu à Câmara dos Comuns, inverídicas veiculadas; pesquisar a orientação sexual de
Constitucionais, estava pretendendo em Ottawa, que o Governo Federal não recusa-se a divulgar situações e ninguém. Nosso empenho reside apenas
com ela proibir a discriminação de que se oporá ao projeto de lei do Deputado pronunciamentos que contradizem os em combater os preconceitos.
são objeto os homossexuais; Svend J. Robertson, no sentido de que a Lei preconceitos por ele (o discriminador)
no VIII Encontro Nacional Feminista, em Canadense dos Direitos Humanos venha cultivados. DISCRIMINAÇÃO
Petrópolis, RJ, em 1986, foi aprovada a ser emendada, a fim de nela também O preconceito constitui a causa da
moção de solidariedade à nossa incluir-se proibição de discriminação por O HOMOSSEXUAL discriminação, a qual, quando se manifesta
campanha em prol da proibição de orientação sexual, o que provavelmente Quem é homossexual? O homem pelos meios de comunicação social, tem
discriminação por orientação sexual. ocorrerá no decorrer deste ano. efeminado e a mulher masculinizada? seus efeitos multiplicados. De um lado, a
Juntamos ao presente trabalho o O que se engaja unicamente em atos pessoa que, por jornal, revista, rádio ou
LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA texto dos Artigos 135a. e 349a. (original sexuais com pessoas do mesmo gênero? televisão, é qualificada de homossexual,
No exterior, nos últimos anos têm sido e tradução) acrescidos ao Código Penal E o que o faz indiferentemente, com ou bissexual, quase invariavelmente vê sua
promulgadas muitas leis de proteção Norueguês, em 1981, os quais punem a pessoas de sexos diverso, o bissexual? O vida afetada no lar, na escola, no trabalho
aos homossexuais e vários órgãos discriminação por orientação sexual. bissexual não passa de um homossexual e às vezes até na moradia. A par disso,
governamentais – em geral, prefeituras enrustido? Qual o número e a frequência perde amizades e passa a ser objeto de
– contribuem financeiramente para a PRECONCEITO E DESINFORMAÇÃO de atos homossexuais necessários chacota, de parte de muitos. De outro
manutenção de grupos de liberação Os programas de televisão e o chamado para ser qualificado de guei? E a partir lado, a identificação da homossexualidade
homossexual (p. ex.: Barcelona, Bolonha, teatro de revista, em geral, exibem o que de que idade? O fato de ganhar um com a doença, o transvestismo, o
Estocolmo, Londres, Oslo). Na Noruega e eles convencionaram “construir” como dinheirinho e desempenhar o papel atentado ao pudor, a prostituição, o furto
na Suécia, se um nacional desses países protótipo do homossexual brasileiro: um “ativo” torna o homem imune à temida e os tóxicos levam o público desavisado
mantém uma relação homossexual de tipo extremamente efeminado, cheio etiqueta? E o que, por determinado a encarar o homossexual como um
mais de seis meses de duração com um de maneirismos grotescos, neurótico, período, manteve relações com criaturas marginal merecedor de desprezo. Isto
estrangeiro, este recebe autorização fútil, ridículo. O homossexual aparece do mesmo sexo, mas depois passou a cria muitos problemas, especialmente
para viver permanentemente no país e como um travesti, ou quase; enfim, como fazê-lo exclusivamente com pessoas para os adolescentes, que são expulsos
permissão para nele exercer atividade a caricatura de uma mulher, e de uma do sexo oposto? Como enquadrá- de casa, tornam-se desajustados e, em
remunerada. Na Holanda é proibida mulher vista por um ângulo machista. lo? Há um prazo para a concessão do casos extremos, chegam ao suicídio.
qualquer discriminação por orientação Na imprensa, o preconceito nem “perdão”, para que “prescreva” o rótulo Sem dúvida, a discriminação que
sexual no serviço público, civil e militar. sempre se manifesta abertamente. infamante e ele possa voltar a “merecer” provoca mais lamentáveis resultados
Nos Estados Unidos da América, então, Assim, o jornalista portador de o “certificado” de heterossexual? é a que se verifica no âmbito familiar,
a legislação favorável aos homossexuais ideias preconcebidas, consciente ou A confusão aumenta ao lembrarmo- justamente a menos divulgada, porque
de tão abundante torna-se quase inconscientemente: nos de que a maioria esmagadora dos os discriminadores timbram em abafá-la
inumerável, especialmente porque, lá, não homossexuais não é “visível”, detectável; e os discriminados, em geral jovens sem
só a União, mas os Estados, os Municípios trata categorias diferentes como se forma-se de homens e mulheres autonomia financeira, não se encontram
e até os Distritos (“counties”) legislam fossem idênticas, estabelecendo, casados, que se empenham em não aparelhados para enfrentá-la.

