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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Comunicação e Semiótica

A PIXAÇÃO PAULISTA E AS VANGUARDAS:


Poesia Concreta no Concreto

DISSERTAÇÃO

Carolina Albuquerque Gonçalves

São Paulo

2010
Carolina Albuquerque Gonçalves
(Caru Albuquerque)

A PIXAÇÃO PAULISTA E AS VANGUARDAS:


Poesia Concreta no Concreto

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial
para a obtenção do título de MESTRE em Comunicação e
Semiótica, na área de concentração Signo e Significação
das Mídias, sob a orientação da Prof.a Dr.a Leda Tenório da
Motta.

2
Carolina Albuquerque Gonçalves
(Caru Albuquerque)

A PIXAÇÃO PAULISTA E AS VANGUARDAS:


Poesia Concreta no Concreto

::banca examinadora::

__________________________________________________
orientadora: Prof.a Dr.a Leda Tenório da Motta
PUC - SP

__________________________________________________
Prof. Dr. José Eugênio De Oliveira Menezes
Fundação Cásper Líbero - SP

__________________________________________________
Prof.a Dr.a Lúcia Santaella Braga
PUC - SP

3
PARA

todos que amam as formas livres de expressão.

4
AGRADEÇO

 a todos que usam as ruas para expor ideias, arte ou para


marcar sua existência, fazendo que eu pudesse aprender
um pouco mais sobre a complexidade do ser humano e
da vida.

 aos autores consultados, por sua dedicação aos temas.

 àqueles que lutam por um mundo melhor.

 à minha orientadora e aos doutores Santaella e Menezes.

 ao pixadores que sempre foram solícitos e, em especial,


aos que ser tornaram amigos, após tantos
acontecimentos.

 ao Alexandre Duarte, sempre disposto a me ajudar, a me


compreender e a me amar.

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“Post-scriptum: „não há arte revolucionária sem
forma revolucionária‟.”

Maiakovski, em Plano Piloto para Poesia Concreta, 1958

“Os poetas são as antenas da raça.”


Ezra Pound

“A arte é um enigma. E como todo enigma, não é


algo que se contempla, mas que se decifra.”

Octavio Paz

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RESUMO

A presente pesquisa estuda a “pixação", um fenômeno da comunicação


que ocorre exclusivamente nas metrópoles brasileiras, mais especificamente em
São Paulo, onde surgiu. Trata-se de um tipo de intervenção sobre os muros da
cidade que não se confunde com os graffitis coloridos nem com as demais
inscrições aí lançadas, tais como pichações – estas com "ch" – com fins
propagandísticos ou quaisquer outras formas de manifestações escritas com
finalidade de marcar presença.

A pixação aqui analisada teve início na periferia de São Paulo, nos anos
1980, juntamente com o movimento punk, em meio a uma disputa pelo espaço
entre as gangues punk. Grafada com “x” por seus fazedores, ela assumiu formas
visuais e ortográficas e possui regras que a distinguem como movimento cultural
do povo suburbano que investe a cidade paulista como mídia para suas
ressignificações do cotidiano.

Esta pesquisa trata de mostrar como e por que a pixação é uma


comunicação poética urbana e da periferia. Associando o fenômeno
aos movimentos modernos e modernistas, a hipótese com que se trabalha é a de
que temos aí também uma forma de “arte”. Ela possui as mesmas
experimentação, ruptura com a tradição, fragmentação e desconstrução da
figuração – ou das letras – das vanguardas, que reelaboram radicalmente a
forma, tendendo a aproximá-la do caos. A exemplo de certos movimentos
artísticos que a partir do final do século XIX se deixam influenciar pelas cidades
modernas e seu novo modus vivendi, a pixação carrega o ruído urbano para a
arte e para a poesia. Além dos referenciais vanguardistas, tais inscrições
possuem interessantes explorações verbais e visuais associáveis às realizadas
pela poesia concreta.

A importância do trabalho para a área da Comunicação advém de a cidade


ser usada como medium para este tipo específico de fazer. Além disso, será
mostrado que pixadores, ao comunicar o modus vivendi suburbano através da
subversão da ortografia formal, da inovação das formas caligráficas e do uso total
do espaço metropolitano, transformam o que seria a mera comunicação de um

7
grupo em um ato poético, ou artístico. Metodologicamente, trata-se de uma
pesquisa de cunho bibliográfico e documental, cujo corpus é constituído de
registros fotográficos, pesquisa de campo e anotações feitos pela autora.

Os principais referenciais teóricos incluem as histórias da arte, das


vanguardas e das vanguardas tardias e as teorias críticas para a arte moderna e
contemporânea, aí incluídas aquelas voltadas para a poesia concreta brasileira.

Palavras-chave: Pixação; street art; cultura urbana; vanguardas, poesia


concreta.

8
ABSTRACT

This research analyses the "pixação", a phenomenon of communication


that occurs exclusively in Brazilian cities, specifically in São Paulo, where it was
created. This is a type of intervention on the city walls which shall not be confused
with graffiti nor other definitions posted hereof, such as tags for marketing
purposes or any other kind of striking people by means of written statements.

The “pixação” presented herein had begun in São Paulo‟s outskirts in the
1980s, along with the punk movement, due to a dispute over the superiority
between punk gangs. Spelled with an "x" by their makers it assumed visual forms,
spelling rules and features that distinguish it as a folk cultural movement, which
surrounds the suburban city of São Paulo as a media for their everyday
designations.

This research aims to show how and why “pixação” is an urban-poetic and
outskirts communication. Associating the phenomenon to the modern and
modernist movements, the hypothesis is: we also have a kind of "art". The
“pixação” has the same segmentation, breaking with tradition, structure/letters and
avant-garde deconstruction and fragmentation, which radically rethink the shape,
tending to close it to chaos. Examples of artistic movements from the late
nineteenth century are influenced by modern cities and their new modus vivendi,
“pixação” carries urban noise to the art and poetry. In addition to the reference
avant-gardes, these figures are verbal and visual interesting explorations
assignable to those performed by the concrete poetry.

The importance of this academic work to the Communication area comes


from the city is being used as a medium for this particular kind of art. It will also be
shown that graffiti writters in communicating the suburban modus vivendi by
means of the formal spelling subversion, calligraphic forms innovation and full use
of metropolitan space; they transform what would be a simple communication of a
group in a poetic or artistic act. Methodologically, this is a bibliographic and
documentary research, and its corpus is made up of photographic records, field
survey and notes made by the author.

9
The main theoretical frameworks include history of art, avant-garde and late
avant-garde and critical theories to modern and contemporary art, including those
related to the Brazilian concrete poetry.

Keywords: “Pixação”, street art, urban culture, avant-garde, concrete poetry.

10
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÂO.............................................................................................................................12

2. A PIXAÇÂO E A ARTE URBANA.................................................................................................21

3. SOBRE AS VANGUARDAS E SOBRE O CONCRETISMO COMO VANGUARDA TARDIA......33

3.1. O Expressionismo............................................................................................................50

3.2. O Cubismo.......................................................................................................................52

3.3. O Futurismo.....................................................................................................................54

3.4. O Dadaísmo....................................................................................................................57

3.5. O Espiritonovismo...........................................................................................................59

3.6. O Surrealismo..................................................................................................................61

3.7. O Muralismo Mexicano....................................................................................................63

3.8. Art Brut.............................................................................................................................65

3.9. A Literatura nas Vanguardas...........................................................................................66

3.9.1. A literatura de vanguarda no Brasil........................................................................71

3.10. As Neovanguardas........................................................................................................75

3.10.1. Happening e Performance..................................................................................78

3.10.2. Poesia Concreta..................................................................................................79

4. ANÁLISE DAS PIXAÇÔES..........................................................................................................94

4.1. As Palavras na Pixação e suas Poéticas........................................................................97

4.1.1. Temas principais...................................................................................................98

4.1.2. Estilos..................................................................................................................101

4.1.3. Criações ortográficas a partir do som..................................................................102

4.1.4. Criações ortográficas a partir do significante e do significado............................ 102

4.1.5. Criações de significante partir do significado.......................................................112

5. CONCLUSÃO.............................................................................................................................124

6. BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................148

6.1. Obras

6.2. Documentos eletrônicos

7. ANEXOS.....................................................................................................................................154

11
1. INTRODUÇÃO

“A Pixação Paulista e as Vanguardas: A Poesia Concreta no Concreto” tem


como foco a pixação paulista, uma forma de expressão surgida na década de
1980 que está dentre as muitas feitas nas paredes da cidade de São Paulo. O
objetivo da pesquisa é examinar as transgressões semânticas das pixações
paulistas, entendendo-a como uma poética de um povo urbano e, mais
precisamente, suburbano, que vive à margem das leis e dos direitos instituídos.

A pixação do meu objeto de estudo é escrita com “x” por seus fazedores e
não está nos dicionários. Ela é distinta da pichação, com “ch”, esta sim verbete no
Houaiss e no Aurélio e que diz respeito a quaisquer palavras escritas em, por
exemplo, paredes, árvores e bancos. A pixação tratada nesta pesquisa é o
movimento surgido na periferia de São Paulo no início dos anos 1980 com o
movimento punk, através da disputa pelo espaço entre as gangues. Segundo
Michel Maffesoli, podemos dizer que a pixação é uma tribo urbana, já que estas
se constituem nas

diversas redes, grupos de afinidades e de interesse, laços de


vizinhança que estruturam nossas megalópoles. Seja ele qual for,
o que está em jogo é a potência contra o poder, mesmo que
aquela não possa avançar senão mascarada para não ser
esmagada por este. (MAFFESOLI, 1998: 70)

O projeto nasceu da minha pesquisa lato sensu nos anos de 2005, 2006 e
2007 intitulada A Cidade Fala – A Arte Urbana na Cidade de São Paulo, para a
Fundação Cásper Líbero, na qual constatei que a pixação é um rico movimento
social e cultural com implicações artísticas – e não só um ato de vandalismo.
Apesar da sua importância como manifestação popular, há pouca bibliografia
sobre o assunto. E quando há, são teses e monografias nas áreas sociologia e
antropologia, todas com fundamentações limitadas à área da pesquisa e, não
raro, constatações errôneas.

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Nestas áreas, há dois bons trabalhos acadêmicos, o de Alexandre Barbosa
Ferreira, de Ciências Sociais, e o de Lucas Fretin, o videodocumentário “A Letra e
o Muro”, da cadeira de antropologia visual. Em se tratando da área do design das
letras, há a dissertação "Os Tipos Gráficos da Pichação: Desdobramentos
Visuais", defendida em 2007 por Gustavo Lassala, que inclusive criou um alfabeto
de fontes digitais com o estilo da pixação paulista, chamado “Adrenalina-SP”.

Se no começo da minha pesquisa só existiam publicações acadêmicas, no


início de 2008 foi lançado primeiro livro sobre a pixação brasileira, Pixação: São
Paulo Signature. Publicado na França, ele explica de forma detalhada e completa
como é praticada e organizada, incluindo aí ilustrações e uma relação de
tipologias, além de muitas imagens da cidade pixada.

Ainda em 2006, passei a anotar os nomes de pixações e fotografá-los, com


intenção de registrar toda essa rica prática popular paulista, que sofre por falta de
material comercial de qualidade devido ao seu caráter ilegal. O trabalho de
anotação tomou 3 anos da minha vida em praticamente todos os momentos – só
quando estava dentro de algum lugar eu parava o incessante vício de anotar
todas as pixações que via. A lista, que aumentava diariamente, deu origem à
minha percepção sobre os nomes: eram tão engraçados, ou tão agressivos, ou
tão originais, ou tão rebeldes com a língua, ou tão diferentes – com palavras que
eu mesma nunca usei –, que passei a dar atenção especial ao conteúdo e não à
forma da letra, como é de praxe. Além disso, ao prestar atenção nesses nomes,
separadamente e como um todo, notei a particularidade das significações dele
para o que podemos chamar de vida urbana e marginal.

O conteúdo dos nomes revela várias facetas, mais adiante explicitadas, e


dão uma narrativa do que é o Brasil. Por isso o projeto inicial era publicar estes
nomes, a classificação e o estudo deles como obra coletiva de um povo.

Dos anos 1980 para cá a pixação espalhou-se pelas principais capitais,


tornando-se uma prática endêmica do Brasil. O país é o único que produz essa
cultura - é, portanto, um bem imaterial da cultura brasileira (mais especificamente,
da paulistana, pois aqui é aqui que surgiu e é totalmente executada na sua forma
característica). Com a Lei Cidade Limpa, provou-se o desconhecimento do
assunto tanto pela sociedade como pelo governo, que incentiva o graffiti para

13
cobrir as pixações sem conhecer quem são as pessoas que compartilham dessa
estética e suas motivações, e muito menos sem dar o devido olhar a essa
manifestação do povo.

Mas foi a Lei Cidade Limpa que gerou, entre os pixadores, uma reflexão
mais aprofundada sobre a memória do movimento. Muitas pixações antigas,
carregadas de história, estavam sendo apagadas. Era o material memorial deles
sendo destruído, um caminho sem volta. E-mails de protesto chegaram a circular
entre os pixadores e, em 2008, uma manifestação em frente à prefeitura de São
Paulo chegou a ser marcada, mas sem resultado.

Se a pixação faz parte do dia-a-dia de cerca de 9.0001 anônimos


moradores de São Paulo e Grande São Paulo, com amizades, coleções e
histórias de vida sendo construídas devido a ela, entre a população em geral a
pixação passa como sujeira e vandalismo ou, mais raro, a olhos cegos. Ou
passava, até o ataque de um pequeno grupo à Bienal de Artes em outubro de
2008. Foram cerca de 50 pessoas, encabeçadas pelos dois mesmos líderes que
atacaram antes a conclusão de curso de artes plásticas da faculdade Belas-Artes,
em julho, e a abertura de uma exposição na Galeria Choque Cultural, em agosto 2.

Ao atingir em cheio o calcanhar de Aquiles dos intelectuais, mecenas e


lideranças das artes instituídas, a pixação entrou para as discussões de

1
Número aproximado, segundo estimativas da pesquisadora e de alguns pixadores.
2
O ano de 2008 foi agitado no meio das artes. Rafael Pixobomb, pixador, e Djan Cripta, que se diz
“ex-pixador” e atualmente filma os colegas em ação, resolveram mostrar para o mundo a pixação.
Como trabalho de conclusão de curso, Pixobomb, que cursava a Faculdade Belas-Artes com uma
bolsa de estudos, atendeu o chamado da faculdade, convidando sua família. A “família”, segundo
me relatou informalmente alguns meses antes ao me contar sobre a intenção do ataque, eram
seus amigos de pixação, e nada mais coerente que chamá-los para mostrar à faculdade o que ele
considerava como arte. Assim, sua “família” foi à faculdade e a pixou, sendo este o trabalho final
de Pixobomb. Resultado: pancadaria, confusão e alguns pixadores levados à delegacia. Cerca de
um mês depois, o mesmo grupo invadiu a galeria de Arte Urbana Choque Cultural, pixando as
paredes e obras. Justificativa escrita no convite para o ataque: “contra a comercialização da arte
de rua”. Em outubro, influenciada pela crise econômica mundial e na sua administração, a Bienal
havia deixado um andar inteiro do prédio sem obras de arte, chamando o andar de “Espaço para
Reflexão”. No dia de abertura ao público da Bienal do Vazio, como ficou conhecida, cerca de 50
pixadores invadiram o local e pixaram o andar sem obras. A ordem dos dois líderes era “preencher
o vazio, que é o que a pixação sempre faz” e “mostrar o que era arte de verdade”, segundo o que
me foi relatado por Djan. Além de revolta dos diretores e de parte da população, a invasão trouxe
debates para o mundo acadêmico das artes sobre a “pixação como arte”, mais até do que as
próprias obras da Bienal ou o espaço para reflexão. No ano seguinte, 2009, Djan foi convidado
para pixar, desta vez autorizado e com direito a cachê, a Fundação Cartier, em Paris, convite
atendido prontamente. No mesmo ano foi lançado no circuito comercial de salas de cinema, pelos
mesmos pixadores, um documentário sobre a pixação, “Pixo”.
2
Como arte instituída, entenda-se tudo o que é reconhecido amplamente por críticos e
pesquisadores de arte como sendo arte.

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acadêmicos e para o mundo das Artes. Desde então, muito se falou sobre a
pixação, porém com pouca profundidade e com muito equívoco. Além de a
questão estar em evidência, e, por isso, aproveitarem quaisquer “achismos” para
discuti-la, quem trabalha ou estuda a arte instituída 3 pouco ou nada sabe sobre os
processos dentro da pixação e da cultura de rua. É por isso que a pixação
necessita da profundidade de um estudo que a referencie, que a contextualize
neste emaranhado de ideias chamado arte.

Diferente dos estudos cartesianos feitos (e exigidos) nas academias, penso


que somente a análise da pixação em um contexto histórico-artístico com
influências geográficas e sociais pode nos fazer entender a prática da pixação.
Uma análise estruturalista, que explore e decifre as interrelações e os significados
de várias práticas que, servindo como sistemas de significação, produzem uma
cultura – como fez Claude Lévi-Strauss.

Na falta de trabalhos profundos sobre pixação que não levam em conta


apenas o aspecto social, não tive como executar o projeto inicial, que era a
publicação das pixações, a catalogação e o estudo delas. Não existiam pesquisas
e livros que dessem suporte às minhas teorias e às questões colocadas por
minha orientadora, então tive que abandonar minha primeira opção. Era preciso
primeiro referenciar e localizar a pixação – que é o que faço aqui –, para num
próximo trabalho analisar. Não se trata de uma arqueologia das pixações, muito
pelo contrário. Um estudo aprofundado sobre a evolução das formas das letras e
do uso do espaço ainda está por ser escrito por algum pesquisador dedicado – e
apaixonado.

A “alma” da ideia inicial continua aqui: a que, na criação do nome, da forma


e na execução das palavras que lhe intitulam, pixadores são criadores de sentido
da realidade urbana e suburbana da metrópole paulistana. Portanto, em alguns
momentos falarei sobre a prática, em outros sobre a forma/design 4, em outros
sobre a espacialidade, e em outros sobre o conteúdo e sua semiose.

3
Como arte instituída entendemos tudo o que é reconhecido amplamente por críticos e
pesquisadores de arte como sendo arte.
4
A forma a qual me refiro é o formato da letra ou a composição das grifes.

15
Os ataques feitos à Faculdade Belas-Artes, à Choque Cultural, à Bienal e
aos grafiteiros5 não serão aqui analisados, já que foram feitos por um pequeno
grupo que no meu ponto de vista e em minhas conversas com pixadores não tem
legitimidade entre a maioria dos líderes pixadores, sofrendo inclusive críticas.
Além disso, o assunto tratar-se-ia de outro trabalho, visto a quantidade de
acontecimentos e argumentações.

Podemos afirmar a originalidade desta pesquisa no que se refere ao


enfoque dado à pixação. A pixação é, sim, um grito da periferia por visibilidade,
como tratam os trabalhos de sociologia, psicologia e antropologia. Mas é muito
mais. Este estudo fala sobre a cidade investida como mídia e sobre a significação
das palavras criadas e escritas por eles, inserindo-as no universo da nossa
cultura popular, da poesia e das artes de vanguarda. A “arte” à qual me refiro é a
noção genérica que engloba literatura, música, dança, corpo, artes visuais,
desenho, cultura popular e arte primitiva, e não apenas as belas-artes.

Através do apanhado de nomes escritos pela cidade e a análise de alguns


deles, será possível observar as transgressões semânticas, ortográficas e
culturais da pixação paulista. Ao final, elementos da pixação serão comparados
com elementos da poesia concreta. Escolhi os movimentos de vanguarda, com
ênfase na poesia concreta, como referências principais por suas óbvias
semelhanças, porém outras práticas também serão citadas. A poesia visual
também entra como referência essencial na comparação, porém, por a poesia
concreta ser sua predecessora, tomaremos como referencial teórico apenas esta,
mas tendo em mente também a visual.

A pixação será analisada utilizando-se de elementos da cultura e da arte


acadêmicas, portanto não serão as mesmas valorações feitas pelos pixadores.
Nem sempre os pixos mostrados aqui são os mais famosos ou respeitados no
meio. Lembro ainda que, embora estejam no mesmo espaço – o exterior das
cidades – e ambos marquem presença, a pixação é um movimento distinto do

5
No mesmo ano, em 2008, trabalhos em locais reconhecidos pela população como espaço dos
grafiteiros, foram pixados pelos mesmos pixadores, a saber: o Buraco da Paulista, o Beco do
Batman (Vila Madalena), o tapume do SESC no Centro da cidade e, em 2010, o painel gigante da
Radial Leste com a Av. 23 de Maio. As justificativas eram: 1. retaliação pela comercialização da
arte de rua; 2. o uso de letras de pixação por parte de alguns grafiteiros em suas obras e; 3. o
apagamento de pixações para fazer graffiti em cima. Posso aqui informar que os argumentos são
concordados por líderes pixadores, mas não a ação.

16
graffiti. Outro ponto a destacar é que não coloco nomes como stencil, wild style,
graffiti ou happenings, por exemplo, em itálico, por ter certeza que estas palavras
“importadas” já fazem parte do uso sistemático e casual, se não te todos, mas de
uma parte da população.

Por ser a pixação um fato que está (e influencia) a vida de todos


diariamente – e a maior parte do dia –, tento me afastar o máximo possível da
linguagem acadêmica, como sempre busco em meus textos. A ideia é fazer este
trabalho entendível para o maior número de pessoas, indo além do pequeno
universo intelectual e do círculo de quem entende semiótica, mas ainda assim
mantendo-se relevante e profunda. (Os livros de Gombrich sempre me foram
exemplar neste quesito).

Assim, o trabalho se apoia na Semiótica e na História da Arte,


notadamente a vanguardista, para responder às questões colocadas por essa
prática tão importante para moradores de periferia e, por que não, e por isso
mesmo, para a nossa sociedade.

A importância das vanguardas na pesquisa vem do fato de terem


influenciado a nova vida que começou nas cidades modernas (e foram
influenciadas por ela). É somente por causa delas que temos e vemos a arte
como vemos hoje: o pop6, o punk, a new wave, o rock (e suas derivações), as
performances, a cultura dos HQ‟s e comics, a MTV, a videoarte, a tatuagem, o
psicodelismo, o graffiti, o rap, o soul, o funk, o jazz, o breake, por que não, a
pixação, não existiriam sem as mudanças estéticas e culturais colocadas por elas.

As vanguardas questionam o estatuto tradicional da obra de um


modo integral e que esse traço implica modificações na circulação,
produção e recepção dos produtos artísticos. (AGUILAR, 2005: 24).

Isso quer dizer que as vanguardas podem – e puderam – se desfazer da


aparência estética da obra e também criar uma nova ideia do que seria obra de
arte – e assim fizeram.

6
Uso “pop” aqui no sentido mais abrangente: a aura que permeia todas as práticas da indústria
cultural e também o estilo “música pop”. O esclarecimento é necessário pois todas as práticas
citadas depois do “pop” também são consideradas “pop”, ou seja, dentro do universo pop.

17
O livro Teoria das Vanguardas de Peter Bürger, considerado fundamental
para o estudo das vanguardas, não será utilizado nesta pesquisa. Apesar de
conhecê-lo, o fato de Bürger se valer de um único critério, a superação da obra de
arte, para definir as vanguardas histórias, torna impossível minha argumentação e
vai de encontro a alguns outros aspectos que fizeram parte e penso serem
fundamentais para o espírito vanguardista. Ao ler o livro de Gonzalo Aguilar,
Poesia Concreta Brasileira, vi que o autor também aponta a mesma crítica. Bürger
não analisa o contexto histórico, para mim e para Aguilar de fundamental
importância para se falar em vanguardas, em poesia concreta e, no meu caso, em
pixação.

Para trabalhar com conceitos de arte moderna, que rompe paradigmas da


obra de arte que perduraram por muitos anos, e, principalmente com a poesia
concreta, que quebra fronteiras semióticas ao unir o que é lido com o que é visto,
é preciso muitas vezes – ou melhor, quase sempre – enfrentar preconceitos, a
questão do gosto e questionamentos sobre a validade e a qualidade das obras.

Um dos fatos que mais me surpreendeu durante o transcurso da


pesquisa foi a resistência e as rejeições que os poetas concretos
ainda continuam provocando no campo intelectual e literário
brasileiro. Diferentemente do que acontece com outros autores
(tanto anteriores como posteriores), a valoração da obra dos
escritores paulistas costuma ser acompanhada de opiniões
frequentemente impregnadas de certa violência e distribuídas
dicotomicamente: ou se está a favor ou contra. (AGUILAR, 2005:
15)

O autor do livro Vanguarda europeia e modernismo brasileiro.


Apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas, Gilberto Teles,
relata na introdução de seu livro que sofreu preconceito e empecilhos para o
lançamento na ocasião. “Não faça lançamento do seu livro, pois estão de olho em
você. Eles acham que essas promoções sobre o modernismo não passam de
pretexto para atos comunistas” (TELES, 1997), ouviu do reitor da universidade em
que trabalhava.

18
A pixação também evoca o medo, pois pixadores invadem espaços
públicos e privados da cidade para colocar suas inscrições. Como percebido no
medo aos “comunistas”, o temor de alguém tirar a posse do que se tem é enorme.
Entre imaginação fértil e a realidade, para influenciar na aceitação ainda há
questões mercadológicas, culturais e as rixas.

Quero simplesmente assinalar como as atitudes faccionais


dificultam a aproximação ao fenômeno de um modo mais
compreensivo, e não por menos crítico. (AGUILAR, 2005: 16)

Prova do ódio, ou medo, causado pela simples existência dos concretos é


a crítica de Roberto Schwarz ao poema publicado no suplemento literário
Folhetim, da Folha de S. Paulo, em 27 de janeiro de 1985, o “Pós-Tudo” de
Augusto de Campos. Intitulada “Marco Histórico”, e publicada em 31 de março do
mesmo ano também no Folhetim, trazia palavras ofensivas, numa argumentação
sem o distanciamento pessoal que a profissão necessita, totalmente lançada ao
gosto particular de Schwarz.

Também há de se lembrar que o ensino da literatura e do conceito de arte


nas escolas é uma repetição de conceitos formulados há séculos. O discurso
literário é mostrado sempre da mesma forma, o que pode causar a rejeição dos
novos modos de se expressar com palavras escritas, e a noção de arte ainda
passa pelos gostos clássicos dos professores e da família.

Na escrita coloquial, cada vez mais o que se vê são frases curtas e


palavras abreviadas (ex.: “Vms sair hj i bbr td na bld?”, na linguagem formal
“Vamos sair hoje e beber tudo na balada?”) e o uso das letras como fonemas (ex.:
td, vc, tb, msm). Assim, percebe-se que os pixadores faziam a linguagem da
internet pelo menos 15 anos antes de ela surgir devido à necessidade de rapidez
na digitação. Mas talvez sem a existência dos modernistas, a palavra como obra
de arte e como material para experimentação e transgressões, não tivesse
existido. Eles deram abertura para este tipo de criatividade que, por sua vez, foi
influenciada por predecessores que também quebraram paradigmas nas

19
experiências literárias, como Poe, Whitman, Baudelaire, Lautréamont, Rimbaud e
Mallarmé. Estes

assinalaram na poesia ocidental os pontos de ruptura estética e


temática que, somados ou desenvolvidos, motivaram o
aparecimento de vários grupos de vanguarda na poesia europeia
deste século. (TELES, 1997: 27)

Finalizando, analisar a pixação entendida como discurso poético e artístico


ajuda a apreender o ponto de vista e a prática dos grupos historicamente
marginalizados, abrindo espaço para novas e revigorantes leituras da realidade
atual do Brasil e da metrópole paulista. Ao entenderem a riqueza desta cultura
popular será possível, para os cidadãos, mudar a relação com a cidade e com a
própria pixação, além de se pensar em uma verdadeira estética brasileira.

20
2. A PIXAÇÂO E A ARTE URBANA

Desde os primórdios da cultura humana o espaço foi apropriado para


mensagens. E, mais do que ser apenas mídia para nossas mensagens, o entorno
influencia nosso modo de agir, seja qual for o ambiente em que vivamos.
Baseados nos paradigmas da apropriação do espaço pelo ser humano e na
influência do espaço sobre nós, podemos afirmar que a vida nas cidades deu
origem a um novo fazer. Nossa adaptação ao habitat urbano de hoje, somado aos
movimentos culturais, sociais, econômicos e artísticos deste século fizeram com
que a cidade se tornasse mídia de uma arte influenciada pela vida no espaço
urbano, a Arte Urbana.

O termo “pixação” deriva da palavra “piche” (GITAHY, 1999: 20). Na Idade


Média, a fachada dos praticantes de bruxaria, ou considerados assim, recebia
inscrições feitas com esse material para marcá-las como hereges e depois, como
sabemos, serem perseguidas e queimadas na fogueira. Mas não podemos deixar
de citar a sempre comentada prática do homem primitivo, que fazia inscrições
rupestres para deixar sua marca, sua magia ou sua história em seu habitat.

Se não podemos chamar de novo o suporte, que é visto desde as


civilizações gregas e romanas – Pompeia é prova e exemplo hours concours7, nas
culturas pré-colombianas, indígenas e americanas primitivas 8, na Índia, na China
e nos países árabes, regiões conhecidas pelos detalhes arquitetônicos com
escritos religiosos – e, num passado mais próximo, na própria Europa do século
XIX, com nomes e frases de rebeldia escritas nas paredes das cidades modernas,

7
“Descoberta importante dos arqueólogos foram os grafitos que se espalhavam por toda a cidade
de dar água na boca aos melhores grafiteiros (ou, vulgarmente falando, pinchadores (sic)) das
metrópoles do século XX. Havia inscrições para todos os gostos: desde os que anunciavam a
troca de um amante por outro até citações, nem sempre exatas porque escritas de memória, de
poetas como Virgílio. Além disso, nos muros das casas, edifícios públicos e até nas sepulturas
gravavam-se anúncios de combates de gladiadores e muita propaganda eleitoral. Todos os anos a
população elegia os duúnviros, as duas autoridades mais importantes da cidade, equivalentes aos
cônsules romanos, e dois edis, espécie de vereadores que cuidavam da inspeção e conservação
dos edifícios públicos.” (Fonte: <raivaescondida.wordpress.com>)
8
A Serra da Capivara, localizada no Piauí, Brasil, contém a maior quantidade de pinturas
primitivas sobre rocha do mundo, sendo Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO. As
inscrições tem cerca de 100.000 anos.

21
podemos dizer que a linguagem é nova – é reflexo das sociedades
contemporâneas urbanas (e cada vez mais urbanas) 9.

(...) A pichação não é exclusividade das sociedades atuais. As


paredes das cidades antigas eram tão pichadas quanto as de
hoje. A julgar pelas paredes de Pompeia, (...) predominavam
xingamentos, cartazes eleitorais, anúncios, poesias, praticamente
tudo se escrevia nas paredes. (GITAHY, 1999: 20).

Na Paris dos modernistas, os postes de luz eram utilizados como mídia


para as mensagens e poemas dos artistas. Desde essa época já era bacana – ou
“moderno” – colecionar papéis com assinaturas e poemas ou frases. Naquela
época, cartazes de Toulouse-Lautrec tomaram conta das ruas, disseminando os
cartazes artísticos no ambiente externo urbano. A Paris modernista e os cartazes
seriam influência, mais tarde, da cultura de colagens e stencils 10 vistos na street
art, mais especificamente na francesa, na qual se vê muito estas técnicas.

A partir da metade do século XX as cidades tornaram-se suporte para a


mensagem de grupos que apareceram na esteira dos movimentos de vanguarda,
da pop art, da contra-cultura e do movimento negro. Na França dos anos 1960,
pichações se alastraram como palavras de ordem dos movimentos dos
estudantes e dos trabalhadores, época conhecida como Maio de 68. Nos Estados
Unidos, o tag (assinatura nas paredes), virou febre nos anos 1970 nos guetos de
Nova York. Cornbread, da Filadélfia; Top Cat 126 11, que morava na Filadélfia,
mudou-se para Nova York e levou o estilo; e Taki 18312, em Nova York, são
considerados os primeiros do tag, mas é impossível dizer com certeza quem
começou primeiro. Relatos com nomes disseminados pelas cidades norte-
americanas remontam a 1820, mais de 100 anos antes do início da cultura do tag.
Mais tarde, sendo acrescentado de cores e novos formatos de letra, o estilo veio a
originar o graffiti novaiorquino.

9
Para saber mais, consulte FILHO, 2009.
10
Técnica que usa cartolina ou outro material duro com um desenho vazado, pelo qual passa a
tinta que formará o desenho na parede.
11
Referência ao número da casa onde morava.
12
Referência ao número da casa onde morava.

22
O certo é que a disseminação do que Cornbread, Taki 183 e Top Cat
faziam foi tanta (rendendo inclusive matéria no New York Times em 1971 com
Taki 183, entre outros veículos) que em 1973 o movimento explodiu nos guetos e
metrôs novaiorquinos, tornando-se uma “subcultura” vista como uma reação à
despersonalização da sociedade massificada e da afirmação dos negros e
hispânicos na sociedade13. Assim, a cidade passou de um aglomerado de
construções e pessoas para uma mídia de extensão mundial de uma arte que é
metáfora do ritmo e do cotidiano nas cidades modernas, a Arte Urbana.

No Brasil do século XX, a atitude moderna de pintar pelas ruas teve


proeminência nos anos 1960, com as manifestações políticas. Depois das
palavras de ordem, mais tarde vieram frases de efeito como “Celacanto provoca
maremoto” e “Lerfá Um” no Rio de Janeiro, em 1977; e “Rendam-se terráqueos”,
“Sou pipou”, “Rainha do Frango Assado” e “Cão Fila”, em São Paulo.

No início da década de 1980, as frases nonsense passaram a dividir


espaço com os grupos de jovens punk, que escreviam os nomes de suas gangs
na rua, e com as pichações poéticas dos artistas plásticos. Entre os grupos de
jovens, os formatos das letras consideradas hoje “pixação” (não tinham este nome
à época, sendo que graffiti e pichação não eram diferenciados, tratando-se tudo
de “pichação”) evoluiu até chegar ao estágio da codificação. Vemos que as
relações que se dão no contexto da cidade geraram acontecimentos que fizeram
nascer a pixação de que trata este estudo, um fenômeno peculiar da São Paulo
moderna, de cultura ocidental e capitalista.

Assim, daquilo que estamos aqui considerando como Arte Urbana não
fazem parte as pichações - com “ch” - como palavras de ordem, frases políticas
ou declarações amorosas, nem manifestações artísticas como esculturas, shows,
encenações, intervenções etc. Estas já existiam antes da cidade contemporânea
pixada e apenas usam a rua como palco, não se caracterizando como Arte
Urbana (ou Urban Art).

No geral, pode-se dizer que a Arte Urbana é formada por expressões feitas
na rua ou não, com formatações do mercado formal das artes ou não. Em minhas

13
Apareceram inclusive “clones”, que escreviam estes mesmos nomes mas com outra numeração,
provavelmente referente às suas residências.

23
pesquisas14, identifiquei 3 núcleos (ou braços, ou divisões) principais da Arte
Urbana15: a street art, o graffiti e a pixação, esta última existente somente no
Brasil, com mais intensidade nas capitais como São Paulo, Curitiba e Brasília,
cidades onde a forma que a caracteriza é dominante.

