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Fichamento

LEACH, Edmund Ronald. Sistemas Políticos da Alta Birmânia. São Paulo: Edusp, 2014.

Parte 1 – O Problema e seu Cenário


Capítulo 1 – Introdução
O autor começa deixando claro que para ele o que é original na obra não são os fatos,
mas como ele os interpreta.
Ele apresenta os chans e kachins da seguinte forma:
Num nível grosseiro de generalização, os chans ocupam os vales ribeirinhos
onde cultivam arroz em campos irrigados; são um povo relativamente
sofisticado, com uma cultura algo semelhante à dos birmaneses. Os kachins,
por outro lado, ocupam as colinas onde cultivam arroz usando sobretudo as
técnicas de cultura itinerante através de derrubadas e queimadas. (p.65)
Embora as monografias normalmente ignorem os kachins ao falar dos chans ou vice-
versa, ressalta que ambos são vizinhos em quase toda parte e que estão "bastante associados
nas questões comuns da vida".
A premissa do autor é que, embora uma sociedade possa ser apresentada como estável
em um modelo sociológico, em situações práticas consiste em um conjunto de ideias que
versam sobre a distribuição de poder entre as pessoas ou grupos de pessoas.
Leach quando fala sobre estrutura social diz que em um certo nível de abstração, a
estrutura é simplesmente princípios de organização que unem as partes de um sistema. As
estruturas descritas por antropólogos são modelos mentais criados com construções lógicas.
No entanto, ajustar os modelos ao campo denota certa dificuldade, pois qualquer modelo pode
realizar a tarefa tanto quanto outro.
Destaca dois tipos de mudanças: mudança na estrutura formal e não formal. A não
formal é aquela em que qualquer mudança que ocorra não exerce influência na estrutura,
como a sucessão de um chefe pelo seu filho. A mudança na estrutura formal é aquela em que
modifica a estrutura social de uma sociedade, como um sistema político sendo substituído por
outro.
Para falar de unidades sociais ele se utiliza igualmente de dois tipos diferentes. De
Radcliffe-Brown interpreta a "sociedade como se significasse alguma localidade
conveniente". De Nadel ele aceita que a sociedade é "qualquer unidade política autônoma".
Destaca como sendo essência de sua tese:
(…) o processo pelo qual as pequenas unidades se desenvolvem em unidades
maiores e as grandes unidades se fragmentam em menores não é uma simples
parte do processo de continuidade estrutural; não é apenas um processo de
segmentação e agregação, é um processo que envolve mudança estrutural.
(p.70)
Critica antropólogos que produzem uma etnografia onde a sociedade estudada
aparenta estar em uma espécie de equilíbrio estável, onde "os autores escrevem como se os
trobriandeses, os tikopias, o nuers fossem o que são, agora e para todo o sempre", e não
situam sua pesquisa em um período específico ou espaço.
A posição adotada por Leach é a seguinte:
Quando o antropólogo tenta descrever um sistema social, ele descreve
necessariamente apenas um modelo da realidade social. Esse modelo
representa, com efeito, a hipótese do antropólogo sobre "o modo como o
sistema social opera". As diferentes partes do sistema de modelo formam,
portanto, necessariamente, um todo coerente – é um sistema em equilíbrio. Isso
porém não implica que a relaidade social forma um todo coerente; ao contrário,
a situação real é na maioria dos casos cheia de incongruências; e são
precisamente essas incongruências que nos podem propiciar uma compreensão
ds processos de mudança social. (p.71)
Considera que qualquer indivíduo está inserido em diferentes sistemas sociais. Esses
sistemas tornar-se-ão, para o indivíduo, "alternativas ou incongruências" dentro do sistema de
valores pelo qual organiza sua vida. Assim, "o processo global de mudança estrutural realiza-
se por meio da manipulação dessas alternativas como forma de progresso social".
Mito e ritual são duas faces da mesma moeda para Leach. "O mito,..., é a
contrapartida do ritual; mito implica ritual, ritual implica mito, ambos são uma só e a mesma
coisa" (p.76). O mito é uma afirmação na forma de palavras enquanto o rito também o é,
porém, na forma de ação. Sendo que o mito é "apenas um modo de descrever certos tipos de
comportamento humano"(p.77). "Em suma, portanto, minha opinião aqui é que ação ritual e
crença devem ser entendidas como formas de afirmação simbólica sobre a ordem social"
(p.77). Por fim ele afirma que o ritual é um modelo de símbolos, dentro de um contexto
cultural, e da mesma forma as palavras usadas na interpretação do ritual também é um modelo
de símbolos e que por ser assim teem uma estrutura em comum.

