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V
UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO
GRANDE DO SUL
Reitora
Wrana Maria Panizzi
Vice-Reitor
e Pró-Reitor de Ensino
José Carlos Ferraz Hennemann
Pró-Reitor de Extensão
Quinhentos anos
de periferia
Luiz Fernando Coelho de Souza
Vice-Pró-Reitora de Extensão
Ana Maria e Souza Braga
EDITORA DA UNIVERSIDADE
Diretor
Geraldo F. Huff
Uma contribuição ao estudo
CONSElHO EDITORIAL
Anna Carolina K. P. Regner
da política internacional
Ch rista Berger
Eloir Paulo Schenkel
Georgina Bond-Buckup
José Antonio Costa
livio Amaral
luiza Helena Malta MolI
Maria da Graça Krieger
Samuel Pinheiro Guimarães
Maria Heloísa lenz
Paulo G. Fagundes Vizentini
Geraldo ~ Huff, presidente
Terceira Edição
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Edi(~r,a ta(U,\iver i(à ~ FRGS Av. João Pessoa, 415 - 90040-000 - Porto Alegre, RS - Fone/
fax '(U).322ll!8821, c3316-4082 e 3316-4090 - E-mail: editora@orion.ufrgs.br - http://
www.ufrgs b edito~" Direção: Geraldo Francisco Huff • Editoração: Paulo Antonio da
Silveira (coo ell<jçlor), CIl la.M. Luzzatto, Cláudia Bittencourt, Maria da Glória Almeida dos
Santos, Najára N(a~Mdo; suporte editorial: Fernando Piccinini Schmitt, Lucianc Leipnitz
(b lsisra) c Sflvia Aline O~'gran Nuncs (bolsista) • Administração: Mnrin 11'1IIriz Anll'tio Brito
lalarrngn (coordenadora), Jo c P srcira Brito Pilho, Laertc Balbinnt Illa , NllIlvnl l lcrmcto
NUI1\" S(IlII' 'do, Vcru 1(0 li11, I(mili 'li 'S de Olivciru: suporte Idlllllll 1IIIIIvCl 111 Maria
I)' AIUIIl' I clu~ SlIlIlm, lilll I I' cllttu, .11'11111'111110(11Silvn <'111VIIlho, 1111111 111111111di ,'1111111Dias
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I
© de Samuel Pinheiro Guimarães Neto
1a edição: 1999 SLJMAl 1
Direitos reservados desta edição:
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
e Contraponto
ISBN 85-7025-599-3
-
AGRADECIMENTOS
I) S"lllll(\II~f)l1clro
,llim, rã Qulnhrntoaros de p('ri~ri, 17
, ciedade periféricas, como o caso da Índia e da 'hill I, MI I\lll out I \\I lll. (I •• nqui tad s o [oram por
os H~llldos pcri feri '
berço de religiões e filosofias, enquanto outras, como é o caso do Brasil 11111/1 P()I~1l ia .omo a Fran a, que di pulava a hegemonia mundial com
e da Argentina, são sociedades que sempre importaram ideologias oci- I 11l ilatcrra, ou c mo a Holanda, que participava de um "condomínio",
dentais. uinda qu tumultuoso e competitivo, exercido pelos europeus em rela-
Algumas dessas sociedades são multirraciais, com numerosos idi- (•.no é periferia. Assim, tais Estados asiáticos da periferia foram incorpo-
omas e dialetos, como é o caso da lndonésia e da Índia, com significati- rad s ao istema econômico e político capitalista europeu ocidental em
vas desigualdades de gênero e de classe, cristalizadas em costumes mi- 'xpan ão. •
lenares. Em contraste com a situação asiática e árabe, nos casos da Africa
Outras sociedades periféricas se encontram sob profunda influên- subsaárica e das Américas - com a exceção notável dos impérios inca e
cia religiosa, que se manifesta na própria organização do Estado, como a tcca - as populações autóctones eram reduzidas, estavam dispersas em
o Irã, ou se encontram às voltas com formidáveis conflitos de natureza vastos territórios e possuíam organização social e política primitiva, sem
religiosa, como é o caso da Índia. linguagem escrita.
