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VISÃO GERAL DA ENTREVISTA PEACE

(Planning and preparation (planejamento e


preparação), Engage and explein (Engajar e
explicar), Account (Relato e clarificação), Closure
(Fechamento) e Evaluate (Avaliação)

A PREPARAÇÃO

“Na inquirição da criança/adolescente, juízes, promotores e advogados devem estar preparados,


emocionalmente, para perguntar e ouvir as respostas e possuir conhecimentos adequados, que
vão além do técnicojurídico, para lidar com essa dura e cruel realidade. ” (DOBKE, 2011, p.
25).

A primeira fase da entrevista é enfatizar a preparação da criança e do adolescente para a


entrevista na fase de instrução processual. Considera-se esta fase de crucial importância para o
cuidado emocional da criança e do adolescente que comparecem a um tribunal para dar seu
depoimento. Outro aspecto da importância da preparação é familiarizar a criança com o tipo
de entrevista, facilitando as fases seguintes, quando ela relatará uma situação, possivelmente,
traumática e geradora de grande estresse e ansiedade, como é a violência sexual.

 1º ETAPA: PLANEJAMENTO E PREPARAÇÃO


 Prepare o ambiente físico da entrevista: um ambiente desconhecido e intimidador gera
ansiedade;
 Um ambiente sóbrio minimiza a distração da testemunha;
 Deve-se evitar na sala de entrevista, brinquedos, jogos ou objetos que distraiam a
atenção da criança/adolescente;
 Elabore por escrito o planejamento da entrevista (isso torna a entrevista mais eficiente);
 A coleta das informações provenientes do depoimento deve ser sempre objetiva;
 A posição das cadeiras ou poltronas devem ser 10 para as 2 (no formato das horas do
relógio).

 2ª ETAPA: ENGAJAR E EXPLICAR


 Interação entre entrevistador e entrevistado (criança/adolescente);
 Remover barreiras para ter acesso a criança;
 Entrevistador deve considerar:
I. Depoimento não é comum para maioria das pessoas, sejam elas adultas ou
crianças;
II.O momento pode gerar ansiedades para a criança e para a pessoa que
acompanha a criança;
III. O entrevistador deve utilizar-se de estratégias que reduzam a ansiedade da
criança;
IV. Crie vínculo de confiança, e desencadeie conversação que facilite a
comunicação.
 ACOLHIMENTO INICIAL – RAPPORT
 Receber a criança e o adulto responsável e apresentar o local da audiência, informar
como ocorrerá e quem comporá a equipe da audiência;
 Sala de “Rapport” (local lúdico de conversas neutras antes da audiência)
 Sala de brinquedos e jogos infanto-juvenil;
 Por este motivo, a criança é intimada a chegar com 30min de antecedência.
 CONSTRUÇÃO DA RELAÇÃO DE CONFIANÇA

Estabelecimento do Rapport:

 Esta etapa estabelecerá o ritmo e o tom da entrevista;


 Comece com perguntas neutras sobre o cotidiano – é interessante trazer fatos recentes
da vida do entrevistado;
 “Deixe o entrevistado falar e escute o que ele tem a dizer”;
 Use as mesmas palavras/ expressões da criança;
 A gravação só se inicia quando começa a audiência.

 FASE I: ENGAJAR E EXPLICAR

Antes da audiência: Fornecer um panorama geral da entrevista:

“Você sabe por que está aqui hoje? ”

Quando a criança não sabe, devemos explicar:

“Meu trabalho é ouvir crianças e o que acontece com elas. ”

Solicitar que o responsável explique para a criança o motivo da audiência.

 FASE II: ENGAJAR E EXPLICAR – Audiência

 Apresenta-se e personaliza a entrevista;

 Identifica todas as pessoas presentes;

 Explica os objetivos da entrevista;

 Explica que a entrevista é uma oportunidade para dar seu relato;

 Evidencia construção de Rapport;

 Transfere o controle (é o entrevistado que possui as informações relevantes);

 Explica as “regras básicas” da entrevista;

 Imprime o ritmo desejado para o restante da Entrevista;

 Demonstra escuta ativa.

 ENGAJAR E EXPLICAR
 Reconheça que relembrar de eventos requer algum esforço;
 Diga que a criança terá o tempo suficiente para recordar:
“Vou pedir que você se empenhe o máximo que puder para me contar o que você
conseguir se lembrar. Pense o tempo que for necessário...

Porque lembrar exige esforço. ”

 ENGAJAR E EXPLICAR: TRANSFERÊNCIA DE CONTROLE


 A criança tem o direito de dizer “não sei”;
 O entrevistado deve falar a maior parte do tempo;
 Instrução para relatar tudo, até mesmo o que não considerar importante;
 O entrevistado precisa adotar um papel ativo na geração de informações, não
dependendo de perguntas para falar;
 Diga explicitamente que não presenciou o evento, de modo que todas as informações
estão na memória do entrevistado.

