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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

Unidade III
5 CASO HAVAIANAS

As sandálias Havaianas, produzidas pela empresa São Paulo Alpargatas, trazem um exemplo histórico
de estratégias que se adaptam aos tempos, resultando em alguns fracassos e muitos sucessos.

Gomes (2005) explica a evolução estratégica das Havaianas na forma de ondas. A primeira onda, que
o autor denomina onda das commodities, durou de 1962 até 1994.

Em 1962 a Alpargatas lançou um produto cuja inspiração era uma tradicional sandália de dedo
japonesa chamada Zori, feita com tiras de tecido e sola de palha de arroz.

A) B)

Figura 30 – Sandálias japonesas Zori e sandálias Havaianas

Disponível em: A) https://bit.ly/3yK3COD; B) https://bit.ly/3FRIAiH. Acesso em: 16 maio 2022.

Ao desenvolver o produto, a empresa substituiu a palha da sola por um composto de borracha


extremamente macio e durável, e simulou os grãos de arroz na textura da parte superior. Essa textura
persiste até hoje. A agência de propaganda JW Thompson criou um slogan que resumia as qualidades
do produto: “não deformam, não soltam as tiras e não têm cheiro”. E era verdade.

Embora o design das sandálias Havaianas fosse de origem oriental, seu


nome foi inspirado no Havaí, o paraíso do sol e do mar, onde os ricos e
famosos norte-americanos na década de 1960 passavam suas férias. Esse
nome era considerado ideal, já que o calçado era adequado para o uso em
países de clima quente, pois deixava os pés descobertos, evitando o excesso
de transpiração (SERRALVO; PRADO; LEAL, 2006, p. 9).

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Originalmente lançada para a classe média, em pouco tempo foi adotada pelas classes mais populares,
pois era confortável e barata. Portanto, a Alpargatas adotou com sucesso a estratégia de menor custo
de Porter (1986) através do binômio padronização e alta escala. A estratégia consistia em padronizar
a oferta em um único modelo com tamanhos de pé diferentes fabricados massivamente, reduzindo
o custo unitário de produção. Com o tempo, foram acrescentadas poucas cores nas tiras (verde, azul,
amarelo e preto), sempre com foco em produção em massa.

Nas décadas de 1970 e 1980, as Havaianas eram um produto barato e amplamente usado pelas
classes C e D. Era bastante comum ver operários de construção, pedreiros, pintores e vendedores
ambulantes usando-as para trabalhar. A distribuição feita através de atacados fazia o produto chegar a
lojas populares em todo o Brasil, que vendiam o produto encostado em qualquer lugar. Era comum o uso
de caixas de sabão (ou qualquer outra caixa de papelão velha) com tamanhos de pé e cores misturados.
Os clientes procuravam e faziam o par que queriam. Feiras livres e camelôs vendiam sandálias Havaianas
em grande quantidade.

Entretanto, havia um problema. Mesmo tendo um diferencial único (a secreta formulação da borracha
do solado e tiras que não deformava, não soltava as tiras e não retinha cheiro), a percepção geral era
de produto “comoditizado” (massificado e não diferenciado pelo cliente) e extremamente popular. Para
as classes A e B, as Havaianas estavam associadas à falta de elegância. Para o restante da população,
eram um produto confiável e barato. Percebendo esse ponto fraco, a concorrência avançou ao longo da
década de 1980 com sandálias (ou chinelos) de borracha com melhor imagem.

Entretanto, em 1988, com o avanço dos concorrentes, a empresa teve uma


forte queda nas vendas de 88 milhões de pares para 65 milhões de pares, com
uma margem cada vez menor ao longo do tempo. Além disso, vale ressaltar
que a empresa manteve por 32 anos o mesmo produto sem nenhuma
inovação como também a classe média foi impactada pelo lançamento
de produtos diferenciados como os chinelos Rider, da empresa Grendene.
Em vista disso, o volume e a rentabilidade das sandálias Havaianas
iniciaram um processo cíclico de declínio: o foco em redução de custos
para aumento da rentabilidade fez com que o preço do produto fosse seu
único diferencial no mercado, tendo como fim seu uso restrito às classes
de menor poder aquisitivo. As pesquisas indicavam que a imagem das
sandálias Havaianas era de um produto bom, confiável, porém o produto
estava associado a um atestado de pobreza, sem apelo de charme e
glamour (SERRALVO; PRADO; LEAL, 2006, p. 10).

Na época, a Alpargatas percebeu que a estratégia de menor custo não mais trazia vantagem
competitiva. Ao contrário, na prática o produto perdia volume de vendas ano após ano e a economia
de escala estava perdendo eficiência, reduzindo, por conseguinte, as estreitas margens de lucro. Era
necessário adotar outra estratégia.

Gomes (2005) e Serralvo, Prado e Leal (2006) citam 1994 como o início da onda da redefinição da
estratégia. Para isso, a Alpargatas teve por base pesquisas que indicavam que muitas pessoas das
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classes A e B também usavam Havaianas, porém restringindo o uso para as próprias casas. Afinal de
contas, eram confortáveis. Não era aceitável para a classe alta e média ser vista usando o produto nas
ruas, praias e piscinas, pois o preconceito de imagem pobre dominava. Mas era aceitável usar Havaianas
em casa, longe dos olhos dos pares sociais. Essa hipocrisia de fazer no ambiente privado o que não
se faz em ambiente público por questões meramente sociais deu o ponto de partida para redefinir
a estratégia.

Podemos ver que a estratégia de diferenciação de Porter (1986) emergiu a partir daí. Sem abrir
mão do produto básico e popular que continuava a vender dezenas de milhões de pares por ano (apesar
da queda continuada de vendas), a decisão foi de lançar um novo produto, com nova embalagem,
com distribuição e comunicação diferentes e com significativa alteração no preço (mais caro). Perceba
que, nesse caso, também podemos citar a visão de Ansoff (1965) e afirmar que era uma estratégia de
desenvolvimento de produtos.

Foi o lançamento da linha Havaianas Top, em 1994, que simbolizou a


segunda onda da marca. Sua proposta era reconquistar a classe média. Se
as Havaianas Tradicionais tinham sempre duas cores – solado e tiras numa
cor básica, palmilha branca –, as Top vinham monocromáticas, em cores da
moda (GOMES, 2005, p. 3).

Assim, a linha de produtos de Havaianas passou a ter duas opções: Tradicional, sem alterações nas
políticas de produção e marketing, e Top, com 30% a mais na espessura da sola, cores diferentes e a
marca Havaianas gravada em relevo na tira, além de outras ações estratégicas.

Uma dessas ações dizia respeito à embalagem. Para ter baixo custo no produto final, a embalagem
das Tradicionais era no máximo um saco de pano com barbante, isso quando não era vendida no varejo
sem embalagem alguma com os pares amontoados em caixas de papelão de outros produtos, fazendo
o cliente procurar o pé direito e esquerdo do mesmo tamanho. Já a Havaianas Top vinha em pares
dentro de uma embalagem cartonada colorida e de bom gosto, diferenciando a oferta e a percepção de
qualidade. Não era um produto de luxo, mas era perfeitamente aceitável pelas classes A e B.

Outra ação foi a escolha de varejos não populares para vender a Top. O canal de distribuição
tradicional das Havaianas, o atacado, abastecia feiras livres, mercadinhos, lojas de roupas populares,
posto de gasolina etc. A Alpargatas não ofereceu a Havaianas Top aos atacados e focou a oferta
diretamente no varejo de calçados masculinos e femininos, lojas de material esportivo, lojas de moda
jovem em shoppings etc. A ideia era de mostrar ao público classe A e B que o novo produto não seria
encontrado nos locais populares.

A exposição do produto no ponto de venda também foi uma importante


transformação. Foram projetados displays personalizados para mostrá-las
de forma destacada. Foram desenvolvidos “Havaianeiros”, que deixavam a
marca exposta, por cores e por tamanhos. Mostrar o produto é importante.
O produto não basta ser bom, tem que parecer bom. Antes disso, as Havaianas
eram vendidas em sacos misturados com produtos de limpeza que ficavam
jogados no chão (SERRALVO; PRADO; LEAL, 2006, p. 11).
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O preço da Havaianas Top era mais alto e com rentabilidade maior. Porém, a lógica de preço relativo
era a mesma da Havaianas Tradicional, que era considerada acessível para as classes C e D. Assim, o preço
mais alto da Top também foi posicionado para ser acessível para as classes A e B.

A comunicação também foi alterada. Antes, os anúncios focavam nas qualidades do produto (o slogan
tradicional). Para a Havaianas Top, o foco mudou para quem usava o produto, no clássico formato
testemunhal, mas de maneira leve e divertida. A mensagem era: as celebridades que apareciam usando
Havaianas nos comerciais realmente as usavam no seu dia a dia na vida real. A atriz Malu Mader estrelou
o primeiro comercial, que sempre seguiu uma linha de humor e descontração até os dias de hoje.

Diversas pessoas conhecidas foram garotos-propaganda da marca, como


Malu Mader, Vera Fisher, Carolina Ferraz, Deborah Secco, Luana Piovani, Priscila
Fantin, Rodrigo Santoro, Marcos Palmeira, Raí, Reinaldo Gianechini, Fábio
Assunção entre outros. Essa estratégia confere credibilidade à mensagem e
à marca, tendo em vista que estes avalizavam a marca e o produto. Dessa
forma, conseguiu-se mudar a imagem da marca de envelhecida e desgastada
que ameaçava o crescimento no mercado brasileiro para moderna e charmosa
(SERRALVO; PRADO; LEAL, 2006, p. 11).

Os resultados foram ótimos. Em um ano, as Tradicionais recuperaram o volume de vendas


e a Top atingiu as metas de vendas estabelecidas. É interessante perceber o efeito paralelo
da comunicação: o prestigio das Havaianas Top de certa forma ajudou a reforçar as vendas
das Havaianas Tradicionais. O público tradicional das classes C e D também tinha projeção nas
celebridades, mesmo não comprando o produto mais caro. É um bom exemplo de comunicação
eficiente, que traz um efeito guarda-chuva para a marca.

Cabe ressaltar que a linha de comunicação de 1994 permanece a mesma até hoje. Sempre há
celebridades como atores, atrizes e esportistas em situações de uso do produto, falando sobre o produto
ou comprando o produto em cenas cheias de humor e descontração. Exemplos: há Cauã Reymond e seu
cão Bolota, que só roía sandálias Havaianas; Rubinho Barrichello comprando o produto diante de uma
vendedora que imita Galvão Bueno; Deborah Secco na praia usando o produto para atrair a atenção.
Há cenas domésticas, na praia, na rua ou em lojas reforçando a ideia de que essas celebridades usam
Havaianas no dia a dia.

Lembrete

Nas décadas de 1970 e 1980, as Havaianas eram um produto barato e


amplamente usado pelas classes C e D. Era bastante comum ver operários
de construção, pedreiros, pintores e vendedores ambulantes usando-as
para trabalhar.

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Exemplo de aplicação

A internet dá acesso a centenas de comerciais da Havaianas. Pesquise na internet digitando


“comerciais havaianas” e observe.

O sucesso das Havaianas Top incentivou a Alpargatas a desenvolver mais modelos, alguns em edição
limitada e com preço alto. Por exemplo, para o réveillon do ano 2000, foi lançado um modelo que brilhava
no escuro. Em 2001 foi lançada a Special Collection, com cristais e malhas de metal costuradas à mão
por artesãos nordestinos. Em 2004 foi criada uma edição limitadíssima de Havaianas com acabamento
em ouro com parceria da Joalheria H.Stern. Ao longo de todo esse tempo, houve modelos com preços e
escalas de produção normais, como Floral, Fit, Baby e Flat.

