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PUC - SP
Comunicação e Semiótica
DISSERTAÇÃO
São Paulo
2010
Carolina Albuquerque Gonçalves
(Caru Albuquerque)
2
Carolina Albuquerque Gonçalves
(Caru Albuquerque)
::banca examinadora::
__________________________________________________
orientadora: Prof.a Dr.a Leda Tenório da Motta
PUC - SP
__________________________________________________
Prof. Dr. José Eugênio De Oliveira Menezes
Fundação Cásper Líbero - SP
__________________________________________________
Prof.a Dr.a Lúcia Santaella Braga
PUC - SP
3
PARA
4
AGRADEÇO
5
“Post-scriptum: „não há arte revolucionária sem
forma revolucionária‟.”
Octavio Paz
6
RESUMO
A pixação aqui analisada teve início na periferia de São Paulo, nos anos
1980, juntamente com o movimento punk, em meio a uma disputa pelo espaço
entre as gangues punk. Grafada com “x” por seus fazedores, ela assumiu formas
visuais e ortográficas e possui regras que a distinguem como movimento cultural
do povo suburbano que investe a cidade paulista como mídia para suas
ressignificações do cotidiano.
7
grupo em um ato poético, ou artístico. Metodologicamente, trata-se de uma
pesquisa de cunho bibliográfico e documental, cujo corpus é constituído de
registros fotográficos, pesquisa de campo e anotações feitos pela autora.
8
ABSTRACT
The “pixação” presented herein had begun in São Paulo‟s outskirts in the
1980s, along with the punk movement, due to a dispute over the superiority
between punk gangs. Spelled with an "x" by their makers it assumed visual forms,
spelling rules and features that distinguish it as a folk cultural movement, which
surrounds the suburban city of São Paulo as a media for their everyday
designations.
This research aims to show how and why “pixação” is an urban-poetic and
outskirts communication. Associating the phenomenon to the modern and
modernist movements, the hypothesis is: we also have a kind of "art". The
“pixação” has the same segmentation, breaking with tradition, structure/letters and
avant-garde deconstruction and fragmentation, which radically rethink the shape,
tending to close it to chaos. Examples of artistic movements from the late
nineteenth century are influenced by modern cities and their new modus vivendi,
“pixação” carries urban noise to the art and poetry. In addition to the reference
avant-gardes, these figures are verbal and visual interesting explorations
assignable to those performed by the concrete poetry.
9
The main theoretical frameworks include history of art, avant-garde and late
avant-garde and critical theories to modern and contemporary art, including those
related to the Brazilian concrete poetry.
10
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÂO.............................................................................................................................12
3.1. O Expressionismo............................................................................................................50
3.2. O Cubismo.......................................................................................................................52
3.3. O Futurismo.....................................................................................................................54
3.4. O Dadaísmo....................................................................................................................57
3.5. O Espiritonovismo...........................................................................................................59
3.6. O Surrealismo..................................................................................................................61
3.10. As Neovanguardas........................................................................................................75
4.1.2. Estilos..................................................................................................................101
5. CONCLUSÃO.............................................................................................................................124
6. BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................148
6.1. Obras
7. ANEXOS.....................................................................................................................................154
11
1. INTRODUÇÃO
A pixação do meu objeto de estudo é escrita com “x” por seus fazedores e
não está nos dicionários. Ela é distinta da pichação, com “ch”, esta sim verbete no
Houaiss e no Aurélio e que diz respeito a quaisquer palavras escritas em, por
exemplo, paredes, árvores e bancos. A pixação tratada nesta pesquisa é o
movimento surgido na periferia de São Paulo no início dos anos 1980 com o
movimento punk, através da disputa pelo espaço entre as gangues. Segundo
Michel Maffesoli, podemos dizer que a pixação é uma tribo urbana, já que estas
se constituem nas
O projeto nasceu da minha pesquisa lato sensu nos anos de 2005, 2006 e
2007 intitulada A Cidade Fala – A Arte Urbana na Cidade de São Paulo, para a
Fundação Cásper Líbero, na qual constatei que a pixação é um rico movimento
social e cultural com implicações artísticas – e não só um ato de vandalismo.
Apesar da sua importância como manifestação popular, há pouca bibliografia
sobre o assunto. E quando há, são teses e monografias nas áreas sociologia e
antropologia, todas com fundamentações limitadas à área da pesquisa e, não
raro, constatações errôneas.
12
Nestas áreas, há dois bons trabalhos acadêmicos, o de Alexandre Barbosa
Ferreira, de Ciências Sociais, e o de Lucas Fretin, o videodocumentário “A Letra e
o Muro”, da cadeira de antropologia visual. Em se tratando da área do design das
letras, há a dissertação "Os Tipos Gráficos da Pichação: Desdobramentos
Visuais", defendida em 2007 por Gustavo Lassala, que inclusive criou um alfabeto
de fontes digitais com o estilo da pixação paulista, chamado “Adrenalina-SP”.
13
cobrir as pixações sem conhecer quem são as pessoas que compartilham dessa
estética e suas motivações, e muito menos sem dar o devido olhar a essa
manifestação do povo.
Mas foi a Lei Cidade Limpa que gerou, entre os pixadores, uma reflexão
mais aprofundada sobre a memória do movimento. Muitas pixações antigas,
carregadas de história, estavam sendo apagadas. Era o material memorial deles
sendo destruído, um caminho sem volta. E-mails de protesto chegaram a circular
entre os pixadores e, em 2008, uma manifestação em frente à prefeitura de São
Paulo chegou a ser marcada, mas sem resultado.
1
Número aproximado, segundo estimativas da pesquisadora e de alguns pixadores.
2
O ano de 2008 foi agitado no meio das artes. Rafael Pixobomb, pixador, e Djan Cripta, que se diz
“ex-pixador” e atualmente filma os colegas em ação, resolveram mostrar para o mundo a pixação.
Como trabalho de conclusão de curso, Pixobomb, que cursava a Faculdade Belas-Artes com uma
bolsa de estudos, atendeu o chamado da faculdade, convidando sua família. A “família”, segundo
me relatou informalmente alguns meses antes ao me contar sobre a intenção do ataque, eram
seus amigos de pixação, e nada mais coerente que chamá-los para mostrar à faculdade o que ele
considerava como arte. Assim, sua “família” foi à faculdade e a pixou, sendo este o trabalho final
de Pixobomb. Resultado: pancadaria, confusão e alguns pixadores levados à delegacia. Cerca de
um mês depois, o mesmo grupo invadiu a galeria de Arte Urbana Choque Cultural, pixando as
paredes e obras. Justificativa escrita no convite para o ataque: “contra a comercialização da arte
de rua”. Em outubro, influenciada pela crise econômica mundial e na sua administração, a Bienal
havia deixado um andar inteiro do prédio sem obras de arte, chamando o andar de “Espaço para
Reflexão”. No dia de abertura ao público da Bienal do Vazio, como ficou conhecida, cerca de 50
pixadores invadiram o local e pixaram o andar sem obras. A ordem dos dois líderes era “preencher
o vazio, que é o que a pixação sempre faz” e “mostrar o que era arte de verdade”, segundo o que
me foi relatado por Djan. Além de revolta dos diretores e de parte da população, a invasão trouxe
debates para o mundo acadêmico das artes sobre a “pixação como arte”, mais até do que as
próprias obras da Bienal ou o espaço para reflexão. No ano seguinte, 2009, Djan foi convidado
para pixar, desta vez autorizado e com direito a cachê, a Fundação Cartier, em Paris, convite
atendido prontamente. No mesmo ano foi lançado no circuito comercial de salas de cinema, pelos
mesmos pixadores, um documentário sobre a pixação, “Pixo”.
2
Como arte instituída, entenda-se tudo o que é reconhecido amplamente por críticos e
pesquisadores de arte como sendo arte.
14
acadêmicos e para o mundo das Artes. Desde então, muito se falou sobre a
pixação, porém com pouca profundidade e com muito equívoco. Além de a
questão estar em evidência, e, por isso, aproveitarem quaisquer “achismos” para
discuti-la, quem trabalha ou estuda a arte instituída 3 pouco ou nada sabe sobre os
processos dentro da pixação e da cultura de rua. É por isso que a pixação
necessita da profundidade de um estudo que a referencie, que a contextualize
neste emaranhado de ideias chamado arte.
3
Como arte instituída entendemos tudo o que é reconhecido amplamente por críticos e
pesquisadores de arte como sendo arte.
4
A forma a qual me refiro é o formato da letra ou a composição das grifes.
15
Os ataques feitos à Faculdade Belas-Artes, à Choque Cultural, à Bienal e
aos grafiteiros5 não serão aqui analisados, já que foram feitos por um pequeno
grupo que no meu ponto de vista e em minhas conversas com pixadores não tem
legitimidade entre a maioria dos líderes pixadores, sofrendo inclusive críticas.
