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A Alpargatas $ALPA3/4
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A Alpargatas

Q uem voltasse no tempo até a


São Paulo de 1907¹ dificilmen-
te encontraria alguma semelhança
entre a “Sociedade Anônima Fá-
brica Brasileira de Alpargatas”,
fundada pelo escocês Robert
Fraser no início do século, e a
empresa que hoje é famosa por
ser dona da Havaianas, Osklen e
Mizuno.

Naquela época, “branding” e “va-


lor da marca” eram palavras que
não pertenciam ao vocabulário
dos empresários.

Assim, o objetivo deles era muito


mais simples: produzir o que as
pessoas precisavam. Como na
época o que bombava nas ci-
dades paulistas era o café, a Alpargatas tratou logo de
cobrir os pés daqueles que davam duro na lavoura. Com um
calçado típico, feito de pano e solado de corda, a conhecida
“alpargatas roda” tomou conta dos cafezais.

O sucesso foi tão grande que pouco tempo depois, em 1913, a


empresa fez sua estreia na Bolsa de Valores de São Paulo, sendo
a terceira ação a ser listada na Bovespa.²

A cereja do bolo, no entanto, só veio mesmo em 1962,


quando a Alpargatas lançou o que foi, provavelmente, o
único produto do mundo a ter sido comprado por livre e
espontânea vontade pela população inteira de um país:
as sandálias Havaianas.

¹ APIMEC 2007
² A Alpargatas foi fundada em 1900 e, curiosamente, abriu seu capital em 1913. Foi a segunda
ação a ser listada na Bolsa de Valores de São Paulo.

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Havaianas
Pra dar uma ideia, desde que você começou a ler esse
relatório, a empresa já vendeu mais de 500 pares de chinelo³.
Caso colocássemos cada par que já foi vendido desde o
lançamento em linha reta, daria para ir até a lua e quase voltar⁴.

As sandálias da marca estão tão intrinsecamente ligadas


à história do país, que até mesmo contribuiu para o nosso
vocabulário. Como o produto sempre teve um custo de
fabricação muito baixo, sendo feito quase que exclusivamen-
te de borracha, obviamente surgiram várias empresas tentando
“copiar” os chinelos.

A Alpargatas, como toda boa empresa, correu atrás para


defender seu mercado e iniciou uma feroz campanha de
marketing desqualificando o produto das concorrentes. Já
que a legislação sobre concor-
rência e propaganda da época
era ínfima, os ataques corriam
livremente.

O “bullying” foi tão grande que


uma das empresas, chamada
“Fajuta”, entrou pro Dicionário
Aurélio como sinônimo de má
qualidade. Hoje, praticamente
ninguém sabe que a origem da
palavra vem daí.

Com o baixo preço e a difi-


culdade das concorrentes de
penetrar a barreira de marke-
ting da empresa, os chinelos
se popularizaram.

No entanto, apesar de ter-


mos a imagem de um “calçado

³Em 2018, ela vendeu cerca de 8 pares de Havaianas por segundo. Uma pessoa leva em
média pouco mais de 1 minuto para ler o trecho que vai do início do relatório até aqui.
⁴É difícil encontrar o número preciso, mas ele já passa de 4,5 bilhões.

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democrático” (o qual, de fato, já passou pelos pés


de mais de 83%⁵ dos brasileiros), quem é mais velho
deve lembrar que, antigamente, as Havaianas eram usadas
quase que unicamente por quem não tinha dinheiro, já
que eram baratas.

Como um consumidor mesmo disse: “A gente usava porque


era a única coisa que dava pra deixar na areia [da praia] e
quando você voltava do mar ainda estava lá”. Sádico, mas nada
mais brasileiro que isso.

Chegou num ponto que os chinelos, vendidos em supermer-


cados na época, eram tão “commodity”⁶ que algo inusitado
aconteceu. Na década de 80 e 90, numa tentativa frustrada de
conter a inflação galopante que assolava o Brasil, o governo
decretou que controlaria o preço dos itens básicos, como pão,
leite, arroz… e Havaianas.

Isso, claro, foi horrível para a companhia, já que enquanto


o preço das sandálias estava congelado, o da borracha e
demais custos de produção continuavam a subir. Em 1995,
ano em que o Plano Real finalmente conseguiu pôr as rédeas
na inflação, a Alpargatas estava praticamente quebrada. Não
havia dinheiro nem para pagar os funcionários.

No ano seguinte, quando a Nike - que muitos não sabem, mas


foi trazida por eles para o Brasil e, na época, era a principal
marca depois da Havaianas - decidiu que não renovaria o
contrato de licenciamento⁷, o túmulo da companhia foi selado.

Quase que ironicamente, o milagre veio da coisa mais


brasileira possível (antes mesmo da própria Havaianas): o
futebol. Num tiro certeiro, a edição comemorativa das sandá-
lias em homenagem à final da Copa do Mundo entre Brasil e
França virou uma febre.

⁵De acordo com a consultoria Millward Brown, 83% dos brasileiros compram ao menos um par de
Havaianas por ano.
⁶Commodities são o famoso “tanto faz como tanto fez. Produtos em que a qualidade e as ca-
racterísticas são iguais, independente de onde venha. Por exemplo: Arroz, Soja, Minério de Fer-
ro, Petróleo… É comum ver as pessoas se referindo a um produto (que não é commodity) como
commodity, no intuito de dizer “menosprezar” e dizer que ele é mais do mesmo e não tem grande
valor nem diferença para outros produtos.
⁷ Quando uma marca permite que outra empresa venda os produtos dela em algum país, chama-
mos isso de “licenciamento” ou “contrato de licenciamento”.

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Nada sobe
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pra sempre
E você? Até quando vai investir sem
saber quanto valem suas ações?

Valuation - Do Zero ao Avançado

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Mesmo tendo perdido por 3 a 0, as pessoas continuaram


comprando o modelo e hoje ninguém mais associa o chinelo
branco/azul com a bandeirinha do Brasil a esse fatídico dia.

A ideia de lançar uma edição comemorativa, no entanto,


teria sido totalmente absurda 5 anos antes, quando a Havaianas
tinha apenas 5 modelos de sandália. Desde o lançamento
da marca, há mais de 40 anos, eles haviam conseguido a
proeza de criar inimagináveis 2 novos modelos (todos
brancos, a única cor que variava era a da tira e da parte de
baixo do solado).

A ideia genial de lançar um coleção nova só veio porque


os surfistas da época começaram a inverter o solado
para “lançar moda”. Foi aí que a Alpargatas criou a Havaianas
Top (aquelas de uma cor só, que quase todo mundo usa hoje
em dia) e passou a cobrar um preço mais caro por elas.

Dessa forma, o pessoal mais endinheirado ficava com as Top,


enquanto a classe C, D e E ficava com as tradicionais, burlando
a - irracional - vergonha das classes média e alta da época de
usar o mesmo produto que as outras.

Com essa tacada, que misturou maestria e sorte, a Havaia-


nas conseguiu o que toda marca sonha: ser adotada por todo
mundo. Hoje, a estimativa é que
mais de 90% dos brasileiros
tenham comprado uma Havaianas no
último ano. No total, é vendido mais
de um par por habitante no país.

Dominando o mundo, as sandálias


brasileiras podem ser compradas
em 222 lojas espalhadas por mais
de 117 países diferentes ou em
qualquer uma das 477 lojas nacio-
nais. Nem mesmo aquele que já foi
um dos homens mais poderosos do
mundo resistiu ao charme e à sim-
plicidade da brasileira Havaianas. Barack Obama, enquanto presidente
dos EUA, usando Havaianas

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Mizuno
O relacionamento com a Mizuno começou em 1997, logo
depois que a Nike deixou a Alpargatas para se aventurar
sozinha pelo Brasil. Ressentida com a partida da ex, a Alpar-
gatas buscou outra marca que pudesse preencher o espaço
para tênis esportivos que havia em seu portfólio. Surgiu
então a oportunidade de licenciar a Mizuno, uma marca global,
fundada no Japão há quase 1 século.

Inicialmente, o foco aqui no Brasil eram os tênis de corrida,


especialmente os de alta performance. Mesmo competin-
do com gigantes, como Nike, Adidas, Asics e Olympikus, a
marca japonesa conseguiu se consolidar como sinônimo
de qualidade, patrocinando corridas de rua, maratonas e
os eventos do Iron Man no país.

Quem frequentou corridas entre 2000 e 2010 deve se lembrar


que os tênis da Mizuno eram os mais cobiçados e figuravam
entre os melhores (se não o melhor) da época, calçando
os pés de grande parte dos corredores profissionais. Como
resultado, no período entre 2008 e 2013 o volume de vendas
cresceu uma média de 40% ao ano. O licenciamento, que
expiraria no final desse período, foi renovado por mais 13 anos,
com uma opção de renovar automaticamente por mais 13. No
total, ele irá durar até 2039.

Com o passar do tempo, no entanto, a marca foi perdendo espa-


ço. A culpa, aqui, não é somente da Alpargatas. Claro, a ideia que
ela teve, em 2011, de abrir mão do foco em um nicho específico
para explorar outros - estranhos - mercados, como o judô⁸, ob-
viamente contribuiu para a perda de posicionamento da marca.

Apesar disso, o que pesou mesmo foi a corrida tecnológica


que ela disputou com a Adidas e, principalmente, a Nike.
Essa última hoje lidera com folga o mercado de calçados de
corrida esportiva.

⁸Quando nos deparamos com isso, fizemos a pergunta que você também deve estar se fazendo.
Afinal, quem levou pra mesa a ideia de explorar um esporte em que o único acessório é um Kimo-
no que dura, no mínimo, de 2 a 4 anos?

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Usando um dos lança-


mentos da marca, o que-
niano Eliud Kipchoce con-
seguiu, no final do ano
passado, o incrível feito
de correr uma maratona
(42 Km) em menos de 2
horas.

Antes, a ciência costuma-


va dizer que a barreira de
120 minutos era “huma-
namente impossível” de
ser batida. O tênis usado
faz parte de uma linha-
com solado preenchi-
do por placas de fibra de
carbono.

Eles aumentam tanto


a performance do cor-
redor que chegaram a
ser banidos pela World
Athletics⁹. A Nike, claro,
mudou rapidamente o
modelo para se enquadrar
nos novos padrões.

Tênis de Corrida dos


melhores colocados nas
maratonas de 2019.

⁹https://bit.ly/2y7HEbd

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Os efeitos dessa competição ficam claros quando a gente


abre a receita líquida da Mizuno Internacional (a Japonesa,
dona da marca no mundo todo) por negócio.

Desde 2013, não só a quantidade de dinheiro entrando diminuiu,


como o percentual que vem de calçados também caiu. Não é
de surpreender que o resultado aqui no Brasil também não
tenha sido dos melhores. No final de 2017, a participação da
Mizuno no mercado de calçados brasileiros (em reais) era de
meros 4% e em volume 2,4%. Com isso, ela ocupava o 5º lugar
no ranking de número de calçados vendidos por marca e o 4º
em faturamento.

Hoje em dia, além de tênis de corrida, a Mizuno também vende


chuteiras, roupas esportivas, tênis casuais e… tênis de corrida
para crianças. Este último nos deixa com saudades dos tempos
de judô.

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Com os produtos sendo vendidos historicamente por lojas de


artigos esportivos (umas Centauro da vida), a marca iniciou
uma aposta em “unidades conceito”, com espaço para o
consumidor fazer teste de biomecânica e escolher o tênis que
mais se adapta a sua passada na corrida.

As lojas ainda contam com prateleiras interativas, com te-


las que fornecem informações sobre os produtos e testes que
concedem descontos para quem acertar as respostas. Essas
novas unidades já nascem omnichannel ¹⁰, com o estoque todo
integrado ao e-commerce.

