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Unidade III
5 CASO HAVAIANAS
As sandálias Havaianas, produzidas pela empresa São Paulo Alpargatas, trazem um exemplo histórico
de estratégias que se adaptam aos tempos, resultando em alguns fracassos e muitos sucessos.
Gomes (2005) explica a evolução estratégica das Havaianas na forma de ondas. A primeira onda, que
o autor denomina onda das commodities, durou de 1962 até 1994.
Em 1962 a Alpargatas lançou um produto cuja inspiração era uma tradicional sandália de dedo
japonesa chamada Zori, feita com tiras de tecido e sola de palha de arroz.
A) B)
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Originalmente lançada para a classe média, em pouco tempo foi adotada pelas classes mais populares,
pois era confortável e barata. Portanto, a Alpargatas adotou com sucesso a estratégia de menor custo
de Porter (1986) através do binômio padronização e alta escala. A estratégia consistia em padronizar
a oferta em um único modelo com tamanhos de pé diferentes fabricados massivamente, reduzindo
o custo unitário de produção. Com o tempo, foram acrescentadas poucas cores nas tiras (verde, azul,
amarelo e preto), sempre com foco em produção em massa.
Nas décadas de 1970 e 1980, as Havaianas eram um produto barato e amplamente usado pelas
classes C e D. Era bastante comum ver operários de construção, pedreiros, pintores e vendedores
ambulantes usando-as para trabalhar. A distribuição feita através de atacados fazia o produto chegar a
lojas populares em todo o Brasil, que vendiam o produto encostado em qualquer lugar. Era comum o uso
de caixas de sabão (ou qualquer outra caixa de papelão velha) com tamanhos de pé e cores misturados.
Os clientes procuravam e faziam o par que queriam. Feiras livres e camelôs vendiam sandálias Havaianas
em grande quantidade.
Entretanto, havia um problema. Mesmo tendo um diferencial único (a secreta formulação da borracha
do solado e tiras que não deformava, não soltava as tiras e não retinha cheiro), a percepção geral era
de produto “comoditizado” (massificado e não diferenciado pelo cliente) e extremamente popular. Para
as classes A e B, as Havaianas estavam associadas à falta de elegância. Para o restante da população,
eram um produto confiável e barato. Percebendo esse ponto fraco, a concorrência avançou ao longo da
década de 1980 com sandálias (ou chinelos) de borracha com melhor imagem.
Na época, a Alpargatas percebeu que a estratégia de menor custo não mais trazia vantagem
competitiva. Ao contrário, na prática o produto perdia volume de vendas ano após ano e a economia
de escala estava perdendo eficiência, reduzindo, por conseguinte, as estreitas margens de lucro. Era
necessário adotar outra estratégia.
Gomes (2005) e Serralvo, Prado e Leal (2006) citam 1994 como o início da onda da redefinição da
estratégia. Para isso, a Alpargatas teve por base pesquisas que indicavam que muitas pessoas das
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classes A e B também usavam Havaianas, porém restringindo o uso para as próprias casas. Afinal de
contas, eram confortáveis. Não era aceitável para a classe alta e média ser vista usando o produto nas
ruas, praias e piscinas, pois o preconceito de imagem pobre dominava. Mas era aceitável usar Havaianas
em casa, longe dos olhos dos pares sociais. Essa hipocrisia de fazer no ambiente privado o que não
se faz em ambiente público por questões meramente sociais deu o ponto de partida para redefinir
a estratégia.
Podemos ver que a estratégia de diferenciação de Porter (1986) emergiu a partir daí. Sem abrir
mão do produto básico e popular que continuava a vender dezenas de milhões de pares por ano (apesar
da queda continuada de vendas), a decisão foi de lançar um novo produto, com nova embalagem,
com distribuição e comunicação diferentes e com significativa alteração no preço (mais caro). Perceba
que, nesse caso, também podemos citar a visão de Ansoff (1965) e afirmar que era uma estratégia de
desenvolvimento de produtos.
Assim, a linha de produtos de Havaianas passou a ter duas opções: Tradicional, sem alterações nas
políticas de produção e marketing, e Top, com 30% a mais na espessura da sola, cores diferentes e a
marca Havaianas gravada em relevo na tira, além de outras ações estratégicas.
Uma dessas ações dizia respeito à embalagem. Para ter baixo custo no produto final, a embalagem
das Tradicionais era no máximo um saco de pano com barbante, isso quando não era vendida no varejo
sem embalagem alguma com os pares amontoados em caixas de papelão de outros produtos, fazendo
o cliente procurar o pé direito e esquerdo do mesmo tamanho. Já a Havaianas Top vinha em pares
dentro de uma embalagem cartonada colorida e de bom gosto, diferenciando a oferta e a percepção de
qualidade. Não era um produto de luxo, mas era perfeitamente aceitável pelas classes A e B.
Outra ação foi a escolha de varejos não populares para vender a Top. O canal de distribuição
tradicional das Havaianas, o atacado, abastecia feiras livres, mercadinhos, lojas de roupas populares,
posto de gasolina etc. A Alpargatas não ofereceu a Havaianas Top aos atacados e focou a oferta
diretamente no varejo de calçados masculinos e femininos, lojas de material esportivo, lojas de moda
jovem em shoppings etc. A ideia era de mostrar ao público classe A e B que o novo produto não seria
encontrado nos locais populares.
O preço da Havaianas Top era mais alto e com rentabilidade maior. Porém, a lógica de preço relativo
era a mesma da Havaianas Tradicional, que era considerada acessível para as classes C e D. Assim, o preço
mais alto da Top também foi posicionado para ser acessível para as classes A e B.
A comunicação também foi alterada. Antes, os anúncios focavam nas qualidades do produto (o slogan
tradicional). Para a Havaianas Top, o foco mudou para quem usava o produto, no clássico formato
testemunhal, mas de maneira leve e divertida. A mensagem era: as celebridades que apareciam usando
Havaianas nos comerciais realmente as usavam no seu dia a dia na vida real. A atriz Malu Mader estrelou
o primeiro comercial, que sempre seguiu uma linha de humor e descontração até os dias de hoje.