Capítulo 2 - O Plano de Fundo Ecológico da Sociedade Kachin


O capítulo começa fazendo menção direta à ecologia da Birmânia. Assim, Leach vai
descrevendo algumas das caraceterísticas mais importantes da região:
Em essência, a Birmânia compreende a região ocupada pelas baicas do
Irrawaddy e do baixo Salween. A vizinhança imediata desses grandes rios e de
seus principais afluentes é baixa, plana e fértil; longe dos rios o país é
geralmente montanhoso, não raro escarpado. Nas regiões de grande
pluviosidade, a vegetação normal é constituída por uma senda floresta de
monção semitropical; nas zonas mais secas encontramos cerrados, pradarias e
florestas de pinheiros.
Uma distinação importante a fazer aqui é que nos cinturões de chuva uma
densa vegetação secundária substitui rapidamente todas os desmatamentos
abandonados. Nas zonas mais secas, por outro lado, a floresta virgem , uma vez
desmatada, tende a tornar-se uma pradaria ou uma capoeira. (...)
Ao longo dos vales fluviais o cultivo de arroz irrigado é fácil e as vias
carroçáveis são rapidamente construídas, mas nas montanhas que separam os
vales a construção de estradas ou de terraços requer uma técnica mais
elaborada. (p.81-82)
Aproveitando as distinções ecológicas, ou com base nelas, o autor faz ainda uma nova
distinção entre os povos do vale em comparação aos que vivem nas colinas:
De maneira bastante genérica, pode-se dizer que os povos do vale constituem
um campesinato semiletrado. Nun sentido econômico, vivem num nível de
organização consideravelmente "superior" ao dos seus vizinhos das colinas
circunjacentes.(p.84)
Os habitantes das planicies por terem uma produção de arroz excedente, ao passo que
os que vivem nas colinas tem uma produção excassa e que necessita ser complementada, gera
uma economia que será de grande importância para se entender os desenvolvimentos que
ocorrem na região em um prazo amplo.
Uma associação que o autor faz é a de que os habitantes das planícies seriam
correspondentes aos Chan, enquanto os Kachins, que ainda é uma categoria vaga, seriam
aqueles que moram nas colinas.
Leach conclui o capítulo dizendo:
(...) embora os fatores ecológicos tenham um importante influxo sobre os
diferentes modos de subsistência kachin e chan, a história política também
exerceu uma influência considerável. A situação ecológica é um fator limitante,
e não um determinante da ordem social. (p.91)
Capítulo 3 - As Categorias Chan e Kachin e Suas Subdivisões
Chan
O termo Chan é aplicado aos habitantes da Birmânia política e fronteiriça entre a
"Birmânia e Yun-nan que se autodenominam Tais". Como critério importante de identificação
é destacado que todos os chans são budistas, se tornar um chan implica também uma mudança
para o budismo. Outra distinção importante é que todos os chans são ligados à cultura do
arroz irrigado.
O autor é enfático ao dizer que "nunca houve uma população chan domiciliada nas
regiões de montanha"(p.100) e que se por acaso nos depararmos com povos de língua kachin
cultivando arroz pelo método chan é que estes já estão "em via' de se tornarem chans'".(p.101)
Outro fato importante destacado é que a cultura chan apresentada por Leach, não deve
ser considerada como sendo importada de fora, mas que ela é "um desenvolvimento nativo
resultante da interação econômica, durante um longo período, de colônias militares de
pequena escala com uma polução montanhesa nativa"(p.102). Além disso vários outros relatos
colaboram para o entendimento de que os povos conhecidos como chan seriam descendentes
de tribos das colinas que foram assimilidados por "formas mais requintadas de cultura
budista-chan". Por fim, o autor ressalta que, com relação ao grupo de habitantes reconhecidos
como chans:
(...) é que a localização territorial, a relativa complexidade e as principais
características da organização econômica do que chamamos agora de sociedade
chan são determinadas em grande parte pelo meio ambiente.(...) me sinto
autorizado a tratar o sistema social do tipo chan como um ponto relativamente
estável no fluxo total(p.103).
Embora sendo um povo muito espalhado geograficamente, os chans guardam,
espantosamente, uma cultura uniforme, diferenciando-se dos habitantes das colinas que tem
uma grande variabilidade cultural. Assim, Leach finaliza:
Minha tese é que essa uniformidade está correlacionada a uma uniformidade da
organização política chan, que por sua vez é largamente determinada pelo fatos
econômicos específicos da situação chan. Minha suposição histórica é que os
chans dos valoes assimilaram em toda parte, durante séculos, seus vizinhos da
colinas, mas os fatores econômicos imutáveis na situação significaram que o
pafrão de assimilação foi muito semelhante em toda parte. A própria cultura
chan foi relativamente pouco modificada. (p. 103-104)
Kachin
A categoria kachin mostrou-se mais difícil de ser organizada pelo autor, devido as
diferentes possibilidades abertas. Duas são destacadas, a distinção através da lingua e ou
através da cultura. O autor opta por chamar de kachin os povos onde a distinção foi realizada
através da cultura, feita por Hannay, onde os povos das colinas teriam uma grande
similaridade cultural geral entre os diferentes habitantes, mesmo que houvesse uma diferença
linguística.
Em relação à lingua, o autor leva em consideração a opinião de linguistas, no que
tange a um grupo comum ter uma lingua comum e assim serem diferenciados dos outros. Mas
essa teoria é desconstruida quando se leva para o lado da prática na Birmânia. O autor levanta
diferentes linguas que coexistem e assim não representam diretamente um tipo específico de
habitantes. Alude que a predominancia de uma lingua pode se dar por motivos diferentes da
solidariedade social, e que um grupo que fale outra lingua pode mudar sua linguagem com
certa tranquilidade para tirar melhor proveito de sua posição. O que, portanto, tornaria
inviável a diferenciação dos habitantes pela língua empregada.
Ao final do capítulo Leach tenta sistematizar criando um glossário do que foi visto.
Para tanto ele vai utilizando as palavras e o significado que ele atribui a elas no texto, como
segue:
Chans: Agricultores de arroz irrigado que habitam o vale. Budistas. Classes
estratificadas em aristocratas, plebeus e casta inferior.(...)todos os chans flam algum dialeto
tai. Organizados políticamente em Estados, tendo cada Estado seu próprio príncipe
hereditário.
Palaungs: (...)similaridade entre kachins e chans. Vivem nas colinas. Politicamente , a
organização do Estado Tawngpeng é a mesma de um estado chan, mas a organização no
nível das aldeias difere da dos chan em importantes aspectos. São budistas.
Kachins: denota uma categoria geral para todos os povos da Região das Colinas de
Kachin que não são budistas (nem mesmo teoricamente). Essa categoria kachin inclui
falantes de vários dialetos diferentes. Tem numerosas formas de organização política, mas
estão estão agrupadas em dois tipos distintos: Gumsa – espécie de organização democrática
em que a entidade política tem um governante, príncipe, de sangue aristocrático. Gumlao –
organização política do tipo democrático, em que a entidade política é uma aldeia única e
não existe diferença de classes entre aristocratas e plebeus.
Jinghpaws: categoria estritamente liguistica.
Dulengs: Kachins de fala jinghpaw que habitam uma região a leste do Mali e ao norte
de Chang. São de organização Gumlao.
Tsasens: Kachins de fala jinghpaw que habitam as porções norte e oeste do vale do
Hukawng e no Assam Oriental. Inclui grupos gumsa e gumlao.
Gauris: Kachins de lingua jinghpaw que habitam um setor das colinas a leste de
Bhamo. São de organização Gumsa.
Atsis: Importante subcategoria kachin. Organização Gumsa.
Maingthas: População plebéia do Estado Chan de Mong Hsa em Yun-nan.
Organização Chan, população budista.
Marus: Lingua falada pelos kachins a leste do N'mai e a oeste da fronteira chinesa.
Maioria organizada no padrão Gumlao.
Lachis: Dialeto maru faldo por algumas aldeias na principal região maru a oeste do
N'mai e também por alguns povoados de outras regiões. A maioria dos lachis parece estar
organizada como gumlao.
Nungs: Habitam a zona montanhosa em ambos os lados do alro N'mai Hka, ao norte
da confluência do N'mais com o Mehk. Organização do topo gumlao para assuntos internos e
gumsa para obrigações tributárias para com os eternos chans, jinghpaws, etc.
Lisus: língua falada pela população das colinas do vale do Salween a leste da
principal região maru. A organização política segue princípios de estratificação de classes,
mas difere radicalmente do modelo kachim gumsa.
O estudo da sociedade kachin não poderia ser feito adotando o método de escolher um
grupos social especifico e isolado. No fim do capítulo Leach expõe o método que usará para a
pesquisa:
Presumo que dentro de uma área definida de forma um tanto arbitrária – isto é,
a Região das Colinas de Kachin – existe um sistema social. Os vales entre as
colinas estão incluídos nessa região, de modo que os chans e os kachins são,
nesse nível, parte de um sistema social único. Dentro desse sistema social
maior existem, num período dado, um número de subsistemas
significativamente distintos que são interdependentes. Três desses subsistemas
poedriam ser classificados como chan, kachin gumlao e kachin gumsa.
Considerados simplesmente como modelos de organização, podemos pensar
esses subsistemas como variações sobre um tema. A organização kachin gumsa
modificada numa direção seria indistinguivel da dos chans; modificada noutra
direção, seria indistinguivel da kachin gumlao. Consideradas historicamente,
tais modificações realmente ocorrem, e é lícito falar de kachins que se tornaram
chans ou de chans que se tornaram kachins. Quando, (...), examino uma dada
localidade kachin ou chan, devo reconhecer que qualquer equilibrio do tipo que
parece existir pode ser, na verdade, um equilibrio transitório e instável. Além
disso, devo estar constantemente ciente da interdependência dos sibsistemas
sociais. Em particular, se examino uma comunidade kachin gumsa, devo
esperar que grande parte do que constatar pode ser ininteligível, a não ser por
referência a outros modelos de organização correlatos, por exemplo, chan ou
kachin gumlao. (p.121)

