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Atuais desafios no desenvolvimento do agronegócio

ATUAIS DESAFIOS NO DESENVOLVIMENTO DO AGRONEGÓCIO


Cultivares e biotecnologia em plantas
Revista de Direito Empresarial | vol. 9/2015 | p. 339 - 358 | Maio - Jun / 2015
DTR\2015\9136

Karina Teresa da Silva Maciel


Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba. Especialista em Direito
Empresarial e em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professora na Universidade Metodista
de Piracicaba. Advogada. maciel.karina@uol.com.br

Área do Direito: Comercial/Empresarial; Ambiental


Resumo: O aumento demográfico no planeta e, de renda nos países em desenvolvimento
vem aumentando paulatinamente a pressão por uma maior produção de alimentos, sem o
esgotamento dos recursos naturais do planeta. Neste cenário, o investimento em tecnologia
para o desenvolvimento de novas variedades vegetais, defensivos agrícolas, instrumentos e
maquinários revelam-se como conjunto de ações capazes de aumentar a eficiência do
agronegócio. Não obstante, a alta concentração do mercado na área tecnológica de pesquisa
sobre cultivares, torna-se cada vez mais uma preocupação no meio, pois gera a dúvida se a
legislação protetiva da propriedade intelectual poderia estar sendo utilizada contra o salutar
desenvolvimento tecnológico e econômico mundial, afastando-se de seu fim social.

Palavras-chave: Cultivares - Transgênicos - Agronegócio - Desenvolvimento.


Abstract: The population growth on the planet and income in developing countries is
gradually increasing pressure for greater food production without depleting natural
resources of the planet. In this scenario, investment in technology for the development of
new plant varieties, pesticides, tools and machineries reveal themselves as a set of actions
that increase the efficiency of agribusiness. Nevertheless, the high market concentration in
the area of technological research on cultivars, becomes increasingly a concern in the
middle, as it generates the doubt whether protective legislation of intellectual property could
have been used against the salutary global technological and economic development, away
from their social order.

Keywords: Cultivars - Transgenics - Agribusiness - Development.


Sumário:

1. Introdução - 2. Das perspectivas do campo - 3. Propriedade intelectual no agronegócio -


4. Cultivares, limites e desafios atuais - 5. Transgênicos (ou microrganismos geneticamente
modificados), limites e desafios atuais - 6. Considerações finais - 7. Bibliografia

1. Introdução

A princípio, o privilégio de exploração de determinada atividade ou criação originou-se como


um benefício do Estado Monárquico, por vezes outorgado com base em critérios subjetivos
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favorecendo determinados comerciantes, visando garantir o recolhimento de tributos.

Posteriormente, especialmente a partir da Revolução Industrial, o privilégio de exploração


deslocou o enfoque subjetivista do benefício, para assumir o contorno de resguardo à
atividade criativa, figurando-se como meio legal de proteção da propriedade intelectual que
era (e ainda o é) concedida com base nos critérios objetivos de novidade e economicidade
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da criação.

Mais à frente, reconhecendo-se a necessidade do atendimento simultâneo ao interesse


privado do criador e ao interesse público pelo desenvolvimento tecnológico e econômico,
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encerraram-se os modernos contornos da propriedade intelectual que deverá também


cumprir sua função social.

Nesta seara, cumpre notar que a proteção da propriedade intelectual voltada ao


agronegócio é muito mais recente e remonta ao século passado. A primeira lei de proteção
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de cultivares de que se tem notícia foi a Plant Patent Act de 1930 nos EUA, que estabeleceu
a proteção aos obtentores de novas variedades de plantas propagadas assexuadamente. Por
volta de 1950 a mesma tendência foi seguida pela Europa, especialmente pela Alemanha e
França que desenvolveram legislação para a proteção sui generis de novas variedades
vegetais (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2011, p. 15).

Em 1961, a proteção dos cultivares foi alçada à proteção internacional com a Conferência de
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Paris e a criação da União Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais (Upov).

Já a propriedade industrial envolvendo seres vivos é ainda mais recente. O reconhecimento


deste tipo de propriedade remonta ao ano de 1980, com a primeira decisão de concessão de
patente sobre matéria viva: Caso Diamond vs. Chakrabarty requerido junto ao United States
Patent and Trademark Office (USPTO), que envolvia um microrganismo geneticamente
modificado que degradava óleo cru. Em que pese ter ela sido rejeitada inicialmente por
envolver matéria viva, a mesma foi concedida em grau de recurso tendo em vista ter sido a
bactéria desenvolvida artificialmente, encaixando-se nos requisitos de concessão de patente
contidos no Title 35, USC 101, quais sejam: a novidade e a solução de um problema prático
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(BRUCH, 2013, p. 31).

Esta disciplina da propriedade intelectual voltada ao agronegócio somente foi acolhida no


Brasil após a assinatura do Trade Related Intellectual Property Rights (Trips) de 1994, cujo
texto, em seu art. 27.3(b), previa que os países-membros da Organização Mundial do
Comércio (OMC) deveriam optar, para a proteção intelectual das variedades vegetais, por
um sistema patentário, um modelo sui generis ou uma combinação de ambos.

Assim, em sequência, visando à adequação do sistema de propriedade intelectual brasileiro


ao Trips, foi editada a Lei de Cultivares (Lei 9.456/1997) que tutela a proteção da
propriedade intelectual voltada ao agronegócio.

Sendo assim, atualmente o país conta com a proteção da propriedade intelectual no


agronegócio, que se mostra como meio eficaz para assegurar os direitos do criador e os
altos investimentos em tecnologia e pesquisa realizados no setor. Entretanto, devido à alta
concentração econômica do setor pelas empresas sementeiras globais, resta a dúvida se a
forma de utilização do privilégio de exploração da propriedade intelectual não possa
funcionar como óbice ao desenvolvimento tecnológico e econômico, na medida em que
poderia ser utilizada como barreira ao ingresso de outras empresas no mercado tecnológico
do agronegócio.