Cabe ressaltar que a linha de comunicação de 1994 permanece a mesma até hoje. Sempre há
celebridades como atores, atrizes e esportistas em situações de uso do produto, falando sobre o produto
ou comprando o produto em cenas cheias de humor e descontração. Exemplos: há Cauã Reymond e seu
cão Bolota, que só roía sandálias Havaianas; Rubinho Barrichello comprando o produto diante de uma
vendedora que imita Galvão Bueno; Deborah Secco na praia usando o produto para atrair a atenção.
Há cenas domésticas, na praia, na rua ou em lojas reforçando a ideia de que essas celebridades usam
Havaianas no dia a dia.
Lembrete
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Exemplo de aplicação
O sucesso das Havaianas Top incentivou a Alpargatas a desenvolver mais modelos, alguns em edição
limitada e com preço alto. Por exemplo, para o réveillon do ano 2000, foi lançado um modelo que brilhava
no escuro. Em 2001 foi lançada a Special Collection, com cristais e malhas de metal costuradas à mão
por artesãos nordestinos. Em 2004 foi criada uma edição limitadíssima de Havaianas com acabamento
em ouro com parceria da Joalheria H.Stern. Ao longo de todo esse tempo, houve modelos com preços e
escalas de produção normais, como Floral, Fit, Baby e Flat.
Serralvo, Prado e Leal (2006) denominam a terceira onda como internacionalização, que ocorreu a
partir de 2001. A exportação começou em 1994 lentamente para alguns países vizinhos da América do Sul.
Esse aprendizado gerou frutos, pois em 2001 as vendas externas começaram a crescer significativamente.
A cuidadosa seleção dos pontos de venda onde seriam vendidas as Havaianas fez com que grandes
redes de varejo fossem bloqueadas. Wal Mart e Carrefour, por exemplo, ficaram de fora. Porém, lojas
de alta moda foram escolhidas e a escala de preço chegou em alguns casos a 50 euros. Também foram
usadas vending machines (máquinas de venda automática), que eram colocadas em locais de circulação
do público High End como shoppings sofisticados e áreas comerciais com lojas de produtos de luxo.
A marca e o produto, visivelmente presentes nesses locais, reforçavam a imagem de produto para um
público selecionado.
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A comunicação era focada em relações públicas e as ações com as revistas de moda europeias
fizeram as Havaianas aparecerem em editoriais de moda sem custo de veiculação. A imagem trabalhada
foi de status e de “ser fashion” para quem usasse as sandálias.
Por exemplo, nos EUA, em 2003, as havaianas foram distribuídas gratuitamente para as celebridades
que iriam ao Oscar e ao Grammy. Foi um trabalho de relações públicas muito bem coordenado, com
excepcional relação custo-benefício. A mídia nacional e internacional noticiou o uso descolado das
sandálias nos pés de Brad Pitt, Angelina Jolie e de dezenas de outras celebridades no tapete vermelho.
Como mais um exemplo de uma ação promocional que reforça a imagem de produto descolado, em
2012 a Alpargatas criou um evento no Australia Day (dia da independência australiana) com a venda de
mil pranchas infláveis em formato de sandália em uma grande praia e ampla divulgação para a imprensa.
A marca apareceu gratuitamente em TVs, internet, revistas e jornais e reforçou a imagem positiva.
A) B)
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Claro que esse sucesso todo não se traduziu em volume de vendas de milhões de pares no exterior.
Eram volumes bem menores, porém altamente rentáveis. O principal benefício foi o reflexo dessa
imagem de produto descolado no exterior nas vendas aqui no Brasil. Tudo o que acontecia na Europa
(e depois nos EUA e em outros países) era informado para a mídia brasileira, com farta distribuição de
press release com fotos e imagens. A área de relações públicas buscava imagens jornalísticas na Europa
e nos EUA com pessoas usando Havaianas e as distribuía para a mídia, que muitas vezes publicava
sem custo algum para a companhia. Observe a seguir uma foto de pessoas comuns com o presidente
americano George W. Bush em 2005 e perceba a identificação dos pés usando as sandálias:
Revistas, jornais e até a televisão noticiavam com razoável frequência celebridades estrangeiras
usando o produto em festas, desfiles, restaurantes e casas noturnas de alto padrão. Era comum a mídia
destacar que os preços eram muito mais altos que os brasileiros. A imagem de produto descolado
alavancou as vendas no Brasil em volumes bem mais altos e permitiu adotar preços mais altos também
(em menor escala, claro). Era possível usar a sandália dos famosos nacionais e estrangeiros pagando pouco.
Note que a estratégia mudou e se adaptou com o tempo. Hoje a Alpargatas continua com as
Havaianas à venda no Brasil e no exterior com estratégias distintas e bem-sucedidas.
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Tendo em mãos o conjunto de análises de fatores internos e externos, faz-se necessário optar por
um caminho estratégico adequado. Como já vimos, Sobral e Peci (2013) definem três níveis de decisão
estratégica: nível corporativo, nível de negócio e nível funcional. Estudaremos esses aspectos a seguir.
Wright, Kroll e Parnell (2000) delimitam três tipos de estratégias corporativas: crescimento,
estabilidade ou retração. Cada unidade de negócio deve adotar a mais adequada para que haja sinergia
e complementariedade nos objetivos organizacionais. Assim, organizações podem ter unidades de
negócio com estratégias de crescimento simultaneamente com outras adotando estratégias de retração
ou estabilidade, balanceando os investimentos e maximizando os resultados gerais.
Adotada quando a unidade de negócio tem acesso a recursos suficientes para aumentar o volume de
operações com benefícios superiores aos custos envolvidos. É o caso de mercados em fase de crescimento
ou de concorrentes em situação vulnerável que não vão reagir à tomada de participação de mercado.
Lembre-se que o início da discussão acadêmica sobre estratégia por Ansoff, na década de 1960, foi
delimitada para estratégias de crescimento.