Serralvo, Prado e Leal (2006) denominam a terceira onda como internacionalização, que ocorreu a
partir de 2001. A exportação começou em 1994 lentamente para alguns países vizinhos da América do Sul.
Esse aprendizado gerou frutos, pois em 2001 as vendas externas começaram a crescer significativamente.

O processo foi exatamente o oposto em relação aos acontecimentos no Brasil.


Aqui, as sandálias Havaianas tinham como consumidores as classes mais
baixas e depois foram subindo na pirâmide. Em contrapartida, no mercado
internacional, principalmente o europeu e americano, a marca já entrou
com um posicionamento superior, de qualidade e status. O público‑alvo
escolhido foi o que eles chamam de High End ou topo da pirâmide. Os países
selecionados primeiramente foram França e Itália, por serem importantes
referências de moda (SERRALVO; PRADO; LEAL, 2006, p. 12).

Buscar novos clientes com o mesmo produto é a estratégia de desenvolvimento de mercado de


Ansoff (1965). E, sob a ótica de Porter (1986), temos a estratégia competitiva de foco, pois no exterior
houve a escolha do segmento High End com necessidades específicas e diferenciação.

As ações mercadológicas e operacionais para a internacionalização foram muito bem-sucedidas.


O lançamento em Paris foi na Galeria Lafayette, uma enorme loja de departamentos com público
formador de opinião. Uma vez por ano a loja faz um evento tradicional temático, e em 2002 o tema foi
América Latina. Foi negociado um espaço promocional com uma “minifábrica” de Havaianas para que as
pessoas montassem seu par personalizado juntando solados e tiras de diversas cores. O preço: 30 euros.
Veja a cotação do euro hoje, multiplique por 30 e veja que a escala de preço no exterior era muitíssimo
superior aos preços praticados no Brasil.

A cuidadosa seleção dos pontos de venda onde seriam vendidas as Havaianas fez com que grandes
redes de varejo fossem bloqueadas. Wal Mart e Carrefour, por exemplo, ficaram de fora. Porém, lojas
de alta moda foram escolhidas e a escala de preço chegou em alguns casos a 50 euros. Também foram
usadas vending machines (máquinas de venda automática), que eram colocadas em locais de circulação
do público High End como shoppings sofisticados e áreas comerciais com lojas de produtos de luxo.
A marca e o produto, visivelmente presentes nesses locais, reforçavam a imagem de produto para um
público selecionado.

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Figura 31 – Máquina de vendas Havaianas

Disponível em: https://bit.ly/3LkVVRN. Acesso em: 16 maio 2022.

A comunicação era focada em relações públicas e as ações com as revistas de moda europeias
fizeram as Havaianas aparecerem em editoriais de moda sem custo de veiculação. A imagem trabalhada
foi de status e de “ser fashion” para quem usasse as sandálias.

Por exemplo, nos EUA, em 2003, as havaianas foram distribuídas gratuitamente para as celebridades
que iriam ao Oscar e ao Grammy. Foi um trabalho de relações públicas muito bem coordenado, com
excepcional relação custo-benefício. A mídia nacional e internacional noticiou o uso descolado das
sandálias nos pés de Brad Pitt, Angelina Jolie e de dezenas de outras celebridades no tapete vermelho.

Como mais um exemplo de uma ação promocional que reforça a imagem de produto descolado, em
2012 a Alpargatas criou um evento no Australia Day (dia da independência australiana) com a venda de
mil pranchas infláveis em formato de sandália em uma grande praia e ampla divulgação para a imprensa.
A marca apareceu gratuitamente em TVs, internet, revistas e jornais e reforçou a imagem positiva.

A) B)

Figura 32 – Ação promocional Havaianas na Austrália em 2012

Disponível em: A) https://bit.ly/3MnxHHL; B) https://bit.ly/3PrWo80.


Acesso em: 16 maio 2022.

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Claro que esse sucesso todo não se traduziu em volume de vendas de milhões de pares no exterior.
Eram volumes bem menores, porém altamente rentáveis. O principal benefício foi o reflexo dessa
imagem de produto descolado no exterior nas vendas aqui no Brasil. Tudo o que acontecia na Europa
(e depois nos EUA e em outros países) era informado para a mídia brasileira, com farta distribuição de
press release com fotos e imagens. A área de relações públicas buscava imagens jornalísticas na Europa
e nos EUA com pessoas usando Havaianas e as distribuía para a mídia, que muitas vezes publicava
sem custo algum para a companhia. Observe a seguir uma foto de pessoas comuns com o presidente
americano George W. Bush em 2005 e perceba a identificação dos pés usando as sandálias:

Figura 33 – Havaianas na Casa Branca

Disponível em: https://bit.ly/3LjBLHP. Acesso em: 16 maio 2022.

Revistas, jornais e até a televisão noticiavam com razoável frequência celebridades estrangeiras
usando o produto em festas, desfiles, restaurantes e casas noturnas de alto padrão. Era comum a mídia
destacar que os preços eram muito mais altos que os brasileiros. A imagem de produto descolado
alavancou as vendas no Brasil em volumes bem mais altos e permitiu adotar preços mais altos também
(em menor escala, claro). Era possível usar a sandália dos famosos nacionais e estrangeiros pagando pouco.

No Brasil as estratégias mercadológicas também envolvem ofertas diferenciadas do produto. É possível


comprar lotes de no mínimo cem pares personalizados com o nome de noivos para festas de casamento,
quando é usual tirar os calçados e ter acesso às sandálias para dançar na pista. De tempos em tempos
se monta em algum shopping de luxo um quiosque com solados e tiras de várias cores e modelos
separados, incentivando os compradores a customizar seu par (inclusive com miçangas, correntinhas
etc.). Essas ações não geram grande volume, mas reforçam a imagem de produto moderno e descolado.

Note que a estratégia mudou e se adaptou com o tempo. Hoje a Alpargatas continua com as
Havaianas à venda no Brasil e no exterior com estratégias distintas e bem-sucedidas.

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Tendo em mãos o conjunto de análises de fatores internos e externos, faz-se necessário optar por
um caminho estratégico adequado. Como já vimos, Sobral e Peci (2013) definem três níveis de decisão
estratégica: nível corporativo, nível de negócio e nível funcional. Estudaremos esses aspectos a seguir.

5.1 Formulação estratégica de nível corporativo

Esse nível é adequado para organizações estruturadas em unidades de negócios. A formulação


estratégica visa obter sinergia entre os diversos negócios, aproveitando da melhor maneira as
possibilidades de compartilhar atividades.

Wright, Kroll e Parnell (2000) delimitam três tipos de estratégias corporativas: crescimento,
estabilidade ou retração. Cada unidade de negócio deve adotar a mais adequada para que haja sinergia
e complementariedade nos objetivos organizacionais. Assim, organizações podem ter unidades de
negócio com estratégias de crescimento simultaneamente com outras adotando estratégias de retração
ou estabilidade, balanceando os investimentos e maximizando os resultados gerais.

5.1.1 Estratégia de crescimento

Adotada quando a unidade de negócio tem acesso a recursos suficientes para aumentar o volume de
operações com benefícios superiores aos custos envolvidos. É o caso de mercados em fase de crescimento
ou de concorrentes em situação vulnerável que não vão reagir à tomada de participação de mercado.
Lembre-se que o início da discussão acadêmica sobre estratégia por Ansoff, na década de 1960, foi
delimitada para estratégias de crescimento.

Desde Ansoff, a teoria evoluiu e se desdobrou, mostrando que há várias maneiras específicas de crescer.
Wright, Kroll e Parnell (2000) desdobram essa estratégia em diversos tipos: interno; integração horizontal;
diversificação horizontal relacionada; diversificação horizontal não relacionada; integração vertical; fusões;
e alianças estratégicas.

• Interno: aumento de produção e vendas através da ampliação da força de trabalho. Ou seja,


aumento da produtividade comercial e produtiva. Também chamado de crescimento orgânico.
Exemplo: os esforços do McDonald’s em crescer no faturamento dentro da rede atual de
restaurantes. Há calendário promocional, definição de ofertas, lançamento de produtos e eventos
que atendem a essa necessidade. É, de certa forma, a estratégia mais comum para a maioria
das empresas.

• Integração horizontal: aquisição/fusão/criação de empresas que atuam no mesmo mercado.


O crescimento se dá em vista da ampliação da capacidade produtiva/operacional. Nem sempre é
comprar a empresa inteira, podendo se comprar só partes produtivas ou comerciais. Por exemplo,
em 2008 o Banco Itaú comprou o Unibanco, e com isso cresceu tanto a base de clientes quanto a
de agências. Claro que isso gerou sobreposição (agências bancárias muito próximas entre si), o que
naturalmente levou a ajustes da rede através do fechamento de agências excedentes, demissão de
funcionários em funções redundantes e transferência de clientes para outra agência. Naturalmente,
uma percentagem de clientes não aceita e abandona a marca, mas uma percentagem maior
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permanece. Isso gera crescimento do faturamento pela sinergia comercial das duas operações
fundidas numa só, sem contar os ganhos de sinergia operacional da retaguarda, fazendo crescer a
rentabilidade. Pense na grande quantidade de fusões e aquisições de empresas nos últimos anos.
Muitas delas são do mesmo ramo. O mercado farmacêutico faz isso com frequência.

Concorrente Empresa Concorrente

Integração horizontal

Figura 34 – Compra de um concorrente

Saiba mais

A PWC (PricewaterhouseCoopers), rede de empresas de consultoria,


auditoria e assessoria presente em mais de cem países, tem um site com
dados e informações sobre fusões e aquisições no Brasil mês a mês. Vale a
pena navegar e conhecer vários exemplos.

PWC BRASIL. Fusões e aquisições. Busca por ano de divulgação. 2021.


Disponível em: https://pwc.to/38q4gpX. Acesso em: 16 maio 2022.

• Diversificação horizontal relacionada: a expressão “relacionada” no nome diferencia essa


diversificação, que trata da aquisição/fusão/criação de empresas que atuam em outro mercado,
mas que têm características complementares que permitem sinergia de operações. Ou seja, não
é comprar um concorrente, e sim comprar (ou se fundir) com empresas de ramos correlatos.
É possível comprar só partes produtivas ou comerciais. Por exemplo, a Weg, empresa brasileira
líder mundial em vários setores ligados a soluções em motores elétricos, automação e tintas, em
2019 comprou a unidade de negócio de sistemas de armazenamento de energia por baterias da
Northern Power Systems. É um novo negócio (baterias) com sinergia de operações com as outras
unidades de negócio da Weg.

Empresa Empresa
relacionada Empresa relacionada
ao ramo ao ramo

Diversificação horizontal relacionada

Figura 35 – Compra de uma empresa não concorrente, mas relacionada ao ramo

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Saiba mais

A Weg é um excelente exemplo de empresa brasileira internacionalizada


que adota estratégias muito bem-sucedidas. Possui fábricas em 12 países e
representantes comerciais em mais de 130. São mais de 31 mil funcionários
no mundo. Em 2019, teve faturamento líquido de R$ 13,3 bilhões, sendo
quase 60% das vendas realizadas no exterior. E sua sede continua no mesmo
lugar desde o início, no interior de Santa Catarina. Vale a pena navegar no
site da empresa:

Disponível em: https://bit.ly/3yI1Eys. Acesso em: 16 maio 2022.