75
Tomamos a liberdade de pedir aos
ilustres membros desta Subcomissão
que examinem nosso trabalho:
Homossexualidade no Brasil – Alguns
casos noticiados na imprensa. Nele
acham-se coligidos vários tipos de
discriminação por orientação sexual, com
nomes, lugares e datas.

ENCERRAMENTO
Ao finalizar, queremos agradecer
a atenção que nos dispensaram
e aproveitamos a oportunidade
para reiterar-lhes a solicitação de
apoio à nossa reivindicação.
Não temos a ingenuidade de supor que
a discriminação por motivo de orientação
sexual desaparecerá, de um dia para
outro, pelo só fato de a Constituição
Federal passar a proibi-la. Não, a medida
por nós pleiteada visa a permitir que o
oprimido fique juridicamente habilitado a
exigir o respeito aos seus direitos. Nem
mais, nem menos.

Contamos com a esclarecida


solidariedade de V.Ex.as.
Muito obrigado.

João Antônio de Souza Mascarenhas


Diretor de Comunicação Social
Rio de Janeiro, 27 de abril de 1987

Ato contra os Rondões do


delegado José Wilson Richetti.
13 de junho de 1980.

77
PESSOAS LGBT MORTAS NO BRASIL DE 2000 A 2019 PÚBLICO DA PARADA DO ORGULHO LGBT DE SP DE 1997 A 2019
ANO NÚMERO DE VÍTIMAS ANO NÚMERO DE PARTICIPANTES
2019 329 2019 3 milhões
2018 420 2018 3 milhões
2017 445 2017 3 milhões
2016 3 milhões
2016 343
2015 2 milhões
2015 319 2014 100 mil
2014 329 2013 4 milhões
2013 314 2012 4,5 milhões
2012 338 2011 4 milhões
2011 266 2010 3,5 milhões
2009 3,1 milhões
2010 260
2008 3,4 milhões
2009 199
2007 3,5 milhões
2008 187 2006 2,5 milhões
2007 142 2005 1,8 milhões
2006 112 2004 1,5 milhões
2005 135 2003 800 mil
2002 400 mil
2004 158
2001 200 mil
2003 125
2000 100 mil
2002 126 1999 35 mil
2001 132 1998 8 mil
2000 130 1997 8 mil
BANDEIRAS LGBT+
A bandeira do arco-íris foi criada A bandeira de identidade não binária
em 1978 por Gilbert Baker, em foi criada em 2010 por Marilyn Roxie e
São Francisco, com a intenção de chegou ao seu design atual em 2012.
visibilizar a comunidade LGBT.

A bandeira bissexual foi criada em 1998 A bandeira intersexo foi criada em


por Michael Page para representar os 2013 pela Organisation Intersex
bissexuais nas Paradas do Orgulho. International Australia (OII Australia),
um grupo de ativismo intersexo
da Austrália fundado em 2009.

A bandeira lésbica foi criada em 1999 A bandeira que representa as


por Sean Campbell. Carrega consigo pessoas agêneras foi criada em
os significados de força e independência. 2014 por Salem X/”Ska”.
Entre seus símbolos se encontram o lábris,
referência às sociedades matriarcais
amazonas, e o triângulo preto, que remete à
perseguição às mulheres ditas “associais”
durante o nazismo na Alemanha.

