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Gagueira Infantil: Sugestões de orientação à família

Anelise Junqueira Bohnen

Quais são as orientações para as famílias de crianças que gaguejam?

1. Informações claras e precisas sobre o que se sabe e o que ainda não se sabe sobre gagueira.

Aprender a falar é muito complicado. Pequenas disfluências fazem parte deste processo. Para algumas crianças, no entanto, estas
podem ser sinais que deveriam nos alertar para uma possível gagueira, especialmente se a família tem história positiva.

As informações que já são convergentes no entendimento da gagueira são as seguintes: predominância do sexo masculino (4
homens para 1 mulher), incidência em parentes de primeiro e segundo graus, diferenças entre gagueira e disfluência, diferenças
entre criança que gagueja e a criança não fluente, idade de três anos como a mais incidente para o surgimento da gagueira,
comorbidades com distúrbios de linguagem em geral, memória, fonologia e motricidade oral em particular, a influência da
velocidade da fala (1). Pais (e pacientes) bem informados colaboram muito mais por sentirem-se parte do processo.

2. Informações sobre as causas da gagueira

Sabemos que a gagueira tem causa ainda não está totalmente desvendada e é múltipla e complexa na sua natureza. Os achados
de pesquisas mais recentes têm mostrado o envolvimento dos sistemas neuromotor e neurofisiológico na produção de uma fala
gaguejada(2). Atualmente, poucos especialistas concordam com a idéia de uma causa totalmente psicológica, embora stress,
frustrações, vergonhas, sentimento de inadequação, entre outros, colaborem para aumentar ou manter a gagueira.

Veja nestes endereços mais informações sobre causas da gagueira:

http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=34

http://www.gagueira.org.br/arquivos/what_causes_stuttering.pdf

http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=176 http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=183

A teoria Johnsoniana, datada de 1955, diz que a gagueira é o resultado de uma ansiedade causada pela influência negativa dos
pais sobre uma fala inadequada de sua criança. Como já se sabe, não há nenhuma pesquisa que comprove que os pais sejam a
causa primária da gagueira (3).

http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=156

3. Informações sobre as características da gagueira são encontradas neste endereço:

http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=29

4. Orientações sobre o que fazer para auxiliar o aumento da fluência da criança.

As orientações básicas da Fundação Americana de Gagueira(4,5,6), de Van Riper e Emerick(7), de Andrade (8) e de Bohnen(9) são
sempre muito úteis.
a. Ser “todo ouvidos”.

Isto significa aprender COMO ouvir e REAGIR à criança, tentar compreender as entrelinhas, identificar as situações que
exigem audição intensa e imediata. Ouvir é uma parte essencial da comunicação e deve ser agradável e recompensador.

b. “Falar com” ao invés de “falar para”

“Falar com” é diferente do que “falar para”. Significa ouvir mais e mandar menos, ter tolerância, promover modelo
adequado de fala, experiências agradáveis de comunicação, auxiliar a criança a expressar seus sentimentos.

c. Usar a comunicação não-verbal

Expressar apoio, usar padrão vocal afetuoso, ter proximidade, demonstrar afeto e compreensão. Tocar a criança, acolhê-
la. Procurar controlar as “caras e bocas”, mesmo que sejam feitas não intencionalmente.

d. Diminuir a pressão do tempo na comunicação

Mostrar ao invés de dizer ou mandar, falar mais devagar com a criança, dar-lhe tempo, não interromper, esperar dois
segundos antes de responder ou perguntar alguma coisa.

e. Revisar o estilo de vida

Se a vida familiar está muito agitada, compromissada, procurar rever onde poderiam acontecer algumas pequenas
mudanças que permitam um pouco mais de flexibilidade. Excesso de regras e compromissos não facilitam a comunicação,
especialmente a de uma criança que gagueja. No entanto, é preciso distinguir entre flexibilidade, rigidez e disciplina. Flexibilidade
e rigidez se contrapõem, já a disciplina permite o uso de regras decididas coletivamente e que organizam a criança.
Zebrowski(10) diz que na disciplina, a estrutura reduz a ansiedade, a consistência permite a previsibilidade; já a inconsistência
aumenta comportamentos de evitação.

f. Aceitação de um filho que gagueja

Procurar entender as diferenças individuais da fala, aumentar a tolerância, expressar aceitação, descrever os
comportamentos ao invés de rotulá-los. Conversar com a criança que a boca às vezes “tranca”, orientando-a direta e
calmamente, evitando de dizer “pare”, “respira”, ”fala devagar”, pedir para parar e começar de novo, etc. Tentar reduzir os medos
e as frustrações com a fala disfluente para mostrar à criança como lidar com estes sentimentos.

g. Não repreender, ridicularizar ou expor a criança, não ameaçá-la com injeções, monstros, castigos, não mandar parar de
gaguejar. Não é recomendado “ajudar” a criança completando suas falas, falando ou usando o telefone por ela nem estimulá-la a
substituir palavras gaguejadas por palavras fluentes. Substituir palavras é considerado um insucesso. Aumenta muito o nível de
preocupação pelo vocabulário e não diminui a gagueira. É um comportamento de evitação que deve ser desestimulado.

