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O Negro no Rio Grande do Sul

Ao contrário do que se pensava os afros-descendentes também


contribuíram para a formação histórica, social e econômica do Rio Grande
do Sul. A participação dos negros na formação histórica gaúcha não
mereceu ainda as atenções devidas da historiografia, que por muitos anos
negou a presença destes em território gaúcho, alegando ter a província do
Rio Grande do Sul uma formação histórica diferenciada do restante do
Brasil.

A presença de afro-brasileiros no extremo sul do país é anterior à


fundação oficial do Rio Grande do Sul lusitano, ocorrida no século XVIII.
Diferente de outras etnias, os negros tiveram sua presença no território
gaúcho pela coerção, ou seja, foram trazidos à força como escravos para
trabalharem na província gaúcha assim como já o faziam no restante do
território brasileiro.

A participação dos negros no Rio Grande do Sul pode ser comprovada


através dos vários censos realizados no século passado. O censo de 1814
nos apresenta uma população significativa de afro-brasileiros, em torno
de 36,7%, contra 45,6% de brancos. Os dados demonstram também ser
Pelotas a cidade gaúcha com maior concentração populacional de afro-
brasileiros, onde estes ultrapassam os 60% da população contra 29,4% de
brancos. O caso de Pelotas ter a maior concentração de escravos se
justifica devido ao fato de ser a mesma o grande centro econômico
gaúcho do século XIX, o que se deu pela enorme concentração das
charqueadas na região. As charqueadas foram a principal atividade
econômica gaúcha no século passado. Responsáveis por mais de 85% das
exportações gaúchas, como também pela maior concentração de escravos
em estabelecimentos produtivos no Rio Grande do Sul, tivemos
estabelecimentos charqueadores com mais de cem escravos, o que
demonstra a importância da escravidão negra para a economia gaúcha.

Não foi somente na economia que os negros se destacaram no Rio Grande


do Sul. Eles também tiveram participação efetiva nos confrontos bélicos
gaúchos, onde se destacaram principalmente na Revolução Farroupilha. A
participação dos afros-descendentes deu-se através dos escravos que, em
troca de sua carta de alforria, iam para a frente de batalha lutar por uma
causa que não era sua, mas sim dos grandes latifundiários gaúchos
descontentes com o governo central. Os negros "farroupilhas" foram
chamados de lanceiros negros e participaram do movimento até o
extermínio deles próprios, extermínio este fruto de uma traição
farroupilha: os lanceiros tornam-se um empecílho para o acordo de paz
entre farroupilhas e imperiais, pois os imperiais não aceitavam que fossem
dadas as alforrias prometidas aos escravos, como fora prometido pelos
rebeldes. Sendo assim, era necessário, achar uma solução para os
lanceiros que não fossem a sua liberdade prometida. A solução
encontrada foi a seguinte:

"Em tratativas firmadas entre Duque de Caxias e David Canabarro, ficou


traçada a sorte dos lanceiros: Caxias ordenou que o coronel Francisco
Pedro de Abreu atacasse o acampamento farroupilha no dia 14/11/1844,
e que o mesmo não temesse o resultado do confronto, pois a infantaria
farroupilha, composta por escravos, estaria desarmada, por ordem de
Canabarro, conforme o "acordo secreto" entre ambos. Desta forma, com
o auxílio de Canabarro, a infantaria negra foi covardemente massacrada".
Este fato dá a dimensão do tratamento dispensado aos negros do Rio
Grande do Sul.

Os escravos gaúchos reagiram às brutalidades senhoriais através de fugas,


assassinatos, revoltas, insurreições, etc. Se no Rio Grande do Sul nenhum
quilombo alcançou a dimensão do quilombo dos Palmares, não significa
que estes não tenham sido importantes também aqui. Haja visto o
quilombo de Manoel Padeiro, que talvez tenha sido o mais importante
quilombo gaúcho. O quilombo do Padeiro apresentava uma estrutura
militar e uma rígida hierarquia e, devido a suas ações guerrilheiras,
causava grande pânico na população local, assim como preocupação nas
autoridades constituídas que, com razão, temia, ataques dos quilombos.

Assim sendo, as fugas, as revoltas e os quilombos permaneceram na


província gaúcha até 1888 quando da promulgação da Lei Áurea, lei esta
que assinalou o termino da escravidão legal, mas não o fim das lutas do
negro.

O Babalorixá Príncipe Custódio

Um homem poderoso, influente, um líder espiritual e conselheiro de


políticos gaúchos como Julio de Castilhos e Borges de Medeiros. De Benin,
na África até Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, o príncipe negro
traçou uma história cheia de mistérios.
A invasão inglesa em 1897 força um grande número de nobres africanos a
saírem de Benin e procurar refúgio em outras regiões da África. São João
Batista de Ajudá, um porto não muito distante do reino de Benin, foi o
local escolhido pelo príncipe negro para permanecer durante aqueles
tempos conturbados; lá ele morou durante dois meses, acompanhado por
oficiais ingleses e por parte do seu conselho de chefes, dali embarcado
para o Brasil.

Custódio Joaquim de Almeida, nome adotado no porto de Ajudá. Seu


nome tribal era Osuanlele Okizi Erupê, filho de Oba Ovonramwen (oba
quer dizer Rei em Yorubá), foi um fervoroso opositor britânico. Existem
muitas histórias em relação à saída do príncipe de Benin, todas porém
estão associadas à invasão britânica. Osuanlele teria feito um acordo para
deixar o país e viver no estrangeiro, onde receberia mensalmente uma
pensão do governo inglês.

