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Farmacologia e Terapêutica Veterinária

do Sistema Cardiovascular

Brasília-DF.
Elaboração

Iracema Gomes de Araujo

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação................................................................................................................................... 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa...................................................................... 5

Introdução...................................................................................................................................... 7

Unidade i
Fisiologia Cardiovascular.............................................................................................................. 9

capítulo 1
Aspectos básicos da função cardíaca............................................................................ 9

capítulo 2
Ciclo cardíaco: coração como uma bomba.............................................................. 17

Unidade iI
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores................................................................ 20

capítulo 1
Inotrópicos positivos........................................................................................................ 20

capítulo 2
Inodilatadores................................................................................................................... 36

capítulo 3
Inibidores da enzima conversora de angiotensina....................................................... 41

Capítulo 4
Vasodilatadores................................................................................................................ 46

Unidade iII
Drogas antiarrítmicas................................................................................................................... 55

capítulo 1
Ritmicidade cardíaca........................................................................................................ 55

Capítulo 2
Classificação dos mecanismos arritmogênicos......................................................... 60

Capítulo 3
Classificação das drogas antiarrítmicas..................................................................... 63

Para (não) Finalizar....................................................................................................................... 72

Referências..................................................................................................................................... 74
Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
A compreensão da farmacodinâmica clínica das drogas que agem no sistema cardiovascular
é essencial para a medicina veterinária por duas importantes razões. Primeiramente, para a
manutenção do padrão da indispensável função bombeadora do coração e, em segundo lugar, pois
disfunções cardíacas passíveis de tratamento são comuns em diversas espécies.

Esse caderno de estudos considera as principais drogas utilizadas no manejo terapêutico das
desordens cardiovasculares, com foco nos aspectos básicos da função cardíaca, agentes inotrópicos
positivos, inodilatadores e vasodilatadores, bem como drogas antiarrítmicas e anticoagulantes.

Objetivos
»» Promover uma breve revisão sobre a anatomia e fisiologia do sistema cardiovascular
e os seus principais distúrbios em medicina veterinária.

»» Compreender os mecanismos de ação dos diferentes fármacos com ação sobre o


sistema cardiovascular com relevância em Medicina Veterinária.

»» Analisar diferentes aspectos (clínicos e experimentais) na utilização dos diferentes


fármacos, a fim de estabelecer as melhores estratégias terapêuticas.

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Fisiologia Unidade i
Cardiovascular

capítulo 1
Aspectos básicos da função cardíaca

O coração do mamífero possui quatro câmaras, dois átrios e dois ventrículos, formados basicamente
por células miocárdicas, por meio das quais a atividade elétrica se propaga (Figura 1). Imersas
nessa massa muscular contrátil, existem estruturas constituídas por tecido muscular modificado
especializadas na gênese e na condução da atividade elétrica.

Figura 1. Representação esquemática das estruturas do coração de mamíferos.

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%B3dulo_sinoatrial>

9
UNIDADE I │ Fisiologia Cardiovascular

No átrio direito, nas proximidades da desembocadura da veia cava superior, situa-se o nó sinusal
(ou sinoatrial – NSA), que no coração normal é o local de gênese da atividade elétrica cardíaca
espontânea. Por isso, o NSA é considerado o marca-passo cardíaco. Também no átrio direito, na
superfície endocárdica da porção inferior do septo interatrial, localiza-se o nó atrioventricular –
NAV. Outro tecido especializado em condução é o feixe de His, que parte do NAV e se estende
para a musculatura ventricular, subsequentemente dividindo-se e formando uma extensa rede de
condução intraventricular, as fibras de Purkinje (Figura 2).

Figura 2. Representação esquemática dos sistemas de condução da atividade elétrica cardíaca.

Fonte: <http://www.lifesavers.com.br/r/Nocoes-de-Fisiologia-11.html.>.

A manutenção do potencial de repouso dentro de certos valores é fundamental para a ativação


normal do coração, uma vez que os principais canais iônicos responsáveis pela atividade elétrica
cardíaca são dependentes de voltagem. Assim como nos neurônios, o potencial de repouso – PR da
célula miocárdica corresponde em grande parte, ao potencial de equilíbrio do K+. Dessa forma, para
ativação normal do miocárdio, excetuando-se o marcapasso, é fundamental que o PR seja mantido
na faixa de -80 a -90mV, quando o canal de Na+, responsável pela fase inicial do potencial de ação
– PA está fechado.

As células musculares cardíacas reagem ao estímulo, que se origina do NSA, pela despolarização de
sua membrana, com uma PA. Um aspecto que chama atenção é a grande diversidade de formas de
PAs dependendo da região do coração. Outra característica marcante dos PAs cardíacos é a longa
duração. Levando em conta o nível de potencial de repouso e a velocidade de despolarização, os PAs
cardíacos podem ser unificados em dois tipos: potencial de ação rápido e lento.

O potencial de ação rápido (em células de resposta rápida) é característico do miocárdio de trabalho
atrial e ventricular, também do feixe de His e das fibras de Purkinje (Figura 3). Quando a membrana
é despolarizada, há ativação de canais de Na+ voltagem-dependentes, o que permite o influxo de
Na+, que vai promover despolarização adicional e, consequentemente, mais influxo de Na+, e assim
por diante num processo de retroalimentação positiva, o que resulta em uma rápida e grande
despolarização da membrana na forma de ultrapassagem (de +40 a +50mV).

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Fisiologia Cardiovascular │ UNIDADE I

Então, a principal corrente de despolarização, responsável pela despolarização (fase 0) do PA


rápido, é a corrente de sódio dependente de voltagem (INa). Pela sua grande densidade, essa corrente
é fundamental para a rápida propagação do PA (1 a 5m/s). As menores velocidades ocorrem no
miocárdio atrial e ventricular e as maiores, nas fibras de Purkinie, tecido especializado na condução.
A seguir, diferentemente do observado no PA do axônio em que a repolarização se processa em
poucos milissegundos, há uma rápida e transitória repolarização (fase 1), associada à abertura do
canal de potássio transiente de efluxo (Ito1) ativada por despolarização. Nesse momento, há um
rápido e momentâneo aumento da permeabilidade da membrana ao K+, explicado pelas rápidas
cinéticas de ativação e inativação deste canal. Nas fibras de Purkinje, há a evidencia de que a fase 1
conta também com influxo de Cl- por meio de um canal de cloreto (Ito2).

Logo após a fase 1, inicia-se a fase de platô (fase 2) de duração variável (100 a 500ms). Durante
o platô, a célula fica despolarizada com um potencial próximo de zero mV, e tanto as correntes
despolarizantes (influxo) quanto as repolarizantes (efluxo) são pequenas, de amplitudes praticamente
iguais, pois a soma das condutâncias ao Na+ e ao Ca++ praticamente se iguala à condutância ao K+.
Assim, o fluxo efetivo de cargas durante esta fase é muito pequeno, razão pela qual o potencial
transmembrana permanece relativamente estável. As correntes despolarizantes presentes nessa
fase incluem a corrente de cálcio do tipo L (ICa,L) que possuem uma inativação lenta, e a INa, com seu
componente de inativação lenta. Quanto às correntes repolarizantes, a bomba de Na+/K+ tem seu
efeito mais proeminente nessa fase, assim como a inativação completa de Ito1 também contribui. É
interessante ressaltar, que é na fase 2 do PA que há o aumento da condutividade da membrana ao
Ca++ para as fibras musculares, importante para a contração muscular.

As correntes despolarizantes decaem completamente, havendo uma absoluta predominância de


correntes repolarizantes, caracterizando a fase de repolarização rápida final (fase 3). Nessa fase, a
maior condutância ao K+ está associada com a ativação de canais de K+ dependentes de voltagem,
retificadores retardados (IK: IKr, IKs e IKur). Induzidas pela despolarização de fase 0, promovendo
um grande efluxo de K+, o que leva à rápida repolarização. Até que o potencial volta ao nível de
repouso (fase 4), caracterizado, novamente, por um balanço entre correntes despolarizantes e
repolarizantes, de modo que o saldo é uma corrente efetiva nula, nas células com PR estável.

Figura 3. Representação esquemática do potencial de ação cardíaco em células de resposta rápida.

Fonte: <http://www.uff.br/fisio6/aulas/aula_07/topico_01.htm>

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UNIDADE I │ Fisiologia Cardiovascular

O potencial de ação lento (em células de resposta lenta) está presente nas células do NSA e NAV
(Figura 4). Como não há participação de canais de Na+ na gênese desse PA, a principal corrente
despolarizante e responsável pela fase 0 é a corrente de Ca++ do tipo L (ICa,c), que se caracteriza por
um ativação mais lenta e uma densidade bem inferior a de INa. Disso resulta uma fase 0 mais lenta
e, consequentemente, uma propagação do PA mais lenta nos dois nós (cerca de 0,05m/s). Esse PA
não apresenta fase 1 e fase 2, então, após a fase 0, segue-se uma repolarização contínua, mais lenta
no início o e mais rápida no final, em função da abertura de canais de K+ retificadores retardados
(IKr e IKs). Essa repolarização atinge um potencial de cerca de -70 a -60mV, retornando, então, ao
potencial de repouso (fase 4). Mas essa fase é caracterizada por uma despolarização lenta, assim,
diferente do miocárdio de trabalho, os nós NAV e NSA não apresentam um PR fixo.

Figura 4. Representação esquemática do potencial de ação cardíaco em células de resposta lenta.

Fonte: <http://www.fac.org.ar/6cvc/llave/c155/perezra.php>

Uma vez estimulado um PA rápido no miocárdio, por maior que seja a intensidade do estímulo, um
segundo PA só poderá ser elicitado depois que tenha ocorrido ao menos 50% da repolarização. Esse
é o período refratário absoluto. A partir daí, inicia-se o período refratário relativo, que é o período
em que um estímulo com intensidade supralimiar é capaz de estimular um segundo PA.

Com PA de maior duração, os períodos refratários no músculo cardíaco são muitos mais longos do
que no axônio e, igualmente, são cruzados pela inativação dos canais de Na+, que só retornam à
conformação de fechados quando o potencial retorna para o valor de repouso. Uma consequência
de períodos refratários mais longos é que no coração não ocorre o fenômeno somação temporal,
observado nos neurônios. Outra consequência é que a frequência máxima possível a ocorrência de
PA é cerca de três vezes menor no coração, no axônio.

Essas diferenças são muito interessantes e importantes para a função de cada tipo celular, pois no
axônio, a função básica do PA é transmitir rapidamente mensagens ao corpo, de grandes distancias,
consequentemente, quanto mais ampla a faixa de frequência, maior a capacidade de transmissão de
mensagem. Já no miocárdio, a função básica do PA é garantir uma propagação rápida e coordenada
e, com isso, disparar o processo de contração sincronizada em todo o coração. Dessa forma,
frequências ventriculares muito altas reduziriam o tempo de enchimento ventricular, diminuindo

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Fisiologia Cardiovascular │ UNIDADE I

a eficiência da bomba cardíaca. Além disso, a contração muscular cardíaca ocorre “dentro” da
fase de platô do PA, isto é, no período refratário absoluto, diferente do músculo esquelético, no
qual a contração ocorre após o final do PA. Assim, o músculo cardíaco só é novamente estimulado
quando a contração já estiver terminado. Consequentemente, o miocárdio não é passível de tetania,
essencial para sua ritmicidade. Uma observação interessante é que o período refratário no PA lento
ultrapassa a própria duração do PA, consequência do maior tempo requerido para a remoção da
inativação do canal de Ca++ do tipo L.

Determinadas células cardíacas não necessitam de estímulo externo para iniciar uma ação potencial.
Essa propriedade é denominada automatismo, presente nas células do NSA e NAV. Nessas células
não existem um potencial de repouso fixo, sendo a repolarização seguida de uma despolarização lenta
da membrana chamada despolarização diastólica ou fase 4 do PAs automáticos. Essa fase prossegue
até um certo potencial limiar (em torno de -40mV), no qual se desencadeia a despolarização rápida
(fase 0) por ativação de ICaL, iniciando-se assim um novo PA. As células do NSA são as que apresentam
a fase 4 mais inclinada (despolarização diastólica mais rápida), atingindo o limiar mais rápido que
o NAV, o que garante ao NSA a condição de marca-passo cardíaco.

Assim, em condições normais, apenas o automatismo do NSA se manifesta. A despolarização


diastólica é um somatório de várias correntes iônicas que atravessam a membrana nos dois sentidos.
As principais correntes são as correntes marca-passo (If), que permite maior influxo de Na+ do que
efluxo de K+, as correntes de cálcio (ICaT e ICaL) e as correntes de potássio (IKr e IKs). Entretanto, a
corrente de Ca++ do tipo T é considerada a principal corrente na gênese do automatismo, sendo
encontrada em densidade maior no NSA que no NAV.

O miocárdio apresenta, em pontos de contatos entre as células vizinhas, regiões especializadas,


denominadas discos intercalares, onde se encontram junções de adesão mecânica, como os
desmossomas, indispensáveis para que o coração suporte as altas pressões desenvolvidas
(particularmente, no ventrículo esquerdo) em condições normais, mas também nas outras câmaras
em condições patológicas. Também, há junções especializadas em comunicação que permite a troca de
substâncias entre células contíguas, chamadas junções comunicantes, ou gap juntions, que formam
vias de baixa resistência entre célula adjacente, que se aderem formando um canal juncional.

Dessa forma, há a possibilidade de o miocárdio se comportar como um sincício funcional, pois ocorre
fluxo de corrente entre as células por meio dessas junções, de tal forma que, se determinada região
do miocárdio for estimulada, ativando o PA, este se propagará por toda a massa muscular. Como os
átrios ficam separados dos ventrículos, dizemos que o coração é formado por 2 sincícios, um atrial
que forma a parede dos dois átrios, e outro ventricular, que forma a parede dos ventrículos. Essa
divisão permite que os átrios se contraiam pouco antes da contração ventricular, o que é importante
para a eficácia do bombeamento cardíaco.

Os estímulos excitatórios se propagam pelo coração, originados no NSA, passando pelos átrios
(como se fosse uma onda), pelo NAV, pelo feixe de His e pelas fibras de Purkinje, e atingem todo
o miocárdio ventricular. Quando os ventrículos estão inteiramente despolarizados, os átrios já
repolarizaram. Pode-se dizer que há também uma propagação da repolarização a partir da região
que primeiro repolariza.

13
UNIDADE I │ Fisiologia Cardiovascular

O traçado do eletrocardiograma – ECG equivale a essa sequência de eventos. O ECG é um


procedimento clínico que fornece informações sobre a propagação de excitação elétrica nos
miocárdios atrial e ventricular. Baseia-se em variações na diferença de potencial entre dois pontos
na superfície corporal em função do tempo. Dependendo da posição dos eletrodos, a morfologia
das ondas do ECG pode variar. Na posição do braço direito e pé esquerdo (derivação II, segundo
Einthoven), onde P corresponde à despolarização atrial (excitação atrial), o intervalo PQ corresponde
ao tempo de condução átrioventricular, o complexo QRS corresponde à despolarização ventricular,
e a onda T representa a repolarização ventricular.

Figura 5. Representação esquemática da unidade eletrocardiográfica

Fonte: <http://ecg.med.br/assuntos-online/o-eletrocardiograma-normal>

A repolarização dos átrios, que ocorre na fase de despolarização dos ventrículos (complexo QRS),
normalmente não é visto no ECG por causa do baixo valor de voltagem. O segmento ST corresponde
à fase de platô, que se situam em torno de 0mV. Pode ainda aparecer a onda U, que parece ser
determinada pela repolarização das fibras ventriculares com PAs mais longos.

Quando o impulso cardíaco normal cursou cada extensão do miocárdio, ele “morre” e o coração
aguarda um novo PA gerado no NSA. O fenômeno de reentrada é quando o impulso continua e
trafegar, causando a reentrada do impulso em músculo que já foi excitado. Isso pode acontecer em
3 condições:

1. se a extensão do percurso for longa (exemplo, coração dilatado), pois a célula


originalmente estimulada não estará mais refratária;

2. se a velocidade de condução diminuir (exemplo, isquemia do músculo);

3. se o período refratário ficar muito encurtado (exemplo, em resposta a diversos


fármacos).

A reentrada pode causar muitos padrões anormais de contração cardíaca e até mesmo ritmos
cardíacos anormais, que ignoram o efeito marca-passo do NSA, como a mais grave de todas as
arritmias, a fibrilação.

14
Fisiologia Cardiovascular │ UNIDADE I

O músculo cardíaco, assim como o músculo esquelético, é estriado porque os filamentos de actina
e miosina se interdigitam, formando as estrias transversais. Os miofilamentos que também se
organizam em miofibrilas, têm a mesma constituição que a do músculo esquelético, e é também os
deslizamentos da actina sobre a miosina que caracteriza a contração.

Figura 6. Representação esquemática do ciclo das pontes transversas na contração da musculatura esquelética

Fonte: <http://nutrisdoexercicio.wordpress.com/2013/04/23/histofisiologia-neuromuscular/>

Os mecanismos que causam o acoplamento entre a despolarização da membrana e a contração estão


associados pelo conceito de acoplamento eletromecânico (Figura 7). Nesse processo, os íons Ca++
desempenham papel fundamental. O retículo sarcoplasmático – RS, importante reservatório de
Ca++, é menos desenvolvido no miocárdio, por isso o influxo de Ca++, por meio do sarcolema, é muito
importante. Os RS estão situados nas proximidades dos miofilamentos, com curtas vias de difusão
para o Ca++, possibilitando alterações de concentração de Ca++ diretamente no local de sua ação. A
liberação de Ca++ ocorre pelos compartimentos dilatados, nas extremidades do RS, chamadas de
cisternas terminais, que se situam na proximidade imediata de invaginações do sarcolema (Túbulos
T). O PA se propaga pela membrana da célula cardíaca, atingindo os túbulos T, onde estão os canais

15
UNIDADE I │ Fisiologia Cardiovascular

de Ca++ do tipo L, também denominados receptores para di-hidropiridina (DHPR). Durante a fase
de platô (fase 2) do PA, o Ca++ flui, ao longo de seu gradiente eletroquímico, pelos canais (DHPR),
para o interior das fibras musculares, e ativa canais de Ca++ do RS, denominados receptores para
rianodina (tipo 2, RyR2), desencadeando liberação adicional de Ca++ pelo RS (liberação de Ca++
induzida por Ca++). Esse Ca++ induz o ciclo de contração por sua ligação com a troponina C, igual no
músculo esquelético (Figura 7).

Brevemente, o miocárdio relaxa quando o transporte ativo primário – ATP se liga à cabeça
da miosina, o que diminui sua afinidade pela actina e volta para 90º, e quando a concentração
citosólica de Ca++ diminui, pois não há ligação de Ca++ a TnC e o complexo tropomiosina-troponina
retorna a sua conformação de repouso, isto é, recobrindo os sítios ativos na actina para ligação da
miosina. Há a rápida reabsorção (ou recaptação) de Ca++ pelo RS, um processo dependente de ATP,
que é mediado por uma Ca++-ATPase, também chamada de ATPase transportadora de cálcio do RS
(SERCA), e modulada pela proteína fosfolambam. A fosforilação do fosfolambano, por proteínas
cínases dependentes de AMPc, desinibe (e assim, estimula) a atividade da SERCA e com isso
aumenta a recaptaçao de Ca++ pelo RS. O Ca++ também é transportado por meio do sarcolema para
fora da célula, por uma Ca++-ATPase e por um trocador de 3Na+/1Ca+. Esse trocador transfere 3Na+
para dentro, a favor do gradiente, e 1Ca++ para fora da célula, contra o gradiente de concentração,
sendo então um transporte ativo secundário, mantido pela atividade contínua de Na+-K+-ATPase.

Figura 7. Representação esquemática do mecanismo de acoplamento excitação-contração no músculo


cardíaco.

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capítulo 2
Ciclo cardíaco: coração como uma
bomba

Sob o ponto de vista funcional, o coração consiste de duas bombas, interligadas de modo sequencial.
O coração direito, abastecido com sangue venoso pelas veias cavas superior e inferior, por intermédio
da contração do ventrículo direito, ejeta sangue venoso para circulação pulmonar por meio da
artéria pulmonar. O coração esquerdo bombeia o sangue rico em oxigênio, por meio de contração
do ventrículo esquerdo, por meio da aorta, para a circulação corporal (sistêmica). As contrações do
coração esquerdo e do direito ocorrem simultaneamente. A função de bombeamento do coração
está baseada na sequência rítmica de contração (sístole) e relaxamento (diástole), que compõem
o chamado ciclo cardíaco. A ação bombeadora do coração reflete-se nas mudanças de volume e
pressão que ocorrem em cada câmara cardíaca e nas grandes artérias, na medida em que o coração
completa cada ciclo.