h. É recomendado agir com a criança de forma consistente, independente de ela estar ou não fluente, mostrar que a conversa
é prazerosa, mostrar interesse mantendo contato visual. Garantir-lhe que há tempo para escutar o que ela tem a dizer, ou pedir-lhe
para aguardar um pouco até poder se dar atenção integral ao que ela diz. Isto ajuda a dar limite à criança. O fato de se ser
compreensivo com ela por causa da gagueira não significa que todos têm que parar tudo para ouvi-la. Ela também precisa
aprender a esperar a sua vez de falar e de ser ouvida. Quando se reforça que há tempo para ouvi-la, ela pode compreender que
não precisa falar rápido. É uma forma mais sutil de estimulá-la a falar mais devagar sem precisar ficar dizendo isto a todo o
momento.

i. O que fazer quando a criança mostra muita frustração por não falar fluente?

Primeiro, reconhecer os momentos de dificuldade fazendo calmamente algum comentário que mostre que a gagueira foi
percebida. Isto passa para ela a impressão de que o assunto não é tabu, que se pode falar sobre ele sem problemas. Não é fazer
críticas nem recriminar a criança pela sua fala. Segundo, se a criança reclamar que não consegue falar, e mostrar sinais de
irritação, aproveitar para reforçar que dizer as palavras um pouco mais lentamente, em uníssono com o adulto, pode ajudar. Nesta
hora, os adultos podem dizer o necessário com articulação ampla, velocidade controlada, brincando de falar em câmera lenta
como na tv, ao reprisar lances de futebol, por exemplo. Terceiro, não desistir de ajudar, mas também não ajudar em excesso.
Ajudar não é fazer pela criança. Descobrir o ponto de equilíbrio.

j. O que fazer com os colegas ou irmãos que fazem chacota?

Explicar claramente que humilhar as pessoas não é um comportamento adequado, que todos têm qualidades e
dificuldades a serem superadas. Que as pessoas que gaguejam não o fazem por achar divertido ou engraçadinho, ou para chamar
a atenção. Respeitar as diferenças individuais faz parte do viver em comunidade. Se os pais não conseguem resolver esta
questão, o fonoaudiólogo deve solicitar uma entrevista com os irmãos ou professores para se chegar a um termo onde a criança
que gagueja possa ser respeitada. E que ela também possa respeitar os outros nas suas dificuldades.

k. O que fazer quando a gagueira está pouco manejável?

Sabemos que a gagueira é muito variável na sua manifestação. Nos momentos em que a freqüência aumenta,
proporcionar à criança situações onde a fluência possa aparecer como cantar, dizer falas automatizadas (dias da semana,
números), brincar de falar no ritmo, fazer teatrinhos.

l. Orientação sobre as altas expectativas dos pais

As condutas dos pais devem estar adequadas à idade da criança, ao seu nível de maturidade, às suas conquistas de
fluência com a terapia. Pais devem observar seus níveis de exigências, e seguir as combinações feitas na hora de decidir os
objetivos terapêuticos. Melhorar a gagueira não é uma tarefa que se realiza em poucos dias. Tolerância e colaboração são
habilidades a desenvolver, sempre que necessário.

Referências Bibliográficas

1. Bohnen, AJ. Questões sobre a avaliação e a terapia da gagueira. J. CRFa-3ª Região 1999; 17:16.

2. Bohnen AJ. e Oliveira A. A Contribuição das Neurociências para o Entendimento da Gagueira. Fono Atual 2004; 28:58-67.

3. Ramig P. Parent-child-clinician partnership in the therapeutic process of the preschool-and elementary-aged child who stutters.
Sem Speech and Lang 1993; 14:nº 3.

4. Stuttering Foundation of America. If your child stutters. Memphis 1988 (Publication nº 11).

5. Stuttering Foundation of America. The child who stutters at school:notes to the teacher. Memphis 1995.

6. Stuttering Foundation of America. Stuttering: treatmentof the young stutterer in the school. 12th ed. Memphis 1996; (Publication
nº 4).

7. Van Riper C, Emerick L. Correções da Linguagem. 8ª ed. Porto Alegre (RS); Artes Médicas; 1997.

8. Andrade, CRF. Diagnóstico e intervenção precoce no tratamento das gagueiras infantis. Carapicuíba (SP): Pró-Fono
Departamento Editorial; 1999.

9. Bohnen, AJ. Sobre a Gagueira. São Leopoldo (RS), Unisinos, 2005.

10. Zebrowski, PM. Counseling the parents of children who stutter. Stut. Found. of America, brochura, s/d.
[1] Baseado em: RIBEIRO, I.M. Conhecimentos Essenciais para atender bem a pessoa com gagueira. Cap 4, 53-69; 131-132. 2ª
Ed, Pulso Editora, São Paulo, 2005.

[2] Doutora em Linguística Aplicada, Diretora Educacional do Instituto Brasileiro de Fluência - IBF

Fonte: http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=186

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