Essas medidas, infelizmente, parecem mais um petisco para


acalmar a fome dos investidores do que uma estratégia efetiva
para reverter o quadro em que a Mizuno se encontra. Abalada
pela crise de 2015, a marca nunca mais se recuperou e hoje o
número de peças vendidas no Brasil é menos da metade do que
era vendido em 2015.

¹⁰ Omnichannel é o termo usado para se referir à quebra de barreiras entre a loja física e a virtu-
al (e-commerce). No omnichannel, o cliente pode comprar online e retirar na loja, assim como
comprar algo que está fora da loja e receber em casa.

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Osklen
Enquanto uns são cautelosos e diligentes¹¹, a Alpargatas é aque-
la empresa que se joga de cabeça em mares nunca dantes
navegados com a confiança - e até insolência - de alguém que
viveu a vida toda nestas águas.

Sem nunca ter tido uma operação no mercado de vestuá-


rio e com uma expansão internacional - que comentaremos
mais adiante - em curso, a empresa decidiu em 2013 que não
só iria adquirir 30% (e no ano seguinte, 60%) da grife carioca
de roupas de luxo Osklen, fundada pelo estilista Oskar Metsa-
vaht, como também iria acelerar a abertura de lojas da marca ao
redor do mundo¹².

O que ela não esperava era que logo no ano seguinte os


ventos passariam a soprar em sentido contrário. A crise de
2015 impactou o país como um todo, mas o desastre foi ainda
maior para a marca carioca.

¹¹Leia-se, Arezzo.
¹² O mais surpreendente é que não havia nenhuma sinergia entre as marcas antigas e a nova.
Apesar de ambas atuarem no varejo de moda, os negócios eram completamente distintos. O
único motivo por trás da aquisição foi mesmo a ideia de acelerar a expansão internacional.

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Como o posicionamento de “luxo” dela não é tão luxuoso


assim¹³, a base de clientes não se concentra nos “super ricos”,
que pouco perdem em poder de compra durante as crises, mas
sim num mix de classe média-alta e classe alta.

Uma vez que esses nichos sentem um pouco mais o peso da


recessão, ela foi obrigada a reduzir seu ticket médio (cerca
de 64% da receita vem do vestuário e 36% de calçados) para
desafogar as coleções que estavam paradas nas lojas e evitar a
queda no volume de compras.

(Vale lembrar que esse não é o preço de vitrine dos produtos. A Osklen opera por meio de
franquias, lojas próprias e até mesmo multimarcas, como a Farfetch. Os produtos são passados
aos franqueados e multimarcas com um desconto grande o suficiente para que eles possam
revendê-los e ainda lucrar com isso.)

A ideia de acelerar a expansão internacional a partir de 2016 tam-


bém foi pelo ralo. Quando foi comprada, a Osklen tinha 7 lojas no
exterior. Hoje, esse número caiu para 3.

No Brasil, a marca segue com 72 lojas, 4 a menos do que


antes. Apesar do último dado informar que o total de lojas
chegou a 80, não é dito se as novas foram abertas lá fora ou
aqui. De qualquer forma, o número é menor do que os 83 que
ela tinha em 2014.

¹³De acordo com a consultoria internacional Roland Berger Strategy, a Osklen é um “luxo acessí-
vel”, abraçando as classes A e B.

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Meggashop
Sabendo que nem tudo é perfeito e muitas vezes as coleções
lançadas pelas marcas não são bem aceitas pelo público, a
Alpargatas tratou logo de lançar seus próprios outlets, que
foram chamados de Meggashop.

Apesar da Meggashop ter sido inaugurada pela empresa em


1992, essa estratégia só começou a se popularizar entre as
varejistas de moda agora. A Arezzo, por exemplo, reuniu
recentemente todas as suas marcas para serem expostas em um
único outlet.

A vantagem desse modelo é clara. Em vez de colocar os


produtos que não estão tendo boa aceitação em promoção
- o que deixa claro para o consumidor que algo deu errado e
diminui a percepção de valor dos outros itens ao redor que
estão vendendo bem, a Alpargatas joga eles em outra
unidade, que vende tudo com os “preços cortados”.

Agora, com menos marcas, o número de unidades da


Meggashop também tem caído. A rede, que já teve 25 lojas,
hoje conta com apenas 4, todas próximas aos centros de
distribuição e fábricas da Alpargatas.

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E as outras mil marcas


Tem gente que coleciona selos, tem gente que coleciona
relógios e tem a Alpargatas, que por muito tempo colecio-
nou... marcas. O número de logos debaixo do guarda-chuva da
empresa chegou a passar da casa dos 30.

Eram tantos nomes que nenhum humano sensato conse-


guiria (ou se daria ao trabalho de) gravar todos. Partindo da
premissa que os executivos se enquadram na categoria dos
Homo Sapiens, fica fácil entender o porquê dessa estratégia não
ter dado certo.

Apesar dos dados nunca terem sido abertos, a própria atitude


da companhia de encerrar as várias marcas e se concentrar nas
maiores e mais populares deixa isso claro.

De qualquer forma, é fácil conjecturar o que aconteceu: a


sinergia entre uma marca de lonas de caminhão (Locomotiva)
e uma de tênis voltados para o vôlei (Rainha) é praticamente
nula. Para compensar o custo de investir no marketing de
várias marcas distintas, a Alpargatas provavelmente tentou
colocar sua equipe para jogar em vários times ao mesmo tempo.

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Não seria surpreendente se descobríssemos que o diretor de


logística da Sete Léguas (marca de botas de borracha, do tipo
usado em frigoríficos) era o mesmo que o da Night&Day (que
fazia toldos). Imagine a confusão.

Durante o tempo que passamos imersos nos arquivos da


empresa, surgiu a piada entre nós de que ela tinha algumas
marcas “Mr. Poopybutt”.

O personagem, que aparece na série “Rick and Morty”, gera um


desconforto em quem assiste, pois surge aparentemente do
nada e age como se estivesse lá desde o primeiro episódio, dei-
xando tanto os espectadores quanto os próprios personagens
da série confusos.

Ninguém tem absoluta certeza se ele já estava lá desde o


início ou não. Na Alpargatas, algumas marcas são um pouco
“Mr. Poopybutt”: aparecem completamente do nada em uma
Conference Call¹⁴ ou numa apresentação na APIMEC¹⁵ e nunca
mais são citadas novamente.

Agora, com o portfólio de marcas mais enxuto, esse tipo de


situação ficou mais raro. Mesmo assim, ainda há um caso
clássico: a Dupé.

Na Alpargatas, algumas marca são


um pouco Mr. Poopybutt

¹⁴Conference Call é um nome bonito para conferência de resultados. É basicamente uma


apresentação por telefone e/ou computador que os executivos da companhia fazem para
divulgar os resultados do trimestre ou do ano. Qualquer investidor pode entrar ao vivo ao final
dela para fazer uma pergunta.
¹⁵APIMEC é a sigla para “Associação dos Analistas e Profissionais do Mercado de Capitais”. De
vez em quando, algumas empresas fazem apresentações lá e divulgam no site de RI.

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Em 2007, a Havaianas já vendia bastante no Brasil e


havia pouco que ela pudesse fazer para aumentar ainda mais
a sua popularidade. A única região onde ela não conseguia
penetrar bem era no Nordeste. Lá, a marca pernambucana Dupé
dominava o mercado.

Apesar de ter apenas 6% do mercado de sandálias brasileiro


(o que a colocava como a terceira maior empresa do setor),
contra 48% da Havaianas, em alguns locais do Nordeste sua par-
ticipação pulava para 30%¹⁶. Com o aval do CADE, a Alpargatas
resolveu esse problema adquirindo a CDS, dona da Dupé, por
R$50 milhões.

Desde essa época, a estratégia foi aproveitar que as sandálias


da marca pernambucana eram cerca de 10% mais baratas¹⁷ e
usá-la para explorar um público de mais baixa renda, enquanto
a Havaianas em si passaria a tentar se posicionar como um
produto mais premium - longe de ser uma Chanel, os preços
hoje continuam mais caros que o da irmã nordestina.

A Dupé, que já era vendida na rede do Walmart, agora também


vai estar presente no Carrefour, na C&A e na Amazon. Além
desses canais mais clássicos, ela também pode ser encontrada
em lugares menos ortodoxos, como as revistas da Avon.

Juntas, as duas marcas tem hoje entre 48% e 52% do


market share de sandálias no Brasil. Na Dupé, os preços
ficam entre R$10 e R$20. Na Havaianas, entre R$15 e R$75.

O problema é que os dados fornecidos pela empresa passa-


ram a juntar a Dupé com a Havaianas, reportando apenas o
resultado do conjunto chamado de “sandálias”, isso quando eles
não são simplesmente omitidos.

Pela experiência que temos com a Alpargatas, todas as vezes em


que uma marca foi subitamente jogada de escanteio o motivo foi
o mesmo: os resultados não estavam sendo lá muito bons.

¹⁶https://bit.ly/2y6KrRY
¹⁷As sandálias da Dupé são fabricadas com a mesma borracha da Havaianas, porém tem uma
densidade mais baixa, o que torna elas mais baratas.

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Quem manda na empresa

A história do controle da Alpargatas é uma caricatura triste dos


eventos que acometeram o Brasil nas últimas décadas.

Por anos a empresa foi controlada pelo grupo Camargo


Corrêa. Longe da imagem impopular que tem hoje, o grupo era
visto como um acionista sólido, com experiência - até demais,
como viríamos a descobrir mais tarde - em lidar com as pecu-
liaridades do Brasil, o que dava certa credibilidade às ações da
Alpargatas.

Tudo corria muito bem, até que uma operação denominada “Lava
Jato” começou a investigar a empresa e descobriu que ela esta-
va envolvida em um esquema gigantesco de corrupção e desvio
de recursos da Petrobrás.

Como consequência, ela se viu obrigada a fechar um acordo de


leniência que a obrigava a pagar uma multa no valor de R$1,4
bilhão.

Apesar do acordo só ter saído em 2019, a Camargo Corrêa já


previa que a história acabaria assim. Por isso, tratou de correr
para vender as empresas que tinha, numa tentativa - estabana-
da - de conseguir preços melhores por suas participações.

Como a Alpargatas sempre foi um negócio meio exótico no


portfólio da empresa, que era mais conhecida por atuar na parte
de infraestrutura (na época, ela era dona da CCR, que admi-
nistra estradas e barcas, CPFL que distribui energia e também
algumas fábricas de cimento), ela foi uma das primeiras a ser
posta à venda no mercado.

E é aí que o enredo fica ainda mais bizarro.

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Valendo cerca de R$3,5 bilhões na bolsa e com um dólar


a R$4, parecia óbvio que o comprador seria algum Private
Equity¹⁸ gringo. Nomes como Carlyle, KKR e Advent eram os
fundos estrangeiros mais cotados para levar a produtora de
chinelos pra casa. No Brasil, Gávea, GP, Tarpon e Cambuhy
também estavam no páreo.

Olhando para dentro de casa, as concorrentes Grendene e


Arezzo também eram apostas prováveis. A primeira, dona da
marca Ipanema, principal concorrente da Havaianas, estava
(e ainda está, só que o tamanho dobrou) sentada em cima de
um caixa de R$1 bilhão, que não pode ser distribuído como
dividendos por ser fruto de incentivos fiscais.

O resultado do negócio seria uma gigante, praticamente um mo-


nopólio, com mais de 80% do mercado de chinelos do Brasil.
Obviamente o CADE¹⁹ acabaria colocando o pé na frente,
derrubando a chance dessa aquisição acontecer.

Quanto à Arezzo, reza a lenda que os Birman cortaram a ideia


logo de cara. A praia deles sempre foi a de calçados com maior
valor agregado, nada a ver com as sandálias de borracha
vendidas pela empresa.