Parte 2 - A Estrutura da Sociedade Kachin Gumsa


Capítulo 4 – Hpalang: Uma Comunidade Kachin Gumsa Instável
A pergunta que norteia o estudo de Leach poderia ser resumida da seguinte forma:
como cultura , estrutura e ecologia estão relacionadas na região das Colinas de Kachin?
Esboça que o sistema em estudo está em constante fluxo e portanto difere dos outros
antropólogos ao dizer que não tem estabilidade. No entanto, aceita que para a realização de
seu trabalho deve considerar o sistema como estável e coerente.
O autor opta por descrever Hpalang como lhe ser mais familiar, e através dela mostrar
as relações estruturais de uma comunidade kachin gumsa.
Ordem usada pelo autor para fazer a descrição:
Fatos topográficos e puramente etnográficos -> descrição do sistema formal de relações
estruturais (feito pelos próprios kachins) -> explicação da racionalização feita pelos kachins
da estrutura de parentesco derivando do passado histórico recente.
A exposição do autor visa deixar claro que a existência de um dogma convencionado
relacionado à natureza das regras estruturais não exclui a mobilidade social, tampouco as
mudanças no dentro do sistema estrutural.
Em determinado momento, onde ele destaca a relação dos chefes e seus parentescos
com outros chefes, evidencia que a rede de relações de parentesco podia transpor com
facilidade as barreiras dos grupos linguiticos.
Vale ressaltar também que uma questão que envolvesse tanto kachins quanto chans e
que seria intermediada pela administração britânica fazia com que as diferenças entre os
grupos fossem esquecidas e todos seguiam o mesmo caminho em prol do bem comum.
Também é ressaltado que as diferenças entre ricos e "pobres" não era tão acentuada no que diz
respeito ao cotidiano. Incluindo os costumes alimentares eram praticamente os mesmo.
Por fim Leach, com relação à agricultura diz:
O ritmo do ano era determinado pela monção. O arroz era plantado em maio,
no princípio da chuvas, e colhido de outubro a abril, no começo da estação
seca. O período de janeiro a abril era uma estação não-agrícola, dedicada à
construção de casas, aos casamentos, aos funerais e, nos tempos antigos, à
guerra. (p.133)
O Sistema Mayu-Dama em Hpalang
Nesta parte do capítulo, o autor se dedica tentar explicar um pouco do sistema mayu-
dama que organiza a sociedade kachin.Explica que a linha de descendência é patrilinear e que
todos herdam do pai, nunca da mãe, um ou mais sobrenomes de linhagem, tal como ocorre no
ocidente.
Em qualquer comunidade, os indivíduos que têm um sobrenome (htinggaw
amying- "nome de família") comum são considerados parentes patrilineares
próximos, são de uma família (htinggaw)...(p.134)
As relações mais importantes nas comunidades dos kachins são "as que estabelecem as
relações mútuas de status entre os vários grupos htinggaw existentes na comunidade". Todo
grupo htinggaw inserido na comunidade é pertencente a uma ou outra das quatro categorias
kachins: kahpu-kanau ni (hpu-nau ni) – linhagens que supostamente pertencem ao mesmo clã
do Ego e que por estarem tão estreitamente relacionadas forma um grupo exógamo com a
própria linhagem do Ego; mayu ni – linhagens onde os homens da mesma linhagem do Ego se
casaram recentemente; dama ni – linhagens onde as mulheres da mesma linhagem do Ego se
casaram recentemente; lawu-lahta ni (hpu nau lawu lahta) – são reconhecidas como parentes
porém tem um relacionamento distante ou indefinido, são amigas e não inimigas. Alguém da
linhagem do Ego pode se casar com um lawu lahta, porém a linhagem deixaria de ser lawu-
lahta e poderia tornar-se tanto mayu quanto dama, variando de acordo com o caso.
As três categorias apresentadas são distintas: kahpu kanau ni, mayu ni e dama ni.
Como regra um homem não pode se casar dentro do seu dama assim como uma mulher não
pode se casar dentro do seu mayu.
As mulheres kachins podem ser tanto legais quanto concubinas sem que gere
estranheza. Uma mulher tem um casamento legal quando passa pela cerimônia do num chalai.
O efeito da cerimônia é que ele legitima a progênese da mulher na linhagem do homem, não
estando ligado diretamente às relações sexuais entre o casal. Após um nun chalai todos os
filhos, ilegítimos ou futuros, tornam-se membros da linhagem do marido. Vale ressaltar que
"apenas as pessoas de status elevado, como filhos de chefes e os filhos de cabeças de
linhagem, é que precisam ajustar-se estritamente às normas mayu-dama. Seus casamentos
tornam-se assim, casamentos de Estado"(p.137).
Pensando no carater de status, há implicitamente na relação mayu-dama uma
insinuação de que "dentro de qualquer comunidades os damas são vasssalos dos mayu. No
entanto, ambos, mayu e dama, podem reivindicar direitos uns aos outros. Assim, "em qualquer
aldeia,..., os vínculos mayu-dama da linhagem dominante reflete o status superior dessa
linhagem"(p.139).
A História do Conflito de Hpalang
Nesta parte do capítulo, o autor expõe versões apresentadas pelos nativos para que
sirvam de base para suas afirmações. O autor nota que as versões não são iguais, mas que
isso não deslegitima uma em relação à outra. Pelo contrário, os próprios narradores afirmam
que a história é verdadeira, porém não a levam em consideração quando apresentam sua
versão. Apenas alguns dados aparentam bater. Leach chama essas estórias de mito, mas deixa
claro que não é por uma acepção religiosa ou sagrada, mas sim por serem recontadas através
das gerações.
E assim como dois leitores de um poema podem concordar sobre a sua
qualidade e ainda assim extrair dele sentidos inteiramente distintos, do mesmo
modo, no contexto da ação ritual, dois indivíduos podem aceitar a validade de
um conjunto de ações rituais sem concordar em absoluto acerca do que se
expressa nessas ações. (p.146)
O conflito é também trabalhado por outros antropólogos, os africanistas Evans-
Pritchard e Fortes são citados, e na análise deles conceitos como hostilidade e amizade,
solidariedade social e oposoção social, ficam em estado de equilibrio para formar um "sistema
em equilíbrio social". Mas para Leach, em suas observações não aparecia esse equilíbrio
estrutural, poderia até ter equilíbrio mas era um "equilíbrio instável", e assim ele pressupõe
que o mesmo ocorre nas outras comunidades kachin do tipo gumsa.
O autor tenta deixar claro que no contexto exposto pelos africanistas, quando ocorre
uma cisão, a facção gerada acaba herdando a estrutura da anterior. Porém quando isso ocorre
entre os kachins a nova estrutura pode ser de tipos diferentes ou que levam a "estruturas
sociais de um tipo fundamentalmente distinto".
O autor também faz uma exposição sobre continuidade estrutural. Enumera três
conceitos que são especialmente importantes:
Em primeiro lugar, há a ideia de uma localidade territorial à qual as pessoas
estão associadas. (...) Em segundo lugar, há a ideia de uma aldeia (kahtawng).
Os habitantes de uma aldeia são são todos de uma mesma linhagem, mas a
aldeia foi fundada por membros de uma linhagem particular, e o chefe da aldeia
é um membro dessa linhagem. (...) Em terceiro lugar, há o segmento de
linhagem localizado – o grupo htinggaw1, que já foi discutido. Como vimos,
este é na prática um grupo pequeno, raramente compreeendendo mais de meia
dúzia de famílias simples independentes. (p.147)
Quase encerrando o capítulo o autor faz duas afirmações que devem ser destacadas.
Na primeira ele diz que:
(...), nunca constatei que os narradores rivais negassem a verdade da versão do
oponente; diziam apenas que esta era de pouca importância ou inconsistente.
Era como se cada versão fosse a propriedade de um grupo particular e houvesse
um reconhecimento tácito de que o grupo rival tinha direito a possuir outras
histórias. Isso condiz com a minha tese geral de que, embora essas histórias
pretendessem relatar os acontecimentos de 1890, seu teor era mais mitológico
que histórico.
Na segunda afirmação ele diz que "cada linhagem principal usou essas histórias para
firmar a sua facção contra todas as outras. Os dachis e os sumnuts, conquanto aliados, não
contaram a mesma história"(p.157).

