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R E V I S T A
PERSPECT IVA
Semestral.
ISSN 1983-9707.
EDITORIAL....................................................................................................7
por Paulo Visentini
ARTIGOS
A Revolução Sandinista...................................................................................58
Gabriela Ruchel de Lima
Maria José Ahumada
RESENHA
HALLIDAY, Fred. Revolution and World Politics: The Rise and Fall of the Sixth
Great Power. London: Macmillan, 1999. ......................................................183
Resenhado por Guilherme Thudium
ENTREVISTA
Entrevista sobre Revoluções e Relações Internacionais,
com Analúcia Danilevicz Pereira, Professora da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ..................................190
EDITORIAL....................................................................................................7
by Paulo Visentini
ARTICLES
REVIEW
HALLIDAY, Fred. Revolution and World Politics: The Rise and Fall of the Sixth
Great Power. London: Macmillan, 1999. ......................................................183
Resviewed by Guilherme Thudium
INTERVIEW
Interview on Revolution and International Relations,
with Analúcia Danilevicz Pereira, Teacher of
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) ..................................190
Valeska F. Monteiro
Joana B. Vaccarezza*
RESUMO: Este artigo tem como tema a formação da Base Industrial de Defesa
soviética e o papel representado pelo Sistema Internacional nesse processo, da
Revolução de 1917 ao desenvolvimento da bomba de hidrogênio em 1953.
A modernização da União Soviética foi uma das missões logo adotadas pela
Revolução Russa após sua consolidação em 1922, e teve como consequência a rápida
industrialização do país. Parte-se do pressuposto de que a construção e a evolução do
Base Industrial de Defesa nesse contexto é resultado não apenas da visão que tinham
os revolucionários a respeito das etapas necessárias à Revolução, mas também de
uma necessidade de sobrevivência em um mundo capitalista, competitivo e hostil
à Revolução.
PALAVRAS-CHAVE: Revolução Russa; União Soviética; Base Industrial de Defesa;
Sistema Internacional.
* Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
REVISTA PERSPECTIVA
1 Introdução
Em 2017, comemora-se o centenário da Revolução Russa. A história do
século XX foi marcada pela ocorrência de uma revolução socialista no centro do
Sistema Internacional (SI). Grandes acontecimentos da história mundial foram
influenciados e influenciaram o desenvolvimento da Revolução soviética, a mais
longeva da história. O objetivo deste artigo, nesse sentido, é analisar qual o papel
exercido pelo SI no processo de formação da Base Industrial de Defesa soviética,
desde a revolução de 1917 até o desenvolvimento da bomba de hidrogênio em
1953. Parte-se da hipótese de que os rumos desse Estado revolucionário foram,
em alguma medida, resultado da interação com o SI e dos constrangimentos que
impôs, e não somente das decisões internas.
O referencial teórico utilizado para realizar esta análise parte dos escritos de
Fred Halliday em seu livro “Repensando as Relações Internacionais” (HALLIDAY,
1999). Nessa obra, o autor discute as Revoluções enquanto um “poder” atuante no
SI, mas frequentemente esquecido pelos analistas da área de Relações Internacionais.
Partindo dessa premissa, Halliday (1999) chama atenção para a importância de
entender como as Revoluções afetam as relações internacionais e o Sistema Inter-
nacional, e como por eles são afetadas. O autor define, portanto, ao menos quatro
áreas de análise relevantes em qualquer estudo de Revoluções: suas causas internas
e externas; a política externa do Estado Revolucionário; as respostas dos outros
Estados; e a formação desse Estado sob a perspectiva de quanto constrangimento
externo lhe é imposto (HALLIDAY, 1999, p. 149).
Neste estudo, ainda que estejam presentes essas quatro áreas de análise em
alguma medida, ganha enfoque a última, que diz respeito a “como (...) os fatores
internacionais e o sistema como um todo constrangem o desenvolvimento interno
pós-revolucionário dos Estados e determinam suas evoluções políticas, sociais e
econômicas” (HALLIDAY, 1999, p. 149). No caso da história russa/soviética, o
mais importante a ser analisado a esse respeito são as inúmeras tentativas dos outros
Estados do SI de “socializar” a Revolução - ou seja, suavizá-la e fazê-la se ajustar ao
capitalismo. Procurou-se atingir esse objetivo tanto por meio da guerra quanto da
ameaça dela, sendo a Guerra Civil e a contrarrevolução os impulsos iniciaisdesse
processo.
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1 Tais grupos ficaram conhecidos como “brancos”, em oposição àcor vermelha da Revolução Socialista.
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O Sistema Internacional na formação da Base Industrial de Defesa Soviética:
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Assim, entre o fim dos anos 1920 e a Segunda Guerra Mundial (II GM),
articulou-se uma Base Industrial e Tecnológica de Defesa. Tal composição do setor
produtivo com fins militares diferia do que existia ainda no Império, caracterizado
por algumas indústrias especializadas com pouco poder de mobilização da economia
como um todo para a guerra (BARBER et al., 2000). Esse processo foi decorrente
do debate no interior do Partido Bolchevique acerca das prioridades produtivas
que deveria ter a Revolução. Em 1927, o XV Congresso do Partido optou pela
proposta da Esquerda, representada por Trotsky e pelo economista Breobrazhenskii,
que defendia o investimento massivo no setor de bens de produção e de insumos
básicos (tais como ferro, aço, energia e combustíveis) - embora essa mesma Esquerda
tenha sido derrotada e perseguida a partir de então. O produto imediato desse
debate foi a criação dos planos quinquenais (KONTOROVICH, 2015).
O marco político-econômico em que essa mudança ocorreu era composto
pela política de coletivização do campo e pela planificação da economia nos planos
quinquenais, sob a supervisão da Gosplan, o Comitê Estatal de Planejamento.
Adiciona-se, ainda, um contexto político mais amplo de “guinada à esquerda”
e de predominância dos quadros “internos” sobre os quadros “cosmopolitas” do
Partido que marcam a ascensão de Stalin como líder da Revolução e a política de
perseguição e terror no ambiente interno. Cabe mencionar também que a política
econômica adotada por Stalin, especialmente a política de coletivização, visava não
só ao desenvolvimento da economia e das capacidades militares, mas também à
eliminação da contradição entre elementos capitalistas e socialistas gerada pela
NEP (VISENTINI et al., 2013).
Os responsáveis diretos pela produção eram os ministérios, ou comissariados
do povo, seguindo uma cadeia de supervisão em vários níveis hierárquicos. Ao
longo do processo formativo da BITD, os ministérios responsáveis pelo desen-
volvimento da indústria de defesa foram se especializando. Em janeiro de 1932,
o Ministério da Indústria foi dividido entre o Ministério da Indústria Pesada e o
Ministério das Indústrias Leves. Em dezembro de 1936, foi criado o Ministério
da Indústria de Defesa. No prelúdio da II GM, este se dividiu em quatro áreas:
indústria de aeronaves (NKAP), de armamentos (NKV), de construção naval
(NKSP) e de munição (NKB). Apesar dessa especialização, a divisão entre setores
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REVISTA PERSPECTIVA
produtivos para fins “civis” e “militares” não era tão clara. Assim como as fábricas
sob a direção dos ministérios dedicados à indústria de defesa desenvolviam produtos
civis em períodos de paz, fábricas tipicamente civis produziam produtos de dupla
finalidade e, conforme crescia a perspectiva de guerra, convertiam sua produção
para uso militar. Além disso, participavam da BITD fábricas de produção de bens
de uso geral, tanto insumos básicos (como metais e combustíveis) como bens de
consumo não-durável consumidos pelos soldados (como alimentos e vestimentas).
Existia, portanto, na indústria de defesa soviética, uma certa divisão entre “ativa”
e “reserva”, em que variava a intensidade do emprego das forças produtivas para
fins militares ou civis (BARBER et al., 2000).
Em 1928, foi implementado o I Plano Quinquenal, que previa uma dimi-
nuição da participação relativa do setor bélico na economia (BARBER et al.,
2000). Já no II Plano (1932-1937), observa-se a preocupação específica com a
produção de armamentos. Neste período, destacou-se a produção de tanques e de
aviões, esta superior à de todas as outras potências em alguns anos do período. Em
1937, com a percepção da iminência de uma guerra contra a Alemanha nazista,
além de provocações japonesas na fronteira extremo-oriental soviética, houve uma
verdadeira reorientação da economia soviética para a guerra, ativando-se as fábricas
“reservas” (KENNEDY, 1989).
Não obstante, a produção soviética para a defesa não se limitava aos plane-
jamentos gerais da Gosplan. Em paralelo ao I Plano, por exemplo, o Comissariado
do Povo para Assuntos Militares e Navais (NDVM) produziu seu próprio plano
quinquenal. Este foi considerado bastante irrealista, pois estabelecia metas que
não poderiam ser cumpridas tendo em vista a capacidade produtiva da época. Na
verdade, a iniciativa evidenciava a pressão do setor militar, ligado às forças armadas,
sobre o setor industrial a fim de obter prioridade nas decisões de investimento.
Além disso, com a evolução do quadro de hostilidade internacional e o crescente
“alarme de guerra” no interior do quadro dirigente soviético, muitas vezes os planos
previamente elaborados, que objetivavam maior equilíbrio entre a produção de
bens de produção, de “destruição” e de bens de consumo, eram deixados de lado
para favorecer o setor de defesa (SIMONOV, 2000a; BARBER et al., 2000).
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3 Os autores que publicaram obras mais recentes a partir dessa visão, segundo Kontorovich, são Spulber, Gre-
gory, Berend e Ofer.
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4 Na literatura em inglês, o episódio tem a denominação de the 1927 war scare ou war alarm.
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governo Truman, davam sinais do baixo nível de tolerância que adotariam frente
ao socialismo. O lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki,
considerada estrategicamente desnecessário, foi sobretudo uma demonstração de
força norte-americana(VISENTINI et al., 2013). Stalin percebeu o recado. A partir
do fim da guerra, a BITD soviética tomaria novos rumos. Por um lado, houve a
desmobilização de certos setores produtivos. Por outro, um forte investimento no
desenvolvimento de novas tecnologias para manter-seapar dos EUA (BARBER et
al., 2000). Esse processo será tratado na seção a seguir.
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5 Escritório de Projetos é a tradução que se atribui para as instituições (estatais) que, na URSS, faziam pesquisa,
desenho e prototipação de armamentos ou de seus componentes. Na literatura, encontra-se frequentemente a
expressão OKB, que é a sigla para as três palavras que compõem o nome russo. Após essa etapa dentro do OKB,
essencial para o desenvolvimento do sistema, a produção em série se dava diretamente nas fábricas.
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5 Considerações Finais
Ao longo do período analisado por este trabalho, concluímos que a formação
da BITD soviética decorreu de um processo interno de desenvolvimento da revo-
lução. Contudo, a relação entre esse processo, as características internas à Revolução
Soviética e o Sistema Internacional são multidirecionadas. A formação e a evolução
da Base Industrial de Defesa na Rússia possibilitaram, primeiramente, que a Revo-
lução fosse vitoriosa na Guerra Civil e, posteriormente, que a União Soviética
vencesse os aliados na Europa Oriental na Segunda Guerra Mundial,alcançando
o status de superpotência ao fim da guerra. Neste sentido, é a formação da BITD
que influencia o desenvolvimento do SI durante o século XX.
No que toca à influência do SI sobre a formação da BITD, podemos iden-
tificar distintos papéis. Em primeiro lugar, momentos de combate direto, como a
Guerra Civil e a Segunda Guerra Mundial, determinaram um esforço produtivo
urgente da Revolução para sobreviver às agressões externas. Outro papel conside-
rado é aquele cumprido pelo “fantasma” da contrarrevolução e da intervenção dos
países capitalistas, presente ao longo de toda a história soviética, influenciando o
pensamento da cúpula dirigente e de toda a sociedade sobre a necessidade de se
armar para se defender. No meio termo, estão as situações manifestas (tácitas ou
explícitas) de ameaça à revolução, como certos pronunciamentos de Hitler e de
Truman. Em tais contextos, as preocupações do partido em relação à capacidade de
defesa da URSS eram incrementadas, motivando novos investimentos e mudanças
institucionais na BITD.
Por fim, há que considerar a utilização pragmática, por parte da cúpula
política da URSS, da percepção pessimista acerca do panorama internacional
na sociedade soviética. Em certo sentido, as tensões - ou expectativas de tensões,
pelo menos - no sistema internacional serviam também como justificativa para
a manipulação da opinião, tanto no interior do Partido bolchevique quanto no
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da Revolução à bomba de hidrogênio (1917-1953)
Referências
ABRIL COLEÇÕES. Veículos Militares 1906-1943. São Paulo: Abril, 2010.
BARBER, John; et al. The structure and development of the defence industry
complex. In: BARBER, John; HARRISON, Barb (org). The Soviet Defence
Industry Complex from Stalin to Khrushchev. New York: St Martin’s Press, 2000.
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REVISTA PERSPECTIVA
GORLIZKI, Yoram; KHLEVNIUK, Oleg. Cold Peace: Stalin and the Soviet
Ruling Circle, 1945–1953. New York: Oxford University Press, 2004.
SAMUELSON, Lennart. The Red Army and economic planning, 1925-40. In:
BARBER, John; HARRISON, Barb (org). The Soviet Defence Industry Complex
from Stalin to Khrushchev. New York: St Martin’s Press, 2000.
SIMONOV, Nikolai. New postwar branches (2): the nuclear industry. In: BARBER,
John; HARRISON, Barb (org). The Soviet Defence Industry Complex from
Stalin to Khrushchev. New York: St Martin’s Press, 2000b.
SIMONOV, Nikolai. The ‘war scare’ of 1927. In: BARBER, John; HARRISON,
Barb (org). The Soviet Defence Industry Complex from Stalin to Khrushchev.
New York: St Martin’s Press, 2000a.
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O Sistema Internacional na formação da Base Industrial de Defesa Soviética:
da Revolução à bomba de hidrogênio (1917-1953)
SONTAG, John P. “The Soviet War Scare of 1926-27.” The Russian Review, vol.
34, no. 1, 1975, pp. 66–77.
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O papel da Revolução Cubana nas revoluções
terceiro-mundistas durante a Guerra Fria: o
internacionalismo cubano em Angola e na
Nicarágua
RESUMO: Este artigo trata sobre o papel da Revolução Cubana para o Terceiro
Mundo, em especial para Angola e Nicarágua, no contexto da Guerra Fria. Cuba,
por meio da sua política externa - calcada no internacionalismo e, em certa medida,
na exportação da revolução - influenciou diversos países terceiro-mundistas em seus
processos revolucionários. Para tal, foram importantes o envio de cubanos para as
operações além-mar, bem como sua participação em treinamentos militares. Foi
dessa maneira que o Estado cubano, ainda que menor do que as Grandes Potências,
logrou influenciar a dinâmica da Guerra Fria, sendo importante para o tabuleiro
geopolítico da época e para o estabelecimento de zonas de influência.