Na área da street art estão modalidades como o stencil, o sticker, os


lambe-lambes, as intervenções de rua, as pichações poéticas, o light graffiti, o
reverse graffiti, painés/murais, ajulejos etc. Aqui enquadram-se expressões
abertas para o público, ou seja, que podem ser entendidas por qualquer um pois
seus códigos não são fechados. Além disso, todas essas modalidades podem
estar fora do suporte “rua”, o que não as impede de seguir sendo, mesmo assim,
street art.

No graffiti, temos estilos como o tag, o wild stile, personagens e o trow up


(também chamado de bomb). O graffiti possui códigos específicos fechados para
o grupo, e há discussões entre os artistas se fora do suporte rua e se autorizado
ele continua sendo graffiti, visto que para muitos a característica essencial dele é
ser ilegal e estar na rua.

Por fim, no que considero Arte Urbana há ainda a mais obscura, radical e
mal-entendida forma de manifestação da Arte Urbana (e por que não dizer da arte
em geral?), a pixação,. Para ilustrar bem, pode-se dizer que a pixação é uma
“pichação” com formas angulosas e nomes característicos de grupos da periferia
paulista. E é neste contexto que temos que tomar a pixação.

14
GONÇALVES, Carolina Albuquerque. A Cidade Fala: A Arte Urbana na Cidade de São Paulo.
Pós-Graduação Cásper Líbero – SP. 2007.
15
Tanto para a explicação de Street Art como para a de Graffiti não estou levando em conta as
diferenças terminológicas para outros países, que são muitas.

24
ARTE URBANA

Street Art Graffiti Pixação


- stencil
- sticker - tag - pixo
- personagens (da turma ou união)
- lambe-lambe - grife
- light graffiti - piece
(da turma ou união)
- pinturas - bomb - grapixo
- graffiti fine art - trow up (da turma ou união)
- reverse graffiti - wild style - folhinha (coleções)
- pichações poéticas - agenda (muro ou
etc. caderno)

na rua
na rua ou não ilegal na rua ou em folhinha
legal e ilegal ilegal

A pixação surgiu no início dos anos 1980 com o movimento punk, na


periferia de São Paulo, através da disputa pelo espaço entre as gangues. A forma
das letras veio da influência das capas dos discos de hevy metal e punk, pois os
nomes das bandas eram escritos em letras góticas. Esse formato de letra era
copiado pelos apreciadores do movimento punk, que no início do movimento
formavam grupos ou gangues que marcavam seus nomes nos bairros
principalmente do ABC, local onde punk começou. Isso é o que podemos afirmar
através de relatos e pesquisas feitos para e pela autora, pois não há maiores
registros sobre esse surgimento. vide anexo 1

Como centro urbano conectado a outras metrópoles que já era, São Paulo
viveu com intensidade os movimentos punk e hip hop, que chegaram aqui no
início dos anos 1980. Influenciados pelos graffitis americanos e artistas como
Basquiat e Keith Hearing e a chegada de Alex Vallauri com seus carimbos, os
então estudantes de artes plásticas Maurício Villaça, Rui Amaral, o grupo
Tupinãodá, 3nós3, entre outros, saíram às ruas pintando/desenhando as paredes
e fazendo intervenções na cidade. Na mesma época, Juneca e Pessoinha
passaram a escrever seus nomes pelas ruas da cidade.

25
Com o passar do tempo, em quase 30 anos a pixação adquiriu formas e
regras únicas, vindas tão somente dos praticantes dela: o povo que aqui habita.
Podemos afirmar que atualmente a pixação é a escrita de palavras e símbolos
que nomeiam grupos e/ou indivíduos, palavras estas que muitas vezes contrariam
as normas formais da ortografia, para se intitular e sair por aí competindo ao
deixar sua marca. Como diz Richard Neville, a contracultura é “em si um
acontecimento não planejado, casual e imprevisível, com profundas implicações
políticas” (NEVILLE apud HOME, 2004:7).

Dentre o que é feito com nomes e/ou palavras na Arte Urbana, temos o
trow-up, os tags, o 3-D e o wild style e a street art (enquadramos aqui a pichação
poética). Portanto a pixação é um estilo dentro das inscrições de nomes da Arte
Urbana e não se confunde com os outros. Muitos saem por aí escrevendo coisas
– picham, mas não são pichadores da “tribo” da pixação – ou são grafiteiros de
letra ou “taggeadores” (fazem tag).

A pixação das letras indecifráveis, rebuscadas e monocromáticas é


genuinamente brasileira. Ela nasceu aqui e não existe no exterior. Podemos
afirmar que a conjuntura deste país, com polícia mal treinada e poucos homens,
com renda nas mãos de poucos, com a “cultura do malandro” e com um povo
criativo que inventa novas formas de vida para viver e sobreviver originou uma
cultura assim. Ou seja: a pixação é não só genuína, como endêmica e o espelho
do Brasil, reflexo de um país que permitiu a explosão dos “rabiscos” pelas
cidades; de um país que cria manifestações irreverentes, diferentes, criativas,
provocadoras, abusadas e divertidas.

Não se trata aqui de investigar as raízes da pixação nem dos movimentos


que vieram antes dela, mas temos que ressaltar a importância das Bienais de Arte
e de Arquitetura, que traziam artistas modernistas consagrados, além da
inauguração dos museus MASP e MAM – nos anos 1940 e 1950 –, como
importantes atores no processo de formação do imaginário artístico de São Paulo.
Soma-se aí o caráter “antropofágico” modernista, que une o popular e o folclórico
ao moderno e urbano.

Juntamente com os modernistas da Semana de 1922, quem representa


bem este aspecto caótico, modernista e antropofágico brasileiro é a Tropicália,

26
que absorveu e incluiu “componentes da modernização institucional e urbana, e a
presença constante da música popular nos meios de comunicação de massa e
nas festas populares, como o carnaval” (AGUILAR, 2005: 128). Os concretistas,
aliás, eram admirados pelos depois chamados tropicalistas, os quais os apoiavam
e se uniram posteriormente.

Foram os tropicalistas que estabeleceram, no Brasil, “o corpo como lugar”,


deslocando a obra de arte. Fazendo uso do corpo como suporte para a arte,
utilizaram roupas, adereços e maquiagens hippies, assim como objetos kitsch e
restos, agregados à expressividade das performances. Pontuamos aqui a obra
“Parangolé”, de Hélio Oiticica, obra-roupa (ou roupa-obra), que traz a baixa
cultura (farrapos coloridos = cultura popular, carnaval, maracatu, boi-bumbá) para
a alta cultura (arte pós-moderna, conceitual, institucionalizada). Flávio de
Carvalho, conhecido pelo que se convencionou a chamar de happening, fez um
estudo com roupas em farrapos, como de mendigos, o que livraria as pessoas e
todo autoritarismo da disciplina e da moda, e desfilou pela São Paulo dos anos
1950 com uma saia. Devido ao caráter provocador, aqui também devemos citar a
obra “Experiência no. 2” de Carvalho, na qual andou no sentido contrário e com
um chapéu no meio de uma procissão religiosa, sendo quase linchado. Isso em
1931.

Se levarmos em conta o que conhecemos modernamente por


“antropofagia”, pixadores saem na frente da maioria dos artistas brasileiros:
beberam do punk e do hip hop, assim como dos movimentos contraculturais e do
movimento negro, engoliram a vida urbana marginal da metrópole brasileira,
somaram aí as práticas populares (jogos-dança ou lutas-arte, como capoeira e
maracatu) e uma pitada de caos e depois deglutiram tudo, dando no que deu, um
fazer híbrido como a pixação.

Não se sabe quando “pichação” passou a ser “pixação”. Também não se


sabe se foi propositalmente ou erroneamente. O certo é que os pixadores fazem
questão de escrever “pixação” e seus derivados com “x”. Mesmo os que sabem a
grafia formal, insistem em escrever com “x”. É como se a letra “x” tivesse algum
poder. É perceptível que quando escrevem “pixação” a palavra sai poderosa, bem
mais talvez do que se escrevessem “pichação”, e muito desse poder
provavelmente podemos atribuir aos simbolismos do “x”.

27
Simbolicamente, no “x” está contida a cruz, sinônimo de mártir, sofrimento
e veneração, e o status dos elementos transpostos na diagonal. Ou, ainda, o “x”
de “versus”, como se lutassem contra o sistema. O “x” também representa o
masculino, enquanto o “y”, o feminino (genética). A pixação é eminentemente feita
por homens, geralmente machista e sempre máscula pois usa a habilidade e a
força corporal. Podem ainda insistir em usar o “x” pelo simples fato de contrariar
regras.

Na pixação, as palavras são mais do que um nome de uma coisa. Por


exemplo, para os músicos, o principal elemento de trabalho é a música, e não
nome da banda. Para os pixadores, o elemento de trabalho é a palavra que
escolheram para refletir sua vida ou visão de mundo, seu significado, sua forma,
seu lugar e a quantidade. Os pixadores trabalham as letras dos pixos como
hábeis lapidadores. As letras também são feitas nas “folhinhas”, que são como
autógrafos que eles trocam entre si para colecionar. Das folhinhas as palavras
vão para as ruas - embelezar ou enfear e, certamente, poetizar, seja pela forma
da letra ou pelo local, seja pela atitude do autor ou pelo conteúdo.

vide anexo 2 e anexo 3

Uma pixação pode ser escrita por uma, duas ou mais pessoas, e é
carinhosamente chamada de “pixo”. Quando possui mais de um integrante, o pixo
é uma “turma”. Para fazer parte de uma pixação (ou turma) é preciso pedir para o
cabeça. O cabeça geralmente é quem inventou a pixação/turma. Ele dá o aval
para o sujeito poder entrar na turma e escrever aquele “pixo”. É comum as turmas
saírem junto para pixar, por isso lê-se muitas vezes nomes lado a lado,
geralmente com uma flecha apontando para o próximo pixo. Além das turmas,
existem as “grifes”. Elas são um nome ou uma ideia (Ex.: União São Paulo Paz)
que pode reunir várias turmas e ser o símbolo delas, ou ser o “brasão” de uma
pixação . “Eu queria inventar uma grife que tinha como símbolo o nome a minha
ideologia na pixação”, disse Naldo16, do pixo OSBV (osbichovivo), que faz a grife
HFAD (humildade faz a diferença). A grife pertence ao Naldo, porém pixadores de
outras turmas, que não são do pixo osbichovivo de Naldo, também fazem a grife
HFAD, sempre após a permissão. vide anexo 4 e anexo 5

16
Informação dada informalmente para a pesquisadora.

28
A grife é geralmente uma logomarca ou brasão, mas pode ser também ser
escrita por extenso, sem símbolo, como um pixo/turma. E algumas vezes o nome
de uma pixação é tão estilizado que se parece com uma grife. anexo 6

Exemplificando, para entrar em uma grife, o “cabeça” da turma deve pedir


para o cabeça da grife. Também acontece de o cabeça admirar uma pixação ou
um pixador e convidá-lo para fazer parte da sua grife. Assim, a pixação “X” virá
acompanhada da grife “Z”, sendo que pode-se ver a grife “Z” junto também com
outras pixações. Há também o “grapixo”, um estilo feito com rolinho e que
acrescenta cores. É quando o pixo se aproxima do graffiti e da arte
institucionalizada.

Neste tempo de pesquisa, posso dizer que pixadores praticamente não


participam da sociedade civil, como também que formam sua própria sociedade.
Fazem seus encontros churrasco, jogos de futebol ou festas, e ajudam uns aos
outros, como se firmassem uma maçonaria – eles mesmos confirmaram quando
coloquei esta comparação.

Mais que criar suas regras e leis, eles possuem conceitos que a tal
sociedade civil tem horror – como a reverência à estética grotesca/suja, o
questionamento do público/privado e a exaltação da subversão. Mas ainda assim
eles possuem traços comuns a todas sociedades, como hierarquias feitas pelo
tempo de atuação ou pelo trabalho árduo (quantidade de pixos ou dificuldade), o
respeito e a reverência ao feito de outro pixador e a busca por reconhecimento.

A caligrafia da pixação é tão rica que é possível distinguir, pelo formato, se


uma inscrição é de São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte. Muitas vezes é
possível até saber qual pessoa fez aquela letra, mesmo as letras sendo
aparentemente iguais para os não iniciados. Essa cultura é tão especial que
muitos vêem de fora estudar as inúmeras tipologias.

Como qualquer manifestação cultural, a pixação passou por algumas fases,


evoluindo – ou, melhor dizendo, mudando. Foram criadas modalidades e valores:
chão, topo, quantidade, letra estão entre eles.

Claro, não são os mesmos parâmetros de valoração da arte convencional.


Para os pixadores, fatores como periculosidade, caráter inusitado, quantidade,
tempo na arte de rua (o artista “representa”, dizem), ideologia, criatividade,

29
temática e outras intricadas significações muitas vezes se sobrepõem à
qualificação pela habilidade técnica – traço reto perfeito, letras do mesmo
tamanho, espaçamento idêntico e curvas milimetricamente traçadas.

Com seu estilo endêmico, estes escribas não usam penas nem
canetas, seus livros são a própria cidade. (...) Os pixadores
arriscam a própria vida para deixar sua escrita na história, como
fizeram nossos ancestrais nas paredes das cavernas. (PIGMEUS,
sem mais informações)

vide anexo 7

Com a evolução dos seus “jogos” (BYSTRINA, 2005), que ficam cada vez
mais intrincados, pixadores tem preferências por locais como:

- lugares de grande movimento (principalmente onde passa linha de


ônibus);

- paredes de tijolo ou de pedra (pois dificilmente serão pintadas);

- as agendas, pois é sacralizada17;

- lugares de difícil acesso (para adquirir status no movimento);

- lugares altos (para adquirir status no movimento);

- lugares abandonados (pois ficará por muito tempo).

vide anexo 8

A agendas são muros históricos, pois possuem muitas pixações antigas, de


vários escritores que já morreram ou pararam de pixar, ou mesmo uma pixação
em certa fase histórica ou com caligrafias diferentes.

A pixação não tem um compromisso estético com o receptor-cidadão que


passa, pois o pixador fala para seu grupo. Ele não está interessado em
17
A noção de “sacralização” está intimamente ligada à de “paratexto”. Sacralizar significa “tornar
sagrado”, e é isto que diferencia a obra de arte das coisas “normais”. Por exemplo: uma bola de
futebol no meio de uma sala é apenas uma bola de futebol. A partir do momento que a
sacralizamos, seja com paratextos como uma fita ao redor para que as pessoas não se
aproximem e uma plaquinha com o nome da obra, seja com a fala de um crítico de arte falando
“sobre a natureza circular da vida que o artista quis nos passar com a bola”, estamos tornando-a
outra coisa que não mais apenas “bola”. Portanto só quando damos uma conotação de sagrado,
seja lá com que técnica for, é que ela já não é mais uma mera bola de futebol, mas uma bola que
é uma obra de arte. Paratexto será explicado na p. 111.

30
embelezar, mas em se expressar, em deixar sua marca, em ultrapassar limites,
em interagir com a cidade, em ser visto pelo seu grupo, em ter notoriedade entre
seus iguais e até “destruir” ou chocar. Numa verdadeira ação tática, ele enfrenta
policiais, cães, seguranças, alturas, tiros, choques, escorregões, proprietários e a
sociedade, se constituindo uma prática perigosa, na qual muitos perdem a vida, e
odiada.

Apesar de as mensagens da pixação serem voltadas para ela mesma –


para os pixadores como receptores –, ainda assim ela se comunica com quem
não é do grupo, pela sombra e pela não-comunicação. Sombra é o conteúdo
implícito de uma mensagem, é a mensagem que está por trás da mensagem, algo
que é comunicado implicitamente. A pixação tem em sua sombra o pedido de
visibilidade, o choque à sociedade, a democracia na expressão, no lazer e no uso
do espaço.

A não-comunicação é a vontade de “não comunicar”, por isso ainda assim


uma não-comunicação comunica: por exemplo, comunica que não está
comunicando nada. “Como qualquer comunicação, a não comunicação implica
um compromisso e, por conseguinte, define a concepção do emissor de suas
relações com o receptor” (BEAVIN; JACKSON; WATZLAWICK, 1993: 47).

Watzlawick et al. (1967) foram mais longe ao afirmar que a


metacomunicacão está onipresente em quaisquer instância da
interação social. Com seu axioma metacomunicativo, Watzlawick
et al. postularam a tese da impossibilidade de não se comunicar
(1967: 48-51). Depois de enfatizar que a comunicação pode
ocorrer tanto verbalmente como em muitas modalidades não-
verbais, os criadores deste axioma argumentaram: „O
comportamento não tem oposição. Não há algo como o não
comportamento. Ninguém pode não se comportar‟ (ibid.: 48).
Assim, também, „ninguém pode não se comunicar‟ (ibid.: 49).
Mesmo o silêncio e o „não comportamento‟ têm o caráter de uma
mensagem‟. (SANTAELLA, 2002: 20 e 21)

31
Como o código está fechado em seu grupo, de certa forma eles não
pretendem comunicar algo para o passante mas, como vimos, comunicam. E
qualquer que seja o tipo da comunicação, ela transmite não só uma informação,
mas também define a relação emissor-receptor. Essa comunicação não-
comunicação, podemos assim dizer, reflete exatamente como é a relação do
pixador com a sociedade (receptor): uma relação de imposição de valores,
costumes, leis e hierarquias sociais. Uma relação na qual eles não tem espaço
para se comunicar, na qual não são ouvidos e nem mesmo aparecem, a não ser
pelas suas pixações.

A não-comunicação dos pixadores é ácida, causa revolta na sociedade,


causa indignação no atacado e violência ao pixador, que por sua vez violentou o
proprietário e a sociedade. Ou seja, a pixação passa, sem querer, inúmeras
mensagens para quem não faz parte do grupo. Uma comunicação não-
comunicação que não só reflete, mas comunica a nossa realidade social urbana.

Considerando-se que todo fenômeno de cultura só funciona


culturalmente porque é também um fenômeno de comunicação, e
considerando-se que esses fenômenos só comunicam porque se
estruturam como linguagem, pode-se concluir que todo e qualquer
fato cultural, toda e qualquer atividade ou prática social constituem-
se como práticas significantes, isto é, práticas de produção de
linguagem e de sentido. (SANTAELLA, 1983: 12)

vide anexo 9

32
3. SOBRE AS VANGUARDAS E SOBRE O CONCRETISMO
COMO VANGUARDA TARDIA

No início da história do homem, a noção de arte que temos atualmente não


existia, pois o que chamamos hoje de “arte primitiva” tinha o propósito mágico ou
religioso. A arte era algo natural, ligada às funções que um indivíduo poderia ter
na sociedade, como, por exemplo, adornar um templo. Hoje em dia vemos as
máscaras africanas, os guerreiros chineses e as esculturas incas sendo
considerados obras de arte pelos entendidos, e estando nos mais importantes
museus do mundo. Essa concepção esteve presente no mundo antigo e na Idade
Média.

Segundo Santaella (2005), por volta do século XVIII, o sistema das artes foi
esquematizado em cinco belas artes: pintura, escultura, poesia, arquitetura e
música. “O adjetivo „belas‟ (em inglês „fine‟) implicava, além da beleza, a
habilidade, a superioridade, a elegância, a perfeição e a ausência de finalidades
práticas ou utilitárias, em contraste com o artesanato mecânico e aplicado”
(SANTAELLA, 2005: 5). Ou seja, com o passar dos séculos, com a separação
entre artesãos e artistas, artesanato e obra de arte – reflexo das mudanças
econômicas e culturais e das evoluções das próprias técnicas –, o conceito de
“arte” como conhecemos tomou corpo.

Mais ou menos do Renascimento até meados do século XIX, a arquitetura,


a pintura e a escultura eram as principais artes visuais da Europa, pois eram
financiadas por mecenas e governos que faziam encomendas para aos artistas. A
arte existia somente para relatar os acontecimentos cristãos e para retratar a
realeza e a aristocracia. De meados de 1800 em diante, o mundo estava
mergulhado em fortes transformações sociais, políticas e econômicas, o que
acarretou na mudança dos valores e do modo de viver.

Toda a agitação da Revolução industrial, da proclamação da II República


na França – trazendo a liberdade de imprensa e de criação –, das ideias
positivistas e as invenções como a máquina fotográfica, a máquina de escrever e

33
o bonde elétrico trouxeram mudanças para os costumes em meados de 1800 e
puseram em xeque a pintura tal como era feita e considerada até então. Pintores
começaram a procurar novos caminhos para suas pinturas, fazendo
experimentações – saindo dos ateliês, pintando as „impressões‟ com pinceladas
rápidas e arriscando nas cores. Este foi o embrião para uma revolução.

Da metade do século XIX a 1900, surgiram o cinema, o motor de


combustão interna, o motor a diesel e a vapor; eletricidade, óleo e petróleo; e,
pouco depois, o automóvel, o ônibus motorizado, o trator e o aeroplano; o
telefone, a máquina de escrever e o gravador; e a produção química de materiais
sintéticos como plástico, corantes etc.

Pode-se dizer que o que conhecemos por “a crise da obra de arte” tem
raízes no “Salão dos Recusados”, de 1863, que expôs obras dos chamados
rejeitados – mais tarde “impressionistas” – Claude Monet , Édouard
Manet, August Renoir , Alfred Sisley, Edgar Degas e Camile Pissarro. A “crise”
deu-se devido às mudanças de paradigma e o questionamento da obra de arte
como era entendida.

Segundo historiadores, foram os recusados, os impressionistas, que


marcam a passagem da arte clássica para a moderna, pois foram os primeiros a
experimentar a abstração da realidade.

Mas é somente com as vanguardas que a obra como tal é


investigada e impugnada. Os recusados do século XIX, em última
instância, não excederam – nas artes plásticas – os limites
tradicionais da moldura e do pigmento o que, ao contrário, fazem
os recusados do século XX: Bracque, Picasso, Duchamp, Boccioni
(AGUILAR, 2005: 33),

pois foram os vanguardistas que questionaram a forma da obra de arte como ela
se apresentava até então no mundo ocidental.

É importante lembrar que os impressionistas não divergiram em


seus propósitos das tradições da arte que vinham se

34
desenvolvendo desde a descoberta da natureza na Renascença.
(GOMBRICH, 1985: 427)

Três artistas são considerados precursores das mudanças formais e


temáticas, além das experimentações e troca de paradigmas que estavam por vir
com os modernistas: Cézanne, Van Gogh e Gauguin.

Cézanne “concordava com seus amigos entre os impressionistas que


esses métodos da arte acadêmica eram contrários à natureza” (GOMBRICH,
1985: 428). Ele gostava de cores fortes, o contrário dos tons pastéis dos
impressionistas. Colocou então nas pinturas a luz que os impressionistas
adoravam, mas também levou solidez por meio de pinceladas mais fortes e mais
organizadas. Vê-se em suas telas uma ordem, pois as pinceladas coincidem com
as principais linhas do desenho, reforçando a sensação de harmonia
(GOMBRICH, 1985: 430) e linearidade. Ele não se importava com as formas
corretas nem as proporções. Com isso, Cézanne descartou a noção de
perspectiva, que o atrapalhava em seu objetivo de ordem.

Cézanne não tinha o propósito deliberado de distorcer a natureza,


mas não lhe importava muito se ela fosse distorcida em alguns
detalhes de somenos importância, desde que isso o ajudasse a
obter o efeito desejado. (GOMBRICH, 1985: 433)

Em busca de saídas para o que o incomodava, de início Gauguin estudou


arte popular europeia, mas não se interessou muito.

Gauguin estava cada vez mais convencido de que a arte poderia


se tornar leviana e superficial, (...), de que todo engenho e
conhecimento acumulados na Europa tinham privado os homens
do maior dom: a força e intensidade de sentimento, e um modo
direto de expressá-lo. (GOMBRICH, 1985: 439)

35
Gauguin resolveu abandonar a Europa e viver entre os nativos do Pacífico.
Quando voltou para a Europa, seus trabalhos estavam selvagens e primitivos, e
assustou seus amigos. Gauguin foi o primeiro a colocar na arte europeia
“selvageria”, primitivismo, aspectos que depois cansamos de ver nas obras que
vieram com os modernistas. Ele foi chamado de bárbaro, mas era isso que queria
– olhar o mundo de uma forma crua, sem as maquiagens colocadas pela vida e
as técnicas da arte ocidental. Suas obras tinham “manchas de cor forte”
(GOMBRICH, 1985: 439) e contorno simplificado das formas, tornando os
quadros planos.

Van Gogh, outro artista considerado pré-modernista, almejava uma arte


simples, “que não atraísse apenas os entendidos ricos, mas propiciasse alegria e
consolo a todos os seres humanos” (GOMBRICH, 1985: 436). Van Gogh vivia
isolado no sul da França, custeado por seu irmão. A isolação e a não necessidade
de ser vendável para se sustentar também – mas não só –, fizeram com que ele
pudesse pintar o que e como quisesse, criando seu próprio estilo. Solitário mas
com imensa ânsia por pintar, Van Gogh “usou cada pincelada não só para
dispersar a cor, mas também para comunicar sua própria excitação”
(GOMBRICH, 1985: 436). Ele “queria que sua pintura expressasse o que ele
sentia, e, se a distorção o ajudasse a realizar esse objetivo, utilizaria a distorção”
(GOMBRICH, 1985: 438).

Já no final do século XIX e início do XX, a civilização ocidental estava


envolta na aura de renovação inspirada pelo progresso – mudanças da
industrialização, das descobertas e das invenções –, mas também envolta nas
incertezas que o novo século trazia. Era uma mistura de medo com ânimo pelo
que estava por vir. A noção de fin de siècle não era só cronológica, mas vinha
principalmente das transformações, que eram inúmeras, rápidas e traziam um
novo mundo. Além das invenções, aspectos nunca ocorridos antes, como farta
produção industrial, revolução tecnológica, lucro privado, aumento da população
urbana, mudança do perfil das cidades, publicidade e massificação apareceram
rapidamente, mudando tudo, e acentuavam-se cada vez mais.

Com a Revolução Industrial, surgiram duas novas camadas sociais, o


operariado e a burguesia, esta última envolta em uma nova percepção do mundo

36
que não o dos reis, rainhas e súditos; e respirando uma nova cultura, estando
com dinheiro para gastar e ávida por novidades.

As mudanças trazidas pela Revolução Industrial, pelo


desenvolvimento do sistema econômico capitalista e pela
emergência de uma cultura urbana e de uma sociedade de consumo
alteraram irremediavelmente o contexto social no qual as belas artes
operavam. Desde então e cada vez mais, nossa cultura foi perdendo
a proeminência das “belas letras e “belas artes” para ser dominada
pelos meios de comunicação. (SANTAELLA, 2005: 5 e 6)

Segundo Stangos (2006: 8), “os conceitos de tempo e de desenvolvimento


no tempo foram reduzidos de segmentos longos, lineares, tranquilos e contínuos
para arrancos e fragmentos curtos, rápidos, múltiplos e simultâneos – ou assim
parecia”. As classificações artísticas, que duravam séculos, eram chamadas
estilos e nomeadas apenas tempos depois de as tendências aparecerem, agora
tinham se tornado movimentos que eram pensados e intitulados antes mesmo de
começarem a ter alguma obra de arte. Não foi só a percepção do tempo que
acelerou, mas o ritmo da vida e dos acontecimentos: esses movimentos duravam
anos, meses ou apenas um manifesto.

Pareciam suceder-se uns aos outros com aceleração sempre


crescente, até alcançarem o ponto em que se tornavam tão
fugazes, tão efêmeros, que ficavam praticamente imperceptíveis,
exceto para o especialista. Os conceitos e a preocupação com
teorias e ideias que, com frequência, precediam, condicionavam e
predefiniam a natureza do próprio objeto de arte (se não no sentido
temporal, pelo menos no conceitual), começavam a emergir
gradualmente com os principais componentes da vida artística.
(STANGOS, 2006: 8)

Mas, segundo Gombrich, “o sentimento de inconformismo e


descontentamento com as realizações da pintura do século XIX, que se apossou

37
dos jovens artistas perto do final do período, é menos fácil de explicar” (1985:
427). Sabiam que faltava algo na pintura dos impressionistas, como cores mais
fortes e o afastamento da natureza. Inspirados por este descontentamento, eles
foram buscar em Cézanne, Van Gogh e Gauguin o que precisavam.

A solução de Cézanne levou, em última instância, ao cubismo, que


se originou na França; a de Van Gogh ao expressionismo, que
encontrou sua principal resposta na Alemanha; e a de Gauguin
culminou nas várias formas do primitivismo. (GOMBRICH, 1985:
441)

A sociedade europeia do início do século XX, assim como a americana, já


era “urbanizada, industrializada, mecanizada, com toda sua vida moldada pela
rotina da fábrica ou do escritório” (BULLOCK in BRADBURY; MCFARLANE, 1989:
47). Foi nessa época que o culto à tradição e ao passado foi contestado por todos
os lados.

A cultura clássica perdeu sua autoridade exclusiva (...). O poeta


tem à disposição todos os mitos do mundo, o que significa,
também, que não tem nenhum que possa se impor como
propriedade inquestionável dele, pelo simples direito hereditário.
No mundo moderno, a única força intelectual unificadora e
inevitável é a das ciências naturais, cabe a ele fabricar seu mito ou
escolher um, por opção existencialista arbitrária, dentre o vasto
museu não-codificado, a imensa loja de quinquilharias do passado.
Do ponto de vista da poesia, os grandes sistemas mitológicos que
pertencem especificamente aos nossos tempos – chamemo-los
sumariamente de freudiano e marxista – são apenas mitos como
outros quaisquer. (HOUGH in BRADBURY; MCFARLANE, 1989:
257)

38
As tendências pré-vanguardistas eram o simbolismo (que influenciou o
decadentismo e o neoclassismo) e o naturalismo, “a que se ligam tendências
reveladas pelos manifestos socialistas e unanimistas, e que vai evoluir para a
vanguarda, com o manifesto de Marinetti” (TELES, 1997: 40). Cézanne, Gauguin
e Van Gogh eram artistas obscuros e mal compreendidos, e foi neles que os
artistas jovens que eram contra a arte clássica europeia – pois havia os que
concordavam e deram continuidade à tradição –, mais tarde chamados de
modernistas ou vanguardistas, foram buscar inspiração.

O modernismo foi

uma fusão explosiva (...) que desmontou as categorias ordenadas


do pensamento, destruiu sistemas linguísticos, dissolveu a
gramática formal e os elos tradicionais entre as palavras e as
palavras, as palavras e as coisas, inaugurando o poder da elipse e
da parataxe (...). Se fôssemos buscar o acontecimento exatamente
decisivo, decerto voltaríamos a 1890: por exemplo, ao total,
desesperado e prolongado interesse de Strindberg pela alquimia
(...). (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 37)

Como moderno consideramos a época de transformação para as cidades


modernas, tais quais conhecemos, até os dias de hoje. A vida moderna criava um
“novo estado de ânimo”, como disse o futurista Boccioni. Já o modernismo é
tendência que dá o “tom” moderno às artes e à cultura. Se o espírito moderno, ou
a modernidade, começou no século XIX com o iluminismo e a Revolução
Industrial, sobre o início do modernismo há divergências: alguns falam em 1890,
como Bradbury & Mcfarlane; outros, em 1910, com o expressionismo; outros, em
1900; outros em 1922; outros em 1919, depois da I Guerra Mundial; outros ainda
em 1924...

O modernismo, evidentemente, é mais do que um acontecimento


estético. (...) Mas traz em si uma reação altamente estética,
fundada numa profunda e incessante viagem pelos meios e pela
integridade da arte. Nesse sentido, o modernismo não é tanto um

39
estilo, mas uma busca (grifo meu) de estilo num sentido altamente
individualista (...). (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 21)

Para deixar clara a distinção entre modernismo e moderno, podemos dizer


que Baudelaire é o primeiro de todos os modernos, o primeiro que falou sobre a
nova vida, aquela das cidades modernas, “o primeiro a aceitar a posição
desclassificada, desestabelecida do poeta, que não é mais celebrador da cultura
a que pertence, o primeiro a aceitar a miséria e a sordidez do cenário urbano
moderno” (HOUGH in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 255). Porém, não
podemos dizer que Baudelaire é um modernista, pois não temos as
características da literatura modernista, mais adiante explicitadas, em seus livros.

Se sobre o fenômeno há uma grande variedade de opiniões,


também há uma crescente concordância acerca do uso do nome
moderno. (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 15)

Nessa época, as dimensões de espaço e tempo mudaram: o tempo


passava mais rápido, e as distâncias diminuíram com o trem e o navio a vapor e,
pouco mais tarde, com os carros. O modernismo é, em princípio, a arte que só
poderia nascer nas cidades modernas. “Gertrude Stein disse que o modernismo é
a única „composição‟ adequada à nova composição em que vivemos, às novas
disposições temporais e espaciais” (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 16).

Com o aumento cada vez maior da população, a fragmentação da vida e o


ritmo imposto pelas máquinas, elas se tornaram não só lugares de troca,
comércio e passagem como antigamente, mas lugares de intercâmbios culturais e
intelectuais. Um exemplo da sensação de rapidez, de caos, de progresso e ao
mesmo tempo de vertigem que assolou a época e os artistas é o depoimento de
Knut Hamsun, em 1890:

as operações incessantes da mente duram um segundo (...);


Agitações secretas que passam desapercebidas dos recôndidos da
mente, o caos incalculável de impressões, a vida delicada da

40
imaginação vista por lentes de aumento. (HAMSUN apud
BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 63)

Segundo Renato Poggioli, um dos traços que fizeram as artes modernas


surgirem como surgiram foi o meio sociocultural,

dentro de um estilo de vida vanguardista em que o artista funciona


como uma espécie de guerrilheiro estético (...), dado a
maneirismos próprios, a uma conduta social escandalizante, a um
afastamento das normas burguesas e a manifestações de coesão e
solidariedade de grupo. (POGGIOLI apud BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 155)

Podemos dizer que os vanguardistas vieram na esteira boemia parisiense.


Esta surgiu nos anos 1830, como uma classe pobre e alegre, pois era formada
por artistas e intelectuais que freqüentavam os sallons para conversar sobre arte,
filosofia e ciência, além de beber – absinto era bebida mais relatada. Henri Murger
relata que a falta de trabalho para os artistas e escritores, que eram bancados
pelos mecenas, gerou uma cena lotada de artistas que viviam nos cabarés. Este
era o cenário ideal para criar fora da concepção clássica ou tradicional, o que
chamaríamos hoje de contra-cultura ou underground.

a tradicional crise da classe escrevinhadora de aluguel – um


excedente de criadores ativos associado a uma escassez de
patronos de posses – transformava-se num divertido viveiro das
artes inaceitáveis, da arte dos refusés, virtuosa pela própria
indiferença que sofria. (MURGER apud BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 156)

Para Bradbury & Mcfarlane, o boêmio era a própria definição de vanguarda:


“sua obra se ajustava não ao presente, mas ao futuro; não à consciência
contemporânea, mas à consciência que devia preparar-se para vir, e sua tarefa

41
era descobrir uma nova linguagem formal que devia ser aprendida antes de se
tornar possível uma compreensão” (1989: 156). Foi com a boemia parisiense, no
século XIX, que surgiu a teoria do artista como futurista, aquele que antecipa o
que está por acontecer nas outras áreas da sociedade, o que para isso é
necessária a originalidade.