O Brasil é um grande Estado periférico que se distingue em espe- A primeira grande área, ao sul do Saara, foi fragmentada artificial-
cial por ser uma sociedade de origens plurirraciais, que passa desde seu mente em dezenas de Estados e deu origem a apenas quatro grandes Es-
início por processos de profunda miscigenação, na qual a origem étnica tados periféricos: Nigéria, Angola, Congo e Moçambique. Tais Estados,
ou religiosa por si só não "classifica", e caracteriza-se pela presença de até mesmo devido à sua importância estratégica, foram vitimados por
um idioma único e pela ausência de conflitos territoriais, tanto internos guerras tribais ou civis, longas e destrutivas, incentivadas pelas estrutu-
quanto externos. ras hegemônicas, e neles, inclusive por essa razão, não surgiram parques
Os grandes Estados da periferia, e disso não escapa o Brasil, apre- industriais significativos.
sentam enormes disparidades de renda e de propriedade, de riqueza e de No cone sul da África, o caráter hediondo do apartheid, o conflito
pobreza, de cultura e de barbárie. Apesar disso, em sua história recente, com os países vizinhos, a política de apoio a Portugal e, mais tarde, a in-
o Brasil, se comparado aos demais Estados periféricos, até recentemen- tervenção militar sul-africana em Angola e Moçambique provocaram o
te apresentava um grau mais elevado de mobilidade social e espacial. embargo econômico e militar da África do Sul, imposto pelas Nações
Certos Estados da periferia, em especial os da Ásia, correspondiam Unidas, que levou a reais ou temidas dificuldades de suprimento. Para-
a sociedades milenares e a Estados estruturados quando foram invadidos doxalmente, o apartheid, ao provocar o embargo e a mentalidade de "cer-
e conquistados pelas potências ocidentais. Alguns desses Estados, como a co interno e externo", levou a um esforço de desenvolvimento tecnoló-
China, haviam alcançado notável progresso científico e tecnológico e exi- gico, à construção de um parque industrial mais diversificado e menos
biam sofisticação cultural e complexidade social muito superiores àque- dependente do exterior e, com o fim do domínio branco, à criação do
les atingidos pela Europa. Somente a revolução industrial e seu impacto Estado periférico negro mais poderoso.
sobre os armamentos, mas em especial as inovações européias em matéria Na futura América Latina, as populações autóctones foram domi-
de organização militar, viriam a permitir a conquista colonial. nadas por potências européias, Espanha e Portugal. Essas potências eram
Em alguns casos, o futuro grande Estado periférico foi conquista- hegemônicas nos mares no século 16, mas não superaram a etapa mer-
do por uma potência que viria a se tornar hegemônica, como ocorreu com cantil de sua evolução capitalista devido à celebração de tratados desi-
a Índia em relação à Inglaterra; nesse caso, se poderia inclusive dizer que guais com a Inglaterra, como o de Methuen, à resistência religiosa às idéi-
o Estado indiano foi uma criação do colonialismo. A imposição gradual as modernas e à espoliação colonial, que lhes deu a possibilidade de sub-
do domínio inglês fomentou conflitos entre as suseranias locais, com al- sistir sem desenvolver suas forças produtivas. Essas potências arcaizan-
gumas das quais os ingleses se aliaram. Por sua vez, a Índia como Esta- tes estruturaram aquelas populações como sistemas políticos e econômi-
do surgiu como instrumento de união das populações daquela região con- cos coloniais em regime de monopólio comercial e de proibição de de-
tra o domínio britânico, branco, herético, alienígena e explorador. Ainda senvolvimento industrial e cultural. Esse foi o caso do Brasil. As colôni-
assim, o fim do domínio inglês fez surgir dois Estados, Índia e Paquis- a da Arnéri a atina, ao se transformarem em Estados, após sua inde-
tão, do qual se desmembrou o de Bangladesh. P ndên ia das nrcni 'as m trópoles coloniais porforçadas guerras napo-
ESTRUTURAS HEGEMONICAS
Estado nem invalida o raciocínio acima. No passado, como ilustra o exem- IIlk 1 P r 111 .j() du .xpansão de sua influência e ação em todo o mundo,
plo alemão, pequenos Estados soberanos ou semi-soberanos se uniram para '11\ .sp cial bre os territórios que estiveram, até recentemente, sob or-
formar entes estatais maiores e, assim, melhor defender os interesses pú- iunização socialista e sobre aqueles territórios da periferia aos quais ha-
blicos e privados dos membros de sua sociedade, indivíduos ou pessoas viam elas taticamente permitido "desvios" de organização econômica e
jurídicas. Portanto, o fenômeno "supranacional" não é novo. p lítica no período mais acirrado da disputa com o modelo socialista al-
Assim, consideramos o conceito de estrutura hegemônica mais ternativo.