A direção do fluxo sanguíneo é determinada pela disposição das valvas cardíacas, cuja função
permite o transporte do sangue em uma só direção. A valva atrioventricular direita é composta por
três cúspides (ou folhetos) e denomina-se valva tricúspide, enquanto aquela que separa o átrio e
ventrículo esquerdo é composta por duas cúspides, sendo denominada bicúspide ou mitral. Essas
valvas atrioventriculares abrem-se quando a pressão ventricular é menor que a atrial e fecham-se
quando as pressões se invertem. Além das valvas atrioventriculares, existem as semilunares,
constituídas por três cúspides cada, inseridas no trato de saída da artéria pulmonar (valva pulmonar)
e da aorta (valva aórtica). As valvas semilunares abrem-se, quando a pressão ventricular ultrapassa
a pressão arterial (pulmonar ou aórtica), e fecha-se quando ocorre o inverso.

Sons sincronizados, ou melhor, ruídos, podem ser percebidos por meio do tórax, com auxilio de
estetoscópio, são produzidos no coração durante o ciclo cardíaco. Quatro ruídos ou bulhas cardíacas
geralmente são produzidos pelo coração, mas somente duas são audíveis pelo estetoscópio. A primeira
bulha cardíaca inicia-se no começo da sístole ventricular, sendo um ruído abafado, alto e de longa
duração. É produzida pela oscilação do sangue nas câmaras ventriculares e pela vibração das paredes
dessas câmaras, quando há elevação abrupta da pressão ventricular e, principalmente, com a retração
repentina das valvas atrioventriculares (A-V), havendo desaceleração do sangue quando elas se
fecham. As vibrações dos ventrículos e do sangue neles contidos são transmitidas, através dos tecidos
adjacentes, e alcançam a parede torácica, sendo ouvido um ruído do tipo “tum”. Assim, a primeira
bulha coincide com o fechamento das valvas A-V. A segunda bulha coincide com o fechamento abrupto
das valvas semilunares e é composta por vibrações de frequência mais alta (tom mais alto), com menor
intensidade e duração; é auscultada como um ruído mais “claro”, do tipo “ta”.

Com recursos eletrônicos especiais (fonocardiograma), uma terceira bulha cardíaca pode ser
demonstrada. Causada pelo sangue entrando durante o enchimento ventricular inicial, essa bulha
consiste de vibrações de frequência e intensidade baixas. Em corações sobrecarregados, como em

17
UNIDADE I │ Fisiologia Cardiovascular

caso de insuficiência cardíaca congestiva, quando o volume ventricular é muito grande, a terceira
bulha pode ser auscultada, o que é um sinal grave.

Uma quarta bulha consiste de poucas oscilações de baixa frequência, é ouvida raramente em
indivíduos normais, sendo causada por oscilações do sangue e das câmaras durante a sístole atrial.
Os ruídos anormais são caracterizados como sopros cardíacos, que podem ser causados por uma
insuficiência valvar, quando não há o fechamento completo da valva, ou por uma estenose, quando
não há abertura completa da valva, então, esse estreitamento dificulta a passagem do sangue. A
insuficiência mitral e a estenose mitral produzem, respectivamente, sopros sistólico e diastólico,
pois há refluxo do sangue no momento da diástole ou dificuldade para passagem do sangue na
diástole. A insuficiência aórtica e estenose aórtica, por outro lado, produzem, respectivamente,
sopros diastólico e sistólico. As características do sopro servem como guia importante para o
diagnóstico de doença valvar.

A cada geração espontânea de um PA pelo NSA, inicia-se um ciclo cardíaco. Esse, portanto, refere-se
ao período compreendido entre o início de um batimento cardíaco e o início do batimento seguinte.
Porquanto, as alterações de volume e pressão no lado direito são similares àquelas do lado esquerdo
do coração, exceto quanto à pressão desenvolvida na sístole, cujo valor situa-se em torno de 1/5
da pressão desenvolvida pelo ventrículo esquerdo. Para facilitar, o lado esquerdo é usado como
exemplo na figura 7. O ciclo cardíaco inicia-se com a excitação atrial, a qual é indicada pela onda P
no ECG. Como a valva A-V está aberta, a transferência de sangue do átrio para o ventrículo, feita
pela onda de contração atrial, completa o período de enchimento ventricular.

Essa sístole atrial é responsável pelos pequenos aumentos das pressões atrial (onda a) e ventricular,
assim como do volume ventricular, já que a valva aórtica está fechada (pressão na aorta maior que
no ventrículo esquerdo). Em frequências cardíacas baixas, a contribuição da sístole atrial para
o enchimento ventricular é pequena, uma vez que, quando a despolarização atinge o ventrículo
esquerdo, indicado pela presença do complexo QRS no ECG, inicia-se a sístole ventricular.

Então, observa-se, em um curto intervalo de tempo, uma rápida subida da pressão ventricular,
forçando o fechamento da valva A-V (mitral) e produzindo a primeia bulha cardíaca. Nesse curto
período em que as valvas mitral e aórtica permanecem fechadas, a contração ventricular processa-se
sem haver alteração de volume na câmara, por isso essa fase da sístole é denominada de contração
isovolúmica ventricular. O aumento progressivo de tensão na parede ventricular produz rápido
aumento da pressão ventricular e também em pequena elevação da pressão atrial (onda c) por
causa da elevação do assoalho atrial e pequena protusão da valva A-V em direção a cavidade atrial.
No momento em que a pressão ventricular ultrapassa a pressão na aorta (aproximadamente 80
mmHg), a valva semilunar abre-se, começando a fase seguinte de ejeção de sangue da cavidade
ventricular para aorta.

Essa fase de ejeção tem um componente inicial rápido (ejeção rápida) seguido por uma ejeção final
mais lenta (ejeção reduzida). A ejeção rápida é caracterizada pelo aumento da pressão ventricular
e pelo declínio da curva de volume ventricular e como a entrada de sangue na aorta ocorre mais
rapidamente que a passagem deste para as artérias menores, a pressão aórtica, que antes estava em
declínio, agora aumenta até atingir um valor máximo, aproximadamente na metade do período de

18
Fisiologia Cardiovascular │ UNIDADE I

ejeção. Essa pressão máxima é referida como pressão arterial sistólica. Nesse momento, o miocárdio
ventricular esquerdo começa a se repolarizar, conforme se constata pela presença da onda T no
ECG. A pressão ventricular torna-se inferior à aórtica, mas a ejeção continua, ainda que reduzida
(fase de ejeção reduzida), devido à alta aceleração imprimida ao sangue pela contração ventricular
na fase anterior.

Essa queda de pressão ventricular leva ao fechamento da valva aórtica (segunda bulha), terminando
assim o período de sístole e ejeção ventricular (não é ejetado todo volume). Agora, as duas valvas
(mitral e aórtica) estão fechadas e o miocárdio ventricular está relaxando, de modo que, por uma
função de tempo, não há variação de volume ventricular, por isso esse período é denominado de
relaxamento isovolúmico, que marca o início de diástole. Por causa da queda da tensão ativa na
parede ventricular, a pressão ventricular diminui rapidamente. A pressão aórtica varia pouco
devido à elasticidade de suas paredes, mas depois decresce durante toda a diástole, na medida em
que o sangue flui em direção à microcirculação. A pressão atrial continua crescendo, devido ao
retorno venoso e ao fato da válvula mitral estar fechada, até o momento em que supera a pressão
ventricular, que inicialmente é rápido, havendo grande aumento do volume ventricular porque o
gradiente pressórico é muito favorável à passagem do sangue da cavidade atrial a ventricular.

Na medida em que esse gradiente pressórico diminui, o que ocorre na fase média da diástole, a
velocidade de enchimento torna-se menor, caracterizando a fase de enchimento ventricular lento ou
diástole, havendo um pequeno e lento aumento do volume ventricular. Simultaneamente, a pressão
aórtica continua caindo lentamente até atingir um valor mínimo no final da diástole, referida como
pressão arterial diastólica. O enchimento ventricular termina com a sístole atrial e o fechamento da
valva mitral, que indicam o início de mais um ciclo cardíaco.

Figura 8. Representação esquemática da relação temporal entre as pressões atrial, ventricular e aórtica, o volume
ventricular, o eletrocardiograma e fonocardiograma, no ventrículo esquerdo.

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ciclo_card%C3%ADaco>

19
Digitálicos,
inotrópicos Unidade iI
positivos e
vasodilatadores

capítulo 1
Inotrópicos positivos

Os digitálicos e diversos agentes químicos da mesma família são derivados de plantas, como
a dedaleira roxa (Digitalis purpurea), além de outras espécies não relacionadas aos digitális. O
uso medicinal de extratos dessas plantas, contendo princípios cardioativos, apresenta uma longa
história, datada dos tempos antigos das civilizações grega e romana.

A aplicação dos digitálicos na medicina moderna pode ser datada em 1765, quando William
Withering – médico da Inglaterra – relatou suas observações sobre o uso de terapêutico da dedaleira.
Essa notável história teve início com uma senhora idosa que, durante muitos anos, divulgou um
remédio popular de ervas supostamente eficaz contra a hidropsia (edema). Apesar de tal remédio
ser um segredo de família e de ter em sua composição cerca de 20 diferentes ervas, Withering
atribuiu corretamente os efeitos terapêuticos benéficos ao ingrediente da dedaleira. Após 10 anos de
estudos, Withering foi convencido sobre os valores terapêuticos da planta e publicou a sua clássica
monografia intitulada “An account of the Foxglove and some of its medical uses: with practical
remarks on dropsy and other diseases”.

A monografia “An account of the Foxglove and some of its medical uses: with practical
remarks on dropsy and other diseases”, pode ser encontrada no seguinte link: <http://
books.google.com.br/books/about/An_Account_of_the_Foxglove_and_Some_
of_I.html?id=VgIta49rzT4C&redir_esc=y>.

Devido à resposta diurética frequentemente pronunciada, os rins foram primeiramente atribuídos


como órgãos-alvo para a dedaleira; entretanto, Withering expôs que ele teria ação sobre os movimentos
cardíacos, em um grau até o momento não observado com qualquer outro medicamento, e tal efeito
pode ser convertido para fins salutares. Estudos subsequentes realizados por diversos estudiosos
identificaram o coração como sendo o foco dos agentes digitálicos em pacientes com falência
cardíaca congestiva e designaram como o seu principal mecanismo de ação o seu efeito inotrópico
positivo sobre o miocárdio. Tais agentes também exercem importantes ações antiarrítmicas que
possuem aplicações terapêuticas, estando a falência cardíaca congestiva instalada ou não.

20
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

A resposta terapêutica aos digitálicos em pacientes com falência cardíaca congestiva implica em
um amplo escopo de ajustes hemodinâmicos que aumentam a contratilidade miocárdica, além de
aumentar o output cardíaco, aumentar a diurese e reduzir o edema, controlar as arritmias cardíacas
e reduzir o volume sanguíneo, a pressão venosa, o tamanho do coração e a frequência cardíaca. A
melhora na contratilidade miocárdica é o seu efeito mais importante, consistindo no efeito primário,
a partir dos quais todos os demais efeitos são dependentes.

A habilidade dos glicosídeos cardíacos em aumentar a contratilidade miocárdica foi demonstrada


em uma série de experimentos. O músculo cardíaco suspenso, e em comprimento constante,
responde aos digitálicos com um aumento na força sistólica isométrica; já quando o músculo
cardíaco é estudado sob condições isotônicas, o encurtamento muscular é aumentado. A infusão
endovenosa da droga aumenta a pressão desenvolvida intraventricular em indivíduos intactos,
até mesmo quando a frequência cardíaca, o retorno venoso e a pressão sanguínea são mantidas
constantes por meios experimentais. Tais resultados validam um efeito direto no encurtamento
contrátil, independente de alterações no comprimento da fibra em repouso, frequência cardíaca,
ou pós-carga.

A ação inotrópica positiva dos glicosídeos cardíacos é particularmente pronunciada nos corações
hipodinâmicos ou com falência. Entretanto, tal fato não deve ser interpretado como evidência de
que os digitálicos corrigem seletivamente o defeito bioquímico específico no coração com falência
cardíaca crônica. Tal imperfeição já foi identificada de forma satisfatória. Os digitálicos, por meio
do aumento da disponibilidade de cálcio nas fibras cardíacas, aumentam a contratilidade, tanto
do coração normal quanto daquele com falência. Assim, os glicosídeos cardíacos podem aumentar
a fração de encurtamento cardíaco através de uma via celular que ignore ou envolva – apenas
parcialmente – o defeito espontâneo. (ARANOW, 1992).

O mecanismo de ação dos digitálicos, útil na falência cardíaca congestiva, seria o seu efeito inotrópico
positivo sobre a musculatura cardíaca; entretanto, apenas parte de seus mecanismos podem ser
respondidos sem controvérsias. (FELDMAN, 1993).

A bomba de sódio e potássio (Na+/K+-ATPase) presente na membrana celular é dependente de


magnésio e responsável pelo transporte ativo de Na+ e K+ contra os seus respectivos gradientes de
concentração (Figura 9). Acredita-se que Na+/K+-ATPase seja o receptor celular para os glicosídeos
digitálicos (AKERA e NG, 1991) de forma que a sua inibição por tais substâncias resulta em uma
progressiva redução nas concentrações intracelulares de K+, a medida que a habilidade da bomba em
transportar os íons Na+ e K+ diminui (KATZ, 1985). Uma diminuição na concentração intracelular
de íon potássio e/ou um aumento em sua concentração extracelular reduz o potencial de repouso
da membrana para valores mais negativos, o que pode levar a um aumento do automatismo e,
eventualmente, um prejuízo na condução e excitabilidade. A inibição da Na+/K+-ATPase e a
depleção resultante das concentrações intracelulares de potássio são os responsáveis por muitos
das atividades tóxicas antiarritmogênicas dos digitálicos.

21
UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

Figura 9. Representação esquemática da atividade da bomba de sódio e potássio.

Disponível em: <http://dc367.4shared.com/doc/MTTYwy58/preview.html>.

O efeito inotrópico envolve a ativação do trocador Na+/Ca++, por meio do acúmulo de Na+ no
meio intracelular. Baker et al. (1969) demonstraram com axônio gigante de lula que o aumento
no conteúdo de sódio no meio intracelular aumentava a captação do íon cálcio através do
processo de troca mediado pelo transportador Na+/Ca++. Tal mecanismo parece ser eficaz em
outros tecidos excitáveis e tem sido evocado como o elo entre a inibição da Na+/K+-ATPase e a
inotropia digitálica no coração (LANGER, 1977). A sequência de eventos pode ser visualizada na
seguinte progressão:

I. os digitálicos interagem com a Na+/K+-ATPase, inibindo-a;

II. o efluxo de sódio é reduzido;

III. as concentrações intracelulares de Na+ aumentam;

IV. aumenta o gradiente para o transporte antiporte por meio da membrana entre Na+
(intracelular) e Ca++ (extracelular);

V. a concentração intracelular de Ca++ aumenta;

VI. o aporte de Ca++ para as proteínas contráteis aumenta; e

VII. o efeito inotrópico positivo é alcançado (Figura 10).

22
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

Figura 10. Representação esquemática da ação dos digitálicos sobre a bomba de sódio e potássio e a sua
consequência sobre os processos contráteis cardíacos.

Fonte: modificado de Riviere JE e Papich MG, In: Veterinary Pharmacology and Therapeutics, 9th edition, Iowa:
Wiley-Blackwell.

Output Cardíaco
Glicosídeos digitálicos exercem uma ação fundamentalmente similar no miocárdio com ou sem
falência: o aumento na contratilidade. Entretanto, alterações no output cardíaco são influenciados
pelo status funcional do sistema cardiovascular no momento da administração dos digitálicos.

Coração sem falência


O output cardíaco do coração normal aumenta minimamente e pode até reduzir suavemente após
o tratamento com os digitálicos (BRAUNWALD, 1985). A resistência periférica total é aumentada
pelos digitálicos no indivíduo normal como resultado do aumento centralmente mediado no tônus
simpático vasomotor e um efeito vasoconstrictor direto. A impedância do sistema arterial para a
ejeção ventricular é, desse modo, aumentada, o que se opõe à tendência de aumento no output
cardíaco produzido pela resposta inotrópica positiva à droga. O aumento na impedância de efluxo
e na contratilidade cardíaca tende a neutralizar um ao outro, produzindo uma pequena razão de
alteração no output cardíaco em populações normais.

23
UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

Coração com falência


A capacidade de trabalho do ventrículo com falência em qualquer volume diastólico final ou pressão
é inadequada pra gerar um volume sistólico normal. A fração de ejeção é reduzida adequadamente, o
que aumenta o volume de sangue residual no ventrículo após a sístole. Caso o enchimento diastólico
continue em uma razão próxima ao normal, o ventrículo irá dilatar a fim de acomodar o aumento
no volume diastólico final. Após a administração de digitálicos, ambos os processos são revertidos.
O aumento no vigor contrátil cardíaco mediado pelos digitálicos aumenta a capacidade de trabalho
do ventrículo em qualquer pressão final de enchimento diastólico. Os digitálicos trocam a função
ventricular completa em direção ao aumento da contratilidade (MASON, 1973). O esvaziamento
sistólico é mais completo neste momento e o volume residual ventricular é reduzido. O output
cardíaco aumenta e o tamanho do coração é reduzido à medida que o volume de enchimento
ventricular é diminuído.

Ajustes hemodinâmicos subsequentes evocam outras respostas que contribuem para a manutenção
da melhora do output cardíaco no paciente com falência cardíaca congestiva. Por exemplo, a
vasoconstricção mediada pelo sistema nervoso simpático e seu respectivo aumento na resistência
vascular periférica já estão em progresso nestes indivíduos, como parte da resposta compensatória
para a sua condição patofisiológica; o aumento na impedância para a ejeção ventricular está
em vigor. Após os digitálicos, o aumento pronunciado da contratilidade miocárdica e o volume
sistólico colocaram em progressão uma retirada reflexa do tônus vasomotor. Isso, por sua vez,
evoca a vasodilatação periférica, a redução da resistência periférica e a redução da impedância
do efluxo. Tal sequência de eventos continua a dominar, à medida que a perfusão periférica e a
oxigenação tecidual melhora, o que compensa os efeitos vasoconstrictores diretos dos digitálicos.
O aumento no output cardíaco persiste à medida que o estado de compensação do miocárdio
prevaleça.

Metabolismo energético cardíaco


Os primeiros estudos forneceram evidências de que a resposta inotrópica positiva para os
glicosídeos cardíacos seria única, quando contrastado com a atividade catecolaminérgica, devido
aos digitálicos aumentarem a força de contratilidade sem um aumento proporcional no consumo
de oxigênio. Entretanto, estudos com músculos sem falência, mostraram que os glicosídeos
cardíacos aumentam o consumo de oxigênio proporcionalmente ao aumento na força contrátil.
(LEE e KLAUS, 1971).

Tais dados, aparentemente contraditórios, podem ser reconciliados por meio da comparação da
dinâmica cardíaca dos digitálicos nos corações com e sem falência. O coração com um volume
ventricular normal responde aos digitálicos com o aumento no consumo de oxigênio proporcional
com o aumento na contratilidade. O aumento no consumo de oxigênio é o resultado direto do
aumento na contratilidade, de acordo com o conceito de que a demanda miocárdica pelo oxigênio é
diretamente influenciada pelo estado inotrópico, frequência cardíaca e tensão da parede. A tensão
da parede ventricular é diretamente proporcional à pressão ventricular e ao raio (Teoria de Laplace).
Assim, ela diminuirá se houver uma redução na pressão ou no raio.

24
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

Já no coração dilatado e com falência, a redução no tamanho cardíaco, secundária à ação inotrópica
da terapia com digitálicos, leva a uma redução significante na tensão da parede, o que, por sua vez,
leva a uma redução na demanda miocárdica por oxigênio.

Pressão sanguínea
Ajustes na pressão sanguínea após a terapia com glicosídeos cardíacos são secundários ao progresso
cardiodinâmico no paciente com falência cardíaca congestiva e a pressão sistêmica tende a
normalizar.

Efeitos neuroendócrinos
Nos pacientes com falência cardíaca congestiva, a redução na frequência cardíaca acompanha o
efeito inotrópico positivo. Tal resposta é resultado, aparentemente, dos efeitos neuroendócrinos
que têm sido reconhecidos como, talvez, mais importantes do que o próprio efeito inotrópico em
doses terapêuticas. Também parece que tais efeitos neuroendócrinos são independentes da ação
inotrópica positiva.

Os efeitos neuroendócrinos são alcançados devido a os digitálicos aumentarem a sensibilidade


reflexa dos barorreceptores, que foi perdida durante a falência cardíaca. A dessensibilização parece
causar um aumento nas concentrações de catecolaminas nos pacientes, bem como os digitálicos
restauram a sensibilidade e diminuem o tônus simpático nos pacientes com falência cardíaca. Os
efeitos neuroendócrinos também são atribuídos à estimulação vagal (efeito parassimpatomimético).
Os efeitos neuroendócrinos são responsáveis pela diminuição na frequência de disparo do nodo
sinusal, bem como na redução da velocidade de condução do impulso no nodo atrioventricular.