 FASE III: RELATO E CLARIFICAÇÃO

 Encoraja o entrevistado a fornecer um relato livre e detalhado sobre o fato;

 Introduz o início da etapa de questionamento;

 Realiza questionamento com base no relato livre;

 Manter contato ocular, mas sem olhar fixamente;

 Permite pausas;

 Não interromper (escuta ativa);

 Anuir com a cabeça;

 Contextualiza perguntas;

 Esgota as perguntas sobre um tópico antes de passar para o próximo;

 Cobre os pontos juridicamente relevantes durante o questionamento;

 Não faz perguntas sugestivas;

 Não faz perguntas múltiplas;

 Não usa perguntas fechadas (no início);


 Demonstra escuta ativa;

 Planejar as perguntas com base no relato (anotar).

 “Deixe a criança falar e escute o que ela tem a dizer”.

 Para conduzir uma entrevista com sucesso pode-se dizer que o comportamento não-
verbal apropriado durante a entrevista é tão importante quanto às instruções verbais.
Apresentamos algumas sugestões para que você possa praticar comportamentos
adequados no momento da entrevista (Memon & Walker, s/d):

Sente-se de
forma relaxada;
procure manter
seu corpo
levemente de
frente para a
Tente manter uma
Não interrompa criança expressão amigável e
de suporte

Utilize contato visual


frequentemente,
Evite movimentos e
mas não fique
estilos de linguagem
olhando fixamente
para a criança

Fale devagar, use


Elogie a criança pelo frases curtas e dê
seu progresso no geral pequenas pausas
entre as frases

 RELATO E CLARIFICAÇÃO
 Sempre baseie suas perguntas naquilo que a criança verbalizou durante o relato livre;
 Nunca introduza em suas perguntas, com elementos não trazidos pela criança;
 Evitar o uso da palavra “porque”;
 Ao questionar sobre um aspecto, vá em profundidade, até esgotá-lo, evitando assim ter
que retornar a ele no futuro.

 A quantidade de informações relatadas pela testemunha depende diretamente do tipo de


pergunta feita pelo entrevistador.

 Perguntas fechadas (.. perguntas cuja resposta se restringe a uma palavra, ou pequena
frase, como por exemplo, “ele te bateu?”)

 Uma pergunta aberta é aquela que não limita a resposta da criança, dando-lhe a
oportunidade de relatar uma quantidade irrestrita de informações.

 Perguntas abertas:

Quem...?
O quê...?
Como?
Quando?
Onde...?

 Os entrevistadores não devem supor que as testemunhas fazem isso naturalmente,


portanto é papel do entrevistador é instruir explicitamente;

 Tendo em vista que lembrar requer um esforço concentrado por parte da testemunha, é
fundamental que os entrevistadores deem atenção a este ponto. Em outras palavras, a
criança deve ser incentivada a se engajar neste processo de recordação;

 Algumas crenças distorcidas, ou ideias equivocadas por parte das crianças, podem
interferir para a boa coleta de evidências. É muito comum que a testemunha acredite
que os entrevistadores sabem tanto quanto ela. Deste modo, deve-se deixar claro que o
papel do entrevistador é o de FACILITADOR – foi a criança que testemunhou o evento.
Esse esclarecimento é chamado de transferência de controle. Na transferência do
controle, o entrevistador deve dizer à criança que é ela que possui todas as informações
relevantes. É preciso transmitir claramente que a criança não deve esperar pelas
perguntas do entrevistador;
 É a testemunha que está no controle – logo, é ela quem deve gerar toda informação
possível.

 3ª ETAPA: RELATO E CLARIFICAÇÃO

 Por motivos didáticos, a 3ª etapa do modelo PEACE também será dividida em duas
seções:

1) fundamentos para obtenção de um relato livre;

2) fundamentos sobre o processo de clarificação.

1. FUNDAMENTOS DO RELATO LIVRE

 A maneira mais eficaz de iniciar a obtenção de um depoimento rico em detalhes é


solicitar um relato livre (Memon, 2007). Por meio do relato livre, o entrevistador
solicita que a criança / adolescente conte tudo o que conseguir se lembrar sobre o
evento em questão. Por exemplo, o entrevistador pode convidar o entrevistado a
falar da seguinte maneira:

“Eu não estava lá na tua casa nesse dia que [seu padrasto foi te espiar no banho
depois que a mãe saiu para o serviço]. Então, para eu entender bem o que
aconteceu, eu gostaria que você me contasse tudo que você consegue se lembrar
sobre essa situação. Conte para mim até as coisas que você acha que não são
importantes”