Na verdade, o modernismo aparentaria ser o ponto em que a


ideia das artes radicais e inovadoras, o ideal experimental,
técnico, estético que veio crescendo desde o romantismo, atinge
uma crise formal (...). A crise é uma crise da cultura, (...) o
escritor modernista não é simplesmente o artista libertado, mas o
artista sob uma tensão específica, visivelmente histórica. Se toma
o moderno como uma libertação de velhos laços de dependência,
também vê o “imenso panorama de futilidade e anarquia”.
(BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 19)

Alguns historiadores datam o surgimento das primeiras vanguardas,


chamadas também de vanguardas históricas, nos primórdios do século XX, se
estendendo até o início da I Guerra Mundial. Mas somente a partir da I Guerra
Mundial a palavra começou a ser usada na França, como “avant-garde”. O termo
se referia aos movimentos literários e estéticos mais radicais, e se espalhou para
outros países.

É no período compreendido entre os acontecimentos que geraram


a explosão da 1ª (1914-1918) e a 2ª (1938-1945) guerras mundiais
que vemos surgir movimentos artísticos denominados vanguarda.
Num espaço de tempo relativamente curto sucederam-se vários
„ismos‟, cada um tomando a seu cargo expressar, nos temas e
procedimentos, o „clima‟ de intensa ebulição com que interagiram.
As vanguardas, hoje históricas, foram movimentos altamente
radicais que alteraram os rumos da literatura e das demais artes.
(HELENA, 1986: 5)

42
Wardôn ou, no alemão, warten, significa “esperar, aguardar, cuidar”. É o
que estava na expectativa, o que estava aguardando alguma coisa ou
acontecimento aparecer. No século XVIII, já há registros em português do
emprego de vanguarda como “primeiro lugar” e “precedência” (TELES). Segundo
Aguilar (2005: 32),

no século XIX, o termo „vanguarda‟ era utilizado para se referir a


fenômenos sociais e políticos, e começou a ser usado com mais
frequência em arte e literatura no final do século (Paul Verlaine, por
exemplo, o utiliza em Os Poetas Malditos para se referir a
Rimbaud); entretanto, o uso que se faz dessa denominação ou
equivalentes no início do século XX leva a pensar não só que
possuía um alto poder heurístico, como que se estava tentando dar
conta de um fenômeno novo. (AGUILAR, 2005: 32)

Os primeiro anos do século XX foram os que mais trouxeram mudanças,


novidades e experimentações na arte e na literatura em toda história, e em uma
rapidez também nunca vista. Daí o nome de “vanguarda”, que durou dos últimos
anos do século XIX a 1946, quando o surrealismo reapareceu – aqui começaram
as repetições, acabando com o espírito de novidade que era inerente à
concepção de vanguarda. O que veio depois das vanguardas, que por muitos
historiadores tem como marco o fim da I I Guerra Mundial, é chamado vanguardas
tardias ou neovanguardas.

Segundo Bradbury, o termo vanguarda tem sido utilizado para abarcar uma
ampla variedade de “fases, teorias e grupos, ocorrendo em diferentes lugares e
em momentos diferentes” (BRADBURY in BRADBURY; MCFARLANE, 1989:
153), de subversão ao impulso realista ou romântico que existia antes. O
movimento muitas vezes era apenas um comportamento que escrevia uma
atitude modernista, porém que “ajudava a sustentar sua imagem como uma força
neopolítica, uma autêntica vanguarda.” (BRADBURY in BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 153). As vanguardas eram inclinadas à abstração, ou seja, a
acabar com a realidade ou criar uma outra – afinal, a fotografia e o cinema haviam

43
surgido e faziam isso com a perfeição que antes era de responsabilidade dos
artistas. A atitude vanguardista

veio a significar não só uma reelaboração radical da forma, mas


também, como diz Frank Kermode, a tendência a aproximá-la do
caos, gerando assim uma sensação de “desespero formal.” (...)
(KERMODE apud BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 153)

São exemplos de vanguardas o impressionismo, o pós-impressionismo, o


expressionismo, o cubismo, o futurismo, o simbolismo, o imagismo, o vorticismo,
o dadaísmo, o fauvismo, o surrealismo, entre outros, todos também conhecidos
como os ismos situados dentro do modernismo.

Como uma tendência de „ismos‟, o modernismo foi uma atmosfera


intensificadora de diferenciações estéticas, culturais e políticas com
uma certa psicologia, sociologia e formalismo em comum. (...)
Congregavam adeptos, montam manifestações, apresentavam-se
ao público. (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 162).

Os manifestos e as revistas que as promoviam ou as publicavam são


importantes devido às artes não convencionais que surgiam, pois muitíssimos
movimentos se afirmaram por meio deles.

(...) O modernismo não é tanto um estilo, mas uma busca de estilo


num sentido altamente individualista, e na verdade o estilo de uma
obra não constitui nenhuma garantia para a próxima. (...) É de fato
parte, e não totalidade, da arte moderna. (BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 21)

É devido à busca pelo estilo e, mais especificamente, pelo seu próprio


estilo, que o modernismo é um período conhecido pelo surgimento contínuo de

44
estilos. Portanto, apesar de terem traços comuns, cada um vinha com uma
proposta e uma estética, e nada garantia que continuassem no dia seguinte.

Cada área da arte tinha a sua característica: o antifiguratismo na pintura, o


atonalismo na música, o vers libre na poesia e a narrativa por fluxo de consciência
no romance, mas em comum eram sempre voltados para a quebra de paradigmas
e a experimentação. Assim, os movimentos não compõem um desenvolvimento
comum, muito embora possam ter linhas próximas, como o interesse pela
abstração, a atenção por objetos como a máquina ou a cidade moderna; e o
fascínio pela “descriação”, pela destruição ou por uma nova realidade.

Inúmeros criadores apresentam autojustificativas semelhantes:


perda da crença na realidade objetiva e na palavra, na linguagem
estabelecida; um fascínio pelo inconsciente, uma preocupação com
as pressões do ambiente industrial e as transformações
aceleradas, a vontade de descobrir uma estrutura artística dotada
de significado dentro do caos crescente. (BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 162)

Para Bullock, essa mudança radical na forma que abrochou com as


vanguardas talvez teve início com escritores e pensadores dos anos 1900 que,

com sua sensibilidade mais desenvolvida, tenham reagido a


tendências e a conflitos – sociais, morais, intelectuais, espirituais –
que já vinham se delineando no horizonte, e tenham procurado
novas formas, novas linguagens que projetassem tais tendências e
conflitos à frente do seu tempo. (BULLOCK in BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 53)

Como disse Ortega y Gasset, o refinamento estético envolve uma


desumanização da arte, “a progressiva eliminação de elementos humanos,
demasiadamente humanos, presentes na produção romântica e naturalista”
(GASSET apud BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 19).

45
Todos esses movimentos questionavam a herança cultural
recebida. (...) Todos estavam de acordo com o fato de que se
revelavam falidos os moldes acadêmicos e conservadores de uma
arte envelhecida e cristalizada. (HELENA, 1986: 6)

Assim, cada vez mais a arte se afastava do paradigma anterior da cópia


retrato da realidade para entrar em si mesma, intensificando a vida. Isso acarretou
nas experimentações e, como consequência, nas descobertas estéticas. Uma das
características mais marcantes das vanguardas, aliás, era a experimentação –
metáfora na arte da vida que descobria um mundo novo.

Uma das principais preocupações do modernismo nascente foi a


redenção do existencial e da experiência em relação ao estético.
Procuraram-se vias para fazer da arte não uma imitação da
realidade, nem uma realidade alternativa, mas uma intensificação
da realidade (grifo meu). (...) Os poetas queriam que o sentido
residisse no próprio processo da experiência. Daí a pressão pelo
vers libre, e o crescente intercâmbio entre poesia e prosa. (SCOTT
in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 285)

Cientistas estavam rompendo com a visão de universo e de pensamento


(Freud, Nietzsche, Einstein, Planck, Darwin, Mendel). Pintores, escultores,
músicos e escritores romperam com a figuração do mundo exterior, o que se
caracterizava em radicalismo e experimentação. Dentre os aspectos da
vanguarda levantados por Aguilar, estão o deslocamento, a não conciliação e a
ampliação das fronteiras do campo artístico, os quais temos maior interesse para
esta pesquisa os dois últimos.

De modo geral, podemos destacar como características das vanguardas:

 A vanguarda como ruptura em relação à tradição (...);

 A vanguarda como luta contra a „alta‟ cultura (a cultura oficial) e, ao


mesmo tempo, contra a cultura de massa. Daí advém a característica

46
de ambivalência de muitos movimentos de vanguarda, ao mesmo tempo
anarquistas e aristocratas, antiburgueses e antipopulares;

 A vanguarda como ruptura em relação à instituição da arte burguesa.


Os movimentos históricos da vanguarda foram os primeiros a colocar
em discussão o estatuto da arte na sociedade burguesa e, pela primeira
vez, com as vanguardas, a arte refletiu sistematicamente sobre si
mesma e suas relações com a sociedade, superando os seus próprios
limites como instituição; (...)

 A vanguarda como experimentalismo e como estímulo para a ruptura


das fronteiras entre as diferentes artes e disciplinas. (WATAGHIN apud
HARVEY, 2003: 10 e 11)

Para Bradbury e Mcfarlane, o modernismo é a arte que refletia aquele


tempo, e não poderia ser outra:

é a única arte que responde à trama do nosso caos. É a arte


decorrente do “princípio da incerteza” de Heisenberg, da destruição
da civilização e da razão na Primeira Guerra Mundial, do mundo
transformado e reinterpretado por Marx, Freud e Darwin, do
capitalismo e da contínua aceleração industrial, da vulnerabilidade
existencial à falta de sentido ou absurdo. (...) É a arte derivada da
desmontagem da realidade coletiva e das noções convencionais de
causalidade, da destruição das noções tradicionais sobre a
integridade do caráter individual, do caos lingüístico que sobrevém
quando as noções públicas de linguagem são desacreditadas e se
tornam ficções subjetivas. O modernismo é, pois, a arte da
modernização. (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 19)

Segundo Aguilar, a não conciliação é um aspecto central em todo


movimento de vanguarda, e tem a ver com os “hábitos do público, com a tradição,
com as formas recebidas (minha nota: o recebimento pode vir em forma de
choque ou do novo), com as instituições, com o mercado, com os museus ou com
os outros artistas” (AGUILAR, 2005: 36). Há uma “lógica do enfrentamento”, ou
seja, não há meio-termo, não há retrocessos, não há concessões. Algo como “O

47
público que aceite – ou não”, “Não importa se você não entende”, “Engula-me”.
Segundo Stangos,

a importância atribuída à noção de vanguarda (e que praticamente


se tornou sinônimo de „experimental‟) era tão grande que, à
primeira vista, esse parecia ser o único padrão de avaliação da
arte. A experimentação passou a ser um método de trabalho para
as tendências „racionais‟ da arte moderna quanto para as
„irracionais‟. É importante assinalar que essas duas atitudes
aparentemente irreconciliáveis, a „racional‟ e a „irracional‟, estavam
unidas numa frente comum, dado que ambas eram inspiradas e
motivadas por fortes paixões antitradicionais e anti-autoritárias.
(STANGOS, 2000: 8)

Quando Stangos fala de “racionais e irracionais”, entendemos que, como a


forma na obra de arte já não era mais imposta – ao contrário de tudo o que havia
sido feito antes –, foi preciso estabelecer “processos reguladores” que
orientassem a composição. Assim, os vanguardistas criaram dois processos de
experimentação, o do “acaso” e do “construído”. Há obras que podem participar
de ambas ou combiná-las, como algumas de Duchamp (AGUILAR, 2005: 39).

Nessa nova retórica para as artes, mudou também o público da obra de


arte. Ligados ao espaço que surgia então, o das cidades modernas, os
vanguardistas não faziam suas obras para um círculo fechado de letrados ou
monarcas, mas para os habitantes da urbe. “O cosmopolitismo serviu para que as
vanguardas redefinissem o espaço local (urbano) (...)” (AGUILAR, 2005: 42).

As grandes obras do modernismo (...) giram em torno de imagens


ambíguas: a cidade como nova possibilidade e fragmentação irreal; a
máquina, um novo vórtice de energia e implemento destruidor; o
próprio momento apocalíptico, a detonação ou explosão que purifica
e destroi (...). (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 37)

48
Nas cidades modernas, o novo e o antigo se encontraram, e foi nelas que
se confrontaram. A cidade representa a multiplicidade e anarquia do mundo, o
caos e a ordem, a criação e a descriação. Além da importância para a mudança
de público, as cidades foram importantes para a fixação da urbe como temática, e
para o surgimento de artistas que olhavam a cidade e sentiam a vida através
delas, e não mais pela natureza. Os artistas viviam nelas, portanto também
transformaram-se influenciados por elas, sendo a arte vendida e apreciada por
um público também surgido com a cidade. Notamos então que as cidades
influenciaram profundamente a temática, a narrativa, o conteúdo, o foco (o
público), o mercado, os fazedores e a estética da arte.

O modernismo é uma arte especificamente urbana, em parte é


porque o artista moderno, tal como seus semelhantes, foi
capturado pelo espírito da cidade moderna (...). A cidade se tornou
cultura, ou talvez o caos que se segue a ela. (...) É por isso que a
cidade modernista manteve relações especiais com a cidade
moderna, em seu papel tanto de museu cultual quanto de ambiente
novo. A tendência modernista está profundamente enraizada nas
capitais culturais da Europa. (BRADBURY in BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 77)

As cidades modernas existem há quase 150 anos e até hoje se constituem,


como vemos em nosso cotidiano e nesta pesquisa, tanto palco e como inspiração
para a arte. E assim como as cidades, a vanguarda também não é mais novidade.
Apesar de ser antiga cronologicamente, para Bradbury & Mcfarlane, a palavra
vanguarda

conserva sua força graças à sua associação com um sentimento


tipicamente contemporâneo, a sensação historicista de que
vivemos tempos totalmente novos, de que a história
contemporânea é a fonte de nossa significação, de que somos
derivados não do passado, mas da trama ou do ambiente
circundante e envolvente, de que a modernidade é uma

49
consciência oca, uma condição recente da mente humana –
condição que a arte moderna explorou, vivenciou e à qual por
vezes se opôs. (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 16)

Os movimentos de vanguarda, suas características e proposições são


inúmeros. Como não se trata de fazer aqui uma antologia delas, citarei apenas
algumas, que levam com si traços que podemos ver na pixação.

3.1. O Expressionismo

O expressionismo surgiu em contraponto ao impressionismo nos últimos


anos do século XIX, com mais ênfase no início do século XX. Expressionistas
defendiam uma arte mais pessoal, interiorizada e subjetiva, que trouxesse à tona
a expressão do artista, em oposição a apenas a plasmação da realidade, como os
impressionistas faziam.

O movimento aconteceu simultaneamente na França e na Alemanha, mas


foi particularmente mais notável aí, onde encontrou total identificação com o
estado de espírito alemão de 1910 e até o final da revista Der Sturm em 1933,
quando Hitler tomou o poder, e foi divulgada principalmente por essa revista. Logo
na primeira edição, em março de 1910, Rudolf Kurtz dizia:

Nós queremos demolir insidiosamente sua confortável imagem sério-


sublime do mundo (da sociedade). Pois consideramos sua seriedade uma
inércia existencial, o estupor de caipiras (...) (SHEPPARD in BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 224)

Segundo Gombrich, na Alemanha foi “onde (o expressionismo) conseguiu,


de fato, despertar a cólera e o espírito vingativo do homenzinho” (GOMBRICH,
1985: 449). O expressionismo era caracterizado pela expressão interior se
manifestando sob o impulso da intuição. Expressionismo era o ato de exprimir, “e

50
isto se identificava com as palavras em liberdade do futurismo, e com o
automatismo psíquico dos dadaístas e surrealistas.”

Ora, dentro de tais concepções, fácil foi descambar no caos


político, social e religioso, o que foi favorecido pela filosofia de
Nietzsche e pelos últimos vestígios do decadentismo de fin de
siècle. (TELES, 1997: 105)

O expressionismo tinha – e ainda tem – a ver com os mitos e os


sentimentos mais profundos, uma arte crua, visceral, que não passava pelo
pensamento lógico. Expressando o interior do ser humano e a natureza dele, o
expressionismo deu vida a cores berrantes e cenas de dor, amargura e tristeza,
sentimentos que afloravam na Europa daquela época, antes da I Grande Guerra.

Se os expressionistas rejeitavam o mundo banal da sociedade


industrial devido aos seus produtos sintéticos e descarnados,
também rejeitavam a arte e a literatura impressionista por
apresentarem uma bela „superfície‟ externa sem conteúdo interno,
disfarçando o caráter pernicioso da sociedade de onde surgiam.
(SHEPPARD in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 224)

Para todos os expressionistas, “as instituições do capitalismo industrial


mutilavam e distorciam a natureza humana” (SHEPPARD in BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 224). Existencialista e irracionalista, ele colocou para fora os
sentimentos de angústia vividos na Alemanha da época, se notabilizando por
expor as dores e medos dos alemães crua e friamente. Afinal, o expressionismo
deu-se no entreguerras, período de profunda decadência e miséria. Eram vistas
cores berrantes, cenas de dor, doenças, medos, solidão, sexo sempre exaltando
os sentimentos irracionais ou proibidos.

O expressionismo é uma forma de captar a existência sem rebuscamento,


sem ser lapidada. Nele, o rascunho é a obra final, e a primeiridade é o que
importa.

51
3.2. O Cubismo

Podemos dizer que quem revelou o cubismo foi o poeta Apollinaire. Ele
começou fazendo contos e poemas, principalmente com temáticas libertinas.
Publicou inclusive uma antologia com os livros malditos de Marquês de Sade,
introduzindo o obscuro escritor aos jovens franceses. Os temas ocultos e
psicológicos de seus escritos na época o associaram também ao surrealismo.

Mudou-se para Paris e, familiarizado à atmosfera literária da cidade,


começou a aplicar conceitos de plasticidade a seus poemas e a não utilizar sinais
de pontuação. Lançou os famosos Calligrammes – Caligramas em português –,
poemas inspirados na tradição sígnica da escrita chinesa – e que mais tarde
também iriam influenciar em muito os poetas concretistas. Devido ao ritmo
acelerado e à simultaneidade, seus poemas foram colocados na linhagem do
cubismo. vide anexo 10

Atraído pela geometrização da forma e as novas possibilidades estéticas,


em 1905 o jovem Picasso começou a se encontrar com Apollinaire e outros
poetas e pintores. Em 1909, o estilo já era conhecido como cubismo na pintura e,
a partir de 1917, na literatura (TELES, 1997: 1114).

Os cubistas prosseguiram a partir de onde Cézanne parou. Daí em


diante, um número crescente de artistas passou a considerar
axiomático que o que importa em arte é encontrar novas soluções
para o que se convencionou a chamar de problemas de „forma‟.
Para esses artistas, portanto, a „forma‟ vem sempre em primeiro
lugar e o „tema‟ em segundo. (GOMBRICH, 1985: 461)

O cubismo na poesia designava um tipo em que a realidade era fracionada,


expressa através de planos superpostos e simultâneos. Na poesia, foi
desenvolvido

52
um sistema poético de subjetivação e desintegração da realidade,
criando por volta de 1917, paralelamente ao dadaísmo, uma poesia
cujas características são o ilogismo, o humor, o antiintelectualismo,
o instanteísmo, a simultaneidade e uma linguagem
predominantemente nominal e mais ou menos caótica. (TELES,
1997: 115)

O cubismo desconstruiu objetos do cotidiano, mostrando diferentes pontos


de vista do mesmo objeto ao mesmo tempo. Também se caracterizava pelo uso
de formas geométricas como círculos, cubos e cilindros. Havia um caráter de
simultaneidade, de tudo ao mesmo tempo agora, e de peças formando um todo,
como um maquinário - metáforas da nova vida moderna. Era a nova ordem de
espaço, de estruturas e de ritmo, a própria noção de fragmentação da vida
totalmente materializada na pintura.

Existiram várias correntes de cubismo, sendo as principais o cubismo


analítico, que fragmentava o objeto até quase o seu não reconhecimento,
impossibilitando sua reconstituição, e o cubismo sintético, que também
fragmentava o objeto em planos geométricos, mas ainda assim era possível
reconstituir o objeto.

O cubismo tentou colocar em um mesmo patamar lingüístico e visual a


linguagem pictórica e a verbal. Introduziu letras tipográficas e colagens de papéis,
cartazes, cartões, cartazes, jornais. Estava aí uma das raízes da poesia visual,
que quase 50 anos depois transformaria as palavras em linguagem pictórica.

Pintores cubistas escolhem usualmente motivos familiares –


guitarras, garrafas, fruteiras. Nem todas as pessoas gostam desse
jogo, e obviamente nem devem gostar. (GOMBRICH, 1985: 458)

53
3.3. O Futurismo

O Manifesto Futurista foi lançado em 1909 no jornal francês Le Figaro, pelo


italiano Filippo Marinetti, e propunha o uso do design tipográfico, o uso de
onomatopéias e o enxugamento da poética. O futurismo foi um movimento
estético mais de manifestos que de obras, porém que muito influenciou o
movimento da poesia concreta que veio bem depois.

Por meio dos manifestos, Marinetti exaltou a vida moderna, “pregando ao


mesmo tempo a destruição do passado e dos meios tradicionais da expressão
literária, no caso, a sintaxe; usando as palavras em liberdade, rompia a cadeia
sintática e as relações passavam a se fazer através da analogia” (TELES, 1997:
86).

A descoberta mais importante dos futuristas foi, talvez, a percepção


de que a fragmentação, o contraste e o jogo com materiais
aparentemente discordantes constituíam uma expressão direta da
velocidade e diversidade da vida moderna. (RAWSON in
BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 207)

Marinetti tinha adoração pela máquina. Carros, trens, engrenagens,


inspiravam a forma das poesias, a estética das pinturas e esculturas e o conteúdo
dessas formas artísticas. Dinamismo e simultaneidade, sinônimos da beleza da
velocidade, significavam, na pintura, o estudo dos movimentos.

Componente essencial da literatura do movimento é o elemento


visual, não só em descrições cinéticas em tecnicolor como o voo de
Gazurmah em Mafarka Le Futuriste, mas também na revolução
tipográfica realizada pelos futuristas. (RAWSON in BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 200)

54
O lema futurista era “Les mots en liberte” ("Liberdade para as palavras"), e
foi levado ao pé da letra: a estética futurista libertou a palavra da sintaxe e do
texto literário, dando autonomia à palavra.

Zang tumb tumb (1912) está composto de Palavras Livres.


Publicado em 1914, tendo como prefácio mais um Manifesto escrito
no ano anterior e intitulado Destruição da Sintaxe - imaginação sem
fio – palavras em liberdade, o livro decreta que o novo estilo se
destina apenas à poesia, e não à filosofia, às ciências, à política,
ao jornalismo ou aos negócios, nem mesmo aos próprios
Manifestos de Marinetti. A base das novas formas artísticas
futuristas – dinamismo pictórico, ruído-música, Palavras Livres –
assenta-se sobre a nova sensibilidade, condicionada pela nova
velocidade dos meios de comunicação. (...) A revolução tipográfica
ajudará a expressar simultaneamente ideias diferentes. (RAWSON
in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 201)

vide anexo 11

A influência da veneração pelas máquinas, abolindo a caligrafia e dando


lugar aos tipos gráficos, e o enxugamento das palavras estavam refletidos no uso
de onomatopéias. Além das onomatopéias, nos manifestos de Marinetti são vistas
pelas páginas palavras escritas com tipologias diversas, misturadas a símbolos
matemáticos e ícones. “sssssiii ssiissii ssiisssssiiiii” – com caixa baixa – era um
poema. Foi escrito na primeira página do Manifesto de Marinetti, relatando uma
viagem para a Sicília enquanto revisava um livro – era o som do processo de seu
trabalho, o barulho do trem. Assim, Marinetti propunha a libertação de todo
excesso alegórico visto na art nouveau, que dominava então.

Se necessário, podem-se usar 20 tipos diferentes e três ou quatro


cores variadas numa mesma página, para expressar ideias de
importância variável e as impressões dos diversos sentidos.
(RAWSON in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 201)

55
O futurismo não só colocou definitivamente a forma e a temática modernas
na arte e na literatura, mas também trouxe mudanças comportamentais. Adeptos
a tudo o que era novo, lutadores ferrenhos, portanto, contra qualquer coisa ou
aspecto do passado, o futurismo trouxe

uma nova poética da intuição: odiar bibliotecas e museus, repudiar


a razão, reafirmar a intuição divina, privilégio das raças divinas. A
poesia destas se baseará na analogia, não na lógica (...); a
psicologia humana será substituída por uma obsessão lírica pela
matéria. (RAWSON in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 200)

Cada vez mais, concomitante ao progresso crescente, o futurismo trazia o


esplendor geométrico e mecânico junto com a sensibilidade numérica. Assim, a
técnica das palavras livres foi se aproximando cada vez mais da estética das
máquinas. Exemplos são o poema

+-+-+-++x

, que descreve a aceleração e a mudança de velocidade de um automóvel, e

montanhas + vales + estradas + Joffre (1915),

um poema que relata a jornada por uma paisagem montanhosa. Materialmente,


trata-se de uma colagem com fragmentos de materiais impressos cortados, com
marcas à mão adicionadas. Para acrescentar tecnologia, o poema era
reproduzido por uma impressora e depois fotografado em preto e branco.

Muitas das ideias futuristas foram adotadas e defendidas por outros


movimentos, como o dadaísmo. Na Rússia também houve predomínio do
futurismo, devido ao empenho de Maiakóviski, e citamos aqui o trabalho de
Kruchônikh:

56
dyr bul shchyl
ubershchur
skum
vy sob u
r l ez

Este é o poema integral. Ele não tem sentido em russo ou em qualquer


outra língua, “embora em russo os sons sugiram uma série de palavras ou
morfemas possíveis de serem derivados” (HYDE in BRADBURY; MCFARLANE,
1989: 216).

3.4. O Dadaísmo

Durante a Primeira Guerra Mundial, artistas se exilaram na Suíça para não


serem convocados para a luta armada, por isso Zurique se encontrava
efervescendo artisticamente. O dadaísmo foi criado nesta cidade, em 1916, pelo
poeta Hugo Ball, que havia aberto o Cabaret Voltaire, local de encontro da boemia
na época. Uniram-se a Ball os artistas Hans Arp e Marcel Janco e o poeta Tristan
Tzara, que frequentavam o cabaret dele.

O dadaísmo foi um importante movimento modernista que trouxe, mais que


variações estéticas, variações no gosto e na percepção da arte. O movimento
questionava, e acabou destruindo de vez, a noção do que era ou não “obra de
arte”.

Um dos fatos desencadeadores do dadaísmo foi a insatisfação com o


mundo e a I Guerra Mundial. A ideia era mostrar que havia pessoas contrárias a
tudo o que estava acontecendo. Assim, os artistas – muitos deles desertores em
seus países ou fugitivos de guerra – fundaram um movimento que ia contra todos
os aspectos aparentemente construtivos e organizadores da vida, como a religião,
a ciência, a política e a filosofia. Mesmo com os avanços da humanidade, nada

57
nem nenhum desses elementos organizadores do cotidiano serviu para evitar a I
Guerra. Destruído o mito do progresso e das ciências, não havia no que acreditar,
então nada mais tinha importância.

A palavra “dada” é francesa, e significa “cavalo de pau” na linguagem


infantil. Ou seja, um nome que não fazia sentido algum intitulando um movimento
artístico num mundo que também não fazia sentido algum.

O mito do progresso foi um estímulo para os dadaístas


intensificarem o instantâneo e o efêmero. A ambição de criar obras
duradouras estava morta. (SHORT in BRADBURY; MCFARLANE,
1989: 237)

Futurismo e dadaísmo faziam parte das tendências que críticos chamam de


destrutivistas, pois queriam a destruição do passado e a negação dos valores
estéticos existentes. O expressionismo e o cubismo eram construtivistas, pois
queriam uma reorganização do que existia para a construção de uma coisa nova.
Ambas as tendências, porém, eram “organizadoras de uma nova estrutura
estética e social” (TELES, 1997:29).

O dadá foi um movimento de negação, com inúmeros manifestos e obras


chocantes. Defendia o absurdo, o niilismo, a incoerência, a desordem, o caos.
Caracterizaram o dadaísmo o nonsense (o sem sentido), a descartabilidade – e,
assim, a perda da aura da obra de arte –, a ironia e a efemeridade.

O caráter escandaloso fez com que rapidamente o dadaísmo fosse


conhecido por toda Europa, tendo logo recebido a adesão de grandes nomes
como Marcel Duchamp e Francis Picabia. Duchamp já era conhecido por seu
ready-made quando aderiu ao dadaísmo, tornando-se um dos maiores nomes do
movimento. A noção de ready-made, inclusive, foi incorporada às características
das obras dadaístas. vide anexo 12

O dadaísmo também propunha a reunião de artistas de áreas diferentes


contribuindo com as outras. Assim, não havia mais limite entre escultura, poesia,
pintura e música – era tudo arte, e tudo podia ser feito em uma mesma obra. O
ready-made, por exemplo, não era escultura, nem pintura nem literatura. Além

58
disso, os artistas podiam trocar ideias e experiências, incorporando-as,
independentemente do que faziam.

Transgressores e questionadores, eles negavam qualquer tipo de


autoridade, inclusive a da superioridade da arte e dos próprios artistas, se
aproximando, em alguns aspectos, de certas correntes anarquistas.

Ready-Made significa “pronto” e surgiu em 1913 quando Duchamp, já


artista respeitado, inscreveu um urinol com o endereço de uma rua anotado e o
título Fonte para participar de uma exposição em Nova York. A obra foi recusada,
mas isso é o que menos importa. Seu ready-made, aparentemente sem sentido,
deu margem para o início das obras chamadas “conceituais”.

Antes do primeiro ready-made Duchamp já existia na cena parisiense.


Ótimo pintor, ele havia feito em 1911 as telas Nu descendo a escada e O rei e a
rainha cercados de nus. Se não fosse o título, as obras teriam sido apenas
elogios. Porém, com aspectos futuristas e cubistas, estas pinturas causaram a ira
de alguns cubistas, que o tomaram como ironia ao tipo de arte deles. Duchamp
não era somente um ótimo artista, mas possuía uma visão sociológica ou
conceitual da arte, além de irônica, visão que o fez ficar conhecido como ficou.
Duchamp rompeu paradigmas clássicos que existiam há séculos: ele mostrou que
há uma linha invisível separando o que é ou não obra de arte, se é que existe
alguma linha – uma noção importantíssima para nossa pesquisa.

3.5. O Espiritonovismo

O espiritonovismo teve seu início na conferência O Espírito Novo e os


Poetas, em 1917, com Apollinaire, e em 1918 e no editorial do primeiro número
da revista L’Espirit Nouveau, fundada em Paris em 1920 por Ozenfant e Le
Corbusier, “como prolongamento das ideias de Apollinaire” (TELES, 1997: 152).

59
Aconteceu sobretudo na França, numa época após a I Guerra Mundial, quando
havia uma preocupação com o fortalecimento das nacionalidades.

Diferente dos outros ismos, que eram destrutivos, o espiritonovismo


propunha uma arte construtiva. Fazia um equilíbrio entre a arte clássica e a
vanguarda: era como o neoclassismo, porém com um espírito novo, com um
“alento estético, uma nova concepção ideológica que os intelectuais da revista
L’Espirit Nouveau irão retomar e desenvolver, mas sempre fiéis à ordem, ao dever
e à liberdade que o texto de Apollinaire equilibradamente mistura como
características fundamentais do espiritonovismo” (TELES, 1997: 153).

A rapidez e a simplicidade com que os espíritos se acentuaram a


designar com uma só palavra seres tão complexos quanto uma
multidão, uma nação, quanto o universo, não tinham seu
correspondente moderno na poesia. Os poetas preenchem esta
lacuna e seus poemas sintéticos criam novas entidades que tem
um valor plástico tão completo quanto os termos coletivos (...). Não
creia no entanto que este espírito novo seja complicado,
enfadonho, artificial e frio. Seguindo a ordem mesma da natureza,
o poeta se desembaraçou do todo propósito empolado. (TELES,
1997: 156)

O espírito novo falava, antes de tudo, da ordem e do dever dos cidadãos,


qualidades clássicas, porém intrínsecas ao espírito francês, acrescentando-lhes a
liberdade.

O verso livre deu um livre vôo ao lirismo, mas foi apenas uma
etapa das explorações que se podiam fazer no domínio da forma.
(TELES, 1997: 156)

60
3.6. O Surrealismo

O surrealismo surgiu da ruptura entre Tzara e Breton, que entraram em


divergências sobre os rumos do dadaísmo. Breton rompeu com eles, se juntando
ao grupo que estudava Freud e fazia experiências com o próprio sonho e o sono
hipnótico para fazer arte. Logo depois, o grupo se denominou “surrealistas”.
Diferente dos dadaístas, eles não eram niilistas; se consideravam cientistas na
qual a pintura e a poesia eram apenas meios para explorarem o inconsciente.
Surrealistas “seguiam o pensamento de Lautréamont de que „A poesia deve ser
feita por todos‟” (TELES, 1997: 171).

O surrealismo – assim como o expressionismo – buscava a emancipação


total do homem,

fora da lógica, da razão, da inteligência crítica, da família, da pátria,


da moral e da religião – o homem livre de suas relações
psicológicas e culturais. Daí a recorrência à magia, ao ocultismo, à
alquimia medieval, na tentativa de se descobrir o homem primitivo,
ainda não maculado pela sociedade. (TELES, 1997: 170)

O grupo foi tomando corpo e aumentando suas pesquisas ao agregar


outros poetas e pintores. Em 1924, Breton lançou o primeiro manifesto surrealista.

Cronologicamente, o surrealismo é o último movimento de


vanguarda europeia, pois surgiu com este nome em 1924, quando
André Breton lançou o Manifeste Du surréalisme e o primeiro
número da revista Révolution surréaliste, fundando ao mesmo
tempo um escritório destinado a investigações oníricas, o Bureau
de recherches surréalistes. (TELES, 1997: 170)

A partir de 1925 veio uma fase de maior conscientização política, e aí


começaram a usar a frase de Marx “Transformar o mundo”.

61
Para Breton, a arte autêntica era a que estava ligada a certa
atividade revolucionária (minha nota: ideia que cresceria depois),
coisa com que alguns elementos do grupo não concordaram,
motivando, como no Brasil, a separação do surrealismo entre
comunistas e não-comunistas. (TELES, 1997: 172)

Mais que um movimento artístico, o surrealismo era uma filosofia que


queria um novo mundo e pregou o protesto contra a exploração do homem pelo
homem. O surrealismo trabalhava com o simbólico, o metafórico e o onírico.
Ao se utilizar da pesquisa mental, do que está por baixo e por cima da psique
humana, misturando poesia e ciência com alquimia, esoterismo e a busca pelo
segredo do universo, o surrealismo influenciou, e muito, a contracultura e o
movimento beatnick.