Em 2 de setembro de 1898, o príncipe Custódio, pisa em solo brasileiro, na


Bahia, onde permanece por um tempo e vai para o Rio de Janeiro, ficando
aproximadamente dois meses.

Através de consultas ao jogo de búzios, Custódio é orientado pelos Orixás


a seguir para o sul do Brasil, chagando a cidade portuária de Rio Grande
em 1899, e por prováveis perseguições que tinham sido enviadas de seus
inimigos na África ele vai para a cidade de Pelotas, no ano de 1900, onde
conheceu o político Julio de Castilhos, que o procurou como último
recurso para remediar um câncer que tomava conta de sua garganta.
Seguindo orientação dos Orixás, o príncipe chega em Bagé, e acaba
fortalecendo toda questão da religião africana, que já existira no sul com
muitas ressalvas.

Homem com poder de mobilização dentro da comunidade, uma pessoa


que conseguia muitas coisas, e sua fama de curandeiro já percorria todo
país, e foi em busca de cura que Julio de Castilhos convidou o príncipe
para vir morar em Porto Alegre.

Com a aprovação dos Orixás, Custódio Joaquim de Almeida chega em


Porto Alegre para nunca mais sair. Residia com sua corte na rua Lopo
Gonçalves, 498 onde recebia várias personalidades, tanto do Rio de
Janeiro, da África que o procuravam, como os políticos locais.
A presença de Custódio em Porto Alegre e o seu relacionamento com
grandes políticos contribuiu muito para que não houvesse perseguições às
casa de religião, o que se torna bem marcante após sua morte.

Preocupada com as lutas entre chimangos e maragatos dona Carlinda,


esposa de Borges de Medeiros, foi procurar o príncipe negro em busca de
proteção para o marido. O poder da religião africana praticada por
Custódio encantava a alta sociedade da época e trazia a sua casa gente
simples e visitas ilustres; ele já mais fechava as portas a qualquer pessoa,
os necessitados o procuravam com os mais diversos fins; as mulheres ele
encaminhava para fazer trabalhos domésticos, e os enfermos ficavam até
serem curados das doenças e debilidades.

Sempre bem vestido, desfilava pela cidade em uma carruagem, puxado


por uma parelha de cavalos brancos e pretos; era proprietário de um
haras, onde cuidava de seus cavalos e de vários outros políticos
importantes; quando chagava a época de treinar os cavalos, ele montava
as carretas e a família toda ia junta para os cavalos ser treinado no mar,
marcharem no mar; levavam uma semana para chegar e era uma festa.

O mercado público de Porto Alegre era muito movimentado, e para


resguardo, príncipe Custódio fez o assentamento de um Bará, que é o
guardião das casas, cidades e das pessoas; na África também é comum o
assentamento do Bará nos mercados.

No Rio Grande do Sul existe um número expressivo de casas de religião


africana, mais de 70.000 (setenta mil casas), é quase como um quilombo,
desenvolvendo uma ação social também.

Mais de um século após a chegada do príncipe negro em Porto Alegre,


aqueles que praticam a religião africana, após um ritual religioso,seguem
em direção ao mercado público, para cumprimentar, agradecer e
homenagear o Bará que lá foi assentado por Custódio Joaquim de
Almeida.

Não se sabe como Custódio escolheu o nome pelo qual se identificou aqui
no Brasil, mas é curioso o fato de que o sobrenome escolhido teria
semelhança com um ex-escravo chamado Manuel Joaquim d'Almeida, um
mahi da família Azima, nascido na aldeia de Hoko, e cujo nome, antes do
batismo, era Gbego Sokpa. Após muitos anos na Bahia, Joaquim, ainda
escravo ou já liberto, fez, entre 1835 e 1845, várias viagens à costa, a
serviço de seu dono ou ex-dono e também por conta própria, até que
decidiu instalar-se de vez na África, em Ágüe, onde fundou o bairro
Zokikomé. Joaquim era católico convicto, ainda que católico à baiana,
ganhou um bom dinheiro no comércio negreiro; era proprietário de uma
casa em Salvador, tinha nove escravos a seu serviço; era credor de
mercadores de escravos em Pernambuco e Havana, Joaquim d'Almeida
tornou-se o maior mercador de escravos em Ágüe, e o líder local da
comunidade brasileira. Uma parte de seu êxito deve-se ao fato de ter sido
feito pelo rei Glidji o chefe da alfândega nas praias entre Aguê e Popô
pequeno, coletando, portanto, as taxas devidas pelos navios que ali
comerciavam, o que lhe dava enorme vantagem sobre seus competidores,
mesmo assim não deixara de ter contato com o Brasil, principalmente com
a Bahia. Joaquim d'Almeida, apesar de ser católico devoto, era também
polígamo; dele identificaram-se 82 filhos. Vê-se aí uma descendência
grandiosa herdando o sobrenome d'Almeida, que pode ou não ter
influenciado o príncipe Osuanlele em Ajudá, quando escolheu o nome de
Custódio Joaquim de Almeida.

Ajudá era o nome do reino, na realidade Huedá (ou Xweda) com capital
em Savi, mas a palavra acabou por se aplicar à cidade onde os
portugueses construíram a fortaleza de São João Batista.

O príncipe Custódio morreu em maio de 1935, aos 104 anos, na casa em


que sempre morou na rua Lopo Gonçalves em Porto Alegre, e traçou uma
trajetória cheia religiosidade e mistério que faz parte da história do Rio
Grande do Sul.

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