2. Das perspectivas do campo

Atualmente, existem 7 bilhões de habitantes, sendo que cerca de 850 milhões de pessoas se
encontram em estado de miséria, sem conseguir atender as necessidades básicas
alimentares, o que – prima facie – indica a necessidade de maior produção e distribuição
dos alimentos ao redor do mundo.

Por outro lado, houve o aumento de consumo alimentar no mundo que decorre da redução
da pobreza nos países em desenvolvimento (como China, Índia e Brasil), que fez aumentar
a demanda por carne, ovos e laticínios – e por consequência a necessidade da produção de
milho e soja para a ração destes animais (aves, suínos e gado).

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Por fim, segundo a expectativa de especialistas, até 2050 a Terra ganhará mais 2 bilhões de
habitantes, alcançando a impressionante soma de 9 bilhões de pessoas.

Sendo assim, devido ao aumento populacional e a diminuição da pobreza no mundo, a


expectativa é que até 2050 seja necessário dobrar a produção da quantidade de alimentos
cultivados na Terra.

No entanto, não é possível simplesmente desmatar mais áreas para introduzir novos
espaços agrícolas, pois tal atitude teria sérios reflexos no meio ambiente de modo a
comprometer as gerações futuras.

“A agricultura está hoje entre os maiores responsáveis pelo aquecimento global por lançar
na atmosfera uma quantidade de gases associados ao efeito estufa maior que a de todos os
carros, caminhões, trens e aviões juntos – sobretudo sob a forma de gás metano (produzido
na digestão do gado e em plantações de arroz), do dióxido nitroso (oriundo dos campos
cultivados) e do dióxido de carbono (liberado pelo desmatamento em regiões tropicais com
o objetivo de abrir novas plantações e pastagens). O setor agrícola é o maior usuário dos
nossos preciosos suprimentos de água doce e um dos maiores poluidores, na medida em
que a drenagem de água, mesclada a fertilizantes e excrementos, perturba o frágil equilíbrio
de lagos, rios e ecossistemas litorâneos em todo o mundo. A atividade também contribui
para a perda da biodiversidade” (NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL, 2014, p. 47).

Sendo assim, como solução à duplicação da produção de alimentos sem o aumento da área
agrícola e com diminuição dos danos ambientais, especialistas indicam: a maior eficiência
da produção das plantações existentes; o uso eficiente dos recursos naturais; mudança de
dieta (diminuir o consumo de carne, especialmente a bovina) e diminuir o desperdício.

Nesse sentido, o desenvolvimento de tecnologia industrial aplicada a maquinários agrícolas,


softwares inteligentes para reconhecimento de doenças sem a necessidade presencial de
fitipatologistas e o desenvolvimento de novas variedades de plantas, híbridos e
transgênicos, tem função relevante para a maior eficiência da produção das plantações
existentes e o uso eficiente dos recursos naturais.

São exemplos de transformações provenientes da aplicação da tecnologia que aumenta a


efetividade do agronegócio, seja na monocultura latifundiária, na policultura minifundiária
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ou na criação de animais:

a) Monocultura de Grãos (soja, milho, trigo, arroz):

• Monoculturas mecanizadas em grandes propriedades alcançam maiores resultados com


menos mão de obra.

• A utilização de variedades de vegetais, híbridos ou transgênicos mais adaptados às


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condições climáticas, resistentes a doenças e com maior produtividade.

• O desenvolvimento da agricultura de precisão, com tratores com equipamentos


computadorizados, com sensores e aparelhos de GPS, permitem a aplicação de fertilizantes
e pesticidas de forma mais precisa, gerando menos impactos ambientais e custos nas
grandes propriedades (tratores, drones e softwares de reconhecimento de imagem).

b) Culturas variadas em pequenas propriedades:

• Nas pequenas propriedades, a substituição da irrigação pelo gotejamento gera melhores


resultados sem o desperdício de água.

• A variedade de culturas semeadas em conjunto, gera maior produtividade na pequena


propriedade.

• A utilização de variedades de vegetais, híbridos ou transgênicos desenvolvidos


especificamente para cada região (variação de solo, temperatura, altitude e chuvas), mais
resistentes a doenças e pragas, garante maior adaptação e produção.

• O desenvolvimento da agricultura de precisão, permitem a aplicação de fertilizantes e


pesticidas de forma mais precisa, gerando menos impactos ambientais e custos nas grandes
propriedades (tratores, drones e softwares de reconhecimento de imagem).

• Por fim, abordagens da cultura orgânica também reduzem o uso de água, produtos
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químicos no solo e a erosão.

c) Criação de animais (gado de corte, gado de leite, suínos e aves):

• Criação in door de aves e suínos permitem a criação de larga escala em espaços


reduzidos, além de maior proteção contra doenças advindas da exposição dos animais às
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condições climáticas.

• O melhoramento genético (através de inseminação artificial) garante maior engorda do


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gado de corte e maior produção de leite pelo gado leiteiro.
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• Reaproveitamento dos dejetos como adubos e fertilizantes.

Os exemplos acima, portanto, sugerem que a aplicação cada vez maior da tecnologia e
pesquisa voltada ao agronegócio possa propiciar a maior produção de alimentos sem o
esgotamento dos recursos naturais, num momento em que se avizinha a necessidade da
duplicação da produção agrícola para fazer frente à alimentação da população mundial
crescente.

