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Supremo Alfa I

Companheiros
Gabriella Guimarães
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Capítulo 1 - Acordando

Luana

O telefone toca, sei que está tocando,


mesmo que o som esteja no mudo e meu
aparelho só vibre, sei, porque consigo ouvir
muito bem, afinal, sou uma loba. Viro-me
para o outro lado da cama e espero que,
quem quer que esteja do outro lado da
linha, desista. Mas não é o que acontece, o
telefone toca mais e mais, até que, de olhos
ainda fechados, levanto-me e com um
muxoxo de irritação, o atendo.
— O quê? – pergunto já irritada.
— Isso são modos de atender ao
telefone, maninha? – A voz de Alec me
acalma. Céus! Já não o vejo há quase cinco
meses. Pensei que houvesse passado por
coisas difíceis, porém, nada é mais difícil do
que estar longe dele.
— Oi, irmão – digo em um suspiro.
— Bem, assim está melhor, mas não o
suficiente. Eu tenho novidades. – Não me
animo, as novidades de Alec têm sido sobre
alcateias, políticas e tudo o mais, e isso não
me interessa.
— Quê? – murmuro, pondo a mão
direita sobre os meus olhos, já que um facho
de luz acabou de passar pela cortina do
meu quarto.
— Estou voltando para casa daqui a
dois dias. – Ergo-me de vez da cama, já
completamente desperta.
— Sério?
— Sim, maninha, eu vou voltar porque
é seu aniversário e...
— Luana, minha querida, estou
faminto! – Ian entra no meu quarto sem
nem ao menos bater e me olha com aquela
cara idiota de quem está passando fome há
uns cinco dias. Ian é alto, possui porte
atlético, como todo lobo, e é a minha
maldita sombra quando meu irmão não
está presente.
— Alec, tenho que desligar agora, Ian
resolveu invadir meu quarto – digo em um
resmungo.
— Maninha, eu... – ele tenta completar
a frase, mas minha atenção está
completamente no idiota do beta do meu
irmão.
— Depois conversamos, tchau. –
Desligo o telefone na cara de Alec e armo
uma carranca para Ian. Vivi cercada por
homens, já que Alec e eu sempre fomos meio
que inseparáveis. Alguns dos caras da
alcateia passaram a ser bons amigos. Na
verdade, Ian passou a ser um bom amigo.
— O que será de mim quando você
arranjar um companheiro, quem irá me
alimentar? – ele pergunta com uma mão
sobre o seu peito, de modo dramático. Passo
por Ian e dou um soco em seu braço.
— Acredito que isso não acontecerá tão
cedo. E você será alimentado pela boba que
cair em sua lábia. – digo, e ele finge que não
me ouve.
— E quem irá me bater? Qual mulher
ousaria me bater? – Ele está certo, Ian será
o beta de Alec, e ele é feroz, mais feroz do
que um lobo deveria ser, se é que isso faz
algum sentido.
Às vezes, penso que os outros homens
só me respeitam por isso, Alec e Ian, os
futuros Alfa e Beta da alcateia. As
mulheres aqui são... Invisíveis, acho que
elas já nascem com o rabo por entre as
pernas e nunca aprenderam como erguê-lo
de lá. Não me passa despercebido o fato de
que Ian e Alec se revezam para sair da
alcateia, eles não me deixam só, nunca. A
regra é que um Beta nunca deixa seu Alfa.
Então, que porra Ian está fazendo aqui, me
infernizando há cinco meses?
Começo a fazer suas panquecas e a
fritar seu bacon, Ian suspira em minhas
costas.
— Por que o destino foi tão cruel
comigo e não quis que nós dois fôssemos
companheiros? – ele questiona, e sei que está
fazendo uma careta às minhas costas.
— Não se preocupe, Ian, você vai
encontrar alguém que te alimente e me
esquecerá logo.
Ian tem o coração no estômago, nunca
vi alguém comer tanto, o que é estranho, já
que o homem parece uma rocha de tão
forte.
Termino seu café enquanto ele já está
se lambuzando com a comida. Sorrio, é bom
conviver com Ian... Os outros não fazem
nada comigo, mal me olham. E as
mulheres... Elas não querem ser vistas nem
no mesmo ambiente que eu. E eu não quero
conviver no mesmo ambiente que meu pai.
Vê? É como uma corrida eterna de gato e
rato. Sinto o cheiro dele antes que apareça
na cozinha, olho para os lados, para as
minhas rotas de fuga, tarde demais... Ian
percebe alguma alteração em mim e para
de comer feito um cavalo, ele fecha seu
semblante e fica sério, alimentando-se
vagarosamente. Alguns segundos depois,
meu pai aparece na porta.
Meu pai é como os outros lobos, e a
única coisa que indica sua idade são seus
cabelos completamente brancos. Ele senta-se
à mesa e começa a se servir, põe um bocado
na boca e cospe em mim praticamente tudo
o que está em sua boca.
— Que merda é essa? Bem se vê, não
serve nem para cozinhar! Sei que não deve
servir para procriar também, já que ainda
não encontrou seu companheiro! – ele cospe
cada palavra em mim. Dou um passo para
trás, como se elas fossem socos. Talvez
sejam, ninguém nunca nos ensinou isso
quando treinávamos luta, sabemos que o
nosso corpo se cura rapidamente, mas isso,
as palavras, elas deixam marcas e às vezes
demoram muito tempo para curar.
Há algo de profundamente errado em
nossa relação. É claro que aqui não somos
tratadas de modo igualitário, mas vejo
como as outras famílias se comportam, e
não tratam suas filhas como eu sou tratada
aqui. Meu pai está sempre com tanta raiva
quando estou por perto, como se me
culpasse por algo.
Ian, que já havia terminado de comer
tudo de seu prato, olha para as minhas
mãos cerradas embaixo da mesa e se
levanta.
— Ian, não deveria andar com ela, vai
afastar qualquer companheira que você
poderia ter – ele fala isso com cara de nojo.
— Não se preocupe, Alfa – Ian pisca
um olho, sorrindo, e me põe em suas costas –
, Luana e eu nos divertimos muito.
Ian começa a me carregar para fora
da cozinha como se fosse um saco de feijão.
Ele sempre fez isso, sempre deu a entender
que nós dois tínhamos um envolvimento
carnal, o que é impossível, já que ainda sou
virgem. Já disse para ele que isso afastaria
todas as mulheres, mas Ian só sorri e diz
que elas vêm de qualquer forma. Maldito
convencido.
— Droga, Ian, coloque-me no chão! –
Estamos quase na floresta.
— Ainda não, Lua.
Lua... Era assim que Alec me chamava
quando era pequeno, porque era assim que
a minha mãe também me chamava. Ela
dizia que meus olhos se pareciam com a lua
cheia. Hoje, só Alec e Ian me chamam dessa
forma.
Ele corre alguns quilômetros, sei para
onde está me levando; pela demora,
definitivamente sei. Quando Ian me põe no
chão e olho ao redor, vejo várias árvores
derrubadas, algumas com buracos e marcas
em seus troncos, marcadas de sangue por
punhos, destruídas por socos. Eu sei
exatamente disso porque fui eu quem
provocou tamanha destruição, venho aqui
para liberar energia ou toda vez que não
consigo mais abafar aquilo o que sinto.
Minha loba não gostou de ser carregada
por Ian, ela gosta de andar com suas
próprias patas, não gosta que a defendam,
muito menos que tomem as suas lutas. Ela
também não gosta de mim a maior parte do
tempo, porque eu a escondo.
Quando Ian me põe no chão, avanço
nele. Ian defende-se do meu golpe e eu dou
um chute alto que acerta em cheio em seu
estômago. Ele sorri e vem em minha
direção, ficamos ali, lutando por todo o dia,
e quando ambos caímos no chão, estamos
machucados, doloridos e cansados. Ele
ergue a mão. — Empate.
— Vai sonhando, Beta – digo em um
sorriso e viro meu corpo em direção ao seu.
Ian me fita nos olhos, já que estamos
deitados na grama um ao lado do outro.
— Eu falei a verdade, Lua, você seria
uma companheira perfeita para mim.
— Isso porque ainda não conheceu a
sua companheira destinada. Quando
conhecê-la, voltaremos a ter essa conversa.
– Ele para um pouco para pensar e me olha
novamente.
— Mas isso não nos impede de...
— Ian, eu já disse que não! – Ele sorri e
dá de ombros.
— Acho que eu nunca vou deixar de
tentar – O descarado confessa e sorri.
Ele sabe que sou virgem, sabe também
que nunca... Bem, nunca nem beijei
ninguém. Sei que a ligação entre
companheiros é algo sagrado, algo
destinado pelos deuses, então, resolvi
esperar por ele, por alguém destinado a
mim. Mesmo que a ideia não me agrade
muito, um companheiro é o mais antigo
costume do meu povo, e eu conheço casais
que tiveram sorte, eles se amam de
verdade, dá para ver em seus olhos.
Quando era mais nova, costumava
olhá-los e desejar que um dia alguém me
olhasse com todo aquele amor. Também já
conheci companheiros que são
extremamente infelizes, como a minha mãe
era. Não me lembro de muita coisa sobre o
passado, o pouco que me recordo, os dois
brigavam muito.
Ao mesmo tempo em que acho esse um
costume importante, acredito que
deveríamos ser capazes de escolher. Vi
minha mãe aprisionada a um costume que
a deixava infeliz, afinal, os laços dos
companheiros nunca se desfazem, são para
toda a vida. Então fico entre a espera para
que o momento chegue e a ansiedade para
que ele nunca venha a acontecer, não gosto
de brincar com a sorte, e se a pessoa
destinada a mim não for alguém que me
fará feliz?
— Que tal uma corrida? – ele sugere,
levantando-se.
Ian já estava tirando a sua roupa e eu
o segui no processo. A transformação em
lobo é simples para quem já é acostumado a
isso, a primeira vez nunca é fácil e dói
como o inferno. Em pouco tempo, um
imenso lobo marrom me encara, vejo-me
espelhada em sua íris: uma loba caramelo
com imensos olhos azuis. O lobo de Ian pula
em mim com seus dentes em meu pescoço,
não dói, porque ele não aperta, mas sei que
esse seria um golpe que facilmente me
mataria. Fui treinada desde pequena e
depois passei a treinar com Ian e Alec, o
que me deixou com bagagem o suficiente
para me proteger, o que não devo fazer, já
que chamaria a atenção e na alcateia não
seria bom ter uma mulher lutando tão bem.
Ian e eu passamos a tarde correndo e
caçando pela floresta e, quando a noite cai,
coloco meu pescoço sobre o de Ian e suspiro.
Minha loba sabe que algo vai acontecer,
sempre sinto isso. É como uma indigestão,
como algo entalado em minha garganta;
Capítulo 2 – Presente de
Aniversário

Luana

Adormeci na floresta, junto a Ian.


Acho que, durante a noite, nos
transformamos de volta e acabamos
abraçados para aquecermos nossos corpos.
Começo a despertar porque sinto sua
respiração em meu pescoço, e algo em
minhas costas.
— Tire a porra do seu pau das minhas
costas, Ian! – Levanto-me, ou tento, já que
ele é o dobro de mim em tudo.
— Shhhiiii... – Ele me prende mais
ainda em um abraço forçado.
— Você não tem nada para fazer hoje?
– Isso faz com que ele desperte e me solte.
Sabia que Ian tinha esquecido de algo, ele
sempre esquece de coisas referente ao meu
pai e obedece a Alec cegamente. Prova
disso é que, há cinco meses, ele não me
larga, é como um cão com seu osso. Sei que
meu irmão pediu para que ele mantivesse
um olho em mim, mas isso não significa
ficar vinte e quatro horas em minha cola.
— Preciso resolver umas coisas hoje,
não apronte nada e não faça nada que eu
não faria. – Ele levanta e pisca para mim.
Rolo meus olhos e jogo-me novamente
na grama, Ian consegue ser um panaca
quando quer.
Mais ou menos uma hora depois que ele
parte, caminho na ponta dos pés para o
meu quarto na casa grande. Embora meu
pai não goste muito da ideia, é lá que moro.
É como se fosse uma imensa aldeia com
uma casa maior no centro, essa é a
residência do alfa e de sua família. As que
ficam ao redor dela, são as casas da
matilha.
Tomo um banho, visto uma roupa
qualquer e pego as chaves da caminhonete
de Ian. Vejo meu celular tocando, mas
resolvo deixá-lo sobre a minha
escrivaninha. Amanhã, completarei
dezessete anos... Dirijo até a cidade sem
nem perceber. Tive uma infância como
qualquer outro, fui ao colégio como
qualquer outra pessoa normal, e sei que não
deveria, mas fiz amizades lá. Na verdade,
uma amiga.
— Ei, estranha!!! – ela grita quando me
vê.
Raquel é a pessoa mais iluminada que
conheço. Sério, nunca a vi triste, e isso
sempre me fez bem, estar com ela me faz
bem.
— Oi, Lôra! – Raquel é quase uma
Barbie, costumo chamá-la dessa forma.
Ela me abraça forte e me entrega um
presente.
— Não precisava... – digo, já abrindo o
embrulho, a verdade é que adoro presentes,
e ela bem sabe disso.
— Precisava sim, não sei por que não
podemos comemorar seu aniversário
amanhã.
— Coisas de família, Lôra, já disse –
corto-a, não deixando margem para que
continue no assunto.
Ela me dá de presente um vestido
incrível.
— Quem sabe você possa usá-lo em suas
“coisas de família”. – Faz aspas com os
dedos e revira os olhos, mas logo sorri
novamente.
Tento esconder ao máximo minha
família dela, Raquel não sabe nem onde eu
moro, e sei que isso a chateia.
— Então, o que planejou para hoje? –
pergunto de modo ansioso, se tem uma coisa
que Raquel é realmente boa, é em planejar
comemorações.
Nossa primeira parada foi em um
salão de beleza, fizemos limpeza de pele,
cortamos os cabelos, demos hidratação e
fizemos as unhas.
— Ei, estranha, você está linda! – ela
exclama, enquanto admira minha imagem
no espelho. Nunca fui alguém muito
vaidosa, mas tenho o gene do meu povo, e
as pessoas normais costumam prestar
muita atenção em mim por meu porte.
Resolvi fazer um corte repicado em
meu cabelo, o que me transformou quase
em outra pessoa. Olho-me ao espelho e
realmente gosto do que vejo. Alec e eu
temos cabelo cor mel, com algumas mechas
em tons mais claros, e olhos incrivelmente
azuis.
Quando saímos do salão, já eram quase
cinco horas, fomos comer algo e Raquel não
parava de falar em como seria o seu futuro
a partir de agora, que arranjou um estágio
em uma grande empresa de moda.
— E você, Lu, o que pensa para o futuro?
Não deseja sair desta cidadezinha? –
Raquel sempre odiou este lugar, perdeu os
seus pais muito cedo e detesta ser
dependente dos tios, não porque não os
ama, mas sim porque é independente
demais.
— Claro que desejo sair daqui, mas não
quero abandonar Alec... Vou ficar por aqui
mesmo – respondo, dando de ombros.
— Sempre disse que você não tem
ambições!!! Olha – ela me cutuca –, quem é
aquele cara lindo te encarando?!
Ela tinha razão, havia alguém do
outro lado da rua que não tirava o olho de
mim, mas ele não era um homem, e sim um
lobo. Um lobo idiota o bastante para entrar
no território do meu pai sem aviso. Ele
sorri para mim em reconhecimento e vai
embora.
— Uou! O que foi isso? Vocês se
conhecem? Por favor, diga que tem um
namorado secreto! – Demoro algum tempo
para responder, pois ainda estou
assimilando o que acabou de acontecer.
— Não, Lôra, sinto muito.
Ela faz cara de triste, mas logo se
ilumina por inteira.
— Conheço essa cara. O que você quer?
— Aquela boate reabriu... - Ela diz, já
fazendo bico.
— Nem precisa dizer mais nada, não
adianta discutir com você mesmo – digo
simplesmente.
Pagamos a conta e saímos do
restaurante direto para a casa dos tios de
Raquel, os pais dela haviam morrido em
um acidente há uns sete anos e, desde
então, ela vive com eles. Tomamos um
banho, ela me fez usar o vestido que me deu
e me emprestou algo para calçar. Raquel
também fez a minha maquiagem e deu uma
sacudida no meu cabelo.
— Ei, estranha, até eu te pediria em
namoro – comentou, enquanto me olhava
de cima a baixo.
— Que falta de pudor, mocinha? –
indago séria, imitando seu tio, mas logo
caímos na gargalhada.
Pegamos um táxi até a boate e, como
sempre, Raquel não pega filas. Acho que ela
tem o dom de ser notada por onde passa.
Assim, entramos logo que chegamos à
boate, enquanto uma fila gigantesca
aguardava lá fora.
O som toma meu corpo como vibrações,
sinto o cheiro de todos que estão aqui, e não
há nenhum lobo, apenas suor e hormônios à
flor da pele. Bebemos três tequilas cada
uma e fomos para a pista. Logo estávamos
cercadas por homens que dançavam
colados aos nossos corpos. Raquel e eu
sempre dançamos muito agarradas, o que
chama a atenção de vários homens em uma
boate, eles pensam que terminarão a noite
com duas mulheres em sua cama.
Não sei quantas músicas dançamos,
mas Raquel puxa meu braço e grita no meu
ouvido:
— Feliz aniversário!
E é aí que eu sei que já é tarde, muito
tarde, Ian enlouqueceria, Alec chegaria
logo pela manhã e eu... O pensamento me
foge, só desejo que, por uma madrugada, eu
possa viver sem ter que ficar olhando no
meu ombro para ver se serei atacada por
alguém.
Raquel e eu rejeitávamos os pedidos e
os convites de homens para irmos para um
local mais confortável, essa noite era nossa,
e nem éramos acostumadas a aceitar essas
cosias. Raquel e eu dançamos juntas,
coladas, nosso suor se misturando e nossa
respiração já está saindo em lufadas, a dela
já que eu não me canso tão facilmente
assim, nem me embebedo tão facilmente.
— Meus pés estão me matando, já são
cinco e meia!!! – ela grita por cima da
música, que ainda toca.
Viramos a noite aqui, Alec deve chegar
as seis e será impossível estar lá no horário.
Voltamos para a casa dos tios de
Raquel e começo a me bater em tudo em seu
quarto, tentando encontrar o local em que
ela havia guardado as minhas coisas. Ela,
que já estava no oitavo sono em sua cama,
desperta com sua cara inchada.
— O que foi?
— Estou atrasada.
— Às seis da manhã? Ninguém está
atrasada às seis da manhã!!! – Ela bufa e
enfia sua cara no travesseiro.
— Terei um café com a minha família,
isso é importante – explico, já nervosa.
— O lance da família, vamos dar um
jeito nisso!
Ela desperta magicamente, me faz por
uma saia longa com duas fendas
gigantescas nas laterais e um croped que
deixa parte da minha cintura à mostra.
Calço as minhas botas e olho-me no espelho,
nada mal. Ela retira a maquiagem da noite
passada e faz outra, realçando os meus
olhos azuis, que agora parecem mais com os
olhos de uma gata.
— Agora, vá e deixe os humanos
normais descansarem. Feliz aniversário!
Quando ela disse “os humanos
normais”, todo o meu corpo travou. Depois
ri, ela não pode saber de nada.
Entro no carro de Ian e dirijo até a
propriedade da minha matilha. Vários
veículos estranhos estão estacionados,
várias pessoas estranhas estão no nosso
território... Mas que merda é essa? Meu
estômago embrulha, devo ter bebido demais
ontem, até lobos têm ressaca, dependendo
da quantidade de álcool ingerido.
— Merda, Lua, seu irmão quase me
mata! – Sou recepcionada por um Ian
bravo. – Hei, você está linda! – Ele olha
para mim agora e me abraça. – Feliz
aniversário – diz em meu ouvido.
Vou em direção à porta principal da
casa, quero ver meu irmão e comprovar
que está bem. Este pressentimento está me
matando.
— Você não deveria... – Ian tenta me
parar.
Porém, é tarde demais, porque eu já
abri completamente a porta de entrada e
quase dez pares de olhos me encaram,
muitos que eu nunca vi na vida.
— Ian, o que está acontecendo aqui? –
sussurro, e ele dá de ombros, como se
pedisse desculpas.
— Onde está a mulher da minha vida?
– Ouço a voz de Alec e sorrio, sentindo-me à
vontade para dar alguns passos, mesmo no
meio de tanta gente desconhecida.
Avisto Alec, mas paro de caminhar...
Paro porque meu estômago agora não
embrulha, ele está dando cambalhotas,
minhas pernas não me obedecem e meu
olhar está vidrado em um grande lobo
atrás de Alec. Vejo quando seus olhos
escurecem e ele também trava no lugar.
Alec não percebe nada e vem até mim,
abraça-me e gira-me no ar.
— Senti tanto a sua falta, maninha. –
Mas meu olhar continuava nele... Ele, que
caminhava em minha direção e que parecia
irritado ao olhar para o meu irmão. Nesse
momento, meus sentidos voltam, me lembro
do
olhar de alguns casais e definitivamente
não era esse;
— Também senti a sua falta, irmão –
respondo sem tirar os olhos do homem que
agora estava a minha frente. – O que está
acontecendo aqui, Alec? – questiono.
— Não acredito que ninguém te contou –
ele diz, revirando os olhos.
— O quê? – Tiro meu olhar por um
segundo da cara do homem desconhecido e
encaro meu irmão.
— Esse é o supremo alfa, Noah. Ele veio
junto com seus mais valiosos guerreiros
para...
Não ouço mais nada o que meu irmão diz.
Então, esse é o supremo?
Cerro os meus olhos para ele, e Alec
percebe.
— Lua... – ele me repreende.
Noah caminha para mim e, só por sua
presença, meu irmão se afasta. Ele dá um
suave beijo em minha bochecha, somente
um roçar, e sussurra em meu ouvido:
— Companheira.
Não, não, não... Nem em um milhão de
anos!!! Não posso ser a companheira do
supremo! Todos sabem das suas histórias, de
casos por toda a alcateia que passa.
Caminho em passos largos, esbarrando
em seu ombro, passo por Noah e por um
Alec boquiaberto. Ele ouviu o que o alfa
disse. Subo as escadas e vou para o meu
quarto. Só a imagem dele me faz tremer, e
minha loba rosna, pedindo a proximidade.
Não, não, não... Encosto minhas costas na
parede e escorrego até o chão, pondo a
minha cabeça em meus joelhos... Que belo
presente de aniversário que eu fui
arranjar!
Lembro-me do olhar, não era como eu
imaginava que seria. E mesmo que tudo
dentro de mim o reconheça de alguma
forma, sei que acabo entrando para as
estatísticas de pessoas que terão problemas
nessa coisa de relação, afinal, se penso que
fico presa aqui, imagina ao lado dele?

Capítulo 3 – Desafios de Alfas

Luana

Sinto, mesmo que esteja com meus olhos


fechados, quando ele entra em meu quarto e
se abaixa ao meu nível de visão. Ele está
próximo, sei que está próximo, tão próximo
o possível sem que me toque.
— Companheira – ele sussurra quase
delicadamente.
A sua voz é como um maldito
chamado, e eu olho para cima, fito seus
olhos e ele toca meu rosto, suas mãos
passam pelos traços do meu rosto e seus
dedos desenham o contorno da minha boca.
— Por que fugiu de mim? – Sua voz é
dura dessa vez, como se eu tivesse cometido
um grande erro, como se devesse me
desculpar por isso. Cerro meus olhos.
— Eu não fujo. – Ele sorri e... Droga!
Era o sorriso mais bonito que já vi em
minha vida. Noah tem olhos escuros, mas
não negros, e cabelos escuros, ele é forte —
como qualquer um de nossa raça, já que
vivemos correndo e nos exercitando—, e
alto, chega a ser mais alto do que eu.
Seu sorriso é substituído por um rosnar
quando ele olha para o meu corpo e percebe
que a droga da saia que a Lôra me fez
vestir não cobre muita coisa. Ele se levanta
e me oferece a mão.
— Sabe o que somos, não é?
Afirmo com a cabeça. É claro que sei,
isso não torna mais fácil aceitar o fato.
Aceito a sua mão e ele me puxa facilmente
para cima, nos encaramos e percebo seu
olhar escurecer novamente. Estou pronta
para uma briga porque sei o que é isso, seu
lobo estava tentando tomar o controle, mas
ele consegue fazer com que recue.
Noah me pega de surpresa quando toca
em meu rosto de modo gentil, mesmo que
por dentro eu possa perceber a luta que ele
trava para não me agarrar, seu único
toque é esse.
— Você não vai fazer disso algo fácil,
não é? – me pergunta.
— Não, não vou – e era a verdade, não
concordo com um monte de coisas em nossa
comunidade, e isso inclui a completa
submissão das mulheres que beira ao
absurdo, muitas são desrespeitadas e não
conhecem outra realidade senão a
infelicidade.
Ele me dá as costas e sai, sei que está
irritado, sei porque consigo sentir sua
irritação. É uma irritação misturada a
algo mais, mas mesmo assim, uma
irritação. É estranho poder sentir alguém
dessa forma, estranho ver alguém pela
primeira vez e o reconhecer como alguém
único.
A porta do meu quarto é aberta
novamente e o sinto tarde demais. Costumo
ficar longe de meu pai pelo menos alguns
metros, ele sempre parece querer voar em
meu pescoço por algum motivo, e dessa vez
foi exatamente o que aconteceu.
— O que você fez desta vez, heim? Por
que o Supremo saiu do seu quarto tão
revoltado?
Pelo visto não fui só eu que senti a
irritação de Noah. Pode estar se
perguntando porque estou tão calma com
alguém apertando o meu pescoço, a
verdade é que não machuca tanto quanto
parece, meu pai não é mais tão forte
quanto costumava ser e sei que isso logo irá
sarar.
A revolta maior dele era na verdade
medo. Ter Noah aqui é uma grande honra
que meu irmão conquistou para a nossa
matilha, mas ter a sua filha como
companheira dele... Meu pai está com medo
que eu estrague tudo. E como ele não sabe
muito como falar, ele agride.
É exatamente o que acontece quando
me arrasta escada abaixo, segurando
fortemente o meu pulso. Ele me joga no
chão e sei que estou aos pés de Noah, posso
sentir seu cheiro.
Aprendemos a nos reprimir, a manter
amarrado aquilo o que sentimos, é isso o
que se espera de nós na matilha. Mas nem
sempre consigo ser assim, como agora.
Minha loba arranha a parede da minha
consciência, com raiva, se sentindo
humilhada, desejando com toda a sua força
revidar.
— Ela é sua, pode fazer o que quiser,
Supremo — em raras vezes ouvi respeito
na voz de meu pai. E perceber todo esse
respeito em direção a Noah, me fez ficar
mais atenta e receosa em relação a ele.
Ele sabia que Noah é meu
companheiro, Alec deve ter contado. Mas se
não fosse, acredito que agiria exatamente
da mesma forma, e isso me irrita. Só lobos
extremamente fortes são capazes de fazer
algum tipo de transformação parcial, é
preciso ter um certo tipo de controle sobre o
seu lobo para isso. Eu consigo me
transformar parcialmente, minhas mãos já
estavam como garras próximas a minha
saia.
— Lua... — Foi um aviso, Alec percebeu
minha transformação parcial. A verdade é
que meu irmão poderia ser o alfa da nossa
matilha se quisesse, mas para isso nosso pai
teria que morrer. Nenhum lobo é deposto
por velhice.
Na nossa sociedade, quando qualquer
um ataca seu alfa, é considerado um desafio
pela matilha. Porém, quando isso é feito por
uma mulher, ela não tem o direito de lutar
por nada, sua pena é a morte. Estava a
alguns segundos de atacá-lo, quando ouço a
grave voz do meu irmão.
— Eu, Alec, herdeiro Alfa, desafio meu
pai, o atual Alfa, pelo posto de líder da
matilha.
Nessa hora perco a minha
transformação parcial, minha raiva some.
Sei o que isso significa para Alec.
— Você, seu moleque, não vai fazer
isso! Não por causa dessa pequena! Eu
deveria tê-la matado quando tive a chance!
– meu pai cospe cada palavra direcionada
a mim.
Ouço dois rosnar misturados, o de Alec
e o de Noah. Meu companheiro põe seu
braço protetoramente ao redor da minha
cintura, me erguendo do chão no processo.
— Alec, não... — ele não me olha, seu
olhar estava duro e direcionado ao nosso
pai. Eu sei que é tarde demais, Alec o havia
desafiado e isso não tinha volta, pelo menos
não para os lobos.
— Isso é um desafio, e eu não lhe devo
explicações. Diga sim e me enfrente, ou
diga não e viva com a vergonha - meu
irmão bradou, de modo orgulhoso. Mal o
reconheci naquele instante.
Meu pai rosna e voa em cima de Alec,
que estraçalha a janela da sala com o
impacto. Ele está em cima de Alec,
desferindo vários socos, ele é um lobo
poderoso, embora esteja velho. Ele se
aproveita enquanto Alec está desnorteado e
começa a se transformar em lobo.
“Vamos lá, irmão, eu te ensinei a
controlar, surpreenda-o”.
Alec continua no chão, mas eu percebo
suas mãos mudarem, noto quando seus
dedos se transformam em garras no exato
momento em que o imenso lobo pula em seu
pescoço. Alec ergue os seus braços,
cravando uma de suas mãos no estômago
do lobo e a outra sustentando seu peso, e
meu pai cai no chão desacordado. Alec está
parcialmente transformado e encara toda a
nossa matilha, falando com o olhar,
desafiando a cada um deles a contestar a
luta e desafiá-lo também, mas ninguém o
faz. Ele caminha em minha direção, porém,
passa direto, nem me olha.
— Alec...
Meu irmão não para, e é como se as
mesmas garras que machucaram o corpo do
meu pai, estivessem agora cravadas
também em meu coração. Noah tenta me
puxar para si, mas eu me afasto.
— Não.
Começo a caminhar com alguma
dificuldade para a floresta, como um
animal que precisa ficar só para lamber as
suas feridas.
Capítulo 4 – Forasteiro

Luana

Caminho devagar pela floresta, sei que


tem alguém me seguindo, então, não vou
para a minha cabana, ao contrário, estanco
como uma pária no meio do nada e fico
olhando para o vazio. Sinto um corpo
encostar-se ao meu por trás e algo afiado
tocar o meu pescoço.
— Então, é você a companheira do
supremo alfa... Bonita, imagino quantas
coisas poderemos fazer até te devolver para
ele em pedaços. Nós o destruiremos,
tiraremos tudo o que mais preza, Noah vai
ruir.
— Não sei o que quer dizer, não sou
companheira de ninguém – digo, mesmo que
isso faça com que minha garganta toque na
afiada navalha em meu pescoço e um filete
de sangue escorra. Ele recua por um
segundo, e esse é todo o tempo de que
preciso, dou uma cotovelada em suas
costelas e o jogo em minha frente, tomando
sua navalha no processo.
— Sua...
Ele não tem tempo para dizer mais
nada, porque um imenso lobo negro pula no
homem, deixando-o desacordado. Então,
Noah está diante de mim. Logo depois,
abraçando-me e tocando desesperadamente
cada pedaço de mim.
— Ei, eu estou bem. – Toco em seu rosto
e o forço a olhar para o meu. – Estou bem,
Noah, prometo. – Ele respira
profundamente e me abraça.
E então estava aí o outro lado, não o
lado da posse, do ciúme, dos títulos. Ele
estava preocupado com a minha segurança
e isso era de verdade, o que me deixou um
tanto confusa sobre o que sentir.
Logo atrás de nós, Alec marcha junto a
Ian. Novamente, ele mal me olha. Alec
acena com a cabeça e Ian carrega o homem
desacordado para fora da floresta.
— Vamos voltar para casa – ouço Alec
falar, mas não me movo. Noah, que ainda
parece desnorteado, também não sai do seu
lugar.
Ele se vira para mim, e acho que
preferiria que Alec nunca mais me olhasse
do que ver a raiva que ele me direcionou
nesse olhar.
— Luana, não sou como nosso pai, não
vou te espancar para que me obedeça. Você
está sob a proteção da minha matilha
agora, e vai seguir as minhas ordens ou
está fora.
Ele iria simplesmente... Simplesmente
me expulsar?!
Noah segura a minha mão e
praticamente me arrasta para casa. Sei que
Alec não queria desafiar o nosso pai, ele era
um filho da puta, porém, era o nosso pai.
Sei que não foi fácil feri-lo, mas... Por que
ele está me odiando tanto?
Mal percebo quando subo as escadas.
Prontamente, pego uma roupa qualquer e
caminho para o banheiro. Depois de uma
ducha, deito em minha cama, que está
relativamente menor, já que tem um
homem gigantesco deitado em um dos lados.
Noah me abraça e... Merda! Eu choro, choro
por tudo o que aconteceu. Meu pai passou
toda a vida de Alec tentando fazer com que
ele me odiasse e agora havia conseguido. E
isso dói, dói mais que qualquer soco na
boca, no estômago, dói mais que pernas e
braços quebrados. Dói porque não posso
culpa-lo, fui eu, por minha causa Alec o
desafiou, por minha causa ele fez algo que
nunca quis fazer, ele feriu alguém a quem
respeitava.
Adormeço com Noah dizendo palavras
em meu ouvido, palavras sem sentido
algum, sons de consolo. Eu durmo, e nunca
me senti mais protegida do que ali, o que é
algo bem estranho e novo, mas estou
cansada demais para pensar sobre isso hoje.
Capítulo 5 – Fugitivo

Luana

Abro os meus olhos e sinto o calor


emanar do corpo de Naoh às minhas costas,
levanto-me e olho para ele, dorme tão
sereno... Noah é lindo, e não estaria na
posição de supremo se não fosse o alfa mais
poderoso vivo. Ele começa a se mover, seu
semblante se fecha, mesmo que ainda
durma. Seus braços procuram por algo,
procuram por mim. Nunca pensei em meu
companheiro... Claro que pensei que,
eventualmente, aconteceria de encontrá-lo,
mas nunca pensei exatamente em como ele
seria, só orava para que não fosse alguém
como meu pai, e sim que fosse alguém como
Ian ou como Alec. Pensar em Alec faz com
que meu coração doa.
— Chega de lágrimas, companheira.
A voz de Noah sai arrastada, ainda
embargada pelo sono. Sento-me na cama e
toco em seu rosto, seu corpo se acalma e
para de se movimentar. Desço os meus
lábios até os dele e lhe dou um casto beijo.
Quando me afasto, seus olhos estão
completamente abertos e a me observar.
— Acredito que seja um bom começo. —
é o que ele diz. Só então percebo o que eu fiz
e tento sair de perto dele, mas é impossível
fugir de seu agarre.
— Luana. – Ele está sério, e esse é o tom
de alguém acostumado a mandar,
acostumado a ser obedecido. Disse ontem
que não era alguém que fugia e quem diria,
acabei descobrindo que sou sim.
— Eu... – Inconscientemente, toco em
meus próprios lábios. — nunca tinha feito
isso antes.
Noah parece surpreso, suspira.
— Isso é um tanto surpreendente.
Quero que entenda, não pode pensar que
não tive pessoas antes de você,
companheira – ele diz, um pouco mais
calmo agora.
— Eu... Não. – Faço uma careta. – Eu
conheço as suas histórias.
Ele senta na cama. Noah me olha
agora, analisando-me, e não tenho
vergonha por seu olhar constante e
intimidador.
— Sabe que é direito do companheiro
possuir sua mulher assim que a encontra,
selando, assim, o laço, não é?
E são essas as leis da matilha. Não
existe opção de rejeição, pelo menos não
pela parte da mulher.
Aceno positivamente com a cabeça e
olho para baixo. Noah ergue meu rosto e
continua a falar:
— A maioria dos homens, ao encontrar
suas companheiras, as monta no mesmo
instante, porque não possuem o domínio
sobre a sua fera. Eu tenho o total controle
sobre o meu lobo. Não é que não esteja me
segurando, e muito, para não arrancar
suas roupas com meus dentes e montá-la,
mas isso, pelo menos, eu te prometo, você
me esperou por todo esse tempo e eu
esperarei até que você me aceite.
Nobre, isso foi um gesto nobre, e meu
olhar sobre o alfa que estava a minha
frente mudou completamente. Sem
perceber, uma lágrima escapa dos meus
olhos.
— Merda, chega de chorar, você está
me matando – ele diz desesperado, e eu
fungo e sorrio.
— Juro que não sou uma chorona, mas
é que aconteceram coisas demais e ao
mesmo tempo.
Noah, com uma mão só, consegue
sustentar meu pescoço e passar o polegar
em meu lábio.
— Bom, você fica ainda mais linda
quando sorri.
Ele me puxa de encontro ao seu corpo e
nos beijamos. Dessa vez, com calma, nos
conhecendo, nos sentindo.
Alguém bate na porta e Noah rosna
por terem interrompido nosso momento. É
Leandro, o beta de Noah, e, pela sua cara,
não são notícias boas.
— Ele escapou.
Noah ruge, não é um rosnar, é como
um rei realmente irritado. Aceno com a
cabeça para que Leandro saia e passo as
minhas mãos sobre as suas costas, em
movimentos aleatórios. A respiração de
Noah começa a se regularizar. Os cabelos
de Noah são tão negros quanto seus olhos e,
agora, que está com a cabeça um pouco
abaixada, tocam em seu queixo. Passo as
minhas mãos por ele, jogando-o para um
dos lados, dou um leve beijo em seu maxilar
e arrasto meu rosto por sua pele, até chegar
a sua orelha.
— Shhiiiii, companheiro, está tudo bem.
– Ele suspira e vira, fitando em meus olhos.
— Ninguém jamais te tratará como ele
te tratou, isso é uma promessa.
Sei que ele não está falando do homem
que me atacou, Noah fala sobre o meu pai.
— Eu sei, agora tenho você.
E é a verdade, sei que Noah morreria
antes de permitir que alguém me ferisse.
Sei, porque faria o mesmo por ele. Entender
isso é estranho e, ao mesmo tempo, bom...
Mas também sei que agora a única pessoa
capaz de me ferir dessa forma, seria ele,
Noah.
— Descanse, preciso resolver isso. – Ele
beija a minha testa e sai pela porta.
Mas Noah descobrirá que não sou
alguém muito paciente, nem muito boa em
esperar.
Noah

Encontrar a minha companheira foi...


Diria que não estava bem procurando uma
companheira neste exato momento da
minha vida. Porém, ela é a mulher mais
linda em quem já pus meus olhos. Caminhei
até ela, abaixei-me e, dessa vez, não me
importei em abaixar-me, pensei como
nossos corpos se encaixariam perfeitamente
no sexo. Sussurrei em seu ouvido o que ela é
para mim, companheira. Sussurrei porque
não queria que mais ninguém soubesse, isso
acontecendo agora vai ser tão difícil de
diversas formas... Agora, eu teria que
protegê-la. Minha companheira cheira a
maçã verde, estranhamente, é a única
fruta que gosto. Ela cheira a maçã verde e
a diversos odores de humanos. Olho para
ela... Está de bota preta, com uma saia que
não deixa nada ao imaginário sobre suas
pernas e com uma blusa que não deixa
nada ao imaginário sobre seus seios. Veja,
sou um lobo, e o nu não me incomoda, às
vezes, nem me atiça, mas a forma como que
alguém se veste... Diria que essa garota
estava quente, e sinto uma vontade imensa
de tirar a sua roupa, parte por parte.
Estava com o pensamento longe,
quando ela passou direto por mim e subiu
as escadas. Percebi que ela não disse nada,
não me reconheceu como seu. Cerro meus
olhos, está para nascer uma loba que vai
me rejeitar.
— Noah, eu sinto muito. – Alec parece
mortificado, ele me contou
muito sobre a sua gêmea, de como ela era
espirituosa e um ser livre. Duas coisas que
nunca combinaram muito com fêmeas da
nossa espécie. Ele também me disse uma vez
que seu futuro companheiro passaria por
maus bocados para domá-la. Lembro que
tive afinidade com Alec logo que o vi. Será
que meu lobo já sabia de seu grau de
parentesco com ela? Ele rosna dentro de
mim, quer montá-la, marcá-la, quer rugir
para todos que ela é sua e que qualquer um
que a tocar morrerá.
Subo as escadas e sigo seu cheiro até
uma porta, abro-a e minha companheira
está no chão, com a cabeça entre as pernas,
e isso me desarma. Ajoelho-me diante dela e
sorrio, nunca antes havia me ajoelhado
diante de ninguém. Coloco-me entre as suas
pernas e aproximo-me sem tocá-la.
— Companheira. – Ela ergue a cabeça e
olha em meus olhos. Não consigo segurar as
minhas mãos e a toco. Ela é perfeita, lábios
cheios e tentadores, que foram feitos para
serem beijados. – Por que fugiu de mim? –
desejo saber, não quero que ela fuja.
— Eu não fugi – ela me responde e
sorrio. Seus cabelos estão revoltos, como se
tivesse acabado de sair de uma noite de
sexo quente. Seu corpo é perfeito, nunca
havia conhecido uma mulher tão sexy e, ao
mesmo tempo, tão vulnerável. Ergo-me,
vejo-a, de baixo, olhar para mim, ofereço a
minha mão e ela segura.
— Sabe o que somos, não é? – Puxo-a
para mim e ela acena com a cabeça, meu
controle tremula, nunca pensei que seria
tão difícil estar perto de alguém sem perder
o controle.
Se têm algo que as pessoas não sabem
sobre líderes da nossa espécie, não é bem
uma dádiva, nunca quis ser um supremo
alfa, nasci assim e só me trouxe dor até o
momento. Estou em constante guerra desde
que nasci, todos que amei acabaram sendo
vítimas dos estilhaços de alguma forma.
— Você não vai fazer disso algo fácil
não é? – Só de olhar para Luana e sabendo
das histórias que Alec me contou, sei que
não será fácil, nada fácil.
— Não, não vou. – Penso comigo, qual
mulher me responderia dessa forma? Porra,
qual ser me responderia dessa forma? A
resposta é: nenhum. Ninguém é corajoso ou
idiota o suficiente para me desafiar, exceto
pela minha companheira. Dou as costas e
saio. Merda, não sou acostumado a coisas
fáceis, meu caminho não foi fácil, nem
limpo, muito menos bonito. Porém, se tem
uma coisa que jamais pensei que precisaria
lutar para conquistar, seria a minha
companheira.
Desço as escadas e o pai de Alec me
encontra, ele começa a se desculpar por
Luana, mas eu mal o ouço e o deixo falando
sozinho. Vou de encontro ao meu Beta e
meu melhor amigo, Leandro. Ele está com
um sorriso gigantesco, que se fecha assim
que vê a minha cara.
— Pensei que tivesse encontrado a sua
companheira.
— E encontrei.
— O que aconteceu?
Rosno para ele e Leandro se cala.
Sinto um tumulto vindo em minha
direção, o alfa joga Luana aos meus pés, a
minha companheira...
— Ela é sua, pode fazer o que quiser,
Supremo.
Ele está sorrindo para mim, e sinto
uma necessidade imensa de arrancar os
seus dentes um por um.
— Lua... – Ouço Alec repreender a irmã
por algo, mas o que ela faria? Estava ali,
aos meus pés, e... Foi só uma fração de
segundo, jurei ter visto garras das mãos de
Luana. Minha atenção se volta para a luta
à minha frente.
Luana dá um passo em direção à luta e
eu coloco um dos meus braços em sua
cintura, impedindo-a de prosseguir. E já
senti muitas dores, nenhuma igual a que
senti quando Alec rejeita a irmã. É isso o
que falam sobre os companheiros? É essa a
ligação? Mas ainda não nos unimos... Isso
não faz sentido algum. Merda, sinto-a
ferida, posso sentir sua tristeza e, quando
vou confortá-la, ela me rejeita mais uma
vez.
— Não.
Vejo a minha companheira caminhar
para a floresta como uma gatinha ferida,
ninguém a impede, ninguém a segue.
— O que foi tudo isso? – Leandro
pergunta ao meu lado.
— Eu não tenho certeza, mas quero
saber. Pergunte para as pessoas desta
matilha, quero saber tudo sobre ela,
Leandro, cada maldita coisa.
Caminho atrás do seu cheiro e percebo,
talvez tarde demais, outro lobo a seguindo.
Na verdade, esse outro lobo estava prestes
a cortar a garganta dela. Não consigo
segurar mais meu lobo, ele rasga a minha
roupa e corre em direção a minha
companheira, pula em cima do maldito e
morde seu ombro. Controlo-o para que não o
mate, eu mesmo farei perguntas a esse
desgraçado. Tomo o controle e volto para a
forma humana, sinto o cheiro do sangue
dela, toco-a, procurando por feridas.
— Ei, eu estou bem – ela sussurra e me
toca, acalmo-me com seu toque e percebo
outro lobo atrás de nós. Alec pede para seu
Beta pegar o lobo caído no chão.
— Vamos para casa – ele diz mais para
mim do que para ela, sem fitá-la. Alec
percebe que Luana não se move, e nem eu. –
Luana, não sou como nosso pai, não vou te
espancar para que me obedeça. Você está
sob a proteção da minha matilha agora, e
vai seguir as minhas ordens ou está fora.
Alec volta a caminhar e ela
permanece. De uma coisa eu sei sobre a
minha companheira, ela é orgulhosa. Não
caminharia atrás de Alec por livre e
espontânea vontade, por isso, arrasto-a
para lá. Ela caminha até seu quarto e eu
estou atrás. Abre sua gaveta, pega roupas,
vai ao banheiro e toma banho. Quando
volta, eu estou deitado sobre seus lençóis e
ela se deita ao meu lado. Puxo-a para mim
e sinto um soluço sair de seu corpo. Minha
companheira chorava e meu lobo, lá
dentro, choramingava porque não sabemos
o que fazer. Então, só fico ali, fazendo
carinho, abraçando-a e orando para que
isso seja suficiente, até que ela adormece.
Sei que ela chora novamente sem nem
precisar abrir meus olhos.
— Chega de lágrimas, companheira.
Estou completamente desperto após ela
encostar sua boca na minha, um pequeno
gesto. Percebo que dessa vez ela está
desarmada, sendo corajosa para não sentir
medo de algo.
Minhas histórias... Aposto que conhece,
as lobas costumam se jogar em minha
cama, e isso não é novidade para ninguém.
Sento-me ao seu lado e a olho. Como é
possível alguém como Luana nunca ter
sequer beijado um homem? Luana tem cara
de ser experiente, ela tem um corpo que foi
feito para os prazeres carnais, e
simplesmente é intocada?
— Sabe que é direito do companheiro
possuir sua mulher quando a encontra,
selando, assim, o laço, não é?
É meu direito tê-la e, nisso, ela não tem
nenhuma opinião. Na verdade, as lobas
possuem pouca opinião em nosso mundo.
Nunca tive uma conversa com uma
mulher, exceto com a minha irmã mais
nova. Elas não costumam ter muito a dizer,
mas sei que minha companheira é diferente
de qualquer outra.
— A maioria dos homens, ao encontrar
suas companheiras, as monta no mesmo
instante, porque não possuem o domínio
sobre a sua fera. Eu tenho o total domínio
sobre o meu lobo. Não é que não esteja me
segurando, e muito, para arrancar suas
roupas com meus dentes e montá-la, mas
isso, pelo menos, eu te prometo, você me
esperou por todo esse tempo e eu esperarei
até que você me aceite.
Não irei tomá-la à força, nunca fiz isso
com ninguém, me mataria o ódio que ela
sentiria de mim depois do ato.
— Merda, chega de chorar, você está
me matando. – Não sei o que fazer quando
ela chora, espero que ela não descubra um
dia que faria o que me pedisse só para que
parasse de chorar.
— Juro que não sou uma chorona, mas
é que aconteceram coisas demais e ao
mesmo tempo.
Ela tem o sorriso mais lindo que já vi,
estou feliz só por fazê-la sorrir, mesmo com
seu rosto inchado de tantas lágrimas.
— Bom, você fica ainda mais linda
quando sorri.
Puxo-a para mim e, dessa vez, beijo-a
com paciência, tentando conhecê-la,
decifrá-la.
Alguém bate na porta e meu Beta
aparece com uma cara de poucos amigos.
— Ele escapou.
Vejo a cena novamente passar por
mim, o maldito ameaçando-a...
Rujo.
Ela me toca, beija meu rosto, sussurra
em meu ouvido e todo o meu corpo
estremece por dentro.
— Shhiiii, companheiro, está tudo bem.
– Suspiro, ela doma o meu lobo tão
facilmente, não me passa despercebido que
é a primeira vez que ela me chama assim,
“companheiro”.
— Ninguém jamais te tratará como ele
te tratou, isso é uma promessa.
Sei que Luana deve ter sofrido vivendo
com um pai como ele, praticamente criei a
minha irmã e nunca, jamais, seria capaz de
machucá-la. Sei também sobre as leis,
minha irmãzinha já tentou me convencer a
mudalas, mas isso me traria muito
problema, e já estou com muitos em minhas
mãos no momento.
— Eu sei, agora tenho você.
Tem, claro que tem! Não sei o que farei
se essa loba me rejeitar, o homem tem o
direito de tomar sua companheira, mas a
minha me tem de quatro. O quão ridículo é
isso?
— Descanse, preciso resolver isso. –
Beijo a sua testa e desço as escadas.
Na cozinha, Alec está reunido com
Ian, seu Beta, e Leandro, o meu.
— Como isso aconteceu?
— Ele quebrou a tranca.
Provavelmente, durante a noite.
— Merda, isso dá uma vantagem de
quase cinco horas a ele. Preciso do seu
melhor e mais rápido rastreador, Alec, ele
trabalhará junto ao meu.
— Isso significa que você precisa de
mim. – Ouço a voz de Luana ainda na parte
de cima da escada, e ela desce os degraus
tranquilamente.
Olho para Alec, que agora encara a
sua irmã rapidamente e logo desvia o olhar.
— Nem pense nisso, Lua – Alec diz, sem
olhá-la realmente.
— Não venha com “Lua”, seu idiota!
Ontem, você nem olhou na minha cara! – Os
dois se encaravam com raiva e mágoa.
— Eu deveria?! Você me fez feir o nosso
pai!
— Ferir? Ele está vivo?
— Você é inconsequente e intolerante!—
ele continua sem responder a pergunta de
Luana, e sem ao menos perceber o quanto
ficou mexida com a constatação que seu pai
continua com vida.— Um dia alguém vai te
machucar de verdade e eu não estarei lá
para te proteger!
— Eu não preciso ser protegida –
minha companheira rosna, e sei que não
deveria, mas meu peito infla de orgulho da
loba que está a minha frente.
— Eu vou te manter segura, nem que
para isso tenha que aprisioná-la em seu
quarto.
— Gostaria de vê-lo tentar, irmão.
— Já chega! Acredito que manter
Luana segura não seja mais a sua função,
Alec. Sua irmã é a minha companheira. –
Ele para por um tempo, encarando-me, dou
um crédito ao garoto, não é qualquer lobo
que faz isso.
— Boa sorte com isso, essa pirralha vai
conseguir te matar ou te enlouquecer. Bem
sei que quase conseguiu fazer os dois comigo
– ele fala sério, mas logo está sorrindo para
ela.
Luana corre de encontro ao seu irmão,
que a recebe de braços abertos. Nem parece
que estavam discutindo tão sério, percebo
que ninguém mais estranha essa cena, deve
ser algo sobre gêmeos.
— Ele poderia ter te matado - Alec diz
angustiado.
— Ele nunca seria capaz de me matar,
e você sabe disso. E eu sei que ele também
nunca seria capaz de te matar, Alec,
porque você é o Alfa que o nosso pai nunca
conseguiu ser. Ele jamais entendeu que a
força de um Alfa não vem de seus músculos,
e sim da sua família, da sua matilha.
— Te amo, maninha. – Alec aperta
mais Luana em seus braços e ela sai de seu
abraço algum tempo depois. Caminha até
mim e fica a minha frente, com seu corpo
junto ao meu.
— Eu não. – Ela dá língua para o seu
irmão e Alec sorri, minha companheira
olha para todos os presentes. – Então,
quando vamos começar?
— Você não vai ficar fora disso, não é?
– Alec pergunta, erguendo uma
sobrancelha e já sabendo da resposta.
— Você me conhece.
Alec suspira e eu o encaro, ele não pode
estar falando sério. Vejo minha
companheira se afastar de mim e ir para a
porta de saída da casa.
— Sabe que eu sou a melhor coisa que
aconteceu por aqui, não é, maninho? Esta
matilha era tão chata sem mim.
— Ela tem razão – Ian, o Beta de Alec,
responde sorrindo.
— Não dê razão a ela, minha irmã já é
assim sem precisar de alguém que lhe dê
corda.
— Você não está permitindo que a
minha companheira corra risco, correndo
atrás de um lobo, não é? – Minha irritação
já está aparente, seu lugar não é lá fora,
correndo risco.
— Ela tem razão, é a melhor que temos
e, se quisermos encontrar o fugitivo,
precisaremos de sua ajuda. Noah, eu
realmente gostaria de vê-lo tentar parar a
minha irmã quando ela põe algo na cabeça.
– Encaro Alec por um tempo. Pergunto-me
qual o nível dessa matilha, se seu melhor
rastreador é uma fêmea.
— Então, meninos, eu não tenho o dia
inteiro.
Ela aparece na marquise da porta com
seu olhar impaciente. Alec dá de ombros e
caminha para o lado de fora, seguido por
Ian.
— Nunca vi alguém como ela –
Leandro, meu beta, me diz, quando estamos
a sós.
— Nem eu – respondo, e não sei se isso é
bom ou ruim, nunca ter visto alguém como
ela.
— Você não a marcou – ele continua a
me questionar.
— Não.
— Algo me diz que vou gostar de
acompanhar isso de perto – meu Beta
provoca, enquanto gargalha.
— Cale-se, Leandro.
Caminho com ele até o lado de fora,
onde os outros já nos esperavam. Luana
vem até mim e novamente fica com o corpo
a minha frente, tocando suas costas em meu
peito.
— Onde está o seu rastreador? – Alec
questiona.
— Esse sou eu. – Meu Beta dá um passo
à frente, já tirando a sua roupa e iniciando
a transformação.
Luana vira para mim e me beija. Não
me sinto à vontade em deixá-la ir sozinha.
— Não se despeça amor, eu vou com
você – anuncio enquanto sorrio.
Ela dá de ombros e começa a caminhar
para a floresta.
— Não vai se transformar?
— Eu não preciso. – Ela está
parcialmente transformada, como Alec, e
isso me surpreende. Minha loba é forte.
Caminho até Luana, já transformado,
ela se abaixa e faz carinho em minha
pelagem.
— Ligo quando encontrar algo. –
Percebo o celular em sua mão, ela acena
para Alec e Ian.
Caminho ao seu lado até que, em
determinado momento, ela me olha e diz:
— Que tal uma corrida?
— Ela não vai suportar nos
acompanhar quando nem ao menos está
transformada – ouço a voz de Leandro em
minha mente.
— Não podemos nos atrasar, Leandro,
vou pedir para que ela se transforme, caso
não consiga nos acompanhar.
— Certo, Alfa.
Mas, quando percebo, Luana está
correndo em uma velocidade assombrosa,
nós ficamos a uns cinco passos atrás dela,
que ainda está em forma humana.
— Ela é...
— Eu sei.

Capítulo 6 – Descobertas

Luana
Sinto o cheiro do fugitivo como um
incenso que deixa uma fragrância no ar.
Então, corro. Corro e sinto a floresta como
uma extensão do meu corpo, ela respira
junto a mim, meus passos certeiros nunca
vacilam, até que sinto outro cheiro e paro.
— O que aconteceu, Lua? – Leandro me
pergunta, e parece que meu apelido se
tornou famoso.
Noah não diz nada, ele sabe que tem
algo errado, meu companheiro nu – e em
toda a sua glória – fica em minha frente e
toca em meu rosto.
— Diga, amor, o que há? Você o
perdeu?
— Não, eu... O cheiro dele está
misturado com o cheiro de alguém que
conheço.
— Alguém da matilha?
— Não, é o cheiro da minha melhor
amiga.
Caminho até sentir o cheiro de sangue
de Raquel. Não, não, não...
Noah me para.
— Leandro, vá ver o que há lá atrás.
Mas Leandro, por incrível que pareça,
está tão em choque quanto eu. Não sei o que
está acontecendo com ele.
— Fique aqui – Noah diz para mim e
aceno positivamente. – Sem corpo – ele grita
e eu me sustento em uma árvore de tanto
alívio que sinto.
Caminho até onde Noah está, Leandro
e eu nos entreolhamos com preocupação
espelhada em nossas faces.
— Sabe o que é isso?
Aproximo-me da pulseira, dei para a
Lôra em seu aniversário. É uma pulseira
com um pingente de lobo, ela nunca tirava
isso. A pulseira estava manchada de
sangue, o sangue dela.
— Isso é um aviso... Para mim.
— Como assim “para você”?
— Quem me atacou ontem te conhecia,
essa pessoa queria me ferir porque, assim,
feriria você. Ele não quer te matar, deseja
te destruir antes.
— E por que não me disse isso antes? –
Noah está irritado.
— Porque nunca deixaria que eu
viesse, se soubesse.
Noah caminha até mim e dou alguns
passos para trás, nunca o vi tão...
Intimidador.
— Você está indo para a minha casa,
onde eu posso trancá-la em um quarto e
mantê-la segura. – Ele rosna para mim.
— Se me tirar da minha casa agora, eu
nunca vou te perdoar, Noah!
— Pelo menos você estará viva para
me odiar!
Ele agarra o meu braço e, para me
soltar, desfiro um golpe em sua perna,
desestabilizando-o e fugindo do seu agarre.
Noah rosna para mim, com seus olhos
negros como a noite, e avança novamente
em minha direção. Ele me prende no chão.
Com uma mão, sustenta as minhas duas
sobre a minha cabeça, seu joelho está entre
as minhas pernas, impedindo que eu me
mova, Noah está quase que com todo o seu
peso sobre mim, não me deixando espaço
para fugir ou atacá-lo, e ele faz tudo isso
ainda com uma mão livre.
— Ela mora em frente a uma igreja
azul, no centro da cidade, na Rua Oceania!
– grito para Leandro, que sai após isso.
Merda, espero que ele vá conferir se Raquel
está bem, porque eu, no momento, tenho um
Supremo Alfa gigante e irritado sobre mim.
– Me larga, Noah!
— Largar você? Nunca, Luana, nunca
irei largá-la.
— Noah...
Tento encontrar algo no olhar dele,
algo que mostre que ele ainda está ali em
algum lugar, mas é só instinto animal,
apenas isso o que vejo. Nem o lobo é, ele tem
alguma consciência. Lembro-me do que
pensei ao decidir me aproximar de Noah,
que apenas ele poderia me ferir.
— Você prometeu...
Estou com meus olhos fechados, então
não sei o que acontece, só sinto-o levantar.
— Vá embora, Luana.
Noah está de costas, com as mãos na
cabeça como se lutasse contra algo.
— Agora!
Então saio, não olho para trás
enquanto corro.

Leandro

Corro de volta para a casa, me visto e


pego um dos carros, ninguém ousa ficar em
meu caminho. Na estrada, posso pensar
direito sobre no que merda está se passando
comigo.
Quando vi a companheira de Noah
pela primeira vez, achei que ela tivesse um
cheiro maravilhosamente bom. Quando
sinto o cheiro do sangue na floresta, vejo
que não era Luana, e sim sua melhor
amiga, a dona do cheiro. Meu lobo
enlouqueceu ao sentir a sua fragrância
única, e isso deveria ser impossível, já que
ela é só uma humana.
Encontro a casa que Luana me indicou
e bato na porta, um senhor atende.
— Pois não?
— Raquel está? – testo o seu nome em
minha língua e realmente gosto do
resultado.
— Não, minha sobrinha saiu ontem à
noite e ainda não voltou. – Todos os pelos do
meu corpo se eriçam. “Minha”, meu lobo
rosna.
— Obrigado.
Viro-me e entro novamente no carro,
dirigindo de volta à matilha. Merda, eu
estou ferrado. Minha companheira não
pode ser uma humana... Ou será que pode?

Luana
Corro até a minha casa, passo por Alec
que me pergunta algo, mas não me
incomodo em ouvir, que dirá responder.
Subo as escadas, entro no meu quarto e
tranco a porta, o que é ridículo, sei que
qualquer um pode colocar essa porta no
chão, mas me dá uma ilusão de
privacidade.
O que gostaria no momento é pegar
meu telefone e ligar para Raquel, contar
tudo o que está acontecendo e esperar que
ela diga uma de suas piadas e mude meu
humor. Mas ela não está aqui, nem mesmo
sei se Raquel continua viva...
Vejo pela janela quando Leandro
chega, respiro fundo tentando me
acalmar, mas, minhas mãos estão
tremendo quando tento abrir a porta.
Encaro-as e um filme passa pela minha
cabeça... Noah disse que não perdia o
controle, então o que aconteceu ali?!
Sacudo minha cabeça, tentando
esquecer as cenas e me focando apenas em
Raquel. Desço as escadas e ouço quando
Leandro diz que não encontrou minha
amiga, tento voltar sem que me notem, mas
Ian me vê.
— Ei Lua, está bem?
Paro o meu caminhar e o encaro.
Estou? Nem mesmo eu sei responder a isso.
Nessa hora Noah entra, seu olhar voltou ao
normal, mas ainda me lembro... Ainda
posso lembrar. Dou as costas e corro de
volta para meu quarto.
Capítulo 7 – Reencontros

Noa
h
Volto apenas quando consigo pensar
normalmente. Não posso imaginar que
cogitei... Ela nunca me perdoaria, sei disso.
Acabo de perceber que minha irmã tem
razão, quando falamos sobre as leis, ela me
disse que o problema não eram os papéis
velhos, e sim que permitimos que essas ditas
leis se enraizassem naquilo o que somos, ou
elas apenas legitimavam aquilo o que
somos, animais.
Assim que abro a porta a vejo, não estava
preparado para vê-la e pude ter a certeza
de que ela estava menos ainda. Quando
Luana corre, seu Alec, Ian e Leandro me
questionam com o olhar.
— Pensei que fossem voltar enlaçados e não
brigados. — Leandro comenta e dessa vez
não esboço reação alguma.
Ele me encara de modo sério e logo
continua a falar:
— Seja lá o que tenha acontecido entre
vocês, se eu fosse você, resolveria enquanto
está fresco. Nessas situações, o tempo só
deixa a coisa mais podre do que já está.
Aceno e faço o caminho até o quarto de
Luana, tento abrir a porta e está trancada.
— Lua... Pode abrir?
É uma porta antiga, poderia abri-la
facilmente.
— Vá embora!
Sento-me no chão, recostado na porta que
nos separa. Posso sentir Luana do outro
lado, magoada, perdida, com medo...
— Não vou embora, posso ficar sentado
nesse chão por meses, tenho uma ótima
resistência.
Não a sinto esboçar nenhuma reação.
— Só quero me desculpar. Não precisa se
trancar para me deixar longe, isso vai ser
difícil, mas posso ficar longe enquanto...
enquanto for difícil para você permanecer
no mesmo ambiente que eu.
Essas palavras foram extremamente
difíceis de colocar para fora.
— E porque não arromba? Não é isso o que
faz? Passar por cima da decisão das
pessoas?
Posso dizer que mereci isso.
— Sei que posso colocar essa porta abaixo,
também sei que pelas nossas leis poderia ter
me vinculado a você sem o seu
consentimento. Eu sei disso, você também
sabe. Mas não irei fazer nada disso porque
nem uma coisa e nem a outra irá me
aproximar mais do seu coração.

