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UNIDADE III

BELO HORIZONTE, 2020


UNIDADE III

1. Protestantismo (s) na América Latina: considerações importantes

Nesta nova etapa de estudos de nosso curso, abordaremos de maneira específica o


desdobramento das missões protestantes em contexto latino-americano. Isto não significa que
o estudo das missões que toma como referência outras culturas e povos não sejam
importantes. Pelo contrário as missões também ganharam proporções de expansão em outros
continentes da mesma forma que pelas latino-americanas.

O estudante atento e de leitura atualizada perceberá que a literatura que versa sobre
a temática da história das missões globais pode ser encontrada e discutida a partir de outras
disciplinas nesta graduação. Porém, para efeito de uma compreensão mais específica e
contextual, falaremos a partir deste continente, das suas especificidades, e, em como os
desdobramentos dessas missões geraram grupos e denominações específicas.

Na linguagem mais coloquial ou popular pode ser comum a atribuição homogênea aos
protestantes/evangélicos na América Latina quando referidos enquanto grupo. No entanto, a
historiografia mais recente aponta que há neste continente uma gama diversa de grupos
religiosos oriundos da Reforma e das missões e que merecem uma leitura mais criteriosa.
Estudiosos do campo da teologia, da história, sociologia da religião e das Ciências da religião
têm dedicado atenção especial ao fenômeno religioso deste continente com retornos
surpreendentes.

Um dado esclarecedor para se entender cada grupo protestante/evangélico neste


continente é a tipologia como metodologia de compreensão, ou seja, verificar as
características mais marcantes em determinado grupo protestante e, partir deste tipo,
compreender as razões que orientam a jornada de testemunho de cada um deles. Por isso
mesmo, tanto a origem do protestantismo (estudado na unidade II de nosso curso) quanto
seus desdobramentos são relevantes para um estudo coerente da cultura e do seu modo de
pensar. Como apontado por Santos (2008):

O protestantismo nasceu na ruptura com o modelo de cristandade europeia,


católica e romana. Esse modelo de cristandade, entretanto, era relativamente
homogêneo na sua estrutura política e eclesiástica, mas o cristianismo vivido
no cotidiano era plural na sua dinâmica social, resultado do encontro de
diferentes matrizes culturais e religiosas. O advento da Reforma no século XVI
acentuou e formatou uma nova conjuntura para esse caldo cultural e religioso,
híbrido e multicultural, forjado desde os séculos iniciais da cristianização
definitiva da Europa entre os séculos VI e IX d. C. (SANTOS, 2008, p. 185)

Conforme vimos na unidade anterior de nosso curso, com o acentuar das


especificidades teológica dos reformadores, há um adensamento daquilo que Santos afirma
na citação acima, ou seja, embora coexistam como cristãos e protestantes, o viés de
compreensão teológica pode distinguir-se a depender do movimento ou do seu reformador.
Assim sendo, o protestantismo na América latina possui as marcas dessa pluralidade advinda

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da Europa e dos EUA, o que nos remete a um aprofundamento na maneira como cada grupo
pode ser compreendido.

Protestantismo latino americano: categorizações a partir de Dreher e Bonino

As categorizações acerca deste protestantismo podem ser variáveis em suas formas,


a depender do pesquisador e as bases as quais utiliza para estudar determinado tipo de
protestantismo. Como destaca o missiólogo luterano Roberto Zwetsch (2007) a partir das
referências de Martin N. Dreher (1989), na América Latina podem ser considerados e
caracterizados vários tipos de protestantismo:

Dreher propõe cinco tipos: 1) protestantismo de


imigração; 2) protestantismo de missão; 3) pentecostalismo; 4)
neopentecostalismo; 5) transconfessionalidade protestante. A cada tipo
corresponde um rol de igrejas constituídas com suas histórias, ênfases
teológicas específicas, práticas litúrgicas, modos de evangelizar e servir ao
povo. Nessa tipologia, o quinto tipo talvez seja o mais problemático de
descrever porque ele na verdade se apresenta inserido em cada um dos quatro
anteriores. (DREHER apud ZWETSCH, 2007, p.38) Na categorização
apresentada acima, destaca-se a importância desta visão que
contempla a pluralidade de expressões e a especificidade de cada uma
delas como fenômeno presente neste Continente. Assim, se
considerada a chegada dos protestantes em períodos distintos e com
teologias diversificadas, podemos entender a ação desenvolvida de
cada um dos grupos em sua estratégia de apresentar-se ao público em
comunicação da sua fé.