3. Propriedade intelectual no agronegócio

A inclusão da propriedade intelectual no âmbito da regulamentação da propriedade em


geral, decorre da relevância do domínio do conhecimento técnico-científico para o
desenvolvimento socioeconômico. Ela é parte integrante da universidade do
estabelecimento, sendo um dos pilares sobre o qual se alicerça a atividade empresarial
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(capital, mão de obra, insumos e tecnologia), sendo bem fundamental à sistemática


produtiva e comercial.

Como se sabe, o agronegócio é comumente definido por uma cadeia produtiva e de


comercialização de bens agropecuários, englobando a pesquisa, a produção e distribuição de
suprimentos agrícolas; a agricultura, a pecuária, o armazenamento, o processamento e a
distribuição de produtos agrícolas e dos itens produzidos a partir deles (ABAGRP, 2014).
Portanto:

“Agronegócio é uma unidade agregativa. Não é, do ponto de vista da teoria econômica,


similar às categorias firmas, indústria e mercados, por exemplo. (…) O termo agronegócio é
a tradução do termo agribusiness e se refere ao conjunto de atividades vinculadas com a
agropecuária. O agronegócio é uma agregação de atividades, divididas em, no mínimo,
quatro segmentos: I – ofertantes de insumos para a agropecuária, II – agropecuária, III –
agroindústria e IV – Distribuição” (BACHA, 2014).

Deste modo, considerado o agronegócio como uma cadeia produtiva, inúmeras são as
possibilidades de aplicação da propriedade intelectual neste complexo de atividades, cuja
proteção deve atender simultaneamente os interesses privados e sociais, que limitam o uso
do ato monopolístico.

Sob o olhar dos interesses individuais privados, o privilégio temporário da exploração da


propriedade intelectual incentiva o desenvolvimento tecnológico na atividade privada, na
medida em que permite o ressarcimento financeiro das somas investidas em pesquisa e de
outro lado, sob o aspecto da concorrência, permite que o detentor da propriedade
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intelectual obste o uso de sua criação por terceiros desautorizados.

Por outro lado, a propriedade intelectual deve satisfazer os interesses difusos e coletivos no
que concerne ao desenvolvimento tecnológico e econômico da sociedade, sob pena de não
cumprir com sua função social. Assim, em caso de não exploração da propriedade industrial,
do abuso da patente e do abuso do poder econômico, a lei prevê sanções como a licença
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compulsória e a caducidade por falta de uso .

Como se sabe, em que pese a terminologia propriedade intelectual pudesse levar o


estudioso a pensar que estariam aí abarcados apenas os direitos reais sobre os bens
imateriais, certo é que o nomen iuis contempla simultaneamente direitos reais e de
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personalidade que incidem sobre os bens imateriais.

Ainda sob a insígnia propriedade intelectual, esta abarca um feixe complexo de bens
imateriais (criações autorais, industriais e sinais distintivos). Como criações teriam:
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invenções, modelos de utilidade, desenhos industriais, cultivares, softwares, bem
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como os sinais distintivos: marcas e nome empresarial.

Dentre estes, entretanto, apenas os cultivares (sementes e material de propagação de


plantas) e os microrganismos geneticamente modificados (biotecnologia) são propriedades
intelectuais específicas do agronegócio, razão pela qual o presente artigo se deterá apenas
ao seu exame.

4. Cultivares, limites e desafios atuais

A Lei de Cultivares, Lei 9.456/1997, estabelece a proteção intelectual da nova cultivar ou de


cultivar essencialmente derivada, de qualquer gênero ou espécie vegetal. Trata-se de lei
especial que concede uma proteção sui generis aos cultivares (SILVEIRA, 2014, p. 69-70).

Cultivar é considerada toda a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal, que seja
claramente distinguível de outras conhecidas por uma margem mínima de características
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descritas, pela denominação própria, homogeneidade, capacidade de se manter estável em


gerações sucessivas, além de ser passível de utilização no agronegócio.

Cultivar, portanto, são todas as variedades de plantas, que podem ser obtidas através de
cruzamentos naturais de espécies pré-existentes (variedade crioula); pelo hibridismo
(variedade híbrida), pela enxertia (variedade de enxerto) e pela manipulação genética
(variedade transgênica). Já a cultivar derivada decorre do intercruzamento entre outras
cultivares já registradas e protegidas por propriedade intelectual (seria um melhoramento
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da cultivar original). Observa-se que todo o material propagativo destas variedades de
plantas, com exceção da primeira (que decorre de processo natural) podem ser objeto de
proteção intelectual pela Lei de Cultivares.

Tais cultivares são pesquisadas e desenvolvidas por melhoristas (pesquisadores) – que de


acordo com o ciclo biológico da planta conseguem desenvolver uma nova variedade no
período médio seis a oito anos – e obtidas pelos obtentores (proprietários, normalmente
empresas do agronegócio) através de Certificado de Proteção de Cultivar concedido pelo
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Serviço Nacional de Proteção de Cultivares – SNPC (no prazo médio de dois anos), que
garante o privilégio de exploração do material propagativo da cultivar, podendo obstar a
livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa
por terceiros desautorizados no país.

Essa proteção vigora por 15 anos, a contar da data de concessão do Certificado Provisório
de Proteção, para a maioria das espécies, principalmente de grãos (oleaginosas, cereais e
outras), com exceção das videiras, árvores frutíferas, árvores florestais e árvores
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ornamentais, incluindo seus porta-enxertos, que têm prazo de 18 anos de proteção destas
cultivares.

Nesse sentido, devido ao largo lapso de tempo para o desenvolvimento de uma nova
cultivar estável e homogênea, visando a garantia da proteção da propriedade intelectual, é
praxe comum o registro inicial do “pai” e da “mãe” (cultivares iniciais) dos quais surgirão as
demais cultivares derivadas (melhoramentos).