apropriado para abarcar os complexos mecanismos de dominação. O Hoje, as estruturas hegemônicas, cuja liderança varia de acordo com
conceito de "estruturas hegemônicas de poder" evita discutir a existên- o espaço geográfico, o momento e o tema em questão, desenvolvem ati-
cia - ou não -, no mundo pós-guerra Fria, de uma potência hegemônica, vas estratégias de preservação de seu poder econômico, tecnológico,
os Estados Unidos, e determinar se o mundo é unipolar ou multipolar, se político, militar e ideológico.
existe um condomínio - ou não. O conceito de "estruturas hegemônicas"
é mais flexível e inclui vínculos de interesse e de direito, organizações
internacionais, múltiplos atores públicos e privados, a possibilidade de
incorporação de novos participantes e a elaboração permanente de nor-
mas de conduta; mas, no âmago dessas estruturas, estão sempre Estados
nacionars.
As estruturas hegemônicas têm sua origem na expansão econômi-
ca e política da Europa, que se inicia com a formação dos grandes Esta-
dos nacionais. Na Espanha, com a conquista de Granada e a expulsão dos
mouros (1492); na França, com o fim da Guerra dos Cem Anos (1453),
a expulsão dos ingleses, e a criação, por Henrique IV, do Estado unitário
e, na Inglaterra, a partir da Rainha Elisabeth I (1558-1603). A expansão
européia se acelera com o ciclo das descobertas, após a queda de Con-
stantinopla (1453) que força a busca de rota marítima para o Oriente e a
decorrente expansão mercantil e acumulação de riqueza com a forma-
ção dos impérios coloniais, a partir de Cortés (1521) e de Pizarro (1533)
e no Brasil, a partir da cana-de-açúcar em Pernambuco. A revolução tec-
nológica, militar e industrial dos séculos 18 e 19, com a máquina a va-
por (precondição da indústria, ao substituir a força animal, hidráulica e
eólica por uma fonte de energia permanente, regulável e estável), con-
solida a supremacia européia no cenário internacional.
A dinâmica dos ciclos de acumulação capitalista e das relações en-
tre o grande capital privado e o Estado e entre tecnologia, forças arma-
das e sociedade explica, em grande parte, os processos de formação das
estruturas hegemônicas de poder. Esses processos passaram, entre 1917
e 1989, por uma fase crucial de disputa com o modelo socialista alterna-
tivo de organização da sociedade e do Estado, interrompida de 1939 a
1946 pelo conflito, surgido no interior das próprias estruturas, com os
Estados contestatários, a Alemanha, o Japão e a Itália (1939-1946).
