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Vanoye Francis Goliot Lete Anne Ensaio Sobre A Analise Filmica
Vanoye Francis Goliot Lete Anne Ensaio Sobre A Analise Filmica
O s obstáculos à análise
Duas observações:
1. Como se deve ter compreendido, a desconstruqãoequivale à
descrisão. Já a reconstrução corresponde ao que se chama
com frequência a "interpretação". Muitas vezes, tem-se o
hábito de considerar a interpretação como extrapolação com
relação ao filme. Ora, caso seja concebida, ao contrário, como
um movimento centrípeto em direção ao filme, qualquer
perigo de cair na interpretaçáo selvagem é afastado.
Com frequência, lemos análises que não distinguem explicita-
mente as fases de desconstruçáo e de reconstruçáo, que as
imbricam uma na outra, ou então, náo param de alterná-las.
Nem é preciso dizer que o texto, resultado final da atividade
analítica, não tem de explicar linearmente, cronologicamente,
os processos de sua produção. Mais ainda, inclusa no trabalho
de preparação que precede a redação, não existe uma sucessão
escolar de uma fase de descriçáo e de uma.fase de reconstrução,
mas antes uma alternância anárquica de ambas: apela-se a uma
quando a outra se esgotou e inversamente, num movimento de
balanço incessante.
As fraquezas encontradas em certas análises de estudantes (ou
de outros...) podem ser variadas:
a pessoa acredita estar interpretando, reconstruindo,
quando se contenta em descrever;
a pessoa tenta, ao contrário, interpretar antes mesmo de
ter descrito: faz uma paráfrase.
Esses dois tipos de problema são o resultado de um desequilíírio
entre as duas tarefas obrigatórias da análise.
Observamos outra fraqueza: sair definitivamente do filme para
se entregar a uma fabulação pessoal. Ou se tem um talento demasiado
grande de criador e, nesse caso, talvez fosse melhor fazer cinema do que
análise de filmes, ou, também, o analista se compromete com uma
hipótese falsa e tenta de qualquer modo defendê-la até o fim. O trata-
mento aconselhado: em primeiro lugar, desenvolver seu sentido de
autoaítica e, por outro lado, permanecer flexível intelectualmente o
suficiente para conseguir a todo instante enfrentar u m imprevisto e
aceitar a mudança de rumo.
Ao contrário, finalmente, e esse caso talvez seja o mais comum:
quando o analista acredita nada ter a dizer sobre o filme, ou fica
aterrorizadocom a idéia de emitir uma hipótese um tanto pessoal sobre
ele, refugia-se na citação e na síntese de todos os escritos existentes
sobre esse filme. Esse esforço enciclopédico não é de forma alguma
condenável, contanto que não se o confunda com a atividade analítica,
com a qual não tem estritamente qualquer ponto em comum.
Nessa busca documentária, recolhe-se duas espécies de textos:
textos de informação "geral" (textos relativos à filmagem, informações
sobre o diretor e sua carreira, história do cinema...) e eventualmente
análises (o roteiro deve ser considerado à parte, pois também pode
constihir um objeto de análise). Veremos adiante em que medida é
possível explorar os primeiros (tampouco deve-se confundir análise de
filme e conjunto de histórias que cercam o filme).Quanto às análises do
filme já existentes, não é que se deva ignorá-las. Ao contrário, deve-se
utilizá-las,mas, antes de mais nada, é preciso sobretudosaber utilizá-las,
não considerando-as de imediato como um saber obrigatório, prelimi-
nar, à análise, o que seria abandonar seu próprio trabalho de análise. De
fato, é imensamente mais difícil elaborar por conta própria, enquanto
estudante, a análise de um filme quando já se conhece uma do que se
envolver com a mente limpa. No limite, por que não abordar, numa
primeira fase, o filme sem preconceito, sem idéias preconcebidas, efe-
tuar sua pesquisa pessoal com toda a liberdade? Só depois
documentar-se, ler as análises dos outros, já tendo em mente pelo
menos uma (ou algumas) hipótese(s) pessoal(is). Só desse modo é
possível existir confronto, discussão, eventualmente um ajuste e até,
por que não, uma modificação radical do próprio ponto de vista. E, é
claro, se alguém se permitiu encontrar antes de mim uma idéia genial
sobre o filme que estou analisando, tem prioridade, devo citá-lo e
inclinar-me e não repetir e apropriar-me da idéia em questão (que,
contudo, também me pertence...).
Aparentemente, a natureza da relação do analista com "seu"
filme determina em parte a riqueza da própria análise, e a pobreza de
algumas análises provém, às vezes, das dificuldades que o analista tem
de entrar numa relação correta com seu objeto.
