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Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Pensando primeiramente na transversalidade
Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. das representações sociais, não há dúvida de
Rua Monte Alegre 984, São Paulo, SP, 05014-001, que, estando situada na interface dos fenômenos
Brasil. individual e coletivo, esta noção tem, como
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aponta Jodelet (1989a), a vocação de interessar propriamente ditas: seu conteúdo e seu processo
a todas as ciências humanas. de elaboração.
Numa tentativa de pontuar as diferenças, Outra maneira de entender a transdisciplinari-
pensando mais especificamente nas abordagens dade aí implícita seria procurando explicitar as
da Psicologia e da Antropologia, Sperber (1989) múltiplas dimensões do campo de estudos das
introduz a questão do nível de análise. As representações sociais (Figura 1). Esta perspec-
representações, segundo o autor, podem ser tiva, adotada por Jodelet (1989a), tem a vanta-
abordadas, enquanto eventos intra-individuais, gem de abandonar a divisão de territórios
como representações mentais, estudadas pela disciplinares e assinalar a importância da defini-
Psicologia Cognitiva e pela Psicanálise, onde o ção precisa do aspecto a ser abordado no estudo
social é apenas uma sombra; como elementos das representações sociais.
centrais da comunicação, sendo então represen- A Figura 1, uma simplificação de um esque-
tações públicas, objeto de estudo da Psicologia ma apresentado por Jodelet (1989a), nos permi-
Social; ou, ainda, como elementos coletivos, te visualizar os dois eixos principais deste
comunicados repetidamente e distribuídos campo de estudos: no primeiro eixo, as repre-
igualmente numa determinada formação social, sentações constituem formas de conhecimento
sendo então representações culturais, objeto de prático orientadas para a compreensão do
estudo da Antropologia. Usando metáforas mundo e para a comunicação; no segundo eixo,
médicas, Sperber avança no esforço comparati- elas emergem como elaborações (construções
vo, assemelhando a Antropologia à Epidemiolo- de caráter expressivo) de sujeitos sociais a
gia: uma disciplina interessada na distribuição respeito de objetos socialmente valorizados. As
das representações em uma determinada popula- duas dimensões descortinam pressupostos de
ção. Já a Psicologia assemelhar-se-ia à Patolo- natureza epistemológica sobre a natureza do
gia, dedicando-se ao estudo das representações conhecimento.
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idéias. Passa a abarcar, também, ou melhor, tido, reportando-nos a Wittgenstein (1953) e aos
sobretudo, o conhecimento do homem comum. interacionistas simbólicos por ele influenciados,
Neste terceiro movimento, o que está em pauta somos atores sociais engajados na construção de
é o desvelamento da teia de significados que identidades funcionais que nos permitem nego-
sustenta nosso cotidiano e sem a qual nenhuma ciar as relações sociais.
sociedade pode existir. É este alargamento do Este segundo sentido abre caminho para as
campo de interesses que torna possível uma modernas análises de discurso (Edwards &
arqueologia das idéias, no sentido foucaultiano, Potter, 1992), onde a ênfase não recai mais na
que se contrapõe à história epistemológica. estrutura lingüística ou nos conteúdos cogniti-
Esta mudança de perspectiva quanto ao papel vos, mas na organização social do discurso.
disciplinador das teorias do conhecimento, de Deixa, assim, de existir qualquer separação
um lado legitimando o saber não consubstan- entre linguagem e ação, seja pela mediação
ciado em disciplinas científicas e, de outro, cognitiva ou pela mediação do contexto social,
pondo na berlinda o selo de garantia epistemo- pois a linguagem é tomada como sendo con-
lógica, teve um papel fundamental na elabora- comitantemente ato.
ção do conceito de representações sociais em Partindo das considerações sobre o primeiro
Psicologia Social. Teve, antes de mais nada, o eixo apresentado na Figura 1, deparamo-nos
efeito de liberar o poder de criação dos con- com duas maneiras muito distintas de adentrar
hecimentos práticos, ou das teorias do senso este campo de estudos. Numa primeira vertente,
comum, tão freqüentemente aprisionados nos é o estatuto do conhecimento que está em
chavões de reprodução ou de (re)apresentação. pauta: sua natureza e seus pressupostos epis-
Ou seja, não se trata, neste terceiro movimento temológicos. Já na segunda vertente, a ênfase é
das teorias do conhecimento, de reabilitar o na funcionalidade. O conhecimento estudado via
senso comum enquanto forma válida de con- representações sociais é sempre um “conheci-
hecimento; trata-se, sobretudo, de situá-lo como mento prático”; é sempre uma forma compro-
teia de significados capaz de criar efetivamente metida e/ou negociada de interpretar a realida-
a realidade social. de. Nesta segunda vertente, a tendência tem
Moscovici (1988) reconhece amplamente que, sido de eliminar a expressão “representação
ao enfatizar o poder de criação das represen- social”, adotando, em seu lugar, a expressão
tações sociais, acatando sua dupla face de “práticas discursivas”, numa tentativa de elimi-
estruturas estruturadas e estruturas estruturantes, nar a confusão seminal do conceito de represen-
inscreve sua abordagem entre as perspectivas tação social, que, inevitavelmente, situa-se entre
construtivistas. Inscreve-a, entretanto, no movi- dois paradigmas: o da modernidade e o da pós-
mento maior, aqui denominado terceiro movi- modernidade.