Desde Ansoff, a teoria evoluiu e se desdobrou, mostrando que há várias maneiras específicas de crescer.
Wright, Kroll e Parnell (2000) desdobram essa estratégia em diversos tipos: interno; integração horizontal;
diversificação horizontal relacionada; diversificação horizontal não relacionada; integração vertical; fusões;
e alianças estratégicas.
permanece. Isso gera crescimento do faturamento pela sinergia comercial das duas operações
fundidas numa só, sem contar os ganhos de sinergia operacional da retaguarda, fazendo crescer a
rentabilidade. Pense na grande quantidade de fusões e aquisições de empresas nos últimos anos.
Muitas delas são do mesmo ramo. O mercado farmacêutico faz isso com frequência.
Integração horizontal
Saiba mais
Empresa Empresa
relacionada Empresa relacionada
ao ramo ao ramo
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Saiba mais
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Fornecedor
Integração
Empresa vertical
Distribuidor
• Fusões: união de duas ou mais empresas em uma nova para ganhar competitividade por sinergia e
compartilhamento. Por exemplo, em 1999 as duas maiores cervejarias brasileiras, Antarctica
e Brahma, se fundiram numa só empresa chamada Ambev, unificando as operações fabris e
comerciais. Eram concorrentes que disputavam o mesmo mercado há mais de cem anos. No mesmo
exemplo, em 2004 a Ambev se fundiu com a cervejaria belga Interbrew, formando uma nova
empresa chamada Inbev. Em 2008 a Inbev se fundiu com a Anheuser-Busch, a maior cervejaria
americana, tornando-se o maior fabricante de cerveja do mundo: a AB-Inbev.
Interbrew AmBev
1987 1999
InBev
1999
• Alianças estratégicas: parcerias em que duas ou mais empresas diferentes cooperam entre si
buscando vantagens competitivas em determinado negócio. Por exemplo, empresas de logística
de localidades diferentes fazem parcerias entre si para aproveitar o retorno de caminhões vazios
após fazer entregas em outros estados/cidades. O caminhão da empresa paulista A que sai de São
Paulo para Manaus iria retornar vazio, mas a empresa amazonense B vende o frete de Manaus
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para São Paulo, gerando ganhos e redução de custos para ambas as empresas. Quando a parceria é
institucionalizada e faz parte da estratégia de ambas as empresas, temos uma aliança estratégica.
Outra parceria estratégica envolve as lojas de móveis e decoração Etna (que já comentamos) com
o Grupo Pão de Açúcar, um dos líderes do ramo de supermercados e hipermercados no Brasil.
A parceria consiste na abertura de espaço dentro dos hipermercados Extra e supermercados
Pão de Açúcar para vender produtos das lojas Etna. No caso do Extra, uma grande área da loja
contém várias gôndolas e prateleiras só para produtos Etna. Isso é denominado shop in shop
ou loja dentro da loja. Não se pode confundir essa modalidade com as lojas que ficam além dos
caixas do hipermercado (farmácias, lotéricas, cafés etc.). No caso da parceria com a Etna, o espaço
é dentro da área de vendas do hipermercado e os produtos são pagos nos mesmos caixas,
havendo um acerto de contas posterior entre as duas empresas.
Na prática, trata-se de definir que os movimentos estratégicos não serão muito diferentes dos atuais,
mantendo-se as operações como estão sem grandes alterações.
Observação
Pense nos restaurantes por quilo perto de regiões comerciais. A maioria, após conseguir se estabelecer
com um volume suficiente de clientes por dia, dificilmente mudará suas atividades. Você provavelmente
conhece empresas que atuam do mesmo modo ano após ano. Se a situação de mercado não se alterar,
uma boa parte vai continuar existindo fazendo o que sempre fez.
Contudo, há outros motivos além do conformismo para adotar essa estratégia. Por exemplo, o Grupo
Votorantim atua nos setores de cimento, mineração, siderurgia, energia e outros. A unidade de negócio
de cimento adota a maior parte das vezes essa estratégia, pois é um ramo pouco atrativo para novas
empresas (preço comoditizado, altos investimentos para manutenção e bastante onerado pelo custo de
distribuição) e a liderança em um mercado de crescimento razoavelmente estável garante uma posição
confortável. Ou seja, não vale a pena investir para crescer nessa unidade de negócio, e o grupo utiliza
seus recursos para investir nas outras unidades de negócios. Se fosse feita uma matriz BCG, a unidade
de negócio de cimento seria certamente uma vaca-leiteira.
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Observação
Na prática, essa estratégia reduz as operações visando sair total ou parcialmente do mercado. Veja
que o ponto é tentar converter os ativos em recursos para serem investidos em outros setores/negócios.
Quando bem executada, a saída parcial reduz, naturalmente, o faturamento e ao menos procura
manter os percentuais de rentabilidade por um prazo definido. Por exemplo, a crise econômica trazida
pelo coronavírus fez com que vários negócios decidissem por reduzir suas operações. Redes de varejo
fecharam parte das lojas, unidades fabris reduziram turnos ou encerraram linhas de produção etc.
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Outras vezes, essa estratégia significa o abandono total do mercado. É o caso da Ford Caminhões,
unidade de negócios da Ford no Brasil que encerrou suas operações em 2019. Veja que outras unidades
de negócio da Ford Brasil (automóveis, serviços financeiros, jipes Troller etc.) continuaram a operar, cada
uma com sua estratégia de nível corporativo.
Cada unidade de negócio traça suas estratégias alinhadas com a estratégia corporativa. Porter (1986)
as define como estratégias competitivas: liderança de custo, diferenciação e foco.
Como vimos anteriormente, a liderança de custo define que as atividades da organização devem ter
como preocupação obter o menor custo unitário de produção do mercado. Quem tem o menor custo
obtém vantagens competitivas.
Ou seja, não é a qualidade superior do produto ou serviço o fator de atração, e sim um preço menor.