A bandeira trans foi criada em A bandeira dos ursos foi criada por
1999 por Monica Helms e usada Craig Bynes e Paul Witzkoske e foi a
pela primeira vez na Parada LGBT escolhida em um concurso promovido
de Phoenix, EUA, em 2000. pelos Chesapeake Bay Bears (CBB).

A bandeira pansexual foi criada por A bandeira leather (couro) foi


Jasper (justjasper no Tumblr) em 2010. criada por Tony DeBlase em 1989 e
começou a ser usada em 1990.

A bandeira da visibilidade assexual A bandeira dos aliados data da década


foi criada em 2010 em concurso de 1990, quando o termo “simpatizante”
realizado pela Asexual Visibility se popularizou. A bandeira é composta
and Education Network. pela letra “A” de ally (aliado), nas cores
da bandeira da diversidade sexual,
com a bandeira hétero ao fundo.
CASA 1 PARA SABER MAIS
A censura no Brasil não é um episódio no país devem ser permanentes e BUZAID, Alfredo. Em defesa da QUINALHA, Renan. Contra a moral e
histórico isolado, não se resume a um constantes. Para a exposição Orgulho moral e dos bons costumes. Brasília: os bons costumes: as políticas sexuais
acontecimento e não possui cara ou e resistências: LGBT na ditadura, do Ministério da Justiça, 1970. da ditadura brasileira. São Paulo:
autoria específicas. A censura vem Memorial da Resistência de São Paulo, o Companhia das Letras, 2021 (no prelo).
CÂMARA, Cristina. Cidadania e orientação
sendo um estado de atuação ética e Instituto Temporário de Pesquisa sobre
sexual: a trajetória do grupo Triângulo Rosa. REIMÃO, Sandra. Repressão e
política ao longo de toda a formação do Censura é ativado por meio de uma
Rio de Janeiro: Academia Avançada, 2002. resistência: censura a livros na ditadura
país. Por isso, pensar a censura como plataforma digital, uma espécie de sala
militar. São Paulo: Edusp, 2011.
um fato ou ação eventual na história de mediação que reúne um conjunto COLAÇO, Rita. De Daniele a Chrysóstomo —
enfraquece o nosso conhecimento de de imagens, vídeos, áudios, textos, Quando travestis, bonecas e homossexuais SILVA, Claudio Roberto da. Reinventando
com quem ela, enquanto instrumento ilustrações e propostas de atividades. entram em cena. Tese (Doutorado em História). o sonho: história oral de vida política
de poder, instaura a sua aliança. O Instituto Temporário de Pesquisa Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da e homossexualidade no Brasil
Perceber a censura integrada sobre Censura se configura, assim, Universidade Federal Fluminense, 2012. contemporâneo. Dissertação (Mestrado).
ao nosso cotidiano nos permite como um grupo de arte e pesquisa São Paulo, FFLCH/USP, 1998.
COWAN, Benjamin. Securing Sex: Morality and
compreendê-la enquanto cultura. voltado para a investigação da censura
Repression in the Making of Cold War Brazil. SILVA, Deonísio da. Nos bastidores da
E, por ser cultura, é identificada nos no Brasil. Como grupo, investiga a
University of North Carolina Press, 2016. censura: sexualidade, literatura e repressão
campos do afeto, da comunicação, das trajetória da censura desde o processo
pós-64. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.
instituições, da educação, da linguística, de colonização, buscando reconhecer CRUZ, Rodrigo Rodrigues da. Do protesto