Conhecemos o poder hipnótico da imagem, quer esteja impressa na
tela da sala escura, quer seja televisual. Sabemoscom que facilidadesomos
capazes de abolir a distância entre nós e a tela para entrar e até engolfar-
mo-nos no mundo ficcional do filme. A analogia, muito relativa, mas nem
por isso menos poderosa, entre a imagem fílmica e o mundo reforça essa
proximidade que não facilita a reflexão "científica" e a produção de um
discurso sobre o filme. A obra de Jacques Aurnont, A imagem, e, em
particular, os capítulos I e II são uma síntese notável sobre a percepção,
seus componentes fisiológicos e psicológicos. Precisemos, contudo, a po-
sição do "espectador-analista",que se tem o costume, com razão, de opor
ao espectador "normal". De fato, se é, também ele, um "espectador dese-
janteu5,seu desejo (consciente) é, antes de mais nada, "compreender" o
filme ou o fragmento escolhido a fim de estar em condições de elaborar
um discurso a esse respeito. Analista e espectador ''normal" não recebe-
riam portanto o filme da mesma maneira, pois o primeiro busca
precisamente distinguir-se de forma radical do segundo, não se deixar
dominar como o último pelo filme.
Apresentaçáo da obra
Quadro 1
OS COMPONENTES DO PLANO
Definição
Porção do filme impressionada pela câmera entre o início e o final de uma
tomada; num filme acabado, o plano é limitado pelas colagens que o ligam ao
plano anterior e ao seguinte.
Componentes do plano
1. A duração (do "instantâneo fotográfico" ao plano que esgota a capacidade
total de carga do filme na câmera).
2. Ângulo de filmagem (tomada frontal/tomada lateral, plongtelcontre-
plongée etc.).
3. Fixo ou em movimento (câmera fixa/câmera em movimento: tl.auelling,
panorâmica, movimento com a grua, câmera na mão etc; objetiva fixalzoom:
movimento ótico).
O plano-sequência, fixo ou em movimento, realiza a conjunção de um único
plano e de uma unidade narrativa (de lugar ou de ação).
4. Escala (lugar da câmera com relação ao objeto filmado): plano geral ou de
grande conjunto; plano de conjunto, plano de meio conjunto; plano médio
(homem em pé); plano americano (acima do joelho); plano próximo (cintura,
busto); primeiríssimo plano (rosto); plano de detalhe (insert, pormenor).
5. Enquadramento: inclui o lugar da câmera, a objetiva escolhida, o ângulo de
tomadas, a organização do espaço e dos objetos filmados no campo.
6. Profundidade de campo: de acordo com a objetiva escolhida, a iluminação,
a disposição dos objetos no campo, o lugar da câmera, a parte de campo
nítida, visível, será mais ou menos importante.
7. Situação do plano na montagem, no conjunto do filme: Onde? Em que
momento? Entre o quê e o quê? etc.
8. Definição da imagem: cor/preto e branco, "grão" da fotografia, iluminacão,
composiçáo plástica etc.
Quadro 2
SEQUÊNCIASE PERFIS SEQUENCIAIS
1. Sequência
Definição: conjunto de planos que constituem uma unidade narrativa defini-
da d e acordo com a unidade d e lugar ou d e ação. O plano-sequência
corresponde à realização de uma sequência num único plano.
Alguns grandes tipos de sequências:
- Parâmetros fílmicos (segundo Christian ~ e t z ~ )
a cena ou sequência em tempo real: a duração da projegão iguala a
duração ficcional;
a sequência "comum":comporta elipses temporais mais ou menos impor-
tantes; sucessão cronológica;
a sequência alternada: mostra alternadamente duas (ou mais do que
duas) açóes simultâneas;
a sequência "em paralelo": mostra alternadamente duas (ou mais do
que duas) ordens de coisas (açóes, objetos, paisagens, atividades etc.),
sem elo cronológico marcado, para estabelecer, por exemplo, uma
comparação;
a sequência "por episódios": uma evolução que cobre um período de
tempo importante é mostrada em alguns planos característicos separa-
dos por elipses;
a sequência "em colchetes": montagem de muitos planos que mostram
uma mesma ordem de acontecimento (a guerra, por exemplo).
6. Christian Metz, Essais sul. la sigtzification ai1 cinéma, tomo 1, Klicksieck, 1968.
- Parârnetros de roteiro: permitem distinguir as sequências:
em externalem interna;
de dia/ de noite;
visuais/ dialogadas;
de ação, de movimento, de tensão/inação, imobilidade, distensão;
íntimas/ coletivas, públicas;
com um personagem/com dois personagens/de grupo; etc.
2. Perfis seqgenciais
Dependem das seguintes variáveis:
número e duração das sequências = permitem opor filmes (ou partes de
filme) muito "decupadas" a outras pouco decupadas (comparar Hitch-
cock e Angelopoulos, por exemplo);
encadeamento das sequências: rápidallenta; corte seco/corte demarca-
do (escurecimentos, encadeamento musical o u sonoro etc.);
cronologicamente marcada/acronológica; logicamente motivada/não
claramente motivada; contínua / descontínua;
ritmo inter e intra-sequencial: rápido/lento; seco/suave, contínuo/des-
contínuo etc.