Capítulo 5 – As Categorias Estruturais da Sociedade Kachin Gumsa


Introdução
O autor expõe logo no início que sua ocupação no capítulo como um todo será a
"constituição" das "ações rituais kachins e os significados que se lhes podem atribuir"(p.159).
Deixa claro que o entendimento do que é fala é importantíssimo para o
estabelecimento de um debate e que os kachins quando queriam expressar seus argumentam
utilizavam-se da língua ritual e da mitologia. Como no capítulo 4 ele já falou sobre os
detalhes utilizados para as "dissidências de facção", no quinto ele deseja compreender os
"princípios fundamentais da expressão ritual kachin" que seriam como a gramática em que os
"kachins gumsa estão de acordo".
Como a sociedade kachin é composta de diferentes grupos que têm diferentes dialetos,
Leach esperava que no âmbito ritual a linguagem fosse simples. Assim, para o autor, "a
expressão ritual kachin é relativamente simples justamente porque a cultua kachin é
complexa"(p.160).
Para o autor, as expressões usadas pelos antropólogos para descrever um sistema de
relações estruturais tem apenas o significado atribuído pelo pesquisador, e que assim parece

1 É a família reconhecida pelo sobrenome.


ser um tipo de sistema estático, mas que um integrante do grupo estudado por não entender os
conceitos usados tem suas ações distantes de serem categorias precisas.
Se, portanto, quisermos entender a natureza da estrutua social kachin, devemos
examinar o sentido prático das expressões verbais que um kachin emprega
quando faz afirmações sobre a matéria que eu, como antropólogo, chamo de
estrutura social. (p.162)
O autor propõe fazer uma etnografia "distorcida". Onde explora as ideias que servem
de pano de fundo para as diferentes situações e/ou locais usados pelos kachins.
Ele crítica o uso de categorias específicas pelos antropólogos, que não têm equivalente
na língua nativa. Isto poderia gerar uma rigidez e uma "simetria especiosas", verdadeira
apenas na aparência, e que não existem na vida real do nativo.
Ainda na introdução do capítulo ele deixa claro sua intenção:
No presente capítulo estou tentando demonstrar o sistema da ideologia kachin
gumsa como se ela fosse um conjunto coerente integrado de ideias. Refiro-me a
um sistema ideal. Mas a relevência desse sistema ideal para o tema principal de
meu livro precisa ser mais bem empreendida. Esse tema principal é
fundamentalmente: Qual a diferença entre um kachin e um chan? (p.164)
Conceitos de Divisão Territorial
(a) nta – "uma casa"; (b) htingnu – "uma casa de chefe"
O autor apresenta as diferenças entre as casas dos membros comuns da aldeia em
relação à do chefe. A casa do chefe apresenta um espaço reservado para o madai dap,
santuário dedicado ao nat Madai, o chefe dos espíritos celestes (mu nat), que é reconhecido
como um parente afim dps ancestrais remotos do chefe. Vale ressaltar que a casa do chefe
comporta ainda a estadia de visitantes em geral e que todos os outros membros da aldeia lhe
devem ajuda na manutenção e construção da casa. Também é ressaltado que o madai dap sub-
existe apenas na casa do chefe mas que toda casa tem um santuário dedicado ao "espírito
ancestral do dono da casa". Associado ao santuário há dois pequenos tubos de bebida
alcoólica, feitos de bambu, conhecidos como nat htawt. "São dois objetos indistintos que se
guardam debaixo dos berais da casa"(p.167). Além de espadas (nhtu) e lanças (ri), recebidas
dos parentes afins como parte do pagamento de uma dívida (nka) , que também são
guardados nos caibros do telhado, perto do santuário da família. O autor destaca que ambos,
mulher e chefe de família, são chamados de "donos da casa" mas que só o homem tem no
macha nat de casa uma associação com o antepassado.
Uma aldeia pode conter qualquer número de famílias, de uma para cima. Na
prática, a maioria compreende entre dez e vinte famílias. Uma aldeia situa-se
geralmente no alto de uma colina ou próximo dela. As construções tendem a
espalhar-se irregularmente, separadas dez a vinte metros umas das outras,
formando o alto da colina uma estrada (lam) mais ou menos central. Em certas
regiões cada casa tem contígua um pequena horta (sun) cercada, onde se
cultivam o ópio e outras especialidades. O território (ga) no qual os membros
de uma aldeia como um todo têm direitos de cultivo – isto é, direitos de
derrubar a mata – é em todas as regiões, salvo nas pouco povoadas, definido
claramente com pontos limítrofes como rios, cumes de montanha, rochas
proeminentes etc (p.171).
Na aldeia há diferentes tipos de patrilinhagens, porém uma delas "possui" a aldeia e o
líder sempre pertence a essa linhagem. Da mesma forma, o nome da aldeia costuma indicar a
linhagem que ela pertence.
Seguindo essa mesma lógica, um grupo de aldeias podem ser "propriedades" de
diferentes clãs ou linhagens, porém sempre uma será reconhecida como mais velha e esta será
a "possuidora" de todo o território daquele grupo. Assim, "o líder da aldeia mais antiga é,
portanto, chefe (duwa) do grupo de aldeias" (p.177). O mung, distrito ou domínio, de um
chefe pode ser tanto uma aldeia apenas como um grupo de aldeias, podendo ser estendido até
a vários grupos de aldeias.
Os termos myo e mong são equivalente quase exatos e são adotados tanto por
birmaneses quanto chans. Mas os kachins fazem uma diferença entre myo no sentido de
cidade e myo no sentido de distrito, sendo, para eles, mare relacionado ao primeiro e mung ao
segundo. Na visão kachin as três categorias – mong, myo e mung – são identicas; assim um
chefe kachin de um mung se vê como um príncipe chan que reina sobre um mong.
Devo talvez ressaltar ainda uma vez que as fronteiras arbitrárias traçadas entre
o território chan e o kachin sob o regime britânico não se aplicam às condições
do período pré-britânico. Um mong chan compreendia normalmente o território
da colina ocupado por kachins, assim como o território do vale ocupado por
chans. De modo semelhante, em vários casos o mung kachin compreendia tanto
vales ocupados por chans quanto colinas ocupadas por kachins. O mung nat,
como divindade guardiã, presidia a ambos. (p. 181)
Conceitos Relativos a Agregados de Pessoas
htinggaw – "família", "família ampliada"
Entendo aqui por "família" a família biológica do matido, esposa e filhos, e
por "família ampliada" um grupo de homens e de mulheres solteiras da mesma
patrilinhagem e que vivem todos numa aldeia, mais as esposas dos primeiros.
(p.181)
Htinggaw pode significar "pessoas sob o mesmo teto", mas também significa "as
pessoas que adoram o mesmo conjunto de espíritos familiais", sendo que no último sentido
pode abranger uma única família, mesmo que vivam em casas separadas. Os homens seriam
todos da mesma patrilinhagem.
Pessoas com o mesmo sobrenome são da mesma linhagem. No entanto, o sistema,
segmentar, permite que um mesmo indivíduo seja conhecido por diferentes sobrenomes,
estando assim inserido em múltiplas linhagens.
Indivíduos em uma mesma linhagem, independente da escala, podem ser descrita
como "irmãos (kahpu-kanui ni)", como do mesmo "tipo (amyu)", do mesmo "ramo (lakung)"
ou do mesmo "fogo (dap)", as palavras são usadas em alternância.O "grau de segmentação"
pode ser evidênciado por expressões como "linhagem máxima", "linhagem média", "linhagem
mínima", etc.
Meu ponto de vista pessoal é que as genealogias kachins são mantidas quase
que exclusivamente por motivos estruturais e não têm nenhum valor como
prova de fato histórico. Os plebeus estão interessados na genealogia apenas
como um meio de estabelecer relações corretas com seus vizinhos imediatos na
mesma comunidades; portanto, as genealogias dos plebeus costumam ser muito
breves – quatro ou cinco gerações lembradas no máximo. Os chefes, por outro
lado, estão preocupados em estabelecer sua legitimidade de membros de uma
"linhagem do filhos mais novo", e também em fixar sua anterioridade em
relação a outros chefes numa região extensa.(p.182-183)
bu ni – "aldeões", esta categoria passa por todas as rivalidades de parentesco de marca
a lealdade a um lugar e não uma linhagem.
Bu ni enquanto agregado de pessoas é a contraparte de mare (grupo de aldeias)
enquanto categoria de lugar.
Segundo o autor, as duas categorias de linhagem e localidade são as mais importantes
para a sociedade kachin, observando a análise estrutural.
Leach destaca que "o chefe da família 'possui' a sua casa no mesmo sentido em que um
chefe (duwa) 'possui' o seu domínio (mung). O verbo madu ai2 serve em ambos os contextos
(p.189).