PALAVRAS-CHAVE: Cuba; Revolução; Terceiro Mundo; Guerra Fria; Angola;
Nicarágua.
* Graduandos em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O papel da Revolução Cubana nas revoluções terceiro-mundistas durante a Guerra Fria:
o internacionalismo cubano em Angola e na Nicarágua
1 Introdução
O presente artigo visa a explicitar a considerável importância de Cuba
no contexto da Guerra Fria. A pequena ilha caribenha1, depois do seu processo de
Revolução - terminado em 1959 - logrou, por meio do internacionalismo e da sua
política externa revolucionária, influenciar as dinâmicas do confronto Leste-Oeste,
sendo peça importante para o estabelecimento de zonas de influência. Assim, este
texto busca evidenciar a capacidade cubana de ser um Estado solidário em termos
internacionalistas, capaz de aliar discurso à prática na consecução do objetivo de
fortalecer processos revolucionários no Terceiro Mundo.
O artigo está divido em três seções, além da introdução e da conclusão.
Na primeira, faz-se uma contextualização histórico-teórica acerca da Revolução
Cubana em si, com especial atenção para o conceito de internacionalismo e seu
impacto no Sistema Internacional, de maneira geral, e para a influência no confronto
Leste-Oeste, de maneira mais particular. Na seção seguinte, faz-se uma abordagem
mais prática da política externa e do internacionalismo cubano, descrevendo as
formas pelas quais Cuba projetou sua política externa revolucionária para os países
terceiro-mundistas, desde o envio de técnicos e profissionais até a atuação militar
direta na África, na Ásia e na América Latina. Por fim, na terceira seção, têm-se
dois estudos de caso com relação à influência de Cuba: em Angola e na Nicarágua.
Tais casos são reflexos do impacto da ilha para além de suas fronteiras.
No contexto de Guerra Fria, a descolonização, bem como processos revolu-
cionários e conceitos como nacionalismo e internacionalismo, importam: nota-se
a transformação do Terceiro Mundo em um palco de importantes disputas não só
ideológicas, mas também estratégicas. Nesse sentido, a intensa aproximação entre
Cuba e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), principalmente
depois da aliança entre China e Estados Unidos da América (EUA) em 1971, é
importante para o equilíbrio de forças. O eixo Havana-Moscou passou, então (na
década de 1970), a apoiar mais fortemente as revoluções terceiro-mundistas, em
um contrabalanço ao eixo Washington-Pequim. Nesse cenário, o papel de Cuba e
1 Azicri (1988, p. 233) destaca a localização estratégica da ilha, a qual considera “central para o seu desenvolvi-
mento histórico”. Nesse sentido, destaca-se a proximidade ao Mar do Caribe, ao Golfo do México, ao Atlântico,
ao Canal do Panamá, ao México e aos Estados Unidos.
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REVISTA PERSPECTIVA
2 Crença e doutrina que serviu como base ideológica para a expansão do território dos Estados Unidos para além
de suas fronteiras originais, influenciando, inclusive, a projeção de poder norte-americana nas ilhas caribenhas.
3 Emenda adotada pelo Congresso estadunidense e que estava presente na Constituição Cubana de 1901. Em
sua principal atribuição, a Emenda Platt permitia intervenção militar direta a qualquer momento que o interesse
norte-americano fosse ameaçado (PEREIRA, 2013). Tal documento, de acordo com Kapcia (2010, p. 15),
formalizava o status cubano enquanto um “protetorado” ou “nova colônia”.
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o internacionalismo cubano em Angola e na Nicarágua
formal dos EUA, fez com que Cuba sentisse amargamente as crises econômicas
dos anos 1920, deixando 25% da população em situação de desamparo e, em
1933, diminuindo pela metade a produção nacional de açúcar (PEREIRA, 2013).
A situação precária fez surgir movimentos revolucionários em Cuba, que foram
respondidos com o aumento da repressão do governo pró-EUA e com o surgimento
de figuras autoritárias como Fulgencio Batista. Pode-se afirmar que, sem a atuação
direta e agressiva dos EUA, a Revolução Cubana não teria obtido substrato na
sociedade para atuação.
A Revolução Cubana, mesmo com todas as forças contrárias que tentaram
desestabilizá-la, é um projeto revolucionário bastante singular, que dura quase 60
anos. Entre os processos históricos que conduziram a essa revolução, Kapcia (2010)
destaca a combinação de dois: o colonialismo prolongado a que Cuba foi submetida
até 1898; e o neocolonialismo que se seguiu a partir de então - por parte da Espanha
e dos EUA, sucessivamente. Ao longo do processo revolucionário que objetivava
a queda do regime de Batista, Kapcia (2010) destaca três fatores importantes: o
surgimento de Fidel Castro como principal líder da oposição; o desenvolvimento
de um compromisso com a revolução social e com o anti-imperialismo, principal-
mente em função das guerrilhas na Sierra Maestra; e o enfraquecimento do regime
de Batista em função tanto da sobrevivência e do sucesso das guerrilhas quanto da
forte repressão do regime da situação.
Cabe, também, ressaltar que o processo revolucionário vitorioso está
inserido em um contexto de revoluções de libertação nacional no Terceiro Mundo.
De acordo com Hobsbawm (1990), a nação é qualquer grupo de pessoas suficien-
temente grande cujos membros se consideram como parte de uma nação. Nesse
sentido, o autor conceitua o fenômeno do nacionalismo a partir da obra de Ernest
Gellner (1983), segundo o qual o nacionalismo é o princípio que sustenta que a
unidade política e nacional deve ser congruente. Além disso, há um sentimento de
pertencimento, que faz com que o nacionalismo preceda à nação. A partir disso,
pode-se analisar os impactos da Revolução Cubana na construção e consolidação
do nacionalismo cubano, considerando o ambiente pré-revolucionário, no qual
surgem as primeiras formas de nacionalismo em Cuba.
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4 Povo indígena que habitava a maior parte de Cuba durante o século XVI.
5 Ex-escravos e seus filhos.
6 Nas palavras de Antonio Saco: “A nacionalidade cubana sobre a qual falei, e a única nacionalidade que deveria
preocupar todos os homens sensíveis, é aquela formada pela raça branca” (GOTT, 2006, p. 72).
7 Em relação ao pensamento martiano, convém destacar que, embora influenciado pelo pensamento de Bolí-
var acerca da importância de uma união dos povos colonizados como meio de garantir seu equilíbrio com as
nações europeias, o “insuficiente desenvolvimento das forças revolucionárias na Ásia, África e América Latina”
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(SERRACINO, 2015, p. 25, tradução nossa), levou Martí a defender a união das ilhas caribenhas, aliadas a alguma
potência europeia, como forma de influenciar o equilíbrio internacional. Esta visão acerca da importância de
balancear as relações exteriores do país se relaciona a importância da autonomia para a política externa cubana,
conforme veremos na sequência
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com os EUA. Assim, enquanto em março de 1959 Castro, então primeiro ministro,
deu as boas vindas ao capital estrangeiro, a viagem feita poucos meses depois aos
EUA, inicialmente para buscar fundos, tornou-se um momento decisivo:
¿Podrían sus líderes llevar a cabo una revolución auténtica y radical con el
apoyo de la United Fruit Company, la Coca-Cola, el Chase Mahnattan
Bank o la Standard Oil? ¿Aceptaría Fidel Castro la austeridad económica
que predicaba el Fondo Monetario Internacional (FMI), abrazaría a Richard
Nixon, vicepresidente de Estados Unidos, y proclamaría la amistad entre
Estados Unidos y Cuba ante las puertas de la base naval de Guantánamo?
Durante el viaje a Estados Unidos dijo a su gabinete económico que no
debían pedir ayuda extranjera a altos funcionarios del gobierno estadouni-
dense, el Banco Mundial, o el FMI (...) (DOMÍNGUEZ, 1998, p. 186)
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(CASTRO, 1960). Cabe lembrar que Kruschev, poucos meses antes, havia decla-
rado que os mísseis soviéticos estavam dispostos a defender Cuba - sinalizando
uma cooperação militar que levaria, dentre outras coisas, a Crise dos Mísseis de
19628. A revolução tomava seus rumos enquanto Castro condenava a “exploração
do homem pelo homem e a exploração dos países subdesenvolvidos pelo capital
financeiro imperialista.” (CASTRO, 1960, tradução nossa), afirmando que manteria
as relações com os países socialistas - e em janeiro de 1961, as relações entre EUA
e Cuba seriam oficialmente rompidas.
É preciso considerar que a atuação do Estado revolucionário cubano no
Sistema Internacional ocorreu em várias esferas. A primeira - e mais básica - delas é
o fato de sua própria sobrevivência ser um importante acontecimento internacional.
Nos cinquenta anos anteriores à tomada de Havana pelos revolucionários, Cuba
não somente era uma aliada dos Estados Unidos, mas completamente dependente
da atuação da nação norte-americana. Ter uma anomalia ao seu modelo tão perto
de sua própria casa serviu (e ainda serve) como ameaça aos ideais estadunidenses
e, consequentemente, como uma limitação ao poder americano. Sua simples
existência serviu para diminuir a projeção da potência na região do Caribe e da
América Central, permitindo que surgissem outras insurreições à dominação norte-
-americana, desgastando, assim, o governo dos Estados Unidos (VISENTINI, 2013).
A imagem simbólica de Estado revolucionário fora uma das mais impor-
tantes contribuições de Fidel para o Terceiro Mundo. Surgindo em um vácuo de
atuação da maior potência socialista e em um momento de heterogeneidade no
bloco socialista, aquilo que Westad (2007) chamou de divisão sino-soviética, Cuba
conseguiu projetar-se como um modelo desse novo movimento. Utilizando-se de
sua transformação social interna, o discurso cubano alicerçava-se na necessidade
de uma “real independência” da atuação imperialista, conquistada por meio de um
fortalecimento da soberania dos Estados menores. A tese caribenha, especialmente
para a América Latina, era de que o Terceiro Mundo deveria tomar uma postura de
não alinhamento e de neutralidade frente às grandes potências (PEREIRA, 2013).
8 Conforme destaca Domínguez, Castro, mesmo pesando o crescente isolamento cubano, reconheceria que a
atuação da URSS fora a que, naquele momento, havia salvo seu governo (DOMÍNGUEZ, 1998). Ademais, a
relação com a URSS proporcionará a Cuba a proteção militar e uma considerável capacidade militar, diminuindo
a pressão estadunidense, auxílio econômico e, como lembra Silva, “a possibilidade de apoiar materialmente os
movimentos revolucionários no Terceiro Mundo.” (SILVA, 2012, p. 77).
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9 Dentre os participantes estavam protagonistas de vários movimentos de libertação nacional, como Fidel Castro,
Salvador Allende e Amílcar Cabral. Sua realização ter sido feita em Havana corrobora com a perspectiva de que
Cuba pretendia fortalecer o Movimento dos Não Alinhados e, consecutivamente, projetar seu modelo de revolução.
10 “¡Cómo podríamos mirar el futuro de luminoso y cercano, si dos, tres, muchos Vietnam florecieran en la
superficie del globo, con su cuota de muerte y sus tragedias inmensas, con su heroísmo cotidiano, con sus golpes
repetidos al imperialismo, con la obligación que entraña para este de dispersar sus fuerzas, bajo el embate del
odio creciente de los pueblos del mundo!” (GUEVARA, 1967).
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11 “Aplastando la Revolución Cubana, creen disipar el miedo que los atormenta, el fantasma de la revolución
que los amenaza. Liquidando a la Revolución Cubana, creen liquidar el espíritu revolucionario de los pueblos.
Pretenden, en su delirio, que Cuba es exportadora de revoluciones. En sus mentes de negociantes y usureros
insomnes cabe la idea de que las revoluciones se pueden comprar o vender, alquilar, prestar, exportar o importar
como una mercancía más. (...) Pero el desarrollo de la historia, la marcha ascendente de la humanidad, no se
detiene ni puede detenerse. (...) Las condiciones subjetivas de cada país — es decir, el factor conciencia,
organización, dirección — pueden acelerar o retrasar la revolución según su mayor o menor grado de
desarrollo; pero tarde o temprano, en cada época histórica, cuando las condiciones objetivas maduran, la conciencia
se adquiere, la organización se logra, la dirección surge y la revolución se produce.” (CASTRO, 1962, p. 9-10).
12 Nesse sentido, Hobsbawn aponta que, para além da própria ideologia social-revolucionária dos cubanos, as
atitudes dos Estados Unidos em razão de um anticomunismo apaixonado e em defesa de seus investimentos
inclinavam “os rebeldes latinos antiimperialistas a olhar Marx com mais bondade” (HOBSBAWN, 1985, p.
427 apud SILVA, 2012, p. 47).
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O papel da Revolução Cubana nas revoluções terceiro-mundistas durante a Guerra Fria:
o internacionalismo cubano em Angola e na Nicarágua
Nós somos uma pequena nação, não muito distante das costas da metrópole
do imperialismo. Nossas armas são eminentemente defensivas. Mas nossos
homens, de todo coração, nossos militantes revolucionários, nossos com-
batentes, estão dispostos a lutar contra os imperialistas em qualquer parte
do mundo. (CASTRO apud LANIC, 1966, p. XX, grifo nosso)
Essa nova identidade nacional - não mais aliada a uma grande potência,
mas sendo ela mesma o pivô de um movimento - trouxe o Estado revolucionário
para mais perto dos aliados latinos, colaborando para a superação do isolamento
imposto à ilha. Por outro lado, também permitia amenizar a pressão externa sobre
a população cubana. Nas palavras de um dos combatentes cubanos na Bolívia:
45
REVISTA PERSPECTIVA
13 De acordo com Halliday, as primeiras operações visando auxiliar ou fomentar focos guerrilheiros tiveram
início em 1962 e, nos anos seguintes, “Cuba estava de uma forma ou outra apoiando guerrilhas em quase todos
os países latino-americanos, exceto México.” (HALLIDAY, 1999, p. 120).