Claro que a percepção de valor por parte do cliente deve ser positiva, uma vez que produtos percebidos
como de qualidade ruim dificilmente terão vendas ao longo do tempo. Assim, o valor percebido deve ser
maior que o custo percebido, e esse custo, na estratégia de liderança em custo, deve ser necessariamente
menor que o da concorrência.
Perseguir essa estratégia significa entender o conjunto de atributos essenciais para a oferta do produto
ou serviço, abrindo mão dos atributos acessórios que aumentam o custo.
Atributos essenciais são as características de um produto ou serviço que os clientes não abrem mão
em hipótese alguma. Um atributo essencial de uma máquina produtiva para uma fábrica é confiabilidade:
deve funcionar sem quebras por longos períodos.
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Por sua vez, atributos assessórios são as características que os clientes até podem apreciar, mas
não fazem questão, ou características que não agregam valor algum. Um atributo assessório de uma
máquina produtiva para uma fábrica pode ser a cor externa: não afeta em nada a produtividade, a não
ser em casos específicos, em que a estética das máquinas for considerada essencial.
Por exemplo, a rede Accor de hotéis tem uma unidade de negócios chamada Ibis Budget, composta
de hotéis em localizações estrategicamente próximas a estações de metrô, ônibus e trens, com quartos
básicos e limpos, normalmente sem restaurante (esqueça o café da manhã!), sem carregador de
malas, com recepção funcionando em horário limitado, sem lavanderia etc. O foco é localização com
limpeza e conforto básicos em troca de diárias mais baratas que a concorrência. Não há luxo, somente
funcionalidade. Os atributos essenciais que a Accor oferece são localização e limpeza com conforto
suficiente. Por considerar atributos acessórios, não oferece recepção 24 horas, serviços de carregador de
mala, restaurante e lavanderia. Em troca, oferece preços mais baixos que os concorrentes, perseguindo
a liderança em custo.
O ramo do turismo tem, em seus diversos mercados, empresas que perseguem essa estratégia. A Ryanair
é uma companhia aérea irlandesa líder de baixo custo na Europa. A operação se restringe a um serviço
standard de qualidade reduzida, sendo que qualquer item extra é pago à parte. Despacho de bagagem,
bebidas e comidas (tanto na sala de espera quanto a bordo) e acesso a entretenimento (e internet) a
bordo são oferecidos mediante pagamento, resultando numa tarifa de transporte atraentemente baixa.
O foco é apenas o transporte aéreo. O atributo essencial que é ofertado é o transporte aéreo do ponto
A para o ponto B em rotas e horários pré-definidos.
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Motéis como Motel 6 (EUA) são extremamente simples e limpos e atendem basicamente viajantes
para pernoite ou estada curta. Motéis nos EUA são hotéis simples de beira de estrada, muitas vezes com as
portas dos quartos voltadas diretamente para o estacionamento, e mesmo nesse segmento há maneiras
eficientes de reduzir custos. A rede Motel 6 é considerada a mais barata da América, e ainda assim é
recomendada em sites de avaliação, pois entrega qualidade básica de serviço. As unidades têm quartos
de leiaute padronizado, com a menor área possível para ter razoável conforto, são administradas por
franqueados (preferivelmente famílias) que executam todos os serviços, com poucos ou, de preferência,
sem nenhum funcionário. Unidades com até dez quartos podem ser operadas por uma família com
quatro pessoas, por exemplo, dispensando o custo de funcionários. Localizam-se perto de restaurantes,
lanchonetes, cafeterias e lavanderias, uma vez que, por padrão, essas unidades não têm esses serviços.
Os poucos serviços extras são todos pagos, como o acesso a internet. É um modelo de negócios focado
no menor custo operacional possível, e o franqueador tem processos precisos de aferição da qualidade
mínima aceitável.
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Observação
5.2.2 Diferenciação
O que atrai é a característica diferente, que se traduz em percepção positiva. Percepção de qualidade
superior, quando efetivamente sustentada pelo projeto do produto, normalmente é reforçada na comunicação
para criar o diferencial. Pense em bebidas de qualidade comparadas com bebidas mais baratas.
Não é só a qualidade em si que é comparável para criar a percepção de valor superior. Por
exemplo, no Brasil a margarina Becel há anos é considerada “amiga do coração” porque em sua
composição há óleos vegetais com ômega 6, que é considerado por cardiologistas bom para o
coração, pois contribui para manter um nível de colesterol saudável no sangue. É comum que
esses cardiologistas sugiram para pacientes com alto colesterol que passem a consumir Becel. Essa
informação sobre a fórmula do produto é insistentemente divulgada na estratégia de comunicação
da marca, e anos atrás até mesmo propagandistas farmacêuticos foram usados para divulgar o
produto com médicos.
Outro exemplo de diferenciação é o da linha Ekos, da Natura, com produtos feitos de castanhas,
andiroba, ucuuba, pitanga e outras matérias-primas naturais da Amazônia. As fórmulas de sabonetes,
loções, desodorantes, xampus, hidratantes etc. são enriquecidas com manteigas e puros óleos extraídos
de bioativos da Amazônia, e as embalagens têm o diferencial de serem feitas com plástico 100%
reciclado. Tudo está alinhado com o posicionamento de empresa social e ambientalmente responsável.
Em serviços, a diferenciação pode ser oferecida na forma de tempo extra, se esse tempo for percebido
como valor. A Movida, empresa brasileira de locação de veículos com mais 110 mil carros na frota e mais
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de 190 pontos de atendimento, oferece a diária de 27 horas na devolução. São três horas de cortesia
na diária de devolução, o que é valorizado principalmente para quem aluga carros em aeroportos e têm
horários de voos que atrapalham a devolução padrão de veículos.
No varejo, um bom exemplo de diferenciação é o Grupo CRM, detentor da fábrica e das lojas
Kopenhagen e Brasil Cacau de Chocolates e sócio da joint-venture das lojas Lindt de chocolates no
Brasil. A Kopenhagen era uma rede de lojas de padrão superior de chocolate fundada em 1928 e foi
vendida para o Grupo CRM em 1996, que reforçou a aura de exclusividade e diferenciação e abriu mais
lojas. Na época, era a fábrica de chocolates com lojas mais cara do mercado. Estrategicamente, o grupo
criou uma rede de varejo de chocolates mais voltados para a classe média, a Brasil Cacau, em 2009.