2 "Proprietários” ou "senhores" de sua residência.


As roupas são um distintivo kachin e variam de região para região. No entanto, o
cabelo independe de região e é um indicativo de status social da mulher. Sendo nova usa a
cabeça descoberta e os cabelos cortados curtos, casando-se passa adotar o uso de turbante e na
velhice este ganha dimensões maiores.
Os trabalhos são distribuídos de acordo com a idade e em equipes. Valendo-se das
categorias crianças, rapazes, moças, homens casados, mulheres casadas, velhos e velhas
fazem a distribuição.
As generalizações que fiz aqui aplicam-se indistintamente aos kachins gumsa e
gumlao, e a grande maioria delas vale também para os chans. A transição da
infância para a adolescência é mais formal para um chan do que para um
kachin. Normalmente, é marcada por um período de residência num mosteiro
budista, na qualidade de monge noviço, e pela aplicação de um elaborado
sistema de tatuagem nas coxas. (p.190)
Conceitos de Relação de Parentesco Afim e de Incesto
Mayu-Dama – "relação de parentesco por afinidade"
Em um casamento, mayu marca a relação da linhagem da esposa com a do marido.
Dama assinala a relação da linhagem do marido com a da esposa.
A regra da exogamia é que, na esfera da linhagem htinggaw, um homem não
pode casar-se dentro de sua própria linhagem ou da de seu dama; uma mulher
não pode casar-se em sua própria linhagem ou na de seu mayu. Revela-se uma
preferência no sentido de que o homem se case dentro de seu mayu e uma
mulher dentro de seu dama.
O autor ressalta:
a) A relação mayu-dama ocorre mais entre linhagens do que entre indivíduos.
b) É considerada uma instituição persistente. Um casamento dá aos dama o
direito de entabular negociações para outro(...). c) Se mayu os dama são de
classes sociais diferentes, os mayu ocipam sempre a posição superior dentro de
uma aldeia. d) Dentro de uma comunidade local as linhagens da classe social
mais baixa tendem a ter uma relação de parentesco afim com as da classe social
mais alta. As da classe social mais alta são mayu. e) Em algumas comunidades,
três ou mais linhagens podemestar ligadas num círculo formal – hkaw wang
hku ("caminho do círculo dos primos"). A existência de um círculo fechado de
arranjos matrimoniais de tal modo que, por exemplo, A sejam mayu de B, que
são mayu em relação a C, que são mayu em relação a A, sempre implica que
todas as linhagens nesse círculo são da mesma classe social e, com toda a
probabilidade, têm interesses políticos comuns.
Conceitos de Incesto e de Relações Sexuais Ilícitas
Jaiwawng – relações sexuais entre um homem e uma mulher de sua própria
linhagem (moi, na nau ou sha) ou com uma mulher de sua linhagem dama
(hkri).
Chut hpyit – relações sexuais com uma parenta mayu de status superior – por
exemplo, nu (mãe), rat (esposa do irmão mais velho).
Num chaw – adultério com uma mulher casada, não sendo o marido um irmão
de linhagem ou um parente dama do adúltero.
Conceitos de Posse e de Propriedade
Neste capítulo Leach discute conceitos que vinculam as relações sociais aos fatos
econômicos. O autor lembra que "um sistema social é uma estrutura persistente de pessoas e
grupos de pessoas" e que as relações são direitos e obrigações sobre coisas e indivíduos.
Dessarte, quando um kachin fala de "dívidas" que deve ou que devem a ele está falando do
que o antropólogo entende como "estrutura social".
Sut – "riqueza"
O termo sut que denota riqueza também é empregada no sentido de "elegante" (algo
elegante).
Leach destaca que para um kachin adquirir notoriedade a melhor maneira é dando algo
publicamente a outrem, pois, mesmo que não mais possua o objeto em questão agora o doador
tem uma dívida (madu). "Em suma, o possuidor de objetos de riqueza alcança mérito e
prestígio principalmente através da publicidade que ele adquire ao desfazer-se deles"(p.197).
Hpaga – "comércio", "objeto de riqueza ritual" / Hka – "dívida"
O autor destaca que quase todas os tipos de obrigações legais existentes entre dois
kachins pode ser considerada uma dívida (hka). E que a dívida pode ser relatada como sendo
uma quantidade de hpaga. As hpaga podem ser equiparadas ou intercambiadas através de um
acordo entre as partes.
Vale ressaltar que um aristocrata é visto como tal enquanto consegue cumprir suas
obrigações. E que mesmo alguém de uma linhagem de fora consegue validar sua pretensão
aristocrática se cumprir as obrigações devidas de um membro aristocrático.
Outro ponto de destaque é que o preço da noiva difere do noivo do mesmo status
social. O preço da noiva é equivalente ao preço do status do pretendente. Assim um chefe
pode escolher entre os pretendentes da noiva aquele que melhor lhe cabe e usar "o casamento
delas como instrumentos de aliança política (p.205).
(...) o conceito de hpaga é de grande relevância , porquanto permite regras
estruturais que têm, todas elas, a aparência de rigidez a ser interpretada de
maneira bastante livre, abrindo assim o caminho para mobilidade social num
sistema que pretende ser uma hierarquia de castas. O conceito correlato de hka
(dívida) é igualmente importante. (...) os kachins tendem a considerar todo tipo
de relação mútua que se possa desenvolver entre um par de indivíduos como
parte de um sistema de dívidas. (p.206)
Uma dívida é liquidada, quando o é, devido as negociações realizadas por terceiros
(kasa), que costumeiramente são pessoas de posição superior aos envolvidos. Tanto que se
dois chefes estiverem em litígio, torna-se mais provável terminar em conflito, pois não se
encontra com facilidade indivíduos superiores ao litigantes. Também se envidencia que
qualquer dívida pode ser uma fonte de conflito, pois para os kachins ambos são a mesma
coisa. Vale também ressaltar que em poucas exceções as dívidas são entre pessoas,
normalmente elas são entre linhagens e que as dívidas importantes podem passar de uma
geração à outra.
A tradição e o ritual kachin determinam quais são as relações adequadas entre
indivíduos, vale dizer, especifica que obrigações A tem para B e B para com A.
As dívidas surgem sempre que alguém acha que essas obrigações formais não
foram cumpridas de forma apropriada. (p.207)
O hpaga seriam então as moedas pelo qual qualquer espécie de obrigação pode vir a
ser "contrabalanceada por qualquer outra espécie", isso dentro do sistema de obrigações
sociais dos kachins.
(...) a aquisição de hpaga não é um fim em si mesmo. Os hpaga constituem um
artifício destinado a manipular o status social e são usados num jogo que é
jogado segundo uma série de regras; mas como no pôquer, a mera compreensão
das regras dá uma ideia muito pálida do modo como o jogo é realmente jogado!
No sistema teórico, o valor de algum hpaga específico é ritualístico e
simbólico; na vida real, os verdadeiros hpagasão apenas substitutos dos objetos
tradicionais. Os hpaga reais têm uma importância ao mesmo tempo ritual e
econômica (p.208).
Posse da Terra
Na sociedade Kachin, enquanto os chefes e líderes de aldeia possuem a terra (madu)
ou a governam, mas não tem direitos os produtos produzidos nela, os plebeus possuem - na
apenas como usofruto.
(...) além do contraste e da oposição entre a propriedade como soberania e a
posse como direito de usofruto, temos o fato de que a própria soberania é um
conjunto de direitos, cada um dos quais pode ser usufruído de maneira
independente.(p.209)
(...) os chefes de família, os líderes de aldeia e os chefes subalternos e chefes
que reivindicam "possuir" terra (madu) estão na verdade reclamando vários
direitos diferentes. As diferenças entre tais direitos têm, em primeira instância,
um significado mais ritual que econômico e servem de símbolos de status para
os diferentes graus de "proprietário".(p.211)
Conceito de Hierarquia e de Classe
Na teoria kachin, o indivíduo que nasce em uma classe fica relegado à ela até o final,
tal qual acontece nas castas. Assim, o status de um kachin é determinado pelo seu nascimento
e haveria uma rigidez hierárquica imutável.