da economia, da saúde e sob as mais suas dimensões políticas, sociais, às urnas: O movimento homossexual na SIMÕES, Inimá. Roteiro da intolerância:
diversas escalas e formas de operação. econômicas, raciais e de gênero, entre transição política (1978-1982). Guarulhos, 2015. a censura cinematográfica no Brasil.
Ela é uma prática que mede e cria valores tantos outros recortes e processos. O Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) São Paulo: Senac São Paulo, 1999.
responsáveis por autorizar aquele ou Instituto parte do exercício fundamental – Escola de Filosofia, Letras e Ciências
SIMÕES, Júlio; FACCHINI, Regina.
aquilo que teria a competência de existir de pensar sobre as reverberações dessas Humanas, Universidade Federal de São Paulo.
Na trilha do arco-íris: do movimento
e, consequentemente, desautorizar censuras, seja a que proíbe o que já existe
DANIEL, Herbert. Passagem para o próximo homossexual ao LGBT. São Paulo: Editora
aquele ou aquilo que não teria tal ou a que ceifa o imaginário daquilo que
sonho: um possível romance autobiográfico. Fundação Perseu Abrano, 2009
competência, pois toda autorização não está dado. Dentro de uma cultura
Rio de Janeiro: Codecri, 1982.
necessariamente desautoriza algo, e na qual a censura desenha um horizonte SOUTO MAIOR JR, Paulo Roberto.
vice-versa. único e homogêneo, visa a performar um GREEN, James N. Além do Carnaval: a Escrever para inscrever-se: epistolografia
O Instituto Temporário de Pesquisa trabalho que contesta a presença desse homossexualidade masculina no Brasil homossexual nas páginas do Lampião
sobre Censura é um dispositivo de dispositivo como um estímulo para um do século XX. São Paulo: Unesp, 2000. da Esquina (1978-1981). Revista Tempo
investigação e imaginação sobre a trabalho permanente, um trabalho para e Argumento, Florianópolis, v. 8, n.
censura no país. Proposto pela imaginar futuros. ____; QUINALHA, Renan (Orgs.). Ditadura
19, set./dez., 2016, pp. 254-282.
Casa 1 – uma clínica social, centro e homossexualidades: repressão,
cultural e sobretudo um espaço de CASA 1 resistência e a busca da verdade. SOUZA, Rafael de. Saindo do gueto:
acolhida para jovens LGBT expulsos Casa de Cultura e Acolhimento LGBT São Carlos: EDUFSCAR, 2014. o Movimento Homossexual no Brasil
de casa por suas orientações afetivo- facebook.com/casaum da abertura, 1978-1982. Dissertação
____; TRINDADE, Ronaldo. Homossexualismo
-sexuais e identidades de gênero –, (Mestrado). São Paulo, USP, 2013.
em São Paulo. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
o projeto parte da premissa de que o TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso:
debate e a reflexão sobre a censura MACRAE, Edward. A construção da igualdade:
a homossexualidade no Brasil, da colônia
identidade sexual e política no Brasil da
à atualidade. São Paulo: Record, 2007.
“abertura”. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.
VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não
MARCELINO, Douglas Attila. Subversivos
terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
e Pornográficos: Censura de livros e
diversões públicas nos anos 1970. Rio
de Janeiro: Arquivo Nacional, 2011.