Excitabilidade
Efeitos eletrofisiológicos diretos e indiretos dos digitálicos podem ser demonstrados por todo
o coração (GILLIS e QUEST, 1990). A redução na concentração intracelular de íon potássio e o
aumento no conteúdo intracelular de íon sódio resultante da inibição da bomba de sódio e potássio
produz uma despolarização parcial da célula, isto é, a negatividade da face interna da membrana
é reduzida. A redução resultante no potencial diastólico traz esse valor para próximo ao limiar,
tendendo então à aumentar a excitabilidade. O aumento da excitabilidade pode ser observado no
átrio e no ventrículo a partir de uma pequena dose de digitálicos; entretanto, a excitabilidade é
deprimida com o aumento progressivo do conteúdo da droga à medida que a despolarização
diastólica progride para além do limite crítico.

Automatismo
As células marca-passo são caracterizadas pela despolarização espontânea, o que move o potencial
diastólico para o limiar de excitação requerido para a fase 0 e, desse modo, disparando o potencial
de ação automaticamente (ver capítulo 1). Doses terapêuticas de glicosídeos cardíacos produzem

25
UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

uma redução na curva da despolarização espontânea do marca-passo sinoatrial, o que produz uma
redução na taxa de disparos. Esse efeito, entretanto, é secundário ao aumento do tônus vagal e à
diminuição do tônus simpático. Após o pré-tratamento com atropina, ou com doses relativamente
altas de digitálicos, os efeitos não vagais dominam e um aumento no automatismo é observado; tal
resposta prevalece nos sistemas especializados de condução atrial e, especialmente, ventricular.

O aumento no automatismo evocado pelos glicosídeos cardíacos é relacionado com uma acelerada
taxa de despolarização diastólica espontânea. A atividade marca-passo das células do sistema de
condução ventricular, normalmente latente, é magnificada, levando a batimentos ventriculares
ectópicos que são normalmente um importante sinal inicial de toxicidade digitálica. Em contraste,
as fibras musculares no átrio e ventrículos podem ser despolarizadas de forma que se tornem não
excitáveis, sem a deflagração de impulsos espontâneos. Caso a excitabilidade do músculo ventricular
caia para abaixo do normal, concomitantemente com o aumento da frequência de impulsos ectópicos
a partir das fibras de condução especializadas, a tendência para a fibrilação ventricular é aumentada.

A relevância clínica para a não usual pós-despolarização atrasada, que pode ser vista com a
utilização dos digitálicos, não é completamente elucidada. Essas despolarizações secundárias do
potencial inicialmente estão abaixo do limiar e aparecem espontaneamente durante a diástole,
após um potencial de ação comum. A pós-despolarização pode alcançar o limiar à medida que a
toxicidade piora; as extra-sístoles resultantes contribuem para as arritmias ectópicas associadas
com a intoxicação por digitálicos.

Condução do impulso e período refratário


O efeito dominante dos digitálicos na condução do impulso é reduzir a velocidade de condução por
meio de mecanismos tanto vagais quanto não vagais. Essa resposta é praticamente predominante no
sistema de transmissão atrioventricular e contribui de forma importante para os efeitos benéficos
dos digitálicos em controlar a taxa ventricular durante a fibrilação atrial e palpitação.

As ações vago-dependentes no animal intacto encurtam o período refratário das fibras atriais, que
tendem a exacerbar o ritmo de fibrilação atrial. Em contraste, o período refratário do sistema de
condução atrioventricular é marcadamente prolongado pelos mecanismos vagais. Os digitálicos
encurtam o período refratário no ventrículo, o que contribui para as arritmias de reentrada.

Efeitos combinados durante a fibrilação atrial e a


palpitação
Durante a fibrilação atrial, a frequência ventricular é rápida e sem ritmo, como resultado da
transmissão dos impulsos nervosos de forma rápida e irregular através do nodo atrioventricular.
Tal fato contribui ainda mais para a síndrome da falência cardíaca por promover o enchimento
ventricular e ejeção incompleta. Devido ao fato de os digitálicos prolongarem o período refratário
e atrasarem a condução do impulso nervoso através do nodo atrioventricular, o ventrículo será
bombardeado por menos impulsos que atravessam efetivamente a junção atrioventricular. Assim, a
frequência ventricular é ajustada para um nível mais lento, porém, mais fisiológico (MIJLER, 1985).

26
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

Benefícios similares são ganhos durante o flutter atrial. Os digitálicos podem converter esse ritmo
para fibrilação atrial (ou o aumento na frequência do último) por meio de um mecanismo vago-
dependente, evocando a redução no período refratário atrial. A frequência ventricular ainda é
reduzida devido a uma refratariedade atrioventricular prolongada e redução na condução do
impulso. A conversão do flutter atrial para a fibrilação pelos digitálicos é vista de forma otimista
em razão de a frequência ventricular ser controlada de forma mais fácil durante a fibrilação do que
durante o flutter atrial.

Para uma breve revisão sobre as diferenças entre a fibrilação atrial e o flutter
atrial, leia o seguinte artigo: ORGA FILHO, Adalberto et al. Diretriz de fibrilação
atrial. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 81, supl. 6, 2003. Disponível em: <http://
www.arquivosonline.com.br/pesquisartigos/Pdfs/2003/8106/Dir_FibriAtrial.pdf>.

Efeitos no eletrocardiograma

A multiplicidade dos efeitos eletrofisiológicos dos digitálicos cardíacos no miocárdio pode ser
expressa de uma forma igualmente complexa por meio do eletrocardiograma. A maioria dos tipos
de distúrbios de condução e disritmias detectados em animais doentes pode ser reproduzida em
indivíduos normais por meio dos glicosídeos cardíacos. A maioria dessas alterações são mais
importantes para o diagnóstico da toxicidade por glicosídeos do que para a sua terapia.

Pacientes com falência congestiva, com taquicardia sinusal ou outra taquiarritmia


supraventricular demonstram, geralmente, o retorno em direção ao eletrocardiograma normal
após a administração de digitálicos. Frequências ventriculares rápidas associadas com a
fibrilação ou flutter atrial devem ser reduzidos à medida que a ação depressora dos digitálicos
sobre a condução atrioventricular é manifestada. O prolongado intervalo PR, refletindo o atraso
na condução atrioventricular, é relativamente comum no aspecto do eletrocardiograma de cães
submetidos à terapia com digitálicos. Reciprocamente, um aumento no intervalo PR não é
necessariamente um pré-requisito para a resposta terapêutica. Alguns cardiologistas acreditam
que o prolongamento do intervalo PR pode ser um sinal incerto de uma toxicidade induzida
pelos digitálicos. (TILLEY, 1979).

Diferentes tipos de anormalidades no eletrocardiograma podem aparecer, caso a resposta


terapêutica aos digitálicos degenera em toxicidade. A progressão de sinais no eletrocardiograma
que se segue foi reconhecida como resultado da ação da digoxina (DETWEILER, 1977): i) sinais
ocasionalmente observados em cães normais, mas também característicos de efeitos da digoxina
(bloqueio de primeiro grau atrioventricular ou bloqueio atrioventricular com queda nas batidas); ii)
sinais improváveis de acontecer espontaneamente em cães normais em repouso (bradicardia sinusal
menor que 50 batimentos/minuto ou taquicardia sinusal excedendo os 200 batimentos/minuto); e
iii) sinais que não ocorrem em cães normais (dissociação atrioventricular, taquicardia paroxismal
atrial com ou sem bloqueio, focos ectópicos atriais, fusão de batimentos, bloqueio intraventricular
ou batimentos ectópicos ventriculares).

27
UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

Rins e diurese
Os mecanismos compensatórios que participam com o objetivo de restaurar o fluxo sanguíneo na
falência cardíaca congestiva inclui aumento reflexo no tônus simpático vasoconstrictor. A constrição
arteriolar no rim é particularmente crucial devido à redução do fluxo sanguíneo renal diminuir a
taxa de filtração glomerular, resultando em uma retenção de água e de sódio. A subperfusão renal
também ativa um mecanismo humoral rim-dependente que promove a reabsorção adicional de
água e de sal. Tal sequência de eventos envolve a seguinte progressão de fatos: diminuição do débito
cardíaco, hipotensão, reflexos via barorreceptores, aumento na atividade simpática, constrição
arteriolar renal, redução no fluxo renal, liberação de renina, aumento na formação de angiotensina,
aumento na formação de aldosterona, retenção de sódio, retenção de água e expansão de volume
sanguíneo (Figura 3).

Figura 11. Sistema renina – angiotensina – aldosterona.

Disponível em: <http://dc153.4shared.com/doc/PtQMa0E0/preview.html>.

O aumento no volume sanguíneo tende a aumentar o débito cardíaco; entretanto, uma consequência
prejudicial é o aumento no volume do fluido intersticial, o que promove a formação de edema. À
medida que o volume sanguíneo expande e a pressão intravascular dilata, a probabilidade para
a formação de edema aumenta proporcionalmente. O edema forma-se nos pulmões e em outros
tecidos periféricos caso a falência ventricular esquerda e direita, respectivamente, se agrava
progressivamente.

28
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

Após o tratamento com digitálicos, os processos acima mencionados são revertidos. A vasoconstrição
reflexa é removida à medida que o débito cardíaco e a hemodinâmica melhoram; o fluxo sanguíneo
renal e a taxa de filtração glomerular aumentam e o estímulo para a secreção de aldosterona reduz.
Uma redução marcante na secreção de aldosterona pode ser observada após a terapia com digitálicos
em cães com falência cardíaca congestiva (CARPENTER et al., 1962).

Uma diurese profusa é resultado da diminuição da reabsorção renal de água e sódio. A diurese
e uma redução na pressão hidrostática capilar move a água tecidual a partir do compartimento
tecidual para o espaço vascular, promovendo o alívio ao edema. A diurese não é uma característica
proeminente da terapia com digitálicos, caso o edema não acompanhe a síndrome da falência
cardíaca congestiva. Similarmente, os digitálicos não evocam a diurese, caso o edema não seja
cardiogênico. Assim, a resposta diurética aos digitálicos é secundária à melhora circulatória e não é
um efeito direto sobre os rins. (ROBINSON, 1972).

Efeitos extracirculatórios

Os glicosídeos cardíacos podem afetar as funções celulares ao longo do corpo, aparentemente por
meio da inibição total da bomba de sódio e potássio, ou seja, tais agentes podem afetar a função da
musculatura esquelética, a atividade da glândula tireoide, os parâmetros hematológicos e tantas
outras funções. Tais atividades parecem ter pouca relevância terapêutica, exceto para a toxicose
evidente que geralmente requer quantidades da droga em excesso, quando comparada à quantidade
que deveria ser administrada.

Reações de vômito após a administração de digitálicos estarão relacionadas principalmente com a


sua ação central e ocorrem mesmo após a administração parenteral em um animal eviscerado. Tanto
a zona quimiorreceptora do gatilho quanto o centro emético medular parecem estar envolvidos: a
irritação local da mucosa gástrica também pode participar da resposta emética após a administração
oral de digitálicos.

Farmacocinética
O intestino delgado é o principal sítio para a absorção dos digitálicos após ser administrado por via
oral, apesar de a taxa e a extensão deste processo variar de acordo com os diferentes componentes
de sua formulação. A absorção de digoxina após a sua administração por via oral por meio de um
elixir é, normalmente, uniforme, variando entre 75-90%, com o pico de sua concentração sérica
sendo alcançado dentro de 45 – 60 minutos (KRASULA et al., 1976). O valor de pico sérico é menor
e ocorre mais tardiamente (por volta de 90 minutos) quando administrado sob a forma de tablete.
Dependendo dos métodos farmacológicos utilizados na formulação dos tabletes, a absorção dos
glicosídeos digitálicos pode ser irregular e ineficiente na medida em que as concentrações séricas
necessárias para a terapêutica podem não ser alcançadas.

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UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

Após a administração intravenosa, a resposta inotrópica positiva máxima para a digoxina é


alcançada dentro de 60 minutos (HAMLIN et al., 1971). Há uma queda inicial nas concentrações
séricas à medida que a droga mistura-se com o compartimento vascular e é distribuída ao longo
dos tecidos, seguida por uma lenta queda exponencial. Os valores biológicos de meia-vida para os
glicosídeos digitálicos em cães permanecem incertos devido á variedade de resultados obtidos a
partir de diferentes laboratórios e até mesmo a partir de um único laboratório. Breznock (1973, 1975)
reportou que a meia-vida plasmática da digoxina foi de 38,9 a 55,9 horas, em diferentes estudos.
Outros valores aproximados incluem 27 horas (BARR et al., 1972), 30 horas (HAHN, 1977), 24
horas (DOHERTY, 1973) e 31 horas (de RICK et al., 1978). Tais variações fortalecem a necessidade
da adoção de regimes de dosagem individuais dependendo da resposta do paciente.

Dessa forma a excreção urinária parece ser a sua via de eliminação mais importante, sendo que 25%
da digoxina liga-se a proteínas plasmáticas (BREZNOCK, 1973). Os glicosídeos digitálicos e os seus
metabólitos podem seguir um ciclo enterro-hepático no qual os componentes são excretados na
bile, pelo fígado, e alguns ainda podem ser posteriormente reabsorvidos.

Toxicidade dos digitálicos

Concentrações plasmáticas
O desenvolvimento de um radioimunoensaio preciso, para mensurar a quantidade de digoxina e
digitoxina em fluidos biológicos, foi um importante avanço no campo da farmacologia. A aplicação
clínica desse método permite a correlação das concentrações séricas dessas drogas com os seus
efeitos terapêuticos ou tóxicos. (HABER, 1985).

Em humanos, as concentrações plasmáticas terapêuticas e tóxicas da digoxina são frequentemente


entre 0,8-1,6 ng/mL e maior que 2,4 ng/mL, respectivamente (MOE e FARAH, 1975). Números
similares foram obtidos em estudos com animais: concentrações plasmáticas de digoxina de 0,5-
2 ng/mL e 2,3 ng/mL foram consideradas não tóxicas para cavalos (BUTON et al., 1980) e gatos
(ERICKSEN et al., 1980), respectivamente. Concentrações plasmáticas de digoxina maiores que 2,5
ng/mL foram descritas como não tóxicas para cães saudáveis e com falência cardíaca espontânea;
vale ressaltar que valores entre 0,8 e 1,9 ng/mL pode também ser terapêutico no grupo de animais
com falência cardíaca espontânea. Concentrações de digoxina maiores que 2,5 a 3,0 ng/mL foram
associadas com o aumento na probabilidade de intoxicação nos cães. (de RICK et al., 1978).

A administração intravenosa aguda de digoxina em doses tóxicas em cães foi determinada em


0,177 mg/Kg (BECK, 1969). Toxicidade subaguda com digoxina pode ser induzida e mantida
em Beagles saudáveis por meio de uma dose de 0,125-0,150 mg/Kg com um incremento após 1,
4 e 24 horas, seguido por uma dose de manutenção diária de 0,015-0,025 mg/Kg (FILLMORE e
DETWEILER, 1973; TESKE et al., 1976). Os sinais de toxicidade foram suaves ou ausentes quando
as concentrações séricas de digoxina foram menores que 2,5 ng/mL; por sua vez, sinais moderados
de intoxicação foram associados com concentrações entre 2,5 e 6 ng/mL, enquanto que intoxicação
severa, inclusive com algumas mortes, foi observada quando as concentrações séricas de digoxina

30
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

ultrapassavam 6 ng/mL. A mais elevada concentração de digoxina foi associada com hipotermia
(redução de 0,6 a 1,7ºC), aumento no nitrogênio ureico sanguíneo e aumento na creatinina sérica. O
aumento inesperado nas concentrações séricas de creatinina e no nitrogênio ureico foi interpretado
como uma evidência de que a intoxicação por digoxina compromete a função renal.

Sinais clínicos
A intoxicação por digitálicos é caracterizada por um conjunto de sinais clínicos cuja forma varia
desde desconforto gastrointestinal até a perda de peso crônica e arritmias com riscos de vida
(DETWEILER, 1977; TILLEY, 1979). A anorexia inicial e o amolecimento das fezes são efeitos
colaterais comuns; caso eles não piorem, não há a necessidade de reduzir a dose de administração.
Vômitos após a administração de glicosídeos cardíacos por via endovenosa também é uma reação
comum; por outro lado, vômitos em cães após a administração de digitálicos por via oral devem
ser observados mais cautelosamente, principalmente se acompanhada por diarreia prolongada,
devendo tais indivíduos ser examinados para buscas de outras evidências de intoxicação. Distúrbios
gastrointestinais são certamente perturbadores e podem debilitar o paciente; entretanto, as
consequências letais da intoxicação por digitálicos estão relacionadas às arritmias cardíacas.

Uma variedade de anormalidades pode aparecer no eletrocardiograma, à medida que a intoxicação


por digitálicos aparece. A redução na frequência sinoatrial e a lenta condução atrioventricular,
alcançadas com a terapia com digitálicos, podem progredir para o bloqueio incompleto ou completo
do coração, com redução dos batimentos cardíacos e alterações no segmento ST visto que se segue
com a intoxicação. O bloqueio atrioventricular, por sua vez, pode progredir para ritmo de escape
juncional e sístoles ventriculares prematuras. Caso um complexo QRS extra apareça após cada
sístole regular, os digitálicos terão evocado sístoles ventriculares acopladas. Tal ritmo pode aparecer
antes ou após o desenvolvimento de outras arritmias que podem ser associadas com a intoxicação
por digitálicos. A taquicardia paroxismal atrial ou ventricular com bloqueio e sístole ventriculares
prematuras multifocais são evidências adicionais de severo distúrbio cardíaco. A ocorrência dessas
ou de qualquer outra importante anormalidade no eletrocardiograma necessita de uma remoção
completa da terapia com digitálicos; o tratamento com uma dose menor não deve ser estabelecido
até que o eletrocardiograma esteja livre de tais arritmias.

Detweiler (1967) fez uma breve revisão sobre as diferentes sensibilidades espécie-específicos para
a intoxicação com glicosídeos digitálicos. A dose letal mediana para diversas espécies, tendo o
gato como a unidade, seria: gato, 1; coelho, 2; diversas rãs, 28; diversos sapos, >400; ratos, 671. A
resistência à toxicidade dos digitálicos parece residir no coração e, pode ser reflexo de uma relativa
sensibilidade da bomba de sódio e potássio à inibição mediada pelos glicosídeos.

Envolvimento eletrolítico
A toxicidade cardíaca aos digitálicos é afetada pela disponibilidade de eletrólitos, em especial, o íon
potássio e cálcio. Em essência, redução nas concentrações de K+ potencializa a arritmogenicidade
dos digitálicos, enquanto que o excesso de K+ antagoniza tal atividade arritmogênica. A atividade
antiarrítmica do K+, na intoxicação por digitálicos é relacionada, provavelmente, à inibição exercida

31
UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

por tal cátion na ligação do glicosídeo com o transportador Na+/ K+ - ATPase. A razão intracelular/
extracelular de K+ parece ser o determinante primário da interação desse íon com os digitálicos,
mais do que apenas a concentração intersticial de K+. A disritmia induzida por digitálicos pode
ocorrer na presença de concentrações plasmáticas normais de K+ devido a depleção intracelular
desse cátion que acompanha a inibição da Na+/ K+ - ATPase.

Tratamento
Apesar de as técnicas de radioimunoensaio poderem distinguir as concentrações plasmáticas
terapêuticas e tóxicas dos digitálicos, uma sobreposição considerável pode ocorrer, ou seja, a
concentração terapêutica em um paciente pode ser considerada tóxica em outro. A experiência e o
julgamento clínico devem ser exercidos quando a intoxicação por digitálicos é diferenciada de uma
exacerbação na falência cardíaca com o tratamento para as arritmias.

Quando a intoxicação por digitálicos é diagnosticada, o primeiro procedimento é remover a terapia


com os glicosídeos; a progressão do paciente deve, então, ser monitorada cuidadosamente por
meio de eletrocardiogramas frequentes. As medidas conservadoras acompanhadas por repouso
são frequentemente efetivas no controle das arritmias cardíacas e outros sinais de intoxicação;
entretanto, a terapia apropriada deve ser instituída, caso as arritmias piorem ou falhem em sua
reversão espontânea.