Luana

Sento-me no chão, posso ouvir as


batidas do coração de Noah. Aprendemos
isso desde pequenos por aqui, quando
alguém mente, seu batimento cardíaco
acelera, as vezes muito, as vezes de modo
ínfimo, mas, como temos essa percepção
mais aguçada, somos capazes de
identificar. O de Noah estava em uma
batida compassada desde que começou a
falar, ele não mentia.
Abro a porta devagar, ele estava
realmente sentado no chão, onde disse que
estaria. Me olha aguardando por uma
resposta para o que acabou de dizer, mas
não sei o que responder, então não digo
nada. Passo por Noah e vou até a cozinha,
onde os outros estão reunidos. Todos me
encaram ao mesmo tempo, tentando
decifrar se estou bem ou não, e nem eu
mesma decidi sobre isso ainda.
— Então, o que faremos? – pergunto,
com meu coração encolhido de
preocupação. Decido esquecer um tanto de
mim para focar em Raquel.
— Não permitirei que se ponha em
risco por uma humana – Noah quem
responde enquanto desce os últimos degraus
da escada.
— Ela não é uma humana, Noah, é
minha melhor amiga, e não permitirei que
alguém a fira.
O clima fica tenso. Sei que ele está se
segurando para não reagir ao que falei, e se
não pode se controlar em uma situação de
discordância de ideias, como posso
acreditar que suas palavras, embora
verdadeiras, sejam colocadas em prática?
Noah sai, não sei para onde ele vai,
mas sai e alguns segundos depois Leandro
vai atrás.
— Vai procurar por ela, não vai? —
encaro Alec de modo sério, mas humilde.
— Claro, maninha. Faria isso por você
de qualquer forma, mas ela é uma ponta
solta e sabe que humanos não podem saber
sobre nós.
— O que está querendo dizer com isso,
Alec?
— Você sabe o que quero dizer com isso,
a única pessoa que pode salvar a sua amiga
quando a encontrarmos, é Noah.
Capítulo 8 – Memórias

Luana

O restante do dia passou como um


borrão, meu irmão comandou que os lobos
procurassem em todo o canto por Raquel.
Não vi Noah depois da nossa pequena
divergência, sei que não posso fugir dele
para sempre, mas estou feliz por essas horas
sozinha.
Ele está em uma casa afastada, como já
é um ancião, suas feridas não cicatrizam
como as nossas. Seu peito sobe e desce em
um movimento contínuo, me aproximo de
seu leito e ele fala sem abrir os olhos.
— Já não é o suficiente o que me fez?
Veio me causar mais dor?
Sua voz saiu baixa, mas mesmo assim
carregava o mesmo peso de quando, aos
gritos, me ofendia. Então percebi que não
era o tom da voz, era o que ele queria dizer
junto a cada palavra, é isso o que me
machuca.
— Por que me odeia tanto?
Então ele me olha. Primeiro um olhar
neutro, depois um olhar carregado de dor.
— Você ficou como um lembrete da
minha incompetência. Não odeio você,
odeio o que representa para mim.
— Isso não faz sentido...
— Sua mãe, o que acha que aconteceu a
ela?
— Ela morreu, não foi?
— Foi a história que contei.
Ele estava com uma coloração esquisita
e puxava, às vezes, o ar com força.
— Mas ela não morreu — continuou a
afalar— Era extremamente infeliz e por
mais que eu tentasse, parecia não ser o
suficiente. A dor de matar um companheiro
dentro de si mesmo é grande, mas a dor de
sua rejeição diariamente é insuportável. A
libertei, dei a ela a opção de partir e foi isso
o que fez.
— Ela foi... embora?
Isso significa que ela nos abandonou,
nos deixou sozinhos com ele.
— Não olhou para trás sequer uma
vez, e isso doeu muita mais no meu orgulho
do que qualquer outra coisa. Prometi que a
esqueceria, mas você... Você é como uma
cópia dela, impetuosa, cheia de liberdades,
intransigente... Você sempre foi um
lembrete da minha falha porque era a
imagem dela que eu via toda vez que te
olhava. Nunca te odiei, não tive sequer a
preocupação de lhe conhecer, você era
apenas uma cópia dela.
— Isso é...absurdo. Ela não pode estar
viva! Se estivesse teria nos procurado, não?
Ele tosse algumas vezes antes de
responder.
— Acredite em mim, se ela tivesse
morrido, eu iria sentir. — seu olhar se torna
duro mais uma vez em minha direção —
Você vai repetir a história, será a ruina
daquele homem e toda a nossa sociedade
cairá.
— Eu não abandonaria meus filhos...
Por mais que estivesse em sofrimento,
jamais os deixaria para trás.
— Mas irá fazer o que ela fez a mim,
sei que irá. Ela jamais compreendeu o meu
jeito, nunca foi o suficiente. O meu tudo
nunca foi o bastante para ela, nunca fui
perfeito, mas quem é? Poderíamos ter
crescido juntos, eu iria ceder, amava aquela
mulher mais do que tudo, mas não mais que
a mim. Foi por me restar um pouco de
autoamor que a libertei de seu
compromisso.
Ele tosse mais algumas vezes e vejo
sangue escorrer pelo canto de sua boca.
Indico que irei buscar ajuda e com uma
mão ele a recusa.
— Esqueça, já é tarde e percorri um
longo caminho até aqui. Sua mãe nunca
percebeu e parece que você não percebe, as
nossas leis são uma benção. Qual lobo vê um
caminho de desafios e muitas vezes dor, e
decide continuar ali? Qual está sempre
como uma rocha unindo uma casa através
do amor? Nenhum macho faria isso,
menina. A lei obriga, obriga a união de
seres muitas vezes diferentes, mas que
podem ser fortes juntos. Há orgulho demais
em nossa raça, a lei existe para podar esse
orgulho na fêmea para que exista o
equilíbrio.
Sua respiração está fraca, não acredito
que vá falar mais nada, quando me
surpreende com palavras que são na
verdade sussurros:
— Eu sinto muito por ter errado com
você. Vi essa falha em você e no lugar de
corrigir, a enxotei da minha vida.
Então ele fechou os olhos e pude ouvir
os últimos batimentos deste corpo que não
carrega mais vida.
Não digo para ninguém o que
aconteceu, ainda estou tentando assimilar
tudo o que ele me falou.
Estou no sótão, sentada em uma janela,
é o lugar mais alto da propriedade,
costumava vir até aqui quando precisava
pensar ou só fugir de algo. Ouço pequenas
batidas na porta e uma garota, com cabelos
negros e rosto angelical, vem em minha
direção.
— Oi. Alec me disse que você estaria
aqui.
— Alec é um linguarudo – respondo
friamente.
— Pelo menos ele não contou para o
meu irmão, que, por sinal, está revirando a
propriedade em busca de você. – Irmão?
Olho para ela mais atentamente e eles têm
os mesmos olhos. – Prazer, acho que sou sua
cunhada, me chamo Alicia – continua a
dizer.
Ela me oferece a mão e eu a pego sem
falar uma palavra.
— Então, você e meu irmão estão
brigados? – Alicia tenta iniciar uma
conversa.
— Não sei se qualquer pessoa no
mundo pode estar “brigada” com seu irmão,
ele é a lei, é o Supremo – digo emburrada.
— Noah é um bom homem, um pouco
possessivo e cabeça dura, mas qual lobo não
é? Ele me contou sobre você por telefone,
disse que tinha encontrado sua
companheira e que ela era perfeita. – Sorrio
sem humor.
— Acredito que agora ele me ache algo
bem longe de perfeita.
— Noah é... Ele sempre se entediou
bastante com tudo, principalmente com as
mulheres. Mulheres fáceis que costumam
fazer todos os seus desejos. Ele é o Supremo,
e não estaria nessa posição se não amasse
desafios e competições. E, pelo o que já ouvi
sobre você, é exatamente isso o que é.
— Não quero ser o desafio de ninguém.
Não quero que ele tente me dobrar, me
amansar, me moldar... Merda! É pedir
demais ter sua própria opinião?!
— Não, não é. Mas, acredite em mim,
nós não somos tão submissas quanto
pensam. Perto de um Alfa forte, sempre
existirá uma loba indestrutível. Acho que
você é perfeita para o meu irmão, e fico
feliz em te ter na família. — e quando ela
me diz isso, me lembro do que meu pai me
disse há pouco tempo atrás, o que me deixa
ainda mais pensativa sobre a conversa que
tivemos.
É impossível não sorrir para Alicia, ela
é uma boa pessoa e me faz
lembrar de Raquel.
Percebo uma movimentação estranha
no portão em frente à propriedade, os lobos
estão se amontoando por lá. Vejo também
um Noah olhando lá de baixo para mim e
para sua irmã. Um cheiro chega ao meu
sensível olfato... Um cheiro que pensei em
não sentir mais.
— Luana! – Alicia tenta me segurar,
mas eu pulo da janela, quase dez metros em
queda livre. Não foi a primeira vez que fiz
isso. Caio agachada e logo fico em pé. Passo
por um Noah boquiaberto, Alicia já está
chegando, correndo atrás de mim.
Embrenho-me entre os lobos e a vejo.
Minha mãe estava lá, com sua mão
acima do peito e rosto em uma careta
sofrida de dor. Não foi preciso dizer nada,
não contei para ninguém sobre a morte
dele, mas ela saberia por causa da ligação.
E se não tivesse ouvido o que ouvi, estaria
aninhada em seus braços, lhe dizendo o
quanto senti sua falta por todo este tempo.
Alec logo chega e fica tão estático
quanto eu. Sinto os outros se aproximarem:
Ian, Leandro, Alicia e Noah.
— O que faz aqui?
Alec não parecia tão surpresa quanto
deveria estar, quando o encaro, seu olhar
me pedia um perdão silencioso.
— O que está acontecendo aqui?
O questiono, mas ele não me diz nada.
— Ele está morto, senti, posso sentir. —
sua voz era aflita e parecia realmente que
estava passando por imensa dor.
Alec me olha, e dessa vez sou eu a
pedir desculpas silenciosas, deveria ter
contado a ele assim que aconteceu. Sei o
quanto Alec irá sentir por ser o causador
da morte do nosso pai. A verdade é que a
causadora sou eu, ele foi apenas o
instrumento e não sei como me sinto em ter
a consciência sobre isso.
— Isso não te torna bem-vinda aqui, fez
sua escolha há muito tempo atrás quando
escolheu nos abandonar.
Ela caminha até mim, não se
importando com o tom de desprezo vindo
de Alec.
— Minha filha... Fiz o que te prometi.
Então tudo vem até mim como uma
enxurrada. Me lembro dela se abaixando e
me dizendo que iria embora, mas iria para
construir uma comunidade onde nós não
seriamos mais oprimidas, onde poderíamos
ter o poder da escolha. Um lugar que seria
a minha herança.
Os dias que se passaram foram
terríveis, tive febre por noites seguidas e
em cada oportunidade, fugia para tentar
encontrá-la. Ian e Alec viviam me trazendo
de volta, mas eu não desisti, então os
castigos vieram.
— Você está dizendo que me
abandonou por altruísmo a mim? Isso não
faz nenhum sentido.
Noah se aproxima, sei disso. Ele fica às
minhas costas, apenas próximo o suficiente
para dizer que estaria ali caso eu precisasse
de auxilio.
— Ele... Esse homem representa tudo o
que tem de mais podre nessa sociedade.
— Acho bom que meça as suas
palavras, lembre-se que aqui existem leis.
Não estamos em sua aldeia no meio da
floresta. E só para que saiba, este homem é
o companheiro da sua filha.
Ela olha com asco para Noah e depois
me encara, então sorri.
— Mas ela não o quis, não é? Não vejo
vínculos.
Sinto Noah se aproximar um passo,
mas na verdade não estava se
aproximando de mim e sim dela, da minha
mãe. Será que ela sabia o perigo que corria?
— Minha filha jamais aceitaria ser
domada como uma fera adestrada. — ela
gargalha, então percebo o que queria fazer.
Noah dá mais dois passos em direção a ela,
ficando frente a frente.
Seguro seu pulso quando sua mão já
está em punho.
— Já chega.
Digo isso para ela, mas Noah para e
respira profundamente.
— Alec tem razão, você não pertence a
este local.
— Vim aqui lhe convidar para viver
conosco, há uma matilha só de mulheres,
nós somos livres lá e elas um dia precisarão
de uma nova liderança. Pensei, minha
filha, que você poderia me suceder. Não
perca seu tempo com uma relação que sabe
que não terá futuro. Com o tempo irá se
sentir sufocar e ele será seu veneno, tóxico
e cruel.
— Já chega! Você foi embora, decidiu
partir a nos criar mesmo em meio a tantas
adversidades. Muitas delas que só existiam
em sua cabeça. É claro que acredito que
essa sociedade precise mudar, eu sei que
precisa. Mas a sua revolta, o seu orgulho
em não querer se dobrar, foi maior do que o
amor que deveria ter pela sua família.
E em cada palavra que eu falava, ele
dava um passo mais para longe.
Então me lembrei das palavras e seus pesos,
essas eram pesadas demais para a minha
mãe.
— Irá voltar, criança, como a maioria
das lobas que me procuram:
quebradas. É só questão de tempo, não
esqueça que para te machucarem basta que
ceda espaço para isso.
Não foi fácil vê-la ir embora mais uma
vez. Mas não conheço a mulher que estava
aqui, não era a mesma que me cantava
canções calmas sobre o luar e a natureza.
Dou a volta e caminho até a cozinha,
engraçado que nossas reuniões sempre
aconteciam na cozinha e não demora muito
até Alec se unir a mim.
— Me desculpe, deveria ter lhe
contado.
— Eu também deveria, sinto muito. —
lhe digo como resposta.
Ficamos calados por um tempo, não sei
o que Alec pensava, mas eu pensei em como
minha visão estava completamente
deturpada em relação aos meus pais.
Alguém que eu amava e pensava ter
morrido, está de volta e não é nem mesmo a
sombra da pessoa que amei. E descobri que
alguém que eu odiava era apenas alguém
que sofria demais. Isso está dando um nó
em minha cabeça...
Meu telefone toca algumas vezes,
Alicia e Noah se aproximam de nós porque
eu fico encarando o visor sem ter nenhuma
reação.
— Quem é? – Alicia pergunta, chegando
mais perto para ver o celular.
— Vamos descobrir. – Atendo e coloco
no viva voz, eles ouviriam de qualquer
forma mesmo. Estavam me ligando do
número de Raquel, como sei que ela deve
estar amarrada em algum lugar, só pode
ser o seu sequestrador.
— Ei, gatinha, ou melhor, lobinha –
ouço um riso rouco do outro lado.
— Onde está Raquel? – Leandro, o Beta
de Noah, aparece na cozinha e se junta a
nós.
— Sua amiguinha... Eu vi vocês na
outra noite, comemorando... Vocês
dançando juntas, aquilo estava sexy pra
caralho! Quem sabe nós três possamos nos
divertir juntos também.
Noah e Leandro rosnam
— Ora, vejo que não está sozinha.
Noah, vou te fazer sentir o que é perder
tudo... Começando por essa sua linda
companheira.
— Nunca vou permitir que a toque. –
Noah rosna
— Sabe o que é engraçado? É que, desta
vez, você não tem o poder de permitir
nada. Essas duas cresceram juntas, Luana
nunca deixará nada acontecer a sua
amiguinha... Ela estava um pouco em
choque quando viu que nos transformamos,
uma humana que foi jogada neste nosso
mundo... Que pena... Você por ela, Luana,
esse é o trato. Sabe onde me encontrar.
— Não toque nela!
— Ainda não toquei, porém, demore
um pouco mais e não poderei me segurar.
Ele desliga. Noah me olha.
— Você não vai fazer isso! Nem em um
milhão de anos vou colocar a sua vida em
risco por causa de uma humana!
— Ela é... – ele me corta.
— Não interessa o que ela é! Sei o que
você é para mim, e não permitirei que se
coloque em risco!
— Eu não vou ficar... – Noah me pega
de surpresa e me põe sobre as suas costas.
Então, ele me leva para o sótão. Debato-me
e arranho as suas costas.
— Me coloque no chão, Noah!
— Eu já disse uma vez, prefiro te ter
viva e me odiando do que fazer o seu
enterro! – Ele me segura e prende os meus
braços com correntes, as mesmas que meu
pai usou para me prender. Era este o lugar
dos castigos, ficava presa por alguns dias
sempre que tentava fugir. E, agora, Noah
me acorrenta no mesmo espaço, e isso me
machuca, ele não sabe o quanto.
— Noah! Não faça isso! – grito, mas ele
bate a porta e sai, e eu caio no chão.
Mais uma vez, neste chão de madeira
que já foi pintado com meu sangue, estou
indefesa, sem poder me transformar, já que
as correntes são de prata. Grito até o
cansaço me tomar, porque tudo voltou,
cada vez em que estive aqui, sentindo que
não existia um lugar para mim em canto
algum. Eles podem pensar que eu fugia
para encontra-la, mas era mais que isso,
fugia por ter a certeza que não existia
espaço para mim aqui, e ao que parece,
ainda não existe.

Capítulo 10 – Quebrando Correntes

Raquel

Encontro o cara que estava secando


Luana um dia antes do seu aniversário.
Resolvi sair de casa à noite para jantar,
meus tios são pessoas ótimas, mas em
grande maioria do tempo, sinto que estou
atrapalhando a rotina deles de alguma
forma. Logo quando sai de casa, lá estava
ele, com aquele olhar sedutor e um sorriso
cafajeste, o cara era quase um deus grego.
— Oi, linda – ele diz quando me aborda
na rua, hoje foi um dia chuvoso, não há
muitas pessoas por aqui, e eu fico atenta.
— Oi... – respondo, andando um pouco
mais rápido, pensando se seria melhor
voltar para casa ou seguir meu caminho.
— Vi você com uma garota um dia
desses e me interessei. Pode anotar meu
número e passar para ela?
Penso: “Que mal tem? A estranha bem
que precisa de um namorado”. Paro e
procuro meu celular na minha bolsa, mas a
próxima coisa que sinto é um cheiro forte e
vejo tudo nublar.
Não acredito que caí nessa...

*****

Abro os meus olhos devagar, estão


areentos... Lembro-me do que aconteceu e
fico alerta. Estou em um colchão no chão,
em um lugar abandonado, sei onde fica isso,
Luana e eu costumávamos vim para os
galpões abandonados para cabular aula.
Uma risada chama a minha atenção e olho
para cima. O meu captor, o maldito homem
bonito, me olha e sorri. Ele começa a tirar
sua roupa. Merda, vou ser estuprada!
Arrependo-me prontamente de não ter tido
minha primeira vez com meu último
namorado. Afasto-me, até que minhas
costas toquem na parede. O homem fica nu,
como veio ao mundo, e não é uma coisa
muito difícil de se olhar, o maldito não tem
uma grama de gordura nesse corpo! Então,
ele faz algo que eu nunca, jamais, pensei
que fosse ver.
Não, ele não começou a dançar tango,
mas seu corpo brilha, como o brilho da lua,
e, depois de alguns estalos, um imenso lobo
me encara de volta. Isso é bem mais
estranho do que um cara nu dançando
tango. Lobisomem, sério? Se isso não
estivesse acontecendo diante de mim, nunca
acreditaria. Ele volta a sua forma de
homem.
— Desculpe, sei que é humana, sei
também que nunca acreditaria se não visse.
Por isso, me transformei. A verdade é que,
infelizmente, você é amiga da pessoa
errada, estava no lugar errado e hora
errada também.
— O que... O que quer dizer?
— Luana é a companheira do Rei Alfa,
ou Supremo Alfa, como o
chamam. Ele... Matou o meu irmão,
jurei que tiraria tudo o que ele ama, e
começarei por sua amiguinha.
— Luana é...?
— Uma loba? Sim, claro.
Loba? Então, era isso que ela queria
dizer com “minha família é estranha”?
Vamos ter uma conversinha muito séria
quando tudo isso acabar... Porque quando
falamos de família estranha é ter um primo
potencialmente tarado e esquisito ou uma
mãe que tem fobia de lagartixas,
definitivamente família de lobisomem vai
além do quesito ‘estranho’. Espero que isso
tudo acabe, comigo viva, para variar. Nos
filmes, a humana sempre morre primeiro.
Agora eu percebo que não deveria ter visto
tantos filmes de terror e suspense.
— O que vai fazer comigo? — minha
voz sai entrecortada, estava com medo,
qualquer um estaria.
— Espero que nada, se sua amiga se
entregar a mim, você será liberada.
— O que fará a ela?
Ele sorri e vai embora, deixando-me
sozinha no galpão escuro, úmido, e estou
trancada. Merda, não posso deixar que Lua
caia nas mãos desse cara!

*****

O homem volta, ele está irritado, se sua


postura não diz isso, aposto que seus
rosnados são bem esclarecedores.
— Ore para que sua amiga venha,
senão, começarei a me desfazer de você,
pedaço por pedaço.
Merda...
Noah

Os seus gritos ficarão marcados em


minha memória por toda a eternidade. Ela,
provavelmente, vai me odiar por toda a
eternidade também. Não foi fácil prendê-la,
não foi fácil deixá-la, mas... O que eu
poderia fazer? Já conheço Luana o
suficiente para saber que ela correria em
direção ao louco que quer matá-la, porque é
isso o que ela faz, ela coloca a vida dos
outros à frente da sua, e sei disso estando
com ela há apenas alguns dias. Foi isso o
que ela fez por sua mãe e por Alec, e com
sua amiga não seria diferente.
Proíbo qualquer um de ajudá-la a sair
e vou eu mesmo procurar por esse louco que
ousa me desafiar, deve ter alguma pista em
algum lugar. Esse cara vai cometer um
erro e, quando o fizer, eu estarei aqui.

Raquel

Ele volta, e não está mais sozinho,


cinco homens o acompanham agora.
— O que aconteceu? Por que saíram da
matilha, seus imbecis? – ele grita para os
outros.
— O Supremo a trancou no sótão, ela
não sairá tão cedo. Ele está virando esta
cidade abaixo, procurando por nós.
— Se bem conheço essa garota, ela
escapará. – Outra voz desconhecida.
— Vou esperar por isso. E quanto a
vocês, mantenham o plano, criem uma
distração para Noah, machuquem-no um
pouco, mas não o matem!
Isso está ficando cada vez pior, porque
sei que o cara esquisito tem razão, Lua iria
fugir de alguma forma e iria se colocar em
perigo. Claro que estou em perigo por causa
do que ela é, mas pretendo sobreviver para
reclamar sobre isso pelo resto da minha
vida.

Alicia

Não acredito que meu irmão está


fazendo isso com Lua! Pego uma chave de
fenda e subo até o sótão. Ela está tão
perdida em pensamentos que não percebe a
minha presença. Quando chego perto da
minha cunhada, ela toma a chave de fenda
de mim e a aponta perfeitamente para o
meu pescoço.
— Calma, Lua... Eu não vim te fazer
mal. – Isso parece fazer com que ela
desperte, Lua solta a ferramenta e me olha
apavorada, quase sem acreditar no que
quase me fez.
— Desculpe, Alicia.
— Tudo bem, vamos nos apressar.
Noah saiu tem quase quatro horas,
precisamos ir logo.
— Nós?!
— Você acha que irei permitir que a
minha cunhada salve o dia sozinha?
Ela sorri para mim, mas é um sorriso
triste. Noah a machucou, e ele ainda não
sabe o quanto.
— Sabe onde devemos ir? – Ela pensa
um pouco e acena.
— Primeiro, teremos
que pular. Travo em
meu lugar.
— O que quer dizer com pular?
Luana

Alicia me solta. Acho que só mesmo a


irmã de Noah para desafiá-lo. Não quero
pensar nele agora porque isso machuca,
tenho que focar em encontrar Raquel e
tirá-la dessa enrascada em que está por
minha culpa. Imagino onde começar a
procurar, se ele me viu com Raquel, foi na
nossa comemoração de aniversário, e
esbarrei com somente um lobo
desconhecido, o cara do outro lado da rua
no restaurante.
Alicia já começa a se encaminhar até
a porta.
— Primeiro, teremos que pular. – Ela
trava e me olha.
— O que quer dizer com pular? – Olho
para a janela e ela faz um não com a
cabeça.
— Alicia, se sairmos pela porta, acha
mesmo que nos deixarão partir?
Seu irmão provavelmente deu ordens para
que esta casa virasse uma fortaleza!
Ela caminha até a janela e olha para
baixo.
— Se não quiser vir, eu entendo. –
Alicia respira profundamente.
— Eu vou.
— Não é difícil, quando o chão tiver
chegando perto, flexione seus joelhos.
— Você faz parecer fácil.
— Somos lobas, Alicia, dez metros não
é nada!
Dito isso, pulo a janela e vejo quando
Alicia, atrás de mim, faz um salto perfeito.
Ela ergue as mãos para comemorar e eu
tapo a sua boca, indicando um dos carros.
Pegamos a estrada sem que ninguém
percebesse. Não havia muitas pessoas na
casa, acho que todos estão fora,
patrulhando ou caçando.
Chego até o restaurante e saio do
carro, vou até a mesa em que ele estava
sentado e farejo.
— Não sinto nada – Alicia diz, após
farejar.
— Você não sente porque o cheiro que
está aqui não lhe diz nada, mas, para mim,
sim.
— O que quer dizer?
— Há uns galpões abandonados,
Raquel e eu costumávamos ficar por lá, é
esse o cheiro que estou sentindo.
— O que está fazendo?! – ela grita
quando, com uma faca, eu faço um talho
em minha mão e passo na mesa.
— Deixando um rastro, caso as coisas
fiquem feias.
— Você acha que as coisas ficarão
feias?
— Provavelmente. Estamos indo,
provavelmente, direto para uma
armadilha.
— Motivador. — Alicia tenta sorrir,
mas acaba fazendo uma careta.
Dou um desconto para Alicia, para
alguém que foi protegida por toda a sua
vida por Noah, a garota é bem corajosa.
Volto para o carro e nos levo até o fim
da estrada próxima aos galpões. Pelo
caminho, abri meu corte e mantive minha
mão para fora da janela.
Sinto o cheiro de Raquel, ela,
definitivamente, está aqui.

Raquel

Vejo no quarto o que posso usar ao meu


favor, só há produtos de limpeza, e eu não
acredito que vou fazer isso, sempre fui
muito boa em química, bem que isso vai me
ajudar agora. Junto alguns ingredientes
específicos e dou graças por ser uma ex-
fumante que carrega seu isqueiro no bolso
da calça. Isso pode me matar, mas o cigarro
também podia e eu usava, então levo isso
como algo normal. Prefiro tentar fugir a
ter a minha amiga sendo presa e morta por
esses loucos. Enrolo tudo com o pano que
cobria o colchão e ascendo à ponta... 3, 2, 1...
Capítulo 11 – Resgate?

Noah

Continuo procurando o sequestrador,


quando sou cercado por três lobos, volto a
minha forma humana.
— O que querem? – Reconheço a marca
da matilha de Alec neles.
— Encontraram rastros do fugitivo, ele
está a Nordeste – um deles me responde,
mas sinto que há algo errado.
Poderia acreditar nele, se todos não
estivessem nervosos e se tivesse algum
sentido em seus batimentos terem oscilado
quando me deu essa notícia, ele está
mentindo.
Quando me viro, encarando os três, eles
sacam armas, mas suas mãos estão
tremendo e eu dou risada. Eles atiram,
balas normais, me ferem, dói como o
inferno, mas não me matarão. Eles atiram
até não terem mais balas. Quando me
olham, ainda de pé, vejo o desespero em
suas faces.
— Minha vez – digo, sorrindo, e os
ataco, matando cada um de forma rápida.
Eles tentavam me distrair...
Automaticamente, penso em Luana e corro
de volta para a sede da matilha, merda...
Entro praticamente arrombando a
porta. Alec e Ian, que estavam em uma
conversa irritada sobre Luana, param de
falar assim que observam a minha
presença.
— Onde está Luana?
— Amarrada lá em cima, como você
deixou. — Quem me responde é Ian, não
tenho tempo de assimilar o fato e nem de
pensar sobre qual tipo de relação esses dois
costumavam ter antes da minha chegada.
— Onde está a minha irmã, Alec?
— Não sei, não a vejo tem um tempo
já.
Corro, subindo as escadas de três em
três degraus. Alec e Ian me seguem. Quando
abro a porta do sótão, não vejo ninguém
por lá, só o que resta é o cheiro de Lua e de
Alicia e uma janela aberta.
— A doida pulou de novo! – Ian diz,
olhando para baixo, mas não penso sobre
isso.
— Fui atacado por membros da sua
matilha, eles tentavam me distrair, agora
sei o motivo.
— Alec, cara, está faltando um carro –
seu Beta diz.
Rosno e me seguro para não matar
esses dois que foram enganados por duas
garotas.
Descemos as escadas e para no meio da
sala, encarando a ambos.
— Um de vocês fica. Onde está meu
Beta?!! – Dou por falta de Leandro, não o
vejo há um bom tempo; e o maldito anda
agindo fodidamente estranho.
— Nós também não o vimos, pensamos
que ele estivesse com você.
Ian fica, enquanto Alec e eu entramos
em um carro e seguimos o cheiro de Luana.
Seu cheiro fica forte no centro da cidade.
Desço do carro e sinto o cheiro de seu
sangue em uma das mesas. Estava
chovendo, e seu rastro logo desapareceria.
— O que está fazendo? – Alec tenta me
parar, estou tirando minha roupa e me
transformando no meio da rua.
— Ela é minha companheira – é tudo o
que eu digo.
Alec me segue e logo estamos os dois
transformados e seguindo o cheiro do
sangue de Luana. Corremos até encontrar a
caminhonete abandonada no asfalto, é aí
que ouvimos o estrondo e vemos o fogo.
MERDA!

Raquel

3, 2, 1...
Protejo meu rosto e coloco um pano em
meu nariz, essa fumaça provavelmente é
tóxica. Metade do galpão foi para os ares.
Vejo um homem muito machucado no chão.
Céus, eu fiz isso! Ouço um rosnar e um lobo
vem em minha direção, com seus dentes
para fora.
— Cachorrinho bom...
Dou alguns passos para trás até onde
posso, a minha frente tenho um lobo
raivoso, às minhas costas as chamas, duas
péssimas escolhas.

Leandro

Não sei o que estou seguindo, instinto


talvez... Sinto que a minha companheira
precisa de mim, e estou correndo como um
louco, até que sinto de leve uma brisa que
traz o seu cheiro. Quando estou próximo a
um galpão, uma explosão ocorre,
transformando tudo em um amontoado de
fogo e escombros. Ainda bem que estava
chovendo, o fogo se dissipará logo. Porém,
preocupo-me com o cheiro dela que senti ali,
ela não pode estar...
Ouço um grito e sei que é ela. Não
penso, quando entro no galpão – ainda em
chamas –, meus olhos ardem pela fumaça.
Vejo uma loira acuada por um lobo, sei que
é ela, vejo tudo em vermelho porque tem
um lobo ameaçando a minha companheira.
Pulo e meus dentes encontram com sua
jugular, matando-o rapidamente.
Aproximo-me dela, que vai mais para trás,
mais para as chamas. Isso tudo vai cair
daqui a pouco, volto a ser humano, ela
arregala os olhos e me encara de cima
abaixo, meu corpo responde pelo seu olhar
admirado.
— Venha, linda, sou amigo da Lua,
precisamos sair daqui.
Ao ouvir o nome de sua amiga, ela
parece acordar e segura em minha mão, a
pego no colo e corro para a floresta.

Raquel

— Cachorrinho...
Ele corre em minha direção, grito...
Merda, vou morrer! Mas um lobo marrom
pula nele e rasga seu pescoço, o que também
não é uma cena muito bonita, não me dou
muito bem com isso, por isso não assisto
Discovery in chanel. O lobo olha para mim
e caminha como um predador, vou para
trás. É aí que o brilho surge novamente e,
por Deus, que homem é esse?! Ele é
perfeito... Estou admirada demais por seu
corpo, que penso que deveria explodir
lugares mais vezes, se for para ser salva
por ele sempre. Ele diz alguma coisa sobre
Lua, e eu seguro em sua mão, mais porque o
ouvi me chamar de linda do que algo
relacionado a Luana, – mas ninguém
precisa saber sobre isso.
Ele me cobre com seu corpo e me pega
no colo, seguro em seu pescoço e, quando já
estamos na floresta, afasto a minha cabeça
do seu peito e o olho, olhos de um azul
escuro me encaram de volta. Ele retira o
braço que segurava a minha perna e
sustenta todo o meu peso, segurando-me só
pela cintura. Com a outra mão, ele segura o
meu pescoço e me beija. Beijo? Acho que
estou aprendendo o significado dessa
palavra neste exato momento.
Luana

Quando ouço a explosão, peço para que


Alicia fique no carro e corro até próximo
ao galpão, mas sou interceptada por vários
lobos.
— É ela... A companheira e está sem as
marcas, então, na nossa lei, ele ainda não
tem direito nenhum sobre ela – um deles
diz, e a repulsa me consome.
— Vamos nos divertir com você,
garotinha.
— Onde ela está? – rosno para todos.
— A humana?
— Provavelmente, frita.
Todos riem e tento chegar ao galpão
em chamas, mas eles não deixam. Estou
preocupada com Raquel e não me foco
completamente na luta, e essa era toda a
vantagem de que eles precisavam.
Alicia

Juro que obedeceria Luana e ficaria no


carro, mas um cheiro chama a minha
atenção. Um cheiro de sangue que revirou
tudo o que há em mim, sei o que é isso, meu
instinto diz que eu tinha encontrado algum,
reconheceria esse cheiro e este sentimento
em qualquer lugar. Nunca antes havia
sentido tal odor, mas é como se sempre
existisse, como se estivesse impregnado em
mim de alguma forma.
Transformo-me e corro para dentro do
galpão em chamas. Lá, havia um homem
caído. Lambo o sangue de seu rosto e
choramingo, até que ele desperta. O homem
me olha, e seus olhos mudam um pouco de
cor.
— Vamos sair daqui – ele diz, e eu o
acompanho.
Olho ao redor, procurando a amiga de
Luana, mas não encontro ninguém.
— Lua...
— O quê? Estou meio
ocupada agora. — Ela
não está no galpão em
chamas.
— E como você sabe disso, Alicia?...
— Encontrei meu companheiro, Lua,
estou indo com ele.
— Como assim, indo com ele?! Quem é
ele?!
Transformo-me de volta quando
estamos próximos a uns carros na floresta e
ele me olha de cima a baixo, vejo o seu lobo
à margem, mas há outra coisa em seu
olhar, raiva...
— Não consegui a companheira, mas a
sorte sorriu para mim, a irmã cai como
uma dádiva em meu colo.
— Foi você que...
— Sim, querida, e você vem comigo.
Merda! Deve ser por isso que Noah não
gosta muito que eu saia de casa sozinha,
confusões!

Noah
Corro até Luana e ela está bravamente
enfrentando vários lobos, minha loba é
feroz e corajosa, sinto o cheiro de seu
sangue e vejo tudo em vermelho. Ataco
todos, Luana e Alec me ajudam, até que
nenhum deles possa mais nos atacar, nos
transformamos de volta.
Abraço-a, procurando por
machucados. A princípio, Luana não me
afasta, mas segundos depois sinto sua
repulsa.
— Estou bem, Noah. Que marcas de tiro
são essas?! – Ela analisa o meu corpo e me
olha feio. Sorrio porque fico feliz que ela
ainda se preocupe comigo. – Alguém viu
Raquel? – minha companheira grita e ouço
uma voz feminina responder de volta.
— Presente! – Raquel está próxima a
Leandro, ele está com uma mão em seu
ombro, protegendo-a.
Lua corre em sua direção e a abraça.
— Lôra, que susto dos infernos! – Ela
olha para a sua amiga, que
estava com os cabelos bagunçados,
vermelha e com a boca inchada. – Por que
está vermelha desse jeito?
— É... Não sei você, mas eu não sou
muito acostumada a falar com pessoas
peladas. – Ela olha para Leandro e parece
mais envergonhada ainda.
Minha companheira olha para o
próprio corpo nu e dá de ombros.
— Você se acostuma.
Capítulo 12 – Caminho de Casa

Luana

Quando conto para Noah que sua irmã


encontrou o companheiro e partiu com ele,
não gosta muito, mas aceita. Estamos no
carro agora, Noah, Leandro, Raquel e eu.
Alec disse que faria as coisas sumirem com
alguns membros da matilha, não podíamos
deixar rastros. Meu irmão está irritado
porque o seu pessoal o traiu, mas ele não
sabe, ainda não percebeu que a nossa
comunidade está em ruínas. Um dia, se
algo não mudar drasticamente, lobos
lutarão contra lobos, e talvez seja o fim da
nossa espécie, não por mãos humanas como
nossos ancestrais temias, mas pela
ignorância das nossas garras. Não me
passa despercebido que Raquel, e até mesmo
eu, foi alvo de lobos revoltados por nossa
proximidade com Noah. Será que a minha
vida será assim daqui para frente?
A voz de Noah me desperta do meu
transe.
— Onde está a pessoa que te sequestrou,
Raquel?
— Ele... Quando explodi o lugar, ele foi
atingido, provavelmente está morto – ela
diz, triste, enquanto Leandro abre o maior
sorriso do mundo. O que há com esses dois?
— Você explodiu o lugar? – pergunto
perplexa.
— Acho que as aulas de química
servem para isso. Se você não tivesse
dormido em todas, também saberia. –
Mostro a língua para minha amiga, que me
olha pelo retrovisor e sorri.
— Tenho certeza que as aulas de
química não te ensinaram a explodir
coisas... – digo, e Raquel fica vermelha.
Noah toca em minha mão e, embora eu
estivesse magoada com ele, preocupo-me
com seus machucados e desejo tê-lo por
perto, desejo cuidar dele... O que isso faz de
mim?!
Ele toca em meu queixo, erguendo a
minha cabeça, e me dá um casto beijo, não
o encaro. Não sei como seria olhar para
Noah agora, sei que isso não vai funcionar
dessa forma e apenas esse pensamento faz
com que meu coração fique tão pequeno que
dói dentro do meu peito.
— Sério?! Vocês não vão começar a
brigar aí atrás, né? Já passei por coisas
traumáticas o suficiente em um dia. —
Raquel está me olhando pelo retrovisor,
sabe que não estou bem. Logo depois encara
Noah como se quisesse voar em seu pescoço,
embora ele não tenha percebido o fato.
Olho para Noah, ele dá de ombros e
sussurra em meu ouvido:
— Sinto muito.
— Sente? Então, me diga que não faria
exatamente a mesma coisa que fez.
Ele abre e fecha a boca algumas vezes,
e eu suspiro.
— Estou cansada, Noah... – digo,
tentando me afastar dele.
— Não, companheira. Eu... Não sou
perfeito, e nem você é, nós somos como dois
elementos que fazem um estrago gigante
quando estão juntos. Eu não vou mudar, e
você também não... Não espero que mude.
Pretendo passar o resto da minha vida com
você, e sei que será algo movimentado e
problemático, mas eu te amo do jeito que é.
Vou continuar tentando te prender e te
amarrar, porque meu instinto em te
proteger é mais forte do que qualquer
prudência que eu tenha. E você vai
continuar lutando e sendo essa Alfa
maravilhosa que é. Me aceite como sou,
Lua, eu te amo exatamente da forma que é.
Fico calada, só admirando Noah,
admirando o fato de que ele não prestou
muita atenção ao que falou. Eu estou
disposta a mudar algumas coisas, a ser
mais paciente e tolerante, a ouvir mais
antes de agir de modo antecipado, mas ele
não faz nenhum movimento que indique
que deseja mudar nem que seja um
pouquinho para que essa relação dê certo.
Lembro-me do que meu pai falou, eu
tenho a consciência hoje de que essa relação
não dará certo se alguém não ceder de
alguma forma, Noah não tem. Então essa
pessoa a ceder deveria ser eu? Foi por isso
que minha mãe fugiu? Por ceder tanto até
se reduzir a quase nada?
— Estranhaaa, se não casar com ele, eu
caso! – Raquel diz, tentando me fazer
sorrir, mas isso não acontece. No lugar,
ouço um barulho esquisito vindo de
Leandro e ele segurando a mão dela
enquanto com a outra continua a dirigir.
Capítulo 13 – Cárceres

Alicia

Olho para o meu captor, sou uma loba


crescida, é claro que poderia ter lutado com
ele e tentado fugir, mas eu prefiro arriscar.
Confesso que sou uma romântica
incorrigível, prova disso é que saí da minha
casa e do meu conforto para vir aqui,
ajudar Noah com sua companheira. O
pobre do meu irmão nunca havia me
pedido ajuda antes, percebi o quanto estava
desesperado quando me ligou.
E, agora, estou aqui, no carro, com meu
companheiro que, ao que tudo indica, é o
homem que quer destruir o meu irmão.
Olho para o seu perfil enquanto dirige, sua
mandíbula está cerrada, como se tentasse
tomar uma importante decisão. Sua barba
está por fazer, mas eu o acho bonito dessa
forma, ele tem olhos verdes, como
esmeraldas, e cabelos escuros e bagunçados,
o homem é lindo!
— Pare de olhar para mim assim. –
Reviro os meus olhos, sou acostumada a
homens mandões.
— Então, qual o seu brilhante plano? –
Ele olha para mim e eu sorrio
angelicalmente.
— Fique calada.
— Qual o seu nome? – Ele não responde
e me olha irritado novamente. – Sabe, eu
gostaria mesmo de saber o nome do meu
captor e carrasco, afinal, você
provavelmente vai me matar. – Ele acena.
— Provavelmente – diz sério.
Eu me ajoelho no banco do carro e
encosto a minha boca em seu ouvido.
— Sabe, não me incomodaria de morrer
por suas mãos, não se for extremamente
prazeroso. – Ele estremece e aperta o
volante com força, rosnando.
Eu volto para o meu assento, sento-me,
estou com uma blusa larga que encontrei no
banco de trás do carro, algo me diz que é
dele. Coloco meus pés em cima do painel e
afivelo o cinto de segurança. Isso faz com
que a blusa, que era larga em mim, grude
em cada centímetro do meu corpo. Ele olha
dos meus pés no painel do carro aos meus
seios e eu rio.
— Querido, como dizem, segurança é
tudo! – Arrumo o cinto entre os meus seios e
ele olha mais ainda para eles. – Acho que
você precisa olhar para a estrada para
dirigir. – Ele parece acordar novamente e
rosna, ótimo papo esse nosso.
Ele pode até me negar, mas
transformarei a vida do meu querido
companheiro em um belo e prazeroso
inferno.
Luana

Assim que nosso carro se aproxima da


alcateia, vejo uma movimentação esquisita.
Percebo mulheres estranhas sendo
impedidas de entrar. Elas estão com medo,
até mesmo daqui posso perceber isso, mas
suas cabeças estão erguidas.
— Deixem que passem! – grito, assim
que desço do carro. Vejo Leandro segurar
Raquel pela mão, a impedindo de me
seguir, o agradeço mentalmente, minha
amiga já estava envolvida demais em nosso
mundo.
Por incrível que pareça, todos os lobos
presentes acatam a minha ordem e, uma a
uma, elas se prostram diante de mim.
Não sei como reagir a isso, mas outra
coisa acontece que me deixa mais
preocupada do que ter pessoas se
ajoelhando em frente a mim.
— Merda!
Vejo seus olhos escurecerem e ambos
rugirem, entro em frente a ambos, Alec e
Ian.
— Nem pensem nisso! Vocês não
tocarão em nenhuma delas sem o
consentimento, estamos entendidos?
Eles rosnam para mim e param de
avançar só porque Noah se coloca em
minhas costas e rosna. Isso não poderia ser
mais divertido, amiga sequestrada, meu
irmão e seu Beta encontrando suas
companheiras, tem alguém querendo me
matar e eu ainda tenho assuntos
inacabados com Noah.
Fomos todos conversar
civilizadamente na sala, ou o mais
civilizado possível.
— Então, vocês estão aqui porque
mesmo?
— Luana! — Ian e Alec dizem ao
mesmo tempo. Quatro mulheres
estão na nossa frente: Carmen, Ariadne,
Emanuela e Priscila. E, pela forma que os
dois idiotas estão agindo, sei que suas
companheiras são as duas últimas.
Elas encaram os dois por breve
momento e depois olham para mim com
sinceridade.
— Nosso acampamento foi atacado.
Sua mãe disse que seria você a sucessora,
então viemos até aqui para lhe seguir.
Não sei o que mais me choca: sendo eu
a sucessora significa que minha mãe está
morta, ter um acampamento com mulheres
sendo atacado ou alguém decidindo me
seguir como um alfa.
— Onde está a minha mãe?
— Não sabemos... — isso significa que
ainda existe esperança de certa forma, o
que me deixa mais aliviada.
Elas quase pulam janela a fora quando
Alec e Ian novamente agem como bichos.
Acredito que saber que as duas estavam em
perigo, ativou mais uma vez esse lado.
Agora, tenho a certeza do quanto
Noah pode se controlar, esses dois não
sabem disfarçar absolutamente nada, são
como animais que querem acasalar, ficam
com aquela cara de psicopata. Depois de
levar Ariadne e Carmen para descansar
em seus respectivos quartos, estamos aqui,
Emanuela, Priscila, Noah, Ian, Alec e eu...
E eu nunca pensei que estaria nesta
situação.
— Bem... Acho que isso é um pouco
estranho – digo, um tanto encabulada por
toda a cena.
— Não tem nada estranho, elas são
nossas companheiras, não se meta nisso,
Lua. – Alec rosna para mim, e Noah rosna
de volta, defendendo-me. Isso pode ficar
feio, e bem rápido.
Emanuela é morena, cabelos negros,
seus olhos são levemente puxados, ela tem
uma boca cheia e carnuda e um corpo
esguio, Manu é a companheira do meu
irmão.
— Manu, você consegue sentir a
ligação que tem com meu irmão? – Ela
acena afirmativamente, olhando Alec de
forma desconfiada. – E... Não quero que se
sinta pressionada aqui. Olha, meu irmão
nunca te machucaria. Você quer se enlaçar
a ele? – Alec rosna mais ainda. – Sério,
Alec?! Estou aqui, tentando dizer que você
não é um animal descontrolado, dá para
me ajudar um pouco?!
— Eu... Confio em você, Lua. Sei que ele não
vai me machucar,
porque você diz que não vai, mas eu... Não
confio nele. – Manu diz com sua voz baixa
e olhando para baixo, isso machucou meu
irmão, sei disso.
Priscila é ruiva e tem olhos verdes, ela
olha para mim quando fala:
— Digo o mesmo que a Manu.
— Certo, estão sob a minha proteção, e
esses dois não vão encostar em nenhuma de
vocês até que ambas permitam.
Alec e Ian rosnam para mim, mas,
novamente, Noah rosna de volta, fazendo-
os retroceder, dizendo que, quando eu falo,
é ele que também fala. E isso é um tanto
contraditório com o que ele disse no carro,
ele está me dando voz, por que?
Elas sobem as escadas e vão para o
quarto de hóspedes, sempre seguidas pelos
olhares atentos de Alec e de Ian.
— Olha aqui! – Bato na mesa,
chamando a atenção de ambos. – Toquem
nelas agora e irão perdê-las para sempre! –
Isso chama a atenção de ambos. – Elas estão
machucadas, lembram do que a mamãe
falou sobre as lobas que a procuram? Elas já
sofreram demais e não precisam de um lobo
que só pensa em sexo, precisam dos seus
companheiros! A pergunta é: Vocês serão
capazes de serem essas pessoas?
Eles parecem encabulados agora, como
se tivessem levado uma bronca por ter feito
algo errado. Seguro o meu sorriso, porque,
se risse agora, todo o meu discurso iria por
água abaixo. Ambos concordam com a
cabeça e me deixam sozinha, com Noah, na
cozinha.
— Eu tenho orgulho de você,
companheira – ele diz, aproximando-se de
mim, devagar.
— Ah, Noah... – Ele me toca e, dessa
vez, não o afasto. Então, nos beijamos. –
Será que vamos passar algum dia sem
brigar? – pergunto e ele sorri.
— Isso significa que estou perdoado?
— Isso significa que precisamos
conversar.
Caminhamos até o quarto, eu na frente
e Noah parecendo que me analisava a cada
passo. Ele se senta em minha cama, suspira
enquanto passa a mão no cabelo e então me
olha.
— Sobre o que quer falar?
O encaro de modo cético e não digo
nada.
— Certo, eu sei sobre o que quer falar,
foi uma pergunta desnecessária.
Sinceramente, respondendo a sua pergunta,
eu não sei se não faria exatamente a
mesma coisa que fiz hoje. E você? Você se
colocaria em perigo pela sua amiga
humana?
— Ela é minha família, Noah...
— Ela é humana! Você é minha família,
Lua. Agora eu só tenho você e minha irmã,
que nem sei por onde anda!
Paro um pouco, respiro antes que isso
saia do controle.
— E se eu melhorasse nesse quesito,
você poderia melhorar também?
Noah ri enquanto joga sua cabeça para
trás até encostar na parece, parece
cansado.
— Por que sorriu? Eu posso mudar e...
— Espero que não - ele corta a minha
fala, e isso me surpreende. – Você não
precisa ter a mesma opinião que eu, Lua,
me diga sempre o que acha e prometo que
considerarei isso – ele diz, fazendo uma
careta que logo se dissolve. – O que fez hoje
por essas garotas foi algo digno de um
verdadeiro Alfa. Existe algo importante
para mim, além de tudo, como te falei, você
e Alicia.
Penso um pouco em tudo o que ele
falou, sem no entanto me permitir abalar
pelas suas últimas frases.
— Não acredito que conseguiria fazer
nada se você não estivesse aqui.
— Com o tempo, eles se acostumarão a
ouvir as minhas palavras por sua boca.
— O que quer dizer?
— Eu não desejo uma companheira que
fique atrás de mim, quero alguém que fique
ao meu lado, e você, minha Lua, é digna
disso.
Dessa vez o olho de verdade e Noah
suspira mais uma vez.
— Vamos lá, Luana, precisa se
desarmar um pouco. Sei que não confia em
mim ainda, não quero te fazer mal, não
quero que sofra. Nenhum dos tiros que levei
hoje doeu mais do que seus gritos quando
lhe prendi. Sei hoje que tenho algumas
coisas em que trabalhar, mas nunca saberia
disso se não fosse você.
— Então está dizendo que pode mudar?
— Estou dizendo que não é o meu
desejo lhe machucar de nenhuma forma.
Vamos, precisamos descansar.
Olho da minha cama para Noah e ele
percebe.
— Não te farei nada, só estou cansado
e queria que ficasse comigo
hoje, perto, apenas isso. Já te tive longe o
suficiente.
Aceno, pego uma muda de roupas e
tomo um rápido banho. Quando volto, Noah
não está lá, deve ter ido tomar banho no
quarto em que estava se hospedando. Deito
na cama e não sabia que estava tão
exausta porque o sono logo me toma.
Sinto a cama afundar ao meu lado e
depois meu corpo sendo rodeado por um
forte abraço, então adormeço.

Alec

Chamo alguns do bando para limpar o


local, queimar os mortos e tirar daqui
qualquer resquício do nosso povo. Mas
minha cabeça está em casa, na loba que
parece uma índia, em minha companheira,
Manu. Ela é linda, pele morena, olhos
puxados e negros, assim como seus cabelos,
negros, lisos e longos. Ela é esguia e tem um
porte dos primeiros da nossa espécie. Corro
para casa no único intuito de vê-la. Minha
matilha está uma bagunça, pelo que Noah
contou, existiam traidores, talvez alguns
que ainda eram leais ao meu pai e
cultivaram ódio de mim e de Lua. É
horrível não poder confiar nos seus, temo
pela segurança da minha companheira em
minha própria casa.
O que teria acontecido a ela? Que
bagagem tão pesada que Manu carrega
para não sobrar nem um pequeno espaço
para seu companheiro em sua vida?
Quando chego em casa já é manhã.
Decido ficar na floresta, gastar energia
antes de encontra-la para que não me
comporte como um animal no cio, como diz
Lua.
Sinto seu cheiro logo quando adentro
mais pela floresta e isso me chama a
atenção, o que ela estaria fazendo aqui?
Próxima ao rio, ela está com um
vestido longo e claro. Manu brinca com
algumas pedras na beira do rio e eu me
aproximo de seu belo corpo sem que ela
perceba. Encosto o meu focinho em seu
braço e Manu se assusta tanto que cai
dentro da água.
Ela, agora completamente molhada, olha
para mim emburrada.
— Aposto que está se acabando de rir, Alec!
– E estava, é a primeira vez que ela me
chama pelo meu nome. Abaixo-me em
minhas patas e a olho, ela joga água em
mim e tento me esquivar, mas acabo
molhado também. Ela sorri e é a coisa mais
linda que já vi. Paro de me mover e a
próxima água que ela joga em minha
direção me pega de cheio no focinho, estou,
agora, definitivamente pingando, tanto
quanto Manu.
Manu sai da água e posso admirar seu
corpo, que agora está desenhado por seu
vestido molhado, minha companheira é
linda. Ela para de se mover e me encara,
sabe que estava olhando para o seu corpo.
Então, sacudo-me e a molho mais ainda, ela
gargalha.
— Isso não é justo! – Ela se senta na
beira do rio e torce seu longo cabelo negro.
Eu me aproximo, ainda transformado em
lobo, e sento-me ao seu lado, deito-me e
apoio a minha cabeça em seu colo, fecho os
meus olhos. Manu para e abaixa sua mão
até a minha cabeça, fazendo carinho em
minha pelagem, suspiro. Isso deve ser um
começo...

Leandro

— Não acredito que ela me largou aqui


com um completo desconhecido! — ela diz
baixinho, se estava irritada? Ao que tudo
indica, sim. Raquel começa a caminhar em
direção a saída da propriedade.
— Onde pensa que vai? – Ela abre e
fecha a boca olhando para mim. – Eles têm
coisas a resolver, e nós dois também. Não se
irrite com Luana.
— E o que eu teria a resolver com você?
– ela pergunta, ficando vermelha.
Provavelmente, lembrando-se do nosso beijo
na floresta, e eu passo minha língua sobre
os meus lábios para ver se ainda sobrou um
restinho do seu gosto.
— Muita coisa, loirinha, mas, primeiro,
você vai tomar banho e descansar. – Seguro
em sua mão e praticamente a arrasto para
o quarto em que estou hospedado. Sinto
falta da minha casa, imagino se Raquel
gostaria do meu cantinho.
Jogo uma das minhas blusas para ela,
do jeito que minha companheira é pequena,
comparada a mim, minha blusa deve ficar
quase um vestido em seu corpo. Aponto
para o banheiro e cruzo os meus braços. Ela
se irrita, percebo por uma ruga que
aparece entre suas sobrancelhas.
— Pare de ficar me tratando como a
droga de uma criança! – ela diz irritada, e
me aproximo perigosamente dela.
— Loirinha, eu nunca faria as coisas
que penso em fazer com você se te achasse
uma criança. Agora... Você pode se
comportar como uma e eu vou adorar tirar
a sua roupa e te dar um belo banho.
Ela fica mais vermelha ainda e corre
para o banheiro. Foi bom deixála sem
graça, porém, como consequência, meu
corpo está duro como uma rocha, merda.
Ian

Não gosto de deixar meu Alfa sozinho,


mas cá estou eu, olhando para Priscila,
enquanto ela cozinha algo no fogão. Nem o
cheiro delicioso da comida se sobressai ao
cheiro delicioso dela, minha boca saliva.
— Então, vai ficar aí, salivando, ou vai
experimentar?
Ela nem imagina o que é que estou
querendo experimentar. Vou até minha
loba com um sorriso gigantesco. Ela está
fazendo um molho, pega uma colher e me
oferece.
Eu passo o meu dedo no molho que está
a colher.
— Ei, cuidado, isso está quente!
E ela nem sabe o quanto...
Passo o meu dedo ainda sujo em seu
lábio e ela me olha com seus lindos olhos
verdes.
— Você disse que eu poderia
experimentar – digo, aproximando-me dela.
Priscila abre sua boca, mas nenhum som
sai. Antes que ela me impeça, estou
invadindo a sua boca e a segurando forte
de encontro ao meu corpo, minha
companheira é deliciosa...
Noah

Sinto que tem algo errado antes mesmo


de abrir meus olhos, Luana não estava mais
na cama. Viro-me para um dos lados e
consigo enxerga-la no escuro, sentada em
uma cadeira e me encarando. Peço
inspiração à natureza que nos cerca para
que assim possamos resolver tudo da
melhor forma possível, não sei mais o que
falar para que Lua tente confiar um pouco
em mim.
— Sabe o que significa a lua para a
nossa espécie, companheira? – Ela fica
calada. Então, eu continuo: – A lua é nosso
astro guia, é o que nos dá força, é o que nos
rege. Eu sempre estive em busca de algo,
Luana, perdi tudo com que me importava e
me senti atordoado por muito tempo, em
uma constante busca, era como estar sem o
nosso astro maior. Então conheci você e foi
como ver a nossa lua pela primeira vez. E
acho que sou o único lobo que não precisa
dela porque eu tenho a minha lua
particular. Sou grato por isso, pela
oportunidade que tenho em não sentir mais
aquele vazio imenso. Não sei mais o que te
dizer... Eu sinto muito. Sei que não está
sendo nada do que imaginou, para mim
também é tudo muito novo.
Quem diria que eu estaria passando
por essa situação? Nunca precisei que
alguém me perdoasse por nada, fora minha
irmã que as vezes fica emburrado com o
que faço, é claro. Sou surpreendido por um
pequeno toque em meu antebraço.
— Eu também sinto muito, acredito que
as coisas acaram se atropelando. Mas
Noah, preciso saber que o que aconteceu
aqui, me trancar, tentar se enlaçar sem o
meu consentimento, não me ouvir, preciso
saber que essas coisas não acontecerão
mais.
— Como te disse, sei que cada uma
dessas coisas te machucou e não tenho
desejo algum que se machuque.
— Certo.
— O que significa ‘certo’?
Luana se aproxima um tanto mais, e
outra coisa me dói: perceber o tanto de
coragem que ela está usando para isso.
— Você não precisa fazer isso, Lua.
Estamos frente a frente agora, já não
estou deitado. É bonita a forma com que os
olhos dela brilham no escuro, como a lua
cheia na completa escuridão.
— Poderemos ser como a lua um para o
outro, mas se lembre que ela nos dá força
porque nos asserena, porque seu brilho nos
comprova que existe algo maior do que nós
mesmos.
— Algo como a nossa ligação. — vejo-a
acenar uma vez e toco em seu rosto.
— Você, minha lua, é toda a força da
qual preciso. Fique comigo, seja minha, seja
a luz que iluminará todos os meus dias, por
favor...
Ela me olha e uma lágrima desce por
seu rosto. Lua fica na ponta de seus pés e
beija meu pescoço, subindo para a minha
boca. Agarro suas pernas e as ponho em
volta de mim. Lua e eu agora estamos do
mesmo tamanho, e ela toca meus lábios.
— Eu te amo, Noah – ela sussurra em
meu ouvido. – Agora, me ame,
companheiro.
Dessa vez, não a tomo, eu me dou para
Luana, nos amamos ali. Devagar, não tiro
nem por um segundo meu olhar do seu e,
quando o nosso prazer está prestes a
chegar, Lua vira o meu pescoço e me morde.
Perco a força em minhas pernas e caio
ajoelhado, ainda dentro dela. Olho para os
nossos corpos completamente unidos, para
minha companheira com meu sangue em
seus lábios e nossa marca que inicia seu
contorno em nossos braços.
— Você é meu, Noah, assim como eu
sou sua. Você é meu Supremo, meu Alfa,
meu companheiro, meu amor.
Arrasto-nos até a cama e encaixo meu
corpo com o de Lua, dormimos ali, saciados.

Capítulo 14 – Descobertas

Alicia

— Onde estamos? – Farejo o local. – Ah,


sua casa!
Meu companheiro suspira e joga as
chaves em cima da mesa. Ele mora em um
apartamento quarto e sala, daqueles sem
divisórias. Tudo preto e simples, a casa de
um homem, o que eu poderia esperar?
Jogo-me em sua cama e ele para,
estático, olhando para as minhas pernas
nuas. Sabendo disso, espreguiço-me e
acomodo-me ainda mais em seus
travesseiros, tem o cheiro dele, e isso me
enche por dentro.
— Eu gosto de quase todo tipo de
comida... Não gosto muito de coisas doces,
entretanto...
— Isso aqui não é um maldito hotel.
— Não? Desculpe, mas sou acostumada
a ser bem tratada.
— Claro que é, você deve ser uma
princesinha mimada.
Sento-me em sua cama e espreguiço-me.
— Você não sabe o quanto, lobinho.
Ele rosna com o apelido carinhoso e
vem em minha direção.
— Se não gosta do lindo apelido que lhe
dei, por que não me diz seu nome? – Sorrio,
com meu hálito já quase em seu rosto.
— Lucas. – Isso chama a minha
atenção, encaro seus olhos.
— Lucas do quê? – pergunto em um fio
de voz.
— Lucas Denver. – Empurro-o, porque
tudo volta, tudo volta e sinto nojo dele, do
seu cheiro. Ele está no chão, olhando para
mim, e eu não consigo respirar... Eu só não
sei como respirar novamente, sinto minha
visão ficar turva e a última coisa que vejo é
Lucas, caminhando novamente em minha
direção, mas eu não quero que ele me toque,
não quero ser tocada por ele...
Luana

Acordo e sinto o corpo de Noah ao lado


do meu. Bem verdade que ele está me
aprisionando com seus braços e pernas, não
sairia daqui mesmo se quisesse. Viro-me de
frente a ele e o observo dormir, Noah está
relaxado, tranquilo. Passo meus dedos em
seu rosto, em sua barba, que já está por
fazer. Quando toco em seus lábios, ele abre
a boca e morde meu dedo, sorrindo.
— Ei! – Ele larga meu dedo e me puxa
para cima de seu corpo.
— Bom dia, companheira – Noah diz,
com seus olhos brilhando.
— Bom dia, amor. – Desço e lhe dou um
beijo demorado. Noah olha para meu
quarto e fica sério de uma hora para outra.
— Sabe que teremos que partir.
— Eu sei, Noah, vamos só esperar até
que meu irmão e Ian se resolvam com suas
companheiras, pois, se formos agora, é
provável que ambas queiram ir comigo e
deixá-los.
— Você está concordando comigo sem
brigar? – Ele ergue uma sobrancelha.
— Esta não é a sua casa e, no fundo,
sempre soube que também não é a minha. –
Dou de ombros e ele segura o meu rosto.
— Me desculpe por prendê-la, isso a
machucou, e eu sinto muito.
Deito em cima do forte peito do meu
companheiro e deixo algumas lágrimas
escaparem, eu não sei se posso simplesmente
perdoá-lo por isso.
— Eu terei todos os dias da nossa vida
para me redimir por isso, e acho melhor
começar logo – ele diz e me põe embaixo de
seu corpo. Noah começa a beijar cada
centímetro do meu corpo, se for para
acordar todos os dias dessa forma, ninguém
me verá reclamando.

Raquel

Termino o meu banho e olho para a


blusa que Leandro me deu, olho para as
minhas roupas de baixo, estão nojentas e as
descarto, essa blusa é grande o suficiente
para que ele não perceba que estou sem
nada por baixo. Saio do banheiro e ele está
com uma bandeja, contendo suco, morangos
e alguns pãezinhos.
— Venha comer. – Sério, tudo que sai
da boca desse homem é uma ordem, isso já
está começando a me irritar.
Tomo alguns goles do suco e começo a
comer os morangos, adoro morangos, e esses
estavam maduros e deliciosos. Já no
segundo morango, resolvo olhar para cima
e Leandro está com seus olhos
transformados, ele acompanha o percurso
da minha mão até a boca quando mordo o
morango ao meio e quando lambo meus
lábios para limpar o sumo que escorre.
Quando vou pegar mais um, ele agarra o
meu pulso com força.
— Pare.
— Pensei que tivesse me dito para
comer – digo, fazendo beicinho.
— Não... – ele chega cada vez mais
perto de mim – me tente. Quer comer? Ok,
coma, mas eu vou te comer também.
Recado anotado, não brincar com o
homem lobo.
— Deite.
— Eu não estou...
— Deite – ele me corta.
Na verdade, não estava com sono,
deito e olho para Leandro, que tira a sua
calça e fica completamente nu. Encaro-o
boquiaberta.
— Está gostando do que vê, loirinha? –
Cubro os meus olhos.
— O que há com vocês e as roupas?!!
Não sabem ficar vestidos por mais de meia
hora?! E essas ordens? Não sabem falar
como pessoas normais?!
O colchão se move ao meu lado.
Leandro puxa minhas mãos, que
tampavam meus olhos, e me puxa de
encontro ao seu peito. Ele suspira e faz
carinho em minhas costas, pensei que não
estivesse com sono, mas meus olhos
começam a pesar...

*****

Desperto primeiro que Leandro e faço


um esforço gigantesco para me virar e o
encarar. Estranho o fato de seus braços
estarem agora folgados, já que tentei
levantar durante e a noite e parecia que
estava sendo presa por um alicate gigante.
Fico encarando seu rosto, agora percebo
também que estamos em lençóis diferentes,
só então me lembro que ele estava nu, ao
que parece, estou em uma colônia de
nudismo.
— O que estava passando por essa linda
cabecinha para que ficasse vermelha?
Sua voz estava rouca, Leandro me
encara com seus olhos semicerrados e
um pequeno sorriso.
— Não estava pensando em nada. Mas
preciso ir.
Ele parece me encarar de modo mais
sério.
— E para onde iria? Tem alguém te
esperando?
— Talvez eu tenha...
— Não estou brincando, Raquel, não
agora.
— Só tenho meus tios. Porque isso é tão
importante assim para você? — Temos
uma lei que diz que não devemos ferir
humanos.
É tudo o que me diz, e eu fico aqui
imaginando porque ele teria que ferir
alguém com que eu me relacionasse. Talvez
eu esteja um tantinho lerda para captar
sinais do universo, mas esse lobo não está
pensando que temos algum tipo de
compromisso, ou está?
Ale
c

Estou aqui, por toda noite, observando-


a dormir, eu, em formato de lobo.
Estranhamente, ela não se incomoda em me
ter por perto assim, porém, quando me
transformo em homem, as coisas mudam de
figura. Subo em sua cama quando o dia
amanhece, ela se senta, ainda sonolenta, e
me abraça. Fico ali por um tempo, então,
me transformo, não sou de ferro.
Prendo-a com o meu corpo e ela me
olha com medo, odeio que ela me olhe assim,
rosno, mas isso só piora as coisas.
— A... Alec!
— Não vou te machucar, confia em
mim. – Cheiro seu pescoço, e ela começa a se
debater.
Transformo-me de volta, ela ergue a
mão para me tocar, mas fujo do seu
alcance.
— Alec, eu...
Saio do quarto e corro, uivo na
floresta, chamo o meu povo e eles, como eu,
em forma de lobo, correm.

Ian

Ontem, depois de Priscila quase


derrubar tudo da mesa para fugir de mim,
resolvo dar um pouco de espaço para a
minha companheira. Fico quase três horas
longe dela, e isso já está me matando.
— Ei, linda – chamo, pegando-a de
surpresa, e ela dá alguns passos para trás.
— Ian... – Toco em seus lábios.
— Olha, não sei pelo o que você passou,
não sei mesmo. Mas agora eu estou aqui e
prometo que jamais alguém irá lhe
machucar.
— Nem você?
Céus, essa pergunta doeu no meu peito.
— Principalmente eu. Aceite-me,
Priscila, e serei completamente seu. –
Merda, ela estava demorando demais para
responder, o que eu posso fazer? Estava
com uma saudade danada, assalto a sua
boca e a ergo, encosto a minha testa na sua.
– Diga que sim.
Ouço-a sussurrar:
— Sim.
Sorrio como uma criança que acaba de
ganhar exatamente o que queria.
— Ian, lembre-se que estou confiando
em você.
Pego-a no colo enquanto caminhamos
para longe da cozinha e para cada vez
mais perto da minha casa.
— Eu sei, não vou te ferir, prometo.
Um dia vai me contar?
Eu e ela sabíamos sobre o que estava
falando, e a ruiva não respondeu, o que me
deixou ainda mais preocupado. Mas isso
logo se dissipou quando a senti se
aproximar um tanto mais de mim. Lembro-
me de Luana, quando estava a carregando
da mesma forma e falando o quanto seria
bom sermos companheiros. Lembro-me
também do que me disse, que um dia
encontraria minha companheira e
perceberia que foi importante esperar.
Quando deposito Priscila na minha
cama, ela parece um tanto acuada.
— Podemos esperar para nos enlaçar,
não precisa ser agora.
Então ela sorri.
— Ian, só pelo fato de me oferecer essa
escolha, sei que não irá me ferir. Foi mais
do que tive em toda a minha vida.
Não fiz nada com Priscila, além de
ficarmos nos conhecendo, namorando por
todo o dia. Mesmo que ela dissesse que sim,
sabia que não estava pronta.
Quando acordo, o pequeno anjo ruivo
ainda está em meus braços, dou pequenos
beijos em seu corpo, até que ela desperta.
— Bom dia, linda. – Ela sorri.
— Bom dia.
— Agora, vamos conversar. O que
fizeram com você? – Ela trava seu corpo e
tenta sair, mas eu não permito. – Priscila,
você é minha companheira, diga o que
fizeram com você, por favor.
A verdade é que precisava saber o que
aconteceu para ter noção de como trata-la
sem feri-la. Se dependesse de mim,
preferiria nunca saber, sei que isso vai me
machucar também.
Ela fecha os seus olhos com força.
— Olhe para mim e fale. – Ela não abre
os olhos, mas começa a falar.
— Eles nos... Colocavam-nos em galpões,
nossas aldeias nos venderam para alguém,
dívida, não sei ao certo o que aconteceu,
mas... Eles queriam lobas. Colocaram-nos
em jaulas, em um acampamento... Eles...
Eles... Drogavam a comida e a água e...
Entravam nas jaulas e...
A aperto em meus braços, sinto raiva,
mais raiva do que já senti em toda a minha
vida, mas não queria demonstrar isso para
ela.
— Está tudo bem agora... Se me
permitir, Priscila, posso te mostrar que o
que te fizeram está completamente errado,
pode ser bom, prazeroso.
Ela me encara com seus olhos ainda
marejados.
— Eu só queria esquecer...
— As memórias ficarão lá longe,
quando passar a construir novas.
Ela acena mais uma vez. Não foi fácil
me controlar, não foi fácil abdicar das
minhas necessidades para olhar apenas
para ela, mas consegui, conseguimos.

Capítulo 15 – Matilha, Um Alfa

Luana

Meu irmão colocou cada pessoa da


matilha ao lado de fora da casa, cada um,
homem, mulher, criança e idoso.
— Ao que parece, tínhamos traidores
na matilha, e ao que tudo indica, ainda
temos. Se você não deve nada, não tem
nada a temer. Porém, uma coisa eu digo,
qualquer um que ousou ou ousar me trair
terá seu destino junto à morte.
Meu irmão parecia maior, mais forte,
não vejo mais aquele Alec sorridente
através do homem que está a minha frente,
ele é um Alfa agora, e só isso.
Alec estava passando em frente a cada
um deles, até que a primeira morte veio,
Alec arrancou o coração do primeiro
homem dali. Sei o que meu irmão estava
fazendo, medindo seus batimentos e usando
o vínculo da matilha, mas não tenho tanta
certeza se essa era uma técnica cem por
cento segura. Dou um passo à frente e
Noah me segura, repreendendo-me com o
olhar.
Meu irmão caminha mais uma vez, já
matou três da matilha. Quando para e olha
direto nos olhos de Manuela, ele a encara e
acena, enfia seu braço no peito de outro
homem, arrancando o seu coração e
jogando aos pés dela. Manu não pisca, não
tira os olhos dos de Alec.
— Essa é uma matilha, vocês são a
minha família! Que esse dia fique marcado,
que ninguém ouse desafiar a minha família
ou não sobreviverá para contar.
Ouço o urro de toda a matilha, vejo
quando eles se transformam, seu uivo, sua
corrida. Meu irmão se transformou em um
Alfa, só não sei o que ele acabou perdendo
no processo.

Lucas

O que deu nessa princesinha? De uma


hora para a outra, a louca me empurra e
foge de mim como se eu fosse... um monstro.
Não sei por que, mas essa ideia me feriu.
Claro que sei por que, não sou estúpido.
Vejo quando seus olhos dilatam, ela não
está respirando. Droga, tudo o que eu
precisava! Tento chegar até ela, mas me
empurra novamente e se afasta, até que cai
de cara no chão e desmaia. Pego a princesa
e a coloco em minha cama, minha camisa
cobre seu corpo, ela está sobre os meus
lençóis e sinto o seu cheiro misturado ao
meu. Minha! Meu lobo rosna dentro de
mim. Merda! Poderia ser qualquer outra
pessoa no universo, mas o destino é um
fodido hipócrita. Uso toda a minha força
para não encaixar meu corpo ao dela na
cama, fico sentado em uma poltrona,
observando-a dormir, a maldita é linda.
Sua pele é suave e macia, seu corpo foi feito
para o pecado, seu cabelo, como seda,
escorre nos meus lençóis...
Ela acorda sobressaltada pela manhã,
joga meus lençóis no chão, como se fosse
pegar alguma doença deles, e me olha com...
nojo. Que merda que está acontecendo
aqui?! A princesa tenta fugir de mim, mas
a seguro e grudo seu corpo com o meu, meu
lobo rosna feliz.
— Me solta!!
— Até ontem, você estava
praticamente se jogando em meu colo. –
Rosno em seu ouvido e ela treme, mas é de
medo, sinto o seu cheiro de medo e não
gosto disso.
— Até descobrir que você é um porco
nojento! Eu te odeio! – Soltoa, porque sinto
uma porra de dor em meu peito.
Depois disso, ela tenta fugir. Tentou
pela porta da frente, pela janela da sala,
pela janela do banheiro, tentou ligar para
alguém. Então, eu fiz o óbvio, amarrei-a em
minha cama.
— ME SOLTA!
— Não adianta gritar, princesa.
Ninguém vai te ouvir ou vir correndo para
te socorrer.
— Vão perceber que você me
sequestrou!!!
— Agora vê que sou seu sequestrador?!
— Vejo que é um verme asqueroso – ela
diz isso com veneno em
cada palavra. Viro-me de costas para que
ela não veja o quanto as suas palavras me
afetaram. O que eu fiz para que essa garota
me odiasse tanto?!

Raquel

O brutamonte me arrastou para uma


grande mesa, cheia de gente que eu nunca
vi na vida. Ele se senta e eu arrasto uma
cadeira para me sentar do outro lado, mas
ele segura em minha cintura e me puxa
para seu colo.
— O que...?
— Shiiii...
Leandro põe um dedo em minha boca,
calando todas as minhas reclamações. Ele
pega algumas frutas já cortadas e começa a
me dar comida na boca, seus dedos sempre
tocam em meus lábios, em meus dentes, ou
em minha língua, e ele nunca desgruda o
olhar do meu.
— O que está acontecendo aqui?! – Lua
grita, caminhando em nossa direção com
seu namorado logo atrás, tentando impedi-
la. Ela põe um dedo na cara de Leandro. – O
que você pensa que está fazendo?
Leandro a olha indiferente, mas não
responde.
— Não brinque com a minha amiga ou
eu vou...
— Ah, querida Alfa, eu vou brincar
com sua amiga, e vou brincar muito!
O brutamonte olha para mim enquanto
fala, com a cara mais descarada do mundo.
— Leandro! Deixe a minha amiga em
paz!!!
— Ela é minha! – Leandro rosna e
enfrenta Lua.
— Ei! Já chega! Primeiro, eu não sou
nenhum objeto para “ser” de alguém.
Segundo, agradeço a sua preocupação, mas
eu sei me cuidar, estranha.
— Tem certeza, Lôra?!
— Sim, eu tenho. Ainda não saí
correndo em saber que pessoas que se
transformam em lobos existem, acho que
sobrevivo a qualquer outra novidade.
— Sobre isso...
— Humanos não podem saber da nossa
existência, eles devem ser sacrificados
quando nos descobrem – o namorado de
Luana fala, com sua voz forte e grossa, e eu
tenho certeza que ele não teria problema
nenhum em me “sacrificar”. Leandro
aperta a minha cintura, me puxando mais
para perto. Então percebo o que ele vem
fazendo, estava, de um modo bem louco e
territorialista, tentando me proteger desse
outro.
— Mas... – Lua empurra seu namorado.
– Nós não iremos fazer isso. Em
contrapartida, você será a protegida da
matilha de Noah e... Viverá conosco. —
percebo o peito de Leandro subir em uma
longa respiração de alivio, só então ele
libera seu braço da minha cintura, me
deixando livre para sentar em uma cadeira
como uma pessoa normal.
— Eu já vivo nesta cidade, Luana.
Ela faz uma cara engraçada.
— Terá que se mudar quando eu for
para a casa de Noah.
— O quê?!!!
— Lôra, isso é sério... – ela tenta me
convencer.
— Sabe o que é sério?! Sério é ser
sequestrada, trancafiada, ser quase morta
e, depois, ser quase comida viva por um
lobo!!! Sério é saber que a pessoa em que
você mais confiava no mundo não confiou
em você o suficiente para contar a verdade
sobre si mesma! Quer saber?! Para mim, já
deu! Estou indo para a minha casa! E você –
aponto para Leandro – não ouse me
impedir!
Começo a andar pela estrada, ando
quase meia hora. Não foi uma ideia muito
inteligente sair dali assim, mas quem eles
pensam que são?! Não vou mudar toda a
minha vida por causa deles, não mesmo! Eu
tenho planos, tenho sonhos, sou uma garota
livre, e ninguém vai me roubar isso.
Ouço um carro na estrada, estrada
deserta, é bom ressaltar. Será que saí de um
sequestro para outro? Um carro para ao
meu lado.
— Entra, loirinha, eu te levo.
Leandro está sério no banco do
motorista, olho para ele e continuo
andando.
— Entra, você não vai conseguir voltar
a pé – ele diz novamente, tentando me
convencer.
— Não pedi sua ajuda! E a humana
aqui sabe muito bem andar!
Ele põe o carro em minha frente e freia
de vez.
— Entre no maldito carro ou eu vou te
forçar a isso. – Seus olhos brilham.
— Gostaria de vê-lo tentar!
Merda, o homem desce do carro e
caminha até mim como um predador.
Corro, mas, em menos de um minuto, ele me
alcança, sua respiração está acelerada, ele
me põe em seu ombro e eu, como sou uma
menina crescida, esperneio e bato em suas
costas. Se bem que a vista daqui é ótima, ele
tem uma bela bunda... Foco! Continuo
batendo nele, mesmo sabendo que isso não
vai adiantar muito. Então, ele me morde!
Estou de cabeça para baixo e o sacana
morde um dos lados da minha bunda!
— Aii!!! Isso dói, seu...
Ele me joga, não dentro do carro, mas
em cima do capô, e o que vejo em seu rosto
me faz calar a boca bem rápido. Ele prende
as minhas mãos acima da cabeça e me
beija, inferno de homem que sabe beijar
muito bem, esqueço que estava irritada. Ele
me pega no colo e me deixa sentada no
banco do carona, quando me sento ereta,
sinto doer onde ele me mordeu, ergo a blusa
e estava lá, o desenho perfeito de seus
dentes!!
Ele olha para minha bunda, que agora
está à mostra, e sorri, o maldito está
sorrindo!!! Cruzo os meus braços e fecho a
minha cara, não digo mais nenhuma
palavra. Quando chego em frente a casa dos
meus tios, saio do carro e bato forte a porta
sem olhar para trás, quem esse lobo pensa
que é?!