Além disso, o assunto tratar-se-ia de outro trabalho, visto a quantidade de
acontecimentos e argumentações.
5
No mesmo ano, em 2008, trabalhos em locais reconhecidos pela população como espaço dos
grafiteiros, foram pixados pelos mesmos pixadores, a saber: o Buraco da Paulista, o Beco do
Batman (Vila Madalena), o tapume do SESC no Centro da cidade e, em 2010, o painel gigante da
Radial Leste com a Av. 23 de Maio. As justificativas eram: 1. retaliação pela comercialização da
arte de rua; 2. o uso de letras de pixação por parte de alguns grafiteiros em suas obras e; 3. o
apagamento de pixações para fazer graffiti em cima. Posso aqui informar que os argumentos são
concordados por líderes pixadores, mas não a ação.
16
graffiti. Outro ponto a destacar é que não coloco nomes como stencil, wild style,
graffiti ou happenings, por exemplo, em itálico, por ter certeza que estas palavras
“importadas” já fazem parte do uso sistemático e casual, se não te todos, mas de
uma parte da população.
6
Uso “pop” aqui no sentido mais abrangente: a aura que permeia todas as práticas da indústria
cultural e também o estilo “música pop”. O esclarecimento é necessário pois todas as práticas
citadas depois do “pop” também são consideradas “pop”, ou seja, dentro do universo pop.
17
O livro Teoria das Vanguardas de Peter Bürger, considerado fundamental
para o estudo das vanguardas, não será utilizado nesta pesquisa. Apesar de
conhecê-lo, o fato de Bürger se valer de um único critério, a superação da obra de
arte, para definir as vanguardas histórias, torna impossível minha argumentação e
vai de encontro a alguns outros aspectos que fizeram parte e penso serem
fundamentais para o espírito vanguardista. Ao ler o livro de Gonzalo Aguilar,
Poesia Concreta Brasileira, vi que o autor também aponta a mesma crítica. Bürger
não analisa o contexto histórico, para mim e para Aguilar de fundamental
importância para se falar em vanguardas, em poesia concreta e, no meu caso, em
pixação.
18
A pixação também evoca o medo, pois pixadores invadem espaços
públicos e privados da cidade para colocar suas inscrições. Como percebido no
medo aos “comunistas”, o temor de alguém tirar a posse do que se tem é enorme.
Entre imaginação fértil e a realidade, para influenciar na aceitação ainda há
questões mercadológicas, culturais e as rixas.
19
experiências literárias, como Poe, Whitman, Baudelaire, Lautréamont, Rimbaud e
Mallarmé. Estes
20
2. A PIXAÇÂO E A ARTE URBANA
7
“Descoberta importante dos arqueólogos foram os grafitos que se espalhavam por toda a cidade
de dar água na boca aos melhores grafiteiros (ou, vulgarmente falando, pinchadores (sic)) das
metrópoles do século XX. Havia inscrições para todos os gostos: desde os que anunciavam a
troca de um amante por outro até citações, nem sempre exatas porque escritas de memória, de
poetas como Virgílio. Além disso, nos muros das casas, edifícios públicos e até nas sepulturas
gravavam-se anúncios de combates de gladiadores e muita propaganda eleitoral. Todos os anos a
população elegia os duúnviros, as duas autoridades mais importantes da cidade, equivalentes aos
cônsules romanos, e dois edis, espécie de vereadores que cuidavam da inspeção e conservação
dos edifícios públicos.” (Fonte: <raivaescondida.wordpress.com>)
8
A Serra da Capivara, localizada no Piauí, Brasil, contém a maior quantidade de pinturas
primitivas sobre rocha do mundo, sendo Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO. As
inscrições tem cerca de 100.000 anos.
21
podemos dizer que a linguagem é nova – é reflexo das sociedades
contemporâneas urbanas (e cada vez mais urbanas) 9.
9
Para saber mais, consulte FILHO, 2009.
10
Técnica que usa cartolina ou outro material duro com um desenho vazado, pelo qual passa a
tinta que formará o desenho na parede.
11
Referência ao número da casa onde morava.
12
Referência ao número da casa onde morava.
22
O certo é que a disseminação do que Cornbread, Taki 183 e Top Cat
faziam foi tanta (rendendo inclusive matéria no New York Times em 1971 com
Taki 183, entre outros veículos) que em 1973 o movimento explodiu nos guetos e
metrôs novaiorquinos, tornando-se uma “subcultura” vista como uma reação à
despersonalização da sociedade massificada e da afirmação dos negros e
hispânicos na sociedade13. Assim, a cidade passou de um aglomerado de
construções e pessoas para uma mídia de extensão mundial de uma arte que é
metáfora do ritmo e do cotidiano nas cidades modernas, a Arte Urbana.
Assim, daquilo que estamos aqui considerando como Arte Urbana não
fazem parte as pichações - com “ch” - como palavras de ordem, frases políticas
ou declarações amorosas, nem manifestações artísticas como esculturas, shows,
encenações, intervenções etc. Estas já existiam antes da cidade contemporânea
pixada e apenas usam a rua como palco, não se caracterizando como Arte
Urbana (ou Urban Art).
No geral, pode-se dizer que a Arte Urbana é formada por expressões feitas
na rua ou não, com formatações do mercado formal das artes ou não. Em minhas
13
Apareceram inclusive “clones”, que escreviam estes mesmos nomes mas com outra numeração,
provavelmente referente às suas residências.
23
pesquisas14, identifiquei 3 núcleos (ou braços, ou divisões) principais da Arte
Urbana15: a street art, o graffiti e a pixação, esta última existente somente no
Brasil, com mais intensidade nas capitais como São Paulo, Curitiba e Brasília,
cidades onde a forma que a caracteriza é dominante.
Por fim, no que considero Arte Urbana há ainda a mais obscura, radical e
mal-entendida forma de manifestação da Arte Urbana (e por que não dizer da arte
em geral?), a pixação,. Para ilustrar bem, pode-se dizer que a pixação é uma
“pichação” com formas angulosas e nomes característicos de grupos da periferia
paulista. E é neste contexto que temos que tomar a pixação.
14
GONÇALVES, Carolina Albuquerque. A Cidade Fala: A Arte Urbana na Cidade de São Paulo.
Pós-Graduação Cásper Líbero – SP. 2007.
15
Tanto para a explicação de Street Art como para a de Graffiti não estou levando em conta as
diferenças terminológicas para outros países, que são muitas.
24
ARTE URBANA
na rua
na rua ou não ilegal na rua ou em folhinha
legal e ilegal ilegal
Como centro urbano conectado a outras metrópoles que já era, São Paulo
viveu com intensidade os movimentos punk e hip hop, que chegaram aqui no
início dos anos 1980. Influenciados pelos graffitis americanos e artistas como
Basquiat e Keith Hearing e a chegada de Alex Vallauri com seus carimbos, os
então estudantes de artes plásticas Maurício Villaça, Rui Amaral, o grupo
Tupinãodá, 3nós3, entre outros, saíram às ruas pintando/desenhando as paredes
e fazendo intervenções na cidade. Na mesma época, Juneca e Pessoinha
passaram a escrever seus nomes pelas ruas da cidade.
25
Com o passar do tempo, em quase 30 anos a pixação adquiriu formas e
regras únicas, vindas tão somente dos praticantes dela: o povo que aqui habita.
Podemos afirmar que atualmente a pixação é a escrita de palavras e símbolos
que nomeiam grupos e/ou indivíduos, palavras estas que muitas vezes contrariam
as normas formais da ortografia, para se intitular e sair por aí competindo ao
deixar sua marca. Como diz Richard Neville, a contracultura é “em si um
acontecimento não planejado, casual e imprevisível, com profundas implicações
políticas” (NEVILLE apud HOME, 2004:7).
Dentre o que é feito com nomes e/ou palavras na Arte Urbana, temos o
trow-up, os tags, o 3-D e o wild style e a street art (enquadramos aqui a pichação
poética). Portanto a pixação é um estilo dentro das inscrições de nomes da Arte
Urbana e não se confunde com os outros. Muitos saem por aí escrevendo coisas
– picham, mas não são pichadores da “tribo” da pixação – ou são grafiteiros de
letra ou “taggeadores” (fazem tag).
26
que absorveu e incluiu “componentes da modernização institucional e urbana, e a
presença constante da música popular nos meios de comunicação de massa e
nas festas populares, como o carnaval” (AGUILAR, 2005: 128). Os concretistas,
aliás, eram admirados pelos depois chamados tropicalistas, os quais os apoiavam
e se uniram posteriormente.
27
Simbolicamente, no “x” está contida a cruz, sinônimo de mártir, sofrimento
e veneração, e o status dos elementos transpostos na diagonal. Ou, ainda, o “x”
de “versus”, como se lutassem contra o sistema. O “x” também representa o
masculino, enquanto o “y”, o feminino (genética). A pixação é eminentemente feita
por homens, geralmente machista e sempre máscula pois usa a habilidade e a
força corporal. Podem ainda insistir em usar o “x” pelo simples fato de contrariar
regras.