O cloreto de potássio (KCl) é administrado na tentativa de aumentar as concentrações plasmáticas


de potássio para limites além dos valores normais e, assim, suprimir as arritmias causadas pelos
glicosídeos. Entretanto, caso as concentrações plasmáticas de potássio já estejam elevadas nos cães
intoxicados por digitálicos, a administração de K+ exógeno pode causar uma deterioração adicional
no perfil do eletrocardiograma. Obviamente, um cuidado considerável deve ser exercido quando
a terapia com K+ for empregada no manejo da intoxicação com digitálicos. Em cães, o padrão de
dosagem para o KCl inclui 0,6 a 1 g por via oral como dose inicial, seguido por 0,3 a 0,5 g, a cada
1 ou 2 horas para 2 doses, e continuado em intervalos de 4 horas, caso necessário para o controle
das arritmias. (DETWEILER, 1977). A infusão lenta de KCl por via endovenosa com o frequente
monitoramento do eletrocardiograma e das concentrações séricas de K+ podem ser experimentados.
(ETTINGER e SUTER, 1970). Entretanto, uma infusão de sais de potássio com elevada velocidade
podem precipitar outras arritmias, incluindo a fibrilação ventricular.

A colestiramina é uma resina de troca, que liga o glicosídeo ao trato gastrointestinal, usada
experimentalmente com o objetivo de interromper o ciclo enterro-hepático e, assim, apressar a
eliminação dos componentes digitálicos.

Adicionalmente, o uso de anticorpos antiglicosídeos é outra terapia utilizada (HABER, 1985;


KUROWSKI et al., 1992). A Digoxina imune FAB Digibind® é um anticorpo antidigoxina produzido
em ovelhas; é um tratamento utilizado em animais, porém, é muito caro. Um frasco pequeno
contém 38 mg de Digoxina imune FAB que neutralizará 500 mcg de digoxina. Os animais irão
melhorar rapidamente após a administração. Caso seja utilizado em animais, um ensaio clínico
para quantificar as concentrações séricas de digoxina não serão corretos devido a interferência e não
devem ser utilizados para monitorar a toxicidade.

32
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

Agentes como o íon magnésio, o Ácido Etilenodiamino Tetra-acético – EDTA, citrato de sódio,
sais de canrenoato, procainamida e quinidina possuem pouco uso clínico em animais. Entre
os agentes antiarrítmicos, a lidocaína, o propranolol e especialmente a fenitoína são as drogas
mais utilizadas no controle da arritmia cardíaca. A atropina pode ser útil nos casos de severa
bradicardia sino-aórtica. Na presença de bloqueio atrioventricular, agentes antiarrítmicos e terapia
com potássio devem ser evitadas. A utilização de intervenções antiarrítmicas em que a dose de
digitálicos pode ser aumentada, na esperança de alcançar uma resposta inotrópica maior, pode
ser perigosa e sem garantias. A quinidida pode realmente causar um aumento nas concentrações
plasmáticas de digoxina, provavelmente por meio do bloqueio dos transportadores de efluxo.

Indicações terapêuticas para os digitálicos

Falência cardíaca congestiva


Há controvérsia relativa aos benefícios reais para a sobrevivência com o uso dos glicosídeos digitálicos
no manejo da terapia em longo prazo da falência cardíaca congestiva em pacientes animais. Os
glicosídeos cardíacos são indicados para a falência cardíaca congestiva, resultante de uma sobrecarga
absoluta ou relativa, cujo fornecimento de energia para o coração é descomprometido. Tais
problemas incluem a hipertensão, impedância de saída passiva (ex. dirofilariose) e cardiomiopatia
dilatada idiopática. Novas drogas inodilatadoras têm sido muito utilizadas no lugar dos digitálicos
no manejo da falência cardíaca congestiva.

Arritmias atriais
Os digitálicos podem ser utilizados no tratamento da fibrilação ou flutter atrial, com a presença ou
não da doença cardíaca congestiva. Entretanto, a droga não é empregada para a remoção do padrão
arrítmico. O objetivo da terapia com digitálicos, em qualquer desses estágios, é reduzir a frequência
ventricular, por meio da desaceleração da condução atrioventricular, eliminar o déficit do pulso,
caso presente, e melhorar a eficiência cardíaca (MEIJLER, 1985). O potencial envolvimento da
falência cardíaca latente ou oculta na patogênese da fibrilação atrial em alguns animais não deve
ser desconsiderado; os resultados benéficos dos digitálicos no tratamento do que parece ser uma
fibrilação atrial descomplicada pode muito bem envolver tais complexidades.

Precauções
Os digitálicos não são indicados em casos de choques circulatórios, falência renal, falência hepática,
contrações ventriculares prematuras, taquicardia ventricular ou bloqueio cardíaco, ao menos que
a anormalidade esteja associada com a falência cardíaca congestiva (BRAUNWALD e KAHLER,
1964). A terapia com digitálicos em pacientes com falência cardíaca congestiva com bloqueio
cardíaco ou taquicardia ventricular deve ser supervisionada de forma intensa e sua administração
deve ser monitorada de perto, por meio de registros contínuos de eletrocardiograma. Os digitálicos
podem acentuar o bloqueio atrioventricular, o que pode resultar em uma séria redução da frequência

33
UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

ventricular e o seu us em tratamento também pode transformar uma taquiarritmia ventricular em


fibrilação.

Apesar de os digitálicos diminuírem a frequência sinusal na falência cardíaca congestiva, tal atividade
é complexa e não possui aplicação na tentativa de reduzir a frequência cardíaca quando a taquicardia
sinusal é presente sem a evidência de falência cardíaca congestiva. A taquicardia associada a outras
condições, tais como febre, tireotoxicose, pericardite constritiva ou tamponamento cardíaco, não é
passível de terapia com digitálicos. Cardiomiopatias hipertróficas e a ruptura da cordoalha tendinea
constituem outras não indicações para a terapia com digitálicos.

A toxicose digitálica pode simular certos aspectos da doença cardíaca, especialmente severas
arritmias. Os clínicos devem sempre assegurar que cada paciente enquadrado para o tratamento
com digitálicos não os tenham recebido, sob quaisquer preparações, recentemente; caso contrário, a
tentativa de produzir uma terapia com digitálicos em pacientes que realmente sofrem de intoxicação
não reconhecida pode apresentar resultados negativos.

Procedimentos clínicos
Quando iniciado o tratamento com digoxina, o esquema de dosagem preciso pode ser menos
importante do que o cuidado com o monitoramento da resposta do paciente durante a implementação.
Em todos os casos, uma dose pré-determinada não deve ser administrada indiscriminadamente
até que os efeitos tóxicos sejam observados. Caso os sinais de intoxicação aparecem logo após o
manejo dos digitálicos e antes de os efeitos benéficos serem atingidos, o tratamento é suspenso
e retomado com doses baixas, após os sinais de toxicose estarem ausentes. Similarmente, caso a
toxicose desenvolva-se durante a manutenção da terapia, a dose deverá ser reajustada para um nível
menor. Por outro lado, a dose poderá ser aumentada ou administrada em intervalos menores, caso
os efeitos terapêuticos não sejam alcançados com o esquema terapêutico pré-determinado. Assim,
o manejo da terapia com digitálicos deve ser interpretado na clínica de acordo com as necessidades
individuais de cada paciente.

Os dados publicados por de Rick et al. (1978) indicaram que a administração de 0,025 mg/Kg de
digoxina a cada 12 horas, ao longo de 36 horas, ou seja, dose total de digitalização de 0,1 mg/Kg,
seguido por uma dose de manutenção de 0,01 mg/Kg a cada 12 horas, foi associada com uma menor
toxicidade em relação às técnicas com doses elevadas. Harris (1974) e Hahn (1977) defendem que
uma dose elevada de digoxina não é necessária em cães e que a dose de manutenção diária de
0,022 mg/Kg (administrada a cada 12 horas) deva ser implementada como procedimento original.
Utilizando os cálculos farmacocinéticos baseados em indivíduos animais, Button et al. (1980)
encontraram que o padrão de 0,022 mg/Kg seria a dose de manutenção ideal para digoxina em cães.

Kittleson (1983) assinalou que devido à elevada razão toxicidade/dose terapêutica, os digitálicos
deveriam ser administrados de acordo com a razão área de superfície corpórea/peso corporal.
Assim, já que tal razão geralmente diminui à medida que o tamanho do animal aumenta, raças
de cães maiores podem requerer menos digitálicos por Kg de peso corporal em relação às raças
menores. De acordo com a dose de digoxina recomendada, de 0,22 mg/m2 de área de superfície

34
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

corporal, duas vezes ao dia, cães pesando 10, 20, 30, 40 e 50 kg deveriam receber 0,011, 0,009,
0,008, 0,007 e 0,006 mg/kg de digoxina, respectivamente, duas vezes ao dia.

Abordagem parenteral
A administração endovenosa de digoxina aumenta a probabilidade de arritmias tóxicas e esta
limitação deve ser considerada. Administração intramuscular reduz o perigo, mas a dor e o inchaço
nos locais de injeção limita a aceitação do paciente por esse método. A dose de manutenção oral
deve ser substituída, caso seja possível.

A resposta inotrópica positiva para a digoxina pode ser detectada dentro de 15 a 30 minutos após
a administração endovenosa em cães (HAMLIN et al., 1971). Quando em estado de emergência, a
dose total administrada por via endovenosa é de aproximadamente 0,044 mg/Kg (ETTINGER e
SUTER, 1970), sendo 25 a 50% do total da dose administrada, inicialmente, de forma lenta, através
da via endovenosa; 25% adicional é administrada dentro de 30 a 60 minutos ou 60 a 120 minutos.
Os pacientes tratados com essa técnica devem ser examinados com cuidado, a fim de monitorar os
sinais de intoxicação e anormalidade no eletrocardiograma.

35
capítulo 2
Inodilatadores

Os inodilatadores são agentes que possuem tanto propriedades vasodilatadoras quanto inotrópicas
positivas (OPIE, 2001). Historicamente, o manejo em curto prazo de falência cardíaca aguda
ou descompensada, caracterizada por disfunção sistólica, é beneficiada por uma combinação
com dobutamina (inotrópico positivo) e nitroprussiato de sódio (vasodilatador). Agentes dessa
classe combinam tais propriedades e o pimobendan, que é disponível em uma formulação para
administração oral, torna a terapia crônica possível.

Aplicação clínica
O pimobendan é um agente original com propriedades úteis no manejo clínico de cães com
falência cardíaca secundária, cardiomiopatia dilatada ou doença valvular degenerativa crônica. A
eficácia do pimobendan no tratamento da falência cardíaca em consequência da cardiomiopatia
dilatada e da doença valvular degenerativa crônica foi avaliada minuciosamente em cães quando
comparado a outras drogas cardioativas até o momento, incluindo os inibidores da enzima
conversora de angiotensina. Em um estudo prospectivo duplo-cego com placebo, O’Grady et al.
(2003) demonstraram uma duplicação da sobrevida global de Doberman pinschers, com falência
cardíaca secundária à cardiomiopatia dilatada, de uma média de 63 ± 14 dias com furosemida, um
inibidor da enzima conversora de angiotensina e placebo, versus 128 ± 29 dias com furosemida,
um inibidor da enzima conversora de angiotensina e pimobendan (0,25 mg/Kg, por via oral, duas
vezes ao dia). Estudos adicionais sugerem um benefício para a sobrevivência com a combinação de
pimobendan e furosemida, quando comparado com a associação entre furosemida com um inibidor
da enzima conversora de angiotensina (com ou sem digoxina), em cães com falência cardíaca
secundária à cardiomiopatia dilatada e da doença valvular degenerativa crônica. Outros estudos
oferecem evidências conflituosas a respeito da superioridade do pimobendan para o tratamento
desde a falência cardíaca secundária até a doença valvular degenerativa crônica.

Análises preliminares de um estudo contínuo de O’Grady et al. (2003) não mostraram qualquer
vantagem na sobrevivência dos cães com a utilização de pimobendan com furosemida, quando
comparado à associação entre a furosemida com um inibidor da enzima conversora de angiotensina
em cães com falência cardíaca secundária à doença valvular degenerativa crônica. Reciprocamente,
Smith et al. (2005) e Lombard et al. (2006) demonstraram superioridade na combinação entre
a furosemida com o pimobendan sobre a associação entre inibidores da enzima conversora de
angiotensina (ramipiril ou benazepril, respectivamente) com a furosemida no tratamento da
falência cardíaca relacionada à doença valvular degenerativa crônica. Em tais estudos, não foram
observados efeitos colaterais, sugerindo que a combinação entre o pimobendan com a furosemida
poderia ser superior àquela entre a furosemida de inibidores da enzima conversora de angiotensina
para o tratamento de falência cardíaca causada por doença valvular atrioventricular.

36
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

O pimobendan parece ser seguro e bem tolerado em animais com falência cardíaca relacionada
à doença valvular degenerativa crônica. Estudos com mais de 300 cães com falência cardíaca
devido à cardiomiopatia dilatada ou à doença valvular degenerativa crônica apresentaram
efeitos benéficos globais do pimobendan, quando adicionado a terapia padrão contra a falência
cardíaca. Adicionalmente ao pimobendan, tais cães receberam furosemida e inibidores da enzima
conversora de angiotensina e um ou mais dos seguintes medicamentos: espironolactona (> 75%),
beta-bloqueador (20%), digoxina (11%) e hidroclorotiazida (3%).

Os efeitos hemodinâmicos foram avaliados anteriormente ao início da administração com


pimobendan e novamente, 45 dias após. Não foram detectadas alterações significativas na pressão
sanguínea sistêmica indireta, peso corporal, hematócrito, creatinina sérica ou eletrólitos. A
concentração de nitrogênio ureico sanguíneo aumentou em alguns animais; a frequência cardíaca
e respiratória foram reduzidas e não ocorreram alterações na frequência combinada de arritmias
nos eletrocardiogramas, isto é, batimentos ventriculares prematuros, taquicardia supraventricular,
taquicardia e fibrilação atrial. Alguns parâmetros ecocardiográficos sugerem a melhoria da função
sistólica, isto é, uma redução na dimensão interna do ventrículo esquerdo na sístole, redução
do diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo e um aumento na porcentagem da área de
encurtamento do ventrículo esquerdo.

Em conjunto, essas evidências sugerem que a adição de pimobendan à terapia padrão contra a
falência cardíaca não possui efeitos colaterais detectáveis, enquanto que promove um aumento na
função sistólica, além de reduzir as pressões de enchimento diastólico. Apesar de tais benefícios
terem sido observados após cerca de 45 dias do início do tratamento com pimobendan, resultados
recentes sugerem que tais efeitos podem ser aparentes dentro de apenas 24 horas, indicando uma
aplicação em potencial desse fármaco no tratamento da falência cardíaca aguda e descompensada.

A experiência clínica está de acordo com os dados que suportam a ideia eficaz da adição da terapia
com pimobendan na melhora da qualidade de vida e da sobrevida de cães com falência cardíaca
secundária, cardiomiopatia dilatada e doença valvular degenerativa crônica (SMITH et al., 2005;
LOMBARD et al., 2006). O pimobendan é de fácil utilização na clínica, não exige monitoramento
adicional e é bem-aceito pelos clientes. Ele age rapidamente e pode ser utilizado na fase inicial e
aguda da falência cardíaca.

O pico dos efeitos hemodinâmicos, após a administração oral em pacientes com estômago vazio,
inicia-se em 1 hora após a administração, durando cerca de 8 a 12 horas. O seu início é de ação
rápida, a baixa incidência de efeitos colaterais e a diminuição no tempo de hospitalização com o uso
do pimobendan teve um impacto positivo sobre os proprietários e médicos.

Mecanismo de ação
O pimobendan é um derivado do benzimadazole piridazinona e é classificado como um inodilatador,
ou seja, inotrópico positivo e dilatador arteriovenoso. Em corações em falência, exerce os seus efeitos
inotrópicos positivos primariamente por meio da sensibilização do aparato contrátil cardíaco para o
cálcio intracelular. Como um inibidor da fosfodiesterase tipo 3, ele pode aumentar potencialmente a
concentração intracelular de cálcio e aumentar o consumo de oxigênio pelo miocárdio.

37
UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

Entretanto, os efeitos do pimobendan sobre a fosfodiesterase cardíaca são mínimos, em sua dose
farmacológica administrada em cães com falência cardíaca, o que é a sua principal vantagem sobre
outros inotrópicos inibidores da fosfodiesterase, como a milrinona. A sensibilização ao cálcio
induzida pelo pimobendan para o aparato contrátil cardíaco é alcançada por meio do aumento
na interação entre o íon cálcio e a troponina tipo C, resultando em um efeito inotrópico positivo
que melhora a função sistólica mas não aumenta o consumo de oxigênio. Outra vantagem do
pimobendan é a relativa ausência de arritmogenicidade associada com os inotrópicos positivos cujo
único mecanismo de ação é o de aumentar o conteúdo de cálcio intracelular ou as concentrações de
AMPcíclico no miocárdio.

Vasodilatação

A fosfodiesterase tipo 3 e 5 são encontradas no músculo liso vascular. Inibidores da fosfodiesterase


tipo 3, como o pimobendan, provocam uma vasodilatação balanceada (combinação entre dilatação
arterial e venosa), levando à redução tanto na pré-carga quanto pós-carga cardíaca.

Adicionalmente, o pimobendam pode apresentar algum efeito inibitório sobre a fosfodiesterase tipo
5 pois a concentração dessa enzima é relativamente maior na musculatura lisa vascular das artérias
pulmonares, de forma que a sua inibição pode ajudar a melhorar o aumento na pressão arterial
pulmonar (hipertensão pulmonar) que tende à igualar as elevações a longo prazo na pressão atrial
esquerda, uma importante complicação na doença valvular degenerativa crônica.

Modulação das citocinas

A significância das alterações das citocinas pró-inflamatórias, tais como o fator de necrose tumoral
α e as interleucinas 1-β e 6 na progressão da falência cardíaca, tem sido documentada nas mais
diversas formas de doença cardíaca. Alterações adaptativas em concentrações de citocinas estão
associadas ao aumento na morbidade e mortalidade; o pimobendan tem demonstrado uma
modulação benéfica em várias dessas citocinas em modelos de falência cardíaca.

Efeito antiplaquetário

O pimobendan apresenta efeitos antitrombóticos nas plaquetas de cães. A importância clínica para
tal propriedade ainda não é conhecida.

Efeito lusitrópico positivo

Via inibição da fosfodiesterase tipo 3 nos cardiomiócitos, o pimobendan aumenta o conteúdo


intracelular de AMPc, facilitando a fosforilação de receptores localizados no retículo sarcoplasmático.
A receptação diastólica de cálcio é, então, aprimorada e a velocidade do relaxamento aumentada,
indicando uma propriedade lusitrópica positiva.

38
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

Doses e frequências
A dose de pimobendan recomendada é de 0,25 a 0,3 mg/Kg a cada 12 horas. A eficácia inicial pode ser
aumentada por meio da administração com o animal em jejum, mas, uma vez o estado estacionário
tenha sido atingido (o que leva poucos dias), esse fármaco pode ser administrado juntamente com
a comida.

Farmacocinética
A biodisponibilidade é reduzida pela comida até que o estado estacionário seja atingido após alguns
dias de administração. Consequentemente, a droga deve ser administrada com o animal em jejum
e pelo menos 1 hora antes de ser alimentado, a fim de alcançar os efeitos máximos no início do
protocolo terapêutico. O pico dos efeitos hemodinâmicos após a administração oral em um animal
em jejum é alcançado dentro de 1 hora, sendo a sua duração entre 8 a 12 horas. Assim, apesar de o
pimobendan ser uma preparação oral, ele pode fornecer um suporte rápido e em curto prazo para
animais com falência cardíaca aguda e descompensada.

Efeitos adversos
Pimobendan é bem-tolerado em cães com falência cardíaca. O relato de um caso descreveu a
ruptura das cordoalhas tendínea em dois cães tratados com pimobendan. Outro caso descreveu a
hipertrofia ventricular, apesar de os cães desse estudo não apresentarem falência cardíaca e, assim,
não representarem a população de pacientes que é foco do tratamento com pimobendan. Nenhum
estudo cego, randomicamente controlado, reportou um aumento na frequência de arritmias, tanto
em humanos como em animais e estudos em medicina veterinária descreveram um aumento na
qualidade de vida e na sobrevida, argumentando contra os importantes efeitos colaterais que o
tratamento com pimobendan pode induzir em cães com falência cardíaca. Os efeitos observados
após o uso clínico do pimobendan seriam:

»» Cardiovasculares: hipertensão sistêmica e taquicardia, geralmente dose-dependente


e que é abolida com a redução da dose.

»» Gastrointestinais: inapetência, anorexia e diarreia.

»» Comportamentais/sistema nervoso central: falta de coordenação, convulsões e


mal-estar.

»» Renais: poliúria e polidipsia.

Adicionalmente, assim como para todos os agentes inotrópicos, o pimobendan não deve ser
administrado em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica ou com quaisquer tipo de obstrução de
fluxo, como estenose subaórtica e estenose pulmonar. Não há dados na literatura que garantam a
segurança da administração de pimobendan em cães gestantes e lactantes.