Os surrealistas acreditam (...) que as palavras, quando despidas de


acréscimos deformadores, tem o poder de atuar sobre o mundo e,
como fórmulas mágicas, são meios para realizar o desejo. (SHORT
in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 246)

Surrealismo era uma experiência coletiva, um modo de vida do qual


qualquer um podia participar – influência dos dadaístas, com os quais a figura do
artista como ser superior havia sido quebrada –, desde que tivesse dedicação.
Surrealistas organizavam reuniões diárias, elaboravam textos em conjunto,
participavam de jogos de estímulo à imaginação e faziam manifestações em
peças teatrais reacionárias. “O grupo surrealista assumiu uma ampla variedade
de traços. (...) Ele é ao mesmo tempo um movimento clandestino subvertendo o
status quo e um recuo para os confins de onde a vida pode ser regulada de
acordo com o desejo” (SHORT in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 247), como
uma quadrilha de revolucionários ou hereges.

62
Os dadaístas e surrealistas eram, essencialmente, antiarte. Com eles, a
literatura e a poesia deixam de ser supremas e tornam-se apenas um
entre outros meios psicodélicos. Com eles, a poesia torna-se
“descartável”, criada sem nenhuma finalidade específica, útil de uma
forma indefinível. (...) Com eles, a linguagem deixa de ser o instrumento
de afirmação do domínio humano sobre o universo, e torna-se uma força
natural em si mesma, que cria segundo a sua vontade e sobre a qual o
controle humano é limitado. (HOUGH in BRADBURY; MCFARLANE,
1989: 271)

Com o surrealismo, a partir de 1930, a tendência foi de se considerar o que


era vanguarda em “função do aleatório e do predomínio do acaso, da escritura
automática, da irrupção do inconsciente, do ritmo do jogo. As neovanguardas da
década de 1950 inverteram essa leitura e propuseram como alternativa um corpus
construtivo que consideraram em oposição à tendência aleatória” (AGUILAR,
2005: 37), ou seja, planejado.

Dadaístas e surrealistas não acreditavam que toda a cultura e vida tinham


chegado a um impasse, um fim da história. Devia se fazer uma nova linguagem.

Tanto os dadaístas como os surrealistas parecem afirmar que a maneira


de superar a cidade industrial é aceitá-la, aprender a amá-la ironicamente
e cultivar as forças ali atuantes (...). (HOUGH in BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 271)

3.7. Muralismo Mexicano

Em 1910, no México, ocorria a Revolução Mexicana, liderada por Emiliano


Zapata, quando três surrealistas mexicanos, Diego Rivera, Clemente Orozco e
Davi Siqueros começaram a fazer grandes murais financiados pelo governo nas
paredes. Os muralistas eram engajados política e socialmente, críticos,
assumidamente comunistas, e por isso pintavam temas com aspectos político-
histórico-sociais densos. Sob a influência de suas posições políticas, expunham
todas as mazelas do sistema capitalista e enalteciam o povo mexicano (inclusive

63
os indígenas, o operariado e os trabalhadores da terra) ao pintarem cenas do dia-
a-dia e histórias coletivas do país, estas verdadeiras epopéias.

Fato marcante na história do muralismo mexicano foi a pintura de um


painel no Rockefeller Center, então símbolo do capitalismo americano e mundial.
Em 1932, Diego Rivera, artista já conhecido e respeitado, foi convidado por
Nelson Rockefeller para fazer uma obra no hall de entrada do edifício da
corporação. Aceito o convite, Rivera começou o trabalho, intitulado Homem na
encruzilhada. A pintura mostrava o embate entre dois cenários distintos e
antagônicos da época, o comunismo e o capitalismo, e suas possibilidades
políticas, econômicas, sociais e científicas. De um lado, Rivera colocou
engrenagens e trabalhadores tristes, como robôs. De outro, o povo trabalhador
marchando com bandeiras vermelhas com o rosto de Lenin. A figura central,
Deus, foi pintada com características de Lenin.

Rockefeller ficou indignado. Tomou o painel como uma ofensa a ele, aos
líderes e ao povo americano, e pediu que a figura de Lênin fosse trocada por um
rosto desconhecido. Rivera se recusou a remover o líder socialista, sugerindo a
pintura de algum líder norteamericano no lado capitalista do mural, o que
Rockefeller não concordou. O painel ficou por algum tempo coberto, e depois foi
destruído. Como resposta, Rivera refez a pintura no Palácio de Belas-Artes, na
Cidade do México, intitulando-a O homem controlador do universo. Desta vez
Rockefeller estava na pintura, retratado de maneira sinistra.

O muralismo mexicano era acessível e atingia a todos. Ele tirou a pintura


das telas e as retornou às paredes, retomando a prática, num passado recente,
de pintores Renascentistas como Da Vinci e Michelangelo nos afrescos, e das
pinturas sempre feitas na arquitetura por árabes, egípcios, romanos, gregos e,
inclusive, os ancestrais mexicanos, os astecas.

Como influência deixada – e aqui de grande relevância para esta


pesquisa –, o muralismo mexicano o deslocou arte para o espaço externo e nas
paredes e concebeu a arte como ferramenta política. Permanece um ótimo
exemplo, assim como a arte soviética (e a alemã nos tempos de Hitler), de
como a política e arte podem se envolver.

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3.8. A Art Brut

Em 1945, o pintor francês Jean Dubuffet estava em busca de algo que


fugisse da tradição da arte, inclusive da tradição dos movimentos de vanguarda, e
de qualquer estilo que tivesse consciência de ser movimento artístico. Ao se
questionar sobre o que seria arte, Dubuffet chegou à conclusão de que a partir do
momento em que a pessoa tem a intenção de fazer, já não é arte. Segundo ele, "a
arte não dorme nos leitos preparados para ela, foge logo que se pronuncia seu
nome, ama o desconhecido. Os seus melhores momentos são quando esquece
como se chama".

Duffet recorreu aos doentes mentais, às crianças e a pessoas sem


formatação artística em hospitais psiquiátricos, escolas e comunidades distantes
para encontrar quem fosse ausente de qualquer influência sobre o que era arte.
Descobriu o suíço Adolf Wölfli, um interno cujos trabalhos se tornaram símbolo da
art brut. A arte brut também é chamada de primitiva ou naïf, não sendo a feita
pelo homem das cavernas, mas remetendo à mentalidade ausente de padrões
que este possuía. O que Dubuffet não sabia é que a própria arte naïf ou primitiva
se tornaria uma escola, um movimento estético e conceitual, que existe até hoje.

Ao buscar uma forma de arte que remetesse às origens da própria arte


para atingir a forma pura da arte, aquela que não reconhece a si a como tal,
Dubuffet, assim como Duchamp e os dadaístas, destruiu fronteiras sobre quem
pode fazer e o que é arte. Para Dubuffet, a arte só poderia ser aquela que surge
espontânea, original e intuitiva, o que nos fez aprender que arte não é somente a
que se propõe a ser arte. vide anexo 13

65
3.9. A Literatura nas Vanguardas

A literatura de vanguarda foi uma ruptura “estética” radical que veio na


esteira de experimentação e manifestos que eram feitos desde o final do século
XIX. Ela foi enfatizada a partir de 1909, data do primeiro manifesto futurista,
publicado em Paris. “Pode-se afirmar que a literatura modernista nasceu na
cidade, e com Baudelaire” (HYDE in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 275).

Os grandes poemas de antigamente, argumentava Hulme,


pareciam pirâmides; a velha poesia „tratava basicamente de
grandes coisas‟ e seus autores sofriam da „doença da paixão pela
imortalidade‟. (...) Em contraposição, o novo poema,
correspondendo a uma postura metafísica nova ou retomada, que
considera o homem „um animal extraordinariamente definido e
limitado‟, versaria sobre as coisas pequenas e simples, sobre as
„emoções de rua‟. (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 190)

Literatura e artes visuais tiveram e tem evoluções distintas, mas em alguns


momentos, devido a fortes acontecimentos históricos, elas tomavam rumos
semelhantes.

Embora essa paixão antirracional pela renovação e pela


mudança fosse típica das todas as artes, ela foi mais patente nas
artes visuais, e foi nelas que primeiro prevaleceu e, depois,
lentamente, conquistou uma aceitação pública mais geral. Esse
„novo espírito‟ precisou de muito mais tempo para conseguir
aceitação na literatura e na música. (STANGOS, 2006: 7)

Os movimentos de vanguarda literária antes da I Guerra Mundial foram o


futurismo (1909), o expressionismo (1910) e o cubismo (1913). Com a guerra,
surgiram o dadaísta (1916) e espiritonovismo (otimismo no pós-guerra),
anunciado por Apollinaire em 1918, em L’Espirit nouveau et les poetes, como já

66
citamos. Do espiritonovismo e do dadaísmo surgiu o surrealismo, em 1924. Assim
como na pintura (“o acaso e o construído”), podemos verificar na literatura dois
tipos de poéticas, as construtivas, como Un Coup de Dés, de Mallarmé, e as do
aleatório ou destrutivas, de Rimbaud e Lautréamont. Os movimentos da poesia
concreta e a práxis são considerados uma das últimas fases do modernismo e da
evolução da experimentação. vide anexo 14

O primeiro crítico que procurou sintetizar as tendências das vanguardas foi


Paul Valéry, que mostrou a ineficácia da crítica com métodos tradicionais para
analisar essa nova literatura que surgia. Essas tendências estão principalmente
expressadas em recursos que aprendemos hoje em dia na escola, as figuras de
linguagem metáfora, poética, onomatopéia, ironia etc.

Houve uma mudança significativa na identidade da cidade no século XIX:


“O realismo humaniza, o naturalismo cientificisa, mas o modernismo pluraliza e
surrealiza” (BRADBURY in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 79). O romance
urbano moderno, diz-nos Raymond Williams,

revela uma percepção intensa e fragmentária, exclusivamente


subjetiva, mas na própria forma de sua subjetividade incluindo os
outros, que agora, juntamente com os edifícios, os sons, as vistas e
cheiros da cidade, fazem parte dessa consciência única e acelerada.
(BRADBURY in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 79)

Os vanguardistas não só escreviam manifestos, como fundavam suas


próprias revistas para divulgar sua arte e suas ideias. “Para Tzara e Breton, com
causas a proclamar como a Revolução da Palavra ou a Revolução Surrealista, o
manifesto era a verdadeira forma artística” (BRADBURY; MCFARLANE, 1989:
162). André Breton, escritor e poeta considerado um dos pais do surrealismo,
fundou a revista Littérature em 1919, ano em que entrou em contato com Tristan
Tzara, fundador do dadaísmo.

67
Foi por meio das revistas próprias que as obras modernistas conseguiam
circular e atingir seu público18. As revistas modernistas tinham um público
limitado. Algumas criaram um ambiente estético ou intelectual importantíssimos,
além da noção de a própria revista como obra de arte, algo nunca imaginado
antes19. A influência da Bauhaus para a colocação da arte em objetos do
cotidiano, ou o contrário, também foi de grande importância. A “revista como arte”
foi uma inovação na ideia do que poderia ser arte, assim como algo escrito em
uma parede.

Pound – poeta, músico e crítico – foi um dos maiores nomes da poesia


modernista no início do século XX, junto com T. S. Eliot. Logo cedo Pound se uniu
aos adeptos do imagismo, fundado em 1912 sob inspiração de outro poeta, T. E.
Hulme, mas o abandonou em 1914. As raízes do imagismo encontram-se
principalmente nas poesias chinesa e japonesa, pois suas ideias eram explorar
as imagens e as metáforas da poesia.

“Não use nenhuma palavra supérflua” (POUND apud BRADBURY;


MCFARLANE, 1989: 185), disse Pound. A arte do poema imagista era metáfora
da velocidade, era um contexto traduzido e em algo muito pequeno. O poeta
modernista tratava das imagens urbanas e passou a fazer “uso de novas métricas
e estilos, como o vers libre, a visualização do poema na página” (SHORT in
BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 253). Apesar da aparente simplicidade, Pound
comentou:

(...) não imagine que a arte da poesia seja minimamente mais simples do
que a arte da música, ou que você possa agradar ao especialista antes de
consumir pelo menos tanto esforço na arte dos versos quanto o professor
médio de piano consome arte da música. (POUND apud BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 185)

18
Lembremos aqui dos fanzines dos anos 1980 e 90, que eram febre entre os jovens e, quando
afastados do puro jornalismo, se transformavam em verdadeiros veículos para expressões
artísticas ou eles próprios uma obra de arte. Lembremos também do “Do It Yourself”, ou “Faça
você mesmo”, proclamado pelo espírito punk.
19
Uma grande coleção de revistas e manifestos modernistas pode ser vista no Museu Pompidou,
em Paris, e chama a atenção pelos poemas, frases e ilustrações de capa.

68
No imagismo o verso torna-se duro, e Pound colocou as seguintes
proposições sobre a preocupação com a „dureza‟ na prática do poeta:

1. ser conciso, eliminando todas as superficialidades ornamentais;


2. transmitir, por se manter próximo à linguagem cotidiana, parte da dureza
da realidade do dia-a-dia;
3. tender para a objetividade concreta, assim evitando efusões sentimentais;
4. porque, ao apresentar o que pretende ser uma exposição acurada de seu
tema, ele se aproxima dos métodos duros do cientista, de sua observação
rigorosa dos fatos detalhados;
5. quando “ousa ir à lata de lixo para seus temas”;
6. evitar metros simétricos e isocrônicos, estigmatizados como brandos,
monótonos e soporíferos. (SCOTT in BRADBURY; MCFARLANE, 1989:
291)

Assim, a literatura de Pound aproxima-se das técnicas publicitárias:


condensamento, “conversão do objeto em sensação, equiparação da crueza
dessa sensação com sua significação, do choque com a persuasão” (SCOTT in
BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 291). A imagem substituiu o ritmo e a imagem
passa a ser o núcleo da poética. Pound era um inventor tanto na poesia como na
literatura, e teve que fazer uma verdadeira doutrinação para destruir certos
dogmas, sendo, além de grande escritor, um respeitado crítico e teórico.

Os poemas visuais ou caligramas de Apollinaire são um exemplo de poesia


visual ou espacial: formavam a figura ao qual o poema faz referência, como em A
Gravata e o relógio e Chove. Outro exemplo de poema modernista é The waste
land, de Eliot, que fala da multidão e da solidão modernas metaforicamente
através do conteúdo e da forma, aparentemente banais:

Jerusalém Atenas Alexandria


Viena Londres
irreais.

69
“O aparecimento da poesia de vanguarda em princípios do século XX
implica, em um de seus níveis, a passagem – em termos poundianos – da
„melopeia‟ à „fanopeia‟ (AGUILAR, 2005: 28)”. Pound dava grande importância
para o significado das palavras, as escolhia a dedo, e era defensor do “menos é
mais” na literatura e na poesia, criando uma influência até os dias de hoje.

Como afirma Hugh Kenner, em The Poetry of Ezra Pound, „a


fragmentação da ideia estética em imagens alotrópicas, tal como
teorizada pela primeira vez por Mallarmé, foi uma descoberta cuja
importância para o artista corresponde à da fissão nuclear para o físico‟.
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 32)

Em ABC da Literatura, Pound coloca três características da poesia: a


fanopeia, que é o predomínio da imagem; a melopeia, onde há predomínio da
musicalidade ou ritmo; e a logopeia, que é a associação de ambas anteriores, “a
dança das palavras ante o intelecto”, diz ele.

O livro The chinese written Character as a medium for poetry, publicado por
Ezra Pound segundo os manuscritos de Fenollosa em1920, foi uma guinada da
poesia de Pound e, portanto, do que veio a seguir no modernismo. Apesar de hoje
em dia a teoria colocada por eles de que a escrita chinesa é um caractere
estilizado da imagem ou da coisa que representa ter vindo por água abaixo, foi
um importante instrumento para o surgimento e conceitualização de uma nova
poesia.

Como processo consciente, pode-se dizer que tudo começou com a


publicação de Un Coup de Dés (1897), o „poema-palavra‟ de Mallarmé, a
organização do pensamento em „subdivisões prismáticas da ideia‟, e a
espacialização visual do poema sobre a página. Com James Joyce, o
autor dos romances Ulysses (1914-1921) e Finnegans Wake (1922-1939),
e sua técnica de palimpsesto‟, de narração simultânea através de
associações sonoras. Com Ezra Pound e The Cantos, poema épico
iniciado por volta de 1917, e onde o poeta trabalha há 40 anos,
empregando o seu método ideogrâmico, que permite agrupar
coerentemente, como um mosaico, fragmentos de realidade díspares.
Com E. E. Cummings, que desintegra as palavras para criar com suas

70
articulações uma dialética de olho e fôlego, em contato direto com a
experiência que inspirou o poema. (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI,
2006: 56)

Tanto a poesia como o romance urbano foram ficando cada vez mais
enxutos, rápidos e diretos. Breton publicou Les Champs Magnétiques exercendo
o princípio da escrita automática. Mais tarde, Breton publicaria o Primeiro
Manifesto Surrealista, em 1924.

(...) Os dadaístas – a observação é de André Gide, reproduzida por


Mondrian – quiseram „libertar o verbo do pensamento dispondo as
palavras umas ao lado das outras sem que houvesse uma ligação
qualquer; cada vocábulo-ilha deve na página apresentar contornos
abruptos. Será colocado aqui como um tom puro; e não longe vibrarão
outros tons puros, mas com uma falta de relações tal que não autorize
nenhuma associação de pensamentos. É assim que a palavra será
despojada de toda sua significação precedente, afinal, e da evocação do
passado‟. (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 110)

3.9.1. Literatura de Vanguarda no Brasil

O auge da vanguarda da língua portuguesa está ligado ao aparecimento do


movimento modernista em 1915, sobretudo a partir da publicação da revista
Orpheu. “Aí se fez sentir, realmente, uma violência no campo expressivo que
muito contribuiu para uma essencial subversão de formas” (GUIMARÃES, 1982:
17).

O auge da vanguarda da língua portuguesa coincide, no âmbito das


artes visuais, com aquilo a que se chamou genericamente arte
moderna, que se iniciou na pintura com os impressionistas e explodiu
no início do século XX com tanta força que até os impressionistas,
que antes eram vanguarda, se viram como ultrapassados. A palavra

71
vanguarda em literatura chegou ao Brasil com o modernismo e se
estendeu à retomada de pesquisas que caracterizam os movimentos
experimentalistas surgidos a partir de 1955. (TELES, 1997: 82)

Os ecos modernistas no Brasil já eram vistos desde 1920, mas foi em 1922
que se viu uma verdadeira revolução literária. Graça Aranha morou na Europa de
1900 a 1921, tendo vivido toda a agitação cultural da belle époque e do que veio
depois, assimilando o espírito moderno em sua obra. Chegou ao Brasil em
outubro de 1921 trazendo as notícias do Congrès de L’Espirit Moderne que se
realizaria em março na França e, logo em novembro, já programou para fevereiro
de 1922 a Semana de Arte Moderna em São Paulo, acontecendo assim antes a
conferência dos europeus. Com Graça Aranha, os jovens modernistas ganharam
um nome de peso nacional para seus propósitos.

Os fatos demonstrariam que a Semana de Arte Moderna finalmente


introduzira o Brasil na problemática do século XX e levara o país a
integrar-se nas coordenadas culturais, políticas e socioeconômicas da
nova era: o mundo da técnica, o mundo mecânico e mecanizado – um
mundo que o modernismo contaria, glorificaria e, depois, temendo-o,
repudiaria, consequência dele que era. (BRITO apud TELES, 1997: 276)

É sabido que Mário de Andrade tinha a coleção da revista L’Espirit


nouveau, e que foi dela que teve inspirações para o seu Prefácio
Interessantíssimo. Nele, Mário critica o futurismo de Marinetti e elogia os
dadaístas, com os quais tinha pontos em comum, “a começar pela designação de
desvairismo para sua escola, além de traços comuns na sua poesia, como a
negação, a preocupação com o burguês, o ataque ao presente, a loucura, os
elementos antipoéticos, a contradição e o encarecimento da liberdade” (TELES,
1997: 32). Já Oswald de Andrade fazia uma mistura do futurismo com o dadaísmo
e o espiritonovismo, a exemplo de Pau Brasil, de 1924. Podemos dizer que todas
as vanguardas europeias chegaram ao Brasil e foram aqui transformadas ou
evoluídas.

72
A chegada das vanguardas históricas foi responsável pelo o que Mário de
Andrade, “numa expressão feliz, chamou de „direito à pesquisa estética‟”
(HELENA, 1986: 6). Foi somente com um movimento europeu que agora nossos
poetas e escritores podiam livrar-se dos valores acadêmicos até então impostos,
pois dava a eles a permissão para valorizar a linguagem como tema e objeto da
própria arte, além de buscar seus próprios estilos pessoais.

Apesar disso, o espírito arcaico e provinciano ainda dominava:

A sociedade como um todo não absorvia os modernistas, não gostava dos


seus experimentos, as famílias condenavam o professor de música Mário de
Andrade, que perde alunas por ter sido participante da Semana de 22. Ser
modernista era como ter-se tornado „leproso‟, conforme se lê em carta de
Mário de Andrade a Prudente de Morais, neto. (HELENA, 1986: 10)

Mas a importância do modernismo para o Brasil não foi parada pelos


“rivais”. O modernismo trouxe a

convergência de ideias estéticas do passado, que foram apuradas e


substituídas pelas novas teorias europeias (futurismo, expressionismo,
cubismo, dadaísmo e espiritonovismo); e também ponto de partida para
as conquistas expressionais da literatura brasileira do século XX. (TELES,
1997: 277)

Dentre as contribuições que o modernismo trouxe para a literatura


brasileira, estão:

1. a abertura e dinamização dos elementos culturais, incentivando a


pesquisa formal, vale dizer, a linguagem;

2. a ampliação do ângulo óptico para os macro e microtemas da


realidade nacional, embora essa ampliação se tenha dado mais
exatamente na linguagem, elevando-se o nível coloquial da fala
brasileira à categoria de valor literário (...). (TELES, 1997: 277)

73
Vê-se que o modernismo, mesmo tendo chegado ao Brasil como uma
tendência estrangeira, foi de fundamental importância para aproximar o país dos
novos rumos que o mundo tomava e, mais importante, investigar e reafirmar suas
brasilidades.

O insight oswaldiano do pau-brasil e do antropofagismo como vertentes


não conservadoras nem autoritárias de se interpretar o nacionalismo fora
da ótica ufanista e com aproveitamento frutífero e criativo das influências
europeias, principalmente no que diz respeito ao estilo fragmentário, ao
corte cinematográfico, ao uso das palavras em liberdade, da crítica
chistosa da sociedade burguesa, do emprego das técnicas cubistas, do
reaproveitamento do ready-made, como propugnado pelos dadaístas, mas
disso tudo extraindo um efeito não importado, uma profícua discussão
sobre a dependência cultural colonizadora, de que nos legara o séc. XIX,
bem como o resgate alegórico (no sentido de fazer „falar o outro‟ cultural
que a metrópole reprimira) de nossas ruínas culturais (e, neste ponto,
Mário de Andrade, com Macunaíma, antecipa a proposta oswaldiana),
indica a profunda diferença que medeia algumas das correntes reunidas
em torno do rótulo „primitivismo‟, assim como suas diversas motivações,
quer estéticas, quer políticas, quer culturais; e, finalmente, acentuar que a
problemática tensão entre a visão de que a vanguarda se opões ao
nacionalismo e a de que o nacionalismo pode e deve, sem prejuízo,
articular-se à renovação vanguardista refletirá, em suas dissensões, nos
rumos que a sociedade brasileira tomou durante a República Nova e o
Estado Novo. Rumos que até hoje ainda ecoam. (HELENA, 1986: 14)

Aliás, o tema nacionalismo foi importante não só pelas questões estéticas,


como pela descoberta de novas formas que não as herdadas pelo parnasianismo
e o naturalismo e também por questões socioculturais, “como a discussão da
dependência brasileira das matrizes da colonização europeia até gravíssimas
questões políticas, como a do elogio e do veto à concepção do Estado como
instituição necessariamente forte e centralizadora” (HELENA, 1986: 8).

No Brasil, o primeiro a trabalhar o texto e a poesia de maneira


construtivista, construindo o poema de palavra em palavra, é João Cabral de Melo
Neto, que “constroi seus poemas como que a lances de vidro e cimento”
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 56), por isso não à toa chamado de

74
“engenheiro das palavras”. Maiores exemplos disso são Fábula de Anfion e
Antiode, de (1946-1947). Depois dele, podemos destacar O Jogral e a Prostituta
Negra (1949), escrito por um jovem Décio Pignatari.

Neste poema, Pignatari lança mão de recursos „concretos‟ de


composição: cortes, tmeses, „palavras-cabide‟ (isto é, montagens de
palavras, possibilitando a simultaneidade de sentidos: al (gema negra)
cova = alcova, algema, gema negra, negra cova), todos eles convergindo
para a temática que é a do poeta torturado pela angústia da expressão. É
a dúvida hamletiana aplicada ao poeta e à palavra poética: até que ponto
ela exprime ou deixa de exprimir, „vela ou revela‟?. (CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI; 2006: 57)

3.10. As Neovanguardas

Com a I Guerra Mundial, artistas europeus se mudaram da Europa para os


EUA, e assim o eixo das artes moveu-se para o Novo Mundo, dando outro
espírito, renovado, à arte, tanto a americana como a mundial. Depois da II Guerra
Mundial, na década de 1950, ressurgiram experimentos na arte e na literatura que
foram chamados de neovanguarda, antivanguarda ou, ainda, segunda vanguarda.
A época também recebeu outro nome: já não era modernista, mas pós-
modernista.

Aqui faz-se necessário distinguir as vanguardas do começo do século XX,


conhecidas como vanguardas históricas, as que já falamos, das vanguardas dos
anos 1960, conhecidas também como vanguardas tardias. Da primeira vanguarda
destacamos Marcel Duchamp (1917) e Jackson Pollock (1945). Como vimos,
Duchamp, considerado o pai da arte conceitual, instituiu a noção de que tudo
pode ser arte desde que o artista assim queira. Ele também foi precursor da pop
art ao usar como material para as obras, produtos feitos pela indústria para fins
cotidianos, desvinculando-os das utilidades e dos nomes dados a eles – uma

75
verdadeira aula semiótica. Já Pollock transpôs a noção de verticalidade do
suporte (tela, mural) para o chão com a action painting ou dripping painting e criou
o expressionismo abstrato – ou, ainda, a arte do acaso.

A segunda vanguarda da qual falamos, a dos anos 1960, não poderia


existir sem a primeira.

Depois do ready-made de Duchamp, a arte nunca mais voltou a ser a


mesma, com ele, o ato criativo foi reduzido a um nível espantosamente
rudimentar: à decisão singular, intelectual e largamente aleatória de
chamar „arte‟ a este ou aquele objeto ou atividade. Duchamp deu a
entender que a arte podia existir fora dos veículos convencionais e
manuais da pintura e da escultura, e para além das considerações de
gosto. (SMITH in STANGOS, 2006: 222)

Duchamp estabeleceu que a arte podia ser feita com qualquer coisa, por
qualquer um. Assim, nos anos 1950 e 1960, a arte acabou se conectando com a
política.

Para Edoardo Sanguineti, as neovanguardas constituem uma apelo contra


a ordem neocapitalista assim como as vanguardas históricas constituíram
num outro tempo. (TELES, 1997: 209)

Influenciado pela consciência de Mahatma Gandhi e Mather Luther King,


pela luta contra a segregação racial no sul e pelos direitos civis nos EUA, pelos
movimentos estudantis no mundo todo e pelos protestos contra a Guerra do
Vietnã nos 1960, o radicalismo da indústria e da sociedade se voltou para ações
de consciência e organização autônoma dos menos favorecidos.

Os artistas condensaram seus conceitos em ícones visuais densos,


arranjos não-lineares dos objetos no espaço, eventos únicos e
intervenções ativistas nas quais museus e galerias agora eram vistos
como o poder estabelecido. (CROW, 1996: 11)

76
O primeiro modernismo foi mais formalista e mais entregue aos paradoxos
da forma. Sentimos que este foi uma evolução histórica, com uma noção de crise
e um ponto culminante. O modernismo posterior, ou neomodernismo, foi uma
retomada, porém antiformalista, ainda que usasse a forma para subvertê-la.

A utilização de estruturas soltas ou da arte aleatória (isto é, baseada no


acaso), como em Cage, Tinguely ou no happening, ou a arte da
ficcionalidade consciente, como em Nabokov, Borges ou Barthelme, não
diverge inteiramente de seus predecessores: é uma velha distribuição de
velhas forças. (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 26)

Os neovanguardistas são mais conceituais e argumentativos (AGUILAR)


que os vanguardistas; têm um rigor técnico maior, enquanto os vanguardistas são
mais “incendiários” (SANGUINETTI apud AGUILAR, 2005: 70), mais imediativos,
mais “emoção”. Assim, podemos dizer que são características das
neovanguardas:

- a atenuação dos caracteres românticos da vanguarda


histórica e atenuação dos seus impulsos mais abertamente
anárquico-revolucionários;

- a tendência a „grupo‟ em substituição a „movimento‟;

- a luta contra o museu dissolve-se, pois ele é quem recebe


os produtos/obras dos artistas; e

- a incorporação de novos elementos à obra de arte, como o


espaço, o corpo, a música e a tecnologia.

No livro de Pierre Garnier, Spatialisme et poésis concréte, de 1968, pode-


se saber mais sobre a neovanguarda. Foi ele quem publicou o Manifesto para
uma nova poesia visual e fônica, em 1962, manifesto que veio depois do dos
concretistas brasileiros, o Plano Piloto para poesia concreta.

Sobre o neomodernismo ou pós-modernismo, acentuamos o que Bradbury


& McFarlane escreveram:

77
Se agora existe uma nova vanguarda e uma nova estética ou um conjunto
de estéticas – baseadas, digamos, em Cage, Burroughs, Beckett e
Borges, na poesia concreta e no Nouveau Roman, mas também no
happening, drogas, contracultura e negritude -, não é mais simplesmente
um estilo: é uma forma de ação pós-cultural, uma política. A vanguarda foi
para as ruas e se tornou um comportamento instintivo ou radical, e
estamos numa nova era estilística, na qual aquela tarefa do humanismo e
da civilização que o modernismo tentou desesperadamente reafirmar,
através de suas subversões formais, já está encerrada. Predominam o
anarquismo e o subjetivismo revolucionário, desaparece a singularidade
da obra, acabaram os cultos à impessoalidade à pura forma: a arte é
ação, agressão ou jogo (grifo meu). (1989: 26)

vide anexo 15

São considerados neovanguarda – ou artes pós-modernas – o kitsck, o


concretismo e a poesia visual, a pop art, op art, a earth art ou land art (arte
ambiental), a body art, a videoarte, o hiperrealismo, a arte póvera, a arte
minimalista, a arte aleatória, a arte cinética, a web arte, a arte digital, o graffiti
/street art, o happening, a arte conceitual, o punk, a música eletrônica, a arte brut
ou naïf, o neo-expressionismo, o neo-concretismo e a performance, entre muitas
outras. Dentre estas, vamos nos ater com profundidade a apenas uma, a poesia
concreta, sem antes citar brevemente uma manifestação importante para nosso
entendimento da pixação, o happening/performance.

3.10.1. Happening/Performance

As reuniões em grupo foram substituídas por happenings; o próprio


comportamento dos participantes era o que Marinetti chamou de „arte
como ação agressiva‟; os gêneros tradicionais se transformaram em
eventos multimídia, funcionando como jornais culturais imediatos, atos
para despertar a consciência ou apresentações coletivas sem autoria
individual. (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 155)

78
Os happenings e as performances são pequenos teatros na forma de artes
plásticas, porém tridimensionais, compreendendo espaço, tempo e movimento e a
interação do público. Ele geralmente está no mesmo patamar – o chão – ou é
pego de surpresa, produzindo um contexto emocional nas pessoas.

John Cage apresentou em 1952 na Carolina do Norte o que foi considerado


o primeiro happening. Por alguns historiadores, porém, é Allan Kaprow o criador,
por ter inventado o termo. Em 1959, ele realizou inúmeros happenings, definindo-
os como “enviroment”, ambiente em português. O Grupo Gutai, baseado em
Osaka, Japão, também se destacou de 1954 a 1972 com os happenings. No
Brasil, Flávio de Carvalho é considerado o pioneiro da performance. Mais ligado à
libertação do que ao nacionalismo que os outros modernistas, sua obra era
diferente de tudo e até hoje ainda é obscura. Também arquiteto, pintor desenhista
e escritor, suas “experiências” traziam a atitude como forma, e o corpo como obra.

A diferença entre happening e performance é que nesta última há a


participação (ou interação) do público, diferente do happening.Happening e
performance assemelham-se por serem obra fora do suporte, ou melhor dizendo,
o corpo, o som e o tempo no suporte “espaço”. Eles não tem começo, meio ou fim
programados. Podem ser poéticos, dramáticos, musicais, políticos, eróticos,
alucinatórios etc, e são um exemplo da arte descartável, efêmera, que acontece
num espaço e tempo e depois finda. O happening e a performance, assim como a
maioria das vanguardas, recusa as convenção tradicionais de arte, portanto não
tem enredo, não separa o público do espetáculo e não há planejamento. vide
anexo 16

3.10.2. Poesia Concreta

Na década de 1960 os EUA, mais especificamente a cidade de Nova York,


vivia uma intensa explosão cultural (podemos dizer também contra-cultural) e
artística. As atividades experimentais que haviam começado na década anterior
tomaram conta das artes, envolvendo artistas de diversas áreas, como literatura,
música, dança, artes visuais e os happenings. No mesmo período, o rumo da
literatura tomava os caminhos das artes visuais.

79
A cidade de São Paulo respirava uma agitação artística: Abertura do MASP
(1947), do MAM (1948), do Clube dos Artistas, do Clube da Poesia, do Instituto de
Arquitetos do Brasil (IAB), do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), novas revistas,
novos prêmios e artistas. Em uma página de O Estado de S. Paulo aparece um
poema diferente, que chama a atenção – de uns pela estranheza, de outros por
encontrarem algo novo, diferente da poesia da época. O poema era Lobisomem,
escrito por José Pignatari, pseudônimo de Décio, com cerca de 21 anos à época.
Isso era idos de 1948.

Neste mesmo ano José Pignatari comparece a uma mesa redonda na sede
do IAB, à qual também está presente Augusto de Campos. Augusto marca um
encontro com Décio, que passa a conhecer também Haroldo de Campos, irmão
de Augusto20.

A partir de então, formam um grupo que se reunia aos fins de semana


para conversar sobre arte, cinema, música e literatura. Pouco depois, passam a
integrar o Clube da Poesia, importante círculo intelectual do qual fazem parte
importantes poetas e críticos da Geração de 45, conhecida também como 2ª fase
modernista brasileira. Em 1950 rompem com eles, começando a concretizar –
literalmente – suas próprias ideias e pesquisas, baseadas nas outras artes e na
tecnologia. Em 1952, fundam o grupo Noigandres e lançam uma revista
homônima.

Os jovens tinham certeza de suas ideias, e buscavam inclusive, visibilidade


e respeito internacionais. Tinham um trabalho em equipe e visão multidisciplinar,
pensando a poesia no contexto urbano-industrial.