Assim, a empresa ficou na confortável posição de líder de diferenciação, com a Kopenhagen na faixa de
preços top (não há concorrente relevante), e de player atuante da faixa de preços média, com a Brasil
Cacau. Em 2014, num movimento surpreendente, se associou à Lindt, fabricante belga de chocolates
de alta qualidade muito conhecida pelas classes A e B brasileira, e passou a ter lojas dessa marca no
Brasil. Assim, o grupo blindou sua posição: maior rede de chocolates top importados e maior rede de
chocolates top nacionais, tendo ainda uma rede atuante na faixa de preços médios.
De qualquer modo, não basta criar um diferencial. É necessário que este seja percebido como algo
de valor.
5.2.3 Foco
realmente entregar a performance superior que os clientes exigem. Note que, apesar de ter uma fórmula
equivalente à de diferenciação, nessa estratégia o alvo é restrito a um segmento específico. Muitas
vezes, por ser muito pequeno, é até um nicho de mercado.
Vale a pena entender os conceitos de segmento e nicho de mercado. Lembra-se das aulas de
geometria, quando estudamos que uma reta é a menor distância entre dois pontos? Um segmento de reta é
qualquer pedaço dessa reta.
Assim, em um dado mercado (de xampu, por exemplo), um segmento seria o mercado de xampu
anticaspa, um pedaço específico do mercado com características próprias.
Quando falamos em nicho de mercado, estamos nos referindo a um pedaço bem mais específico e
menor. Numa metáfora, ao entramos numa catedral (o mercado), há pequenas reentrâncias nas paredes
com vasos, imagens e estátuas: são os nichos.
Sabendo dessas definições, a estratégia de foco visa dominar um nicho de mercado, conquistando
liderança e inibindo outros competidores de atuar dentro dele.
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Por exemplo, a British Motor Heritage Limited é uma empresa inglesa que, em 1975, comprou do
fabricante inglês de automóveis Mini Morris todas as prensas e ferramentas para fazer carrocerias de
dois modelos que iriam sair de linha. A intenção era fabricar peças de reposição de carroceria exatamente
iguais às originais. Hoje a companhia tem prensas e ferramentas originais para oito modelos de carros
de outras fabricantes inglesas que descontinuaram modelos ou que faliram (como Triumph, MGB,
Austin-Healey). Os clientes são entusiastas desses modelos antigos que compram carros originais em
mau estado para serem restaurados com peças exatamente iguais às originais, ou proprietários dos
modelos que sofreram acidentes e precisam de peças de reposição. O negócio é especializado em peças
de carroceria com certificado de originalidade e a concorrência não consegue atingir o mesmo padrão de
qualidade. Uma carroceria completa de um Mini custa aproximadamente 12 mil libras esterlinas.
A) B) C)
Figura 44 – Automóveis ingleses Mini Morris, Triumph TR6 e Austin-Healey Sprite, cujas
peças de carroceria são comercializadas pela British Motor Heritage Limited
Saiba mais
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Cada área funcional traça sua estratégia alinhada com a estratégia de nível de negócio.
A estratégia de nível funcional, como o próprio nome sugere, é aplicada em cada área funcional da
organização: RH, vendas/marketing, produção/operações. Os responsáveis (normalmente diretoria ou
gerência) desenvolvem estratégias restritas a sua área e alinhadas com as estratégias de negócio. Por
exemplo, caso a estratégia de negócio de uma empresa seja voltada para liderança de custo, as áreas
funcionais deverão formular estratégias voltadas para o atendimento desse quesito. A área funcional
de produção poderia focar em processos de alta escala de produção para reduzir custo unitário e assim
atender a liderança em custo, nesse exemplo.
5.3.1 Estratégia de RH
Devem ser derivadas da estratégia de nível de negócio, integrando a função do RH aos objetivos
organizacionais. Chiavenato (2014) afirma que é necessária a tradução entre os objetivos e as
características organizacionais em objetivos e estratégias de recursos humanos.
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Unidade III
Para ocorrer esse alinhamento do RH estratégico, é preciso clareza no que a organização espera dos
funcionários. Assim, é necessário:
O público-alvo das estratégias mercadológicas pode ser pessoa física ou pessoa jurídica. São
chamados de mercado B2C (Business to Consumer), cujo alvo são pessoas físicas, e de mercado B2B
(Business to Business), cujo alvo são pessoas jurídicas (empresas). No caso de pessoas físicas, o mais
comum é definir seu público-alvo em função de diversas variáveis demográficas como sexo, idade e
estado civil. Por sua vez, a classe econômica (antigamente chamada de classe social) tem um papel
muito importante nessa definição.
Mazzon e Kamakura (2016) propõem uma atualização do Critério Brasil de Classificação Econômica,
metodologia de estratificação econômica utilizada há décadas no Brasil. De responsabilidade da Abep
(Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), estratifica (divide) em sete classes os domicílios urbanos
e estima a renda média em cada um. Classe econômica é uma variável expressa nas classes A1, A2, B1,
B2, C1, C2, D/E, sendo a classe A1 a mais alta e a classe D/E a mais baixa em termos de renda. Por meio
de um questionário padronizado, é possível determinar a classe econômica do domicílio do respondente.
Veja que o Critério Brasil não determina a classe da pessoa, e sim de seu domicílio.
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Voltando aos 4 Ps, qualquer organização processa insumos e os transforma em produtos cujas
características são definidas internamente (decisões de produto) para serem comunicadas aos clientes
(decisões de comunicação) e, posteriormente, esses produtos são oferecidos por meio de canais de
distribuição (decisões de distribuição) numa transação de troca de valores (decisões de preço).
Decisões de produto são referentes àquilo que a organização oferece aos clientes para atender a suas
necessidades/demandas. As estratégias envolvem decidir características (tamanho, peso, embalagem,
durabilidade), benefícios (funcionais, de status), serviços adicionados (pós-venda, garantia, instalação,
upgrades) e outros.