 Após solicitar o relato livre, cabe ao entrevistador manter uma postura de escuta ativa.
A escuta ativa envolve uma escuta atenta ao que o entrevistado tem a dizer, transmitindo
um grande interesse naquilo que é relatado. O entrevistado, independente de ser criança
ou adolescente, ao perceber que está sendo ouvido com atenção, respeito e paciência,
tende a reportar uma maior quantidade de informações. Para demonstrar estar escutando
ativamente, o entrevistador deve fazer uso das seguintes estratégias (Memon, 2007):
Não interromper

Manter contato
Demonstrar
ocular, mas
escuta ativa
sem olhar
“uhum”
fixamente

Anuir com a
Permitir Pausas
cabeça

2. FUNDAMENTOS SOBRE A CLARIFICAÇÃO

 A clarificação é o momento da entrevista em que o entrevistador vai voltar às lacunas


deixadas no relato livre, solicitando por informações adicionais. A estratégia geral no
momento da clarificação envolve uma retomada dos elementos em que o entrevistador
ficou com dúvida, seguida por perguntas abertas (Memon, 2006; 2007). Além disso,
pode ser útil recapitular algumas regras básicas citadas no começo da entrevista (ex: que
a criança pode dizer que não sabe a resposta ou que não entendeu a pergunta), para
assegurar o relato do maior número de detalhes, bem como sua acurácia;

 Para compreendermos melhor a razão da preferência pelas perguntas abertas, convém


compará-las com outros tipos de perguntas. Outros tipos de perguntas (indesejáveis nas
entrevistas de coleta de declarações) são: fechadas, múltiplas e sugestivas.
 4ª ETAPA: RESUMO E FECHAMENTO
 Antes de finalizar a entrevista, o entrevistador deve repetir resumidamente o relato
do evento, usando as mesmas palavras do entrevistado, possibilitando:
1. Checar a compreensão / recordação do entrevistador em termos da acurácia
(precisão);
2. Funcionar como uma nova oportunidade para o entrevistado recordar
detalhes adicionais. Para isto ocorrer o entrevistador deve instruí-lo que ele
pode fornecer mais informações neste momento da entrevista.
 É importante que no final o entrevistador deixe a testemunha num estado emocional o
mais adequado e positivo possível (Milne, 1999; 2004);
 O entrevistador deve terminar com um breve diálogo de alguns tópicos neutros, que não
tenham relação com o evento testemunhado pela criança;
 Após, o entrevistador deve agradecer a testemunha pelo seu empenho e cooperação;
 Adicionalmente, o entrevistador deveria dar a testemunha uma oportunidade para fazer
perguntas, esclarecer algum ponto.

REFERÊNCIAS

DOBKE, Veleda. Abuso sexual: A inquirição das crianças – Uma abordagem interdisciplinar.
Porto Alegre, POA:2011.

Fisher, R.P. & Geiselman, R.E. (1992) Memory enhancing techniques for investigative
interviewing: The Cognitive Interview. Springfield III.: Charles C. Thomas.

Memon, A. (2006). The Cognitive Interview. In O. Hargie (Ed). A Handbook of


Communication Skills (3rd ed.). Routledge: London & NY.

Milne, R. (1999). The cognitive interview: Recent research. Edited issue of Psychology, Crime
and Law, 5 ( 1 and 2).

Memon, A. (2007). A entrevista cognitiva: técnicas para incrementar a qualidade e quantidade


de informações nos relatos testemunhais. Manual de treinamento em Entrevista Cognitiva.
Porto Alegre.

Material do Curso desenvolvido dentro do projeto A. Memon, financiado pelo ESRC, com
contribuições substanciais de Güenter Koehnken (Alemanha), Ray Bull e Rebecca Milne
(Inglaterra).

Memon & Walker, N. Materiais de treinamento para entrevistas forense de crianças. Stein, L.
M. e colaboradores (2010). Falsas Memórias: Fundamentos científicos, aplicações clínicas e
jurídicas. Porto Alegre: Artmed.

STEIN, M. L., PERGHER K. G., FEIX, F. L. Desafios da Oitiva de Crianças e Adolescentes:


Técnica da Entrevista Investigativa. In: Desafios Da oitiva De Crianças no Âmbito forense.
Brasília-DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República/Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente Programa
Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Childhood
Brasil (Instituto WCF-Brasil. Projeto Culturas e Práticas não Revitimizantes: Reflexão e
Socialização de Metodologias Alternativas para Inquirir Crianças e Adolescentes em Processos
Judiciais, 2009. 77p. Childhood Brasil, 2009.

CRÉDITOS
Doemia Ignes Ceni (TJMS) – Tutora

Rosa Rosângela do Carmo Pires Aquino (TJMS) - Tutora

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