Localizar-se no espaço urbano-industrial e perceber suas mutações são


as condições básicas que solicitam dos poetas uma redefinição de seu
papel nessa sociedade.21

Surge assim a poesia concreta, movimento que realmente apareceu,


adquiriu respeito e influenciou em âmbito internacional. “Ela existiu em âmbito

20
O Chão da Poesia Concreta. In: Revista Percurso, sem mais informações.
21
O Chão da Poesia Concreta. In: Revista Percurso, sem mais informações.

80
internacional, instaurou a era pós-verso, representou o coroamento de todo um
processo que, tendo início no século XIX com o verso livre, apontou para a
ruptura dessa tradição” (KHOURI, 1996: 60 e 61). Para Aguilar, “na literatura, o
movimento da poesia concreta representa uma das tentativas mais íntegras e
depuradas da tendência modernista” (AGUILAR, 2005: 333).

Assimilaram-se aspectos inerentes à sintaxe relacional do ideograma,


dinamizando o poema, tornando-o cinético e deflagrando não só o que há
de visualidade em uma poesia, mas também o espaço que ela ocupa.
Explorou-se o semântico global da palavra em suas dimensões materiais
e buscou-se, simultaneamente, a multiplicidade e a condensação dos
sentidos, ainda que se usasse „um vocabulário à vezes pequeno‟ e, em
alguns casos, „uma frequência relativamente alta de uma única e mesma
palavra‟. (BENSE apud CÂMARA, 2000: 11)

Os concretistas deram aparência estética ao que não tinha antes: as letras,


as frases e os poemas.

O que em plástica ou em arquitetura é elementar (considerar as


transformações formais em termos visuais), em poesia possibilitava a
descoberta de uma série de textos (os poemas visuais), que eram
considerados ou meros entretenimento e, ou desvios marginais dos poetas
do passado (Mallarmé, Apollinaire, Marinetti). (AGUILAR, 2005: 61)

Vemos, assim, que a poesia sempre encontrou mais resistências à


evolução formal se comparada a outros tipos de arte, como escultura, pintura,
teatro, música, arquitetura.

Com a revolução industrial, a palavra começou a descolar-se do objeto a


que se referia, alienou-se, tornou-se objeto qualitativamente diferente, quis
ser a palavra „flor‟ sem a flor. e desintegrou-se ela mesma, atomizou-se
(Joyce, cummings). a poesia concreta realiza a síntese crítica, isomórfica:
„jarro‟ é a palavra jarro e também jarro mesmo enquanto conteúdo, isto é,

81
enquanto objeto designado. a palavra jarro é a coisa da coisa da coisa, o
jarro do jarro, como „la mer dans la mer‟. isomorfismo. (CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI, 2006: 68)

Aguilar nos conta que logo no início do concretismo a forma e a


completude das palavras não eram mexidas, apesar de já serem consideradas
imagem. Existia uma tipologia padrão a ser usada, a futura bold, que possuía
formas simples e modernas, porém letra era letra, e desenho era desenho.

Os poemas não saíam das letras do alfabeto e as letras jamais se


dissolviam para assemelhar-se iconicamente a outra coisa. (AGUILAR,
2005: 214)

Mas ainda não era o bastante. Os poetas concretos queriam chegar a uma
inovação tal que subvertesse tudo o que havia sido feito até então em poesia:
queriam achar (ou inventar) algo que substituísse o verso totalmente. O Plano-
Piloto para Poesia Concreta, escrito por Augusto e Haroldo de Campos e Décio
Pignatari em 1958 para a revista Noigandres 4, definia dois pontos fundamentais:

 “o fim do ciclo histórico do verso (da unidade ritmico-formal)” e


proposição de uma poesia sem verso e;

 “o espaço gráfico como agente estrutural, (...) em vez de


desenvolvimento meramente temporístico-linear” (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 1975: 156).

Augusto de Campos e Décio Pignatari foram os que mais usaram a


contaminação entre imagem e signo lingüístico.

Desde os primeiros anos do movimento, o uso do ideograma esteve


associado ao diagnóstico de uma cultura caracterizada como visual e em
que predominava o não-verbal (grifo meu). (AGUILAR, 2005: 231)

82
Assim foi instaurada definitivamente – pois um embrião já havia sido criado
com os modernistas – o fim da poesia com verso e do fazedor dos versos,
acentuando-se ainda o que parecia impossível: que não é importante fazer
versos.

Os artistas e poetas concretos desde o início pensavam no “papel do


artista na sociedade industrial, (...) portanto a poesia concreta foi pensada como
protagonista da transformação cultural” (CÂMARA, 2000: 20 e 25). Ela tinha como
ideário preocupações com as “relações complexas entre arte, comunicação e
tecnologia” e estava empenhada em “extrair o máximo de comunicação do poema
com o mínimo de elementos” (CÂMARA, 2000: 24). A poesia concreta foi
profundamente influenciada pela semiótica, usando-a inclusive como técnica para
as criações.

(...) O poeta se descartou, de um só golpe, da linguagem-instrumento;


ele escolheu de uma vez por todas a atitude poética que considera as
palavras como coisas e não como signos (...). As palavras-coisas se
agrupam por associações mágicas de conveniência e inconveniência,
como as cores e os sons, se atraem, se repelem, se inflamam e sua
associação compõe a verdadeira unidade poética que é a frase-objeto.
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 78)

A poesia concreta enfatizou a racionalização da forma ao lançar mão dos


recursos tipográficos e espaciais na página, tornando o papel, o tipo, a palavra e o
significante como ferramentas e matérias para a obra e chegando a um
minimalismo extremo ao articular simultaneamente as dimensões verbais, vocais,
visuais e espaciais, criando uma nova sintaxe que atuava em vários campos – e
não só no ortográfico-sintático –, como o happening também criou.

Com as artes das Bienais, os poetas criaram um espaço de diálogo e de


performance: ao tirar a poesia de seu lugar convencional, exigiram que
esta se definisse com relação à demais artes. A poesia se apresentava
como planejamento, design e construção, categorias que a aproximavam
da artes visuais e da poética de João Cabral de Melo Neto, mas sobretudo
dessa disciplina que no Brasil havia se convertido em emblema da

83
tradição modernista. (...) A categoria de design funcionava como uma
corrente de transmissão e ideologema, isto é, vinculava a poesia com as
demais artes e, ao mesmo tempo, com o espaço social. (AGUILAR, 2005:
74)

A caligrafia, ou seja, a grafia manuscrita, não pertencia ao mundo da


poesia concreta pelo simples fato de não se enquadrar nos conceitos de “massa”
e “tecnologia”. A caligrafia manual estava mais ligada à estética expressionista,
além de ser bastante encontrada na art brut.

A poesia concreta é uma poesia „em situação‟. Ela não se recusa, como o
Rilke da nona elegia de Duíno, à máquina e aos seus produtos. Longe
dela o misticismo artesanal. Para começar, o poema concreto – como o
quadro concreto pintado a revólver – é composto diretamente à máquina:
o espacejamento fixo e a regularidade dos tipos permitem, com esse
instrumento de trabalho típico do homem moderno, um maior controle dos
elementos em jogo do que, evidentemente, ocorreria na peça manuscrita.
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 147 e 148)

A poesia concreta apresentou “dois tipos de ruptura: a poesia sem verso,


sistemática do verso, e a destruição do mundo verbal no espaço e sua utilização
tipográfica” (CÂMARA apud PIGNATARI apud COCCHIARALE, 1987: 72).

Concretistas dispunham as palavras no espaço da folha de papel sem


utilizar ponto, vírgula ou qualquer tipo de sinal pausal. Os próprios espaços na
folha sinalizam a pausa. A poesia concreta usou não só o espaço, como
construções criativas com as palavras e o som, e a imagem das letras e das
palavras para conseguir evoluir a ponto de articular o verbo, o vocal e o visual. O
recurso dos signos visuais, que no início eram poucos, foi sendo recorrido com o
passar do tempo, pois foram se libertando da palavra escrita (significante), ficando
mais e mais visual. vide anexo 17 e anexo 18

Em sua evolução de formas, a poesia concreta daria origem a novas


poéticas que consideram a possibilidade de uso de um amplo sistema
de signos, não se limitando, com isso, à linguagem verbal: daí o caráter
de universalidade buscado. (CÂMARA, 2000: 25)

84
A poesia concreta se afastou dos suportes semânticos e sintáticos que permitiam a decodificação discursiva dos poemas. Assim,
a narrativa e a decodificação deixaram ser uma história para ser como que ideias ou flashes de ideias, podemos dizer assim, que darão

origem a um pensamento – por isso fala-se em “obra aberta” sobre as artes modernistas (ECO, 1972). “As palavras fazem
com que se configurem na mente imagens visuais, ou melhor dizendo: as
palavras do poema funcionam como um estímulo para que se imaginem coisas –
visuais -, imagens emergem” (KHOURI, 1996: 60 e 61).

Aqui entramos na ideia de semiose, tão importante para o entendimento de


qualquer arte moderna como da pixação. Como já dissemos, um signo comunica
por si só, inclusive sem querer, como por exemplo na não comunicação: mesmo
os pixadores não querendo se comunicar com os passantes comuns, o signo
pixação gera neste tipo de receptor vários entendimentos, ou idéias, ou
percepções, ou lembranças. Semioticamente falando, podemos explicar dizendo
que o signo pixação, independente da intenção, gera comunicação, que por sua
vez faz surgir vários signos. A esse processo de surgimento de signos, dá-se o
nome de semiose.

Assim, entendemos que semiose nada mais é que a produção de signos,


“a partir do pressuposto de uma relação recíproca entre significante e significado”
(SAUSSURE). Aí também entendemos por que é impossível não comunicar: todo
e qualquer signo gera uma comunicação, pois é interpretado. Com isso, é gerado
outro signo que não o primeiro, e por aí vai.

É possível dizer que a semiose é circular e que existe um universo infinito


de signos, pois estamos sempre gerando outros, praticamente em um processo
exponencial. “Nossa cabeça não pára”. O – difícil, se não impossível – objetivo da
meditação é justamente o de tentar programar nossa mente para eliminar da
nossa cabeça todo e qualquer signo ou processo sígnico – ou da semiose.

Um signo, ou representamen, é aquilo que representa algo para


alguém, em algum aspecto ou sentido. Dirige-se a alguém, quer dizer,
cria na mente de uma pessoa um signo equivalente ou, talvez, um signo
mais desenvolvido. Ao signo que é criado chamo interpretante do
primeiro signo. O signo representa algo, seu objeto. Representa o
objeto, não em todos os sentidos, mas em referência a um tipo de ideia,

85
que em alguns casos havia chamado terreno (ground) da
.
representação (PEIRCE)

Segundo Tzara, a poesia deve possibilitar “a cada ouvinte a ligação das


associações convenientes. Cada um reterá os elementos característicos para sua
personalidade, os entremeará, os fragmentará etc., ficando, de todo modo, na
direção que o autor canalizou” (TZARA apud CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI,
2006: 139). Estas noções de seminose – ou, em português informal, de
continuidade do pensamento – serão importantes para a algumas características
que apontaremos no próximo capítulo.

Segundo Jan Mukarovsky, na poesia concreta

(...) a distinção tradicional entre conteúdo e forma é substituída por outra,


mais acurada, entre a forma e o material empregado. Por material,
entendemos tudo aquilo que entra na obra e deve ser organizado pelo
artista, a saber: os elementos linguísticos, ideias, sentimentos, eventos
etc., enquanto forma para nós é a maneira pela qual o escritor manipula
esse material para produzir efeito artístico visado‟. (nota: forma, aqui,
equivale, obviamente, ao que os antecessores russos de Mukarovsky
denominavam procedimento). Sartre pensava certamente nessas teorias
quando escreveu (Situations II, “O que é a literatura?”): O império dos
signos é a prosa; a poesia fica ao lado da pintura, da escultura e da
música. (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 78).

Se, no entender de Sartre, a poesia se distingue da prosa pelo fato de que


para esta as palavras são signos enquanto para aquelas são coisas, aqui
essa distinção de ordem genérica se transporta a um estágio mais agudo
e literal, eis que os poemas concretos caracterizar-se-iam por uma
estruturação ótico-sonora irreversível e funcional e, por assim dizer,
geradora da ideia, criando uma entidade todo-dinâmica, “verbivocovisual”
- é o termo de Joyce – de palavras dúcteis, moldáveis, amalgamáveis, à
disposição do poema. (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 55)

86
As influências mallarmeanas pediam ao poema concreto uma tipografia
funcional, que espelhasse com as “metamorfoses, os fluxos e refluxos do
pensamento” (CAMPOS, 2006: 32).

A materialidade tipográfica dessa fase não é alheia aos critérios


modernistas de evolução e homogeneidade. A futura bold cumpria
essas exigências, como os poemas de Noigandres 4 demonstram.
Mas, no início dos anos 1960, os usos tipográficos se
diversificaram e adquiriram sentidos diversos, de acordo com o
poema. (AGUILAR, 2005: 223)

vide anexo 18

“As variações tipográficas atuam sobre as dimensões e sobre a forma,


modificando o desenho do poema e sua espacialidade” (AGUILAR, 2005: 238).
Um artista que influenciou muito os concretistas na época foi Max Bill, que tinha
formação na Bauhaus triunfou na Bienal de 1950 (AGUILLAR, 2005: 62). Max Bill
não tinha uma única profissão, mas várias, e as usavas como ferramenta para
todas, simultaneamente. Ele foi apresentado aos irmãos Campos e a Pignatari por
Tomás Maldonado como “arquiteto, pintor, escultor, gráfico, designer, publicitário
e educador” (idem, ibidem).

A Bauhaus foi criada por Walter Gropius em Weimar, Alemanha, em 1919,


da junção de uma academia de belas-artes e uma escola de artes aplicadas.
Literalmente, significa “casa em construção”, pois foi fundada após a I Guerra
Mundial com intenção de dar suporte intelectual, cultural e artístico para a
formação de profissionais para a reconstrução do país, além de se pensar em
uma estética para esse novo período que se iniciava. Ali eram ensinadas todas as
artes e todas as profissões ligadas às artes, inclusive arquitetura e publicidade.
Vê-se aqui que a ideia de “arte” já havia adquirido uma nova concepção, podendo
estar em qualquer lugar que não apenas nas belas-artes e unir-se ao cotidiano,
perdendo assim a aura de superioridade.

A Bauhaus reunia como professores badalados artistas, arquitetos e


pensadores das artes, e teve como perfil a usabilidade, o racionalismo e a busca
pelo novo. Além disso, fazia parte da proposta da Bauhaus que o artista se visse

87
como sociamente responsável pelo bem-estar e a melhoria da comunidade, e
esta aceitasse o artista como um benfeitor.

Muito ligada à corrente da art déco22 e diferente do dadaísmo, que pensava


em desconstruir e não via futuro no mundo, nas pessoas e nas coisas, a Bauhaus
propunha a harmonia e o uso da arte para melhoria da sociedade. A arte devia
ser usada para deixar mais atrativos os objetos, unindo-se à ergometria e à
praticidade. Eram usadas ferramentas e características da sociedade
industrializada, como a fotografia e o cinema, mas também a tipografia, o
artesanato, a editoração e a ilustração, sempre pensando na limpeza e
plasticidade da coisa produzida.

A Bauhaus (...), além de dar seu nome a um tipo de letra, colocou a


tipografia no centro das suas experimentações e, nos tempos da
Revolução Russa, a Escola de Altos Estudos Técnico-Artísticos de
Moscou (...). (AGUILAR, 2005: 218)

A Bauhaus, inclusive, criou também um departamento de tipografia, pois as


vanguardas estavam preocupadas com

uma reflexão mais vinculada à autonomia da arte e encontraram na


tipografia um campo de experimentação, como também outros
movimentos que, entregues aos avatares da revolução, entreviram tanto
as possibilidades propagandísticas do tipograma, como seu estatuto de
sintoma da modernidade e das mudanças sociais. (AGUILAR, 2005: 218)

É notório que artistas de vanguarda deram especial atenção para as


experimentações com tipografia, mostrando que a letra, ou a forma dela, não era
irrelevante. Movimentos como o cubismo, o dadaísmo, o construtivismo e o
futurismo se ocuparam dos possíveis usos das técnicas tipográficas.

22
Movimento que não citamos pois estava mais próximo das artes clássicas, e não das
modernistas.

88
Segundo Reyner Banham, em seu livro Theory and Design in the First
Machine Age, „esta introdução de uma organização industrial e do telefone
nas convenções aceitas da criação artística teve claramente o mesmo tipo
de significado dadaísta que a eliminação do artista e da pintura daquelas
convenções por Duchamp com seu „porta-garrafas‟. (AGUILAR, 2005: 78)

Como vimos, a Bauhaus estabeleceu um marco ao fazer a interação entre


a indústria e as artes, inaugurando o que é chamado de design. Inspirados na
estética limpa proposta pela Bauhaus, as experimentações dos três jovens poetas
começaram a tomar corpo, unindo as palavras à plasticidade.

O design proporcionava, em uma leitura simplificadora, o estoque de


motivos que distinguiam o movimento: consonância com o contexto
moderno, possibilidade de uma linguagem universal, reflexão sobre a
forma, e caráter imediato e planejado da obra frente ao caos surrealista e
às efusões tardo-românticas que ainda predominavam na poesia. O
poema deixa de ser um discurso que admite qualquer versão tipográfica
ou reprodutiva, e passa a ser um objeto que ocupa um lugar no espaço e
que visualiza uma série de relações estruturais. (AGUILAR, 2005: 77)

A poesia concreta foi o resumo de tudo o que o modernismo havia


ensinado até então: coloquialismo, experimentação, trabalho em conjunto,
interdisciplinaridade, o fim das certezas, a mudança total na noção do que é obra
de arte – ou poesia – o uso de tecnologia, a arte próxima da vida e a vida próxima
da arte, o deslocamento do suporte e o uso de outras ferramentas e materiais, o
nonsense (ou perda da racionalidade da sintaxe), a desintegração das formas
(abstração), a quebra das regras no não uso de pontuação, entre muitos outros.

Mas o que a poesia concreta explorou mais que as outras vanguardas foi
“o espaço como agenciamento e signo como nó material das relações”
(AGUILAR, 2005: 176).

Depois de firmada, foi possível perceber dois tipos distintos de construção


na poesia concreta, a composição linear, da qual o verso participa, assim como os
laços lógicos da linguagem, e a constelar, que lança os signos simultaneamente
no espaço, esta última

89
adequada à „nova realidade ritmica‟, que um mundo tecnologizado impõe
e no qual a comunicação visual deixa a cultura livresca e discursiva em
segundo plano. (AGUILAR, 2005: 183)

S.I. Hayakawa, em um ensaio muito citado pelos concretistas, defende que

a estrutura tradicional da linguagem (e as concomitantes reações


semânticas) divide o indivisível em „entidades‟ distintas – muitas vezes
obscurecendo ou ocultando por completo os relacionamento funcionais
(HAYAKAWA apud AGUILAR, 2005: 183)

, um tipo de linguagem aristotélica, ocidental, o oposto da chinesa.

O ideograma se define – de um modo restrito – como uma continuidade


ou um motivo visual e fônico que se repete no poema e que substitui o
tema semântico ou o estribilho. (HAYAKAWA apud AGUILAR, 2005: 183)

No ideograma chinês, os “traços são representações ideográficas dos


objetos que designam” (AGUILAR, 2005: 186).

Embora os poetas paulistas usem a palavra „ideograma‟ para se referir


tanto a seus poemas da fase concreta, à poesia chinesa, à poética de
Pound e Mallarmé como à cultura visual, à simultaneidade e à
espacialização textual, em cada momento privilegiam-se elementos
diferentes e o decisivo é que o „ideograma‟, como termo, consegue
sintetizar fenômenos de natureza distinta. Aproximar-se da gênese do
termo nos ensaios e manifestos permite estabelecer um ponto de partida
para construir um instrumento crítico de leitura do poema concreto.
(AGUILAR, 2005: 184 e 185)

O poema como forma espacial fez com que a palavra se transformasse em


„coisa‟, mas coisa que só sobrevive na relação com aquele espaço. Já não havia
mais versificação nem linha, definindo-se outra relação com o espaço. Segundo a

90
teoria Gestalt, o “todo” é mais que a soma das partes que o compõem. “A
diferença está em que, nas neovanguardas, a utilização consciente dessas leis
permitiu um tratamento mais elaborado ou consciente das relações espaciais”
(AGUILAR, 2005: 191), definindo assim seu „texto cultural‟. O olhar não precisa
percorrer em um sentido fixo e apreende várias significações simultaneamente.

O poeta concreto se distancia ainda mais das formas narrativas da


discursividade poética e se aproxima do trabalho espacial da pintura e da
música que lhe são contemporâneas. (AGUILAR, 2005: 203)

Segundo Décio Pignatari, a paranomásia, e não a metáfora, é a “figura


adequada para o eixo paradigmático das similitudes, ao menos no que se refere
ao signo icônico artístico” (PIGNATARI apud AGUILAR, 2005: 208). Para
Fenollosa, é a associação metafórica que diferencia a poesia da prosa.
(FENOLLOSA apud AGUILAR, 2005: 186).

Os traços icônicos do texto, a preocupação com o espaço e a


apresentação direta e rápida das palavras, fizeram a poesia virar imagem. A
imagem e o texto passam a fazer parte de um mesmo “campo experimental”,
tirando-se a distância entre signo e significante. Findada a noção de sucessão e
enlace das palavras, a poesia concreta passa a sintetizar a ideia em uma
imagem.

A sintaxe impõe uma ordem sucessiva e sua fluidez permite simular o


reflexo de uma realidade extradiscursiva. Nas formas espaciais, Salta aos
olhos o caráter arbitrário e cultural do ordenamento sintático e linear dos
signos. (...) Em poesia, a sucessividade está ligada a uma negação da
escritura, de sua espacialidade e de sua materialidade. Mediante essas
sobreposições, as artes plásticas tentam configurar um espaço e um tempo
liberados da sucessão e da sintaxe da representação. (AGUILAR, 2005: 213
e 214)

vide anexo 19

91
Segundo Aguilar, os concretistas tiraram de Joyce o amálgama de
palavras; de Cummings, a fragmentação; de Mallarmé, a distribuição no espaço;
de Pound, a teoria do ideograma e a elaboração das tradições (2005: 67).

A poética concreta baseia toda a sua força na dupla afirmação de uma


série de oposições que a prática de vanguarda releva e torna produtivas:
poesia e utilidade, ideograma e sintaxe lógico-discursiva, não-conciliação
e comunicabilidade, trabalho da forma e consumo como participação.
(AGUILAR, 2005: 235)

Concretos usam a palavra como imagem, mas nem por isso destroem sua
poética, pelo contrário. Constroem uma nova, baseada no significante, no
significado e no signo, geralmente sem construções sintáticas ou, quando há, com
a subversão ou uso criativo dela. “A Poesia Concreta não se dissocia da
linguagem, nem da comunicação. Mas despe a armadura formal da sintaxe
discursiva” (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 172). Aguilar diz que, “não
se trata de um poema pictórico nem de uma pintura poética, mas sim de uma
maneira de processar a experiência diante os signos, sejam da natureza que
forem.” (AGUILAR, 2005: 217).

Uma vez que a palavra assume este caráter visual e consistente, supõe a
reatualização de duas linhas que remontam aos experimentos das
vanguardas históricas: a contaminação entre as diferentes séries
(linguística, auditiva, visual) e o uso intencional da tipografia. Nesta
linhagem, os poetas concretos não continuam a linha dominante da
poesia como imagem metafórica que surgiu na poesia de vanguarda. Em
sua leitura visual, resgatam uma zona menos reconhecida (...): a da
poesia visual e da experimentação tipográfica. (AGUILAR, 2005: 209)

O concretismo quis abandonar o terreno da poesia que retrata coisas não


úteis, mas também enfrentar as artes visuais com uma arte “útil e funcional”. Além
da superação do verso, eles precisavam e buscavam uma unidade mínima do
poema que substituísse o verso.

92
A contaminação entre imagem e a palavra que os poetas concretos
praticaram era um procedimento poético e, também, um modo de inserção
nesse mundo visual de comunicações rápidas. (AGUILAR, 2005: 232)

Apesar de os concretistas terem buscado para a poesia um terreno


próximo ao dia-a-dia, um poema “útil e funcional” que os diferenciava dos
tradicionais, por outro lado os poemas tinham formatos comuns das artes
plásticas, colocando-os moldura e pendurando-os em paredes, como os artistas
antes das vanguardas. Para os modernistas, um ato arcaico. Para a poesia, era
um enfrentamento, uma novidade. Além disso,

a poesia se tornou „uma luta insuportável com as palavras e os


significados‟, um puxar e esticar, um sacudir violento da faculdade de
compreensão do intelecto. Outras definições mais antigas e tradicionais
da poesia – a extravasão espontânea de sentimentos poderosos, as
melhores palavras na melhor ordem – foram deixadas de lado com
impaciência. (MCFARLANE in BRADBURY; MACFARLANE, 1989: 56)

vide anexo 19

Em 1967, aparecem os poemas-processo, modalidade que se opunha


radicalmente a qualquer forma de discurso ou item que lembrasse a poética
tradicional, podendo inclusive abandonar as palavras e letras. Não vamos entrar
nas derivações da poesia concreta pois esta por si só basta como ilustração para
a pixação.

A arte das palavras na poesia visual (...) são tonificantes, alegres,


excitantes. / Mesmo a palavra „doença‟ brilha como o sol. (...) A nova
poesia faz as palavras se mexerem na página: elas tem patas, tem asas,
rodas, mãos, pés, luzes próximas e longínquas. / Isso se mexe como um
olho. (Garnier, Manifesto para uma nova poesia visual)

93
4. ANÁLISE DAS PIXAÇÕES

Para esta análise, é fundamental ater-se, de antemão, aos elementos


essenciais que distinguem as vanguardas artísticas e a poesia concreta da
pixação: a motivação e a pretensão. A poesia concreta nasceu dentro de um
núcleo de pensadores que logo a posicionaram ideologicamente perante a história
das artes e da literatura. Já a pixação é feita por moradores nas periferias dos
grandes centros urbanos brasileiros, aqui a considerar São Paulo e Grande São
Paulo, geralmente das classes C, D e E.

Podemos dizer que a pixação não tem a intenção de ser arte e, muito mais
que isso: ela não tem um ideário político definido e não é um movimento artístico-
intelectual em sua essência. Diferente dos vanguardistas, que muitas vezes antes
mesmo de qualquer obra já tinham conceitos, pixadores não delimitam referências
teórico-intelectuais, mas ações, técnicas e elementos para valoração da pessoa,
da turma ou do pixo.

Os concretistas eram próximos do nacionalismo e tiveram “uma


necessidade de se posicionar frente ao problema do nacional” (AGUILAR, 2005:
104), que o levou a buscarem referências (paideumas) que tinham um
nacionalismo crítico. A maioria dos pixadores não é engajada politicamente,
porém eles fazem uma crítica inconsciente ao país com suas palavras e à
propriedade privada ao se apossarem de suas paredes sem nenhuma culpa.

Três intelectuais pensaram minuciosamente a poesia concreta, baseados


em estudos formais das artes, da literatura e na pesquisa da tecnologia e da
sociedade da época, lançando manifestos e artigos em sua defesa.

Os movimentos e conceitos da arte moderna foram intencionais,


deliberados, dirigidos e programados desde o começo. Fizeram-se
acompanhar de uma pletora de manifestos, documentos e declarações
programáticas. (...) Os movimentos artísticos modernos foram
essencialmente „conceituais‟: as obras de arte eram consideradas em
função dos conceitos que exemplificam. (STANGOS, 2000: 9)

94
A pixação nasceu espontaneamente, adquirindo formas por meio da cultura
do homem suburbano de São Paulo. Embora alguns pixadores, principalmente os
mais velhos, tenham um discurso mais elaborado social e politicamente, a
pixação não nasceu se posicionando perante algo, embora o seu fazer e seu
modo de viver conotem intrinsicamente a ida contra valores da sociedade. Ela é
desorganizada no sentido de não haver uma ideologia ou pensamento comum,
inclusive propositalmente, por acharem que “cada um faz o que quer”. Já a poesia
concreta se manifestou desde o início com ideais propostos para mudanças
sociais e artísticas.

Como já vimos, também é possível afirmar que subverter a língua e a


linguagem, propositalmente ou não, não é de hoje: a linguagem coloquial/popular;
movimentos como o modernismo em nível mundial e o antropofagismo
especificamente no Brasil; e, claro, o movimento concretista, quebraram e ainda
quebram as regras instituídas pela formalidade lingüística.

Porém podemos afirmar que quem nasceu após os anos 1960, e aí estão
inclusos os pixadores, é de uma geração influenciada por todas essas mudanças
modernistas citadas, notadamente aqui o pop e a desconstrução linguística. Um
exemplo é que quando criança eu já escrevia usando criativamente a página e as
letras, muitas vezes com sinais pictóricos, sem saber o que era poesia concreta.
Isso indica que nossa geração já vinha com essa bagagem de misturar figuras e
palavras com as letras.

Os poetas concretos queriam uma linguagem que, “de um lado, qualquer


pessoa pudesse compreender e, de outro, materialize uma escritura própria ao
mundo cosmopolita” (CÂMARA, 2000: 28), uma imagem que conduzisse com
eficácia a mensagem e que se comunicasse com o maior número de indivíduos
em qualquer sociedade. Como percebemos, os pixadores não estão em busca da
compreensão das pessoas de fora do seu grupo. Pelo contrário, gostam da “não
compreensão”. Além disso, as palavras são escritas principalmente em português,
ou seja, entendíveis apenas a quem fala a língua.

Sobre a eminência de uma nova forma de poesia que refletisse a nova vida
caótica urbana, disse Pignatari:

95
(...) Aos poetas, que calem suas lamúrias pessoais ou demagógicas e
tratem de construir poemas à altura dos novos tempos, à altura dos
objetos industriais racionalmente planejados e produzidos. (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 1975: 125)

Incompreendidos em sua poesia-arte, o chamado de Pignatari parece que


não foi atendido pelos “poetas”, mas pelos pixadores, como veremos a seguir. A
pixação é a cara dos “novos tempos”, feita pelo e para o “operário” (palavra usada
por Pignatari): rápida, imagética, disponível para a massa, urbana, caótica,
democrática, direta, intrigante, provocante e liga à cultura popular.

O poeta construtivista tem um impulso construtivo (os poemas possuem


formas regulares como um círculo ou uma pirâmide, perfeitamente
controladas e prévias à entrada do material), mas deve conviver com um
elemento anárquico que provê a mesma realidade quando encarada a
partir dos meios de comunicação de massa (revistas e jornais).
(AGUILAR, 2005: 109)

Neste sentido, a pixação é um passo à frente da poesia concreta – é


palavra, é rápida, usa a cidade como suporte e, em tempos pós-modernos, não
precisa de máquinas. O pixo é feito rapidamente, seu elemento anárquico é o
ritmo da urbe, ritmo este que guia muitas vezes, inclusive, a qualidade do traço do
pixo final. “A comunicação rápida confere um valor positivo ao poema, ou melhor,
guia sua própria confecção” (POE e GOMRINGER apud CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI, 2006: 130). vide anexo 20

Apesar de a pixação nunca querer ter sido formalmente arte23, ou poesia


concreta, ou movimento organizado, ou objetivar a contestação de valores, ou
contextualizar-se dentro de teorias antropológicas, sociais, artísticas, estéticas ou
literárias, ela possui naturalmente muitas características da poesia concreta, que
serão explicitadas a partir de agora.

23
Mas muitos se consideram artistas e a pixação arte, vide depoimento da Conclusão.

96
Deixo claro, finalmente, que termos como metodologia, função, informação
sensorial, teoria da informação, chaves lexicais, experimentação, poesia
semiótica, permutações de códigos, espaço funcional, sintaxe visual, interface
entre indústria e sociedade, pensamento sintético-ideográfico e outros
normalmente usados na criação e na conceituação da poesia concreta, podem
até ser aplicados à pixação, porém não fazem parte do universo dos pixadores.

4.1. As palavras na pixação e suas poéticas

Publico aqui uma amostragem do que em 4 anos de trabalho achei pelas


ruas da cidade de São Paulo e cataloguei. Foram mais de 2.000 pixações
diferentes, sendo que algumas turmas repetem os nomes, se diferenciando
apenas pelo singular e plural (“vocal” e “vocais”), outras pela ortografia
diferenciada (“vitima” e “vitmas”, “viroz” e virus”) e, sempre, pela forma da letra.

Aqui deixo-as como o original, mantidos a não acentuação e a grafia, pois


as pixações quase nunca possuem acentuação – quando possuem, elas integram
a letra – e comumente transgridem as normas instituídas de ortografia. As
pixações foram separadas por seus principais temas e estilos 24 sem a distinção
entre o que é grife e o que é pixo 25.

24
Muitas vezes, as ideias temáticas se misturam: “miseráveis” poderia estar na categoria “social”
ou na “inferioridade”. Uma palavra pode conter mais de dois estilos, como “siglas” e “inglês”. Como
aqui a proposta é exemplificar, coloco-as no tema e no estilo que a meu vale para mais leitores.
Nesta amostragem não faço distinção entre o que é grife e o que é pixo, pois o intuito é notarmos
os nomes, independente da categoria deles dentro da pixação.
25
As grifes geralmente são desenhadas como logomarcas, sintetizando um pensamento e/ou uma
frase. É um tipo de “brasão”. As grifes estão inseridas em um discurso tipicamente brasileiro, com
sacadas que são intrínsecas a esta cultura, por isso, apesar de altamente visuais, não podem ser
consideradas uma linguagem universal como desenhos e pinturas – ou como a poesia concreta ou
visual objetivou a ser. Ademais, alguns pixos adquirem aspectos de grife e algumas grifes são
escritas, assemelhando-se a um pixo.

97
4.1.1. Temas principais

 Nome pessoal - é o tipo de palavra menos encontrado


di, lost, DNS (Denis), HES-MD (Esquisito e Marcelo Doido), rodrigo hip hop, lin o
animal.

 Autorreferencial - sobre o que são ou o que fazem

as gatas, as mina, afoitos, africanos, homens pizza, banais, bêbados (BBS), bafos,
bruxo´s, desumanos, dignos, gatunos, garotos perdidos, analfas, boné, churras, keto,
vigias, lacaios, rueros, ciborg‟s, zumbis.

 Arte - a pixação como arte

art pixo, ART TERRORISTA SÃO PAULO, art‟s, arte pro, arteiros, g‟nios art crew.

 Machismo/erotismo

big penis, caffas, cafajestes, esperma city, anaconda, gametas, glândulas, infiéis, LPX
(loucos por xana), os caça xana, os meti vara, os papa tche-k, os pintão, os pica,
semens, sperms.

 Drogas

aboa, aerva, bicudos, bek´s, bicudos, brisados, canabis, chapados, co...ke..., corpos
ébrios, fissura, osfumi-xera.

 Grupo

aturma, turmão de maio, turma do fundão, mafiosos, bando, coronéis, operação kaya,
SP manos, turma do bronx, topgang, troparebelde, enxame da ZN, capones, amafia,
mafiosos, 13 boys, atropa.

 Crime ou ilegalidade

brutais, canos, clepto, criminais, fuga, acusados, k deia, morto no 01, detentos,
fugitivos, refém, rifles.

98
 Polícia ou lei

DEIC, detenção, detetive, d-nark, fiscais, gambé, blit´s, OSRGS (os registrados no
código penal), gambé, os bacamartes, tribunal, codigo13, 8º batalhão, arsenal.