mento das teorias do conhecimento. Aponta,
assim, a simultaneidade, ou, até mesmo, a O Sujeito como Produto
anterioridade, de sua obra e da obra de Berger e Produtor da Realidade Social
& Luckmann (1966), que cunhou a perspectiva
denominada “construção social da realidade”. O segundo eixo da Figura 1 nos remete,
Retornando ao vernáculo, se o primeiro necessariamente, à atividade do sujeito —
sentido atribuído à palavra “representação” tomado como indivíduo ou grupo — na elabo-
permitiu-nos situar os pressupostos epistemoló- ração das representações sociais. Ou seja, a
gicos do estudo das representações sociais, o representação é uma construção do sujeito
segundo sentido nos aproxima mais do teatro e, enquanto sujeito social. Sujeito que não é
como tal, de uma teoria da ação. Segundo o apenas produto de determinações sociais nem
Dicionário Aurélio (Ferreira, 1975), represen- produtor independente, pois que as represen-
tação é também o “ato ou efeito de represen- tações são sempre construções contextualizadas,
tar(-se)”, é uma “interpretação”. Nesta perspec- resultados das condições em que surgem e
tiva, não é mais a natureza do conhecimento circulam.
expresso em representações que está em pauta, É, ainda, uma expressão da realidade intra-
porém suas implicações práticas. Neste sen- individual, uma exteriorização do afeto. Con-
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Imaginário
Social
Epistéme
Meta-Sistema Habitus
de Normas
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com o senso comum, não nos cabe catalogar os permite evidenciar os dois principais processos
conteúdos em busca do estável e do consensual, envolvidos na elaboração das representações
porque eles são essencialmente heterogêneos. postulados por Moscovici em 1961: ancoragem
Não nos cabe, também, buscar as estruturas e objetivação. A ancoragem refere-se à inser-
lógicas subjacentes, porque elas não existem. ção orgânica do que é estranho no pensamento
Ao aprofundarmos a análise do senso comum, já constituído. Ou seja, ancoramos o descon-
deparamo-nos não com a lógica e com a coe- hecido em representações já existentes. Mos-
rência, mas com a contradição. covici (1978) a concebe como um processo de
Aceitar a diversidade implícita do senso domesticação da novidade sob a pressão dos
comum, entretanto, não significa abrir mão do valores do grupo, transformando-a em um saber
consenso, pois algo sempre sustenta uma deter- capaz de influenciar, pois “nos limites em que
minada ordem social: pressupostos de natureza ela penetrou numa camada social, também se
ideológica, epistémes historicamente localizadas constitui aí num meio capaz de influenciar os
ou, até mesmo, ressonâncias do imaginário outros e, sob esse aspecto, adquire status
social. Afinal, as representações são elaboradas instrumental”. Em suma, a ancoragem é feita na
a partir de um campo socialmente estruturado e realidade social vivida, não sendo, portanto,
são frutos de um imprinting social. Mas, como concebida como processo cognitivo intra-in-
aponta Morin (1983), há zonas fracas neste dividual.
imprinting que permitem com que haja movi- A cristalização de uma representação nos
mento, mudança, abertura à novidade, novas remete, por sua vez, ao segundo processo : a
formas de ancorar fatos pouco familiares. objetivação. A objetivação é essencialmente
Ou seja, parece lícito afirmar que, se de um uma operação formadora de imagens, o proces-
lado buscamos os elementos mais estáveis, so através do qual noções abstratas são transfor-
aqueles que permitem a emergência de iden- madas em algo concreto, quase tangível, tornan-
tidades compartilhadas, de outro trabalhamos do-se “tão vívidos que seu conteúdo interno
com o que há de diferente, diverso e contraditó- assume o caráter de uma realidade externa”
rio no fluxo do discurso social. (Moscovici, 1988). Este processo implica três
etapas: primeiramente, a descontextualização da
As Representações Sociais informação através de critérios normativos e
enquanto Núcleos Estruturantes culturais; em segundo lugar, a formação de um
núcleo figurativo, a formação de uma estrutura
A diversidade e a contradição nos remetem ao que reproduz de maneira figurativa uma estrutu-
estudo das representações sociais não mais ra conceitual; e, finalmente, a naturalização, ou
como conteúdos, mas como processo. Processo seja, a transformação destas imagens em ele-
entendido não como mero processamento de mentos da realidade.
informações e elaboração de teorias, mas como É óbvio, assim, que a ênfase dada à função
práxis; ou seja, tomando como ponto de partida cognitiva, por mais que procure preservar a
a funcionalidade das representações sociais na realidade vivida e não reduzir a elaboração das
criação e na manutenção de uma determinada representações a processos cognitivos, acaba
ordem social. por privilegiar tais processos. Já a função
Nos diversos textos que lidam com as repre- afetiva de proteção de identidades nos remete à
sentações sociais enquanto formas de conheci- dinâmica da interação social e, mais especifica-
mento prático, são destacadas diversas funções, mente, à elaboração de estratégias coletivas ou
entre elas: orientação das condutas e das comu- individuais para a manutenção das identidades
nicações (função social); proteção e legitimação ameaçadas. O estudo de Jodelet (1989b) sobre
de identidades sociais (função afetiva) e famili- as representações da loucura numa comunidade
arização com a novidade (função cognitiva). rural, onde era desenvolvido um sistema de
A função cognitiva de familiarização com a albergamento de pacientes egressos de hospitais
novidade, transformando o estranho — poten- psiquiátricos, constitui um excelente exemplo
cialmente ameaçador — em algo familiar, nos da funcionalidade das representações para a
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