46
O papel da Revolução Cubana nas revoluções terceiro-mundistas durante a Guerra Fria:
o internacionalismo cubano em Angola e na Nicarágua
da ilha caribenha começou a tomar uma nova forma. Seu apoio moldou-se em
uma concepção, agora sim, terceiro-mundista; sua política de confrontamento
na América Latina tornou-se uma política de cooperação, com o fortalecimento
de discursos esquerdistas e de não alinhamento (PEREIRA, 2013), e seus olhos
abriram-se para as lutas da Ásia e da África. Seu apoio à descolonização africana
foi essencial para a vitória de movimentos revolucionários (principalmente de
Angola, Argélia e Etiópia), ao mesmo tempo em que fortaleceu seu vínculo com
países terceiro-mundistas. Seu envolvimento direto em Angola, principalmente,
foi inesperado para o bloco capitalista, suscitando uma vitória à ilha e ocasionando
um salto qualitativo na projeção da política externa cubana. Para comparação,
em 1965 400 soldados cubanos estavam atuando na África Central (GLEIJESES,
2003); já entre 1975 e 1990, Cuba enviou 300 mil soldados para missões além-
-mar, tendo constantemente 30 a 50 mil soldados atuando na África, na Ásia e na
América Latina (DOMÍNGUEZ, 2001).
A atividade da ilha caribenha na África começou já em 1962, apoiando
os movimentos de descolonização da Argélia. Oferecendo as “bases da cooperação
médica (civil) e militar com a Frente de Libertação Nacional (FLN) da Argélia”
(PEREIRA, 2013, p. XX), Cuba começava a alicerçar o seu apoio direto às revoluções
terceiro-mundistas. O envio de Guevara para Angola em 1964 demonstrou para o
mundo a preocupação de Cuba com os movimentos de descolonização. Conforme
a agressão estadunidense aumentava , mais a proeminência do internacionalismo
cubano expandia.
As maiores vitórias da política externa cubana vieram nos dez anos seguintes
ao surgimento do Estado revolucionário. A doutrina pragmática já demonstrada
nos anos anteriores continuou na década de 1970, com um comprometimento
maior com a questão africana. Duas grandes vitórias aconteceram neste momento
no continente: a defesa do governo de Agostinho Neto em Angola (a mais crítica
vitória cubana e com maior influência no Sistema Internacional) e o apoio ao
governo revolucionário Etíope. A atuação em Angola foi um marco para o inter-
nacionalismo cubano; quanto à Etiópia, a maior problemática esteve no fato de o
embate ter ocorrido não contra uma potência imperialista, mas contra um compa-
nheiro terceiro-mundista (Somália, que tinha ambições territoriais na região). O
47
REVISTA PERSPECTIVA
envolvimento cubano, que passou de 400 militares para 16 mil em 1978 (AZICRI,
1988), esteve pautado na contenção da ambição somali ao território etíope - o que
Fidel considerou como uma atitude marcadamente imperialista.
Por mais que seu lastro de atuação na África e na Ásia fosse maior do que
somente essas duas vitórias (contando com atuação no Zimbábue, na Namíbia e
outros), não só de vitórias militares caracterizou-se a política externa cubana do
período. De fato, uma nova esfera de atuação começou a se consolidar no período
e persistirá até mesmo após o período da Guerra Fria. Centro de expertise em
áreas acadêmicas, Cuba enviou milhares de especialistas nas mais diversas áreas
da sociedade para ajudarem na construção de uma África pós-revolucionária (em
saúde, educação, agricultura e construção civil, por exemplo) e cerca de 20 mil
civis voluntários para atuarem na região. O espírito internacionalista em muito
expandiu com essa medida; devido à vitória de uma pequena ilha caribenha em
duas das maiores guerras por procuração (proxys) da década e à uma interação
vis-à-vis com países terceiro-mundistas africanos, o laço cubano com o resto do
mundo estreitou-se e a revolução conseguiu um novo suspiro de incentivo e orgulho
(PEREIRA, 2013).
A atuação de Cuba, nos próximos anos, esteve mais focada no Movimento
dos Não Alinhados. Em 1979, Havana foi a sede do sexto encontro dos não
alinhados; entre 1979 e 1983, Fidel presidiu a organização, falando por ela nas
instituições mais diversas, fazendo inclusive discursos na ONU. Seu apoio técnico
e militar aos países em desenvolvimento persistiu, chegando a ter 50 mil cubanos
cumprindo missões mundo afora e 2 mil profissionais da área de saúde dando
suporte aos países do Terceiro Mundo (AZICRI, 1988). Na década de 1980, até
o final da Guerra Fria, o discurso Cubano absorveu as demandas do movimento,
defendendo, por exemplo, o não pagamento da dívida externa dos países latinos
como forma de promover o desenvolvimento. Sua atuação tornou-se mais moderada
e de cooperação.
No Caribe, a questão não era diferente. Vinte anos depois da Revolução
Cubana, em 1979, enfim outro país da região seguiu o modelo cubano de enfren-
tamento à atuação estadunidense. A revolução dos sandinistas depôs o ditador
Anastasio Somoza Debayle, pró Estados Unidos, e pôs fim à dinastia Somoza no
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O papel da Revolução Cubana nas revoluções terceiro-mundistas durante a Guerra Fria:
o internacionalismo cubano em Angola e na Nicarágua
4 Estudos de caso
O internacionalismo cubano não representou apenas um apoio aos países
socialistas; mais do que isso, representou um apoio aos países terceiro-mundistas.
Ao apoiar países que realizaram revoluções ou que estavam em processo de descolo-
nização, Cuba reforçava os laços latino-americanos com a África, promovia o ideal
revolucionário e fortificava uma alternativa às políticas das grandes potências. O
auxílio fornecido por Cuba superava não apenas em proporções, mas também em
valores absolutos, o apoio fornecido por países do Primeiro Mundo em assistência
humanitária ao Terceiro Mundo. Os 10 mil cooperantes cubanos, se comparados
aos salários da Organização das Nações Unidas, equivalem à toda ajuda da ONU
ao Terceiro Mundo durante os anos 1970 (MOREIRA & BISSIO, 1979).
A seguir, a atuação da Cuba em dois conflitos pivôs para o sua projeção
externa será analisada mais a fundo. Primeiro, será abordada a vitória na manutenção
do Estado revolucionário angolano, que simbolicamente representa quão longe a
pequena ilha caribenha conseguiu influenciar as relações internacionais da Guerra
Fria. Em seguida, tem-se uma análise mais próxima da realidade latino-americana:
sobre o apoio dado à revolução sandinista nicaraguense, que serviu como símbolo
14 O apoio dado por Cuba à Nicarágua consistiu, da mesma forma que a projeção para a América Latina no
início dos anos 1960, em uma política de defesa contra o “Estado que pretendia os destruir”. Para mais infor-
mação, ver Halliday (1999).
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REVISTA PERSPECTIVA
4.1 Angola
Em novembro de 1975, Cuba lançou a iniciativa militar contando com
36 mil soldados para combater a invasão de Angola pelo Zaire e pela África do
Sul. O apoio cubano, contudo, foi muito além da defesa militar; aliás, operações
como esta são exceção dentre as experiências da ilha. O internacionalismo cubano
é muitas vezes compreendido como apenas uma parte do campo soviético, porém
é preciso diferenciar o campo socialista das políticas de Cuba, sendo possível
afirmar que os esforços cubanos no final dos anos 1980 eram uma tentativa de
combater o reformismo de Gorbatchev. Apesar dos objetivos iniciais da operação
cubana não incluirem um engajamento tão grande como se demonstrou com os
anos, a necessidade de constante envio de novos reforços para manter a segurança
das operações resultou em uma escalada sem precedentes (GEORGE, 2005). A
esfera militar do internacionalismo cubano representou apenas uma face de todo
o auxílio prestado aos países africanos, e o compromisso com esse ideal permitiu a
Cuba ser o único país do Terceiro Mundo capaz de projetar uma influência exterior
tão grande durante a Guerra Fria (LOPEZ, 2002).
Mesmo depois de vencer a guerra de libertação nacional, o Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA) precisou lidar com duras oposições
internas e externas ao mesmo tempo em que reconstruía o Estado. Além de herdar
uma capacidade estatal reduzida do Estado colonial português, Angola precisou
lidar com um país arrasado pela guerra interna que continuava na luta armada
contra o Zaire e a África do Sul. O socialismo foi encontrado como a melhor alter-
nativa para fornecer bases ideológicas na construção de um Estado que oferecesse
um novo modelo de sociedade à população, contando com o apoio de Cuba para
reduzir as lacunas nos serviços públicos de saúde, educação, segurança, transporte
e construção civil (CASTELLANO, 2015).
A ajuda cubana pode ser dividida entre os militares e os cooperantes volun-
tários, que se caracterizavam pelo forte comprometimento com a causa. Os serviços
prestados pelos cooperantes cubanos envolviam a construção de edifícios e a
50
O papel da Revolução Cubana nas revoluções terceiro-mundistas durante a Guerra Fria:
o internacionalismo cubano em Angola e na Nicarágua
4.2 Nicarágua
Desde que foi controlada pelos americanos, em um longo processo de
exploração, até o sucesso da Revolução, a luta de libertação de Cuba sempre foi
contra o poderio dos EUA. Sendo assim, além do internacionalismo como prin-
cípio de atuação nas revoluções mundiais, o dever cubano contra a exploração
da Nicarágua representava um esforço em função da empatia por já ter sofrido
processo similar no passado.
Não se tem como objetivo, aqui, demonstrar a similaridade entre os casos
históricos de Cuba e da Nicarágua; contudo, é evidente que ambos contêm claras
semelhanças, principalmente um governo autoritário apoiado pelos Estados Unidos.
Essas semelhanças desencadearam o temor norte-americano de que ocorresse uma
repetição do êxito da Revolução Cubana. Enquanto isso, a revolução na Nicarágua,
ao obter sucesso em 1979, instaurou um sistema democrático, multipartidário, de
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REVISTA PERSPECTIVA
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O papel da Revolução Cubana nas revoluções terceiro-mundistas durante a Guerra Fria:
o internacionalismo cubano em Angola e na Nicarágua
5 Considerações finais
Uma vez consolidado o nacionalismo cubano durante o processo revolu-
cionário, ele passa a possuir um caráter internacionalista. Tal elemento aparece,
conforme visto, na busca por construir uma política externa de vanguarda ainda
nos primeiros anos de revolução. Pode-se inferir, nesse sentido, a importância que
o processo de coesão nacional teve no fortalecimento do Estado para que o mesmo
pudesse se projetar externamente no momento posterior à Revolução.Ainda assim,
mesmo o cubano mais otimista não poderia ter imaginado, na década de 1950,
que a pequena ilha caribenha obteria status e importância maiores do que muitos
Estados com maior poder econômico e militar. Nos 32 anos desde o triunfo da
Revolução Cubana - quando da tomada de Havana pelos revolucionários - até a
queda do regime soviético, Cuba projetou-se como uma liderança do Movimento
dos Não Alinhados, constituiu uma terceira via com objeções às duas potências
mundiais e foi catalisadora da independência de vários Estados antes sob domínio
imperialista ou ditatorial. Sua presença na América Latina, na África, na Ásia e
no Oriente Médio foi pautada em uma luta constante contra o colonialismo,
com intervenções militares ou técnicas em vários Estados revolucionários, sendo
destacado o seu papel em Angola e na Nicarágua.
A exportação da revolução não se resume a dar suporte técnico-militar aos
Estados em processo revolucionário, mas em fornecer apoio para a consolidação e a
fortificação dos Estados terceiro-mundistas. Não foi apenas por meio do socialismo
que Cuba revolucionou o Sistema Internacional, mas também por meio de suas
políticas de cooperação Sul-Sul, mostrando que além de uma alternativa a um sistema
econômico também existia uma alternativa a um sistema político internacional.
O maior legado do internacionalismo cubano, portanto, extrapola suas
intervenções. A vitória em Angola e a insubordinação frequente a qualquer tipo
de dependência trouxe seu espírito de resistência e transformação social como um
modelo de Estado revolucionário. É impossível pensar no Terceiro Mundo durante
a Guerra Fria e ignorar a atuação cubana, responsável por grandes alterações à
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REVISTA PERSPECTIVA
ABSTRACT: This article is about the role of the Cuban Revolution for the
Third World, especially for Angola and Nicaragua, in the context of the Cold
War. Cuba, through its foreign policy - based on internationalism and, in a
certain way, on the export of its own revolution - influenced several Third
World countries in their revolutionary process. For such, the exchange of
personnel for overseas mission, together with its participation in military
training, were of great importance. This were the means by which the Cuban
state, even if small compared to the Great Powers, managed to act upon the
dynamics of the Cold War, being of great importance for the geopolitical
board at the time and for the establishment of zones of influence
KEYWORDS: Cuba; Revolution; Third World; Cold War; Angola;
Nicaragua.
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O papel da Revolução Cubana nas revoluções terceiro-mundistas durante a Guerra Fria:
o internacionalismo cubano em Angola e na Nicarágua
Referências
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1988. 300 p. (Marxist Regimes Series)
_______. Cuban Foreign Policy and the International System. In: TULCHIN,
Joseph S.; ESPACH, Ralph H.. Latin America in the new International System.
Boulder: Lynne Rienner Publishers, 2001. Cap. 7. p. 183-206.
FERNÁNDEZ, Damian. Cuba: talking big, actin bigger. In: MORA, Frank; HEY,
Jeanne (eds). Latin American and Caribbean foreign policy. Boulder: Rowman
& Littelfiield, 2003.
GOTT, Richard. Cuba: uma nova Históría. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
55
REVISTA PERSPECTIVA
HALLIDAY, Fred. Revolution and World Politics. The rise and fall of the sixth
great power. Durham: Duke University Press, 1999.
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O papel da Revolução Cubana nas revoluções terceiro-mundistas durante a Guerra Fria:
o internacionalismo cubano em Angola e na Nicarágua
SILVA, Marcos Antonio da. Cuba e a eterna Guerra Fria: mudanças internas
e política exterior nos anos 90. Dourados: Ed. UFGD, 2012. Disponível em:
<http://200.129.209.183/arquivos/arquivos/78/EDITORA/catalogo/cuba-e-a-
-eterna-guerra-fria-mudancas-internas-e-politica-externa-nos-anos-90.pdf>. Acesso
em 02 dez. 2016.
WESTAD, Odd Arne. The Global Cold War: Third World Interventions and
the Making of Our Times. New York: Cambridge University Press, 2007. 496 p.
57
A Revolução Sandinista
* Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A Revolução Sandinista
1 Introdução
2 Antecedentes
Atualmente o maior país da América Central continental, com cerca de
5,6 milhões de habitantes, a Nicarágua foi, inicialmente, uma colônia hispânica,
de economia essencialmente agroexportadora – voltada sobretudo ao café – e que
passoupor um breve surto minerador (FERNANDÉZ, 2013).