Superada essa fase crucial, as estruturas hegernônicas vêm procu-
A EsrlRATEGIAS DE
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XPANSAO DE PODER DAS 1\
ESTRUTURAS HEGEMONICAS
~inalmente, _ocotidiano da difusão ideológica das políticas de pre- Vl'IIlO \ às ilitcs. Em um egund momento, o governo argumenta ser
servaçao e ~xpansao de P?der das estruturas hegemônicas se verifica pelo aqu 'Ia mazela resultado de "males que herdou" e anuncia medidas drás-
uso dos meios de comunicação de massa. t i 'as de correção, divulgadas ampla e a-criticamente pela mídia. Essa
Os meios de comunicação de massa se tornaram gigantescas em- atitude demonstra à opinião pública a "sensibilidade" do governo diante
p:esas e passam pelo mesmo processo de concentração e de globaliza- d s males que afligem a população e sua capacidade de agir de modo
çao por que passam as empresas dos demais setores industriais e de ser- eficaz e rápido em atenção ao "clamor popular". Em um terceiro momen-
viços. Sua estreita vinculação e relação de interdependência com as em- to, a mídia subitamente silencia sobre o tema, o que dá li impressão à
presas de publicidade e, portanto, com os interesses econômicos das gran- pinião pública de que a intervenção do governo foi eficaz e de que aquela
des corporações - multinacionais ou não - dos Estados centrais, fazem mazela foi corrigida. Em um caleidoscópio permanente, novas mazelas
c~m que te~h~_mse t~rnado, além de defensores da liberdade de expres- são "reveladas", "denunciadas" e "corrigidas" pelos governos, enquan-
sao e da opmiao particular dos dirigentes dos próprios meios de comu- to se agrava a concentração de poder.
nicação, defensores dos interesses e das visões de mundo geradas naque- O desenvolvimento das técnicas de pesquisa de opinião e de publi-
las estruturas hegemônicas. cidade, o rápido desenvolvimento tecnológico da mídia e a modificação
Os meios de comunicação atuam sob distintas formas e em distin- dos hábitos sociais trazida pela televisão e, mais recentemente, pelo com-
tos níveis na estratégia de difusão ideológica dos interesses das estrutu- putador, aumentaram, por outro lado, a influência do poder econômico
ras hegemônicas de poder. Em primeiro lugar, difundem, de uma forma sobre a política e transformaram as campanhas e debates políticos em pro-
geral, o modo de vida e de pensar daquelas sociedades no centro das es- gramas de "marketing de produtos", ou programas de auditório - sem con-
truturas, por meio de representações dramáticas da realidade atual do fronto real de ideais, de propostas políticas e mesmo de simples idéias.
passado e até do futuro. Nessa área, tem especial importância o cinema Em terceiro lugar, em diversos níveis de detalhe e de sofisticação,
que "reconstrói" para a grande massa a história humana, "constrói" o desde o noticiário em "pílulas" do rádio e da TV até os artigos da im-
futuro e apresenta "interpretações" dos temas mais importantes da socie- prensa cotidiana e das revistas noticiosas, os meios de comunicação di-
dade. São, de um lado, os filmes históricos e os de ficção científica e de fundem os modelos de pensamento considerados aceitáveis naquele
ou:ro; o~ f~lm~s.de ficção sobre o modo de vida e sobre as questõe; da momento pelas estruturas hegemônicas e promovem a defesa das inicia-
existência individual no mundo de hoje: o amor, a vingança, as relações tivas políticas, militares e econômicas dos países que as integram.
de trabalho, a criminalidade, a política, etc. Influenciam - os filmes - os
. padrões de comportamento das grandes massas e constroem os estereó-
tipos sobre essas questões.
. Em segundo lugar, os meios de comunicação de massa, de forma
diferente, quer se trate da televisão, do rádio ou da imprensa, entretêm e
quas~ monopolizam a atenção do grande público, que tem sua atenção
desviada do debate .dos temas políticos e econômicos relevantes pelos
programas d~ telev~sã~ o~ pelas notícias de imprensa sobre esportes,
aventuras, crime, violência, aberrações, sexo, música, vida íntima de
personalidades e~c., enqua~t~ tais meios desenvolvem uma campanha
permanente e sutil de descrédito de toda atividade política, a qual passa
a ser ~presentada como corrupta, corruptora e inútil para a sociedade, em
especial nos países da periferia, embora não somente nestes.
O processo de manipulação da opinião pública se dá em três movi-
mentos: no primeiro, a rnídia denuncia alguma mazela, faz a "cobertu-