Além disso, a fusão acabaria diluindo a família, que não gostou


da história. Apesar de ser mais descontada, a Alpargatas valia
quase o dobro da Arezzo na época: R$3,4 bilhões contra R$1,8
bilhão.

Contrariando a expectativa de todos, a J&F Investimentos, hol-


ding dos hoje conhecidos “Irmãos Batista”, surgiu do nada com
um cheque de R$2,7 bilhões e comprou a empresa à vista, no
final de 2015.

¹⁸Em termos gerais, Private Equity é uma modalidade de investimento em que a gestora compra
uma parcela de determinada empresa com o intuito de atuar ativamente na gestão do negó-
cio, alavancando os resultados como lucro, receita e rentabilidade, para depois vendê-la por um
preço mais elevado.
¹⁹Cade é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e é responsável por defender a livre
concorrência nos mercados, em casos de Fusões e Aquisições.

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A oferta foi tão abrupta que nem


o due dilligence²⁰ foi feito, algo
inimaginável em uma negociação
desse tamanho. Aparentemente,
eles tinham certeza de que o
galinheiro deles era mais sujo que
o do vizinho.

Quatro meses depois, esse mo-


vimento dos irmãos começou
a fazer um pouco mais de
sentido. O dinheiro, diferente do que o mercado pensa-
va, não tinha saído do bolso deles. A Caixa liberou um
empréstimo com prazo de pagamento de 7 anos e carência
(tempo até que ele comece, de fato, a ser pago) de 2 anos.

Geddel Vieira Lima, que fez o lobby para liberarem o emprés-


timo, está preso. Eis que surge novamente a Lava Jato. Só que
dessa vez a investigada era a J&F. Adivinhe o que aconteceu?
A Alpargatas, que mal tinha encontrado um novo dono, voltou
a ser colocada à venda no mercado.

Pra felicidade de todos, a empresa caiu nos braços do consórcio


Cambuhy-Itaúsa-Brazil Warrant, em setembro de 2017. Quem
já tem algum tempo
de mercado sabe
que esses três no-
mes significam, ba-
sicamente, duas (ou
uma única entida-
de): a Família Mo-
reira Salles e os
Villela-Setubal.

²⁰Due Dilligence é um processo comum em grandes aquisições. Por meio dele o comprador ten-
ta descobrir potenciais riscos ocultos na empresa que está levando pra casa. Em geral, demora
semanas.

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Donos do Itaú Unibanco, os Moreira Salles e os Villela-Setubal


são parceiros de longa data. Juntas, as duas famílias lideraram
a fusão que uniu Itaú (dos Villela-Setubal) e Unibanco (dos Mo-
reira Salles), criando o maior banco privado do Brasil.

Com negócios diversos, como a Revista Piauí, e com um


pedacinho de quase tudo que existe no Brasil, os clãs dos
Moreira Salles e dos Villela-Setubal são praticamente órgãos do
sistema vital brasileiro.

Conhecidos pelo perfil low-profile, pela ficha limpa e por


investirem com um olhar de longo prazo, os novos donos devem
dar uma acalmada no toma-lá-dá-cá do controle da Alpargatas.

Sozinhos, hoje eles têm quase 57% das ações da companhia, a


maior parte delas, ações ordinárias²¹.

²¹Ações ordinárias, conhecidas como ON, são aquelas que dão direito a voto. Em bom
português, quem tem as ON é quem dá as cartas na empresa, indicando os
conselheiros, que por sua vez definem quem vai ocupar a diretoria. O outro tipo de ação é a pre-
ferencial (PN), que por não dar direito a voto, recebe uma quantia maior de dividendos.

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O único outro acionista relevante que joga ao lado do consór-


cio é o bilionário Silvio Tini, com sua holding Bonsucex. Famoso
por ser ativista²² quando isso significa defender seus interesses,
Silvio tem ações da empresa desde 2011, tendo acompanhado
toda a novela de mudança de controle da última década.

Há alguns anos, no entanto, o bilionário vem reduzindo sua parti-


cipação na companhia - que já chegou a 20% e hoje é de pouco
mais da metade.

A expectativa na época em que o consórcio Cambuhy-Itaúsa-


-Brazil Warrant assumiu era de que o cheque de R$3,5 bilhões
assinado por eles refletisse em um mudança drástica na ges-
tão. Afinal, como diziam no mercado: “o mato lá é muito alto, tem
muita coisa pra cortar”.

Como você vai ver agora, parece que alguns passos já foram e
estão sendo dados.

²²O termo “investidor ativista” é usado para se referir a um tipo de investidor que, em vez de com-
prar as ações e assistir o jogo rolar, busca influenciar o conselho de administração para aprovar
medidas que considera importantes. No caso do Silvio, ele já evitou que a Camargo Corrêa unisse
o caixa da Alpargatas ao seu. Imagine o tamanho do problema que teria sido causado se essa
proposta tivesse passado e o grupo tirasse o dinheiro do acordo de leniência desse caixa.

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Quem está por trás do sucesso
(ou fracasso) da empresa $ALPA3/4
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Quem está por trás do sucesso


(ou fracasso) da empresa?

N os corredores da Faria Lima, a conversa que rolava sobre a


Alpargatas era sempre a mesma: o mato é alto e tem muita
coisa pra cortar. A cartilha a ser seguida por quem comprasse
o negócio da J&F era simples: cortar custos desnecessários,
vender os negócios que há tempos tinham margens baixas
(e até negativas) e focar no principal, que é a Havaianas. Em
resumo, fazer o básico bem feito.

Diretoria
Como diz o ditado, é mais fácil falar do que fazer. De qualquer
forma, os novos donos já deram o primeiro passo: a coinciden-
te aposentadoria do homem que liderou a Alpargatas por mais
de 15 anos - e que, como todo ser humano, vinha dando sinais
de desgaste.

Márcio Utsch (ex-CEO)

É impossível falar do management²³ atual sem mencionar


o homem cuja trajetória se mescla com a história da própria
Alpargatas.

De origem humilde, Márcio se mu-


dou cedo para o Rio de Janeiro
e começou a trabalhar como co-
brador de ônibus (em carioquês,
trocador) quando ainda tinha 12
anos. Pouco tempo depois, iniciou o
que viriam a ser 16 anos de carrei-
ra em uma das mais famosas lojas
de departamento do Brasil, a - hoje
falida - Mesbla.

²³Uma palavra bonita para “Executivos” ou “Diretores”.

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Quem está por trás do sucesso
(ou fracasso) da empresa $ALPA3/4
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Saiu de lá (antes da falência) para assumir um cargo de


diretoria na Gradiente. Passou ainda pela Casa&Video an-
tes de finalmente ser contratado pelo próprio presidente da
Alpargatas na época, Fernando Tigre.

Começou debaixo, como gerente de varejo, e foi escalando


degraus (além de fazer dois MBAs) até se tornar CEO da empresa,
em 2003.

No cargo por quase duas décadas, ele foi um dos idealizado-


res da transformação da Havaianas em uma marca global. Na
sua mão, ela saiu de 40 milhões de pares vendidos por ano
para quase 300 milhões. O mercado internacional, que na
época trazia meros 2% da receita, agora é responsável por mais
de 20% do faturamento total da empresa.

As aquisições também foram um traço marcante da sua gestão.


Numa mistura de ambição, megalomania e autoconfiança por
ter ajudado a Havaianas a sair do status de commodity e se
tornar um símbolo do Brasil, a equipe liderada por Utsch
acabou entrando em negócios que não eram a especialidade
dela.

Entre contratempos e falta de foco, a maioria deles acabou des-


truindo valor, com as margens se deteriorando e o market share
indo ladeira abaixo. Felizmente, grande parte foi vendida ao lon-
go dos últimos anos.

Como a política da empresa é de aposentar os executivos aos


60 anos e Márcio chegaria nessa idade no início de 2019, ele
já aproveitou a oportunidade (e talvez a pressão dos novos
controladores) para passar o bastão para o próximo CEO.

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Nada sobe
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pra sempre
E você? Até quando vai investir sem
saber quanto valem suas ações?

Valuation - Do Zero ao Avançado

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Quem está por trás do sucesso
(ou fracasso) da empresa $ALPA3/4
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No mesmo ano em que o


executivo deixou a compa-
nhia, a venda da Sete Léguas
(que produz botas de bor-
racha para uso profissional)
e da operação da Topper na
Argentina foram concluídas.

De acordo com algumas


notícias, a Alpargatas chegou
a cogitar manter Utsch na em-
presa como membro do con-
selho de administração. O executivo, no entanto, recusou a pro-
posta, alegando que o novo CEO precisava de “liberdade para
administrar”.

Roberto Funari (CEO)

Dos 32 anos no mercado de consumo, o novo CEO passou mais


da metade na multinacional Reckitt Benckiser. Foram 17 anos
ocupando cargos de executivo na empresa que fabrica pro-
dutos de higiene, saúde e limpeza bastante conhecidos, como
Veja, Jontex, Vanish e os inseticidas SBP.

Desde abril de 2018 - um


semestre depois do contro-
le da empresa trocar de mãos
- ele já vinha ocupando um
assento no conselho da Alpar-
gatas, onde liderava o comitê
de estratégia, com foco espe-
cífico na marca Havaianas.

De fala mansa e com uma pe-


gada de “revolução digital”, Ro-
berto Funari terá um duro ca-
minho pela frente até provar a
que veio.

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Quem está por trás do sucesso
(ou fracasso) da empresa $ALPA3/4
Edufinance

A pressão dos investidores é alta e muitos tem a expectativa


de que ele organize a venda da Mizuno e da Osklen, que nunca
decolaram nas mãos da empresa, ficando somente com o
negócio de sandálias, o carro forte da Alpargatas.

Se as coisas estão caminhando para isso, nós não sabemos.


Desde que entrou, o executivo tem tangenciado boa parte das
perguntas dos analistas e aboliu qualquer tipo de guidance.

A resposta mais comum dada por ele durante as conferências


de resultado tem sido: “como vocês sabem, nós não damos
guidance”. De tão frequente, acabou virando uma brincadei-
ra entre nós por algum tempo. Quando alguém não queria
responder algo, simplesmente dizia que “não dava guidance”.

Junto com o novo CEO da Osklen, Roberto Funari também


trouxe outras duas crias da Ambev: José Roberto Daniello,
que vai ocupar o cargo de Diretor de RH, e Maria Fernanda
Albuquerque, que foi diretora de marketing da Skol por
três anos e agora vai liderar uma nova área de “projetos
estratégicos”.

Julian Garrido (CFO)

Já que é pra trocar, melhor trocar todo mundo logo de uma vez.
Poucos meses antes da entrada de Funari, o consórcio também
colocou Julian Garrido no cargo de CFO.

Com um histórico que passa pela GE, Saint Gobain e Dow


Química, Garrido vem substituindo Fabio Leite, que ocupou a
vaga meio que “às pressas” quando o antigo CFO, José Roberto
Lattiere, renunciou para assumir o mesmo cargo na Natura.

O novo diretor contribui para a arejada que os donos do Itaú


estão tentando dar no management da empresa. Com sorte,
não teremos mais que nos defender das manobras contábeis
que eram feitas para “embelezar” os resultados, como você verá
na seção “Abacaxis”.

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Quem está por trás do sucesso
(ou fracasso) da empresa $ALPA3/4
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Os diretores receberam, na média, um salário de R$321.435


em 2019. Levando em conta os benefícios, bônus, incentivo de
Longo Prazo e remuneração baseada em ações, o montante
total que cada um deles levou para casa mensalmente (falta des-
contar os impostos) foi de R$638 mil reais.