 Social

conflito, detritos, indigent´s, lepras, miséria, mucamos, africanos, mordomos, miséria,


os 100 futuro, os catalixo, os comelixo, os mal pagos, os piores de SP, osnadafazem,
os urubu, US VL (os vira lata), os passa fome, OSBV (osbichovivo), osquasenada, raiva
da pátria, abismo, sem valor, tralma, tumor, surra, famintos, dingos, osporranenhuma,
radioativos (RAD!).

 Palavrão - só foram encontrados estes aqui relacionados


calaboca, foda-se.

 Ratos - conotação ligada à cidade, praga ou inferioridade


rata, ratão, rato, rato suicida, ratoloouco, ratos, ratos punk, ratóxico, rattas, ratumim,
RDR (ratos de rua), roedores, pragas.

 Raiva, revolta ou doença

destroys, irajovem, lágrimas, q-bratudo, neura, morte, revolução, revoltados, zapatas,


leprosos, lepra, surto, arsenal, SCO (sarcofago), satan, satânicos, nóia, sustos, surto,
surra, soco, trevas, viros, virus, viroz, virose, apocalip´s, funeral, túmulos, ira, raivosos.

 Referência ao lugar onde mora

c-tor 7, gang da 12, bad side, PDM (pixadores do morro), taipashow, V.S. (vandalos do
socorro), turma da favela.

 Referência à pixação

bando da mão, atropelos, aerossóis, detona city, epidemia urbana, gryfon, pixo boys,
pixaim, pixomania, pixom, a cena, topos, sótopo, the relâmpagos.

99
 Superioridade
baronesas, bacanas SP, eleitos, duk´s, genius, absolutos, magnatas, nobres, o tal,
os+que todos, osclasseA, os ones, reizinho, osmelhores, osmaiorais, 1ª classe, so os
de lei.

 Inferioridade
excluídos, farrapos, germes, osbanais, mais um tranqueira, mequetrefes, medilcres,
micróbios, mordomos, moribundos, nada somos, not boys, os+ruins, regeitados,
trágicos, ospiores, osporranenhuma, osquasenada, troços.

 Irreverência ou humor

bisqui, bitchucks, cabeça-torta, charada, cho-chorão, comédia, malak´s, mac lixo, os


débio, os+sonsos, os levianos, coringa, os peganinguém, plin-ploc, risadas, risos, the
gralhas, xalalá, xuim, xulé., tico-teco

 Contra
ant boys, ant ratos, ant sapo, anti-cristo, contra.

 Cidade
atômica city, bomba city, p/ SP osso, babilônia city, hot city, burgos, caóticos,
citymanos, exorcity, libert-city, pleb city, zona loca, zona morta, sos city gang, esgoto
city gang.

 Outros
autopsia, amnésia, apologia, museu, birra, bósnia, ciborg‟s, coma, contexto, credo,
cortes, decadeencia, fenômenos, forca, fonema, frases, ipnose, marcas, mente suja,
nocaultes, olhos sádicos, poeta, pragas, peraltas, proceder, reprise, santuário, sapos,
sílabas, silêncio, só * lamentos, tribunal, tronos, versus, veneno, vicio, vidas, texplo,
sobrecarga, sopa, sujo tripa, teias, torre, tosse, totens, tradição, trairas, letreros,
insônia, rastros, ligados, mitos, vocal, 7 copas.

100
4.1.2 Estilos:

o ortografia errada

segos, xapas, baladeros, bestera, brexas, buneco, carnisas, caveras, cusp, doidera,
ora-h, ruds, víseras, vizitantis, anônymos,.

o
escrita criativa

bif-kib, anor+, alopirados, ARTinsana, apocalip‟s, biskoito, boycott, c maluco, d-tentos,


cad.lak‟s, d-mons, duk´s, g-lo, h*c (“homicidas”), necróp´s, os + q 2, osfumi-xera, p-
vertidos, tolloco, sonoys (fala-se “só nós”), the funthos.

o abreviação
ARM (armadilha), ADM (anjos do mal), CTMS (city manos), E,T,P,X (elite*pixe), EX-T
(ex-tragos), FDR (falange de rua), galera do mau (GDM), KMKZ (kamikaze), NEB
(não é bafo), PHG (procurados house gang), Pif (pixadores infratores ferroviários),
PWBS (power boys), RL (ritmo loucura), SOS (suínos), FDK (fora de kontrole), XKW
(xaropes criando vandalismo).

o em inglês - raramente encontrado

black panters, bad side, bad girls, bug´s, danger boys, go for it.

o aportuguesamento - entre parênteses coloco a ortografia formal

bug*daus (booggie down), blecaut (“blackout” ou “blecaute”), bayan (equivalente a


“baiano”), brut (equivalente a “bruto”), caverloo, dantstop (“don´t stop”), fan-for (“fun
for”), monk´s (“monkeys”), med max (“mad max”), rilex (“relax”), T.H.P. = trai hemp
(“try hemp”), stil (“still”).

vide anexo 21

As palavras são em sua maioria em português, sem acentuação e com


escritas diferentes da ortografia formal – como “ilarios” –, não se sabe se
propositalmente (para diferenciar ou para tomar a palavra para si) ou se por
desconhecimento da norma culta.

101
Pixadores escolhem a palavra pela significação, pela sonoridade, pela
originalidade, pela subversão etc. ou pelas possibilidades que podem ter na letra.
Assim, podemos afirmar que existe uma semelhança já neste aspecto. Os
concretistas disseram que a poesia concreta se liga

imediatamente à linguagem popular, à gíria, à dicção infantil, às adivinhas,


a modalidades de descante folclórico etc.; seria certamente inesgotável o
exemplário que, nesse sentido, se poderia coligir. (CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI, 2006: 213)

As pixações são carregadas de linguagem coloquial, como por exemplo,


sem concordância de plural (“osbichovivo”, “ospodrao”) e linguagem chula
(“operação caça xana”). Outras têm os fonemas criativamente substituídos por
letras ou desenhos (“d*nark”, “skina”, “k-peta”, ou homens pizza (significado), que
é feito pela letra H seguida pelo desenho de uma pizza faltando uma fatia) ou
trazem uma interessante influência do inglês (“sperms”, “the relampagos”).

vide anexo 22

4.1.3. Criações ortográficas a partir do som:

 osfumi-xera (“os fuma e cheira”)  ex-tragos ou EX-T (“estragos”)

 bayan (“bahiano”)  fan-for (“fun for”)

 bif-kib (“bife, kibe”)  g’nios art crew

 boycott (“boicote”)  h-lera (“a galera”)

 cad.lak’s (“cadilaques”)  SOUPIPOU (do inglês “soul


people” (pessoas do movimento soul,
 dirua (“de rua”)
remetendo a uma música de James
 d-menor (“de menor”)
Brown; também remete a “sou
 dsandados ( “desandados”) people”, como “sou do povo”)

4.1.4 Criações ortográficas a partir do significante e significado:

 decadeencia (como se a “decadência” fosse contínua, longa)

 rapdos (sem o “p” a ideia é que a palavra é mais rápida ainda)

102
Primeiramente, expliquemos aqui alguns conceitos da linguagem e sobre
poesia. A linguagem emotiva é aquela que tem como ponto central o remetente.
Ela “visa a uma expressão direta da atitude de quem fala em relação àquilo de
que está falando. Tende a suscitar a impressão de uma certa emoção, verdadeira
ou simulada” (JAKOBSON, 2005: 123 e 124). Sentimos que a pixação é explícita,
ou seja, o remetente quer aparecer: ela berra, quer chamar a atenção ou chocar.

A função conativa é focada no destinatário e “encontra sua expressão


gramatical mais pura no vocativo e no imperativo, que sintática, morfológica e
amiúde até fonologicamente, se afastam das outras categorias nominais e
verbais” (JAKOBSON, 2005: 125 e 126). Apesar de o público não entender, a
pixação foca, sim, o destinatário, pois ela impõe uma mensagem.

A metalinguagem focaliza o código, ou seja, o próprio fazer. É


metalinguagem quando um pixador fala sobre si, sobre a pixação ou sobre o
momento de pixar, por exemplo.

Jakobson afirma que o que chamamos de função poética é a comunicação


que foca na própria mensagem. Ela não trata apenas de poesia, e a poesia não
possui apenas a função poética, como explica (2005:127). Ela trata da “arte
verbal”, usando métodos para diferenciar a mensagem. Toda forma de
comunicação poética possui a participação de outros gêneros; na pixação
destacamos a emotiva, a conativa e a metalinguagem. Segundo o Dicionário
Houaiss, poesia é: “5. arte de exercitar a alma com uma visão do mundo, por
meio das melhores palavras em sua melhor ordem; 6. poder criativo, inspiração.”

Para Jackobson, „exatamente como todas as outras artes, a poesia


consiste em moldar um „material‟ autolegitimador – o caso, o „material‟ são
as palavras‟ (HYDE in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 216)

Os pixadores se auto-intitulam “escritores”. Natural, já que esses nomes


são palavras escolhidas, pensadas e elaboradas (vide texto meu, no anexo 5).
Dentro do que entendemos por “poética” e “poesia”, podemos dizer que eles
poetizam, à maneira deles, a vida suburbana. “Poetizam” pois tornam eventos,
ideias e sentimentos do dia-a-dia seu material e escolhem uma palavra para

103
moldar esse material; depois, dão forma (significante) a essa palavra, como no
ato tradicional do “pincel e tela”. O “dar forma” é a maneira pela qual ele manipula
seu material26 (que é imaterial, pois é a vida), com a ferramenta lata de spray (ou
rolinho e tinta) no suporte parede, para produzir o efeito artístico visado, que é o
da letra bacana, da admiração dos iguais, e do espanto e repulsa da população.

vide anexo 23

O escritor, pintor e dramaturgo do final do século XIX Strindberg disse certa


vez sobre os fragmentos da vida que compunham sua obra:

Minhas personagens são aglomerados de estágios passados e presentes


da civilização, pedaços tirados de livros e jornais, retalhos de
humanidade, trapos e farrapos de tecidos finos, remendados como a alma
humana. (MCFARLANE in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 63)

Antes de qualquer pixação acontecer, é preciso pensar em uma palavra. É


ela que dará nome àquelas pessoas, ao que elas sentem e ao que elas querem
dizer. Essa palavra terá um significado para os pixadores que a criaram, outro
significado para os outros pixadores e outro ainda para cada pessoa da rua que
lê. Porque cada palavra é única, e para cada leitor tem uma conotação. Quando
você a lê, vem uma imagem na sua cabeça que só existe para você. A ideia da
carga de significados de uma simples palavra é claramente percebida na citação
dos concretistas:

A função da poesia concreta não é – como se poderia imaginar –


desprover a palavra de sua carga de conteúdo: mas sim utilizar essa
carga como material de trabalho e em pé de igualdade com os demais
materiais a seu dispor. O elemento palavra é empregado na sua
integridade e não mutilado através de uma unilateral redução à música
descritiva (letrismo) ou à pictografia decorativa (caligrama, ou qualquer
outro arranjo gráfico-hedonista). O simples ato de lançar sobre um papel a
palavra “terra” poderia conotar toda uma geórgica. O que o leitor de um

26
Diferente do postulado, entendo como material dos pixadores suas vidas; spray, tinta e parede
são suas ferramentas para manipular seu material (material ≠ matéria). Na visão tradicional da
arte, o material seria a tinta e o pincel, e a tela-parede, o suporte.

104
poema concreto precisa saber é que dada uma conotação será fictícia
(como até certo ponto inevitável) num plano exclusivamente material, na
medida em que ela reforce e corrobore os demais elementos
manipulados; na medida em que ela participe, com seus efeitos peculiares
– uma relação semântica qualitativa e quantitativamente determinada – na
estrutura-conteúdo que é o poema. (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI,
2006: 109 e 110)

vide anexo 24

Para Sartre, “a atividade poética considera as palavras como coisas e não


como signos” (SARTRE apud CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 46).
Todas as palavras, independente de serem pixações, trazem uma semiose que se
dá no nível da individualidade.

Como afirma Hugh Kenner, em The Poetry of Ezra Pound, „a


fragmentação da ideia estética em imagens alotrópicas, tal como
teorizada pela primeira vez por Mallarmé, foi uma descoberta cuja
importância para o artista corresponde à da fissão nuclear para o físico‟.
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 32)

Em comum, todas pixações encontradas por mim conotam ou denotam


indiferença, indignação, miséria, ironia, exclusão, alegria, rebeldia, auto-
afirmação, marginalidade, paz, irreverência, juventude. Mas, sempre, trazem forte
conotação de exclusão e contestação dos valores e do sistema em voga.

A própria escolha de palavras não se fará mais como um


descascamento paulatino da realidade, mas como um vetor-de-
estrutura: daí o novo interesse pela palavra como um dado integral, a
ser objetivamente considerado e utilizado em função dessa estrutura
(...). (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 134 e 135)

Existe a palavra “história”, um signo que tem seu significado fechado.


Pense agora nela escrita em um muro, por si só, sem uma frase que a enlace
obrigatoriamente a algum pensamento. É “a” palavra – ainda a denotação. Os
inúmeros significados que podem surgir para você, como “história pessoal”,
“história do mundo”, “história da nossa política”, “história de conto de fadas”,

105
“história de mentir”... ou simplesmente a beleza da palavra “história”, fazem parte
do processo da semiose, que abre um leque de significados da palavra, tornando-
a “coisa”, como coloca Sartre. Pense em você num dia ruim; quando olha para a
parede, vê “piadas”, “ninguém presta” ou “abismo”, ou as três juntas em uma
agenda. Se você tem um mínimo de sensibilidade, certamente elas conotaram.
Assim vemos que as palavras adquirem sentido figurado por meio da semiose.

A poesia concreta não refoge a esse mínimo múltiplo comum da


linguagem. Ao contrário, é justamente na moeda concreta da fala, tão
desgastada e falsificada pela linguagem discursiva, que a poesia concreta
vai buscar (água da fonte) os elementos fundamentais de sua expressão.
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 164)

Augusto de Campos afirmou (ou explicou) em 1957 sobre a poesia


concreta:

Não será um despropósito, portanto, esperar que o leitor de poesia


relacione duas ou mais palavras, compondo com elas uma unidade mais
complexa, uma Gestalt: é esse o caso do poema de Gomringer, construído
com as palavras baum, kind, lund, haus (árvore, criança, cachorro, casa).
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 170 e 171)

Como já vimos, segundo Teles, entre as contribuições que o modernismo


trouxe para a literatura brasileira estão a abertura e a dinamização dos elementos
culturais, incentivando assim a pesquisa da forma e da linguagem, e a ampliação
do olhar para os macro e microtemas da realidade nacional, uma ampliação que
se deu mais exatamente na linguagem, elevando-se o nível coloquial da fala
brasileira à categoria de valor literário (TELES, 1997).

A retórica trata da eficácia do discurso. A poética trata da dimensão da


estética. Uma está intimamente ligada à outra e coexistem. A retórica do pixador
está não só na sua palavra, mas na forma da letra, no lugar onde coloca sua
palavra e na prática ilegal, estando sua retórica intimamente ligada à sua poética.

106
Um texto só é poético se for sua retórica for eficaz, dizem os estudiosos.
Assim como o significante se relaciona com o significado por intermédio de
uma redução simbólica, a retórica se relaciona com a poética por intermédio
de uma operação análoga, que se realiza, ao mesmo tempo, no plano da
fala e no plano da língua, podendo-se pensar numa „poética menor‟- a
concepção individual – e numa „poética maior‟ – as ideias gerais
predominantes da época. (TELES, 1997: 297)

vide anexo 25

Assim como a poesia concreta dá luz à crise do verso ante uma sociedade
industrial, moderna (ou pós-moderna), de consumo, massificada, com
necessidade de rapidez e, por isso, de signos visuais e pictóricos, podemos dizer
que a pixação dá luz à crise do espaço, à crise do lazer, à crise da posse ante
uma sociedade tecnologicamente avançada, mas socialmente primitiva. A pixação
é a materialização perfeita de um lifestyle, seja ele urbano, caótico, criminoso,
agressivo, rápido, poderoso, enlouquecedor etc.

Sobre a criação da poesia concreta, nos fala Rogério Câmara que “sob a
perspectiva de um novo país industrial e urbano” concretistas buscaram uma “arte
projetual, ordenadora do espaço social, que buscava dar ritmo e fluxo ao
desenvolvimento pretendido” (CÂMARA, 2000: 18). Na pixação, a palavra e os
símbolos são distribuídos em locais estratégicos no espaço urbano sem
pontuação, como se fossem sinalizações, placas, avisos, títulos. Sobre a poesia
concreta, Campos disse: “a própria pontuação aqui se torna desnecessária, uma
vez que o espaço se substantiva e passa a fazer funcionar com maior plasticidade
as pausas e intervalos da dicção (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 33)”.
Como a poesia concreta, pixadores não diferenciam maiúsculas e minúsculas –
tudo é letra.

Já ressaltamos no capítulo anterior a importância do espaço – que é usado


tanto como pausa como local criativo – para a poesia concreta. Os pixadores
usam o espaço da cidade, das construções erguidas pelo homem, como suporte
de suas palavras ou, ainda, usam o corpo como mídia secundária para se
manifestar no suporte-cidade. Em vez de usar o espaço do papel, se utilizam o
espaço da cidade para brincar com as palavras, que serão colocadas em lugares-

107
chave, como em um jogo. Assim, é comum encontrarmos pixações
transformadas, retrabalhadas ou tornadas siglas para adequarem-se ao local.

vide anexo 26

Uma pixação bem feita tem o lugar meticulosamente pensado pelo escritor.
Ela deve ocupar o espaço de tal maneira que seja olhada de tal modo. Exemplo:
um pequeno espaço que quando o passante virar a esquina vai olhar diretamente;
ou em toda a extensão de um beiral de loja; ou sobre uma janela; ou de fora a
fora de uma viga; ou exatamente embaixo de um detalhe de uma casa antiga;
enfim, são infinitas maneiras de o pixador pensar para colocar sua palavra ali.

Outra preocupação com o espaço acontece na agenda ou em um muro já


pixado. O pixo deve encaixar com coerência entre outros pixos, no espaço que
está vago. O espaçamento entre as letras é também muito importante, pois deve
ser sempre o mesmo, além de ser muito bem calculado para terminar no lugar
ideal naquele espaço. Ou seja: a preocupação estética é enorme, da criação à
materialização. Afinal, na rua não existe rascunho.

vide anexo 27

Aguilar propõe quatro princípios de construção para abordar o que fez com
que a experimentação tipográfica fosse tão marcante na vanguarda:

- reprodutividade: a tipografia, localizada sempre no final do processo e


fora do controle do autor, trazia ao espaço literário o dado tecnológico
moderno; (...)

- “a tipografia – o processo técnico –, entra em uma relação de


necessariedade com o poema” que significa, diz ele, “inverter o sentido
do texto”, além de “modernizar as técnicas de composição e
experimentar as diferentes virtualidades que os avanços tecnológicos
ofereciam” (AGUILAR, 2005: 218);

- clarificador;

- materialidade: “se refere à dimensão irredutível do tipograma que


apresenta um excesso significativo em si mesmo”. (AGUILAR, 2005:
222)

108
A tipografia é não só criatividade artística e algo que permite um processo
técnico. Ela conota – seja clareza, funcionalidade, rebuscamento, agressividade,
tecnologia ou outros adjetivos mais 27. Segundo afirma Panofsky, Vasari “julgava
que também a forma das letras expressa o caráter e o espírito de uma
determinada fase histórica” (PANOFSKY apud AGUILAR, 2005: 220).

A tipografia possui a capacidade de conotar, em sua forma, uma fase


histórica do desenvolvimento das forças produtivas. O atributo da forma
tipográfica adquire um caráter clarificador a partir do momento em que se
pode atribuir a ela uma „autorreferencialidade‟. (AGUILAR, 2005: 221)

A despeito deste caráter histórico-estilístico, é possível distinguir uma


pixação criada há tempos de uma de agora pela letra: estão cada vez mais
esticadas para a vertical, angulosas e abstratas 28. A tipografia modernista por
excelência foi – e é – a futura bold, criada entre 1924 e 1926 baseada na estética
da Bauhaus: sem ornamentos, conotando funcionalidade. Por seu caráter
simples, é a mais usada em toda a história, até hoje, em anúncios.
vide anexo 28

A tipografia – que pode transmitir por si mesma a experiência do moderno


– quebra a estrutura binária do signo e introduz uma significação que não
depende do significante (tipos utilizados, tamanho, disposição). Partindo
deste princípio, a tipografia seria como o significante do significante.
(AGUILAR, 2005: 223)

27
Exemplo da conotação da letra e da importância dela para a comunicação é a publicidade, que
escolhe uma tipologia determinada para cada peça, logomarca ou campanha, que tenha a ver com
o estilo a ser passado. Podemos afirmar que o uso da tipologia é, inclusive, utilitário, assim como
alguns poetas de vanguarda, entre os quais os construtivistas russos, que utilizaram os tipos
simples, chamativos ou chocantes como modo de fazer o público participar.
28
Algumas pixações mudam suas letras com o passar do tempo, “atualizando-se”; outras, ainda,
possuem concomitantemente dois tipos de letra. Pixadores afirmam que as letras estão sendo
cada vez mais abstraídas de seu significante (sua forma original), portanto, cada vez mais difíceis
de serem apreendidas. Assim, pixadores diferenciam estilo de letra “antiga” e estilo de letra “de
agora”.

109
Sobre design e funcionalidade, Read afirma:

O que eu gostaria de deixar claro, em relação a todos esses artefatos


humanos primitivos, é uma seqüência evolucionária que passe por três
fases: 1) concepção do objeto como uma ferramenta; 2) criação e
aperfeiçoamento da ferramenta a um ponto de eficiência máxima; e 3)
refinamento da ferramenta além do ponto de eficiência máxima e no
sentido de uma concepção da forma em si mesma. (READ, 1967: 73)

Read formula duas hipóteses para entender por que o homem deixou de
lado apenas a utilidade dos objetos para lhes darem também uma forma estética.
Uma delas é a naturalista, na qual “todos os desvios formais em relação à
eficiência são devidos à imitação, consciente ou inconsciente, de formas
encontradas na natureza” (READ, 1967: 73). A outra, idealista, na qual “a forma
tem significação própria, isto é, corresponde a uma necessidade psíquica interior,
expressando um sentimento que não é necessariamente indeterminado: pelo
contrário, é com freqüência, um desejo de refinação clarificação, precisão, ordem”
(idem, ibidem).

A poesia concreta, querendo se apossar de elementos “tecnológicos”, usou


os tipos-móveis como instrumento para sua poesia no suporte página. Na
pixação, a questão do design das palavras e das letras também é primordial,
porém ele é manual, o que podemos chamar de letra caligráfica.

As pessoas do século XX já tinham contato com toda a gama de


possibilidades tipográficas, e assim as gangues de jovens nos anos 1980, que se
valeram das letras de capas de discos de vinil de rock como inspiração da forma
dos seus nomes29. Por fatores que já explicitamos, pixadores criaram (ou
recriaram) um tipo característico de letra que os distinguem dos outros
movimentos de arte urbana30. Preta e angulosa, é inconfundível – para quem

29
A tipologia das bandas de heavy metal e punk conotavam agressividade, acompanhando o
estilo musical. Roqueiros também gostavam de preto, de ocultismo e da estética gótica, então
podemos remeter estas tipologias à influência das letras da Idade Média, como o alfabeto rúnico,
por exemplo.
30
Outros tipos de letras dentro da arte urbana são o trow up, o wild style e o tag.

110
conhece seu paratexto31 e texto cultural32. Para um incauto, qualquer coisa escrita
pode ser pixação. É pichação, e não pixação.

A tipologia da pixação é acrescida de variações por cada turma, mas


mantendo o estilo característico. Assim, pixadores tem que ser criativos dentro de
um formato que podemos dizer ser o “genérico” da letra. Como afirmou Aguilar
sobre as tipografias utilizadas na poesia concreta, podemos dizer que essa
tipografia “genérica” da pixação é um significante dentro do significante. Ademais,
com suas criações individuais, as turmas criam mais um significante, que pela
linha de pensamento de Aguilar seria um significante (a individualidade de cada
pixo) dentro de um significante (o estilo letra angulosa e esticada para cima)
dentro de outro significante (a palavra escrita). vide anexo 29

significante: ESCRITA →→ ESTILO ANGULOSO →→ ESTILO DA TURMA


letra letra letra

Uma palavra concreta (uma denotação) colocada ao lado de uma palavra


concreta produz um conceito abstrato – como as línguas chinesa e
japonesa, onde um ideograma pode indicar um resultado transcendental
(conceitual). (EISENSTEIN apud CÂMARA: 2000: 43)

Ao se apossarem das possibilidades visuais, os poetas concretos não


abriram mão do conteúdo. Eles colocaram no mesmo patamar o significante e as
semioses do significado, criando o que chamam de verbivocovisual (conteúdo-

31
Paratexto é um conceito desenvolvido por Gerard Genette para textos literários. Segundo ele, “o
paratexto é aquilo que permite que o texto se torne um livro e seja oferecido enquanto tal para
seus leitores e para o público de um modo geral (...) (GENETTE, 1997: 1). O paratexto de um livro
é sua capa, o título e o “formato livro”, que nos fazem entendê-lo como um livro. Ganette afirma
que existem paratextos em áreas fora da literatura e propõe que se estenda o termo, como para a
música e as artes plásticas, à qual nos referimos aqui. Em sentido amplo, portanto, paratexto são
as convenções que contextualizam algo como tal. O paratexto de uma obra é um museu, uma
galeria de arte, a moldura e a sacralização, por exemplo. Em sentido amplo, portanto, paratexto
são as convenções que contextualizam algo como tal.
32
A semiótica russa tratou de compreender as relações entre a comunicação e a cultura
para entender os mecanismos geradores do signo na cultura. Verificou que toda cultura possui
códigos, também chamados “textos”, que formam um modelo que nos faz a entendermos como
tal, ou seja, os textos são sistemas complexos nos quais podemos reconhecer, armazenar e
processar informações de tal área. Portanto quem não conhece os códigos (ou textos) de uma
cultura, não consegue interpretá-la ou entendê-la da maneira que quem conhece o faz. Assim,
uma cultura é o conjunto de vários códigos ou textos que precisam ser entendidos para se
compreender sua dinâmica, e que juntos formam um “sistema”. A cultura no seu sentido mais
amplo é um conjunto unificado de textos culturais de diversos sistemas.

111
som-visual), e o mesmo podemos dizer dos pixadores, apesar de, em ambos, o
conteúdo não ter a mesma apreensão imediata das cores e formas.

Assim, o poema concreto, encarando a palavra como objeto, realiza a


proeza de trazer, para o domínio da comunicação poética, as virtualidades
da comunicação não-verbal, sem abdicar de qualquer das peculiaridades
da palavra. (CAMPOS, CAMPOS; PIGNATARI: 2006,119)

4.1.5. Criações de significante partir do significado: vide anexo 30

 piscas (asterisco no “i”)  demônios (lembra uma inscrição


asteca ou em lápide) anexo 34
 inseto (mais quadrada, lembra garras,
com dentinhos no “o”)  exorcistas (tridente mo “t”)

 anjos (“j” em forma de tridente)  tensão (fininha, espaçada e alta)

 mau (carinha de general)

Escreveu Haroldo de Campos no Manifesto da Poesia Concreta, cujas


maiúsculas e formatação mantenho aqui33:

a POESIA CONCRETA é a linguagem adequada à mente criativa contemporânea

permite a comunicação em seu grau + rápido

prefigura para o poema uma reintegração na vida cotidiana semelhante à q o BAUHAUS


propiciou às artes visuais : quer como veículo de propaganda comercial (hornais,
cartazes, TV, cinema, etc.), quer como objeto de pura fruição (funcionando na
arquitetura, p. ex.), com campo de possibilidades análogo ao do objeto plástico

substitui o mágico, o místico e o „maudito‟ pelo ÚTIL 34

TENSÃO para um novo mundo de formas


VETOR
para
o
FUTURO

33
In CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 76. Publicado originalmente na revista AD-
Arquitetura e Decoração, n. 20, São Paulo, novembro\dezembro de 1956; republicado no
“Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28.4.1957.
34
Campos, como os pixadores, subverte a ortografia formal com a palavra “maudito”.

112
O ideograma é um um símbolo gráfico utilizado para representar uma
palavra ou conceito. Diferente das letras, que representam um som. O ideograma
aparece em várias línguas antigas de diversas regiões, como no Egito, na Grécia
e povos pré-colombianos, por exemplo. A escrita fonética se desenvolveu
autonomamente em cada lugar do mundo. Em alguns, a escrita cripotográfica foi
perdida. Em outros, se manteve, como no alfabeto chinês kanji, que até hoje
utiliza ideogramas.

Escrita greco-romana antiga, que deu origem


ao nosso alfabeto. Ela já combinava imagens
com representação dos sons da fala em
unidades menores que a sílaba.

Folhinha com palavras dos pixadores

113
Como já citamos, em suas pesquisas, Pound, Mallarmé e Apollinaire
descobriram a escrita chinesa como forma ideal para o que ansiavam para a
literatura e a poesia ocidental. Assim, o ideograma influenciou profundamente o
conteúdo e a forma da literatura e da poesia de vanguarda. Em 1919, no Ensaio
sobre o ideograma chinês, Fenollosa e Pound disseram que

a poesia chinesa tem a vantagem única de combinar ambos os elementos.


Fala, simultaneamente, com a vivacidade da pintura e com a mobilidade dos
sons. Em certo sentido, é mais objetiva do que ambas (poesia verbal ou
pintura), mais dramática. Lendo chinês, não estaremos fazendo
prestidigitações mentais, mas contemplando coisas cumprirem seu próprio
destino. (FENOLLOSA & POND apud CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI,
2006: 145)

Em 1921, Edward Sapir disse acreditar que “qualquer poeta inglês de hoje
seria grato à concisão que um poetrasto chinês atinge sem esforço” (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 140). As postulações da poesia concreta
coincidem, em linhas gerais,

com as que Pound derivou da poesia chinesa: o princípio de condensação


(dichtung = condensare – gists and piths / “essências e medulas”) e o
método ideogrâmico de compor: justaposição direta de elementos em
conjuntos geradores de relações novas (o que Gomringer, a exemplo de
Mallarmé, denomina de „constelação‟). (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI,
2006: 141)

A moderna poesia tinha urgência por uma comunicação que caracterizasse


o espírito contemporâneo “antidiscursivo e objetivo por excelência” (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 141 e 142), uma comunicação “mais rápida, direta
e econômica” (idem, ibidem), por isso a importância do sistema chinês de escrita.
Ela tem um processo de organização mental simultâneo do verbal e do visual:
estão nela todos os elementos sonoros, visuais e semânticos, como necessitava o
poema concreto. “O ideograma tinha a virtude – como sustentaram no „plano-
piloto‟- de „apelar à comunicação não-verbal, sem abdicar das virtualidades da

114
palavra‟” (AGUILAR, 2005: 232). Influenciados pelo concretismo pictórico que
reduzia as coisas a signos concretos, os poetas reduziram a linguagem – ou a
palavra, ou um pensamento – também a signos.

Assim, a poesia concreta deu por encerrado o ciclo histórico do verso


(unidade rítmico-formal), e começou a tomar conhecimento do espaço gráfico
como agente estrutural, transformando-o em estrutura espaciotemporal, “em vez
de desenvolvimento meramente temporístico-linear. Daí a importância da ideia de
ideograma, desde o seu sentido geral de sintaxe espacial ou visual, até o seu
sentido específico (Fenollosa/Pound) de método de compor baseado na
justaposição direta – analógica, não lógico-discursiva – de elementos.” (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 215)

A poesia concreta, indo além da aplicação do processo tal como foi


praticado por Pound, introduz no ideograma o espaço (grifo meu) como
elemento substantivo da estrutura poética: desse modo, cria-se uma nova
realidade rítmica, espacio-temporal. O ritmo tradicional, linear, é destruído
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 95)

A poesia concreta

recorre (...) a fatores de proximidade e semelhança no plano semântico e rítmico, a


uma sintaxe visual-ideogrâmica, quando não meramente „combinatória‟, para
controlar o fluxo de signos, racionalizar os dados sensíveis da composição e, assim,
limitar a entropia (a tendência à dispersão, à não-ordem, ao máximo informacional
potencial de um sistema), fixando a temperatura informacional no mínimo necessário
para o êxito da realização estética em cada poema que se considere. (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 95)

A tipografia dos pixadores é a própria tipografia funcional almejada pelos


concretistas. Como vimos, tanto a grife como os pixos comunicam várias
informações ao mesmo tempo, funcionando como um código que transmite muito
lançando mão de poucos recursos, dentre eles o tipográfico e o espacial.

115
A poesia concreta vem de uma evolução artística e cultural baseada na
nova sociedade industrial, uma noção já proposta antes pelas primeiras
vanguardas, como já vimos. É uma “noção de literatura não de cunho
artesanal, mas, por assim dizer, industrial, de produto tipo e não típico, de
linguagem minimizada e simplificada, crescentemente objetivada, e, por
isso mesmo, em princípio fácil e imediatamente comunicável. (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 193 e 194)

Reproduzo palavras de Mallarmé sobre as características da “nova” poesia


à época das vanguardas, as quais também podemos remeter à pixação:

a) emprego de tipos diversos: „A diferença dos caracteres de impresso


entre o motivo preponderante, um secundário e outros adjacentes, dita
sua importância à emissão oral...‟;

b) posição das linhas tipográficas: „... e a situação, ao meio, no alto, em


baixo da página, indicará que sobe ou desce a entonação‟;

c) espaço gráfico: os „brancos‟, com efeito, assumem importância,


agridem à primeira vista; a versificação o exigiu como silêncio em torno,
ordinariamente, no ponto em que um trecho, lírico ou de poucos pés,
ocupa, no meio, cerca de um terço da página: eu não transgrido essa
medida, apenas a disperso. O papel intervém cada vez que uma imagem,
por si mesma, cessa ou reaparece, aceitando a sucessão de outras, etc;

d) uso especial da folha, que passa a compor-se propriamente de duas


páginas desdobradas, onde as palavras formam um todo e ao mesmo
tempo se separam em dois grupos, à direita e à esquerda da prega
central, „como componentes de um mesmo ideograma‟, segundo observa
Robert Greer Cohn (COHN apud CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 1975:
32 e 33)

vide anexo 31
a palavra tem uma dimensão GRÁFICO-ESPACIAL
uma dimensão ACÚSTICO-ORAL
uma dimensão CONTEUDÍSTICA
agindo sobre os comandos da palavra nessas
3 dimensões 3
a (...)35

35
In CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 76. Publicado originalmente na revista AD-
Arquitetura e Decoração, n. 20, São Paulo, novembro\dezembro de 1956; republicado no
“Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28.4.1957.

116
Como vimos, assim como na poesia concreta, na pixação a palavra é a
unidade básica. A pixação realiza a comunicação pelo significado, pela ortografia
e pela tipografia e pela sua distribuição no espaço – no caso, no espaço da
cidade. É disposta com design criativo, ícones ou abreviaturas em locais
inusitados ou com significados para os pixadores. Assim, eles criam com o
significante (a palavra escrita) um outro significado. Podemos associar uma
pixação a uma autêntico haikai36. Ambos, para um espectador qualquer, nada
mais são que imagens abstratas ou traços, pois quem não conhece a codificação,
não consegue apreender o significado de um haikai (ou um ideograma) e de uma
pixação. Porém o haikai possui um paratexto e já é entendido como arte, diferente
de uma pixação.