Por volta do século XIX, vivenciando as diversas transformações que atingiam
o ambiente colonial hispânico, os nicaraguenses engendraram o seu processo de
independência, e atingiram sua autonomia em 1821, sendo o país inicialmente
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A Revolução Sandinista
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A Revolução Sandinista
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A Revolução Sandinista
aliança com o capital estrangeiro. O povo nicaraguense foi a esfera mais afetada,
dado que o país atravessava uma crise econômica e social de grande envergadura,
evidenciada pelo alto nível de pobreza e de analfabetismo dominante entre a
população (FERNANDÉZ,2013).
Desse modo, em meio ao descontentamento generalizado de cidadãos dos
mais diversos setores dá-se o declínio definitivo da ditadura. O estopim para o fim
do regime dos Somoza foi o terremoto que afetou Manágua, em dezembro de 1972.
Esse desastre natural afetou o país de forma avassaladora, visto que pelo menos
70% dos prédios da capital ruíram e uma grande porcentagem da população foi
atingida. O terremoto atraiu os olhos do mundo para o país e foi oferecida ajuda
internacional para a reconstrução, fato que foi visto como uma oportunidade,
pela família Somoza, para um maior enriquecimento, ao mesmo tempo em que
poderiam recuperar o poder enfraquecido. Tendo em consideração os objetivos dos
Somoza, Anastasio nomeou-se presidente do Comitê Nacional de Emergência; desse
modo, os Somoza puderam tirar proveito da situação, comercializando as doações
recebidas, realizando especulação financeira e obtendo créditos altos e contratos
fraudulentos para a restauração do país (FERNANDÉZ,2013).
Se fez evidente, no âmbito internacional, a corrupção e as desigualdades
sociais nas quais estava submergida a Nicarágua. Como se não bastasse, outro fator
determinante para a queda de Anastasio Somoza foi a tensão política que culminou
no assassinato de Pedro Joaquín Chamorro, em janeiro de 1978. Chamorro era
um conhecidojornalista de oposição e pertencia à elite tradicional nicaraguense;
assim, o crime exacerbou os ânimos e acelerou o processo de insurreição. Nesse
contexto, quanto mais se debilitava o regime dos Somoza, maior poder passava
a adquirir a Frente Sandinista de Libertação Nacional. No decorrer de 1978, a
FSLN organizava insurreições, tanto rurais quanto urbanas, que minguavam o já
escasso poder somozista.
Um ato mais notável que debilitou ainda mais o regime foi a tomada do
Palácio Nacional por 25 homens da FSLN pertencentes àchamada tendência
terceirista, em agosto de 1978. Foram tomados reféns os membros da Assembleia
Legislativa, liberados apenas mediante pagamento prévio do resgate, feito por
Somoza. Tal ação fez com que os EUA percebessem que não se tratava mais de
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A Revolução Sandinista
foi de vital importância para resistir aos ataques exercidos pelos Contra. Assim, é
válido ressaltar o papel de grande parte das repúblicas latino-americanas ao formar
o Grupo da Contadora, como um meio de apoio ao fim da agressão contra Nica-
rágua (PEREIRA, 2013 apud VISENTINI, 2013).
A revolução chega ao fim com o triunfo, nas eleições de 1990, da União
Nacional Opositora,coalização liderada por Violeta Chamorro que reunia grupos
de extrema direita e conservadores que contavam com o apoio dos EUA. Deve-se
levar em consideração, contudo, que o triunfo não demonstrava uma atitude
contrária ao regime sandinista, mas refletia o desejo da população de pôr fim à
guerra contínua entre sandinistas e Contras.
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Referências
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A Revolução Sandinista
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A Revolução Iraniana: Rupturas e
Continuidades na Política Externa do Irã
* Graduandos em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A Revolução Iraniana: Rupturas e Continuidades na Política Externa do Irã
1 Introdução
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REVISTA PERSPECTIVA
defesa, no qual participavam os seis países árabes da região – Bahrein, Kuwait, Catar,
Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Omã. Entretanto, Teerã procurou exportar
a revolução para esses países por meio do exemplo, e não pelaforça. Primeiramente,
devido ao conflito com o Iraque, onde o governo iraniano depositava sua atenção.
E, também, devido à proteção que esses países recebiam do Ocidente. Além das
tensões pela questão das populações xiitas, o que mais desagradava a Teerã era o
apoio financeiro e logístico fornecido por esses países ao Iraque durante o conflito
(ZAHAR, 1991, p. 190-195).
A visão de Khomeini no que tange a política internacional de seu regime
islâmico foi consistente. Segundo ele, os Estados seriam feudos de déspotas corruptos
e opressores, considerando que a opressão interna contra as populações nacionais
se reproduz entre os Estados: os tiranos internacionais, ou seja, as superpotências
(ZAHAR, 1991, p. 166-167). Nesse sentido, outro aspecto fundamental da política
externa iraniana pós-1979 é o não alinhamento. De uma perspectiva islâmica, isso
somente seria possível se uma pessoa for subserviente apenas a Deus e a nenhum
outro poder na Terra. Do ponto de vista iraniano, o não alinhamento era moti-
vado por meio de uma política “nem Leste nem Oeste”, promovendo autonomia
e capacidade política e econômica independente (PHILIP, 1994, p. 123). Em
mensagem aos peregrinos à Meca no ano de 1980, Khomeini pregava:
Neutral countries, I call upon you to witness that America plans to destroy
us, all of us. Come to your senses and help us achieve our common goal.
We have turned our backs on the East and the West, on the Soviet Union
and America, in order to run our country ourselves. Do we therefore deserve
to be attacked by the East and the West? The position we have attained
is an historical exception, given the present conditions in the world, but
our goal will certainly not be lost if we are to die, martyred and defeated
(WESTAD, 2007, p. 296).
78
A Revolução Iraniana: Rupturas e Continuidades na Política Externa do Irã
79
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2 O comércio entre Iraque e Estados Unidos cresceu em um bilhão de dólares entre 1981 e 1984 (ZAHAR,
1991, p. 197).
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A Revolução Iraniana: Rupturas e Continuidades na Política Externa do Irã
4 Rupsturas e Continuidades
A partir da análise das políticas externas da monarquia Pahlavi e do regime
após a Revolução Islâmica, fica evidente a inflexão no comportamento adotado
pelo país no cenário internacional. Se sob o governo do Xá as relações externas do
Irã eram pautadas por um alinhamento com os países Ocidentais e principalmente
com os Estados Unidos, pelo respeito àsorganizações internacionais e ao direito
internacional, assim como pelo estabelecimento de relações cordiais com todos os
países, independentemente do seu sistema econômico e social, sob o regime islâmico
a política externa tinha como princípios básicos o não-alinhamento e a manutenção
da independência e soberania nacional. Philip (1994), aponta na direção de uma
condução das relações internacionais do Irã centralizada nos governos, em que a
opinião popular possui mínima influência na tomada de decisões que os afetam
diretamente. Entretanto, a Revolução devolveu à nação o seu cerne religioso que
havia se perdido durante o período monárquico, e isso, por sua vez, promoveu a
saída do materialismo como principal motor da formulação política. Nesse sentido,
apesar das claras rupturas nos princípios de condução do país entre os dois regimes,
podemos traçar algumas linhas de continuidade entre eles.
As relações iranianas com seu entorno regional nos períodos anterior e
posterior à revolução mantêm certo grau de congruência nos seus objetivos, diferindo
somente no método. Ambos os regimes compartilhavam uma mútua percepção do
papel que o Irã deveria desempenhar no Golfo, qual seja, sua supremacia perante
os demais Estados. Por um lado, o Xá procurou fortalecer as forças armadas do
país, transformando-as numa das cinco maiores forças do mundo em termos
convencionais, com o intuito de criar ordem e liderança regional em seu entorno;
por outro, Khomeini procurou concentrar seus esforços na exportação da revolução
islâmica a fim de fortalecer sua posição como liderança espiritual e ideológica na
região.Nesse sentido, a expansão lógica e natural do regime seria o Iraque, que
reunia algumas condições favoráveis para a realização projeto, uma vez que possuía
81
REVISTA PERSPECTIVA
a maior população xiita fora do Irã, continuidade geográfica e uma ampla interação
histórica e cultural com o país. Entretanto, com o reconhecimento da Resolução
598, o objetivo revisionista de remodelar o Golfo Pérsico com base nas diretrizes
islâmicas é completamente revisto para o reequilíbrio regional estabelecido pelo
Xá ao longo dos anos 1970, a partir da normalização do relacionamento de Teerã
com os demais países do Oriente Médio (PHILIP, 1994, p. 126; ZAHAR, 1991,
p. 174).
O relacionamento iraniano com as superpotências apresentou grandes traços
de ruptura entre a política externa anterior e posterior a 1979. Nesse sentido, para
os Estados Unidos a revolução islâmica demonstrou que o comunismo não era
a única ideologia a confrontar o poder norte-americano; além disso, ela cortou a
antiga aliança entre a monarquia de Pahlavi e os EUA, sustentada desde a queda
de Mossadegh em 1954 - Teerã promovia, agora, posições anti-imperialistas. Para
os soviéticos, a vitória de Khomeini evidenciou que a teoria marxista para as revo-
luções do Terceiro Mundo não bastaria para todos os levantes, e a reação clerical
seria uma alternativa à teoria do imperialismo predatório. Além disso, a intenção
do aiatolá, por meio de seu Islã integrista, de espraiar a revolução, causou temores
em Moscou, pois a religiosidade intrínseca ao movimento iraniano apresentava
uma nova dimensão às ideologias esquerdistas e anti-imperialistas difundidas até
então no Terceiro Mundo (WESTAD, 2007, p. 299; PHILIP, 1994, p. 118).
O relacionamento bilateral com os Estados Unidos foi, sem dúvida, uma
grande inflexão entre os dois regimes. Se durante o regime Pahlavi o Irã foi conver-
tido em um mercado cativo às exportações militares estadunidenses e as reformas
socioeconômicas do Xá eram baseadas no american way of life, privilegiando o
consumo de massas, o aiatolá Khomeini via nos norte-americanos um de seus três
maiores inimigos (compunham ainda a lista Reza Pahlavi e Saddam Hussein).
5 Considerações finais
Analisando os principais eixos da política externa do Irã nos períodos pré
e pós-Revolução Islâmica, pode-se verificar que os constrangimentos geográficos
da região e o papel geopolítico do petróleo se mantiveram como elementos
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A Revolução Iraniana: Rupturas e Continuidades na Política Externa do Irã
Referências
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REVISTA PERSPECTIVA
PHILIP, G. Philip. The Islamic revolution in Iran: its impact on foreign policy.
In. CHAN, Stephen (Org.). Renegade States: The Evolution of Revolutionary
Foreign Policy. Manchester University Press: Manchester, 1994. Cap. 7, p. 117-137.
WESTAD, Odd Arne. The Global Cold War. Cambridge University Press: New
York, 2007.
84
A Revolução Baath no Iraque e na Síria: o que mudou?
* Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
REVISTA PERSPECTIVA
1 Introdução
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A Revolução Baath no Iraque e na Síria: o que mudou?
2 Iraque
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A Revolução Baath no Iraque e na Síria: o que mudou?
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REVISTA PERSPECTIVA
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A Revolução Baath no Iraque e na Síria: o que mudou?
do Estado que a Saddam interessava agradar, para sustentar desde já sua futura
subida ao poder:
O baath só pôde permanecer no poder no Iraque através da criação de uma
estrutura de coerção e controle composta por um grupo de cerca de meio
milhão de membros, uma estrutura apertada de quadros e ativistas partidários
e uma organização política que atendia mais ao partido do que ao Estado. A
este respeito, o Partido Baath tem aspirado tornar-se O Estado. Além disso, o
partido penetrou todos os principais setores civis da sociedade iraquiana - os
sindicatos, a função pública, as instituições educacionais e as organizações
profissionais. Mas talvez a chave para a manutenção do poder do baathseja
o exército iraquiano. O primeiro regime baathista, em 1963, falhou após
somente nove meses predominantemente por causa da retirada do apoio
do exército. Assim, a prioridade central do segundo regime baathistae,
particularmente, de Saddam Hussein, desde que se tornou líder em 1979,
foi manter a lealdade dos militares. Isso foi feito por meio de uma mistura
de coerção e incentivo. O suborno era um instrumento - o exército recebia
grandes recursos, tanto em termos de equipamento quanto em termos de
um padrão pessoal de vida. Um incentivo mais positivo era proporcionado
pelas oportunidades para os oficiais militares se tornarem empreendedores
em uma ampla gama de atividades produtivas nos setores público e privado
(MATTHEWS, 1993, p.37, tradução nossa).
91
REVISTA PERSPECTIVA
de seu país e do desgaste civil pelo qual foram obrigados a passar em nome da
busca de seu líder por poder. Esse fator foi de grande importância para a perda de
apoio de grande parte da população pelo governo baath, principalmente depois
da Segunda Guerra do Golfo.
3 Síria
92
A Revolução Baath no Iraque e na Síria: o que mudou?
desejava instaurar uma assembleia constituinte ao final do ano; porém, uma semana
depois, o último golpe foi dado e o Coronel Adib Shishakli subiu ao poder. Ele
governaria até 1954, em umregime que seria de fato um regime ditatorial extre-
mamente repressivo (ERLICH, 2014).
Shishakli reestruturou o exército de maneira a torná-lo quase cinco vezes
maior do que aquele que o último presidente eleito havia composto. Estando em
um contexto de ditadura, essa estrutura militar não servia somente para proteção
contra investidas externas, mas era destinada também ao controle interno da
população, proibindo, dessa forma, protestos contra o governo. Surge então uma
oposição baathista. Com a união dos líderes do Partido Baath e Akram Hourani
foi fundado o Partido Árabe Socialista Baath. O partido tinha cunho secular, com
o intuito de fazer a política sem ligação religiosa, emcontrapartida ao que a elite
proprietária fazia. Inicialmente, era formado em um regime republicano reformista
e entrava em conflito com as monarquias árabes a as potências externas que impe-
diam a modernização da Síria (VISENTINI, 2014).
Em 1954, Adib Shishakli foi deposto e no mesmo ano o parlamento foi
reorganizado. A partir daí, até 1958, observa-se uma grande atuação da ideologia
Baath no cenário político sírio em parceria com o Partido Comunista, no intuito
de enfraquecer os partidos conservadores. Um desalinhamento entre os partidos,
porém, fez com que o Partido Baath aprovasse o projeto de lei de união com o
Egito, formando a RAU. “O Baath foi importante tanto no movimento que levou
à formação da República Árabe Unida em 1958, quanto em sua divisão em 1961”
(HOURANI, 2001 p. 285). A principal diferença entre os dois momentos éque
em 1954, o partido não acha espaço para se posicionar na política síria, e em
1961, com a ajuda da corrente esquerdista baathista, tira a Síria da União, e pode
impulsionar o programa do partido, baseado no desenvolvimento econômico e
social e na modernização (VISENTINI, 2014;MCHUGO, 2015).