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Unidade III
Por exemplo, a Apple adota como estratégia de produto oferecer a melhor experiência de usabilidade
do mercado com design diferenciado e exclusivo. Não são necessariamente os equipamentos mais
potentes em termos de processamento (muito embora existam na oferta de topo de linha), e sim de fazer
com que o usuário se sinta gratificado com a facilidade de uso. Não é piada: qualquer pessoa letrada,
mesmo sem experiência com dispositivos digitais, consegue aprender sozinha a usar um smartphone ou
um computador da Apple. O mesmo não ocorre tão facilmente na concorrência. O projeto de interface
está à frente da concorrência, embora o Android e a Microsoft estejam se aproximando. Outro motivo
para essa vantagem competitiva é uma decisão de produto tomada em 2001: qualquer software, app,
filme, música etc. para ser instalado ou usado num dispositivo Apple deve ser comprado na própria
Apple (iTunes e AppStore). A empresa garante o conteúdo dos usuários e controla com mão de ferro as
compatibilidades. Como o sistema operacional é da própria Apple, o ambiente de uso é 100% controlado
pela empresa, pois não é possível instalar algo “de fora”. É um ecossistema completo que traz controle
e garante faturamento. Essa estratégia de produto consegue certificar que a usabilidade segue padrões
próprios cuidadosamente desenvolvidos para dar a sensação de gratificação e facilidade. Nenhum
concorrente controla o ambiente/ecossistema: é possível para instalar conteúdo sem aprovação da
Android em smartphones Samsung, LG, Huawei etc.
Estratégias de preço comuns são estabelecer faixas de preço diferentes para produtos da linha.
Por exemplo, pense na tabela de preços de uma barbearia: “Cabelo R$ 60, Barba R$ 50, Cabelo + Barba R$ 90”.
Você certamente já viu tabelas equivalentes. Qual o motivo para cabelo e barba, juntos, custarem ao
cliente R$ 20 a menos se ele fizesse em separado? Vamos comparar as duas operações – só cabelo ou
barba versus cabelo e barba:
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Separa Separa
ferramentas e ferramentas e
materiais materiais
Paga
Há vantagens nesse fluxo operacional do serviço duplo. O tempo gasto com cliente sentando na
cadeira e sendo coberto com o avental é otimizado, sendo feito uma só vez para dois serviços. Ocorre
o mesmo para as tarefas de tirar avental, levantar da cadeira e pagar. O tempo otimizado reduz o
custo unitário e, no caso, o preço final. No exemplo anterior dos produtos Apple, a estratégia de preço
adotada no ecossistema iTunes/Appstore traz uma comissão de 15 a 30% cobrada para qualquer
coisa que entre nos produtos da companhia. Quer instalar um game? De 15 a 30% do valor pago fica
retido pela Apple, idem para filmes, serviços etc. A Apple ganha mesmo que não tenha produzido o
produto/serviço: ela age como canal de distribuição cativo, uma vez que só a Apple pode vender
conteúdo para seus produtos. Essa estratégia de preço explica os resultados excelentes ao longo dos
anos até agora.
Decisões de distribuição têm relação com os meios pelos quais os produtos ficam disponíveis para
compra. A questão envolve processos logísticos de transporte e armazenagem, colocação no ponto de
venda, negociação de espaços etc.
93
Unidade III
Decisões de comunicação têm a ver com os meios e mensagens para que algo relevante seja
comunicado ao mercado.
94
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Outro exemplo é a brasileira Natura, um dos três maiores grupos do mundo no segmento de beleza.
A Natura atua com mais de duas mil consultoras (vendedoras de porta em porta) e lojas físicas no Brasil,
além de Nova York e Paris. Nos últimos anos comprou a rede britânica The Body Shop e a americana Avon.
Sua estratégia de comunicação é voltada para o conceito de “Bem Estar Bem”, cuja mensagem é focada
nas relações harmoniosas que um indivíduo estabelece consigo mesmo, com os outros e com a natureza.
Esse conceito é aplicado não só para os clientes, mas para o público interno também. Seus funcionários
contam com saúde física (assistência médica e odontológica, checkup), saúde financeira (seguro de
vida, auxílio-creche, empréstimo consignado), saúde emocional (licença-paternidade e maternidade,
para acompanhamento de gestante) e saúde social (produtos com desconto, eventos frequentes com
colaboradores e familiares, clube, academia). A matéria-prima natural vem em boa parte da Amazônia,
com inclusão social e geração de renda para as comunidades ribeirinhas (cerca de 500 famílias) que
produzem sementes e raízes de forma sustentável. Ou seja, a estratégia de comunicação está integrada
às atividades operacionais do dia a dia.
95
Unidade III
Compra
componentes
Separa
Paga componentes
comprados
Envia
Estoca componentes
componentes comprados
Fabrica
computadores
Estoca Compra
computadores computadores
Vende Compra
computadores computadores
Veja que os fabricantes da época compravam componentes (placas, memórias, monitores, teclados),
estocavam e aí entravam em linha de produção. Os produtos acabados iam para o estoque aguardando
os pedidos do varejo.
Contrariando esse fluxo, a Dell eliminou etapas que representavam custo e com isso ganhou uma
vantagem competitiva:
Cliente Dell Fornecedores
Configura
computador
Compra
Paga componentes
Separa
Paga componentes
comprados
Envia
Produz componentes
computador comprados
Envia
Recebe computador
computador pronto
96
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
O esquema funcionava assim: o cliente configurava o produto antes (no início por telefone 0800,
depois por internet), pagava, e aí a Dell fabricava e enviava para o comprador. Note as vantagens dessa
estratégia de produção:
• Não há custo de estoque de componentes, pois só se compra o que já estiver vendido e pago antes.
• Não há custo de estoque de produto acabado, pois os produtos já têm destino definido: o cliente
que pagou.