O protestantismo de imigração pode ser entendido a partir dos emigrantes que, fugindo
dos problemas relacionados às revoluções sociais na Europa, instalam-se neste continente
nas terras ainda não exploradas e com certa expectativa de melhores dias e futuro promissor.

Aprofunde seu conhecimento:


Neste artigo o autor discute a presença e a articulação do protestantismo étnico no Brasil.
Confira em https://core.ac.uk/download/pdf/270204557.pdf.

Já o protestantismo de missão está relacionado às missões protestantes advindas


principalmente dos EUA, nas quais intentavam a conversão de fiéis e a formação de igrejas.
O Pentecostalismo está relacionado com os movimentos espirituais dentro das igrejas no
século passado e que geraram um novo modo de compreensão da fé, com as marcas de uma
pneumatologia mais vibrante no contexto das comunidades de fé.

O pentecostalismo se amplia e transforma-se, culminando em outro grupo conhecido


como neopentecostal, onde percebeu-se acento mais específico em uma teologia com forte
apelo à prosperidade com a aquisição de bens materiais. O protestantismo de
transconfessionalidade teve forte relevância no século passado, porém perdeu força nos
últimos anos, por conta de certa visão estreita com relação à ação conjunta entre as igrejas,
o que pode ser considerado como uma grande perda para o testemunho da fé evangélica na
contemporaneidade.

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Aprofunde seu conhecimento:
Assista a este documentário apresentado pelo historiador protestante Alderi de Souza, no qual
faz uma leitura panorâmica que retrata a chegada dos primeiros protestantes nas terras
brasileiras, em específico, dos presbiterianos. Confira em
https://www.youtube.com/watch?v=0cjkUzVbFy4. (Vídeo I)
Assista, também ao documentário que registra a chegada dos batistas em solo brasileiro.
Confira em https://www.youtube.com/watch?v=oeiSBBp5Qk0 (Vídeo II)
Neste outro vídeo, destaca-se a chegada dos metodistas no
Brasil. https://www.youtube.com/watch?v=ArWMSOpey54. (Vídeo III)

As tipologias de Dreher contém pontos de intersecção com as apresentadas por José


Miguez Bonino (2003). Para este, o protestantismo na América Latina pode ser entendido a
partir de rostos. Estes rostos (faces) apresentadas por ele traduzem a ideia de algo mais
humano, real e com personalidades próprios. Em sua obra “rostos do protestantismo latino-
americano (2003), Bonino categoriza os protestantes em 1) o rosto liberal; 2) o rosto
evangélico; 3) o rosto pentecostal; 4) o rosto étnico.
O rosto liberal, de acordo com ele, está relacionado com os protestantes com visão de
progresso e modernização que, juntos a outros grupos liberais das elites, contribuíram para
as transformações no âmbito da política e da economia dos países onde se instalaram. Este
rosto está manifestou-se a partir dos interesses e ideais políticos com forte acento na mudança
da sociedade na segunda metade do século XIX.
Em perspectiva diferente aquela Liberal, de acordo com Bonino, o rosto evangélico se
caracteriza pelas missões protestantes com viés conversionista, nas quais o desejo de
conversão de fiéis de outros grupos está manifesto em cada ação de evangelização e na sua
teologia e visão de mundo.

Conceito-chave: Em sua obra “rostos do protestantismo latino-americano (2003), Bonino


categoriza os protestantes em 1) o rosto liberal; 2) o rosto evangélico; 3) o rosto pentecostal;
4) o rosto étnico.

Quanto ao rosto pentecostal, este está associado ao movimento que surge na primeira
metade do século XX e que se amplia chegando a ocupar a maior parte em termos percentuais
dos evangélicos na América Latina. O rosto étnico está relacionado com as igrejas de
imigração (também conhecida como igrejas de transplante). São aquelas igrejas de imigrantes
que trazem para a este continente as características e formalidades litúrgicas de sua origem.

Aprofunde seus conhecimentos:


Leia este artigo que faz um panorama da história do pentecostalismo na América Latina e
sua inserção no contexto dessa sociedade. “Os pentecostais: entre a fé e a política”
disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010201882002000100006.
Assista, também, a este documentário que registra o surgimento do pentecostalismo no
Brasil. Confira no link https://www.youtube.com/watch?v=IBMl_TYcaCY.