Segundo McHugo (2015), apesar de o fim da República Árabe Unida ter
levado àantiga forma parlamentarista de governo na Síria, e de os notáveis que
governavam o país tentarem retomar essa antiga ordem, o golpe militar de 1963
foi a “sentença de morte” do ancient régimegovernado pelas tradicionais famílias
notáveis sunitas, demonstrando que, apesar de o Partido Baath ter abdicado de
93
REVISTA PERSPECTIVA
sua importância política durante a RAU, essa premissa já não se aplicava mais e
eles estavam prontos para lutar pelo governo.
94
A Revolução Baath no Iraque e na Síria: o que mudou?
95
REVISTA PERSPECTIVA
4 Conclusão
96
A Revolução Baath no Iraque e na Síria: o que mudou?
ABSTRACT: This article intends to study the revolutions of the Baath Party
in the states of Iraq and Syria in the years of 1968 and 1963, respectively,
since they present ideology as a point of inflection for the governments in
most of the Middle East. The new ideology, however, only achievedsig-
nificantpopularity in these two countries. The article will analyze if these
revolutions followed the three principles of Baathism. The article is divided
into four chapters: an introduction, with Baathist concepts, two parts of
development, one for each State, and a conclusion.
KEYWORDS: Baath; Iraq; Syria; Revolution; Middle East.
Referências
GLOBAL SECURITY. 1963 – 1968: Arif. Modificado por último em: 09 julho
2011. Disponível em: <http://www.globalsecurity.org/military/world/iraq/history-
-republic-2.htm> Acesso em: 10 novembro 2016.
97
REVISTA PERSPECTIVA
HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001.
98
A Revolução Baath no Iraque e na Síria: o que mudou?
TRIPP, Charles. A Historyof Iraq. 3. ed. New York: Cambridge University Press,
2007. 357 p. (TRIPP, 2007)
TSCHIRGI, Dan. The Arab World Today. Boulder: LynneRienner Press, 1994.
(TSCHIRGI, 1994)
99
A Revolução Cultural e Popular na Líbia
de 1973
* Graduandos em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A Revolução Cultural e Popular na Líbia de 1973
1 Introdução
O esforço de elaboração deste artigo tem como motivação basilar a falta de
obras, artigos científicos e estudos dedicados à temática das revoluções em geral e,
mais especificamente, da Revolução Cultural e Popular levada a cabo por Gaddafi
na Líbia a partir dos anos 1970. Ademais, com o advento da chamada Primavera
Árabe em 2011, e o sabido desconhecimento ocidental da história, realidade e
verdade dos fatos em países africanos, tal qual a Líbia, busca-se elucidar alguns
pontos importantes desse país e de seu antigo líder, uma vez que a veiculação
midiática do acontecimento pouco detalha ou se preocupa em noticiar a situação
do país a partir de um arcabouço bem fundamentado e embasado da história e da
evolução do Estado líbio.
Dessa forma, organizamos este trabalho em três seções distintas. A primeira
delas tem como meta a realização de uma retomada histórico-descritiva, de forma
a destacar e trazer à tona aspectos-chave para melhor entendermos os elementos
essenciais que vieram a influenciar a ascensão de Gaddafi e a formação de sua
ideologia. Depois, na segunda seção, discorremos sobre o cerne da análise deste
trabalho: a revolução posta em prática pelo líder líbio a partir da década de 1970,
esclarecendo suas principais causas, características, constrangimentos, desenvol-
vimentos, instrumentos e consequências, desde o golpe militar de 1969 até a
implantação da Jamahiriyya - “estado das massas”. Por fim, realizamos um diag-
nóstico crítico da Revolução Líbia, destacando aspectos teóricos e salientando as
mudanças fundamentais que ocorreram no período estudado.
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A Revolução Cultural e Popular na Líbia de 1973
6 para 9 anos, além de serem construídas mais escolas e contratados mais profes-
sores. É de notável importância o impacto positivo das mudanças na educação
sobre as mulheres jovens líbias, as quais começaram a frequentar o Ensino Superior
e asuperar o analfabetismo. Além disso, foi abolida a poligamia, a idade mínima
para contrair matrimônio foi revista e foi criado o Departamento de Assuntos da
Mulher. A área de saúde pública foi elevada a direito, devendo seu provimento ser
gratuito. Os investimentos e o número de profissionais da saúde também aumen-
taram. Por fim, no campo da moradia, foi criada uma lei que permitia e garantia a
posse de um imóvel por família, bem como foi implementada a redistribuição de
terras. No entanto, alguns aspectos negativos dessas mudanças abruptas trazidas
pela Revolução devem ser levantados, como: a sobrecarga de atribuições para o
Estado, dada a eliminação do setor privado no país; a obrigatoriedade do serviço
militar, que reduzia a disponibilidade de mão de obra jovem; e o aumento da
oposição dentro de setores da classe média líbia, devido à radicalização das reformas
(OAKES, 2011).
Além do Programa de Cinco Pontos, da Terceira Teoria Universal e da
formação dos Comitês Populares, a Revolução de Gaddafi foi sustentada e instru-
mentalizada pelas ideias contidas no seu famoso Livro Verde, publicado em 1975,
que reunia os principais aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais e religiosos
pensados pelo líder militar, como as noções de “democracia direta” e de “governo
do povo”. Após quatro anos de intensas transformações sociais, a evolução desse
novo sistema proposto foi finalmente consolidada em 1977, com a proclamação da
Jamahiriyya Árabe Popular Socialista da Líbia, o “estado das massas”, constituindo
o poder da população e o fim de qualquer forma de instituição convencional de
governo. O líder acreditava que a proclamação da Jamahiriyya seria a única forma
de alcançar uma verdadeira democracia popular, em que o povo seria governado
pelo próprio povo. (SPOHR ET AL., 2011; SHILLINGTON, 2004).
Contudo, segundo Shillington,
“na prática, o exercício da democracia popular, pelo menos nas áreas
mais complexas do governo, foi limitado pela necessidade de orientação e
tomada de decisão esclarecida de uma liderança [específica], que permane-
cia efetivamente no poder, mesmo com a mudança de títulos e funções”
(SHILLINGTON, 2004, p.836).
109
REVISTA PERSPECTIVA
110
A Revolução Cultural e Popular na Líbia de 1973
para o sistema bipolar, de modo a alimentar sua corrida armamentista, dar motivos
para a competição entre URSS e EUA, além de significar uma ameaça à estabi-
lidade interna de outros países. Muito dessa visão se verifica no fato de Gaddafi
ter rompido com os Estados Unidos quando do Golpe Militar em 1969, e ter se
aproximado da URSS, a qual forneceu assistência ao país africano por bastante
tempo e em diversos setores. Dessa forma, um importante ponto de influência
para o Bloco Soviético se forjava e se solidificava na região do Mediterrâneo Sul,
somando países como Egito e Líbia. Ademais, a Revolução e as reformas na Líbia
também puderam ser percebidas como exemplo a ser seguido para outras nações
árabes, do mesmo modo como Gaddafi se inspirou em Nasser para sua Revolução.
Ao se aliar de modo mais visível aos soviéticos, a Líbia transpareceu a ideia do
encorajamento revolucionário, uma vez que o fornecimento de sustentação política,
o encorajamento ideológico, a força do exemplo e, principalmente, o fornecimento
de armas e tecnologia se configuraram como fatos dentro da Revolução Líbia,
inserida no contexto de Guerra Fria (HALLIDAY, 1994).
Internamente, Gaddafi adotou medidas mimetizadas às de Nasser, demons-
trando o quanto a influência internacional pode chegar em outros líderes e influenciar
outrospaíses, por meio de ideologias e de modelos a serem seguidos. Tudo isso,
vale ressaltar, permitido e/ou apoiado, principalmente, por uma estrutura interna
de pouca ou quase nula atenção e dedicação civil ao processo político, uma vez
que a sociedade líbia se constituía analfabeta e essencialmente preocupada com sua
subsistência. Para corroborar tal posicionamento, pode-se citar a ideia geral de que
em países onde a situação é de preocupação prima com a sobrevivência e o forneci-
mento de necessidades básicas de bem estar, não sobra espaço ou inclinação para se
pensar e se reivindicar direitos políticos e sociais maiores e mais “desenvolvidos”. Em
uma sequência do desenvolvimento humano, o desenvolvimento socioeconômico
aumenta os recursos econômicos e cognitivos, o que por sua vez torna as pessoas
“material, intelectual e socialmente independentes” (INGLEHART; WELZEL,
2005, p. 19). Assim, após a consolidação da segurança existencial, as pessoas podem
buscar metas que até então não eram priorizadas, adquirem novas preocupações na
medida em que as necessidades básicas já estão satisfeitas. Os chamados “valores de
autoexpressão” propagam-se para diversas dimensões da vida, como papéis de gênero,
111
REVISTA PERSPECTIVA
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A Revolução Cultural e Popular na Líbia de 1973
5 Conclusão
A evolução histórica recente da Líbia, desde o Rei Idris até a Revolução
que levou Gaddafi ao poder, demonstrou as diferentes fases de desenvolvimento
interno e de posicionamento em política internacional pelas quais passou o país.
De subdesenvolvimento, extrema desigualdade social, falta de unidade e de um
projeto de desenvolvimento nacional e alinhamento aos EUA e ao Ocidente em
geral durante o período monárquico, passou-se para a busca do desenvolvimento
nacional sob a ditadura de Gaddafi, a participação civil na política interna e
externa, e para o posicionamento não alinhado a potência alguma, embora bastante
próximo da URSS. Ademais, durante a revolução e a aplicação prática da ideologia
de Gaddafi, evidencia-se a importância do petróleo para a projeção do país e sua
integração ao sistema internacional, além desse recurso trazer ainda mais à tona a
importância estratégica do país diante dos olhos das superpotências.
O processo revolucionário na Líbia, antes de ser um caso isolado ou comple-
tamente autônomo, se insere em um contexto maior do sistema internacional.
Primeiramente, ocorre durante a Guerra Fria e, assim, é influenciado de diversas
formas e influencia tal panorama, na medida em que o país se declarou País Não
Alinhado, se distanciou da influência norte-americana e se aproximou da URSS,
por exemplo. Segundo, a Revolução transformou substancialmente a sociedade
líbia, desde sua organização em termos institucionais até os indicadores de desen-
volvimento, perpassando pela internalização do conceito de unidade árabe, pela
adoção irrestrita do islamismo e pela promoção do nacionalismo, assim demons-
trando a familiaridade com o Nasserismo e evidenciando a influência externa sobre
a esfera doméstica.
113
REVISTA PERSPECTIVA
Por fim, se configura um digno caso histórico a ser estudado, uma vez que
apresenta diversos fatos passíveis de serem criticamente analisados no esforço de
conectar as revoluções às Relações Internacionais, concebendo os aspectos internos
e externos da primeira como mutuamente influenciados.
Referências
CELJAHMI, Mohamed. Libya and the US: Qadhafi unrepentant. Middle East
Quarterly, 2006. Disponível em <http://www.meforum.org/878/libya-and-the-
-us-qadhafi-unrepentant>. Acesso em 07 dez. 2016.
FANACK. Chronicle of the Middle East and North Africa. 2016. Disponível
em: <https://chronicle.fanack.com/libya/geography/>. Acesso em: 06 dez. 2016.
114
A Revolução Cultural e Popular na Líbia de 1973
HALLIDAY, F.Revolution and World Politics: The Rise and Fall of the Sixth
Great Power. Londres: Macmillian, 1999.
METZ, Helen Chapin. Libya: a country study. In: Washington: GPO for the
Library of Congress. 1987.
SPOHR, Alexandre et al. The Situation in Libya. UFRGS Model United Nations,
Porto Alegre, 2011, p. 136-153.
115
Revolução no Camboja: impactos na correlação
de forças do final da Guerra Fria
Guilherme Etzberger
Maria Gabriela Vieira
Mateus Borges*
*Graduandos em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A Revolução no Camboja: impactos na correlação de forças do final da Guerra Fria
1 Introdução
117
REVISTA PERSPECTIVA
1 Em 1949, o Camboja assina um tratado com a França por meio do qual era reconhecida a independência do
país, sendo, contudo, ainda parte da União Francesa. Isso significava que os assuntos mais importantes (defesa
nacional, diplomacia, segurança e justiça, por exemplo) ainda eram pautados de acordo com o desejo francês. Em
1953, Norodom Sihanouk, após ter dissolvido a Assembleia e somado à ofensiva vietnamita, conquista a inde-
pendência oficial do Camboja, dessa vez com a retirada completa das tropas da ex-metrópole (BIANCO, 1992).
118
A Revolução no Camboja: impactos na correlação de forças do final da Guerra Fria
do país (uma vez que os “ímpetos imperialistas” do vizinho Vietnã sempre foram
motivo de preocupação) e a paz e a estabilidade internamente. Para isso, Sihanouk
adotou uma política de neutralidade estrita, em termos externos, e uma política de
fortalecimento de seu poder internamente, ao transitar entre o apoio dos Demo-
cratas da centro-esquerda e dos pró-comunistas do Pracheachon (TULLY, 2005).
Havia também uma parcela da sociedade pró-EUA, que insistentemente
acusava o governo de comunista. Os opositores de Sihanouk buscavam apoio no
governo norte-americano para desmoralizá-lo, e, assim, chegar ao poder. Para os
EUA, era conveniente esse “apoio”, uma vez que - mesmo o governo de Sihanouk
não sendo comunista, seu governo não possuía desentendimentos com países que
haviam adotado tal regime -, o Camboja sucumbir ao socialismo significaria não
apenas o fortalecimento do bloco socialista, mas também o fortalecimento dos
ideais marxistas-leninistas na Ásia, transformando tal continente em um reduto
de revoluções socialistas bem sucedidas.
Durante a Segunda Guerra da Indochina ou Guerra do Vietnã (1955-
1975), o Camboja manteve sua política de neutralidade apenas nos primeiros
anos. Contudo, o acirramento do conflito e o transbordamento do mesmo para
dentro do Camboja revelavam a impossibilidade da não participação do Camboja,
forçando, assim, o país a abandonar a postura de neutralidade. Ainda na década de
1960, as relações entre o Camboja e os Estados Unidos são rompidas; a partir de
então a dita base vietnamita no país vizinho (“trilha de Ho Chi Minh”) passou a
ser constantemente bombardeada. A participação na Segunda Guerra da Indochina
acabou por comprometer ainda mais o governo de Sihanouk, o qual passava por
um período de intensa contestação. É, então, em 1970, que um golpe de Estado
depõe o príncipe, colocando em seu lugar o primeiro-ministro Lon Nol (CHAN-
DLER, 2008).