Essa conta, no entanto, é totalmente distorcida pelo bônus que


o Márcio Utsch levou ao sair da empresa. Apesar dos números
não serem abertos, ele muito provavelmente passou da casa dos
R$5 milhões.

Levando isso em conta, o melhor seria olhar para os salários de


2017 (em 2018, um dos diretores deixou a empresa sem conver-
ter as ações que tinha, o que diminuiu o montante das remune-
rações).

Nessa época (2017) o salário médio dos diretores era de


R$169 mil. Levando em conta os bônus, benefícios e Incentivos
de Longo Prazo, esse valor sobe para R$388 mil.

Conselho
Composto por no máximo 7 membros, cada um eleito para
um mandato de 1 ano (com direito a reeleição), o conselho da
Alpargatas foi totalmente renovado com a entrada dos novos
controladores.

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Quem está por trás do sucesso
(ou fracasso) da empresa $ALPA3/4
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Pedro Moreira
Salles (presidente)
Um dos dois presidentes
do Conselho de Adminis- Marcelo Pereira
tração do Itaú Unibanco, Lopes de Medeiros
Pedro é figurinha carimbada Discreto, Marcelo é o braço di-
no mercado financeiro. Jun- reito de Pedro Moreira Salles
to com Roberto Setubal, no Cambuhy. Sua trajetória no
ele idealizou a fusão entre, mercado financeiro é longa.
os então distintos, bancos Pra você ter ideia, ele foi
Itaú e Unibanco, em 2008, responsável pela criação da
criando o que é hoje a maior divisão de Private Equity no
instituição financeira do Bra-lendário Banco Garantia²⁴. Vi-
sil. Numa nova dobradinha, rou sócio de lá e só saiu para
os Moreira Salles e os Villelafundar a Linx Capital, em
Setubal formaram o consórcio 2003, levando junto Marcelo
que tomou controle da Alpar- Barbará,que trabalhou com ele
gatas. Pedro, que é o dono do no banco. Em 2011, ele e seu
fundo Cambuhy, entrou no con- sócio no Linx fundaram o
Cambuhy, junto com Moreira
selho para representar seus in-
teresses e o da família. Salles e Pedro Bodin, ex-pre-
sidente do BNDES. Marcelo
Rodolfo Villela Marino
tem a mesma participação que
Rodolfo é descendente da Pedro no fundo: 31,42%. Já
última geração dos Ville- Barbará e Bodin tem uma par-
la. Como todo membro da fa- cela menor, de 12,53% cada.
mília que é ativo nos negó-
cios, ele ocupa um cargo na
Itaúsa, dessa vez, de Vice-
-Presidente. Como os Villela-
Setubal são, na verdade, dois
braços de uma mesma família
(a Egydio de Souza Aranha), é
natural que as empresas con-
troladas por eles tenham um
representante de cada lado.

²⁴O Banco Garantia foi fundado por Adolfo de Campelo Gentil, um histórico político cearense, e
Jorge Paulo Lemann, que dispensa apresentações. O Garantia ficou famoso por implantar uma
cultura meritocrática nunca antes vista no Brasil e ganhou a alcunha de “escola dos banqueiros”.
De lá, saiu grande parte dos nomes que agora lideram bilionários fundos de investimento, bancos
e corretoras pelo Brasil afora.

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Alfredo Egydio Setubal


Membro da quinta geração
dos Setubal, fundadores do Luiz Fernando Ziegler
Itaú, Alfredo é hoje Presidente Ziegler é uma indicação mais
e Diretor de RI da Itaúsa, a técnica. Foi CEO da Anheuser-
holding de investimentos da -Busch²⁵e também ocupou um
família. O que poucos sabem assento no Conselho da Am-
é que, apesar de soar bem bev. Como claramente os novos
presidir uma holding que controladores da Alpargatas
vale quase R$100 bilhões na estão tentando emplacar uma
bolsa, o cargo é mais simbóli- cultura à la Ambev (corte de
co do que prático, já que cada custos e meritocracia ao extre-
uma das empresas que ela mo, heranças do Garantia), faz
controla tem autonomia na sentido que eles estejam tra-
gestão. Isso permite que Al- zendo, além de diretores, con-
fredo tenha tempo o suficiente selheiros que tenham ela no
para ser o rosto da família nas sangue.
empresas da Itaúsa. Tanto é
que além de ocupar uma ca-
deira no Conselho da Alparga-
tas, Alfredo também mantém Silvio Tini de Araujo
o mesmo cargo na Itaúsa e na Como todo bom investi-
Duratex (outra controlada da dor ativista, Silvio ocupa ele
Itaúsa). mesmo o assento que tem di-
reito no Conselho. Com vasta
experiência nessa área, ele já
foi conselheiro de várias outras
empresas, como a Paranapa-
nema (fundada por seu pai)
e Metalúrgica Barbará (essa,
menos conhecida).

²⁵Em 2004, a Ambev, de Jorge Paulo Lemann, fez uma fusão com a cervejaria belga Interbrew. O
resultado foi uma nova empresa chamada InBev. Em 2008 a InBev comprou a americana Anheu-
ser-Busch, dando origem a AB Inbev.

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Quem está por trás do sucesso
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Stacey Brown
A única mulher no Conselho
de Administração é também a
com maior peso em termos
técnicos. Ela é Diretora de
Varejo da Apple, onde traba-
lha há mais de 20 anos. Antes
disso, passou uma década na
GAP, onde chegou a ser Vice-
-Presidente regional. Não há
dúvidas de que quando o
assunto é varejo, Stacey é
quem dá o tom da discussão.
Já tendo ocupado por 3 anos
o cargo de Diretora para Aus-
trália, Japão e Norte-Sudeste
da Ásia na criadora do iPho- Em média, os membros do
ne, parece claro que a Conselho de Administração
entrada dela no Conselho tem receberam um salário de
o objetivo de trazer alguém R$43.122/mês em 2019. Le-
com bagagem para orientar (e vando em conta a remune-
tentar fazer funcionar) o plano ração total (salário + opções
de expansão internacional da de compra de ações), esse
Havaianas. valor sobe para R$52.148.

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pra sempre
E você? Até quando vai investir sem
saber quanto valem suas ações?

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Expansão Internacional $ALPA3/4
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Expansão Internacional

A história da expansão internacional da Havaianas começou


de um jeito curioso (e engraçado).

Na década de 90, alguns estudantes universitários na Europa -


a maioria deles, brasileiros - começaram a fazer o que a maioria
dos brasileiros faria: trazer havaianas do Brasil para usar (e ven-
der) por lá.

Com a demanda dos gringos crescendo a todo vapor, eles


tiveram a brilhante ideia de ligar para a sede no Brasil e negociar
a distribuição dos chinelos em solo europeu. Como quem estava
do outro lado da linha não sabia que os profissionais e experien-
tes distribuidores eram, na verdade, estudantes universitários, o
negócio foi fechado.

O que tinha tudo para dar errado, acabou dando certo: como
ninguém sabia que as sandálias eram vendidas em supermer-
cados e farmácias por aqui, eles conseguiram criar a imagem de
que ela era descolada e elitizada.

O par, que era vendido a preço de banana no Brasil, passou a ser


vendido como artigo de luxo na Europa, por um preço que fazia
jus a essa exclusividade.

Em 2007, a Alpargatas decidiu dar um passo maior e iniciou as


operações da Havaianas nos Estados Unidos.

Eles conseguiram criar a imagem de


que ela era descolada e estilizada

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Expansão Internacional $ALPA3/4
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A razão por trás de toda essa ambição de sair do Brasil é


óbvia. Tendo vendido sandálias para quase todos os habitan-
tes do país, ela só tinha duas opções para continuar crescendo:
aumentar o número de pés dos brasileiros ou explorar outros
territórios.

Claro, ainda daria pra tentar aumentar a participação no


mercado nacional, mas com 83% dos brasileiros já comprando
pelo menos um par por ano, o ganho não seria lá grandes
coisas. Como dizem os economistas, o custo marginal²⁶ de
conseguir um novo cliente aqui é muito maior do que o de
conseguir um cliente lá fora.

Com o passar dos anos, eles foram percebendo que tinham


seguido o caminho errado. A renomada consultoria internacional
que eles contrataram para elaborar o plano de expansão aca-
bou apontando direções que não eram as melhores a serem
seguidas.

Por exemplo, ao entrar nos Estados Unidos, em vez de com-


prarem o distribuidor que haviam contratado de uma vez só,
decidiram fazer aos poucos, só terminando em 2011. Quem
tem experiência com negociações sabe como isso termina: o
distribuidor, já tendo grande parte da operação da empresa na
mão, ganhou poder de barganha para exigir um preço maior.

Além disso, ela também indicou que a Alpargatas colocasse


as sandálias em lojas de departamento. Contudo, o melhor era
ter entrado com lojas próprias, já que ao colocar um produto
supostamente de luxo ao lado de outros não tão "gourmetiza-
dos" assim, ele acabava perdendo valor - junto com a marca.

No ano seguinte, em 2008, já tendo aprendido a não confiar


cegamente na opinião dos outros, eles colocaram os pés
na Europa (inicialmente Espanha, França e Itália; hoje já são
vários países). Lá, eles fizeram o dever de casa, pondo em
prática tudo o que viveram nos EUA.

²⁶Em bom português, é o custo a mais que você tem para produzir uma unidade a mais de mer-
cadoria. Nesse caso, seria o custo a mais para conseguir um novo cliente.

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Expansão Internacional $ALPA3/4
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Compraram os distribuidores de uma vez só, entraram em


canais independentes e só colocaram os produtos em lojas de
departamento de países onde isso não significa uma perda de
valor (como na Herold, no Reino Unido).

O resultado foi que a Europa deslanchou e os EUA ficaram


para trás. Deixando de lado o fato de que não há muita alter-
nativa para crescer, a não ser expandir para outros países, há
ainda outra vantagem nisso tudo.

Lá fora, cada par de sandália é vendido em média por US$25,


um preço infinitamente maior do que aqui. A moeda americana
ainda serve como uma espécie de hedge natural para a Alparga-
tas, já que grande parte da matéria-prima (borracha) tem o preço
atrelado ao dólar.

Com um potencial de vender entre 200 e 300²⁷ milhões


de pares (hoje são apenas 28 milhões), a globalização da
Havaianas também diversifica a receita da empresa, evitando que
ela fique muito dependente das condições econômicas brasilei-
ras - que, como sabemos, nem sempre são muito boas.

O próximo grande alvo da empresa é a


Ásia. Concentrando quase a metade
da população mundial e em clara
ascensão econômica, o merca-
do asiático é uma mina de ouro
para quem vende produtos
de massa, como os chi-
nelos da Havaianas.

²⁷Estimativa do Euromonitor e da Havaianas.

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Expansão Internacional $ALPA3/4
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Lá, eles ainda contam com a vantagem de que o uso de


sandálias abertas é bastante comum, principalmente na Índia,
Indonésia e China, além de ter um clima propício - tirando o
último, onde faz frio boa parte do ano.

No final de 2018, a Alpargatas até lançou uma joint venture


com a indiana Periwinkle Fashions. Assim como no Brasil, é
preciso ter um bom “conhecimento de Índia” antes de começar
a operar lá.

O grande desafio dessa jornada no novo continente


(que apesar de ter sido intensificada agora, começou em
2010) vai ser evitar as cópias. As apreensões anuais pela
companhia passam dos milhões.

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Tá na
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dúvida?
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Logística $ALPA3/4
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Logística
Produção
Quando se trata de fazer chinelos, a Havaiana diz ter sua
própria “fórmula secreta da Coca-Cola”. Com um produto que é
feito basicamente de borracha, a fabricante precisa garantir que
as sandálias vão cumprir o famoso slogan “não deforma, não tem
cheiro e não solta as tiras”.