Embora não reste muitas evidências, o autor diz que entre os kachins havia uma classe
de escravos. Porém o status do escravo seria equivalente ao de um devedor permanente, o que
na sociedade kachin não o desabonava e mantinha direitos para com o chefe. O chefe ou líder
era proprietários de quase todos os escravos. Dentro das regras do hpaga há a diferenciação
de apenas três tipos de classes. A saber: a dos chefes, a dos plebeus e a dos escravos.
Em qualquer esfera, não se observam diferenças substanciais no padrão de vida
entre os aristocratas e os plebeus: os membros de ambas as classes comem a
mesma comida, vestem as mesmas roupas, praticam os mesmos ofícios. Senhos
e escravo moram na mesma casa, quase que nas mesmas condições. (p.215)
Na teoria, os kachins de classe superior devem ganhar dádivas de seus inferiores.
Porém isso não dá vantagem econômica para ele, pois embora desfrutando de uma dívida, o
doador é que realmente possui a dívida. Embora receba dádivas, o indivíduo de classe
superior, é socialmente direcionado a dar mais do que recebe. Para os kachins, ser
reconhecido e ter status envolve a prática da dádiva e mesmo que, na teoria, não seja possível
a ascensão social, admite-se que o indivíduo pode perder seu status.
Na prática, parece igualmente possível ganhar status. Considerando-se que, em
teoria, a posição se adquire por nascimento, fica claro que a classe constitui um
atributo de toda a linhagem, e não do indivíduo. Portanto, o indivíduo que
pretenda ser reconhecido como sendo de alto nascimento deve esforçar-se não
só por ser reconhecido pessoalmente mas também por ter reconhecida toda a
sua linhagem. Isso não costuma ser muito difícil. A maioria das linhagens
plebéias podem reivindicar alguma espécie de conexão aristocrática e, em
todos esses casos, há lugar para estratagemas e melhoria social. (p.215-216)
Dessarte, o que é mantido rigorosamente são os símbolos associados à uma
determinada posição, já que, em vias de fato, a hierarquia social, embora considerada rígida,
não o é.
A ascensão social, portanto, é o produto de um processo dual. Um indivíduo
adquire prestígio primeiramente pela prodigalidade no cumprimento das
obrigações rituais. Esse prestígio converte-se a seguir em status reconhecido
pela comprovação retrospectiva da posição da linhagem do indivíduo. Isto é,
em larga medida, uma questão de saber manipular a tradição genealógica. A
natureza complexa das normas kachins de sucessão torna particularmente
fáceis tais manipulações. (p.217)
Através da cisão de linhagem, um irmão mais velho compra por hpaga o direito de ser
considerado chefe, ocorre a mobilidade social tanto para cima quanto para baixo na hierarquia
de classe. Da mesma forma, o local de residência escolhido por um indivíduo irá afetar
diretamente as perspectivas de status de seus descendentes.
Enquanto um chefe subalterno ou líder de aldeia puder persuadir os outros a
tratá-lo como chefe (duwa) e dar a seus filhos e filhas os títulos chans
honoríficos de Príncipe (Zau) e Princesa (Nang), sua linhagem ainda pode ser
considerada de chefe (du baw), mas, caso trais títulos sejam omitidos, o status
da linhagem começa a descer a colina e em pouco tempo todos serão tidos
apenas por plebeus. (p.223)
Conceitos do Sobrenatural
Para os kachins toda a ação malévola é atribuída a seres sobrenaturais. Eles utilizam
conceitos relacionados tanto para fins práticos quanto rituais. O uso dos espíritos para o
tratamento de algum mal assemelha-se ao uso que damos aos medicamentos, onde se um não
funcionar adequadamente passamos a usar outro e isso se dá de forma prática. Outra
possibilidade prática é no que concerne à morte de animais, já que eles o fazem apenas como
sacrifício, porém a carne nesses rituais é depois partilhada entre todos igualmente,
independente de quem seja o autor da festa de sacrifício.
Os feiticeiros são responsáveis por diferentes doenças e desgraças. Vale ressaltar que é
um espírito que possui um indivíduo qualquer e que em último caso é um “mecanismo de
bode expiatório”. O feiticeiro é identificado como alguém não pertencente à linhagem de
quem sofre, pois a feitiçaria é hereditária e se alguém da família for, o próprio sofredor
também é. Tipicamente, o feiticeiro é um parente por afinidade (mayu).
Em tempos remotos, as famílias acusadas de feitiçaria podiam ser expulsas da
aldeia ou mesmo mortas. As provas de como era levantada uma acusação
dessas, ou de quais sanções seriam invocadas para perpetrar a vingança são
insuficientes. Mas aos menos uma coisa fica clara: procuram-se feiticeiros na
própria comunidade, não fora dela. Isso decorre das relações estruturais no seio
dessa comunidade. (p.231).
Por último Leach destaca que se torna “claro que os diversos nats da ideologia
religiosa dos kachins são, em última análise, nada mais que modos de descrever as relações
formais que existem entre pessoas reais e grupos reais na sociedade kachin comum”(p.232).
Conceitos de Autoridade: Cargo Político e Religioso
Na sociedade kachin, os funcionários da comunidade têm cargo religioso – sacerdotes,
advinhos e médiuns – ou profano – chefes e anciãos. Porém, essa separação não é perfeita, o
chefe embora não tendo um cargo religioso tem seu poder derivado de um papel religioso; já
do lado dos religiosos existem aqueles que embora não possuídores de poder formal tem
grande influência política.
(…) tenho reiterado que o status dos indivíduos que descrevo como “chefes”
(duwa) se define, basicamente, em termos de símbolos de prestígio. Pode-se
dizer então que o cargo do chefe é ritual, embora não seja sacerdotal, no
sentido, por exemplo, de que o prefeito de Londres tem um cargo ritual, mas
não sacerdotal. (p.233)
Os chefes, no geral são aqueles que buscam soluções de litígios pois são diretamente
interessados nesses processo, embora não hajam como juízes. Tem um poder de chefia militar
mas não se envolvem diretamente nos conflitos. Não têm um poder econômico muito grande,
embora possam desempenhar um papel de autocrata se houverem recursos. Ele governa como
se fosse porta-voz do governo e não por iniciativa própria. Com relação à religião, ele provê
os itens para um sacrifício, porém não é sacerdote.
Os diferentes tipos de funções religiosas, também oferecem status para um indivíduo
que não tenha nascido em uma posição social boa. Algumas funções são comparadas ou mais
importantes do que a do próprio chefe. Enquanto algumas podem ser aprendidas e portanto
estão ao alcance de qualquer um que aprenda ou que se dedique continamente à elas, outros já
nascem com a faculdade (médiuns).
(…) Os kachins gumsa parecem considerar-se providos de um sistema de
autoridade muito bem definido. O chefe é visto como um autocrata situado no
alto de uma hierarquia de classes ordenadas, diferenciadas entre si por regras
de rigidez semelhante ao sistema de castas. Nesse modelo estrutural ideal tudo
se ajusta com muita perfeição: cada pessoa e cada grupo de pessoas tem um
lugar determinado num sistema claramente definido. Mas a realidade não
corresponde ao ideal. Na realidade, o cargo de chefe é apenas um dentre os
mutos cargos que contêm elementes de autoridade; prestígio e status não
dependem, em verdade, unicamente do status de nascimento; a bem-ordenada
hierarquia de linhagens esconde um elemento vicioso de competição. Porém é
mais uma competição por prestígio e fama do que por riqueza (p.243).
(…) A verdadeira sociedade kachin não é, quero crer, uma hierarquia
rigidamente estruturada de classes fixas e cargos bem-definidos, porém um
sistema em que a mobilidade social é constante e às vezes muito rápida. A
mobilidade se dá de duas maneiras. Ou os detentores de cargos menos
importantes e pouco prestigiados usam a sua influência para manipular seu
acesso a posições de autoridade superior reconhecida ou, alternativamente,
tornam-se revolucionários e repudiam totalmente a autoridade dos cargos
superiores. Tal é,em essência, a diferença entre organização gumsa e gumlao
(...)(p.243)