Uma pixação pode ser escrita por uma, duas ou mais pessoas, e é
carinhosamente chamada de “pixo”. Quando possui mais de um integrante, o pixo
é uma “turma”. Para fazer parte de uma pixação (ou turma) é preciso pedir para o
cabeça. O cabeça geralmente é quem inventou a pixação/turma. Ele dá o aval
para o sujeito poder entrar na turma e escrever aquele “pixo”. É comum as turmas
saírem junto para pixar, por isso lê-se muitas vezes nomes lado a lado,
geralmente com uma flecha apontando para o próximo pixo. Além das turmas,
existem as “grifes”. Elas são um nome ou uma ideia (Ex.: União São Paulo Paz)
que pode reunir várias turmas e ser o símbolo delas, ou ser o “brasão” de uma
pixação . “Eu queria inventar uma grife que tinha como símbolo o nome a minha
ideologia na pixação”, disse Naldo16, do pixo OSBV (osbichovivo), que faz a grife
HFAD (humildade faz a diferença). A grife pertence ao Naldo, porém pixadores de
outras turmas, que não são do pixo osbichovivo de Naldo, também fazem a grife
HFAD, sempre após a permissão. vide anexo 4 e anexo 5
16
Informação dada informalmente para a pesquisadora.
28
A grife é geralmente uma logomarca ou brasão, mas pode ser também ser
escrita por extenso, sem símbolo, como um pixo/turma. E algumas vezes o nome
de uma pixação é tão estilizado que se parece com uma grife. anexo 6
Mais que criar suas regras e leis, eles possuem conceitos que a tal
sociedade civil tem horror – como a reverência à estética grotesca/suja, o
questionamento do público/privado e a exaltação da subversão. Mas ainda assim
eles possuem traços comuns a todas sociedades, como hierarquias feitas pelo
tempo de atuação ou pelo trabalho árduo (quantidade de pixos ou dificuldade), o
respeito e a reverência ao feito de outro pixador e a busca por reconhecimento.
29
temática e outras intricadas significações muitas vezes se sobrepõem à
qualificação pela habilidade técnica – traço reto perfeito, letras do mesmo
tamanho, espaçamento idêntico e curvas milimetricamente traçadas.
Com seu estilo endêmico, estes escribas não usam penas nem
canetas, seus livros são a própria cidade. (...) Os pixadores
arriscam a própria vida para deixar sua escrita na história, como
fizeram nossos ancestrais nas paredes das cavernas. (PIGMEUS,
sem mais informações)
vide anexo 7
Com a evolução dos seus “jogos” (BYSTRINA, 2005), que ficam cada vez
mais intrincados, pixadores tem preferências por locais como:
vide anexo 8
30
embelezar, mas em se expressar, em deixar sua marca, em ultrapassar limites,
em interagir com a cidade, em ser visto pelo seu grupo, em ter notoriedade entre
seus iguais e até “destruir” ou chocar. Numa verdadeira ação tática, ele enfrenta
policiais, cães, seguranças, alturas, tiros, choques, escorregões, proprietários e a
sociedade, se constituindo uma prática perigosa, na qual muitos perdem a vida, e
odiada.
31
Como o código está fechado em seu grupo, de certa forma eles não
pretendem comunicar algo para o passante mas, como vimos, comunicam. E
qualquer que seja o tipo da comunicação, ela transmite não só uma informação,
mas também define a relação emissor-receptor. Essa comunicação não-
comunicação, podemos assim dizer, reflete exatamente como é a relação do
pixador com a sociedade (receptor): uma relação de imposição de valores,
costumes, leis e hierarquias sociais. Uma relação na qual eles não tem espaço
para se comunicar, na qual não são ouvidos e nem mesmo aparecem, a não ser
pelas suas pixações.
vide anexo 9
32
3. SOBRE AS VANGUARDAS E SOBRE O CONCRETISMO
COMO VANGUARDA TARDIA
Segundo Santaella (2005), por volta do século XVIII, o sistema das artes foi
esquematizado em cinco belas artes: pintura, escultura, poesia, arquitetura e
música. “O adjetivo „belas‟ (em inglês „fine‟) implicava, além da beleza, a
habilidade, a superioridade, a elegância, a perfeição e a ausência de finalidades
práticas ou utilitárias, em contraste com o artesanato mecânico e aplicado”
(SANTAELLA, 2005: 5). Ou seja, com o passar dos séculos, com a separação
entre artesãos e artistas, artesanato e obra de arte – reflexo das mudanças
econômicas e culturais e das evoluções das próprias técnicas –, o conceito de
“arte” como conhecemos tomou corpo.
33
o bonde elétrico trouxeram mudanças para os costumes em meados de 1800 e
puseram em xeque a pintura tal como era feita e considerada até então. Pintores
começaram a procurar novos caminhos para suas pinturas, fazendo
experimentações – saindo dos ateliês, pintando as „impressões‟ com pinceladas
rápidas e arriscando nas cores. Este foi o embrião para uma revolução.
Pode-se dizer que o que conhecemos por “a crise da obra de arte” tem
raízes no “Salão dos Recusados”, de 1863, que expôs obras dos chamados
rejeitados – mais tarde “impressionistas” – Claude Monet , Édouard
Manet, August Renoir , Alfred Sisley, Edgar Degas e Camile Pissarro. A “crise”
deu-se devido às mudanças de paradigma e o questionamento da obra de arte
como era entendida.
pois foram os vanguardistas que questionaram a forma da obra de arte como ela
se apresentava até então no mundo ocidental.
34
desenvolvendo desde a descoberta da natureza na Renascença.
(GOMBRICH, 1985: 427)
35
Gauguin resolveu abandonar a Europa e viver entre os nativos do Pacífico.
Quando voltou para a Europa, seus trabalhos estavam selvagens e primitivos, e
assustou seus amigos. Gauguin foi o primeiro a colocar na arte europeia
“selvageria”, primitivismo, aspectos que depois cansamos de ver nas obras que
vieram com os modernistas. Ele foi chamado de bárbaro, mas era isso que queria
– olhar o mundo de uma forma crua, sem as maquiagens colocadas pela vida e
as técnicas da arte ocidental. Suas obras tinham “manchas de cor forte”
(GOMBRICH, 1985: 439) e contorno simplificado das formas, tornando os
quadros planos.
36
que não o dos reis, rainhas e súditos; e respirando uma nova cultura, estando
com dinheiro para gastar e ávida por novidades.
37
dos jovens artistas perto do final do período, é menos fácil de explicar” (1985:
427). Sabiam que faltava algo na pintura dos impressionistas, como cores mais
fortes e o afastamento da natureza. Inspirados por este descontentamento, eles
foram buscar em Cézanne, Van Gogh e Gauguin o que precisavam.
38
As tendências pré-vanguardistas eram o simbolismo (que influenciou o
decadentismo e o neoclassismo) e o naturalismo, “a que se ligam tendências
reveladas pelos manifestos socialistas e unanimistas, e que vai evoluir para a
vanguarda, com o manifesto de Marinetti” (TELES, 1997: 40). Cézanne, Gauguin
e Van Gogh eram artistas obscuros e mal compreendidos, e foi neles que os
artistas jovens que eram contra a arte clássica europeia – pois havia os que
concordavam e deram continuidade à tradição –, mais tarde chamados de
modernistas ou vanguardistas, foram buscar inspiração.
O modernismo foi
39
estilo, mas uma busca (grifo meu) de estilo num sentido altamente
individualista (...). (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 21)
40
imaginação vista por lentes de aumento. (HAMSUN apud
BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 63)
41
era descobrir uma nova linguagem formal que devia ser aprendida antes de se
tornar possível uma compreensão” (1989: 156). Foi com a boemia parisiense, no
século XIX, que surgiu a teoria do artista como futurista, aquele que antecipa o
que está por acontecer nas outras áreas da sociedade, o que para isso é
necessária a originalidade.
42
Wardôn ou, no alemão, warten, significa “esperar, aguardar, cuidar”. É o
que estava na expectativa, o que estava aguardando alguma coisa ou
acontecimento aparecer. No século XVIII, já há registros em português do
emprego de vanguarda como “primeiro lugar” e “precedência” (TELES). Segundo
Aguilar (2005: 32),
Segundo Bradbury, o termo vanguarda tem sido utilizado para abarcar uma
ampla variedade de “fases, teorias e grupos, ocorrendo em diferentes lugares e
em momentos diferentes” (BRADBURY in BRADBURY; MCFARLANE, 1989:
153), de subversão ao impulso realista ou romântico que existia antes. O
movimento muitas vezes era apenas um comportamento que escrevia uma
atitude modernista, porém que “ajudava a sustentar sua imagem como uma força
neopolítica, uma autêntica vanguarda.” (BRADBURY in BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 153). As vanguardas eram inclinadas à abstração, ou seja, a
acabar com a realidade ou criar uma outra – afinal, a fotografia e o cinema haviam
43
surgido e faziam isso com a perfeição que antes era de responsabilidade dos
artistas. A atitude vanguardista
44
estilos. Portanto, apesar de terem traços comuns, cada um vinha com uma
proposta e uma estética, e nada garantia que continuassem no dia seguinte.