Embora este seja um meio legal e estratégico de proteção da propriedade intelectual, tal
procedimento acaba por fortalecer a impenetrabilidade dos grandes monopólios
multinacionais de pesquisa e desenvolvimento de novas cultivares, pois quanto maior o
número de cultivares registradas por uma única empresa, maior será a dificuldade de outras
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iniciarem suas pesquisas naquele tipo de cultura.

Certo é que, visando o cumprimento de sua função social, a Lei de Cultivares impõe como
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um dos limites da proteção dos cultivares, a exceção do melhorista (exceptions to the
Breeder’s Right), pela qual é possível a utilização de um cultivar sem autorização de seu
obtentor, para a realização de pesquisas no desenvolvimento de outras cultivares.
Entretanto, tal pesquisa se mostra factualmente desinteressante na maioria das vezes, pois
ainda que haja o desenvolvimento de uma cultivar derivada, esta estaria impedida de ser
comercializada sem a autorização e pagamento de royalties do obtentor da cultivar da qual
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aquela se originou – o que pode-se, em última análise, importar em abuso do poder
econômico ou abuso de cultivar pelo obtentor da cultivar original.

Mas como competir com os grandes monopólios dos cultivares sem embates judiciais
intermináveis? Normalmente, por uma questão de análise de custo e risco, as sementeiras
menores optam por aguardar que a cultivar original “caia em domínio público” para
lançarem comercialmente suas sementes derivadas (ou seja, melhoradas) – fato que
certamente atrasa o desenvolvimento econômico e tecnológico do agronegócio.

Ademais, como outra limitação à propriedade intelectual dos cultivares, visando a proteção
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do produtor rural (Farm’s Right) é permitido ao agricultor a reserva de material de plantio


para uso próprio, sem que tenha que pagar “royalties” ao titular da proteção. Entretanto, tal
conduta não é indicada ao agronegócio na medida em que há a sensível queda na
produtividade da lavoura nas cultivares resultantes de hibridismo. Identicamente, visando a
manutenção do monopólio do fornecimento de sementes, em que pese a proibição da
utilização do gene terminator no Brasil (que tornaria a planta infértil), o obtentor cria
sementes híbridas com características recessivas que não conseguem levar para uma
segunda ou terceira geração, a mesma produtividade da primeira geração de plantas
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advindas daquela semente original.

Um pouco mais abrangente é a exceção ao privilégio de exploração da cultivar destinada ao


pequeno produtor rural, que permite-lhe produzir sementes e negociá-las através de doação
ou troca com outros pequenos produtores. No entanto, esta mesma conduta esbarra no
problema da queda da produtividade vista acima. Nestes casos, a melhor solução ao
pequeno produtor rural que não dispõe de recursos para a aquisição de sementes, ainda é
se utilizar das sementes crioulas, que são adaptadas a sua região de plantio, associando-a a
uma policultura e práticas de agricultura orgânica.

Por fim, diante das possibilidades de abuso de poder econômico, de óbice à livre iniciativa e
de desenvolvimento tecnológico e econômico por meio do registro abusivo de cultivares, é
prevista a licença compulsória na Lei de Cultivares nos arts. 28 a 35 – que resultaria de uma
atuação conjunta entre o Ministério da Agricultura e Abastecimento e o Conselho
Administrativo de Direito Econômico (Cade) –, não obstante, se desconheça a existência de
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qualquer decisão neste sentido.

Cumpre neste caso questionar se efetivamente não haveria a necessidade imposição de


licença compulsória em algumas culturas ou, ao invés, se estaria diante de omissão Estatal.

5. Transgênicos (ou microrganismos geneticamente modificados), limites e desafios atuais

Conforme prevê a Lei de Propriedade Industrial, Lei 9.276/1996, em seus arts. 10, IX e 18,
parágrafo único, não são passíveis de patente de invenção os seres vivos ou partes de seres
vivos, ressalvados os microrganismos geneticamente modificados por meio de processos
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biológicos artificiais (biotecnologia).

Sendo assim, num primeiro momento, observa-se que animais e plantas no todo ou em
parte não são patenteáveis. Enquanto a criação de novas espécies e raças de animais
permanecem sem proteção intelectual no Brasil, é possível a proteção da semente (do
material de reprodução e multiplicação da planta) através da Lei de Cultivares examinada
acima.

Entretanto, em que pese a impossibilidade de animais e plantas geneticamente modificados


serem protegidos pela propriedade industrial (invento ou modelo de utilidade), é possível a
proteção dos processos de inserção de genes e proteínas e dos microrganismos
geneticamente modificados.

Microrganismos geneticamente modificados são: fungos, bactérias, vírus, células ou


conjunto de células produzidos por meio de processo biológico artificial (ou seja, que sem a
intervenção humana não ocorreria naturalmente) e que tiveram modificados os seus genes
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para adquirirem novas propriedades ou deixarem de manifestar características naturais.

Conforme aduz Marques (2002 apud BRUCH, 2013, p. 57), dentre os produtos passíveis de
propriedade industrial decorrente de biotecnologia, destacam-se:

a) Proteínas extraídas, sintetizadas ou purificadas a partir de fontes naturais;


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b) Ácidos necleicos;

c) Oligonucleotídeos;

d) Vetores de clonagem (plasmídeos, fagos, cosmídeos);

e) Vírus, bactérias;

f) Organismos parasitários;

g) Células e linhagem de células.

Para tanto, os microrganismos geneticamente modificados deverão satisfazer os mesmos


requisitos para a concessão da patente de invenção que são: a novidade, a atividade
inventiva através de biotecnologia (cujo processo de inserção de genes que também pode
ser patenteado como invenção ou modelo de utilidade), a aplicação industrial (agronegócio)
e o desimpedimento.