Ian

Vou atrás de Alec para contar o que a


minha companheira me disse, se essa
prática continua a acontecer, temos um
problema.
— Vendidas?! Isso aconteceu com
Manu também?!
— Alec, Irmão, isso é tráfico de lobas,
elas eram drogadas e estupradas. Não sei
para qual fim, e não sei o que aconteceu
com Manu, mas aposto que não foi bonito.
Alec tem seu tempo quebrando cada
coisa da sala.
— Lua! – ele grita, claro que ela
ouviria. Luana e Noah descem as escadas,
Noah encara Alec com raiva, não gostou
que sua companheira fosse chamada aos
berros. – O que sabe sobre o tráfico de lobas?
— Absolutamente nada. O que há?
Alec me faz repetir o que lhe contei,
deixando Noah e Lua tão chocados como
nós dois.
— Pode tentar se aproximar delas?
Talvez te deem maiores informações,
confiam em você.
— Claro que posso. — Lua me responde,
mas seu olhar fica um pouco triste antes de
continuar falando — Temos que averiguar
o local do ataque, ver se a nossa mãe está
lá.
— Eles não podem ter sumido no ar,
qualquer coisa deixa rastros e quanto mais
cedo formos, melhor será.
— Acredito que essa história precisa
ser averiguada por mim, é minha
responsabilidade, gostaria que ficasse.
E isso realmente me surpreendeu,
Noah estava pedindo algo a Luana, a velha
Lua nunca aceitaria ficar de fora dessa
situação, mas a nova Lua apenas
respondeu:
— Vou fazer o que Ian me pediu e
tentar me aproximar enquanto você está
fora.
Alec ficou calado a maioria do tempo,
transtornado, sai da casa já rasgando suas
roupas e transformando-se em lobo.
— O que há com ele?!
— Seu irmão está deixando o lobo no
comando por muito tempo, ele está fora de
si, mal o reconheço.
— Acha que tem algo a ver com...?
— Sua companheira? Claro.
Alec esqueceu de algo importante, o
tempo que perde hoje permitindo ao seu
lado animal o completo acesso de seus atos,
o impede de estar com Noah, investigando
toda essa situação. A ira está o cegando e
temo que seja um caminho sem volta, já vi
lobos caindo dessa forma. Peço aos céus
para que Manuela tenha a sensibilidade de
perceber que o caminho de volta de Alec
passa pelo seu reconhecimento, pela sua
aceitação.
Capítulo 16 – Confiança

Luana

Vou à busca de minha futura cunhada,


Manu está em seu quarto, sentada na cama
e olhando para as suas mãos.
— Oi – sussurro para não assustá-la.
Quando me aproximo, ela me dá um
forte abraço. A principio, estranho o
movimento, mas, de alguma forma, é como
estar com Raquel machucado, é uma
amiga. Então aceito o seu abraço e o acolho
dentro do meu coração, dando boas vindas
lá a essa garota tão magoada pela vida.
— Shiii... está tudo bem. O que
aconteceu? Foi Alec? Se meu irmão te fez
alguma coisa, eu juro que corto o...
— Não! Não, Alec não fez nada.
Enxugo as suas lágrimas e ela me olha.
— Eu... Sei que Alec é o meu
companheiro, posso sentir isso. Mas, toda
vez que um homem me toca, é como se...
como se todas as memórias voltassem. — ela
diz entre soluços, de um choro que ficou
preso por muito tempo.
— Manu, sei que gosta do meu irmão,
não é por ser a minha família, mas ele é
incrível! Converse com Alec, toque nele,
deixe que ele te faça esquecer-se de tudo o
que passou.
— E se... — seu olhar se perde, como se
recordasse de algo — eu não consigo, Lua...
Não dá.
— Sabe uma coisa que estou
descobrindo? Talvez essa coisa de
companheiros seja algo montado por uma
inteligência muito maior que a nossa.
Talvez alguém saiba que precisamos
daquele outro para melhorar, para crescer.
As vezes esses laços são sofridos para uma
das partes, ou para ambas, mas posso te
garantir que conheço Alec, e você
encontrou alguém que vai te respeitar e
cuidar de você, não é isso o que quer?
— Era, antes. Antes pensava nisso, em
ter alguém que me amasse de verdade. Em
ter esse laço sagrado, tão sagrado que a
existência do outro nos completa aqui
dentro e sua ausência nos dói como se um
membro fosse retirado do nosso próprio
corpo. Era o meu sonho, mas... O que nos
fizeram, Luana... Vivíamos em jaulas, nossa
comida estava sempre cheia de remédios,
quando nos dopavam o suficiente,
entravam nas jaulas e nos estupravam,
quando pegávamos cria ele nos separavam
até que o bebê nascesse, então levavam ele e
nos colocavam de volta na jaula, como um
ciclo sem fim. Nunca soubemos o que
faziam com as crianças... Por muitas vezes
pensei em parar de me alimentar, em
simplesmente desistir, mas algo aqui dentro
escolhia lutar e minha forma de lutar,
naquele momento, era sobreviver.— Manu
conclui seu relato e me olha em
expectativa, como se eu fosse capaz de lhe
dizer algo que ajudasse, mas não sei se sou.
Não sei o que minha mãe falou sobre mim
para essas garotas, mas tenho medo de não
responder às suas expectativas.
E eu não estava preparada para ouvir
tudo isso. Acho que nunca estamos
preparados para ter alguém à nossa frente,
colocando para fora coisas que nunca disse
nem para si mesmo.
— Manu, não tenho como saber o
quanto sofreu. Tudo o que conheço está
aqui, dentro dessa matilha. Mas... Se
recusar Alec, não estará deixando que os
seus captores vençam? Você lutou por todo
este tempo, não existe algo aí dentro que
também te diz o que é o certo?
— Mas, e se...
— Nada de “e se”, você só vai saber se
tentar. Alec está fora de si, ele precisa de
você, da sua companheira. Mas... Sinto que
você também precisa dele. Aceitar Alec é
deixar todo o resto em definitivo para trás.

Alec

Odeio me sentir impotente diante de


algo, odeio que a tenham machucado, me
odeio por não ser o primeiro a ter
conhecido Manu, assim, ela nunca saberia o
que é sofrimento. Só em pensar no que
fizeram com ela, todo o meu sangue ferve.
Depois de matar algumas pessoas com
quem convivi por toda a minha vida, não
sei o que mais doeu, matá-los ou ter a
certeza de suas traições. Quero fazer um
lugar seguro para ela, um lugar onde
nenhuma maldade jamais irá alcançá-la.
Nunca fiquei por tanto tempo em forma de
lobo, sinto que estou perdendo algo, mas
não me importo, deixo-o rosnar e matar os
pobres animais que são tolos o suficiente
para atravessarem o meu caminho, eu sou
um predador. Paro, arrastando as minhas
patas na terra e com o focinho para o ar,
farejo o cheiro dela, do sangue de Manu.
Mudo completamente a minha trajetória, o
cheiro vem do rio, ela pode ter se ferido,
corro mais rápido e tudo vira um borrão ao
meu redor.
Manu estava sentada na beira do rio,
com um vestido longo e solto, ela parece
uma deusa. Aproximo-me e vejo que sua
mão sangra, lambo algumas vezes, até
estancar, e encaro seus olhos.
— Alec, eu... Desculpe-me por
preocupá-lo, só queria te chamar.
Ela diz, e sua voz é tão melodiosa que,
por alguns segundos, fico hipnotizado. Ela
não tinha falado comigo ainda, não mais do
que algumas palavras. Se já fôssemos
companheiros, ela poderia me chamar a
qualquer momento, me chamar através do
vínculo que teríamos.
— Eu... talvez não dê certo, quero
tentar algo com você. Prometa-me que não
se moverá.
Aceno com a cabeça e fico imóvel.
Faria qualquer coisa que ela pedisse. Ela
sorri envergonhada.
— Não... Quero que se transforme de volta
e que fique imóvel.
Ela quer que eu... Sei o quão grande é
esse passo para ela, sei que é importante,
então, faço o que me pede. Transformo-me
de volta e só com sua proximidade todo o
meu corpo responde.
Manu toca no peito, em cima do meu
coração, e quando faço menção em tocá-la,
ela me repreende.
— Não, Alec. – Congelo meu
movimento, não gosto de receber ordens,
não mesmo. Seguro todo o meu desejo em
tomá-la e permito que ela faça o que deseja.
Manu me olha de cima a baixo, ela me
rodeia, passando suas mãos por cada canto
de mim. Meu lobo fica satisfeito com o seu
toque, contudo, ele quer mais, eu quero
mais. Então, depois de dar uma volta
completa ao redor do meu corpo, ela para
em frente a mim, na mesma posição em que
começou.
— Deite-se, Alec. – Rosno, mas a
obedeço. Ela sorri com o meu rosnar, antes
tinha medo... Isso deve ser um bom sinal e o
sorriso de Manu foi tudo o que precisei
para que o lobo se acalmasse aqui dentro.
Deito-me na grama e minha
companheira engatinha do lugar em que
estava. Ela está agora com a cabeça
próxima aos meus pés, vê-la de quatro,
engatinhando para mim é a coisa mais
sexy que já presenciei.
Ela continua engatinhando sobre o
meu corpo até chegar ao meu tórax, onde
abaixa a sua cabeça e deposita pequenos
beijos. Manu sobe, ficando frente a frente
com meu rosto, beija primeiro meu queixo,
minhas bochechas, minha testa, meu
nariz... E sorri, cada um dos seus castos
beijos vêm acompanhados de um sorriso,
então percebo que para Manu aquilo era
uma libertação de alguma forma, estava
escolhendo ser livre, feliz. Quando penso
que ela vai beijar a minha boca, Manu vira
o rosto e eu rosno, mas sua respiração
rápida está em meu ouvido e a ouço dizer:
— Sua vez, companheiro.
Não espero mais que ela diga nada,
seguro forte em seu cabelo e faço o que
desejei desde que a vi, eu a beijo. Um beijo
cheio de promessas e de devoção. Ela está
sentada sobre mim, eu desfaço os pequenos
laços de seu vestido e o ergo sobre a sua
cabeça.
— Você é perfeita, companheira.
Beijo cada centímetro do corpo de
Manu até vê-la entregue a mim.
— Faça-me esquecer, Alec, apague todo
o passado – ela pede, com um fio de voz.
— Eu gostaria de poder, Manu. Porém,
uma coisa eu te prometo, depois de mim,
cada um desses sorrisos irá se multiplicar,
me aceita?
— Por todo e cada dia em que eu viver,
sim.
Unimos-nos ali, na beira do rio, no
meio da floresta. Pela primeira vez em
minha vida, com Manu em meus braços,
nua e saciada, eu me sinto inteiro. Olho
para seu braço, que agora tem linhas
perfeitamente simétricas que o envolvem, o
nosso laço de companheiros, ela é minha e é
perfeita.
***

Manu me contou o que Lua lhe falou e


não tenho como agradecer a minha irmã
por isso, por dar esse empurrãozinho em
forma de palavras para que Manu tomasse
a coragem de seguir em frente. Foi por
agora ter essa consciência, que neste
momento, busco a minha irmã para uma
conversa que venho adiando.
— Lua?
Chamo apenas para sinalizar minha
aproximação. Ela está sentada na cama,
brincando com seus dedos, sei que faz isso
quando está nervosa.
— Oi Alec, tudo bem?
Sorrio e não precisa que eu diga mais
nada, minha irmã pula em meu
pescoço, me abraçando e sorrindo.
— Eu estou tão feliz por vocês!!!!
Bagunço os cabelos de Lua como
costumava fazer quando éramos crianças.
— Foi por isso que vim até você, não só
para te contar sobre nós, mas também para
conversar sobre você e Noah.
Lua passa a ficar completamente na
defensiva, seu olhar feliz rapidamente é
substituído por outro.
— Derruba essas barreiras, Lua, sou
eu.
E quando digo sou eu, sei que ela
compreende o significado disso, sou alguém
que a ama e que não deseja nada menos do
que a sua felicidade.
— Desculpe, irmão.
Nos sentamos em sua cama e seguro
em sua mão antes de começar a
falar.
— Caso se mudem para a matilha de
Noah sem estarem ligados completamente,
essa marca ainda não está concluída, falta
ainda a um dos dois o gesto, e sem a ligação
de companheiros, ele será ameaçado, você
estará em perigo constante, sabe disso, não
é?
— Na verdade, não pensei muito sobre
isso.
— Tentarão machuca-la de todas as
formas e na nossa lei...
— Não poderão ser punidos porque até
então não somos nada, a vinculação não
está concluída.
— Correto.
Em alguns casos a ligação de
companheiros se dá na primeira relação.
Acredito que isso tenha algo a ver com
entrega. Nós somos lobos e não gostamos
muito de entregar nosso pescoço a ninguém,
vai de encontro ao nosso instinto e é um ato
de confiança gigantesco. Pelo visto, Lua
pode ter iniciado com a união, mas não
confiou o suficiente para que ela fosse
finalizada.
— Mas isso não é como uma papelada
que se ajeita, Alec, está falando sobre...
— Estou falando, maninha, — seguro
em seu queixo para que olhe para mim—,
em não perder mais tempo. Não pense que
estará fazendo isso pela burocracia, pense
que estará fazendo por vocês.
— Mas...
— Sei que é teimosa, Lua. Se pudesse,
observaria Noah até ter a
certeza absoluta de que ele jamais vai te
machucar. Mas essa é uma visão infantil
sobre o amor, é uma visão da Luana
pequena, que tinha medo de se transformar
em nossos pais. É preciso ter a maior de
todas as coragens para amar, amar de
modo adulto, sabendo que eventualmente
Noah vai te machucar e você também irá
machuca-lo, mas que, estando juntos e
ligados por este sentimento, tudo irá se
ajeitar.
Levanto-me, Luana não diz nada,
então estava quase saindo, até me atentar
a algo.
— Coragem, maninha. Eu nunca mais
te vi sorrir, você nunca mais foi a Lua que
conheço. Está sempre preocupada,
temerosa. Talvez seja o seu momento de dar
este passo de coragem para a sua felicidade,
assim como Manu fez.
Deixo Luana no quarto com o olhar
pensativo, não sei se a ajudei, mas disse o
que estava me incomodando e espero que
minha irmã encontre este caminho de
volta.

Luana

Deveria ser algo bom, certo? A ligação


de companheiros é algo sagrado em nossa
espécie. Mas eu e Noah, desde o início,
somos como dois polos que se chocam por
todo o tempo, e se piorar depois da união
completa? Não tenho como ter certeza
alguma sobre isso, então é isso? É esse salto
no escuro? Nunca fui de ter medo, será que
tenho medo de Noah ou medo de mim?
Medo das coisas que não serei capaz de
mudar, medo das possíveis consequências
disso.
Manu estava presa no passado, com
medo de não ser capaz de deixar ele para
trás. E eu estou paralisada com medo de
mim mais do que de todo o resto.
Procuro Noah no quarto em que ele foi
colocado de início, lembrome daquele dia,
de como Noah sussurrou para que ninguém
ouvisse, quando me reconheceu. Ele temia
pela minha segurança...
Tento ser o mais silenciosa possível.
Noah continua a arrumar sua mochila
para os poucos dias em que ficará fora,
então ele para.
— Sei que está aí, Lua. Posso sentir.
E essa é outra importante questão. Não
estamos unidos, mas posso sentir Noah
como se já estivéssemos, como se essa
ligação já houvesse sido feita há muito
tempo atrás.
— Eu... Quero conversar com você.
Noah deixa o que está fazendo de lado
e vira em minha direção, sem se
aproximar.
— Porque, no dia em que nos
conhecemos, falou baixo e não contou para
ninguém que havia encontrado sua
companheira?
— E mesmo escondendo, descobriram e
você foi atacada. As vezes tomarei decisões
seguindo a razão, aquilo o que é mais lógico
com menor dano possível. Fui criado para
pensar dessa forma, e não estaria vivo se
não fosse assim.
— E na floresta?
— Já conversamos sobre isso, Lua. Não
me orgulho das minhas ações.
— Preciso saber, Noah.
Não sei o que Noah viu em meu olhar,
ele já havia me pedido desculpas, mas não
tinha explicado. Pensei que ele tivesse
permitido ao lobo dele tomar o controle,
mas vendo o quanto é calculista, talvez não
seja essa a explicação.
— Quando percebi que você estava
correndo risco, sendo atacada e perseguida
por minha causa...
Ele não termina de falar, nem precisa,
concluo por ele.
— Pensou que seria melhor que nos
unisse, que isso seria o mais seguro.
— Sim. Estava a ponto de tomar uma
decisão pela razão, uma razão fria que
faria com que se afastasse de mim, mesmo
estando unidos.
Ele não se aproxima, o que é bem
peculiar em se tratando de Noah, então
ouço sua voz como um eco em minha
mente.
Dessa vez, minha Lua, é a sua vez de
entrega e não vou tomar isso, será a sua
escolha.
Aproximo-me de Noah, dou um longo
suspiro e faço isso sem ressalvas, sem
medos.
— Tem certeza? — me questiona.
— Tenho sim.
Noah sorri e seu sorriso se espelha com
o meu. Gargalho quando Noah me ergue e
me põe acima da cama.
— Eu senti falta desse brilho, bem aí.
Mas Noah não aponta para os meus
olhos, ele aponta para o meu coração. Não
demorou muito para que nossas roupas
rapidamente fossem colocadas de lado, a
nudez não nos incomoda, nunca
incomodou.
— Noah...! — reclamo quando ele me
prende com seu corpo.
— Shi, confia em mim?
Ele sabe que não gosto de estar presa...
Mas isso tudo é sobre confiança e ele sabe
que é.
Aceno com a cabeça. E Noah começa
dando castos beijos por todo o meu pescoço.
Pensei que fosse me morder logo ali,
fechando a marca e concluindo nossa união
em definitivo, mas Noah não me morde.
Ele vai descendo e conhecendo cada
parte de mim, tomando o seu tempo, até
que o percebo sorrir.
— Por que não está movendo suas
mãos?
Então percebo que ele não me prendia
mais, e isso têm algum tempo.
— As vezes irá parecer que estou te
prendendo, Lua, mas espero que perceba
que suas mãos sempre estarão livres, não
pretendo prendê-la, mas também cabe a
você não se sentir dessa forma. Abra os
olhos e veja o que está a sua frente.
Encaro Noah, toco em seu rosto e o
puxo para mim, mais uma vez ele espera
para que seja eu a fazer este movimento.
Unidos, Noah me morde, mas algo
acontece, algo além de sentir a marca
fechar.
— Noah... O quê...?
Desespero-me e tento tirá-lo de cima de
mim, mas não consigo.
— Shiii, minha Lua, está tudo bem. –
Ele faz carinho em meu rosto, Noah está
emocionado e uma lágrima escapa de seus
olhos... Noah está chorando, o que não
ajuda em nada em meu nervosismo.
— Noah! Diga-me o que está
acontecendo! – Sinto algo invadir meu
corpo, tremores que não estavam lá antes.
— Shiiii, você carregará o nosso filho. –
Olho para baixo, para nossos corpos unidos,
senti quando ele cresceu dentro de mim. –
Vai demorar um pouco. – Noah põe o meu
corpo acima do seu e a minha cabeça em
seu peito.
— Nós seremos pais...
— Sério?
Demoro alguns minutos para assimilar
este fato. Acabei de dar um passo em
direção a confiança e agora teria uma
criança, uma vida. E não seria mais eu e
Noah, sei que esse serzinho seria mais
importante do que nós dois, e talvez nos
ajude a sair um pouco deste foco que temos
em nós mesmos. Não me passa
desapercebida que quando resolvemos
confiar um no outro, um pequeno milagre
surgiu.
É extremamente difícil para a nossa
espécie ter um filho, por isso as crianças
para nós eram sempre indicação de boas
novas. E tenho certeza que essa também
será, já está sendo o prenuncio de um novo
começo.
Não consigo segurar as minhas
lágrimas, elas descem pelo peito de Noah, e
sei que, assim como eu, meu companheiro
está emocionado.

Raquel

O que Luana me propôs... Ir embora,


largar...tudo?
Encaro a casa dos meus tios, moro aqui
há quase dez anos e não tem nenhum sinal
disso. Nenhuma marca que diga que uma
tal de Raquel vive por aqui. Eles ainda
estão dormindo, meus tios já são idosos e
nunca quiseram ter filhos, gostam da
companhia um do outro e são felizes no dia
a dia pacato em que escolheram viver. Eles
não estavam preparados para mim, não os
culpo ou sinto raiva por nada, muito pelo
contrário, sou extremamente agradecida
por terem me recebido. Após a morte dos
meus pais, eles foram chamados como
únicos familiares vivos e poderiam ter me
deixado lá, ficaria em um orfanato para
adoção, mas me escolheram de certa forma,
nunca quiseram filhos, mas me escolheram.
Por muito tempo sempre sonhei em sair
de casa. Eu e Luana terminamos o último
ano do colegial e eu só pensava em sair
viajando mundo a fora, mas quando o
momento chegou, quando ela me fez a
proposta, tudo o que quis foi voltar para
casa e ficar embaixo das minhas cobertas.
Então percebo que não existe nada que diga
que essa casa também seja minha, pareço
uma completa estranha parada no meio da
sala e é assim que me sinto por todo o
tempo.
Leandro não veio atrás de mim, nem
sei como reagiria se viesse. Por dois dias
estive aqui, quietinha, tentando entender
as coisas. Ao que tudo indica, sou a única
humana que conhece a verdade sobre os
lobos, tenho até medo de pensar no que
fizeram com os outros. E se Noah não fosse
o companheiro de Lua, bem provável que eu
teria o mesmo destino.
Quanto a Leandro... Eu amo assistir
esses filmes que dizem o quanto a mocinha
sente o mundo girar, seus pés saírem do
chão e seu fôlego faltar quando encontram
‘aquela pessoa’. Mas ninguém nunca contou
nos filmes o quão intenso isso seria e como
isso seria estranho. Claro que tudo isso de
fato acontece, o que não contam é que você
se sente uma completa idiota. Sabe do que
sinto mais medo? Não é de Leandro, ou
disso que tem aqui dentro que não sei nem
nomear. Sinto medo de ir e me sentir dessa
forma, como uma estranha, e vamos
combinar, como ser a única humana em um
território rodeado por lobos e não se sentir
estranha e deslocada?
Encaro o meu telefone e disco o número
de Luana, pensar sobre isso tudo estava me
deixando inquieta.
— Ei, pensei que estivesse com raiva de
mim – ela atende ao telefone.
— Náh, me conhece, eu nunca fico com
raiva de você por mais de uma hora.
Porém, nós temos que resolver isso! Um
tempo só para as garotas! Esta noite, o que
acha? Pode trazer as meninas daí também,
nos arrumamos aqui em casa e depois
saímos para dançar!
Ela fica em silêncio do outro lado da linha
e percebo o porquê.
— Luana! Não ouse deixar que esses
homens gigantescos se coloquem entre a
nossa amizade!
— Estarei aí com as meninas, não se
preocupe.
Começo a separar roupas, sempre
gostei de fazer roupas, e como não queria
incomodar meus tios com esses detalhes,
juntei o útil ao agradável. Hoje, vou me
acabar na pista de dança, até esquecer-me
de certo... Ergo a blusa e olho-me no espelho,
a marca de seus dentes ainda está lá, o
maldito me marcou!

Capítulo 17 – Diversão

Alec
Minha irmã resolveu levar Manu e as
meninas para algum canto. Quando iria
perguntar onde, ela começou a fazer um
discurso sobre confiança e limites. O que
acabou sendo um imenso problema quando
Noah voltou de viagem com Ian e Leandro
e não a encontrou.
— Como assim não sabem onde elas
estão!?
— Acredite em mim, toda vez em que
tentar argumentar com Luana, irá perder.
Ela só disse que se encontrariam com
Raquel e sairiam depois, noite de garotas.
Estamos sentados na sala, Noah,
Leandro, Ian e eu. Já faz quase uma hora
que Lua, a minha querida irmã, carregou
as nossas companheiras para a “noite das
meninas”, e, desde então, estamos os quatro
aqui, enfezados e calados.
— Sério que vamos simplesmente
obedecer a Lua?!
— Se elas têm o direito de ter a noite
das meninas, nós também temos direito de
ter a noite dos homens.
— O que está pensando, Alec? Se sua
irmã se irritar, vou dizer que a ideia foi
sua. – Noah rosna para mim, só Lua mesmo
para conseguir por um Supremo em uma
coleira, ele está diferente desde que minha
irmã ficou grávida.
— Nós também sairemos. E como elas
não disseram aonde iriam, será completa
coincidência. Apenas precisamos farejar. –
Isso chamou a atenção de todos e em meio a
sorrisos de concordância, resolvemos
procurálas.

Raquel

As meninas chegam, graças que meus


tios resolveram sair esta noite,
assim, poderemos ficar à vontade. Todas
tomaram banho, estamos somente com as
roupas de baixo e eu analiso cada uma.
Vou até o local em que guardo minhas
roupas, as escolho e jogo a roupa específica
para cada uma.
— Isso parece ser algo de loja, você que
fez? – Manu, a que descobri ser a namorada
de Alec, diz admirada.
Olho para a minha amiga de canto de olho,
ela parece diferente...
Mais madura de alguma forma.
— Você está grávida?!!!
— Ouch, Lôra, sabe que nossa audição é
bem mais apurada, não grite assim.
— Estranhaaaa, eu vou ser titia? –
digo, já abraçando-a.
— Sim!!! – Minha amiga sorri e não é
mais aquela garotinha de olhar perdido, seu
olhar brilha de felicidade... Gostaria de um
dia encontrar o meu caminho, como Luana
vem encontrando o dela... Depois de vestir e
fazer maquiagem e cabelo de todas, nos
olhamos no imenso espelho que tenho no
meu quarto.
— Minha nossa senhora! Sabe o que
estamos, meninas? Quentes, muito quentes!
– digo e todas riem.
Escolhi um vestido de franjas que
desenhava o corpo da ruiva que se chama
Priscila, coloquei um batom vermelho fatal
em seus lábios e fiz uma maquiagem preta
esfumada. Para Manu, como ela é morena e
tem longas pernas, escolhi um vestido
branco de corte reto e que tem um
comprimento acima do joelho, ela está
parecendo uma modelo.
Peguei para mim um vestido solto com
a frente completamente tapada e com as
costas completamente nuas, amo esse
vestido. E para a minha amiga estranha,
escolhi um vestido novo que fiz tem pouco
tempo, ele é negro e de tiras grossas, o
vestido vai acima de seu joelho e é
completamente colado ao corpo, brinquei
que ela deveria aproveitar enquanto a
barriga não aparece. Deixei seu cabelo solto
e bagunçado e fiz uma maquiagem básica,
ela está linda.
— Meninas! Estamos prontas para a
noite!!!
Chamamos um táxi por preocupação
minha, mesmo que elas tenham me dito que
não ficam bêbadas, prefiro não ser presa
por alguém que nos veja na festa e depois
dirigindo. Quando chegamos, a boate estava
cheia, todos nos olhavam enquanto
caminhávamos, estava me sentindo quase
uma pessoa famosa, mas, também, essas
meninas são gatas de uma forma incomum.
Bebemos algumas doses, eu já estava
bem alta, mas as meninas só pareciam
felizes, esse negócio de bebida deve ser
realmente verdade. Luana me puxa e grita
em meu ouvido:
— Obrigada por isso.
— Pelo o quê? Acabei de gastar minhas
economias do mês com bebidas e vocês nem
sentiram nada.
Luana sorri e olha para as duas
garotas que estavam realmente parecendo
se divertir, e eu dou de ombros. Passo por
elas e as arrasto para a pista de dança, nós
estamos em quatro. Eu começo a dançar
com a minha amiga estranha, nós já
dançamos há tanto tempo juntas e
grudadas que sabemos de cor cada passo
que a outra vai dar. Dançar muitas vezes é
sobre toque, intimidade, confiança. Já
estávamos com nossos corpos suados,
quando sinto um corpo masculino grudado
em minhas costas.
— O que falei sobre me tentar,
loirinha? – Congelo em meu lugar e vejo que
Priscila já está envolta por fortes braços
possessivos. Ian, acho que é esse o seu nome.
Olho novamente para Leandro e ele une os
nossos corpos, falando em meu ouvido: – O
que foi? Alguém chegou antes de mim e
comeu a sua língua?
Sei que Leandro está brincando, ele
gosta de brincadeiras, eu também costumo
ser bem engraçadinha, mas não sei como
vou sair dessa
‘brincadeira’.
Eu estou tão ferrada...

Noah

Sinto o cheiro da minha companheira


misturado a várias outras pessoas. Foi esse
o cheiro dela que senti a primeira vez que a
vi, significa que ela esteve aqui. Caminho
com os rapazes até avistá-las na pista de
dança, olho para o meu Beta e ambos
engolimos em seco.
Minha companheira estava usando um
vestido que mais parecia uma segunda pele.
Por conta disso, posso ver cada movimento
que ela faz ao rebolar. Continuaria
observando, já que todos estavam com cara
de tacho olhando para as suas
companheiras. Mas um grupo de homens se
cutucou e caminhou em direção a elas,
então, caminhamos até elas e, quando nos
viram, eles se dispersaram.
Chego por trás de Lua e Alec faz o
mesmo com sua companheira. Lua está de
olhos fechados e rebola descaradamente em
minhas costas. Companheiro. Ouço a sua
voz em minha mente, mesmo sem estarmos
transformados em lobos. Viro Lua para
mim e a beijo, nunca pensei em estar tão
completo. Na verdade, nunca pensei que
estava incompleto, até que a conheci,
minha outra metade.
Eu amo você.
Respondo da mesma forma.

Leandro

Grudo o meu corpo com o dela, sei o


quanto a afeto, posso sentir o cheiro de seus
hormônios borbulhando. Uma, duas, três
músicas, mas nós não estamos simplesmente
dançando, estamos desbravando o corpo
um do outro. Ela toca em meus braços, em
minhas costas, em meu abdômen, Raquel
me leva definitivamente ao meu limite
quando vira de costas e vejo-a
completamente nua na parte de trás.
Seguro em sua cintura e ela põe os braços
ao redor do meu pescoço. Subo com as
minhas garras por toda a sua coluna, sinto
sua pele exposta arrepiar no processo.
Então, seguro seu pescoço e chamo o meu
lobo, sinto a sua excitação se misturar com
medo quando me olha, e isso é o suficiente
para que recue.
Ela olha para minhas mãos, que agora
são garras, e trava em seu lugar. Merda,
esse vestido vermelho sangue está puxando
o instinto de caça do meu lobo.
— Precisa ir, Raquel. – ela me olha por
algum tempo, ainda posso sentir seu medo e
isso está me irritando, o que nunca é um
bom sinal.
Então a loirinha vê algo e vai embora,
a vejo pegar um táxi e seguir até sua casa.
Acompanho o carro de longe, correndo
perto. As vezes sinto o olhar de Raquel em
mim, como se ela soubesse que estou aqui
fora.

Alicia

O maldito me amarrou, acredita?


Amarrou!!! Ele caminha até mim e
vira o meu rosto com força, tentando me
alimentar, mas eu não abro a boca.
— Olha aqui, princesinha, eu não te
trouxe aqui para morrer de fome em cima
da minha cama!
— Eu não quero nada vindo de você!
Ele caminha até mim e segura forte o
meu maxilar.
— E o que aconteceu para a princesa estar
me tratando dessa forma?
Cuspo em seu rosto, ele me encara
furioso e se afasta, batendo a porta quando
sai.
Viro-me para o lado e as lágrimas que
estava segurando descem pelo meu rosto,
acabo adormecendo.

*****

Lian estava... Ele parecia um psicopata


me perseguindo por todo o canto, em
qualquer local que eu ia. Qualquer pessoa
que se relacionasse comigo aparecia morta
ou ferida. Lian era um homem doente, ele
colocou em sua cabeça que eu era a sua
companheira destinada, mas eu não sentia
absolutamente nada por ele. Até que um
dia, quando Noah estava viajando e eu
voltava para casa, ele me surpreende, Lian
me prende, me obriga, eu era virgem
naquela época, ainda lembro das suas mãos
sobre mim, seu corpo, seu cheiro. Ele
gostava de me ouvir gritar, isso lhe dava
mais prazer... Naquela noite, Lian quase
me marcou, mas meu irmão chegou, Noah
chegou a tempo, me viu amarrada,
sangrando, destruída. Então, ele caçou Lian
por todos os cantos da terra e colocou seu
Beta para me vigiar por vinte e quatro
horas. Eventualmente, meu irmão
encontrou Lian, dizem que não foi algo
muito bonito de se olhar.

*****

Acordo gritando e dou de cara com


Lucas.
— Você estava falando o nome do meu
irmão, pedindo a ele para parar... Sua
atitude mudou completamente quando lhe
disse o meu sobrenome. O que o meu irmão
te fez?
Viro-me no colchão, porque não quero
que ele veja as minhas lágrimas, não quero
que ele me veja sofrer. Lian me destruiu, eu
era uma garota boba e inocente que foi
protegida sua vida toda por seu irmão mais
velho. Juntei meus pedaços que Lian
espalhou pelo chão, grudei meus cacos e me
reergui. Esse idiota não vai me colocar no
chão novamente, mesmo que seja meu
companheiro.
Raquel

Respiro, finalmente, quando chego até


a casa dos meus tios, subo para o meu
quarto e encosto-me à porta, fechando os
meus olhos. Eu não estava com medo até
que vi aquilo, as garras, como alguém pode
mudar tão rapidamente?
Ouço um rosnar. Por favor, que tenha
sido só o meu subconsciente... Abro somente
um olho e há um lobo imenso e de olhos
verdes brilhantes caminhando em minha
direção. Merda, eu vou morrer. Ele rosna e
caminha, encurralando-me para a cama.
Caio sentada e ele continua vindo, arrasto-
me em cima da cama. O que dizem naqueles
documentários de selva sobre predadores?
Eles gostam da caçada. Vou me fingir de
morta. Loucura, eu sei. Deito-me na cama e
tento regularizar a minha respiração, os
rosnados param, mas sinto uma língua
lambendo a minha perna.
Abro meus olhos e vejo que o lobo sobe
na cama com suas quatro patas
aprisionando meu corpo, ele abaixa sua
cabeça no meu pescoço, sempre me olhando
nos olhos. O problema é a cabeça dele, que
dá umas quatro da minha. A cama cede ao
peso do lobo, mas ele não sai do lugar. Ele
está parado agora, encaro seus olhos e
vejo... Vejo Leandro, por incrível que
pareça, eu vejo aquele troglodita que ama
dar ordens e ser sarcástico. Ergo a minha
mão e toco em seu pelo, isso é tão macio...
Ele lambe o meu rosto e eu dou risada.
— Está tudo bem, Leandro, não estou
mais com medo. Percebi que se magoou, isso
tudo é... Novo demais para mim. E estou me
sentindo idiota conversando com um lobo
que não é capaz de me responder a nada!
Vamos! Transforme-se de volta!
Vejo o lobo sacudir a cabeça algumas
vezes, se um lobo fosse capaz de sorrir,
acredito que seria este o modo. Então
Leandro aparece a minha frente, mais uma
vez como um passe de mágica.
— Quem é mandão agora? — ele me diz
com risada na voz.
Recolho minhas pernas para que ele se
sente. Sinto sua mão erguendo
meu rosto.
— Do que tem medo, Loirinha?
Encaro ele de modo divertido.
— Você só pode estar brincando, não é?
— Isso também é difícil para mim,
Loirinha, mas eu tenho algumas certezas. E
uma delas é a de que eu e você ficaremos
bem e seremos felizes. E sabe como eu tenho
essa certeza? — apenas aceno de modo
negativo e ele continua a falar — Porque
estou disposto a fazer acontecer. E você?
Escondo meu rosto mais uma vez e
sinto Leandro chegar mais perto.
— Tudo bem, o que está acontecendo de
verdade? Percebo que não tem medo de
mim e nem do meu lobo, então o que há?
— Olha para você e olha para mim,
Leandro. Se não fosse por Noah eu nem
estaria viva! Eles nunca irão me aceitar.
Ele olha ao redor pelo meu quarto e
depois me encara mais uma vez.
— Não há nada que te prenda aqui,
não é? — aceno mais uma vez de modo
negativo. — Então...
Leandro me oferece a mão, sei que é
muito mais do que apenas um segurar de
mãos, ele estava dizendo com esse gesto:
vem comigo.
Primeiro fecho minha mão em punho, é
a minha primeira reação diante de
qualquer coisa nova, mas vejo que a mão de
Leandro não foi movida nem um
centímetro. Então, mesmo com medo,
mesmo sabendo que estarei pulando em algo
que não conheço, estranhamente e de modo
bem irracional para o meu gosto, confio
nesse cara que conheci há alguns dias
apenas.
E ele abre o maior sorriso do mundo
quando seguro em sua mão.
— Então isso é um sim?
Pergunta quando não digo nada.
— É... sim.
— Ótimo. Vamos nos mudar, nos casar
e ter cinco filhos!
— Ei!!! — tento soltar a sua mão, mas
ele segura de modo mais forte.
— Você disse sim, Loirinha, e não
especificou. Deveria ler as letras pequenas
quando está falando com um advogado.
Percebo Leandro mudando mais uma
vez, seu olhar sério foi transformado em
um de brincadeira e felicidade. O que não
dura muito, já que ele encara nossas mãos
unidas e logo depois segue me olhando de
baixo a cima.
— Sabe, Loirinha, vermelho realmente
mexe comigo.
— Isso porque você deve ter algum
sonho escondido aí, lobo mau e
chapeuzinho, deve ter lido essa história
demais, não, lobo?
Leandro se transforma mais uma vez
em lobo. Acredito que tenha feito isso
apenas para ter a prova de que realmente
não sinto medo.
— O que aconteceu mesmo com a
chapeuzinho na história? — pergunto e
percebo algo mudar em Leandro, ele
começa a me acompanhar calmamente,
cada movimento meu é seguido por seu
olhar, quando ando mais rápido ele repete
meus movimentos.
— Porque não me relembra sobre a
história?
Eu e minha boca grande, o lobo avança
em mim, mas, no lugar de dentes, vejo a
boca de Leandro devorando a minha. O
homem estava nu, de novo. Acho que depois
de passar algum tempo com esse povo já
posso abrir um negócio em alguma praia de
nudismo.
— Para – digo, com algum esforço, e ele
congela no lugar, dessa vez é Leandro, mas
consigo ver o lobo em seus olhos, encarando-
me de cima e esperando alguma ação
minha. Dou risada. – Nada não, estava só
testando.
Ele rosna e rasga meu vestido, rasga!!!
— Eiii!! Prevejo sérios problemas nessa
relação!
Ele ergue uma sobrancelha.
— Sério? E quais?
— Você acabou de rasgar o vestido que
demorei um bom tempo fazendo, se isso se
tornar um hábito... – Ele me corta.
— Não se preocupe, loirinha, no que
depender de mim, você vestirá só blusas
minhas e nada por baixo, como na última
noite. – Fico vermelha, tenho certeza que
estou vermelha. E ele sorri. – Claro que eu
percebi que não estava com roupa de baixo.
— Lean...
— Não quero falar sobre roupas agora,
só se for em como vou rasgar o resto delas.
E é isso que ele faz, e eu não digo mais
nada quando, com suas garras, ele
transforma meu vestido em tiras e rasga a
minha calcinha junto.
— Eu sou...
Leandro para de tocar em meu corpo e
me olha de cima, olha tudo em mim.
— Eu sei, loirinha, serei seu primeiro e
seu último, pode apostar.
Eu deveria estar correndo de medo,
certo? Digo isso para a consciência que
deveria existir em mim agora, mas ela não
me ouve. Está interessada demais com o
que certo lobo faz com sua boca e suas
mãos.
Ele me deixa à margem, sempre à
margem, sem nunca me dar o meu prazer.
— Leandro... – reclamo.
— Merda, você está me deixando louco.
— Por favor...
— Isso vai doer, loirinha.
Mas eu não escuto, não quero saber se
vai doer ou não.
Ele, que estava com seus dedos
massageando a minha região íntima,
resolve inseri-los e sinto uma dor dos
infernos. Mas ele me beija e vou relaxando.
— Desculpe loirinha, prometo que essa
será a única dor que lhe causarei. Como
disse, você é apertada, e fazer isso do modo
convencional iria magoá-la, achei melhor
destruir sua barreira primeiro. Agora... Eu
quero meu prêmio.
Leandro avança em meu corpo e o
sinto entrar devagar. Ele tem razão, é
grande para mim e me assusto um pouco.
— Shiiii... Acostume-se comigo, não vou
me mexer até que queira.
Então, ele faz carícias e me beija. Em
cada gesto, sinto uma devoção. Até que me
sinto quente novamente, volto a gemer seu
nome e a me mover. Leandro rosna, ele se
move dentro de mim e, merda, isso é bom.
Ele empurra a minha cabeça para o lado e
me morde, Leandro estremece em cima de
mim, enquanto rosna o meu nome e nem
percebo a dor da mordida, já que o meu
prazer vem logo depois.
Adormecemos ali, um ao lado do outro,
um fazendo carinho no outro.
E foi assim que acordamos, certo?
Errado! Meus tios não conhecem muito o
conceito de privacidade, e quando ambos
abrem a porta do meu quarto, dão de cara
com sua querida sobrinha nua e abraçada
com um homem gigantesco... E lindo... E
forte... E... Tá, parei.
— Raquel!!! Explique-se mocinha.
— Que pouca vergonha é essa?!
Abro e fecho a minha boca algumas
vezes, sem saber o que dizer.
Mal vejo quando Leandro se levanta e
oferece a mão para o meu tio.
— Prazer, sou Leandro o... Noivo de
sua sobrinha.
NOIVO?!
Minha tia cai dura e não sei se é pela
história de noivo ou porque Leandro estava
completamente nu em sua frente. O maldito
não podia ter colocado uma roupa?!

Luana

Vejo Raquel correndo, faço menção de


ir em sua direção e Noah me prende pela
cintura.
— Deixe que eles se resolvam.
— Se resolvam? Ele está prestes a
devorá-la!!! Olhe para ele, estava
praticamente transformado!
— Devorá-la? Acredito que sim, mas do
jeito que eu estou louco para fazer desde
que te vi nesse vestido.
— Você acha que eles...?
— Leandro está agindo estranho, nunca
vi um caso de companheirismo entre lobo e
humana, mas ninguém nunca disse que não
poderia acontecer. Ele não vai machucá-la.
Agora, tire esse bico e venha satisfazer seu
companheiro.
Reviro os meus olhos.
— Minha vida é para te satisfazer,
meu rei. – Ele ri, um riso rico e encantador.
— Perto de você, meu amor, eu sou um
mero escravo.
Ouço um batimento cardíaco, então,
outro e outro... Acelerado, fugindo...
— O que foi? – Noah está preocupado,
mas eu não sei explicar.
— Algo está errado.
Ele olha para ambos os lados e fareja,
sua postura mudou completamente, ele me
põe atrás de seu corpo e seu semblante é
sério.
— Vamos sair daqui.
Ele faz sinal para Ian e Alec e saímos
da boate.
Sinto uma dor no peito e, quando olho
para Manu e Priscila, elas estão com as
mãos no mesmo local que eu.
— Vocês também sentem. – As duas
confirmam com suas cabeças.
Não conseguimos encontrar minha
mãe, Noah não encontrou nada no
local indicado por Manu. Mas isso, esse
sentimento, era ela. É como uma chama se
apagando, como um último batimento.
— As outras estão em perigo – é tudo o
que Manu diz ao me ver de modo tão
preocupado.
Capítulo 18 – Mudanças

Não sei como, mas o nosso


acampamento foi descoberto, estamos
cercadas e eles não são somente lobos, há
homens e lobos. Não podemos com todos
eles, são quase quinze...
— Corram! – aviso para as garotas,
porém, eles são mais rápidos, estamos
presas.
— Então... Olha só o que encontrei, um
prato cheio para a nossa causa.
Uma a uma, eles injetam uma
substância que as deixam moles e
sonolentas, estou ferida, sei que não poderei
correr. Chamo a minha loba, mato o homem
que estava me segurando e o outro que
segurava Amanda.
— Encontre a minha filha! – grito para
ela, Amanda corre.
Um deles me dá um soco e eu tusso
sangue.
— Acho que essa é velha demais para
os nossos fins, mas, a sua querida filhinha,
aposto que é bem nova. – Ele segura o meu
rosto com força e arranca o meu coração,
por alguns segundos, ainda consigo ver meu
coração ali, em minha frente, até que tudo
fica escuro.

Luana

— Noah! Eu não posso simplesmente


voltar para casa! Te disse que há algo
errado! As meninas também sabem e dizem
que existem outras em perigo, como posso
voltar para casa?!
— Liguei para meu Beta, e sua amiga
está bem, Priscila e Manu estão bem e você
está segura.
— Não são essas garotas!
— Olhe para mim, Lua, vocês são as
únicas garotas com quem me preocupo hoje,
são as únicas que devo manter seguras hoje,
me entende? Prometo que iremos procurar
por elas, mas quando vocês estiverem
completamente seguras.
Meu companheiro é um teimoso, tentei
dizer para ele que seria muito mais rápido
se fôssemos agora. Poderia tentar rastreá-
las, nunca as encontrarão sozinhos! Mas ele
me ouve? Claro que não!
— Lua, não é só a sua vida que
colocará em risco desta vez. Quero que
pense em nosso filho antes de se arriscar.
Suspiro e toco em minha barriga. Claro
que não arriscaria a vida do meu filho, mas
ele crescerá e saberá que sua mãe não é
uma droga de uma covarde!
Estamos no carro, caminhando em
direção à matilha de Alec, os homens estão
com seus instintos a flor da pele, olham
para todos os lados, farejam todos os locais,
nós nos entreolhamos, sabemos que nunca
nos permitirão fazer nada, mas sabemos
também que só nós poderemos arrumar
isso, porque eles não compreendem, tremo
ao pensar pelo o que essas garotas estão
passando, e reajo dessa forma apenas por
ver o terror espelhado no olhar de Manu e
Priscila.
Faço uma prece silenciosa para que
estejam bem, todas elas...

Leandro

— Você a matou!!! – ouço Raquel,


sempre dramática, fazendo um escândalo
porque a sua tia desmaiou, a mulher
simplesmente caiu dura!
— Eu não fiz nada.
— Claro que não! Olhe para você, Lê! –
Olho para o meu corpo e não entendo.
Ela pega em minha mão e me arrasta
para dentro do banheiro. Seu tio estava
pegando algo com cheiro forte e sua tia já
estava quase recobrando os sentidos.
— Não fiz nada, Loirinha, nem tente
me culpar! – me defendo.
— Claro que não, a não ser aparecer
nu, nessa perfeição de corpo, em frente a
minha tia! – Sorrio.
— Então, quer dizer que acha o meu
corpo perfeito? – Ela fica vermelha, adoro
deixá-la encabulada.
— Eu... Isso não vem ao caso.
— Sei... – Puxo-a para mim, pois seu
corpo estava muito distante. Deixo-me
escorregar com as costas na parede, até que
o meu olhar fique direto com o dela, e a
ponho por entre as minhas pernas. – Vê?
Bem melhor agora.
— Que história é essa de noivo?!
— Ah, isso?! Acredito que não tenha me
ouvido te pedir ontem, você estava tendo
muito prazer para ouvir meu pedido, mas
tenho certeza de que a resposta foi: Sim,
Leandro, sim!
— Lê, é sério!!! – Olho direto em seus
olhos.
— E quem disse que estou a brincar?
Você é minha, Raquel, só minha para
cuidar e amar, farei isso caso me permita.
Ah, e antes que eu me esqueça, isso é muito
mais do que um noivado.
— O que quer dizer?
— Significa que sou seu companheiro.
— Oh, meu Deus! – Ela começa a andar
de um lado ao outro, vai ser realmente
difícil explicar tudo. Claro que talvez
devesse ter conversado antes de marcá-la,
mas, não pensei muito sobre isso quando a
percebi aceitar aos meus dois lados.
— Você me mordeu! Eu vou virar um
lobisomem como nos filmes! Meu Deus!
Minha depilação nunca vai ficar em dia!
Isso é o pesadelo de qualquer mulher! –
Gargalho, qualquer outra pessoa estaria
louca com a situação, e é nisso que ela se
preocupa?
— Você, meu amor, é minha
companheira, e pode se transformar em um
lobo incrível e perfeito. Seu corpo, depois da
transformação, volta exatamente ao estado
em que estava.
Claro que transformar um humano era
proibido, uma das maiores proibições do
nosso povo. Mas também, nunca ouvi falar
sobre companheiros como nós, então
acredito que a lei não se aplique nesse caso.
— Como que posso me transformar em
lobo?
— Feche os olhos. – Ela fecha os seus
lindos olhos e respira calmamente. – Agora,
encontre algo dentro de você, como um
subconsciente, como outra consciência
dentro da sua, e chame...
Não precisei dizer mais nada, porque
ela já estava brilhando, sua pelagem era
amarela, e seus olhos, em um tom incrível
de azul. Ela abre um olho, depois, outro,
tenta caminhar e cai de focinho no chão.
— Não pense, é natural, só caminhe.
Então, ela dá um passo, e outro... Depois,
gira em seu próprio corpo e começa a pular
em mim. Mas, o banheiro é pequeno demais
para nós dois, ela acaba esbarrando na pia
e destruindo-a, água jorra pelo cano e
começa a inundar tudo.
— O que está aprontando com a minha
sobrinha aí dentro, senhor?
Saiam agora!
Ela me olha desesperada.
— Faça o mesmo que antes só...
Vejo seu corpo nu aparecer em minha
frente, ela abre a porta para falar com o
tio, ele a olha e, depois, para mim. O
velhinho cai de cara no chão.
— Ai. Meu. Deus!!!
Ouço Raquel gritar desesperada e
seguro para não sorrir da situação.

Lucas

Sério, meu plano de atacar o Supremo


foi completamente falho. Quem pensei que
era? Algum gênio do crime?
Eu o vi matar o meu irmão e jurei
vingança. Por muito tempo, vivi em função
disso. Tornando-me mais forte, mais
rápido... Pensei em tirar dele a mesma coisa
que tirou de mim, Noah tirou a única
família que eu tive. Lian me criou desde
que nossos pais foram mortos, ele era um
cara agressivo, mas tente passar por tudo
pelo que passamos e não se tornar um filho
da puta agressivo! Lian, há algum tempo,
vinha se tornando mais agressivo, mais
impaciente... Ele disse que tinha encontrado
a sua companheira, então, não me
importava com seus sumiços. Porém, seu
humor estava a cada dia pior, o que me fez
pensar que sua companheira tinha o
rejeitado. Um dia, lembro-me de ter
perguntado a ele como tinha certeza que a
havia encontrado e ele me disse:
“Todo o meu corpo fica duro quando a
vejo, irmãozinho. Ela é minha, e só minha,
mesmo que não queira. Com o tempo, irá se
acostumar a mim”.
Estranhei, o laço é o nosso mais
sagrado rito, deveria ser algo mútuo,
consensual e... quase divino. Não parecia
exatamente o que Lian estava
descrevendo... Olho para o pequeno corpo
em minha cama, embolada em uma posição
de proteção, seus cabelos, como cascatas
negras, caem por todo o travesseiro, seu
corpo, que miseravelmente já conheço, me
faz vibrar de necessidade pura. Por um
momento, quando nos encontramos a
primeira vez, pensei que ela também
sentisse que... Não fiquei feliz ao saber que
era irmã de Noah, mas senti que ela me
queria, e isso hoje parece um sonho bem
distante.
Há dois dias que ela só me olha com
ódio e medo. Merda, isso está me matando!
Preferiria mil vezes que ela tivesse me
batido, enfiado a droga de uma faca em
meu peito, sinto que doeria menos!
Não gosto de vê-la assim... Não gosto
de saber que Lian teve algo a ver com seu
medo de mim, porque sei que tem, seu
comportamento mudou completamente ao
saber o meu sobrenome.
— Ali, olhe para mim – tento usar a
minha voz mais gentil, não sou gentil, não
sei como ser.
Ela finge que não me ouve e isso me
deixa irritado, essa pequena ninfa estava se
esfregando em mim há alguns dias e, agora,
finge que não existo!
Ela não se move quando me aproximo,
toco em seus cabelos, sigo com o olhar cada
canto que minha mão passa a conhecer,
descobrindo cada traço do rosto de Alicia.
Então chego em seus olhos e vejo...
Vazio.
É como encarar os olhos de alguém que
já está morto.
— O que, Lucas? Por que resolveu
parar? Seu irmão não parou, pensei que
estuprar mulheres fosse o negócio da
família.
Merda, isso me atingiu como um
foguete, estraçalhando o resto do meu
coração. Quero confortá-la, quero tirar esse
seu olhar, eu gostaria que meu irmão
estivesse vivo, assim eu poderia puni-lo e
tentar tirar um pouco da dor nos olhos
dela.
Rosno e saio do quarto.
Não sei aonde vou, só preciso... Eu
preciso dela, minha companheira. Tudo faz
sentindo agora, os dias em que Lian estava
rondando a casa de Noah, como ele me
disse que tinha encontrado a sua
companheira, o que ele disse que faria com
ela... Rosno em um clamor sofrido.
Meu irmão estava perturbado, sempre
quis subir na vida de uma matilha, acho
que viu em Alicia o modo mais fácil para
isso e se convenceu de que sendo o
companheiro dela seria o melhor jeito de
almejar o que queria, contudo, ele estava
enganado. Claro que todo o meu corpo
ascende em resposta ao dela e, desde que a
vi, ando duro como uma rocha, mas eu
nunca, jamais, a machucaria. E é por isso
que entendo que a irmã de Noah é meu par,
quero abraçá-la e fazer com que esqueça
tudo o que passou, quero lhe dizer que mais
ninguém irá machucá-la, que eu serei seu
para sempre... Mas, como posso fazer isso
quando o responsável por toda a sua
tristeza foi o meu irmão? Como fazer isso –
encaro uma janela e o meu reflexo –,
quando meus olhos, tão verdes quanto os de
Lian, são a prova viva de cada dor que ele
a fez passar?

Raquel

OK, talvez eu tenha uma queda por


homens fortes, altos, com voz rouca e sexy
e...
— Minha querida, está ouvindo?
— Sim, tia, claro. – Tiro os olhos de
Leandro, que dá um sorrisinho de lado, o
maldito parece ler a minha mente.
Depois de todos os desmaios, estamos os
quatro aqui, sentados na sala e VESTIDOS,
importante ressaltar isso.
— Estava dizendo que essas não são
atitudes de uma moça de família e não
toleraremos que isso se repita nessa casa,
mocinha.
— Cla... – estava me preparando para
me desculpar, quando Leandro me corta.
— É por isso que ela está indo morar
comigo.
— Eu estou o quê?! — sei que tinha
concordado com isso ontem, mas precisava
ser dessa forma?
— Meu jovem, não sei como pensa que
as coisas são, mas não funcionam desse jeito
nesta família! – meu tio diz, encarando
Leandro. Dou um voto para meu tio,
encarar esse homem, que mais parecia um
gladiador, era algo corajoso.
— Indo morar comigo, Loirinha, pega
suas coisas.
“Pega suas coisas, pega suas coisas!”...
Depois ainda me chama de mandona.
— Você e eu precisamos ter uma
conversinha em particular!
Arrasto Leandro pela mão até o meu
quarto, ouço meus tios gritarem de lá de
baixo:
— A porta fica aberta, mocinha!!!
Leandro abre o meu guarda-roupa,
como se fosse dono do lugar, e começa a
jogar as minhas roupas em cima da cama,
ou do que sobrou dela, já que só resta o
colchão no chão.
— Leandro, pare!!!
Vejo-o andar até mim e todo o meu
corpo fica em alerta com antecipação. Que
merda, virei uma ninfomaníaca!
— Pensando bem, não precisa das
roupas. Quero você nua e em minha casa,
gemendo o meu nome e me dando prazer.
— LÊ...
Ele ataca a minha boca e retribuo.
Merda de homem viciante, quando comecei
a não ter opinião? Leandro me põe de
encontro à parede e sustenta o meu corpo
ali, só com o atrito entre os nossos corpos.
— Droga, loirinha, estou me segurando
muito para não sentir a sua carne macia e
molhada ao redor do meu membro – ele diz
rouco. – Eu sei, sei o quanto está preparada
para mim, e isso me excita ainda mais.
Tento me recompor de algum modo.
— Olha aqui, seu grande, lindo e... sexy
lobo. – Ele sorri de modo predador. – Você
não é meu dono! Eu não vou morar com
você, pelo menos ainda não, acabamos de
nos conhecer!
— Tudo bem.
Ele me solta. Estranho, porque tudo foi
fácil demais. Leandro começa a tirar a sua
roupa em minha frente, o homem está... Ai,
merda!
— Como assim, tudo bem? – pergunto,
olhando-o com receio, aí tem...
— Vou morar com você. Mas não me
culpe se seus tios tiverem um ataque todos
os dias. – Ele começa a andar para o
corredor, completamente nu. – E, loirinha,
eles te ouvirão gemer e gritar meu nome
por várias e várias vezes, isso é uma
promessa.
— Onde você pensa que vai assim, nu? –
sussurro, mas sei que me ouve.
— Estou com sede, vou pegar água.
Merda de homem... Paro para pensar e
vejo que coisas piores poderiam ter
acontecido comigo do que ter um homem
lindo e sexy em minha cola.
— Eu aceito, seu idiota.
Vejo-o aparecer na porta com seu
sorriso radiante de quem acabou de
vencer uma luta. Começo a jogar roupas
dentro de uma mochila, enquanto o xingo
de todos os nomes que vem em minha
mente.
Se ele pensa que só um pode jogar esse
jogo, está muito enganado, vou ensinar
para esse lobo que a Chapeuzinho Vermelho
também tem suas armas.
Capítulo 19 – Adeus

Noah

— Isso não está em discussão, Lua!


Rosno para a minha companheira
teimosa que está tentando me impedir de
voltar para a minha casa e, lógico, levá-la
junto.
— Noah, eu não posso simplesmente ir
embora! Sei que não podemos sair pelo
mundo procurando as outras garotas só
porque eu tive um pressentimento, já
entendi isso! Só que elas sabem que esta é
minha casa, podem me procurar aqui!
— Lua! Essa não é nossa casa! Sabe que
não posso ficar aqui para sempre e isso já
havia sido discutido.
Vejo-a suspirar, essa mulher está me
enlouquecendo! Sustento seu rosto com os
dedos.
— Tudo o que podemos fazer, estou
fazendo. Há lobos por toda a parte,
procurando-as, seremos informados se
encontrarem algo.
— Eu sei, é só que...
— É só que está acostumada a fazer
tudo sozinha! Confie em mim, estou sendo
sincero e honesto com você.
Ela me abraça e começa a fazer as
malas. Pelo menos essa eu venci. Sorrio,
minha Lua é indomável, e gosto disso nela.
Olho para o seu ventre, onde um pedaço
nosso está sendo gerado. Nunca amei
alguém assim em toda a minha existência,
essa garota é o meu mundo, e está prestes a
me dar o maior presente da minha vida,
um herdeiro.
Ela começa a rir alto.
— Raquel vai pirar.
Sei que Leandro está passando maus
bocados para convencê-la. De onde saíram
tantas mulheres geniosas? Essas duas só
poderiam ser melhores amigas.
Penso em Alicia, minha irmã... Estou
estranhando a falta de comunicação...
Tanto que pedi para um rastreador
procurá-la. Fico feliz em saber que ela
encontrou seu parceiro. Se tem alguém que
merece ser feliz, esse alguém é minha irmã.

Raquel

— Não, nem pense nisso! Eu não vou! —


Fui pela primeira vez na casa de Luana,
que mais parece uma aldeia, quando me
salvaram do sequestro, e na minha cabeça,
todos moravam ali.
Que a estranha me desculpe, mas
acabei de quebrar tudo em um dos quartos
de sua casa, acabei jogando tudo nesse
troglodita. Quem ele pensa que é? Primeiro,
me persegue como um lobo atrás de uma
gazela. Depois, me dá o maior prazer que
já senti – certo, disso eu não estou
reclamando –, me transforma, me tira da
minha casa – quase matando meus tios no
processo – e, agora, quer me levar para
outra cidade! Só aceitei sair porque pensei
que ele morasse aqui, não vou mudar a
minha vida toda por... por... por... Um
pedaço de homem sexy como o inferno!
— Loirinha, isso não está em discussão.
E se estivesse, você me disse sim, lembra?
— Claro que está! É sobre a minha vida
que estamos falando!
— Não, é sobre a nossa vida. Minha
vida está completamente estruturada na
sede do Supremo. Já fiquei tempo demais
nesta cidade pequena, tenho muitas coisas
para resolver por lá, e Noah também.
— Até parece que vai mudar alguma
coisa! Vocês amam andar nus por aí, devem
morar em uma fazenda!
Ele começa a andar em minha direção
com aquele sorriso lindo de quem sabe que
venceu a batalha.
— Manhattan, NY.
Eu ouvi Nova York?! Onde está a
faculdade de moda que quero fazer? Na
cidade luz!
— E o que você faz em NY, senhor
nudismo?!
Sério, o que ele faz naquela cidade?
— Tenho uma firma de advocacia, te
disse que sou advogado, já havia lhe dito
isso, não?
— Você é advogado de verdade? Pensei
que fosse algum tipo de brincadeira, nem te
imagino de terno e gravata, as vezes é
esforço demais te imaginar com um short,
já que só andam assim.
Olho-o de cima a baixo, ele está
vestindo uma calça de moletom cinza e está
sem camisa, mostrando todo o seu peitoral
esculpido e... Foco, Raquel!
— Sim, sou. Sou advogado, Noah tem
uma grande firma de construção civil.
Imagino Leandro de terno, um elegante
terno bem cortado, o homem deve ficar
lindo... Ele percebe onde os meus
pensamentos me levam e começa a me
beijar... Tão... bom... O empurro.
— Você não pode pensar que vai me
convencer sempre de tudo com beijos, sexo,
essa voz rouca e esse olhar sedutor e
incrível...
Ele sorri de lado de novo. Merda,
costumo ter uma boca grande e falar tudo o
que vem a minha mente, isso, com Leandro,
significa ter-me chamando-o de gostoso de
quase cinco em cinco minutos.
— Eu posso te convencer agora... – Ele
beija o meu pescoço. – Ou por todo o
caminho de carro... – minha imaginação
fértil me leva a uma imagem minha e dele,
nus, em um carro, e eu gemo. Merda de
homem. – E por cada início, meio e fim dos
nossos dias.
Lembro-me que disse que lhe ensinaria
uma lição... Nem consigo pensar em nada
quando seus lábios famintos descem para
um dos meus seios. Prioridades, Raquel,
Prioridades!
O único problema – ou não – é que a
minha prioridade, no momento, é ter esse
homem incrível saciando cada pedaço do
meu necessitado corpo.
Ele me vira de costas, estamos em pé,
próximos à parede, e apoio as minhas mãos
nela. Lê gruda seu corpo em minhas costas e
me mata só roçando seu membro em minha
entrada.
— Lê... Por favor...
Ele para de maltratar a pele do meu
pescoço.
— Diga sim, more comigo, diga sim...
Rosno, quero jogá-lo na cama e
arranhar seu peito, quero senti-lo em mim
por inteiro, estou perdendo o controle aqui.
Minhas mãos começam a se transformar
em garras. Ele rosna em meu ouvido e
minha... loba?... retorna ao lugar dentro de
mim. Tento me virar, uso toda a minha
força, porém, ele é mais forte e me submete.
— Diga, diga, diga...
Ele cantarola em meu ouvido,
enquanto entra em mim aos poucos.
Quando o sinto me preencher em uma
estocada firme, não consigo mais segurar
minha imensa boca.
— Sim, Lê, sim!
Ele beija meu ombro quando tenho,
talvez, o melhor sexo de todo o universo.
Sério, esse homem deveria ser catalogado
no Guinness Book.
Estamos ainda na parede, tentando
acalmar nossa respiração, saciados e
preenchidos um pelo outro. Ele sorri sexy
em meu ouvido, com seu riso baixo e rouco.
Entendo o que ele fez... Merda de homem!
Empurro-o e levo as minhas malas
para o lado de fora.

Luana

Encontro com Manu e Priscila na


parte de trás da casa antes de irmos
embora.
— Não podemos simplesmente ficar
sem fazer nada!
— Não se preocupe, Manu, fiz umas
ligações para algumas mulheres nos outros
bandos, elas disseram que vão me retornar.
— Manu responde de modo sério.
— Então, é o jeito...
— O que estão fazendo aí?! Estranha,
não me diga que está escondendo algo!
Raquel chega, com seu jeito desbocado
de ser, fiquei feliz ao saber que agora a
minha amiga era como eu.
— Shiiii...
Murmuro para ela, que logo se cala e
sussurra:
— O que foi?
— Algumas lobas estavam sendo
sequestradas. Na verdade, Manu e Priscila
passaram por isso, mas as pessoas que as
sequestraram sumiram. Estou com receio...
Tive um pressentimento de perigo sobre as
outras garotas que ainda estavam com a
minha mãe. E se as pessoas que estavam
sequestrando lobas voltaram?
— Merda, eu sou uma loba agora! Olhe
aqui, Estranha, já ultrapassei,
por um vida, todas as minhas cotas de
sequestro!
— Eu sei, Lôra, mas vamos ficar
atentas, me liguem todos os dias.
Abraço Manu e Priscila e caminho
com Raquel em direção aos carros.
— Então, ele te convenceu?
— Na verdade, ele me convenceu
quando falou em NY... – Rio, essa garota
não muda nunca. – Sabe para quantas
festas vamos?! Podemos fazer faculdade e
irmos para cafés chiques, vai ser tipo um
Sex and the City de verdade!
— Claro, menos o fato de que terão dois
lobos em nossa cola.
— Por falar nisso, esse Leandro está me
devendo uma, já até imagino o que farei... –
Ela ri diabolicamente.
— Não me importo de ter Noah
grudado em mim.
— Onde está a minha amiga?! Quando
se tornou uma dona de casa? Nós somos
jovens e lindas, e o mundo nos pertence! —
Raquel está com aquele olhar brilhante e
sonhador, tenho certeza de que irá fazer
realmente o que diz, ganhar o mundo.
Quanto a mim, nunca tive esse sonho. Na
verdade, algo dentro de mim sempre me
disse que faria algo grande, mas nada sobre
isso de faculdades e trabalhos e ser uma
super empresária.
— Quem pertence a quem? – Noah beija
a minha bochecha e pega a minha mala.
Raquel aponta para o peito de Noah.
— Não se esqueça de que ela era minha
antes de ser sua!
Prendo o meu riso, só Raquel mesmo
para enfrentar Noah. Ele me puxa mais
para perto de si e fecha o semblante.
Leandro pega a minha amiga pela
cintura.
— Desculpe, Alfa.
Ele pede desculpas, mas estava
sorrindo enquanto carregava Raquel para
o carro. Vai ser muito mais leve ter Raquel
por perto, deixo um tantinho da minha
casa aqui, com Ian e Alec, mas carrego um
tantinho dela com Raquel.
— Eu sei andar, seu idiota!
Olho para o meu companheiro, que
acompanha a minha amiga com os olhos.
— Por favor, prometa-me que não terei
que me preocupar com você brigando com a
minha melhor amiga. – Ele não responde.
— Noah!!!
— Ela é companheira do meu Beta – é
tudo o que ele diz, mas não era essa a
resposta que esperava.
Dou de ombros, sorrio e o sigo. Isso,
pelo menos, será divertido.
Capítulo 20 – A Casa do Supremo

Luana

Chegamos até a... Não sei como chamar


o que estou vendo.
Definitivamente, não é uma aldeia.
— Você é rico.
Não foi uma pergunta, e sim uma
constatação. Noah não se incomoda em me
responder. Acabamos de entrar em um
condomínio fechado. As casas, em sua
maioria, tinham muito vidro, aço e
madeira, fazendo um contraste incrível
com a paisagem. O local é altamente seguro,
há câmeras de vigilância em todos os
cantos. Vi homens armados por toda a
parte também – homens não, lobos. – Todos
os funcionários são lobos, e parece que todos
os moradores também. O condomínio está
dentro de uma reserva gigantesca, e não sei
como Noah conseguiu uma aprovação para
construir aqui... Ele me puxa do banco do
carro quando percebe que eu não estava
saindo do lugar.
Olha-me de um modo engraçado.
— Você está bem?
Fecho a minha boca que, até então,
estava aberta.
— Você não é nenhum chefe do crime
organizado ou coisa do tipo?
Ele ri.
— Tenho uma empresa de construção
civil.
Todos saíram de suas casas e vieram
recepcionar Noah. Leandro e minha amiga
acabaram de chegar também. Olho para
Raquel e ela move a sua boca sem sair
nenhum som.
“O homem é podre de rico”.
“Estou vendo” – respondo a ela,
movendo apenas os meus lábios também.
Estou atrás de Noah e só sinto o
impacto, como se alguém tivesse se jogado
em seu pescoço.
— Noah, você voltou!
Rosno, porque ninguém que não seja
íntimo de Noah o chama pelo nome, até
Leandro o chama de Alfa. Não sei quem é
essa sirigaita, mas sinto uma vontade
imensa de arrancar seus braços, que estão
ao redor do pescoço dele. Olho para Raquel,
que me comprova quando diz: vadia.
Saio detrás de suas costas.
— Alfa – enfatizo a palavra –, se já
terminou de ser recepcionado por sua... –
meus olhos percorrem cada pedaço dela que
ainda está em contato com o corpo de Noah
– amiguinha, estou cansada.
Ela olha de mim para ele, e como meu
querido companheiro parece que perdeu a
língua, ela não desgruda de seu pescoço.
Olho ao redor e já temos certo público.
Respiro fundo e fecho os meus olhos.
— Senti tanto a sua...
Quando abro meus olhos novamente,
eles estão brilhando, minhas mãos estão
transformadas em garras, me transformei
parcialmente e isso nunca é um bom sinal.
Não sei controlar muito minha raiva ou
meu ciúme, acabo de constatar isso.
— Solte-o, se não quiser perder os seus
braços – ameaço e sorrio, sei o que eles
veem, presas.
Ela se solta de Noah e me olha de cima
a baixo, dá as costas para mim e caminha
até uma das casas, rebolando.
— Estarei em meu quarto – ela diz,
olhando para Noah, e quando eu estou
prestes a arrancar aquele sorriso com
minhas garras, o idiota resolve acordar e
me sustenta pela cintura.
— Não, Lua.
— Ah, olha só, ele fala!
— Lua...
“Você não pode me desafiar na frente
da minha matilha”.
Ouço-o em minha mente.
“Foda-se, Noah!”...
Ele se afasta de mim e caminha...
Caminha para a mesma casa que a vadia
foi, eu não estou acreditando nisso!
— Noah! – grito seu nome, mas ele não
olha para trás, me deixa ali, como uma
idiota, cercada por um monte de gente que
eu não conheço.
Vejo Raquel e Leandro caminharem
em minha direção, ele ergue a mão para
tocar em meu braço.
— Não. Me. Toque – rosno para ele e
Leandro para seu ato no ar.
Começo a tirar a minha roupa ali, na
frente de todos, eles olham a tatuagem que
cobre todo o meu braço, estou nua e os
encaro, um a um. Então, transformo-me,
minha loba rosna para cada um deles,
desafiando-os, quando ninguém se move, eu
corro, faço o que sempre fiz quando estou
machucada, vou para a floresta e corro.