O novo Camboja, agora República Khmer, sob o comando de Lon Nol, durou
pouco mais de cinco anos, e foi marcado, no plano externo, por um alinhamento
ao governo norte-americano. Com relação à situação doméstica, cabe destacar
que neste período ocorre a formação e o fortalecimento do Khmer Vermelho ou
Partido Comunista do Kampuchea, o qual irá desempenhar um papel de destaque
na revolução. O príncipe Sihanouk, que se encontrava exilado em Pequim, fundou
119
REVISTA PERSPECTIVA
120
A Revolução no Camboja: impactos na correlação de forças do final da Guerra Fria
2 Essa ideia foi expressamente representada n’ “O Plano de Quatro Anos”. Tal plano previa a coletivização de
toda e qualquer propriedade no Camboja, além de uma projeção para ampliar os níveis de produção de arroz
em três vezes o que se produzia normalmente (CHANDLER, 2008). O que se sucedeu na realidade foi um
projeto sem qualquer tipo de análise quanto à viabilidade de sua realização em um espaço tão curto de tempo.
121
REVISTA PERSPECTIVA
verdadeiro, uma vez que a China fora peça chave para a manutenção da revolução
- enviando armas para a manutenção da revolução (VISENTINI et al., 2013).
Com o passar dos anos, e com o poder cada vez mais concentrado nas
mãos de Pol Pot, tempos difíceis passam a assolar o Camboja: opositores do atual
governo, bem como companheiros da luta contra o governo de Lon Nol, são
duramente perseguidos; soma-se a isso o aumento do sentimento anti-vietnamita
e a deterioração da qualidade de vida da população daquele país (inúmeras são
as mortes por fome e por doenças). Essa combinação acaba desencadeando um
fluxo de refugiados em direção à Tailândia e ao próprio Vietnã, cerca de 30% da
população do Camboja (DAYLEY, 2013).
Nesse sentido, as rebeliões e insurreições contra o governo de Pol Pot passam
a ser constantes e de todos os setores da sociedade - do exército até uma parcela do
próprio PCK, sendo, contudo, duramente reprimidas. Nesse cenário de repressão
e carestia que assolava o Camboja, lideranças vietnamitas (apoiados pela URSS)
decidem apoiar os movimentos de resistência contra o Khmer Vermelho - criando
focos de instabilidade para o governo especialmente nas regiões fronteiriças. Por
outro lado, a China (após ruptura sino-soviética e aproximação com os EUA)
apoiava (com armamentos) o regime de Pol Pot a resistir às investidas vietnamitas
(BECKER, 1998).
Ao perceber que a crise no Camboja escalava rapidamente, em 1978 é fundada
pela oposição a Frente de Unidade Nacional do Kampuchea para a Salvação Nacional
(FUNKSN) para resistir e lutar contra o regime de Pol Pot, sendo liderada por
Heng Samrin (ex-general Khmer refugiado no Vietnã após a onda de perseguição
aos opositores) (VISENTINI et al., 2013). Diversos atritos seguem ocorrendo na
fronteira entre Camboja e Vietnã, até que em 1979 o Vietnã decide revidar aos
ataques enviando tropas para o país vizinho, para, também, realizar a salvação dos
vietnamitas que ali residiam (CHANDLER, 2008). É nesse momento que as forças
de Pol Pot são depostas, e é fundada a República Popular do Kampuchea (RPK).
Após a libertação do Camboja pelas forças do Vietnã, proclama-se a Repú-
blica Popular do Kampuchea (RPK); um regime de esquerda amplamente apoiado,
política e militarmente, pela URSS e pelo vizinho Vietnã. Líderes dissidentes do
Khmer Vermelho, descontentes com a forma com que Pol Pot conduziu o país, foram
122
A Revolução no Camboja: impactos na correlação de forças do final da Guerra Fria
as forças que buscaram reorganizar e reestruturar (entre 1979 e 1993) um país que
fora duramente assolado pela fome e que tivera sua população economicamente
ativa expressivamente reduzida (TULLY, 2005). Além disso, procurou-se retirar
o Camboja do isolamento no qual fora colocado em 1975 e modificar a visão que
a comunidade internacional tinha sobre o mesmo. Contudo, o abandono desse
isolamento foi dificultado pelas sanções econômicas que o país sofreu em razão
dos anos de violação aos direitos humanos durante o regime do Khmer Vermelho.
Após serem retirados do poder, Pol Pot e seus aliados mantiveram-se retirados
na fronteira entre Tailândia e Camboja, com o apoio da China (que se lança em
um confronto mais intenso na sua fronteira com o Vietnã, como forma de punição
pela invasão ao Camboja). As forças vietnamitas lançaram ofensivas contra esses
redutos do Khmer Vermelho até 1985, quando a grande maioria das forças foi
eliminada (BECKER, 1998).
Em 1986, iniciam-se, por parte da URSS, tentativas de resolução da
crise do Camboja. Regionalmente, a Indochina parece disposta a abrir o diálogo
e a solucionar as questões fronteiriças, pontos de atrito desde a independência
da região, e firmar acordos de paz. O Vietnã afirma que retirará suas tropas do
Camboja, desde que em contrapartida, os países da região assegurem o afastamento
do Khmer Vermelho também do poder no Camboja (BECKER, 1998).
Em certa medida, pode-se afirmar que a normalização interna do Camboja
foi possível graças à reaproximação entre China e URSS, iniciada em 1988. Na
contramão, tem-se um tensionamento nas relações entre China e EUA, em razão
das repressões do governo chinês nos protestos na Praça de Tiananmen em 1989.
A ONU, por sua vez, volta esforços para solucionar a crise do Camboja a partir do
final da década de 1980, culminando em 1991 na assinatura dos Acordos de Paz
de Paris, por meio dos quais seriam iniciados os processos de pacificação definitiva
do Camboja. A criação da Autoridade Provisória das Nações Unidas no Camboja
(UNTAC), em 1992, responsável por conduzir o processo de retorno à democracia
através da realização eleições gerais, é um exemplo da cristalização desses esforços
(DAYLEY, 2013). Assim, iniciou-se o longo e custoso processo de normalização
do Camboja.
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A Revolução no Camboja: impactos na correlação de forças do final da Guerra Fria
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5 Conclusões
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REVISTA PERSPECTIVA
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A Revolução no Camboja: impactos na correlação de forças do final da Guerra Fria
Referências
BECKER, Elizabeth. When The War Was Over: Cambodia and the Khmer
Rouge Revolution. Estados Unidos da América: Public Affairs, 1998.
129
REVISTA PERSPECTIVA
HALLIDAY, Fred. Revolution and World Politics. The rise and fall of the sixth
great power. Durham: Duke Univ., Press, 1999.
KAO, Hourn Kim. Cambodia’s foreign policy and ASEAN: From non-alignment
to engagement. 2001.
130
A Revolução Angolana e seu Impacto
Internacional
Amabilly Bonacina
Rafaela Serpa*
* Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
REVISTA PERSPECTIVA
1 Introdução
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A Revolução Angolana e seu Impacto Internacional
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REVISTA PERSPECTIVA
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A Revolução Angolana e seu Impacto Internacional
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REVISTA PERSPECTIVA
do Sul e Zaire) e de fora dela (Cuba), bem como das potências globais (EUA,
URSS e China)”.
Após o Acordo de Alvor e a independência em novembro de 1975, constituiu-
-se dois governos paralelos, e mesmo com Portugal não reconhecendo qualquer
um deles até 1976, os demais países do Sistema Internacional foram aos poucos
reconhecendo o governo do MPLA. A independência de Angola desencadeou uma
fuga em massa da minoria branca, de volta a Portugal, ao Brasil e à África do Sul,
levando consigo sua riqueza e também seu conhecimento técnico, paralisando a
administração e a produção do país. Ademais, o país era o local de investimentos
de americanos, franceses, belgas e alemães ocidentais (VISENTINI et al., 2013;
SCHMIDT, 2013).
Os primeiros ataques entres os grupos se dão com o avanço da FNLA,
apoiada pelo Zaire, Estados Unidos e China, em direção à Luanda, que se encon-
trava sob o domínio do MPLA. Este, contando com o apoio do exército cubano,
da URSS e da Alemanha Oriental, não teve dificuldades em derrotá-los. Ao mesmo
tempo que combatia a FNLA no norte, o MPLA enfrentava a UNITA no sul, que
realizava uma ofensiva junto do exército sul-africano, também sob apoio norte-
-americano e, de menor intensidade, chinês. A UNITA ocupou um território do
sul de Angola como manobra para desestabilizar o governo do MPLA e sabotar a
infraestrutura angolana. Tanto o Zaire quanto a África do Sul estavam determi-
nados a instalar um governo alinhado em Angola, mas em 1978, por pressão dos
EUA e de Cuba, Angola assina com o Zaire um pacto de não agressão, que foi
cumprido, encerrando a atuação da FNLA no conflito, abrindo caminho para o
total apoio norte-americano à UNITA (VISENTINI et al., 2013; SCHMIDT,
2013; HÖRING, 2015).
Com o desenrolar do conflito, a UNITA se financiava por meio do comércio
de diamantes, extraídos das minas localizadas nos territórios que dominavam,
além da ajuda dos países já citados. Nesse contexto, Agostinho Neto morre em
1979, passando o poder a José Eduardo dos Santos. Este, segundo Westad (2005),
entendia bem o papel do MPLA na revolução socialista que vinha sendo liderada
por Moscou. Já em 1980 o MPLA dava sinais de estar perto de derrotar a UNITA,
136
A Revolução Angolana e seu Impacto Internacional
1 O Sudoeste Africano, atual Namíbia, era um território ocupado ilegalmente pela África do Sul, não possuindo
governo independente, tratando-se, portanto, de uma colônia sul-africana (CASTELLANO DA SILVA, 2017).
2 Consistia na proposta americana da retirada cubana em troca da independência da Namíbia, que Pretória
aceitou (VISENTINI, 2010).
137
REVISTA PERSPECTIVA
4 Impacto Internacional
O primeiro impacto da Revolução Angolana, e das revoluções terceiro-
-mundistas que ocorrem simultaneamente na década de 1970, é o crescimento do
bloco socialista. Com a cisão sino-soviética, cabia à URSS buscar novos parceiros
para contrabalançar o desequilíbrio estratégico que a aproximação chinesa com os
Estados Unidos causou na polaridade do Sistema Internacional (VIZENTINI, 2000).
A reação conservadora por parte das potências ocidentais que acabou por
encerrar a détente esteve diretamente ligada às revoluções de caráter marxista vitoriosas
nesta época, como a angolana. Assim como em toda a revolução, ocorrem as reações
contrárias a essas mudanças, caracterizadas como contrarrevoluções (HALLIDAY,
1989). Essa reação inicia-se ainda no governo Carter, com ataques à coexistência
pacífica por parte de Brzezinski, assessor da presidência; entretanto, sua formali-
zação ocorreria com a chegada ao poder de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e
Margareth Thatcher, no Reino Unido. A própria emergência do neoliberalismo pode
ser caracterizada como parte de uma estratégia de contrarrevolução profunda. Em
Angola, a contrarrevolução é encabeçada pela África do Sul, mantendo a ocupação
no sul do país e apoiando a guerrilha UNITA, além de sabotar constantemente a
infraestrutura de Angola (VIZENTINI, 2000).
Os Estados Unidos, e o bloco capitalista como um todo, saem derrotados
da revolução angolana. Sua estratégia de policiamento do continente, conhecida
138
A Revolução Angolana e seu Impacto Internacional
139
REVISTA PERSPECTIVA
5 Conclusões
Por meio do presente artigo foi possível fazer uma revisão histórica do que
significou a Revolução Angolana para as Relações Internacionais. A revolução
em Angola foi de grande impacto para Portugal, não só porque era sua principal
colônia, mas também para o bloco capitalista como um todo, devido às suas grandes
potencialidades econômicas (petróleo, ferro, diamantes, minerais estratégicos e
produtos agrícolas) e sua posição estratégica no Atlântico Sul e na África Austral.
Percebe-se também o grande impacto que os atores internacionais tiveram
durante o processo revolucionário - tanto positivos quanto negativos. Os países
não-alinhados, URSS, China, Cuba, e países vizinhos, como Tanzânia e Zâmbia,
deram importante apoio e ajuda direta a esses movimentos. Ao mesmo tempo,
os Estados Unidos e os países Europeus (principalmente as antigas metrópoles)
apoiavam a presença portuguesa, e posteriormente do sistema capitalista nos países
africanos, para impor seus desígnios à geopolítica internacional. Esses apoios vieram
por meio dos três grupos presentes na independência e na guerra civil de Angola:
140
A Revolução Angolana e seu Impacto Internacional
ABSTRACT: This article will deal with the Angolan revolutionary process from the
analysis of the Angolan War of Independence and the later Civil War, from 1975
to 2002, to analyze how the insertion of independent Angola into the International
System took place. The struggle waged in the country between the different nation-
alist groups - Popular Movement for the Liberation of Angola; National Liberation
Front of Angola; National Union for the Total Independence of Angola - devastated
administrative and economic sectors and attracted interest from both the US and
European countries as well as neighboring countries like Congo and South Africa.
Likewise, countries such as the USSR and Cuba played a major role in the consol-
idation of the Revolution in Angola.
141
REVISTA PERSPECTIVA
Referências
SHUBIN, Vladimir. The Hot “Cold War”: the USSR in Southern Africa.
Londres: Pluto Press, 2008.
142
A Revolução Angolana e seu Impacto Internacional
WESTAD, Odd Arne (Ed.) . The Global Cold War. Cambridge: Cambridge, 2005.
143
Revolução Etíope: impactos regionais e sistêmicos
* Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Revolução Etíope: impactos regionais e sistêmicos
1 Introdução
As revoluções têm sido um aspecto pouco presente nos estudos de Relações
Internacionais, apesar de seus importantes desdobramentos, não só internamente
para os Estados, como também para o Sistema Internacional como um todo. As
teorias mainstream acabam por não abordá-las, focando principalmente nas guerras
interestatais(HALLIDAY, 1999).