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Verifica-se que em cada uma das descrições de Dreher e Bonino, há naquelas
tipologias sua ressonância nas narrativas encontradas nos vídeos apresentados como
sugestão de aprofundamento e leitura. Assim, pode ser percebida a pluralidade de grupos
religiosos protestantes no Brasil e as perspectivas bíblico-teológicas encontradas em cada um
em particular.

Dessa maneira, os protestantes em solo brasileiro se expandem, bem como em toda


a América Latina. Tal protestantismo, a partir da segunda metade do século passado terá,
sobretudo, nas denominações do protestantismo missionário (evangélico), uma revisão da
atuação e presença destes neste continente.

Tais revisões e/ou nova compreensão acerca da missão das igrejas na América Latina
e no mundo causarão uma nova perspectiva a qual ora aproximará, ora afastará os
protestantes em sua maneira de desenvolver a missão no Brasil, na América Latina e no
mundo. Sobre este dado, os abordaremos nas próximas unidades de estudo.

3. Historiografia a partir da América Latina: um caminho em construção

Embora encontremos em bibliografias de autores aspectos importantes da


historiografia latino-americana, percebe-se, de certa forma, um vácuo presente acerca do
protestantismo neste continente. Há uma razão específica para tal problemática. Como temos
estudado, a historiografia Latino-americana ficou condicionada à literatura europeia, com os
pressupostos daquele continente.

Questão Importante: O grande desafio para os pastores, missionários, evangelistas e demais


lideranças evangélicas seria o debruçar em sua história, também na história do
protestantismo, e ainda mais, na própria história da América Latina enquanto continente
marcado por culturas e expressões religiosas das mais diversas. Eis o grande desafio para se
pensar as missões neste continente e, para além dele.

Em perspectiva protestante, segue-se nesta mesma direção. Ou seja, as


denominações protestantes, os imigrantes, e o pentecostalismo, embora tenham firmado suas
raízes em solo brasileiro e latino-americano, a literatura disponível quanto a história de suas
denominações religiosas possui, ainda, uma série de elementos culturais de vinculação
específica advindas dos países de origem de seus fundadores.

Claro que pensar em uma historiografia a partir do próprio continente seria resgatar
elementos importantes da história que foram deixados à margem e que, em uma nova leitura
podem ser recuperados criticamente no sentido de produzir uma história e relatos a partir do
próprio povo latino.

Sendo assim, o grande desafio para os pastores, missionários, evangelistas e demais


lideranças evangélicas seria o debruçar em sua história, também na história do
protestantismo, e ainda mais , na própria história da América Latina enquanto continente

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marcado por culturas e expressões religiosas das mais diversas. Eis o grande desafio para se
pensar as missões neste continente e, para além dele.

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Referências:
MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Protestantismo no Brasil. REVISTA USP, São Paulo, n.74,
p. 160-173, junho/agosto 2007.
NEILL, Stephen. História das missões. São Paulo: Edições Vida Nova, 1989.
BONINO, Jose Miguez. Rostos do Protestantismo latino-americano. São Leopoldo:
EST/Sinodal, 2003.
SANTOS, Lyndon de Araújo. PROTESTANTISMO E MODERNIDADE: os usos e os sentidos
da experiência histórica no Brasil e na América Latina. Disponível em
https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/3051/1964. Acesso em 07/08/2020.
ZWETSCH, Roberto E. Missão como com-paixão. Por uma teologia da missão em
perspectiva latino-americana. São Leopoldo: Sinodal/CLAI publicações, 2008.
WIRTH, Lauri Emílio. Protestantismo e etnia: sobre a preservação da identidade étnica no
protestantismo de imigração. Estudos Teológicos, v. 38, n. 2, p. 156-172, 1998. Disponível em
https://core.ac.uk/download/pdf/270204557.pdf. Acesso em 07/08/2020.
SOUZA, Etiane Caloy Bovkalovski de; MAGALHÃES, Marionilde Dias Brepohl de. Os
pentecostais: entre a fé e a política. Rev. bras. Hist. vol.22 no.43, São Paulo 2002.
Disponível em
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010201882002000100006.
Acesso em 07/08/2020.

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