45
Todos esses movimentos questionavam a herança cultural
recebida. (...) Todos estavam de acordo com o fato de que se
revelavam falidos os moldes acadêmicos e conservadores de uma
arte envelhecida e cristalizada. (HELENA, 1986: 6)
46
de ambivalência de muitos movimentos de vanguarda, ao mesmo tempo
anarquistas e aristocratas, antiburgueses e antipopulares;
47
público que aceite – ou não”, “Não importa se você não entende”, “Engula-me”.
Segundo Stangos,
48
Nas cidades modernas, o novo e o antigo se encontraram, e foi nelas que
se confrontaram. A cidade representa a multiplicidade e anarquia do mundo, o
caos e a ordem, a criação e a descriação. Além da importância para a mudança
de público, as cidades foram importantes para a fixação da urbe como temática, e
para o surgimento de artistas que olhavam a cidade e sentiam a vida através
delas, e não mais pela natureza. Os artistas viviam nelas, portanto também
transformaram-se influenciados por elas, sendo a arte vendida e apreciada por
um público também surgido com a cidade. Notamos então que as cidades
influenciaram profundamente a temática, a narrativa, o conteúdo, o foco (o
público), o mercado, os fazedores e a estética da arte.
49
consciência oca, uma condição recente da mente humana –
condição que a arte moderna explorou, vivenciou e à qual por
vezes se opôs. (BRADBURY; MCFARLANE, 1989: 16)
3.1. O Expressionismo
50
isto se identificava com as palavras em liberdade do futurismo, e com o
automatismo psíquico dos dadaístas e surrealistas.”
51
3.2. O Cubismo
Podemos dizer que quem revelou o cubismo foi o poeta Apollinaire. Ele
começou fazendo contos e poemas, principalmente com temáticas libertinas.
Publicou inclusive uma antologia com os livros malditos de Marquês de Sade,
introduzindo o obscuro escritor aos jovens franceses. Os temas ocultos e
psicológicos de seus escritos na época o associaram também ao surrealismo.
52
um sistema poético de subjetivação e desintegração da realidade,
criando por volta de 1917, paralelamente ao dadaísmo, uma poesia
cujas características são o ilogismo, o humor, o antiintelectualismo,
o instanteísmo, a simultaneidade e uma linguagem
predominantemente nominal e mais ou menos caótica. (TELES,
1997: 115)
53
3.3. O Futurismo
54
O lema futurista era “Les mots en liberte” ("Liberdade para as palavras"), e
foi levado ao pé da letra: a estética futurista libertou a palavra da sintaxe e do
texto literário, dando autonomia à palavra.
vide anexo 11
55
O futurismo não só colocou definitivamente a forma e a temática modernas
na arte e na literatura, mas também trouxe mudanças comportamentais. Adeptos
a tudo o que era novo, lutadores ferrenhos, portanto, contra qualquer coisa ou
aspecto do passado, o futurismo trouxe
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56
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3.4. O Dadaísmo
57
nem nenhum desses elementos organizadores do cotidiano serviu para evitar a I
Guerra. Destruído o mito do progresso e das ciências, não havia no que acreditar,
então nada mais tinha importância.
58
disso, os artistas podiam trocar ideias e experiências, incorporando-as,
independentemente do que faziam.
3.5. O Espiritonovismo
59
Aconteceu sobretudo na França, numa época após a I Guerra Mundial, quando
havia uma preocupação com o fortalecimento das nacionalidades.
O verso livre deu um livre vôo ao lirismo, mas foi apenas uma
etapa das explorações que se podiam fazer no domínio da forma.
(TELES, 1997: 156)
60
3.6. O Surrealismo
61
Para Breton, a arte autêntica era a que estava ligada a certa
atividade revolucionária (minha nota: ideia que cresceria depois),
coisa com que alguns elementos do grupo não concordaram,
motivando, como no Brasil, a separação do surrealismo entre
comunistas e não-comunistas. (TELES, 1997: 172)
62
Os dadaístas e surrealistas eram, essencialmente, antiarte. Com eles, a
literatura e a poesia deixam de ser supremas e tornam-se apenas um
entre outros meios psicodélicos. Com eles, a poesia torna-se
“descartável”, criada sem nenhuma finalidade específica, útil de uma
forma indefinível. (...) Com eles, a linguagem deixa de ser o instrumento
de afirmação do domínio humano sobre o universo, e torna-se uma força
natural em si mesma, que cria segundo a sua vontade e sobre a qual o
controle humano é limitado. (HOUGH in BRADBURY; MCFARLANE,
1989: 271)
63
os indígenas, o operariado e os trabalhadores da terra) ao pintarem cenas do dia-
a-dia e histórias coletivas do país, estas verdadeiras epopéias.
Rockefeller ficou indignado. Tomou o painel como uma ofensa a ele, aos
líderes e ao povo americano, e pediu que a figura de Lênin fosse trocada por um
rosto desconhecido. Rivera se recusou a remover o líder socialista, sugerindo a
pintura de algum líder norteamericano no lado capitalista do mural, o que
Rockefeller não concordou. O painel ficou por algum tempo coberto, e depois foi
destruído. Como resposta, Rivera refez a pintura no Palácio de Belas-Artes, na
Cidade do México, intitulando-a O homem controlador do universo. Desta vez
Rockefeller estava na pintura, retratado de maneira sinistra.
64
3.8. A Art Brut
65
3.9. A Literatura nas Vanguardas
66
citamos. Do espiritonovismo e do dadaísmo surgiu o surrealismo, em 1924. Assim
como na pintura (“o acaso e o construído”), podemos verificar na literatura dois
tipos de poéticas, as construtivas, como Un Coup de Dés, de Mallarmé, e as do
aleatório ou destrutivas, de Rimbaud e Lautréamont. Os movimentos da poesia
concreta e a práxis são considerados uma das últimas fases do modernismo e da
evolução da experimentação. vide anexo 14
67
Foi por meio das revistas próprias que as obras modernistas conseguiam
circular e atingir seu público18. As revistas modernistas tinham um público
limitado. Algumas criaram um ambiente estético ou intelectual importantíssimos,
além da noção de a própria revista como obra de arte, algo nunca imaginado
antes19. A influência da Bauhaus para a colocação da arte em objetos do
cotidiano, ou o contrário, também foi de grande importância. A “revista como arte”
foi uma inovação na ideia do que poderia ser arte, assim como algo escrito em
uma parede.
(...) não imagine que a arte da poesia seja minimamente mais simples do
que a arte da música, ou que você possa agradar ao especialista antes de
consumir pelo menos tanto esforço na arte dos versos quanto o professor
médio de piano consome arte da música. (POUND apud BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 185)
18
Lembremos aqui dos fanzines dos anos 1980 e 90, que eram febre entre os jovens e, quando
afastados do puro jornalismo, se transformavam em verdadeiros veículos para expressões
artísticas ou eles próprios uma obra de arte. Lembremos também do “Do It Yourself”, ou “Faça
você mesmo”, proclamado pelo espírito punk.
19
Uma grande coleção de revistas e manifestos modernistas pode ser vista no Museu Pompidou,
em Paris, e chama a atenção pelos poemas, frases e ilustrações de capa.
68
No imagismo o verso torna-se duro, e Pound colocou as seguintes
proposições sobre a preocupação com a „dureza‟ na prática do poeta:
69
“O aparecimento da poesia de vanguarda em princípios do século XX
implica, em um de seus níveis, a passagem – em termos poundianos – da
„melopeia‟ à „fanopeia‟ (AGUILAR, 2005: 28)”. Pound dava grande importância
para o significado das palavras, as escolhia a dedo, e era defensor do “menos é
mais” na literatura e na poesia, criando uma influência até os dias de hoje.
O livro The chinese written Character as a medium for poetry, publicado por
Ezra Pound segundo os manuscritos de Fenollosa em1920, foi uma guinada da
poesia de Pound e, portanto, do que veio a seguir no modernismo. Apesar de hoje
em dia a teoria colocada por eles de que a escrita chinesa é um caractere
estilizado da imagem ou da coisa que representa ter vindo por água abaixo, foi
um importante instrumento para o surgimento e conceitualização de uma nova
poesia.