39
UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

O efeito inotrópico pode ter um efeito negativo em cães com lesões valvulares precoces. Em
um estudo com cães com doença valvular mitral assintomática, o pimobendan piorou as lesões
mitrais, além de outros índices de função cardíaca em cães tratados com pimobendan, quando
comparado aos cães tratados com o benazepril (inibidor da enzima conversora de angiotensina).
(CHETBOUL et al., 2007).

40
capítulo 3
Inibidores da enzima conversora de
angiotensina

O reconhecimento da contribuição do sistema renina-angiotensina-aldosterona na fisiopatologia


da falência cardíaca congestiva levou ao desenvolvimento de um grupo de agentes vasodilatadores.
Esses componentes são os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), tais como o
captopril, enalapril e o benazepril (HOLTZ, 1993; DIETZ et al., 1993; JACKSON, 2006), porém,
estudos posteriores com humanos e animais levaram à identificação de quase uma dúzia de inibidores
da ECA (Jackson, 2006). Apesar de cada inibidor da ECA apresentar a sua própria característica
farmacológica, todos compartilham a ação primária e central em inibir a conversão de angiotensina
I em angiotensina II (Figura 11).

A redução na perfusão renal durante a falência cardíaca evoca a síntese e a secreção de renina,
que catalisa a formação de angiotensina I a partir do angiotensinogênio, de origem hepática. A
angiotensina I, por sua vez, é a precursora da angiotensina II, o hormônio metabolicamente ativo
cuja síntese é catalisada pela enzima conversora de angiotensina. Assim, ao inibir a ECA, o captopril
e o enalapril diminuem a formação de angiotensina II e, por meio desse mecanismo, evocam a
vasodilatação periférica no paciente com falência cardíaca. A secreção de aldosterona mediada pela
angiotensina II é reduzida pelos inibidores da ECA, facilitando assim a excreção renal de sódio e a
diurese.

Portanto, o captopril melhora a hemodinâmica em cães com falência cardíaca experimental,


reduz as concentrações de aldosterona e melhora o estado clínico de cães com falência cardíaca de
ocorrência natural. A administração de 1 a 2 mg/Kg, por via oral, três vezes ao dia, parece ser uma
dose eficaz de captopril para cães com falência congestiva. (KITTLESON et al., 1993; KNOWLEN
et al., 1983).

Estudos com inibidores da ECA em humanos sugeriram que tais medicamentos exercem uma série
de efeitos benéficos nos pacientes com falência cardíaca (Jackson, 2006). O enalapril e outros
medicamentos melhoram a tolerância ao exercício, reduzem os sinais e sintomas da falência
cardíaca, além de prolongar a vida. Parcialmente, devido à rápida expansão do papel dos inibidores
da ECA na terapêutica cardiovascular na medicina humana, tais drogas também são utilizadas em
animais com doença cardíaca espontânea.

41
UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

Figura 12. O sistema renina-angiotensina pode ser bloqueado em diversos níveis e por diferentes mecanismos. Os
inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) inibem a conversão de angiotensina I em angiotensina II,
diminuindo a concentração desta última no sangue.

Fonte: GUIMARAES et al.Comportamento dos quimiorreflexos central e periférico na insuficiência cardíaca. Arq. Bras. Cardiol.
2011, vol.96, n.2, pp. 161-167.

Em estudos com gatos que apresentam cardiomiopatia hipertrófica, a terapia com enalapril melhorou
o estado hemodinâmico e a sua eficácia terapêutica também foi examinada em um minucioso
estudo envolvendo mais de 400 cães com cardiomiopatia dilatada natural ou doença cardíaca
valvular crônica. Alguns desses cães foram submetidos a exames invasivos para o monitoramento
das funções cardiodinâmicas, enquanto sinais de melhora ou de mortalidade foram observados em
outros cães. Quase todos os cães continuaram recebendo a terapia convencional para a falência
cardíaca envolvendo diuréticos (geralmente furosemida) com ou sem digoxina. Assim, esse estudo
multicêntrico teve como objetivo examinar a habilidade da inibição da ECA em melhorar a terapia
contra a falência cardíaca com digitálicos e diuréticos, mais do que os benefícios terapêuticos apenas
do enalapril. Apesar disso, esse estudo produziu evidências convincentes de que a inibição da ECA
com enalapril poderia melhorar a qualidade de vida e retardar a mortalidade em cães com falência
cardíaca.

O enalapril reduziu os seguintes parâmetros em cães com falência cardíaca: pressão de oclusão capilar
pulmonar, frequência cardíaca, pressão arterial média e pressão arterial pulmonar (SISSON, 1992).
Também foram vistos resultados similares em estudos experimentais com captopril. A melhoria
das funções cardiovasculares foi evidente nas primeiras 24 horas de tratamento com o enalapril;

42
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

3 a 4 semanas após o tratamento com enalapril, associado à terapia convencional, a melhora foi
detectada em vários marcadores clínicos para a função hemodinâmica, incluindo o aumento na
capacidade de exercício e a consequente redução na classe da falência cardíaca, a redução dos sinais
de edema pulmonar e a melhora da condição do indivíduo como um todo. A mortalidade foi menor
nos animais tratados com enalapril e poucos desses pacientes exibiram uma piora progressiva na
falência cardíaca. (ETTINGER et al., 1994).

Cães com doença cardíaca em Classe 1 não apresentam sinais clínicos de cardiopatias, exceto em
resposta à exercícios excepcionalmente fortes ou a outros desafios cardíacos. Em geral, tais pacientes
não necessitam de fármacos e a dieta com elevado teor de sódio deve ser evitada para prevenir a
retenção hídrica e hipervolemia.

Tanto a doença valvular crônica quanto à cardiomiopatia dilatada idiopática são condições contínua
e geralmente irreversíveis. A sua taxa de progressão pode ser reduzida por meio de intervenção
terapêutica; entretanto, atualmente, não há drogas confiáveis que cessem a progressiva deterioração
do coração nessas entidades patológicas. Já aqueles animais com doença cardíaca em Classe 2
exibem sinais de função cardíaca insuficiente, em consequência de exercícios leves ou moderados.
Enalapril, na dose de 0,5 mg/kg, uma vez ao dia, deve ser considerado juntamente com uma dieta
restringida de sal. Além disso, a função renal deve ser monitorada regularmente.

Os cães com doença cardíaca em Classe 3 apresentam sinais evidentes de falência cardíaca, mesmo
durante um exercício leve; tais sinais incluem dispneia, ortopneia, tosse cardíaca e episódios de
edema pulmonar. A tolerância ao exercício é marcadamente reduzida, adicionalmente, é comum
aparer ascite e outras evidência de falência cardíaca direita. Deve ser implementada uma terapia
agressiva juntamente com restrição de atividade física e de sal na dieta. Terapia com diurético, como
furosemida, geralmente inicia-se por 2 a 4 dias, seguido pela adição de enalapril, uma vez ao dia, na
dose de 0,5 mg/Kg. A dose de enalapril pode ser aumentada até 1 mg/kg por dia, dividido em duas
doses, dependendo da resposta clínica do paciente. Digoxina também pode ser prescrita em uma
dose padrão e associado à terapia com diurético, dependendo dos sinais da falência cardíaca e das
taquiarritmias cardíacas.

Por último, cães com doença cardíaca em Classe 4 enquandram-se na descompensação aguda
e geralmente requerem terapia agressiva de emergência com oxigênio, morfina, inotrópicos
cardíacos, diuréticos por via endovenosa e redutores de pré-carga. Os inibidores da ECA devem ser
reservados até que os pacientes estejam fora de perigo por conta do edema pulmonar agudo e da
descompensação cardíaca.

Os inibidores da ECA representam verdadeiramente a principal adição à terapia contra a falência


cardíaca; entretanto, a função renal deve ser monitorada a fim de adequar a perfusão renal. Além
disso, apesar dos resultados impressionantes do teste multicêntrico com o enalapril, devemos
lembrar que ele foi estudado como um adjuvante à terapia convencionar com digoxina e diuréticos.
Os resultados com essas combinações de terapia serão aperfeiçoados à medida que novos estudos
examinem o completo espectro terapêutico dos inibidores da ECA, como o enalapril, captopril e os
vários outros que estão disponíveis para uso em humanos. (JACKSON, 2006).

43
UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

Efeitos adversos
Devido à importância da angiotensina na manutenção da perfusão renal na falência cardíaca e em
outras condições com redução do débito cardíaco, a função renal deve ser monitorada durante a
terapia com inibidores da ECA. Entretanto, resultados de um estudo multicêntrico com o enalapril
em cães indicaram que os episódios esporádicos de azotemia foram observados com a mesma
frequência nos cães tratados com enalapril ou com placebo (Atkins et al., 2002). Além disso, as
análises de regressão indicam que os níveis de nitrogênio ureico sanguíneo foram correlacionados
com a dose de furosemida, mas não com a dose de enalapril ou digoxina. Baseado em tais dados,
Ettinger et al. (1994) apoiaram a posição de que a dose de furosemida deveria ser reduzidas antes
de a azotemia acontecer em cães com falência cardíaca recebendo furosemida e enalapril, com
o seu terapia com digoxina. Apesar disso, o potencial para a falência renal deve ser observado
minuciosamente após a utilização de qualquer inibidor da ECA. Devido a isso, a utilização simultânea
de diuréticos deve ser limitada e parâmetros renais devem ser periodicamente monitorados nos
animais em tratamento. Doenças renais pré-existentes e desidratação irão aumentar esse risco;
anti-inflamatórios não esteroidais também parecem aumentar o risco de falência renal já que,
em humanos, há consenso de que, em alguns pacientes, a combinação de inibidores da ECA
com anti-inflamatórios não esteroidais pode aumentar o risco de problemas renais (LOBOZ e
SHENSIELD, 2005). Em cães, por outro lado, um único estudo reportou que a combinação dos dois
tratamentos não alterou a função renal em cães saudáveis. (FUSELLIER et al., 2005).

Um efeito colateral incomum é a tosse e o angioedema, que foram bem documentados em humanos,
mas não em animais. A causa para a tosse ainda não é clara, mas pode ser causada pelo aumento nos
níveis de bradicinina e prostaglandinas no trato respiratório.

Interações medicamentosas
O captopril e o enalapril são utilizados com outras drogas de ação cardiovascular de forma segura
(incluindo os diuréticos); porém, a inibição da ECA potencializa os efeitos diuréticos de forma
que tais drogas devam ser utilizadas com cautela, quando associadas. Adicionalmente, alguns dos
efeitos anti-hipertensivos dos inibidores da ECA são gerados pelas prostaglandinas (Figura 13);
assim, quando tais inibidores são administrados com anti-inflamatórios não esteroidais, pode haver
redução dos efeitos.

Figura 13. Mecanismo de ação fundamental dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA);
prostaglandinas (PGs); óxido nítrico (NO).

Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/abc/v79s4/a01v79s4.pdf>. Acesso em 2 de fevereiro de 2014.

44
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

Uso dos inibidores da ECA na falência renal


crônica
A inibição da ECA pode ser benéfica na falência renal crônica devido eles aliviarem a pressão
glomerular, reduzirem a progressão da lesão e reduzirem a proteinúria.

45
Capítulo 4
Vasodilatadores

O uso cuidadoso de drogas vasodilatadoras foi extensivamente desenvolvido no tratamento da


falência congestiva para aliviar a falência cardíaca. A análise racional para esse tratamento é a ideia
de que a redução na carga de trabalho do coração é melhor para o paciente, quando comparado
à administração de agentes inotrópicos positivos com considerável potencial tóxico (como os
digitálicos). Caso a pressão arterial sistêmica, ou seja, a pós-carga do ventrículo esquerdo, seja
reduzida por uma droga vasodilatadora, o ventrículo esquerdo irá ejetar sangue na circuitaria
vascular com menor resistência. Adicionalmente, a venodilatação periférica irá desviar o fluxo
sanguíneo dos vasos pulmonares para os vasos sistêmicos. Essa resposta é antagônica à formação
do edema pulmonar e também tende a restringir o retorno venoso para o coração ou seja,
pré-carga ventricular. O tamanho do ventrículo esquerdo e a tensão da parede diminuem, em
resposta à redução da pré e pós-carga ventriculares. A demanda de oxigênio pelo miocárdio diminui
proporcionalmente, na medida em que a carga de trabalho do coração é reduzida, o débito cardíaco
e a hemodinâmica devem melhorar. (PACKER, 1984; ABRAMS, 1985).

Antes de iniciar a terapia vasodilatadora no tratamento da falência congestiva em animais, o médico


deve estar ciente de problemas em potencial, ou seja, ele deve assumir que a vasodilatação induzida
por fármacos irá automaticamente aumentar a perfusão periférica e, assim, aumentar o aporte de
oxigênio para todos os tecidos. Entretanto, agentes vasodilatadores, como a nitroglicerina, exercem
uma redução predominante na resistência periférica venosa, quando comparado à resistência
arteriolar. O acúmulo de sangue nos leitos de capacitância venosos não garante, de modo algum,
o aumento na perfusão em todos os tecidos. Os vasodilatadores são benéficos para o coração com
falência por diminuem a sobrecarga de trabalho do coração, não diretamente por meio do aumento na
perfusão periférica, mas devido a dilatação vascular. Além disso, caso a pressão arterial seja reduzida
criticamente, o fluxo sanguíneo por meio dos leitos coronarianos e vasculares renais podem ser ainda
mais comprometidos. A taquicardia reflexa acompanhada do aumento da demanda miocárdica por
oxigênio é outro problema em potencial associado com a queda na pressão sanguínea sistêmica.

Prazosina
Um estudo descreveu que a vasodilatação periférica induzida pela prazosina (um antagonista seletivo
α2-adrenérgico) foi eficiente em 4 cães com falência congestiva que foram refratários ao tratamento
com digoxina (ATWELL, 1979). Entretanto, como o tratamento com digoxina foi mantido em 3 dos
4 cães, a resposta benéfica da prazosina pode ter sido resultado da combinação dos mecanismos
envolvendo tanto a ação inotrópica positiva no coração quando a vasodilatação periférica.

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Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

Cloridrato de hidralazina
O cloridrato de hidralazina é um dilatador arteriolar que foi submetido a estudos clínicos, limitados
a cães com falência cardíaca com sobrecarga de volume. Devido a sua ação vasodilatadora no leito
vascular periférico, a hidralazina reduz a resistência vascular periférica e reduz a impedância de
ejeção do ventrículo esquerdo. O volume sistólico e o débito cardíaco aumentam proporcionalmente
iniciando, assim, a melhora hemodinâmica.

Os efeitos benéficos da hidralazina são manifestados principalmente na falência cardíaca congestiva


secundária e na insuficiência valvular mitral. Nesse estado patofisiológico, o volume sistólico ejetado
do ventrículo esquerdo é reduzido em decorrência da fração ser regurgitada em direção ao átrio
esquerdo por meio da válvula mitral atrioventricular deficiente. Por meio da redução da impedância
sistêmica para a ejeção do ventrículo esquerdo, a hidralazina aumenta a ejeção do volume sistólico
e assim reduz a fração regurgitada. O volume sistólico final e o tamanho cardíaco são reduzidos,
devido mais sangue ser bombeado para fora das câmaras cardíacas por cada ciclo.

A redução no tamanho do coração leva à redução proporcional da tensão da parede e do consumo


de oxigênio pelo miocárdio e, tão importante quanto, à redução do orifício da válvula mitral
insuficiente, que ainda contribui para a redução da fração regurgitada. Esse ciclo leva à melhoria
da hemodinâmica e, espera-se, a compensação farmacológica do paciente com falência cardíaca.
De fato, estudos clínicos indicam que a hidralazina é eficiente em cães com falência cardíaca por
sobrecarga de volume causado pela insuficiência valvular mitral (KITTLESON et al., 1983) e seu
benefício terapêutico pode ser similar em casos de insuficiência valvular aórtica.

A hidralazina é rapidamente absorvida após a administração por via oral em cães; o início das suas
ações ocorre dentro de 1 hora após a administração e o pico de resposta ocorre após 3 a 5 horas.
A droga é submetida a um intenso metabolismo hepático durante a sua primeira passagem pelo
fígado por meio do sistema porta hepático. Há evidências de que a uremia afeta, de alguma forma,
a biotransformação da hidralazina, de forma que a sua concentração sanguínea pode aumentar em
pacientes urêmicos. Um esquema terapêutico recomendado para a hidralazina em cães envolve
uma administração oral inicial de 1 mg/kg; tal dose pode ser ajustada, dependendo da evidência da
melhoria clínica, mas não deve exceder 3 mg/Kg. Cães adultos, de tamanho médio, podem necessitar
de uma dose inicial de 2,5 mg por via oral, que pode ser ajustada até 10 mg. A resposta terapêutica
geralmente dura 11 a 13 horas, de forma que se sugere administrações duas vezes ao dia para manter
as concentrações de hidralazina dentro da janela terapêutica. (KITTLESON, 1983).

A taquicardia e a hipotensão são importantes efeitos colaterais do tratamento com hidralazina em


humanos. Foi descrito que a hipotensão não seria um problema em cães, quando a dosagem fosse
cuidadosamente titulada, de acordo com os sinais de melhoria clínica. Entretanto, a taquicardia
parece ter um desenvolvimento desagradável nos cães com falência cardíaca tratados com
hidralazina (KITTLESON et al., 1983). Devido à taquicardia aumentar o consumo de oxigênio pelo
miocárdio e poder levar à descompensação cardíaca, a frequência cardíaca deve ser monitorada
durante a implementação terapêutica com hidralazina ou com qualquer outra droga vasodilatadora.

A administração concomitante com uma droga β-bloqueadora pode reduzir o reflexo taquicárdiaco
produzido pela reação hipotensora da hidralazina. Por outro lado, a resposta inotrópica
potencialmente negativa ao bloqueio β-adrenérgico no coração poderia exacerbar a falência cardíaca.

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UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

Bloqueadores de canais para Ca++


Os agentes bloqueadores dos canais de cálcio suprimem o influxo de íon Ca++ por meio dos canais
localizados na membrana plasmática dos tecidos cardíacos, musculatura vascular lisa e outros tipos
de células excitáveis (KATZ, 1985). A redução resultante na concentração de Ca++ intracelular leva
a alterações características na atividade fisiológica dos tecidos afetados, incluindo a redução na
contratilidade miocárdica, vasodilatação na coronária e no leito vascular periférico, redução da
impedância para ejeção do ventrículo esquerdo, redução da demanda de oxigênio pelo miocárdio
e redução da condução do impulso atrioventricular. Devido a esse diverso perfil farmacológico, os
bloqueadores de canais de Ca++ são estudados intensamente para aplicações terapêuticas nas mais
variadas doenças cardiovasculares. Neste grupo, incluem drogas utilizadas no tratamento contra
a doença cardíaca isquêmica, hipertensão e algumas formas de disritmias cardíacas em humanos,
bem como cardiomiopatias obstrutivas e isquemia cerebral.

Apesar de o bloqueio dos canais de Ca++ ser uma modalidade terapêutica importante na medicina
humana (KATZ, 1985), pouco ainda é sabido sobre a sua aplicação clínica na medicina veterinária
(BRIGHT, 1992), já que grande parte dos estudos foi feito em gatos, com anlodipina.

Importantes aspectos sobre o bloqueio dos


canais de Ca++

Aspectos farmacológicos
O papel essencial do Ca++ em acoplar a excitação da membrana celular às funções celulares das
células cardíacas e vasculares pode ser resumido da seguinte forma: o influxo de cálcio, através de
canais específicos na membrana celular, acessa as organelas intracelulares que, por sua vez, leva à
ativação de funções celulares e cascatas de sinalização dependentes de Ca++. Os bloqueadores de
canal de Ca++ parecem compartilhar o mesmo mecanismo farmacodinâmico: todos eles inibem o
influxo de Ca++ de forma que todas as vias intracelulares dependentes de cálcio serão afetadas.

Aspectos fisiológicos
A excitação cardíaca normalmente envolve um rápido influxo de Na+, por meio dos canais localizados
na membrana plasmática; o rápido influxo de íon sódio despolariza a face interna da membrana
celular, que leva a abertura dos canais para Ca++ voltagem-dependentes, por meio dos quais o íon
Ca++ irá entrar na célula. Esse Ca++ irá reabastecer o estoque dentro do retículo sarcoplasmático e
desencadear a liberação de uma quantidade adicional para os estoques de retículo sarcoplasmático
localizados no citosol. Por sua vez, o resultante aumento nas concentrações intracelulares de
Ca++ ativará, proporcionalmente, a ativação das proteínas contráteis do cardiomiócito e, assim, o
coração se contrai. O relaxamento diastólico desenvolve-se à medida que o retículo sarcoplasmático
ressequestra avidamente o Ca++ a partir do aparato contrátil. Assim, as drogas bloqueadoras dos

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Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

canais de Ca++ induzem um efeito inotrópico negativo no coração por meio da redução do influxo
trans-sarcolema do íon Ca++.