Uma vez concedida a patente do transgênico, esta garantirá a exclusividade de exploração


pelo período de 20 anos contado a partir da data do depósito, lapso temporal que não
poderá ser inferior a 10 contados a partir da concessão da carta patente.

Nessa seara, deve ser ressaltado que em semelhança aos cultivares, a proteção das
patentes de invenção ou modelo de utilidade dos microrganismos geneticamente
modificados ou dos processos de inserção desses genes e proteínas, também sofre limitação
em favor do cumprimento da função social.

Sendo assim, os atos privados desprovidos de propósito comercial, como os de cunho


experimental relacionados a pesquisas partindo de microrganismos geneticamente
modificados ou de processos biotecnológicos protegidos por patente seriam permitidos, mas
o resultado destas pesquisas não poderia ser comerciado sem autorização e pagamento de
royalties ao detentor da tecnologia originária – o que, novamente, torna não atrativo o
investimento vultoso de capital e trabalho por sementeiras menores nas principais culturas
exploradas por sementeiras transnacionais.

Segundo dados do próprio INPI, as patentes de transgênicos são absolutamente


concentradas no Brasil, sendo que todas as “cinco maiores depositárias e detentoras de
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patentes relacionadas a biotecnologia vegetal são transnacionais sementeiras”.

Logo, se em relação aos cultivares havia dúvida quanto à utilização do arcabouço legal como
meio de impedir o acesso de outros concorrentes no mercado, esta dúvida é ainda mais
grave no que tange aos transgênicos (em que a proteção como propriedade industrial é
mais abrangente e longa), pois a maior parte da tecnologia sequer é produzida em solo
brasileiro, mas apenas importada, sendo incapaz de propiciar o salutar desenvolvimento da
biotecnologia aplicada ao agronegócio no Brasil.

Identicamente, o uso abusivo da patente biotecnológica, bem como o abuso do poder


econômico, poderiam ensejar o licenciamento compulsório nos termos do art. 70 da Lei
9.279/1996, entretanto se desconhece a utilização deste instituto como punição à alta
concentração econômica no mercado sementeiro transgênico.

Não obstante, certo é que o problema não reside meramente na forma da utilização da lei
de patentes pelas grandes sementeiras, reside também, em grande parte no elevado custo
do desenvolvimento de pesquisas na área de biotecnologia, aliada à falta duma política de
incentivo governamental na área de biotecnologia voltada ao agronegócio.

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Ventilada esta questão, cumpre observar que em razão da necessidade de segurança


alimentar e sanitária, para a comercialização de cultivar transgênica (ou seja, com inserção
de microrganismos geneticamente modificados no Brasil), é necessária a sua aprovação pela
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Comissão Nacional de Tecnologia de Biossegurança (CTNBio), tendo sido inseridos no país
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até o momento apenas transgênicos nas culturas de milho, soja e algodão.

Entretanto, o tema quanto à segurança alimentar de produtos geneticamente modificados


está longe de ser pacífica. Recentemente, a França proibiu o cultivo de milho transgênico no
país, enquanto na China e Sri Lanka foram apontadas evidências de danos e milhares de
mortes associadas ao cultivo e alimentação com transgênicos:

“Do outro lado do mundo, artigo publicado pela Academia Militar de Ciências da China está
causando alvoroço ao dizer que há evidências de danos à saúde de 1,3 bilhão de chineses
pela soja importada – e isso pode levar ao banimento total das compras do produto no
exterior (disponível em: [www.realfarmacy.com/chinese-ministry-newspaper]),
‘principalmente nos Estados Unidos e no Brasil’. Não por acaso, o país rejeitou há pouco
(AS-PTA, 28/3) nada menos do que 887 mil toneladas de sementes transgênicas de uma
variedade de milho. E também lá o governo central divulga estudo segundo o qual um
quinto das terras agrícolas no país está contaminado – e em processo de degradação – por
metais tóxicos que podem provir de produtos químicos e outros insumos usados.

No Sri Lanka foi proibido o uso de glifosato em culturas transgênicas, por estar ‘relacionado
com milhares de mortes de trabalhadores rurais’. A Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO) divulga (14/3) que encontrou resíduos de transgênicos
em 198 casos, principalmente com arroz, milho e mamão. (…)

É possível que a questão volte a incendiar-se por aqui. Uma liminar do Supremo Tribunal
Federal (STF) obtida pela Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação impede que
entre em vigor – até o julgamento final pelo STF – decisão do Tribunal Regional Federal da
1.ª Região, de agosto de 2012, que exige a rotulagem de transgênicos, seja qual for o
porcentual no produto. No Distrito Federal, o Ministério Público pede à Justiça que suspenda
o uso de glifosato e de 2,4D e de seus princípios ativos (AS-PTA, 28/3).

(…) Embora na área científica pululem controvérsias sobre o tema das culturas
geneticamente modificadas, na prática rural estas têm seguido até aqui de vento em popa,
com os argumentos de rentabilidade maior, perdas menores e mercado externo em
expansão. Internamente, além do questionamento sobre o direito do consumidor de saber o
que está comprando – com a rotulagem obrigatória, defendida pelo Ministério Público e
pelos órgãos de defesa do consumidor –, avolumam-se as críticas à Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio), que ainda não leva em conta tratados internacionais
assinados pelo Brasil que pedem a observância ao princípio da precaução. Da mesma forma,
despreza ela as posições dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente e de seus
representantes na comissão, que pedem estudos prévios de impacto em cada caso – seja
para proteger os biomas envolvidos na questão, seja por causa da proteção ao consumidor”
(NOVAES, 2014).