A enunciação
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da obra, ele mostra como, conscientemente ou não, tem-se uma
tendência quase natural a colocar no que precede o filme e no que lhe
sucede instâncias às quais se atribui mais ou menos explicitamente
uma natureza humana; essas instâncias remetem, de uma maneira
mais ou menos confessa, ao autor e ao espectador. Isso poderia
explicar que se tenha tentado transpor para o domínio fílmico o
dispositivo enunciativo do intercâmbio verbal, fundado no aparelho
dêitico (chama-se dêitico qualquer marca, qualquer indicador que
remete tanto ao locutor quanto à situação de enunciação. Os mais
comuns são os pronomes pessoais, os pronomes e adjetivos posses-
sivos e demonstrativos, os advérbios de tempo e de lugar e os tempos
dos verbos). Numa frase do tipo: "Eu estou lhe devolvendo o dinhei-
ro que tomei emprestado ontem", o presente de "estou devolvendo"
remete ao presente da enunciação, o passado de "tomei emprestado"
e o advérbio de tempo "ontem" remetem a iim passado uelativo ao
presente da enunciação, o pronome "eu" remete ao locutor e o pro-
nome "lhe", ao interlocutor. A partir desse modelo, tentou-se
denominar "eu" a fonte da enunciação fílmica (ou literária) e "você",
seu alvo, considerando desse modo o filme como o lugar de uma
conversa indireta (ou como uma metáfora de conversa) entre a fonte
e o alvo da enunciação.
Ora, diz-nos Christian Metz, não é porque os diálogos filmicos
(ou as partes dialogadas de um romance) empregam a bateria dêitica
que devemos nos autorizar a assimilar a enunciação fílmica (ou
literária)à enunciação da conversa. Num intercâmbio verbal oral, "os
dêiticos fornecem informações sobre a enunciação através da própria
enunciação", enquanto os dêiticos dos diálogos de um filme forne-
cem informações não sobre a enunciação do filme, mas sobre uma
enunciação interna, ela própria enunciada pelo filme (quando um
personagem de filme diz "Eu sempre odiei essa mulher", o "eu" não
remete à fonte de enunciação do filme, é claro). Por outro lado, ao
contrário da conversa, o filme e o romance são "discursos preparados
de antemão e imutáveis". Imaginemos que à frase "Estou devolvendo
a você o dinheiro...", emitida pelo locutor X, o interlocutor Y responda
de uma maneira muito original "Eu lhe agradeço". Nessa resposta
curta, o "eu" não remete mais a X como na primeira frase, mas a Y, e o
"lhe"não mais a Y, mas a X. Na conversa, o "eu"e o "você"são intercam-
biáveis a qualquer momento. O discurso não está congelado, Y pode
intervir no discurso de X e X no de Y. Essa "reversibilidade"do "eu"e do
"você faz parte dos fundamentos da enunciação dêitica no intercâmbio
oral. Nada disso ocorre na enunciaçãofílmica ou literária,nenhum diálogo
verdadeiro possível entre a fonte e o alvo, nenhuma intervenção possível
do "você, nenhuma intercambialidade dos papéis.
Finalmente, Christian Metz aponta a diferença entre romance
e filme: o romance é verbal por inteiro, a matéria do filme é amplamente
extra-linguística. Alguns pesquisadores chegam a recusar a noção de
en~mciaqãoreferindo-se ao filme, sob o pretexto de que esta só pode ser
aplicada à palavra e à escrita e não à produção de imagens. Sem chegar
a privar o filme de enunciação, será necessário em todo caso "conceber
um aparelho enunciativoque não seja essencialmente dêitico (eportan-
to antropomorfo), pessoal (como os pronomes denominados dessa
maneira) e que não imite tão de perto este ou aquele dispositivolingiís-
tico". Para isso, nosso autor propõe em primeiro lugar substituir os
termos "enunciador"e "enunciatário",cujo sufixo duvidoso soa demais
à maneira antropomórfica,por "fonte ou foco da enunciaqão"e "alvo ou
desígnio da enunciação", mais neutros. Em seguida, mostra que, se a
enunciaqão não é principalmente detectável pelos dêiticos, ela o é "por
construções rc.flexivas".É quando "ofilme~zosfaladele mesmo, ou do cinema,
ou da posiçiio do espectador",que desvenda os segredos de seu dispositivo
enunciativo. O enunciado se "desdobra", "curva-se sobre si mesmo" e
fala da situação de sua produção. Metz dá o exemplo dos personagens
de um filme que, olhando por urna janela, lembram a mim, espectador,
que estou no cinema, numa posição próxima, a tela sendo minha
"janela"". Isso constitui uma configuraqãoenunciativa.O filme no filme
(o filme mostra uma projeqão de filme) é igualmente uma figura de
reflexividade muito explícita...Desse modo, Metz analisa em seu livro
as grandes configurações enunciativas.