Raquel

Chegamos à cidade e eu estou


definitivamente como um cachorrinho com
a cara fora da janela, admirando tudo. Até
que começa a aparecer só floresta e mais
floresta. Então, passamos por um grande
arco, um portão eletrônico com câmeras e
homens armados. Leandro abre o vidro e
um deles caminha até nós.
— Ei, Beta! Estávamos pensando que
não voltariam mais. Quem é a princesa?
Ele me olha e eu dou o meu melhor
sorriso, se vou morar com esse pessoal, no
mínimo, devo ser simpática.
— Eu...
— Raquel – Leandro me corta –, e pode
tirar esse sorriso do rosto.
Fecha os vidros sem maiores
explicações e eu estou ali, estarrecida com a
sua falta de tato e de educação. Me
pergunto como esse homem pode ser um
advogado...
Quando saímos do carro, avisto logo
minha amiga, ela está atrás de Noah, meio
sem jeito, Lua nunca foi uma garota de
multidões. Uma mulher se engancha no
pescoço de Noah, ela está se esfregando nele
descaradamente.
Vadia – digo para a minha amiga,
para que ela fique esperta. Lua sai do local
escondido em que estava, atrás da
montanha que era esse homem. Dou alguns
passos, aproximando-me, e Lê vem atrás.
Vejo quando a minha amiga muda
suas feições, seus olhos estão...
repuxados e brilhantes, suas mãos estão
como garras. Porém, o pior foi quando ela
sorriu, imensas presas brotaram de seus
lábios, incrível e assustador!
Vejo o que o Noah fez a Luana e eles
nem chegaram a se acomodar. Ele
simplesmente deixou Lua aqui, sozinha, eu
estaria chorando. Caminho em direção a
ela para confortá-la, mas Leandro me para
e ergue a mão para tocá-la.
— Não. Me. Toque – ouço-a sussurrar.
Ele me segura, apreensivo, como se... tivesse
medo que ela fosse me machucar. Minha
amiga nunca me machucaria, certo? Mas
quanto de Luana ainda tem ali? Eu não
tenho certeza. Só posso sentir sua raiva.
A estranha começa a tirar a roupa,
peça por peça, e não vou te dizer que é um
Striptease, porque não é. Ela puxa suas
roupas com calma, meticulosamente, com a
cabeça erguida. Então, nua, ela olha de um
a um, me olha também, com seus olhos
brilhantes, minha amiga é a porra de uma
rainha, não sei se das boas ou das ruins,
mas não paro para pensar sobre isso. Essa
realidade me bateu forte agora! Ela se
transforma, um lobo imenso e de pelagem
completamente mel, como os seus cabelos,
rosna, e é um som ameaçador. Algumas
pessoas realmente dão um passo para trás.
Depois, vejoa correr, rápida e precisa. E é
como se o tempo parasse, ninguém ousou se
mover por alguns segundos, até que uma
criança corre ali, pelo meio de nós, e o
mundo volta a girar novamente.
— Quando eu pegar esse seu amigo, eu
vou...
Leandro tapa a minha boca e me
carrega como um saco de batatas até uma
casa. Claro que eu faço meu papel e
esperneio, arranho as suas costas e,
obviamente, não adiantou nada.
Ele fecha as portas atrás de si e me
encara, suspirando, parece cansado.
— Você não pode ofender o Alfa na
frente de todos.
— Eu não posso ofender aquele filho de
uma puta, mas ele pode humilhar a minha
amiga?!
— Ainda bem que as casas são a prova
de som – ele diz, simplesmente.
— Pera lá! Você está dando razão ao
que Noah fez?!
Ele dá de ombros.
— Ele é o Supremo. Minha opinião não
muda o fato de quem ele é. Os dois terão que
se entender de alguma forma, se envolver
na relação desses dois é o mesmo que entrar
no meio de um campo de guerra.
Olho para o sofá dele e sorrio, o viciado
em sexo sorri de lado e me olha cheio de
desejo.
— Espero que seu sofá seja confortável.
Ele me dá um sorriso completo e
afirma com a cabeça.
— Porque é nele que você vai dormir, e
nem ouse em vir atrás de mim!
Dou meia volta e começo a subir as
escadas, o quarto deve ser em cima, eu
acho. Entro em um quarto grande com uma
cama imensa de casal, o cheiro dele está
impregnado em cada canto. Tranco a
porta, só por via das dúvidas, mas ele não
vem atrás de mim.
Fico com uma pulga atrás da orelha,
dou uma risada nervosa ao ter esse
pensamento, espero que lobos não peguem
pulgas. Mas voltando ao meu pensamento,
será que Leandro agiria da mesma forma?
Onde foi mesmo que eu me meti? Porque
parece que nem mesmo Luana pode
responder a essa pergunta.

Leandro

Ainda estou assimilando as suas


palavras, quando ouço a porta do meu
quarto bater e ser trancada, isso foi
diferente... Nas poucas vezes que tivemos
desavenças, consegui dobrá-la, mas, dessa
vez, ela parecia decidida. Eu vou matar
Noah! Se ele quiser acabar com sua relação,
tudo bem, mas que não leve a minha junto.
Entro na casa de Lorenlay sem ao
menos bater, Noah está esparramado no
sofá, parece derrotado, enquanto a idiota
que está em cima dele, beijando o seu
pescoço, não percebe que ele não está ali de
verdade.
— Saia!
— Você não me dá...
— Eu sou seu Beta, saia!
Ela olha para Noah, que não a defende,
e sai, olhando-me de um modo forçado,
tentando passar um ar superior. Sempre
disse para Noah que não era bom ter um
foda fixa dentro da nossa casa, e olha só o
que acontece!
— Não diga nada.
Jogo-me ao lado do meu Alfa, meu
melhor amigo, e cruzo os meus braços.
— Não precisava ter feito isso com ela.
— Sério? E o que a matilha diria, se eu
não tivesse feito? Que eu sou comandado
por uma mulher. A fofoca de que virei um
fraco sairia de boca em boca e, depois disso,
viria a guerra. Guerra pela minha posição.
Sabe o quanto eu fiz para que estejamos em
paz hoje, Leandro. Você, mais do que
ninguém, sabe. Luana vai ter que aprender
a abaixar a sua cabeça às vezes.
— Cerveja?
Levanto-me, indo direto para a
geladeira.
— Eu não terei o corpo quente da
minha companheira, não quero que você
passe pelo mesmo fardo, pode ir.
— Tarde demais, Alfa, minha
companheira acabou de me colocar para
fora do meu próprio quarto.
— Por quê?
Ele pergunta interessado e eu sorrio.
— Ela me xingou. – Dou de ombros, não
vou mentir para ele. – Eu te defendi e cá
estamos nós, no mesmo barco.
— Saúde a isso! – Ele bate a sua garrafa
na minha.
Compreendo o que Noah disse, e
compreender é bem diferente de concordar.
A matilha passaria a respeitar Luana,
porque ele daria espaço para isso a
tornando sua companheira não só na
carne, mas também diante de todos.
Como disse, compreendo. Noah e eu já
passamos por muitas guerras. Guerras que
nenhum humano jamais retratará em seus
livros de história, mas perdemos muito com
cada uma delas. Eu não permiti me perder,
mas Noah... Me pergunto quando foi difícil
demais para ele a ponto de ter que se
esconder por detrás dessa máscara de medo
e respeito, exatamente nessa ordem.

Lucas

Caminho pela cidade de NY, até que os


meus nervos estão um pouco mais
tranquilos. Vou até o bar que sempre
frequento. Depois da décima, eu acho –
quem está contando? –, dose de uísque, sinto
alguém se aproximar de mim, estou doido
por uma boa briga...
— Lucas! Estava procurando por você,
onde se meteu?
Tenho nojo desse cara, ele é a pior
espécie de lobo, tive que fazer certa
amizade com ele para poder descobrir os
padrões de Noah, não me orgulho por ter
me envolvido com essa gente.
— Por aí – respondo simplesmente.
— Tenho um esquema quente para te
colocar! Muito dinheiro envolvido,
cara! São uns cientistas, uns humanos.
Eles querem só algumas fêmeas da
nossa espécie, acredita? Quando
souberam sobre o Supremo, ficaram
interessados, mais ainda quando
souberam sobre a sua companheira e
que ela está esperando cria. Isso é
grande, cara! Eles querem derrubar o
Supremo! Tá dentro?
Aceito, ele não me contaria tudo isso se
não soubesse que eu aceitaria e, caso fosse
idiota o suficiente para não aceitar, o
pessoal dele, com certeza, me mataria, ele
me deu informação demais.
Temos uma reunião para amanhã com
os cientistas, humanos e lobos trabalhando
juntos? Pouco provável.
Caminho de volta ao meu apartamento
e suspiro antes de passar pela porta.
Vou para a cozinha e começo a fazer a
janta, ela não move um músculo, nem a sua
respiração muda, merda...
Caminho com uma bandeja até a cama
e a coloco em uma mesinha.
— Ali, olhe para mim.
Ela não se move.
— Por favor... Só olhe para mim.
Vejo-a se mover e virar seu corpo em
minha direção, seus olhos negros encaram
os meus.
— Me desculpe.
Sei que essas duas palavras são poucas
para que ela me perdoe por tudo, me
desculpe pelo idiota do meu irmão, por todo
o trauma que ele causou, por eu a ter
sequestrado, por ser o seu companheiro.
Uma lágrima escorre pelo seu rosto e,
quando ergo a minha mão para pegá-la, ela
se retrai.
— Por que não come? – Alicia olha
para a comida e, de novo, para mim.
— Se comer, te conto novidades sobre o
seu irmão.
Isso parece despertá-la. Ali se senta,
ainda me olhando de lado, e começa a
comer.
— Você vai ser titia.
Ela abre completamente os olhos e
sorri, e é como se o sol se abrisse ali, no meu
quarto.
— Eles estão de volta à casa de Noah.
— Aqui, em NY? – ela sussurra. E eu,
como estava admirado demais
com sua voz, confirmo.
— Sim.
Quando ela sorri de novo, vejo que caí
em uma armadilha. Até então, ela não
tinha noção de onde estava e, veja, ela está
definitivamente no quintal da sua própria
casa. Caso Alicia saia deste prédio,
qualquer lobo da cidade irá ajudá-la a
fugir, e é por isso que não gosto exatamente
da ideia que me vem à mente, ela não vai
gostar.
Olhando por um lado, não tem como
me odiar mais do que já odeia.
Capítulo 21– Visita

Alec

Acordo com os gritos da minha


companheira.
— Alec, vem aqui!
Levanto-me e corro, sei que, pelo seu
tom de voz, algo estava errado. Quando vou
até a entrada da propriedade, Manu está
sustentando uma mulher. A mulher tremia
e olhava para todos os lados com seus olhos
vidrados.
— O que há?
— Esta é Amanda, ela é... da nossa
antiga matilha.
Merda, Lua estava certa, algo
aconteceu.
Após levar Amanda para dentro da
casa e lhe alimentar, começo a questioná-la.
— O que houve? Onde estão as outras?
Ela olha para mim e para Manu.
— Onde está Lua?
— Ela se mudou para a matilha do
Supremo. Amanda, confie em mim, tudo
isso chegará até ela.
A mulher acena e começa a falar com
uma voz trêmula:
— Nós tínhamos arrumado um bom
local, seguro... Eles nos acharam, pegaram
as outras.
— Eles? Quem são eles?
Nenhuma das duas respondeu, mas,
pelo olhar que Manu está, sei quem
exatamente “eles” são. Os caras que
sequestraram a minha companheira.
Depois de perguntar onde exatamente tudo
aconteceu e depois de saber que,
provavelmente, minha mãe está morta,
deixo Manu cuidando dela e saio da sala,
dizendo que vou ligar para Lua.
Quando pego no telefone, ligo para
outra pessoa.

— Quê?
— Nossa, você é sempre tão animado
assim durante as manhãs?
Onde está a minha irmã? — Brinco com
Noah assim que atende ao telefone.
— Não sei.
— Como assim “não sabe”?
— Tivemos um desentendimento.
— É...
— Diga logo, Alec!
— Uma das mulheres que era da
matilha da minha mãe chegou aqui hoje,
procurando Lua. Ela estava machucada, as
outras foram aprisionadas, parecem ser as
mesmas pessoas que sequestraram Manu e
Priscila há um tempo.
— E como ela fugiu?
— Isso é o estranho, não acho que ela
tenha simplesmente fugido.
Eles estavam em maior número, seria fácil
pegá-la de volta.
— O que tem em mente?
— Eles a seguiram, sabiam que ela
viria atrás de...
— Lua.
— Sim. Disse para Manu que falaria
com ela, mas conheço a minha irmã. Ela
virá parar aqui ou irá ao local onde tudo
aconteceu, tentar farejar algo.
— Não se preocupe, ela não vai ficar
sabendo.
— Não sei se essa é a melhor escolha,
Noah...
— Não vou colocá-la em risco, Alec.
— Para onde ela foi?
— Está na floresta, não se preocupe,
estou monitorando tudo.
— Ela pode ficar dias na floresta,
transformada em lobo.
— Merda...
É tudo o que Noah diz antes de
desligar. Espero que minha irmã e ele se
entendam o mais breve possível, não gosto
de esconder coisas de Lua.
Capítulo 22– Fugindo

Alicia

Confesso que saber sobre o meu irmão


me renovou os ânimos, e agora que sei que
estou em casa... Como ele pode ter me
trazido para o meu próprio território? Isso
faz com que eu me questione se isso é
realmente um “sequestro”.
Ele tira a sua roupa em minha frente,
está se trocando. A nudez nunca foi algo
estranho para nós, lobos. Admiro o seu
corpo definido de baixo a cima, ele tem
uma pele morena, como se fosse mel, seus
olhos incrivelmente verdes contrastam com
seu tom de pele. Quando ele me olha e
percebe que eu estava encarando, desvio
meu olhar, fico com... vergonha por ter sido
pega.
Ele caminha até a cozinha e ouço um
tilintar, todo o meu sangue gela, reconheço
muito bem esse som.

Lucas

Sinto seu olhar percorrer o meu corpo


como se ela estivesse passando as mãos
sobre ele. Quando a olho, ela rapidamente
tenta disfarçar, talvez ainda reste
esperança... Restaria, se eu não tivesse que
prendê-la mais ainda nesse apartamento.
Alícia me olha estarrecida quando
mudo os ferrolhos da porta para alguns de
prata, somos fracos em relação a este
material e ficaria muito mais difícil para
ela sair daqui agora. Completo tudo com
correntes, quando sair, irei trancar e
deixar tudo o mais vedado possível.
O problema é, agora que ela sabe onde
estamos, sei que fugiria. Depois que ela
estivesse nos braços de seu irmão, nunca
mais colocaria nem os meus olhos sobre ela.
E tem também esse lance com os cientistas e
as fêmeas, eles querem atacar Noah, e não
quero Alicia perto dele quando isso
acontecer.
Não olho para trás, a verdade é que
tenho medo do que encontraria
ali. Nunca pensei que um olhar pudesse
machucar alguém. Já fui machucado por
muitas coisas, a maioria físicas, mas
houveram também as memórias, a raiva, o
ódio, esses dois últimos me machucaram por
muito tempo. Sou o que os lobos chamam de
escória da nossa raça, fiquei anos em forma
de lobo, rejeitando a minha humanidade e
abraçando apenas minha raiva. Por causa
disso existem características em minha
forma humana que são distintas, mais
semelhantes ao animal.
Caminho até o ponto de encontro.
Reconheço alguns lobos rejeitados
juntamente com um pessoal muito bem
armado. Colocam-nos em um carro
completamente negro, o carro tem um
cheiro forte que nubla os sentidos, não
consigo gravar o caminho que estamos
tomando, fico em alerta, ao que parece, isso
é muito mais sério do que pensei que seria.
Entro em um edifício cheio de câmeras,
há humanos trabalhando como se fosse um
Call Center. Nós vamos até uma parede
branca, um dos caras armados abre um
painel e digita alguma senha, a parede se
abre e, atrás dela, posso ver um laboratório
imenso. Atrás de muitos vidros, vejo fêmeas
de distintas idades que parecem estar
drogadas.
Um cientista nos recepciona, ele é
velho, com um sorriso amarelo e tem cheiro
de morte.
— Vocês devem ser a mais nova força
bruta – ele diz, analisandonos.
Vejo o cara que me chamou para
participar desse esquema, o cara do bar, ele
não fica para ouvir o que o cientista está
nos falando, caminha até uma das salas,
abaixa suas calças e começa a estuprar
uma das lobas que está presa. Ninguém faz
nada, como se isso fosse... normal.
— Vou explicar o que há aqui, nós
pagamos muito bem, vocês só precisam
sequestrar alguma fêmea de sua raça.
Ficarão ricos e, como podem ver – ele
aponta para a sala onde a loba estava
sendo violentada –, vocês ainda têm um
bônus.
— E para quê querem as lobas? – Ele
olha para mim, intrigado. Acredito que
nunca teve que responder a essa pergunta,
dinheiro e sexo compraria um lobo da
escória, me xingo internamente por isso.
— Acho que é o direito de vocês
saberem, estamos estudando o DNA para
conseguirmos identificar a parte dele que
permite a sua espécie se curar com
facilidade. Imagine isso, as doenças seriam
exterminadas do mundo!
Não acredito em sua explicação, mas
concordo e finjo que faz
sentido. Não acredito porque sei que ele
está atrás do Supremo e de sua
companheira, se fosse para estudar o nosso
gene da cura, poderia fazer isso em
qualquer lobo, macho ou fêmea. Mas eles
querem fêmeas, querem a companheira do
Supremo. A pergunta é: Por quê?
Noah

Quando o dia nasce, resolvo finalmente


ir atrás de Lua. Passo primeiro na sala de
operações, sei que, se ela estivesse correndo
perigo, eles seriam os primeiros a me
avisar. Porém, mesmo assim, resolvo dar
uma passada por lá.
— Alfa.
Todos fazem uma leve reverência
quando me veem, olho para os diversos
monitores da sala.
— Como a minha companheira está?
Ravi, que é o perito em tecnologia da
matilha, analisa os monitores e dá de
ombros.
— Segura – ele diz simplesmente, e isso
me faz querer voar em seu pescoço. Claro
que ela está segura, não vim aqui para
saber o óbvio. Ele olha para mim e dá de
ombros novamente, virando-se para os seus
monitores. Respiro profundamente e viro-
me para a saída, caminhando até a
floresta, tiro a minha roupa e me
transformo.
Sinto facilmente o cheiro de Luana.
Comigo sempre foi um pouco diferente,
nossas espécies costumam ter quase que
uma relação em seu subconsciente com seus
lobos, mas comigo sempre foi só a raiva.
Nunca o ouvi falar, como alguns narram.
Alguns líderes do nosso povo recebem
conselhos de seus lobos, tudo que tenho do
meu, que não sei ao certo se é dele ou é algo
dormente dentro de mim, é raiva e revolta.
Então, acredito que não tenha sido
uma boa ideia me aproximar de Luana
enquanto estou transformado. Porque o que
vejo não é Luana, minha companheira, é
alguém que está colocando em risco a
minha posição quanto líder. Quando rosno e
me aproximo, ela não dá um passo sequer
para trás, qualquer outro já teria deitado
no chão como prova de submissão, mas
Luana continuava lá, exatamente da
mesma forma.
Foi apenas uma ideia vaga que me surgiu,
me dizendo que não
deveria estar fazendo isso. Mas o instinto
foi maior e a ataquei, não algo definitivo,
para ferir, mas algo para submeter. Prendo
o pescoço de Luana com as minhas presas,
sem apertar, mas mostrando que poderia
fazer isso se quisesse, e, mais uma vez, ela
não age como qualquer outro lobo que já
tive contato. Luana vira todo o seu corpo e
morde meu tornozelo.
A ligação de um Alfa com sua matilha
é muito forte, assim que fui machucado, eles
sentiram. Prova disso é que agora estamos
cercados, todos eles rosnando para Luana
como se ela fosse um inimigo. Coloco-me a
frente dela, e quando rosno, todos eles
abaixam as cabeças, menos Luana, mais
uma vez.
Me transformo de novo em humano e
vejo quando Luana adentra mais ainda a
floresta que cerca o condomínio.
— Noah! Você está bem?
— Estou... — me seguro em uma das
árvores, meu pé estava praticamente solto.
— Isso não vai se curar sozinho,
precisa de ajuda.
Não me importo muito com meu pé, sei
que darão um jeito. Me preocupo mais em
não saber exatamente o que estou fazendo
em relação a ela, a Luana. Minha cabeça
diz que agi certo com o que fiz na chegada,
mas tem algo aqui dentro que está quase
me rasgando por dentro.

Raquel

O dia amanhece. Na verdade, já deve


ter amanhecido há algum tempo, já que não
sou alguém muito diurna.
Abro a porta com calma e caminho na
ponta dos meus pés até a sala, ele não está
lá, e isso me deixou triste. Provavelmente,
deve ter saído com Noah para... Ai meu
Deus! E se eles tiverem esses costumes de
poligamia??? Eu realmente não combino
com essas relações malucas.
Pego algumas roupas em minha mala
e... tomaria uma ducha, contudo, através
dos imensos panos de vidro da casa, posso
ver uma movimentação estranha. Saio
ainda com as roupas nas mãos e vejo
Leandro e Noah entrarem em uma mansão,
sinto um cheiro ocre de ferro... Sangue!
Automaticamente, penso em Leandro e
apresso meu passo, entrando
na mansão mesmo sem ser convidada. Ela é
linda, nunca vi uma casa tão perfeita,
claro que tudo o que eu conhecia até então
era o pequeno povoado onde morava, então
tudo parece ser gigante e lindo. Vejo
Leandro em pé e o olho de cima a baixo
para ver se está machucado.
— Está bem?
Ele acena para mim, percebo seu
interesse quando me encara. Olho para
Noah, que está no sofá, o homem está com
um ferimento imenso em seu tornozelo,
como se seu osso tivesse sido mastigado ali.
— Merda, o que foi isso?! Não me
digam que tem ursos nessa floresta!
— Isso não é nada, está tudo bem.
Ergo uma sobrancelha para Noah.
Sério, amigo?! Isso é estar bem? Tiro meu
chapéu para esse homem, ele
definitivamente tem culhões. Depois,
lembro-me do acontecido ontem com Lua e
fecho a minha cara para o seu lado.
— Onde está Lua? – pergunto para
Leandro, e não para Noah, mas quem me
responde é ele.
— Na mata.
— E você estava...?
— Na mata.
— Espera aí... Ela te fez isso? –
pergunto estarrecida, olhando para Noah, e
ele confirma com a cabeça. Abro o meu
melhor sorriso e admiro o belo trabalho de
minha amiga. Noah rosna para mim e ergo
a sobrancelha novamente, encarando-o.
Dou de ombros e caminho até a porta.
Quando já estava quase saindo,
Leandro segura meu braço.
— Onde você pensa que vai?
— Encontrar Lua, é óbvio.
— Ah, mas não vai mesmo!
— Olha aqui, senhor Lobo Gostoso!
Minha amiga está precisando de mim, e
não será você quem me prenderá aqui!
— Raquel, é sério, Lua feriu Noah, ela
pode te ferir também – o ouço me chamar
pelo meu nome, quem diria que sentiria
falta de alguém me chamando de
Loirinha?— Ela o feriu porque ele é um
idiota que mereceu! – Ouço um rosnar
vindo de dentro da casa, algo que gelou o
meu sangue.
Leandro abre a boca para questionar,
mas é interrompido pela forte voz de Noah:
— Deixe-a ir.
Ele reluta por alguns instantes, me
olha, implorando com o olhar para que eu
não vá, e eu, claro, dou as costas e o deixo
lá, sozinho. Amigas primeiro, homens
depois, essa é a lei do universo.
Luana

Corro pela floresta, descobrindo cada


lugar, até então, inexplorado. Meu sangue
ferve, seguro lágrimas que não ouso
derramar por ele. Sabia que as coisas
mudariam quando viesse para a casa de
Noah, para a sua matilha, e eu estava
disposta a enfrentar as mudanças porque
pensei que ele estaria ao meu lado. Como fui
idiota. Afinal, nós nunca estaremos ao lado
deles, e sim atrás, às suas costas ou aos seus
pés!
Bela forma de me apresentar a sua
matilha! Idiota! Suprimo a minha
consciência, entrego o meu corpo, minha
alma e mente à loba que há em mim,
porque, nesse momento, dói demais ser eu
mesma.
Ela corre livre, olha para o céu e uiva, um
uivo de liberdade e de dor
– nunca pensei que essas duas palavras
pudessem se encaixar tão bem. – Enquanto
a minha loba corre e caça, eu estou
chorando por dentro, lágrimas que nunca
derramei. Choro pela minha mãe, choro
pelo meu pai, pela nossa relação que sempre
foi um misto de dor, mágoa e decepções.
Choro por Alec, meu gêmeo que, mesmo
sendo tão parecido fisicamente comigo,
nunca percebeu que eu escondia a dor como
um buraco negro dentro de mim, enquanto
sorria e gargalhava de suas piadas idiotas.
Choro por uma criança de cabelos longos,
da cor de mel, e olhos azuis tão límpidos,
porque vejo em seu olhar tristeza e dor,
uma menina que conheceu muito sobre a
dor desde cedo, choro por mim, por essa
menina, essa garota que parece que se
perdeu há muito tempo.
Depois que meu lobo sacia sua fome,
encosta-se em uma árvore, apoia a cabeça
em suas patas e fecha os olhos, também
fecho os meus, pensando em uma cura para
toda a merda que estou sentindo no
momento.

Raquel

Quem aquele troglodita pensa que é


para ficar me olhando com aqueles olhos
verdes, sexys e... Lá vou eu de novo, sacudo
a minha cabeça, tirando a imagem de Lê da
minha mente. Podem estar se perguntando
como ainda não estou surtando com todo
esse lance de lobisomem, a verdade é que
sempre fui muito bem resolvida em relação
a tudo, sou aberta para o mundo e novas
coisas, um lobo gostoso me pareceu uma
ótima de uma bela coisa.
Sacudo a minha cabeça novamente.
Por que todos os meus pensamentos se
voltam para aquele idiota?
Começo a entrar na floresta. Veja bem,
não sou uma menina do mato, mesmo
morando no interior, nunca cultivei nem
mesmo um tempero, amo a cidade e seu
movimento, sempre foi meu sonho viver em
uma imensa capital. Sendo assim,
entendam, estou me cagando com todo o
mínimo som que ouço, o que é ridículo, já
que agora faço parte do seleto grupo de
predadores superdesenvolvidos.
Ahh, falando em predadores
superdesenvolvidos, elevo a minha cabeça e
respiro profundamente, o cheiro da
Estranha entra pela minha narina e,
automaticamente, sei para onde ir, isso é
tão legal...
Sigo o meu caminho, juro que estava
me comportando como uma menina
crescida, até que um galho entrou no meu
caminho (juro que o galho apareceu do
nada), dou um grito e passo a mão várias
vezes em minha testa para tentar aliviar a
dor.
Quando abro os meus olhos, vejo um
lobo imenso, lindo... Marrom, com olhos
azuis, azuis como a lua azul. Lembro-me de
quando fui ver esse fenômeno com Lua...
Esse é um fenômeno que ocorre a cada dois
anos e sete meses, nós sempre marcamos de
ir ver a Lua Azul juntas, estou divagando
novamente... O lobo tem olhos azuis como os
de Lua, me olha de modo ameaçador e
começa a rosnar.
— Estranha? — apenas com essa
palavra o lobo para e me encara. Revira os
olhos e sei que é Lua, qual outro lobo
reviraria os olhos para mim?
Corro ao seu encontro e a abraço, sua
pelagem é macia e faz cócegas no meu
nariz, enquanto estou com a respiração em
seu pescoço, sinto o cheiro de Lê.
Ele nos encara ofegante (ok, talvez eu
tenha gritado um pouco alto), Lua vai para
a minha frente e rosna para ele, abaixa-se
em suas patas e se prepara para saltar em
seu pescoço... Seu pescoço? Perai!
— Estou bem, Leandro, pode ir.
— Ouvi seu grito e...
— Eu caí, só isso. Agora, me deixe a sós com
Lua, antes que ela arranque essa linda
cabeça que faz par com esse corpo gostoso e
forte.
Ele tira os olhos de Lua um pouco e me
encara, acena com a cabeça e vira as
costas, caminhando devagar.
Viro-me para Lua.
— Então, querida, o que amigas lobas
fazem? – Ela me olha séria. – Nem me olhe
assim, Estranha! Não vou sair por aí
lambendo seu rabo!
A loba pula em mim e começa a
lamber meu rosto, enquanto gargalho.
— Sério, Estranha, você está bem?
Ela me encara séria, pergunta idiota,
se ela estivesse bem, eu não estaria aqui,
conversando com um lobo.
Começo a tirar a minha roupa e ela
senta, encarando-me, sou nova nesse lance
de nudez e transformações.
— O quê?! Não vou ficar aqui,
conversando com um animal, podem pensar
que sou louca!
Claro que ninguém aqui pensaria isso,
já que todos são... bem, lobos.
Fecho os meus olhos e tento me
concentrar, como Leandro me disse, abro
um olho e Lua continua me encarando.
— Vamos lá, vire de costas! Está
inibindo o meu poder lupino!
Ela faz um som engraçado com a boca
e vira de costas.
Chamo aquela parte de mim que eu
nem sabia que existia, e a loba vem.
Pulo nas costas de Lua e começamos a
correr em uma brincadeira estranha de
pique pega.
Sei que minha amiga não está bem
porque não voltou a sua forma para falar
comigo e, se não quer falar comigo,
significa que não está pronta para falar
com ninguém, e eu vou ficar aqui, ao seu
lado, até que ela se sinta melhor.
Capítulo 23– O Ataque

Ian

— Quando ela descobrir, vai te matar.


— Eu sei o que é bom para a minha
irmã, Ian.
— Deveria saber o que é bom para si,
ela vai ficar pirada.
Lua vai simplesmente ficar fula com
Alec por ele não ter lhe contado sobre a
garota que chegou aqui. Agora, eu
participo disso, faço uma careta quando
percebo que Alec acabou me envolvendo.
— Por que diabos você me contou?
Ele sorri, o mesmo sorriso que usava
quando era criança, quando um de nós dois
aprontávamos algo e nunca entregávamos
um ao outro, acabávamos levando a culpa
juntos.
— Precisava conversar com alguém.
— Isso significa que não contou para
Manu?
Ele faz uma cara engraçada e nega
com a cabeça.
— Merda, Alec! Agora eu estarei
mentindo para Priscila também! – Ele dá de
ombros e eu mudo de assunto, falar sobre
isso estava me irritando. – E Lua, como
está?
— Ela está com seu companheiro – ele
responde simplesmente, como se por “estar
com seu companheiro” signifique que Lua
esteja ótima.
— Merda, cara, às vezes parece que
não conhece sua irmã!
Conheço Lua o suficiente, quando
estava machucada, ia para a floresta
lamber suas feridas, chorava sem derramar
uma lágrima, porque não se permitia
fraquejar, e isso pode ocasionar inúmeras
situações, e deixar guardado tantas outras
coisas. Não menti quando disse que
adoraria que ela fosse a minha
companheira, seria uma honra, para mim,
ter alguém como Lua ao meu lado. Porém,
agora, tenho a minha pequena ruiva, o que
não me dá espaço para pensar
romanticamente em mais ninguém.
— Você acha que... – o corto.
— Que ela brigou com Noah? Ou que
não se submeteu, ou que, mesmo
carregando um filho dele, não o obedece?
Claro que acho, eu a conheço!
— Merda... É, deveria realmente ligar
para a sua irmã.
Saio da sala de Alec. Do outro cômodo,
consigo ouvi-lo discar os números. Como
aqui não temos proteção em relação ao som,
ouvimos tudo o que ocorre. Saí da sala mais
por conveniência, ele e eu sabemos que
qualquer um pôde ouvir a sua conversa.
Ouço o telefone chamar e a ligação
cair. Então, ele disca outro número.

— Noah, estou tentando falar com Lua,


pode passar para ela?
— Não, não posso.
— E por que não?
— Porque ela não está.
— Noah... Onde está a minha irmã?
— Não se esqueça de quem eu sou,
Alec, não te devo explicações sobre nada, e
muito menos sobre a minha companheira.

Entro em sua sala novamente quando


Alec finaliza a ligação.
— Isso não é bom, cara.
— Não, não é.
— Ela está preci...
— Não, ele tem razão. A vida de Lua
não diz respeito mais a nós.
— Ela é sua irmã!
— Ela é a companheira do Supremo!
Meu sangue ferve, sério, qualquer
outro da matilha não enfrentaria Alec.
Contudo, sou mais do que seu Beta, sou seu
amigo. Encaro-o e digo:
— Se quiser abandonar a sua irmã,
tudo bem, mas, quando estiver com sua
cabeça no travesseiro e feliz ao lado da sua
companheira, lembre-se de todas as vezes
em que Lua cuidou de você.
Ele se levanta e me encara, seus olhos
começando a ficar levemente vermelhos,
mas Alec não diz nada. Então, eu saio e o
deixo só.
Quando éramos pequenos, Lua vivia
correndo atrás de nós, ainda consigo ouvir
a voz fina da menina, gritando: Você vai se
machucar, Alec! Já fez o dever de casa? Vá
tomar um banho!
Esse cara pode não ter tido uma mãe,
mas tem uma puta de uma irmã que o
amou e o cuidou, e muito! Serei sincero, o
pai de Alec nunca se importou em treiná-lo,
ele era um filho da puta mesquinho, não
queria que Alec fosse mais poderoso que ele.
Sendo assim, não o treinava, pelo contrário,
só vivia dizendo o quão fraco ele era,
tentando desestimulá-lo. Quando Lua
presenciou uma dessas cenas, no outro dia,
ela nos levou até uma área remota da
floresta, uma área morta onde não havia
animais. Ali, quase ninguém ia por não ter
comida. Ela nos levou lá e começou a nos
ensinar, Lua nos fez ter orgulho de sermos o
que somos, ela nos ensinou a nos defender.
Até hoje me pergunto de onde ela tirou
tudo isso, Luana nunca foi ensinada, mas
parece ser alguém que já nasceu
aprendendo a lutar. E quando Alec se
tornou forte o suficiente para retribuir a
tudo o que o seu pai fazia, lembro-me
exatamente do que Lua disse: Deixe-o
pensar que é fraco, deixo-o acreditar que
está no comando. Um dia, Alec, você será
um grande Alfa. Um dia, ele vai te
subestimar e, nesse dia, perceberá o erro
que cometeu por todos esses anos. Você é
incrível, meu irmão, e nunca deixe
ninguém te fazer acreditar no contrário.
Isso não tocou só Alec, tocou também a
mim, passei a treinar cada vez mais,
porque eu queria ser um bom Beta, mas
também porque queria estar lá para fazer o
mesmo que ela fez por mim, queria ser
forte.
— Está pensativo...
Ouço a voz de Priscila como a melhor
música soada em meu ouvido.
— Estava pensando em Lua, acha que
está bem?
— Não nos falamos depois que ela
partiu. Porém, uma coisa que me contaram
sobre a sua amiga é que, se tem alguém que
pode enfrentar o mundo, esse alguém é ela.
A mãe de Luana tinha muita fé em sua
força, não sei o que ela via em Luana, mas
nos fez ter esperança nela também, por
todas nós.
Abraço a minha mulher e respiro em
seus cabelos.
— Eu só não queria que ela precisasse
enfrentar o mundo.
— Talvez não precise.
— Talvez.
Alec

Ouvir Ian falar tudo aquilo sobre Lua...


É claro que amo a minha irmã... Merda! Ela
foi minha grande inspiração desde sempre,
fiquei feliz quando descobri que ela era
companheira do Supremo. Quem melhor do
que o rei para protegê-la, certo? Pelo menos,
é isso o que acho...
Lembro-me que, nos treinos, ela
costumava me derrotar sempre. Para mim
era difícil, era a primeira vez que via
aqueles golpes e aqueles movimentos, mas
Luana, era como se ela já soubesse, para ela
era simples e fácil. Meus pensamentos voam
de volta ao primeiro dia em que eu a
derrotei:

*****

Ela me tirou de casa logo cedo, o pai


viajaria, e seu Beta costumava nos deixar
soltos, ele não se importava com o que
fazíamos. Nós fomos para depois da
floresta, onde o terreno estava seco e não
havia vida, nós a chamamos de floresta
morta, e quase ninguém do bando
caminhava por ali, diziam que era uma
terra amaldiçoada. Achava um saco Lua
me incomodar sempre para me treinar,
afinal, eu era o próximo do comando, com
direito tanto por nascença quanto por
herança, e não precisava provar a
ninguém que era o Alfa (era isso o que eu
pensava; hoje, sei o quanto era idiota).
Então, ela me deu uma bronca aquele dia e
me carregou para a floresta morta, fui
reclamando, mas fui. Lua sempre conseguia
me convencer a tudo. Nós lutamos. Não era
uma lutazinha, Lua não pegava leve
comigo, tinha muita pancada e sangue
envolvido – ficava com raiva porque nunca
conseguia vencê-la, ela sempre me fazia
comer o chão, e isso era humilhante. – Lua
ficou nessa brincadeira de me bater
durante todo o dia, a lua já estava no céu,
quando, mais uma vez, ela me derruba (já
perdi a quantidade de vezes que ela fez
isso), estava sangrando, cansado, com a
cara no chão e respirando com força. Olho
para cima, para ela, lembro-me do que
pensei, Lua parecia algum tipo de deusa,
ela estava séria, não conseguia absorver
nada de suas feições.
— Eu desisto, você sempre me vence!
Lua me olhou decepcionada, fiquei com
vergonha nesse dia. Então, ela me
respondeu com raiva:
— Se não percebeu o que estou
tentando fazer com você aqui, eu só posso
estar perdendo o meu tempo!
Ergui-me do chão, Lua estava saindo
da floresta, quando eu gritei:
— Você está me ensinando a lutar, a
vencer!
Ela voltou com seu olhar em fúria, me
deu uma rasteira e apertou o meu pescoço
com o seu pé – quando digo “apertou o meu
pescoço”, não era um carinho, estava
começando a ficar sem ar. Ela, com seus
dentes cerrados, me disse:
— Não estou te ensinando a lutar ou a
vencer, Alec! Eu estou te ensinando a cair.
E, mais importante ainda, a se levantar.
Ela se afastou de mim e dei baforadas
de ar para dentro dos meus pulmões, e ela
continuou:
— Agora, me diga: estou perdendo o
meu tempo?
*****

Algo nesse dia estalou dentro de mim,


como uma casca que eu tivesse partido e
que me transformou em algo maior. Nós
passamos a noite lutando, e o próximo dia,
cansados, com fome e sedentos, eu
finalmente a derrotei. Lua nunca mais
lutou comigo, ela costumava treinar com
Ian, porém, nunca mais quis lutar comigo,
como se tivesse feito o seu papel, como se...
Minha irmã é realmente uma mulher
incrível.
— Alfa, mandou me chamar? –
Amanda, a mulher que chegou machucada,
vem até mim ainda com algum temor.
Odeio esse seu temor, me lembra de
como minha Manu foi magoada, me revolto
ao saber que elas temem que eu ou alguém
da minha matilha possa machuca-las, isso é
ridículo!
— Sim, Amanda, já disse, não precisa
temer, está segura aqui. Sentese.
Vagarosamente, Amanda se senta em
uma cadeira em frente a minha mesa.
— Então, sei que é difícil, mas preciso
perguntar. Por que acha que eles a
deixaram fugir?
— Eles não me... Sua mãe os atacou, ela
me deu a brecha para fugir.
— E simplesmente te deixaram e você
correu?
— Sim, não me seguiram...
Algo me incomoda em toda essa
história. Merda, algo não se encaixa.
— Você já tinha sido sequestrada
antes?
— Sim, mas... Não por eles, eram
outros.
— Tem certeza?
— Sim... Nunca poderia esquecer os
seus cheiros, eles me...
Ela para de falar e olha para o vazio.
— E como te sequestraram da primeira
vez?
— Estava saindo para caçar... Eles me
drogaram, disso eu lembro, mas quando
acordei, estava em uma jaula no meio de
um campo, fiquei desnorteada, pois não
conhecia nada dali. Haviam várias outras
em jaulas e vários helicópteros, eles
falavam em nos levar para outro lugar,
sabia que, se subisse naquele helicóptero,
estaria perdida. Eles fizeram uma ronda e
nos deram outra dose da droga, mas... eu
acordei e...
— E?
A animo para que continue, já que
parou e fechou a boca, sinto que isso é
importante, não gosto de fazer com que ela
reviva esses momentos, mas é necessário.
Sei, por Manu, que ela e Priscila
conseguiram fugir na floresta, não falaram
nada sobre helicópteros e outro local.
— Quando acordei, a minha jaula
estava aberta e eu corri. Não me orgulho
por isso, poderia ter ajudado tantas outras
garotas, e simplesmente fugi...
Fugiu? Simples assim? Como dessa
última vez simplesmente a deixaram ir?!
— Há quanto tempo estava na matilha
da minha mãe?
— Há uma semana, mais ou menos.
Talvez...
— Não sentiu nada estranho após isso?
— Só uma dor de cabeça estranha...
Estranha é toda essa situação, sinto
que a resposta está aqui, na minha frente, e
não consigo encontrá-la.
Sinto um cheiro de fumaça e quando
me levanto da minha cadeira e olho pela
janela, uma cena que nunca imaginei
presenciar me encara de volta. Fogo... Está
tudo em chamas, estamos sendo atacados!
Então percebo ao olhar mais uma vez
para Amanda, ela era um Cavalo de Tróia.

Ian

Estava conferindo o nosso estoque de


comida para a matilha, quando
sinto um cheiro estranho no ar e gritos.
Caminho para fora do casebre e os vejo,
lobos desgarrados, eles nos atacavam, e não
tive tempo para pensar no motivo, um deles
estava segurando Priscila pelo braço,
tentando arrastá-la para dentro da
floresta, e esse foi todo o sinal que meu lobo
precisou para rugir.
O homem estava tão preocupado em
carregar a minha companheira que não se
deu conta do imenso lobo correndo em sua
direção. Sou rápido com a situação, Priscila
parecia desesperada e era tudo o que me
importava no momento.
— Calma, Ruivinha, estou aqui.
Abraço-a, mesmo sabendo que esse não
é o momento, afinal, isso é a merda de um
ataque, o amor nos leva a fazer coisas
estúpidas.
— Eles estão... Levando todas... Estão...
Olho ao meu redor, encontro Alec
lutando contra três ao mesmo tempo para
proteger Manu. Preciso manter Priscila
segura e ajudar meu Alfa, mas não há um
local seguro, todas as casas estão em
chamas.
— Fique perto de mim. – Ela acena e a
vejo andar as minhas costas.
Luto com pouca dificuldade com todos
os que entram em meu caminho, Alec tinha
acabado de derrotar os três que o
atacavam.
— O que está havendo aqui, cara?
Mas meu Alfa – e amigo – ainda
olhava para a cena, concentrado, e, quando
fala, fico tão estarrecido quanto ele.
— Eles estão levando as mulheres, só
querem as mulheres, e o restante da
matilha já percebeu isso, eles não estão
lutando.
Ele tinha razão, mais e mais delas
eram arrastadas e levadas, enquanto os
machos não faziam nada... Os que eram
companheiros ainda lutavam, mas os
outros... Eles nem estavam tentando.
Vejo a reação de Alec ao olhar para a
cena, enojado, vejo o quanto ele deseja ir
até lá e lutar contra todos, mesmo sabendo
que perderia, mas eu, como ele, também sei
que isso seria uma sentença de morte para
as nossas companheiras. Eles são muitos, e
nós dois nunca conseguiríamos derrotá-los.
Quando tomam o que vieram pegar,
alguns deles nos olham, a mim e a Alec,
mas sei que estão olhando de verdade para
algo atrás de nós, para elas. Alec e eu
rosnamos ao mesmo tempo, ouço um chiado
e todos dão meia volta e vão embora.
Estamos aqui, no meio do lugar que um
dia chamamos de casa e que
agora está aos pedaços. Estamos aqui,
rodeados pelas pessoas que um dia
chamamos de família e que agora são meros
estranhos.
Amanda sai pela porta, ela estava na
casa, mesmo em chamas, acho que ficou
com medo de sair e ser levada, seu medo em
morrer queimada era menor que isso.
Alec caminha em sua direção e põe sua
mão transformada em seu pescoço, a
mulher treme da cabeça aos pés, ouço
Manu reclamar:
— Alec, o que está fazendo?
Eu mesmo gostaria de ter perguntado
isso, pois não sei o que diabos ele está
fazendo. A mulher grita e grita e cai no
chão. Com suas garras pingando sangue,
Alec abre sua palma, de lá, o sangue
escorre mais rapidamente, e um pequeno
objeto brilhoso aparece.
— Ela os trouxe até nós, ela também os
levou até o grupo de minha mãe.
Mais que merda é isso? Esses caras
eram desgarrados, mas estavam
completamente organizados.
Cada um sustentando a mão de sua
companheira, olhamos os cadáveres dos
nossos inimigos, cada um estava com um
ponto de escuta em seus ouvidos. Vimos
também flechas que estavam com suas
pontas queimadas, o que, provavelmente,
foi o grande causador do fogo. Voltamos ao
centro da matilha e lá, o restante deles nos
encara.
— O que faremos agora, Alfa?
Questionam a Alec.
Ele os encara, vejo certo nojo passar
pelo rosto de meu amigo.
— Vocês? O que quiserem, recuso-me a
ser um Alfa de uma matilha como essa, que
prefere ver seus membros feridos a protegê-
los.
— Mas elas são só...
Um começou a responder e Alec o
cortou com o olhar.
— Estou lhes oferecendo uma chance de
fugir como os vermes que são, aproveitem.
Um a um, eles saíram, e ficamos só ele
e eu.
— Odeio repetir as palavras desse
idiota, mas o que vamos fazer?
— Vamos para a matilha de Noah,
alguém me ensinou a cair, Ian, e eu aprendi
a levantar. Essa não é mais minha casa,
não mais.
Capítulo 24– Surpresas Inesperadas

Alicia

Não acredito que estou presa, de novo!


Tento várias vezes abrir a porta e nada
surte efeito, essa coisa de prata funciona
mesmo.
Suspiro e fecho os meus olhos com
força. Quando a minha vida virou essa
merda de bagunça?
Passo quase toda manhã aqui, tendo
pena de mim mesma. Eu até posso ser a
companheira dele – claro que só digo isso
para mim mesma, ele não vai me ver
admitindo isso tão cedo, ou nunca –, mas
não sou a merda de uma vítima! Prometi a
mim mesma que jamais seria uma vítima
novamente!
Desisto da porta, não consigo abrir.
Nem sei como ele conseguiu colocar essas
trancas, mas... Abro a janela. Lucas não se
preocupou em trancar a janela com a
mesma dedicação em que trancou a porta.
Sei por que ao olhar para baixo. Era uma
queda de quatro andares direto para o solo
e tenho certeza que nunca pensou que eu
fosse pular, não pularia a um tempo atrás,
mas Luana já me deu uma aula sobre isso.
Coloco a minha mão no parapeito da
janela e congelo; se sair agora, é bem
provável que jamais irei vê-lo. Vou
encontrar Noah, contar tudo a ele, e meu
irmão nunca mais permitirá que Lucas se
aproxime de mim... Noah me trancará em
casa ou colocará um segurança em minha
cola e vai... Caçá-lo...
Eu... Prometi a mim mesma que jamais
serei uma vítima, e isso inclui o meu irmão.
Não preciso contar nada a ele (é o que digo
a mim mesma, não que não quero que
Lucas morra ou que se machuque, pelo
menos é isso o que digo nesse momento).
Decisão tomada, dou meu primeiro pulo
para fora do meu cativeiro, dou meu
primeiro passo para longe dele, e isso me
dói mais do que pensei que fosse doer.
Caminho pela rua, não é um bairro que
conheça... É um bairro sujo, e
as pessoas me olham de modo esquisito. Eles
também têm cheiro de doença e de morte
em sua grande maioria, preciso ligar para
alguém!
Avisto um bar e caminho até lá, ou
tento, mas mãos me agarram e me
arrastam para um beco, braços fortes, já
que não consigo sair deles. Sei,
automaticamente, que não é Lucas, e me
desespero pensando nas várias situações
que posso ter me metido. Sinto cada vez
mais cheiro de podre, e o pânico me toma.
— Calma, gracinha... O que alguém
como você está fazendo perdida por aqui?
Seu hálito me causa ânsias de vômito,
seu toque me causa asco. Sei o que ele é, um
desertor, um lobo sem matilha, estou
ferrada.
Acabei de sair de um confinamento
para, provavelmente, morrer nas mãos
desse monstro.

Lucas

Isso aqui não é uma comunidade de


fundo de quintal, isso é uma puta de uma
organização. Há médicos analisando cada
mulher separada por quartos, algumas
delas estão grávidas... Elas estão
amarradas, sedadas... Isso é nojento! E uma
pergunta martela em minha mente: Como
há várias delas grávidas... O que fazem com
os filhotes?
Isso é maior do que esses idiotas podem
pensar! Se o que está acontecendo aqui
continuar, vai ser o fim da nossa raça...
Como eles não conseguem ver isso?! Porque
são desgarrados... Eles não se importam
com a raça porque não possuem matilha,
eles não têm laços com outros.
Desgarrados... Eu sou considerado um.
Quando um lobo abandona ou é expulso
de sua matilha, é difícil ser aceito por
outra, ainda mais quando sabem o motivo
da expulsão ou do abandono. Sem matilha e
sem vínculos, ele se perde. O lobo começa a
ficar agressivo, começa a matar humanos,
a quebrar leis. Veja, o lobo está sozinho e
não tem nada a perder. Eles se tornam
assassinos da pior espécie, os não quistos de
toda comunidade, a escória. Meu irmão e
eu éramos de uma matilha. Quando Noah o
matou e expôs meu irmão diante de toda a
comunidade, eles me expulsaram... Soube
que nenhuma outra matilha nunca me
aceitaria, não quando minha família tinha
alguma rixa com o Supremo, ele poderia ter
me matado, mas fui condenado a um futuro
pior. É natural para um lobo ter seu bando,
ele se torna mais forte, mais forte com seu
Alfa... Por isso, a matilha de Noah é a mais
poderosa, eles dividem o poder do Supremo
também.
— Está ouvindo, Lucas?
Acordo dos meus devaneios quando o
médico nojento me chama.
— Claro.
Na verdade, não estava ouvindo,
estava ocupado com meus próprios
pensamentos e tentando absorver tudo
deste lugar.
— Então, aguardarei dois dias para
que nos traga uma prova da sua fidelidade.
O desgarrado idiota que me trouxe
aqui põe seu braço em meus ombros e me
seguro para não arrancá-lo dali com meus
dentes.
— Conheço esse cara, ele é intenso! Vai
conseguir muitas delas.
A prova de fidelidade é... trazer
mulheres.
Despeço-me do cientista e me sinto
sujo, infectado.
Disse que sou considerado um
desgarrado, não que sou um. Depois do que
aconteceu ao meu irmão, eu só fiquei
sozinho. Foi difícil, às vezes, meu lobo
arranhava a minha carne, porque ele
queria o contato, somos seres sociáveis e
não é natural que fiquemos sozinhos. Foi
nesse tempo que passei a o conhecer melhor,
muitas pessoas acreditam que é preciso
domar o lobo dentro de nós, mas precisei
domar a mim, pelo menos a uma parte de
mim, e ele me ajudou no processo. Passei
quase um ano na forma de lobo, porque
doía demais na forma humana, como disse,
a raiva, as memórias, sempre foram piores
do que a dor física.
Passo novamente pelo mesmo processo
– vendas e cheiro estranho; depois, carro
negro –, fico inebriado e não consigo me
localizar. Depois de quase meia hora – eu
acho –, o carro para na mesma rua em que
me buscaram, não é muito distante de casa.
Então, vou a pé.
Porra, assim que chegar em casa, vou
pegar algumas roupas e levar Alicia para
um lugar bem longe de toda essa merda, ela
vai ficar no meio dessa briga, podem usá-la
para tirar algo de Noah. Não vou deixar
que a usem, não mesmo!
Estou quase no prédio, sinto uma
angústia, algo estranho... Apresso o passo.
Quando estava passando por uma rua, meu
corpo para do nada, meu lobo comandou o
meu corpo de homem e isso nunca
aconteceu antes. Poucas as pessoas possuem
essa ligação, as vezes ele fala comigo, mas
agir, isso é novidade, isso faz com que eu
pense que deve ser algo sério.
Apuro meus sentidos e tento ouvir
algo.
— Não sabe o que achei, a irmã do
Supremo, ela simplesmente caiu em meu
colo.
Isso era tudo o que precisava ouvir. E,
dessa vez, meu lobo não precisa comandar
nada, corro, seguindo aquela voz, e
encontro Alicia, a minha Alicia, ali, nos
braços desse ser desprezível. Lágrimas
caíam pelo seu rosto.
Reconheço o seu captor, era um dos
caras que estavam lá, ele saiu logo após as
apresentações.
— Não, cara, o novato chegou, não vou
precisar de reforços.
Ele desliga o telefone e me encara.
— Isso é um bilhete premiado, novato!
Te dou dez por cento. Vamos, me ajude a
contê-la.
Alicia não se move mais, ela me
encara, vejo decepção em seu olhar, ela não
pode pensar que eu... Ou pode?

Alicia

Tento sair de seus braços a todo custo,


mas ainda me sinto um pouco fraca por
causa do tempo que fiquei em contato com
a prata e não consigo sair de seu forte
aperto. Ele pega um telefone e começa a
falar com alguém, mal o ouço, não desisto e
continuo me debatendo, até que... Um
cheiro chama a minha atenção e,
automaticamente, fico mais calma, ele está
aqui, estou salva.
— Não, cara, o novato chegou, não vou
precisar de reforços. – Ele desliga o telefone
e encara Lucas, eles se... Conhecem? Como
assim “novato”?! – Isso é um bilhete
premiado, novato! Te dou dez por cento.
Vamos, ajude-me a contê-la.
É como ter meu coração apunhalado
por uma faca, ele encara dentro dos meus
olhos e não vejo nenhuma mudança em sua
face. O que esperava dele? Pensei que fosse
ser salva por um cavalheiro em uma
armadura brilhante?
— Claro.
Ouço-o responder e seguro minhas
lágrimas, não vou chorar na frente dele!
Lucas fica diante de mim, o desgarrado me
empurra para ele e Lucas me sustenta.
— Talvez precisemos dar uma surra
nessa aí, ela é muito arisca.
Lucas me aperta de encontro ao seu
corpo, forte... Mais forte que o desgarrado,
me debato também em seus braços.
Eu não acredito! Estou caindo nisso
novamente, cometendo os mesmos erros,
sendo a inútil de uma vítima!
Sinto sua respiração ofegante em meu
cabelo e isso me acalma... Seu forte aperto
em mim agora se parece como um abraço,
ele esconde o meu rosto em seu peito e ouço
alguém engasgar. Logo após, ouço algo cair.
Ele se afasta de mim e eu quase caio no
chão com a falta de seu corpo me
apertando. Lucas está de costas para mim,
com uma de suas mãos se apoiando na
parede e outra pingando sangue no chão.
Via suas costas em movimento por causa de
sua respiração acelerada. Olho para um dos
meus lados e o corpo do desgarrado está lá,
ao lado de seu coração, ele me... protegeu?
A cena me deixa enojada, Noah sempre me
protegeu sobre isso, guerras e lutas.
— Lucas, eu...
Começo a andar em sua direção.
— Não encoste!
Ele me olha e vejo tantas coisas...
Mágoa, dor, decepção... Coisas que consigo
identificar porque já tive a minha cota de
cada uma delas. Ele estava decepcionado
com... comigo?
Faço algo que nunca pensei que fosse
capaz, quebro uma barreira dentro de
mim, ando rapidamente até ele e abraço a
sua cintura por trás.
— Me desculpe.
Em alguns minutos, sua respiração se
normaliza e ele tira a mão da parede e
aperta a minha. Ficamos um tempo ali, só
com esse pequeno toque, que poderia
significar pouco, mas dizia tanto.
Ele faz um movimento circular com
seus dedos em minha mão, um carinho leve.
Então, suspira e tira as minhas mãos de
perto dele.
— Precisamos ir – Lucas diz, sem me
olhar, e simplesmente caminha. Ele estava
me dizendo com esse gesto que... Bem, ele
estava me dando uma escolha, a escolha de
segui-lo ou não. Fico algum tempo com
minhas pernas bambas, observando seu
corpo, que cada vez se afasta mais do meu.
Ele não olha para trás e nem diminui o
passo. Me deixaria ir? Estou livre... Então,
por que me sinto assim? Como se minhas
mãos e pés estivessem se atando?
Quando o abracei, foi como uma
manhã fresca e ensolarada, foi um suspiro
em meu coração. A pergunta é: Estou
disposta a desistir da única coisa que me
fez inteira? Mesmo que isso seja... bem, ele?!
Corro.
Corro atrás de Lucas e desvio o olhar,
quando sei que me encara. Estamos
novamente em sua casa, ele está com a mão
na maçaneta para abrir a porta e desfazer
toda a proteção.
— Como consegue fazer isso sem ficar
cansado?
— Eu não consigo.
Ele entra e espera que eu entre, Lucas
encara a janela aberta e depois me olha.
— Você pulou?
Aceno. Ele parece surpreso, mas não
demora muito tempo com essa reação.
— Precisamos conversar.
Ele me faz sentar no sofá e puxa um
banquinho, sentando-se em minha frente.
Então, me conta... Fico horrorizada.
Lucas me conta sobre sequestro de
lobas, que aquele desgarrado me
sequestraria. Eles estão fazendo testes em
lobas, humanos fazendo testes em lobas! Há
várias em cativeiro e estão sendo
magoadas... Isso poderia ter acontecido
comigo se... se ele não tivesse chegado.
— Precisamos salvá-las! – Estou, agora,
andando de um lado ao outro, isso é um
absurdo! Algo precisa ser feito!
— Não sei onde estão sendo presas, eles
me... deram um tipo de droga que nublou
meus sentidos por algum tempo. E não posso
voltar, o cara que te atacou disse para
alguém de lá que eu estava com você.
Quando encontrarem o corpo, virão me
procurar, precisamos ir embora.
— E ir embora para onde?
— Vou te levar para casa.
— Pensei que morasse aqui.
— Não para a minha casa, para a sua
– ele diz, mas não me olha nos olhos.
— Noah vai...
— Eu sei.
Quando Noah souber de tudo ele vai...
vai atacá-lo, vai matá-lo!!!
Isso é loucura, é insano!
— Posso ir sozinha para casa, você não
precisa se arriscar.
Ele me olha e sorri.
— Preocupada comigo, Ali?
— É... Não quero te ver morto.
— Não vou te deixar sozinha, vou te
levar para a matilha do Supremo e contar
tudo o que sei a ele.
— E... Por que faria isso?
— Você não deveria estar me fazendo
essa pergunta.
Ele pega as chaves do carro, junta
algumas coisas em uma mochila e, em
alguns minutos, já estávamos saindo
novamente de sua casa.
Ele se sacrificaria por... mim? Ou faria
o correto por elas? Talvez seja um tantinho
dos dois e isso faz com que meu olhar sobre
Lucas se torne mais curioso.
Capítulo 25 – Família

Luana

Chegamos ao condomínio de Noah à


tarde, vim para a floresta quase na mesma
hora que chegamos. No outro dia, Raquel
veio ficar comigo, porém, no finalzinho do
dia, ela foi embora. É difícil manter a
forma de lobo (ainda mais a Lôra, que é
uma iniciante), e a floresta é muito fria à
noite. Ian veio buscá-la, ela estava fria e
tremendo, se desculpo comigo e seguiu com
ele.
O dia já amanheceu, um novo dia. Sabe
o que dizem na comunidade de lobos? Que
os que conseguem ficar mais tempo em sua
forma lupina são os desgarrados. Contudo, o
que acho é que quem consegue ficar mais
tempo nessa forma, é alguém que não
suporte voltar para a sua forma humana,
porque dói, dói mais ser quem é do que um
lobo. Os desgarrados, até mesmo em sua
forma humana, possuem características de
lobos, eles não conseguem voltar
completamente para a sua forma humana...
Ouço um estalo na floresta e um homem
com barba, moreno, e de sorriso acolhedor,
caminha em minha direção. Ele não é só
músculo como outros lobos, é esguio e forte.
Rosno para ele, que me devolve com um
sorriso, o que acaba chamando a minha
atenção. Fico parada no lugar, ele me
intriga, está carregando um cooler e se
senta ao meu lado.
— Ei, acho que não tivemos o prazer de
nos conhecermos, sou Ravi. Na verdade,
você não teve o prazer de me conhecer, já
que eu opero aquelas belezinhas ali, e sou
bem incrível, caso esteja se perguntando. –
Ele aponta para cima de uma árvore e, se
não tivesse me indicado o local, nunca teria
encontrado a câmera. – E andei de olho em
você.
Encaro-o novamente. O que diabos ele
está fazendo aqui?!
— Sou o nerd da matilha – ele começa a
falar sobre si mesmo e põe suas mãos no
chão, atrás de suas costas, esparramando-se
mais ainda onde está. Ravi olha para
frente, admirando a paisagem, e continua
com sua conversa ininterrupta. – Se é que
existe um nerd na matilha, posso dizer que
sou o cara que entende de tecnologia por
aqui. A verdade é que conheço Noah
desde... Bem, sempre. Cresci com ele, na
verdade, Leandro e eu crescemos com ele.
Quando ouço o nome de Noah, rosno e
me aproximo.
Ele ergue as suas mãos no ar.
— Ei, não estou aqui para defendê-lo, e
ele não me enviou. Na verdade, se soubesse
que estou aqui, ele me daria uma bronca
imensa! – Com isso, Ravi sorri novamente,
se estivesse em minha forma humana,
estaria sorrindo também. Parece tão fácil
sorrir perto dele, como se emanasse essa
energia de seus póros. – Não concordo com
o que Noah fez lá... Vê? Há homens na
matilha que acreditam na igualdade, no
respeito mútuo... É que as coisas estão
mudando aos pouquinhos. O problema é que
há muito mais deles, que ainda acreditam
na velha forma, nos velhos costumes... Mas
o mundo mudou, não é, Lua?
Ele olha para mim.
— Posso te chamar de Lua? Sei que seu
nome é Luana e tudo mais...
Deixo a minha língua pender por um
lado da imensa boca de meu lobo, me sinto
confortável com ele.
— Vou levar isso como um sim. –
Aproximo-me mais dele e sentome ao seu
lado, consigo sentir o calor emanando de
seu corpo, e é bom sentir a proximidade de
alguém, de alguém da matilha de Noah. –
Então, Lua, acho que o mundo mudou,
tanta tecnologia, tanta interatividade,
tantas pessoas exercendo seus direitos,
mulheres que são inteligentes e
independentes... Mas vejo as nossas lobas
em um casulo, elas têm medo, sabe? Medo
de ser... Bem, alguém.
Reviro os meus olhos, não é medo, é
opressão.
— Claro que o sistema que existe nas
matilhas não é favorável às mulheres,
nunca foi, mas pode estar mudando... Aos
poucos, como disse. E Noah... Vocês não
pararam muito para conversar, não é? –
Dou uma bufada com minha respiração. –
Foi o que pensei... Como te disse, somos
amigos desde pequenos, ele sempre foi
preparado para ser um Supremo... Noah foi
um lobo que já nasceu com olhos vermelhos,
uma promessa de um Supremo Alfa. Então,
ele cresceu com esse peso gigantesco sobre
as suas costas, uma criança que já tinha
tantas responsabilidades... Ele sempre foi
um chato. – Ravi gargalha e enxuga
algumas lágrimas que caem de seus olhos. –
Sério, o cara nunca soube se divertir.
Ele abre o cooler e tira de lá um
sanduíche de carne. Na verdade, era
carne com pão, e não pão com carne. Ele
põe um em minha frente. Eu empurro o pão
de cima e como só a carne de dentro. Ele
coloca mais um para mim e pega outro
para si.
— Onde estava... Ah, o Noah! Então, ele
sempre foi sério, responsável, solícito e
poderoso. Esse era o nosso Noah, mas ele
costumava sorrir, às vezes, se divertir um
pouco também. Então, em um dia... Nossa
matilha antiga foi atacada por
desgarrados. Noah era apegado aos seus
pais, mas, principalmente, a sua mãe. Ele
amava aquela mulher. No ataque,
presenciou sua mãe ser rasgada de fora a
fora. Naquele dia, nós perdemos tudo,
Leandro, Noah e eu perdemos toda a nossa
família... E Noah se tornou... Duro. Alicia
tinha só nove anos, Noah praticamente a
criou. Ele prometeu que iria protegê-la... Ele
prometeu que protegeria a nossa raça.
Ravi fica calado por algum tempo,
suspira e recomeça:
— Não concordo com algumas coisas de
Noah, mas... Sabe por que eu resolvi segui-
lo? Eu só queria tirar um pouco do peso das
suas costas, nem que seja só um pouco e...
Noah tem um bom coração, ele realmente
se preocupa com o nosso povo, com todo ele,
homens, mulheres, crianças... Noah quer
protegê-los. Olhe para as mulheres de nossa
matilha, elas são superprotegidas, acho que
ele ficou com a imagem de sua mãe na
cabeça e em sua mente, as mulheres devem
ser protegidas pelos machos... Isso poderia
ser verdade com toda essa intensidade, há
alguns séculos atrás. Mas a verdade é que
vocês são e podem ser tão poderosas quanto
nós, tão fortes quanto... E têm um bônus,
são capazes de sentir e de demonstrar.
Talvez, precisemos conhecer alguém, uma
mulher forte e sensível ao mesmo tempo.
Uma loba que sirva de inspiração para as
outras, alguém que faça com que elas se
sintam bem com o que são.
Ele levanta sua mão e faz carinho em
minha pelagem.
— E algo me diz, minha mais nova
amiga, que esse alguém é você.
Eu? A matilha de Noah deve me achar
estúpida.
Ravi se levanta e limpa a sujeira de
sua calça.
— Eu vou indo. Obrigado por me ouvir,
estava realmente precisando conversar
com alguém, sabe, desabafar e coisa do tipo
– ele diz isso como uma brincadeira, nós
dois sabemos que quem está precisando
desabafar e ser ouvida aqui sou eu. – Ah,
Lua, não diz para o Noah, o cara pode
realmente me bater e... Vê esse rostinho? –
Ele aponta para si mesmo. – Eu realmente o
amo.
Sorrindo, Ravi se afasta de mim e eu
fico ali, na floresta, pensando... Poderia
voltar, mas não sinto vontade, nada que me
motive a voltar para aquela casa e ver
Noah com outra mulher.
Um cheiro familiar invade minhas
narinas, respiro fundo e dou um uivo forte
com todo o ar do meu pulmão. Transformo-
me de volta, Raquel me deixou um par de
roupas, um short e uma blusa folgada.
Então, as coloco e corro, corro para aqueles
cheiros tão familiares.
Novamente, toda a matilha está
reunida no mesmo local do dia em que
cheguei, e Noah está lá. Ele, Ian, Raquel,
não ouso olhar em sua direção, só o sinto
ali. Continuo correndo, até que me encontro
com braços fortes e reconfortantes que me
apertam contra seu corpo.
— Minha pequena pestinha, como senti
a sua falta – Ian diz, fazendo carinho em
meu cabelo e me apertando com força
contra o seu corpo.
Aperto a sua cintura e ele ri.
— Ei, minha menina, vai acabar me
matando desse jeito! – Ian brinca, ele tem
toque, cheiro, tudo de casa.
— Ei, largue a minha irmã seu, tarado!
– ouço a voz de Alec e sorrio, largando Ian
e abraçando o meu irmão.
Ele me afasta e encara o meu rosto,
meus olhos que, aposto, estão anormalmente
mais claros – é isso o que acontece quando
fico por muito tempo transformada, meus
olhos não voltam por completo. – Ele ergue
a sua mão e eu movo meu rosto para o lado,
fazendo com que fique em contato direto
com sua palma, fecho os meus olhos,
sentindo o seu toque.
— Oi, Alfa.
Abro os meus olhos quando ouço a voz
de Manu. Quando ela me chama assim, não
posso ouvir nem o som de uma agulha
caindo no chão. Ela só poderia me chamar
assim se minha mãe...
— Então é uma certeza, Alec?
Ele olha para algo atrás de mim, para
alguém. Sei que é Noah, sem que precise me
virar.
— Eu sinto muito, Lua – meu irmão me
diz e caminha atrás de Noah. Ian roça em
minha mão quando passa por mim, fazendo
um gesto de conforto, e eu fico ali, olhando
para a cara de Manu e de Priscila, que
parecem estar confusas.
— O que está acontecendo aqui? – rosno
para as duas, que se sobressaltam com meu
tom, não queria assustá-las, mas estava
começando a me irritar.
— Vamos para a minha casa,
poderemos conversar – ouço a voz de
Raquel e concordo com a cabeça.
Caminhamos em direção a uma bela casa,
estamos em silêncio, algumas pessoas nos
olham com curiosidade, mas não
interferem.
Algo não está certo, não mesmo...

Noah
A falta que sinto de Lua me deixa com
humor do cão. Ninguém ousa atravessar o
meu caminho, eles mal me olham na cara.
Que tipo de líder fodido estou me tornando?
Vai fazer três dias, três porra de dias sem
ela! Ontem, sua amiga voltou, voltou sem a
minha mulher. Ela me disse que Lua está
magoada e que não falou nem com ela. E, se
não falou com ela, que vá sonhando que
falará comigo.
Às vezes penso que a companheira de
Leandro não tem freios, e ela não me teme,
ou teme e me enfrenta assim mesmo, me
enfrenta para proteger Lua. Proteger Lua
de mim.
Quando que me tornei esse tipo de
cara?
Merda... Já vi sangue demais sendo
derramado, só quero protegê-la, é pedir
demais que ela entenda isso? Ninguém pode
enxergar Lua como sendo a minha
fraqueza, senão, ela será o alvo de todo
aquele que deseja me ferir. É preferível que
eles pensem que eu... Que eu não me importo
com ela. Quantos lobos existem que
encontram suas companheiras e, mesmo
assim, não se importam muito? Eles se
deitam com outras e continuam suas vidas
normalmente. Mas eu... Eu desejo somente o
seu corpo, somente o seu cheiro, somente a
sua voz, e isso está me pondo louco.
— Ei, cara, tem um carro chegando.
Avisaram que é Alec e Ian – Leandro me
avisa da porta do meu escritório. Alec?
Algo errado aconteceu para ele vir até aqui
sem ao menos avisar.
Saio da minha casa e vou até a área
comum da matilha, todos saíram de suas
casas para ver quem eram as pessoas que
tinham chegado. Estava pronto para
questionar Alec sobre o motivo da sua
aparição repentina, quando ouço seu uivo,
todos nós ouvimos, na verdade. Meu
coração se acelera em expectativa, vejo o
olhar de Alec e de Ian caírem sobre mim,
eles me questionam com seus olhos, mas
pouco me importo. Só preciso vê-la, tocá-la...
Eu preciso dela.
Vejo Lua, descalça, sair da floresta.
Todo o pessoal da matilha sai do seu
caminho, pois ela caminha em linha reta,
como se estivesse seguindo um cheiro,
minha pele coça de antecipação, ela corre
e...
Passa direto por mim.
Lua não abraça o seu irmão, seria o
compreensível ela estar abraçando seu
irmão gêmeo, mas não, ela abraça Ian.
Fico ali, parado como um idiota,
olhando aquela demonstração pública de
afeto.
— Minha pequena pestinha, como senti
a sua falta – Ian diz, e tudo o que entendi
da sua frase foi a palavra “minha”. Minha
visão nubla e vejo tudo em vermelho, estou
perdendo o controle. – Ei, minha menina,
vai acabar me matando desse jeito! – E,
novamente, tudo o que absorvo é “minha”.
Estou pronto para atacá-lo, para
matar aquele que chama a minha
companheira de sua, ela não pode estar
fazendo isso comigo, não aqui, em frente a
toda a matilha.
— Ei, largue a minha irmã, seu tarado!
– a voz de Alec me desperta do torpor.
Vejo quando Lua larga o corpo de Ian e
abraça seu irmão, ele a afasta e põe sua
palma em seu rosto. Lua, como um
filhotinho, roça sua bochecha na mão do
irmão.
Eu quase iria... Perdê-la para sempre.
Lua nunca me perdoaria caso atacasse Ian,
ela nunca mais olharia para mim.
— Oi, Alfa – ouço uma das mulheres se
direcionar a ela, e toda a matilha me
encara, como se esperasse que eu
interferisse nesse titulo. Vejo Ravi olhar
para mim com um sorriso imenso.
Por alguns segundos, vejo o corpo de
Lua preocupado só em respirar quando
questiono o seu irmão sobre a sua mãe. Alec
me olha e nego com a cabeça, para informá-
lo que ela não sabe de nada.
— Sinto muito, Lua. – Alec e Ian
passam por ela e caminham até mim, posso
ver o rosto de Lua de relance quando ela se
vira, seus olhos ainda estão como os de sua
loba, e sua feição é de... sofrimento.
Rosno e caminho com passos firmes
para a minha casa, com Alec e Ian logo
atrás de mim.