A contração da musculatura lisa vascular é mediada pelo Ca++ e depende do influxo deste íon através
dos canais de membrana. Portanto, o bloqueio dos canais de Ca++ na musculatura vascular lisa
evoca o relaxamento desse tecido e respostas vasodilatadoras em diferentes leitos vasculares. A
vasodilatação periférica resultante e a redução na resistência vascular periférica diminuem a
impedância para a ejeção do ventrículo esquerdo, reduzindo assim a tensão da parede ventricular
durante a ejeção do volume sistólico. A diminuição da tensão da parede durante a sístole, ou seja,
redução da pós-carga cardíaca, associada com as ações inotrópicas negativas diretas do bloqueio
dos canais de Ca++ no músculo cardíaco, reduz, de forma proporcional, a demanda por oxigênio.
Por isso, as drogas que bloqueiam os canais para Ca++ podem preservar a integridade cardíaca por
meio da redução da demanda de oxigênio cardíaco via diminuição hemodinâmica. Vale ressaltar
que algumas drogas que bloqueiam os canais para Ca++ também possuem efeitos vasodilatadores
coronarianos pronunciados, o que melhora ainda mais a relação entre a perfusão tecidual e a
demanda metabólica no coração. Tal complexo farmacológico provavelmente explica o efeito salutar
do bloqueio dos canais de Ca++ no manejo da doença cardíaca isquêmica coronariana e a resultante
dor anginal em humanos. (CONTI et al., 1985).

Aspectos eletrofisiológicos

Os mecanismos eletrofisiológicos usuais do nodo sinoatrial e atrioventricular envolve o


influxo de íons Ca++ por meio dos canais localizados na membrana plasmática da célula
desses tecidos. O bloqueio dos canais de Ca++ nesses tecidos pode suprimir esses mecanismos,
a frequência de disparo do sinusal e reduzindo a velocidade de condução através do nodo
atrioventricular. Há ainda evidências de que correntes intensas de Ca++ surgem a partir
do tecido cardíaco lesado e leva à reentrada e formas de arritmias que são responsivas ao
bloqueio dos canais para Ca++. Devido ao seu singular mecanismo antiarrítmico dependente
de Ca++, os bloqueadores dos canais de cálcio são considerados como agentes antiarrítmicos
da classe IV.

Aspectos patofisiológicos

O controle dos mecanismos de influxo e efluxo intracelular de Ca++ são erroneamente


definidos durante a isquemia e, talvez, em muitas outras formas de injúria celular. Durante
condições isquêmicas e hipoxêmicas, a habilidade da célula em manter os gradientes iônicos
dependentes de energia é prejudicada, levando à depleção intracelular de íon potássio e
concomitante sobrecarga intracelular de íons sódio e cálcio. Uma consequência do aumento
na concentração intracelular de Ca++ é a ativação de enzimas catabólicas dependente de Ca++
e de sistemas de enzimas lisossomais. (WHITE et al., 1984).

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UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

As enzimas degradadoras rompem as funções celulares regulatórias com o adicional comprometimento


da integridade da membrana celular e a perda das barreiras permeáveis à íons. A concentração
de Ca++ intracelular sobrecarrega progressivamente a célula e inibe sequencialmente a fosforilação
oxidativa mitocondrial, prejudica a função do retículo sarcoplasmático em liberar e recapitar o Ca++
e eventualmente culmina com a morte celular e necrose tecidual (WHITE et al., 1984). As drogas
bloqueadoras dos canais de Ca++ amenizam o aumento no conteúdo intracelular deste íon por meio
da redução quantitativa no seu influxo, pelo menos daqueles componentes que ocorrem através dos
canais para Ca++. A redução nas concentrações intracelulares de Ca++ deve então reduzir a ativação
das enzimas hidrolíticas, preservando assim a viabilidade celular após as injúrias relacionadas à
isquemia. (WHITE et al., 1984).

Precauções clínicas
Baseado no quadro fisiológico e patofisiológico acerca dos papéis do Ca++, agora, é possível discutir
os três tipos básicos de vias farmacodinâmicas incorporando os bloqueadores dos canais de Ca++ na
terapêutica cardiovascular na medicina veterinária. Primeiro, por evocarem a dilatação arteriolar
e reduzir a resistência periférica total vascular, tais drogas devem melhorar a demanda por fluxo
sanguíneo e oxigênio durante condições hipodinâmicas circulatórias, tais como a falência cardíaca
e a hipotensão arterial. Segundo, essas drogas devem ser capazes de restaurar a estabilidade
hemodinâmica em pacientes com arritmias cardíacas causadas pelo influxo anormal de Ca++. E,
em terceiro lugar, devem prolongar diretamente a viabilidade celular em vários tecidos durante a
síndrome relacionada à isquemia, por meio da modulação da cascata de sobrecarga de Ca++.

Heterogeneidade farmacológica
Os bloqueadores dos canais de Ca++ incluem subgrupos quimicamente não relacionados entre si
com diferentes perfis farmacológicos teciduais e sistêmicos. A nifedipina, por exemplo, reduz a força
de contração miocárdica e torna lenta a condução atrioventricular em tecidos cardíacos isolados.
Entretanto, tais efeitos cardiodepressores diretos da nifedipina podem não ser manifestados em
pacientes com reservas normais de contratilidade miocárdica, devido a ações vasodilatadoras mais
potentes e a estimulação cardíaca induzida pelo barorreflexo. Em contraste, o verapamil pode induzir
depressão contrátil miocárdica direta e respostas antiarrítmicas em doses que induzem vasodilatação
periférica. Já o diltiazem é um potente vasodilatador que também reduz diretamente a frequência de
disparos em doses que geralmente dispensam os mecanismos contráteis cardíacos. Desigualdades
nos perfis farmacológicos sistêmicos determinam que os diferentes bloqueadores de canais de Ca++
não devem ser interpretados como sendo terapeuticamente substituíveis um pelo outro.

Efeitos colaterais cardiovasculares


Devido aos papéis fisiológicos essenciais do influxo de Ca++ na ativação de tecidos cardiovasculares,
os agentes que bloqueiam os canais de Ca++ podem ser considerados “faca de dois gumes” quando
relacionamos as relações de risco e benefícios. Por outro lado, os efeitos inotrópicos negativos e as

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Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

ações vasodilatadoras do bloqueio dos canais de Ca++ podem beneficiar a hemodinâmica por meio
da redução da sobrecarga de trabalho. Ainda, se inesperada ou inabalável, essas mesmas respostas
depressoras cardiovasculares carregam o risco de exacerbar as anormalidades subjacentes do
sistema circulatório.

Os efeitos colaterais adversos aos bloqueadores dos canais de Ca++ incluem a depressão contrátil
do coração, com redução do débito cardíaco e hipotensão. Também pode resultar em uma
descompensação da insuficiência cardíaca pré-clínica ou compensada, precipitação do edema
pulmonar e piora da doença primária. Outros efeitos colaterais em potencial são a bradicardia
sinusal e o bloqueio cardíaco atribuído à depressão direta da frequência de disparo do potencial de
ação e a condução atrioventricular, respectivamente. A tendência da depressão cardiovascular deve
ser considerada sempre que as drogas bloqueadoras dos canais de Ca++ forem utilizadas; essa é uma
precaução válida em pacientes com falência cardíaca miocárdica pré-existente ou suspeita.

Aplicações clínicas

Síndromes de falência cardíaca


Estudos iniciais com a ninfedipina, verapamil e diltiazem indicaram resultados favoráveis em
humanos com falência contrátil miocárdica, insuficiências valvulares ou cardiomiopatias obstrutivas.
O uso terapêutico dos bloqueadores dos canais para Ca++ em cardiomiopatias severas com falência
contrátil cardíaca é controverso.

Josephson e Singh (1985) sugeriram cuidado no uso desses agentes em pacientes com prejuízo no
desempenho ventricular e afirmaram que os dados disponíveis não suportam o uso de antagonistas
para cálcio como agentes redutores da pós-carga na falência cardíaca crônica. Packer (1985)
precaveu que tanto o verapamil quanto a nifedipina podem exercer efeitos depressores notáveis
na ação do ventrículo direito em pacientes com prejuízo na função ventricular direita. Colucci
(1985) similarmente precaveu que os bloqueadores de canais para Ca++, no que tange à disfunção
ventricular esquerda, podem resultar em uma abrupta descompensação e o desenvolvimento de um
evidente edema pulmonar. Em contraste, Lorell (1985) assegura que o tratamento com verapamil ou
nifedipina pareceu particularmente efetivo em pacientes humanos com cardiomiopatia hipertrófica.

Cardiomiopatia hipertrófica
Em contraste com a ausência de interesse clínico para os bloqueadores de canais para Ca++ na
cardiomiopatia dilatada, o verapamil e o diltiazem são utilizados em cães e gatos com cardiomiopatia
hipertrófica (BRIGHT, 1992). Devido à redução na propensão para efeitos colaterais associados com
a depressão na contração cardíaca, o diltiazem é geralmente a droga preferida para essa condição. As
doses recomendadas variam de 1,75 a 2,5 mg/kg, por via oral, duas ou três vezes ao dia. Assim como
qualquer droga altamente ativa sobre o sistema cardiovascular, a terapia com o diltiazen ou outro
bloqueador de canal para Ca++ deve ser implementado associado a um cuidadoso monitoramento
do paciente.

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UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

Hipertensão em gatos
A amlodipina é um dos bloqueadores dos canais de cálcio que fazem parte do grupo das diidropiridina
e, desse grupo, é a droga mais comumente utilizada na medicina veterinária. É primariamente
efetiva para a dilatação arterial. A amlodipina é considerada a droga de eleição no tratamento
contra a hipertensão em gatos, que pode ser secundária a outras doenças, como a falência renal, o
hipertireoidismo ou a diabetes mellitus. De acordo com um estudos, os gatos respondem à dose de
0,18 mg/kg, uma vez ao dia.

Choque circulatório e trauma


Os bloqueadores dos canais para cálcio são testados em modelos experimentais para choque
hemorrágico, choque traumático, isquemia cerebral, ressuscitação cardiopulmonar e choque
endotoxêmico. Os dados iniciais favorecem as conclusões iniciais de que as drogas que bloqueiam
os canais para cálcio melhoram a curto e longo prazo várias formas induzidas de choque e trauma.
Outros estudos, entretanto, identificaram que os efeitos dos bloqueadores dos canais para cálcio
não foram úteis em algumas formas induzidas de choque e isquemia, podendo resultar na redução
adicional da pressão sanguínea e no débito cardíaco (DENIS et al., 1985; LANZA et al., 1984). Assim,
as drogas bloqueadoras dos canais para cálcio não são utilizadas na medicina de emergência para
lidar com choques circulatórios ou traumas.

Nitrovasodilatadores
Os nitratos orgânicos são ésteres de nitrogênio que exercem seus efeitos por intermédio da ação
como uma fonte exógena de óxido nítrico, que é um fator de relaxamento derivado do endotélio.
Os vasodilatadores nitratos são ésteres do ácido nítrico e são metabolizados a nitritos orgânicos
e metabólitos sem nitrogênio. Os nitritos, nitratos orgânicos e os componentes nitrosos agem
ativando a enzima guanilato ciclase (Figura 14).

Figura 14. Representação esquemática das vias de ativação da síntese de óxido nítrico.

Fonte: Vicent et al. Curr Diab Rep. 2003; 3: 279-288.

52
Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores │ UNIDADE II

O aumento nas concentrações de monofosfato cíclico de guanosina (GMP cíclico) age inibindo a
contração da musculatura vascular; tal mecanismo pode envolver a redução na disponibilidade de
cálcio intracelular nas células do músculo liso vascular ou podem interferir com a interação entre
miosina e actina. Os nitratos ainda podem estimular a síntese de prostaglandinas vasodilatadoras:
PGI2 e PGE.

Ação no músculo liso

Os nitratos relaxam a musculatura lisa de artérias e veias, sendo muito utilizados na clínica como
redutores da pós-carga. Quando utilizados dessa forma, eles reduzem a exigência de oxigênio
(diminuem a carga de trabalho cardíaco). Devido a esse efeito, eles são comumente utilizados no
manejo de pacientes humanos com angina pectoris.

Farmacocinética

A nitroglicerina é rapidamente metabolizada, tendo meia-vida de apenas poucos minutos. Os


nitratos apresentam efeitos significativos de primeira passagem e os seus metabólitos são pelo
menos 10 vezes menos potentes. Devido ao seu efeito de primeira passagem, pode ser administrado
tanto topicamente, por via sublingual, ou intravenosa para evitar o efeito de primeira passagem pelo
fígado.

Uso clínico

A nitroglicerina é aplicada topicamente sob a forma de um creme ou pomada, sob a forma de tablete
ou spray sublingual. A sua meia-vida é de 1 a 3 minutos; dessa forma, em cães, a pomada pode ser
utilizada entre 45 a 75 mg, a cada 6 horas enquanto que, em gatos, pode-se usar de 15 a 45 mg a cada
4 a 6 horas. Geralmente, é aplicado em uma área do paciente com ausência de pelos e onde o animal
não consiga lamber (como, por exemplo, no pavilhão das orelhas). Em cavalos, por sua vez, o creme
ou a pomada são aplicados nas patas, geralmente para o tratamento contra a laminite.

O nitroprussiato de sódio é um potente vasodilatador administrado em uma constante infusão.


Devido o fornecimento de óxido nítrico intracelularmente, não há o desenvolvimento de tolerância
ao nitroprussiato quando comparado aos outros compostos nitratos. Sua administração deve
ocorrer sob a forma de infusão (associado à dextrose 5%), numa razão de 1 a 10 mcg/kg/min para
manter a pressão sanguínea em valores estáveis.

O uso de nitratos orgânicos em medicina veterinária é limitado uma vez que as formas disponíveis
podem ser inconvenientes para a utilização e devido a sua breve duração da ação. Podem ser úteis
para vasodilatação e tratamento agudo do edema pulmonar associado com a falência cardíaca
congestiva. Em cavalos, a nitroglicerina é utilizada para tratar doenças das patas, como a laminite,
sendo aplicada diretamente na pata a fim de aumentar o fluxo sanguíneo distal.

53
UNIDADE II │ Digitálicos, inotrópicos positivos e vasodilatadores

Tolerância
A tolerância aos nitrovasodilatadores desenvolve-se após repetidas administrações, por meio
de mecanismos pouco elucidados até o momento. Uma das causas propostas seria a depleção
progressiva de grupos sulfidrilas, necessários para a formação de óxido nítrico. A eficácia da droga é
aumentada, caso utilizada intermitentemente, ao invés de continuamente, já que o uso intermitente
permite a regeneração dos grupos sulfidrilas (o uso intermitente ótimo seria fornecer um intervalo
livre de nitrato de 8 horas ou mais durante o dia).

Efeitos colaterais
O efeito colateral mais comum e limitante é a própria hipotensão (as pessoas podem ficar expostas
inadvertidamente a tais agentes no momento da aplicação dos cremes e pomadas).

54
Drogas Unidade iII
antiarrítmicas

capítulo 1
Ritmicidade cardíaca

A arritmia é uma anormalidade na frequência, regularidade e sítio de origem do impulso cardíaco


ou um rompimento na condução do impulso de forma que a sequência normal de condução
(átrioventrículo) é alterada. Apesar de muitas drogas terem sido identificadas por suprimirem os
distúrbios nos ritmos cardíacos, relativamente poucas drogas antiarrítmicas apresentam um forte
apelo clínico na medicina veterinária. Nessa unidade, focaremos nos principais antiarrítmicos com
as suas principais ações farmacodinâmicas sobre a frequência e ritmo cardíaco.

Ritmicidade do coração
A ritmicidade cardíaca do coração é mantida por: i) dominância de um único marca-passo que
dispara de forma regular os potenciais de ação em alta frequência; ii) condução rápida e uniforme
por meio de rotas normais de condução do impulso; iii) duração longa e uniforme do potencial de
ação e período refratário nas miofibras cardíacas.

Adicionalmente, a duração do potencial de ação nas fibras de Purkinje normalmente dura mais
em relação ao músculo ventricular, fornecendo assim um fator de segurança contra o fenômeno de
reentrada e reexcitação do sistema de Purkinje pelo potencial de ação muscular. Um distúrbio em
qualquer dos fatores anteriores pode ser arritmogênico, ou seja, promover uma elevação inapropriada
na automaticidade das células marca-passo, normalmente latentes, abreviação do período refratário,
redução na velocidade de condução ou períodos refratários diferentes em fibras adjacentes.

As arritmias estão frequentemente associadas a desequilíbrio entre o sistema nervoso autônomo


simpático e parassimpático; alterações nas concentrações séricas de eletrólitos, especialmente íons
potássio e cálcio; hipoxemia; acidose; alterações nas concentrações de dióxido de carbono; excessiva
extensão do tecido cardíaco; trauma mecânico; estados de doença miocárdica, tais como falência
cardíaca congestiva ou miocardites virais; várias drogas; e isquemia e infarto do músculo cardíaco.

A instabilidade hemodinâmica que ocorre durante as arritmias cardíacas resulta em alterações na


frequência cardíaca, alteração na regularidade dos batimentos cardíacos e perda da assistência
atrial durante o enchimento sistólico. O sincronismo eletromecânico das câmaras cardíacas é, desse

55
UNIDADE III │ Drogas antiarrítmicas

modo, perdido, culminando com um enchimento e ejeção ventriculares ineficientes e deterioração


da hemodinâmica do paciente. Drogas antiarrítmicas suprimem as arritmias e ajudam a restaurar a
estabilidade hemodinâmica por meio de alterações nos processos eletrofisiológicos básicos do coração.

Propriedades eletrofisiológicas das células


cardíacas
O sistema de classificação para as drogas antiarrítmicas utilizadas é baseado principalmente nos
efeitos farmacológicos predominantes da droga sobre o potencial de ação das células cardíacas.
Consequentemente, o uso correto dos antiarrítmicos depende, primeiramente, de uma boa
compreensão das propriedades básicas bioelétricas do coração.

Potencial de ação nas células cardíacas


A atividade elétrica das células musculares cardíacas individuais pode ser registrada por meio de
microeletrodos capazes de ganharem o espaço intracelular de uma única célula. Alguns dos termos
comumente utilizados para descrever a configuração e os determinantes iônicos dos componentes
do potencial de ação cardíacos são definidos a seguir:

a. O potencial de membrana é a diferença de voltagem entre a face interna e externa da


membrana celular. Por convenção, o potencial de repouso da membrana é definido
como a carga na face interna da membrana relativa à face externa, de forma que
o potencial de repouso apresenta uma carga negativa. O aumento no potencial de
repouso da membrana designaria, portanto, uma carga intracelular mais negativa
ou seja, um aumento de -70 mV para -90 mV, enquanto que a redução do potencial
de repouso da membrana designaria uma carga menos negativa na face interna da
membrana, ou seja, redução de -70 mV para -50 mV.

b. A despolarização é a perda ou redução da eletronegatividade da face interna da


membrana, ou seja, uma redução no potencial de membrana de -90 para -50 mV
(despolarização parcial) ou de -90 para 0 mV (despolarização total).

c. A hiperpolarização é o aumento na eletronegatividade da face interna da membrana


celular.

d. A corrente de entrada é a alteração na carga elétrica por meio da membrana celular


resultante do influxo de íons carregados positivamente ou efluxo de íons carregados
negativamente.

e. A despolarização espontânea das células automáticas é uma redução fisiológica


e progressiva do potencial de repouso durante a diástole, levando ao limiar de
excitação e ao disparo automático do potencial de ação.

f. O limiar de excitação é o valor do potencial de membrana, necessário para a excitação


celular, iniciando assim o potencial de ação e as consequentes respostas celulares.

56
Drogas antiarrítmicas │ UNIDADE III

g. A fase 0 é a fase rápida de despolarização do potencial de ação das células excitáveis,


mediadas pelo rápido influxo de íons Na+ por meio dos canais rápidos de sódio
localizados na membrana celular (Figura 15).

h. A fase 1 é a fase inicial de repolarização do potencial de ação (Figura 15).

i. A fase 2 é a fase de platô do potencial de ação, mediado em parte por uma corrente de
influxo de cálcio lenta por meio de seus respectivos canais localizados na membrana
celular (Figura 15).

j. A fase 3 é a de repolarização rápida do potencial de ação, com retorno ao valor de


potencial ao nível diastólico (Figura 15).

k. A fase 4 é o potencial da membrana durante a diástole; é constante no músculo em


trabalho mas passa por despolarização espontânea nas células marca-passo (Figura 15).

l. O período refratário é o intervalo precoce e tardio do potencial de ação durante


o qual a excitabilidade da célula é essencialmente ausente (período refratário
absoluto) ou deprimida (período refratário relativo), respectivamente.

m. Respostas depressoras rápidas de íon sódio são as lentas despolarizações da fase


0, relacionada com a excitação prematura durante o período refratário relativo das
células normais ou a excitação das células doentes com reduzidos potenciais de
ação; as respostas depressoras rápidas de íon sódio desenvolve impulsos cardíacos
que propagam-se insuficientemente com reduzida velocidade de condução.