Sendo assim, a área de transgênicos é altamente efervescente e controversa quanto à


segurança alimentar e, caso efetivamente se comprovem danos às saúde de milhões de
pessoas, poderá ensejar custos de transação vultosos que impactarão fortemente o
agronegócio (multinacionais sementeiras, agropecuaristas e agroindústria) e podem vir a se
configurar como valores imensuráveis.

Por outro enfoque, ainda que a questão da segurança alimentar não termine nos tribunais, a
eventual decisão por parte da China em não mais comprar soja e milho transgênicos
acarretaria imensos prejuízos ao agronegócio brasileiro, haja vista serem um dos maiores
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importadores dessas commodities.

6. Considerações finais

Não obstante, enquanto essas celeumas não são resolvidas, no que concerne à proteção da
propriedade intelectual específica da agropecuária no Brasil, esta pode se dar de duas
formas, a depender das características do objeto e da atividade criativa: o registro de
cultivares ou a patente de invenção ou de modelo de utilidade.

Assim, quando o objeto da proteção for o material propagativo e multiplicador de plantas


(sementes) e a criação (por meio de nova variedade, hibridismo ou enxertia) atender os
requisitos da novidade, distinguibilidade, homogeneidade, estabilidade e denominação
própria, terá direito à proteção pela Lei 9.456/1997 (Lei de Proteção de Cultivares),
devendo a cultivar ser registrada no SNPC, que garantirá ao seu obtentor a possibilidade de
impedir que terceiros não autorizados utilizem o material propagativo com finalidade
comercial, bem como as plantas e produtos originados de material propagativo ilícito (ou
seja, não autorizado pelo obtentor). Sendo certo que o direito à exploração exclusiva do
obtentor alcança inclusive as cultivares produzidas por terceiros, que sejam derivadas de
sua cultivar.

A seu turno, quando o objeto da proteção for um microrganismo geneticamente modificado


ou o processo biotecnológico de inserção de genes e proteínas em células de plantas e a
criação (por meio da engenharia genética) atender os requisitos de novidade, atividade
inventiva, desimpedimento e aplicação no agronegócio, terá direito à proteção pela Lei
9.279/96, devendo a patente de invenção ou de modelo de utilidade ser requerida ao INPI.
Uma vez concedida, a patente garantirá ao seu detentor a possibilidade de impedir que
terceiros não autorizados comercializem o produto patenteado, o processo patenteado ou os
produtos de criação de terceiros obtidos diretamente pelo processo patenteado.

Sendo assim, como se manifesta Silveira (2014, p. 86), nota-se que o Brasil, adequando-se
ao Trips, adotou uma forma de proteção sui generis da propriedade intelectual, concedendo
formas distintas de proteção às variedades vegetais, a depender do objeto de proteção
(sementes versus microrganismos e processos de biotecnologia) e da atividade criativa
(cruzamento, hibridismo ou enxertia versus transgenia).

Entretanto, em que pese a adequação das atuais leis à proteção da propriedade intelectual,
vislumbra-se que sua utilização pode estar se afastando de seu fim social que é o
desenvolvimento econômico e tecnológico no agronegócio, haja vista a grande concentração
econômica e tecnológica em poucas sementeiras transnacionais, que retardam ou mesmo
impedem a disseminação do desenvolvimento e conhecimento tecnológico no meio. Tal
corruptela se deve à omissão do Estado na fiscalização e coibição da concentração
econômica no agronegócio e da inexistente imposição de limites à propriedade intelectual
(como a licença compulsória) nestes casos.

Portanto, também aqui, em seara de propriedade intelectual no agronegócio, a mera


existência de comando normativo adequado ao cumprimento da função social não basta
para alcançá-la, há que se exigir do Estado uma posição mais atuante na fiscalização das
forças privadas na economia. Sendo salutar também, o maior incremento de incentivos à
produção de pesquisa na área de cultivares e transgênicos, favorecendo a criação de
parcerias entre pequenas sementeiras e centros públicos de pesquisa e universidades, tudo
a fim de aproximar-se de uma maior efetividade na produtividade de alimentos para as
populações presentes e futuras.

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Atuais desafios no desenvolvimento do agronegócio

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1 Anteriormente, até a Idade Média, a única forma de proteção do privilégio da invenção era
o segredo. Assim, as descobertas de fórmulas e inventos eram conservadas dentro do clã
familiar, que diuturnamente utilizava a transmissão oral de modo a assegurar o segredo
dentro da rígida disciplina familiar (ABAPI, 1998, p. 12), que também se repetiu na rígida
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Atuais desafios no desenvolvimento do agronegócio

hierarquia das corporações de ofício a partir do século XII, como forma de controle das
técnicas de produção.

2 Segundo Sherwood (1992, p. 26), com o surgimento da burguesia comercial, afloraram os


primeiros debates para assegurar o privilégio da exploração da invenção, tendo sido criada
em 19.03.1474, em Veneza, a primeira lei de patentes que se tem notícia, que visava
proteger os artesãos vidreiros da ilha de Murano. Mas foi a partir da Revolução Industrial
(século XVIII), especialmente com a indústria de fios e tecidos que houve verdadeiramente
a disseminação das leis de patentes por toda a Europa, tornando as invenções parte
integrante da universalidade do estabelecimento, como bem fundamental à sistemática
produtiva e comercial.