Luana

Sentamos em uma sala bem iluminada.


— Calma, Estranha, está começando a
me assustar. – Raquel senta-se ao meu lado
e segura a minha mão, que está cerrada em
um punho. Suspiro e
tento me acalmar.
— Certo, meninas, falem o que
aconteceu depois que sai de casa.
Quem responde é Manu:
— Amanda, a garota nova... Ela
chegou na matilha. Estava machucada e
cansada, disse que o acampamento foi
atacado, desgarrados, que queriam
novamente sequestrar mulheres. Mas
parece que não eram os mesmos que
tentaram nos levar. – Manu para um pouco
e olha para Priscila. – Ela disse que sua mãe
atacou dois deles e conseguiu libertá-la, e
ela conseguiu fugir, Amanda disse que sua
mãe gritou para procurar por você. Então,
ela não parou até chegar na casa de Alec...
Mas ela nos contou que... eles mataram a
sua mãe.
Sinto o corpo de Raquel apertar o meu,
mas sinto-me fria, fria por dentro e por
fora. De uma hora para outra, o chão some
dos meus pés, meu mundo desaba... Ela não
pode ter enfrentado tanto para
simplesmente... Simplesmente morrer.
Morrer, como uma flor. Morrer, acabada,
como um objeto que se estraga e é jogado
fora. Eu nunca pensei muito sobre a morte,
e a verdade é que eu tinha muita coisa
para falar com ela, tive a oportunidade e
não fiz o que deveria.
— Sinto muito, Alfa – Priscila diz em
um fio de voz.
Sinto vontade de voltar, todo o meu
corpo clama para que eu volte para a
mata, para que me transforme, para que
fuja. Olho para as três mulheres ao meu
redor, elas precisam de mim, certo? Então,
não posso sentir... Sentir nada. Escondo o
sentimento de perda, junto com a falta que
sinto de Noah, em uma caixa que estava
começando a ficar cheia demais.
— Sinto que isso é só o início da
história. Onde está Amanda? – Mantenho a
minha voz firme.
— A matilha de seu irmão foi
atacada... Desgarrados colocaram fogo em
tudo e levaram as mulheres.
— Merda! Péssimo momento histórico para
me tornar uma loba! – Raquel diz, tentando
deixar o ambiente mais leve, mas não
consigo pensar em nada.
Imagino o lugar em que nasci e cresci
queimnado, tudo em chamas, todas as
mulheres, agora sei lá onde, sofrendo...
— Levaram-na? – pergunto, referindo-
me a Amanda.
— Não, Alec retirou o objeto de
rastreio que tinha em seu corpo, depois
disso não sei para onde ela foi.— Manu
responde e Priscila complementa:
— Ele... ele desconfiou sobre o motivo
dos desgarrados terem nos encontrado.
Encontraram o acampamento de sua mãe
em menos de uma semana que Amanda se
juntou e, um dia depois que ela foi para a
matilha, eles foram atacados também. Alec
disse que quando Amanda foi sequestrada,
eles a doparam, e ela acordou com uma dor
na cabeça e no pescoço, e sua jaula estava
aberta. Ela simplesmente saiu dali
andando, sem ninguém a impedir. Então,
ele tirou de seu pescoço um objeto que diz
ser um sinalizador.
Não sei o que pensar, eu simplesmente
estou estarrecida demais com toda a
situação. Algo precisa ser feito, elas não
podem ter simplesmente sido sequestradas e
ninguém fez nada!
— Como deixaram que todas elas
fossem sequestradas?
— Eles sabiam o que estavam fazendo,
Alfa. Os desgarrados estavam organizados,
com comunicadores e tudo. Eles tacaram
fogo em todas as casas, o que obrigou todos
a saírem, foi uma confusão, toda a fumaça
e tudo queimando... Algumas pessoas
tentavam apagar o incêndio, foi difícil
perceber, na hora, que estava sendo um
ataque. Eles deixaram claro que queriam as
mulheres, e a maioria da matilha preferiu
não interferir – ela fala isso rosnando,
revoltada como eu. – Alec e Ian foram os
únicos que lutaram, e não podiam fazer
muita coisa contra todos eles, só puderam
nos... Proteger.
— E por que Alec está aqui?
— Ele rejeitou o bando – ela afirma isso
com a cabeça erguida, orgulhosa de Alec. –
Disse que não queria chamar covardes de
família, Lua.
Então, vai se juntar ao Supremo. Claro, se
ele aceitar.
Penso em algo... Como tudo isso
aconteceu e...
— Vocês tentaram falar comigo?
Elas olham uma para a outra.
— Nós... Dissemos para Alec que
falaríamos com você, e ele disse que te
ligaria.
Ele pode ter realmente me ligado,
estava na floresta e como loba, meu celular
provavelmente está sem bateria.
Levanto-me decidida.
— Lua, o que vai fazer? – Manu me
pergunta, preocupada, e Raquel já está
sorrindo, ela sabe o que vou fazer.
— Não vou ficar aqui, enquanto os
homens ficam lá, conversando sobre o que
está acontecendo! Não serei a expectadora
da porra da minha vida!
Claro, isso seria mais significativo se
não tivesse que parar no meio da rua e
farejar, já que não sei onde Noah mora.
Caminho em direção a uma mansão, é
a maior casa daqui, tem um jardim imenso
e todo florido, sua arquitetura é imponente
e, não sei por que, mas me faz lembrar – e
muito – de Noah, do seu jeito, é a casa
perfeita para ele. Algumas pessoas nos
olham passar, mas não interrompem. Digo
“nós” porque Raquel não perderia isso por
nada, e Priscila e Manu estão logo atrás de
mim.
Disse que ninguém havia me
interrompido? Exceto por uma pequena
mulher que resolveu entrar em minha
frente quando estava avistando uma porta,
aposto que eles estão ali.
— Queridinha, os moços grandes estão
ali, discutindo coisas sérias, você não pode
entrar – ela diz, como se esse espaço lhe
pertencesse, como se a casa de Noah fosse
sua também.
Estamos em um corredor, um corredor
cheio de quadros que, aposto, são muito
caros, e a pego desprevenida quando invisto
contra o seu corpo e a coloco de encontro a
parede.
— Pode sair da minha frente?
Mas ela continua ali, parada, me
olhando como se eu não merecesse estar ali.
— Isso vai acontecer por bem ou por
mal, você escolhe.
Lorenlay, como descobri ser o nome
dela, já que algumas pessoas se reuniram ao
nosso redor e começaram a cochichar, não
saiu do lugar.
— Estou aqui há mais tempo que você,
vai ter que se acostumar a como as coisas
são.
Eu não estava muito bem, já tinha
ficado alguns dias em forma de lobo e essa
raiva, essa sede, ainda estava latente em
mim de alguma forma, é instinto. E foi
através de um instinto animalesco que a
prendo de encontro a parede, estou semi-
transformada e encosto a minha boca, que
já estava transformada, em seu pescoço, o
cheiro ocre de seu medo enche as minhas
narinas. Mordo-a ali, tirando muito
sangue, uma mordida feia. As mordidas
não servem só para marcar um
companheiro, quando um Alfa morde
alguém de sua matilha, tirando seu sangue,
significa que esse alguém é uma pessoa
indigna.
Deixo-a cair quando a solto, me
atentando agora com o que fiz, Lorenlay,
com a mão em seu pescoço e olhos cheios de
lágrimas, sai correndo.
Me lembro nesse momento do que meu
pai me disse, sobre ser um ciclo, um ciclo de
reações. E, dessa vez, pelo menos para
Lorenlay, eu era o monstro. Constatar isso
me deixa atordoada, como posso exigir
mudanças se ajo da mesma forma? O que
quero é igualdade? Igualdade seria agir
assim, como muitos deles agem?
Sacudo minha cabeça para afugentar
esses pensamentos, fazendo uma nota
mental de que são importantes, e continuo o
meu caminho até a sala e, lá, encontro
Ravi, Noah, Ian, Leandro e Alec.
— Merda, Lua! Isso é sangue em sua
boca?
Meu irmão parece preocupado, porém,
estou ocupada demais olhando diretamente
para Noah, porque isso é maior do que nós
dois e ele tinha que saber disso também.
— Não se preocupe, maninho, não é
meu. – passo meu antebraço, limpando o
que estava ali.
— O que está fazendo aqui, Lua? – ele
pergunta, com seu olhar sério. — Estou
aqui para a reunião.
— Você fica quase três malditos dias na
floresta, sem me dizer uma palavra, quase
arranca o meu pé fora quando fui atrás e
estava agarrada com Ian na frente de toda
a matilha, não tem o direito de estar aqui. –
Ele rosna cada palavra.
Não digo nada, apenas continuo o
encarando.
— Sério, caras, acho melhor sairmos
daqui e...
Ravi começa a falar, mas Noah e eu
falamos juntos:
— Fiquem!
— Direito de estar aqui?! Quem você
pensa que é para vir me falar sobre
direitos, Noah? Pense sobre tudo o que
aconteceu desde que nos conhecemos, desde
que pisei aqui! Dessa vez, isso não é sobre
nós dois, é sobre elas. — aponto para as
meninas que estão ao lado de fora. — Elas
que sofreram e sofrem, que passaram por
isso.
— Lua... – ele rosna meu nome
novamente.
— Já chega, Noah! Isso aqui não é sobre
nós dois! Você não está vendo? Os
desgarrados estão cada dia mais
organizados; se continuarem a atacar
assim as pequenas matilhas, nossa raça se
extinguirá! Porque, sem as mulheres, não
haverá mais filhotes, nós seremos extintos!
Mas eu só vim aqui dar a minha opinião...
Sabe o que acho? Acho que isso que
aconteceu com a matilha do meu irmão
vem acontecendo com matilhas ao redor de
todo o mundo. Porém, os alfas são idiotas,
prepotentes e cheios de si demais para
reportar isso a você. Se quiser um conselho,
entre em contato com todos e os obrigue a
dizer a verdade, mapeie os ataques,
precisamos ter uma dimensão de tudo isso.
Olho para cada um presente, meu
irmão e Ian concordam com o que falei e
Ravi está... Bem, com um sorriso imenso no
rosto.
Dou de ombros e caminho até a porta.
Antes de fechá-la, ouço Noah dizer:
— Não vá para a floresta, Lua, esta é
sua casa, e precisamos conversar.
Fecho a porta sem responder. Não sei o
que diria para Noah, lembra daquela caixa
que está ficando cheia demais? Não sei se
estou disposta a abrila.
— Lua, para onde está indo?
As meninas correm para me
acompanhar, já que estou quase na saída
da casa.
— Para a floresta.
— Mas...
— Eu sei o que ele disse, eu só preciso
ficar um pouco só, volto à noite.
Caminho, e nenhuma delas me
acompanha, dando-me espaço. Eu só
preciso...

Noah

Alec estar aqui não é um bom sinal.


Chamo Ravi e Leandro, eles são
meus imediatos na matilha e meus amigos
desde... Bem, desde sempre. Alec e Ian
sentam-se em minha frente no escritório,
ainda não consigo olhar para Ian sem
imaginar Lua o abraçando, e isso está me
deixando com os nervos a flor da pele.
— Por que estão aqui?
Sou direto, e eles se entreolham.
— Minha antiga matilha foi atacada,
levaram todas as mulheres.
— Antiga? – questiono-o.
— Sim, Supremo, viemos para lhe pedir
que nos aceite em sua matilha.
Isso significa ter Lua próxima a ele,
isso não me deixa confortável. Sei que Lua e
Ian não tem nada de carnal, não é disso que
sinto ciúmes. Ciúmes, é essa a palavra,
estou me contorcendo e me corroendo por
dentro de ciúmes. Mas tenho ciúme do
modo com que ela se refugiou nele, como se
fosse seu porto seguro, sinto ciúmes da
confiança que minha Lua deposita nele, da
amizade e da cumplicidade... Perto dele,
Lua se permite ser... vulnerável. Ao
contrário de mim, vejo Lua se armar e
construir muros toda a vez em que a olho, e
quanto mais tempo demora, mais os muros
se solidificam.
— O que aconteceu com o resto de sua
matilha, Alec?
— Noah, nós fomos atacados por
desgarrados, eles estavam organizados, com
equipamentos de alta tecnologia, há algo
grande acontecendo. O resto da matilha
não lutou, eles não defenderam as mulheres
que estavam sendo sequestradas. Não sei o
que aconteceu com eles, os abandonei. Na
verdade, eles me abandonaram quando
escolheram não lutar, lhes dei ainda o
benefício de saírem.
— Vocês ficarão em minha casa por
enquanto. Construirei uma para cada em
minha propriedade. Sejam bem vindos à
matilha.
Algo grande está acontecendo? Claro
que está, esses sequestros não são normais, e
o mais anormal ainda é a organização de
desgarrados, eles não andam em bandos,
muito menos atacam em conjunto. E onde
diabos que está a peste da minha irmã?
Com toda essa história de sequestro, ela
deveria voltar para casa.
E quando Lua chega, ouço o que ela diz
com atenção, pois são as primeiras
palavras que me diz depois de tudo o que
aconteceu quando chegamos em minha
casa.
Ela solta cada palavra e as sinto como
um festim me acertando no coração a cada
sílaba. Porque ela estava certa, Lua estava
fodidamente certa sobre o meu
comportamento. Tudo o que ela fez a mim
foi uma reação do que eu lhe causei. De
repente, sinto-me cansado, cansado de lutar
contra tudo, cansado de lutar contra ela. Só
queria abraçá-la, apenas senti-la próxima a
mim.
— Lua...
— Já chega, Noah! Isso aqui não é sobre
nós dois! Você não está vendo? Os
desgarrados estão cada dia mais
organizados; se continuarem a atacar
assim as pequenas matilhas, nossa raça se
extinguirá! Porque, sem as mulheres, não
haverá mais filhotes, nós seremos extintos!
Mas eu só vim aqui dar a minha opinião.
Sabe o que acho? Acho que isso que
aconteceu com a matilha do meu irmão
vem acontecendo com matilhas ao redor de
todo o mundo. Porém, os alfas são idiotas,
prepotentes e cheios de si demais para
reportar isso a você. Se quiser um conselho,
entre em contato com todos e os obrigue a
dizer a verdade, mapeie os ataques,
precisamos ter uma dimensão de tudo isso.
Ela, então, tira o seu olhar do meu e
sinto-me exposto, exposto ali, sem o seu
olhar, se é que isso pode ser possível. Lua
olha para cada um, Ravi está com seu
maldito sorriso no rosto, esse cara não
consegue se controlar nunca, tudo, para ele,
é uma imensa piada. Minha Lua sai pela
porta e sinto que a estou perdendo, a cada
dia, a cada segundo, a cada respiração.
— Não vá para a floresta, Lua, esta é
sua casa, e precisamos conversar.
Mas ela vai embora, se vira e não olha
para trás. A imagino caminhar sem jamais
olhar para trás, sendo só um pontinho no
horizonte, um pontinho que eu jamais serei
capaz de alcançar novamente.
— Eu acho que ela está certa – Ravi
começa a falar, tirando-me do meu
devaneio. – Pensem comigo, se uma matilha
diz para outros que foram atacados por
desgarrados e os mesmo roubaram suas
mulheres, é um sinal de fraqueza, é meio
óbvio que qualquer um tentaria esconder
isso a todo o custo. Suspiro.
— Ravi e Leandro, entrem em contato
com os outros Alfas. Alec e Ian,
acompanhem-me, irei lhes mostrar seus
aposentos.
Quando abro a porta que dá para um
corredor, vejo todos os quadros jogados no
chão, há um rastro de sangue na parede.
— Mas o que significa isso? – rosno
para ninguém em especifico.
Ian e Alec dizem ao mesmo tempo:
— Lua.
Quando chegamos até a sala, Lorenlay
estava sendo atendida pelo médico da
matilha, havia uma mordida em seu
pescoço, algo feio. Ela corre de encontro a
mim, está se debulhando em lágrimas.
— Olhe o que ela fez comigo, Noah!
Essa mulher é louca! – ela diz, fazendo
beicinho. – Ela precisa ir embora! Não
podemos ter uma completa descontrolada
na matilha!
Ok, talvez isso já tenha ido longe
demais.
— Cal, como está à ferida? – pergunto
para o nosso médico.
— Não foi você quem fez isso, Alfa? –
aceno com a cabeça negativamente.
— Por quê?
— Essa mordida não vai sarar, talvez
se cure como um ferimento humano... A
única pessoa capaz de fazer esse tipo de
ferimento em sua matilha seria você.
— Eu disse! Ela é perigosa!
Só a voz dela está me irritando, então
a afasto de mim.
— Quero que me ouça com atenção,
Lorenlay. Lua é a minha companheira, a
Sua Alfa. O que aconteceu entre nós,
acabou. Foi divertido para nós dois e nunca
te iludi quanto a isso, nunca te prometi
mais do que era. Agora a encontrei, e
prefiro te ter longe da matilha do que ter
Luana magoada com a sua presença. Será
uma escolha sua, suas atitudes ditarão seu
futuro a partir de hoje.
Ela me olha um tanto revoltada e
corre, chorando, isso já foi longe demais,
preciso de Lua, preciso dela como o ar que
respiro, como a Lua que mantém cada lobo
dentro de nós forte.
Vejo as mulheres entrarem na casa
sem ela.
— Onde ela está?
— Na floresta – Manu diz, enquanto
abraça Alec.
Merda, parece que Lua tem o prazer
de fazer completamente o oposto do que
peço. Rosno.
— Ela descobriu que nossa mãe está
morta, Noah, Lua está sofrendo – ouço seu
irmão dizer ao meu lado.
— Ela disse que volta à noite – sua
companheira complementa.
Caminho até a entrada da minha casa
e sento-me em um banco no jardim, vejo as
horas passarem, ela quer um tempo, darei
seu tempo. Enquanto o dia cai, passo por
minha mente o que poderia dizer a Lua
para que ela volte para mim, para que ela
me... perdoe por tudo.
Capítulo 26– Voltando Para Casa

Luana

Perdi meu pai, mas nunca tive uma


visão dele como pai até seus últimos
suspiros de vida. Eu nunca havia perdido
alguém que amasse... Perder, engraçado
essa palavra... “Perder”, como se tivesse
perdido um sapato ou um broche na
floresta... Perder implica em achar, e eu
não posso encontrá-los. Nunca mais poderei
sentir seu cheiro, ouvir suas broncas. Como
alguém pode simplesmente ser apagado do
universo? Como alguém pode se sentir dono
desse tipo de poder de possuir uma imensa
borracha e apagar uma pessoa? Uma vida?
É isso o que fazemos aqui? Todas as
guerras, todas as lutas, como podemos nos
achar no direito de apagar o outro?
Sabe aquele sentimento estranho
quando você perde algo importante e fica
com aquele desejo insano de procurar?
Então, revira a casa pelo avesso, bagunça
tudo, procura em todo o canto, até
encontrar aquilo que havia perdido? Estou
assim, tudo o que queria agora era mais
uma oportunidade para conversar com
ambos, dizer que eu entendo, que minha
visão sobre cada um deles era exigente
demais e que eles não precisam ser
perfeitos.
Me pergunto o que ficou em mim de
cada um deles. Aprendi a ser reativa, a ser
forte em relação a não permitir que me
machuquem, e aprendi isso com o meu pai.
Foi uma reação ao modo como ele me
tratava. Mas depois do que ele me disse,
percebi que estava agindo exatamente
como ele agiu por toda a sua vida, fingindo
ser forte todo o tempo, porque às vezes doía
demais. Saber disso me faz olhar de outro
modo para toda a minha infância, ele não
era capaz de me oferecer mais do que
aquilo, era tudo o que ele tinha no
momento.
Sobre a minha mãe... Me lembro dela,
dos seus carinhos, das suas canções, dos seus
sorrisos. Me lembro dela sendo forte, me
dizendo que sempre estaria ao meu lado e
que um dia eu seria uma menina grande e
forte e teria minhas próprias escolhas a
fazer. Ela era como uma heroína para mim,
na minha cabeça, minha mãe tinha algum
tipo de super poder que não a fazia desistir
mesmo com tudo que acontecia ao redor.
Mas, ela desistiu, não foi?
Desistiu há muito tempo atrás.
Coloco minha mão em minha barriga,
onde cresce essa pequena vida. Que tipo de
herança darei para ele? Que tipo de
material colocarei em sua existência para
que ele lide com isso sozinho no futuro? É
isso o que os pais fazem, não é? Dão tudo o
que podem dar, oferecem tudo o que podem
oferecer. Então, como posso ficar magoada
com os meus, achando que o que me deram
não foi o suficiente? Hoje sei que era tudo o
que tinham.
É engraçado... Sempre vi aqueles que
perderam alguém serem consolados por
outros que dizem o quanto sentem muito, o
quanto deveríamos ser fortes... Sentem
muito... Pesar, pena, não é sentir. Sentir
muito é ter tantos sentimentos dentro de
você que qualquer outra mínima coisa a se
fazer parece com um trabalho gigantesco.
No meu caso, o trabalho gigantesco agora é
caminhar. Eu paro, estanco, porque, neste
momento, eu sinto muito: muita dor, muita
tristeza, muita saudade, muita felicidade,
muita raiva, muita confusão... Sorrio,
mesmo em meio às lágrimas, e, por um
momento, admiro que meu rosto ainda
saiba fazer isso. Sorrio, lembrando-me de
tudo o que ela me ensinou no pouco tempo
em que estivemos juntas. Sorrio porque ela
fez de mim quem sou, eles fizeram.
Sempre pensamos que nossos pais
deveriam ser pessoas perfeitas, mas não
são. São pessoas cheias de medo, de receio,
de mágoas, pessoas como nós, seus filhos.
Passei muito tempo odiando meu pai e
amando a minha mãe que pensei estar
morta, e , no fim, as coisas se inverteram.
Enxerguei meu pai como um homem
magoado que não sabia muito o que fazer
com a sua dor, e vi minha mãe de verdade
pela primeira vez, não como aquela mulher
forte e incrível, mas sim como aquela
mulher que tinha medo e permitiu que esse
medo ditasse toda a sua vida. Não era
coragem, era medo. Medo que a fazia fugir
de sua família, de sua relação, de sua
sociedade.
Minhas pernas começam a se mover,
eu ando, mesmo não querendo andar; e
quando paro em frente à Noah, eu o
abraço, mesmo não querendo abraçar.
Assim como preciso me mover, como
preciso respirar, eu também preciso dele.

Noah

O sol se põe lentamente lentamente. Vejo as


pessoas da minha
matilha passarem por mim sem entender
muito a minha presença ali. Sinto a
presença dele ao meu lado, nem preciso
olhar para sua cara para saber que está
sorrindo.
— Merda! Um dia, vou quebrar seus
dentes.
— Sempre diz isso, Noah, não seja um
idiota.
Ergo uma sobrancelha e o encaro. Ravi
e Leandro são a minha família,
logicamente, são os únicos que me tratam
assim.
— Do que está falando?
— Mude, cara, ou você vai perder a
única coisa que importa.
Então, ele sai. Às vezes, acho que Ravi
vê a vida como um de seus joguinhos online.
Continuo olhando para a floresta, até a
noite cair... Espero por Lua.
Vejo-a caminhar até mim, sinto uma
fisgada em meu coração, uma dor tão
grande, tão gigantesca, que faz com que
meus joelhos se dobrem. Lua está usando
nosso vínculo, ela está dividindo algo
comigo: sua dor. Ela caminha até mim e me
abraça, seu corpo está gelado, e isso me
assusta. Abraço seu corpo, que se encaixa
tão perfeitamente com o meu, e abraço
também a sua dor. Ficamos ali por um
tempo que não sei contar, uma infinidade
de segundos, talvez?
Afasto-a de mim porque sinto a
necessidade de lhe fitar nos olhos. Ela está
com os olhos brilhantes, seu olhar carrega
ainda características de sua loba, o que a
torna mais exótica e linda. Passo o meu
polegar sobre seu lábio inferior e o sinto
tremer, poderia dizer qualquer coisa para
Lua, poderia pedir desculpas, poderia dizer
que vai passar, poderia dizer que sinto
muito, mas resolvo dizer algo que tenho a
certeza absoluta de que é verdade:
— Eu estou aqui, aqui, com você, Lua.
Ficarei ao seu lado, lhe darei espaço
quando precisar... Essa garota se tornou o
centro do meu universo. Afasto-me dela e
prendo a respiração. Ela me olha, me
analisa.
Lua dá um passo para trás e caminha
para a minha casa. Quando estava
passando por mim, ela toca em minha mão,
só um leve roçar, mas que tenho certeza de
que foi proposital, e posso finalmente
respirar. Caminho atrás de Lua e, quando
ela está próxima à porta, seguro em sua
mão.
Passamos por pessoas que nos
reverenciam, levo-a para meu quarto, para
o nosso quarto. Ela olha para minha cama e
para em pé, não acredito que vá ser fácil
fazer com que ela confie em mim
novamente.
Mas Lua está tão em modo automático
que não diz nem faz nada quando puxo,
sobre a sua cabeça, a sua blusa e tiro seu
short. Coloco-a sentada na tampa do vaso,
enquanto preparo a banheira. Com o banho
pronto, coloco-a deitada ali e lavo os seus
cabelos, lavo o seu corpo, sinto uma leve
protuberância em seu estômago, meu filho.
Dou banho em Lua porque quero
cuidar dela. Hoje, eu vejo algo que não fui
capaz de ver antes, na floresta, quando ela
quase arranca meu pé fora: Lua não
precisa de um macho que a monte, ela
precisa de um companheiro, e eu quero ser
isso para ela.
Tiro-a da água e enxugo seu corpo,
busco uma camisa minha e coloco por sobre
a sua cabeça. Minha camisa se transforma
quase que em um vestido no seu corpo. Tiro
os lençóis da minha cama e a coloco ali,
cubro-a, desligo a luz e estava prestes a
sair, quando a ouço:
— Fique.
A verdade é que o meu corpo deseja o
dela tão ardentemente que tenho medo de
não conseguir me conter, é instinto, um
instinto fodido e animalesco. Tenho medo de
não ser a pessoa que ela está precisando
neste momento.
Mesmo assim, faço meu caminho de
volta, vou para o banheiro e tomo uma
ducha rápida. Deito-me ao seu lado na
cama, tendo seu corpo ali, tão perto, e me
sentindo tão longe da sua alma.
Viro-me para o lado e ela faz o mesmo,
ao mesmo tempo. Estamos um de frente
para o outro, com nossas respirações se
misturando. Lua ergue sua mão e a põe
sobre o meu coração. Ela adormece sentindo
o bater descompassado dentro do meu peito,
e eu adormeço sentindo o mínimo toque de
sua mão em contato com minha pele.
Luana

Sinto seu corpo prender o meu, digo


prender porque não conseguia mover meus
braços e nem pernas. Ontem, Noah foi... Ele
foi cuidadoso e atencioso, acredito que pela
primeira vez. Quando chegamos aqui... É
como se ele usasse uma máscara, como se...
como se fosse outra pessoa, uma pessoa que
não sei muito bem se aprovo. O que adianta
tê-lo aqui, entregue em quatro paredes, se
diante de sua matilha ele me menospreza?
Noah se mexe em seu sono, prevendo
provavelmente que tentaria sair de seu
agarre novamente. Suspiro, desistindo de
minha missão. Ele me abraça, como se
temesse que eu fosse... fugir. Bem, era o que
tinha em mente mesmo, e o que não vai
funcionar, pelo visto.
Fico um tempo em seus braços, não sei
se quero acordá-lo; se o acordasse, teríamos
que conversar, e não sei muito o que falar.
Alguém bate na porta, interrompendo
meus pensamentos e despertando Noah, ele
rosna e me olha, pedindo com o olhar para
que eu ficasse ali.
Noah vai atender a porta e consigo
reconhecer a voz de Ravi, ele diz que Alicia
chegou, só que ela está acompanhada de
Lucas, e ele e Leandro estão praticamente
se matando.
Ao ouvir o nome Lucas, Noah muda
sua postura completamente.
— Não saia daqui, Lua – ele diz e fecha
a porta, reviro meus olhos. Vai sonhando,
companheiro.
Desço as escadas e deparo-me com a
cena, poderia ser cômica, se não fosse
trágica: Leandro está ensanguentado, mas
nada sério, Noah está com um homem preso
por sua mão, vai matá-lo daqui a alguns
segundos, Alicia está gritando como uma
louca, pedindo para Noah parar. Então, ela
me vê e, com seus lábios em movimento, diz
para mim: por favor, faça com que pare.
Dou de ombros, confio em Alicia e em seu
julgamento, dou um salto, terminando de
descer as escadas, e paro logo atrás de
Noah. Dessa forma, dou-lhe uma leve
rasteira, o que o desestabiliza e faz com que
solte o homem. Alicia corre para ele e Noah
olha para mim.
— Lua...
— Lua nada! Por que vocês, machos,
nunca param para analisar uma situação?
Sua irmã está defendendo o homem que
você quer matar, por que seria?
— Não faço a mínima ideia, mas ele
não vai pisar em minhas terras e continuar
vivo.
— Noah, por favor, será que eu posso
tentar? Se não conseguir te convencer, subo
e te deixo fazer o que quiser.
— Você não vai conseguir.
Ele diz simplesmente, e cruza os
braços.
Vejo o estranho proteger Alicia com
seu corpo, protegendo-a...
Bem... de Noah.
— Alicia, por que estava defendendo-o?
— Bem... eu...
Ela gagueja.
— Minha irmã nunca gostou de
sangue, Lua, mas, não se preocupe, vai ser
limpo e rápido.
Noah tenta se aproximar do homem e
eu seguro em sua mão, o que o faz parar em
sua caminhada.
— Alicia, só vou perguntar mais uma
vez, não vou posso lhe ajudar se não contar
a verdade. Por que o protegia?
— Porque... ele é... meu companheiro.
— O quê?!
Ouço Noah gritar do meu lado.
— Sem chances! Nem em um fodido
mundo paralelo! Não se aproxime da
minha irmã!
— Noah, se eles são... – tento
argumentar, mas ele não permite.
— Não, Lua, você não sabe o que o
irmão dele fez com ela!
Suspiro alto, e um cheiro familiar
queima a minha narina, reconhecimento
passa por minha face, olho para Alicia e ela
faz um sinal negativo com a cabeça. Sei
quem ele é, o cara que estava tentando me
sequestrar, sou realmente boa com esse
lance de cheiros. Quando pego o cheiro de
alguém, nunca o esqueço. Confirmo com a
cabeça, informando para Alicia que eu não
contaria para ninguém, mas dou um passo
para trás, e ela sabe o que significa, vai ter
que se defender.
Alicia infla seu peito e sai de detrás do
homem.
— Mas eu sei, sei o que o irmão dele me
fez, Noah, afinal, isso aconteceu comigo, e
não com você. Te agradeço por tudo, mas já
sou grandinha para tomar as minhas
decisões. Você não vai encostar nele e, se
Lucas não for bem vindo em minha casa, eu
também não serei.
Dou algum crédito para Alicia, nunca
vi alguém enfrentar Noah assim, ninguém,
além de... mim.
Ele cerra suas mãos em punhos e sai
por uma porta que não sei onde vai dar.
Caminho até Alicia e Lucas.
— Você está bem? – ela confirma com a
cabeça, olho para Lucas, que parece estar
hipnotizado, olhando para ela.
— Ei! – Estalo os meus dedos em frente
aos seus olhos, o que chama a sua atenção. –
Machuque-a, e eu te machuco, eu me
lembro de você.
Alicia segura o sorriso, senti falta dela.
— Só para constar, sabe que foi ele
quem tentou me sequestrar e que... Trancou
Raquel naquele galpão.
— Sim, por isso ele e Leandro estavam
brigando, ela o reconheceu.
— Tudo bem, só queria saber se estava
ciente.
Dou de ombros e sigo meu caminho. Na
verdade, o caminho de Noah, já que saio
atrás dele. Passo pela porta e desço uma
escada, tem um centro de treinamento
aqui, encontro Noah esmurrando um saco
de boxe que não sei do que é feito, já que
ainda não se desfez em pedaços.
Sento-me no chão.
— Primeiro, você... Agora... minha...
irmã... me enfrentando... – ele diz as
palavras, intercalando-as entre um soco e
outro. – Isso... está... se tornando... um
maldito... de... um... costume!
— Você não está irritado por isso.
Ele para de socar o saco e caminha em
minha direção, Noah está com sua blusa
grudada em seu corpo, e seu cheiro parece
estar intensificado.
— Não?
— Não. Está irritado porque aquele
cara lá te traz más memórias. Porém, se
sua irmã, que viveu o que quer que tenha
ocorrido, na pele, consegue aceitá-lo, por
que você não?
— Ele vai machucá-la.
— Você também me machucou.
— Lua, eu...
— Noah, relações não são perfeitas. As
pessoas, na maioria das vezes, saem
machucadas. Deixe que ela tente, pelo
menos.
— E você?
— Eu o quê?
— Vai tentar?
Quando isso se tornou algo sobre mim?
Vejo Noah ali, em minha frente, ele tem a
barba por fazer e o olhar mais sexy que já
vi. Noah fica em frente a mim e, como
estou sentada em algo que se parece com
um tatame, ele fica de cócoras e me encara.
Noah põe seus braços ao lado do meu corpo
e me encara.
— E você, Lua, vai tentar? – ele repete
a mesma pergunta e, de repente, estou
ocupada demais, perdendo-me em seus
olhos, em seu cheiro, em cada pedaço dele,
que o meu corpo se torna imensamente
ciente.
— Eu... – Poderia dizer qualquer outra
coisa, mas o que sai da minha boca é: – Você
dormiu com ela?
Ele sorri.
— Você está com ciúmes?
Cruzo os meus braços e reviro meus
olhos.
— Claro que não, só acho que mereço
saber. – Ele para um pouco, analisando-me.
— Não, não dormi com ela, não depois
de você, e você mente muito mal.
Ele passa sua bochecha de encontro a
minha, em um gesto de carinho, seus pelos
do rosto arrepiam a minha pele. Ele expõe
suas presas, sei disso porque as sinto
arranharem a minha pele do pescoço, no
mesmo local em que ele me marcou como
sua companheira. Sua respiração pesada
me causa calafrios.
— Noah, eu não...
Ele ri e sua respiração arrepia cada
pelo do meu corpo.
— Eu também não, Lua, mas eu quero.
Diria que não tenho certeza se
deveríamos, que não tenho certeza se
estávamos cometendo um erro, que não
tinha certeza se já tínhamos cometido um.
— Eu quero você, cada pedaço de você.
– Ele me olha de perto, sua boca está
entreaberta, e seu olhar, marejado.
Noah se afasta de mim, o que me deixa
intrigada, como estava de cócoras, ele se
ajoelha e se põe entre as minhas pernas.
Noah me oferece uma caixa que não sei de
onde saiu. Não pego na caixa. Na verdade,
olho para ela como se fosse radioativa, isso
não pode significar o que penso que
significa, não é?
Lucas

Conseguimos chegar ao condomínio que


pertence à matilha de Noah sem muitos
problemas, Alicia estava sem dizer uma
palavra, o que, vindo dela, é bem
preocupante.
Os portões se abrem quando veem que
ela está ao meu lado, estaciono em frente a
maior casa que vejo, pressupondo que é a de
Noah.
Saio do carro e Alicia continua sentada.
— Isso não é uma boa ideia.
— Isso não está em discussão.
— Você pode ir embora agora, já estou
aqui.
— Não vou sair correndo de seu irmão,
se é isso o que espera de mim.
Ando até o seu lado e a puxo pelo
braço. Claro que isso, provavelmente, vai
dar muito errado, porém, estranhamente
não me importo muito. Desde quando parei
de ter autopreservação?
Sabe qual foi a primeira coisa que
aconteceu quando coloquei os pés na casa
de Noah? A mulher que sequestrei, Raquel,
aponta para mim e diz:
— Alguém me belisca, estou vendo meu
sequestrador.
A próxima coisa que aconteceu foi um
homem simplesmente voando em mim, só
deu tempo de empurrar Alicia para o lado
e tentar me defender do seu ataque. Ouço-a
gritando algo, olho para ela, e ele me acerta
em cheio, sinto o sangue escorrer pelo meu
rosto. Alicia estava conversando com
Raquel, que vem até Leandro e toca em sua
barriga, ela diz algo em seu ouvido, algo
envolvendo enfermeira e fantasias, o que
tira sua atenção de mim.
Mal me recupero da pancada que levei
por ter perdido a atenção, quando Noah
prende a minha garganta. Atacar Noah
seria incitar uma disputa, então, não faço
nada. Quem diria que eu estaria aqui,
morrendo através das mesmas mãos que
mataram o meu irmão...? Mas Noah se
desestabiliza e consigo finalmente sair do
seu agarre. A companheira de Noah está
discutindo com ele, porém, mal os escuto,
estou ocupado demais olhando para ela, que
parece desesperada.
— Alicia, por que estava defendendo-o?
— Bem... eu...
Seus olhos lacrimejam, sei que Alicia
nunca poderia me perdoar, mesmo sendo
por algo que não fui eu que fiz. Sei que a
minha presença a machuca, então, caso
consiga sair daqui vivo, vou embora.
Talvez eu volte para alguma floresta,
talvez me transforme e não volte mais a ser
humano.
— Alicia, só vou perguntar mais uma
vez, não vou posso te ajudar se não contar
a verdade. Por que o protegia?
Ela me olha, gostaria de tirar esse
desespero do seu rosto, gostaria de dizer que
está tudo bem, que ela não precisa ficar
com a consciência pesada por minha causa.
— Por que... ele é... meu companheiro.
Todo o meu mundo para de girar, só
vejo Alicia com seus cabelos negros
bagunçados e seu rosto angelical.
— Não, Lua, você não sabe o que o
irmão dele fez com ela!
Isso me atinge, atinge como a porra de
um tiro em meu peito, é uma dor quase
física. Se pudesse apagar as coisas pelas
quais ela passou... Alicia me fita dentro dos
olhos e me empurra para trás, ela une as
suas costas ao meu peito, como se buscasse
algum tipo de apoio, apoio de... mim.
— Mas eu sei, sei o que o irmão dele me
fez, Noah, afinal, isso aconteceu comigo, e
não com você. Te agradeço por tudo, mas já
sou grandinha para tomar as minhas
decisões, você não vai encostar nele, e se
Lucas não for bem vindo em minha casa, eu
também não serei.
Ninguém nunca fez isso por mim,
pensei que o meu irmão tivesse feito. Agora
sei que ele só estava em busca dos seus
próprios objetivos egoístas. Ela foi criada
como uma princesinha e eu não sou, bem...
ninguém. Na verdade, eu sou a escória,
muitos me consideram um desgarrado. Por
que ela deixaria tudo para trás por mim?
Por mim, que, diante da sociedade que ela
cresceu e vive, não sou ninguém?
Ouço um barulho e meus olhos piscam.
— Machuque-a e eu te machuco, essa é
a lei da vida.
Machucá-la? Como se fosse capaz de
fazer isso. Luana não me entregou, ela
poderia e não fez. Quando voltei a minha
forma humana, depois de muito tempo
transformado, a dor não havia
desaparecido, ainda estava lá. Bem que o
meu lobo avisou, disse que eu estava apenas
adiando algo que deveria ser resolvido. Ele
sumiu quando eu resolvi dar um jeito nisso
através da vingança, sumiu até aquele dia
em que fez meu corpo parar e caminhar em
direção a Alicia que estava em perigo. A
única coisa em que pensava era em dar
para Noah tudo o que ele me deu, era tirar
dele as pessoas que mais importavam em
sua vida, era deixa-lo tão sozinho que iria
desejar não estar mais ali. Mas então, o
destino me ofereceu Alicia, alguém que ele e
eu amamos. E ‘resolver isso’, essa raiva que
sinto dele, essa sede por vingança, se tornou
perdoar. Por que não gostaria de ver Alicia
triste, e o que sinto por ela é mais forte que
a raiva.
Estou sozinho na sala, Alicia dobrou
um corredor e a ouço gritar:
— Não fique aí parado, vem logo!
Sigo a sua voz, subindo uma escada.
Logo depois, entro em uma porta
entreaberta. O quarto é gigantesco, em tons
de branco e lilás. Tem fotos dela em todas as
fases da sua vida, ela e um casal, quando
era só um bebê, Alicia chorando, enquanto
três garotos tentavam consolá-la, ela
abraçada a Noah, ela com um homem que
não conheço – dessa, eu não gostei –, ela com
Leandro...
— Senta – ela fala de um outro cômodo
adjacente e me sento em sua cama. Alicia
vem com uma caixinha de kit de primeiros
socorros e começa a limpar meu rosto, o que
é ridículo, já que eu, provavelmente, já me
curei.
Porém, mesmo assim, deixo-a fazer seu
trabalho.
— Alicia...
— Não.
Não digo mais nada, enquanto ela
limpa a minha pele, que estava suja de
sangue. Ficamos em silêncio, até nossas
respirações serem os únicos sons audíveis
no quarto.
— Eu não queria que você morresse, não
queria que Noah te matasse.
Eu sei, sei que, para ela admitir isso, já
é um imenso passo. Tenho medo de me
mover e agir de modo errado, tenho medo
de afastá-la de mim novamente, tenho
medo de perder essa mínima fresta de
esperança que vejo em seu gesto, então, não
me movo. Só observo seu peito subir e
descer, observo seu olhar subir pelo meu
corpo até encontrar meus olhos, observo-a
erguer a sua mão e tocar em meu rosto.
Observá-la sem retribuir ao seu toque
estava me deixando louco, mas ficaria
empedrado nessa posição, se isso fizesse com
que ela me tocasse mais. Desejo aquela
pequena ninfa que esfregou seu corpo
contra o meu no carro, desejo aquela
mulher bem resolvida que tentava me
seduzir de qualquer forma. Porém, eu
também desejo essa menina que está
quebrada em minha frente, desejo pegá-la
em minhas mãos e juntar seus pedaços,
desejo tantas coisas... Que não faço, espero
que ela se sinta confortável. Porra, eu posso
esperar por isso o tempo que for preciso.

Noah

Minha mãe costumava me dizer que,


um dia, encontraria alguém por quem
valesse a pena destruir todo o seu mundo.
Na época, eu não entendia, não entendia e
respondia: eu nunca vou querer mudar
meu mundo. Agora, de joelhos, estou
entregando o anel que era de minha mãe a
Lua, estou dizendo que ela é essa mulher.
Lua me olha em pânico, e eu começo a
me sentir como a porra de um idiota. Ela
abre e fecha a boca algumas vezes, sem
tocar na caixa que está em minhas mãos.
Então, depois de algum tempo – tempo
demais, se me perguntarem –, ela me diz:
— Você não está me pedindo em
casamento, não é? – Ela olha de mim para a
caixa e de volta para mim.
— Nós já estamos casados, Luana, isso
não faria sentido.
Ela ergue suas sobrancelhas e percebo
que talvez eu tenha começado a merda de
uma briga.
— Nós não estamos casados.
— Nós estamos unidos, o que é muito
maior que um casamento.
— Se isso era para ser romântico,
talvez você precise de umas aulas,
Supremo.
Ela está irritada, só me chama de
Supremo quando está irritada. Ela faz do
meu título algo sujo saindo de sua boca.
— Por que você simplesmente não
pegou a caixa, era para ser um presente.
Levanto-me e começo a me afastar.
Quando parece que estou ficando próximo a
ela, percebo o abismo que se encontra entre
nós dois. Por que não tenho uma relação
normal de companheiros? Por que não é
algo simples que só envolve sexo?
— Isso não deveria ser complicado,
Lua, não faça disso algo complicado.
— Eu não estou tornando nada
complicado. Ah, esqueci, você é acostumado
a ter coisas fáceis, principalmente
mulheres, talvez devesse ir atrás da
Lorenlay.
Ela diz o nome da outra loba com nojo,
poderia tentar convencê-la, poderia calá-la
com um beijo, poderia tentar fazer
qualquer coisa, mas estou irritado e no
limite, irritado demais para tentar algo.
— Talvez eu devesse.
Começo a sair da sala de treinamento e
não sinto o seu cheiro me seguir, ela vai
simplesmente me deixar ir?
— Cuidado! Ela está com uma pequena
ferida no pescoço!
Ouço-a gritar, lembro-me da ferida que
causou na loba e fico intrigado. Lua não
deveria ser capaz de fazer algo deste tipo
em um membro da minha matilha, mas não
consigo pensar nisso no momento. Tudo o
que penso é nela, e desejo a todo custo
arrancar isso de minha alma. Então, eu
corro, a parte animal em mim, uiva em
liberdade.
Capítulo 27– Reconciliações

Raquel

Esse troglodita não deveria saber


beijar tão bem! Digo, antes, meus instintos
não estavam intensificados e já achava que
ele beijava fodidamente bem, agora, então...
— Lê...
— O que foi, minha Chapeuzinho? – ele
sussurra, enquanto roça sua barba em meu
pescoço. Não foi muito difícil tirá-lo de uma
briga, o homem parece que pensa com a
cabeça de baixo, se é que me entende.
— Você não acha que eles se mataram,
não é?
— Hum... Acredito que não. Não senti
nenhuma grande alteração de Noah, então,
deve estar tudo bem. Agora, você me disse
algo sobre se vestir de enfermeira para
cuidar de mim.
Ele sorri de modo predador e eu corro,
colocando a distância de uma mesa entre
nós.
— Não! Eu preciso ser forte! Não posso
cair em tentação!
— Do que está falando? – ele me
questiona, erguendo uma sobrancelha.
— Coisas de meninas, eu não terei nada
com você até Noah e Lua se resolverem!
Ele cerra os olhos e caminha em minha
direção.
— E o que nós dois temos a ver com
isso?
Na verdade, acabei de inventar essa
história, só queria que ele fosse conversar
com Lua sobre Noah. Sabe, acho que ter
alguém parecido com o Supremo
conversando com ela poderia abrir sua
mente.
— Tudo! Eles são nossos Alfas, Lua e eu
sempre fomos muito unidas! Ficamos
chateadas juntas, felizes juntas, até
menstruamos juntas! Então, acho bom que
você tente fazê-la feliz!
— Você não está propondo que eu
transe com sua melhor amiga, porque, se
está, você é bem mais safadinha do que eu
pensei.
— Não estou dizendo isso, quero que
converse com ela, a relação dos dois não
anda boa, e o clima está péssimo!
— Querida – ele consegue chegar até
mim –, eu só conheço um jeito de fazer uma
mulher extremamente feliz, não é tão
rápido, mas atesto a garantia da satisfação.
— Merda, por que essa linda boca
gostosa só fala putaria? – sussurro para
mim mesma, mas sei que ele ouve.
— Porque, minha pequena ex-humana,
é isso o que você me causa.
Ele pega a minha mão e direciona,
bem... Para os seus países baixos,
e... Santo céu, os países não estão tão baixos
assim.
— Lê... Fale com Lua que prometo que
me vestirei de enfermeira para você. – Ele
rosna.
— Você não vai me deixar sair dessa,
não é? Se ainda não percebeu, não sou
muito bom com as palavras e... – Ele sorri,
conheço esse sorriso, ele está dando o bote. –
E só vou falar com Lua se você for falar
com Noah.
— O homem me odeia! É capaz de
arrancar a minha pele, e você terá que
brigar pela minha inocência tomada, e esse
corpo maravilhoso seu será ferido. Vê?
Ninguém sai ganhando com isso.
— Primeiro, Noah pode até não gostar
muito de você, mas ele nunca iria feri-la.
Segundo, eu tenho certeza que, depois de
tudo o que fizemos, não sobrou muito de
você que possa ser intitulada de “inocente”.
E, terceiro, esse corpo maravilhoso estará a
espera de uma enfermeira sexy à noite.
Ele sai e me deixa ali, boquiaberta,
merda de homem! Onde será que o chefão
dos trogloditas se meteu? Vou em busca de
Noah.

Leandro

Onde Lua estaria?... Se ela estiver na


floresta, eu estou perdido, se com Noah ela
quase arrancou seu pé, imagina comigo.
Sigo seu cheiro até a sala de treinamento,
ela está dando socos e chutes no saco de
boxe. Por um segundo, fiquei com pena do
saco.
— Você está grávida, não deveria estar
fazendo tanto esforço.
Talvez tenha sido a escolha de frase
errada para se começar uma conversa, já
que ela me olha com um ódio mortal.
— Estou grávida, não inválida.
Lobas devem ser mais resistentes do que
mulheres prenhas normais. Mas não é
comum uma loba pegar cria. Na verdade, é
algo bem raro, ainda mais de dois puros,
como Noah e Lua.
— Posso treinar com você?
Ela dá de ombros e sobe no tatame, não
estava esperando um corpo a corpo, não
seria bom machucá-la, pois, além de ter
meu Alfa me matando, a loirinha pode
ficar irritada. Preciso controlar meus
passos e meus movimentos.
Lua começa a me rodear, seus passos
são leves, mal a escuto se mover. Quando
muda de posição, ela avança e eu recuo, ela
está me testando. — Então... Como andam
as coisas entre você e Noah?
Ela ergue uma sobrancelha, pensei que
fosse responder a minha pergunta, mas Lua
gira o corpo, acertando-me um chute alto
no estômago. O quê? Disse que não era bom
com conversas.
— Por que não pergunta para ele?
— Porque estou perguntando para
você.
Sento-me no tatame.
— Cansou?
— Não vim lutar, estou aqui para
conversar com você, mas parece que
prefere lutar, é isso o que faz, não é? Você
luta, tudo para você é uma maldita luta.
Ela para, ouço a sua respiração e só.
Acho que ela vai sair e Raquel vai me
culpar eternamente por não ter nem
tentado conversar. Não sei se isso pode ser
considerado uma conversa, mas, se Lua sair
agora, significa que foi ela que não quis
ouvir e não posso obrigá-la a conversar
comigo, certo? Ouço seus passos, porém, ela
não estava se afastando, ao contrário, Lua
senta-se ao meu lado e suspira. Então, ela
começa a falar e falar, mesmo que eu não
tenha dito nada que a incitasse a fazer isso.
— Noah e eu não vamos bem, nem sei
se existe um nós mais. Nós só brigamos e,
bem, brigamos. Poderia ser mais simples se
estivéssemos como lá, na matilha de Alec,
não tínhamos tantas brigas e as coisas
pareciam mais fáceis e só se passaram
algumas semanas!!! Eu não conheço
ninguém aqui, estou em uma cidade que
nunca vi em minha vida e eu,
aparentemente, sou a maluca que fica em
forma de lobo tanto tempo quanto um
desgarrado e que sai por aí, mordendo as
pessoas. Agora, o lugar em que cresci está
aos pedaços, nem existe mais um “lugar”,
claro que era a merda de um lugar, mas
era a minha casa. Descobri que minha mãe
está morta e não tenho nenhum corpo para
enterrar ou queimar, ou para me despedir.
Tem também essa história de desgarrado
sequestrando mulheres, as lobas do bando
da minha mãe confiam em mim por algum
motivo esquisito, esperam algo de mim. Se
eu não fizer algo por elas, quem mais fará?
Porque, sejamos sinceros, esses sequestros
devem estar acontecendo há certo tempo e,
provavelmente, ninguém nunca se
importou, e também...
Ela para e respira, fecha a boca, como
se não fosse mais continuar.
— Também...?
— Também há um filho. Eu tenho 19
anos e estou grávida, mas não é só isso: eu
tenho 19 anos e estou grávida de um lobo,
do Supremo, do rei dos lobos! Quando
comecei a ter relações com Noah, nem
pensei sobre proteção, afinal, lobas não
ficam grávidas facilmente, certo? É algo
raro e tudo o mais... E, bem, cá estou eu,
gravidíssima. Se tem uma coisa que se
pensa que vai ser com 19 anos, não é ser
mãe, ninguém sonha: Com 19 anos, meu
sonho será ser mãe. Quem sou eu para ser
mãe de alguém? Isso está me assustando,
não existe um curso de lobas de “como ser
mãe ao entrar na vida adulta e se unir ao
rei dos lobos”. Vocês, machos, pressupõem
que nós já nascemos com esse gene. E se isso
não nasceu em mim?!
Ela olha para baixo, não vai chorar,
não é? Não sei o que fazer com mulheres
chorando!
— Lua... Se tem algo que sei, é que essa
criança que está para nascer precisa de
uma coisa muito importante, ela precisa de
uma casa. Você não pode ficar pensando
em “e se’s”. Isso, só o futuro poderá lhe
dizer, o que pode fazer agora é se
perguntar: Que tipo de casa eu quero dar
para a minha criança? Em que tipo de
mundo eu quero que ela viva? E... Não
tente me matar, mas vou ter que falar
sobre Noah.
Ela me olha e não diz nada, isso deve
ser um bom sinal, certo?
— Você e ele são iguais. Isso nunca vai
dar certo, se um dos dois não ceder em algo.
Você quer que isso dê certo?
Ela não responde a minha pergunta,
fazendo outra em seu lugar.
— E por que tenho que ser eu a ceder?
— Sabe quando ele te viu pela primeira
vez? Ele tinha o direito de te marcar na
frente de todos, naquele exato momento,
sem que você dissesse ao menos uma
palavra, mas ele não o fez. Noah tinha o
direito de te trazer para a sua matilha, e,
mesmo assim, não fez isso sem que você
concordasse em sair da sua casa. Quando
você correu para a floresta no primeiro dia
em que estava aqui e ficou lá por quase três
dias, ele tinha todo o direito de te renegar
como companheira, afinal, você decidiu
abandoná-lo, e, mesmo assim, ele não o fez.
Quando você quase arrancou seu pé na
floresta, ele tinha, por obrigação, que te
punir. Você machucou o Alfa, você o
enfrentou, mas, mesmo assim, ele nada fez.
Quando seu irmão chegou e você abraçou
Ian e mal olhou para a cara dele, Noah
poderia muito bem matá-lo, mas ele não o
fez. Quando suas amigas lhe chamaram de
Alfa na frente a toda a matilha, ele poderia
tê-las punido por perjúrio de tomar um
título que não lhe pertence, mas ele também
não fez isso. Quando você entrou na sala de
reunião e o
enfrentou mais uma vez, ele poderia
ter te punido, mas, novamente, nada fez.
Quando Noah viu o pescoço de Lorenlay e
percebeu uma marca que, por direito, só ele
poderia ser capaz de fazer, ele também
poderia castigá-la. Porém, sabe o que ele
fez? Noah ameaçou Lorenlay, dizendo o que
você representa para ele. E quando Lucas
chegou, você enfrentou Noah mais uma
vez... E o que ele fez? Ele se retirou. Então,
me diga, Lua, quem aqui não está cedendo?
Saio e a deixo ali. Sinceramente, não
sei o que mais poderia falar, é diferente no
escritório, são dados, fatos, julgamentos e
aplicações de leis, fora que minha mente
está completamente focada em uma loira
sexy de vermelho.

Raquel

Ceeerto, onde será que troglodita-mor


se meteu? A casa desse homem é realmente
imensa, poderia viver tranquilamente com
alguém que não suporte e não me cruzar
com essa pessoa em nenhuma hora do dia.
Caminho até seu escritório. Na verdade, é o
único local em que sei chegar sem me
perder, já que Lua nos trouxe até aqui
algum tempo antes – eu tenho algum senso
de direção, tá? Mínimo, mas ele está aqui,
em algum lugar.
Dou uma leve batida na porta e Noah
parece estar concentrado com algo em seu
computador. Como o El Chefón, não se
dignou a olhar para mim. Entrei, bati a
porta com força e sentei em uma parte de
sua mesa. Fiquei um tempo ali, só
balançando as minhas pernas e olhando
para a bela paisagem do jardim que ele tem
como vista de sua janela.
— O que quer?
Onde me tiraram a porra de um
homem bruto como esse? Mordo a minha
língua para não falar nada e sorrio.
— Vim conversar.
— Não tenho tempo, saia.
Gentil, gentil, seja gentil, Raquel –
repito para mim mesma.
— Como você está?
Ele fecha seu computador e vira a sua
cadeira na minha direção. Noah cruza seus
braços e me olha, e eu uso todas as minhas
forças para não me encolher diante dele,
maldito homem intimidador.
— Não finja que está preocupada
comigo, ambos sabemos que você não gosta
muito de mim.
Desço da mesa e começo a andar de um
lado para o outro. O quê? Eu sou
hiperativa.
— Não tenho nada contra você.
— Não?
— Não, eu não te conheço.
— Seus gestos para demonstrar que não
me odeia estão sendo bem explícitos – ele
diz, de modo irônico.
— Não estou aqui para falar de mim.
— E por que está aqui?
Por que ele tem que ser tão direto? Está
transformando isso em uma merda de coisa
difícil.
— Vim conversar com você sobre...
Ahn... Você e Lua.
Ele trinca os dentes e seus olhos ficam
ainda mais duros, quando penso que isso
não poderia ser possível.
— Não tenho nada a conversar sobre
isso com você.
— Aí que você se engana, eu...
— Saia, Raquel, eu não vou repetir –
ele rosna e, merda, meu corpo estremece.
Fique firme, loira, firme como um peito
siliconado.
— Só me deixe te fazer algumas
perguntas.
Ele acena com a cabeça, o que vejo
como carta branca para continuar.
— Quais as flores favoritas de Lua? –
ele não responde. – Qual a cor favorita dela,
sua comida predileta? Quais os tipos de
caras que ela faz? Qual horário que ela
gosta de acordar? O que a faz sorrir? O que
a faz chorar?
Quais os sonhos dela? Seus desejos? Seus
medos? Quais são as suas manias?
Ele continua calado.
— Exatamente! – digo triunfante. –
Você não sabe responder a nenhuma das
questões!
Ele cerra novamente os olhos para
mim.
— Por que está me fazendo essas
perguntas?
— Porque você não a conhece! Por isso
que não respondeu! Você não conhece Lua,
assim como ela não conhece você. E isso vai
acabar sufocando os dois, é como se dois
estranhos fossem obrigados a viver em uma
mesma casa, eles vão tentar se matar por
espaço, porque não se respeitam, e não se
respeitam porque não se conhecem!
Noah olha para cima e alonga seu
pescoço, ele começa a sair de seu escritório e
eu o interrompo.
— Amarelas. – Ele para de caminhar e
só volta quando completo a minha frase. –
Suas flores favoritas são rosas amarelas.
Então, ele vai embora, não tenho como
saber se Noah absorveu algo do que falei.
Ham... Não sei se falei muita coisa, de
qualquer forma. Poderia ter dito algo mais?
Amo Lua, mas a Estranha é uma dor de
cabeça ambulante, e ela pode tentar
esconder de qualquer um, mas eu sei que
seu maior sonho sempre foi ter uma
família, um marido e filho, e viver felizes
para sempre.
Ouço um forte uivo, algo que treme
cada pedaço de osso em meu corpo. Meus
ossos se dobram sem o meu consentimento, e
minha loba toma forma e assume o
comando. Isso foi um chamado, um
chamado de um Alfa.

Noah

Ela tem razão? Eu não a conheço? Meu


animal quer sair, ele quer correr
novamente. Deseja ser liberto, não o libertei
com sexo, nem com lutas. Então, ele está me
exigindo passagem, rasgando a minha
carne de dentro para fora e, por um
momento, tudo o que desejo é permitir que
ele saia.
Atravesso a minha casa e já vou
tirando as poucas roupas que me cobriam e
as deixo pelo caminho. Quando chego ao
pátio, várias pessoas da matilha já me
acompanhavam. Deixo que ele venha, dou
boas vindas a minha fera, deixo-a solta
para destruir o mundo, se assim for sua
vontade. Por alguns minutos, permito-me
descansar, permito-me não ser aquele a
tomar as decisões, permito-me ficar como
espectador.
Transformo-me e mais membros da
minha matilha se juntam, mas não é o
suficiente, quero todos aqui. Então, ele
uiva... Ele uiva, e O
Chamado, nos lobos, é tão forte que os
obriga a se transformarem e virem ao meu
encontro. Quase trezentos lobos estão a
minha frente, contudo, ainda não é o
suficiente, ainda estou insatisfeito, irritado,
ainda não é o suficiente. Então uma
imagem chega a minha mente, como uma
visão, me vejo com milhares de lobos ao
meu redor, e foi essa a primeira vez que o
meu lobo falou comigo, falou sem usar
palavras, me mostrando que nunca será o
suficiente se ela não estiver por perto.

Luana

Ouço o seu uivo e, embora meu lado


animal choramingue, querendo sair e
correr ao seu encontro, fico parada em meu
lugar. Tudo que Leandro me falou invade a
minha mente, ele está certo. Eu não cedo,
não cedo nada. Não cedo um espaço para
alguém em minha vida, pois passei tempo
demais me escondendo nas sombras. Não
cedo um espaço em meu coração, pois tenho
medo demais de repetir a relação dos meus
pais... Eu não cedo, e todos os motivos pelos
quais isso acontece são por medo e baseados
em relações falhas de outras pessoas. Isso é
o suficiente? Ouço outro uivo de Noah,
estou disposta a cometer meus próprios
erros? A ter as minhas próprias falhas? A
ceder?

Noah
Não desisto e uivo outra vez, não
quero desistir, meu lobo quer que ela venha,
que caminhe até nós, quer que ela esteja em
frente a toda a matilha, quer que toda a
matilha a reconheça. Os lobos começam a
ficar inquietos, começam a não entender
meu posicionamento, continuo aguardando
em frente a propriedade enquanto todos
querem correr. Porém, meu lobo não se
move, ele continua reto e altivo, olhando
para o horizonte, com a certeza de que algo
viria de lá, de que alguém viria de lá. Meu
lobo olha para esse espaço vazio do mesmo
modo que encarava as noites solitárias de
lua cheia, ele olha para esse espaço vazio
como se tivesse a encarar a própria lua.

Luana

Passo a mão pelo meu ventre, que já


indica que tem um serzinho crescendo nele,
um pedaço meu e de Noah. E penso: será
que ele não merece uma chance?
Claro que meu filho merece a chance de
ter um pai e uma mãe, mas não tenho que
tomar essa decisão por ele, tenho que tomar
por mim... Noah é capaz de fazer com que
todo o meu mundo trema, estar com ele é
como... como estar finalmente completa. Ele
encaixa e enche cada espaço que sobra em
mim, cada pequena falha ou machucado
são preenchidos por sua presença em minha
vida. Minha reação negativa em relação a
Noah vai muito sobre o fato de que lobas
não possuem voz em uma comunidade onde
ele é o líder, mas também pelo fato de ter
medo... A última coisa que minha mãe fez
foi me chamar de idiota por ter-me unido a
ele, e suas palavras martelam em minha
mente por todo o tempo, como um lembrete
de que ela se foi e que estava decepcionada
comigo. Porém, tirando toda a opinião dos
outros, o que sinto por Noah?
Merda! Eu...

Noah
Meu lobo continua na mesma posição,
se fosse eu, já teria ido embora há algum
tempo. Ela não virá, ele só está perdendo
nosso precioso tempo. Ele rosna, e o pessoal
da matilha se afasta um passo. Contudo, o
lobo não rosnou para eles, rosnou para
mim.
Lua aparece na entrada da minha casa
e caminha vagarosamente até nós, ela não
se assusta pela quantidade de lobos que está
transformada a sua frente, não desvia o
andar, nem o olhar. Ela caminha em
direção ao meu lobo e temo com o que ele
fará, quando deixo meu lado animal sair,
fico agressivo e sem paciência, e temo que
ele a machuque. Tento voltar para o
comando do nosso corpo e ele me prende,
ouço o seu rosnar em minha mente, ele
nunca esteve tão forte. Será que é por causa
da proximidade dela? Estou preso em meu
próprio corpo e só me sobrou olhar e orar
para que ele não a magoe.
Quando chega a frente do meu lobo,
que não se moveu nem um centímetro
sequer, Lua faz algo que eu nunca pensei
que a veria fazer.
Luana

Merda, eu amo aquele idiota!


Caminho para onde minha loba estava
louca para ir desde o início, e ela só falta
ronronar em meu subconsciente.
Todos da matilha de Noah estão lá,
transformados, todos atenderam ao
chamado. O lobo de Noah está ali, com seu
olhar carmim, encarando-me. Caminho em
sua direção e, quando estou a sua frente,
ajoelho-me e retiro o cabelo que cobria a
lateral do meu pescoço, exponho meu
pescoço para Noah. Quando um novato
entra em uma matilha, é esse o ritual que
faz para entrar, ele fica ali, à mercê do
Alfa. Se o Alfa o achar indigno, ele o mata.
Se quiser puni-lo, ele o morde, uma mordida
que sarará como um ferimento humano, o
que irá expor sua vergonha por semanas.
Ele se meche, finalmente, e caminha em
minha direção, sinto a sua respiração
direto no meu pescoço, como baforadas, e
cada célula do meu corpo vibra com o
rosnar que ele emite logo depois.

Noah

Ela se ajoelha diante de nós e expõe seu


pescoço. Meu lobo caminha em sua direção
e, após cheirar o seu pescoço, rosna. Mas
Lua não recua nenhum centímetro, e ele
gosta disso, aprova... Aprova a forma com
que Lua se porta, aprova a forma corajosa
e destemida, ele sente... orgulho.
Enquanto eu me ofenderia pela posição
de Luana, ele fica feliz ao perceber como ela
se porta, sem medo. Porque acredita que
Luana não deva, jamais, ter medo de nós.
Com os dentes em seu pescoço, ele dá
uma leve lambida em sua carne sensível.
Lua, então, sorri e o afaga, como alguém
que afaga a um cãozinho na rua. Só que,
neste caso, é um imenso rei lobo de olhos
vermelhos.
Orgulhe-se, assim como eu. Não
deixaria que você a afastasse ainda mais.
Ela é uma loba, é forte, brava, destemida,
leal... E é nossa para amar mais uma vez.
Ouço-o dizer em minha mente, e isso
nunca tinha acontecido antes. Meu lobo
uiva em reconhecimento ao novo
integrante de sua matilha, e todos os outros
uivam logo atrás. Mas Lua não se
transforma, ela dá um leve beijo no focinho
do meu lobo, como se soubesse que quem
está controlando o meu corpo é ele, e não
eu. E caminha de volta para casa. Ele uiva
mais uma vez e corre, corre para a floresta,
e todos os outros o acompanham.
Ela sabia que era eu, e não você, ela
sabia. Terá que fazer sua parte agora.
O que quer dizer com isso?
Mas ele não responde. Eu e ele somos a
mesma pessoa, ou deveríamos ser.
Foi a última coisa que o meu lobo se
dignou a falar. Sério? Meu lobo me dando
conselhos amorosos, a que ponto cheguei?
Luana
Quando me ajoelho, ouço uma voz
sussurrar em minha mente.
— Prazer em te conhecer,
companheira.
— Quem é você?
Sei que não é Noah, e ele é a única
pessoa que me chama dessa forma.
— Sou seu, esperamos um pelo outro
por um longo tempo.
— Não foi isso que eu...
— Isso é tudo o que importa.
— Mas...
— Seja bem vinda à matilha, eles
sangrarão e morrerão por você, você é
minha, e é a Luna deles. Eles verão em ti
poder e força, assim como eu vejo, minha
Lua. Pode demorar um pouco, mas seja
paciente, eu também serei.
Olho diretamente nos olhos vermelhos
do lobo que está em minha frente e não sei
como isso aconteceu, mas tenho a certeza de
que quem falou comigo foi o lobo de Noah.
Nossos olhares travam em reconhecimento,
e eu afago seu pelo e beijo o seu focinho.
O normal, quando um lobo é aceito em
um bando, é correr com eles, como um
igual. Porém, me despeço do lobo e retorno
para a casa. Ele me pediu para ser paciente
e eu serei, vou tentar não entrar mais em
brigas desnecessárias com Noah e,
convenhamos, o lobo que deveria ser o
animal irracional parece muito mais sábio
do que ele.
Sinto sob minha pele um medo
irracional, como se algo de muito sério e
grave estivesse prestes a acontecer. Passo a
mão pelo meu ventre e faço uma prece
silenciosa para que a minha cria consiga
nascer em um mundo sem tantas batalhas
diárias.

Alicia

Toco em seu rosto, Lucas parece não


respirar... Passo os meus dedos por seus
olhos, seu nariz, contorno seu forte maxilar
e meus dedos pousam em sua boca. Resolvo
olhá-lo, e o sentimento que emana dele me
deixa tonta por alguns segundos, tudo o que
uma parte de mim quer é pular nele e
aceitálo, é unir meu corpo ao seu e
entrelaçar nossas almas, mas ele sorri de
lado e uma memória volta com toda a
força.

*****

Ele estava sorrindo para mim,


sorrindo quando forçava seu corpo para
dentro do meu mais uma vez. Ele disse que
queria me emprenhar, ligar, de forma
definitiva, sua existência a minha. Ele
ficou irritado quando me mordeu e nada
demais aconteceu. Então, foi para um plano
B: lobas conseguem ter filhos de outro lobo
qualquer, só que é muito difícil. Ele disse
que tinha tempo, tomou seu tempo. Depois
de horas, não sentia nem mais dor, só via o
seu sorriso e seu olhar enquanto me
montava, era algo doentio e eu nunca
esquecerei daquilo.