70
articulações uma dialética de olho e fôlego, em contato direto com a
experiência que inspirou o poema. (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI,
2006: 56)
Tanto a poesia como o romance urbano foram ficando cada vez mais
enxutos, rápidos e diretos. Breton publicou Les Champs Magnétiques exercendo
o princípio da escrita automática. Mais tarde, Breton publicaria o Primeiro
Manifesto Surrealista, em 1924.
71
vanguarda em literatura chegou ao Brasil com o modernismo e se
estendeu à retomada de pesquisas que caracterizam os movimentos
experimentalistas surgidos a partir de 1955. (TELES, 1997: 82)
Os ecos modernistas no Brasil já eram vistos desde 1920, mas foi em 1922
que se viu uma verdadeira revolução literária. Graça Aranha morou na Europa de
1900 a 1921, tendo vivido toda a agitação cultural da belle époque e do que veio
depois, assimilando o espírito moderno em sua obra. Chegou ao Brasil em
outubro de 1921 trazendo as notícias do Congrès de L’Espirit Moderne que se
realizaria em março na França e, logo em novembro, já programou para fevereiro
de 1922 a Semana de Arte Moderna em São Paulo, acontecendo assim antes a
conferência dos europeus. Com Graça Aranha, os jovens modernistas ganharam
um nome de peso nacional para seus propósitos.
72
A chegada das vanguardas históricas foi responsável pelo o que Mário de
Andrade, “numa expressão feliz, chamou de „direito à pesquisa estética‟”
(HELENA, 1986: 6). Foi somente com um movimento europeu que agora nossos
poetas e escritores podiam livrar-se dos valores acadêmicos até então impostos,
pois dava a eles a permissão para valorizar a linguagem como tema e objeto da
própria arte, além de buscar seus próprios estilos pessoais.
73
Vê-se que o modernismo, mesmo tendo chegado ao Brasil como uma
tendência estrangeira, foi de fundamental importância para aproximar o país dos
novos rumos que o mundo tomava e, mais importante, investigar e reafirmar suas
brasilidades.
74
“engenheiro das palavras”. Maiores exemplos disso são Fábula de Anfion e
Antiode, de (1946-1947). Depois dele, podemos destacar O Jogral e a Prostituta
Negra (1949), escrito por um jovem Décio Pignatari.
3.10. As Neovanguardas
75
verdadeira aula semiótica. Já Pollock transpôs a noção de verticalidade do
suporte (tela, mural) para o chão com a action painting ou dripping painting e criou
o expressionismo abstrato – ou, ainda, a arte do acaso.
Duchamp estabeleceu que a arte podia ser feita com qualquer coisa, por
qualquer um. Assim, nos anos 1950 e 1960, a arte acabou se conectando com a
política.
76
O primeiro modernismo foi mais formalista e mais entregue aos paradoxos
da forma. Sentimos que este foi uma evolução histórica, com uma noção de crise
e um ponto culminante. O modernismo posterior, ou neomodernismo, foi uma
retomada, porém antiformalista, ainda que usasse a forma para subvertê-la.
77
Se agora existe uma nova vanguarda e uma nova estética ou um conjunto
de estéticas – baseadas, digamos, em Cage, Burroughs, Beckett e
Borges, na poesia concreta e no Nouveau Roman, mas também no
happening, drogas, contracultura e negritude -, não é mais simplesmente
um estilo: é uma forma de ação pós-cultural, uma política. A vanguarda foi
para as ruas e se tornou um comportamento instintivo ou radical, e
estamos numa nova era estilística, na qual aquela tarefa do humanismo e
da civilização que o modernismo tentou desesperadamente reafirmar,
através de suas subversões formais, já está encerrada. Predominam o
anarquismo e o subjetivismo revolucionário, desaparece a singularidade
da obra, acabaram os cultos à impessoalidade à pura forma: a arte é
ação, agressão ou jogo (grifo meu). (1989: 26)
vide anexo 15
3.10.1. Happening/Performance
78
Os happenings e as performances são pequenos teatros na forma de artes
plásticas, porém tridimensionais, compreendendo espaço, tempo e movimento e a
interação do público. Ele geralmente está no mesmo patamar – o chão – ou é
pego de surpresa, produzindo um contexto emocional nas pessoas.
79
A cidade de São Paulo respirava uma agitação artística: Abertura do MASP
(1947), do MAM (1948), do Clube dos Artistas, do Clube da Poesia, do Instituto de
Arquitetos do Brasil (IAB), do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), novas revistas,
novos prêmios e artistas. Em uma página de O Estado de S. Paulo aparece um
poema diferente, que chama a atenção – de uns pela estranheza, de outros por
encontrarem algo novo, diferente da poesia da época. O poema era Lobisomem,
escrito por José Pignatari, pseudônimo de Décio, com cerca de 21 anos à época.
Isso era idos de 1948.
Neste mesmo ano José Pignatari comparece a uma mesa redonda na sede
do IAB, à qual também está presente Augusto de Campos. Augusto marca um
encontro com Décio, que passa a conhecer também Haroldo de Campos, irmão
de Augusto20.
20
O Chão da Poesia Concreta. In: Revista Percurso, sem mais informações.
21
O Chão da Poesia Concreta. In: Revista Percurso, sem mais informações.
80
internacional, instaurou a era pós-verso, representou o coroamento de todo um
processo que, tendo início no século XIX com o verso livre, apontou para a
ruptura dessa tradição” (KHOURI, 1996: 60 e 61). Para Aguilar, “na literatura, o
movimento da poesia concreta representa uma das tentativas mais íntegras e
depuradas da tendência modernista” (AGUILAR, 2005: 333).
81
enquanto objeto designado. a palavra jarro é a coisa da coisa da coisa, o
jarro do jarro, como „la mer dans la mer‟. isomorfismo. (CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI, 2006: 68)
Mas ainda não era o bastante. Os poetas concretos queriam chegar a uma
inovação tal que subvertesse tudo o que havia sido feito até então em poesia:
queriam achar (ou inventar) algo que substituísse o verso totalmente. O Plano-
Piloto para Poesia Concreta, escrito por Augusto e Haroldo de Campos e Décio
Pignatari em 1958 para a revista Noigandres 4, definia dois pontos fundamentais:
82
Assim foi instaurada definitivamente – pois um embrião já havia sido criado
com os modernistas – o fim da poesia com verso e do fazedor dos versos,
acentuando-se ainda o que parecia impossível: que não é importante fazer
versos.
83
tradição modernista. (...) A categoria de design funcionava como uma
corrente de transmissão e ideologema, isto é, vinculava a poesia com as
demais artes e, ao mesmo tempo, com o espaço social. (AGUILAR, 2005:
74)
A poesia concreta é uma poesia „em situação‟. Ela não se recusa, como o
Rilke da nona elegia de Duíno, à máquina e aos seus produtos. Longe
dela o misticismo artesanal. Para começar, o poema concreto – como o
quadro concreto pintado a revólver – é composto diretamente à máquina:
o espacejamento fixo e a regularidade dos tipos permitem, com esse
instrumento de trabalho típico do homem moderno, um maior controle dos
elementos em jogo do que, evidentemente, ocorreria na peça manuscrita.
(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 147 e 148)
84
A poesia concreta se afastou dos suportes semânticos e sintáticos que permitiam a decodificação discursiva dos poemas. Assim,
a narrativa e a decodificação deixaram ser uma história para ser como que ideias ou flashes de ideias, podemos dizer assim, que darão
origem a um pensamento – por isso fala-se em “obra aberta” sobre as artes modernistas (ECO, 1972). “As palavras fazem
com que se configurem na mente imagens visuais, ou melhor dizendo: as
palavras do poema funcionam como um estímulo para que se imaginem coisas –
visuais -, imagens emergem” (KHOURI, 1996: 60 e 61).
85
que em alguns casos havia chamado terreno (ground) da
.
representação (PEIRCE)
86
As influências mallarmeanas pediam ao poema concreto uma tipografia
funcional, que espelhasse com as “metamorfoses, os fluxos e refluxos do
pensamento” (CAMPOS, 2006: 32).
vide anexo 18
87
como sociamente responsável pelo bem-estar e a melhoria da comunidade, e
esta aceitasse o artista como um benfeitor.
22
Movimento que não citamos pois estava mais próximo das artes clássicas, e não das
modernistas.
88
Segundo Reyner Banham, em seu livro Theory and Design in the First
Machine Age, „esta introdução de uma organização industrial e do telefone
nas convenções aceitas da criação artística teve claramente o mesmo tipo
de significado dadaísta que a eliminação do artista e da pintura daquelas
convenções por Duchamp com seu „porta-garrafas‟. (AGUILAR, 2005: 78)
Mas o que a poesia concreta explorou mais que as outras vanguardas foi
“o espaço como agenciamento e signo como nó material das relações”
(AGUILAR, 2005: 176).