Parte 3 – Variabilidade Estrutural


Capítulo 6 – Gumlao e Gumsa
Os sistemas de governo expostos são do tipo ideal, ou seja, na realidade eles podem ter
características bem díspares do que o modelo em que foi inspirado para análise.
Nesse sentido, Gumsa e Gumlao são também tipos ideais. Gumsa é um modelo em que
os indivíduos são governados por chefes que por sua vez sã membros de uma aristocracia
hereditária. Gumlao, por sua vez, repudiam todos os tipos de diferenças baseada em
hereditariedade das classes.
(…) Os gumsa veem nos gumlao servos plebeus que se revoltaram contra seus
legítimos senhores; os gumlao veem nos gumsa tiranos e esnobes. Mas, embora
os dois termos representem no pensamento kachin dois modos de organização
fumdamentalmente opostos, ambos são compatíveis como o mesmo conjunto
geral de aparatos culturais que identificamos como kachin.
Leach diz que embora os tipos sejam distintos na estrutura social, quando analisados
na prática ve-se que são inter-relacionados. Em determinados momentos uma comunidade
gumsa pode tornar-se gumlao por rebeliões. Da mesma forma, uma comunidade gumlao que
vá se desintegrando por cisão pode vir a se tornar gumsa devido aos grupos de linhagem que
vão se tornando remanescentes.
(…) no sistema gumlao, a igualdade de status entre os elementos de qualquer
comunidade local é um dogma decisivo. Como a igualdade de facto é
provavelmente muito difícil de manter, podemos esperar dos princípios básicos
que as comunidades organizadas de acordo com o modelo ideal gumlao são
politicamente instáveis.(p.256)
Os líderes de sociedades kachin que adotam o modelo gumlao de organização agem,
segundo o autor, como chefes gumsa.
Onde hoje encontramos comunidade de tipo gumlao – isto é, sem chefes,
constituindo cada aldeia uma unidade politicamente independente, tendo um
mung nat que não é exclusivo de nehuma linhagem particular –, constatamos
uma tradição segundo a qual, “outrora, x gerações atrás, tínhamos chefes”, e
depois houve uma rebelião na qual os chefes foram mortos ou expulsos. Por
outro lado, se examinarmos hoje aquelas localidades que são, por tradição, os
pontos focais do sistema gumlao, em geral encontraremos comunidades do tipo
gumsa, ou algo extremamente próximo desse tipo. (p.258)

Capítulo 7 – Gumsa e Chan


O autor supõe que os chefes kachin gumsa tem a forma que tem influenciados pelo
comportamento dos príncipes chans.
Os chans estão mais ligados à terra, onde nascem esperam lá se casar e viver sua vida.
Vivem quase sempre na área de terra irrigada para o cultivo de arroz.
A liderança numa aldeia chan não é vinculada extritamente à linhagem, embora possa
ser passada de pai para filho, mas depende mais da capacidade natural e idade. Aqui temos
uma sociedade que atribui maior relevância a classe ou casta hereditária. Há três tipos de
categorias: A nobreza – inclui todo aquele que consiga traçar algum tipo de conexão
genealógica com o saohpa reinante; A classe de comum de agricultures – o interesse principal
é na terra e é o componente mais numeroso da população; A classe baixa – formada pelos
pescadores, açougueiros, etc. , por todos “que desempenham funções impróprias segundo o
estrito código budista”. Se algum plebeu kachin entrar no grupo chan eles ficaram neste
último tipo.
Saohpa é um príncipe hereditário que governa o domínio (mong) e uma corte de
funcionários nomeados (amat).
Conceitualmente, o saohpa é um rei divino, um monarca absoluto. Mas aqui é
preciso diferenciar. O saohpa chan com quem os kachins tem estreitas relações
e que, portanto, serve de modelo para os chefes kachins é um homem como os
príncipes de Möng Mao e Kang Ai, ou os chefes subalternos de Hkamti Long.
Tais homens, na escala chan das coisas, não passam de figuras insignificantes.
(p.263)
A descendência patrilinear define a sucessão ao trono, assim para a realeza a linhagem
agnática é importante. “As 'casas reais' dos diferentes Estados recebem o nome de
patrilinhagens com títulos totêmicos”(p.264).
A moral parece clara: com sorte nos negócios e grande número de parentes, um
chefe kachintem chance de tornar-se algo muito próximo de um saohpa chan.
Mas, se alcançar esse status, a desvantagem é que seus parentes se mostrarão
hostis. Por isso, o status usualmente depende do capricho de algum poder
superior. (p.272)