• Diversificação horizontal não relacionada: aquisição/fusão/criação de empresas que atuam


em outro mercado sem qualquer relação com os mercados atendidos pelas unidades de
negócio. É possível comprar só partes produtivas ou comerciais. Por exemplo, a empresa
brasileira de suco de laranja Cutrale e o Banco Safra compraram em sociedade a empresa
americana produtora de bananas Chiquita por US$ 1,3 bilhão em 2014. Outro exemplo é a
Vivara, rede brasileira de joalherias com produtos de ouro, prata, óculos, relógios, perfumes
e acessórios de couro, que em 2004 criou uma nova unidade de negócio: a rede de lojas de
móveis e decoração Etna. Veja que em ambos os casos o novo negócio não tem relação com
os negócios correntes.

Empresa não Empresa não


relacionada Empresa relacionada
ao ramo ao ramo

Diversificação horizontal não relacionada

Figura 36 – Compra de uma empresa sem relação com o ramo

• Integração vertical: aquisição/fusão/criação de empresas que atuam ao longo da cadeia de


suprimento/distribuição. É o caso de empresas que compram ou criam uma empresa que vai ser
sua própria fornecedora de insumos, ou que vai distribuir seus produtos. Isso também é chamado
de verticalização. É possível comprar só partes produtivas ou comerciais. Por exemplo, o Grupo
Votorantim tinha em 2004 em sua unidade de negócios de papel e celulose um alto nível de
integração vertical. Sua cadeia produtiva era assim: a VCP Florestal plantava e colhia eucaliptos,
que os fornecia para a VCP Celulose, que transformava a matéria-prima em celulose de uso
industrial, que o fornecia para a VCP Papel, que transformava a celulose em papel. Cada uma
dessas empresas também vendia seus produtos para outras empresas fora do grupo. Completando,
havia ainda a KSR, empresa do Grupo Votorantim que era distribuidora de papel no atacado. Hoje
em dia essa configuração mudou com a adição de novos players no mercado.

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Fornecedor

Integração
Empresa vertical

Distribuidor

Figura 37 – Compra de fornecedor ou distribuidor

• Fusões: união de duas ou mais empresas em uma nova para ganhar competitividade por sinergia e
compartilhamento. Por exemplo, em 1999 as duas maiores cervejarias brasileiras, Antarctica
e Brahma, se fundiram numa só empresa chamada Ambev, unificando as operações fabris e
comerciais. Eram concorrentes que disputavam o mesmo mercado há mais de cem anos. No mesmo
exemplo, em 2004 a Ambev se fundiu com a cervejaria belga Interbrew, formando uma nova
empresa chamada Inbev. Em 2008 a Inbev se fundiu com a Anheuser-Busch, a maior cervejaria
americana, tornando-se o maior fabricante de cerveja do mundo: a AB-Inbev.

Brasserie Brasserie Companhia Companhia


Den Hoorn Piedboeuf Cervejaria Antarctica Anheuser-Busch
(Artois) 1853 Brahma Paulista 1860
1366 1888 1882

Interbrew AmBev
1987 1999

InBev
1999

Anheuser-Busch InBev N.V.


2008

Figura 38 – Fusões que formaram a AB-Inbev

Disponível em: https://bit.ly/3FO6348. Acesso em: 16 maio 2022.

• Alianças estratégicas: parcerias em que duas ou mais empresas diferentes cooperam entre si
buscando vantagens competitivas em determinado negócio. Por exemplo, empresas de logística
de localidades diferentes fazem parcerias entre si para aproveitar o retorno de caminhões vazios
após fazer entregas em outros estados/cidades. O caminhão da empresa paulista A que sai de São
Paulo para Manaus iria retornar vazio, mas a empresa amazonense B vende o frete de Manaus
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para São Paulo, gerando ganhos e redução de custos para ambas as empresas. Quando a parceria é
institucionalizada e faz parte da estratégia de ambas as empresas, temos uma aliança estratégica.
Outra parceria estratégica envolve as lojas de móveis e decoração Etna (que já comentamos) com
o Grupo Pão de Açúcar, um dos líderes do ramo de supermercados e hipermercados no Brasil.
A parceria consiste na abertura de espaço dentro dos hipermercados Extra e supermercados
Pão de Açúcar para vender produtos das lojas Etna. No caso do Extra, uma grande área da loja
contém várias gôndolas e prateleiras só para produtos Etna. Isso é denominado shop in shop
ou loja dentro da loja. Não se pode confundir essa modalidade com as lojas que ficam além dos
caixas do hipermercado (farmácias, lotéricas, cafés etc.). No caso da parceria com a Etna, o espaço
é dentro da área de vendas do hipermercado e os produtos são pagos nos mesmos caixas,
havendo um acerto de contas posterior entre as duas empresas.

5.1.2 Estratégia de estabilidade

Também chamada de estratégia de manutenção, a estratégia de estabilidade é adotada quando os


custos do crescimento da unidade de negócio forem maiores que os benefícios possíveis. É o caso de
mercados maduros, com baixas taxas de crescimento e alta competição ou da existência de concorrentes
fortes o suficiente para reagir a ações de crescimento.

Na prática, trata-se de definir que os movimentos estratégicos não serão muito diferentes dos atuais,
mantendo-se as operações como estão sem grandes alterações.

Observação

Essa estratégia pressupõe a escolha racional em manter as coisas como


estão. Não se trata de ausência de estratégia como suposto por Ansoff.

Pense nos restaurantes por quilo perto de regiões comerciais. A maioria, após conseguir se estabelecer
com um volume suficiente de clientes por dia, dificilmente mudará suas atividades. Você provavelmente
conhece empresas que atuam do mesmo modo ano após ano. Se a situação de mercado não se alterar,
uma boa parte vai continuar existindo fazendo o que sempre fez.

Contudo, há outros motivos além do conformismo para adotar essa estratégia. Por exemplo, o Grupo
Votorantim atua nos setores de cimento, mineração, siderurgia, energia e outros. A unidade de negócio
de cimento adota a maior parte das vezes essa estratégia, pois é um ramo pouco atrativo para novas
empresas (preço comoditizado, altos investimentos para manutenção e bastante onerado pelo custo de
distribuição) e a liderança em um mercado de crescimento razoavelmente estável garante uma posição
confortável. Ou seja, não vale a pena investir para crescer nessa unidade de negócio, e o grupo utiliza
seus recursos para investir nas outras unidades de negócios. Se fosse feita uma matriz BCG, a unidade
de negócio de cimento seria certamente uma vaca-leiteira.

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Observação

Na matriz BCG, vacas-leiteiras são produtos líderes cujo mercado


apresenta baixa taxa de crescimento, o que não atrai novos entrantes.
Ou seja, gera recursos “garantidos” e não exige muitos investimentos
para se manter.

5.1.3 Estratégia de retração

Também conhecida como estratégia de desinvestimento, a estratégia de retração é adotada quando


a unidade de negócio tem desempenho abaixo do projetado e os custos de operação são superiores
aos benefícios projetados. É o caso de mercados com poucas perspectivas de crescimento diante de
concorrência com maior poder de fogo, ou de fatores externos que alteram a dinâmica do mercado,
deixando-o pouco atrativo.

Na prática, essa estratégia reduz as operações visando sair total ou parcialmente do mercado. Veja
que o ponto é tentar converter os ativos em recursos para serem investidos em outros setores/negócios.

Quando bem executada, a saída parcial reduz, naturalmente, o faturamento e ao menos procura
manter os percentuais de rentabilidade por um prazo definido. Por exemplo, a crise econômica trazida
pelo coronavírus fez com que vários negócios decidissem por reduzir suas operações. Redes de varejo
fecharam parte das lojas, unidades fabris reduziram turnos ou encerraram linhas de produção etc.

Na estratégia de desinvestimento está implícita a ideia de encerrar algumas


ou todas as atividades da empresa. O desinvestimento parcial livra a empresa
de suas partes menos convenientes ou menos importantes. É aplicável até
quando há lucros positivos, mas por questões de estratégia é preferível
concentrar a atenção em apenas uma parte das atividades atuais. Ocorre
então uma especialização que, em alguns casos, é acompanhada por uma
terceirização. Também existe desinvestimento quando a empresa faz uma
substituição de produto ou serviço. Há nesse caso um desinvestimento
com investimento simultâneo em outro negócio. O desinvestimento total é
aplicável nos casos em que a empresa, mesmo tendo lucros positivos, mas
baixos, nota que eles são decrescentes e sem opção aceitável de reversão das
expectativas. Tipicamente são empresas que percebem que o ciclo de vida de
seu produto ou do seu negócio está chegando ao fim, e que podem ainda
recuperar parte dos investimentos feitos no passado e, eventualmente,
obter um lucro. O desinvestimento total de apenas uma unidade estratégica
de negócio (UEN) é aplicável até no caso de boas unidades, para concentrar
recursos, ou atenção gerencial em outros negócios mais atrativos
(ZACCARELLI; FISCHMANN, 1994, p. 16).

81
Unidade III

Outras vezes, essa estratégia significa o abandono total do mercado. É o caso da Ford Caminhões,
unidade de negócios da Ford no Brasil que encerrou suas operações em 2019. Veja que outras unidades
de negócio da Ford Brasil (automóveis, serviços financeiros, jipes Troller etc.) continuaram a operar, cada
uma com sua estratégia de nível corporativo.

5.2 Formulação estratégica de nível de negócio

Cada unidade de negócio traça suas estratégias alinhadas com a estratégia corporativa. Porter (1986)
as define como estratégias competitivas: liderança de custo, diferenciação e foco.

5.2.1 Liderança de custo

Como vimos anteriormente, a liderança de custo define que as atividades da organização devem ter
como preocupação obter o menor custo unitário de produção do mercado. Quem tem o menor custo
obtém vantagens competitivas.

A estratégia de liderança no custo total procura atingir o menor custo possível


através da utilização de políticas e processos que orientem a companhia
para suas atividades-fins. Esse tipo de estratégia exige que a empresa
possua grande capacidade instalada para atender elevadas demandas, o
que proporcionará economias de escala e reduções de custo em virtude da
experiência adquirida. Ainda que os atributos de qualidade e atendimento
ao cliente sejam importantes, o foco dessa estratégia é o custo baixo para
conquistar os clientes sensíveis ao preço (ALVES; MAÑAS, 2008, p. 24).

Ou seja, não é a qualidade superior do produto ou serviço o fator de atração, e sim um preço menor.
Claro que a percepção de valor por parte do cliente deve ser positiva, uma vez que produtos percebidos
como de qualidade ruim dificilmente terão vendas ao longo do tempo. Assim, o valor percebido deve ser
maior que o custo percebido, e esse custo, na estratégia de liderança em custo, deve ser necessariamente
menor que o da concorrência.

Valor é aquilo que os compradores estão dispostos a pagar e o valor superior


provém ou da oferta de preços mais baixos do que os da concorrência por
benefícios equivalentes, ou do fornecimento singular que mais do que
compensa um preço alto (PORTER, 1986, p. 13).

Perseguir essa estratégia significa entender o conjunto de atributos essenciais para a oferta do produto
ou serviço, abrindo mão dos atributos acessórios que aumentam o custo.

Atributos essenciais são as características de um produto ou serviço que os clientes não abrem mão
em hipótese alguma. Um atributo essencial de uma máquina produtiva para uma fábrica é confiabilidade:
deve funcionar sem quebras por longos períodos.