89
adequada à „nova realidade ritmica‟, que um mundo tecnologizado impõe
e no qual a comunicação visual deixa a cultura livresca e discursiva em
segundo plano. (AGUILAR, 2005: 183)
90
teoria Gestalt, o “todo” é mais que a soma das partes que o compõem. “A
diferença está em que, nas neovanguardas, a utilização consciente dessas leis
permitiu um tratamento mais elaborado ou consciente das relações espaciais”
(AGUILAR, 2005: 191), definindo assim seu „texto cultural‟. O olhar não precisa
percorrer em um sentido fixo e apreende várias significações simultaneamente.
vide anexo 19
91
Segundo Aguilar, os concretistas tiraram de Joyce o amálgama de
palavras; de Cummings, a fragmentação; de Mallarmé, a distribuição no espaço;
de Pound, a teoria do ideograma e a elaboração das tradições (2005: 67).
Concretos usam a palavra como imagem, mas nem por isso destroem sua
poética, pelo contrário. Constroem uma nova, baseada no significante, no
significado e no signo, geralmente sem construções sintáticas ou, quando há, com
a subversão ou uso criativo dela. “A Poesia Concreta não se dissocia da
linguagem, nem da comunicação. Mas despe a armadura formal da sintaxe
discursiva” (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 172). Aguilar diz que, “não
se trata de um poema pictórico nem de uma pintura poética, mas sim de uma
maneira de processar a experiência diante os signos, sejam da natureza que
forem.” (AGUILAR, 2005: 217).
Uma vez que a palavra assume este caráter visual e consistente, supõe a
reatualização de duas linhas que remontam aos experimentos das
vanguardas históricas: a contaminação entre as diferentes séries
(linguística, auditiva, visual) e o uso intencional da tipografia. Nesta
linhagem, os poetas concretos não continuam a linha dominante da
poesia como imagem metafórica que surgiu na poesia de vanguarda. Em
sua leitura visual, resgatam uma zona menos reconhecida (...): a da
poesia visual e da experimentação tipográfica. (AGUILAR, 2005: 209)
92
A contaminação entre imagem e a palavra que os poetas concretos
praticaram era um procedimento poético e, também, um modo de inserção
nesse mundo visual de comunicações rápidas. (AGUILAR, 2005: 232)
vide anexo 19
93
4. ANÁLISE DAS PIXAÇÕES
Podemos dizer que a pixação não tem a intenção de ser arte e, muito mais
que isso: ela não tem um ideário político definido e não é um movimento artístico-
intelectual em sua essência. Diferente dos vanguardistas, que muitas vezes antes
mesmo de qualquer obra já tinham conceitos, pixadores não delimitam referências
teórico-intelectuais, mas ações, técnicas e elementos para valoração da pessoa,
da turma ou do pixo.
94
A pixação nasceu espontaneamente, adquirindo formas por meio da cultura
do homem suburbano de São Paulo. Embora alguns pixadores, principalmente os
mais velhos, tenham um discurso mais elaborado social e politicamente, a
pixação não nasceu se posicionando perante algo, embora o seu fazer e seu
modo de viver conotem intrinsicamente a ida contra valores da sociedade. Ela é
desorganizada no sentido de não haver uma ideologia ou pensamento comum,
inclusive propositalmente, por acharem que “cada um faz o que quer”. Já a poesia
concreta se manifestou desde o início com ideais propostos para mudanças
sociais e artísticas.
Porém podemos afirmar que quem nasceu após os anos 1960, e aí estão
inclusos os pixadores, é de uma geração influenciada por todas essas mudanças
modernistas citadas, notadamente aqui o pop e a desconstrução linguística. Um
exemplo é que quando criança eu já escrevia usando criativamente a página e as
letras, muitas vezes com sinais pictóricos, sem saber o que era poesia concreta.
Isso indica que nossa geração já vinha com essa bagagem de misturar figuras e
palavras com as letras.
Sobre a eminência de uma nova forma de poesia que refletisse a nova vida
caótica urbana, disse Pignatari:
95
(...) Aos poetas, que calem suas lamúrias pessoais ou demagógicas e
tratem de construir poemas à altura dos novos tempos, à altura dos
objetos industriais racionalmente planejados e produzidos. (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 1975: 125)
23
Mas muitos se consideram artistas e a pixação arte, vide depoimento da Conclusão.
96
Deixo claro, finalmente, que termos como metodologia, função, informação
sensorial, teoria da informação, chaves lexicais, experimentação, poesia
semiótica, permutações de códigos, espaço funcional, sintaxe visual, interface
entre indústria e sociedade, pensamento sintético-ideográfico e outros
normalmente usados na criação e na conceituação da poesia concreta, podem
até ser aplicados à pixação, porém não fazem parte do universo dos pixadores.
24
Muitas vezes, as ideias temáticas se misturam: “miseráveis” poderia estar na categoria “social”
ou na “inferioridade”. Uma palavra pode conter mais de dois estilos, como “siglas” e “inglês”. Como
aqui a proposta é exemplificar, coloco-as no tema e no estilo que a meu vale para mais leitores.
Nesta amostragem não faço distinção entre o que é grife e o que é pixo, pois o intuito é notarmos
os nomes, independente da categoria deles dentro da pixação.
25
As grifes geralmente são desenhadas como logomarcas, sintetizando um pensamento e/ou uma
frase. É um tipo de “brasão”. As grifes estão inseridas em um discurso tipicamente brasileiro, com
sacadas que são intrínsecas a esta cultura, por isso, apesar de altamente visuais, não podem ser
consideradas uma linguagem universal como desenhos e pinturas – ou como a poesia concreta ou
visual objetivou a ser. Ademais, alguns pixos adquirem aspectos de grife e algumas grifes são
escritas, assemelhando-se a um pixo.
97
4.1.1. Temas principais
as gatas, as mina, afoitos, africanos, homens pizza, banais, bêbados (BBS), bafos,
bruxo´s, desumanos, dignos, gatunos, garotos perdidos, analfas, boné, churras, keto,
vigias, lacaios, rueros, ciborg‟s, zumbis.
art pixo, ART TERRORISTA SÃO PAULO, art‟s, arte pro, arteiros, g‟nios art crew.
Machismo/erotismo
big penis, caffas, cafajestes, esperma city, anaconda, gametas, glândulas, infiéis, LPX
(loucos por xana), os caça xana, os meti vara, os papa tche-k, os pintão, os pica,
semens, sperms.
Drogas
aboa, aerva, bicudos, bek´s, bicudos, brisados, canabis, chapados, co...ke..., corpos
ébrios, fissura, osfumi-xera.
Grupo
aturma, turmão de maio, turma do fundão, mafiosos, bando, coronéis, operação kaya,
SP manos, turma do bronx, topgang, troparebelde, enxame da ZN, capones, amafia,
mafiosos, 13 boys, atropa.
Crime ou ilegalidade
brutais, canos, clepto, criminais, fuga, acusados, k deia, morto no 01, detentos,
fugitivos, refém, rifles.
98
Polícia ou lei
DEIC, detenção, detetive, d-nark, fiscais, gambé, blit´s, OSRGS (os registrados no
código penal), gambé, os bacamartes, tribunal, codigo13, 8º batalhão, arsenal.
Social
c-tor 7, gang da 12, bad side, PDM (pixadores do morro), taipashow, V.S. (vandalos do
socorro), turma da favela.
Referência à pixação
bando da mão, atropelos, aerossóis, detona city, epidemia urbana, gryfon, pixo boys,
pixaim, pixomania, pixom, a cena, topos, sótopo, the relâmpagos.
99
Superioridade
baronesas, bacanas SP, eleitos, duk´s, genius, absolutos, magnatas, nobres, o tal,
os+que todos, osclasseA, os ones, reizinho, osmelhores, osmaiorais, 1ª classe, so os
de lei.
Inferioridade
excluídos, farrapos, germes, osbanais, mais um tranqueira, mequetrefes, medilcres,
micróbios, mordomos, moribundos, nada somos, not boys, os+ruins, regeitados,
trágicos, ospiores, osporranenhuma, osquasenada, troços.
Irreverência ou humor
Contra
ant boys, ant ratos, ant sapo, anti-cristo, contra.
Cidade
atômica city, bomba city, p/ SP osso, babilônia city, hot city, burgos, caóticos,
citymanos, exorcity, libert-city, pleb city, zona loca, zona morta, sos city gang, esgoto
city gang.
Outros
autopsia, amnésia, apologia, museu, birra, bósnia, ciborg‟s, coma, contexto, credo,
cortes, decadeencia, fenômenos, forca, fonema, frases, ipnose, marcas, mente suja,
nocaultes, olhos sádicos, poeta, pragas, peraltas, proceder, reprise, santuário, sapos,
sílabas, silêncio, só * lamentos, tribunal, tronos, versus, veneno, vicio, vidas, texplo,
sobrecarga, sopa, sujo tripa, teias, torre, tosse, totens, tradição, trairas, letreros,
insônia, rastros, ligados, mitos, vocal, 7 copas.