*****

Dou alguns passos para trás,


afastando-me de Lucas, e atrapalho-me com
meus pés. Ele segura em minha mão e me
impede de cair. Meus olhos
automaticamente vão para a união de
nossos dedos, eles ficam lá porque não
queria olhar para ele.
— Você se lembrou dele, não foi?
Ele está irritado, o que me faz olhar em
sua cara. Bem, ele realmente parece
irritado.
— Desculpe? – sussurro.
— Não me peça desculpas, Ali. – Ele
suspira e eu afasto as nossas mãos.
— Temos que ir – ele diz, já se
erguendo.
— Ir para onde? Acabamos de chegar!
— Preciso de uma reunião com seu
irmão para que possa contar sobre as
mulheres.
Me sinto mal por quase ter me
esquecido desse assunto.
— Você poderia omitir a parte em que
foi chamado para fazer parte da
organização. – Não sei se alguém poderá
salvá-lo de Noah novamente.
Quando meu irmão descobrir que ele foi
chamado e que aceitou participar...
— Não posso omitir – ele dá de ombros
–, não vou.
Homem cabeça dura...
Ouço um uivo do meu irmão, todo o
meu corpo começa a se contorcer e me
transformo. Seu chamado é poderoso, e
corro de encontro a ele.
Lucas me segue. Ainda em sua forma
humana, ele observa, enquanto toda a
matilha se une, enquanto Lua chega e se
ajoelha, enquanto Lua é aceita. Então,
depois de mais um uivo, Noah corre e todos
os outros correm atrás. Mas eu não vou.
Pulo em Lucas, pulo de um lado ao
outro, como um imenso Labrador querendo
brincar. Então, vejo-o tirar sua roupa, peça
por peça. Lucas se transforma em minha
frente, seu lobo é marrom e preto, ele é
lindo...
Lucas pula, tentando me pegar, e eu
desvio. Então, começamos uma brincadeira
estranha de correr e tocar, ele e eu... E, se
ele pudesse me ver agora, veria que estou
sorrindo. E dessa vez não me lembrei do seu
irmão ou sobre o passado, somos só nós dois.
Capítulo 28 – Planos

Raquel

Esse lance de lobo é bem diferente, mas


é incrível! Claro que, às vezes, me sinto
possuída por outra pessoa, mas, ainda
assim, é incrível! Sinto o vento bater no
meu rosto, sinto o cheiro da floresta, do
orvalho, da noite, sinto o cheiro de vida. E o
mais incrível disso tudo é que posso sentir
todos os outros, posso sentir a matilha! São
como uma imensa colmeia, cada um
interligado ao outro, como um gigantesco
gráfico muito complexo. Eu os sinto, suas
vidas pulsam e pulsam, é um gráfico vivo
com batimentos cardíacos, isso é tão
incrível! Sei que estou usando a palavra
incrível demais por aqui, porém, olho para
o meu querido lobo correndo ao meu lado e
essa palavra se repete em minha mente:
“incrível”. Claro, essa palavra seguida de:
gostoso, quente, brutamonte...
Leandro corre ao meu lado, tenho
certeza de que está se obrigando a correr
mais devagar só para ficar perto de mim,
sei que seu lugar é à frente, ao lado de
Noah, já que ele é o Beta. Mas agora está
aqui, correndo ao meu lado, como se
dissesse, com isso, que seu lugar talvez
tenha mudado. Nunca pensei em mim como
alguém de família. Céus, Estranha e eu
temos a mesma idade, nós poderíamos ser
consideradas crianças em alguns países – eu
acho. – E cá estou eu, encontrei um homem
incrível, um homem que é cabeça dura e
firme, mas que tenho certeza de que faria
qualquer coisa por mim. E, neste momento,
só consigo pensar em como eu sou
imensamente sortuda!
A matilha vai dormir na floresta hoje,
continuam todos transformados, não sei por
que ainda não voltei a minha forma
normal, já que, quando tentei ficar muito
tempo com minha loba na floresta, com
Lua, eu não consegui. Noah deita-se em
uma clareira e todos os outros seguem seu
exemplo. Leandro e eu deitamos ao seu
lado, enrosco-me no corpo quente do meu
lobo e adormeço.
Certo momento da noite, desperto e
vejo Noah se levantar, ele sobe em uma
pedra, olha para todos, de cima. Então, ele
olha para a lua, sem uivar nem nada, só
esperando. Ele olha para a lua como se
aguardasse uma resposta, como se esperasse
ouvir algo de volta. Noah passou horas ali,
até o dia clarear, até a lua sumir do céu.
Olho para mim mesma e percebo que
ainda estou nessa forma, como loba. Olho
novamente para Noah, percebo que a
ligação entre a matilha, aquele imenso
gráfico que havia notado antes, tem um
denominador comum: todas as pontas
colidem em Noah. Percebo que não fui eu,
não foi minha força que me permitiu ficar
nessa forma, foi Noah, através do vínculo
da matilha, ele me cedeu seu poder. A mim
e a diversos outros da matilha. Consigo
entender Noah um pouco mais, a dimensão
de suas ações, de suas preocupações, de suas
responsabilidades... Quantas vidas
dependem dele? Quantas pessoas esperam
algo dele? E essa é apenas sua matilha sede,
ele é responsável por todas as outras ao
redor do mundo, eu não tenho a mínima
dimensão sobre isso.
Voltamos para a área de casas,
andando. Veja, podemos estar quase dentro
de uma cidade grande, mas temos uma
imensa reserva ao nosso redor. Noah volta
a sua forma humana, estranho a mim
mesma, porque sua nudez não significa
mais nada para mim, não fico com
vergonha, só acho normal. Merda, acho que
virei uma hippie doida! Recuso-me a
abraçar uma árvore e cantar Kumbaiá,
eles não fazem isso, não né? Espero que não.
— Ravi e Leandro, teremos uma
reunião em duas horas. Tragam o que lhes
pedi para averiguar.
Então, ele caminha até sua casa sem
olhar para trás. E eu fico aqui, pensando
em quão solitário Noah se parece agora.

Noah

Volto para a minha casa. Por um


segundo, penso em não ir para o quarto, e
meu corpo se encaminha para o centro de
treinamento que tenho em minha casa.
Porém, quando estou quase chegando, as
memórias voltam, a memória de mim
ajoelhado e Lua, bem... me rejeitando.
Rosno e caminho para o meu quarto, mas
ela está lá, eu sei pelo seu cheiro, parece que
seu cheiro impregna cada parte da minha
casa, cada parte de mim.
Entro no quarto sem fazer nenhum
tipo de barulho, ela está lá, esparramada
em minha cama, suas pernas estão à
mostra, já que usa somente uma camiseta
grande e sem mangas. No seu braço, a
marca idêntica a minha comprova o que
todos já sabem, nosso vínculo. Às vezes,
paro para pensar que essa é a única coisa
que temos em comum, nossas marcas. Fico
ali, só olhando para ela, só vendo-a
respirar, só sentindo o seu corpo a
centímetros do meu e não podendo fazer
nada. Na verdade, tendo medo de fazer
algo... De fazer algo e acabar em uma
maldita guerra! Não posso enfrentar as
guerras das matilhas se estou com minha
mente focada o tempo inteiro nela, se meu
corpo está constantemente consciente do
dela. Minha cabeça está aqui, e isso é tudo o
que os meus inimigos precisam para me
derrubar. Isso precisa ser arrumado, ou
tenho Lua ao meu lado definitivamente ou
não a tenho.

Luana
Sinto a proximidade de Noah, sinto-o
caminhar em minha direção, sinto quando
o colchão afunda um pouco, pois ele se senta
na beira. Sinto seu olhar como lambidas de
fogo sobre o meu corpo, estou tão consciente
dele e ele nem ao menos me tocou. Noah só
fica ali, me olhando... Sinto o seu corpo se
mover e eu abro um olho, pois sou curiosa e
preciso saber o que ele está fazendo.
Ele está com a cabeça baixa,
sustentando-a entre as mãos, parece
preocupado. Lembro-me do que o lobo de
Noah me disse: “Seja paciente, eu também
serei”. Porém, não sou muito boa em ter
paciência, não sou muito boa em esperar.
Sento-me na cama e Noah fica com seu
tronco reto, mas não me olha. Ele não vira.

Noah

Sinto seu corpo se erguer, sinto seu


olhar em minhas costas como um maldito
laser, e sei que o que acontecer aqui, hoje,
será decisivo em nossas vidas. E é por isso
que não começo nada, não digo nada, meu
histórico de inícios de conversas não são
favoráveis a mim. Então, só me calo e fico
lá, esperando que ela dê o primeiro passo.
Demora alguns minutos, parece como uma
guerra de quem fica em silêncio por mais
tempo e dou risada internamente. Por que
tudo entre nós precisa ser uma guerra?
Ela se levanta da cama, não a olho,
mas sei que o seu corpo se afasta do meu.
Então, é isso o que vai acontecer? Ela vai
simplesmente ir?
Luana

Sei que ele não falará nada. Como


dizem, um gesto vale mais que mil
palavras, não é?
Levanto-me da cama calmamente e
afasto-me somente alguns passos. Noah não
me olha, ele está com seu olhar vidrado em
um espaço vazio. Sinto-me idiota por estar
fazendo isso sem ele nem ao menos me
olhar, mas... Não vou dar para trás agora,
tomei uma decisão, sei o que sinto por
Noah, sei que o amo, sei que também sou
nova demais para saber o que significa este
sentimento, mas estou disposta a aprender,
junto com ele.
Ergo a camiseta larga sobre a minha
cabeça. Estou nua, a uns tantos passos dele,
e Noah ainda não me olha. Então, dou
alguns passos incertos em sua direção e
percebo que sua respiração começa a vir de
modo mais rápido.
Continuo andando até chegar em sua
frente, toco em seu queixo e viro seu rosto
para mim. Os olhos de Noah brilham em
vermelho quando olha o meu corpo, suas
mãos apertam a beira do colchão e sinto-o,
o lobo, sinto o lobo junto a Noah, ambos a
me olharem. Isso é estranho, não deveriam
ser dois, porque consigo vê-los assim? Como
se algo ali dentro tivesse quebrado e os
dividido.
— Companheiro.

Noah
Vejo a minha Lua ali, nua em minha
frente, e meu corpo responde de modo
automático. Seguro-me para não voar em
cima dela como um animal, sinto o meu
lobo rosnar.
“Às vezes, ela vai se afastar, dê espaço,
ela sempre, sempre, voltará para nós, não
se esqueça”.
Ouço-o dizer em minha mente.
Afastar? Não vou mais permitir que Lua se
afaste de mim. Quando ela pensar que
precisa se afastar, vou lhe mostrar que seu
lugar é aqui, comigo, onde jamais deverá
sair.
— Companheiro.
— Lua... – Ela toca os meus lábios,
impedindo-me de continuar.
— Eu... Sei que sou difícil às vezes. Na
verdade, sei que, na maioria das vezes, eu
estou armada contra qualquer coisa. Sei
que você merecia uma companheira fácil
de lidar, calma, obediente. – Nessa hora, ela
faz uma careta e me seguro para não rir. –
Mas, sabe, talvez, desde o início, você tenha
pensado em me mudar, talvez tenha visto
em mim um desafio. Eu não vou mudar a
minha essência, não posso mudar quem eu
sou, mas estou disposta a ceder em algumas
coisas, é isso o que as pessoas fazem quando
amam, certo? Elas cedem.
Sorrio, porque ela está nua em minha
frente e fazendo um maldito discurso.
— Você está rindo! – ela diz, já fazendo
bico.
— Isso quer dizer que você me ama?
— Claro que te amo, você é meu
companheiro.
Não sei por que, mas essa resposta não
me agradou muito. Quero que Lua me ame
não só porque sou seu companheiro, quero
que ela ame o líder, a pessoa, o garoto,
quero que ame tudo o que há em mim.
— Só por isso, Lua?
— Se fosse só por causa dos hormônios
de companheiros, eu não estaria aqui... Não
estaria aqui se não o admirasse, se não
sentisse admiração com aquilo que é.
Eu me levanto, coloco-a sentada onde
eu estava e vou pegar algo que guardei na
cômoda. Merda! Espero fazer isso certo
desta vez.

*****

Pego novamente a caixinha e caminho


até ela. Lua está como uma estátua, pelo
menos ainda não correu, isso deve ser um
bom sinal. Ajoelhome em frente a ela.
— Eu te amo, Lua. Estou aprendendo,
meu lobo te ama e sabe o quanto nós dois
juntos somos certos um para o outro, essa é
uma certeza que ele de alguma forma já
possui, mas eu estou aprendendo. Eu quero
aprender junto com você, preciso de você
em minha vida porque, ontem, olhei para a
Lua e descobri que ela não faz mais o
mínimo efeito em mim, não quando já
encontrei a minha, não quando conheci
você. Preciso da sua força, preciso da sua
luz, preciso da bagunça que faz em minha
vida, porque essa bagunça me faz
questionar tudo o que sou, me faz ser um
homem melhor e um Alfa melhor para a
minha matilha. Eu preciso de você, porém,
é mais que necessidade, eu quero. Está me
ouvindo, Lua? Eu QUERO ter você em
minha vida. Casa comigo?
Ela não se move, mal respira. Merda,
ela está sem respirar por tempo demais.
— Lua?
Uma lágrima escorre pelo seu rosto e,
depois, outra... e outra... Merda, fiz algo
errado.
— Lua, não chore! Está tudo bem, não
precisa responder agora, se não quiser, está
tudo bem. – Sento-me ao seu lado e passo a
minha mão pelo seu rosto, limpado suas
lágrimas. – Merda, pare de chorar! Do que
precisa?
Diga qualquer coisa e será sua.
Ela sorri em meio às lágrimas.
— Eu já tenho.
— O quê?
— O que preciso, tudo o que preciso, e
está bem aqui, em minha frente.
Lua me beija, e a força que estava
esperando encontrar na lua, ontem à noite,
toma cada canto do meu corpo agora.
Minha Lua, luna, companheira.

Luana

Entre as minhas lágrimas, nosso terno


beijo passou a ser algo duro, rápido,
necessitado. Não queria mais distinção
entre o meu corpo e o de Noah, queria
fundir-nos, transformar-nos em um único
ser de duas partes. Tiro a sua roupa, ele me
ajuda, Noah toca cada canto de mim, ele
beija cada canto de mim.
Noah segura as minhas mãos atrás das
minhas costas, faço força para me soltar e
ele segura mais forte, quero tocá-lo.
— Pare. – Poder derrama só dessa
palavra que ele profere, e paro de tentar
sair de seu agarre.
Noah começa a se inclinar sobre o meu
corpo, fazendo-me deitar, ele continua
segurando meus pulsos, mas, dessa vez,
estão sobre a minha cabeça. Ele não tira os
olhos de mim nem por um segundo, sinto
seu corpo se aproximar de mim e o meu
vibra em antecipação. Noah passa sua
barba em minha bochecha, beija-me ali.
Depois, do outro lado. Então, toca os seus
lábios nos meus e sussurra:
— Seja minha, Lua, só minha, por hoje
e por todo o restante das nossas vidas, e que
seja uma eternidade enquanto estivermos
os dois juntos, completos, eternos.
Ele não espera uma resposta. Na
verdade, não sei se consigo falar nada neste
exato momento. Noah me toma devagar,
olhando em meus olhos, sinto seus vagarosos
movimentos me atormentarem.
— Noah...
Ele beija o meu pescoço e volta a me
olhar nos olhos, sem nunca interromper
seus movimentos. Perco-me em seus olhos
vermelhos e intensos, perco-me na sensação
de seu corpo contra o meu, perco-me no
cheiro de nosso suor misturados, no som de
nossos gemidos ao estarmos, talvez, pela
primeira vez, nos amando.
Noah

Lua está dormindo agora em meus


braços, e eu fico só observando-a, orando
para não fazer alguma merda e perdê-la,
porque não sei se consigo me erguer se algo
assim acontecer. Isso não pode ser uma
fodida de uma opção. Olho para o relógio
em cima da mesa e a beijo.
— Me deixe dormir, Noah... – ela
murmura e eu continuo beijando seu rosto e
pescoço, e ela abre os olhos. – Você fica lindo
quando sorri.
É a primeira coisa que diz.
— Isso significa que só fico “lindo”
quando estou com você.
— Você é lindo de qualquer jeito, seu
idiota, e já é presunçoso demais para me ter
falando isso.
Gargalho e ela me observa. Quanto
tempo que não rio assim? Acho que desde a
morte dos meus pais...
— Por que me acordou? – Ela boceja.
— Tem uma reunião agora. – Lua se
cobre novamente e vira para o
outro lado.
— Me deixe dormir, tchau.
— Ah... Iria te chamar para
participar, sabe, discutir sobre o
desaparecimento das lobas e coisas do tipo,
mas vejo que está com muito sono e...
Enquanto estava falando só essa frase,
ela já tinha levantado, pego suas roupas e
já estava no banheiro. E enquanto pensava
sobre isso, ela já sai de lá como uma bala e
começa a me puxar pelo braço.
— Vamos, Noah, se apresse!
— Lua, eu estou nu – digo o óbvio.
— Até parece que todo mundo aqui já
não te viu pelado, vamos logo!
Gargalho novamente.
— Eu, definitivamente, não terei uma
reunião pelado, isso tiraria toda a minha
moral de Alfa durão. – Ela pensa um pouco
e vai até o meu guarda roupa, pega
algumas coisas, joga em meu peito e me
empurra para o banheiro, fechando a porta
a seguir.
— Se demorar, vou sem você! – ela grita
do outro lado e eu sorrio novamente, a
mulher é como um tufão.
Saio do toalete, Lua e eu vamos para o
escritório. Ela corre na frente e reclama
que eu estou andando devagar de propósito,
e eu andando normalmente atrás.
Chego no escritório e cumprimento
Leandro, Ravi, Alec e Ian. Vou até a minha
cadeira e puxo Lua para o meu colo, ela
trava um pouco e depois se acomoda. Vejo
Ravi sorrir para ela e, quando olho para a
minha Lua, ela está com o mesmo sorriso
para ele.
— Pare de sorrir para a minha mulher
ou vou quebrar seus dentes, Ravi.
Seu sorriso se abre mais ainda, se é que
isso pode ser possível. O que esse idiota é? O
maldito gato da Alice? Suspiro.
— O que conseguiram?
— Tentamos entrar em contato com os
Alfas, conseguimos, na verdade, mas eles
disseram que tudo está normal. Acho que
estão mentindo.
Tudo o que preciso agora é de Alfas
mentirosos que não aceitam a minha
autoridade, merda...
A porta do escritório é aberta e Lucas
entra com Alicia logo as suas costas, eles
pareciam que estavam discutindo, e eu
permaneço sentado, e não em seu pescoço,
porque Lua e meu filho ainda estão em meu
colo.
— O que faz aqui? – rosno para o
homem e não faço nenhum esforço em
esconder a minha repulsa.
— Preciso reportar algo.
— Diga.
— Humanos estão trabalhando em
conjunto com renegados para roubarem
lobas, elas estão em um laboratório na
cidade, são estupradas diariamente... Eles
dizem que estão em busca do gene de cura
do lobo, mas eu não acredito. Tem algo a
ver com as lobas.
— E como sabe disso?
Claro que a informação era de suma
importância e, se fosse outra pessoa, eu
teria perguntado onde é esse laboratório.
Porém, não confio em Lucas, não confio que
esteja me dizendo a verdade.
— Porque eu vi. Fui chamado para
fazer parte da organização.
— Você o quê?!
— Eu aceitei e fui averiguar, mas eles
me drogaram, não sei onde o local fica.
Quando voltei para o meu apartamento,
um renegado tinha capturado sua irmã. Eu
o matei, mas ele já tinha entrado em
contato com a base e informado que eu
estava ali, vão me ligar ao assassinato, vão
me ligar a Alicia, por isso viemos aqui.
Ela toca em minha mão.
— Vá, Noah, você precisa averiguar.
— Saiam – digo para todos os outros. –
Só vá? Sem brigar para querer ir junto? –
pergunto quando estou a sós com Luana.
— Não sou criança. Pareço ser, às
vezes, mas isso é sério. Você pode não se
concentrar totalmente se eu for junto, terão
que encontrar o lugar e terão que fazer isso
rápido. Lucas disse que eles sabem que ele os
traiu, provavelmente, já devem ter mudado
a operação de local. Isso é sério, Noah, mais
sério do que pensávamos. Se médicos
humanos estão envolvidos, eles já estão
cientes de nossa raça. Só... tome cuidado.
— Irei, não se preocupe. No momento,
enquanto não sabemos o que enfrentamos
de verdade, o local mais seguro para você e
as outras garotas da matilha é aqui. Preciso
estar com a minha mente cem por cento
nisso, preciso saber que estará segura, me
entende?
— Sim, eu entendo. Agora, vá!
Ela me enxota para fora do meu
escritório. Eu chamo os outros e
pegamos os carros. Ela tem razão, se
tivermos sorte, encontraremos alguma
pista, eles já devem ter mudado de
local.

Luana

— Eles vão ficar bem, certo?


— Estranha! Nós não vamos ficar sem
fazer nada, não é?
— Vamos orar para que fiquem
seguros.
Estou ouvindo este tipo de coisa desde
que Noah pegou Alec, Lucas, Ian e Leandro
e foi até o centro de Nova York tentar
encontrar o local que Lucas disse. Agora, eu
tenho três mulheres que não param de falar
e uma que está calada até demais, Alicia.
Ela só olha através da janela e fica
quieta, quase uma estátua.
— Meninas, por que não vão ver se a
janta está sendo preparada?
Ouço um “Sim, Alfa” em uníssono de
Manu e Pri. Raquel me olha de esguelha e
eu reviro os meus olhos e aceno para Alicia.
Ela concorda com a cabeça e sai, deixando-
me sozinha com minha cunhada.
— Então... Quer me contar o que
aconteceu?
Ela estava tão absorta em pensamentos
que deu um pulo quando ouviu a minha
voz.
— Eu...
— Vamos lá, Alicia, que diabos
aconteceu? – Não me culpem, estou com os
nervos a flor da pele.
Ela me olha por alguns minutos,
suspira e começa a falar:
— Sabe que foi ele quem sequestrou
Raquel, não é? Ele queria te sequestrar, na
verdade, destruir o meu irmão... Mas ele
não é mau, sei que não é. E, mesmo assim,
eu não consigo...
Ela parece perdida em memórias e a
deixo lá por alguns instantes.
— O que não consegue?
— Não consigo olhar para ele e não
lembrar daquele dia... Lucas odeia Noah
porque ele matou o seu irmão.
— E por que Noah mataria o irmão
dele? – Vamos lá, Noah não é nenhum gênio
fácil, mas também não sai matando pessoas
por aí, eu acho que não.
— O irmão dele me... Sequestrou. Ele
colocou na cabeça que era o
meu companheiro, me montou e me mordeu
à força. Quando o enlaçamento não
ocorreu, ele só... Ficou tentando me deixar
grávida.
Isso é... Terrivel. Sinto pena de Alicia,
mas sei que essa é a última coisa de que ela
precisa. Sabendo como é meu querido
Supremo, ele provavelmente a encheu de
cuidados e não a deixou sem proteção
depois disso, ela já teve gente demais
sentindo pena.
— Isso é uma merda. – Não sou muito
conhecida por dar bons conselhos e, bem, a
situação realmente é uma merda.
Ela sorri, um riso triste.
— Você não tem noção do quanto.
Quando vi Lucas e soube que ele era o meu
companheiro, fiquei feliz. Pensei que havia
finalmente encontrado a pessoa que faria o
meu passado desaparecer, que faria
finalmente com que a dor sumisse, que me
faria esquecer de tudo pelo o que passei.
Então, descubro que é o irmão da pessoa
que me causou tudo isso. O engraçado é que
os seus olhos são quase idênticos, o que os
torna ainda mais parecidos.
— Mais eles não são, certo? Lucas
nunca a magoaria.
— Não, ele não o faria.
— Quer saber, Alicia? Eu acho que você
encontrou o companheiro perfeito. – Isso
chama a sua atenção e ela me olha
boquiaberta.
— Você pode não ter escutado o que
acabei de falar e...
— Não, ouvi perfeitamente – corto-a. –
Você não precisava de alguém que a fizesse
esquecer o que passou, precisa de alguém
que te faça superar, e esse alguém é ele.
Não estou dizendo que vai ser fácil. Olhe
para mim e seu irmão, não há nada fácil
por aqui, mas ele ajudará a curar, caso
você deseje a cura dessas feridas que estão
até hoje latentes aí dentro.
Alicia, de uma hora para a outra,
gruda em mim e me abraça, somos
interrompidas pelo leve chute de meu bebê.
Ela se afasta, seus olhos estão marejados.
— Eu não acredito que vou ser titia,
isso é tão incrível! Já pensou em um nome?
Suspiro, claro que não pensei em um
nome.
— Tudo o que penso, cunhadinha, é
fazer com que minha cria nasça em um
mundo de paz.
O clima fica tenso, ficamos sérias e
caladas por alguns instantes, até que não
aguento todo o silêncio.
— Merda, esse tempo sem notícias está
me matando!
— Podemos ir na sala de Ravi, aposto
que ele tem notícias.
Por que não pensei nisso antes? Ravi
parece ser o gênio da matilha – ou coisa do
tipo –, ele está sempre rodeado por
eletrônicos de última geração e
armamentos.
Quando estava passando pela sala para
ir até o escritório onde Ravi fica, Raquel
me avista e corre para o meu lado.
— Não me deixe na cozinha, Estranha,
não sou a droga de uma dona de casa, e
sempre é mais divertido com você. Sabe...?
Quebrar regras, aprontar.
— Eu não faço esse tipo de coisas –
defendo-me, mas estou sorrindo, e ela sorri
junto.
Bato antes de entrar, ninguém pode me
culpar por ser mal educada. Ele está lá,
sentado, monitorando câmeras, procura
espaços aéreos e fala por um comunicador
com... Noah. Fico espantada, quem diria
que fossem tão modernos?
Ravi percebe nossa presença e puxa
duas cadeiras que estavam ao seu lado. Ele
tapa o microfone e sussurra para mim:
— Eles encontraram um rastro, o
espaço seria perfeito para um laboratório,
estão entrando agora.
Algo nisso tudo me incomoda...
— Como encontraram o rastro? Lucas
não disse que foi dopado e que seria difícil
encontrar algo? Como conseguiram em tão
pouco tempo?
— Eles são desgarrados Lua,
desgarrados deixam sujeira por onde
passam, deixam corpos e sangue.
— Tem uma pergunta que queria te
fazer desde que me transformei em loba... –
Raquel diz, meio sem jeito.
— O quê? – Não consigo tirar os meus
olhos do monitor, a área é afastada, é uma
área abandonada de antigas fábricas...
— Dizem que a ligação de
companheiros é inquebrável e que, se
separados depois do enlaçamento, eles
sentem tanta dor que poucos são os que
sobrevivem.. Então, como sua mãe
conseguiu?
— Não sei, me lembro que conhecia
alguém que mexia com essas coisas de
magia, mas não sei se fez algo relacionado
a isso. – Algo nisso estava me incomodando,
fácil demais.
Área deserta, sem movimento por
perto, sem pessoas... Claro que é uma ótima
área para se construir um laboratório
clandestino, mas, principalmente por ser
uma área de fácil limpeza, limpeza... Abro
meus olhos como pratos e tomo o microfone
de Ravi.
— Noah, todos! Saiam daí agora! É
uma armadilha, vão!
Meus olhos estão grudados na imagem
de satélite em tempo real. O prédio, alguns
segundos depois, explode em cinzas e
chamas, nós estamos petrificados, olhando
para tudo isso sem acreditar, isso não pode
estar acontecendo, não mesmo...

Noah

Preciso terminar logo isso, essa


situação não pode mais ser sustentada...
Humanos nos estudando, era tudo o que
precisava neste momento. Lucas nos levou
até o seu apartamento, nos indicou o local
onde Alicia foi atacada pelo desgarrado e,
lá, encontramos uma pista que nos levou
até uma área industrial abandonada. Como
o local parecia ser deserto e como decidi
não esperar por reforços, ordeno que eles
fiquem distantes e caminho em direção ao
galpão principal para averiguar a
situação.
Pare.
Ouço a voz do meu lobo me dizer.
Estava a certa distância ainda do prédio
principal e estanco no lugar. Escuto
também a voz de Lua me dizendo para
correr, mas é tarde demais, enxergo tudo
em vermelho e, depois, o branco me cega,
não sinto mais nada.

Leandro

De que porra de inferno veio isso?!


— Noah!
Corremos todos até o lugar, estava em
chamas, uma nuvem de fumaça tomava o
local rapidamente.
— Merda...
Nos separamos e cada um foi para um
canto em busca de Noah, está difícil farejar
por causa do cheiro forte de fumaça, isso
vai ser como procurar uma maldita agulha
num palheiro. Porra! Que ele esteja bem, me
recuso a viver em um fodido mundo sem
meu irmão.
Sinto cheiro de sangue, fraco,
misturado com todo o resto, acredito que só
tenha sentido o cheiro por ser seu Beta.
Encontro-o caído, sujo, sangrando,
desmaiado, sua pulsação está baixa, baixa
demais. Noah está quase morto. Quando
abro seus olhos, vejo sua pupila
completamente branca, a explosão o cegou,
isso não pode estar acontecendo...

Luana

O telefone toca algum tempo depois.


Raquel e eu ainda estamos petrificadas
olhando para aquela imagem, como se o
mundo tivesse resolvido pausar nessa cena.
Isso só pode ser algum tipo de brincadeira,
certo?
Mas eu ouço a conversa que Ravi tem
ao telefone, ele fala com Alec. Alec pede
para chamarmos o médico e prepararmos
tudo na casa de Noah, pergunta sobre mim,
teme por mim e por minha cria, diz que
Noah foi o único que se machucou, que ele
está mal.
Eu ouço tudo isso e mal consigo me
mover, mal consigo respirar. Você já
recebeu uma notícia tão absurda, algo que
pensou que jamais aconteceria, e pensou
que estivesse em um sonho? Sério, só pode
ser sonho, porque a vida não seria uma
fodida de uma sacana por tirá-lo de mim.
Toco em meu rosto, mas nenhuma lágrima
está lá, sinto-me seca, vazia, como se a
minha própria alma estivesse suspensa.
Caminho até a casa de Noah e, lá,
várias pessoas estavam em movimento.
Havia um quarto na parte de baixo que foi
agilmente preparado com uma maca e
vários aparelhos hospitalares. Alicia estava
desesperada, chorando e sendo amparada
pelas outras garotas. E eu estou aqui, como
uma casca vazia, agindo por instinto,
ficando em pé por instinto, respirando por
instinto.
Alec

Merda, estamos quase chegando ao


condomínio que pertence à matilha, mas
Noah está muito mal, algo nele está errado,
suas feridas estão tão sérias que não se
curam. Há uma barra de ferro que voou
dos estilhaços do prédio e está alojada em
seu peito, não pudemos tirar, não sabemos
se ele pioraria quando retirasse isso. Sua
respiração é fraca, seus batimentos estão
fracos... Penso em Lua, no seu filho...
Merda...
Chegamos voando na casa de Noah. Lá,
pessoas já vieram nos ajudar a carregá-lo
para dentro. Vejo Lua na sala, Alicia está
chorando e desesperada, ela é sustentada
por outros da matilha, que não permitem
que ela corra até Noah. Lua está calma, seu
olhar está vidrado no corpo de seu
companheiro.
O médico da matilha faz com que
coloquemos Noah em uma sala. Lá, ele
começa a examiná-lo e nos manda sair, mas
Lua entra na sala e começa a desinfetar
suas mãos e a prender seus cabelos.
— Você não vai ficar aqui.
— Não, Alec, você não vai ficar aqui.
Saia e leve todos os outros junto. Saiam
todos.
Vejo Leandro, o Beta de Noah, sair da
sala com a ordem de Lua, seguido por Ravi
e Lucas. Olho para a minha irmã, que se
parece como uma rocha agora. Por quanto
tempo eu precisei de Lua mais do que ela
precisou de mim? Quando ela se tornou
alguém assim? Saio da sala e a deixo lá,
com Noah e o médico, oro para que ele
sobreviva, porque não há outro Supremo,
eles não nascem ao mesmo tempo, só pode
haver um e, nesse estado da comunidade de
lobos, seria uma catástrofe, seria o próprio
caos.

Luana

Olho para Noah, ele quase não cabe na


maca, tão forte e agora... Sustento a sua
mão, enquanto o médico começa a fazer
exames. Ele está sujo e sangrando, da barra
de ferro em seu peito sai um filete de
sangue, seu coração descompassado me
assusta, sua respiração em pequenas e
raras lufadas é como uma prece para mim.
Fiquei ali, todo o tempo, pedindo: Vamos,
respira de novo, e de novo e de novo... Nós
não costumamos prestar muita atenção em
coisas tão comuns como respirar, mas,
agora, estou sustentando a mão dele e
orando por cada respiração, a cada
segundo, como se fosse um round de uma
luta. Seguro a sua mão, esperando que ele
aperte de volta, esperando um maldito
milagre acontecer, esperando esse sonho
ruim acabar. Porém, sinto o seu cheiro, o
seu sangue mancha também os meus braços
e eu sei, sei que não é um sonho, sei que não
pode ser. Mas, porra, como eu gostaria que
fosse.
Algum tempo depois, que pareceu uma
eternidade para mim, ele diz:
— Ele não está se curando como
deveria, a barra de ferro é o que está
mantendo-o com vida. Caso tire, ele terá
hemorragia, não sei se sobreviveria a isso.
— Saia.
— O quê?!
— Saia.
O médico fecha a porta atrás dele. Do
outro lado, consigo ouvi-lo explicando a
situação para Leandro e Ravi, consigo
ouvir os gritos de Alicia, o choro da
matilha.

Noah

Sinto-a ao meu lado, como uma


fortaleza, a minha companheira me
acompanha. Noah deveria ter entendido,
ele deveria saber que o vínculo é raro, o
enlaçamento é sagrado, ele deveria ter
entendido que ela é tudo, ela é todo o nosso
mundo. Ouço-a falar comigo, não para ele,
comigo:
— Por favor, volta para mim.
— Eu nunca, jamais, te deixei. Sempre
voltamos, lembra?
— Por que não está se curando?
— Talvez o nosso tempo tenha acabado,
Lua. Talvez, em algum lugar do mundo,
esteja nascendo um Supremo. Ou, talvez,
alguém esteja se tornando um, é como uma
lei do universo, um Supremo Alfa, às vezes,
não nasce assim, ele se torna.
— Não entendo...
— Minha Lua... Sempre estarei aqui
por você.

Leandro

Um aparelho faz uma zoada estranha,


um bipe contínuo, todos entramos ao
mesmo tempo, porque sabemos o que isso
significa. Não, não, não...
Quando entramos, Lua está
concentrada, de olhos fechados. Quando ela
abre seus olhos, eles brilham em um tom
leve de vermelho, como se fosse uma safira
dentro da água. Então, ela ordena:
— Tire isso.
O doutor e eu pegamos no ferro que
está no peito de Noah e o puxamos ao
mesmo tempo. Assim que o ferro sai, ela
deposita suas mãos ali, fecha seus olhos, ele
não pode ter morrido...
É o que digo para mim mesmo, mas
Noah não respira, ele não se move, seu
coração para.

Luana

Enquanto o lobo de Noah fala comigo,


posso sentir... Consigo sentir uma ligação
diferente, uma ligação que não me
pertence, algo que não me pertencia, até
então. É como se algo que estivesse
aflorando em meu corpo, como algo que
está ali, mas não é necessariamente meu.
— Seu lobo idiota, você não vai se
despedir de mim, nem hoje nem nunca, está
me ouvindo?
— O que está fazendo, Lua?
Sinto também a nossa ligação, uso um
poder que não é meu, uso o poder de Noah
por direito, o poder do Supremo.
— Tire isso dele.
Quando mãos que, confesso, mal vejo de
quem são, retiram aquela barra de ferro do
peito do meu companheiro, eu deposito
minhas mãos no furo que fica. Elas
encharcam de sangue, do seu sangue.
Eu sinto meu laço com Noah como uma
pequena e frágil corrente que está prestes a
se partir, mas há algo diferente. Enquanto
o meu laço e o de Noah se torna frágil,
enquanto Noah morre, algo dentro de mim
fica cada vez mais forte, uma ligação
diferente, uma ligação que não é minha,
algo tão antigo que não posso nem
mensurar. Fecho os meus olhos e concentro-
me, envolvo essa nova ligação entre a
minha e a de Noah, entre a ligação que
protege a sua vida. Divido com ele a minha
energia de vida.
Vamos lá, funciona! Volta para mim!
— Como você está fazendo isso?!Você
ainda não tem acesso, então como faz isso,
Lua?!Isso pode te matar, não está
preparada!
Eu não sei, não sei como faço isso, mas
meu corpo se esgota, minhas pernas
fraquejam e sei, sei que estou usando uma
força que não é minha. Só a minha ligação
com Noah não seria capaz de fazer isso,
nossa ligação é forte, porém, o que está
acontecendo aqui é praticamente um
milagre. Os olhos de Noah abrem um pouco,
vejo o brilho vermelho, o brilho vermelho
que se espelha em meu olhar, porque, agora,
divido algo com ele. Sei que na história
nunca existiram dois Supremos, mas hoje,
vendo-me espelhada em seus olhos, sei que
estamos escrevendo um novo capítulo na
história do nosso povo.
Suas feridas começam a sarar, pessoas
o rodeiam, mas ele e eu travamos o olhar.
Sei que é o lobo quem está lá, não Noah.
— O que aconteceu?
— Era necessária nossa morte para o
surgimento de um novo Supremo. Agora,
não sei o que poderá acontecer, nunca
antes houve dois. Porém, é mais que isso,
Lua, você nos uniu de um modo além do
vínculo comum e acessou a algo que ainda
não era seu para acessar. Se um dia você
morrer, será a nossa ruína, não
sobreviveremos a isso.
Essas são as últimas palavras que
entendo antes de cair na completa
escuridão.
Noah

Abro os meus olhos de vez porque sinto


o corpo de Lua cair, vejo quando seu irmão
vai até ela, mas, estranhamente me sinto
mais forte e a sustento.
Sei que é ridículo, que não faz sentido,
mas ter qualquer um tocandoa, neste
momento, não seria algo bom. Levanto-me e
puxo alguns fios que estavam ligados a
mim. Vejo a minha irmã correr em minha
direção, mas é como se eu não a
reconhecesse, como se fosse alguém estranho
para mim. Lucas a segura e não permite
que Alicia encoste em mim. Toco em Lua,
sinto a sua pulsação, a dela e a do nosso
filho, eles estão bem. Sinto seu cheiro
diferenciado, porque o cheiro do nosso filho
e o dela agora se misturam. Ergo-a em meu
colo, meu lobo nunca antes havia tomado o
meu corpo enquanto homem e, agora,
parece que isso está se tornando um hábito.
Ele... Nós caminhamos com Lua no colo, e
todos abrem passagem, ninguém ousa nos
interromper. Neste momento, tudo o que
penso é nela.
Coloco Lua em cima da minha cama,
tiro a sua roupa, abaixo a minha cabeça e
ponho em sua barriga, ouvindo a pulsação
do nosso filho. Eles estão bem, só parecem
cansados.
— Ela nos salvou.
— Agora você resolveu falar de novo.
— Eu sempre estive aqui, você que
nunca soube me ouvir.
— Ah, e por que agora eu “sei”?
— Lua.
Ele responde simplesmente com o nome
de nossa companheira, percebo o quanto
essa garota encrenqueira e espirituosa
mudou completamente tudo.
— O que aconteceu?
— Vou te contar uma história, Noah...
Há muito muito tempo, os laços de
companheiros entre a nossa raça eram algo
raro, reis e rainhas iam ao trono por
possuir esse laço. Os antigos diziam que um
rei nunca poderia ser um rei se não
estivesse completo, e um lobo nunca estará
completo sem a sua companheira. Quando
um lobo encontrava a sua destinada de
alma, ele liderava a todos, porque ele era o
lobo completo. Foi daí que surgiu o
Supremo Alfa. Porém, esse raro laço tinha
seus prós e contras. Juntos, os dois lobos
eram completos, eram fortes e podiam usar
certas magias que foram esquecidas no dia
de hoje. Todavia, se algo acontecesse a um
deles...
— A dor é imensa quando alguém
perde o seu companheiro, eu sei, já vi isso.
— Não, Noah, você pensa que já viu
isso. Eles não sentem dor, eles morrem, eles
definham, porque perdem o seu motivo de
vida. Não há um “se”, não há
sobrevivência. Aquele que fica, logo segue o
caminho daquele que já se foi. Mas as
antigas artes foram esquecidas, as antigas
uniões também. O gene desse primeiro rei, o
primeiro unido, foi passado de geração em
geração, e seu filho, com maior quantidade
de poder e pretensão a seguir seus passos,
nasce com os olhos vermelhos. Foi assim que
você se tornou um Supremo. Dizem que
dois Supremos não coexistem, dizem que,
caso existissem dois Supremos, eles teriam
que lutar até a morte. Veja, com dois
Supremos, poderia existir lados, lados que
entrariam em guerra.
— Não entendo... Por que está me
contando tudo isso?
— Porque nós estamos unidos a Lua.
— Eu sei.
— Não, Noah, não sabe. Nossa união
hoje é como a dos antigos.
— Merda! Isso significa que...
— Se morrermos, ela morre.
— Puta que me pariu! Isso não pode ser
verdade.
— Você está disposto a testar essa tese?
— Infernos que não!
— Nem eu.
— Quem é você?
— Você e eu somos um só, sempre estou
perto dela quando você está. Um dia você
foi quem hoje eu sou, um dia eu serei quem
você é, iremos nos unir também,
eventualmente. Luana também passa por
isso.
— O que quer dizer com isso?
— Vidas... Foram algumas vidas para
que hoje pudessem estar aqui. Não consigo
mais ouvir nada, acabo adormecendo ao
lado de Luana.
Luana

Desperto, mas não abro meus olhos,


estranhamente me sinto mais leve. Sei que
tem alguém me encarando, sinto-me
observada, como se duas brasas estivessem
em minha frente. Abro os meus olhos e
Noah está ali, seus olhos vermelhos e sorriso
felino me encaram.
— Companheira – ele sussurra.
Veja bem, está tudo escuro, e os olhos
vermelhos de Noah são como faróis no
quarto. Claro que, com a minha visão,
consigo vê-lo perfeitamente, consigo ver que
ele está bem, suspiro de alívio.
— Por que não dormiu? Deve estar
cansado.
— Não estou cansado, e não perderia o
tempo que tenho com você dormindo.
Sorri, um sorriso fácil e verdadeiro, e é
aí que vejo, não é Noah, é o lobo.
— Você percebeu.
— Bem... Digamos que você é mais
aberto que Noah.
Ele ergue a sua mão em frente ao meu
rosto, estou deitada de lado, e
ele também. O lobo ergue sua mão, mas não
me toca de vez, ele só vai aproximando,
como se quisesse desfrutar do instante em
que sua mão entrará em contato com meu
rosto. Não ouso nem respirar e, quando
sinto sua mão em minha face, fecho meus
olhos e deleito-me com seu toque.
— Abra os olhos, Lua... – ele pede, e eu
os abro.
O lobo me olha com uma emoção que
não consigo nem descrever.
— Eu esperei tanto, tanto tempo, por
você.
Algo em mim estala, algo em mim o
reconhece, algo em mim entende e sente
exatamente o que ele está falando. Noah
ergue a mão e enxuga uma lágrima que
escorre pelo meu rosto. Nem percebi que
estava chorando, me sinto esquisita, como
estar ali, mas também estar me observando
e eu não me pareço comigo mesma, estou
diferente.
— Como eu deveria te chamar?
— Eu sou ele, Lua, nós somos um só. Ele
apenas não tem todas as memórias que eu
possuo.
— Então, não se incomoda em ser
chamado de Noah?
— Não, é melhor do que lobo idiota.
— Você não se incomoda?
Ele ainda está longe, como se tivesse
receio de me tocar, de se incomodar em ser
ele, o lobo, e não ele, Noah, a estar comigo
agora.
— Vocês são um, e eu o amo. Então, a
resposta é não, nem um pouco.
Um sorriso lindo se abre e ele se
aproxima um pouco mais de mim, estamos
a um dedo de distância agora.
— Se dependesse de mim, você e eu já
estaríamos em um local seguro.
— O que quer dizer?
— Lua, eu demorei tempo demais para
te encontrar, não desperdiçaria nenhum
segundo da minha vida com outro ser que
não fosse você.
— Mas isso não seria errado? Existem
pessoas aqui que dependem de você e agora
de mim.
— Talvez. E o fato de que hoje Noah
tem esse entendimento, talvez signifique
que aprendeu algo que também será meu
daqui a um tempo. Mas... Lutamos demais
por isso, e sinto que essa luta não acabou.
Quem possamos então aproveitar os
momentos de calmaria, são esses pequenos
momentos que validam todo o resto.
Então, ele me beija, algo casto e doce,
ele me abraça forte e me põe protegida em
seu corpo.
— Fica comigo para sempre, vai ser
difícil estar longe...
Quando ia abrir a minha boca para
dizer que sempre estaria com ele, que não
iria para lugar nenhum, ele me cala.
— Shiiiii... Não, não prometa algo que
não vai cumprir. Só me deixe ficar aqui, só
me deixe te abraçar pelo tempo de agora, e
um amanhã eu te terei de novo, Lua, minha
Lua...
Eu não entendo... Não sei o que ele está
falando, mas meus olhos pesam, ainda estou
cansada. Antes do sono me ganhar, ouço-o
dizer:
— Volte para mim, prometa que
voltará para mim.

Raquel

Ok, isso, definitivamente, foi estranho,


mas... Bem, por isso que a chamo de
Estranha, acontecem as coisas mais loucas
com essa garota. E, agora, cá estou, em
minha casa, a ex-casa de Lê, que agora é
minha, óbvio, claro que posso dividir com
ele, às vezes. Meu grande lobo mal está
pensativo. Desde que Noah morreu, depois
voltou e depois, bem... Enlouqueceu com o
lance de “não me toque, não toque nela”...
Isso foi estranho para mim, e agora que
percebo que talvez tenha sido estranho
para ele também. Já tinha coisa demais
para lidar com o lance de uivar para a lua
e correr nua por aí, agora, mais essa,
magia-doida-de-doação-de-vida. Claro que
não deve se chamar assim, mas, como não
sei, resolvi dar esse nome.
— Preciso de você, loirinha – ouço meu
lobo sussurrar, o que me desperta dos meus
devaneios.
Vou encontrar Lê, que, quando entrou
em casa, foi direto para o banho. Entro no
quarto e ele está sentado na cama, com seu
corpo e cabelo molhados ainda, como se não
tivesse se importado em se enxugar. Olho
para ele e meu coração dói, lembro-me de
quando o galpão explodiu e eu pensei que
ele estivesse dentro. Eu iria perdê-lo, e foi
como se... como se eu também estivesse
sumindo. Olhando para ele ali, desolado,
percebo, pela primeira vez, Leandro com
um ar fragilizado. Não vejo seus sorrisos
descarados, nem suas piadas sujas e, como
se fosse uma necessidade, desejo vê-lo sorrir.
Quando encosto nele, percebo as suas
lágrimas. Merda, o homem está chorando, a
última coisa que se imagina em um homem
desse tamanho é vêlo chorar. E cá está, o
meu brutamonte com algumas lágrimas a
escorrer por seu rosto.
— Shiiii... Meu amor, está tudo bem.
Ele me abraça pela cintura e enfia seu
rosto entre os meus seios, seus ombros
começam a dar espasmos e vejo que seu
choro piora. Desço minhas mãos pelos seus
ombros e acarinho seus braços, suas costas,
faço movimentos circulares, enquanto digo
o quanto o amo, o quanto ele é importante
para mim, o quanto ele se tornou a minha
vida.
Com algum tempo, ele se acalma, sua
respiração se normaliza e eu tento me
afastar para olhar em seu rosto, mas ele
rosna.
— Olha lá, já está rosnando, o
brutamonte voltou ao normal! – Ele me
aperta mais e gargalha. Fico feliz por ter
feito com que sorrisse.
Lê olha para cima, e seus olhos
vermelhos me encaram com emoção e com
a malícia de sempre.
— Eu quase perdi tudo...
— Não, eu quase perdi tudo. Vou ter
que perguntar para a Estranha qual o
lance de morte e vida, porque, nem ouse em
morrer! Sério, vou te buscar nos confins só
para te dar uma surra por ter me deixado
preocupada.
Ele sorri de lado.
— Eu... Poderia ter sido eu, sabe?
Costuma ser eu a ir aos locais antes de
Noah, eu sou seu Beta. Mas ele não deixou,
ele quis ir sozinho. E quando tudo foi para
os ares, senti que falhei, falhei com Noah,
falhei com você, falhei com a matilha.
— Falhou por quê? Por que não foi você
a se estatelar todo?! – Afasto-me dele,
porque isso me irritou.
— Era o meu dever, Raquel. Meu dever
é ser a merda do escudo dele, se necessário,
meu dever é proteger o meu Alfa, o meu
irmão!
— Olha aqui, seu brutamonte – digo,
colocando o dedo em seu peito –, a sua
porra de dever é se manter vivo, não vai
conseguir proteger ninguém se estiver
morto! Seu dever com todos nós é viver! Se
você ama algo, você vive por isso, não
morre, não seja estúpido!
— Você está chorando.
— EU NÃO ESTOU CHORANDO!
Mentira, estou sim. Isso me irritou, não
quero que ele pense que é o
maldito escudo do Capitão América! Vamos
lá, aquela porra nunca quebra, mas o meu
homem, embora seja um lobo, é feito de
carne e osso!
Tento sair de perto dele, porque a
minha vontade é bater a porra da porta na
cara de alguém, mas ele me segura, e a
droga do homem é forte como o inferno.
Ele me abraça.
— Me desculpe, loirinha, eu sinto
muito...
Ainda com meu rosto abafado em seu
peito, suspiro.
— Eu preciso saber que, quando você
sai nessas missões de 007, você está ao
menos tentando sair vivo, e não se jogando
na frente de alguém para se sacrificar!
Você não é a porra de escudo de ninguém,
se fosse para alguém ter um escudo gostoso
desses, seria eu, e não Noah.
Sorrio e fungo, enxugando as minhas
lágrimas.
— Gostoso? – Ele sorri de modo felino e
me sustenta em seus braços.
— Sério, Lê, você é o Beta, tem deveres,
eu entendo. Seu dever é estar ao lado de
Noah, ele é como se fosse a sua amante
secreta e, tudo bem, estou bem com isso.
Mas fique AO LADO DELE, em pé, e volte
para casa.
Ele gargalha.
— Acho que você foi a primeira pessoa
no mundo a dizer que Noah é minha
amante secreta, deixa só ele saber disso.
— Peraí! Você não vai contar, vai? O
Brutamonte-mor já não gosta de mim, se
você sair por aí, dizendo todos os apelidos
que coloco nele, então...
— Brutamonte-mor? Você não o
chamou assim, chamou?
— Talvez isso tenha escapado de minha
boca em algum momento...
Ele gargalha novamente e eu sorrio,
gosto de vê-lo rir.
— Para onde você vai?
Estava caminhando para a saída do
quarto e olho, sorrindo, para ele.
— Sério, loirinha, eu não brinquei
quando disse que estava precisando de você.
E, quando digo precisando, significa você
sem roupas e embaixo de mim.
— Ah é? Quer saber, lobinho...? Se
quiser, vai ter que pegar!
Saio correndo pela casa e ouço um
rosnar alto. Leandro corre atrás de mim,
mas, dessa vez, eu também sou rápida. Nós,
praticamente, destruímos a casa. Quando
ele ia me agarrar, eu desviava. Até que,
para desviar dele, fui parar em um canto
da cozinha, sem saída.
— Ora, ora, veja se não é o meu prêmio
novamente.
Lê começa a me rodear, degustando de
ter finalmente pego a sua presa. Estou
ofegando, e ele também, nossas respirações
se misturam. Leandro me beija, enquanto a
minha roupa é rasgada – de novo. – Espero
que ele seja rico, porque a próxima coisa
que vou fazer é roubar seu cartão de
crédito e ir às compras.
Ele me ergue e rodeio a sua cintura
com as minhas pernas, nosso contato passa
de desesperado para calmo. Ele me coloca
na bancada da cozinha, beija meu pescoço,
onde havia me mordido.
— Eu amo você.
É o que ele sussurra, enquanto me toma
ali, deliciosa e desesperadamente. Não
consigo responder nada, porém, o maldito
me faz dizer várias vezes que eu o amo,
enquanto brinca comigo, deixando-me
várias vezes à beira do prazer.
Saciados um do outro, estamos agora
na cama. Deito sobre o corpo do meu lobo,
ele é tão grande, comparado a mim, que
poderia muito bem fazê-lo de colchonete.
Leandro tem mania de brincar com meu
cabelo, ele passa a mão no meu couro
cabeludo e afasta, enquanto vários fios vão
junto com sua mão. E foi assim que eu
adormeci, poderia dormir dessa forma pelo
resto da minha vida.
Lucas

Nunca senti um desespero tão cru


como quando senti o desespero de Alicia. A
morte do meu irmão, dos meus pais, passar
tanto tempo sozinho em uma floresta, isso
foi fichinha perto do que senti com o
desespero dela. Sei que Ali sentiu a rejeição
de Noah quando ele rosnou para ela.
Contudo, o que talvez ela não entenda é
que, do mesmo modo que senti esse
desespero cru, um companheiro também é
capaz de sentir um instinto de proteção em
um nível completamente elevado. Tenho
certeza que ele atacaria até mesmo a irmã
naquele momento.
Agora, eu estou aqui, no meio da sala,
todos já foram para algum lugar, ou para
suas próprias casas, e eu estou debatendo
internamente se pego as chaves do meu
carro e vou para o meu apartamento, ou se
me encosto no sofá e fico por aqui mesmo.
Suspiro. Quando a minha vida ficou tão
confusa assim? Era tudo tão simples quando
vivia transformado... Caça, território, caça,
descanso. A vida de um lobo é simples. Por
que a minha não é? Porque, se fosse simples,
não existiria ela. A resposta vem em minha
mente quando sinto o seu cheiro. Ali está
aqui.

Alicia

Estou há algum tempo sentada na


escada, observando Lucas de cima,
tentando tomar uma decisão. Tudo o que
aconteceu aqui hoje serviu para me abrir os
olhos. Na verdade, foi como um soco no
estômago. Primeiro, saber que houve um
acidente e, simplesmente, que as pessoas que
são mais importantes para mim estavam
lá. Depois, meu irmão morrendo, e depois,
bem... É como se eu tivesse perdido tudo e,
no mesmo instante, alguém dissesse: hei, é
brincadeirinha, toma de volta. Foi aí que
eu percebi que, em um segundo tudo pode
desmoronar em nossa cabeça e as coisas
jamais voltarão ao normal. Enquanto estou
aqui, remoendo o meu passado, o tempo
está passando também, tempo que eu não
vivo, tempo que eu perco, um tempo que
depois percebemos que é tão valioso...
Acabei descobrindo que o relógio está
contando no modo regressivo e a cada
segundo morremos um tantinho mais.
Eu posso escolher pular e viver algo
incrível, ou posso escolher ficar aqui em
cima, só observando. O que escolho?

Lucas

— Você vai ficar aí a noite inteira? –


pergunto, quando o olhar dela começa a me
incomodar.
Alicia pula todos os degraus da escada
e vem ao meu encontro. Ela está diferente,
isso pode ser algo bom, certo? Ou talvez não
seja, talvez ela finalmente vá me mandar
embora, ou coisa do tipo. Talvez ela tenha
se tocado que alguém como eu não foi feito
para alguém como ela.
Alicia

Decido pular, literalmente. Ele está a


minha frente e, embora sua postura
demonstre um ser frio, calculista e duro,
seu olhar está preocupado, e sei que sua
preocupação é muito mais sobre mim do
que gostaria.
— Você está bem?
Aproximo-me mais dele, consigo me
perder em seus olhos verdes. Desta vez,
quando as lembranças voltam, eu não
corro. Eu fico, eu enfrento, porque ele está
aqui, bem aqui, em minha frente. E se tem
um motivo na vida para que eu seja forte e
enfrente as minhas memórias, é me
encontrar de novo de alguma forma, é
encontrar aquela Alicia que se perdeu
depois de passar por tudo aquilo.
— Não, eu não estou.

Lucas
Merda, sabia que esse lance do Noah a
tinha afetado e tudo o mais, não sou muito
bom com esse lance de sentimentos...
— Eu não estou bem há muito tempo –
ela continua a dizer, e paro o que estava
fazendo, que era olhar para todos os lados,
em busca de algo que pudesse me ajudar.
Paro e olho para ela.
— Eu sinto muito. – E sinto, realmente,
vou sentir muito por toda a minha vida,
porque eu me sinto responsável pelas
merdas que meu irmão fez com ela.
— Mas eu me sinto melhor quando
estou com você. Alguém me fez enxergar
que eu precisava encarar meu passado, não
só esquecer ou deixar para lá, porque tudo
aconteceu, foi real.
Ela diz e, por alguns segundos, seu
olhar se perde e ela balança a cabeça, como
se quisesse voltar à realidade.
— A verdade, Lucas, é que eu preciso
de você. E acho que você é tudo o que eu
tenho precisado há muito tempo.
E o que dizer diante disso? Quando a
minha princesa está aqui, em minha frente,
abrindo-se pela primeira vez, o que dizer?
Nunca fui muito bom com palavras... Meu
lobo rosna, eu rosno e a puxo para mim, ia
beijá-la, vou beijá-la... Porém, antes disso,
segurando seu rosto e, somente com o meu
polegar afastando os nossos lábios, eu digo
para ela:
— Você é minha companheira, Alicia, sabe
que não te machucaria,
não é?
Alicia concorda, faz um leve
movimento com a cabeça, e esse era todo o
consentimento de que eu precisava. Meu
lobo uiva internamente. E eu? Estou
perdido e inebriado demais para pensar em
outra coisa que não seja seu corpo.

Alicia

Nosso beijo devasta cada barreira que


criei dentro de mim, cada insegurança,
cada merda que tenha acontecido no meu
passado, nada disso importa. Tudo em que
consigo pensar é nele, no seu corpo e na
sensação que me provoca.
Lucas me ergue em seus braços e
engancho as minhas pernas em sua cintura,
sinto que ele está duro e meu corpo
estremece de antecipação. Continuamos a
nos beijar, enquanto ambos tentamos tirar
a roupa um do outro, o que é algo
complicado, estando nessa posição e em
movimento.
A próxima coisa que sinto é minhas
costas sobre o colchão. Seus olhos verdes
brilham na fraca luz do meu quarto, ele
tira a sua roupa sem desviar os olhos de
mim, como um predador que não deseja que
sua presa fuja ou se movimente, Lucas me
hipnotiza com seu olhar. Depois, ele
caminha até mim e, quando penso que ele
vai deitar sobre mim e me beijar
novamente, ele sorri. Passa seus dedos
levemente, abrindo o botão do meu short,
parece que estava se obrigando a não tocar
em minha pele, seus movimentos eram
calmos e precisos e estavam me levando à
loucura. Ele arrasta o short por toda a
extensão das minhas pernas e o tira, o
contato do tecido faz com que eu estremeça
novamente.
Fico de joelhos em cima da cama e
Lucas em pé e nu, a minha frente, tira a
minha blusa. Depois, faz o mesmo caminho
com as minhas roupas íntimas. Estamos
ambos aqui, nos encarando. As unhas dele
crescem, seus dentes também, Lucas está
perdendo o controle. Quando fecha suas
mãos em punhos, sangue escorre pelo chão,
já que sua palma acaba de ser perfurada
por suas próprias unhas. Sei que Lucas
preferiria ir embora a me machucar, ir
embora a perder o controle comigo, não
vim até aqui para morrer na praia, não
mesmo.

Lucas

Começo a perder o controle, isso


acontece porque fiquei muito tempo como
lobo, isso que caracteriza um desgarrado.
Estou perdendo o controle, como meu irmão
perdeu...
Sinto seu toque em minha mão, ela toca
as minhas garras manchadas de sangue, ela
me olha... Toca as minhas presas, me beija
ali. Minha princesa dá castos beijos em meu
corpo, meu lado animal ronrona, ele se
afasta, ele permite, ele a quer tanto quanto
eu. Domados, nós acabamos de ser domados.
— Melhor? – ela pergunta, com um
sorriso sincero em seu rosto, e vejo aquela
ninfa que me tentou dentro do carro a
primeira vez em que a vi.
— Talvez... – respondo, prendendo-a em
meus braços.
— Pois espero que você esteja muito
melhor, preciso das suas mãos e de todo o
resto desse belo corpo neste exato momento.
Rosno e, ali, de joelhos em sua cama,
com ela montada em meu colo. Coloco-a de
encontro à parede, olhando em seus olhos,
faço algo que desejo fazer desde a primeira
vez que a vi. Ela é doce, apertada e linda,
nos perdemos em movimentos, ela sussurra
o meu nome, tenho-a ali, com sua boca
rosada, seu pescoço vermelho por causa da
minha barba, estamos quase alcançando o
clímax quando minhas presas saem. Meu
lobo toma o controle, ele a morde.
Algo tão forte toma o meu corpo,
tremores tão intensos, um prazer que
nunca, jamais, senti em nenhuma outra
ocasião. Eu a marquei hoje, mas ela me
marcou há um tempo atrás, desde o dia em
que bati meus olhos nos seus. Vejo, como
mágica, nossas marcas aparecerem, elas
pegam no nosso ombro e terminam em
nosso peito, eu e ela, como espelhos, como
metades, como o que somos: um.
Capítulo 29– Companheiro

Luana

Alguém anotou a maldita placa?!


Minha cabeça dói, meu corpo dói e estou
presa. Presa? Abro os meus olhos de vez e
suspiro ao ver o que “presa” quer dizer no
meu caso: Noah.
Tento me mover e ele rosna, apertando-
me mais em seu agarre, tento novamente e,
como da outra vez, não funciona. Tenho a
brilhante ideia de acarinhá-lo para que me
solte. Começo por seus braços, passo para
seu peito, pescoço... Ele me solta e permite
que eu fique por cima do seu corpo, mordo
seu lábio inferior, ele não aguenta e sorri.
— Sabia que estava acordado! – acuso-
o.
Ele inverte nossas posições e me
aprisiona abaixo de seu corpo – talvez não
tenha sido uma ideia tão esplêndida animá-
lo logo pela manhã.
— Oi, meu amor, fiquei sabendo que me
salvou a vida – ele sussurra, enquanto beija
o meu pescoço, enquanto arrasta a sua
barba pela pele sensível do local, causando-
me tremores.
— Hum, talvez – é o que respondo, não
me peça para ser racional agora, isso está
bom.
— Acho que você se esqueceu disso. –
Ele sai de cima de mim e sinto uma maldita
falta do calor de seu corpo.
Noah me entrega novamente a
caixinha, pego-a e abro-a. Lá estava um
anel lindo, simples e lindo, tinha umas
pedrinhas incrustadas e não era novo,
parece que o anel já vivenciou muitas
histórias. Demoro um tempo analisando os
desenhos do anel e Noah, inquieto, começa
a se mover na cama.
— Sim, Noah, eu aceito. Logo depois,
ela põe o anel no dedo e nunca mais o tira,
pela eternidade – ele imita a minha voz e a
voz de um locutor.
— Ei! Eu não falo assim!
— Sim, fala, mas eu quero ouvir dessa
deliciosa boca. Então, diga.
Noah

— Eu aceito.
— E?
— E o quê? Já disse que vou me casar
com você – ela diz, enquanto sorri. – O que
mais quer de mim, Noah?
Aproximo-me dela, coloco o anel em
seu dedo e deposito um beijo ali, um beijo
que subo para o seu braço, em sua marca de
união comigo, e termino em seu pescoço
novamente, ali, onde posso sentir seu cheiro
tão nítido e característico, seu cheiro que
inebria cada célula do meu corpo.
— De você, eu quero tudo.
— E o que seria esse tudo? – ela
pergunta, em um fio de voz, enquanto, com
minhas mãos, desbravo cada canto de seu
corpo.
— Eu quero seu corpo – dito isso,
começo a acariciá-la em seu ponto sensível
–, quero seus sentimentos – encaro-a em seus
lindos olhos azuis –, quero o seu coração, eu
quero tudo. Porque ter pouco de você nunca
será o suficiente.
— Espero que você tenha outras metas
de vida. – Tiro os meus dedos e os lambo, ela
acompanha cada movimento meu.
— Por quê?
— Porque, Supremo, você já tem tudo
de mim. Tudo de mim é seu, tudo o que sou
é seu: meu corpo, meu coração, meu mundo,
meus sentidos, meus desejos. Mas, há algo
além de tudo isso e você sabe.
Dito isso, ela envolve sua perna ao
redor de mim, dando-me pleno acesso a sua
intimidade, Lua...
Não digo nada, não eram necessárias
mais palavras, nós somos um. Eu desistiria
de tudo por ela, do meu posto, da minha
matilha, da minha raça, da minha família,
desistiria de tudo por ela e por minha cria,
que cresce forte dentro dessa mulher
incrível.
Sempre é uma explosão de sentidos
quando estamos juntos. Quando estou
dentro de Lua, posso sentir cada mínima
coisa: o gosto da vida, o cheiro de cada
toque, o toque de cada sentido. Nosso corpos
se encaixam em maestria, sinto o cheiro de
sangue quando ela arranha as minhas
costas, e isso faz com que eu invista com
mais necessidade. Sinto quando ela está
preste a vir, puxo seu rosto e vejo seus olhos
semicerrados e sua boca entreaberta.
— Olhe para mim, amor. – Ela abre
seus olhos por completo e encara os meus,
encosto minha testa na sua, meus lábios nos
seus e sussurro: –
Venha para mim, minha Lua. – Suas
pupilas dilatam, suas paredes se fecham ao
redor do meu membro e lá se foi o meu
último resquício de controle.
Cansados, ofegantes, mas felizes. Meu
corpo já sente falta do dela... Só em pensar
que teremos que nos separar por algum
tempo...
Terei que ir até as principais matilhas
tirar a verdade dos Alfas, preciso saber de
onde as mulheres estão sendo sequestradas e
montar um mapa de modus operandi dessa
organização. Uma hora eles vão cometer
um erro, um engano, e eu estarei lá para
acabar com isso de uma vez por todas.

Luana

Já era o fim da tarde quando consegui


me desvencilhar dos braços de Noah. Ele fez
algumas ligações, marcou algo com os
outros Alfas, meu companheiro terá que
ficar longe de mim por um tempo, e isso
está me deixando com um puta de um mau
humor.
— Largue a minha amiga, seu tarado! –
Já estávamos na sala, mas Noah não
conseguia tirar as mãos de mim e nem eu
conseguia tirar as minhas dele; até que
uma Raquel se jogou em cima de nós e ficou
entre mim e Noah. Meu companheiro rosna
para ela, que o olha emburrada e dá língua
como resposta. Seguro a minha risada,
Raquel está praticamente me sufocando
com seu aperto.
— Desculpe, cara, tentei segurá-la –
Leandro diz, quando chega na porta,
seguido por Alec, Ian e Ravi.
— Deveria ter tentado com mais
afinco. – Noah rosna para Leandro, que dá
de ombros.
— Já disse, ela era minha antes de ser
sua, lide com isso, sou a amante de Lua,
assim como você é de Leandro, e não me vê
ao redor dele mijando o chão para marcar
território.
Raquel põe a mão na boca, da mesma
forma que ela sempre fez quando acabava
falando demais. Minha amiga não tem
filtro entre a cabeça e a boca.
— Eu sou o quê?!
Não aguento, não quando ela diz que
Noah é o amante de seu homem, gargalho.
Sério, gargalho tanto que chego a chorar.
— Hammm, eu não acredito que disse
isso em voz alta. – Ela dá de ombros, como
se isso não fosse grande coisa, e Leandro
vem até nós e a pega pelas pernas,
colocando-a em suas costas.
— Ei!!! – Raquel grita, quando já está
de ponta cabeça.
— Vou tirar a minha companheira
daqui antes que raios comecem a sair desse
seu olhar mortal – ele diz para Noah, mas
também está sorrindo.
— Não, não, LÊ! Coloque-me no chão!!!
— Não, loirinha, gosto dessa vista – ele
retruca, enquanto analisa a bunda
empinada próxima ao seu rosto.
— É sério, então, vire-me para Lua. –
Ele vira de costas e minha amiga, como se
fosse a coisa mais normal do mundo, ergue
metade do seu corpo, ficando na horizontal,
e olha para mim, que já estou sendo
rodeada novamente por Noah.
— Hoje é Lua Azul, Estranha, sabe o
que significa? Você e eu sem esses
trogloditas! É o nosso costume, não vá
quebrar isso, sério, soube que existe uma
maldição para quem quebra práticas de
amigas...
— Eu nunca furaria com você, Lôra. –
Pisco-lhe um olho e ela sorri.
— Não mesmo – Noah me diz,
enquanto Raquel sai, sendo rebocada pelo
Beta.
— Noah...
— Não vou ficar longe de você, é a
minha última noite aqui. Provavelmente,
ficarei fora por uma semana, uma semana
sem você! Não vou desperdiçar uma noite!
Merda... Uma ideia começa a se
formar em minha mente, e se...
— Já sei! Vamos fazer uma festa na
matilha! Raquel ama organizar festas, a
matilha está precisando disso e, bem... A
maioria deles ainda não me conhece
realmente.
Noah parece pensativo e concorda,
pulo em seu pescoço e beijo-lhe a face,
saindo correndo de suas mãos logo depois.
Sei que meu irmão, Ian, Lucas, Noah e
Leandro sairiam, iriam se separar para
conseguir as informações de que precisamos
junto às matilhas. Então, quando saí, Noah
não veio atrás de mim, ele tinha coisas a
resolver com os outros.
Corro até a casa de Raquel, eles
estavam se agarrando no sofá, entro
sorrindo, pois frustrarei um lobo.
— Lôra, vamos fazer uma festa na
matilha para a Lua Azul, verba livre! – é a
primeira coisa que digo quando abro a
porta. Vejo Leandro cair de bunda no chão,
porque a minha amiga acabou de empurrá-
lo para o lado e, agora, caminha em minha
direção.
— Alguém falou verba livre?!
— Raquel, você não vai me deixar
aqui, desse jeito! – um Leandro mal
humorado diz, quando se levanta.
Ela caminha até ele de modo sedutor e
toca em seu peito nu.
— Aposto que consegue se virar bem
sozinho ou guarde tudo isso para mais
tarde. – Ela beija a sua bochecha e, quando
ele vai agarrá-la, minha amiga, de modo
ágil, escapa e vem para trás de mim.
Quando Leandro para em minha
frente, não tira os olhos da loira
encrenqueira às minhas costas. Eu dou
risada, o que chama a sua atenção.
— Não se esqueça, nessa nossa relação,
você sempre será a outra. – Pisco um olho e
ele rosna o nome da minha amiga.
— Raquel...
— Amor, o que posso fazer? Ela é a
Alfa! E, como sou sua mulher, devo ser a
Beta de Lua também, nós temos dever, o
dever da matilha em primeiro lugar e tudo
o mais – ela diz de modo irônico, e só agora
percebo o quanto todos já passam a me
chamar por esse titulo: Alfa.
Ele passa as mãos em seu rosto.
— Vou tomar banho, tenho umas coisas
para tratar com Noah, mas não se engane,
loirinha, espero que sua agilidade tenha
aumentado desde ontem à noite, porque,
quando eu te pegar, e eu vou... Vou te fazer
pagar por isso.
Sorrindo, o homem se afasta e ela
suspira.
— Merda de homem gostoso e perfeito.
— Você está de quatro!
— Até parece que você também não
está! E, querida, você viu aquilo tudo ali?!
Não me importo em ficar de quatro, de
três, fazer o quadradinho de oito...
— Chega, Lôra, informação demais!!!
Ela sorri.
— Por onde começamos?!
— Vamos chamar as outras e, depois,
vamos sair para fazer compras.
Encontramos Alicia junto a Lucas, os
dois se uniram recentemente e não se
largam. Sequestramos Priscila e Manu
também. Como o meu companheiro é
extremamente protetor, agora estamos
todos em suvis pretas, com Lucas, Ravi e
mais um monte de lobos gigantes e armados
até os dentes.
Estou me sentindo a filha do presidente.
— O que vamos fazer exatamente? –
Manu pergunta, sem entender muito.
Raquel e eu dizemos ao mesmo tempo:
— COMPRAS!
— Alguém me diz por que estou aqui? –
É como se Ravi tivesse uma dor física, o
homem não gosta de muito contato com
pessoas.
— Não vamos demorar, prometo. –
Toco em sua mão e ele se acalma um pouco
mais, estranho... Como se fosse uma fobia.
A cidade aponta logo mais, entramos
em um shopping e começamos a comprar
decorações. Fomos ao mercado e
compramos comidas, a uma loja de essência
e compramos vários tipos de velas e, enfim,
Raquel conseguiu me carregar até uma loja
de roupa, a louca entrou em uma loja hot
de fantasias e estava, neste momento, no
provador.
— Não, você não está fazendo isso! –
digo, sorrindo, enquanto olho para a minha
Lôra, extremamente sexy e com um sorriso
descarado na cara.
— Agora, ele vai me pagar.
— Ele vai ficar louco.
— Essa é a intenção.
Faltam só duas horas para a noite cair,
corremos para casa e cada uma se dividiu
nas funções, todos os outros da matilha
também ajudaram, era uma coisa linda de
se ver, todos trabalhando em conjunto, se
ajudando. Algum tempo depois, já estava
tudo pronto.
As meninas e eu fomos nos arrumar na
casa de Raquel, após expulsar Leandro de
lá. Estamos com vestido soltos, fáceis de
tirar, porque não sabíamos se iríamos nos
transformar hoje.
Quando saímos, todas as velas estavam
acesas, era como ter vagalumes
particulares. Nossos respectivos
companheiros vieram até nosso encontro.
Noah toca em minha bochecha, olha-me de
cima a baixo e sorri. Mesas cheias de
comida estão distribuídas por todo o local,
há uma música baixa tocando, o que
permite que todos tenham uma conversa
agradável, está tudo tão lindo...
Noah vai até o centro do espaço e todos
se calam, estou um passo atrás de seu corpo
e ele me puxa para o seu lado. Olho para
Noah e percebo o que ele quis dizer com
esse gesto, Leandro e Raquel vêm ao nosso
lado, minha amiga para ao meu lado,
altiva e séria.
— Muitos de vocês já a conhece, mas,
hoje, gostaria de apresentá-los a sua Alfa,
minha companheira. Em minha ausência,
Lua é a encarregada da matilha. Sei que
estamos em tempos conturbados, mas
passaremos por isso com orgulho.
As nuvens se abrem, a Lua Azul
aparece. Olho para cima e é como estar
hipnotizada. Então, as imagens vêm até
mim, uma guerra, uma garota, sangue,
muito sangue, lobos no chão, humanos no
chão... Desperto do meu devaneio porque
sinto a falta do contato de Noah, ele está
agora a minha frente.
— Você está brilhando.
Olho para meu corpo e o brilho da Lua
é refletido ali. Um arrepio corre pelo meu
corpo, como um presságio, e eu tenho medo,
medo do amanhã.