Segundo E.M. de Melo e Castro,

a poesia concreta é mais para „ver‟ do que para „ler‟, e „ela‟ é para (ser)
e para (ter) , propondo assim o que se poderá chamar uma antologia do
homem acelerado, ou seja, do homem informacional, em que todos nós
estamos nos transformando. (MELO e CASTRO apud CÂMARA, 2000:
35)

Gombrich, em seu livro Arte e Ilusão, explica bem e de maneira simples


como se dá a percepção visual. Ele exemplifica com a representação que um
pintor faz das coisas, que para nós parecem reais, mas são apenas uma tentativa
de representar algo: é o “esquema e correção”. Seria a capacidade do cérebro de
ter um modelo e, assim, ajustar o que vemos ao que conhecemos e então
compreender como tal. Cita o exemplo de um círculo oval. Aquilo é apenas um
círculo oval, mas nosso cérebro já lê como a forma de uma cabeça humana.
Temos esse mesmo ajuste com as palavras – o cérebro “completa” as letras que
estão faltando. Os psicólogos chamam isso de “projeção dirigida”: é a projeção da
imagem, do som ou da palavra escrita pela nossa mente. Essa é a explicação
para lermos várias vezes o mesmo texto e em nenhuma enxergarmos a palavra
escrita errado. Essa é a explicação para quem não conhece o código da pixação
ajustá-la ao que é conhecido, os rabiscos e a sujeira.

36
Poesia japonesa concisa e objetiva.

117
Quando vemos uma pixação, assim como uma poesia concreta, lemos (ou
“vemos) o conjunto, o “desenho”, e não a palavra. Como já conheço as pixações,
pela forma da letra eu sei o que está escrito. Interessante dar o exemplo de um
pixador semi-analfabeto que consegue “ler” todas as pixações. Na verdade, ele
não as lê, ele apenas as reconhece e sabe seu significante. Fechamos as figuras
como diz a teoria Gestalt, não vendo o “interior” do pixo.

Temos a capacidade, sim, de compreender diversos tipos de caligrafia.


Mas a pixação exige certo tempo, que certamente não disponibilizamos, para ficar
em frente delas. Como no instante rápido da decifração a pessoa fica
(inconscientemente) na dúvida de que aquilo seja um E ou um O, por exemplo, o
mecanismo de projeção não se põe em movimento. As pessoas que não decifram
a pixação deveriam vê-la como uma imagem abstrata – sinais, códigos,
hierogrifos, ideogramas, haikais. Mas a repulsa da sociedade é tanta – pelos
motivos óbvios de ataque à propriedade do outro – que as pessoas não se abrem
para se ater a elas de outra maneira. Podemos afirmar mais: se a pixação fosse
feita em outro suporte, como em uma tela, por exemplo, seria vista como arte –
mesmo que a pessoa não gostasse da arte, a enxergaria como sendo uma.
Exemplo é a foto do anexo 31, que se tornou uma xilogravura e está sendo
vendida como “obra de arte”.

vide anexo 32

Para ilustrar a comparação com o poema concreto ou verso livre, listo


algumas frases:

1. “a rose is a rose is a rose”

2. “o olhouvido ouve”

3. “ratoloouco”

4. “odeie seu ódio”

5. “p/ sp osso”

118
1. (poema de Gertrude Stein) 4. (pixo)
2. (frase dos concretistas) 5. (pixo) (lê-se “para São Paulo, osso”)
3. (pixo)

vide anexo 33
Jurgen Ruesch e Weldo Kees, no livro Nonverbal communication – note
on the visual perception of human relations, de 1956, distiguem a comunicação
verbal e a não-verbal. A verbal é do tipo digital, como o alfabeto fonético e o
sistema numérico (“a informação transmitida através de um tal sistema é
obviamente codificada mediante várias combinações de letras ou dígitos”); A
não verbal é analógica (“várias espécies de ações, quadros ou objetos
materiais representam análogos tipos de denotação”).

A linguagem discursiva se funda na lógica, feita de um conjunto de


regras artificiais, que foram aceitas, expressas em termos verbais em
torno de uma espécie circunscrita de trabalho. A lógica dispensa
codificações analógicas, a despeito do fato de que boa parte de
nossos pensamentos e comunicações dependam do não-verbal assim
como do verbal. (RUESCH; KEES apud CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI, 2006: 120)

Assim, podemos dizer que a pixação, como a poesia concreta,

- é baseada em uma linguagem não discursiva, sem regras sintáticas,


igualando-se à linguagem não verbal, apesar de se valer de palavras;

- tem forma e conteúdo verbal e pictórico;

- não faz sequências sintáticas discursivas, lançando mão da sintaxe


visual e da semiose.

- não possui organização sintática na linguagem verbal, apesar de ter


também como cognição o tipo digital – afinal, algumas palavras às
vezes são lidas, e não somente vistas.

Rejeitando o ordenamento lógico-discursivo, abrindo-se às sugestões


do método ideogrâmico de compor, que é do tipo analógico e não do
tipo digital, lança-se a poesia concreta à fascinante aventura de criar

119
com dígitos, com o sistema fonético, uma área linguística não-
discursiva, que participa das vantagens da comunicação não verbal
(maior proximidade das coisas, preservação da continuidade da ação e
da percepção) sem, evidentemente, mutilar o seu instrumento – a
palavra – cujos dotes especiais para „exprimir abstrações, comunicar
interpolações e extrapolações, e tornar possível o enquadramento de
amplos aspectos de eventos e ideias diversificadas em termos
compreensíveis‟ (RUESCH; KEES) não são desprezados, antes
utilizados em proveito da totalidade comunicativa criada. A noção de
metacomunicação explica, para os estudiosos dessa matéria, „as
relações entre codificações verbais e não-verbais‟; „qualquer
mensagem pode ser considerada como tendo dois aspectos: a
proposição propriamente dita, e as explanações pertinentes à sua
interpretação. A natureza da comunicação interpessoal necessita de
que ambos coincidam no tempo, e isto pode ser conseguido somente
através do uso de uma outra via. (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI,
2006: 121)

Como as poesias não discursivas e sem verso – e aqui estão as


concretas e visuais –, pixadores quebram a sintaxe verbal ao aplicar palavras
nas paredes, comunicando-se sem formar orações. Nomes de turmas como
“radio-ativos”, “exorcity”, “d-tentos” e “eskecidos” não só subvertam a ortografia,
como abrem um leque para significações sobre as quais o receptor irá
devanear. Eles criam expressões como “Humildade faz a Diferença” ou “Nada
Somos” em forma de logomarcas, as grifes, porém isso não quer dizer que não
há linguagem: há a linguagem do formato das letras, do jogo semântico e do
ortográfico (que foi quebrado), a linguagem de poder entre eles e a linguagem
que é entendida pelos passantes.

Apesar de representarem o mundo através da linguagem verbal, há um


alto componente pictórico, estético e comportamental. Como resultado, existe
um discurso que, apesar de se valer de palavras, não é apenas verbal: é
simbólico, estético e social.

120
A poesia concreta toma o texto urbano e a comunicação de massa
para chegar à síntese e à racionalização desta linguagem retirando
seus ruídos e definindo uma estrutura. (CÂMARA, 2000: 36)

Somos acostumados com letras que são um código da linguagem verbal


falada por muitos. Elas são símbolos convencionados dos sons. Pixadores (e
poetas visuais) transformam as letras, que são ícones, em outro ícone.
Alteradas, as letras dos pixadores continuam como um código da linguagem
verbal, ou um ícone, porém entendível apenas para um certo círculo de
pessoas. Por isso o restante das pessoas vê como um rabisco – ligam ao que é
conhecido – pois não são mais ícones, já que não imitam aquela forma definida
por nosso padrão de alfabeto. Mas, muito mais que uma imagem qualquer, é
bom lembrar que elas continuam como códigos e pois têm um significado
“digital” 37. O significado digital não é aberto, não é um retrato do real, mas algo
que remete a uma coisa – para quem conhece o código, remete à outra letra.

Tomada a pixação como “coisa”, ou objeto fechado em si e que refere a


si, com características que vão além da forma, colocando-se em vários níveis
comunicativos e sintáticos, tomemos o texto dos irmãos Campos e de Pignatari
para a poesia concreta, no qual verificamos as proximidades entre ambas:

o poema concreto comunica a sua própria estrutura: estrutura-


conteúdo. o poema concreto é um objeto em si e por si mesmo, não
um intérprete de objetos exteriores e/ou sensações mais ou menos
subjetivas. seu material: a palavra (som, forma visual, carga
semântica). seu problema: um problema de funções-relações desse
material. fatores de proximidade e semelhança, psicologia da gestalt.

37
Conceito de analógico e digital – Analógico é tudo aquilo que se faz por analogia:
um desenho de uma cadeira é analógico, pois representa uma cadeira. Um gráfico é
analógico, pois representa as informações. O relógio analógico o é porque
representa o tempo – as voltas que foram dadas para o ponteiro chegar ali indicam
a passagem do tempo. Digital é tudo aquilo que se representa por detalhes que
falam separadamente. A palavra “cadeira” é digital pois são letras que formam um
conjunto que por convenção se referem àquele objeto de sentar. Uma tabela é
digital pois seus elementos em separado dão aquelas informações. O relógio digital
também – ele informa com elementos distintos as horas (convencionado assim), ele
não é uma representação da realidade. Geralmente, o modelo analógico é mais a
representação real, porém é menos preciso que o digital.

121
ritmo: força relacional. o poema concreto, usando o sistema fonético
(dígitos) e uma sintaxe analógica, cria uma área Linguística específica
– “verbivocovisual”- que participa das vantagens da comunicação
verbal, sem abdicar das virtualidades da palavra. com o poema
concreto ocorre o fenômeno da metacomunicação: coincidência e
simultaneidade da comunicação verbal e não-verbal, com a nota de
que se trata de uma comunicação de formas, de uma estrutura-
conteúdo, não da usual comunicação de mensagens.” (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 216)

Posto isso, reproduzo o que Max Bense disse:

não podemos abster de observar que a pintura concreta oferece, na


realidade, pouca informação semântica, mas, não obstante, valores
relativamente altos de informação estética‟. Este trecho parece apoiar
a nossa proposição de que há um conceito de „temperatura
informacional estética‟ (alta ou baixa) diferente do de „temperatura
informacional linguística ou semântica‟ (alta ou baixa) (...). 38 (BENSE
apud CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 202)

(...). Na informação estética, entendida, com maior propriedade, no


âmbito da arte concreta (onde ocorre a „redução da obra ao essencial
estético, à temática dos signos‟) como uma informação sobre a
estrutura‟, sendo o „conteúdo informativo‟ a própria estrutura, será,
correspondentemente, tanto mais rico aquele quanto mais rica, no
sentido da inovação, da invenção, for esta última. (BENSE apud
CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 203)

No que podemos afirmar, com este estudo, que concretos e pixadores


são altamente formalistas, de modo que o conteúdo informativo é sua própria
estrutura verbivocoespacial – acrescentada aos pixadores a social –, com
temperatura informacional alta. Onde podemos ainda afirmar que, se
pudéssemos valorar uma pixação pelas características da poesia concreta ou
da arte instituída, quanto mais rico o conteúdo informativo dela, mais rica será
38
BENSE, Max. Aesthetica II – Ästhetik und Zivilisation. Agis-Verlag, 1958. sem mais
informações.

122
sua estrutura. Neste sentido, uma palavra que traga sonoridade e construção
ortográfica diferenciada, juntamente com letra com várias informações
semióticas em um espaço da cidade que tenha uma sintaxe com o significado
da palavra colocada alinhada sobre uma certa estrutura, com espaçamento
padronizado entre as letras, e estas escritas na sua melhor forma, seria uma
pixação com temperatura informacional alta – ou riquíssima.

123
5. CONCLUSÃO

Já sabemos que as vanguardas imaginavam a arte com uma visão que


unia a dimensão da escritura com a do contexto urbano e histórico, porém com
diferenças entre o olhar vanguardista da década de 1920 e a de 1960. Se as
diferenças são marcantes entre os letrados de décadas distintas, maiores ainda
são entre letrados da década de 1960 e pixadores dos anos 1980 em diante,
como vimos.

Segundo Aguilar, existem dois pólos para os letrados e artistas, um que vê


“a cidade caótica e aberta que poderia denominar-se balélica, e outro que vê a
cidade organizada e absolutamente funcional à que denominarei cidade-
falanstério” (AGUILAR, 2005: 249). Como vimos, podemos dizer que os
pixadores estão no lado dos que veem a cidade da maneira babélica.

NÚMERO DE HABITANTES EM SÃO PAULO39

ANO Cidade Região Metropolitana

1920 569.033 sem dados

1950 2.198.096 2.622.789

1960 3.781.446 4.739.406

1970 5.942.615 8.139.730

1980 8.493.226 12.588.725

1991 9.646.185 15.444.941

2000 10.434.252 17.878.703

39
Fonte: IBGE, Censos Demográficos.
<http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/tabelas/pop_brasil.php> Acesso em: 25 mar 2010.
Atualmente, em 2010, estima-se que sejam 19 milhões na região metropolitana e cidade de
São Paulo, se constituindo a 5ª maior cidade do mundo.

124
Sob muitos aspectos, a literatura do modernismo experimental que
surgiu nos últimos anos do século passado e se desenvolveu até
nosso século foi uma arte das cidades, principalmente das cidades
poliglotas, as cidades que, por diversas razões históricas, haviam
adquirido uma grande fama e intensa atividade como centros de
intercâmbio cultural e intelectual. (...) Nessas cidades, com seus cafés,
cabarés, revistas, editoras e galerias, destilavam-se as novas
estéticas, as gerações discutiam e os movimentos contestavam; as
novas formas e causas tornavam-se objeto de lutas e combater.
Quando pensamos no modernismo, não podemos deixar de evocar
essas atmosferas urbanas, as ideias e campanhas, as novas filosofias
e políticas que as atravessavam. Evidentemente, essas cidades eram
mais do que pontos casuais de encontro e cruzamento. Eram
ambientes geradores de novas artes, pontos centrais da comunidade
intelectual, e mesmo de conflito e de tensão intelectual. (BRADBURY
in BRADBURY; MACFARLANE, 1989: 76)

É impossível entender de forma ampla as vanguardas ou qualquer forma


de arte descolada do seu contexto histórico-social-geográfico. Portanto quando
pensamos na pixação, não podemos deixar de evocar a atmosfera suburbana
na qual ela surgiu, ganhou forma e se inspirou. Como vimos, São Paulo,
metrópole de encontros de culturas e nacionalidades de um país “em
desenvolvimento”, não à toa foi o berço da pixação, assim como as vanguardas
eclodiram na Paris iluminista, o expressionismo foi e é a marca dos alemães
deste século e o muralismo ocorreu em um México com o cenário que
ilustramos.

Mas como dissemos, os pixadores não estão interessados em fazer arte


– aliás, pouco se importam com o fato – e muito menos manifestos, salvo raros
casos. Na verdade, criticam o caráter elitista da arte, não querem estar em
museus e nem vendê-la. Os que fazem, são criticados por isso. Como
ilustração, colocamos aqui dois pontos de vista sobre o assunto, mantendo a
ortografia:

comentário 1:
Eu acho que ah pixação éé uma arte de rua,assim como o graffit.
o graffit só foi considerado arte depois de anos,intão se o graffit hoje é arte porq a

125
pixação nao pode ser tbm ?. nois pixadores estamos temtano diser pra sociedade que
nois estamos aqui correndo atrais do nosso espaço para que a pixação vire uma arte
legalizada assim como o graffit.
pixação é sim uma coisa bonita,pixação pra min é como um esporte.um modo de c
expresar.é outro mundo fora da sociedade,que só nos pixadores sabemos oque
é.quando pego um onibus e começo olha as pixação eu entro em outro mundo,um
mundo que tem malicias,maldades,mensagems para nos proprios pixadores,nos
pixadores c comunicamo um com os outros apenas por rabiscos na parede,fora as
amizades que conhecemos,algumas ruins,mais outras boas,cada role uma historia pra
conta.ee é isso que eu vejo como pixação,nao é tudo,porq c for pra min fika falando oq
eu penso sobre isso vou fika escrevendu até amanhã aquii!40

comentário 2:
pichaçao nao e arte..
é vandalismo..
viva a pichaçao

vc fala qui é pichador e se considera um artista..?!?!


qui porrra de pichador vc e??
vai pra bienal se aparece entaum..
la vc sera um artista ...o artista da rede globo..

nos pichadores vivemos num mundo paralelo o nosso mundo


e naum queremos ser considerados artistas sempre fomos e sempre seremos
vandalos..
ninguem faz isso por dinhero e sim pela adrenalina e pelo ibope entre nos pichadores
iso eh a pichaçao

falo em nome de todos os verdadeiros pichadores.. 41

São pontos de vista antagônicos sobre a pixação como forma artística,


ambos comumente ouvidos em debates entre pixadores. Mas o que é comum a
todos pixadores é não estarem interessados no ideal de beleza grego, mas em
expor como um soco no estômago a feiúra da sociedade – o grotesco.

Vimos que apesar de terem uma ideia própria de belo e uma valoração
associada à cultura deles, ainda assim pixadores possuem noções universais
inerentes ao ideal platônico, como simetria dos espaçamentos entre as letras, o

40
Comentário de Allan, seg, 17 ago 2009. Retirado de <http://www.br101.org/pichacao-sp-
rebeldia-sem-causa.html>. Acesso em: 13 dez 2009.
41
Comentário Anônimo, seg, 17 ago 2009. Retirado de <http://www.br101.org/pichacao-sp-
rebeldia-sem-causa.html> Acesso em: 13 dez 2009.

126
rigor das formas, do uso delas no espaço, a criatividade e o equilíbrio das
letras. Por esta ideia ser universal, certamente nesta pesquisa você notou, por
você mesmo, pixações mais feias ou mais bonitas, com mais design ou não,
mais elaboradas ou não, mais toscas ou não. A própria prática de pixar faz com
que a letra fique cada vez mais perfeita e possa ser feita mais rápido ainda com
o passar dos anos.

Moradores da periferia, a maioria pouco ou nada sabe sobre as artes


instituídas ou literatura, por isso podemos dizer que sua arte- poética (ou
poética artística) aproxima-se mais da popular – oral e coletiva –, porém,
devido à influência do punk, do hip hop e do que podemos chamar de pop, ela
tem fortes traços do que entendemos como poesia concreta e artes de
vanguarda, em específico as aqui citadas. Para enquadrá-los em algo próximo
à nossa cultura americo-europeia da arte institucionalizada, visual e
conceitualmente poderíamos colocá-los entre o expressionismo e a art brut.

Vimos que a arte modernista não tinha características “cujos resultados


só pudessem ser contemplados em museus ou nos espaços de exposição”
(AGUILAR, 2005: 74). Revistas, apresentação, manifestos, objetos do dia-a-
dia, poemas-cartazes dos poetas concretos, tudo, e o que mais houver, pode
ser considerado „arte‟, dependendo da intenção, do contexto (histórico ou
social) ou da validação de algum crítico ou especialista. Vimos também que a
arte contemporânea não está interessada na transparência, ela cifra a
realidade, não colocando a mensagem diretamente para o fruidor, mas sim
lançando signos que, conjuntamente, passarão mensagens e/ou códigos.

A contemplação da pixação se dá na rua, que também é espaço criativo,


sua inspiração e seu suporte. Na sua prática, pixadores não se utilizam das
ferramentas e suporte clássicos da arte – o pincel e a tinta –, e nem da
modalidade ou técnica da pintura. Suas ferramentas são suas palavras, a
forma de suas letras e seu modo de agir com a técnica da escrita no suporte
cidade. Portanto a pixação, em teoria, não poderia deixar de ter seu valor
simplesmente por estar nos suportes urbanos. Ela extrapola a noção de
sacralização, moldura e museu como paratexto da obra de arte instituindo,
assim como o graffiti, a cidade como „abrigo‟ de suas obras não sacralizadas.

127
Em sua poética, os pixadores não buscam a representação exata da
realidade. Eles metaforizam a realidade vivida da metrópole de forma criativa
em palavras, criando uma nova realidade voltada para a própria pixação ou a
vida suburbana. Eles fazem isso indiretamente, por signos verbais, visuais e
corporais que no conjunto passam mensagens ou códigos sobre a realidade
que eles conhecem. O nome que se deram são palavras que fingem, parodiam,
exaltam, rebaixam, caricaturam e até mesmo contradizem. A estética visual dos
pixadores não representa coisas, mas letras, criando seu próprio universo feito
de letras, palavras e poucos signos figurativos. E, assim como os modernistas,
com o passar do tempo os pixadores começaram a se libertar do real, da
rigidez da cópia, para irem abstraindo a letra cada vez mais. Atualmente,
algumas letras são tão abstratas que vemos como imagens.

Levando-se em conta sua amplitude quantitativa e seus personagens


anônimos, a pixação se aproxima da mail art42, um movimento dos anos 1960
que se utilizava do correio para trocar e divulgar suas manifestações artísticas
como cartas, rabiscos, desenhos e mensagens carimbadas (HOME, 2004:109).
Como não tinha um gênero ou uma estética específica, o aspecto que mais a
caracterizava era sua mídia: a carta. Home fala da mail art como
“inconsequente” (HOME, 2004: 112), “democrática e uma rede aberta” (HOME,
2004: 114). E, ao caracterizá-la no âmbito artístico, afirma que “o grande
número de pessoas envolvidas com ela impede que o movimento seja
reconhecido „oficialmente‟ como uma manifestação da alta cultura, pelo menos
enquanto continuar sendo praticada numa escala tão ampla” (HOME, 2004:
114). Também seria assim com a pixação, que é formada por uma massa de
centenas de cidadãos anônimos para a sociedade e sem estudo.

Vimos que a massificação é uma das características da obra de arte


pós-moderna. Essas artes também são caracterizadas por:

 bombardeamento óptico, explosão de imagens e referências;

 não há obra de arte fechada na perfeição da sua forma final, ela pode
ser sempre modificada ou adquirir inúmeros entendimentos;

 a obra pode ter conceitos pessoais do artista ou universais;


42
A mail art tem suas raízes no dadá e no fluxus.

128
 ela carrega forte dose de elementos cotidianos, assim como elementos
acerca da percepção da sociedade industrial;

 em algumas vertentes, apresenta niilismo;

 os referenciais são os objetos, o urbano e si mesma, não mais o homem


e a alma; e

 o momento é o presente, não mais o eterno.

Podemos afirmar que a pixação é primitiva por alguns motivos:

 Devido à sua simplicidade estética e forma, pois não tem as


técnicas de pintura e desenho (como sombra, scorso, perspectiva);

 Por misturar várias formas do que consideramos arte pura, como


malabarismo, caligrafia, happening, expressionismo etc, tornando-
se multicultural e híbrida,

 Por romper e não seguir a história da arte instituída/ocidental;

 Devido à sua intenção: não possuir maiores pretensões, conceitos


ou questionamentos, como é o caso da arte elitizada;

 Por carregar elementos de uma cultura de um povo;

 Pela simplicidade conceitual, ainda que as letras sejam muito


trabalhadas e o corpo do pixador exerça atividades consideradas
complexas até para malabaristas.

É primitiva pois, assim como a arte modernista de Picasso, resgata


características básicas de uma época remota, no começo das civilizações ou
das civilizações menos ocidentalizadas. Quanto à enormidade de palavras
escritas pelos pixadores, o que tiraria o seu status de raridade ou de
exclusividade, Aguilar coloca dois pontos de vista, de Benjamin e de Malraux,
que aqui reproduzo:

129
Enquanto para Benjamin é uma promessa da perda da aura e de suas
características de distância e inacessibilidade, para Malraux a
reprodução não só confirma a dimensão aurática, como constitui sua
realização mais cabal: o „museu imaginário‟ confere às obras de arte
um novo tipo de autoridade, mais poderoso porque mais ubíquo e
difícil de apreender. Para Malraux, a reprodução é, muito mais que
uma ameaça para a arte aurática, a possibilidade de difusão e do
fortalecimento em escala quase universal dessas obras que a tradição
havia separado dos objetos comuns, dotando-se de um valor quase
sagrado. (AGUILAR, 2005: 50)

Berger também comemora a chegada da reprodução técnica da arte:


“pela primeira vez as imagens da arte tornaram-se efêmeras, ubíquas,
insubstanciais, disponíveis, sem valor, livres” (BERGER apud AGUILAR, 2005:
53). Em contraponto a este cenário, sabemos que a pixação é reproduzida
manualmente; mesmo reproduzida milhares de vezes, cada uma ainda possui
aura única, apesar de, para leigos no assunto, uma pixação ser/parecer igual a
outra. O que eles não imaginam é que toda pixação tem aura: é sempre feita
pelas mãos de um pixador e uma nunca é igual a outra, pois o local, a
execução e a obra final sempre mudam. Com os novos paradigmas colocados
pelos modernistas, é possível dizer inclusive que o processo também é obra –
o ataque, o momento anterior à escrita e a própria escrita transformam o corpo,
como num happening, em um elemento da obra.

Toda vanguarda sempre se caracteriza pela agressividade,


manifestada no antilogismo, no culto a valores estranhos (o negrismo
dos cubistas), os poderes mágicos, a beleza da anarquia, o
instantaneísmo, o dinamismo, a imaginação sem fio (...). (TELES,
1997: 82).

Com o que vimos aqui, é possível entender que a pixação afasta-se da


tradição da arte de produção de objetos e pinturas para seguir uma linha ligada
a movimentos de vanguarda modernistas e pós-modernistas. Esta linha
abstraiu, falou de si, transpôs a noção de obra de arte das telas e das paredes,
incorporou o caos e a ironia, tornou-se multicultural e multimídia, questionou a

130
si e à obra de arte, desmistificou a “catarse elaborada” (VASARI) e levou o
inconsciente para fora de nós.

De fato, para muitos escritores a cidade chegou a se converter numa


analogia da própria forma – Pope e Johnson, Baudelaire e Dostoievski,
Dickens e Joyce, Eliot e Pound. Mas, como sugere a extensão dessa
lista de nomes, a cidade não continuou como uma mesma coisa, e
tampouco as formas. E, se o modernismo é uma arte especificamente
urbana, em parte é porque o artista moderno, tal como seus
semelhantes, foi capturado pelo espírito da cidade moderna, que em si é
o espírito de uma sociedade tecnológica moderna. A cidade moderna se
apropriou da maioria das funções e meios de comunicação da
sociedade, da maioria da população e dos limites mais avançados de
sua experiência tecnológica, comercial, industrial e intelectual. A cidade
se tornou cultura, ou talvez o caos que se segue a ela. (...) É por isso
que a arte modernista manteve relações espaciais com a cidade
moderna, em seu papel tanto de museu cultural quanto de ambiente
novo. (BRADBURY in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 77)

Vimos que na poesia modernista, a metrópole e a vida nela é figura


central, assim, como na pixação.

O caos cultural alimentado pela cidade populosa em crescimento


constante, Torre de Babel contingente e poliglota, é reproduzido como
análogo ao caos, contingência e pluralidade nos textos literários
modernos, no desenho e na forma da pintura modernista. (BRADBURY
in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 78)

Pixadores conseguiram e conseguem fazer uma metáfora das cidades


estética, formalística e conteudisticamente – metáfora mais especificamente de
São Paulo, visto a sua singularidade. Apesar de apreenderem todo o espírito
do moderno e do pós-moderno, pixadores não são vistos como poetas que têm
a cidade como suporte, o que em verdade são, como vimos. Agressivos e
anarquistas como muitos ismos desconstrutivistas, pixadores são piratas que
tomam de assalto as superfícies da cidade que tem “donos” e são cada vez

131
mais odiados a cada vez que o espaço é mais loteado para os que tem dinheiro
para comprá-lo.

Para Bradbury & Mcfarlane, o modernismo é a arte que refletiu o nosso


tempo, e não poderia ser outra:

é a única arte que responde à trama do nosso caos. É a arte


decorrente do “princípio da incerteza” de Heisenberg, da destruição da
civilização e da razão na Primeira Guerra Mundial, do mundo
transformado e reinterpretado por Marx, Freud e Darwin, do
capitalismo e da contínua aceleração industrial, da vulnerabilidade
existencial à falta de sentido ou absurdo. (...) É a arte derivada da
desmontagem da realidade coletiva e das noções convencionais de
causalidade, da destruição das noções tradicionais sobre a integridade
do caráter individual, do caos linguístico que sobrevém quando as
noções públicas de linguagem são desacreditadas e se tornam ficções
subjetivas. O modernismo é, pois, a arte da modernização – por mais
absoluta que possa ser a separação entre o artista e a sociedade, por
mais oblíquo que possa ser seu gesto artístico. (BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 19)

Podemos afirmar que a pixação é metáfora e, como arte, combina com o


nosso tempo, pois tem uma só palavra.

Mallarmé gostava da palavra „ptyx‟ justamente porque não queria dizer


nada e, portanto, estava cheia de possibilidades não-realizadas.; Rilke
disse que a palavra „e‟ num poema é totalmente diferente do mesmo „e‟
na linguagem cotidiana. (HOUGH in BRADBURY; MCFARLANE,
1989: 268)

Assim, pixadores sintetizam seu mundo e a visão do mundo por meio


das melhores palavras e estética para isso, com grande poder criativo para
essa expressão, para a criação da forma e para a consolidação delas no
suporte da cidade, fazendo uma exacerbação da vida, uma hiperrealidade. É
mais “real” e provocativa poesia visual do mundo, podemos dizer certamente.

132
Dentre inúmeras teorias e escritos sobre o que é arte atualmente, cito
aqui uma retirada do livro Modernismo: Guia Geral:

Quando a poesia deixa de ser um exercício da excelência individual no


papel e se converte em signo falado de total estímulo sensorial e
engajamento coletivo, a arte (se o termo não for anacrônico neste
contexto) se torna gesto revolucionário. Nesse ponto, a „fala
descontínua‟ da poesia moderna se converte em símbolo da „via
alternativa; a imaginação poética aberta à experimentação linguística
se transforma numa imaginação política sensível à ideia de uma
sociedade industrial baseada numa mitologia não-capitalista; o grupo
que responde como uma unidade à linguagem de referência torna-se
imagem de uma sociedade baseada na cooperação, e não na
competição; o direito de todos praticarem uma poesia como quiserem
torna-se o equivalente do direito de todos à autodeterminação política.
(...) Se essa aspiração representa o caos e não a ordem, o domínio da
turba e não a democracia, a apatia destrutiva e não uma deliberação
livre, ou um grosseiro antiintelectualismo ao invés da assimilação do
intelecto pela imaginação, são questões que permanecem
indeterminadas. (HOUGH in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 273)

Em 1914, Apollinaire disse:

(...) nada de narração, dificilmente poema, se quiserem: poema


ideográfico. Revolução: porque é preciso que nossa inteligência se
habitue a compreender sintético-ideograficamente, em lugar de
analítico-discursivamente. (APOLLINAIRE apud CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI, 2006: 138)

Alguns dizem que os melhores artistas não são aqueles que fazem algo
que está em voga, ou que pensam em fazer para estar em um estilo, mas são
aqueles que pensam livremente e, ao colocar na tela, no papel ou no
instrumento, transcendem os movimentos daquele tempo.

133
O homem artista realiza-se em sua obra. Suas potencialidades, seus
desejos, suas aspirações concretizam-se nela e através dela.
Representa a sua realidade íntima e sua realidade social. (NOEL,
1977: 23)

Vimos que, diferente das vanguardas, pixadores não buscaram rupturas,


novidades, conceitos. Foi algo natural, orgânico, como é a arte popular. Eles se
realizam através de suas obras, que representam suas realidades pessoais e
coletivas. A pixação é tão desconcertante para nossa época como cubistas,
dadaístas, surrealistas, futuristas e expressionistas e poetas foram naquela
época.

Assim, para o expressionista ou para o surrealista, por exemplo, é a


antiarte que decompõe antigos quadros de referência e traz a anarquia
do desejo evolante dos homens, a forma expressiva da evolução
humana liberando energia. Desse ponto de vista, o modernismo não é
liberdade da arte, mas sua necessidade. O universo coletivo da
realidade e da cultura que gerara a arte oitocentista havia findado, e os
modos explosivamente líricos, ou ainda os modos irônicos e fictícios,
que incluíam vastos elementos não só de criação, mas também de
descriação, mostraram-se inevitáveis. O pressuposto de que a época
requer um certo tipo de arte, e de que o modernismo é a arte que ela
requer, tem sido fervorosamente defendido por aqueles que vêem na
condição humana moderna uma crise da realidade, um apocalipse da
comunidade cultural. (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 20)

Segundo Hough (1989: 268), é necessário investir na linguagem para


atingirmos formas com a cara do agora. Ele diz que a linguagem reprime, faz
com que tenhamos que dizer ou traduzir o mundo com aquelas palavras.

Estético é o que pode suscitar uma percepção desinteressada; o


artístico compreende os valores diversos que se revelam na obra de
arte, compreendido também o valor estético. Graças a tal distinção,
que tem origem em Kant, a ciência da arte pode considerar uma obra
artística determinada ou a arte de diferentes épocas ou povos, levando

134
em conta seus valores não exatamente estéticos: religiosos, morais,
racionais ou sociais. A Arte se liberta assim da sua submissão à
beleza. Ao mesmo tempo, as investigações impulsionadas por essa
ciência podem se estender às manifestações artísticas afastadas do
ideal clássico. (VASQUEZ, 1999: 43)

Assim sendo, vimos que o ideal de beleza não é mais característica


obrigatória de uma obra de arte. Ela pode ser irônica, trágica, repugnante,
grotesca, enfim, não necessariamente “bela”. Com esta distinção, teoricamente
poderíamos voltar a ter como arte as inscrições rupestres, as artes mouras,
indígenas e folclóricas – e, quem sabe, as inscrições urbanas...

Pierre Boulez, em conversa com Décio Pignatari, manifestou o seu


desinteresse pela obra de arte „perfeita‟, „clássica‟, do „tipo diamante‟, e
enunciou a sua concepção de obra de arte aberta, como um „barroco
moderno‟. Talvez esse neobarroco, que poderá corresponder
intrinsicamente às necessidades culturmofológicas da expressão
artística contemporânea, atemorize, por sua simples evocação, os
espíritos remansosos, que amam a fixidez das soluções
convencionadas. (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 53)

Além de não mais importar a beleza, com os novos paradigmas dos


modernistas, a obra de arte não é mais algo que venha com uma resposta
dada pelo artista. Ela é um enigma posto para ser decifrado ou não, pela mente
do público, pois o agora pede outra arte que não seja a óbvia – a fechada. Em
1960, os poetas concretos disseram que com a poesia concreta,

pela primeira vez – e diz-se isto como verificação objetiva, sem


implicação de qualquer juízo de valor – a poesia brasileira é totalmente
contemporânea, ao participar na própria formulação de um movimento
poético de vanguarda em termos nacionais e internacionais, e não
simplesmente em sentir-lhe as conseqüências com uma ou muitas
décadas de atraso, como é o caso até do movimento de 22.
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 211)

135
Soubemos por esta pesquisa que a pixação só existe no Brasil. Trata-se
de uma prática universal, porém cultural e esteticamente criada pelo povo de
São Paulo, local onde é praticada na sua forma mais característica. Podemos
portanto afirmar que é uma cultura popular imaterial brasileira, ainda que ilegal,
e que é, assim como a poesia concreta, um movimento poético brasileiro com
característica de vanguarda.