A Revolução Etíope ocorre durante o período de Guerra Fria e impacta dire-
tamente nas relações entre as duas potências hegemônicas. Além disso, se insere no
contexto da descolonização africana e em uma década em que ocorrem importantes
revoluções, tanto na África quanto no Oriente Médio. No presente artigo, busca-se
analisar não só seus condicionantes e os condicionantes do processo revolucionário
em si, mas também seus impactos, tanto internos, devido às questões étnicas do país,
quanto regionais e internacionais, baseando-se, assim, na forma de análise proposta
por Halliday (1994). Segundo esse autor, as revoluções são eventos internacionais
nos quais seria possível observar um certo grau de uniformidade. Seriam quatro as
áreas em que poderíamos fazer essas observações: nas causas da revolução, quanto
à influência dos fatores externos; na política externa dos Estados revolucionários;
nas reações dos outros Estados; nos fatores externos e no Sistema Internacional, que
constrangem o desenvolvimento interno do Estado revolucionário (HALLIDAY,
1994). Assim, justifica-se a forma de análise apresentado por este trabalho.
A Etiópia éo segundo país mais populoso da África (com cerca de 94 milhões
de habitantes),localizado no coração do chifre africano e cujo histórico remete há
milhares de anos. Sua história é permeada pela forte presença religiosa, em especial
na sua formação – que se deu, em síntese, pela dominação dos povos originários
do Sul pelos povos do Norte (CARVALHO, 2013; SCHNEIDER, 2010).
Nota-se que o processo de formação do território etíope é distinto do
restante da África, visto que ocorreu por meioda conquista militar dos próprios
povos originais e não por imposição colonial europeia. Esse fator tem consequências
até hoje, havendo grande número de etnias coabitando o território e disputando
representação política, por meiodo chamado federalismo étnico.
145
REVISTA PERSPECTIVA
146
Revolução Etíope: impactos regionais e sistêmicos
interna, o país tinha pouco poder de influência sobreas colônias vizinhas, o que
facilitou a conclusão desse acordo em 1930, representando um marco no reconhe-
cimento da Etiópia como um Estado soberano, com capacidade de exercer poder
livremente dentro de seu próprio território (MARCUS, 1994; SCHWAB, 1985).
Isso não impediu que a Itália invadisse a Etiópia em 1935, usando como
pretexto um pequeno incidente. Essa ação militar já era planejada, pelo menos,
desde 1931, e foi facilitada pela política de apaziguamento praticada pelas outras
potências europeias, as quais tentavam evitar uma outra guerra desgastante como
fora a Primeira Guerra Mundial. O bloqueio da venda de armas para ambas as
partes prejudicou de maneira significativa o exército etíope, que acabou derrotado,
obrigando seu imperador a fugir do território em 1936 (ADEJUMOBI, 2007;
VISENTINI, 2010).
Selassié somente retornou ao comando do país em 1941 e, até o golpe em
1974, a ação da Etiópia na região e no cenário internacional passa a ser bem mais
assertiva, orientada a partir de uma agenda que buscava, entre outros, o acesso
ao mar, a recuperação da Eritreia, a obtenção de reparações de guerra da Itália, a
assistência para a modernização militar e, por fim, a contribuição estadunidense
por meiode investimentos em projetos de desenvolvimento, de transferência de
tecnologias e de apoio político (MARCUS, 1994).
O ponto alto da ação regional etíope é a anexação daEritréia, em 1962, a
qual não ocorre sem conflitos – que persistiriam não só durante a administração
de Selassié, mas durante todo o período posterior. Essa política levou também a
uma posição de liderança no continente africano, principalmente no âmbito da
Organização da Unidade Africana (OUA) (criada em 1963)pois a ênfase que o
discurso etíope colocava no fato de o país nunca ter sido oficialmente colonizado
atraía a admiração de diversos povos do continente e até mesmo de fora dele
(HALLIDAY& MOLINEUX, 1981).
147
REVISTA PERSPECTIVA
2 O Processo Revolucionário
2.1 Antecedentes
148
Revolução Etíope: impactos regionais e sistêmicos
2 Do original: The final stage of Ethiopian revolution began in January 1974 with a series of mutinies led by
the military in various provinces and demonstrations by restive citizenry in the capital. In what initially started
as an urban phenomenon, students, teachers, civil servants, and soldiers embarked on a rebellion against the
imperial representatives of Haile Selassie, its supporters of nobility and feudal aristocracy, and the nascent natio-
nal bourgeoisies. Popular campaigns and uprisings were accompanied by calls for the separation of church and
state and equality of religious, regional, occupational, and economic groupings (ADEJUMOBI, 2007, p. 119).
149
REVISTA PERSPECTIVA
150
Revolução Etíope: impactos regionais e sistêmicos
O caráter “de cima para baixo” da revolução, ou seja, o fato desta não ter
ocorrido por meio de rebeliões provinciais que derrubaram o imperador, não
impediu que ocorresse uma conscientização do nacionalismo etíope, o que deu
origem a diversos movimentos separatistas. O baixo nível de integração predomi-
nante durante o regime imperial se manteve no período posterior, principalmente
151
REVISTA PERSPECTIVA
3 A “Grande Somália” é uma ideologia nacionalista pan-somali (de certa forma incentivada pelos britânicos no
momento da independência) de reunir todos os territórios habitados por somalis no Chifre da África (Ogaden,
Djibuti e norte do Quênia) sob o mesmo governo. Essa ideologia foi defendida pelos líderes somalis desde a
independência do país em 1960. Nesse contexto, a anexação do deserto do Ogaden seria o primeiro passo para
concretizar este projeto pan-somali (TAREKE, 2009; VISENTINI, 2013).
152
Revolução Etíope: impactos regionais e sistêmicos
153
REVISTA PERSPECTIVA
154
Revolução Etíope: impactos regionais e sistêmicos
sigla em inglês), cuja luta culminou com o referendo sobre secessão e independência
da Eritreia em 1993 (TAREKE, 2009; WOODWARD, 2013).
A partir desse complexo mosaico político, podemos entender a nova Cons-
tituição etíope de 1994, que previa o federalismo étnico. Essa forma de adminis-
tração pretendia acomodar diferentes etnias em uma única federação, prevendo
sua autodeterminação e direito à secessão, caso desejado. Embora cada parte admi-
nistrativa gozasse de certa autonomia, os principais projetos de desenvolvimento
e repasses econômicos seriam organizados pelo governo central, sediado em Adis
Abeba (SCHNEIDER, 2010; WOODWARD, 2013).
Esse governo central era liderado por Meles Zenawi, líder do TPLF, que
presidiu o governo de transição até ser nomeado Primeiro Ministro, em 1995. É
notável a forte orientação governamental para o desenvolvimento, buscando investir
em obras de infraestrutura e em projetos de segurança alimentar para erradicar
os problemas de fome do país. Como consta no próprio documento oficial sobre
segurança nacional e relações exteriores da Etiópia, os princípios básicos a serem
seguidos pelo país seriam os de busca pelo desenvolvimento, de consolidação da
democracia e de inserção no mundo globalizado – de forma a melhor aproveitar
seu potencial e de captar recursos para o desenvolvimento. É importante notar
também a ênfase dada à coesão social etíope, essencial para odesenvolvimento
conjunto de toda a nação e para a manutenção da estabilidade étnica e política da
Etiópia (ETIÓPIA, 2002).
4 Impactos Sistêmicos
O debate em torno da influência dos atores externos após a queda do impe-
rador tende a gerar controvérsias, pois, ao mesmo tempo que não se pode definir
os acontecimentos como movidos apenas pelos constrangimentos externos, não se
pode também negar sua influência, exacerbando tensões e auxiliando atores locais
de acordo com seus interesses. Em um contexto de Guerra Fria, mais especifica-
mente no fim da détente e no início da segunda Guerra Fria, a revolução etíope teve
destacada relevância, principalmente devido à localização geográfica estratégica do
país. Naquelemomento, o chifre africano foi motivo de disputas internacionais e
155
REVISTA PERSPECTIVA
156
Revolução Etíope: impactos regionais e sistêmicos
157
REVISTA PERSPECTIVA
até os conselheiros soviéticos e cubanos serem expulsos do país, o que faz com que a
ajuda em forma de equipamentos e de pessoal passe a serefetivamente fornecida aos
etíopes. Mesmo, assim, discordâncias se mantêm: a URSS defendia a necessidade
de se estabelecer um partido socialista nacional, o que foi constantemente adiado
pelo Derg (TAREKE, 2000; WOODWARD, 2013).
Por fim, o papel de Cuba foi tão importante para o regime socialista etíope
quanto o soviético. Acusados, junto com os russos, de terem traído seu antigo
aliado (Somália) e de terem mudado de lado na questão da Eritreia, os cubanos
foram mal vistos mesmo por alguns países socialistas. Antes de 1974,apoiaramo
movimento eritreu, porém a ajuda militar foi suspensa nos anos de 1970 devido às
divisões no movimento, apesar de o apoio político ter sido mantido. Em 1972, por
sua vez, estabelecem relações com a Somália, assinando em 1974 diversos acordos
de cooperação (SCHMIDT, 2013).
Como já mencionado anteriormente, as alianças se invertem e, ao final de
1977, tropas cubanas chegam para auxiliar o exército etíope na Guerra deOgaden.
Além disso, proporcionam significativa ajuda civil. Porém, em relação à guerra
contra a Eritréia, o regime cubano se absteve de pronunciamentos e suas tropas não
lutaram efetivamente ao lado do exército da Etiópia, tendo em vista a ideologia do
Movimento dos Não Alinhados (MNA) do qual o país era membro (PATNAM,
1990).
5 Conclusão
Podemos observar que, apesar de pouco estudada, a revolução etíope teve
importantes consequências para o Sistema Internacional, inclusive sendo um dos
fatores que causaram o acirramento das tensões que levaram ao fim da détentee
originaram a segunda guerra fria. O estudo dessa revolução também desmistifica
o país como sendo um país pobre e subserviente de Terceiro Mundo e o coloca
como ator autônomo (dentro do possível) e diplomaticamente relevante para além
do continente africano.
Sendo assim, a análise vai aoencontro dos postulados de Halliday (1994),
principalmente porqueo autor trata da relação entre guerras e revoluções, pois a
percepção de instabilidade trazida pela revolução ocasionou revoltas regionais e
158
Revolução Etíope: impactos regionais e sistêmicos
guerra interestatal, que por sua vez ocasionaram uma revolução que levou ao fim
do regime vigente. Também pode-se perceber como o desenvolvimento interno
do Estado revolucionário etíope foi influenciado pelas ações de outros Estados,
tanto em suas dimensões políticas e sociais quanto econômicas.
No âmbito interno, a revolução provocou transformações profundas na
estrutura social, econômica e política do país, pois uma ordem praticamente feudal,
com forte controle institucional da aristocracia e da Igreja, foi derrubada, levando
ao início um processo de modernização do país. Aspectos desse processo que se
revelaram vitais para a destruição das bases do regime foram as reformas agrária e
urbana e uma política bastante avançada para erradicar o analfabetismo.
A queda de Mengistu e o consequente fim do regime trazem, em âmbito
regional dois desdobramentos importantes. O primeiro foi a queda de Siad Barre
na Somália e a conseguinte fragmentação do país (que se mantém até hoje). O
segundo foi a independência da Eritreia, ocorrida após anos de lutas, através de
um processo considerado “amigável”. Com o passar do tempo, porém as relações
entre o novo Estado e a Etiópia se deterioram, levando a uma guerra entre os dois
países entre 1998 e 2000.
Sendo assim, o objeto de estudo do presente trabalho torna-se relevante
não só por seu caráter inovador quando comparado à outras revoluções (ao trazer
a união dos militares às movimentações das massas). É também primordial para
entender a conjuntura atual do Chifre Africano e suas dinâmicas, sem que se recorra
a lugares-comuns e visões que não condizem com a realidade regional.
159
REVISTA PERSPECTIVA
Referências
160
Revolução Etíope: impactos regionais e sistêmicos
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163
Resposta Hegemônica aos Ideais Revolucionários:
Contrarrevoluções e o seu Impacto no Sistema
Internacional
* Graduandas em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Resposta Hegemônica dos Ideais Revolucionários:
Contrarrevoluções e seu Impacto no Sistema Internacional
1 Introdução
165
REVISTA PERSPECTIVA
166
Resposta Hegemônica dos Ideais Revolucionários:
Contrarrevoluções e seu Impacto no Sistema Internacional
167
REVISTA PERSPECTIVA
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Resposta Hegemônica dos Ideais Revolucionários:
Contrarrevoluções e seu Impacto no Sistema Internacional
169
REVISTA PERSPECTIVA
1 Primeiramente, a Guerra do Vietnã foi responsável por mudanças de abordagem na política externa dos EUA,
tornando-se mais seletiva a partir da orientação da Doutrina Nixon. Na prática, a contenção da influência soviética
seria feita de modo mais indireto e, portanto, menos custoso, auxiliando movimentos contrarrevolucionários.
170
Resposta Hegemônica dos Ideais Revolucionários:
Contrarrevoluções e seu Impacto no Sistema Internacional
171
REVISTA PERSPECTIVA
172
Resposta Hegemônica dos Ideais Revolucionários:
Contrarrevoluções e seu Impacto no Sistema Internacional
ordem vigente perdendo espontaneidade e passando a ser cada vez mais questionada.
A contenção,dentro dos países capitalistas,da ameaça crescente representada pelo
comunismo se viu constrangida pela ruptura da divisão internacional do trabalho
em razão do conflito, que reduziu a Europa economicamente e criou as condições
para a intensificação dos conflitos de classe no Oeste – alterando fortemente as
relações sociais (COX, 1984).
O Tratado de Versalhes de1919 era, em medida ampla, uma tentativa de
replicar a estratégia adotadaem Viena um século antes, de estabelecer por conferên-
cias internacionais fronteiras definidas e organismos de cooperação internacional
institucionalizada, visando reestabelecer a ordem internacional (HALLIDAY, 1999).
Mas isso não foi suficiente para resolver a crise generalizada da sociedade europeia,
que se tornou ainda mais explosiva, culminando com a Segunda Guerra Mundial,
que apenas acelerou o declínio burguês na Europa, em parte, devido aos imensos
impactos que teve sobre as forças produtivas (COX, 1984).
Após a Segunda Guerra Mundial, novamente se busca a construção de um
quadro institucional que possa impedir maior erosão da ordem, desta vez a partir
da série de conferências em Teerã (1943), Ialta (Fevereiro de 1945) e Potsdam
(Julho de 1945).A Guerra Fria posteriordeu-seem grande parte devido ao sucesso
estadunidense em pautar nesta época a mobilização para estabelecer as condições
necessárias para o domínio burguês e para a acumulação de capital em escala
global, a partir da retórica da defesa da democracia contra o totalitarismo soviético
(COX, 1984).