OCANHA, Rafael Freitas. “Amor, feijão, abaixo


camburão” – Imprensa, violência e trottoir
em São Paulo (1979-1983). Dissertação
(Mestrado em História), PUC-SP, 2014.

83
SOBRE OS ACERVOS
ACERVO BAJUBÁ ARQUIVO NACIONAL GRUPO DIGNIDADE
Desde 2010 o Acervo Bajubá se dedica O Arquivo Nacional tem sob sua guarda um O Grupo Dignidade é uma organização
à preservação, salvaguarda e instigação vasto e riquíssimo acervo que conta parte da sociedade civil sem fins lucrativos
historiográfica da arte, da memória e importante da História do Brasil. Tanto em (ONG) fundada em 1992 em Curitiba.
da cultura LGBT no Brasil. Uma política sua sede, no Rio de Janeiro, como em sua Tem como um dos seus diretores Toni
de aquisição de livros, periódicos e Coordenação Regional, em Brasília, o AN Reis, umas das principais lideranças
obras de arte, entre outros materiais, trata, preserva e dá acesso a um patrimônio LGBT+ do país. Desde 2007 conta
coloca a coleção em constante documental de valor inestimável para nossa com o seu Centro de Documentação
crescimento. Graças aos esforços de sociedade e para o mundo. São milhões Prof. Luiz Mott, que hoje abriga toda o
seus colaboradores e colaboradoras, de documentos textuais (que se fossem acervo do antropólogo, anteriormente
o Acervo Bajubá contabiliza mais empilhados somariam 55 quilômetros), conservado pelo Museu da Sexualidade,
de 3500 itens produzidos por cerca de 1,74 milhão de fotografias e em Salvador. Uma das principais ações
lésbicas, gueis, bissexuais, travestis negativos, 200 álbuns fotográficos, 15 mil de difusão do acervo efetuada pelo grupo
e transexuais ou que tematizam a diapositivos, 4 mil caricaturas e charges, foi a digitalização integral de todas as
diversidade sexual e a pluralidade 3 mil cartazes, mil cartões postais, edições do jornal Lampião da Esquina,
de expressões de gênero no país. 300 desenhos, 300 gravuras e 20 mil possibilitando assim a realização de uma
ilustrações, além de milhares de mapas, série de pesquisas sobre o periódico.
ACERVO MEMORIAL DA plantas arquitetônicas, filmes, registros
RESISTÊNCIA DE SÃO PAULO sonoros e uma coleção de livros que
Fruto da ação dos Programas Coleta supera 112 mil títulos, sendo 8 mil raros.
Regular de Testemunhos e Lugares
da Memória, o acervo da instituição ARQUIVO PÚBLICO DO
relaciona memória coletiva e história, ESTADO DE SÃO PAULO
possibilitando pesquisas sobre os O Arquivo Público do Estado de São Paulo
processos de repressão e resistência possui um rico acervo histórico sobre
vividos durante a ditadura brasileira. Seu a história de São Paulo, preservando
repertório temático articula a coleção documentos textuais, fotografias, mapas,
de história oral, com testemunho de ilustrações, jornais, revistas e livros que
diversos atores sociais do período, e podem ser consultados por qualquer
referências bibliográficas, iconográficas cidadão. O órgão ainda armazena a
e históricas sobre os lugares da documentação produzida pelo Deops
memória do estado de São Paulo. até sua extinção, em 1983. Esse acervo
é formado por aproximadamente 3,5
ACERVO MUSEU DA milhões de documentos, 1.538.000
DIVERSIDADE SEXUAL fichas, 149.917 prontuários e 9.141
O acervo do Museu da Diversidade Sexual “dossiês” de pessoas, partidos políticos,
está localizado nas dependências do empresas e movimentos sociais de
Teatro Sérgio Cardoso. É constituído por interesse dos órgãos de repressão.
obras de arte contemporânea que em O acervo do Deops continua sendo
sua maioria integraram as exposições da consultado através das fichas remissivas
instituição e compõem a coleção de arte dos 36 fichários metálicos que vieram
do Museu. Incorpora também um acervo das suas delegacias especializadas.
histórico composto majoritariamente As fichas estão divididas em três
por materiais gráficos e de imprensa, arquivos: o Arquivo Geral, o Arquivo da
que são gerenciados pela instituição Delegacia de Ordem Social e o Arquivo
e se encontram em comodato com as da Delegacia de Ordem Política.
associações Diversa Arte e Cultura e
Associação da Parada GLBT de São Paulo.