100
4.1.2 Estilos:
o ortografia errada
segos, xapas, baladeros, bestera, brexas, buneco, carnisas, caveras, cusp, doidera,
ora-h, ruds, víseras, vizitantis, anônymos,.
o
escrita criativa
o abreviação
ARM (armadilha), ADM (anjos do mal), CTMS (city manos), E,T,P,X (elite*pixe), EX-T
(ex-tragos), FDR (falange de rua), galera do mau (GDM), KMKZ (kamikaze), NEB
(não é bafo), PHG (procurados house gang), Pif (pixadores infratores ferroviários),
PWBS (power boys), RL (ritmo loucura), SOS (suínos), FDK (fora de kontrole), XKW
(xaropes criando vandalismo).
black panters, bad side, bad girls, bug´s, danger boys, go for it.
vide anexo 21
101
Pixadores escolhem a palavra pela significação, pela sonoridade, pela
originalidade, pela subversão etc. ou pelas possibilidades que podem ter na letra.
Assim, podemos afirmar que existe uma semelhança já neste aspecto. Os
concretistas disseram que a poesia concreta se liga
vide anexo 22
102
Primeiramente, expliquemos aqui alguns conceitos da linguagem e sobre
poesia. A linguagem emotiva é aquela que tem como ponto central o remetente.
Ela “visa a uma expressão direta da atitude de quem fala em relação àquilo de
que está falando. Tende a suscitar a impressão de uma certa emoção, verdadeira
ou simulada” (JAKOBSON, 2005: 123 e 124). Sentimos que a pixação é explícita,
ou seja, o remetente quer aparecer: ela berra, quer chamar a atenção ou chocar.
103
moldar esse material; depois, dão forma (significante) a essa palavra, como no
ato tradicional do “pincel e tela”. O “dar forma” é a maneira pela qual ele manipula
seu material26 (que é imaterial, pois é a vida), com a ferramenta lata de spray (ou
rolinho e tinta) no suporte parede, para produzir o efeito artístico visado, que é o
da letra bacana, da admiração dos iguais, e do espanto e repulsa da população.
vide anexo 23
26
Diferente do postulado, entendo como material dos pixadores suas vidas; spray, tinta e parede
são suas ferramentas para manipular seu material (material ≠ matéria). Na visão tradicional da
arte, o material seria a tinta e o pincel, e a tela-parede, o suporte.
104
poema concreto precisa saber é que dada uma conotação será fictícia
(como até certo ponto inevitável) num plano exclusivamente material, na
medida em que ela reforce e corrobore os demais elementos
manipulados; na medida em que ela participe, com seus efeitos peculiares
– uma relação semântica qualitativa e quantitativamente determinada – na
estrutura-conteúdo que é o poema. (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI,
2006: 109 e 110)
vide anexo 24
105
“história de mentir”... ou simplesmente a beleza da palavra “história”, fazem parte
do processo da semiose, que abre um leque de significados da palavra, tornando-
a “coisa”, como coloca Sartre. Pense em você num dia ruim; quando olha para a
parede, vê “piadas”, “ninguém presta” ou “abismo”, ou as três juntas em uma
agenda. Se você tem um mínimo de sensibilidade, certamente elas conotaram.
Assim vemos que as palavras adquirem sentido figurado por meio da semiose.
106
Um texto só é poético se for sua retórica for eficaz, dizem os estudiosos.
Assim como o significante se relaciona com o significado por intermédio de
uma redução simbólica, a retórica se relaciona com a poética por intermédio
de uma operação análoga, que se realiza, ao mesmo tempo, no plano da
fala e no plano da língua, podendo-se pensar numa „poética menor‟- a
concepção individual – e numa „poética maior‟ – as ideias gerais
predominantes da época. (TELES, 1997: 297)
vide anexo 25
Assim como a poesia concreta dá luz à crise do verso ante uma sociedade
industrial, moderna (ou pós-moderna), de consumo, massificada, com
necessidade de rapidez e, por isso, de signos visuais e pictóricos, podemos dizer
que a pixação dá luz à crise do espaço, à crise do lazer, à crise da posse ante
uma sociedade tecnologicamente avançada, mas socialmente primitiva. A pixação
é a materialização perfeita de um lifestyle, seja ele urbano, caótico, criminoso,
agressivo, rápido, poderoso, enlouquecedor etc.
Sobre a criação da poesia concreta, nos fala Rogério Câmara que “sob a
perspectiva de um novo país industrial e urbano” concretistas buscaram uma “arte
projetual, ordenadora do espaço social, que buscava dar ritmo e fluxo ao
desenvolvimento pretendido” (CÂMARA, 2000: 18). Na pixação, a palavra e os
símbolos são distribuídos em locais estratégicos no espaço urbano sem
pontuação, como se fossem sinalizações, placas, avisos, títulos. Sobre a poesia
concreta, Campos disse: “a própria pontuação aqui se torna desnecessária, uma
vez que o espaço se substantiva e passa a fazer funcionar com maior plasticidade
as pausas e intervalos da dicção (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 33)”.
Como a poesia concreta, pixadores não diferenciam maiúsculas e minúsculas –
tudo é letra.
107
chave, como em um jogo. Assim, é comum encontrarmos pixações
transformadas, retrabalhadas ou tornadas siglas para adequarem-se ao local.
vide anexo 26
Uma pixação bem feita tem o lugar meticulosamente pensado pelo escritor.
Ela deve ocupar o espaço de tal maneira que seja olhada de tal modo. Exemplo:
um pequeno espaço que quando o passante virar a esquina vai olhar diretamente;
ou em toda a extensão de um beiral de loja; ou sobre uma janela; ou de fora a
fora de uma viga; ou exatamente embaixo de um detalhe de uma casa antiga;
enfim, são infinitas maneiras de o pixador pensar para colocar sua palavra ali.
vide anexo 27
Aguilar propõe quatro princípios de construção para abordar o que fez com
que a experimentação tipográfica fosse tão marcante na vanguarda:
- clarificador;
108
A tipografia é não só criatividade artística e algo que permite um processo
técnico. Ela conota – seja clareza, funcionalidade, rebuscamento, agressividade,
tecnologia ou outros adjetivos mais 27. Segundo afirma Panofsky, Vasari “julgava
que também a forma das letras expressa o caráter e o espírito de uma
determinada fase histórica” (PANOFSKY apud AGUILAR, 2005: 220).
27
Exemplo da conotação da letra e da importância dela para a comunicação é a publicidade, que
escolhe uma tipologia determinada para cada peça, logomarca ou campanha, que tenha a ver com
o estilo a ser passado. Podemos afirmar que o uso da tipologia é, inclusive, utilitário, assim como
alguns poetas de vanguarda, entre os quais os construtivistas russos, que utilizaram os tipos
simples, chamativos ou chocantes como modo de fazer o público participar.
28
Algumas pixações mudam suas letras com o passar do tempo, “atualizando-se”; outras, ainda,
possuem concomitantemente dois tipos de letra. Pixadores afirmam que as letras estão sendo
cada vez mais abstraídas de seu significante (sua forma original), portanto, cada vez mais difíceis
de serem apreendidas. Assim, pixadores diferenciam estilo de letra “antiga” e estilo de letra “de
agora”.
109
Sobre design e funcionalidade, Read afirma:
Read formula duas hipóteses para entender por que o homem deixou de
lado apenas a utilidade dos objetos para lhes darem também uma forma estética.
Uma delas é a naturalista, na qual “todos os desvios formais em relação à
eficiência são devidos à imitação, consciente ou inconsciente, de formas
encontradas na natureza” (READ, 1967: 73). A outra, idealista, na qual “a forma
tem significação própria, isto é, corresponde a uma necessidade psíquica interior,
expressando um sentimento que não é necessariamente indeterminado: pelo
contrário, é com freqüência, um desejo de refinação clarificação, precisão, ordem”
(idem, ibidem).
29
A tipologia das bandas de heavy metal e punk conotavam agressividade, acompanhando o
estilo musical. Roqueiros também gostavam de preto, de ocultismo e da estética gótica, então
podemos remeter estas tipologias à influência das letras da Idade Média, como o alfabeto rúnico,
por exemplo.
30
Outros tipos de letras dentro da arte urbana são o trow up, o wild style e o tag.
110
conhece seu paratexto31 e texto cultural32. Para um incauto, qualquer coisa escrita
pode ser pixação. É pichação, e não pixação.