No fluxo normal da indústria, se o cliente pagava U$ 1,000 para o varejo, a indústria receberia algo
com R$ 700, pois há margem de lucro do canal de distribuição.
No fluxo da Dell, se o cliente pagava U$ 1,000, esse valor era 100% da Dell, pois não havia canal de
distribuição intermediando a venda.
Esse modelo trouxe para a Dell uma enorme vantagem competitiva, muito difícil de ser imitada
pelos players existentes na época (HP, Compaq, IBM), pois todos já tinham processos estabelecidos
baseados no fluxo normal, e o custo de mudança foi considerado proibitivo. Assim, o custo unitário
de um computador Dell era menor que de todos os concorrentes, e o preço final era equivalente ao da
concorrência. Resultado: maiores margens de lucro ao longo dos anos.
Cada área funcional, além das citadas, deve contribuir com sua própria estratégia. Por exemplo,
organizações com grande quantidade de maquinário de produção/operação precisam ter estratégias
para a área funcional de manutenção. A área funcional de finanças precisa adotar estratégias de
investimento de recursos líquidos, estratégias de funding e outras. O ponto é que cada área precisa ter
estratégias funcionais alinhadas com a estratégia de nível de negócio.
Contador (2008) postula que a definição da estratégia competitiva é resultado da escolha dos
campos de competição para depois determinar as armas mais adequadas. Essa metáfora, explicitada
num modelo replicável, é fortemente lastreada na lógica militar que historicamente formou a base do
pensamento estratégico.
Seu modelo é prático e replicável por qualquer empresa, seguindo essa lógica: campo da
competição é relacionado ao que interessa ao cliente (custo, performance, benefícios etc.), enquanto
arma da competição é o conjunto de meios que a organização utiliza para ter vantagem no campo
selecionado (preço, qualidade). Pode-se entender como uma metáfora: se o campo de batalha é o mar,
as armas deverão envolver embarcações. Claro que a aplicação é bem mais detalhada que isso, como
veremos a seguir.
97
Unidade III
O autor afirma que, no modelo campos e armas da competição (modelo CAC), uma boa estratégia
exige a definição de um ou dois campos principais e um ou dois campos coadjuvantes. É vital que os
campos não contradigam um ao outro (não dá para ter preço baixo e altíssima qualidade, por exemplo).
A vantagem do CAC é que não há a obrigação de perseguir excelência em muitas áreas, bastando ser
realmente boa nas armas que dão vantagem competitiva.
Essa característica torna o modelo CAC especialmente atraente para a elaboração de planos de
negócio voltados para empreendedorismo. Racionalmente, escolhe-se em qual campo se vai disputar
o mercado, bem como com quais armas se buscará a excelência operacional. Isso facilita muito para
empreendedores, pois naturalmente as armas serão adequadas ao perfil e expertise de cada um.
De qualquer forma, o modelo CAC pode ser utilizado por qualquer tipo de empresa, seja nova, seja
antiga.
Macrocampo Campo
Em menor preço
Em guerra de preço
Competição em preço
Em promoção
Condições de pagamento
Em projeto
Em qualidade
Competição em produto
Em variedade de modelos
Em novos produtos
Menor prazo de cotação e negociação
Competição em prazo
Menor prazo de entrega
Antes da venda
Competição em assistência Durante a venda
Após a venda
Do produto, marca e empresa
Competição em imagem Preservacionista
Cívica
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
sensíveis a preço e os clientes conhecem (ou pensam conhecer) os produtos de todos os ofertantes.
Pode-se intuir que é necessário ter menores custos que os concorrentes, o que discutiremos quando
tratarmos de armas de competição. Esse macrocampo é derivado da estratégia de liderança em custo.
• Feito de maneira pontual, pois não é sustentável ao longo do tempo, o campo “guerras de preços”
só é escolhido quando houver real liderança de custo. Trata-se de manter o preço menor que a
concorrência mesmo diante da redução de preço de um deles, ou seja, não permitindo que outro
tenha preço menor. Essa dinâmica é danosa se não for possível manter as operações com lucro
muito baixo, ou mesmo possível prejuízo.
Já é possível perceber a aplicabilidade prática do modelo CAC, não é mesmo? Ao optar competir em
preço, já está definido um rol de possibilidades de linhas de ação a serem tomadas. Cada player vai se
adequar às suas características e conveniências.
• O campo “em projeto” se refere aos diferenciais obtidos no projeto do produto: performance,
tamanho, vantagens, benefícios, design, embalagem etc. Assim, uma impressora a laser pode ter
como vantagem o menor custo por página impressa, pois o projeto faz com que o consumo de
toner seja o mais baixo do mercado.
• O campo “em qualidade” tem relação com a qualidade percebida do produto por parte dos clientes.
Há diferentes percepções de qualidade de produtos como eletrodomésticos, celulares, calçados.
Ser líder em qualidade normalmente significa poder oferecer produtos com preços superiores à
concorrência. Pense nos iPhones, Rolls-Royce, cursos em Harvard.
• O campo “em variedade de modelos” tem referência à oferta da maior variedade de tipos, cores,
sabores, modelos. Por exemplo, as sandálias Havaianas oferecem centenas de modelos e tipos
divididos em kids, masculino e feminino. A Nespresso, divisão de máquinas e cafés em cápsulas
99
Unidade III
da Nestlé, oferece praticamente uma centena de opções de sabores de cafés divididos em três
tamanhos: Ristretto, Expresso e Lungo.
• Quando se busca liderança no campo “em novos produtos”, a empresa consistentemente opta por
ter alta frequência de lançamento de novos produtos ou modelos. A busca por novidades por parte
do público é crescente, então é preciso ter políticas rigorosas de desenvolvimento de produtos.
Quantos modelos de smartphone a Samsung lança por ano? Veja que um modelo (base) tem
variações de tamanho de tela, de cores externas, de capacidade de memória etc.