85
SOBRE OS AUTORES JULIA GUMIERI RENAN QUINALHA LEONARDO AROUCA
é mestre pelo Programa de Pós- é professor de Direito da Universidade é historiador formado pela Faculdade
-Graduação em História Social da Federal de São Paulo, advogado e de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Universidade de São Paulo (2017) e ativista no campo dos direitos humanos. da USP. Atua como analista de
graduada em História pela Universidade Graduado em Direito e em Ciências documentação e acervo no Museu da
Federal de Minas Gerais (2011). Entre Sociais, com Mestrado e Doutorado pela Diversidade Sexual e realiza pesquisa
2013 e 2014, foi membro da Comissão Universidade de São Paulo. Professor sobre o advento da imprensa gay no
da Verdade da Fundação Escola de visitante na Universidade Estadual de Brasil a partir da análise da “Coluna
Sociologia e Política de São Paulo. Atua Campinas (2018). Foi assessor jurídico do Meio” (1976-1979). Atua no campo
nas áreas de História Social, História da Comissão da Verdade do Estado da documentação (museológica e
Política e Direitos Humanos, com ênfase de São Paulo e consultor da Comissão arquivística), realizando projetos como a
em pesquisas sobre a ditadura brasileira Nacional da Verdade para assuntos organização do Acervo Claudia Wonder
e as políticas de reparação promovidas de gênero e sexualidade. Foi Visiting (2018-2020), coordenada pela Profa.
pelo Estado no país. Atualmente Research Fellow no Watson Institute Dra. Ana Maria de Almeida Camargo,
trabalha como pesquisadora do da Universidade de Brown. Membro do e na política de acervos do Museu da
Memorial da Resistência de São Paulo. Conselho de Orientação Cultural do Diversidade Sexual. É membro fundador
Memorial da Resistência de São Paulo, da Rede Latino-Americana de Arquivos,
do Conselho do Centro de Antropologia Museus, Acervos e Investigadores
e Arqueologia Forense (CAAF/Unifesp) LGBTQIA+ e membro do Acervo Bajubá e
e do Conselho Consultivo da Ouvidoria- do Museu de Território Bajubá. Realizou
-Geral da Defensoria Pública do Estado a pesquisa expográfica da exposição
de São Paulo. Advogado inscrito na OAB/ Devassos no paraíso: o Brasil mostra a
SP, Membro da Comissão de Direitos sua cara no Museu da Diversidade Sexual
Humanos e da Comissão de Diversidade (2018-2019). Atuou como co-curador
Sexual da OAB/SP. Presidente do e pesquisador na exposição Orgulho e
Conselho de Administração do Núcleo resistências: LGBT na ditadura (2020), no
de Preservação da Memória Política. Memorial da Resistência de São Paulo,
Publicou o livro Justiça de transição: com Renan Quinalha e Julia Gumieri.
contornos do conceito (Expressão
Popular, 2013) e co-organizou as
obras Ditadura e homossexualidades:
repressão, resistência e a busca da
verdade (EdUFSCar, 2014) e História do
Movimento LGBT no Brasil (Alameda,
2018). Em 2021, lançará pela editora
Companhia das Letras a obra Contra a
moral e os bons costumes: as políticas
sexuais da ditadura brasileira.

87
89
CRÉDITOS
Capa, segunda capa, págs. 2, 4, 12, 14,
16, 26, 32–33, 34, 36, 38, 40, 42, 43, 44,
46–47, 95: Arquivo Público do Estado
de São Paulo.

Págs. 8–9: cortesia Fernando Uchoa.


Págs. 8–9: Grupo Somos no Ato do
Págs. 18–19, 24–25: foto: Vânia Toledo. 1º de Maio no ABC Paulista, durante Págs. 46–47 e capa: Manifestação
a Greve dos Metalúrgicos de 1980. nas escadarias do Theatro
Págs. 20, 28: cortesia Daza Filmes. Municipal de São Paulo contra os
Rondões do delegado José Wilson
Richetti. 13 de junho de 1980.
Págs. 22, 64, 65: Acervo Bajubá.

Págs. 23, 59, 66, 67, 70: Acervo Museu


da Diversidade Sexual.

Págs. 30, 31: Arquivo Nacional (BR


RJANRIO TT.0.MCP.PRO.1334, BR
DFANBSB NS.AGR.COF.MSC.0279).

Págs. 50–51, 52–53, 77: cortesia


James Green. Págs. 18–19, 24–25: Fotografias do
acervo pessoal de Vânia Toledo,
Págs. 60, 61: Acervo Bajubá/Miriam fotógrafa autodidata que, da década
Martinho. de 1970 à de 1990, documentou os
grandes espetáculos da subcultura Pág 68–69: Parada do Orgulho
Pág. 62: cortesia Grupo Dignidade homossexual e transexual de São LGBT de São Paulo. Junho de 2017.
(grupodignidade.org.br). Paulo. Como profissional, trabalhou
ainda para importantes veículos da
imprensa nacional e internacional
Págs. 68–69: foto: Adriana de Maio, e produziu retratos de artistas
Acervo Museu da Diversidade Sexual. como As Frenéticas, Cazuza, Ney
Matogrosso, Clodovil, Fernanda
Págs. 88–89: Vistas da exposição. Foto: Montenegro e, recentemente, Laerte
Julia Thompson e Marina Lima. Coutinho. Faleceu em julho de 2020.

