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Material Sobre Intertextualidade - 1º Ano Do Ensino Médio
Material Sobre Intertextualidade - 1º Ano Do Ensino Médio
Intertextualidade
Uma das grandes dificuldades das pessoas, em relação ao estudo da Língua Portuguesa, é a
interpretação textual. Apesar de termos a noção de que um texto não é apenas um conjunto de
palavras soltas, ainda sim temos dúvidas ao nos depararmos com situações nas quais nos é
exigida a capacidade de associar textos diferentes, por exemplo.
A coerência e a coesão, duas propriedades que os textos têm, nos ajudam na leitura e no
entendimento das mensagens que nos cercam. E é justamente a coerência que se conecta com a
nossa capacidade de perceber e compreender um texto. Ela permite a nossa identificação com o
que lemos, ouvimos e absorvemos.
Para que um texto, não importando o gênero, seja compreendido como “coerente”, ele precisa
fazer sentido. Além disto, o leitor necessita ter conhecimento de mundo, para que saiba
exatamente do que está sendo falado e processe as informações, chegando assim ao
entendimento. Exemplo: se você não sabe muito de Gastronomia, como vai entender as
informações muito técnicas e específicas em um programa de TV que fale deste assunto?
Agora vamos pensar: como acontece este processo de entendimento textual quando, em vez
de um texto, somos apresentados a dois, que, ainda por cima, estão interligados?
Quando um texto faz referência, implícita ou explícita, direta ou indireta a outro texto,
ocorre o que se chama de intertextualidade. Analisando a palavra “intertextualidade”, notamos a
presença do prefixo –inter, que dá a ideia de correspondência entre partes, reciprocidade.
Em outras palavras, os textos dialogam entre si e, nesta relação, para que se entenda melhor a
finalidade ou intenção comunicativa de um texto, é preciso que se leia um elemento externo a
ele: outro texto, chamado de texto fonte. Cria-se uma rede de textos, pois estes podem se ligar
a outros e outros.
Para você visualizar e entender este conceito, vamos comparar estes dois textos que se interligam
a duas pessoas: a pessoa A e a pessoa B. Elas iniciam uma conversa. Para que haja comunicação
eficaz entre as duas, estas pessoas precisam falar de um mesmo assunto, ou seja, de um tema
comum entre elas. A pessoa A e a B vão conversar de um mesmo tema. Assim acontece quando
ocorre intertextualidade: os dois textos envolvidos falam de um mesmo tema e é possível achar
elementos de um mesmo assunto entre eles.
1
prelo)1, as fontes de intertextualidade podem ser:
“A intertextualidade explícita
A intertextualidade implícita
Vamos ver agora quais as mais conhecidas relações que os textos podem ter. São elas:
Exemplo: De acordo com Evanildo Bechara (2015, p.276), "o verbo se diz pronominal quando o
pronome oblíquo se refere ao pronome reto" ou Evanildo Bechara, em seu livro “Moderna
Gramática Portuguesa”, comenta que o verbo pronominal ocorre em orações quando o pronome
pessoal do caso reto se refere ao pronome oblíquo.
1
FERREIRA, Maria Betânia. Língua Portuguesa - Interpretação de Texto e Conteúdo Literário - Objetivo = Formação de Base Conceitual. 2017. No prelo.
2
NEVES, Flavia. Intertextualidade: O que é? Quais os tipos de intertextualidade?. Site Norma Culta. Disponível em
<https://www.normaculta.com.br/intertextualidade-o-que-e-quais-os-tipos-de-intertextualidade/>. Acesso em 15 set 2019.
2
do último domingo eu me referi a Ravel que, ao final da vida, dizia, como um lamento: “Mas há
tantas músicas esperando ser escritas!” E acrescentei um comentário meu: “Com certeza o tempo
não se detém para esperar que a beleza aconteça...”. Podemos notar que, ao citar Ravel, Rubem
Alves complementa o que escreveu em seu texto. A partir do texto da Ravel, o autor aumentou
seu pensamento. Trata-se de um processo de estilização.
