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DR':"''',,,.'llc.<nu,, c,Jnc, ,, 1srl'-.T1c, . A,o 11 . N'' 12 • 2003 •ISSN 0104-767 1


UAII.T,\ Ml:NH , Íll· Ti·.<)kJA. DO Tt:Alk<J . Pll.t )(,l(,\MA í)F· P(1<;- GR ADIIAÇÁO F.M T EATRO

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RMAN CE
E.N S AIO

Ü QUE É PERFORMANCE?

R ICIIAIW S C II ECIIN ER

Ti /A JJ UÇ,10 DA N IJAR A

O en saio di sserta sobre as muit as maneiras


de entender a perrormance: artística , ritual ou
cotidiana. Comportamento restaurado é o pro-
cesso chave de todo tipo de performa nce. no
dia-a-d ia. nas curas xamânicas, nas bri ncadei-
ras e nas artes. O "Ser" performance é um
conceito que se refore a eventos defi nitos e
delimitados. marcados por contex to, conven-
ção. uso e tradição. No entan to qualquer even-
to. ação ou comportamento pode ser exami -
nado "como se fosse" performance. Tratar o
objeto, obra ou produto como performance Um pcrforrncr Kaw.ka li cm Kcrala.
Índia. Direitos de imagem:
signi fica in vestigar o que esta coisa faz, como
Pe1for111i11,.: Arrs Library.
interage com outros objetos e seres, e como
se relac iona com outros objetos e seres.

Pe1for111a11ce; vida cotidiana; restauração de co111porta111e11to; teatro; rituais

O que é o ato da performance?


No contex to dos negócios, do esporte ou do sexo, dizer que alguém fez uma boa
performance é afirmar que tal pessoa realizou aq uela coisa conforme um alto padrão,
que foi bem sucedida, que superou a si mesma e aos demais. Na arte, o pcrformer é
aquele que atua num show, num espetácul o de teatro, dança, música. Na vida cotidiana,
perfo1mar é ser exibido ao extremo , sublinhando uma ação para aqueles que a assistem.
No séc ul o XXI, as pessoas têm vivido, como nunca antes , através da performance.
Fazer performa nce é um ato que pode também ser ente ndido em relação a:

RICH ARD SCHECHNER é professor da New York Univers ity, diretor de 1eatro e fund ador e editor
da rev ista The Drama Re1:iew. pu bli cada pe la NYU. Entre os seus li vros se dcsiac:un: E11viro11111e11wl
Thearer, H.'.lwthorn Books, In c. 1973; Performance Theory, Routl edgc. 1977; Th e F11t11re of the
Ri11wl , Routlcdge. 1993: Berween Theater mui Anthropology, Un ive rsity of Pennsy lvania Press. 1985;
Pe1forma11 ce S11ulies. A11 imroduction, Routlcdgc, 2002.

O PERCl'.VEJO AN O 11 , 2003, Nº 12 : 25 A 50
Ser
Fa::,er
Mostrar-se fa::,endo
Eiplicar ações demonstradas

Ser é a existência em si mesma. Fazer é a atividade de tudo que cxi t


, . se, dos

é:
quazares aos entes sencientes e formações super galat1 cas. Mos trar-se fazend o _
perfo nnar: apontar, sublinhar e demonstrar a ação. Explicar ações demonstradas
trabalho dos Estudos da Performa nce.
É muito importante que distingamos estas noções umas das outras. Ser pod
e ser
ativo ou estático, linear ou circular, expandido ou contraído, material ou espiritual. Ser é
uma categoria filosófica apontando para qualquer coisa que as pessoas teorizem corno
realidade última. Fazer e mostrar-se fazendo são ações. Fazer e mostrar estão sempre
num continuum, sempre mudando o universo pré-socrático de Heráclito (535-475 AC)
que disse que "Ninguém pode pisar duas vezes o mesmo rio, nem tocar urna substância
mortal duas vezes na mesma condição" (fragmento 41 ). O quarto tenno, explicar ações
demonstradas, é um esforço reflexivo para compreender o mundo da performance e 0
mundo como performance. Esse tipo de compreensão é o trabalho dos críticos e acadê-
micos. Todavia, no teatro Brechtiano, em que o ator se afasta do personagem para
comentar suas ações, e nas performances construídas através de uma perspectiva
crítica, como Couple in a Cage ( 1992), de Guillermo de la Pena ( 1955), e Coco Fusco
( 1960)- a perfonnance se dá de forma reflexiva.