• Competir no campo “menor prazo de cotação e negociação” implica ser a empresa mais rápida
para fazer orçamento e para negociar alternativas. Não basta prometer ser a mais rápida: é preciso
cumprir. E, no caso de rapidez na cotação, muitas vezes é necessária a visita para avaliação técnica
(como um profissional que avalia as condições de um piso para orçar sua troca). Essa etapa de
visita técnica também deve ser a mais rápida para quem escolhe esse campo.
• O campo “menor prazo de entrega” se traduz em deter operações logísticas mais eficientes que
as da concorrência. Prometer o menor prazo para colocar o produto na mão do cliente (e cumprir
sistematicamente) pode ser uma boa vantagem competitiva.
Para competir no macrocampo de assistência, a empresa precisa prestar auxílio antes da venda, na
utilização do produto e após a venda.
• O campo “durante a venda” envolve ser capaz de criar a melhor experiência de compra em
comparação com os concorrentes. Atendimento superior, facilidade de acesso (inclusive
estacionamento) e treinamento de pessoal de linha de frente fazem parte da melhor entrega de
valor ao cliente. Veja como o McDonald´s facilita o processo de compra em alguns locais: é possível
comprar pela internet ou por quiosques de autoatendimento e retirar no balcão sem passar na fila.
E, se a fila do caixa for grande, um funcionário aborda os clientes e gera um pré‑pedido para ser
rapidamente finalizado só com pagamento no caixa, aumentando a velocidade de atendimento.
• Na competição no campo “após a venda”, o foco é fazer o cliente se sentir seguro para usar o
produto e recomprá-lo no futuro. Assistência técnica perfeita, acesso a informações de uso e
consumo, facilidades de troca ou devolução são maneiras importantes para se diferenciar. Quantas
vezes as pessoas deixam de comprar algo por não terem confiança na assistência técnica?
• Da Costa et al. (2007) ampliou o modelo CAC acrescentando o campo “cívica”, que aborda a
liderança de imagem de empresa socialmente responsável.
101
Unidade III
Lembrete
Considerando o conteúdo estudado, a organização já definiu seus campos de competição, agora será
preciso definir as armas.
Saiba mais
Por outro lado, o McDonald´s não precisa ser tão excelente na arma realização de projetos
comunitários, pois isso não agrega valor suficiente à operação. Tanto é assim que o calendário
promocional do McDonald´s define somente um dia por ano para doar a renda das vendas de um único
sanduíche do cardápio (McDia Feliz, com o sanduíche Big Mac) para a assistência social. Note que todos
os outros produtos nesse dia continuam gerando receita, mas espertamente a ação social domina a ação.
102
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
103
Unidade III
104
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Lembre-se de que o modelo CAC prevê a escolha das armas mais adequadas e que a escolha é
limitada a poucas, pois a ideia é dominar o manejo em nível de excelência. Assim, a empresa vai focar
em ter excelência em poucas armas, não tendo de se esforçar especificamente nas outras: basta o
básico delas.
Claro que as armas não se restringem à lista que destacamos. Várias podem ser desdobradas em
outras mais precisas em aplicação, e outras naturalmente podem ser criadas. Tanto é assim que Lopes
(2002) compilou uma lista de quarenta armas voltadas para o ramo de serviços.
105
Unidade III
Contador (2003) reforça que é preciso alinhar as armas aos campos escolhidos. Ou seja, definir quais
são as armas relevantes que permitem focar adequadamente os objetivos. Para isso, sugere a utilização
da matriz de priorização das armas.
A matriz criada por Contador e De Sordi (2004) realiza a classificação das armas por métodos
estatísticos de atribuição de pesos. O resultado é uma lista de armas relevantes (classe A), armas
neutras (classe B) e armas irrelevantes (classe C). Fica claro que armas irrelevantes, nessa avaliação, não
contribuem para a vantagem competitiva e não devem ser motivo de preocupação. As armas neutras
devem ser utilizadas de maneira protocolar, e as armas relevantes devem ser dominadas e usadas em
grau de excelência.
Cabe ressaltar que a grande vantagem do CAC é a possibilidade de escolher quais são os focos mais
importantes de atuação para obter vantagem competitiva.
Exemplo de aplicação
O autor do modelo CAC criou uma simulação em computador que pode ser acessada livremente
em: www.estrategiacac.com.br
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Da Costa et al. (2007) sugerem que para formular a estratégia deve-se seguir esses passos:
Uma das grandes vantagens de adotar o método CAC consiste na possibilidade de focar os recursos
somente nas armas relevantes. Os recursos que seriam utilizados nas armas irrelevantes podem ser
destinados para as armas relevantes, aumentando seu poder de fogo.
Veja que após séculos de utilização de estratégia no campo militar, a metáfora continua sendo
aplicada e com método.
107
Unidade III
Resumo
108
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
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Unidade III
Exercícios
Figura 51
Figura 52 – Sandálias com temas dos pintores modernistas Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
I – A criação das sandálias com temas dos pintores modernistas contraria o novo posicionamento
adotado pela marca, pois não faz parte do universo cultural do público consumidor.
II – A estratégia de dialogar com a arte brasileira do início do século XX atribui ao produto tons de
modernidade e brasilidade.
A) I, II e III.
B) II e III, apenas.
C) I e III, apenas.
D) III, apenas.
E) II, apenas.
Análise da questão
As sandálias Havaianas tiveram seu posicionamento alterado a partir da década de 1990, passando
a atingir também as classes A e B.
I – As armas de competição são ferramentas que uma empresa pode utilizar para obter vantagem
no seu campo.
II – Segundo o modelo CAC, que parte de uma analogia com o universo militar, uma boa estratégia
envolve a seleção de campos principais e de campos coadjuvantes.
III – O modelo CAC considera campos agrupados em macrocampos como preço, produto, prazo,
assistência e imagem.
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Unidade III
A) I, II e III.
B) I e II, apenas.
C) II e III, apenas.
D) I e III, apenas.
E) I, apenas.
Análise da questão
O modelo CAC visa à obtenção de vantagens competitivas. Parte de uma analogia com a guerra para
propor que a empresa deve, primeiro, escolher os campos, principais e coadjuvantes, em que pode se
destacar para depois escolher as armas.
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