É prestando atenção no conjunto desses nomes que percebemos os


pixadores como muito mais que meninos querendo competir, se divertir ou
serem respeitados: são cidadãos que criaram uma nova forma de arte, poesia
e jogo, na qual metaforizam todos os aspectos da sociedade (urbana e
suburbana) brasileira. Ao analisarmos as palavras, vimos que a pixação é a
metáfora de um povo sem acesso à cultura, ao lazer e aos esportes; um povo
sem acesso ao conforto e à educação.

Ao se fazer o apanhado dos nomes, vê-se todas as nuances da nossa


diversidade brasileira: violência, exclusão, revolta, pobreza, beleza, humor,
criatividade, esperança, ironia. Assim, podemos também enxergar a pixação
como cultura que retrata, ou hiperrealiza, de maneira minuciosa e criativa a
nossa sociedade, uma narrativa poética e jogral do povo brasileiro.

Como diz Ivan Sudbreck, um dos artistas urbanos da geração de 1980,


“a arte será sempre o reflexo social de um povo...” (SUDBREK apud GITAHY,
1999: 23).

(...) no nosso caso, reflexo de um povo oprimido, que sofre desrespeito


em seus direitos humanos (...) E o qual responde, consciente ou não,
por meio de atos que se traduzem desde a cruel violência até
tentativas menos drásticas de interferir no sistema e modificá-lo.
(GITAHY, 1999: 24)

A pixação é metáfora das dificuldades, do inatingível, do trabalho que


nunca termina e do salário que nunca é suficiente; do sonho da pepita de ouro,
da subida na vida, do topo que pouquíssimos conseguem chegar. Mas eles

136
chegam; e, nesse quesito, só eles chegam. E se apropriam de uma das poucas
coisas que podem chamar de sua: o espaço geográfico.

Se o poder público acha que a cidade pertence a todos, ela pertence,


principalmente, aos pixadores, que vivem seus espaços e a conhecem como
ninguém. A pixação é provar que existe, que está vivo; é pintar mais alto, pintar
mais, pintar no lugar mais difícil, ou no que vai ficar por mais tempo, e isso
acaba gerando um clima de superação entre as tribos, as chamadas turmas.

Vimos que a poesia concreta nasceu em uma época de marcante


otimismo com o país, os anos 50. Com as mudanças ocorridas no Brasil
(construção de Brasília, a Bossa Nova, a arquitetura etc.), o otimismo
desenvolvimentista e a exaltação do país, existia “a crença de que a palavra
poética desempenharia um papel crucial na formação dessa nova sociedade”
(AGUILAR, 2005: 88), uma revolução.

No contexto histórico social e político, a pixação se insere num momento


no qual o brasileiro vive atordoado pelos escândalos políticos e éticos. Não há
o mesmo clima de progresso e futuro brilhante como naquela época, mas
outros fatores marcantes para o aparecimento da pixação, como os já citados a
chegada do hip hop e do movimento punk, o crescimento da periferia e suas
culturas, a falta de recursos econômicos, sociais e culturais para essa mesma
periferia, entre outros.

Além, claro, de o Brasil ser país do movimento concreto e dos poetas


concretistas – no mais, tinha um dos maiores arquitetos e o maior paisagista
modernista do mundo –, podemos dizer que a cidade democrática e cheia de
linhas, o jogo com as palavras, o uso de fonemas e toda essa distribuição delas
estão no nosso consciente coletivo – isso se não foram conscientemente vistas
–, favorecendo ou influenciando esse surgimento no espaço externo.

Fato interessante de se notar é que em uma andança pelo Centro de


São Paulo, que cresceu e praticamente se tornou o que é hoje nas décadas de
1960 e 1970, os edifícios e construções que mais propiciam a prática da
pixação são os com características arquitetônicas modernistas. Os peitoris, as
lajes, os pilotis, os parapeitos, as grandes vigas, os traços retos e todo

137
ornamento modernista – quando há – são usados, ideais para os pixadores
atingirem seus objetivos. vide anexo 34

O concretismo tinha preocupação com a tipografia, os poemas-objetos e


poemas-cartazes integravam a poesia à vida cotidiana, colocando na poesia
características antes vistas apenas nas artes plásticas.

Vimos que o poema concreto

aspira a ser: composição de elementos básicos da linguagem,


organizados ótico-acusticamente no espaço gráfico por fatores de
proximidade e semelhança, como uma espécie de ideograma para
uma dada emoção visando à apresentação direta – presentificação –
do objeto (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 75),

sendo esta também uma descrição para a pixação.

Sem se apossar de teorias, ou mesmo sem ter ideia do que é poesia


concreta, os pixadores também alçam a linguagem à dimensão da visualidade.
Porém é impossível saber se isso aconteceria sem a poesia concreta. O que
esta trouxe, juntamente com as vanguardas, foi uma leveza na produção
artística, incluindo aí na poesia, e a possibilidade de se quebrar regras. O que é
certo dizer é que quebrar o verso, assumir as palavras como unidade básica da
manifestação, reescrevê-las diferentemente das regras formais e colocá-las no
espaço com formas inusitadas na cidade de São Paulo vieram somente após
os poetas concretos brasileiros dos anos 1960. Estes, por sua vez, só existiram
após os modernistas brasileiros, Ezra Pound, Mallarmé e James Joyce.

Vimos que a arte também pode se caracterizar pela revolta e pelo


questionamento dos valores; e é a quebra dos paradigmas causados por essas
rupturas e questionamentos artísticos que causa a renovação – a arte indaga,
então recicla-se os valores, aí a sociedade muda, adquirindo novos numa
releitura dos antigos. A arte na pixação não está na intenção, mas no todo, na
cultura do pixar. Nenhum pixador pixa querendo fazer arte. Seria contradição.
Para eles, é diversão, é lazer, é revolta, é auto-afirmação, é vontade de destruir
ou de dar um recado.

138
„Art is a joyous thing‟ (a arte é uma coisa viva), disse Pound. Uma
coisa alegre. É tempo de se libertar a obra de arte criativa da tralha de
matracas e da mística do pecado original com que o conformismo das
estéticas „paradisíacas‟ procura ferreteá-la para garantia da
salubridade convencionada de suas estâncias de ócio fungível:
„intelectualismo‟, „formalismo‟ e outros tantos falsos pejorativos, „lendas
dessuetas‟ na expressão de Boulez, que epitomiza o „papel
interpenetrado da sensibilidade e da inteligência em toda criação‟ com
palavras que precisam ser meditadas. (CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI, 2006: 47)

“O verso, por exemplo, foi sempre um traço distintivo que permitia


reconhecer de imediato um texto poético” (AGUILAR, 2005: 45), por isso a
poesia concreta não é identificada como poesia, assim como a pixação.

Isto posto, aquele aparente „empobrecimento da linguagem‟ – na


verdade redução e simplificação vocabular, dentro de uma sintaxe não
do tipo lógico-discursivo, mas do tipo analógico-visual -, que se
pretendeu enxergar na poesia concreta, passa a ser colocado nos
seus devidos termos, (...) para assumir, analítico-esteticamente, o
caráter de um verdadeiro „princípio de estilo‟, verificável como
processo e estimável – no poema concreto plenamente realizado –
como fator integrativo do êxito dessa realização (...). (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 195)

Sobre a poesia concreta, disseram os concretistas:

Essas obras de arte são verdadeiros bens de raiz do pensamento e da


cultura universais, cuja função – universal – é a de atuarem como
projetos ou configurações gerais da forma de uma época, leis
genéricas e concretas da forma, que se consubstanciam em inúmeros
objetos e manifestações particulares, contribuindo basicamente para a
formação da linguagem comum do tempo, do seu estilo. (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 156)

139
Os concretos praticavam a publicidade, faziam logomarcas, como a que
Décio Pignatari fez para a Petrobrás. Vimos que as grifes dos pixadores são
verdadeiras logomarcas, brasões que condensam ideias ou títulos. Porém,
quando explica um ideograma, Aguilar diz que

todos esses desdobramentos (explicações para a leitura de um


ideograma concreto) exigem competências específicas, (...) sobretudo
aquela que capacite o leitor para traduzir o signo final em um
ideograma. Os poemas vem acompanhados frequentemente de notas
explicativas, o que não suprime essa contradição, mas, ao contrário, a
intensifica. (AGUILAR, 2005: 235)

A arte abstrata precisa de elementos de alfabetização visual pela


própria, por isso Kandinsky estava sempre a estudar e a explicá-la. O
desconhecido aterroriza, pois só queremos o que é conhecido. É por isso que a
arte abstrata era e é repelida. Ela traz ilusão, mimesis, enigmas. O fruidor quer
“ver alguma coisa”. Se nada vê, se afasta.

Concretistas queriam fazer uma linguagem que fosse útil. Mas poesia
concreta não tem utilidade, não serve para nada. Mas ela nos mostrou as
possibilidades estéticas das formas tipográficas, seus usos e suas
significações.

No aniversário de 400 anos da fundação de São Paulo, a prefeitura


colocou anúncios em grandes cartazes que versificavam as ruas.
Muitos deles reproduziam poemas entre os quais se encontravam os
de Pignatari, Décio e Haroldo de Campos, como se sua poesia já fosse
parte inextricável da cidade. (AGUILAR, 2005: 267)

A pixação já faz parte do imaginário da cidade e inspira estéticas em


vinhetas, tipografias, moda e publicidade. Porém a pixação não tem legenda, o
que não permite sua explicação. Nela, qualquer um pode fazer, e o faz em
qualquer lugar. Mas nem todo pixo é bom. Porém, todos estão expostos. Por

140
ser coletivo e democrático, todas as pixações são exibidas, independente da
qualidade. Todos se mostram, mas só alguns são os escolhidos, e os
passantes não sabem disso, pois não existe a legenda.

Memórias de um Sargento de Milícias (...) não se enquadra em


nenhuma das racionalizações ideológicas reinantes na literatura
brasileira de então: indianismo, nacionalismo, grandeza do sofrimento,
redenção pela dor, pompa do estilo etc. (...) (CÂNDIDO apud
AGUILAR, 2005: 355)

Os pixadores nasceram num mundo pós poesia concreta, pós pop art,
no mundo em que as artes conheciam o punk e o hip hop, sendo multimídia e
multiculturais:

- pixadores fazem acrobacias em suas escaladas pela cidade;

- vemos ainda traços do muralismo mexicano, ao contarem histórias do


povo, pessoais ou coletivas, e fazerem uma forma de arte
revolucionária – ou, ainda, de forma revolucionária;

- a pixação conta com muitos elementos simbólico e metafórico, como


o surrealismo e formas tipográficas como forma de cruz, de labirinto,
de lápide, usadas em vários poemas durante o Barroco (AGUILAR,
2005: 218);

- a pixação tira a aura da obra de arte, como dadaístas e designers.

- a pixação se assemelha em vários pontos com a poesia concreta,


como vimos;

- a pixação se assemelha às vanguardas literárias, ao dada, a Joyce e,


claro, a Freud, pelo interesse por materiais folclóricos, pela estrutura
das piadas e anedotas, pelo espirituoso e irônico em todas as suas
manifestações, e a exploração provocativa desses materiais
„inferiores‟44(...) (HYDE in BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 216).

44
Eles, porém colocavam tudo isso em um contexto “erudito”.

141
Vimos que a semelhança entre a pixação e a poesia concreta está
principalmente no seu produto final: uma poesia, ou anti-poesia, que quebra a
sintaxe e/ou a ortografia, se utiliza do espaço e promove a semiose do signo
verbal e/ou visual. Colocados estes fatos, afirmamos que a pixação está
inserida num contexto pós-moderno de supervalorização do eu, das tribos, da
periferia das grandes cidades, que veio na esteira das mudanças ocorridas
com a modernidade. Assim, é certo dizer que a pixação é poesia modernista
suburbana em contexto pós-moderno, eminentemente visual em um primeiro
olhar não treinado.

Mas qual é a importância de se mostrar a proximidade da pixação e da


poesia concreta e as vanguardas e ainda notar que ela também é poesia?

Um dos motivos é porque a pixação é uma manifestação popular escrita,


mas não faz parte da história da literatura nem da arte brasileira, apesar de
levar arte escrita, se é que podemos dizer assim, para todos os espaços
urbanos. A importância da pixação é tanta que ela é usada como metáfora da
metrópole paulistana, sendo objeto de paixão por designers e diretores de arte.
Exemplo é o livro Pixação: São Paulo Signature, citado na Introdução deste
trabalho. Além de ser um livro minuciosamente produzido, o detalhe é que se
trata de um grande livro de capa dura, no estilo “Taschen”, e um dos autores
nada mais é que o editor de arte do New York Times. Isso prova o sério
interesse de outros países pela prática da pixação, enquanto no Brasil ela
somente é vista como sujeira e vandalismo, com raras excessões.

Gostando ou não, é fato que a pixação paulista é única no mundo. E não


é melhor, nem pior. Hoje em dia, todas as formas de expressão coexistem, e
existe público para todas. Sem dúvida, não existe outro país celeiro de tantas
manifestação culturais como o Brasil.

“Você cresce vendo as pixações no seu bairro, admirando o trabalho dos


caras, aí quer fazer também. É uma cultura..”, diz o ex-pixador Djan45. Cultura é
o conjunto de valores e tradições de um povo. A pixação é a cultura de uma
camada da população que respeita suas regras e as passa para os seguintes.
É como a tradição do maracatu e da capoeira, por exemplo, que são artes

45
Entrevista informal dada para a pesquisadora.

142
híbridas, do povo, populares e espontâneas, geralmente não entrando no
circuito comercial de apresentações artísticas. Portanto, deixo registrado que
querer dar status de arte convencional para a pixação é como querer chamar
de clássica a música dos repentistas. Mas na comparação com os fazeres
instituídos, vimos que ela também é arte e poesia.

Segundo, e respondendo à pergunta, porque não mais nos satisfaz


apenas o rótulo de vandalismo, já que vimos inclusive que uma das
características do modernismo é ter criado modalidades como antiarte e contra-
cultura. Aqui não é negado o caráter de ilegalidade, apenas requerido outros
olhares, ainda que alguns possam dizer que a pixação, enquanto arte ou
poética no nosso contexto histórico, possa significar a total crise da arte (ver
citação de BRADBURY; MCFARLANE, na p. 134).

Aqui não pretendi fazer uma defesa da pixação, mas propor uma nova
forma de entendê-la e vê-la, já que ela nunca vai deixar de existir. Propus esta
pesquisa para mostrar que é possível começarmos a enxergá-la de outro jeito,
e assim deixar nosso cotidiano menos “sujo”, mais leve e divertido ao
encontrarmos essas palavras.

Para fazer esta pesquisa, me propus ter a mesma visão crítica dada a
uma obra de arte ou uma poesia, onde não julgamos o que o artista quis
passar, mas o que a obra final passou. Porém sou uma estudiosa educada com
a teoria da arte pós-moderna, de maneira iluminista, cartesiana e aristotélica,
tentando colocar uma arte primitiva e popular neste parâmetro, e nos meus de
classe média intelectual, falível, portanto, pela minha visão limitada a este meu
mundo.

Para aqueles que dizem: “Mas se pelo menos eles protestassem contra
algo, ou escrevessem algo útil... isso não diz nada, é só rabisco! Não serve
para nada”, Theófile Gautier e Maurice Denis respondem que

a maioria da arte não serve para nada, além da contemplação estética


– é claro; porém outros tantos acham que seve para expressar :
alguma coisa. (GAUTIER; DENIS apud NOEL, 1977: 14).

143
E eu digo que a arte, e aí incluo Da Vincis, Duchamps e poesias
concretas, também não serve para nada, a não ser para olhar. E pensar.

Não-discursiva, não-prática, não-utilizável, a poesia pode e tende a


reivindicar para si uma liberdade de expressão que a linguagem de uso
literal não procura e não possui. A linguagem simbólico-discursiva, cujo
intento último é a comunicação, satisfaz-se facilmente uma vez
alcançado esse desiderato. Donde sua tendência irresistível à
formalização, ou antes, à formulação; a funcionalidade logo se
converte em funcionalismo. (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006:
160)

É nesse ponto, o da utilidade, que a postura vanguardista dos poetas


concretos adquiriu sua maior ambigüidade. Voltada à aplicação de
categorias comuns (como a de „design‟, „utilidade‟ ou „cultura visual‟)
que compreendem os fenômenos mais diversos da vida cotidiana e da
arte (suas referências ao cinema e às revistas, por exemplo), suas
práticas exigiam um olhar diferenciado e especializado (...). (AGUILAR,
2005: 80)

Vimos o quanto a pixação é rica. Bem estudada, ela comunica mais do


que rabiscos, vandalismo ou jovens querendo competir. Ela tem seu estilo, pelo
qual, são desdobrados inúmero outros estilos, códigos e mensagens. Augusto
de Campos explora os limites do signo como instrumento de linguagem
poética. A pixação também é repleta de signos – da cidade –, como os ângulos
das esquinas, das faixas de pedestres e dos prédios, signos da realidade
social, da falta de educação e da revolta, enfim, tudo isso é explorado pelos
pixadores.

Sem nenhuma informação, posso ver um Picasso e achar horrível.


Depois de saber a história, sua criação e sua importância, passarei a olhá-lo de
outra forma. Portanto, enquanto for uma prática totalmente prerrotulada e
pouco estudada em sua forma “artepoética”, a pixação não se enquadrará em
nenhum movimento artístico ou poético e não será vista assim. Alguns
movimentos de vanguarda são acusados de vazios, radicais demais,

144
estranhos, enfadonhos, infantis, fáceis, mercadológicos ou antiarte, e a pixação
também pode ser acusada disso. Mas já não há como negar que ela junta
materiais como atitude/ideário (o conceito) à estética, jogo, dança, malabarismo
e poética, lançando mão de vários elementos para fazer sua lírica, se
constituindo – se é que temos que rotular –, em anti-arte, performance e poesia
- e em um soco no estômago da sociedade.

A institucionalização das vanguardas não pode ser vista apenas como


um processo assumido de fé na renovação cultural. Se não existissem
os pintores malditos, os movimentos marginais, que mais tarde serão
consagrados, como investir na obra de arte visando futuros lucros
fabulosos? Queiram ou não, as vanguardas são cúmplices dos
marchands. Do mesmo modo, os pintores mudam de fases. Nunca
houve tão grande número de artistas que modificassem,
sucessivamente, seus modos de pintar, seus estilos. O colecionador
tem que ser estimulado para novas compras. (COLI, 1996: 99)

Se a pixação choca ao apresentar uma ruptura na representação da


poesia ou da arte em geral ao mudar seu suporte, sua forma, passar de cor
para não cor, e, como o cubismo, trazer a arte “primitiva” para nossos tempos,
o fato é que, diferente deste, ela não será assimilada.

Pixadores não se importam com o mundo das artes e, geralmente, não


lançam manifestos. Um dos principais motivos de a sociedade não ver como a
pixação arte é porque os pixadores não pixam querendo fazer arte. Como não
reivindicam – ou não reivindicavam – este status, a sociedade nem pensa
imaginar isso.

Na sequência, vem o mundo marginal dos próprios pixadores. A maioria


quer que sua prática continue sendo underground – proibida e chocante, pois,
como as performances de Flávio de Carvalho ou as telas expressionistas, ela
está aí para isso. A aceitação da pixação como poética artística também passa
em cheio pela questão estética, que vem realmente de uma linha baseada no
punk, que por sua vez veio do rock, da psicodelia, da contracultura beat, da
arte proletária, do niilismo do dada, do expressionismo e da crueza da art brut.

145
Como estética, ela já influencia a moda, a publicidade e o cinema, as quais não
colocarei imagens por sair do âmbito da pesquisa.

Segundo Gilberto Kujawisky, na sua obra O sagrado existe, "o sagrado


sempre se manifesta como força, uma força prodigiosa, irresistível, uma
nascente energética todo-poderosa, princípio de toda eficácia. A realidade
absoluta é origem de poder, dos aspectos do mundo e do poder do homem no
mundo" (KUJAWSKI, 1994: 60). Ele coloca que existem dois tipos de sagrado,
o “sagrado ser” e o “sagrado estar” (KUJAWSKI, 1994). O primeiro é aquele
que é eterno: ele sempre será sagrado, porque simplesmente o é, quer tempo
ou cultura que esteja. O sagrado estar é dado por noções culturais, pessoais e
cronológicas: posso guardar uma carta dada por meu namorado como algo
sagrado. Eu a sacralizo colocando- a em uma caixa especial (crio um paratexto
para a sacralidade, para que eu possa entender a carta como sagrada). Mas
quando o namoro acaba, a carta perde o seu sagrado, sendo simplesmente um
pedaço de papel – ela estava sagrada, mas não é .

Posso dizer que as pixações acabam com o “sagrado ter”, expressão


que uso baseada no pensamento de Kujawsky e na sacralidade que as
pessoas colocam à sua posse. Sendo hereges que destroem o sagrado,
pixadores não podem ser tomados como artistas, pois estes (em nossa cultura)
tem uma aura especial, sendo considerados “superiores”.

Além disso, a obra de um pixador não tem o sagrado estar por não
possuir um paratexto das artes nem do que é considerado sagrado, muito
menos portanto tem um sagrado ser. Ela pode adquirir um sagrado estar daqui
séculos, quando, por exemplo, um pedaço de parede for para um museu por
suas inscrições “do povo primitivo da época pós-moderna”.

Mas o maior obstáculo é realmente a questão de todo o suporte para


pixação ter uma propriedade que não é do pixador. O caráter criminoso se
sobrepõe a qualquer qualidade que possa haver em uma pixação. Como no
exemplo anexo, podemos perceber o quanto o suporte influi na interpretação.
vide anexo 35

Como vimos, se ela estivesse em um pedaço de papel, ela seria um tipo


de “poesia concreta suburbana”, mas perderia sua poética original. Então ela

146
também passa pela questão econômica de não ser comercializada, pois em
uma tela perderia sua razão de ser. Diferente de Les Demoiselles d’Avignon,
de Picasso, que, apesar de toda ruptura que ela representa, como
“afastamento da tradição na representação da forma humana, um profundo
choque cultural que, no entanto, em 1914 já havia sido assimilado,
convertendo-se em uma nova tradição” (BULLOCK in BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 48).

Vemos assim que a pixação envolve um choque entre forças


econômicas e culturais poderosas, como a propriedade privada, a mudança da
arte para um circuito gratuito, longe do glamour e dos interesses econômicos,
além de ser feita pelo povo (suburbano). Para mudar o olhar, é preciso
começar haver mais estudos sobre a pixação. Ela é, talvez, a arte mais difícil
de ser entendida; a sociedade dificilmente vai aceitá-la, mas é possível
amenizar essa repulsa.

De um caráter estritamente irracional, para depois transformar-se em


uma cultura de evocação da caça ou adoração dos deuses e, mais tarde, de
registro a história, o “escrever no espaço” agregou textos culturais da periferia,
do movimento negro, do movimento punk e dos marginalizados. Na prática,
ainda se mostra uma atitude com raízes primitivas (o deixar a marca), mas feita
em uma cidade com leis modernas (projeto do bem comum) na qual moram
pessoas pós-modernas (individualidade). Lembrando que no modernismo, “ser
chocante era aceito como sinal de originalidade” (GOMBRICH, 1999: 619).

Fechando a pesquisa, deixo uma frase de Décio Pignatari de 1956, que,


sem intencionar, propõe uma inversão do que foi falado aqui, nos deixando
uma brecha para reflexão:

O ideograma, monocromo ou a cores, pode funcionar


perfeitamente numa parede, interna ou externa.
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 64)

147
6. BIBLIOGRAFIA

6.1. Obras

AGUILAR, Gonzalo. Poesia Concreta Brasileira – As Vanguardas na


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nov e dez 2008.

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Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Cia das Letras, 1989.

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arte do século XX. Trad. Cris Siqueira. 2ª ed. São Paulo, Conrad: 2004.

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Danesi e Gilson Cesar Cardoso de Souza. 4ª. ed, 3ª. reimp. São Paulo:
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6.2. Documentos Eletrônicos

CELACANTO provoca maremoto. Disponível em:


<http://catalisando.com/goldenlist/celacanto.htm> Acesso em: 18 mar. 2010.

OS 3 MOSQUETEIROS DA LITERATURA. Disponível


em:<http://almanaquevirtual.uol.com.br/ler.php?id=3478&OS+3+MOSQUETEIR
OS+DA+LITERATURA> Acesso em: 24 mar. 2010.

NÉRY, Paulo. Disponível em:


<http://raivaescondida.wordpress.com/2008/05/30/pompeia-a-eterna-cidade-do-
vesuvio/> Acesso em: 24 mar. 2010.

CENSO IBGE. Disponível em:


<http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/tabelas/pop_brasil.php> Acesso
em: 20 mar. 2010

153
ANEXO 1– p. 25

Ligação da Arte Urbana como o punk: capa de disco do The Jam (1977); capa de 1983 dos
Ramones em trem novaiorquino com graffitis e tags; detalhe da letra da coletânea de 1982 da
banda punk The Southern Death Cult; detalhe de discos de duas das maiores bandas punks
brasileiras nos anos 1980, Inocentes e Ratos de Porão, com letra imitando tinta na parede;
detalhe do disco da banda punk Kães Vadios e da coletânea Grito Suburbano, de 1982, com
letras angulosas; e foto de uma fita K7 de 1989, na qual o proprietário fez escreveu “Sex
Pistols” no estilo de letra hoje remetido à pixação.

154
ANEXO 1 – p. 28

155
ANEXO 3 – p. 28

Pixador no “point” fazendo uma “folhinha”

_________________

ANEXO 4 – p. 28

Grife “O Melhor do Pixo”

_________________

ANEXO 5 – p. 28

A grife “Humildade faz a Diferença” e o pixo “SURRA”

156
ANEXO 6 – p. 29

Pixo que parece grife (HØP, ou “homens pizza) e pixo OSBV (os bicho vivo), que aparece em
sigla (neste caso) ou por extenso, dependendo da situação. O cabeça do pixo OSBV foi quem
criou a grife HFAD, sendo necessário pedir sua autorização para fazê-la, como no exemplo
acima (anexo 5)

_________________

ANEXO 7 – p. 30

Exemplo de grapixo - quando o pixo se aproxima do graffiti e da arte institucionalizada.


A mudança de cor já traz outra ideia

157
ANEXO 8 – p. 30

Lugar de visibilidade e movimento (Minhocão)

Parede de tijolo (debto, fodase, satânicos, rcs, rapas e kamikaze)

Parede de pedra (filho)

158
Lugar de difícil acesso

Lugar abandonado

Agenda na Mooca, São Paulo

159
ANEXO 9 – p. 32

A não comunicação comunica

A não comunicação comunica. Pixos: bdr, cômico violento, the funtos, não identificado

A não comunicação comunica

160
A não comunicação comunica. Pixos: violento, geração e ldv

Diferentemente do grafite, que comunica cores “coloridas” e formas


arredondadas, passando a ideia de “arte” – mesmo quando letra, como vemos
nesta foto -, a pixação comunica ângulos (rigidez) e o preto (o nada, o luto),
passando a ideia de vandalismo. Pixações: berros e giga.

161
ANEXO 10 – p. 52

Calligrammes (1913-1916), de Apollinaire: poema sem verso

_____________________

ANEXO 11 – p. 55

Anexo 21 – Capa e interior do livro Zang Tumb Tumb (1912), de Marinetti

162
Anexo 31 – Palavras soltas, Linguagem caótica = semiose verbivocovisual.

Anexo 41 – Vive La France (1914 – 1915), poema-colagem


_____________________
ANEXO 12 – p. 58

Tela L'oeil cacodylate (1921), de Francis


Picabia: estética do caos.

163
Anexo 12 - Colagem de signos de
Hannah Höch, Cut with the Dada Kitchen
Knife through the Last Weimar Beer-Belly
(1919-20): estética do caos.

_______________________

ANEXO 13 – p. 65

Wall with Inscriptions (1945), “Parede


com Inscrições”, de Jean Dubbufet, que
tentava fazer uma arte que se
assemelhasse à primitiva

164
ANEXO 14 – p. 67

Un Coup de Dés (1914), de Mallarmé (construtivista)

_______________________
ANEXO 15 – p. 78

ABC (1959), Jacques Villegle (neodadaísmo)

165
ANEXO 16 – p. 79

Chocando nas ruas: “Traje de Verão” (1956), roupa e performance de Flávio de Carvalho em
São Paulo

_____________________________
ANEXO 17 – p. 84

“stèles pour vivre 1” (1955), Décio Pignatari

166
“ovonovelo” (1955), grupo Noigandres

“Ligia Finge” (1965), Augusto de Campos,


exemplo de poema que altera a ortografia das palavras

“nascemorre” (1958), grupo


Noigandres

167
ANEXO 18 – p. 87

Poema “psiu” (1966), Augusto de Campos

“olho por olho” (1964), de Augusto


de Campos: o título também como
arte

168
ANEXO 19 – p. 91 e 93

“código” (1973), Augusto de Campos

negativo de “código” (1973), Augusto de Campos

169
ANEXO 20 – p. 96
As formas da metrópole

Pixação: formas e conteúdo da vida moderna na cidade de São Paulo: energia elétrica, carros,
rapidez, construções, ângulos retos, separação.

170
ANEXO 21 – p. 101
siglas e ortografia

OSQN (os quase nada)

OSBV (os bicho vivo) e TMS (teimosos), que também são escritos por extenso

BRXS
(bruxos) e
AKTS

171
BRXS (bruxos)
e atroz

ketos, desafiando a ortografia formal

Uma letra H, uma pizza e uma letra P: HØP (lê-se


“homens pizza”), inaugurado há muitos anos por
entregadores de pizza.

OS+VAN (os mais vândalos)

172
ANEXO 22 – p. 102
construções ortográfica

som: bomba city

som: peraltas

significado: rapdos

173
ANEXO 23 – p. 104

violentos, os cururu,
naldo, geração

oscururu, colapso e naldo


usando a cidade de novo

Pixação não terminada “punk de guerra”,


na qual provavelmente a polícia chegou ou ele caiu.

174
ANEXO 24 – p. 105
palavras pela cidade - semiose

ideia

sinistros

abadia

175
perigus

rato

7º. sentido, piscas, gueto e raiva da pátria

176
“OS + IM” (“os mais imundos), em azul

Cisma, motim e dueto, osdroids e new boys (pedaço)

viagra

177
a erva

Erro (detalhe da flecha da grade


apontando para a palavra)

Malas

silencio

178
usuários
ANEXO 25 – p. 107
retórica e poética

retórica e poética: atak (atrás do poste), DMC, PDS, os + zica e perdas

179
cia pixo e mucamos na Baixada do Glicério, região Central de São Paulo

Agenda: profecia, local´s rato, MDM,


pixaim, siper, entre outros

180
agenda

bruxos

181
bec, nuclear e caxão

No Brás, v-latas, impacto, deic – ou “No Brás os vira-latas sofrem não só com o impacto da
cirrose, mas também do DEIC”

182
larapios, mutant´s, dink, OS+CR! (os mais cretinos), carrasco, dedé e não identificado

183
A cidade poetizada foto: Julio Kohl

184
Não necessariamente nesta ordem: OSRGS, cedilhas, turcos (não terminado), oscururu,
néticos, lok´s, lenda

Exemplo de uso da pixação fora de sua poética,


se constituindo apenas a estética. Tela de
Rui Amaral com letras do pixador Wagner, do pigmeus.

Exemplo de uso de palavras no graffiti: tirando-se a


imagem, “busca ver” seria visto como uma inscrição
poética, diferente da pixação que nunca é vista assim,
mesmo sendo. Artista: Mauro.

185
ANEXO 26 – p. 108
lugares e uso do espaço

ibope em curva

poder e violento certinhos no mobiliário urbano

estilo chamado blockbuster


(gigante)

186
Larápios, bomba city, os caretas e MOB
_____________________________
ANEXO 27 – p. 108
espaçamento

crime

187
Art-pixo, MCM, panacas e o P de picos, pois cada letra do pixo foi escrito em um “gomo” da
construção. Atenção para o “s” de panacas que, para não atropelar o P do picos, coloco-o
centralizado no espaço seguinte. Em cima ficou perfeito; embaixo, não

______________________________________________
ANEXO 28 – p. 109
abstração

Letras abstratas: básico, morte, não identificado (em vermelho), karetas, telas. No canto direito,
fundo branco, inseto

188
letras abstratas, realidade abstraída

189
ANEXO 29 – p. 111
letra estilo “pixo”

rapdos, restritos e rabismo: 3 pixos com aparentemente a mesma letra, mas são muito
diferentes

190
ANEXO 30 – p. 112
letras: metáforas ou metalinguagem

Inseto, com letra que lembra um

tumulos, com letra que leva um caixão

anor+

191
ANEXO 31 – p. 117
osrgs

OS RGS, uma das mais antigas e respeitadas turmas de pixação. O nome foi inspirado na
marca que quem um dia foi preso carrega para o resto de suas vidas, por isso “os registrados
no código penal”. O nome dos autores está no meio, Lin (um dos mais antigos, especialista em
topos, m-lok e ncs). Levaram a noite toda para fazer, andar por andar, sem equipamento de
segurança. Adendo: a obra contrasta com o painel autorizado e patrocinado feito mais adiante
pelos osgemos no Anhangabaú. A maior pixação do mundo. (Uma das maiores poesias do
mundo?)

192
ANEXO 32 – p. 119
grifes: “haikais da civilização ocidental moderna?”

suporte: papel de arroz

Grife “depois d nóis”

Grife “sempre alerta”, que lembra o ideograma (木), árvore em japonês

193
o suporte deste ideograma já não é papel de arroz

Algumas destas grifes podem ser encontradas nas fotos aqui publicadas:

união caça-muro

geração roconha*
* roconha = rock com maconha

mania de pixar

nada somos

194
os inq.bráveis *
*na foto no final deste anexo

só a diretoria

união faz a festa

união operação vandalismo

união são paulo paz

união total

os tô q tô *

195
* pixo

sociedade alternativa

os + antigos

os + imundos

“código” – agora podemos afirmar que este poema concreto parece uma grife... ou que uma
grife parece um poema concreto

*Grife “os inq.bráveis” no espaço da cidade

196
ANEXO 33 – p. 119

p/ SP osso, facção e drácula

_____________________________________________________

ANEXO 34 – p. 137
Arquitetura modernista como suporte, ferramenta para a escalada e espaço-guia

Detalhe: última “linha” inferior prédio, na qual se encontra a pixação “demônios”, referida na p.
103 (Obs.: esta foto não está no modo P&B)

197
198
199
200
201
(esta foto mostra um “atropelo”, que é quando fazem em cima do outro, em forma de
desrespeito)

202
ANEXO 35 – p. 146
compreensão de um signo através do suporte

Viva Vaia (1979), de Augusto de Campos: poema – folha de papel (sem valor de mercado)

Viva Vaia como capa de livro: “design” ou ilustração (barato)

Viva Vaia na tela, “obra de arte” (caríssimo)

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