Noah

Ela estava brilhando, se já viu como


uma lua azul se parece, pode imaginar o
quanto estou maravilhado com Lua neste
exato momento.
— Você está brilhando – digo,
constatando o óbvio.
Seguro em sua mão e algo passa por
mim, como uma energia elétrica andando
por todo o meu corpo, e sinto um poder
diferente de qualquer coisa que já senti, era
como...
— Magia.
Meu lobo diz em minha mente.
Todos eles se ajoelham, toda a minha
matilha se ajoelha diante de nós.
— Finalmente! Estamos juntos
novamente, sabia que seria ela.
— O que quer dizer com isso? – ele não
responde a minha pergunta.
— Eles os reconhecem, Noah, eles
reconhecem os seus reis. O ciclo foi
quebrado. A magia foi liberta, é tempo de
mudança.
Olho para a minha companheira e
concordo. Decerto, é tempo de mudança.
— Ouçam, divirtam-se, festejem,
brinquem, comam e bebam durante esta
noite. Amanhã, teremos uma missão
importante, e os que ficarem terão a missão
mais importante, proteger a minha Lua.
Acarinho a sua bochecha, puxo forte o
ar para dentro de mim, inalando o seu
cheiro e o da minha cria, tenho feito isso
como um hábito, gravando os seus odores
em cada terminação nervosa do meu corpo
só para saber que estão bem, só para ter um
pouquinho dos dois em mim quando me for
por alguns dias.
A matilha se levanta e se espalha pelo
terreno, Lua toca em minha face.
— Ficarei bem, Noah. Cuide-se e volte
para mim – ela diz, com seus olhos
brilhantes.
— Sempre. – Nos beijamos e, por alguns
segundos, só quero tirá-la dali, sequestrá-la
para um canto onde só eu poderei vê-la ou
tocá-la. Por alguns segundos, desejo que só
existam nós no mundo, nós e o nosso amor,
nós e mais ninguém. – Por que não saímos
daqui? – sussurro em seu ouvido, e ela sorri.
— Nem pense nisso, Supremo. – Ela
toca em minha boca e põe os seus braços ao
redor do meu pescoço. – Hoje, você não será
meu amante cheio de tesão, nem um lobo no
cio. Hoje, você será o meu namorado.
Então, quero ser mimada e acarinhada.
Quase caio no seu papo.
— Isso, e porque, se você sumir agora,
sua amiga vai querer nos matar – digo e ela
gargalha.
— É, isso também.
Puxo Lua para mim, toda a matilha
está feliz, mas não é isso o que mais
percebo, ela está com um sorriso bailando
no canto de seus lábios e percebo o quanto a
felicidade dela é importante para mim.
— Você fez isso – digo em seu ouvido.
— Eu? Não fiz nada – ela responde,
fitando os meus olhos.
— Você é o motivo disso acontecer, Lua.
– Pego a sua mão e a coloco acima do meu
peito, no local exato onde meu coração
bate. – E também é o motivo disso
acontecer.
Uma lágrima escorre de seus olhos e eu
facilmente a capturo com meu polegar.
— Desculpe, estou sensível, deve ser a
gravidez.
— E, por falar nisso – abraço-a por trás
e observamos toda a matilha se divertir –,
como anda nosso filho?
— Bem, eu acho. Não sinto as coisas
que uma mulher grávida
deveria sentir – ela diz, com o semblante
um pouco preocupado.
— Você pode ser tudo, menos normal.
— Obrigada, eu acho – ela agradece,
com uma careta em sua face, e eu sorrio de
sua expressão.
— Sério, Lua, o que foi aquilo?
Ela para por um segundo, pensando.
— O que foi que aconteceu com o lance
da lua azul?
— Eu... não sei – ela diz, mas sinto
receio em sua voz.
— Lua... O que conversamos sobre
esconder coisas?
Ela suspira.
— Minha mãe costumava me contar
algumas histórias de família... Ela me dizia
que era descendente de uma bruxa, mas
bruxas não existem, certo? – ela pergunta
com certo receio, olhando para mim. –
Minha mãe me contava que o lobo foi
criado de uma magia poderosa, o primeiro
lobo... Foi uma disputa de famílias, um
homem matou um de seus irmãos, ela era a
herdeira de um grande clã de bruxos e, com
ódio, plantou uma maldição, ele seria uma
fera, uma besta... Mas a magia deixa um
rastro, e ela foi perseguida por essa fera...
Só que... A magia que ela lançou era muito
poderosa, ela teve que abdicar de certas
coisas e, neste caso, foi parte de sua alma...
Minha mãe me disse que ninguém pode
viver com sua alma incompleta, a bruxa
estava morrendo por causa disso... Certo
dia, ela cansou de fugir e de correr, então,
um imenso lobo de olhos vermelhos a
encontrou e ela não fugiu, só que o lobo,
ele... cuidou dela. Eles se uniram, ele dividiu
parte de sua alma com ela, devolveu-lhe a
vida. Depois, ela descobriu que sua família,
seu irmão, era corrompida e usava a magia
de modo errado, tinha cometido
atrocidades no povoado do lobo. Quando a
família dela soube da sua união com aquele
homem, ambos foram caçados e ele se
sacrificou para protegê-la, deixando um
herdeiro. Ela me dizia que os lobos
surgiram daí, e que essas duas almas, os
primeiros, juraram que se encontrariam
em algum momento, que ficariam a
eternidade em busca um do outro e que, um
dia, fechariam o círculo.
Lembro-me do que meu lobo disse: o
círculo foi fechado.
Ela suspira, vejo saudades em seus
olhos, ela sente a falta da mãe. Todas as
suas palavras fazem sentido para mim,
cada sílaba.
Abraço-a e começamos uma dança
lenta, porém, meu lobo interrompe em
minha mente.
— Eu te achei.

Leandro
Meu amor estava muito gostosa essa
noite, um vestido folgado escondia
completamente seu corpo por baixo, o que
só me deixou mais aceso e com um desejo
insano de arrancar o tecido de seu corpo.
— Loirinha, o que tem aí embaixo? –
pergunto, agarrando-a pela cintura.
— A-há! Meu grande lobo gostoso, você
vai descobrir – a pequena ninfa diz, de
forma descarada, olhando para mim.
— E por que não agora? – Aperto seu
corpo de encontro ao meu.
— Porque hoje, meu lobo, sou eu quem
dita as regras. Ajudei nesta festa linda e
vou aproveitá-la, e você estará ao meu
lado.
— Nem em um fod... – Ela me corta
com um beijo em meu pescoço, Raquel roça
seus dentes ali, fazendo-me calar, porque
estava ocupado demais salivando.
— Vamos, amor, dê-me isso, uma noite.
Comporte-se, vamos conversar como um
casal normal, que tal? – ela diz, enquanto
começa a andar pela festa, sorrir e falar
com cada pessoa neste fodido lugar. Não
quero que ela fale com ninguém, minha
loirinha está me esnobando, e isso me irrita.
Caminho atrás de seus passos como um
fodido cão atrás de seu dono. Merda! Estou
começando a falar como ela, sorrio
pensando nisso, em como a minha vida
mudou desde que ela entrou.
— Do que quer falar? – pergunto, atrás
dela, e ela vira-se triunfante, a pestinha
estava me esnobando de propósito para que
eu fizesse o que ela queria, que é conversar.
O pessoal do meu escritório iria rir de mim
caso me vissem cair assim, de joelhos.
— Hum... Como é o seu trabalho? –
Sério, trabalho? Não me importo em falar,
porque isso faz com que ela olhe para mim,
e só para mim.
— Tenho um escritório de renome.
Hoje, eu quase nunca apareço por lá.
Costumo resolver as coisas por telefone ou
por e-mail, só pego casos grandes, a maioria
do meu pessoal é competente o suficiente
para resolver casos sem mim.
— Hum... Quem foi a sua primeira
namorada? – ela me pergunta e eu ergo
uma sobrancelha.
— Você.
Ela revira os olhos e me dá as costas,
começando a se afastar de mim, mas eu a
puxo e colo nossos corpos.
— Sério, loirinha, nunca namorei
ninguém.
— Você é um safado, Leandro, me
conta outra que nunca ficou com ninguém
antes de mim.
— Claro que fiquei, mas nunca
namorei, era só sexo. Você é a minha
primeira namorada, minha primeira
mulher, meu primeiro amor, com ênfase no
Minha, loirinha, nunca se esqueça disso. —
digo sorrindo, mas Raquel não ri dessa vez,
o que será que ela está aprontando?
Dançamos por alguns minutos, a
música estava lenta, seu cheiro me inebria,
faço círculos em suas costas e sei que isso a
está afetando, pois seu cheiro muda, ela
está ficando excitada. Bem, talvez a nossa
saída estratégica se dê mais rápido do que
pensei.

Luana

Estava eu, dançando com Noah,


quando sou atacada – digo “atacada”
atacada. Raquel não consegue chegar em
um local normalmente, não mesmo. Ela
pula entre Noah e eu e me puxa pelo braço.
— Socorro, Estranha! Estou quase
tirando a roupa do ogro com os dentes! – ela
sussurra para mim.
— E qual o problema? – sussurro de
volta. – E por que estamos sussurrando???
— Ouvido biônico, esqueceu?! – ela
sussurra, apontando para sua orelha. Eu
olho para Noah, que está com uma
carranca ao lado de Leandro, que leva uma
cara bem parecida.
— Sei... Qual o problema?
— O problema é que nunca vou
conseguir me vingar se quero arrancar a
minha própria roupa e me oferecer em um
ritual louco para ele!!!
— O quê?! – grito.
— Shiiiii... Cala a boca! Até parece que
você não tem fantasias.
Gargalho.
— Estranhas assim, não. – Ela revira os
olhos.
— O ponto não é esse, afaste-me desse
poço de tentação – ela pede
com uma cara de choro.
Seguro o meu riso e concordo com
Raquel.
— Certo, vamos bolar um plano! Você e
eu vamos dançar e conversar, fazer coisas
de garotas, vamos falar de menstruação,
dor no peito, depilação, tudo o que eles
odeiam, isso vai dar certo! – Raquel diz
confiante.
Prendo o riso e assumo a missão de
minha amiga louca. Quando Noah e
Leandro pensam em caminhar em nossa
direção, começamos a conversar sobre
partos, menstruação e dores, eles fazem
uma careta dupla e se sustentam no lugar.
— Está funcionando, Estranha! – ela
sussurra.
— Falando em parto, quanto tempo
falta? – Toco instintivamente em meu
ventre.
— Um mês e pouco.
— Sério?! Onde você está fazendo essas
contas? Porque tenho certeza que não se
passaram nove meses.
— Nós somos lobos, Lôra, essa é a
gestação de um.
— Merda.
— O quê? Eles estão vindo?!
— Nããão, você vai ter uma porrada de
cachorrinhos saindo daí? Porque, se bem
sei, sai um monte, e eu não consigo
imaginar isso.
— Não!!! Só o tempo é diferente, nós nos
curamos mais rápido, e também nos
desenvolvemos mais rapidamente. Paramos
de envelhecer com uns vinte e cinco anos e
vivemos cinco vezes o tempo dos humanos.
— O QUÊ?! EU SOU IMORTAL!
— Não, sua louca!!! Não somos nada
disso, só duramos mais, é só.
— DURAMOS MAIS?! Eu não sou a
porra de um alface na geladeira! Sabe
quantas coisas posso fazer em tanto tempo?
Tudo! Posso viver umas cinco vidas. Sério,
estou me sentindo uma espiã. Pera, EU
POSSO SER UMA ESPIÃ!
— Menos, ô espiã! – Rio da minha
amiga maluquinha.
— Sério, você não vai ter um monte de
cachorrinhos?
— Não, vou ter só um, o nascimento de
gêmeos, como Alec e eu, é extremamente
raro. E não será um cachorrinho, será um
bebê. Eles só se transformam com treze
anos.
— Hummmm... – Ela me analisa.
— Que foi?
— Não parece que está grávida, não
acredito que vá sair uma criança daí.
— Sério, pare de olhar para a minha
vagina, ou o Noah vai começar a ficar com
ciúmes.
O problema é, com nossa conversa,
acabamos esquecendo de dois homens
ciumentos e irritados, e fomos pegas
desprevenidas quando Noah me pega no
colo e Leandro olha triunfante para
Raquel.
— Nem pense nisso, Lua!!! – minha
amiga grita para mim, mas também ouço
Noah e seu lobo em minha mente: Seja
nossa, vamos, amor, queremos ter o seu
cheiro entranhado em nosso corpo,
queremos te ver dormir, não queremos te
dividir com mais ninguém, não por esta
noite, vem.
— Desculpe, Lôra – digo para a minha
amiga, enquanto Noah me carrega para a
nossa casa, enquanto eu olho para ele e
sinto-me completa. Às vezes, eu quero o
mundo, tudo o que sonhei. Às vezes, eu
quero só ele... Talvez só ele possa ser os dois:
o mundo e tudo o que sonhei.

Alec
Olho para a minha linda, o meu amor.
Ela está incrível, Manu tem a pele morena
que contrasta com o vestido branco que
usa.
— O quê? – ela me pergunta, enquanto
sorri discretamente.
— Eu sinto muito. – E realmente sinto,
ela se uniu a um Alfa, alguém estruturado
e com uma matilha.
— Não deveria, estou feliz aqui, Alec.
Ela olha para Raquel e Lua e sorri.
— Aqui, eu posso ser alguém.
— Como assim?
— Eu... Posso ser alguém, um alguém
com personalidade, com desejo e com
querer. Aqui, eu posso ter opinião, está no
início, mas eu já posso ver a mudança que
essas duas estão fazendo. Sinto isso, e sei
que também sente, e foi por isso que
resolveu vir até aqui, porque também
deseja participar dessa mudança.
Abraço Manu e sinto seu cheiro,
merda de cheiro bom.
— Eu... Ela é minha gêmea e, às vezes,
nos acho tão diferentes, sabe? Lua sempre
teve essa coisa de orgulho, de ter orgulho
daquilo que é, de onde veio... Sempre pensei
“de onde isso vem?”... Sabe, ela era...
maltratada na matilha, eu fazia o que
podia, mas não poderia estar sempre
presente e, mesmo assim, ela exalava
orgulho. Hoje, penso se isso não veio da
mamãe, ela e Lua tiveram um contato
maior e, às vezes, Lua dava umas sumidas,
ela sempre sumia por alguns dias durante
os meses... Quando eu vi toda a matilha se
virar contra mim, pensei: “Se eles tivessem
só um tantinho do orgulho de Lua”... Eu sou
um Alfa, Manu, mas estou buscando, vim
atrás de Noah, e também vim por ela, eu
quero ter um pouco do que Lua tem, ser
feliz com o que sou, ter você se orgulhando
de mim.
Ela me beija de forma apaixonada,
invadindo cada pedaço de mim com sua
energia, sua loba.
— Eu já sinto.
Raquel
Merda... Depois que a Estranha saiu,
você me ouviu bem: SAIU... E me largou
aqui, com esse poço de perdição, Lê anda em
minha direção de modo predador, de novo.
Merda, parece que estou sempre sendo a
merda da presa, e isso precisa mudar! Finco
os meus pés no chão, ele me olha,
estranhando a minha reação, mas não para
seu caminhar. Quando Lê está em minha
frente, toca de leve em minha cintura e a
ponta de seus dedos me causam leves
tremores. Fique forte, forte como... Merda,
como alguém forte, o Hulk, sei lá.
Ele arrasta a barba por fazer por meu
rosto e se afasta, estranhando a minha
falta de movimento.
Nós nos encaramos por alguns
momentos, e ele não avança mais nem um
centímetro. Certo, limites, isso se chama
limites.
— Não me diga que quer conversar
agora – ele rosna para mim.
— Não, quero brincar. – Ele sorri de
modo cafajeste, e isso me faz vibrar
internamente.
— Disso eu gosto, loirinha. Então, o que
tem em mente?
— Surpresa!
— Não sei se gosto muito de surpresas,
Raquel... Diga o que tem em mente.
— Não, você vai fechar esses lindos
olhos e contar até... 400.
— Ah, mas eu não vou mesmo!!!
— Vamos... Eu vou correr. Que tal um
esconde-esconde na floresta?
Ele para por alguns segundos e começa
a pensar... Merda, chego perto dele e, em
seu ouvido, sussurro:
— Não está curioso para saber o que
tenho por baixo do vestido?
Seus olhos brilham e ele rosna.
— Um, dois...
Mas ainda está com os olhos abertos...
Quando chego na parte que inicia a
floresta, ele fecha os olhos, isso vai ser
divertido.

Luana
Noah me carrega em seus braços, não
em suas costas, em seus braços, como se
fosse algo precioso. Sinto-me como uma
recém-casada entrando em sua casa pela
primeira vez.
Ele me coloca em cima da cama e tira
o meu vestido, Noah me tem nua em sua
frente e faz algo que me surpreende, ele se
ajoelha.
Noah se ajoelha e põe seu rosto sobre o
meu ventre, ele fica ali, ouvindo um estalar
do coração de nosso filho. E eu acho isso tão
bonito que lágrimas começam a descer pelo
meu rosto. Seguro-me para não fazer
nenhum tipo de barulho. Ele ficou ali,
apenas sentindo esse serzinho ganhando
vida e crescendo a cada segundo,
desenvolvendo-se um pouco mais. E, com
esse gesto, eu tenho a certeza de que Noah
dará tudo que eu nunca tive a essa criança,
ele lhe dará uma casa, um lar, uma família,
proteção, amor... Principalmente amor.
— Merda, você está chorando de novo!
– ele diz angustiado, como se estivesse
saindo algo verde dos meus olhos, e não
lágrimas, e eu sorrio de sua expressão.
— Estou bem, Noah, não se desespere. É
que ver você com nosso filho me deixou
emocionada.
— Eu também não tive uma família,
Lua. Perdi a minha cedo demais, na
verdade, e não sabia o quanto sentia falta
disso, até agora. Porque, agora, eu quero
vê-lo crescer, andar, quero ajudá-lo, ensiná-
lo, quero que ele seja alguém muito melhor
que eu. Quero que não cometa os mesmo
erros, quero segurar em sua mão e guiá-lo e,
tenho certeza que, assim como você, meu
filho me ensinará muito mais do que
esperaria aprender em toda a minha vida.
Toco no rosto de meu companheiro e
uma lágrima também escapa, eu a seco e o
olho com amor, pois é isso que sinto, eu o
amo. Mas algo me incomoda desde o evento
da Lua Azul...
— O que foi?
— Não vou conseguir esconder nada de
você, nunca mais, não é?
— Não, não vai.
— Eu estou preocupada... O que
aconteceu lá fora... E se isso afetar o nosso
filho de algum modo? E se algo der errado?
— Nada vai dar errado e, bem, acho
que sua mãe tinha razão.
— Razão sobre o quê? Sobre bruxas?
Vamos, Noah, daqui a pouco vai me dizer
que fadas existem!
— É...
— O QUÊ?!!! – Fadas, tipo asinhas e
tudo o mais? Não.
— Certa vez, conheci um cara, algum
tempo atrás, eles não gostam de ser
chamados de fadas, preferem o termo faes.
— Não brinca comigo!
— É sério, Lua, nós existimos. Por que
não as fadas e todo o resto?
— O que quer dizer sobre todo o resto?
Você já teve contato com mais algum
sobrenatural?
— Vampiros.
M.E.R.D.A.S.A.N.T.A.
Fico boquiaberta por algum tempo e
ele muda de assunto, fazendome carinho e
dizendo-me coisas bonitas. Bem, pedi um
namorado e acho que ganhei um marido
esta noite.

Leandro

— Quatrocentos – digo, em um rosnar, e


caminho em direção à floresta.
Farejo o seu cheiro, seu rastro é nítido.
Depois, terei que ensiná-la a esconder seus...
Paro no caminho e no meio do pensamento,
encontro seu vestido. Penso: E se ela não
está de vestido... Rosno internamente e
continuo seguindo a trilha, encontro suas
roupas íntimas mais a frente. Mas que
porra é essa?!
Caminho até a clareira, porque é lá que
seu cheiro me leva, temos uma caverna por
aqui e... P.O.R.R.A.
Raquel está com uma capa vermelha
sangue, sua boca rubra faz um contraste
com sua pele branca. A capa está à frente
de seus seios que, pela barriga nua, significa
que não há nenhum pano os cobrindo. Ela
está de salto alto, vermelho.
Resumidamente, o que a cobre é uma capa
e uma saia mínima. Ela está com o capuz
da capa sobre sua cabeça, cabelos soltos, e
olha-me de cima a baixo, mordendo seu
lábio inferior. PORRA!

Raquel

Surpreendê-lo era só o início, e sei que


fiz isso quando o vejo me olhar e petrificar
no lugar. Leandro não sabe, mas vou tirar
muitas coisas dele hoje.
Começo a andar de costas para dentro
da caverna e ele vem, me segue. Mas não
como antes, Lê não caminha em minha
direção como um predador, caminha como
alguém enfeitiçado. Dou pulos internos,
INTERNOS, porque, se fizesse isso agora –
embora esteja querendo –, estragaria tudo.

Leandro
Sigo-a para dentro da caverna. Merda,
a mulher parece o flautista encantado, e eu
a sigo como a porra de um zumbi. Há velas
por toda a parte, há um colchão forrado em
um tecido vermelho sangue, mas eu não
presto atenção nisso, porque olho para ela,
que caminha até mim.
— Oi, meu grande lobo – ela sussurra,
próxima a mim.
— Oi, minha Chapeuzinho.
Ela, na ponta dos pés, morde meu lábio
inferior, e eu rosno e gemo ao mesmo
tempo, essa mulher vai ser a minha ruína.
Avassalador, seguro em seu pescoço e
travo uma fodida de uma briga com sua
língua.
Ela para o beijo aos poucos.
— Pare.
— Porra, Raquel, não sou a porra de
um santo, não vai ficar vestida assim e me
mandar parar!
— Sim, vou, porque hoje – ela começa a
tirar a minha camisa e desabotoar a minha
calça – eu vou conhecer cada pedacinho
deste delicioso corpo. Então, deite-se e
desfrute.

Raquel

Quer ver um homem te obedecer? Dê a


entender que vai fazer sexo oral com ele – o
que não significa que não farei. O quê?! Não
sou a porra de uma freira.
Lê deita no colchão que arrumei, pedi
um favorzinho para Ravi... Claro que,
quando ele soube quais seriam os meus
planos, me ajudou de imediato, contanto
que tirasse uma foto dele nessa posição.
Ele está nu e em toda a sua glória. Lê é
lindo, e demoro um tempo admirando meu
homem.
— Merda, pare de me olhar assim.
— O quê, amor? Direitos iguais, eu
posso muito bem secá-lo e dizer que tem o
corpo mais gostoso que já vi, e o quanto
gostaria de conhecer cada linda parte de
seu corpo.
Minhas palavras o atingem, sei porque
ele fecha os olhos e respira com dificuldade.
— Feche os olhos e coloca as mãos para
trás.
Ele me obedece sem falar nada e eu
caminho para perto dele, deixando a minha
capa roçar em seu corpo nu de propósito.
Então...
Tcharan!!! Consigo o que queria e, desta vez,
dou pulinhos!!!
Leandro

Forço meus braços para frente do meu


corpo.
— Merda, Raquel, você não me
prendeu em uma porra de corrente.
Ela caminha em frente a mim, fica em
pé com uma perna em cada canto do meu
corpo e me olha de cima. A porra da
mulher parece uma deusa.
— Não, meu amor. Hoje, eu levarei
meu tempo com você, e não se preocupe,
será prazeroso.
Dito isso, Raquel se abaixa diante de
mim, começa a me tocar e... Porra, ter sua
pequena mão ao redor de mim é
fodidamente bom. Fecho meus olhos
novamente e puxo as correntes, isso é
prata. Abro meus olhos, porque sinto algo
molhado ao redor de mim, vejo sua boca
vermelha trabalhando e... Merda, nunca
senti algo tão bom. Minha mulher é sexy
como a porra! Sinto que vou explodir, mas
ela para e eu rosno.
Ela sobe por meu peito e começa a me
beijar ali, sempre me acarinhando com suas
mãos. Então, quando estou a ponte de... Ela
para novamente. Raquel se afasta de mim.
— Volte aqui, Loirinha. Quando eu me
soltar, você vai ficar alguns dias me
sentindo dentro de você!
Mas ela para em um lençol que estava
ao meu lado, afasta a capa, ergue-a um
pouco e começa a se tocar. A porra da
mulher se toca ali, na minha cara,
enquanto eu fico aqui, aguando por ter
minhas mãos sobre esse delicioso corpo.
Raquel faz sons e caras que me
enlouquecem.
— Porra, loirinha, monte aqui, agora!
Ela me olha e, por alguns minutos,
continua em seu trabalho de me torturar,
enquanto olha o meu corpo de cima a baixo.
Então, ela levanta e caminha
novamente para mim, porra...
Raquel

Caminho até Lê novamente, sento-me


em seu colo e o beijo, beijo seu pescoço...
— Porra, vai logo, porra.
— Meu ogro tem uma boca linda e suja.
Ele sorri.
— Até parece que você não gosta dessa
boca linda e suja.
Abaixo meu corpo sobre o dele
devagar, dando-o acesso devagar...
— Porra, loira, entra logo!
Sorrio, ele está tão desesperado...
Apoio-me em seu peito e começo com
movimentos lentos e ritmados. Ele, abaixo
de mim, se move, tentando apressá-los,
porém, quando o faz, eu saio.
— Porra!!! Não faz isso, Loirinha.
— Você não vai se mexer. Toda vez que
se mover, eu paro.
— Merda, só volte para a porra de seu
lugar.
Volto a montar nele.
— Meu lugar?
— Sim, seu lugar.
Movimento-me com calma, não sei
onde estou arranjando tanta calma assim,
talvez o fato de tê-lo em minhas mãos me
faça... Eu quero vê-lo louco e entregue.
Quando sinto que Leandro está por vir,
diminuo mais ainda os movimentos, e toda
vez que o faço, ele rosna irritado.
— Porra, Raquel, por favor.
Esse é um bom começo.
— Sabe, Lê, eu andei pensando... Você
tem uma firma de advocacia, tem sua vida
firmada e tudo o mais...
— Porra, não vai ficar falando da
firma agora.
— Algum problema com isso? – Ele
rosna, mas continua calado. – Então, eu
descobri que vou viver por muito tempo e
não quero ser eternamente uma garota
saindo do colegial. Sendo assim, eu vou
para a faculdade de moda daqui.
— Nem na porra de seus sonhos! – Ele
rosna e geme ao mesmo tempo. – Com
aquele monte de moleque dando em cima de
você, isso não está...
Giro meu quadril e ele perde o que
falaria, digo em seu ouvido:
— Diga sim, Lê, diga sim. — faço o
mesmo que ele fez comigo para me
convencer a viver com ele, sorrio
internamente com isso.
Em movimentos circulares e mais
rápidos, repito isso várias vezes em seu
ouvido.
— Porra, Raquel, sim! Só termine isso e
para de me enlouquecer!
Em movimentos rápidos, monto em
meu companheiro e ambos chegamos ao
prazer, ele e eu, ofegantes, mas algo
acontece. Sinto-o crescer dentro de mim, e é
como ser preenchida por algo. Desespero-
me, porque não consigo sair de cima dele.
— Calma, loirinha, você tem que ficar
quietinha.
Mas eu não estava ouvindo, só sabia
que ele estava preso dentro de mim, e eu
queria sair.
— Raquel! Onde estão as chaves? Abra
isso!
Seu grito me desperta e abro suas
correntes, ele me abraça e põe a minha
cabeça em seu ombro.
— Shiiii... Loirinha, deixe nossa cria ser
concebida.
CRIA? COMO ASSIM CRIA?! EU CRIEI
UM PEIXINHO NO AQUÁRIO E O DEIXEI
MORRER!!!

Ian

Ainda me perco aqui, como um idiota


olhando para ela, contando as sardas de seu
rosto, admirando as diversas formas que
ela tem de sorrir.
— Ian, pare de me olhar assim.
Abraço-a e é aí que desejo que seu
corpo esteja: protegido e contornado pelo
meu.
Às vezes, ainda vejo nela uma sombra
do seu passado, do seu sofrimento, e desejo
tirar isso de sua vida, talvez construindo
algo maior, algo que a faça esquecer, ou que
faça com que doa menos suas memórias.
— Então... Estamos aqui, nesta linda
festa, e eu queria te fazer uma pergunta.
— Qual? – ela diz, com o mesmo sorriso
estampado em seu rosto.
— Qual seu sonho?
— Sonho?
— Sim, ruivinha, sonho, o que você
gostaria, pense... Daqui a dez anos, como
gostaria de se ver?
— Ham, com você. – Isso me faz
abraçá-la mais apertado. – Com filhos, uns
dois ou três, feliz...
— Sabe o quanto filhos são difíceis? –
pergunto para ela e a vejo dar de ombros.
— Perguntou meu sonho, não significa
que irão virar realidade.
— Pois, ruivinha, essa será a minha
mais nova missão, transformar todos os
seus sonhos em realidade e, não se preocupe,
só precisamos treinar com dedicação e
diariamente que os filhos virão.
Isso a faz enrubescer, ela fica tão linda
toda vermelha... Quanta sorte eu tive em
encontrá-la.

Alicia

As duas loucas foram cada uma para o


seu canto. Sorrio, imaginando
como será a vida do meu sobrinho sendo
criado por essas duas mulheres incríveis.
Ele será feliz, decerto. Feliz, uma palavra
que há muito tempo eu não ousava
pronunciar.
— Companheira.
Ouço-o sussurrar as minhas costas e,
com um sorriso imenso, viro-me e rodeio
meus braços em seu pescoço, admiro a
beleza de Lucas, seus olhos hipnóticos, sua
mandíbula forte, mas, principalmente, a
forma com que seu olhar muda quando
estão direcionados a mim.
— Onde estava?
— Tive que resolver algumas coisas
com Ravi... Noah não achou uma boa ideia
que eu fosse sozinho em alguma alcateia. –
Ele faz uma careta quando diz isso. – Ele
acha que não me receberiam muito bem,
então, vou com Leandro e Noah irá
sozinho.
Acarinho sua face e ele, por alguns
segundos, fecha os olhos, gravando meu
toque.
— Tenha paciência, logo será aceito
pelo meu povo, o meu irmão já o aceitou.
— Claro, depois de ter tentado me
matar.
— Ham, nós estamos falando sobre
Noah, ele sempre vai partir para a briga
antes de pensar.
— Não me importo que cada Alfa tente
me matar, acho que vale muito a pena, se o
presente for você, princesa.
Adoro quando ele me chama assim,
amo quando suas mãos me tocam de modo
protetor e, ao mesmo tempo, com urgência,
amo me perder no seu gosto, me prender em
sua pele...
Noah

Acordo com batidas apressadas na


porta do meu quarto. Olho para Lua, que
desperta junto comigo, rosno. Quem é o
idiota que me incomoda?
Quando abro a porta, meu Beta me
encara angustiado.
— Que merda aconteceu?
— Desculpa, cara, mas não foi com
você que eu vim falar.
Coloco o meu corpo de lado para que
Lua fosse vista por ele.
— Você precisa me ajudar, Raquel está
calada.
— Eu sei que a mulher fala muito, mas
ela estar calada não deveria
ser motivo para tanta preocupação –
minha Lua responde.
— Não, Lua. Ontem, nós fomos
agraciados pelos deuses e geramos uma
cria... Desde então, ela não fala nada, está
com um olhar vidrado e não diz nada, não
sei mais o que fazer! – Meu Beta está
desesperado, nunca o havia visto assim
antes.
— Raquel grávida?! – Lua fica
boquiaberta por um tempo, mas logo
começa a juntar algumas coisas e se veste,
passa por nós dois e, quando Leandro
começa a andar atrás dela, eu seguro seu
braço.
— Deixe-as – ordeno, mas caminho
para perto das escadas, elas não poderão
nos sentir aqui, contudo, poderemos ouvi-
las. Isso é tudo o que posso oferecer ao meu
Beta para que ele não surte.

Luana

Raquel realmente está com seu olhar


vidrado em algum ponto a frente de seu
rosto.
Quando me sento ao seu lado, ela joga
os braços ao redor de mim e começa a
chorar.
— Shiiii... Lôra, shiiii... Está tudo bem.
Acarinho a minha amiga até que seus
soluços cessem.
— O que há de errado?
Ela funga algumas vezes, antes de me
responder:
— Lembra-se daquela vez que tivemos
que plantar um caroço de feijão para o
projeto da escola? Lembra que o meu foi o
único que morreu? Quem consegue matar
aquelas coisas? Basicamente, é só colocá-los
dentro de um algodão com água!
Isso não tem nada a ver com... Mas a
minha amiga continua a falar sem parar.
— Lembra daquele projeto de
responsabilidade, que tínhamos que cuidar
de um ovo por uma semana? Eu comprei
três caixas para substituir o meu. Três!
Ela respira algumas vezes.
— Lembra do meu peixe? Perdi as
contas de quantas vezes joguei um peixe
morto no vaso do banheiro!!! E a planta?
Lembra da planta?! QUEM,
NESTE MUNDO, NÃO CONSEGUE NEM
CRIAR UM CACTO?!
Ela eleva a voz, parece desesperada.
— Raquel isso foi...
— Isso não foi, Lua, isso é! Estou
grávida e não poderei trocar meu filho, não
poderei cometer erros, nem me enganar,
nem jogá-lo pelo vaso, eu nunca jogaria
uma criança pelo vaso!
Ok, agora talvez ela tenha surtado um
pouco.
— Você entende?! Lembra daquela... –
Mas a corto.
— Já chega! Raquel, o que você carrega
não é um peixe, nem uma planta, nem um
ovo. Esse serzinho que está crescendo de
você se tornará a coisa mais importante de
toda a sua vida! Eu sei que tudo isso
aconteceu com você no passado, mas tem
uma coisa que tenho certeza, quando você
ama alguém, você o coloca debaixo de si,
você o protege. Essa criança vai ter sorte
em estar com você e com Leandro, vocês
serão ótimos pais!
— Mas eu não tenho idade para ser...
— Você teve idade o suficiente para
atacá-lo no meio da floresta como uma
ninfa louca, deixe de besteira! Não veja o
seu filho como uma consequência de um ato
impensado, ele é uma dádiva, um milagre.
Ela toca em seu ventre e ouço passos na
escada. Lá, Leandro e Noah descem e nos
escaram. Raquel corre de encontro aos seus
braços.
Noah vem para perto de mim.
— Belas palavras, meu amor.
Ouço Raquel sussurrar para Leandro:
— Você será o pai mais gostoso
que este mundo já viu. É... Acho
que certas coisas nunca irão
mudar.
Ainda pela manhã, eles juntaram as
coisas e partiram. Noah deu ordens para a
equipe de segurança e, agora, eu estou
sentada no jardim pacificamente. Estava,
na verdade. Porque um bando de crianças
começa a correr e a brincar logo à frente.
Vejo uma menina, ela tem por volta de
cinco anos, ela caminha até mim e se
apresenta:
— Oi, sou Bia.
Seu sorriso contagia, e logo estou
sorrindo também. As outras crianças vêm
até mim, chamando-me para brincarmos
juntos. Bem, pelo menos, o tempo pode
passar mais rápido.

Noah

Merda, sinto a falta de Lua como se


fosse uma porra de dor física, isso está me
deixando irritado, sem paciência alguma.
Resolvi trocar as coisas de última hora. Ian
e Alec se separaram, cada um foi para um
canto, para uma matilha diferente. Sei que
conheço esses dois há pouco tempo, mas
confio neles para tirar o necessário dos
Alfas. Leandro está sozinho e a caminho de
outra matilha, e eu estou... com meu
querido cunhado.
Lucas é um espelho da minha falta de
paciência. Pelo visto, ele sente a falta da
minha irmã como eu sinto a de Lua.
— Você não deveria sair, nosso lugar é
lá, com ela – meu lobo diz, e eu rosno. – Sei
onde é a porra do meu lugar, mas nem
sempre posso fazer tudo o que quero.
Com isso, ele se cala e Lucas me olha
intrigado.
— Olha, sei que não gosta de mim, e eu
também...
— Não preciso gostar, a única pessoa
que precisa gostar de você é a minha irmã.
Enquanto ela estiver feliz, eu também
estarei.
— Iria dizer que eu também não sou
seu maior fã, mas Alicia te ama, então,
acho que teremos que conviver.

******

Enquanto isso, no laboratório...


— Não, não e não!!! Vocês são
incompetentes! Por que as crias estão
morrendo?!
Os cientistas se entreolham com receio
de responder.
— Digam, seus incompetentes!
— Tem coisas sobre essa raça que não
entendemos, sobre o vínculo de
companheiros... As crianças que estão
nascendo não estão vingando, e não
conseguimos entender o porquê, não faz
sentido algum.
— O 901 sobreviveu, não me venha com
“eles não vingam”!
— Sim, mas ele é...
— Ele é a porra de uma criança, não
venha me dizer que não pode controlar
uma criança!
— Nós não conseguimos entender
também a ligação dos Alfas. Para
averiguarmos o que faz deles o que são,
precisaríamos da amostra inicial.
— Sim, mas já tentamos pegar Noah
mais de uma vez e não funcionou. Merda!
Tentei explodi-lo para conseguir extrair
pelo menos uma amostra do seu DNA, e o
maldito continua vivo, mas... Sabemos que
a mulher dele está grávida e, se não
podemos ter o pai... O filho será o suficiente.
QUERO TODOS ATRÁS DAQUELA
MULHER, TRAGAM-NA PARA MIM,
VIVA!
Noah

Merda, essa matilha é uma das mais


antiquadas. Por isso que decidi eu mesmo
vir até aqui. Isso, provavelmente, vai
acabar em confusão.
— Prepare-se – digo para Lucas, assim
que entramos no território da matilha.
Aican, o Alfa dessa matilha, está na
porta da casa, com braços cruzados em seu
peito. Não sou de observar isso, mas o
homem parece mais a porra de um urso do
que um lobo.
Desço do carro, seguido por Lucas.
Toda a matilha está a nossa frente, uns
trinta homens. Não consigo ver nenhuma
mulher aqui. Todos nos olham com uma
raiva velada, sei que Aican só me suporta
como Supremo, ele não gosta de mim neste
posto. Bem, talvez não goste de mim de
forma alguma.
— Supremo, a que devo a surpresa? –
Aican rosna, sem mover sequer um
músculo.
— Precisamos conversar.
Ele olha para algo atrás de mim e
responde:
— É claro, mas deixe o seu cachorro aí
fora. – Lucas rosna e dá alguns passos para
frente, eu ponho meu braço em seu
caminho, impedindo-o de continuar.
— Vejo que não o educou muito bem –
ele continua com suas ofensas.
— Aican, gostaria de lhe apresentar o
meu cunhado, o companheiro de minha
irmã Alicia, Lucas, meu mais novo lobo de
confiança. E, como sabe, esse círculo
cresceu. Espero que trate Alec, Ian,
Leandro, Lucas e Ravi do mesmo modo que
trataria a mim, porque eles me
representam, são a minha primeira linha
de lobos, e não admitirei que sejam tratados
com desrespeito.
Claro que irei perdoá-lo por esta... Falha. Só
desta vez.
Aican para por um tempo, encarando-
me. Merda! Sinceramente, estou pedindo
internamente para esse idiota me desafiar,
para ele dar só um passo, só um motivo
para iniciar uma briga, porque estou
precisando disso... Sinto-me como a porra de
um vulcão prestes a explodir.
Se os Alfas dissessem a verdade, eu não
precisaria estar aqui. E, se eu não estivesse
aqui, estaria em minha casa, com minha
companheira e minha cria. Ou seja, é tudo
culpa deles, pelo menos é essa lógica que
utilizo.
Ele confirma com a cabeça e entra em
sua casa, eu começo a seguilo, juntamente
com Lucas, que está logo atrás de mim.
Passamos por todos os lobos como um
corredor polonês, não é só o Alfa que
aparentemente me odeia, imagino quantas
matilhas têm o mesmo pensamento de
Aican. Merda, essa porra parece que nunca
acaba. Eu venço uma guerra e outra se
forma.
Entramos na casa e fomos até seu
escritório, ainda nada de mulheres.
— Então, Noah, o que deseja? – ele diz
meu nome como um insulto. Ele sabe, eu sei,
mas, mesmo assim, forço-me a fingir que
não percebo e a sorrir, porque não tenho
tempo para lidar com uma revolta neste
exato momento, não tenho tempo para
lutar contra meu povo e contra humanos
para proteger o meu povo. Uma guerra de
cada vez.
— Onde está a sua mulher? – pergunto,
e sei que isso o atinge, ele começa a rosnar e
para quando ergo uma sobrancelha diante
da sua reação.
— Nunca se preocupou com mulheres.
Por que isso agora?
— Elas são lobas, claro que me
preocupo com elas, fazem parte da nossa
raça. Agora, responda a minha pergunta.
— Ela está segura.
— Segura? Onde? E segura do quê?
Ele não responde, e minha paciência
começa a esvair.
— Se não me engano, Ravi entrou em
contato com você... Você disse que as
mulheres estavam bem e que não ocorreu
nada. Penso que, talvez, você não tenha
entendido a pergunta dele, porque, se
mentiu, isso pode ser considerado traição.
— Nossa matilha foi atacada.
Merda, isso confirma. Essa porra está
em uma proporção maior do que imaginei.
— Quando?
— Há dois anos.
Como assim há dois anos?! Há quanto
tempo essa operação está acontecendo?

Ravi

Desde a manhã que estou aqui, com


minhas telas, observando Lua brincar com
as crianças. Bia não larga de sua mão. É
impressionante ver essa criança confiar
tanto assim em alguém, ela não confia nem
em Noah, e foi ele quem a resgatou. Seus
pais sofreram um acidente e ela seria
queimada junto com eles. Noah a tirou de
lá e o carro explodiu. Bia não se mistura
desde então, não se mistura nem com
adultos nem com outras crianças, e ela...
Definitivamente não costuma fazer o que
está fazendo com Lua, ela não sorri, não
sorria, antes, eu acho...
Mudanças, é isso o que ela é, é isso o
que ela trará para o nosso povo... Procuro
Lua pelas imagens das câmeras e não
consigo encontrá-la em canto algum, mas
que porra...
Minha visão é tampada, farejo e
reconheço seu cheiro.
— Eu poderia ter te matado – digo
para ela.
— Eu também. – Ela destampa meus
olhos e, sorrindo, senta-se ao meu lado.
— Então, não prefere presenciar as
coisas de verdade do que ficar aqui, nesta
sala, sozinho?
— Ham, não sei não – digo, com uma
careta. A verdade é que não me dou muito
bem com outras pessoas.
— Vamos, Ravi, por favooor! Seu
sobrinho está com desejo! – ela diz, pegando
em seu ventre.
— Tenho certeza que desejos de
grávidas são com comida – respondo,
sorrindo, e ela pisca para mim. — Não sou
uma grávida comum.
Ligo todas as defesas e, estranhamente,
saio atrás dela.
— Sei exatamente do que você precisa.
– Lua segura em minha mão e sai me
arrastando. – Vocês são perfeitos um para o
outro, sério!
— Lua, você não está tentando me
casar com alguém, não é mesmo? Porque
tenho certeza que sou grandinho o
suficiente para ter uma mulher com meus
próprios...
— Shiu, não essa. Essa é incrível, e você
é idiota o bastante para não
ver.
Ela me leva até o jardim de sua casa e
a criança estava sentada em um banco.
— Bia, meu amor, venha cá! – Ela corre
em nossa direção e para quando me vê.
Lua se abaixa para ficar em seu plano
de visão e me puxa para baixo também, eu
quase caio de cara no chão e Bia dá um
sorriso tímido.
— Este é Ravi. Ravi, esta é Bia.
Ham, o que digo para uma criança?
Mas não preciso falar nada, ela logo se
joga em meus braços e me abraça.
— O que eu faço? – sussurro para Lua,
mas ela só sorri e sai andando.
Bia segura em minha mão e sai me
arrastando floresta adentro. Então, ela
começa a me mostrar flores, plantas, seus
locais secretos, fala sobre fadas escondidas
nas árvores e bichos que pulam em você,
caso não se comporte. Fico o restante do dia
todo ali, com ela segurando em minha mão.
Com seu cabelo negro e olhos brilhantes, Bia
me olha com... confiança. Por que ela
confiaria logo em mim? E como Lua sabia
disso?!
Quando anoitece, despeço-me dela e
vou para a minha casa tomar um banho.
Ando até o QG para ver se está tudo em
ordem e ela está lá, dormindo no sofá. Bia
está imunda, com a mesma roupa do nosso
passeio, e caída em um sono pesado. A
maioria das pessoas pensa que aqui é
minha casa, já que fico aqui grande parte
do meu dia, acho que quando disse que iria
para casa, ela pensou que seria aqui. Chego
próximo a ela e Bia desperta.
— Ei, linda, o que faz aqui?
— Quero ficar com você, Ravi.
— Por quê?
— Lua me disse que deveria... Como é
mesmo a palavra? Viver. Eu não entendi,
minha professora diz que todos nós estamos
vivos, mas eu perguntei isso para Lua, e
sabe o que ela me disse?
— Não, linda. O que Lua te disse?
— Que, às vezes, quando perdemos
alguém, nós morremos junto e nem
percebemos. Ela disse que iria me
apresentar a alguém que também tinha que
viver. Então, ela trouxe você. E eu gostei,
viver pode ser bom.
Bia dá de ombros e eu, chocado, quase
caio de cara no chão uma segunda vez.
Lua, Lua... Acho que você me deu um
presente, uma filha. E talvez – talvez –
eu ache que viver possa ser bom
também.
Sorrio para Bia, seguro em sua mão e
digo:
— Vem, vamos para casa.

Raquel

Ham, não sinto nada de diferente.


— Merda, loira, para de olhar para
baixo, vai acabar tropeçando em algo.
— Você se sente diferente?
— É... impressionante. Estou gerando
outro mundo, com mais um mundo de
possibilidades. Estar gerando uma criança
faz a gente se sentir um pouquinho Deus,
sabe? Criando algo tão maravilhoso e com
um amor tão incondicional. Você vai sentir
isso também, loira, e todo o seu mundo vai
mudar, você não vai se importar por isso.
Luana se sustenta em mim porque
acabou de ser atacada e quase cai de cara
no chão.
Luana

Sou atacada e me desequilibro um


pouco, sustentando-me em Raquel, logo vem
Ravi gritando atrás:
— Bia! Eu disse para você não correr
desse jeito, linda! Vai acabar se
machucando!
Sorrio com a cara preocupada dele, e
devolvo o abraço da garotinha que me
agarra.
— Oi, meu amor.
Ela está com a cara em minha barriga.
— Shiiii... Posso ouvi-lo. Ei, vem logo,
quero brincar com você.
Bia conversa com meu filho e eu
encaro Ravi, todo bobo, olhando para a
menina.
Vejo as outras crianças correndo de
um canto ao outro.
— Bia, por que não brinca com os
outros? Meu filho ainda vai demorar um
pouquinho para nascer.
— Eu espero.
Olho para Ravi, e o mesmo faz uma
careta para mim e dá de ombros.
Abaixo-me fito seus olhos de criança.
— Meu amor, olhe para mim. – Os
olhinhos brilhantes e espertos encaram os
meus. – Ravi e eu nunca, jamais,
deixaremos que algo de mal te ocorra, não
tenha medo.
Ela olha de mim para Ravi, então,
acena com a cabeça e corre em direção as
outras crianças. Porém, na metade do
caminho, ela volta correndo e diz:
— Não gosto do seu nome.
— Não, pequena? Quer me chamar de
quê, então? – Ravi pergunta, com aquele
sorriso maravilhoso.
Ela para um pouco, pensa. Encabulada,
olha para o chão e, depois, o encara com
coragem.
— Pai. Posso te chamar de pai?
E porque meu querido nerd estava
ocupado demais deixando algum mosquito
entrar em sua boca aberta, eu tive que
responder:
— Claro que pode, querida.
Ela sorri e corre novamente.
— Bem vindo ao mundo, papai. – Dou
um soco em seu braço e, só aí, ele parece
acordar.
— Ela me chamou de pai?

Noah

Merda, estamos na estrada, tenho que


ir até mais uma matilha... Os outros
obtiveram os mesmo resultados, todas as
matilhas foram atacadas. Estamos na
estrada, não paramos, não dormimos...
Sinto falta de Lua...

— E aí, cara?
— Tenho certeza de que liguei para
Luana, e não para você, Ravi!
Ele ri, o desgraçado ri! Sei que é
maluquice, mas cerro os meus punhos de
ciúmes, porque ele está lá, ao lado dela,
junto a ela, enquanto eu não.
— Onde está a minha mulher? –
pergunto, sem a mínima paciência.
— Ela me deu uma filha! – ele diz, ao
invés de responder a minha pergunta.
— Claro, meu amor – ouço a voz de Lua
ao fundo e todo o meu sangue ferve.
— Ravi, eu juro que vou te estripar
assim que te encontrar.
— Porra, Noah, estou te dando uma
boa notícia, mas parece que você não está
pensando com a cabeça certa neste
momento. – Ele gargalha com mais uma de
suas piadinhas e eu juro que...
— Ravi, por que atendeu meu celular?
Me passe isso aqui, seu idiota, e vá cuidar
da sua filha! – ouço-a novamente, ao fundo.
– Oi, companheiro – ela diz, com uma voz
feliz.
— Pode me explicar o que está
acontecendo?!
— Céus, Noah! Por que não para por
um segundo e respira?! Não sei como
conseguiu ficar vivo até agora, sendo tão
estourado!
— Luana... – rosno o seu nome.
— A vontade de desligar o telefone na
sua cara é bem grande neste exato
momento. Contudo, como me tornei um ser
evoluído, vou responder a sua pergunta tão
educada. Lembra-se da Bia? A garotinha?
Claro que lembro, a garota não se
mistura com ninguém, já a mandei para
psicólogos, já tentei colocá-la em escolas, já
tentei de tudo. Não respondi, e ela
continuou:
— Bem, eu percebi que ela e o Ravi são
perfeitos um para o outro e, veja, Bia tem
um pai e, agora, Ravi tem outra coisa a
fazer do que ficar jogando RPG.
Lua tirando Ravi de seus jogos? Isso,
sim, é um milagre...
— Lua, eu...
— Não, Noah, eu não quero desculpas,
estou cansada. Eu quero mudanças. Está
tudo bem por aqui, sinto sua falta. E por aí?
Como andam as coisas?
— Más notícias, em todas as matilhas
que conseguimos ir, houveram ataques.
Lua, nosso povo está sendo atacado em todo
fodido canto, isso não é só uma experiência,
eles são organizados, têm dinheiro... E um
dos ataques foi há dois anos.
Ouço-a respirar profundamente.
— Noah, resolva isso e volte para casa,
volte para mim, está entendendo?
— Sempre.

*****

Enquanto isso, nos laboratórios...

— Como assim nenhum dos


incompetentes arranjou uma forma de
entrar naquele condomínio fechado?!
— O lugar é cercado, tem tecnologia de
ponta, armamento de ponta. Ou saímos
explodindo tudo ou não conseguiremos
acesso.
— SEUS IDIOTAS! Será que não
conseguem fazer nada?! Pensem como eles!
Essas mulheres são presas fáceis! Elas estão
sempre desprotegidas e não sabem lutar!
— Os lobos disseram que ela é
diferente...Teremos que ter cuidado com
essa loba. E, pelo armamento que a cerca,
ela não é qualquer uma.
— Claro que não, ela é a rainha deles!
Eu quero saber mais do que isso. O que ela
gosta? De quem ela gosta? Quais seus
hábitos?!
— Nós... Disseram que ela se colocou
em perigo há algum tempo atrás, por uma
amiga, mas a amiga está dentro do
condomínio, junto a ela.
— Então, ela é do tipo que se importa...
Eles são os mais fáceis... Busquem algo,
façam-na vir até nós, ela virá, conheço esse
tipo, como se pudesse salvar o mundo!
Estamos perto, rapazes, vão ao trabalho!

Ravi
Coloco a minha princesinha para
dormir e vou para o meu quarto. Eu estava
querendo mudanças, certo? Agora, ela está
batendo na minha cara, isso é, bom,
assustador, mas bom.
Depois de dar mais uma olhada na
segurança e ver como estão os vigias,
durmo.

Luana

Não consigo dormir, não dá. Como se


algo estivesse me incomodando. De repente,
a casa está muito apertada e eu quero sair,
respirar ar puro. Uma má sensação me
toma, mau pressentimento...

Bia

Sabia! Levanto-me da cama na ponta


dos pés, eu disse para o papai e para Lua
que eles existiam! Sigo as fadas e, quando
vou pegá-las, elas fogem. Estão indo para a
floresta, mas não vou desistir, corro atrás
delas!

Luana

Vejo uma sombra entrar na floresta,


farejo e sinto o cheiro de Bia. Mas que
merda...
Corro atrás dela. Mesmo sendo rápida,
Bia está muito à frente, só consigo segui-la
porque tenho um nariz realmente bom.
Será que ela está fugindo de casa? Será que
aconteceu algo?

Bia

Estou quase... Quase...


Pulo uma clareira. Nunca vim nesta
área da floresta, é proibida, mas a
fada está lá, então, continuo correndo e...
PEGUEI!
Quando abro as minhas mãos, não é
uma fada... é uma coisa preta que pisca
uma luz verde. Alguém vem por trás de
mim e me segura.
— ME LARGA!

Luana

Estou quase fora dos limites da


matilha, mas seu rastro é claro para mim.
Então, continuo correndo, e vejo homens,
todos vestidos de preto, segurando-a.
— Soltem-na, agora!
— Transforme-se e ela morre. – Ele
aponta uma arma para a cabeça da
menina, ela está soluçando de tanto chorar.
— Bia, meu amor, olhe para mim, vai
ficar tudo bem.
— Caminhe até aqui, devagar...
— Soltem-na!
— Faça o que pedimos e soltaremos a
criança.
— Bia – digo, a encarando nos olhos –,
quando ele te soltar, corra para o seu pai,
está me ouvindo? Não pare, não olhe para
trás, só corra para o seu pai. – Ela acena
com a cabeça e eu caminho para os cinco
homens, eles são humanos, dou conta de
cinco humanos.
Quando me aproximo, eles soltam Bia e
me seguram. Deixo que ela corra sem
revidar. Quando percebo que ela já está a
uma boa distância, começo a revidar.
Rasgo a garganta de um deles e,
quando estava pronta para atacar o outro,
sinto duas picadas em meu corpo, minhas
pernas ficam moles, meus olhos, pesados...
Sinto braços me carregarem, ouço-os dizer:
— Bem, o plano era sequestrar a
garota e pedir uma troca entre as duas,
mas, veja, isso é sorte grande! Vamos sair
daqui, antes que a garota avise a mais
alguém.

Ravi

— Pai, acorda!!!
Desperto com Bia me sacudindo.
— O que foi? Aconteceu algo? Você está
bem? Está machucada?
Teve um pesadelo? Está com fome?
— Cala a boca, pai, é a Lua! Homens
maus estão lutando com ela!
— Onde, Bia?
— Na floresta.
Ligo todos os monitores, que também
estão em minha casa, procuro por Lua.
Vamos, vamos... Apareça...
Vejo um carro preto, grande, Lua está
sendo carregada, é aí que
percebo nosso erro de segurança...
Nós somos inatingíveis, nunca alguém
poderia entrar aqui sem que soubéssemos,
mas... Nunca nos preparamos para que as
pessoas de dentro não saíssem, porque isso
não é uma prisão.
Pego o comunicador e falo com os
ômegas.
— Portão sul, siga essa porra desse
carro, eles levaram Luana!
Merda! Merda, merda, merda! Odeio
ser o portador de más notícias.
— O que aconteceu?— É a primeira
coisa que Noah me pergunta.
Ele sabe que não gosto de falar ao telefone,
sabe que é sério.
— Venha para casa.
— O que aconteceu com minha
companheira, Ravi?
— Ela foi sequestrada.
Noah desliga em minha cara sem
querer detalhes, e sinto que o decepcionei, o
desapontei. Não meu Alfa, o meu amigo. E
isso dói, porra, como isso dói.
— Calma, pai. Lua é forte, ela vai ficar
bem.
Sorrio e abraço a minha pequena.
— Espero que tenha razão, meu amor.

Noah

— O que aconteceu? Noah! Noah! –


ouço Lucas gritar, mas já estou correndo,
não me preocupo em tirar a minha roupa,
só chamo o meu lobo, a transformação vem
e rasga tudo o que estava vestindo.
Então, corro, e não me importa se tem
a porra de um país entre nós, eu corro,
corro como nunca antes corri, corro sem me
preocupar com alguém vendo um lobo
gigante em alta velocidade.
Minhas patas sangram, eu sei por que
sinto o cheiro de sangue, mas isso não faz
com que diminua a velocidade, não...
Preciso vê-la. Ela vai estar bem, ELA TEM
QUE ESTAR BEM!
Não sei quanto tempo se passa, não sei
quantas horas se passam, eu só quero
chegar em casa, mas...
Sinto o cheiro da minha terra, mas não
sinto o cheiro dela, não sinto a
porra do cheiro de Lua! Nunca me senti tão
deslocado em minha própria terra, ela não
está aqui. Onde ela está?
Quando o meu lobo uiva, eu uivo junto.
Não é um chamado, não é uma apreciação,
é só um lamento. Porque, neste momento,
eu me sinto sangrar, sangrar por dentro.
Capítulo 30– Sacrifícios

Luana

Acordo e estou amarrada em uma


mesa, amarrada com prata. Tento me
soltar, não consigo.
— Bem, vejo que a primeira dama
acordou.
Um velho se aproxima de mim e com
uma prancheta na mão ele me analisa de
cima a baixo. Estou nua, posso sentir isso.
Nunca me incomodei com a nudez, mas ter
esse verme me olhando de cima a baixo
como se fosse... uma coisa, me deixa
enojada!
Ele toca em minha barriga e eu rosno,
impulsiono, uso tudo o que há em mim para
sair dali, as amarras balançam. Quando
penso que faço um avanço, sinto outra
picada.
— Teremos que ter cuidado com essa aí,
deixem-na sempre sedada. Você viu os olhos
dela? Estava em um tom de vermelho,
descubram o porquê dessa anomalia. E
comecem os testes, façam os exames,
descubram tudo o que puderem sobre esse
bebê!
E é aí que eu percebo... Eles queriam as
mulheres por um motivo, pelo o que elas são
capazes de gerar, e eu coloquei meu filho
em risco... Noah nunca me perdoaria por
isso...
A última coisa que passa em minha
mente é... Eu nunca me perdoarei por isso.

Noah

Eu não durmo, não como, não sinto.


Porra! Não sei nem onde procurá-la! Os
rastros se foram. Eles podem muito bem ter
pego um avião e sumido no mundo!
Hoje deveria ser dia dos pais, certo? Eu
deveria ter a porra de um bom dia
curtindo com a minha família, e agora...
— Acalme-se, iremos encontrá-la.
Meu lobo me diz, e não sei como o
desgraçado consegue ficar tão calmo, talvez
seja porque não é ele que está comandando
o corpo, só fica buzinando em minha mente
como a porra de um psicólogo fajuto.
— Tentou entrar em contato com ela?
— Claro que tentei, você sabe que
tentei! Ela está viva, mas algo está
interferindo na nossa ligação?
— Alguém conseguiu alguma coisa,
qualquer coisa?! — Questiono a todos que se
encontram na mesma sala que eu.
Desolados, não me respondem,
ninguém conseguiu nenhuma pista do
paradeiro de Lua. O que estão fazendo com
a minha mulher e com meu filho?

Raquel
— Temos que fazer alguma coisa! Eles,
nitidamente, não têm nenhuma pista, não
podemos deixar que Lua enfrente isso
sozinha!
— E o que faremos, Raquel? Sei que Lua
se arriscaria por qualquer uma de nós,
mas... O que fazer? – Alicia me responde
com mais perguntas, e são ótimas
perguntas.
Priscila e Manu estavam caladas, elas
se entreolham e confirmam com a cabeça.
— Vocês não farão nada, nós faremos –
Priscila diz.
— Nem pensem nisso, vamos agir
juntas! – digo para as duas, que parecem
estar certas do que dizem.
— Você está grávida, Raquel, não vai a
lugar algum. E tem mais, isso é maior do
que Lua, ela é nossa Alfa, e claro que nos
arriscaríamos por ela. Porém, essa
organização dizimou nossas irmãs, isso tem
que acabar! É pela Lua, mas é também por
cada loba que foi sequestrada, cada loba
que foi abusada... – Manu diz, com firmeza.
— Qual o plano?
— Seremos iscas – Priscila responde.
— Isca? Isso não me parece um plano
muito bom...
— Não sem isso. – Ela abre a mão e
mostra uma luz brilhando, é um
rastreador. – Peguei das coisas de
Ravi, assim que sairmos, vocês
esperam que liguemos o sinal, esperam
e avisam para eles. Dessa forma,
poderemos encontrar a localização de
Lua.
— Meninas, eu não acho que...
— Nós não estamos pedindo nada,
estamos informando a vocês duas. Sem Lua,
toda a luta foi em vão! Aproveitaremos a
chegada dessa mulher estranha e sairemos.
Diga a Ravi para nos encontrar.
Elas saem pela porta.
— Não acho que essa seja uma boa
ideia.
— Nem eu – Alicia me responde. – Mas,
você tem alguma?
— Bem... Não.
— Então, vamos orar para que a delas
funcione, elas são corajosas.
Espero que funcione... Não precisamos
de mais dois homens enlouquecidos por
aqui.

Manu

— Está querendo desistir? – Priscila me


pergunta, e sei o que ela sente, porque
também sinto.
— Estou com medo, já desisti de muitas
coisas em minha vida, e Lua não será uma
delas. – É a verdade, desistir de Lua agora é
desistir de todo o progresso que fizemos até
então. Desistir de uma causa maior, seria
como desistir de mim mesma.
Por muito tempo, tempo demais, nós,
lobas, nos curvamos. Lua chegou para nos
mostrar que esse tempo chegou ao fim!
Desistir dela seria o mesmo que desistir da
minha própria vida, porque viver uma
vida sem liberdade e autonomia de
pensamento é o mesmo que estar morta por
dentro, ela me ensinou isso. Penso em Alec e
meu coração dói, sei que essa
provavelmente será uma missão suicida,
mas o fato é: ninguém sabe onde ela está,
ninguém sabe como descobrir onde ela está.
Estamos às cegas contra um inimigo
desconhecido e que possui uma nítida
vantagem, alguém precisa fazer algo.
E se esses alguéns forem duas mulheres
desarmadas, mas obstinadas,
então, que seja!
Pego no rastreador já prevendo a dor
que sentirei ao inseri-lo sob a minha pele, é
um corpo estranho e meu organismo
tentará repeli-lo. Quando levamos um tiro,
precisamos retirar o projétil o mais rápido
possível, ou começará a fazer muito mal ao
nosso organismo como um todo. Faço um
talho no meu braço e insiro no nosso
pequeno bote salva vidas bem no fundo, a
pele ao redor dele volta ao normal, sei que
irá adquirir cada vez mais um tom
arroxeado, e eu espero que não precise ficar
com o rastreador muito tempo ali. Mal
minha pele se cura e ouço uma voz
arrastada.
— Veja o que achamos... – um dos
desgarrados diz.
— Não sei se ainda querem lobas...
— Vamos levá-las. Se não quiserem, nos
divertimos e daremos um fim nelas.
Eles nos arrastam para uma casa, uma
casa comum, como se tivesse uma família
vivendo feliz do lado de dentro. Não se dão
ao trabalho de nos vendar e de esconder
para onde nos levam, isso é preocupante.
Lá, digitam uma senha, não há
ninguém dentro da casa, posso sentir isso.
Um velho computador se acende e um
médico idoso aparece do outro lado da tela.
— O que querem? Disse para não me
interromperem! Espero que seja importante!
— Encontramos essas duas
perambulando pela região.
— Matem-nas, não precisamos de mais
lobas e não podemos deixar pontas soltas.
O desgarrado que estava com Priscila
puxa seu pescoço para trás e encaixa uma
faca ali.
— Não! Priscila! – grito e tento me
mover para ajudá-la. Mas algo na tela
chama a minha atenção, o médico estava
olhando para trás, ele sorri.
— Tragam-nas intactas. O avião
chegará logo – ouço uma voz conhecida do
outro lado.
— Lua?! — digo, mas a tela pisca e logo
toma seu tom negro e vazio.
O plano estava indo bem, bem até
demais. A cada hora que passava eu me
sentia pior, febril. Espero que não demore
muito até estarmos junto a Luana.

Luana

— Ela não está colaborando!


— Segurem-na, seus idiotas! São quatro
homens contra uma única mulher!
O homem grita enquanto me debato
naquela maca recoberta por ferro. Eles me
doparam, não consigo acessar a minha
conexão com Noah, vejo tudo tão turvo...
Ouço um barulho como um bip, e
minha atenção vai até a conversa que o
homem que está no comando tem com
alguém. Estou tão dopada que não consigo
diferenciar muito as suas palavras, não
consigo uni-las em uma frase, mas
diferencio algo, as vozes de Manu e de
Priscila. Isso faz com que volte a me
debater, concentro-me e consigo entender
uma parte da conversa:
— Tragam-nas intactas. O avião
chegará logo.
— Lua?!
O que essas idiotas fizeram?!
— Vejo que se interessa por algo, vejo
que tem alguém que pode domá-la...
Coloquem-na junto ao 901!
— Mas, senhor... O 901 matou qualquer
um que se...
— Eles são da mesma espécie, quero ver
como se comporta junto a ela.
— Com todo o respeito, senhor... Mas
outros da mesma espécie foram mortos pelo
901. Se algo acontecer a ela, todo o nosso
trabalho... Nós ainda não conseguimos
nada do seu bebê e...
— Eu estou sendo pressionado! Toda
esta operação está quase indo para os ares!
Se não conseguirmos algo nesta semana,
perderei meu emprego, e você também!
Sinto a maca se mover, as minhas
amarras se soltarem, mas estou dopada.
Quando me empurram para dentro de uma
sala, eu dou alguns passos incertos. A
última coisa que vejo, antes de desmaiar, é
um lobo vindo em minha direção.