- paródia: acontece quando o sentido original de um texto é alterado por outro. Paródia é
uma palavra vinda do grego que significa “canto ou poesia semelhante à outra”. Pode ser
entendida como uma releitura humorada ou crítica do texto fonte, que tem seu sentido invertido.
Agora note a criação de outro texto, a paródia, a partir do original. O nome da versão é “Cara no
livro”, de autor desconhecido e facilmente achada na Internet4.
3
Disponível em <http://conexaoplaneta.com.br/blog/eugenio-sigaud-ateu-comunista-e-pintor-de-
mural-em-catedral/>. Acesso em 15 set 2019.
Já viu ou ouviu aquela frase "Uma imagem vale mais que mil palavras"? Então. Quando você se
depara com uma imagem, muitas vezes ela exige de você e da sua capacidade de interpretação
textual mais conclusões, referências e entendimentos do que um texto escrito.
Ao olhar e analisar esta obra, notamos o seguinte: um canteiro de obras com prédios ao fundo da
imagem. Um homem caído com muitos outros o olhando. Podemos entender que ele estava
trabalhando e caiu. O nome do quadro já indica a causa da morte: acidente de trabalho. O ponto
de vista do espectador (nós, no caso) pode ser entendido como se fosse de cima de um prédio ou
andaime, que fazem parte do imaginário trazido pela ambientação da imagem. O corpo do
homem morto é o ponto mais iluminado da imagem, o que pode trazer uma ligação com a
questão religiosa de o homem ter encontrado a luz divina após ter morrido.
As cores são opacas, nada vivas, o que traz um clima apático, melancólico e desolado, bem como
se imagina que as pessoas da cena devem estar com a morte do homem em seu ambiente de
trabalho. A intenção do autor, com o quadro, é denunciar como as pessoas que constroem os
prédios onde a população mora são tratadas: com péssimas condições de trabalho, ausência ou
pouca segurança e equipamentos de proteção. Lançado durante o governo de Getúlio Vargas, que
foi considerado ditatorial, o quadro retrata o lado desumano do capitalismo e da vida comum.
Eugênio de Proença Sigaud era conhecido como o pintor dos operários, justamente por sua arte
engajada, militante e denunciativa. Uma curiosidade: ele também era engenheiro e arquiteto, ou
seja, criava suas obras para abordar o ambiente de trabalho pelo qual passava: o canteiro de
obras, que dava palco ao povo anônimo e desconhecido e seus dramas. Suas telas tinham
algumas características em comum: o ângulo escolhido para a perspectiva do espectador, o
contraste de cores, as alterações nas fisionomias e corpos dos personagens e quadros quase
sempre verticais, remetendo prédios.
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Disponível em http://www.luizamerico.com.br/fundamentais-chico-buarque.php. Visitado em 07/08/19.
4
Texto 2: “Construção”, de Chico Buarque
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Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
A narrativa criada por Chico conta a rotina quase robótica de um homem que se despede da
família e parte para o trabalho. Cansado, ele almoça, se diverte com os amigos, perde o equilíbrio
e cai de cima da construção que ajudou a erguer. Na primeira vez que é contada, a história do
homem tem um ar mais realista, com os versos apresentando a história e ajudando o leitor a
montá-la na sua imaginação. Notamos o ritmo dos versos da música, que dão ideia de
movimento, algo que começa, fica agitado e se acalma ao final da estrofe. Algo interessante a ser
destacado: a estrutura das estrofes lembra blocos e pelo fato de a letras ser longa, ao ser
visualizada por completo em uma folha, lembra um prédio alto.