82
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

Por sua vez, atributos assessórios são as características que os clientes até podem apreciar, mas
não fazem questão, ou características que não agregam valor algum. Um atributo assessório de uma
máquina produtiva para uma fábrica pode ser a cor externa: não afeta em nada a produtividade, a não
ser em casos específicos, em que a estética das máquinas for considerada essencial.

Por exemplo, a rede Accor de hotéis tem uma unidade de negócios chamada Ibis Budget, composta
de hotéis em localizações estrategicamente próximas a estações de metrô, ônibus e trens, com quartos
básicos e limpos, normalmente sem restaurante (esqueça o café da manhã!), sem carregador de
malas, com recepção funcionando em horário limitado, sem lavanderia etc. O foco é localização com
limpeza e conforto básicos em troca de diárias mais baratas que a concorrência. Não há luxo, somente
funcionalidade. Os atributos essenciais que a Accor oferece são localização e limpeza com conforto
suficiente. Por considerar atributos acessórios, não oferece recepção 24 horas, serviços de carregador de
mala, restaurante e lavanderia. Em troca, oferece preços mais baixos que os concorrentes, perseguindo
a liderança em custo.

Figura 39 – Hotel Ibis Budget em Hannover, Alemanha

Disponível em: https://bit.ly/3yGiNrZ. Acesso em: 16 maio 2022.

O ramo do turismo tem, em seus diversos mercados, empresas que perseguem essa estratégia. A Ryanair
é uma companhia aérea irlandesa líder de baixo custo na Europa. A operação se restringe a um serviço
standard de qualidade reduzida, sendo que qualquer item extra é pago à parte. Despacho de bagagem,
bebidas e comidas (tanto na sala de espera quanto a bordo) e acesso a entretenimento (e internet) a
bordo são oferecidos mediante pagamento, resultando numa tarifa de transporte atraentemente baixa.
O foco é apenas o transporte aéreo. O atributo essencial que é ofertado é o transporte aéreo do ponto
A para o ponto B em rotas e horários pré-definidos.

83
Unidade III

Figura 40 – Aeronave da Ryanair

Disponível em: https://bit.ly/3wjg32k. Acesso em: 16 maio 2022.

Motéis como Motel 6 (EUA) são extremamente simples e limpos e atendem basicamente viajantes
para pernoite ou estada curta. Motéis nos EUA são hotéis simples de beira de estrada, muitas vezes com as
portas dos quartos voltadas diretamente para o estacionamento, e mesmo nesse segmento há maneiras
eficientes de reduzir custos. A rede Motel 6 é considerada a mais barata da América, e ainda assim é
recomendada em sites de avaliação, pois entrega qualidade básica de serviço. As unidades têm quartos
de leiaute padronizado, com a menor área possível para ter razoável conforto, são administradas por
franqueados (preferivelmente famílias) que executam todos os serviços, com poucos ou, de preferência,
sem nenhum funcionário. Unidades com até dez quartos podem ser operadas por uma família com
quatro pessoas, por exemplo, dispensando o custo de funcionários. Localizam-se perto de restaurantes,
lanchonetes, cafeterias e lavanderias, uma vez que, por padrão, essas unidades não têm esses serviços.
Os poucos serviços extras são todos pagos, como o acesso a internet. É um modelo de negócios focado
no menor custo operacional possível, e o franqueador tem processos precisos de aferição da qualidade
mínima aceitável.

Figura 41 – Quarto do Motel 6, ao lado do Aeroporto de Los Angeles

Disponível em: https://bit.ly/3PoK88d. Acesso em: 16 maio 2022.

84
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

Observação

Uma coisa é perseguir a estratégia de liderança em custo. Outra coisa é


conseguir essa condição. Se vários players a perseguirem, somente um terá
a vantagem competitiva, conseguindo menor custo que os outros.

5.2.2 Diferenciação

Como já estudado, quando discutimos Michael Porter, na diferenciação as vantagens competitivas


são oriundas da melhor percepção de valor dos clientes. Assim, o produto ou serviço cujos diferenciais
agregarem maior percepção de valor estará num patamar competitivo vantajoso. Nesse caso, a
preocupação da empresa está em determinar quais características exclusivas são mais bem percebidas
pela clientela.
A estratégia de diferenciação procura diferenciar a oferta da empresa dos
concorrentes através da criação de um diferencial competitivo, que pode
ocorrer sob as formas de marcas e atendimento personalizado, dentre outras
dimensões. Essa estratégia não considera grandes volumes e preço baixo. Ao
contrário, a estratégia de diferenciação busca atender um número menor de
clientes de uma forma mais personalizada, o que inviabiliza a conquista
de grande participação de mercado (ALVES; MAÑAS, 2008, p. 25).

O que atrai é a característica diferente, que se traduz em percepção positiva. Percepção de qualidade
superior, quando efetivamente sustentada pelo projeto do produto, normalmente é reforçada na comunicação
para criar o diferencial. Pense em bebidas de qualidade comparadas com bebidas mais baratas.

Não é só a qualidade em si que é comparável para criar a percepção de valor superior. Por
exemplo, no Brasil a margarina Becel há anos é considerada “amiga do coração” porque em sua
composição há óleos vegetais com ômega 6, que é considerado por cardiologistas bom para o
coração, pois contribui para manter um nível de colesterol saudável no sangue. É comum que
esses cardiologistas sugiram para pacientes com alto colesterol que passem a consumir Becel. Essa
informação sobre a fórmula do produto é insistentemente divulgada na estratégia de comunicação
da marca, e anos atrás até mesmo propagandistas farmacêuticos foram usados para divulgar o
produto com médicos.

Outro exemplo de diferenciação é o da linha Ekos, da Natura, com produtos feitos de castanhas,
andiroba, ucuuba, pitanga e outras matérias-primas naturais da Amazônia. As fórmulas de sabonetes,
loções, desodorantes, xampus, hidratantes etc. são enriquecidas com manteigas e puros óleos extraídos
de bioativos da Amazônia, e as embalagens têm o diferencial de serem feitas com plástico 100%
reciclado. Tudo está alinhado com o posicionamento de empresa social e ambientalmente responsável.

Em serviços, a diferenciação pode ser oferecida na forma de tempo extra, se esse tempo for percebido
como valor. A Movida, empresa brasileira de locação de veículos com mais 110 mil carros na frota e mais

85
Unidade III

de 190 pontos de atendimento, oferece a diária de 27 horas na devolução. São três horas de cortesia
na diária de devolução, o que é valorizado principalmente para quem aluga carros em aeroportos e têm
horários de voos que atrapalham a devolução padrão de veículos.

No varejo, um bom exemplo de diferenciação é o Grupo CRM, detentor da fábrica e das lojas
Kopenhagen e Brasil Cacau de Chocolates e sócio da joint-venture das lojas Lindt de chocolates no
Brasil. A Kopenhagen era uma rede de lojas de padrão superior de chocolate fundada em 1928 e foi
vendida para o Grupo CRM em 1996, que reforçou a aura de exclusividade e diferenciação e abriu mais
lojas. Na época, era a fábrica de chocolates com lojas mais cara do mercado. Estrategicamente, o grupo
criou uma rede de varejo de chocolates mais voltados para a classe média, a Brasil Cacau, em 2009.
Assim, a empresa ficou na confortável posição de líder de diferenciação, com a Kopenhagen na faixa de
preços top (não há concorrente relevante), e de player atuante da faixa de preços média, com a Brasil
Cacau. Em 2014, num movimento surpreendente, se associou à Lindt, fabricante belga de chocolates
de alta qualidade muito conhecida pelas classes A e B brasileira, e passou a ter lojas dessa marca no
Brasil. Assim, o grupo blindou sua posição: maior rede de chocolates top importados e maior rede de
chocolates top nacionais, tendo ainda uma rede atuante na faixa de preços médios.

Figura 42 – Lindt: venda de chocolates finos

Disponível em: https://bit.ly/3yGJgWo. Acesso em: 16 maio 2022.

De qualquer modo, não basta criar um diferencial. É necessário que este seja percebido como algo
de valor.

5.2.3 Foco

A estratégia de foco, como citado anteriormente, está em escolher um pedaço do mercado e


atendê-lo de modo tão superior que a concorrência fica bem para trás. Esse segmento de mercado
tem um “dono”, e não vale a pena invadir seus domínios. Claro que para isso toda a operação deve
86
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

realmente entregar a performance superior que os clientes exigem. Note que, apesar de ter uma fórmula
equivalente à de diferenciação, nessa estratégia o alvo é restrito a um segmento específico. Muitas
vezes, por ser muito pequeno, é até um nicho de mercado.

Vale a pena entender os conceitos de segmento e nicho de mercado. Lembra-se das aulas de
geometria, quando estudamos que uma reta é a menor distância entre dois pontos? Um segmento de reta é
qualquer pedaço dessa reta.

Reta (mercado total) Segmento de reta


(segmento do mercado)

Figura 43 – Comparação de mercado e segmento de mercado

Assim, em um dado mercado (de xampu, por exemplo), um segmento seria o mercado de xampu
anticaspa, um pedaço específico do mercado com características próprias.

Segmentar o mercado significa identificar grupos homogêneos com


características semelhantes em determinado mercado heterogêneo.
A segmentação pode ser feita segundo diversos critérios estabelecidos
pela empresa, que podem ser geográficos (região, estado, cidade,
vizinhança etc.), demográficos e socioeconômicos (sexo, idade, estado civil,
escolaridade, renda, grupo étnico, profissão etc.), benefícios procurados
(procura de benefícios específicos no produto, satisfação de necessidades
etc.), comportamentais (comportamento de consumo, grau de uso do
produto, lealdade à marca etc.) e psicográficos (valores, atitudes etc.) (LAS
CASAS, 2017, p. 380).

Quando falamos em nicho de mercado, estamos nos referindo a um pedaço bem mais específico e
menor. Numa metáfora, ao entramos numa catedral (o mercado), há pequenas reentrâncias nas paredes
com vasos, imagens e estátuas: são os nichos.

Os segmentos são grupos maiores de consumidores, e nos anos iniciais da


prática mercadológica era a forma mais recomendada para a divisão de
mercados. No entanto, com o acirramento da concorrência e a sofisticação
dos consumidores, que passaram a exigir produtos mais adaptados, eles
começaram a encolher, formando nichos de mercados, isto é, um mercado
menor e que ainda não tem as suas necessidades satisfeitas no todo ou em
parte (LAS CASAS, 2017, p. 395).

Sabendo dessas definições, a estratégia de foco visa dominar um nicho de mercado, conquistando
liderança e inibindo outros competidores de atuar dentro dele.

87
Unidade III

[...] a estratégia de enfoque procura atender um alvo específico com alta


eficiência e, para que este objetivo seja atingido, todos os processos são
definidos em conformidade com este tipo de estratégia. Isto ocorre porque a
empresa entende que é possível atender com maior precisão as necessidades
de um público-alvo mais específico do que procurar atender às necessidades da
indústria como um todo (ALVES; MAÑAS, 2008, p. 25).

Por exemplo, a British Motor Heritage Limited é uma empresa inglesa que, em 1975, comprou do
fabricante inglês de automóveis Mini Morris todas as prensas e ferramentas para fazer carrocerias de
dois modelos que iriam sair de linha. A intenção era fabricar peças de reposição de carroceria exatamente
iguais às originais. Hoje a companhia tem prensas e ferramentas originais para oito modelos de carros
de outras fabricantes inglesas que descontinuaram modelos ou que faliram (como Triumph, MGB,
Austin-Healey). Os clientes são entusiastas desses modelos antigos que compram carros originais em
mau estado para serem restaurados com peças exatamente iguais às originais, ou proprietários dos
modelos que sofreram acidentes e precisam de peças de reposição. O negócio é especializado em peças
de carroceria com certificado de originalidade e a concorrência não consegue atingir o mesmo padrão de
qualidade. Uma carroceria completa de um Mini custa aproximadamente 12 mil libras esterlinas.