Leandro

Ainda bem que Noah me mandou de


volta, poderia ter acontecido um desastre
por aqui. Estou na casa de Noah, tentando
segurar Alec e Ian de enlouquecerem para
o lado da minha loirinha e de Alicia. Não
tenho como entender pelo o que estão
passando, não quero nem pensar em como
estaria se fosse Raquel no lugar de Priscila
ou de Manu...
Raquel e Alícia nos contou sobre todo o
plano, estavam extremamente preocupadas
porque o dispositivo não foi ativado e já
deveria ter sido.
— Não entendo por que diabos vocês
não impediram! Já não basta a minha
irmã, agora temos mais duas sumidas! E
por quê?! Por nada! Porque vocês se metem
nas coisas e acabam causando uma droga
de uma confusão! – acusa Alec.
— Não acredito que não pensaram que
isso seria perigoso, eu não acredito que não
mediram as consequências! Isso é
irresponsabilidade! – grita Ian.
O problema é que Lucas e eu estávamos
irritados, sairia uma briga daqui, com
certeza.
— Irresponsável?! Vocês se arriscam o
tempo todo e não tem ninguém os acusando
de irresponsabilidade! – grita Alicia.
— Sabe o que é, Alicia? Os machões aí
pensam que não é válida a preocupação das
garotas com Lua! – diz Raquel, minha
loirinha está irritada, toda vermelha de
raiva, toco em suas costas para lhe dar
algum conforto.
— Ela é minha irmã! Não venha me
dizer que não acho válida a preocupação
com a minha irmã! – Alec, agora, estava
próximo, próximo demais...
— Ela é a nossa ALFA! Não venha com
essa de irresponsabilidade! Qualquer um de
vocês se arriscaria, seria irresponsável e
mesmo assim morreria por Noah! Então,
não me venha com a sua porra de
hipocrisia machista! Aquelas garotas
seguem Luana, sua líder! Não venha
menosprezar o esforço delas para encontrá-
la, fizeram muito mais do que qualquer um
de vocês!
Alec e Ian se aproximam ainda mais,
coloco-me em frente à Raquel, protegendo-a
com o meu corpo e Lucas faz o mesmo para
Alicia. Então as duas saem correndo porta
a fora.
Noah

Agora eu tenho que me preocupar com


mais duas mulheres desaparecidas. Que a
minha irmã e Raquel me aguardem, tenho
certeza de que tem o dedo das duas metido
nisso!
— Ligou! Acendeu! — As duas chegam
praticamente pulando de felicidade.
— O que seria isso? — Questiono, mas é
Ravi quem responde.
— Meu rastreador... O que está fazendo
com ele?
Ravi sacode sua cabeça como se este
fato não fosse de relevância, toma o
rastreador das mãos de Raquel e o insere
no primeiro computador que encontra, na
tela uma localização pisca em vermelho.
— Elas estão aí! — Raquel e Alicia
gritam ao mesmo tempo.
Suspiro como se há muito houvesse
parado de respirar. Suspiro em alívio, mas
também me preparando para o que virá.
Nós nunca tivemos que nos expor dessa
forma e agora terei que convocar todo o
meu povo para que salvemos a elas e se
Luana não estivesse lá, mesmo todos
sabendo que este local provavelmente está
cheio das lobas que estão sendo
sequestradas, ninguém faria nada.
O entendimento sobre isso cai com um
gosto amargo em meu estômago. Luana
sempre lutou por algo que eu sempre
considerei besteira, agora percebo que não
eram. Se ela que é a mulher do líder não
estivesse lá, todas as outras seriam
descartadas como se não significassem
nada.
Nada.
É essa a luta delas, não tomar o lugar
ou o direito de alguém e sim possuir seu
próprio espaço, sua própria voz. Serem
vistas não como algo dispensável, e sim
como alguém que sente, que vive. E por
muito tempo elas estiveram sobrevivendo.
Quando encontrar Luana, e eu vou,
direi isso a ela.
Luana

Sinto uma dormência em meu corpo,


mas consigo me localizar um pouco. Estou
em uma sala gradeada, uma prisão. Mas
não estou só, sei disso mesmo sem abrir
meus olhos. Há alguém me tocando, ele está
deitado abaixo dos meus seios, em minha
barriga. Sua pequena cabeça descansa ali,
ergo a minha mão e toco em seus cabelos,
que são imensos e estão emaranhados, ele
está sujo. Quando toco-o, seu corpo congela
no lugar e ele rosna, afastandose de mim.
Ouço um ruído e, logo, frases:
— Ele se transformou de volta no corpo
humano, é a primeira vez que a cobaia 901
se transforma em humano desde o seu
nascimento!
Olho para o garoto, que já está do outro
lado do cômodo. Ele deve ter uns três anos.
Como esse garoto nunca esteve em forma
humana antes? Continuo ouvindo as vozes:
— A pergunta é “por quê”. Por que ele
não a atacou? Atacou facilmente outros de
sua espécie... Mas a ela, além de não feri-la,
ele se mostrou em sua forma humana! Será
que é reconhecimento? Como pode esse
garoto ter o conhecimento de que ela é sua
rainha?
Ouço o garoto se transformar em lobo,
um lobo com um olho de cada cor. Ele rosna
e fica em frente à porta... Protegendo a
mim?
Vejo a cara do cientista por trás disso
tudo, ele olha para mim sorrindo.
— Parabéns, você acabou de ganhar
mais alguns dias com vida. Descubram por
que essa anomalia está acontecendo! – ele
grita para outras pessoas atrás dele.
Anomalia? Esse garoto não matou, ou
matou? E por que o chamam de cobaia 901?!
— O que você quer? – rosno para o velho
que está no comando.
— Ainda não percebeu? Estamos
tentando criar soldados que se curem
rápido, velozes, fortes e ferozes. Reconhece
algo nessas características? Descobri,
através de testes, que vocês não são
suscetíveis depois de velhos. Então, comecei
a estudá-los ainda dentro da barriga das
mães. Só que não contava com a dificuldade
das fêmeas de sua espécie em engravidar...
Com um tempo de estudo, conseguimos
desenvolver um soro, esse soro faria com
que o lado fera de vocês fosse suprimido,
mas... Ninguém era forte o suficiente...
Todas as mulheres morreram assim que
entraram em contato com o soro, todas as
cobaias jovens também morreram, exceto o
901...
Isso é... nojento...
— Por que o chama assim?!
— Ele ganha o nome de seu número, ele
foi a tentativa 901. Mas algo deu errado, a
cobaia 901 nasceu assim que injetamos o
soro, mas a sua mãe morreu no processo. E,
desde então, a cobaia nunca teve um corpo
humano, viveu por todo esse tempo em
forma de lobo. Eu te pergunto, por que
agora resolveu mudar? O que causou nele?
Fico calada porque não sei o que
responder, não sei a resposta.
— Não se preocupe, responderá daqui a
algumas horas... Duas amigas suas estão
chegando, veremos até quando ficará sem
cooperar.
Priscila e Manu... Ele irá usá-las para
me fazer... O pequeno lobo quando vê que o
médico se foi, se põe em minha perna e
suspira. Abaixo-me e o abraço.
— Não se preocupe, querido, vou
proteger você também.
O único problema é que nem sei como
proteger a mim mesma.
Capítulo 31 – Grandes Planos

Noah

— Nós deveríamos ir! – Alicia continua


com isso em mente.
— Não – Leandro e eu respondemos ao
mesmo tempo. Raquel, estranhamente, está
quieta. Vejo-a quando toca em sua barriga
e lembro-me de dias atrás, quando Lua
repetia o mesmo gesto, lembro-me de sentir
meu filho em sua barriga, de como o cheiro
dos dois se mistura de um modo lindo...
Raquel me flagra olhando-a, ela está
séria e acena para mim, sei o que ela quer
dizer:
Traga-a de volta para mim.
Sei que isso deveria ser algo privado,
mas não consigo não ouvir quando ela puxa
o meu Beta, lhe beija e diz:
— Volte para casa.
— E você, não saia dela – meu Beta
responde sério.
— Não, Lê, não estarei em casa até que
volte para mim, entendeu? Volte para casa,
para mim, para seu filho, sua casa.
Coisas demais permeiam em minha
cabeça neste instante. O que estão fazendo
com ela? Como ela está? Está ferida? Porém,
a principal, penso em onde errei, em como
errei, sei o que Raquel quer dizer, nunca
me sentirei bem novamente enquanto ela
não estiver comigo, nunca mais me sentirei
em casa sem ela...
Todos os Alfas vieram rapidamente ao
meu território, nenhum de nós sabe o que
iremos encontrar, mas estaremos juntos e
Ravi tem tecnologia suficiente para nos
fazer entrar em qualquer lugar.
Em algumas horas estaremos no local
indicado. Ravi solicitou algumas horas
mais para estudar o local, observar o
quanto puder e tentar identificar a
tecnologia de segurança usada por eles.
Estamos mais perto, cada instante
mais perto.
Manu

Assim que pousamos, aperto com toda


a força que posso o meu antebraço, não sei
se foi o suficiente para ligar o dispositivo e
na primeira oportunidade que tiver, irei
retira-lo para conferir e porque já me sinto
tonta, enjoada e febril com este corpo
estranho em meu organismo.
Somos jogadas em uma sala, um velho
está com uma prancheta na mão e nos olha
de baixo a cima. Priscila está paralisada,
sei que as memórias voltam a sua cabeça,
eu fico a sua frente e estufo o meu peito.
Lua está aqui, sei que está.
— Outra corajosa... Não é algo comum
de se encontrar por aqui.
Ele olha ao redor da sala, vejo
recipientes de vidro com fetos, bebês, partes
de corpos de homem, partes de corpos de
lobos... Sinto vontade de vomitar, mas
engulo a bile que sobe, não vou dar
tamanho gostinho a esses vermes.
— Luana também era muito corajosa...
– Isso chama a minha atenção e viro a
minha cabeça em sua direção, coisa errada
a se fazer porque ele sorri e eu acabo de
cair direitinho em sua armadilha. Agora
ele sabe que eu tenho algum tipo de ligação
com Lua. – Veja, preciso que sua amiga
colabore comigo... No início, a única coisa
importante era o seu bebê, mas, agora que
ela conseguiu algum progresso com a cobaia
901, vou precisar dela viva e domada, e
você vai me ajudar com isso.
— Vai sonhando! – é a única coisa que
digo, não vou permitir que Lua caia na
armadilha desse verme!
Entram vários homens e me algemam
com prata. Priscila não precisa ser contida,
ela está em choque, em um canto, fechada
em si mesma, espero que eles se esqueçam
dela...
Sou arrastada para uma cela e, pelo
caminho, vejo coisas que vão me causar
pesadelos durante muito tempo... Mulheres,
os gritos, a dor, o choro... De novo, vejo
tudo de novo, e é como voltar ao seu pior
pesadelo, mas não é um sonho, não consigo
acordar porque é real e está ocorrendo
mais uma vez bem diante dos meus olhos.

Luana

Acordo e, estranhamente, ainda sou...


eu. Consigo me mover normalmente, andar
normalmente. O que quer que eles tenham
me dado, o efeito se foi. Olho o pequeno
dormindo abraçado a mim, tenho pouco
tempo... Fecho os meus olhos e concentro-
me.
— Noah... Vamos, lobo, me diz que está
ouvindo!
— Lua... – ouço-o como um sussurro. –
Onde você está?! Está bem?! Alguém te fez
algo?!
— Não sei onde estou, fui dopada para
chegar até aqui. Estou bem, não me fizeram
nada, eu acho. Você precisa ser rápid...
Não consigo mais me comunicar com
ele, como se alguém tivesse cortado um fio.
— Então, ela também consegue se
comunicar telepaticamente, Fabiana? –
Vejo uma mulher sair sorrindo detrás de
uma pilastra, ela segurava uma pedra
negra que brilhava.
— Sim, Dr. Ermer, ela estava se
comunicando, provavelmente, com seu
companheiro. – Ermer... Então, é esse o
nome desse velho.
— Luana... Esse é o seu nome, certo?
Sabe que, enquanto estava dormindo,
fizemos uns testes... Parabéns, você terá
uma menina, claro, se ela sobreviver.
Avanço em sua direção, consigo
destruir algumas das grades, mesmo elas
sendo de prata. Porém, uma barreira me
repele para trás... magia. Fabiana sorri, já
sei de onde vem a magia. Como alguém
pode estar ajudando esse verme a fazer
isso? São crianças...
— Sua filha sobreviverá, se nos ajudar
em algo... Vou lhe explicar. Tudo isso – ele
aponta ao redor de si mesmo – foi feito para
que fossem criados soldados perfeitos, só que
vocês, estranhamente, são muito difíceis no
quesito reprodução... O 901, como seu nome
mesmo já diz, foi a nossa 901ª tentativa.
Ninguém sobreviveu, e nenhum outro feto
chegou a vingar, antes dele.
Ele é um monstro... 1802 pessoas de
nossa raça mortas... Mortas, às vezes, sem
nem mesmo ter a oportunidade de viver.
Fetos e mães, mas ele não conta as mães,
afinal, elas não eram importantes para a
sua pesquisa.
— Essa cobaia – Ermer continua – é
todo o sucesso que essa operação já teve.
Claro que poderia testar em você e em seu
bebê, mas isso demoraria um pouco e
preciso de resultados urgentes. Parece que o
901 gosta de você, quero que o... Eduque.
Preciso que ele esteja apresentável para
fazer uma aparição aos investidores desta
operação.
— Você está louco?! Eu nunca faria isso,
ele é só uma criança!
— Suspeitei que diria isso, então,
trouxe um presente.
Ele prega as mãos e pés de Manu na
parede, em frente a mim, ela tenta ser
forte, mas posso imaginar a dor que isso
causa. Ermer começa a fazer cortes em seu
corpo com uma lâmina de prata. Fico quase
uma hora vendo-a sofrer, ouvindo seus
gritos... Seus gritos ecoarão em mim por
toda a eternidade.
— Já chega!
— Já? Eu estava começando a me
divertir... – Manu está desmaiada, o piso,
outrora branco, está vermelho, repleto de
seu sangue.
— Eu faço o que me pediu, só não
machuque nenhuma das duas.
— Duas?
— Sim, eu sei que Priscila está aqui
também.
Ele confirma com a cabeça e, antes de
sair, me diz algo que faz todo o meu corpo
tremer.
— E não se esqueça, se suas amiguinhas
não forem incentivo o suficiente, lembre-se
que há algo dentro de você que eu quero.
Não me ajude e sua filha será a 902.
Noah

Falar com Lua me deixou mais


inquieto, agora tenho a completa certeza de
que ela está bem, forte como sempre...
Aguente só mais um pouco, Lua... Já estou
chegando!— é o que mentalizo, como se de
alguma forma ela seja capaz de captar.
Já estamos próximos a localização
indicada e as horas que Ravi pediu
estavam chegando ao fim.
— Teremos que aguardar por mais dois
dias.
— O quê? Usei tudo de mim para
aguardar até agora porque foi um pedido
seu, Ravi, não aguardarei por mais
nenhum segundo.
— Isso é muito maior do que o que está
ocorrendo com Luana. Eles sabem sobre nós.
Hackeei o sistema deles, vi que haverá uma
reunião bem aqui com todos os envolvidos
neste projeto, são figurões com muito poder.
Provavelmente será nossa única chance de
acabar com isso de vez, sem pontas soltas. E
enquanto o dia não chega, irei hackear todo
o sistema de cada um dos homens ligados a
isso e irei apagar qualquer informação que
exista sobre nós.
Esperar. E se em dois dias ela não
estiver mais lá?

Luana

Quase dois dias haviam se passado,


coisa que Ermer fez questão de me
atualizar para que eu pudesse me apressar
em criar um vinculo com o menino lobo.
Ergo a minha mão e ele a toca, seus
olhos são incríveis, um azul e outro verde; é
um menininho lindo... Sorrio ao encontrar
uma pequena flor nesse deserto de tristeza,
meu sorriso logo morre ao pensar que serei
eu, eu quem irei trair essa criança da pior
forma possível. Pelo o que ouvi dizer, fui a
única em que ele confiou o suficiente para
se aproximar desde que nasceu e, se
decepcioná-lo, talvez isso marque essa
criança por toda a vida, sei disso. Mas, se
eu não o fizer... Toco em minha barriga,
minha pequena... Uma menina.
O garoto toca com sua pequena
mãozinha por cima da minha, sorrio e ele
repete o gesto.
— Você consegue me entender?
Ele gira toda a sua cabeça para um
lado, como um pequeno filhote faria.
— Meu nome é Lua... – Ele arregala
seus pequenos e lindos olhos e corre para
um canto da cela. De lá, ele tira umas
folhas que estavam rasgadas, corre para
mim e me entrega o papel. Na folha, estava
um campo, árvores e uma imensa lua no
céu. – Sim – aponto para o desenho –, Lua,
esse é o meu nome.
Ele faz um pequeno “O” com sua boca,
acho que ele pensa que eu e o desenho somos
a mesma coisa. Olho novamente para a
folha e percebo que tudo o que esse garoto
conhece é o que está desenhado nos livros
rasgados da cela, ele nunca... Nunca
conheceu nada de verdade, nem a luz do
sol, nem a luz da lua, ele nunca pisou na
grama, tampouco respirou o ar de um dia
chuvoso com aquele cheirinho de terra.
Olho novamente para o garoto e
lágrimas escorrem pelo meu rosto, ele toca
em uma delas, suas sobrancelhas estão
juntas, ele está concentrado. Pega uma de
minhas lágrimas com seu pequeno dedo e a
põe em sua boca, faz um não com a cabeça
e me olha emburrado.
Eu entendo, seco as minhas lágrimas e
dou um sorriso fraco, o garoto sorri
novamente.
— Vejo que os dois já são amigos –
Ermer diz, de uma distância segura de nós
dois.
Eu não respondo nada, só o encaro
enquanto o garoto se coloca em minha
frente e, em uma rapidez impressionante,
transforma-se em lobo. Nunca vi alguém se
transformar tão rápido.
— Daqui a cinco horas teremos
algumas visitas, acho bom você treinar seu
cãozinho para fazer alguns truques. Caso
ele não se comporte, enviarei a cabeça de
suas amigas para os seus maridos, e caso
isso não seja o suficiente para você, nunca
se esqueça de que temos um poder maior. –
Ele aponta para a bruxa. – Poderemos
apagá-la e fazer testes em sua filha a
qualquer instante.
Vejo quando os olhos da bruxa brilham
de um modo estranho e, como se para
confirmar o que acabara de dizer, meu
corpo fica mole e cansado, meus olhos se
fecham e eu adormeço.

Alicia

Ando de um lado ao outro, saber que


meu irmão está prestes a atacar um
laboratório de uma organização criminosa
está me deixando com os nervos a flor da
pele. Estou tão absorta em pensamentos que
não vejo quando meus passos me levam até
uma parede de músculos, se não fosse por
suas mãos me sustentarem, teria caído de
cara no chão.
— Ei, princesa, está tentando cavar um
buraco com seus pés? – Olho para Lucas, que
sorri, ele fica tão lindo sorrindo... Abraço-o
com força, ele rapidamente envolve seus
braços em meu corpo e me abraça de volta,
sinto o seu corpo se esvaziar com um
suspiro.
— Eles ficarão bem, Noah vai
conseguir trazê-las de volta, seremos uma
família novamente, iremos rir disso daqui a
alguns anos – minha voz sai abafada por
estar com a cara em sua camiseta.
Ele não confirma se o que disse será
uma verdade, ele não me dá tapinhas nas
costas, apenas diz:
— Eu estarei com você.
Olho para Lucas, seus olhos brilhantes e
anormalmente mais claros, mostram que
ele ficou muito tempo em uma
transformação, seu corpo emana algo que
me deixa confortável. Percebo que esse
homem incrível estando comigo, seja lá qual
for o cenário que o futuro nos reserva,
poderei enfrentar.
— Eu... – Ele me corta com um sorriso e
me puxa pela mão.
— Fiz algo para você.
Lucas me leva até meu quarto. Lá,
posso ver uma iluminação indireta a luz de
velas, uma mesa redonda e uma comida
extremamente cheirosa.
— Você fez tudo isso?
Ele coça atrás de seu pescoço e dá de
ombros.
— Me viro um pouco na cozinha e
percebi que você não comeu nada durante
todo o dia. Sei que está preocupada,
princesa, mas precisa estar forte para
qualquer que seja o resultado da
empreitada de Noah, seu irmão precisará
de você.
Caminho até a mesa, uma carne ao
molho madeira faz com que meu estômago
dê sinal de vida. Ele sorri e puxa a cadeira
para que me sente.
Lucas me olha enquanto coloco uma
porção de sua comida em minha boca, ele
segue todos os movimentos dos meus lábios.
— Delícia... – Ele continua olhando
para os meus lábios.
— Sim, é – é o que responde, e eu sorrio.
Continuo comendo e Lucas me traz
várias frutas como sobremesa, amo frutas,
o que é bem estranho para a nossa espécie.
— Eu amo você. – é a primeira vez que
digo isso a alguém, e ele desvia o olhar,
como se não quisesse que eu enxergasse algo
ali dentro. — O que há, Lucas?
— Eu... Posso te ferir, Alicia, sei disso.
E não quero...
— Então não faça. Lucas, isso não vai
funcionar se você não puder acreditar e ter
a certeza de que jamais me machucaria
fisicamente.
— Eu jamais... Mas eu não confio,
fiquei muito tempo nessa forma
descontrolada e tão cheia de raiva. Hoje eu
me arrependo de ter feito essa escolha,
poderia estar mais inteiro para você.
— E se não tivesse feito essa escolha,
poderíamos jamais termos nos conhecido, e
você não seria quem é. Você ouviu o que eu
disse? — Levantome e toco em seu coração—
eu amo você, você, quem é hoje, quem será
daqui para frente.
Lucas sorri, não um sorriso pela
metade, e sim um sorriso completo dessa
vez.
Terminei a minha noite ali, sendo
amada por meu lobo, até que meus olhos
começaram a pesar e o cansaço venceu
sobre mim. Consigo ouvir sua frase antes de
adormecer por completo:
— Também te amo, Ali.

Lucas

Acordo quando ouço uma


movimentação no quarto, fico alerta e
acabo acordando Alicia no meio da noite.
Lá, no meio do nosso quarto, estava uma
garotinha, Bia, esse é seu nome. Ela nos
olha com aqueles imensos olhos pidões.
— Tia Ali, meu pai e tia Lua vão voltar
quando? – A garotinha estava sendo forte,
mas podia perceber que estava a ponto de
chorar. Olho para Alicia, que tem os olhos
como espelhos da pequena menina, minha
companheira estava quase se debulhando
em lágrimas ao ver a criança.
— Vem cá, querida. – Ela demora um
pouco para subir na cama e engatinha ao
meu encontro. – Espero que eles voltem logo,
também sinto falta de todos. Queria te pedir
uma coisa. Pode dormir aqui, conosco? É
que a Ali também está sentindo muito a
falta do irmão...
Bia faz que sim com a cabeça e deita
entre mim e minha princesa, a menina fica
com seu rosto virado para mim, faço
carinho em sua cabeça, até que seus olhos
fecham em um sono pesado.
Olho para minha princesa e ela está
chorando e sorrindo ao mesmo tempo.
— Eu amo você – ela sussurra. Olho
para a pequena menina, nunca pensei que
fosse me dar bem com crianças, mas, agora,
imagino alguns pequenos correndo por aí,
com os lindos olhos da minha mulher.
Luana
Abro os meus olhos lentamente, olhos
coloridos me encaram de volta.
Merda! Aquela bruxa realmente me
derrubou... Imagino se ela cumpriu com o
que disse e fez algo com a minha menina,
mas não tenho muito tempo para pensar
sobre isso.
Olho ao redor e há um temporizador
em contagem regressiva, ele agora está em
três horas e descendo cada vez mais, isso
significa que fiquei apagada por duas
horas...?
Sinto uma pontada em minha barriga,
a dor faz com que me dobre sobre meu
próprio corpo, mas logo passa. Isso é
estresse demais para um bebê que ainda
nem veio ao mundo.
Calma, meu amor, você nem mesmo
nasceu e já está tendo que lutar, você não
deveria ter que aprender a lutar tão cedo...
A pequena mão do garoto toca a
minha.
— Confia em mim? – Ele se aconchega
mais em mim e aperta ainda mais a minha
mão.
Ermer aparece na nossa frente e,
quando o pequeno vai rosnar e se
transformar, eu ergo dois dedos na frente
de seu rosto, fazendo com que sua atenção
se volte para mim.
— Não, querido, fique calmo...
O garoto olha para mim como se
estivesse em algum tipo de transe.
— Está tudo bem. – Ele respira e fica
em sua forma humana. Ermer se aproxima
mais e o garotinho não esboça nenhum tipo
de ação agressiva para ele, ele não tenta
atacá-lo.
— Muito bem – ouço a voz nojenta do
homem. – Agora, outra porta será aberta, é
um lavatório. Lá, encontrarão roupas
limpas. Limpem-se, durmam, que irei
acordá-los na hora que os acionistas
chegarem.
Com isso, ele se vira e vai embora. E foi
assim, deste modo, que vendi minha alma
ao diabo.
Alec

Preciso sair daqui, eu só preciso


encontrá-la, saber que está bem, sentir seu
cheiro... Então, corro, corro em forma de
lobo no território deste vampiro, corro em
direção à cidade, porque preciso dela,
preciso senti-la, saber que está bem, eu
preciso de Manu, porque o ar que entra em
meus pulmões já não é o suficiente para me
manter vivo, não sem ela, nunca sem ela.
Sou arremessado, alguém vem com
tudo em um dos lados do meu corpo, Ian...
— Saia da minha frente.
— Se for para lutar com você para te
impedir, lutarei.
Nossos lobos se rodeiam, se medem,
rosnam um paro o outro, ambos com suas
presas expostas.
— Estou cansado de não fazer nada!
— Não vou permitir que estrague tudo,
Alec! Não posso perder minha companheira
também. De todos que pudessem fazer
algum tipo de besteira, estava apostando
em Noah, não em você. E o Supremo tem se
mostrado calculista. Também estou
querendo correr atrás delas, quero
encontrá-las de qualquer forma, mas agir
sem pensar pode fazer com que eles nos
percebam chegar, pode levá-las para outro
canto e nunca mais teremos essa chance!
— Não teremos chance nenhuma se
demorarmos e elas estiverem mortas!
— Nós conseguiremos, irmão! Iremos
salvá-las!
— Como pode ter tanta certeza assim,
Ian?
— Porque o destino não seria tão cruel
conosco, fazendo-nos encontrá-las para logo
arrancá-las de nossas vidas, os deuses não
fariam isso conosco.
Deuses... Espero que eles estejam
escutando Ian e suas preces, porque nem
isso sou capaz de fazer mais, não sou capaz
nem mesmo de ter fé novamente, não sem
ela.
Ravi

Estou trabalhando com Carlos, o chefe


de um dos alfas que vieram conosco. O local
onde as meninas estão presas é um edifício
no meio da cidade, tem quase 700
funcionários. Eu nunca diria que ali
pudesse existir um laboratório secreto...
Mas buscamos as plantas, desvendamos
arquivos que estavam criptografados e,
depois de quase a noite inteira, finalmente
pudemos abrir os malditos arquivos! O
edifício tem mais quatro andares abaixo, a
segurança, estranhamente, não é alta. Nos
andares de cima, tem pessoas comuns que
trabalham em uma empresa de
telemarketing... Quase 700 civis entre nós e
os desgraçados. Tenho que dar um crédito,
eles realmente sabem se esconder. Meu
telefone toca e é o número de Alicia, Carlos
diz que vai descansar um pouco e me deixa
a sós na sala, atendo ao telefonema.

— Ei, Ali...
— Papai!
— Ei, minha pequena princesinha!
Como está?
Só conversar com Bia, ouvir sua voz,
faz com que um sorriso bobo apareça em
meus lábios.
— Bem... Já está voltando? Achou tia
Lua?
— Achei sim, agora só falta buscá-la.
Está se alimentando bem? Se comportando?
— Sim! Cuidei da tia Alicia essa noite,
ela estava com medo.
Ouço um fungar no telefone e sei que a
minha menina está chorando, isso parte o
meu coração...
— Ei, linda, o que houve?
— É... minha culpa. Tia Lua estava me
protegendo e...
— Shiii... Não, nada é sua culpa,
princesa. É culpa dos homens maus, não
sua!
— Deixa eles de castigo?
— Sim, meu amor, um castigo
permanente, pode apostar.
— Tia Alicia quer falar, tchau, pai.
— Tchau linda.
Ouço, no fundo, Lucas dizer: Vem,
florzinha, vamos lá fora. Depois, ouço a voz
de Alicia do outro lado da linha:
— Volte para essa criança, Ravi, isso
não é um pedido, é uma ordem. Está me
ouvindo?!
— Sim, chefe.
Ela desliga o telefone e eu fico ali, com
cara de tacho, até que Noah, Ian e Leandro
entram na sala... O dia vai ser longo...

Luana

Tomo o meu banho e dou banho no


pequeno. Seu cabelo cor de mel é
longo, acredito que ninguém nunca o tenha
cortado... Ele me encara com esses olhinhos
cheios de esperança, nem acredito que serei
eu a tirar isso dele, tirar a esperança de
uma criança que nunca teve nada...
Eles nos deram roupas brancas, estou
com um top branco e uma calça folgada da
mesma cor, o pequeno também se veste todo
de branco.
Deito no colchão sujo e ele se acomoda
ao meu lado...
— O que será que nos aguarda,
pequeno?

Manu

Toco em seu ombro.


— Pri, você está bem? – Ela olha meu
estado, suja de sangue e ferida, e treme,
afastando-se cada vez mais de mim.
Ela está quebrada, foi um erro trazê-la
aqui, eu deveria ter sabido mais antes de
arrastá-la para isso.
— Eu quis. Foi a minha escolha – ela
diz, como se tivesse lido os meus
pensamentos.
O cientista vem até nossa ala, onde
vários outros lobos estavam presos. Ele
passa de cela em cela.
Para em frente a nossa.
— Elas duas servirão para a
demonstração.
E sei, sei que ele não cumprirá o que
prometeu a Lua, o velho acabou de assinar
o nosso mandado de morte.
“Alec, cadê você?”...
Olho para Pri, que agora treme
incontrolavelmente, espero que Lua esteja
bem...
Luana

Fomos retirados da cela, o garotinho


segura a minha mão e caminha ao meu
lado, olhando sempre para tudo ao seu
redor. Somos encaminhados para uma
caixa de vidro. De lá de cima, como se
estivessem em arquibancadas, oito homens
engravatados nos olham. Consigo ouvir a
voz de Ermer através de autofalantes:
— Essa é a nossa cobaia mais
promissora, com o 901, conseguimos fazer
com que a fraqueza deles sumisse.
Olho para o garoto. O que Ermer quer
dizer com isso?
— Esse é o nosso primeiro grande
avanço. Com o gene do 901, poderemos criar
um exército de crianças tão poderosas
quanto ele, crianças que serão criadas para
o que desejarem. Para fazer um teste,
Luana, abra a cápsula ao seu lado e pegue o
que tem lá dentro.
Caminho até onde era a porta. Lá, há
um buraco onde coloco a minha mão. Sinto
o contorno do metal frio em minha mão,
uma arma... O que ele quer que eu faça com
isso? Seguro na arma e volto para a minha
posição, ergo-a até meu nariz e consigo
sentir o cheiro nítido da prata.
— Atire no 901.
O QUÊ?!
Noah

Estamos em carros pretos e a caminho


do prédio, é uma rua movimentada. Ravi
teve a ideia de acionar um dos dispositivos
explosivos próximo ao prédio, faria como
que ele fosse evacuado, pelo menos a parte
exposta de civis. Os três andares a baixo
estavam completamente cegos e viam as
imagens repetidas que Ravi inseriu em suas
câmeras. Estranhei quando ele disse que a
segurança lá dentro era a nível primário,
ou eles tem um trunfo na manga ou são tão
orgulhosos que jamais pensaram que seriam
atacados neste local.
O explosivo é acionado, a sirene fictícia
de evacuação ecoa por todo o quarteirão.
As pessoas começam a sair do prédio, uma
multidão começa a passar pelas portas.
Quando todos os civis saem, são
encaminhados para o outro quarteirão com
a informação de que se tratava de um
atentado terrorista e novas explosões
poderão ocorrer. Rapidamente apenas
existia o nosso povo no local, juntos
descemos os andares em direção a elas.

Luana

— O quê? Eu não vou atirar nele...


— Pensei que fosse dizer isso...
Em algum local acima de nós posso
ouvir um disparo que seria silencioso para
qualquer outro, atinge em cheio ao garoto
que cai, se sacode e logo levanta.
Uma parede é aberta ao nosso lado,
mostrando outro cubo de vidro.
De lá, as garotas nos olham assustadas.
Então, ouço outro barulho de tiro e a
voz de Ermer:
— Ele se cura completamente com
prata, enquanto a sua espécime natural,
como podem ver, não resiste.
Olho para o cubo ao meu lado e o corpo
de minha amiga cai no chão, o sangue, tão
rubro quantos seus cabelos, mancha cada
canto do lugar. Um grito silencioso de pura
dor sai dos meus lábios, nunca pensei em
presenciar algo assim.

Noah

Não vou dizer que foi algo bonito,


porque não foi. A guerra não é para ser
bonita e estamos em uma. No fim, não
existem lados corretos, só abraçamos um
instinto animalesco de sobrevivência e
proteção à aqueles a quem amamos.
Ian e Ravi descem do elevador logo
após, então digo com a voz mais contida o
quanto posso:
— Vamos nos dividir! Resgatem os que
estiverem presos, achem as nossas
companheiras!
Ouço um barulho imenso, como uma
explosão, e a energia de Lua me chamando
até seu encontro, nem percebo os que
aparecem pelo meu caminho, transformo-
me. Ian e Alec me encontram em uma
mesma área, parece que eles também foram
impulsionados a virem até aqui.

Luana

Vejo o corpo de Pri e sinto uma


queimação percorrer todo o meu, sinto-me
invadida por uma energia antiga.
Deixe-me ajudá-la.
É um convite, e assim que foco o meu
olhar nela, vejo ela e a mim, misturadas,
nos fundindo através do tempo. Sei quem é
ela, não compreendo como isso acontece,
mas sei. Sei que abrir essa porta para um
passado que eu não deveria lembrar, irá me
trazer memórias sobre o que já existe em
mim, sobre a magia que minha mãe sempre
disse que eu tinha, mas também me trará
lembranças, trará consequências.
É sua escolha.
É tudo o que ela me diz, e seu silencio
me incomoda. Olho ao redor, encaro a
situação em que me encontro, decisões
feitas em situações de desespero não
costumam ser boas decisões, mas oro para
que essa fuja dessa realidade.
Durou alguns segundos. Não precisei
falar, ela sabia, sabia por que ela sou eu.
Ergo minhas mãos, como se fizesse isso
normalmente por toda a minha vida, com a
certeza de que era capaz de utilizar este
tipo de energia. O vidro se quebra e dou de
cara com Fabiana, a bruxa que trabalha
com Ermer, também está com as mãos
erguidas e, de lá, sai um brilho
avermelhado. Estranho porque antes não
conseguia ver nada, me perguntava como
ela era capaz de fazer aquelas coisas.
— Ora, ora, quem tinha magia... Vamos
ver se é páreo para uma bruxa de verdade!
Ela aumenta o poder de suas mãos e os
direciona para mim, meu corpo não se
defende, só fica ali, recebendo toda a carga.
Vejo entendimento brotar em sua face
quando converto aquela energia em uma
azulada que passa a tomar todo o local.
— Eu... Não sabia! — é o que Fabiana
diz, com medo evidente em sua voz.
— Aprendi essa lição há muito tempo
atrás, Fabiana, há consequência para cada
ato que sai de nós. Me entristece te
encontrar neste estado, mas sempre foi a
sua escolha, antes e agora.
Ela sai, corre como se fugisse de algo.
Sei que não se pode fugir do que Fabiana
corre, ela corre de memórias, corre de atos,
e isso, mais cedo ou mais tarde acaba nos
alcançando.
Assim como aquela sensação veio, logo
se foi.
— Você é a bruxa da lenda...
— Somos, essa foi uma das nossas
escolhas há tempos atrás.
— Não entendo... Como e porque isso
está acontecendo?
— Essa é sua vida, Luana. Eu sou seu
passado, você tomará as decisões. Apenas
existe uma porta de acesso a algumas
coisas de sua vida antiga e isso irá
acontecer aos poucos, começará a se
lembrar porque é necessário que assim o
faça. Mas é sua vida, não se esqueça disso.
Olho para a porta, agora aberta, e de
lá consigo enxergar Noah caminhando em
minha direção. Mas meu olhar logo cai
para Ian, meu melhor amigo que agora vê o
corpo de sua companheira caído ao chão.
Morta. E o grito que sai dele gela todos os
meus ossos, porque eu não a protegi, esse
era o meu trabalho, e eu falhei
miseravelmente.
Alec

Minha morena está bem, respiro


normalmente ao sentir sua respiração.
Depois de alguns segundos, percebo o
sangue em todo o seu corpo, sangue que não
era dela, seu rosto está marcado por
lágrimas, e é aí que olho para onde ela olha,
para o corpo da companheira do meu
amigo no chão...
Ian corre até lá e abraça seu corpo
inerte, seus ombros convulsionam em um
choro desesperado, mas isso ainda não
acabou, percebo pelo barulho que vem dos
outros corredores. Toco no ombro do meu
amigo.
— Haverá tempo para o pesar, Ian.
Meu amigo se levanta, com seus olhos
marejados, ele olha para Lua e acena, vejo
minha irmã dando um passo na direção de
Ian, como se quisesse o impedir de algo. Mas
meu amigo se transforma em lobo e corre
para o fogo aberto, para a luta.
Noah

Não foi algo fácil, não foi algo bonito.


Não saímos daquele prédio felizes e
exultantes. Um clima mórbido e pesado
atingia aos nossos corações com estranha
força.
As explosões começam e o prédio vai
abaixo, fazendo do concreto a lápide para
todos os corpos que lá ficaram.

Luana

Toda vez que Noah encosta em mim, o


garoto rosna. Isso é bonitinho, mas meu
companheiro não está gostando nada.
Beijo sua testa e o deito em meu peito.
Logo depois, colo-me nos braços de Noah,
sinto-o suspirar.
— Eu sinto muito, Lua... – ele diz em
um sussurro.
Olho para Ian.
— Eu também, não tê-la por perto o
destrói.
Ele me abraça mais apertado.
— Você sempre pensa nos outros
primeiro, eu sinto muito pela nossa cria.
Não consigo mais sentir o cheiro do nosso
filho em você, eu sinto muito...
Ele diz com uma voz embargada,
realmente estava triste. Mas... Eu não perdi
minha filha, ela continua aqui, viva e bem.
Mas... E se, no tempo em que estive
desacordada, ele fez algo com minha
menina?
Olho ao redor e percebo que tudo
mudou... Consigo perceber agora. Consigo
entender agora... Olho para Noah e sei do
papel dele na nossa sociedade, que está
quebrada, rachada. Ele é o único elo.
Capítulo 32 – Encontrando um Lar

Ravi

Chegamos finalmente em casa e somos


recebidos com festa. Minha pequena não
desgruda do meu pescoço desde que cheguei.
— Papai! Onde está a tia Lua?! – Ela
estava doida para ver que Lua está
realmente viva e bem, não acredito que
Noah irá querer dividi-la com mais
ninguém, não hoje.
— Ela está com seu tio Noah, ele está
cuidando dela. Quando der, eu te levo lá. Ei,
quero te apresentar a alguém!
Caminho com Bia até Alicia e Lucas,
que estavam cuidando do garoto que foi
resgatado por Lua. Quando chego lá, Alicia
os apresenta:
— Esta é Bia. Bia, este é o seu mais
novo amigo.
Eles travam o olhar um no outro e
cerram a mandíbula, minha menina cruza
seus braços em frente ao peito e diz:
— Não gosto dele.
E simplesmente sai em passos duros,
deixando todos boquiabertos.
Luana

Noah me leva até o banho, lava cada


parte do meu corpo, prestando atenção em
cada detalhe, como se tivesse fazendo um
mapa de mim. Quando termina, em silêncio,
me seca e penteia os meus cabelos. Seguro
suas mãos.
— Olhe para mim, Noah. – Ele me olha
e vejo sua dor, seus olhos duros com um
ódio, ódio que não é direcionado a mim,
mas, mesmo assim, o sinto.
— Não cometerei esse mesmo erro, Lua,
não me importo com mais ninguém que não
seja você. À partir de hoje, você será o
centro de meu mundo.
Abraço-o, escondendo a preocupação
em meus olhos, isso é o que
mais eu temia...
Quando nos saciamos um no outro e o
cansaço toma nossos corpos, aguardo Noah
dormir e saio do seu agarre, orando aos
céus para que ele não perceba a minha
escapulida. Encaro o céu estrelado, há algo
estranho, algo quebrado... Meu coração está
pequenininho.

Noah

Acordo com minha Lua em meus


braços... Onde ela nunca deveria sair,
jamais. Não estava brincando quando disse
aquilo, à partir de hoje, tudo será segundo
plano comparado a ela. Depois de amá-la e
de saciar ambos os nossos corpos,
adormecemos agarrados um ao outro.
Mas hoje é o dia, o dia do enterro de
Priscila;
Luana

Acordo e não vejo Noah, ele deve ter


me deixado descansar por mais tempo...
Vou até o banheiro, todo um banho
demorado, visto-me e saio à procura de
todos, principalmente de Ian, preciso vê-lo...
Ian

Minha garganta dói de tanto gritar


seu nome e saber que ela jamais escutará.
Meu pulso dói, porque tudo o que tenho
feito é socar tudo o que há em minha frente.
Sou uma casca, a porra de uma casca
vazia!
Nem me lembro de quem eu era, não
me lembro de quem eu era antes dela, não
posso ser ninguém depois, é impossível!
Corro, porque não suporto ficar
parado; a frase “Volta para mim” é
repetida milhares de vezes em minha
mente, mas eu não consigo dizer em voz
alta, eu não posso. Porque dizer em voz alta
é o mesmo que constatar que ela jamais
voltará, jamais. Não importa...
Nada mais importa.
Queria ter ficado lá, queria ter sido
explodido junto com o prédio, queria que a
minha existência não existisse mais, porque
é isso o que estou fazendo, existindo, como
um banco, que existe.
Dói, minha alma é dilacerada, meu
corpo não vê mais sentido em viver, minha
mente já não existe mais. Tudo o que sinto é
raiva e dor, tudo o que vejo é um mundo
que continuará sendo feliz sem ela, e eu
odeio o mundo por isso.
Sei que alguém me segue, meu corpo
pede por uma briga. Dou boas vindas a
quem quer que seja tolo o suficiente para
vir ao meu encontro.
A loba de Lua me olha e eu invisto
contra, ela se transforma em humana e me
olha, eu também me transformo. Ela não
diz nada, só ajusta seu corpo em posição de
defesa, e eu a ataco. Passo o dia inteiro
lutando com Lua, como costumávamos
fazer quando éramos menores, quando as
coisas não eram tão complicadas, quando
ainda existia algo dentro de mim, a não ser
dor.
Cansados, sujos e com a noite surgindo
ao nosso redor, ela finalmente abre sua
boca.
— Eu deveria tê-la protegido.
Eu queria dizer: “Não, Lua, eu deveria
tê-la protegido”, mas não consigo
pronunciar palavras. Sons saem da minha
boca, murmúrios de dor, caio de joelhos e
abraço as suas pernas. Meu choro sai do
meu corpo e leva todo o resto de sentimento
que havia em mim. Eu não tenho mais
nada, não tenho mais um caminho a seguir,
não tenho mais uma vida.

Capítulo 33 – Despedidas

Luana
Noah não acreditou em mim quando
eu disse uma e outra vez que a nossa
menina vivia em meu ventre. Naquele fim
de tarde eu suspirei fundo, nada é por
acaso. Percebo que a existência da minha
menina está sendo escondida por algum
motivo e desejo mais para ela, mais do que
eu já tive, mais do que a matilha e suas leis
podem oferecer.
Quero que minha menina cresça não
como uma princesa tendo todas as regalias
possíveis, quero que ela viva de verdade,
conheça pessoas, conheça o mundo e
perceba que pode ser qualquer coisa que
desejar ser. Mas ela não teria tudo isso se
eu ficasse aqui.
Não vejo Raquel desde que voltei,
encontrá-la me faria fraquejar em minha
decisão, e eu não posso. Se ela fitar meus
olhos, vai saber o que penso em fazer, vai
saber e tentará me impedir. Vou atrás da
minha pequena. Bia, quando me vê, corre
ao meu encontro.
— Tia Luaaa!!!
Sinto seus bracinhos me prenderem.
— Oi, amor, como está?
— Bem, senti sua falta.
Isso faz com que lágrimas se derramem
pelo meu rosto.
— Não chora, tia Lua!
— Eu vou sentir sua falta, pequena.
— Minha falta? Para onde vai? –
Sorrio fraco para ela.
— É o nosso segredo, certo? Eu preciso
ir, porque todos nós precisamos nos curar.
— Não pode se curar aqui? Posso
trocar os curativos e...
— Não, pequenina, não posso. Mas vou
voltar, prometo.
— Promete?
— Sim, não importa o tempo que passe,
eu vou voltar. Quero que entregue isso para
seu tio Noah quando o seu papai for lhe
colocar para dormir. Faz isso?
Ela concorda com a cabeça e me
abraça, sinto novas lágrimas se
derramarem pelo meu rosto.
Caminho em busca do meu outro
pequeno, o vejo só e me abaixo ao seu nível
de visão.
— Ei, vim me despedir de você.
Ele me olha com suas sobrancelhas
unidas e seus lindos e únicos olhos me
encarando.
— Quero te pedir, por favor, cuida do
Noah para mim? Fica com ele, seja o
coração dele enquanto eu não puder estar
por perto, promete?
Frases demais para uma criança,
porém, quando deixo a minha palma para
cima, ele coloca a sua, me olha sério, me dá
as costas e vai embora. E também é isso que
faço, eu caminho, deixando-me para trás,
deixando-me um pouquinho com ele, mas
sabendo que é preciso.
Já desisti de um monte de coisas
porque me diziam que era o certo, que era o
que a situação pedia. Eu nunca antes me
escolhi. Já briguei, sim, briguei muito. Mas
hoje percebo que brigar por espaço é dar
poder ao outro, um poder que só está lá
porque eu não o sinto dentro de mim de
verdade.
Hoje estou escolhendo a mim pela
primeira vez e embora me entristeça
deixar toda a minha família e amigos para
trás, sei que caso ficasse, estaria desistindo
dessa pessoa que existe aqui dentro e que eu
nunca dei a chance de conhecer.
O que seria um companheiro? Todos os
sofrimentos, todas as dores validam a este
termo que por muitos é sinônimo de amor?
Não é que eu não ame Noah, na verdade,
não sei se o amo. Fora a toda a questão de
companheiros, a ligação e o desejo, não sei
se o amo porque não aprendi a amar a mim
mesma. E como posso perceber se amo
alguém sem amar a mim?

*****

Encontro com Manu na floresta, ela


me olha.
— Eu sabia que iria embora – é a
primeira coisa que diz. Sento-me em uma
árvore caída e ela me acompanha. – Não
posso te pedir para que fique, Lua – ela
continua –, mas saiba que tudo já mudou, e
você foi a responsável por isso, nós não
deixaremos que as coisas voltem ao que
eram, nós teremos um lugar, Alfa, isso eu te
prometo. Vá, faça o que tem que fazer, o
que precisar ser feito, sua matilha irá
aguardá-la. — O que Manu não pode
adivinhar no momento, e nem eu sou capaz
de lhe dizer, é que não espero uma matilha,
espero uma família. Algo em nós está se
estilhaçando um pouquinho.
— Você encontrou um lugar para
curar a si mesma, conhecer a si mesma. É
errado demais que o meu lugar não seja
aqui, pelo menos não no momento?
— Muitos irão te julgar, Lua, não posso
mentir para você. Irão te chamar de
egoísta e traidora. Mas se é esse o seu
caminho, ninguém pode senti-lo e escolhe-lo
por você.
Levanto-me sem dizer mais uma
palavra, e Manu diz:
— Só... se deixá-lo aqui, ele morrerá.
Sabe disso, não é?
Sim, eu sei, por isso que mudo o
caminho das minhas pernas e vou ao
encontro de Ian.
***

Caminho até Ian e sento-me ao seu


lado.
— Sinto-me em coma, Lua, não tenho
mais casa, porque cada canto daquele lugar
tem o cheiro dela, e todo dia eu morro um
pouco mais, porém, continuo vivendo! Eu só
preciso desligar, quero que essa dor pare!
— Eu sei... Estou indo embora, Ian. Não
quero falar sobre isso agora, mas vou te
explicar quando puder. E, assim como eu te
pedi antes, te peço agora: eu preciso de
você, fica comigo?
Meu amigo me olha.
— Porque eu não sei se consigo fazer
isso sozinha, e é algo que precisa ser feito,
você precisa de uma nova casa, e eu preciso
de alguém para construir uma. Deixe-se
nascer em uma nova vida, tenta isso, por
ela...
Coloco sua mão em minha barriga e ele
sente, assim como eu, sua energia.
— Sua sobrinha precisa de você, assim
como eu.
Ian parece não entender, mas, mesmo
assim, ele se levanta e caminha ao meu
lado.

Ravi

— Hora de dormir, pequena.


Pego a minha menina no colo e a coloco
na cama, dando um beijo estalado em sua
testa, o que a faz sorrir.
— PAI! – ela grita, assustando-me. –
Quase me esqueço de entregar a carta da
tia Lua para o tio Noah.
Ela puxa de debaixo do travesseiro
uma carta. Merda... Isso não pode
significar boa coisa...
— O que Lua te disse mais, Bia?
— Ela disse que era segredo, mas como
é meu pai, acho que não tem problema. Ela
disse que estava indo embora, que
precisava se curar, mas que voltaria. Vou
sentir falta dela...
— Eu também, meu amor, eu também...
– Abraço a minha pequena. – Agora,
durma.
Corro para a casa do meu amigo, ele já
está louco, andando de um lado ao outro.
Quando olha para mim, sabe que algo não
está certo. Entregolhe o papel e saio. Não
quero estar na frente de Noah quando ele
for ler essa carta.

Noah

Estava tudo certo, tinha conversado


com Leandro, ele ficaria à frente da
matilha. Eu me mudaria com Lua para um
local distante, onde nunca mais nada disso
lhe aconteceria. Não a encontro em canto
algum, suponho que deva estar com Ian,
consolando-o. E, embora meu corpo e meu
lobo exijam que eu vá atrás dela, não vou.
Não cometerei esse erro novamente, não
deixarei meu ciúme interferir em nossa
relação.
Estou há horas caminhando de um lado
ao outro em minha casa, já está tarde,
tarde demais...
Ravi chega a minha porta e seu olhar é
o mesmo de quando me deu a notícia de que
tinham levado Lua, algo vai mau...
Entrega-me um papel e consigo identificar
a caligrafia da minha Lua.

*****

Noah,
Hoje eu sei do que o nosso povo precisa,
eles precisam de um Supremo, de um Alfa,
de um exemplo. Não de um marido, não de
um amante, não de alguém que coloque a
segurança de sua companheira acima da
união da matilha. E eu também preciso
disso, embora me dilacere por dentro,
preciso que seja o líder, acima de ser meu,
seja deles.
A nossa espécie brigará, terá guerra,
você sabe, eu também sei. Os Alfas das
outras matilhas se unirão contra você,
lutarão entre si e conseguirão fazer o que os
humanos nunca conseguiram, conseguirão
que a nossa espécie seja extinta. Sei que
parece egoísta, mas eu não posso estar no
meio disso, não agora.
Mesmo que não acredite, eu carrego um
ser, uma menina, nossa filha.
E eu, talvez pela primeira vez, esteja
pensando nela também. Pela primeira vez
eu não estou à frente em uma guerra,
colocando-me em risco, ao contrário, estou
fugindo disso para protegê-la, acho que isso
é meio que ser mãe também. Por ela,
Noah... E por mim. Ela, que merece ter uma
infância sem saber o que é dor, merece
conhecer o mundo sem rótulos e sem
preconceitos para com o seu gênero, nossa
menina merece ter um lar seguro, merece
acordar todo dia sem ter medo do amanhã.
E eu sempre me questionei sobre o laço dos
companheiros, cresci observando meus pais
em uma relação doentia e validada pela
ligação, não quero ser mais um destes casos.
Há inúmeras formas de se machucar e ferir
alguém e eu só... Preciso me conhecer,
entende? Sou tão nova e sinto que andei
brigando por toda a vida, briguei e briguei
e agora não sei o que sobrou, não sei quem
sobrou aqui dentro. Estou indo embora
para me descobrir, para me dar essa
chance.
Sei que não tenho a moral de te pedir
algo como sua companheira, já que isso é
uma despedida, um até logo. Mas te peço
algo, em nome da matilha e em nome da
nossa menina: Dê orgulho ao nosso povo,
faça com que eles, todos eles, homens e
mulheres, sintam-se bem sobre o que são,
transforme as matilhas em uma única
PRIDE! Transforme a matilha em um local
seguro para a nossa filha viver, vença as
guerras, lute, seja forte, faça o que tiver
que ser feito. Porque, às vezes, alguém
precisa sujar as mãos, meu amor, eu sei e
tenho certeza de que você, mais do que
ninguém, também sabe disso. Mas também
sei que existem coisas pelas quais vale se
sacrificar, e sei que irá descobrir isso
também.
Nós voltaremos para você, eu te
prometo isso. E, neste tempo, sobreviva.
Faça isso por nós. Eu te deixei um presente,
você só precisa abrir os olhos e enxergá-lo,
fique com ele, ame-o, ensine-o, ele merece
alguém como você para amá-lo.
Eu te Amo.
Sempr
e
Su
a,
L
u
a.

*****

Termino de ler suas palavras... O que


Lua está dizendo? Ela perdeu o bebê, certo?
Não consigo sentir o cheiro da criança...
Também não consigo pensar neste
momento, quebro toda a minha casa, tudo.
E quando não há mais nada para ser
destruído, deixo as minhas costas
escorregarem pela parede. Conheço Lua,
não irei encontrá-la, ela dará um jeito de
sumir do mapa.
O desespero me toma, minha
respiração acelera incontrolavelmente,
seguro a minha cabeça com as mãos e,
estava tão absorto em meu próprio
sofrimento, que não vejo quando uma
mãozinha se aproxima da minha cabeça.
Quando ergo meu olhar, um olho azul e
outro verde me encaram. Então, ele me
abraça e lembro-me do que Lua escreveu na
carta:
Eu te deixei um presente, você só
precisa abrir os olhos e enxergá-lo, fique
com ele, ame-o, ensine-o, ele merece alguém
como você para amá-lo.
Mas, como posso amar alguém, quando
meu próprio coração criou pernas e
resolveu sair caminhando para longe de
mim?

Luana

Na primeira cidade em que chegamos,


intuitivamente caminho em direção a uma
casa. Bato na porta e uma linda mulher nos
recebe. Entro em sua casa com Ian e ela me
pergunta o que desejo.
— Gostaria de nublar meu cheiro e meu
vínculo para que meu companheiro não
possa me encontrar.
— E por que faria isso?
Conto-lhe toda a história, ela me pede
para tocar em minha barriga e, quando o
faz, seus olhos se arregalam como pratos.
— Ela é a filha da... Isso significa que
você é...
Não entendo o que diz, mas ela começa
a fazer as malas rapidamente e nos coloca
dentro de seu carro.
— Vou fazer mais que ajudá-los, irei
junto. Essa criança que carrega precisa ser
protegida, e farei isso enquanto viver.
“Confie nela”.
Ouço a voz feminina dentro de mim.
“Por que confiaria em você?”...
“Eu sou você. Só quero proteger a nossa
filha. Você poderá criá-la, Lua, mas teremos
que algumas responsabilidades por coisas
que fizemos há muito tempo. A hora
chegará, seja mais cedo ou mais tarde”.
E essa foi a última vez que ouvi essa voz
por um bom tempo.

Raquel

Eu não acredito, não acredito que a


Estranha simplesmente sumiu! Estou agora
na casa de Noah, enquanto Leandro tenta
me parar, mas ele que nem venha, nada
ficará no meu caminho neste momento.
Como assim “Lua foi embora”? Foi embora?!
– jogo os meus braços para o ar irritada.
Entro como uma louca no quarto de Noah.
— O que você fez?! Onde ela está? – Ele
nem se mexe, o maldito nem se move! – Seu
brutamonte-mor, se pensa que eu vou ficar
aqui, parada, sem ter respostas, está muito
enganado! Então, espero que você seja… -
Ele ergue a mão e me estende um papel.
Caminho até ele meio desconfiada, pego
o papel e logo reconheço a caligrafia da
minha amiga. Lágrimas caem dos meus
olhos como cachoeiras, ela realmente foi
embora… Paro e olho para Noah, que está
de cabeça baixa, derrotado, seus ombros
estão curvados e mal ouço sua respiração, o
homem está um caco!
Ajoelho-me em frente a ele para que
assim possa encarar seu rosto, Noah tem
olheiras, seus cabelos, que antes havia
aparado, estão longos; sua barba, por fazer.
Noah está destruído… Entendo o que Lua
fez, realmente entendo, mais que ninguém,
agora que tenho o meu próprio baby, mas
espero que ela saiba… Espero que saiba que
dilacerou pessoas, que as feriu, e que,
talvez, essas feridas não cicatrizem.
Toco no rosto de Noah e seus olhos
apagados me encaram, ele está apertando
algo com força em seu punho. Toco em sua
mão, forçando-o a abrir, e vejo o anel de
Lua em sua palma, o anel que ele deu para
ela e que minha amiga deixou para trás.
— O que faço, Raquel? Diga-me, o que
vou fazer sem ela? – Sua voz estava rouca,
disseram-me que ele, por esses dois dias,
gritou e quebrou tudo de sua casa. Leandro
só me permitiu vir até ele agora, vejo o por
quê.
O problema é que também estou me
perguntando a mesma coisa, o que vou
fazer sem a minha amiga estranha? Seguro
forte em sua mão.
— Você fará o que ela pediu, Noah. Ela
precisa de uma família, de um lar seguro?
Construa isso para ela, deixe tudo pronto
para que, quando ela volte, vocês
finalmente possam ser felizes. Vocês e sua
filha.
Ele faz um som gutural de sofrimento.
— Ela não está grávida, Raquel. Deve
ter perdido nosso filho nos laboratórios, não
senti o cheiro da cria nela, ela não pode
estar grávida, isso deve ser psicológico. E
agora está sozinha, pensando que tem uma
criança!
— Não vou entrar neste detalhe, se ela
estiver grávida, você descobrirá mais cedo
ou mais tarde. Mas precisa se reerguer,
você tem um povo para guiar, para liderar,
não é só Lua que depende de você, somos
nós, Noah! Sou eu, seu Beta, seus amigos,
sua sobrinha!
Ele ergue o olhar.
— Sobrinha?
— Sim, não aguentei e fui fazer um
exame para ver o sexo.
— Quero só ver Leandro cuidando de
uma garota! – ele diz, sorrindo, mas o
sorriso não chega aos seus olhos.
— Ele será um pai incrível, Noah. E
você também. – Ele sabe que estou falando
do garoto o qual Lua disse na carta. – Olhe
ao seu redor.
Noah olha para o quarto
completamente destruído, sua porta
pendendo para o lado.
— É assim que você está por dentro
agora, junte os destroços, construa algo
novo. Quem disse que algo bom não pode
surgir de escombros? Você já teve seu
tempo de sofrer, agora, não pode se dar ao
luxo. Toda uma raça depende de que você
se erga e faça aquilo o que nasceu para
fazer, lidere. E tanto eu quanto sua
sobrinha, teremos muito orgulho de você.
Ele me olha e fica parado por um
tempo.
— Pensei que não gostasse de mim.
— E quem disse que eu gosto? – digo,
enquanto sorrio, mas uma lágrima escapa e
Noah vê. Merda, queria ser forte na frente
dele, mas Lua também me machucou. Eu
queria entender seu lado sem me magoar,
juro que gostaria de ser um ser humano (ou
ser-lobano, que seja) superior, mas não sou!
Neste momento, estou magoada porque ela
simplesmente foi embora sem ter me dito
nada, sem se despedir, sem me dar
nenhuma satisfação. Lua foi embora e não
olhou para trás, como se nossa amizade não
significasse absolutamente nada!
Noah me abraça e, enquanto lágrimas
escorrem de ambos os nossos rostos, deixo ir
toda a mágoa, toda a frustração. Noah
precisará de apoio, esse brutamonte
precisará de uma mulher forte ao seu lado
para ajudá-lo a definir a sociedade de lobos
como algo igualitário. PRIDE, ORGULHO…
Entendo o que Lua quis dizer, nós não
somos monstros, não somos bestas, como os
cientistas pensaram. Mas, quando ela diz
orgulho, Pride, quis dizer dentro das
matilhas, ter orgulho daquilo que somos,
sermos unidade, e não lobos, sermos uma
matilha. E eu quero estar aqui para
construir isso. E quando Lua voltar, espero
que tenha uma ótima explicação para me
dar…

Algumas semanas depois...

Olho para Noah enquanto estou


abraçada ao meu delicioso companheiro.
Meu coração dói por ele, dói também pela
Estranha ter ido embora sem ao menos me
dar uma explicação!
— O que ele está fazendo? – pergunto a
Lê, que olha para o seu amigo também.
Noah estava sem camisa, cuidando do
jardim que existe abaixo da janela de seu
quarto. Ele procurou por Lua, todos
procuraram, sem sucesso. É como se ela
tivesse sido apagada do mapa por uma
borracha gigante. Noah sofreu, acho que
ainda sofre. Mas ele está aqui, em pé,
tomando as decisões e enfrentando as
guerras.
— Plantando rosas. Já disse para ele
que este terreno não é muito bom para
rosas amarelas, ele já tentou umas três
vezes, e as sementes morrem sem ao menos
nascerem.
Lembro-me do que disse a Noah, que as
flores preferidas de Lua são rosas
amarelas... Ele está fazendo isso... Por ela.

Luana
Sinto as contrações, minha filha está
vindo. Choro, enquanto mais uma onda de
dor toma meu corpo, Sofia está fazendo o
parto enquanto Ian prende a minha mão a
dele.
Passamos quase uma hora nesse
trabalho, até que a minha pequena nasce,
chora e, quando olho para Ian, ele está
sorrindo e chorando, como eu.
É a primeira vez, depois de Priscila, que o
vejo sorrir.
Noa
h

As guerras vieram, a morte também


veio. Nosso povo se matou... Tive que ir, de
matilha em matilha, substituindo cada Alfa
e colocando alguém de minha inteira
confiança em seu lugar. Hoje, Alec,
Leandro, Ravi e Lucas possuem sua própria
matilha e são Alfas de seu povo. Sento-me
na mureta em frente a minha casa e olho
para a floresta. A espero, todo o fim do dia
a espero no mesmo local, como daquela vez
em que ela estava na floresta e, quando o
sol se pôs, veio até os meus braços, como se
soubesse que pertencesse a eles. Todos os
dias vejo o pôr do sol daqui. Todos os dias, a
espero chegar.
Ainda há revoltas, com tudo o que está
acontecendo, elas continuam com força
total. Sei que, onde quer que ela esteja, está
bem, segura. Olho para trás e um mar de
rosas amarelas brilham junto com o pôr do
sol, é meu presente para ela. Depois de
muito tempo, consegui fazer com que elas
crescessem, já faz oito anos... E ainda sinto
sua presença como um lembrete. Às vezes,
olho para trás pensando que sua sombra
passou por ali, às vezes... Às vezes, desejo
tanto que ela esteja presente que a sinto me
tocar.
Kailan, meu pequeno grande homem,
cresce a cada dia mais, com seus olhos um
de cada cor e com uma força gigantesca
para uma criança. Ele não gosta muito de
falar, mas me observa enquanto eu a
espero. Acho que ele também aguarda Lua
voltar. Às vezes, o pego olhando para a lua
no céu, com tanta saudade quanto eu.
Vou te esperar, Lua... Volte para mim.

Luana

Às vezes, a dor que sinto com a falta de


Noah é tanta... Sinto falta dele, do seu
cheiro, do seu corpo. É estranho sentir falta
de alguém dessa forma, sinto saudades de
quem eu era, mas não sinto falta disso.
Espero que Noah esteja aprendendo, como
disse na carta e para Bia, é tempo de cura.
E toda vez que encaro a minha menina, tão
gentil e forte, sinto algo em mim melhorar
um pouquinho. Como poderia coloca-la bem
no centro de todas as lutas? Voltar para
casa hoje significa isso.
Cada passo que a minha menina dá, me
traz a felicidade extrema, mas também faz
com que sinta ainda mais a falta de Noah.
No fundo sei que estou tirando dele estes
momentos, sei disso. Mas é preciso seguir, e
confio que iremos nos cruzar mais uma vez,
se têm uma coisa que passei a acreditar
nessa vida é que quando é para acontecer,
acontece. Não importa o tempo que demore.

Noah

Eu era só um garoto quando meus pais


me chamaram para ter uma conversa
séria. Na época, lembro-me de que
imaginei: “Agora que vão falar sobre sexo?
Tarde demais para isso”.
Mas eles só sentaram lá, se olharam,
como se um olhar pudesse dizer tanto um
para o outro. Nunca vi alguém se
comunicar como eles, bastava só se
olharem, como se estivessem ligados por
algo maior. Ligados, não, sintonizados na
mesma frequência. Sabe o que isso fez de
mim? Um garoto encrencado, porque não
tinha como jogar um contra o outro, não
existia a hipótese de dizer “mas meu pai
deixou”, ou “a mãe não liga”, porque eles
eram um, a opinião deles era só uma.
Então, eles se beijam em minha frente,
algo rápido, mas que, mesmo assim, faz com
que uma careta involuntária saia de mim.
Mesmo que não goste de tanta
demonstração pública de afeto assim, às
vezes, me pegava olhando para os dois,
admirando-os… Eu tinha completo fascínio
na relação de meus pais. Nunca os vi
brigar, levantar a voz um com o outro, eles
sempre foram dois e, ao mesmo tempo, um.
Naquele dia, ela olhou para mim e
sorriu. E meu pai e eu olhamos para ela
com cara de bobos, ela é tão linda quando
sorri…
— Eu tenho uma coisa importante para
te dar, Noah – ela diz, ainda com um
sorriso na voz.
Só os encaro, eles se olham novamente e
minha mãe me estende uma caixa. Abro-a e
vejo que, dentro, há um anel feminino.
— Para que que eu vou querer isso? –
essa foi a minha primeira reação. E eles
riram, riram porque, na época, sabiam que
eu não entenderia… — Um dia, você vai
encontrar alguém que destrua todo o seu
mundo, e será a esse alguém que dará esse
presente. Foi o primeiro anel que seu pai
me deu.
— Mas… Você não destruiu o mundo
do papai. – Eu não conseguia entender…
Até alguns anos, eu não consegui
entender… Meu pai ri, com sua voz forte e
rouca.
— Você está enganado, Noah, ela
destruiu sim. E, no lugar onde antes existia
o meu mundo, dos escombros, nasceu algo
lindo e fabuloso. Às vezes, é preciso deixar
algo morrer para que outra coisa surja
mais forte.
Eles se olharam, ambos com lágrimas
nos olhos…
Alguns dias depois fomos atacados…
Alguns dias depois eles foram
massacrados…
Alguns dias depois tudo o que sobrou
da minha família foi essa caixa idiota com
o anel, minha irmã chorona e meus dois
amigos.
Eu não consegui entender na época.
Não consegui entender há alguns anos.
Hoje, giro o anel que Lua deixou para trás
em minha mão… E eu sei, hoje, eu sei.
Ela conseguiu destruir todo o meu
mundo.
***

Ver Kailan crescer foi uma das


melhores coisas que aconteceu em minha
vida. É o meu ponto de luz em meio a todo o
mar de escuridão em que se tornou a minha
existência após Lua ir embora.
Sua infância não foi fácil, Kailan não
gostava de ser tocado, não falava com
ninguém, tampouco confiava.
Estranhamente, após Lua ir embora, o
menino se apegou a mim como se eu fosse
um bote salva vidas, mas eu também
estava afundando. Então, em certo dia,
percebi que se me afogasse, o garoto iria
comigo. Eu nadei. Nadei porque queria
salvá-lo, vê-lo sorrir e crescer, queria
ensiná-lo… Hoje, olhando para Kailan, vejo
que era ele o meu bote, meu bote sem furos,
seguro, e foi ele quem me salvou.
Olho para o garoto, que agora é um
homem feito, ele está emburrado ao meu
lado. Hoje, meu filho está tão forte e tão
alto quanto eu, parece mais um irmão do
que um filho, na verdade. Continua calado
e emburrado, e eu sei que é porque estou
aqui. Aqui, vendo o sol se pôr, olhando para
a floresta e esperando que ela apareça a
qualquer momento.
Em todo este tempo, Kailan esteve
comigo. Desde pequeno, em cada santo dia,
em cada espera, em toda decepção por ter
que dar as costas todos os dias sem ela.
Minhas noites eram um inferno, e ele
cresceu vendo a bagunça que a ausência de
Lua fazia em mim. Por isso, agora, ele está
emburrado, continua vindo aqui, todos os
dias, comigo, como se dissesse com esse gesto
que não estou só, que ele está aqui, que sabe
o que sinto, e sei, que toda a sua postura
demonstra que ele está cansado, cansado da
espera.
— Por que você ainda a espera? –
Kailan encara a floresta com ódio, vejo o
meu garoto com seus olhos, verde e azul,
faiscando.
— Eu não tenho mais nada a fazer
nesta hora do dia. – Dou de ombros,
tentando amenizar a situação.
— Ela não vai voltar, pai. Sabe disso,
não é? Enquanto você está aqui, sofrendo a
cada porra de dia, ela está por aí, fazendo
qualquer coisa e não se importando com o
que deixou para trás.
— Kailan, não fale assim de sua… -
tento repreendê-lo, mas ele me corta.
— Mãe?! – Ele me olha ainda mais
revoltado. – Ela não é a minha mãe! Ela me
abandonou, da mesma forma com que te
abandonou, ela sequer olhou para trás, pai!
Você esteve comigo, você! Foi você quem me
criou! Não dê esse título a ela, não quando
tudo o que ela fez por nós foi ir embora!
Ele respira fundo. Suas palavras me
cortam como navalhas. Não sei o que dizer,
com o tempo, ficou cada vez mais difícil
proteger a memória de Lua de todos os seus
questionamentos, de toda a sua raiva. E
agora não tenho mais forças para isso.
Foi muito difícil ensinar a Kailan a
viver em sociedade, sua agressividade e sua
raiva são latentes, assim como sua força e
sua regeneração. Junte isso tudo no mesmo
pacote e temos uma bomba relógio prestes a
ir para os ares.
A verdade é que Lua me machucou ao
partir, mas ela não sabe o que fez com ele.
Ela enfiou uma faca em seu coração e a
deixou lá por todo esse tempo. E agora meu
filho está aqui, em frente a mim e
precisando que alguém puxe a faca para
fora, para que assim a ferida possa se
curar. Eu também cansei de ter feridas
abertas, quinze anos… Já faz quinze anos
que ele e eu temos essa ferida em carne
viva e pulsando, e eu preciso escolher se a
deixo aberta ou se cuidarei dos ferimentos
do meu próprio filho.
O sol está se pondo, Kailan se levanta
e, quando não saio do meu lugar, me
questiona:
— Você não vem?
Sento-me no muro baixo que percorre
toda a minha casa.
— Isso é um adeus, filho. Já está na
hora de seguirmos em frente.
Ele se senta ao meu lado e suspira,
como se eu tivesse tirado uma tonelada de
suas costas.
Ela não vai voltar?
Não me surpreendo ao não obter
resposta do meu lobo traidor. Desde que
Lua se foi, ele não fala mais uma palavra.
Sei que está aqui, mas mudo.
Eu poderia ficar esperando por ela, já
esperei por quinze anos, poderia… Se não
fosse condenar o meu filho ao mesmo
destino que eu. Kailan precisa seguir em
frente, e somos um time no mesmo barco,
enquanto um ficar, o outro também ficará.
Então, hoje eu decido pegar o remo e
movimentar o barco, porque sei que o meu
filho merece ver o restante do oceano.
Infernos, talvez eu também mereça isso.
Passaram-se tantos anos… Eu perdi seu
corpo, depois seu cheiro aos poucos saiu das
coisas no quarto, da roupa de cama. Então,
desapareceu aos poucos da minha memória
e eu não soube o que fazer com isso. Já
perdi muitas pessoas, muitas pessoas que
amei e que agora estão mortas, mas
ninguém nunca me ensinou a passar pelo
luto de alguém vivo.
Meu filho e eu ficamos ali até o sol
nascer. Por toda a noite lembranças
passaram por mim. Chegou um momento
em que eu me questionei se realmente um
dia a encontrei... Se tudo não foi um sonho,
porque agora parece que foi... Um sonho, só
um sonho... Agora, eu despertei.
Epílogo

Sarah

Minha mãe, meu tio Ian, tia Sofia e eu,


sempre nos mudamos. Novos colégios, novos
países, novas línguas, novas pessoas. Somos
uma família incomum... Mas, desde cedo,
aprendi que a nossa família é muito maior
que nós quatro. Desde cedo aprendi a ter
orgulho daquilo que sou, daquilo que faço
parte, nós somos a matilha, e a matilha faz
parte de cada um de nós.
No início minha mãe disse que
estávamos fugindo da guerra que se
arrastou por anos no mundo dos lobos.
Depois, quando a guerra se acalmou, ela
nos disse que deveríamos estar preparados
para a guerra que virá, fala sobre uma
visão que teve em uma Lua Azul, onde
haviam lobos e bruxas mortos pelo chão.
Diz que, nessa guerra, a balança do
universo penderá para um dos lados: bem
ou mal. Se eu acredito em todas essas
loucuras? Claro que sim! Sei que ela seria a
primeira a voltar para casa, se pudesse, se
pudesse voltar para ele...
Bem... Vamos voltar ao presente, onde
estou neste momento? Exatamente em
frente ao meu pai – estou vendo-o de
verdade pela primeira vez, longa história. –
Ele está boquiaberto e olhando de mim para
minha mãe enquanto ela se afasta, não
culpo o homem, eu também estou. Vamos lá,
quando ela disse “Sarah, vamos para a casa
do seu pai”, pensei que o “vamos” incluísse
duas pessoas. Não é assim que se ensina na
escola? Pois é, parece que minha mãe tem
seu próprio modo de lidar com a norma
gramatical.
O problema é que meu pai não está
sozinho, há um projeto de oferenda que não
sai do seu pé – eu poderia tentar engoli-la,
mas é claro que isso não vai acontecer. Sei
que a minha mãe o ama e, pelo seu olhar
idiota, isso é recíproco. Então, tem alguém
sobrando por aqui – e, como se eu já não
tivesse o bastante em minhas costas, neste
exato momento ainda têm um cara que
parece uma porta, de olhos coloridos, e que
me odeia sem motivo aparente. Eu disse que
a minha família era incomum? Você ainda
não viu nem a metade.
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