Figura 15. Representação esquemática das diferentes fases da deflagração do potencial de ação, com as
respectivas correntes iônicas predominantes.

Fonte: <http://hipertensaoesaude.blogspot.com.br/2013/06/histofisiologia-do-coracao-e-conducao.html>

57
UNIDADE III │ Drogas antiarrítmicas

n. Respostas lentas de íons cálcio são análogas à corrente lenta deste íon durante a
fase 2; esse termo é utilizado para descrever a lentíssima despolarização na fase
0, mediada pelo Ca++ quando os canais rápidos de Na+ estão inoperantes. Os
potenciais de ação lentos do íon cálcio desenvolve o impulso cardíaco que se propaga
lentamente, com reduzida velocidade de condução.

Quando uma célula cardíaca é estimulada, o potencial elétrico, mensurado por meio da membrana
celular, passa por um ciclo de despolarização e hiperpolarização que pode ser diferenciado em 5
componentes interconectados, referidos como fases 0, 1, 2, 3 e 4 (Figura 16). A morfologia precisa
das 5 fases do potencial de ação cardíaco que varia de acordo com a anatomia da região cardíaca
(figura 17).

Figura 16. Representação esquemática das 5 fases do potencial de ação cardíaco, tanto nas células musculares
ventriculares (quadro da esquerda) quando nas células marca-passo do nodo sinoatrial (quadro da direita).

Fonte: <http://ecg.med.br/assuntos-online/eletrogenese-do-impulso-cardiaco>

Figura 17. Representação esquemática dos diferentes perfis de potencial de ação de acordo com as distintas
localizações anatômicas de cada célula.

Fonte: <http://www.elsevier.pt/pt/revistas/-/artigo/criterios-diagnostico-da-sindrome-brugada-podemos-melhorar-90132967>

58
Drogas antiarrítmicas │ UNIDADE III

Células musculares cardíacas


A diástole elétrica é designada pela fase 4 do potencial de ação cardíaco (Figura 14); esse potencial
de repouso da membrana é estável em -90 mV e a polarização é mantida principalmente devido à
distribuição desigual do íon K+ dentro e fora da célula. A bomba de sódio e potássio mantém as
concentrações intracelulares de potássio elevadas em relação ao meio extracelular e a membrana
celular é seletivamente permeável ao potássio na fase 4 da diástole, quando comparado aos outros
íons (sódio e cálcio). Quando a célula é estimulada em direção ao seu limiar de excitação, entretanto,
a permeabilidade seletiva da membrana celular ao K+ é momentaneamente perdida, de forma que
outros íons agora atravessam a membrana e produzem o ciclo de despolarização – repolarização
que compreende o potencial de ação.

A fase 0 do potencial de ação compreende a fase de despolarização rápida produzida pelo íon Na+,
invadindo a célula por meio de canais específicos (canais rápidos para Na+), e termina tão rápido
(fase 1) ou atrasada (fase 3) para que ocorra a repolarização, restaurando o potencial de membrana
aos valores de repouso diastólico (fase 4). A célula é refratária ao estímulo adicional durante a fase
precoce ou intermediária do ciclo do potencial de ação; é apenas parcialmente responsiva, caso
estimulada anteriormente ao término da repolarização e retorno à fase diastólica do potencial de
ação (fase 4).

A fase de platô (fase 2) do potencial de ação praticamente representa uma breve atraso na restauração
da permeabilidade ao potássio. Um componente crítico da fase 2 compreende um influxo de cálcio
por meio de canais lentos específicos, localizados na membrana celular. Esse influxo lento de
íon Ca++ é o mecanismo através do qual a excitação da membrana celular é acoplada á ativação
dos elementos contráteis das células musculares cardíacas. O influxo de Ca++ durante a fase 2
desencadeia a liberação de um conteúdo adicional de Ca++ a partir dos estoques intracelulares, que
ativa proporcionalmente a maquinaria contrátil das células miocárdicas.

Células do marca-passo sinoatrial


Diferentemente das células musculares, as células marca-passo cardíacas não apresentam um
potencial de membrana de repouso claramente definido como a fase 4. Ao invés disso, a fase 4
é caracterizada por uma despolarização lenta e espontânea até alcançar o limiar de excitação,
deflagrando automaticamente o potencial de ação e levando à despolarização rápida na fase
0. Entretanto, a curva de despolarização da fase 0 do marca-passo sinoatrial é muito menor do
que a curva das células musculares cardíacas. Tal distinção pode ser explicada por meio do lento
influxo de íon Ca++ na gênese da fase 0 nessas células automáticas. As células com automatismo
espontâneo, ou seja, despolarização espontânea na fase 4, também são encontradas em tratos de
condução especializados, a região distal do nodo atrioventricular e válvulas atrioventriculares.

59
Capítulo 2
Classificação dos mecanismos
arritmogênicos

O mecanismo básico envolvido na gênese das arritmias cardíacas envolve anormalidades na


formação do impulso elétrico, ou seja, arritmias causadas por alterações no automatismo, na
condução do impulso, ou seja, arritmias causadas pelos fenômenos de reentrada, e na combinação
entre o automatismo e a reentrada.

Distúrbios no automatismo
As células marca-passo do nodo sinoatrial normalmente são dominantes, chegando primeiramente
ao limiar de excitação, e com o impulso propagador resultante excita todas as outras células marca-
passo antes de elas atingirem os seus respectivos limiares de excitação. Caso o automatismo do nodo
sinoatrial é deprimido, o potencial de ação espontâneo em alguns outros tecidos (marca-passos
latentes) é acelerado, de forma que regiões do coração – que não o nodo sinusal – podem servir
como marca-passos e iniciar os impulsos nervosos ectópicos.

O automatismo inicia-se quando a curva da fase 4 é aumentada (painel A, de a para b), o que reduz
o tempo necessário para alcançar o limiar de excitação (PL), além de aumentar a frequência de
disparos, tendo como resultado o aumento na frequência cardíaca quando o marca-passo sinusal está
envolvido ou a emergência de batimentos ectópicos quando marca-passos latentes estão envolvidos.
Por outro lado, reduzindo a curva de desporalização (painel A, de b para a) e assim, aumentando o
tempo necessário para alcançar o limiar de excitação, as drogas podem deprimir os focos ectópicos
e restaurar a ritmicidade normal sinoatrial sem afetar o potencial diastólico máximo ou o limiar de
excitação. Caso as drogas aumentem, o limiar de excitação para valores menos negativos, o tempo
adicional será necessário para alcançar o limiar de excitação e assim reduzir o automatismo. Pelo
aumento no potencial diastólico máximo, uma droga pode suprimir o automatismo devido ao tempo
adicional necessário antes de alcançar o limiar de excitação.

Distúrbios na condução do impulso


Arritmias causadas por distúrbios na condução do impulso são associadas ao fenômeno de reentrada
ou movimento em círculo. O conceito de reentrada é baseado na velocidade de condução, muito
baixa, de uma área do coração demonstrando um bloqueio unidirecional da condução do impulso e
talvez uma breve anormalidade do período refratário. Essa teoria sustenta que um impulso cardíaco
pode viajar ao redor de uma alça anatômica de fibras a velocidade lenta da condução e que a breve
refratariedade permite ao impulso chegar às células que não mais estejam refratárias, permitindo
assim a perpetuação da reexcitação.

60
Drogas antiarrítmicas │ UNIDADE III

Figura 18. Representação esquemática dos potenciais de ação transmembrana de células cardíacas com
propriedade de automatismo e mecanismos potenciais nos quais as drogas antiarrítmicas podem influenciar o
automatismo.

Fonte: modificado de Riviere JE e Papich MG, In: Veterinary Pharmacology and Therapeutics, 9th edition, Iowa: Wiley-Blackwell.

Uma representação esquemática do impulso de reentrada na região de junção entre as fibras de


Purkinje e a musculatura ventricular é representada na figura 18. A aceitação dessa teoria foi atrasada
devido à dificuldade em visualizar a adequada redução na velocidade de condução para concordar
com o valor considerado necessário para estabelecer o fenômeno de reentrada. Afinal, a velocidade
de condução normal nas fibras de Purkinje pode ser tão alta quanto 2-4 m/s, disparando, assim,
um fator altamente seguro para a propagação do impulso. Entretanto, a velocidade da condução
do impulso pode ser reduzida para valores baixos como 0,001-0,1 m/s por meio da emergência
patológica dos potenciais de ação que demonstram ativação – desativação cinética, marcadamente
mais lentas do que nas respostas rápidas.

Teoricamente, a reentrada poderia ser controlada por uma droga que ou cria um bloqueio bidirecional
ou uma condução bidirecional por meio da região das células que causam o bloqueio unidirecional;
acelera a velocidade da condução do impulso, retornando assim para o sítio de reentrada, quando
as células ainda estão não excitáveis; prolonga a duração do potencial de ação nas células normais,
estendendo, assim, o seu período refratário; ou exibe uma combinação das ações mencionadas.

Outras formas de distúrbios eletrofisiológicos cardíacos, em adição aos distúrbios primários de


condução ou automatismo, incluem a excitabilidade anormal, pós-despolarização precoce ou

61
UNIDADE III │ Drogas antiarrítmicas

tardia, atividades elétricas deflagradas, entre outras. Entretanto, esses tipos de anormalidades
sobrepõem-se mecanisticamente aos distúrbios no automatismo e na condução do impulso. As
arritmias decorrentes de automatismo primário e anormalidades na condução são adequadas para
organizar as classes de drogas antiarrítmicas, de acordo com seus efeitos no potencial de ação
cardíaco e na arritmogênese.

Figura 19. Representação esquemática dos mecanismos potenciais envolvidos nas arritmias cardíacas causadas
por fenômeno de reentrada. A: Normal; B: Condução normal e unidirecional; C: Condução lenta e bloqueio
unidirecional; D: Condução lenta e sem bloqueio.

62
Capítulo 3
Classificação das drogas antiarrítmicas

O sistema de classificação elaborado por Vaughn Williams (1984) leva em consideração a observação
de que a maioria das drogas antiarrítmicas apresentam uma ação eletrofisiológica dominante na célula
miocárdica, que pode ser influenciada pelos efeitos adjacentes da droga sobre o miocárdio assim como
suas atividades extracelulares. As drogas antiarrítmicas são, então, divididas em 4 classes (Quadro 1).

As drogas da Classe I são anestésicos locais, potentes tanto para fibras nervosas quanto para a
membrana celular do miocárdio, sendo a sua atividade geralmente mais pronunciada no coração
em relação às fibras nervosas. Por meio da inibição da despolarização diastólica, as drogas da
Classe I podem controlar as arritmias causadas pelo aumento no automatismo. Tais drogas também
prolongam o período refratário e parecem ser eficientes na abolição das taquiarritmias de reentrada.

Por sua vez, as drogas da Classe II são os antagonistas beta-adrenérgicos que, por meio da redução do
drive simpático, são eficientes em controlar as arritmias associadas ao aumento na atividade simpática.

As drogas da Classe III produzem um prolongamento proeminente do potencial de ação, estendendo,


assim, o período refratário.

Por fim, as drogas da Classe IV são os bloqueadores dos canais para Ca++ que, devido a corrente
lenta de cálcio participar da condução atrioventricular, tais bloqueadores reduzem a condução
atrioventricular e, também, apresentam aplicação no controle das arritmias supraventriculares que
envolvam os fenômenos de reentrada.

Quadro1. Drogas antiarrítmicas segundo a classificação de Vaughn-Williams

Fonte: MEDEIROS DE VASCONCELOS et al. Interação Entre Drogas Antiarrítmicas e Limiares de Desfibrilação em Pacientes
Portadores de Cardioversor Desfibrilador Implantável. Arq. Bras. Cardiol. 80 (3), 2003.

63
UNIDADE III │ Drogas antiarrítmicas

Adicionalmente, com a exceção dos fármacos antagonistas dos β-receptores, as drogas autonômicas
geralmente não são incluídas nos grupos clássicos de antiarrítmicos. Entretanto, o médico não
pode negligenciar o fato de que, durante a prática médica, drogas que não sejam os antiarrítmicos
clássicos são, geralmente, preferidas para o controle de arritmias associadas com um desequilíbrio
autonômico sem complicações. A atropina, por exemplo, seria uma escolha óbvia quando a
bradicardia sinoaórtica severa ou uma parada sinusal está presente, secundária à descarga vagal
e acúmulo de acetilcolina. A epinefrina é indicada na tentativa de reiniciar o coração após uma
parada cardíaca; o isoproterenol é útil em reverter o bloqueio atrioventricular; e ambos podem ser
eficientes em aumentar a frequência cardíaca da bradicardia sinusal associada com o prejuízo no
drive simpático. (ADAMN, 1981).

Antiarrítmicos – Classe 1
As drogas da Classe 1 são mais frequentemente utilizadas no tratamento das taquiarritmias
ventriculares, apesar de também poderem ser utilizadas no tratamento de taquiarritmias
supraventriculares. São conhecidas como estabilizadores de membrana; seu mecanismo de ação
comum é o bloqueio dos canais rápidos de sódio na membrana celular. O bloqueio dos canais de
sódio resulta na redução da velocidade do movimento ascendente (fase 0) do potencial de ação no
átrio, no entrículo e nas fibras de Purkinje. A velocidade do movimento ascendente do potencial de
ação é o principal determinante da velocidade de condução. Consequentemente, as drogas da Classe
1 reduzem a velocidade de condução em tecidos cardíacos normais, anormais e em ambos.

Os agentes da Classe 1 apresentam efeitos variáveis na repolarização; alguns prolongam a


repolarização, enquanto outros reduzem ou não tem qualquer efeito. Primariamente, com base nas
diferentes características de repolarização, as drogas da Classe 1 podem ser subdivididas nas classes:

»» Classe 1A: incluem a quinidina, a procainamida e a disopiramida. Tais agentes


deprimem a condução normal e anormal do tecido cardíaco e prolongam a
repolarização.

»» Classe 1B: incluem a lidocaína, e seus derivados, a tocainida e o metilxileno; tais


drogas não prolongam o potencial de ação em tecidos sadios como as drogas da
Classe 1A; entretanto, elas apresentam profundo efeito na velocidade de condução
em tecidos cardíacos anormais. Tais fármacos também encurtam a duração do
potencial de ação através da aceleração da despolarização. Um maior grau de
encurtamento ocorre em fibras que apresentam uma maior duração do potencial de
ação. Consequentemente, seus efeitos são mais profundos nas fibras de Purkinje e
não alteram significativamente o período refratário do músculo atrial e ventricular
normal. Em contraste, os agentes da Classe 1B podem prolongar o período refratário
absoluto do miocárdio prejudicado.

»» Classe 1C: nesta classe, estão incluídas a encainida e a flecainida, que reduzem a
velocidade de condução do potencial de ação e apresentam um pequeno efeito em
sua duração; tais fármacos são raramente utilizados na medicina veterinária.

64
Drogas antiarrítmicas │ UNIDADE III

Antiarrítmicos – Classe 2
As drogas da classe 2 são os antagonistas β-adrenérgicos, que são úteis no tratamento tanto da
taquiarritmia supraventricular quanto da ventricular. Apesar de poucas arritmias serem resultado
de uma estimulação catecolaminérgica direta, a estimulação dos receptores β-adrenérgicos pelas
catecolaminas exacerbam, geralmente, a eletrofisiologia celular anormal, podendo resultar no início
da potencialização da taquiarritmia. Por exemplo, as drogas antagonistas β-adrenérgicos reduzem
a frequência cardíaca e a contratilidade miocárdica e, assim, reduzem o consumo miocárdico de
oxigênio. A melhora resultante na oxigenação miocárdica pode beneficiar a eletrofisiologia celular e
reduzir a formação de arritmias.

As drogas antiarrítmicas da classe 2 são geralmente utilizadas para alterar as propriedades


eletrofisiológicas da junção atrioventricular em pacientes com taquiarritmias supraventriculares.
O bloqueio dos receptores β-adrenérgicos ao nível de junção atrioventricular reduz o tempo de
condução do impulso por meio da junção e, assim, prolonga o tempo que a junção atrioventricular é
refratária a outra estimulação. Ambas as alterações desfazem efetivamente a circuitaria de reentrada
que usa o nodo atrioventricular como parte de tal circuito.

Propanolol
O propranolol reduz a frequência de disparos espontâneos de potencial de ação do nodo sinusal e
de marca-passos ectópicos e reduz tanto a condução anterógrada quanto retrógrada por meio de
vias anormais no coração. Assim, o propanolol pode prover o alívio das arritmias associadas com
distúrbios no automatismo, fenômenos de reentrada ou ambos. O propranolol aumenta o período
refratário no nodo atrioventricular, que possui importância terapêutica em reduzir a frequência
ventricular durante a fibrilação ou flutter atrial. Durantes tais condições, o propranolol geralmente
não reduz a frequência atrial e, apenas raramente, restaura o ritmo sinusal. Entretanto, a redução
na frequência ventricular pelo propranolol é frequentemente efetiva e útil em alguns casos em que
há a refratariedade a outros agentes antiarrítmicos.

O propranolol e outros antagonistas β-adrenérgicos são eficientes em reduzir a frequência da


taquicardia supraventricular paroxismal, e àquelas relacionadas com a intoxicação por digitálicos
ou com esforço físico. Ainda, a taquicardia evocada durante a anestesia por inalação com anestésicos
halogenados frequentemente podem ser prevenidas ou revertidas com a administração prévia de
propranolol ou durante a anestesia.

O propranolol é bem absorvido no intestino e é largamente eliminado pelo fígado antes mesmo
de atingir a circulação sistêmica; devido ao seu elevado efeito de primeira passagem, é necessário
aumentar a dose em 6 ou até 10 vezes, quando administrar o propranolol por via oral, se comparado
por via endovenosa.

Um estudo em gatos mostrou que a técnica de infusão intravenosa em dois passos é mais eficiente
para alcançar e manter as concentrações plasmáticas constantes de propranolol, quando comparado
à injeção em bolus. Tal técnica envolve: a infusão contínua endovenosa em uma rápida frequência
de aproximadamente 8 a 11 mcg/kg/min durante 15 minutos, seguida por uma infusão lenta de

65
UNIDADE III │ Drogas antiarrítmicas

aproximadamente 1 a 4 mcg/kg/min durante 4 horas (WEIDLER et al., 1979), o que mantem as


concentrações plasmáticas de propranolol constante entre 60 – 80 ng/ml. A aplicação de tais técnicas
para o manejo das arritmias provavelmente são úteis, dependendo da severidade das disritmias e se
o animal está doente o suficiente, ou é tratável o suficiente para permitir uma infusão prolongada.

No cão, a supressão das arritmias induzidas pelas catecolaminas com a utilização do propranolol
requer uma menor dose por via endovenosa (0,1 a 1 mg/kg), quando comparado à abolição da
taquicardia induzida por ouabaína (3 a 5 mg/kg). Doses relativamente grandes de propranolol por
via endovenosa (3 a 5 mg/kg) são tóxicas em cães submetidos ao infarto do miocárdio experimental,
de forma que deve-se ter precaução na administração de propranolol em cães com redução da
reserva cardíaca.

Vale ressaltar que a administração rápida em bolus de grandes quantidades de propranolol pode
produzir efeitos depressores cardiovasculares não específicos. Assim, a pressão sanguínea e o
eletrocardiograma deve ser constantemente monitorado após a administração endovenosa de
antagonistas β-adrenérgicos. As doses orais de propranolol para animais variam de 2 mg/kg até 40
mg/Kg, de duas a três vezes ao dia.

Atenolol
O atenolol é um antagonista específico β1-adrenérgico, com a mesma potência que o propranolol,
porém com farmacocinética distinta. É mais solúvel em água quando comparado ao propranolol
e a sua biodisponibilidade em cães é de cerca de 80%. Além disso, é eliminado pela urina e
praticamente inalterado e é pouco submetido ao metabolismo hepático. A sua meia-vida é maior
que a do propranolol, sendo de cerca de 5 a 6 horas no cão e de 3,5 horas no gato.

Em cães, o atenolol é mais comumente utilizado em associação com a digoxina para reduzir a
frequência cardíaca em pacientes com fibrilação atrial, além de ser utilizado para tratar a taquicardia
supraventricular e taquiarritmias ventriculares, e na tentativa de prevenir a morte súbita em cães
com estenose subaórtica severa. Em gatos, é mais comumente utilizado para reduzir o movimento
sistólico anterior da válvula mitral em gatos com cardiomiopatia hipertrófica e para tratar as
taquiarritmias ventriculares.