Capítulo 8 – Os Testemunhos da História Kachin


Neste capítulo o autor faz uma apresentação histórica da sociedade kachin. Deixa claro
que os dados documentais levantados são raros ou que não existem.
Pretende explicar as forças que conduzem à instabilidade do sistema gumsa / gumlao
e demonstrar que não há nada na história da região que contradiza com a sua interpretação.
Na construção de uma teoria da mudança social, há sem dúvida muitos tipos
diversos de parâmetros que poderiam ser encarados como variáveis
significativas. Abordarei apenas três. (1) Ambiente Físico ou Ecologia – pelo
qual quero significar a variação nos recursos e meios de produção que proveem
os meios básicos de subsistência. (2) Ambiente Político (isto é, História
Política). Uma sociedade, embora definida, é sempre, de determinados pontos
de vista, em si mesma uma unidade de organização política, mas ao mesmo
tempo é sempre, de algum outro ponto de vista, apenas um segmento de uma
sociedade maior, ou seja, de um sistema político de maior escala. Tomo por
axioma que a estabilidade de qualquer unidade política é necessariamente
afetada por mudanças na estrutura e na distribuição de poder dentro do sistema
político de escala imeditamente maior, do qual a unidade pe uma parte. (3) O
Elemento Humano. Parcialmente, sem dúvida, os “grandes homens” de
qualquer relato histórico são melhor considerados quando o são apenas como o
produto do seu ambiente; entretanto, em qualquer análise de mudança social
ainda deve ser levada em conta a arbitrariedade da embição pessoal e do
carisma individual. (p.274-275)
O autor destaca que o sistema mayu-dama é uma é uma maneira kachin de imitar as
relações políticas chan. Enquanto o modelo gumsa de estrutura, da mesma forma, segue a
linha da estrura chan com algumas diferenças próprias. Para o autor um ponto crucial de
diferença entre o sistema kachin gumsa e o sistema chan é que o primeiro demonstra uma
relação política de suserano e vassalo, expressa no sistema mayu-dama, e “no segundo o
suserano é conceitualmente o senhor absoluto e os arrendatários são seus servos (p.299).

Capítulo 09 – O Mito Como Justificação da Facção e da Mudança Social


O autor reafirma que no livro, linguagem e mito são, em essência, a mesma coisa e
ambos são maneiras de afirmar algo sobre as relações estruturais. Da mesma forma, a
estrutura social é “representada” no ritual. Para o autor, o sistema de mitos são coerentes
internamente pois contém um noção do etnólogo de que o mito é uma especie de história e
que por esse preconceito montam as versões que acham mais plausíveis discriminando
versões certas e erradas do mesmo conto. Porém, na mitologia kachin não se pode eliminar as
contradições e incoerências, visto que são fundamentais, e não existe uma versão que seja
mais correta que a outra, porém elas são mais significativas que as uniformidades.
O que é apresentado são histórias que relacionam alguns personagens mitológicos, que
utilizam os mesmos tipos de simbolismo estrutural, mas que diferem entre si nos pormenores
de acordo com o narrador da história. Leach destaca que quando considerada a mitologia
kachin como expressão de um sistema de ideias e não como regras ou eventos históricos,
acaba por desaparecer a necessidade de coerência formal nas várias tradições.
O autor conclui que a definição usual de mito não é apropriada para os kachins. As
histórias de origem sagrada, com seres divinos, não tem caraceterísticas especiais que as
diferencie das histórias sobre acontecimentos locais de vinte anos. “Ambos os tipos de
história têm a mesma função – o ato de contá-las é ritual (no sentido que dou ao termo) que
justifica a atitude particular adotada pelo narrador no momento de contá-la (p.319).
Encerrando o capítulo Leach destaca que:
(…) a existência de um arcabouço comum não é, em sentido algum, um
indicador de solidariedade social ou equilibrio. Esse ponto de vista diverge
daquilo que a maioria dos antropólogos têm postulado – pelo menos até muito
recente. Desde o tempo de Malinowski tem sido lugar-comum afirmar que o
mito serve para sancionar o comportamento social e para validar os direitos dos
indivíduos e grupos específicos dentro de um sistema social particular. Como
todo o sistema social, por estável e equilibrado que possa ser, contém facções
opostas, há de haver por força mitos diferentes para validar os direitos
particulares de grupos diferentes de pessoas.(p.319)
O que estou sugerindo é exatamente o oposto disso. Mito e ritual são uma
linguagem de signos em função da qual se expressam as pretensões a direitos e
a status, mas é uma linguagem de argumentação, e não um coro de harmonia.
Se o ritual á às vezes um mecanismo de integração, pode-se igualmente dizer
que ele é frequentemente um mecanismo de desintegração. (p.319)

Conclusão
Conclusões que o autor chega ao final do livro:
(…) A população da Região das Colinas de Kachin não é culturalmente
uniforme; não se poderia esperar que o fosse, porque a ecologia varia. Mas, se
pusermos de lado essa parte muito grande da cultura que está preocupada com
a ação econômica prática – ou seja, a totalidade do que Malinowski
consideraria o aparato para a satisfação das necessidades humanas básicas –,
ficamos ainda com algo, esse algo que tratei neste livro sob o nome de ação
ritual. E, no que diz respeito a esses aspectos rituais da cultura, a população da
Região da Colinas de Kachiné relativamente uniforme. As pessoas podem falar
línguas diferentes, usar tipos de roupas diferentes, morar em tipos diferentes de
casa, mas compreendem o ritual uma da outra. Os atos rituais são modos de
“dizer as coisas” sobre o status social, e a “língua” em que essas coisas são
ditas é comum à totalidade da Região das Colinas de Kachin. (p.321)
(…) A geração de antropólogos britânicos de que faço parte proclamou
altivamente sua crença na irrelevância da história para o entendimento da
organização social. O que se prentente relamente com essas teses é, não que a
história seja irrelevante, mas que é difícil expressá-la por escrito. Nós, os
antropólogos funcionalistas, não somos realmente “anti-históricos” por
princípio; apenas não sabemos como adaptar os materiais históricos à nossa
estrutura de conceitos. (p.324)
O cândido reconhecimento de que os sistemas sociais não são por força
naturalmente estáveis não precisa compelir o antropólogo social de inclinações
estruturais a abandonar suas técnicas tradicionais de análise, pois ele será ainda
mais justificado em continuar a usar susas ficções científicas. Nas situações
práticas de trabalho de campo, o antropólogo deve sempre tratar o material de
observação como se fosse parte de um equilíbrio global; do contrário a
descrição torna-se quase impossível. Tudo o que estou propondo é que a
natureza fictícia desse equilíbrio seja francamente reconhecida. (p.326)
Somente o observador externo tende a supor que as mudanças na cultura e na
organização estrutural de um grupo devem ter um significado desagregador. É
um preconceito do antropólogo supor que a mudança é “destruidora da lei, da
lógica e da convenção”. (p.328)
Não posso crer que qualquer análise ao longo destas linhas possa corresponder
estritamente aos fatos. Parece-me axiomático que, onde comunidades vizinhas
têm relações econômicas, políticas e militares uma com a outra demonstráveis,
então o campo de qualquer análise sociológica útil deve estrapolar as fronteiras
culturais. (p.333)

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