Para conseguir isso ela usa uma mistura de estireno-butadieno


- em bom português, borracha sintética - e produtos químicos
(que ela não revela de maneira alguma quais são).

O preço da borracha depende basicamente dos produtos que


ela leva na sua composição. No caso dessa, conhecida entre os
fornecedores como SSBR 1502, 75% do preço é função do seu
principal componente, o butadieno.

Como ele é obtido a partir da quebra do petróleo em vários


produtos diferentes, é normal que os custos da Havaianas
variem de acordo com o preço do barril de petróleo. Claro,
há um certo delay, normalmente de 2~3 meses, já que o
estoque de borracha das empresas tem que diminuir antes
delas comprarem mais.

Quem fornece essa borracha para a Alpargatas aqui no Brasil é


a espanhola Laiex, além da Alanxeo e da Nitriflex. Elas, por sua
vez, tem como principais fornecedores de butadieno a Braskem
e a Petrobrás²⁸.

O petróleo é uma commodity negociada em dólar. Por conta


disso, os custos da Alpargatas são bastante influenciados pela
moeda americana. A expansão internacional ajudou a balancear
as coisas, já que o dinheiro das vendas lá fora também entra
em moeda estrangeira.

²⁸É importante saber quem são os responsáveis por fazer a matéria-prima chegar nas mãos da
companhia que você está estudando, ainda mais em um caso como esse, onde há praticamente
um único material e um número baixíssimo de fornecedores.

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Mesmo assim, ela ainda continua tendo uma “posição líquida


importadora”. Em outras palavras: sai mais dólar do que entra.
Por conta disso, fique atento a alta do dólar, que pode corroer as
margens da companhia.

Uma curiosidade sobre isso tudo é que a fabricação de pneus


também usa muita borracha sintética. Por isso, quando a venda
de carros diminui, a demanda por ela também cai, deixando a
produção das havaianas bem mais barata.

Obviamente você não deve levar isso em conta nas suas


projeções, já que a empresa tem que lidar com o preço médio do
insumo que ela usa, não com algo passageiro como o vai e vem
das vendas de automóveis.

²⁹ A Havaianas foi inspirada na sandália de dedos japonesa Zori, que é feita com tiras de tecido e
sola de palha de arroz.

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Como um calçado da Mizuno é produzido?

A estrutura de um calçado esportivo é formada por dois


componentes principais: o cabedal (a parte de cima do tê-
nis, que cobre o seu pé) e a sola (toda a parte debaixo do
tênis, inclusive aquela lateral que fica descolando).

É nesse último que rola grande parte da disputa tecnológica,


já que ele é o responsável pela tração, impulso (lembra das
placas de fibra de carbono da Nike) e por todo amortecimento.

Hoje, são utilizados basicamente dois diferentes processos na


produção de calçados esportivos:

a. Calçados cimentados: nesse método, o cabedal é unido à sola


por uma cola (o jeito mais óbvio possível).

b. Calçados vulcanizados: o cabedal é unido à sola por meio


de um pedaço de borracha (aquela que fica descolando em
alguns tênis) entre os dois e em seguida vai para o forno
(conhecido como autoclave). Lá, a temperatura por volta dos
120°C junta tudo em uma única estrutura.

Tanto as roupas e acessórios da Osklen quanto os da Havaia-


nas (ela começou a vender esses itens mais recentemente
para explorar outras possibilidades) são feitas por produtores
terceirizados.

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Fábricas
Produzir quase 250 milhões de sandálias por ano não é fácil.
Quando levamos em conta que ela ainda tem que fabricar os
tênis da Mizuno, essa missão se torna mais difícil ainda.

E aqui não estamos exagerando. Pra você ter ideia, até 2013, ha-
via mais gente querendo comprar Havaianas do que ela conse-
guia produzir.

Para garantir que ninguém ia ficar descalço, a Alpargatas iniciou


a construção de uma fábrica gigantesca em Montes Claros (MG),
lá em 2011.

Unidade Industrial de Montes Claros (MG)

Inaugurada dois anos depois, ela aumentou a capacidade de


produção da Havaianas em 102 milhões de pares por ano, 40%
do que é vendido pela marca em todo mundo.

Claro, isso não saiu barato. O investimento total foi de R$280


milhões, maior do que o lucro da Alpargatas inteira em 2019.
E só não saiu mais caro porque o terreno, de 357 mil m² - dos
quais os prédios mesmo só ocupam 57 mil m², foi doado pelo
Estado de Minas.

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Unidade Industrial de Campina Grande (PB)

Além dela, a companhia ainda possui outras três fábricas.


Uma delas é a de Campina Grande, que fica a 120 km de João
Pessoa, capital da Paraíba.

Aberta em 1985, ela ocupa um terreno de 208 mil m², dos quais
menos da metade (101 mil) são usados de fato pela fábrica.
Em outras palavras, parece haver espaço para expansão, se
necessário.

Campina Grande é hoje disparada a maior unidade fabril da


Alpargatas, com capacidade para produzir 220 milhões de
sandálias por ano (todos eles da Havaianas), mais que o
dobro de Montes Claros. Como se não fosse suficiente, ela ainda
conta com uma fábrica satélite³⁰, na cidade de Alagoa Nova.

Fábrica da Alpargatas em Campina Grande

³⁰ Fábrica satélite é uma fábrica bem pequena, que fica próxima da unidade maior. Normalmente,
ela tem uma função bastante específica, como produzir um modelo de calçado mais sofisticado.

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Unidade Industrial de Carpina (PE)

No pacote da aquisição da Dupé, veio também a unidade


responsável por produzir os chinelos da marca. Localizada a
cerca de 60 km de Recife, em Carpina (PE), ela tem capacida-
de de produzir 40 milhões de pares por ano, tanto da Havaianas
quanto da Dupé. Ela ocupa cerca de 21 dos 38 mil m² de terreno
que tem.

Unidade Industrial de Santa Rita (PB)

Antes usada para produzir os tênis da Topper e Rainha, agora a


fábrica é exclusiva pra única marca de calçados esportivos que
sobrou no portfólio da companhia, a Mizuno.

A 15 km da capital João Pessoa (basicamente o comprimen-


to da ponte Rio-Niterói, o que facilita bastante o translado), ela
também tem capacidade de fabricar bolas e botas de PVC.

Olhando de fora, parece bastante improvável que a unidade


tenha um bom retorno financeiro. Enquanto os 33 mil m² usa-
dos do terreno de 115 mil² dão a ela uma capacidade produtiva
de 13 milhões de pares, a Mizuno mal vende 3 milhões por ano,
obrigando a fábrica a rodar bem abaixo da sua capacidade
máxima.

Como o custo fixo de uma fábrica é alto, ele precisa ser diluído e
isso é feito produzindo o máximo possível. Portanto, ter capaci-
dade ociosa significa ter mais gastos do que deveria.

O pior de tudo é que até 2005, cerca de 30% dos tênis da


Mizuno eram importados. Contudo, com a forte valorização do
dólar em 2003, por conta da eleição do novo presidente da
república, ficou muito caro continuar trazendo os produtos lá de
fora.

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Logística $ALPA3/4
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A Alpargatas decidiu, então, expandir a unidade de Santa Rita,


no intuito de dar conta de toda produção aqui mesmo no Brasil
Uma dúvida comum que surge entre os investidores é: vale a
pena produzir aqui no Brasil ou seria melhor trazer da China?

A resposta é que os benefícios fiscais (isenção de alguns


impostos) são bons o suficiente para fazer com que o custo de
produção no Brasil bata de frente com a produção na China, que
de acordo com a Alpargatas é apenas 8% mais barata que no
Brasil.

Entre os vários benefícios de se produzir em terras tupiniquins


está a redução de 75% do Imposto de Renda, em recompensa
pelas fábricas estarem instaladas nas áreas da Sudene³¹.

Além desse benefício, a Alpargatas também leva para casa


vários descontos no ICMS, que muitas vezes são dados
pelos estados com o objetivo de atrair a instalação de fábricas e
centros de distribuição, que geram empregos e movimentam a
economia local³². Em 2018, esse valor chegou a ~R$172 milhões.

Linha de Produção de uma fábrica da Havaianas

³¹ A Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) é um órgão - polêmico - criado


em 2007 que tem o objetivo de promover o desenvolvimento do Nordeste e de parte de Minas
Gerais e do Espírito Santo.
³² Essa, claro, é uma visão otimista de como funcionam as coisas. Os casos de pagamento de
propina para governadores em troca de isenções no ICMS são vastos. Felizmente, nenhum deles
envolveu a Alpargatas, até então.

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Logística $ALPA3/4
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Acima de tudo, as fábricas da Havaianas são uma bela de uma


barreira de entrada. O processo de transformar borracha em
sandálias em escala industrial não é exatamente barato.

Por conta disso, as concorrentes (desde a época da famigera-


da “Fajuta” até hoje) recorrem ao uso do PVC, um material de
qualidade inferior, mas que aos olhos é quase imperceptível.
Uma vez que o investimento em larga escala já foi feito,
a Alpargatas consegue produzir um chinelo melhor e por um
preço inferior.

Segundo o ex-CEO da empresa, Márcio Utsch, o custo de


abrir uma fábrica que use borracha como matéria-prima pode
chegar a ser 10x maior do que uma que use PVC.

A capacidade de produção de sandálias hoje passa de 300


milhões de unidades por ano. Tendo vendido 247 milhões em
2019, não parece provável que ela vá abrir uma nova fábrica nos
próximos anos.

Distribuição
Levar os mais de 253 milhões de pares de sandálias e tênis
produzidos para todo o Brasil (e para o resto do mundo) é
uma missão e tanto. A notícia boa é que a Alpargatas não está
sozinha nesta.

Atacadistas, distribuidores regionais, supermercados e hiper-


mercados, redes e lojas de calçados, multimarcas e lojas exclu-
sivas. Todos esses fazem parte da grande rede de distribuição
da companhia.

Não é a toa que em qualquer lugar que você vai tem uma havaia-
nas sendo vendida (a marca é responsável por 97,7% dos pares
vendidos pela empresa).

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Tá na
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dúvida?
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São mais de 3.500 clientes diretos (lugares que compram direto


dela e não de um intermediário) e 170 mil pontos de venda.

A maioria dos produtos saem direto das unidades de produção


para as mãos dos distribuidores. Por conta disso, a maior parte
dos Centros de Distribuição (ou CD) da Alpargatas ficam juntos
das próprias fábricas.

O primeiro deles fica em Santa Rita, tem 10 mil m² e consegue


armazenar até 4 milhões de pares de sandálias (ou 1,5 milhão de
pares de calçados em geral). Já o segundo, também na Paraíba,
foi erguido ao lado da fábrica de Campina Grande, tendo 27 mil
m² e capacidade de até 18 milhões de sandálias.

Em Pernambuco, dessa vez junto à unidade de Carpina, há


um centro de distribuição menor, com 4,8 mil m² e disposto a
armazenar 3,6 milhões de pares da marca Dupé e Havaianas.
Por último, a nova planta de Montes Claros conta também com
um CD capaz de manter 8 milhões de pares de sandálias dentro
dos seus 10 mil m².

Como na maioria das empresas, o transporte dos calçados da


fábrica até os pontos de venda é terceirizado. Diferente das
outras, no entanto, esse transporte não é feito pelas rodovias -
que vivem congestionadas -, mas sim por cabotagem³³, que leva
os produtos do Nordeste (onde está grande parte da linha de
produção) para o Sudeste.

É pelo mar, também, que eles são exportados para o resto do


mundo. Nas operações que são tocadas pela própria empresa lá
fora, os produtos saem pelo porto do Suape, no Nordeste, mais
perto da produção.