A patinadora do gelo Denise Biellmenn faz um loop de ponta-de-pé triplo.


(Fotografia de lapso de tempo). Direitos de imagem: Caera Pre.<.<, Londres.

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Pe1formances
Perfonnances afümam identidades, curvam o tem po, remodelam e adornam cor-
pos. contam histórias . Performances artísticas, ri tuais ou cotidianas - são todas fei tas
de com ortamentos du lamente exercidos, com ortamentos restaurados, ações
perforrnadas que as pessoas treinam para desempenhar, que têm que repeti r e ensaiar.
Está claro que fazer arte exige treino e esforço consciente. Mas a vida cotidiana também
envolve anos de treinamento e aprendizado de parcelas específicas de comportamento
e requer a descoberta de como ajustar e exercer as ações de uma vida cm relação às
circunstâncias pessoais e comunitárias. O longo período da infância e da adolescência
característico da espécie humana consiste em um extenso período de treiname nto e
ensaio para favorecer uma boa performance da vida adu lta. A formação do indivíduo
jovem marca sua entrada na vida adulta, sendo consagrada por cerimônias e ritos
iniciáticos em diversas culturas e religiões. Mas mesmo antes da vida adulta, algumas
pessoas se adaptam de modo mais confortável à vida que lhes é designada do que
outras, que resistem e se rebelam. A maioria das pessoas vive uma tensão entre aceita-
ção e rebelião. Atos sociais e políticos , protestos, revoluções e coisas do gênero - são
ações coletivas em larga escala, seja para manter o status quo, seja para mudar o mundo.
Toda a gama de experiências, compreendidas pelo desenvol vimento individual da pes-
soa humana, pode ser estudado como performance. Isto incl ui eventos de larga escala,
tais como lutas sociais, revoluções e atos políticos. Toda ação, não importa quão pe-
quena ou açambarcadora, consiste em comportamentos duplamente exercidos.
O que di zer das ações que são, aparentemente, exercidas apenas uma única vez
-os happenings de Allan Kaprow (1 927), por exemplo, ou uma ocorrência corriqueira
como cozinhar, vestir-se, caminhar, conversar com um amigo? Até mesmo estas são
construídas a partir de comportamentos previamente exercidos. De fato, a própria re-
dundância das ações cotidianas é precisamente o que constitui a sua familiaridade, a
sua qualidade de ação construída a partir de pedaços de comportamentos, rearranjados
e modelados de modo a produzir um efeito determinado. A arte cotidiana - como
Kaprow den omina várias de suas obras - é próxima da vida diária. A arte de Kaprow
sublinha e destaca comportamentos ordinários com sutileza - conduzindo a atenção
para o modo como uma refeição é preparada, ou observando as pegadas deixadas por
al guém ao caminhar no deserto. Prestar atenção em ações simples. performadas no
momento presente, é desenvolver uma consciê ncia Zen em relação ao que é comum e
honrar o que é ordinário. Honrar o que é ordinário é observar quão ntualís,tica é anda
diiria. e o quanto esta é constituída de repetições . Não há nenhuma ação humana que
po5sa ser classificada como um comportamente exercido uma ún ica vez.
Haverá. :iqui. um paradoxo. Podem ambos, Heráclito e a teoria do comportamen-