Todos os esforços foram feitos para


identificar e creditar os detentores de
direitos autorais das imagens publicadas.
Caso tenha havido alguma violação
involuntária, eventuais omissões serão
incluídas em edições futuras.

Págs. 68–69: Operação Bonecas


é deflagrada para a apreensão de
homossexuais na cidade do Rio
de Janeiro. Novembro de 1970.
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO ORGULHO E RESISTÊNCIAS: LGBT NA DITADURA

Governador do Estado de São Paulo EXPOSIÇÃO


João Doria
Curadoria: Renan Quinalha
Secretário de Estado de Cultura e Economia Criativa
Sérgio Sá Leitão Co-curadoria e pesquisa: Julia Gumieri, Leonardo Arouca,
Marília Bonas
Secretária Executiva de Estado de Cultura e Economia Criativa
Cláudia Pedrozo Mediação virtual: Casa 1 – Centro de Cultura
e Acolhimento LGBT
Chefe de Gabinete de Estado de Cultura e Economia Criativa
Frederico Mascarenhas Produção: Angela Gennari, Bárbara Rodrigues Tavares

Projeto expográfico: Goma Oficina (Ana David


e Christian Salmeron)
CONSELHO DE ORIENTAÇÃO CULTURAL
DO MEMORIAL DA RESISTÊNCIA Projeto gráfico e comunicação Visual: Goma Oficina
(André Stefanini e Maria Cau Levy)
Antônio Visconti, Carla Gibertoni Carneiro, Lauro Pereira Ávila, Marlon
Weichert, Paulo Vannuchi, Renan Honório Quinalha. Tratamento e edição de imagens: Estúdio 321

Expografia: Artos Cenotécnica

MEMORIAL DA RESISTÊNCIA DE SÃO PAULO Montagem: Gala Art Installation

Diretor Geral Realização: Associação Pinacoteca Arte e Cultura —


Jochen Volz APAC Organização Social de Cultura

Diretor Administrativo e Financeiro


Marcelo Costa Dantas
CATÁLOGO VIRTUAL
Diretor de Relações Institucionais
Paulo Romani Vicelli Coordenação editorial: Julia Gumieri

Coordenadora Textos: Julia Gumieri, Leonardo Arouca, Renan Quinalha


Ana Pato
Projeto gráfico, direção de arte e diagramação: Goma Oficina
Coordenadora do Programa Educativo (Maria Cau Levy e André Stefanini)
Aureli Alves de Alcântara
Produção editorial: MIRA.etc (Deborah Moreira)
Educadores
Revisão: Louise Azevedo, Marcelo Cipolla
Alessandra Santiago da Silva, Aléxia Sayuri Hino,
Ana Carolina Ramella Rey Ammon,
Daniel Augusto Bertho Gonzales, Marcus Vinicius Freitas Alves

Programa de Pesquisa
Camila Alvarez Djurovic, Carolina Faustini Junqueira,
Julia Cerqueira Gumieri
Orgulho e resistências : LGBT na ditadura / curadoria e textos
de Julia Gumieri, Leonardo Arouca, Renan Quinalha. -- São
Paulo : Memorial da Resistência de São Paulo, 2020.

96 p.

ISBN 978-65-89070-01-6

Catálogo da exposição realizada no Memorial da Resistência de


São Paulo de 15 de outubro de 2020 a 17 de maio de 2021.

1. Direitos dos homossexuais - História - Brasil. 2. Ditadura –


Brasil - Século XX. I. Gumieri, Julia. II. Arouca, Leonardo. III.
Quinalha, Renan. Memorial da Resistência de São Paulo.

CDD 306.766

Os Diários Associados
anunciam mais uma detenção:
“Carmen Lúcia da Silva,
que atendia pelo nome de
Jakson Marino Paulo, casada
legalmente com a lésbica
Maria Madalena de Souza”.
I

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