Já nas operações que ficam a cargo dos distribuidores (Austrá-


lia, por exemplo), os produtos saem pelo porto de Santos. É pelo
porto de Santos, também, que chegam todos os acessórios e
roupas - feitos por fornecedores latino-americanos, asiáticos e
europeus - que são vendidos pela Alpargatas.

³³ Cabotagem é o transporte de mercadorias pelo mar, próximo à costa (é tão próximo que muitas
vezes você consegue ver a terra durante o trajeto).

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De lá, eles seguem para o CD de São Paulo e são distribuídos


para o resto do país. O grande problema que, não só a Alparga-
tas, mas todas as empresas que exportam pouco enfrentam, é a
dificuldade em conseguir um espacinho nos gigantescos navios
cargueiros que cruzam o oceano para levar os produtos até ou-
tros continentes.

Diferente das montadoras de carros e commodities, que expor-


tam volumes gigantescos, a Alpargatas tem pouco poder de bar-
ganha com os transportadores.

As vendas lá fora tem uma sazonalidade gigantesca (que você


verá na seção Abacaxis), demandando muitos produtos no
verão e poucos no inverno. Por conta disso, fica ainda mais
difícil negociar um espaço nos cargueiros, já que eles não
podem pleitear um contrato de longo prazo com as empresas de
navegação.

Na Europa, as mercadorias chegam pela França, no Porto


de Marseilles Fos e pela Bélgica (Porto da Antuérpia³⁴). Os
centros de distribuição, claro, ficam nesses mesmos países, em
Marseille (França) e Liège (Bélgica). Nos EUA, os produtos são
recebidos em Nova York, de onde seguem para Columbus, em
Ohio, onde são distribuídos por todo o território americano.

A última novidade em termos de logística veio no fim de 2019,


com a abertura de um CD dedicado exclusivamente à venda
omnichannel. Perto da planta de Montes Claros, o centro
fica em Extrema (MG) e faz parte do plano da companhia de
integrar as lojas físicas da Havaianas - seu maior negócio - com
o comércio eletrônico.

³⁴Esses detalhes, a uma primeira vista, podem parecer irrelevantes. Agora, espere um evento
inesperado acontecer, como um atentado terrorista, que leve ao bloqueio desses portos. Você vai
entender na hora porque é importante saber de coisas pequenas como essa.

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Abacaxis
Investimentos errados

D otados de uma espécie de Toque de Midas ao contrário, tudo


o que os executivos da Alpargatas tocaram (tirando a Ha-
vaianas) parece ter dado errado.

Quando contamos a história da Alpargatas, pulamos - de


propósito, já que ficaria muito grande - a parte de que ela não
foi criada no Brasil, mas sim na Argentina. Quase 20 anos
antes, em 1883, o mesmo Robert Fraser se uniu ao espanhol
Juan Echegaray para, juntos, abrirem o negócio de calçados
de lona com solado de corda que só chegaria ao Brasil em 1907.

Topper

A operação da Argentina e no Brasil, contudo, permaneceu


separado durante mais de um século. Nesse meio tempo, a irmã
argentina criou a Topper, uma marca voltada especialmente para
o futebol. No mesmo ano, em 1975, a Alpargatas abriu a filial
brasileira da marca, que chegou até a patrocinar a seleção.

Entre 2003 e 2006, movidos pelo ideal do então CEO, Márcio


Utsch, a Alpargatas começou a fazer planos para iniciar sua ex-
pansão internacional. A marca de artigos esportivos Topper,
voltada especialmente para o futebol na época, foi escolhida
para liderar o crescimento na América Latina.

Como a Alpargatas já detinha a marca no Brasil, ela de-


cidiu comprar a parte de sua irmã gêmea na Argentina, unin-
do as operações da Topper nos dois países em 2008.

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Até aí as coisas faziam sentido. As marcas grandes (Nike,


Adidas e Puma) não davam tanta importância para os latino-
americanos, deixando o ambiente competitivo bastante enfra-
quecido.

Aproveitando essa brecha, a Topper, que foi a primeira marca


de calçados esportivos da Argentina, chegou a conquistar
32%³⁵ do mercado de calçados esportivos. Em 2010, por volta
de 51% dos lares do país vizinho tinham pelo menos um par de
calçados da Topper.

O problema começou quando, logo que compraram a marca em


2008, os brasileiros resolveram quebrar a unanimidade da Topper
no futebol e passaram a explorar outros esportes, como corrida,
vôlei e basquete.

Não satisfeitos, no ano seguinte decidiram dotá-la de um estilo


mais casual, direcionado às pessoas que usam calçados espor-
tivos não por esporte, mas porque acham bonito.

No mesmo ano ela decidiu investir no Rugby aqui no Brasil. O


esporte, que é um dos maiores do mundo e era bem popular
na Argentina, possuía poucos praticantes no nosso país. A
aposta deles era que com a inclusão do Rugby como esporte
Olímpico a partir de 2016, ele iria deslanchar no Brasil e ela sur-
faria a onda, tendo sido a primeira marca a patrocinar a atividade.

Infelizmente, o número de praticantes, apesar de ter dobrado des-


de 2010, mal passou dos 60 mil em 2018. Para facilitar a com-
paração, no mesmo ano havia 6 milhões lutando capoeira e mais
de 12 milhões jogando tênis de mesa (o famoso ping-pong) no
país³⁶.

A Topper chegou a conquistar 32% do


mercado de calçados esportivos

³⁵Dado de 2008, ano em que foi comprada pela Alpargatas.


³⁶https://bit.ly/2QK3bwX

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A estratégia que para eles era genial, era uma clara perda de
posicionamento (além do fato de competir com outras deles
mesmo, como a Mizuno e a Rainha) para quem olhava de fora.
O resultado foi que o market share³⁷ saiu de 32% para 21%
em 2011.

A tempestade, perfeita, entretanto, não parou por aí. Em


2013, não satisfeitos, eles decidiram que era a hora de
comprar inteiramente a Alpargatas Argentina. Na época, ela
tinha 11 fábricas, 5 mil funcionários e vendia 10 milhões
de pares por ano. Entre as marcas debaixo do seu guarda-chuva
estavam a Pampero, Rueda, Palette, entre várias outras.

Como disse um ministro do país: “A Argentina é pródiga em três


coisas: carne, trigo e tomar decisões insensatas”.

³⁷Também para calçados esportivos na Argentina, claro.

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De 2008 para cá,


o peso argentino se
desvalorizou mais de
95%. A mistura de
abertura da eco-
nomia, taxação de
exportações e po-
líticas econômicas
populistas fez com
que o peso deixas-
se de valer US$0,33
e passasse a meros
US$0,016.

Como o câmbio explodiu e os produtos da Topper eram impor-


tados na moeda americana, a empresa acabou sentindo o es-
trago na pele. As coisas ficaram tão ruins por lá que em 2018 a
margem bruta caiu pela metade, saindo de 20,3% para 11,3%.

A inflação, fora de controle, forçou os contadores a adotarem o


“Financial Reporting in Hyperinflationary Economies” e todos os
números da operação da Alpargatas na Argentina passaram a
ser corrigidos pelo IPCA³⁹ de lá.

O final disso tudo foi que, após longos anos de retornos


negativos, a Alpargatas decidiu vender a Rainha⁴⁰ e a opera-
ção da Topper para o Grupo Sforza, do bilionário Carlos Wizard
(fundador da rede de cursos que leva seu sobrenome).

O desinvestimento colocou R$260 milhões no caixa da


Alpargatas e interrompeu a sequência de quatro anos de prejuí-
zo que as marcas vinham tendo.

³⁸ ROCE é a sigla para Retorno sobre Capital Empregado, um indicador que compara o resultado
da companhia com a sua "estrutura" para indicar o quão eficiente a empresa é usando o dinheiro
dela.
³⁹ IPCA é um índice que mede a variação dos preços aqui no Brasil.
⁴⁰Não comentamos muito sobre ela porque a história é bem parecida com a da Topper. A única
diferença é que ela é brasileira e foi adquirida um poucos antes. A perda de posicionamento e
competição interna, no entanto, seguem a mesma linha.

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Tavex

Outra boa história é a da Tavex, a maior fabricante espanhola (e


que chegou a ser a maior do mundo) de denim, o tecido que a
gente chama de jeans.

Lá em 1994, a Alpargatas fundiu uma operação de denim que ela


tinha com a concorrente Santista, ficando com 25% do capital
da nova companhia. Em 2006, a Santista, por sua vez, se fundiu
com a Tavex Algodonera. Apesar de diminuir a participação da
Alpargatas para 18,7%, a fusão criou a maior fabricante de denim
do mundo.

Contando assim parece ótimo. O que ninguém nunca mostrou


nos releases e nas apresentações foi que por anos a Tavex deu
prejuízos milionários à Alpargatas. Felizmente, em 2015, ela foi
vendida para o, agora ex-controlador, Camargo Corrêa por €4,8
milhões, algo em torno de R$17 milhões na época.

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Nada sobe
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pra sempre
E você? Até quando vai investir sem
saber quanto valem suas ações?

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Timberland

A marca americana, fundada em 1952, viralizou quando lançou


a “Timberlander”, uma bota de couro amarelo e solado de bor-
racha, totalmente impermeável. Ela ficou muito popular princi-
palmente nos países do hemisfério norte onde o inverno é mais
rigoroso.

Por mais de 20 anos a Timberland foi administrada aqui no Brasil


pela Alpargatas, que conseguiu a licença para tocar suas opera-
ções.

Ela chegou a ser considerada a melhor distribuidora da


Timberland em todo o mundo. Contudo, como dizem os es-
tatísticos: “não há porque ser preciso quando se está errado”.
Mesmo sendo muito bem gerida, é difícil acreditar que o fim não
fosse o mesmo.

Isso porque o problema começou com o próprio licenciamento


da Timberland. A transação demonstrou uma incrível falta
de sensibilidade em relação ao território brasileiro, já que a
marca fez sucesso em países de inverno rigoroso (nada pare-
cido com o nosso clima europeu, onde 35º já é tido como um
verão ameno), vendendo botas pesadas, casacos e
calças jeans.

Como consequência, a Alpargatas deixou


de ser representante da Timberland em
2017 e vendeu todos os bens que usava
na operação por R$65 milhões.

A explicação: Por muito tempo, a meta


dos diretores foi atrelado ao fatura-
mento. Em 2014, a de todos eles
passa a ser atrelada ao
aumento de margem e
geração de caixa.

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Sazonalidade

Você provavelmente não vai ver os executivos da Alpargatas


falando sobre isso, mas a empreitada internacional da Alpar-
gatas tem sido uma verdadeira Batalha de Stalingrado. Os
brasileiros, desacostumados com o clima rígido, subestimaram o
quão difícil seria vender um chinelo totalmente descoberto e que
não protege os pés durante o rigoroso inverno europeu.

A consequência desse despreparo foi uma derrota desastrosa:


sem ninguém querendo comprar as sandálias durante os perío-
dos frios, a Havaianas acaba vendendo durante 4 meses do ano
apenas.

Isso, claro, é péssimo, já que a empresa gasta uma fortuna com


brand awareness⁴¹ durante o verão e todo esse dinheiro é joga-
do fora no restante do ano, porque as pessoas se esquecem da
marca ao longo dos dias frios de outono e inverno.

Esse problema vira uma bola de neve quando se junta ao fato


de que o principal canal de venda da empresa lá fora são as
lojas de departamento. Basicamente, os brasileiros chegam,
pegam um ótimo lugar na loja, vendem 10.000 pares em um dia
e todos ficam felizes.

Aí vem o outono e o inverno e nem uma sandália é vendida.


Quando eles voltam para checar no verão, a surpresa: o lugar
de destaque, que fez as vendas dispararem no início, foi alterado
para uma prateleira escura perto do banheiro da loja.