A) B) C)

Figura 44 – Automóveis ingleses Mini Morris, Triumph TR6 e Austin-Healey Sprite, cujas
peças de carroceria são comercializadas pela British Motor Heritage Limited

Disponível em: A) https://bit.ly/3wwpxWT; B) https://bit.ly/3Lkm3Mr;


C) https://bit.ly/3whIVrz. Acesso em: 16 maio 2022.

Saiba mais

Conheça a história da British Motor Heritage Limited no site da empresa e


veja os modelos de carros ingleses cujas peças de carroceria são comercializadas
pela empresa (em inglês).

Disponível em: http://www.bmh-ltd.com/index.htm. Acesso em: 16 maio 2022.

88
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

5.3 Formulação estratégica de nível funcional

Cada área funcional traça sua estratégia alinhada com a estratégia de nível de negócio.

A estratégia de nível funcional, como o próprio nome sugere, é aplicada em cada área funcional da
organização: RH, vendas/marketing, produção/operações. Os responsáveis (normalmente diretoria ou
gerência) desenvolvem estratégias restritas a sua área e alinhadas com as estratégias de negócio. Por
exemplo, caso a estratégia de negócio de uma empresa seja voltada para liderança de custo, as áreas
funcionais deverão formular estratégias voltadas para o atendimento desse quesito. A área funcional
de produção poderia focar em processos de alta escala de produção para reduzir custo unitário e assim
atender a liderança em custo, nesse exemplo.

5.3.1 Estratégia de RH

Devem ser derivadas da estratégia de nível de negócio, integrando a função do RH aos objetivos
organizacionais. Chiavenato (2014) afirma que é necessária a tradução entre os objetivos e as
características organizacionais em objetivos e estratégias de recursos humanos.

O planejamento estratégico de gestão de pessoas é um processo de


várias decisões convergentes a respeito dos talentos e das competências
necessários para atingir os objetivos organizacionais, em determinado
período. Trata-se de definir com antecipação quais são as características
da força de trabalho necessárias para realização da ação organizacional
futura (CHIAVENATO, 2014, p. 72).

Segundo Dalmau e Tosta (2009), os subsistemas do RH devem alinhar a estratégia do RH com


a da organização para facilitar a persecução dos objetivos organizacionais graças à sinergia das
pessoas envolvidas.

Quadro 9 – Integração do RH à estratégia organizacional

Estratégia da organização Estratégia do RH

Definição da visão e missão do negócio Definição da visão e missão do RH

Análise do ambiente Análise do ambiente do RH

Análise das capacidades Análise dos recursos humanos

Definição de objetivos e políticas Definição dos objetivos/políticas do RH

Elementos críticos Elementos críticos do RH

Desenvolvimento da estratégia Desenvolvimento da estratégia do RH

Adaptado de: Dalmau e Tosta (2009, p. 19).

89
Unidade III

Para ocorrer esse alinhamento do RH estratégico, é preciso clareza no que a organização espera dos
funcionários. Assim, é necessário:

– Planejamento e dimensionamento das pessoas da organização: plano


de sucessão, entendimento da performance dos colaboradores, adição ou
redução no quadro de funcionários em relação ao mercado como um todo.

– Definição das necessidades, das políticas e movimentação de pessoas:


determinação de políticas de promoções, abertura de novas unidades,
expansão, recrutamento externo ou interno, novos processos ou produtos.

– Posicionamento em relação ao mercado de trabalho: entender sua


posição no mercado de trabalho como um todo, seus concorrentes, o que
eles oferecem como atrativo na contratação, seus pontos fracos e o perfil
de profissional que eles procuram (DUTRA, 2002, p. 21).

5.3.2 Estratégia de vendas/marketing

As estratégias mercadológicas são derivadas da estratégia de nível de negócio. Há várias


abordagens, sendo a mais comum categorizar o planejamento em função dos 4 Ps, ferramentas
à disposição das empresas para atingir objetivos mercadológicos: produto, preço, comunicação e
distribuição (originalmente Product, Price, Promotion and Place). Também chamados de marketing mix,
representam decisões que alguém na empresa deve tomar, independentemente de qual função/cargo
desempenhe. O preço, por exemplo, é decidido por alguém, mesmo que fora da área funcional
do marketing.

O público-alvo das estratégias mercadológicas pode ser pessoa física ou pessoa jurídica. São
chamados de mercado B2C (Business to Consumer), cujo alvo são pessoas físicas, e de mercado B2B
(Business to Business), cujo alvo são pessoas jurídicas (empresas). No caso de pessoas físicas, o mais
comum é definir seu público-alvo em função de diversas variáveis demográficas como sexo, idade e
estado civil. Por sua vez, a classe econômica (antigamente chamada de classe social) tem um papel
muito importante nessa definição.

Mazzon e Kamakura (2016) propõem uma atualização do Critério Brasil de Classificação Econômica,
metodologia de estratificação econômica utilizada há décadas no Brasil. De responsabilidade da Abep
(Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), estratifica (divide) em sete classes os domicílios urbanos
e estima a renda média em cada um. Classe econômica é uma variável expressa nas classes A1, A2, B1,
B2, C1, C2, D/E, sendo a classe A1 a mais alta e a classe D/E a mais baixa em termos de renda. Por meio
de um questionário padronizado, é possível determinar a classe econômica do domicílio do respondente.
Veja que o Critério Brasil não determina a classe da pessoa, e sim de seu domicílio.

90
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

Tabela 1 – Classes econômicas e renda

Estrato socioeconômico Renda média domiciliar


A 23.345,11
B1 10.386,52
B2 5.363,19
C1 2.965,69
C2 1.691,44
D-E 708,19
Total 2.908,32

Fonte: Abep (2018, p. 3).

O Critério Brasil é revisado periodicamente tanto em termos do questionário padronizado quanto


em função da renda média estimada.

Voltando aos 4 Ps, qualquer organização processa insumos e os transforma em produtos cujas
características são definidas internamente (decisões de produto) para serem comunicadas aos clientes
(decisões de comunicação) e, posteriormente, esses produtos são oferecidos por meio de canais de
distribuição (decisões de distribuição) numa transação de troca de valores (decisões de preço).

Decisões de produto são referentes àquilo que a organização oferece aos clientes para atender a suas
necessidades/demandas. As estratégias envolvem decidir características (tamanho, peso, embalagem,
durabilidade), benefícios (funcionais, de status), serviços adicionados (pós-venda, garantia, instalação,
upgrades) e outros.

Em marketing, um produto é um conjunto de atributos, tangíveis ou


intangíveis, e é resultado de um processo de produção, com o objetivo de
atender alguma demanda identificada pela pesquisa de marketing ou outra
fonte de informação. Os tipos de produto são: bens físicos, serviços, eventos,
pessoas, locais, organizações e ideias. O produto é um dos componentes do
composto mercadológico (4 Ps) e é o mais importante, uma vez que todos
os demais componentes (preço, praça e promoção) dependem diretamente
da análise que o marketing faz sobre o posicionamento do produto. O que
produzir e o que vender, o que acrescentar ou mudar, o que evoluir no
produto, o que eliminar, bem como a análise do ciclo de vida do produto
(CVP) e, ainda, quantos produtos a empresa deve ter em seu portfólio, são
algumas das definições que a estratégia de produto deve apresentar. Assim,
o resultado é que o consumidor optará pelo produto que considerar e levará
em consideração aspectos tangíveis e intangíveis que são considerados pela
área de marketing (LAS CASAS, 2017, p. 255).

91
Unidade III

Por exemplo, a Apple adota como estratégia de produto oferecer a melhor experiência de usabilidade
do mercado com design diferenciado e exclusivo. Não são necessariamente os equipamentos mais
potentes em termos de processamento (muito embora existam na oferta de topo de linha), e sim de fazer
com que o usuário se sinta gratificado com a facilidade de uso. Não é piada: qualquer pessoa letrada,
mesmo sem experiência com dispositivos digitais, consegue aprender sozinha a usar um smartphone ou
um computador da Apple. O mesmo não ocorre tão facilmente na concorrência. O projeto de interface
está à frente da concorrência, embora o Android e a Microsoft estejam se aproximando. Outro motivo
para essa vantagem competitiva é uma decisão de produto tomada em 2001: qualquer software, app,
filme, música etc. para ser instalado ou usado num dispositivo Apple deve ser comprado na própria
Apple (iTunes e AppStore). A empresa garante o conteúdo dos usuários e controla com mão de ferro as
compatibilidades. Como o sistema operacional é da própria Apple, o ambiente de uso é 100% controlado
pela empresa, pois não é possível instalar algo “de fora”. É um ecossistema completo que traz controle
e garante faturamento. Essa estratégia de produto consegue certificar que a usabilidade segue padrões
próprios cuidadosamente desenvolvidos para dar a sensação de gratificação e facilidade. Nenhum
concorrente controla o ambiente/ecossistema: é possível para instalar conteúdo sem aprovação da
Android em smartphones Samsung, LG, Huawei etc.

Decisões de preço envolvem tudo referente a custos de produção/operação, preços intermediários


(que são os cobrados pelos canais de distribuição), preço final, descontos, prazos de pagamento, meios
de pagamento etc.

A estratégia de preços em marketing é uma das quatro variáveis do composto


de marketing, ou mix de marketing. É uma parte fundamental de qualquer
plano de marketing. O preço de venda de um produto é o valor que cobre os
custos diretos na fabricação, bem como despesas variáveis, como impostos,
comissões, e as despesas fixas alocadas de forma proporcional, que incluem
aluguel, água, luz, telefone, salários, pró-labore e, ainda, a margem que
consiga gerar um lucro líquido adequado (LAS CASAS, 2017, p. 604).

Estratégias de preço comuns são estabelecer faixas de preço diferentes para produtos da linha.
Por exemplo, pense na tabela de preços de uma barbearia: “Cabelo R$ 60, Barba R$ 50, Cabelo + Barba R$ 90”.
Você certamente já viu tabelas equivalentes. Qual o motivo para cabelo e barba, juntos, custarem ao
cliente R$ 20 a menos se ele fizesse em separado? Vamos comparar as duas operações – só cabelo ou
barba versus cabelo e barba:

92
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

Cliente Profissional Cliente Profissional

Senta na Cobre cliente Senta na Cobre cliente


cadeira com avental cadeira com avental

Separa Separa
ferramentas e ferramentas e
materiais materiais

Corta cabelo Corta cabelo


ou faz barba

Levanta da Tira avental Faz a barba


cadeira do cliente

Levanta da Tira avental


Paga cadeira do cliente

Paga

Figura 45 – Fluxo de operação de barbearia

Há vantagens nesse fluxo operacional do serviço duplo. O tempo gasto com cliente sentando na
cadeira e sendo coberto com o avental é otimizado, sendo feito uma só vez para dois serviços. Ocorre
o mesmo para as tarefas de tirar avental, levantar da cadeira e pagar. O tempo otimizado reduz o
custo unitário e, no caso, o preço final. No exemplo anterior dos produtos Apple, a estratégia de preço
adotada no ecossistema iTunes/Appstore traz uma comissão de 15 a 30% cobrada para qualquer
coisa que entre nos produtos da companhia. Quer instalar um game? De 15 a 30% do valor pago fica
retido pela Apple, idem para filmes, serviços etc. A Apple ganha mesmo que não tenha produzido o
produto/serviço: ela age como canal de distribuição cativo, uma vez que só a Apple pode vender
conteúdo para seus produtos. Essa estratégia de preço explica os resultados excelentes ao longo dos
anos até agora.