3 Em meio à crise de 1929.

4 A Upov – União Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais – é uma organização
internacional, que funciona junto à Organização Mundial da Propriedade Intelectual – Ompi,
com sede em Genebra, na Suíça, e que, através de uma convenção internacional, disciplina
a atuação da proteção de cultivares em cerca de 55 países.
O Brasil aderiu à Convenção desse organismo em abril de 1999, em sua versão modificada
de 1978, mais conhecida como a Ata de 1978 da Upov. Como consequência da adesão à
Upov, estabeleceu-se a reciprocidade automática do Brasil com os demais países-membros.
A partir desse fato, todos os países que fazem parte da Upov obrigam-se a proteger
cultivares brasileiras e, em contrapartida, o Brasil também se obriga a proteger cultivares
procedentes desses países, facilitando o intercâmbio de novos materiais gerados pela
pesquisa brasileira e estrangeira.

5 Estava lançada a semente para o desenvolvimento da pesquisa e da proteção intelectual


da moderna biotecnologia no mundo que abriu três novos campos: a biotecnologia ligada à
produção de medicamentos, a biotecnologia ligada à química fina e a biotecnologia aplicada
ao agronegócio.

6 A Monsanto EUA lidera as pesquisas com sementes de milho e soja que necessitam de
menos água e fertilizantes além de causarem menos impacto ambiental, geram o
barateamento do custo da produção.

7 São exemplos: uso de culturas de cobertura (plantas rasteiras), de acolchoados (folhas,


serragem, palha ou filme plástico) e compostagem (adubo feito de restos de material
orgânico vegetal).

8 A Granja Mantiqueira (MG), com 8 milhões de galinhas, produz 5,4 milhões de ovos
diariamente.

9 O Programa Proleite desenvolvido pelo CNA/Senar-SP em parceria com o Sebrae


conseguiu aumentar a produção média de 4 litros para 7 litros diários por animal.

10 A fazenda Nutribras (MT) de criação in door de suínos os mantém isolados com seus
filhotes em estábulos individuais e transforma os excrementos (cada porco de 90kg produz
6kg diários de dejetos) em fertilizante a ser utilizado em plantações de milho que por sua
vez, serão utilizadas na ração dos animais.

11 Ainda que se considerem os Institutos de Pesquisa e as Universidades, o privilégio


temporário da exploração da propriedade intelectual incentiva o desenvolvimento
tecnológico da atividade intelectual e científica, na medida em que o sistema de
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Atuais desafios no desenvolvimento do agronegócio

rendimentos (royalties) permite o custeamento e remuneração de sua atividade-fim.

12 Se o seu titular a explorar de forma abusiva praticando infração contra a ordem


econômica (atos que visem a eliminação de concorrência, o domínio de mercado ou o
aumento arbitrário de lucros, em conformidade com a Lei 12.529/2011, Lei Antitruste).
Ademais, também será concedida licença compulsória caso o seu titular, no período de três
anos, não explore o objeto da patente ou o faça de forma insuficiente para atender as
necessidades do mercado.

13 A caducidade importa na perda definitiva da patente caso o seu detentor original não
inicie a exploração da mesma no prazo de dois anos após a concessão da primeira patente
compulsória, caso o decurso do mesmo prazo não tenha sido suficiente para cessar o abuso
do poder econômico.

14 Nesse sentido cumpre transcrever as lições de Sherwood (1992, p. 21-22): “O termo


‘propriedade intelectual’ contém tanto o conceito de criatividade privada como o de proteção
pública para os resultados daquela criatividade. Em outras palavras, a invenção e a
expressão criativa, mais a proteção, são iguais à ‘propriedade intelectual’.” Em sentido um
pouco mais amplo, Silveira (2014, p. 77-84 passim) pondera: “(…) os direitos sobre certos
bens incorpóreos ou imateriais [criações e sinais distintivos] constituem direitos reais e são
objeto de um ramo do direito chamado de propriedade intelectual. (…) não podemos
encarar a propriedade intelectual exclusivamente sob o ângulo dos direitos reais sobre bens
imateriais. Por outro lado, tais bens imateriais são objeto de negócios jurídicos de alienação
ou licença de exploração, matéria dos direitos obrigacionais. (…) também se incluem as
obrigações decorrentes de atos ilícitos de violação de segredo industrial ou outros de
concorrência desleal. Dessa forma, a propriedade intelectual se acha presente nas três
categorias dos direitos subjetivos: os direitos reais, os direitos de personalidade e os
direitos obrigacionais.” No mesmo sentido se manifesta Cerqueira (1982, p. 103), para
quem a propriedade intelectual possui natureza jurídica pessoal-patrimonial, no qual
coexistem os direitos morais do criador e direitos reais.

15 Segundo a inteligência conjunta dos arts. 8.º, 11, 13 e 15 da Lei 9.279/1996, invenção é
toda criação original da inteligência (não podendo ser mero desdobramento evidente do
estado da técnica), que apresente novidade total e tenha aplicação industrial. O direito de
exclusividade de sua exploração é garantido pelo período de 20 anos contado a partir da
data do depósito, lapso temporal que não poderá ser inferior a 10, contado a partir da
concessão da carta patente.

16 Por sua vez, o modelo de utilidade (LPI art. 9.º) é toda melhora introduzida na forma de
objetos já conhecidos para que se aprimore a sua utilidade, constituindo-se de novidade
parcial agregada a um objeto preexistente. O direito de exclusividade de exploração do
modelo de utilidade vigora pelo período de 15 anos contado a partir da data do depósito, ou
sete anos contado a partir da concessão da carta patente.

17 O desenho industrial, nos termos dos arts. 95 a 98 da LPI, é a forma plástica ornamental
(estética de linhas e cores) que gerem um resultado novo e original em objeto de fabricação
industrial e poderá ser registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que
vigorará por 10 anos contados a partir do depósito, prorrogável por três períodos sucessivos
de cinco anos cada, num total de 25 anos.