Ao ser contada pela segunda vez, a narrativa se apresenta toda metafórica, criando situações
fantasiosas, aproximando o texto de algo quase como se fosse um sonho, com comparações que
causam encanto por serem emotivas e profundas. Já na terceira vez que é narrada, a história se
resume a uma única estrofe: há pressa em contá-la, como se fosse uma fofoca sendo espalhada.
Sem mais acontecimentos detalhados, só os fatos importantes são contados. Com a estrofe de
sete versos, a história ganha muita velocidade e um único fôlego. A presença dos verbos amou,
beijou, ergueu, sentou, flutuou e acabou resume de forma urgente toda a poesia da história,
trazendo ainda mais drama ao fato.
Um texto que atinge direto o emocional de quem lê, que proporciona toda a montagem mental da
narrativa e nos coloca dentro da história de um homem que é tratado tanto como máquina como
príncipe, mas que, acima disto, é como todo mundo e tinha sua família, seu trabalho, suas
alegrias, cansaços, ilusões, amores e que encontra a morte de forma inesperada. Por não ter um
nome próprio, o eu lírico da música pode ser qualquer homem que tivesse família e trabalhasse
em uma obra, o que acaba por generalizar o texto.
Na época em que a música foi lançada, a ditadura militar estava no controle do país. Chico
Buarque estava fora do Brasil, no exílio. Se você já leu sobre Marx, pode notar bem o conceito
de consciência de classe no texto. Para este sociólogo, as pessoas são reunidas em grupos
conforme suas funções no funcionamento de uma sociedade capitalista. Alguns possuem o
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comando dos meios de produção e outros são a mão de obra, a força de trabalho, que não têm
seus sentimentos expostos e muito menos respeitados, atuando de forma precária, sendo
explorado ao máximo até encontrar a morte inesperada, como o eu lírico da música.
Outra interpretação que se pode ter, agora ligada ao contexto social-histórico-político em que a
canção foi disponibilizada, é que a letra mostra, de forma geral, o brasileiro no contexto da
ditadura: ao mesmo tempo em que estava cansado, tinha seus sonhos e tentava sobreviver, mas
era impedido de ter direitos e acabava sufocado, sem poder enfrentar o sistema.
Agora que já apresentamos uma grande análise do que cada um dos textos fala, vamos exercitar:
Resposta: O texto de Chico Buarque pode ser entendido como uma homenagem nítida à
obra de Sigaud, já que foi escrito bem depois do lançamento do quadro. Pode até ser
imaginado como uma teatralização do obra de Sigaud, pois, por meio da paródia que o
compositor fez, percebemos a aproximação da crítica que ambos os autores fizeram do
mesmo tema: a vida comum de um homem que morre no seu ambiente de trabalho. Na
música, o homem morto na obra do pintor ganha vida e movimento, mesmo que seja para
morrer de novo na letra da música. “Construção” se apresenta como uma expansão de
“Acidente de Trabalho”. A intertextualidade nas obras é explícita, sendo de imediata
conexão e percepção. Ambas as obras foram escritas em período de repressão militar, o que
aumenta o caráter de denúncia. Nos dois textos, podemos imaginar as péssimas condições
de trabalhos dos homens e suas vidas difíceis. Além disto, tanto a música quanto o quadro
despertam em quem tenta entendê-los a revolta e o pensamento crítico de que algo precisa
ser mudado na sociedade.
Referências bibliográficas
7
FERREIRA, Maria Betânia. Língua Portuguesa - Interpretação de Texto e Conteúdo Literário -
Objetivo = Formação de Base Conceitual. 2017. No prelo.
KOCH, Ingedore V. e ELIAS, Vanda M. Ler e Compreender os Sentidos do Texto. São Paulo:
Contexto, 2006.
Sistema de apoio pH: ensino médio: caderno 1 a 4: humanas, 3ª série: aluno - 1ª ed. - São Paulo:
SOMOS Sistema de Ensino, 2017.
SIGAUD . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú
Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9338/sigaud>.
Acesso em: 20 de Set. 2019. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7.