Decisões de distribuição têm relação com os meios pelos quais os produtos ficam disponíveis para
compra. A questão envolve processos logísticos de transporte e armazenagem, colocação no ponto de
venda, negociação de espaços etc.

Um canal de distribuição é o conjunto de empresas e indivíduos


que, quando interligados, garantem que uma mercadoria chegará
ao consumidor final. A estratégia de distribuição tem como missão
garantir que essa interligação aconteça, de modo que a empresa tenha

93
Unidade III

garantia de que seu produto chegue até o consumidor final dentro do


prazo correto, com o preço justo e, ainda, com a qualidade desejada.
A distribuição tem uma função logística, que diz respeito mais à
circulação física do produto, e outra de marketing, que corresponde aos
contatos e serviços e estratégias de comercialização que o envolvem.
Os canais de distribuição não apenas garantem o fluxo físico das
mercadorias, mas todos os envolvidos no processo da distribuição
fazem parte do processo. Por uma série de outras atividades, como
estimular a compra e levantar informações sobre os consumidores, eles
contribuem para a definição de uma melhor estratégia de distribuição
(LAS CASAS, 2017, p. 532).

As estratégias de distribuição, portanto, visam otimizar o processo de distribuição dos produtos e


serviços. Por exemplo, os salgadinhos industrializados Torcida eram distribuídos exclusivamente para
atacadistas. A empresa fabricante não atendia nenhum varejo diretamente. A razão estratégica era que a
equipe de vendas gerenciava grandes volumes concentrados em algumas centenas de atacados que
atendiam todo o Brasil, podendo manter preços baixos. O varejo interessado comprava dos atacadistas
em volumes menores. Veja que essa decisão maximizou não só a equipe de vendas, com também toda
a logística de distribuição: grandes volumes direcionados para atacadistas em vez de menores volumes
direcionados para dezenas de milhares de varejistas.

Outro exemplo de estratégia de distribuição é a do Box 30, rede de quiosques de salgadinhos de


propriedade do Habib´s, com lojas de tamanho bem pequeno em locais de alta circulação. Os produtos
eram feitos na central de produção do grupo, congelados e transportados para os quiosques/lojas.
O abastecimento era feito várias vezes por dia em pequenos caminhões refrigerados que ficam rodando o
dia inteiro. A estratégia era não ter muito estoque dos congelados nos pontos de venda, pois é metro
quadrado de custo alto. Assim, conforme o estoque do quiosque vai caindo ao longo do dia, um sistema
automático faz o pedido para o caminhão mais próximo fazer o abastecimento do que falta. Veja a
ideia: o custo de ter estoque em caminhões rodando era menor do que o custo de ter espaço físico no
quiosque/loja que estavam instaladas em locais de alto movimento e com alto custo de metro quadrado
de aluguel. Infelizmente, apesar dessa boa estratégia de distribuição, o Box 30 não deu certo por causa de
falta de tráfego nas lojas. O problema foi de produto, e não de distribuição.

Decisões de comunicação têm a ver com os meios e mensagens para que algo relevante seja
comunicado ao mercado.

O conceito de Comunicação Integrada de Marketing (IMC, integrated


marketing communications) envolve a análise das funções estratégicas de
cada atividade de comunicação, inclusive a sua integração com todos os
processos da empresa para que a mensagem seja concisa e uniforme.
O desafio é coordenar e alinhar todos os canais de comunicação com o
objetivo claro de propagar uma única mensagem que seja coerente com
sua missão e seus valores. Outra abordagem ligada ao assunto entende

94
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

que a comunicação tem um papel sinérgico e deve unir a comunicação


institucional, a mercadológica e a interna, de modo que as três resultem
em uma comunicação eficiente e harmônica. Todas as áreas tradicionais da
comunicação, a saber, promoção de vendas, merchandising, relações públicas
(RP), publicidade e propaganda, formam o composto de comunicação. Com
essa sinergia, é possível que a comunicação organizacional seja eficiente
e os resultados sejam alcançados. Por isso, a gestão de comunicação deve
antecipar-se aos fatos para garantir o alinhamento com as estratégias da
empresa (LAS CASAS, 2017, p. 639).

A estratégia de comunicação, portanto, deve se preocupar em mapear diversos públicos para


entregar adequadamente mensagens de interesse da empresa. Comentamos anteriormente sobre
as sandálias Havaianas, e parte do case descrito envolveu estratégias de comunicação utilizando
propaganda e relações públicas.

Outro exemplo é a brasileira Natura, um dos três maiores grupos do mundo no segmento de beleza.
A Natura atua com mais de duas mil consultoras (vendedoras de porta em porta) e lojas físicas no Brasil,
além de Nova York e Paris. Nos últimos anos comprou a rede britânica The Body Shop e a americana Avon.
Sua estratégia de comunicação é voltada para o conceito de “Bem Estar Bem”, cuja mensagem é focada
nas relações harmoniosas que um indivíduo estabelece consigo mesmo, com os outros e com a natureza.
Esse conceito é aplicado não só para os clientes, mas para o público interno também. Seus funcionários
contam com saúde física (assistência médica e odontológica, checkup), saúde financeira (​seguro de
vida, auxílio-creche, empréstimo consignado), saúde emocional (licença-paternidade e maternidade,
para acompanhamento de gestante) e saúde social (produtos com desconto, eventos frequentes com
colaboradores e familiares, clube, academia). A matéria-prima natural vem em boa parte da Amazônia,
com inclusão social e geração de renda para as comunidades ribeirinhas (cerca de 500 famílias) que
produzem sementes e raízes de forma sustentável. Ou seja, a estratégia de comunicação está integrada
às atividades operacionais do dia a dia.

5.3.3 Estratégia de produção/operação

A função de converter insumos (inputs) em produtos (outputs) é de responsabilidade da área funcional


produção/operação. Arranjos produtivos, rede de fornecedores (supply chain), escala de produção etc.
são as ferramentas que o gestor da área detém para estabelecer suas estratégias.

Um bom exemplo é o da fabricante de computadores Dell. Fundada em 1984, conseguiu se consolidar


como a maior fabricante de computadores pessoais dos EUA em 1999. A estratégia foi de eliminar o
estoque de componentes e de produtos acabados, bem como de eliminar o intermediário representado
pelo varejo. Para entender, vamos observar o fluxo normal da indústria na época:

95
Unidade III

Fabricante padrão Fornecedores Varejo Cliente

Compra
componentes

Separa
Paga componentes
comprados

Envia
Estoca componentes
componentes comprados

Fabrica
computadores

Estoca Compra
computadores computadores

Vende Compra
computadores computadores

Figura 46 – Fluxo normal de fornecimento de computadores

Veja que os fabricantes da época compravam componentes (placas, memórias, monitores, teclados),
estocavam e aí entravam em linha de produção. Os produtos acabados iam para o estoque aguardando
os pedidos do varejo.

Contrariando esse fluxo, a Dell eliminou etapas que representavam custo e com isso ganhou uma
vantagem competitiva:
Cliente Dell Fornecedores
Configura
computador

Compra
Paga componentes

Separa
Paga componentes
comprados

Envia
Produz componentes
computador comprados

Envia
Recebe computador
computador pronto

Figura 47 – Fluxo de fornecimento de computadores Dell

96
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

O esquema funcionava assim: o cliente configurava o produto antes (no início por telefone 0800,
depois por internet), pagava, e aí a Dell fabricava e enviava para o comprador. Note as vantagens dessa
estratégia de produção:

• Não há custo de estoque de componentes, pois só se compra o que já estiver vendido e pago antes.

• Não há custo de estoque de produto acabado, pois os produtos já têm destino definido: o cliente
que pagou.

• Não há custo de margem do varejo, pois não há varejo envolvido.

No fluxo normal da indústria, se o cliente pagava U$ 1,000 para o varejo, a indústria receberia algo
com R$ 700, pois há margem de lucro do canal de distribuição.

No fluxo da Dell, se o cliente pagava U$ 1,000, esse valor era 100% da Dell, pois não havia canal de
distribuição intermediando a venda.

Esse modelo trouxe para a Dell uma enorme vantagem competitiva, muito difícil de ser imitada
pelos players existentes na época (HP, Compaq, IBM), pois todos já tinham processos estabelecidos
baseados no fluxo normal, e o custo de mudança foi considerado proibitivo. Assim, o custo unitário
de um computador Dell era menor que de todos os concorrentes, e o preço final era equivalente ao da
concorrência. Resultado: maiores margens de lucro ao longo dos anos.

5.3.4 Outras estratégias funcionais

Cada área funcional, além das citadas, deve contribuir com sua própria estratégia. Por exemplo,
organizações com grande quantidade de maquinário de produção/operação precisam ter estratégias
para a área funcional de manutenção. A área funcional de finanças precisa adotar estratégias de
investimento de recursos líquidos, estratégias de funding e outras. O ponto é que cada área precisa ter
estratégias funcionais alinhadas com a estratégia de nível de negócio.

6 CAMPOS E ARMAS DA COMPETIÇÃO: NOVO MODELO DE ESTRATÉGIA

Contador (2008) postula que a definição da estratégia competitiva é resultado da escolha dos
campos de competição para depois determinar as armas mais adequadas. Essa metáfora, explicitada
num modelo replicável, é fortemente lastreada na lógica militar que historicamente formou a base do
pensamento estratégico.

Seu modelo é prático e replicável por qualquer empresa, seguindo essa lógica: campo da
competição é relacionado ao que interessa ao cliente (custo, performance, benefícios etc.), enquanto
arma da competição é o conjunto de meios que a organização utiliza para ter vantagem no campo
selecionado (preço, qualidade). Pode-se entender como uma metáfora: se o campo de batalha é o mar,
as armas deverão envolver embarcações. Claro que a aplicação é bem mais detalhada que isso, como
veremos a seguir.
97
Unidade III

O autor afirma que, no modelo campos e armas da competição (modelo CAC), uma boa estratégia
exige a definição de um ou dois campos principais e um ou dois campos coadjuvantes. É vital que os
campos não contradigam um ao outro (não dá para ter preço baixo e altíssima qualidade, por exemplo).
A vantagem do CAC é que não há a obrigação de perseguir excelência em muitas áreas, bastando ser
realmente boa nas armas que dão vantagem competitiva.

Essa característica torna o modelo CAC especialmente atraente para a elaboração de planos de
negócio voltados para empreendedorismo. Racionalmente, escolhe-se em qual campo se vai disputar
o mercado, bem como com quais armas se buscará a excelência operacional. Isso facilita muito para
empreendedores, pois naturalmente as armas serão adequadas ao perfil e expertise de cada um.

De qualquer forma, o modelo CAC pode ser utilizado por qualquer tipo de empresa, seja nova, seja
antiga.

6.1 Campos de competição

O CAC tem dezesseis campos agrupados em cinco macrocampos:

Quadro 10 – Campos de competição

Macrocampo Campo
Em menor preço
Em guerra de preço
Competição em preço
Em promoção
Condições de pagamento
Em projeto
Em qualidade
Competição em produto
Em variedade de modelos
Em novos produtos
Menor prazo de cotação e negociação
Competição em prazo
Menor prazo de entrega
Antes da venda
Competição em assistência Durante a venda
Após a venda
Do produto, marca e empresa
Competição em imagem Preservacionista
Cívica

Adaptado de: Contador (2008, p. 16) e Da Costa et al. (2007).