O atenolol é fornecido sob a forma de tabletes (6,25-50 mg a cada 12 horas) e de solução para
administração endovenosa. Devido a sua pequena meia-vida em cães, recomenda-se que seja
administrado a cada 12 horas; em cães grandes com fibrilação atrial, a dose inicial seria de 12,5 mg
a cada 12 horas, por via oral, que necessita ser titulada até que a frequência cardíaca fique abaixo de
160 batimentos por minuto. Já em cães pequenos, a dose inicial é de 6,25 mg a cada 12 horas. Caso
seja utilizado para tratar arritmias ventriculares em cães sem falência miocárdica ou na tentativa de
prevenir a morte súbita em cães com estenose subaórtica, a dose administrada deve ser a dose máxima.

Em gatos com cardiomiopatia hipertrófica, o atenolol pode ser utilizado para reduzir o gradiente
de pressão subaórtica que ocorre secundariamente a movimentação sistólica anterior da válvula
mitral; a dose inicial (6,25 mg a cada 12 horas) também deve ser titulada para valores até 25 mg a
cada 12 horas.

66
Drogas antiarrítmicas │ UNIDADE III

Precauções
Os agentes antagonistas β-adrenérgicos devem ser administrados com cautela em pacientes com
reserva cardíaca reduzida (por exemplo, falência cardíaca congestiva) já que, em tais condições
patológicas, a função cardíaca é caracterizada por um aumento na dominância do sistema nervoso
simpático como parte do mecanismo compensatório na tentativa de manter o débito cardíaco. O
bloqueio do imput simpático para o coração pelo propranolol, particularmente se for súbito, pode
precipitar a descompensação cardíaca e todos os problemas associados. Tal aviso é válido, apesar
de o bloqueio β-adrenérgico, por reduzir o consumo de oxigênio, ser útil no tratamento da falência
cardíaca congestiva.

Antiarrítmicos – Classe 3
Os antiarrítmicos dessa classe agem primariamente prolongando a duração do potencial de ação e,
por isso, eles aumentam o limiar para fibrilação e são utilizados comumente para prevenir a morte
súbita relacionada a taquiarritmias ventriculares. Eles também podem ser eficientes em suprimir as
arritmias ventriculares.

Amiodarona
O amiodarona é sugerido para o tratamento de cães com cardiomiopatia dilatada com risco de
morte súbita. Adicionalmente, observou-se que a sua administração fornece um bom controle da
frequência ventricular na fibrilação atrial e pode resultar na conversão do ritmo sinusal em cerca de
25% dos cães (SAUNDERS et al., 2006).

O amiodaronea é um derivado do benzofurano e é estruturalmente relacionado com a molécula


de levotiroxina (T4), além de apresentam um elevado conteúdo de iodo. No cão, é metabolizado
a desetilamiodarona, que possui um importante efeito antiarrítmico devido a sua habilidade em
bloquear os canais rápidos para sódio.

O amiodarona apresenta uma farmacocinética pouco comum: após repetidas administrações,


a droga apresenta uma meia-vida de 3,2 dias em cães. É muito lipofílica e acumula-se no tecido
adiposo cerca de 300 vezes, quando comparado ao plasma sanguíneo; uma vez que a terapia é
descontinuada, o amiodarona é depurado rapidamente de todos os tecidos do organismo, exceto do
tecido adiposo.

A concentração miocárdica da droga é de aproximadamente 15 vezes a do plasma. Devido a sua


meia-vida, os efeitos significativos da utilização do amiodarona demoram para iniciar, bem como
demoram para ser dissipados a partir da descontinuação do tratamento. Por exemplo, o tempo para
alcançar metade do valor de pico, fundamental para o aumento no período refratário ventricular, é
de 2,5 dias; já o tempo para a concentração cair para metade do valor de piso, quando é realizada
a descontinuação do tratamento, é de 21 dias, em cães. Devido ao longo tempo para o inicio dos
efeitos terapêuticos, doses progressivas de amiodarona são frequentemente utilizadas na medicina

67
UNIDADE III │ Drogas antiarrítmicas

humana que, apesar de demorar de 1 a 3 semanas para o início dos efeitos terapêuticos, os seus
efeitos antiarrítmicos podem durar de semanas a meses após a descontinuação do tratamento.

Não há uma relação estabelecida entre as concentrações plasmáticas de amiodarona e a sua eficácia
em humanos; entretanto, sabe-se que concentrações plasmáticas abaixo de 1 mg/L é frequentemente
ineficiente e concentrações acima de 2,5 mg/L são geralmente associadas à elevada incidência de
efeitos colaterais em humanos. Sabe-se que as concentrações plasmáticas de amiodarona é de 1,9
± 1,1 mg/L dentro de 3 semanas de tratamento em cães experimentais com uma dose de 40 mg/
kg/dia (via oral, durante 10 dias), seguida da dose de 30 mg/kg/dia (via oral, durante 4 dias) e, por
sua vez, seguida de 20 mg/kg/dia (via oral, durante 6 semanas). Sabe-se também que essa dose
foi eficiente em prevenir a taquicardia e fibrilação ventricular em cães submetidos ao infarto do
miocárdio experimental.

Assim, a partir desses dados, poderíamos sugerir que tal esquema terapêutico poderia ser eficiente
em pacientes caninos; entretanto, não foram testadas doses menores neste estudo de forma que,
uma dose menor, pode ser igualmente eficiente. Há, por exemplo, a descrição de que a dose de 10-
15 mg/Kg a cada 12 horas (equivalendo a 20-30 mg/kg/dia) durante 7 dias, seguido de 5-7,5 mg/
Kg a cada 12 horas (equivalendo a 10-15 mg/kg/dia), por via oral, tenha melhorado as arritmias
ventriculares em cães.

Numerosos efeitos colaterais são relatados a partir do uso da amiodarona na literatura humana: 75%
dos humanos que recebem cerca de 6 mg/kg/dia de amiodarona em seu tratamento apresentam
efeitos colaterais e, dentre esses, 7 a 18% necessitam descontinuar o tratamento. A grande maioria
dos efeitos colaterais aparecem cerca de 6 meses após o início do tratamento e incluem problemas
neurológicos, distúrbios gastrointestinais, distúrbios visuais, incluindo microdepósitos na córnea,
reações dermatológicas, incluindo fotossensibilidade, reações cardiovasculares, incluindo falência
cardíaca congestiva e bradicardia, função hepática anormal, inflamação e fibrose pulmonar e
hipotireoidismo e hipertireoidismo. A detecção de fibrose pulmonar, falência cardíaca e a elevação
das enzimas hepáticas direciona para a essencial descontinuação do tratamento.

Em cães, por sua vez, os efeitos colaterais da amiodarona são pouco descritos; em dois estudos,
foram documentados aumento das enzimas hepáticas e neutropenia, distúrbios gastrointestinais,
além de aumento no conteúdo fosfolipídico no miocárdio felino.

O tratamento com amiodarona pode induzir hipo ou hipertireoidismo em humanos.


A amiodarona inibe a secreção de T3 e T4, a partir da glândula tireoide e, dessa forma,
a função tireoidiana deve ser monitorada no tratamento crônico com tal fármaco na
clínica.

Sotalol
O sotalol faz parte dos antiarrítmicos da classe III com propriedades auxiliares β-adrenérgicas. A
principal indicação em medicina veterinária para o seu uso é em cães da raça boxer com severa
taquiarritmia ventricular e síncope. (MEURS et al., 2002).

68
Drogas antiarrítmicas │ UNIDADE III

Quando administrado por via endovenosa ou em altas doses por via oral, o sotalol aumenta o intervalo
QT no eletrocardiograma em animais experimentais, reduz a frequência cardíaca (como qualquer
antagonista β-adrenérgico), prolonga o período refratário no nodo atrioventricular e o intervalo PR
devido ao efeito β-bloqueador. O solatol aumenta ainda o limiar de fibrilação ventricular e atrial
em cães experimentais: sua atuação sobre a refratariedade atrial é interessante no manejo de cães
com fibrilação atrial primária, decorrente após a cardioconversão, enquanto sua ação sobre o limiar
ventricular torna-o importante para evitar a morte súbita.

Em estudos experimentais, o solatol apresenta menos efeitos inotrópicos negativos, quando


comparado ao propranolol; em humanos com função miocárdica comprometida, o solatol pode
induzir ou exacerbar a falência cardíaca. Assim como em humanos, a dose de solatol deve ser
constantemente titulada e pacientes caninos e felinos com moderada ou severa doença cardíaca
devem ser monitorados cuidadosamente.

Em estudos experimentais com cães, o solatol converteu de forma eficiente o flutter atrial para o
ritmo sinusal em 14 dos 15 cães estudados, com a dose de 2 mg/kg administrado por via endovenosa.
Em outro estudo, para verificar a habilidade do solatol em concluir e prevenir a fibrilação atrial, ele
foi administrado em cães com fibrilação atrial induzida por via endovenosa; a dose de 2 mg/kg
não foi eficaz, apesar de a dose cumulativa de 8 mg/kg ter finalizado com a arritmia e prevenido a
reindução dessa em todos os animais estudados. Tal efeito foi relacionado com o prolongamento do
período refratário atrial.

Os cães da raça boxer com arritmias ventriculares severas e síncope sem falência miocárdica severa
geralmente respondem favoravelmente a administração de solatol; episódios de síncope cessam e,
então, ocorre uma marcada redução nas arritmias ventriculares. A dose varia de 40 mg a 120 mg a
cada 12 horas (1-4 mg/kg a cada 12 horas), por via oral. A dose geralmente é titulada, começando
com 40 mg a cada 12 horas; caso tal dose seja ineficiente, a dose é aumentada para 80 mg durante a
manhã e 40 mg durante a noite, seguida pela dose de 80 mg a cada 12 horas.

Eventualmente, a administração de solatol deve ser cautelosa em cães com falência cardíaca
moderada ou severa, devendo ser monitorados cuidadosamente durante os estágios iniciais da
administração; caso tal acompanhamento não possa ser feito, recomenda-se não iniciar o tratamento
com solatol. Em cães com falência miocárdica, a resposta mais comum a superdosagem é fraqueza,
possivelmente secundária à redução do débito cardíaco. Em pacientes com falência cardíaca, pode
acontecer a exacerbação do edema.

Na maioria dos casos, a suspensão da droga deve ser a única ação necessária, caso sejam aparentes
os sinais de exacerbação do edema e redução do débito cardíaco. Caso tal ação não baste ou caso
as anormalidades clínicas sejam severas, a administração de bipiridina, cálcio ou glucagon podem
ser eficientes. A administração de dopamina ou dobutamina não irá produzir a resposta desejada
devido os receptores β-adrenérgicos já estarem antagonizados pelo sotalol.

Os efeitos adversos da administração de sotalol em humanos são relacionados com os seus efeitos
inotrópicos negativos e a sua habilidade em prolongar o intervalo QT no eletrocardiograma. O solatol,
aparentemente, pode induzir outras formas de taquiarritmias ventriculares devido ao prolongamento
do intervalo QT. Como qualquer outra droga β-bloqueadora, a suspensão do tratamento com sotalol

69
UNIDADE III │ Drogas antiarrítmicas

deve ser feita gradualmente, ao longo de 1 a duas semanas, devido a suprarregulação dos receptores
β-adrenérgicos; a suspensão súbita pode levar a arritmias ventriculares fatais. A droga também
não deve ser utilizada em pacientes com doenças no sistema de condução, tais como bloqueio
atrioventricular, dentre outros.

Antiarrítmicos – Classe 4
Os fármacos que compões a classe 4 dos antiarrítmicos são os bloqueadores dos canais de cálcio,
que agem inibindo a função dos canais lentos para o íon cálcio localizados na membrana celular
das células cardíacas. Os canais lentos de cálcio participam da despolarização do nodo sinoatrial
e junção atrioventricular. As drogas bloqueadoras dos canais para cálcio reduzem a velocidade de
condução dos potenciais de ação, além de reduzir a frequência de despolarização do nodo sinoatrial.
Os bloqueadores de canais para cálcio também prolongam o tempo de recuperação a partir da
inativação dos canais lentos de cálcio e, como resultado, prolongam marcadamente o período
refratário no tecido juncional atrioventricular. Tais fármacos também são agentes inotrópicos
negativos devido os seus efeitos nos canais lentos de cálcio durante a fase 2 do potencial de ação
nas células do miocárdio. Devido os efeitos primários das drogas bloqueadoras dos canais de cálcio
ser no nodo sinusal e junção atrioventricular, tais drogas são mais efetivas para o tratamento de
taquiarritmias supraventriculares.

Verapamil e diltiazem
O verapamil é um vasodilatador coronariano sistêmico que também exerce importantes ações
antiarrítmicas; apresenta uma ação celular única por meio da inibição seletiva do influxo
transmembrana do íon Ca++ (e talvez do íon Na+) através dos canais lentos para cálcio localizados
no sarcolema. Já que essa ação parece crucial para os efeitos antiarrítmicos dessas drogas, o
verapamil e o diltiazem são colocados em uma classe distinta de antiarrítmicos (a Classe 4).

As arritmias causadas por distúrbios, tanto na formação do impulso nervoso (automatismo)


quanto em sua condução (reentrada), são teoricamente amenizados pelos bloqueio dos canais de
cálcio pelo verapamil, caso a sua origem esteja relacionada com a emergência da resposta lenta de
despolarização. Adicionalmente, o verapamil deprime a frequência dos disparos do nodo sinusal e
atrioventricular e a velocidade de condução, devido a característica normal de automatismo desses
tecidos ser dependente de influxo lento de íon cálcio. Assim, o verapamil possui uma aplicação
em certos tipos de taquiarritmias supraventriculares que dependem da reentrada contínua dos
impulsos, utilizando o nodo atrioventricular como parte da via de reentrada. (SINGH et al., 1980).

Na medicina veterinária, as aplicações clínicas para os antiarrítmicos bloqueadores de canais lentos


para Ca++ envolvem, principalmente, a utilização do verapamil e do diltiazem no tratamento de
taquiarritmias supraventriculares. Poucos estudos clínicos examinaram a eficácia antiarrítmica dos
bloqueadores de canais para cálcio em animais com doença cardíaca. O verapamil foi descrito como
eficiente em converter a fibrilação paroxismal ou atrial crônica para ritmo sinusal em 3 de 7 cães
(JOHNSON, 1985). Além disso, alguns cães desenvolveram taquicardia ventricular com 1 dia de

70
Drogas antiarrítmicas │ UNIDADE III

tratamento com verapamil; o tratamento foi descontinuado e eficientemente substituído por uma
associação entre quinidina e propranolol.

Em um estudo, o verapamil foi eficiente em tratar a taquicardia supraventricular, quando


administrado por via endovenosa em 1 a 3 doses de 0,05 mg/Kg (KITTLESON et al., 1988). Em um
segundo estudo envolvendo 27 cães com taquicardia atrial ou fibrilação atrial com rápida frequência
de resposta ventricular, a qualificação dos indivíduos para esse estudo foi a ausência evidente de
falência cardíaca, evidenciado pela ausência de dispneia e severa cardiomegalia. O verapamil foi
administrado oralmente na dose de 0,5 mg/Kg a cada 6 horas, porém doses maiores foram utilizadas
para alguns cães no início do tratamento. Sete cães mantiveram a arritmia após a administração
de verapamil, 5 cães com fibrilação atrial tiveram redução na frequência ventricular em mais de
50 batimentos por minutos e 9 cães com taquicardia supraventricular converteram para ritmo
sinusal (HAMLIN, 1986). Dessa forma, cerca de 50% dos cães com taquiarritmia supraventricular
responderam favoravelmente ao verapamil.

Efeitos circulatórios adversos dos bloqueadores dos canais de íon cálcio incluem a depressão
contrátil do coração, com redução do débito cardíaco e hipotensão. Tal combinação de efeitos pode
resultar em uma descompensação pré-clínica ou falência cardíaca compensada, precipitação do
edema pulmonar e piora na doença primária. Outro efeito colateral em potencial é a bradicardia
sinoaórtica e o bloqueio cardíaco atribuído a depressão direta do disparo dos potencias de ação
do nosso sinusal e da condução atrioventricular, respectivamente. A propensão para a depressão
cardiovascular deve ser considerada sempre que as drogas bloqueadoras de canais para Ca++ forem
utilizadas. Tal precaução é válida especialmente em pacientes com falência contrátil miocárdica
pré-existente ou suspeita. (ALLERT e ADAMS, 1987).

71
Para (não) Finalizar

Terapia auxiliar na falência cardíaca


congestiva
O objetivo básico do manejo terapêutico de pacientes com falência cardíaca congestiva é o ajuste do
débito cardíaco para adequar às necessidades do organismo e vice-versa. Adicionalmente a melhora
da performance mecânica do coração com digitálicos, outros procedimentos podem ser úteis para
atingir tal objetivo, como a redução da demanda dos tecidos por oxigênio, melhora na captação
de oxigênio pelo leito vascular pulmonar, diminuição na pressão capilar pulmonar, redução nas
secreções pulmonares e redução na ingestão de sal. Com exceção das alterações na dieta, todos
os objetivos acima mencionados podem ser alcançados pela terapêutica eficiente e a assistência
na melhoria hemodinâmica; entretanto, outras intervenções podem ser necessárias. Tal fato é
particularmente relevante nas situações de emergência quando o tempo pode não ser favorável para
que todos os efeitos dos digitálicos sejam manifestados.

Demanda e entrega de oxigênio. Em animais com estágio moderado de falência cardíaca


congestiva e tratados ambulatorialmente, severa restrição ao esforço físico deve ser adequada para
reduzir a demanda por oxigênio. O proprietário do animal deve ser advertido que a redução na
atividade física do seu animal será necessária durante toda a vida do paciente. A terapia inicial
de casos severos de falência congestiva inclui completa inatividade em uma caixa bem oxigenada,
especialmente se uma descompensação cardíaca aguda estiver presente. Uma máscara de oxigênio,
cateter nasal ou até mesmo um tubo endotraqueal podem ser necessários em episódios severos
de edema pulmonar cardiogênico; pressão de ventilação intermitentemente positiva é, às vezes,
requerida, caso o acúmulo de líquidos no pulmão esteja intenso.

Diuréticos. A utilização de potentes diuréticos de alça é indicada na falência congestiva e


alguns clínicos acreditam que tais agentes sejam drogas de eleição nessa condição (HAMLIN et
al., 1973). Entretanto, a terapia apenas com diuréticos deve ser cuidadosamente monitorada; a
diurese pronunciada pode reduzir o volume sanguíneo de forma que o enchimento ventricular seja
inadequado: por um lado, a redução no enchimento ventricular é boa por reduzir a tensão de parede.
A demanda por oxigênio e a propensão para edema; por outro lado, a perda excessiva de retorno
venoso sem os efeitos inotrópicos positivos simultâneos pode levar á redução do débito cardíaco.
A maioria dos cardiologistas indicam a utilização dos diuréticos como um aditivo padrão à terapia
com drogas inotrópicas positivas.

Morfina. A morfina é sugerida como droga de eleição no manejo do edema pulmonar secundário,
apenas para efetiva disponibilização de oxigênio (DAVIS, 1979). Supostamente, a morfina exerce
efeitos benéficos por três ações: sedação e alívio dos sinais de ansiedade; conversão dos padrões

72
para (não) finalizar

respiratórios rápidos e violentos para lentos e profundos, por meio da depressão dos centros
respiratórios; e dilatação da vasculatura esplâncnica, desviando, dessa forma, o volume sanguíneo do
sistema pulmonar para a circuitaria sistêmica. A administração de pequenas doses de morfina (0,05
a 0,1 mg/Kg) pode ser feita a cada 3-6 minutos, enquanto a progressão do paciente é monitorada
de perto.

Outros procedimentos. Drogas broncodilatadoras (como a aminofilina) têm sido sugeridas


no tratamento da falência cardíaca congestiva. A aminofilina e outras xantinas são potentes
broncodilatadores, mas também apresentam efeitos diretos sobre a atividade cardíaca, alguma ação
diurética e efeitos vasodilatadores. A dose usual de aminofilina é de 10 mg/kg, administrada por
via oral ou parenteral, duas a três vezes ao dia. Administrações endovenosas devem ser infundidas
lentamente, preferivelmente diluídas em soluções. Um grande número de drogas broncodilatadoras
e anticonvulsivantes têm sido utilizados no manejo da falência cardíaca, apesar de o potencial para
interações medicamentosas não esperadas deve ser considerado. A nebulização de uma solução com
etanol a 20% no trato respiratório pode ser de alguma ajuda para reduzir o excesso de secreção no trato
respiratório nos casos agudos. A ingestão de sódio deve ser restringida em longo prazo, para reduzir
a potencial formação de edemas; rações com baixo conteúdo de sal são comercialmente disponíveis.

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