A Guerra Fria era o conflito principal existente entre os EUA e a URSS
como dois sistemas sociais rivais, capitalista e comunista, organizados sob princí-
pios sociais contrastantes, com propriedade privada naqueles e coletiva ou estatal
nesta, embora pregassem da mesma forma que se tratavam ambos de sistemas
mundiais que deveriam inspirar outros Estados (HALLIDAY, 1983). Contudo,
esse conflito só adquiriu tais dimensões pelo quase colapso da burguesia europeia
ocidental em decorrência da decadência dos cinquenta anos anteriores, mencionada
acima. A existência do comunismo, diante disso, era percebida como uma ameaça
na medida em que exacerbava a crise do capitalismo, ao representar uma alterna-
tiva em potencial. Assim, nesse conflito entre capitalismo liberal e o socialismo
173
REVISTA PERSPECTIVA
174
Resposta Hegemônica dos Ideais Revolucionários:
Contrarrevoluções e seu Impacto no Sistema Internacional
2 Em seguida ao Plano Marshall e ao “Point Four Program” do Presidente Truman - que estabelecia como ponto
de seu projeto para a Política Externa dos EUA um programa para compartilhamento de know-how - foram
estabelecidos também sistemas e programas educacionais, como o Programa Fullbright de bolsas acadêmicas,criado
em 1946, que globalizava o programa dos tempos de guerra de troca de profissionais entre a América Latina e
os Estados Unidos, contribuindo, em grande medida, para a exportação dos valores capitalistas a outras partes
do globo.
175
REVISTA PERSPECTIVA
3 Os EUA também prestaram apoio técnico para o desenvolvimento na China, por meio de uma Comissão
Conjunta Sino-Americana de Reconstrução Rural, fundada em 1948, após a Guerra Civil Chinesaa Comissão
mudou-se para Taiwan, onde credita-se à sua ação as bases da agricultura nos anos 1950 e 1960, que levou ao
crescimento econômico notável de Taiwan nas décadas seguintes, pela coordenação de um programa de desen-
volvimento econômico, social e técnico.
176
Resposta Hegemônica dos Ideais Revolucionários:
Contrarrevoluções e seu Impacto no Sistema Internacional
177
REVISTA PERSPECTIVA
178
Resposta Hegemônica dos Ideais Revolucionários:
Contrarrevoluções e seu Impacto no Sistema Internacional
5 Considerações Finais
179
REVISTA PERSPECTIVA
ABSTRACT: The aim of this paper is to understand the process of counter revolu-
tions, its implications forrevolutions and its impact onthe International System as a
whole. Therefore, we analyze how hegemonic order responds to those revolutions,
modifying their own structure, and how this process strengthens the hegemonic
system. First, theoretical issues are addressed in order to clarify the concepts, and
afterwards we analyze the example of the Russian Revolution and of the rise of the
Soviet Union in order to understand how the ideological conflict of the Cold War
helped to transform the capitalist system, making it stronger.
180
Resposta Hegemônica dos Ideais Revolucionários:
Contrarrevoluções e seu Impacto no Sistema Internacional
Referências
BLUM, William. Killing Hope: U.S. Military and CIA Interventions Since
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HALLIDAY, Fred. Revolution and World
Politics: The Rise and Fall of the Sixth Great
Power. London: Macmillan, 1999.
Resenhado por Guilherme Thudium1
1 Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Visentini. Pesquisador do Núcleo Brasileiro de Estratégia e
Relações Internacionais (NERINT).
REVISTA PERSPECTIVA
essa dimensão. A última parte conclui a obra com uma análise das implicações do
estudo desenvolvido para o campo da Teoria das Relações Internacionais e para a
história contemporânea, reforçando a relevância contínua do seu aprofundamento.
Como aporte teórico, Halliday elenca três obras que considera funda-
mentais para o estudo das revoluções: States and Social Revolutions (1979), de
Theda Skocpol; The Social Origins of Dictatorship and Democracy (1967), de J.
B. Barrington-Moore; e Der Neuzeitliche Revolutionsbegriff, Entstehung und
Entwicklung, do teórico alemão Karl Griewank. Ele oferece ainda uma revisão
crítica de outras abordagens sobre o tema, como as propostas por Henry Kissinger,
David Armstrong, Kim Kyuong-won, Stephen Walt, Richard Rosecrance, James
Rosenau e Immanuel Wallerstein.
A tese de Revolution and World Politics é a de que as revoluções, assim como
os Impérios, a guerra e o nacionalismo, moldaram o desenvolvimento da política
mundial e do Sistema Internacional. Ao contrário de outros processos formadores
do sistema moderno, contudo, cuja ligação com o mesmo não é necessária ou
permanente, as revoluções influenciam permanentemente a formação do sistema
de forma a torná-lo mais forte evoluído. Por essa razão, Halliday argumenta que
qualquer discussão de política internacional que não as considere estará não apenas
incompleta, mas fundamentalmente distorcida.
Todavia, o papel das revoluções no Sistema Internacional vem sendo sistema-
ticamente subestimado. Ausentes no ensino teórico da política internacional e das
Relações Internacionais, as revoluções não podem ser vistas como uma anomalia,
ainda que configurem uma exceção sistêmica, pois acontecem recorrentemente na
história – desde a Revolução Americana, que reproduziu a ideia de soberania do
povo latente no final do Século XVIII, assim como a Revolução Francesa, até as
“Revoluções Tardias” do final da Guerra Fria.
Referenciando Martin Wight e uma das obras-chave da Escola Inglesa de
Relações Internacionais, Power Politics (1978), na qual Wight desenvolve a questão
da permanência histórica das revoluções, tem-se que, se considerarmos 1492-1517,
1643-1792 e 1871-1914 como períodos não-revolucionários e 1517-1648, 1792-
1871 e 1916-1960 como revolucionários, vemos que na maior parte da história
do Sistema Internacional as relações entre os Estados não têm sido determinadas
184
Resenha: Revolution and World Politics:
Título doThe Rise and Fall of the Sixth Great Power
artigo...
185
REVISTA PERSPECTIVA
respostas: qual é a reação dos outros Estados; (4) formação: como num período
mais longo os fatores internacionais e sistêmicos constrangem o desenvolvimento
interno pós-revolucionário dos Estados e condicionam sua evolução política, social
e econômica.
Ao contrário das guerras e do nacionalismo, as revoluções reivindicam algo
novo. Halliday explica que, desde os revolucionários franceses no final do Século
XVIII até os revolucionários iranianos no final do Século XX, os Estados revo-
lucionários formularam mudanças de longo alcance tanto no âmbito doméstico
como no internacional. O elemento internacional, assim, é fundamental para a
eclosão de revoluções, e muito explorado na obra: as revoluções, afirma Halliday,
são sempre eventos internacionais e precisam ser concebidas nesse contexto. A
cadeia interativa entre o Sistema Internacional e o doméstico é exemplificada pela
sequencia de eventos do final Século XVIII e início do Século XIX: as guerras de
1760, somadas ao fermento ideológico da época – o “impacto das ideias”, também
muito explorado por Halliday – contribuíram para a Revolução Francesa, que por
sua vez levou às Guerras Napoleônicas.
Ao longo da história moderna, o destino das revoluções esteve sempre
interligado ao do Sistema Internacional: as revoluções alteram as relações entre
Estados e nações, bem como as normas e maneiras pelas quais Estados e sociedades
interagem. Ao afirmar que as revoluções são eventos internacionais e precisam ser
vistas neste contexto, Halliday tenta provocar uma revisão do nosso entendimento
do Sistema Internacional como um todo, assim como da própria disciplina de
Relações Internacionais.
O próprio internacionalismo nasce a partir de uma visão que emerge com
o Iluminismo e a Revolução Francesa de 1789. A Revolução Francesa, ainda,
ajudou a criar “tipos ideais” de organização política, incluindo modelos variados
de democracia, governança e cultura política que se encontram hoje no coração da
organização do Sistema Internacional moderno através de práticas e instituições
forjadas pelo Ocidente. Seu ideário, discorre Halliday, viria a definir o discurso polí-
tico moderno por dois séculos, conferindo o caráter meta histórico das revoluções.
Todas revoluções produzem uma ideologia que, além de provocar uma
transformação social interna, as projetam na esfera internacional. As revoluções
francesa, russa, chinesa e no Terceiro Mundo produziram convulsões sociais com
186
Título doThe
Resenha: Revolution and World Politics: artigo...
Rise and Fall of the Sixth Great Power
alcance global (IKENBERRY, 2000). Logo, central para a análise das ideias no
estudo de Halliday é a exportação da revolução – a promoção da mudança em outros
estados. Os Estados revolucionários, afirma Halliday, buscam sempre exportar a
revolução. De forma inovadora, o autor traz uma análise comparativa da política
externa destes Estados, seguindo a famosa afirmação de um dos Pais Fundadores
dos Estados Unidos da América, Thomas Paine, de que o mais importante impacto
internacional das revoluções reside na força do exemplo.
A política externa de um país revolucionário geralmente contrapõe a diplo-
macia secreta, realista e tradicional. Ela é diferente, porém, pois seus objetivos são
distintos, e não porque utilizam métodos diferenciados; e também não significa
que é menos intensa: Napoleão, lembrou Halliday, veio a ter o serviço diplomático
mais extenso e sofisticado do mundo, com missões desde os Estados Unidos até à
Ásia. A guerra, nesse sentido, como as Guerras Napoleônicas, pode servir como um
instrumento da revolução, na forma de uma ofensiva revolucionária que a utiliza
como forma de exportar a revolução, além de servir também como catalisador e
consequência de revoluções.
Todas as revoluções provocam uma reação, dentro do país e externamente,
que perdura enquanto a revolução existir: a contrarrevolução. A contrarrevolução
surge também a partir da Revolução Francesa, notavelmente nos escritos de Edmund
Burke. O Congresso de Viena de 1815, para Halliday, pode ser visto como uma
forma de legitimação da contrarrevolução: seu objetivo era re-estabilizar o Sistema
Internacional, em uma tentativa de reverter o que havia sido alcançado pela Revo-
lução Francesa, assim como o Tratado de Versalhes de 1919 também simbolizou
uma intervenção contra o regime Bolchevique na Rússia. Nessa linha, como aponta
David Armstrong (1993), a revolução é constantemente compelida a se adaptar ao
sistema vigente, que cria anticorpos com o intuito de evitar novas perturbações.
Isso se deve ao fato de que, a longo prazo, os Estados revolucionários repre-
sentam um desafio para os outros Estados, pois eles perturbam a ordem existente.
Para Burke, a própria existência do regime revolucionário implica sua hostilidade
perante ao Sistema Internacional. Tal avaliação nos transporta para uma das
conclusões mais importantes da obra de Halliday: a ideia de ruptura. Por ser uma
exceção, a revolução rompe com a lógica do Sistema Internacional, desafiando
comportamentos e o status quo, e este, por esses motivos, a rejeita. Para Halliday,
187
REVISTA PERSPECTIVA
Referências
IKENBERRY, G. John. Capsule Review: Revolutions and World Politics: The Rise
and Fall of the Sixth Great Power. Foreign Affairs, May/June 2000.
188
Resenha: Revolution and World Politics:
Título doThe Rise and Fall of the Sixth Great Power
artigo...
______. O Impacto das Revoluções na Ordem Mundial: uma ausência nos Estudos
de Defesa. Revista Brasileira de Estudos de Defesa, v. 3, n. 2, jul./dez. 2016.
189
Revoluções e Relações Internacionais:
Entrevista com Analúcia Danilevicz Pereira,
Professora da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS)
mundial moderno; já a revolução socialista tornou esse sistema tão mais complexo
a ponto de condicionar o próprio modelo capitalista do mundo Ocidental.
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REVISTA PERSPECTIVA
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“Perspectiva: Reflexões sobre a Temática
Internacional”
Parâmetros de Submissão Revista Perspectiva
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título, dele separado por um espaço.
4.3 Deve-se limitar a numeração progressiva até a seção quinaria.
4.4 O indicativo das seções primárias deve ser grafado em números inteiros
a partir de 1.
4.5 O indicativo de uma seção secundária é constituído pelo indicativo da
seção primária a que pertence, seguido do número que lhe for atribuído na sequ-
ência do assunto e separado por ponto. Repete-se o mesmo processo em relação
às demais seções.
Exemplo:
Seção Primária Seção secundária Seção terciária Seção quaternária Seção quinária
1 1.1 1.1.1 1.1.1.1 1.1.1.1.1
2 2.1 2.1.1 2.1.1.1 2.1.1.1.1
3 3.1 3.1.1 3.1.1.1 3.1.1.1.1
. . . . .
8 8.1 8.1.1 8.1.1.1 8.1.1.1.1
9 9.1 9.1.1 9.1.1.1 9.1.1.1.1
4.6 Não se utilizam ponto, hífen, travessão ou qualquer sinal após o indi-
cativo de seção ou de seu título.
4.7 Destacam-se gradativamente os títulos das seções, utilizando os recur-
sos de negrito, itálico ou grifo e redondo, caixa alta ou versal e outro. O título das
seções (primárias, secundárias etc.) deve ser colocado após sua numeração, dele
separado por um espaço. O texto deve iniciar-se em outra linha.
4.8 Todas as seções devem conter um texto relacionado com elas.
4.9 Quando for necessário enumerar os diversos assuntos de uma seção
que não possua título, esta deve ser subdividida em alíneas.
4.10 Quando as alíneas forem cumulativas ou alternativas, pode ser acres-
centado, após a penúltima, e/ou conforme o caso. As alíneas, exceto a última,
terminam em ponto-e-vírgula.
4.11 A disposição gráfica das alíneas obedece às seguintes regras:
a) o tercho final do texto correspondente, anterior às alíneas, termina em
dois pontos;
b) as alíneas são ordenadas alfabeticamente;
c) as letras indicativas das alíneas são reentradas em relação à margem es-
querda;
d) o texto da alínea começa por letra minúscula e termina em ponto-e-
-vírgula, exceto a última que termina em ponto; e, nos casos em que se seguem
subalíneas, estas terminam em vírgula;
e) a segunda e as seguintes linhas do texto da alínea começam sob a pri-
meira letra do texto da própria alínea.
4.12 Quando a exposição da ideia assim o exigir, a alínea pode ser subdi-
vidida em subalíneas. As subalíneas devem começar por um hífen, colocado sob
a primeira letra do texto da alínea correspondente, dele separadas por um espaço.
As linhas seguintes do texto da subalínea começam sob a primeira letra do pró-
prio texto.
4.13 Quaisquer gráficos, tabelas, esquemas ou assemelhados devem ser
enviados separados do artigo, em anexo, sendo que esses devem ser diretamente
reproduzidos pelo autor.
4.14 Esclarecimentos sobre a normalização exigida devem ser consulta-
dos nos termos estabelecidos pela ABNT para artigos em periódicos científicos
(NBR6022).
Atenciosamente,
Conselho Executivo