No macrocampo de competição em preço, a organização oferece produtos equivalentes a preços


inferiores aos dos concorrentes. É uma forma antiga de competição, e parte de três hipóteses: os
produtos concorrentes não são diferenciados (ou seja, são razoavelmente parecidos), os clientes são

98
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

sensíveis a preço e os clientes conhecem (ou pensam conhecer) os produtos de todos os ofertantes.
Pode-se intuir que é necessário ter menores custos que os concorrentes, o que discutiremos quando
tratarmos de armas de competição. Esse macrocampo é derivado da estratégia de liderança em custo.

• No campo de competição “em menor preço”, feito de maneira sustentável, a empresa


consistentemente persegue a oferta de preço mais baixo que a concorrência direta. Por exemplo,
a rede de fast-food árabe Habib´s oferece produtos com custo unitário abaixo de R$ 1,00, bem
mais baixos que qualquer concorrente.

• Feito de maneira pontual, pois não é sustentável ao longo do tempo, o campo “guerras de preços”
só é escolhido quando houver real liderança de custo. Trata-se de manter o preço menor que a
concorrência mesmo diante da redução de preço de um deles, ou seja, não permitindo que outro
tenha preço menor. Essa dinâmica é danosa se não for possível manter as operações com lucro
muito baixo, ou mesmo possível prejuízo.

• Também feito de maneira pontual, o campo “promoção” consiste em oferecer vantagens


aos clientes por tempo determinado. Pode ocorrer redução de preço (liquidações), sorteio de
prêmios etc.

• O campo “condições de pagamento” traduz esforços consistentes em facilitar a transação como


prazo de pagamento com ou sem juros, desconto por pagamento à vista, meios de pagamento
(cartão de crédito, carnê de crediário, aplicativos) e outros.

Já é possível perceber a aplicabilidade prática do modelo CAC, não é mesmo? Ao optar competir em
preço, já está definido um rol de possibilidades de linhas de ação a serem tomadas. Cada player vai se
adequar às suas características e conveniências.

No macrocampo de competição em produto, a organização atrai clientes por meio da oferta de


produtos diferenciados da concorrência. É possível perceber que esse macrocampo tem relação com a
estratégia de diferenciação.

• O campo “em projeto” se refere aos diferenciais obtidos no projeto do produto: performance,
tamanho, vantagens, benefícios, design, embalagem etc. Assim, uma impressora a laser pode ter
como vantagem o menor custo por página impressa, pois o projeto faz com que o consumo de
toner seja o mais baixo do mercado.

• O campo “em qualidade” tem relação com a qualidade percebida do produto por parte dos clientes.
Há diferentes percepções de qualidade de produtos como eletrodomésticos, celulares, calçados.
Ser líder em qualidade normalmente significa poder oferecer produtos com preços superiores à
concorrência. Pense nos iPhones, Rolls-Royce, cursos em Harvard.

• O campo “em variedade de modelos” tem referência à oferta da maior variedade de tipos, cores,
sabores, modelos. Por exemplo, as sandálias Havaianas oferecem centenas de modelos e tipos
divididos em kids, masculino e feminino. A Nespresso, divisão de máquinas e cafés em cápsulas
99
Unidade III

da Nestlé, oferece praticamente uma centena de opções de sabores de cafés divididos em três
tamanhos: Ristretto, Expresso e Lungo.

Figura 48 – Loja Nespresso no Aeroporto de Amsterdã

Disponível em: https://bit.ly/3FPWAJG. Acesso em: 16 maio 2022.

• Quando se busca liderança no campo “em novos produtos”, a empresa consistentemente opta por
ter alta frequência de lançamento de novos produtos ou modelos. A busca por novidades por parte
do público é crescente, então é preciso ter políticas rigorosas de desenvolvimento de produtos.
Quantos modelos de smartphone a Samsung lança por ano? Veja que um modelo (base) tem
variações de tamanho de tela, de cores externas, de capacidade de memória etc.

No macrocampo de competição em prazo, a organização atrai clientes por meio da oferta de


produtos com os menores prazos de orçamento, de negociação e de entrega quando comparados com
a concorrência.

• Competir no campo “menor prazo de cotação e negociação” implica ser a empresa mais rápida
para fazer orçamento e para negociar alternativas. Não basta prometer ser a mais rápida: é preciso
cumprir. E, no caso de rapidez na cotação, muitas vezes é necessária a visita para avaliação técnica
(como um profissional que avalia as condições de um piso para orçar sua troca). Essa etapa de
visita técnica também deve ser a mais rápida para quem escolhe esse campo.

• O campo “menor prazo de entrega” se traduz em deter operações logísticas mais eficientes que
as da concorrência. Prometer o menor prazo para colocar o produto na mão do cliente (e cumprir
sistematicamente) pode ser uma boa vantagem competitiva.

Para competir no macrocampo de assistência, a empresa precisa prestar auxílio antes da venda, na
utilização do produto e após a venda.

• No campo “antes da venda”, o diferencial é prestar serviço na forma de informações sobre as


características e especificações do produto. Facilitar o acesso a informações, comparações,
localização da loja mais próxima e facilidades pode ser o diferencial para geração de negócios.
No caso de o cliente ser uma empresa, esse campo implica ter assessores técnicos para auxiliar o
cliente nas especificações e adequações do produto.
100
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

• O campo “durante a venda” envolve ser capaz de criar a melhor experiência de compra em
comparação com os concorrentes. Atendimento superior, facilidade de acesso (inclusive
estacionamento) e treinamento de pessoal de linha de frente fazem parte da melhor entrega de
valor ao cliente. Veja como o McDonald´s facilita o processo de compra em alguns locais: é possível
comprar pela internet ou por quiosques de autoatendimento e retirar no balcão sem passar na fila.
E, se a fila do caixa for grande, um funcionário aborda os clientes e gera um pré‑pedido para ser
rapidamente finalizado só com pagamento no caixa, aumentando a velocidade de atendimento.

Figura 49 – McDonald´s no Aeroporto de Singapura com terminais de autoatendimento

Disponível em: https://bit.ly/3Nhbewe. Acesso em: 16 maio 2022.

• Na competição no campo “após a venda”, o foco é fazer o cliente se sentir seguro para usar o
produto e recomprá-lo no futuro. Assistência técnica perfeita, acesso a informações de uso e
consumo, facilidades de troca ou devolução são maneiras importantes para se diferenciar. Quantas
vezes as pessoas deixam de comprar algo por não terem confiança na assistência técnica?

Na competição no macrocampo em imagem, o diferencial é a busca pela imagem superior em


comparação com a concorrência.

• No campo “do produto, marca e empresa”, o foco é na reputação do produto, da marca ou da


própria organização. Vários estudos mostram que ser visto utilizando determinadas marcas se
traduz em prestígio. Ou seja, a boa imagem do produto confere boa imagem ao usuário e o faz
se sentir satisfeito.

• No campo “preservacionista”, o diferencial é a imagem de empresa ambientalmente responsável.


Veja o exemplo da Natura (já citada): o conjunto de ações efetivas de responsabilidade
socioambiental ao longo dos anos traz uma imagem excelente que se reflete nos negócios.

• Da Costa et al. (2007) ampliou o modelo CAC acrescentando o campo “cívica”, que aborda a
liderança de imagem de empresa socialmente responsável.

101
Unidade III

Lembrete

O modelo CAC proposto por Contador (2008) prevê que a organização


defina um ou dois campos de competição principais por unidade de negócio
e um ou dois campos coadjuvantes, uma vez que é virtualmente impossível
ter excelência em tudo.

6.2 Armas de competição

Considerando o conteúdo estudado, a organização já definiu seus campos de competição, agora será
preciso definir as armas.

Arma de competição é um conjunto de técnicas, ferramentas e métodos que permite a obtenção de


determinado resultado que pode ser percebido pelos clientes e ser causa de diferencial para a decisão
destes, segundo Da Costa et al. (2007).

As armas apresentam melhor desempenho se estiverem alocadas no campo de competição adequado.


Na metáfora de guerra, uma metralhadora é uma arma com pouca adequação para um campo de
batalha submarino, pois não há oxigênio para provocar o disparo e o meio aquoso reduz rapidamente a
velocidade dos projéteis. E, mais uma vez, a organização deve realmente dominar em nível de excelência
a quantidade limitada das armas que seleciona, podendo se dar ao luxo de não ter excelência na enorme
quantidade de armas pouco prioritárias. Por exemplo, o McDonald´s precisa dominar profundamente as
armas estudo de tempos e estudo de movimentos, pois o negócio de fast-food exige que os produtos
sejam produzidos no menor tempo possível com racionalidade no processo.

Saiba mais

O filme indicado a seguir conta a história do McDonald’s e mostra


como foi desenvolvida a racionalidade dos processos produtivos, entre
outros fatos:

FOME de poder. Direção: John Lee Hancock. EUA: The Weinstein


Company, 2016. 115 min.

Por outro lado, o McDonald´s não precisa ser tão excelente na arma realização de projetos
comunitários, pois isso não agrega valor suficiente à operação. Tanto é assim que o calendário
promocional do McDonald´s define somente um dia por ano para doar a renda das vendas de um único
sanduíche do cardápio (McDia Feliz, com o sanduíche Big Mac) para a assistência social. Note que todos
os outros produtos nesse dia continuam gerando receita, mas espertamente a ação social domina a ação.

102
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

Figura 50 – McDia Feliz

Disponível em: https://bit.ly/3woOqDG. Acesso em: 16 maio 2022.

Arma da competição é um meio que a empresa utiliza para alcançar


vantagem competitiva em um campo, como marketing, tecnologia da
informação, automação do processo produtivo – contam-se às dezenas as
armas da competição. Elas não interessam ao comprador: não adianta a
ele conhecer o índice de rejeição; importa-lhe, sim, a qualidade do produto
(CONTADOR, 2003, p. 23).

Meirelles (2000) compilou 54 armas de competição possíveis para organizações fabricantes de


produtos tangíveis:

Quadro 11 – Armas de competição para produtos tangíveis

Número Arma de competição


1 Estudo de movimentos
2 Estudo de tempos
3 Automação industrial
4 Estudos para redução do tempo de espera
5 Melhoramento contínuo do processo
6 Tamanho reduzido do lote de fabricação
7 Tempo reduzido da espera do lote em processos
8 Célula de manufatura
9 Operação Just in Time
10 MRP-I, MRP-II ou Kanban
11 Troca rápida de ferramentas
12 Logística interna ágil
13 Agilidade na reprogramação da produção
14 Máquinas flexíveis

103
Unidade III

Número Arma de competição


15 Kaizen
16 CEP (controle estatístico do processo)
17 Matérias-primas/componentes com qualidade
18 Controle da qualidade total
19 Fornecimento no prazo
20 Desenvolvimento de fornecedores
21 Relacionamento cooperativo com fornecedores
22 Multi-habilidade da mão de obra
23 Treinamento da mão de obra fabril
24 Treinamento de pessoal técnico-administrativo
25 Treinamento para desenvolver espírito participativo
26 Distribuição de ganhos de produtividade/lucros
27 Estabilidade no emprego
28 Empowerment
29 Trabalho em equipe/decisões em grupo
30 Pagamento do salário acima do mercado
31 CCQ (círculos do controle da qualidade)
32 Tecnologias adequadas no processo produtivo
33 Tecnologias adequadas nos processos técnico-administrativos
34 Parcerias tecnológicas para processo produtivo
35 Parcerias tecnológicas para produto
36 Tecnologias inovadoras de processo
37 Organograma achatado
38 Despesas administrativas reduzidas
39 Sistemas de informação eficientes
40 SAC (serviço de atendimento ao cliente)
41 Venda direta ao consumidor ou franquia
42 Engenharia de produto atualizada e ágil
43 Engenharia concomitante ou simultânea
44 Agilidade na preparação de modelos, protótipos e ferramentas
45 Projeto de embalagem do produto
46 Utilização de materiais/componentes inovadores
47 Ampla rede de distribuição
48 Equipe de vendas agressiva
49 Pesquisa concorrencial: preço, qualidade e prazo
50 Vendas publicitárias elevadas
51 Telemarketing
52 Controle e combate à poluição ambiental
53 Reciclagem intensiva de resíduos
54 Realização de projetos comunitários

Adaptado de: Meireles (2000).