18 O software consiste nos sinais de comando de um programa de computador


(código-fonte), sendo tutelado por lei especial, Lei 9.609/1998, que remete a sua proteção
ao direito autoral (Lei 9.610/1998) com algumas ressalvas. Assim, sua proteção
independeria de registro e vigoraria por 50 anos a partir de sua publicação. Não obstante,
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Atuais desafios no desenvolvimento do agronegócio

seu registro no INPI se mostra interessante para fixar os dados do programa em


determinada data e sua titularidade.

19 A marca é o sinal distintivo (original), suscetível de percepção visual, que identifica,


direta ou indiretamente, os produtos ou serviços, nos termos do art. 122 do Código de
Propriedade Industrial, devendo ser registrada no INPI para receber a proteção contra a sua
utilização por terceiros. Cumpre notar que existem três tipos de marca: marca de produto
ou serviço, a marca de certificação e marca coletiva.

20 O nome empresarial, por sua vez, identifica o empresário individual e a sociedade


empresária, podendo ser constituído por firma ou denominação e ser registrado na Junta
Comercial.

21 Material propagativo é “toda e qualquer parte da planta ou estrutura vegetal utilizada na


sua reprodução e multiplicação”, ou seja, nos termo do art. 8.º da Lei de Cultivares: a
semente e a enxertia.

22 O SNPC, criado pela Lei 9.456/1997 e regulamentado pelo Dec. 2.366/1997, está ligado
ao Departamento de Propriedade Intelectual e Tecnologia da Agropecuária – Depta – da
Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo – SDC – e tem como área de
suporte o Laboratório de Análise, Diferenciação e Caracterização de Cultivares – Ladic.
Ademais, como órgão colegiado de assessoramento ao SNPC, foi criada pelo Dec.
2.366/1997 a Comissão Nacional de Proteção de Cultivares – CNPC, que é presidida pelo
Chefe do SNPC e integrada por representantes dos seguintes órgãos/entidades: Secretaria
de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Ministério
das Relações Exteriores; Ministério da Indústria, Comércio e Turismo; Ministério da Ciência
e Tecnologia; Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal;
Associação Brasileira dos Obtentores Vegetais – Braspov; Associação Brasileira dos
Produtores de Sementes – Abrasem, Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB;
Confederação Nacional da Agricultura – CNA; Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura – Contag; e Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – Confea.

23 Porta-enxerto (cavalo) é a planta base sobre a qual será inserido o enxerto (copa), tendo
como funções básicas o suporte, o fornecimento de água e nutrientes a adaptação da planta
enxertada (normalmente arbustos florais ou frutíferos) às condições do solo.

24 A exemplo, podem ser citadas as culturas de milho e soja – que conhecidamente são as
culturas que mais representam o agronegócio mundialmente (pois são as mais lucrativas) –,
em que uma única sementeira em todo o mundo é líder isolada nas pesquisas destes
cultivares (especialmente na área de transgênicos, que se verá adiante). Esta liderança
isolada em área tão lucrativa certamente não decorre do desinteresse de outros
empresários do agronegócio, mas da elevada concentração econômica nesta área de
pesquisa que impede o desenvolvimento de outros concorrentes, seja pelo poder econômico
(com a aquisição das concorrentes menores), seja pela dificuldade do registro de novas
cultivares e suas derivadas, na medida em que tal sementeira possui elevado número de
registro de cultivares e patentes de transgênicos nas culturas de milho e soja – que torna a
entrada de novas empresas muito difícil nestes mercados.

25 Sobre os limites da proteção aos cultivares, ver: BRUCH, 2013, p. 41.

26 No mesmo sentido: STÉFANO, 2013, p. 83-84.

27 “Os híbridos interessam ao mercado sementeiro porque somente a sua primeira geração
é adequada ao plantio. Os descendentes de primeira geração perdem as características
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Atuais desafios no desenvolvimento do agronegócio

(descritores) das originais, obrigando que os produtores agrícolas comprem sementes


novas” (STÉFANO, 2013, p. 140).

28 Como limite à propriedade intelectual de cultivar mais extremo ainda, seria o previsto no
art. 36 da LPC, pelo qual determinada cultivar poderia ser declarada de uso público restrito
pelo governo. Certo é que pela excepcionalidade da medida, tal inexiste no cenário
brasileiro até a atualidade.

29 “A biotecnologia pode ser conceituada como a aplicação de recursos, meios ou


instrumentos que utilizem, modifiquem ou otimizem organismos vivos (ou parte deles) para
produzir ou desenvolver micro-organismos destinados a usos específicos nas áreas de
saúde, agropecuária e meio ambiente” (STÉFANO, 2013, p. 1).

30 “Organismos geneticamente modificados são definidos como toda entidade biológica cujo
material genético (ADN/ARN) foi alterado por meio de qualquer técnica de engenharia
genética, de uma maneira que não ocorreria naturalmente. A tecnologia permite que genes
individuais selecionados sejam transferidos de um organismo para outro, inclusive entre
espécies não relacionadas. Estes métodos são usados para criar plantas geneticamente
modificadas para o cultivo de matérias-primas e alimentos. Essas culturas são direcionadas
para maior nível de proteção das plantações por meio da introdução de códigos genéticos
resistentes a doenças causadas por insetos ou vírus, ou por um aumento da tolerância aos
herbicidas. Nesta categoria, não se inclui culturas resultantes de técnicas que impliquem a
introdução direta, em um organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a
utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante, inclusive fecundação in vitro,
conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo
natural” (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2015).

31 STÉFANO, 2013, p. 170.

32 Criada pela Lei 11.105/2005.

33 Culturas de isolada pesquisa e exploração de transgênicos detidas por apenas duas


sementeiras transnacionais.

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