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to restaurado estar certos ao mesmo tempo? Performances são feitas de pedaç
comportamento restaurado, mas cada pcrfonnance é diferente das demai s. Primeira<: c.l c
te. pedaços de comportamento podem ser recom binados cm variações infinitas.. Scgucn.
do. nenhum evento pode copiar, exatamente, um outro. Não apenas o cornpon n.
. - . arncnto
cm si mesmo _ nuances de humor, 1nflexao vocal, linguagem corporal e etc ' mas·· tarnbé
o contcx to e a ocasião propriamente ditos , tornam cada instância diferente. o que d. _rn
, ll~
das réplicas e clones, mecânica, digital ou biologicamente produ zidos? Mcsrno u
uma obra de arte performática, quando f..1lma da ou d'1g1ta
. 11za
· d
. q ea
a, permaneça a rne srna
cada exibição, 0 contexto de cada recepção diferencia as várias instâncias. Embora a
coisa pe1maneça a mesma, os eventos de que esta coisa participa são diferentes entrc
si . Em outras palavras, a particularidade de um dado evento está não apenas crn sua
materialidade, mas em sua interatividade. Se é assim nos eventos filmados e digitalizad os,
tanto mais em relação à performance ao vivo, onde não só a produção mas também a
recepção variam de instância para-instância. E mais ainda em relação à vida diária, onde
o contexto é, necessariamente, incontrolável.
Essas reflexões nos levam às seguintes questões : Onde ocorre a performance?
Uma pintura ocorre num objeto físico , uma novela ocorre em palavras. Mas urna
performance (mesmo quando partindo de uma pintura ou de um romance) ocorre ape-
nas'.'em <Íção, interação e ~ A performance não está em nada~ Deixem-
me explicar: um performer do dia-a-dia, num ritual, num jogo ou nas artes perforrnáticas
propriamente ditas, faz/mostra algo - performa uma ação. Por exemplo: uma mãe leva a
colher até sua própria boca e então à do bêbe, para ensiná-lo a comer mingau. Aí, a
performance é o ato de levar a colher à própria boca, e depois à boca do bebê. O bebê é,
de início, espectador da performance da mãe. Num dado momento ele se torna um co-
performer, à medida em que pega a colher e repete a ação, de início errando a direção da
boca e besuntando o rosto com o alimento. Papai filma todo o evento. Mais tarde, talvez
anos depois , o bebê seja uma mulher adulta, mostrando à sua filha um vídeo do dia em
que sua mamãe aprendeu a usar a colher. Assistir a esse vídeo é uma outra performance,
existindo na complexa relação entre o evento original, a memória dos avós (velhos ou
até mortos), e a fruição do momento presente, em que a mãe aponta para a tel a dizendo:
"Aquela é a mamãe quando tinha sua idade! " A primeira performance ocorre entre a
ação de mostrar à criança como usar a colher e a reação desta à ação da mãe. A segunda
performance ocorre entre o vídeo da primeira e a recepção desta por ambas - a mãe
(então bebê) e sua própria filha. O que é verdadeiro, para esta performance de home-
video , vale para todas as outras performances. Tratar qualquer objeto, obra ou produto
como performance - uma pintura, um romance, um sapato, ou qualquer outra coisa -
significa in ves tigar o que esta coisa faz, como interage com outros objetos e seres. e

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Bill Parcells quer a sua performance l 1 ~,..t,. , ,. • •,• ,lo "'I, 1 • ltl •

Em 1999, um anúncio de página inteira no New York


Tim es ve ndia um Cadillac Seville. Bill Pareeis (1941),
legendário trei nador de futebol americano, olhava fixamen-
te para os leitores. Um de seus olhos estava imerso numa BILL PARCHLS.
YOU IIA\'ETO
sombra que se mesclava ao fundo da imagem, sobre o qual P,ERfORM.

um texto se destacava, com letras brancas e luminosas:

Se você quer impressionar Bill Pareeis


Você tem que mostrar a sua pe,formance

Em baixo da foto do carro, o texto seguia em corpo


menor: "Grandes performers sempre impressionaram Bill
549.j(>
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Pareeis. Isto explica seu grande interesse pelo Seville( ... ]." 11.J l l r ,,.1>,~ "· ' .. ,- .. ,.,o ..,. ,..,,... ,,.,.., ., 1
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O anúncio alude à performance no esporte, nos ne-


gócios, no sexo, nas artes e na tecnologia. Parcells é sinôni- Foto: cortesia da General
Motors Corporation.
mo de exelência como terinador de futebol americano. Exi-
gindo muito de seus jogadores, ele os motiva e eles respon-
dem desempenhando performances vencedoras nos gra-
mados. A excelência de Parcells deriva de sua capacidade de dirigir, sua habilidade de
organizar e sua insistência em permanecer atento a todos os detalhes do jogo. Seu olhar
fixo tem forte apelo sexual - seu olhar penetrante é o de um homem potente, capaz de
controlar atletas gigantes. Ele combina maestria, eficiência e beleza. Ao mesmo tempo,
Parcells exibe um ar de sorriso; ele joga com a câmera e com o público. Tudo isso é
veiculado pelo anúncio, que tenta convencer o leitor que o Cadillac, como Parcells, é o
melhor entre seus pares, é sexy e poderoso, bem feito até o menor detal he, confiável,
marca de liderança, e alguma coisa que vai se destacar da multidão.

Oito tipos de performance


Performances ocorrem em oito tipos de situações, algumas vezes distintas, ou-

tras vezes sobrepostas:


J. na vida diária, cozinhando, socializando-se, apenas vivendo

2. nas artes
3. 11 os esportes e outros entretenimentos populares
4. nos negócios 29

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