104
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

Lembre-se de que o modelo CAC prevê a escolha das armas mais adequadas e que a escolha é
limitada a poucas, pois a ideia é dominar o manejo em nível de excelência. Assim, a empresa vai focar
em ter excelência em poucas armas, não tendo de se esforçar especificamente nas outras: basta o
básico delas.

Claro que as armas não se restringem à lista que destacamos. Várias podem ser desdobradas em
outras mais precisas em aplicação, e outras naturalmente podem ser criadas. Tanto é assim que Lopes
(2002) compilou uma lista de quarenta armas voltadas para o ramo de serviços.

Quadro 12 – Armas de competição para serviços

Número Arma de competição


1 Arranjo físico
2 Parceria e desenvolvimento de fornecedores
3 Extranet e internet com fornecedores
4 Sistema de entrega de material Just in Time
5 Parceria com transportadoras ou frota própria
6 Tecnologia de processo adequada
7 Manutenção preventiva dos equipamentos
8 Sistema contábil e financeiro
9 SAC e relacionamento com cliente
10 Sistema de suprimentos
11 Extranet (internet com clientes)
12 Rede de computadores
13 Comunicação visual/forma de exposição dos produtos
14 Limpeza
15 Ambiente de trabalho (relações interpessoais)
16 Rapidez na execução do serviço (Just in Time)
17 Comunicação e informação (fone/fax/e-mail)
18 Disponibilidade de transporte público
19 Facilidade de acesso/estacionamento de veículos
20 Horário de atendimento
21 Localização privilegiada (cluster)
22 Gerente empreendedor
23 Normas e procedimentos
24 Treinamento, capacitação e desenvolvimento de pessoal
25 Relatórios gerenciais de eficiência
26 Segurança no trabalho
27 Estudos de tempo/métodos na oficina e no atendimento
28 Kaizen (melhorias contínuas)
29 Administração participativa
30 Cortesia e capacidade de encantar clientes

105
Unidade III

Número Arma de competição


31 Pagamento de salários acima da média do mercado
32 Organização da empresa
33 Filantropia empresarial
34 Catálogos informativos
35 Telemarketing
36 Publicidade e propaganda
37 Despesas operacionais
38 Monitoramento da concorrência
39 Programa de fidelização dos clientes
40 Rapidez no atendimento

Adaptado de: Lopes (2002).

Contador (2003) reforça que é preciso alinhar as armas aos campos escolhidos. Ou seja, definir quais
são as armas relevantes que permitem focar adequadamente os objetivos. Para isso, sugere a utilização
da matriz de priorização das armas.

A matriz criada por Contador e De Sordi (2004) realiza a classificação das armas por métodos
estatísticos de atribuição de pesos. O resultado é uma lista de armas relevantes (classe A), armas
neutras (classe B) e armas irrelevantes (classe C). Fica claro que armas irrelevantes, nessa avaliação, não
contribuem para a vantagem competitiva e não devem ser motivo de preocupação. As armas neutras
devem ser utilizadas de maneira protocolar, e as armas relevantes devem ser dominadas e usadas em
grau de excelência.

Cabe ressaltar que a grande vantagem do CAC é a possibilidade de escolher quais são os focos mais
importantes de atuação para obter vantagem competitiva.

Exemplo de aplicação

O autor do modelo CAC criou uma simulação em computador que pode ser acessada livremente
em: www.estrategiacac.com.br

• Faça uma simulação da formulação de estratégia de um negócio com o CAC.

• Entre no site indicado.

• Leia a página inicial.

• Clique em “Registrar e preencher” os dados, criando login e senha.

• Clique em “Exemplos” e escolher um.

• Siga os passos determinados pelo site.

106
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

Da Costa et al. (2007) sugerem que para formular a estratégia deve-se seguir esses passos:

1 - Decidir o campo da competição que a empresa pretende conquistar


e/ou manter sua vantagem competitiva – é o processo de formulação da
estratégia de negócios (que está fora do escopo deste artigo).

2 - Identificar todas as atividades da empresa que constituem o conjunto


de armas.

3 - Identificar as armas relevantes e as irrelevantes para o campo da


competição escolhido: as relevantes são as dez ou doze primeiras do ranking
obtido por meio da matriz de priorização das armas, e as irrelevantes são as
últimas desse ranking (isso significa, por exemplo, que as armas relevantes
para competir em preço são diferentes das armas para competir em prazo).

4 - Ampliar ao máximo a intensidade das armas relevantes e diminuir a


intensidade das armas irrelevantes (para diminuir a intensidade de uma
arma, a empresa deve cancelar os investimentos previstos para uma atividade
e transferir parte dos recursos aplicados nessa atividade, principalmente
pessoal, para as atividades relevantes).

Uma das grandes vantagens de adotar o método CAC consiste na possibilidade de focar os recursos
somente nas armas relevantes. Os recursos que seriam utilizados nas armas irrelevantes podem ser
destinados para as armas relevantes, aumentando seu poder de fogo.

Veja que após séculos de utilização de estratégia no campo militar, a metáfora continua sendo
aplicada e com método.

107
Unidade III

Resumo

Após as análises, é preciso escolher um caminho estratégico adequado


e desdobrado nos três níveis de decisão estratégica: nível corporativo, nível
de negócio e nível funcional.

A formulação estratégica de nível corporativo é adequada para


organizações estruturadas em unidades de negócios e visa obter sinergia
entre eles, otimizando as possibilidades de compartilhar atividades. São
três tipos: crescimento, estabilidade ou retração.

A estratégia de crescimento é adotada quando a unidade de negócio


tem acesso a recursos suficientes para aumentar o volume de operações
com benefícios superiores aos custos envolvidos. Pode ser do tipo interno, com
aumento da produtividade comercial e produtiva; integração horizontal,
através da aquisição, fusão ou criação de empresas que atuam no mesmo
mercado; diversificação horizontal relacionada, através da aquisição,
fusão ou criação de empresas que atuam em mercado complementar para
aumentar a sinergia das operações; diversificação horizontal não relacionada,
com aquisição, fusão ou criação de empresas que atuam em outro mercado
sem qualquer relação com os mercados atendidos; integração vertical, via
aquisição, fusão ou criação de empresas que atuam ao longo da cadeia de
suprimento/distribuição; fusões, que consistem na união de duas ou mais
empresas em uma nova ganhando competitividade por sinergia; e alianças
estratégicas, parcerias em que duas ou mais empresas cooperam entre si
buscando vantagens competitivas.

A estratégia de estabilidade é adotada quando os custos do crescimento


da unidade de negócio forem maiores que os benefícios possíveis. Ou seja,
é melhor se manter como está sem grandes investimentos.

A estratégia de retração é adotada quando a unidade de negócio tem


desempenho abaixo do projetado e os custos de operação são superiores
aos benefícios projetados. Assim, o melhor é reduzir o tamanho da operação.

Na formulação estratégica de nível de negócio, cada unidade de negócio


traça suas estratégias alinhadas com a estratégia corporativa. São chamadas
de estratégias competitivas: liderança de custo, diferenciação e foco.

A estratégia da liderança de custo define que as atividades da organização


devem ter como preocupação obter o menor custo unitário de produção
do mercado. Quem tem o menor custo obtém vantagens competitivas,

108
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

pois pode repassar a vantagem reduzindo o preço para atrair clientes


ou pode manter o preço e ter maior margem de lucro comparado com
os competidores.

Na estratégia de diferenciação as vantagens competitivas são oriundas


da melhor percepção de valor dos clientes. Assim, o produto ou serviço
cujos diferenciais agregarem maior percepção de valor estará num patamar
competitivo vantajoso.

Na estratégia de foco o alvo é restrito a um segmento específico,


em que se busca obter vantagem competitiva de maneira equivalente à
diferenciação. A ideia é escolher um segmento (ou nicho, dependendo
do tamanho) e focar esforços para dominar de maneira incontestável,
desencorajando a concorrência.

Descendo um nível na hierarquia, a estratégia de nível funcional é formulada


por cada área (RH, marketing, produção etc.) procurando alinhamento com a
estratégia de nível de negócio.

Um novo modelo replicável para definir estratégias é denominado


campos e armas da competição (CAC). Nesse modelo, campo da competição
é relacionado ao que interessa ao cliente (custo, performance, benefícios),
enquanto arma da competição é o conjunto de meios que a organização
utiliza para ter vantagem no campo selecionado (preço, qualidade).

109
Unidade III

Exercícios

Questão 1. Considere o anúncio, lançado em 2012, em comemoração aos 90 anos da Semana de


Arte Moderna, e analise as afirmativas. Na ocasião, a marca lançou também sandálias com temas
de obras modernistas, como se vê na figura reproduzida na sequência.

Figura 51

Disponível em: https://bit.ly/3ldAiYU. Acesso em: 26 fev. 2018.

Figura 52 – Sandálias com temas dos pintores modernistas Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral

Disponível em: https://bit.ly/3legg0f. Acesso em: 27 fev. 2018.

110
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA

I – A criação das sandálias com temas dos pintores modernistas contraria o novo posicionamento
adotado pela marca, pois não faz parte do universo cultural do público consumidor.

II – A estratégia de dialogar com a arte brasileira do início do século XX atribui ao produto tons de
modernidade e brasilidade.

III – O caso das sandálias Havaianas é um exemplo de reposicionamento de marca no mercado.

É correto o que se afirma em:

A) I, II e III.

B) II e III, apenas.

C) I e III, apenas.

D) III, apenas.

E) II, apenas.

Resposta correta: alternativa B.

Análise da questão

As sandálias Havaianas tiveram seu posicionamento alterado a partir da década de 1990, passando
a atingir também as classes A e B.

Questão 2. Acerca do modelo CAC (campos e armas de competição), avalie as afirmativas.

I – As armas de competição são ferramentas que uma empresa pode utilizar para obter vantagem
no seu campo.

II – Segundo o modelo CAC, que parte de uma analogia com o universo militar, uma boa estratégia
envolve a seleção de campos principais e de campos coadjuvantes.

III – O modelo CAC considera campos agrupados em macrocampos como preço, produto, prazo,
assistência e imagem.

É correto o que se afirma em:

111
Unidade III

A) I, II e III.

B) I e II, apenas.

C) II e III, apenas.

D) I e III, apenas.

E) I, apenas.

Resposta correta: alternativa A.

Análise da questão

O modelo CAC visa à obtenção de vantagens competitivas. Parte de uma analogia com a guerra para
propor que a empresa deve, primeiro, escolher os campos, principais e coadjuvantes, em que pode se
destacar para depois escolher as armas.

112

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