⁴¹Brand awareness é um termo chique para dizer que a marca tem reconhecimento do público.
Quanto maior o brand-awareness, mais gente conhece sua marca. Para garantir isso, as
empresas investem pesado em campanhas de marketing que não tem o objetivo específico de
vender um produto, mas sim de divulgar o nome da marca.

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É complicado até mesmo manter os empregados trabalhando


nas lojas da Havaianas. Como disse o ex-CEO Internacional,
Eno Polo: “experimente trabalhar numa loja onde nenhum
cliente entra e você tem que ficar lá em pé por 8 horas”.

A má notícia (além da sazonalidade em si) é que nenhuma das


alternativas propostas por eles até agora parece ter potencial
para solucionar o problema.

No início, a proposta era vender as famosas Alpargatas, que hoje


nada mais são do que a sola de uma havaiana coberta com uma
lona. Qualquer um que já tenha ido à Europa no inverno sabe o
quão sem sentido isso é. Além de não reter o calor, a lona
fica completamente encharcada em dias de neve.

Obviamente, a mistura de chinelo e


tênis (chamada de Espadrille) não deu
jeito na situação. Numa segunda tentati-
va, a companhia teve a ideia de misturar
toda sua experiência com as botas
profissionais da antiga controlada
Sete Léguas e a suposta capacidade de
transformar chumbo em ouro, como fez com
as havaianas, para convencer os gringos
a pagarem mais de US$70 em uma
galocha de borracha.

O ex-CEO, Eno Polo, até se esforçou para


emplacar a moda, usando as botas em alguns
festivais promovidos pela Havaianas.

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Contudo, por algum motivo que não conseguimos entender, a


tendência não pegou.

Hoje, elas nem sequer aparecem mais no e-commerce interna-


cional da empresa. Eno, que tinha 13 anos de Nike antes de en-
trar na Havaianas, onde passou mais 11, pulou fora do barco no
final de 2019.

A Margem EBITDA, que vinha caindo desde 2015 e chegou aos


-15% em 2018, se recuperou ano passado. Se isso foi um gol-
pe de sorte ou realmente veio pra ficar, é impossível saber. De
qualquer forma, o problema da sazonalidade persiste.

(A cotação do dólar no gráfico não significa nada, é só para dar uma noção de que nível esta-
va em cada ano. Nunca, repito, nunca tire conclusões do tipo “quando o dólar sobe a margem
cai” só porque você viu um gráfico em que parecia que isso acontecia. Estatisticamente, não
faz sentido nenhum. Reza a lenda que um panda morre toda vez que fazem algo assim.)

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Transparência

Ao longo da imersão feita nos arquivos da companhia, percebe-


mos que a divulgação de resultados da Alpargatas costuma ser
tão cristalina quanto as águas do Rio Tietê.

Como diria o próprio Márcio Utsch, citando o livro “O Leviatã”,


em uma palestra à CBF: “a honestidade é feita de verdades e
omissões”. Isso fica claro ao ler o Release da Alpargatas, onde os
resultados chamam atenção, mas muitas vezes escondem a real
situação da empresa.

"O Ebitda cresceu? Põe no release. A margem líquida caiu? Va-


mos deixar de fora dessa vez. A variação cambial ajudou? Mos-
tra o EBITDA inteiro! Prejudicou? Joga como não recorrente!"

Claro, nós sabemos que o Release é sempre um pouco


maquiado. No próprio curso Valuation | Do Zero ao Avançado,
dizemos em uma das aulas que ele é “a versão perfumada” do
resultado da empresa.

A Alpargatas, no entanto, exagerou na dose e acabou virando


aquele tipo de pessoa - que ninguém gosta - cujo cheiro do
perfume chega 20 minutos antes na sala.

Com a troca recente da gestão, não ficou claro se isso vai se


manter. De qualquer forma, fica o aviso: antes de ler o Release,
tome uma boa dose de senso crítico e ceticismo. Fique atento às
margens de cada marca e aos “não recorrentes”.

Afinal, parafraseando o ex-CEO em uma apresentação à


APIMEC: “Todo ano tem não recorrente. O não recorrente é
recorrente, todo ano tem. Se não tiver aí vai ser um negócio
diferente, mas todo ano tem.”

Variação cambial não é algo que deva ser desconsiderado.


Investir em um outro país é uma opção da empresa e com ela
vem toda a sorte de intempéries. Uma delas, é a dificuldade de
ter que lidar com outra moeda. Faz parte do negócio.

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Mais recentemente, com a entrada do novo quadro da diretoria,


rolou o fim da política de dar guidances. Apesar de contribuir
para uma empresa ainda menos transparente, o encerramento
da divulgação não surpreende.

Em 2007, eles publicaram que a meta de faturamento para 2012


era de R$5 bilhões, com margem EBITDA de 20% a 23%. O
resultado, no entanto, foi quase a metade disso: R$3 bilhões e
margem de 13,8%.

Já em 2010 eles foram mais cautelosos, lançando o objetivo


de faturar R$5,5 bilhões e se tornar líder em artigos esportivos
na América Latina em 2014. Obviamente, nenhum dos dois foi
alcançado.

O guidance de franquias no Brasil para 2014 foi de 500,


sendo que em 2011 eles pretendiam fechar com 200. Esse
otimismo provavelmente foi fruto do bom resultado de 2010,
que por sua vez contava com os bons ventos da bonança
econômica da época.

Por fim, em 2015, surgiram com mais uma meta, agora para
2020: margem EBITDA entre 19% e 21%, mais de 320 milhões
de Havaianas vendidas no ano, 40% da receita vinda do mercado
internacional e ROCE superior a 23%.

A menos que um milagre seja feito, ela também não será


batida.

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Valuation
Receita Líquida

Nesse modelo, vamos começar projetando a Receita Líquida


de cada marca da Alpargatas, separando o negócio nacional
do internacional. Falando assim, pode parecer perfeccionismo
ou um trabalho excessivo. A verdade, no entanto, é que
destrinchando dessa maneira fica bem mais simples de enten-
der a lógica por trás das projeções.

Havaianas + Dupé (Nacional)

A tática aqui vai ser projetar o ticket médio (o preço médio de um


par de havaianas + Dupé) e o volume de vendas (número de pa-
res vendidos por ano). Feito isso, basta multiplicar um pelo outro
para chegar na Receita Líquida da marca.

Quem assistiu a uma ou duas apresentações da Alpargatas


provavelmente já se deparou com o CEO argumentando que
a havaianas é um produto “pouco elástico”. No jargão dos
economistas, isso quer dizer que as pessoas praticamente não
deixam de comprar o produto quando o preço dele aumenta.

Ao olhar o gráfico com o aumento do preço das sandálias, você


é levado a pensar: “Bom, parece que o CEO está falando a ver-
dade. Os preços sobem há algum tempo e a demanda, salvo
alguns anos ruins, continua crescendo”.

No entanto, aí mora uma pegadinha.

Sim, desde 2010 os preços vêm aumentando. Porém só o


suficiente para cobrir a inflação.

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Por conta disso, vamos assumir que o ticket médio continuará


crescendo em média 3,75%. Esse valor é a meta de inflação que
o Banco Central busca atingir⁴². Em relação ao volume, vamos
manter o crescimento de 1,5% ao ano, seguindo a tendência que
vem ocorrendo desde 2010.

Osklen

Desde a aquisição, a Alpargatas não conseguiu nem sequer repor


a inflação nos preços da Osklen. Em média, o ticket médio cresceu
1,76% ao ano desde 2014.

O valor baixo é em boa parte reflexo da crise de 2015, que forçou


os executivos a jogarem os preços da marca recém adquirida para
baixo, na tentativa de evitar que as vendas caíssem. Nos últimos
dois anos, entretanto, o crescimento do ticket médio foi de
5%, recuperando um pouco do tempo perdido.

Por conta disso, vamos dar um voto de confiança e considerar que


a marca vai conseguir corrigir seus preços de acordo com a infla-
ção, projetando um crescimento médio de 3,75% ao ano. Em termos
de volume, manteremos algo próximo da média (que praticamente
não variou ao longo do tempo) dos últimos 5 anos: 1,6%.

⁴²O Banco Central tem uma meta de inflação. Claro, ele não consegue simplesmente segurar
os preços, não é assim que funciona. Na prática, a única coisa que ele consegue controlar é a
taxa básica de juros, chamada Selic. Aumentando e diminuindo essa taxa, ele - teoricamente -
consegue estimular a economia, aumentando e diminuindo a inflação.

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Mizuno

Os preços da Mizuno variam muito de acordo com o sucesso dos


lançamentos. Por conta disso, vamos usar a média dos preços
nos últimos 5 anos como projeção, que foi de R$103, até que haja
algum sinal de regularidade.

Quanto ao volume, como mostrado no gráfico da seção Mizuno,


as vendas vem caindo desde 2015 e não há, até agora, nenhum
sinal de melhora. Vamos manter o volume em 3,3 milhões de pa-
res por ano (o mesmo que foi vendido em 2019) até que apareça
algum sinal de melhora.

Internacional

Há vários anos a Alpargatas mantém o mesmo percentual de


Receita Líquida vinda do mercado internacional: ~20,5% do to-
tal do faturamento. Vamos continuar usando esse número, já que o
problema da sazonalidade ainda persiste.

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dúvida?
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Ok, aqui surgem alguns detalhes chatos e bem característicos


da bagunça que é o sistema tributário brasileiro. Vamos tentar
explicar de forma bem resumida alguns acontecimentos e como
eles impactam a Alpargatas⁴³.

Existe um imposto, chamado ICMS, que é aplicado pelo governo


estadual sobre quase todas as mercadorias que são transportadas
de um lado para o outro e também sobre alguns serviços que
cruzam a fronteira dos estados.

Para evitar que os governadores, que não são bobos, usas-


sem o ICMS como arma política - e de corrupção -, a lei determi-
nou que eles só poderiam dar aos empresários um “desconto”
nesse imposto se todos os outros estados (e o Distrito Federal)
concordassem.

A lógica era simples: se esse desconto, muitas vezes usado para


atrair indústrias e aumentar a oferta de emprego, fosse prejudicar
outro estado, ele simplesmente seria vetado. O problema é que,
como isso aqui é Brasil, os governadores continuaram dando os
descontos por fora, mesmo sendo inconstitucional.

⁴³Aos juristas e advogados que estão lendo isso, pedimos que relevem a “super-simplificação” do
tema. Quando o assunto é educação, muitas vezes é melhor ser didático do que rigoroso. Explicar
a teia de debates sobre a legislação tributária não é lá a coisa mais simples do mundo.

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A prática era tão comum que se tornou perigoso acabar com ela
“do nada”, porque poderia causar um colapso econômico em
algumas regiões.

De um lado, empresários e políticos que deram os benefícios


queriam que eles fossem mantidos. De outro, os Estados que
estavam sendo prejudicados e as empresas que não ganhavam
isenções clamavam por justiça.

A disputa só foi resolvida com a Lei 160/17. Ela basicamente


definiu duas coisas:

Sim, aquilo era um problema e não poderia continuar acontecendo


para sempre. De qualquer forma, também não dava para cortar do
nada. Foi determinado, então, um prazo para que os benefícios no
ICMS acabassem.

As empresas que não recebiam isenções não poderiam continuar


sendo prejudicadas. Por isso, elas também vão poder receber os
benefícios até a data que eles definiram, quando tudo acaba.

A Alpargatas, que era beneficiada por esses “descontos” no


ICMS por ter fábricas na Paraíba, Pernambuco e Minas Gerais, vai
continuar com eles até 2032. Depois disso, eles acabam. Em
2019, esses benefícios deram um total de R$195 milhões para a
companhia (~5,25% da Receita Líquida).

Levar em conta na perpetuidade⁴⁴ um benefício que temos


certeza que vai acabar seria um erro gigantesco. Afinal, qual o
sentido de fazer um cálculo do que vai acontecer “para sempre” com
a empresa e levar em conta algo que acaba em 2032?

⁴⁴Se você não sabe o que é isso, essa é uma boa hora para conhecer o nosso curso. Clique aqui
e saiba mais.

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Para evitar esse erro, vamos começar a perpetuidade em 2033,


um ano depois que a isenção acaba. Evitamos fazer projeções
tão longas assim porque elas acabam ficando muito imprecisas.
Vamos abrir uma exceção nesse caso.

As projeções do Volume, Ticket Médio e Receita Líquida ficam da


seguinte maneira:

Margem EBIT

A odisseia do ICMS continua. Por muito tempo, o governo manteve


de pé uma bizarrice tributária: a cobrança de imposto sobre imposto.

A trama funcionava da seguinte maneira: o PIS e o COFINS, dois


tributos federais, eram (e ainda são) cobrados na forma de um
percentual do faturamento da empresa.

A questão é que o faturamento de certos produtos é formado pela


receita da empresa e pelo ICMS. Claro que na hora de decidir se a
melhor interpretação para “Faturamento” era o total (receita + ICMS)
ou apenas a receita, o governo optou pelo primeiro.

O que eles não contavam é que, anos depois, em 2017, o judi-


ciário concluiria que essa cobrança era inconstitucional. Com a
decisão, várias empresas puderam “receber de volta” os impostos
que haviam pagado. A Alpargatas foi uma delas.

Em 2017, esse valor chegou a R$190 milhões. No ano seguinte, fo-


ram mais R$190 milhões. Por último, em 2019, ela quitou R$95,5
milhões. Agora restam R$281 milhões, que devem ser abatidos nos
próximos 5 anos.

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Todo esse dinheiro entra pela linha “Outras Receitas Operacionais”,


o que acaba impactando bastante o EBIT. Na nossa projeção, vamos
dividir o valor que falta ser abatido igualmente ao longo dos próximos
5 anos (o que dá R$56,2mi/ano).

Antes da decisão favorável à empresa, a Margem EBIT costumava


ficar em torno de 9,5%. Vamos manter esse número e acrescentar
os R$ 56,2mi/ano até 2024

Alíquota Efetiva

No último ano, o impairment⁴⁵ da Osklen acabou jogando a


Alíquota Efetiva (em relação ao EBIT, só pra deixar claro) lá pra
cima, chegando a 26%. Contudo, descontando esse valor,
veríamos que ela volta para o patamar normal, entre 10~11%. Esse
valor vai ser mantido até 2027. Aqui, novamente entra em cena o
complexo sistema tributário brasileiro.

Lembra da Sudene, que comentamos lá em logística? Então,


pelas nossas contas, a Alpargatas ganha um desconto de cerca de
10 p.p na alíquota por conta dela. Esse desconto, no entanto, só é
garantido até 2027. Por isso, a partir dessa data, vamos usar uma
alíquota de 20%.

Growth, CAPEX e Δ Capital de Giro

Ao longo dos anos, o capital de giro se manteve bem equilibrado em


torno de 21% da Receita Líquida. Vamos usar esse valor nas nossas
projeções.

Quanto ao CAPEX, não há muito com o que ela possa gastar di-
nheiro. Olhando para trás, os únicos momentos em que ela teve que
separar uma grana extra para investir foram quando a capacidade
de produção de sandálias chegou no limite.

Aí, ela acabou sendo obrigada a abrir uma nova fábrica ou


expandir a capacidade das que já existiam. Nas nossas projeções,
ela consegue seguir até 2033 sem atingir sua capacidade máxima
de 362 milhões de sandálias por ano.

⁴⁵Impairment é uma avaliação pra ver se algum bem da empresa se desvalorizou. Em caso
positivo, o valor desse bem (ativo) é reduzido no balanço patrimonial.

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Também não há porquê imaginar que a Alpargatas vá fazer


alguma aquisição, já que a pressão dos investidores tem sido
justamente pra que ela se livre das marcas e foque exclusivamente
na Havaianas.

Por conta disso, estimamos que o CAPEX será apenas 10% maior
do que a Depreciação (que gira em torno de 2,4% da Receita
Líquida). Como o ROIC da Havaianas nunca foi muito alto (média
de 13,6% desde 2010) e não tem dado muitos sinais de mudança
nos últimos anos, manteremos ele nesse patamar.

Com o ROIC e a Taxa de Reinvestimento⁴⁶ em mãos, fica fácil


chegar a um Growth de 2,04%.

Aqui, certamente haverá quem diga que ele é muito baixo. Esse
argumento fica ainda mais forte quando comparado com outros
Valuations de empresas parecidas que fizemos, como Arezzo e
Lojas Renner.

No entanto, pare e pense por um minuto. O que sabemos hoje sobre


a Alpargatas é que as vendas da Mizuno caem a cada ano, a Osklen
cresce pouco e a Havaianas, carro chefe da empresa, já está nos
pés da maior parte dos brasileiros.

Lá fora, o problema da sazonalidade continua e há poucos novos


países que ela possa explorar. De onde viria o crescimento?

Além disso, diferente dos outros casos, nós projetamos os núme-


ros da Alpargatas até 2033. Deixando de lado os períodos em que
algum benefício tributário acaba, o crescimento médio projetado
chega aos 4,5% ao ano.

Em bom português: estamos incluindo um bom período de “alto


crescimento” (para os patamares dela), antes de finalmente entrar
na perpetuidade.

⁴⁶Taxa de Reinvestimento nada mais é do que quantos % do NOPAT vão ser usados para
reinvestir na empresa. Em “matematiquês”, basta dividir CAPEX Líquido e a Variação do
Capital de Giro pelo NOPAT.

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Nada sobe
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pra sempre
E você? Até quando vai investir sem
saber quanto valem suas ações?

Valuation - Do Zero ao Avançado

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Fica difícil encontrar algo que justifique um Growth maior que esse
para a empresa.

WACC

Algumas dúvidas e questionamentos costumam surgir em


relação ao WACC. Muitas pessoas criam a ilusão de que o correto
é escolher uma taxa arbitrária, equivalente ao retorno que ela
gostaria de ter ao comprar uma ação. À primeira vista, pode até
parecer fazer sentido.

No entanto, essa modificação desconsidera completamente que o


WACC é baseado não só no custo de capital do acionista (uma refe-
rência do quanto você receberia ao comprar a ação), mas também
no custo de capital de terceiros (empréstimos de credores).

Com a queda da taxa de juros base da economia (Selic), o custo


de capital tem caído bastante. Apesar disso, algumas pessoas
ainda não se acostumaram e, por conta disso, acabam se “assus-
tando” ao encontrar um valor baixo para o WACC.

No caso da Alpargatas, por exemplo, esse valor chega abaixo dos


10%. Por si só, isso não significa muita coisa. Caso você decidisse
elevar essa taxa, o valor encontrado para as ações seria menor, mas
estaria embutindo um retorno médio anual maior. Caso contrário, o
valor seria maior e o retorno embutido, menor.

Enfim, não há para onde fugir: o retorno vai acabar entrando em cena,
seja pelo upside (valor encontrado maior que a cotação), seja pelo
custo de capital.

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DCF

Finalmente - sim, sabemos que esse foi longo - chegou a tão


esperada hora de descobrir quanto vale a Alpargatas. O méto-
do que usamos para calcular o Fluxo de Caixa Descontado foi o
FCFF (Free Cash Flow to the Firm) e, por isso, usamos como taxa de
desconto o WACC.

Considerando todos os dados acima, chegamos ao valor justo para


a Alpargatas de R$5,6 bilhões. Nesse momento você deve estar se
perguntando: “ok, mas quanto vale cada ação?”.

Bom, eis que mais um obstáculo surge a nossa frente: a Alpargatas


tem não um, mais dois tipos de ação (ALPA3 e ALPA4). Elas deve-
riam valer a mesma coisa?

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Essa pergunta não é nem um pouco simples. Até mesmo livros


mais conhecidos, como o “Valuation - Como Precificar Ações”, do
Alexandre Póvoa, não se arriscam a bater o martelo e dizer se
elas deveriam valer a mesma coisa ou não.

Estudos mais recentes⁴⁷ mostram que as ações ON valem em


média 11,2% mais que as ações PN. A Alpargatas, no entanto, é
uma exceção. Historicamente, as ações PN da empresa valem
3,85% mais do que a ON, em média. Claro, as contas não são tão
banais assim. Teremos um vídeo só sobre isso no Módulo Extra do
curso, não se preocupem.

⁴⁷bit.ly/3d9vTAZ

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Com tudo isso, chegamos ao valor justo das ações: R$9,32 para a
ALPA3 e R$9,67 para a ALPA4.

No momento em que terminamos a edição deste Relatório de


Valuation, as ações da Alpargatas fechavam com mais de 50%
de queda em relação ao início do mês. Mesmo assim, os valores
encontrados ainda estão abaixo da cotação atual.

Esse fenômeno - raro, admitimos - pode causar um certo


desconforto em quem está lendo. Afinal, não seria a queda fruto
de um pânico generalizado? Marcas fortes como a Havaianas não
deveriam resistir bravamente a tempos sombrios como esses? O
modelo não estaria sendo muito pessimista?

As respostas são sim e não.

Sim, estamos passando por um período atípico de pânico


generalizado. Sim, apesar do impacto econômico inevitável, a
empresa provavelmente vai resistir. No entanto, não, o modelo
não está sendo pessimista. Deixando mais claro ainda: nenhuma
das premissas envolveu qualquer menção ao Coronavírus, redu-
ção no preço do Petróleo (que deve reduzir os custos da empresa
no curto prazo) ou qualquer outro evento mirabolante.

A única conclusão possível é que foi um grande acaso o valor


encontrado ter ficado próximo à cotação atual. Essa é uma
ótima hora para lembrar a todos de algo que deveria estar gravado
na mente do investidor: o objetivo do Valuation não é cravar um
valor para a empresa.

Somos diligentes ao extremo antes de gravar uma aula ou


publicar um Valuation como esse. Afinal, estamos lidando com
um assunto sério e muitas vezes menosprezado: a educação. Não
podemos correr o risco de ensinar algo de forma errada para os
nossos alunos.

Por isso, tomamos o triplo do cuidado habitual, conferindo cada


detalhe do modelo. A conclusão final foi que, mesmo sendo
extremamente otimista com as projeções, não haveria como a
Alpargatas valer os R$20 bilhões pelos quais era cotada em
fevereiro de 2020.

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Nesse ponto, só nos resta concordar com a família Moreira Salles


e os Villela-Setubal, que há pouco mais de 2 anos atrás pagaram
R$3,5 bilhões por mais da metade da empresa, um valor bem
próximo do nosso. É difícil argumentar que os donos do Itaú,
famoso pelas aquisições, não entendam de Valuation.

Matriz de Sensibilidade

A função do Discounted Cash Flow não é cravar um valor para a


empresa, mas sim servir como um modelo que te permita entender
como esse valor se comporta de acordo com a mudança de várias
outras coisas, como o WACC, Growth e Margens.

Uma das formas de visualizar essa variação é pela matriz de


sensibilidade, como esta aqui, que mostra o comportamento do
valor justo em relação a vários níveis de WACC.

TIR

Uma alternativa ao “valor justo” é descobrir a Taxa Interna de


Retorno (TIR), que basicamente te diz o quanto você ganharia ao
ano comprando aquela ação pelo preço que aparece na tela (a
cotação atual que aparece lá no Home Broker). Hoje, a ALPA4 está
sendo cotada a R$16,42 e a ALPA3 a R$14,99.

No caso da Alpargatas, essa taxa é de 6,55%, mesmo após a


queda expressiva dos últimos dias.

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Tá na
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dúvida?
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