31
Paratexto é um conceito desenvolvido por Gerard Genette para textos literários. Segundo ele, “o
paratexto é aquilo que permite que o texto se torne um livro e seja oferecido enquanto tal para
seus leitores e para o público de um modo geral (...) (GENETTE, 1997: 1). O paratexto de um livro
é sua capa, o título e o “formato livro”, que nos fazem entendê-lo como um livro. Ganette afirma
que existem paratextos em áreas fora da literatura e propõe que se estenda o termo, como para a
música e as artes plásticas, à qual nos referimos aqui. Em sentido amplo, portanto, paratexto são
as convenções que contextualizam algo como tal. O paratexto de uma obra é um museu, uma
galeria de arte, a moldura e a sacralização, por exemplo. Em sentido amplo, portanto, paratexto
são as convenções que contextualizam algo como tal.
32
A semiótica russa tratou de compreender as relações entre a comunicação e a cultura
para entender os mecanismos geradores do signo na cultura. Verificou que toda cultura possui
códigos, também chamados “textos”, que formam um modelo que nos faz a entendermos como
tal, ou seja, os textos são sistemas complexos nos quais podemos reconhecer, armazenar e
processar informações de tal área. Portanto quem não conhece os códigos (ou textos) de uma
cultura, não consegue interpretá-la ou entendê-la da maneira que quem conhece o faz. Assim,
uma cultura é o conjunto de vários códigos ou textos que precisam ser entendidos para se
compreender sua dinâmica, e que juntos formam um “sistema”. A cultura no seu sentido mais
amplo é um conjunto unificado de textos culturais de diversos sistemas.
111
som-visual), e o mesmo podemos dizer dos pixadores, apesar de, em ambos, o
conteúdo não ter a mesma apreensão imediata das cores e formas.
33
In CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 76. Publicado originalmente na revista AD-
Arquitetura e Decoração, n. 20, São Paulo, novembro\dezembro de 1956; republicado no
“Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28.4.1957.
34
Campos, como os pixadores, subverte a ortografia formal com a palavra “maudito”.
112
O ideograma é um um símbolo gráfico utilizado para representar uma
palavra ou conceito. Diferente das letras, que representam um som. O ideograma
aparece em várias línguas antigas de diversas regiões, como no Egito, na Grécia
e povos pré-colombianos, por exemplo. A escrita fonética se desenvolveu
autonomamente em cada lugar do mundo. Em alguns, a escrita cripotográfica foi
perdida. Em outros, se manteve, como no alfabeto chinês kanji, que até hoje
utiliza ideogramas.
113
Como já citamos, em suas pesquisas, Pound, Mallarmé e Apollinaire
descobriram a escrita chinesa como forma ideal para o que ansiavam para a
literatura e a poesia ocidental. Assim, o ideograma influenciou profundamente o
conteúdo e a forma da literatura e da poesia de vanguarda. Em 1919, no Ensaio
sobre o ideograma chinês, Fenollosa e Pound disseram que
Em 1921, Edward Sapir disse acreditar que “qualquer poeta inglês de hoje
seria grato à concisão que um poetrasto chinês atinge sem esforço” (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 140). As postulações da poesia concreta
coincidem, em linhas gerais,
114
palavra‟” (AGUILAR, 2005: 232). Influenciados pelo concretismo pictórico que
reduzia as coisas a signos concretos, os poetas reduziram a linguagem – ou a
palavra, ou um pensamento – também a signos.
A poesia concreta
115
A poesia concreta vem de uma evolução artística e cultural baseada na
nova sociedade industrial, uma noção já proposta antes pelas primeiras
vanguardas, como já vimos. É uma “noção de literatura não de cunho
artesanal, mas, por assim dizer, industrial, de produto tipo e não típico, de
linguagem minimizada e simplificada, crescentemente objetivada, e, por
isso mesmo, em princípio fácil e imediatamente comunicável. (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 193 e 194)
vide anexo 31
a palavra tem uma dimensão GRÁFICO-ESPACIAL
uma dimensão ACÚSTICO-ORAL
uma dimensão CONTEUDÍSTICA
agindo sobre os comandos da palavra nessas
3 dimensões 3
a (...)35
35
In CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 76. Publicado originalmente na revista AD-
Arquitetura e Decoração, n. 20, São Paulo, novembro\dezembro de 1956; republicado no
“Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28.4.1957.
116
Como vimos, assim como na poesia concreta, na pixação a palavra é a
unidade básica. A pixação realiza a comunicação pelo significado, pela ortografia
e pela tipografia e pela sua distribuição no espaço – no caso, no espaço da
cidade. É disposta com design criativo, ícones ou abreviaturas em locais
inusitados ou com significados para os pixadores. Assim, eles criam com o
significante (a palavra escrita) um outro significado. Podemos associar uma
pixação a uma autêntico haikai36. Ambos, para um espectador qualquer, nada
mais são que imagens abstratas ou traços, pois quem não conhece a codificação,
não consegue apreender o significado de um haikai (ou um ideograma) e de uma
pixação. Porém o haikai possui um paratexto e já é entendido como arte, diferente
de uma pixação.
a poesia concreta é mais para „ver‟ do que para „ler‟, e „ela‟ é para (ser)
e para (ter) , propondo assim o que se poderá chamar uma antologia do
homem acelerado, ou seja, do homem informacional, em que todos nós
estamos nos transformando. (MELO e CASTRO apud CÂMARA, 2000:
35)
36
Poesia japonesa concisa e objetiva.
117
Quando vemos uma pixação, assim como uma poesia concreta, lemos (ou
“vemos) o conjunto, o “desenho”, e não a palavra. Como já conheço as pixações,
pela forma da letra eu sei o que está escrito. Interessante dar o exemplo de um
pixador semi-analfabeto que consegue “ler” todas as pixações. Na verdade, ele
não as lê, ele apenas as reconhece e sabe seu significante. Fechamos as figuras
como diz a teoria Gestalt, não vendo o “interior” do pixo.
vide anexo 32
2. “o olhouvido ouve”
3. “ratoloouco”
5. “p/ sp osso”
118
1. (poema de Gertrude Stein) 4. (pixo)
2. (frase dos concretistas) 5. (pixo) (lê-se “para São Paulo, osso”)
3. (pixo)
vide anexo 33
Jurgen Ruesch e Weldo Kees, no livro Nonverbal communication – note
on the visual perception of human relations, de 1956, distiguem a comunicação
verbal e a não-verbal. A verbal é do tipo digital, como o alfabeto fonético e o
sistema numérico (“a informação transmitida através de um tal sistema é
obviamente codificada mediante várias combinações de letras ou dígitos”); A
não verbal é analógica (“várias espécies de ações, quadros ou objetos
materiais representam análogos tipos de denotação”).
119
com dígitos, com o sistema fonético, uma área linguística não-
discursiva, que participa das vantagens da comunicação não verbal
(maior proximidade das coisas, preservação da continuidade da ação e
da percepção) sem, evidentemente, mutilar o seu instrumento – a
palavra – cujos dotes especiais para „exprimir abstrações, comunicar
interpolações e extrapolações, e tornar possível o enquadramento de
amplos aspectos de eventos e ideias diversificadas em termos
compreensíveis‟ (RUESCH; KEES) não são desprezados, antes
utilizados em proveito da totalidade comunicativa criada. A noção de
metacomunicação explica, para os estudiosos dessa matéria, „as
relações entre codificações verbais e não-verbais‟; „qualquer
mensagem pode ser considerada como tendo dois aspectos: a
proposição propriamente dita, e as explanações pertinentes à sua
interpretação. A natureza da comunicação interpessoal necessita de
que ambos coincidam no tempo, e isto pode ser conseguido somente
através do uso de uma outra via. (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI,
2006: 121)
120
A poesia concreta toma o texto urbano e a comunicação de massa
para chegar à síntese e à racionalização desta linguagem retirando
seus ruídos e definindo uma estrutura. (CÂMARA, 2000: 36)
37
Conceito de analógico e digital – Analógico é tudo aquilo que se faz por analogia:
um desenho de uma cadeira é analógico, pois representa uma cadeira. Um gráfico é
analógico, pois representa as informações. O relógio analógico o é porque
representa o tempo – as voltas que foram dadas para o ponteiro chegar ali indicam
a passagem do tempo. Digital é tudo aquilo que se representa por detalhes que
falam separadamente. A palavra “cadeira” é digital pois são letras que formam um
conjunto que por convenção se referem àquele objeto de sentar. Uma tabela é
digital pois seus elementos em separado dão aquelas informações. O relógio digital
também – ele informa com elementos distintos as horas (convencionado assim), ele
não é uma representação da realidade. Geralmente, o modelo analógico é mais a
representação real, porém é menos preciso que o digital.
121
ritmo: força relacional. o poema concreto, usando o sistema fonético
(dígitos) e uma sintaxe analógica, cria uma área Linguística específica
– “verbivocovisual”- que participa das vantagens da comunicação
verbal, sem abdicar das virtualidades da palavra. com o poema
concreto ocorre o fenômeno da metacomunicação: coincidência e
simultaneidade da comunicação verbal e não-verbal, com a nota de
que se trata de uma comunicação de formas, de uma estrutura-
conteúdo, não da usual comunicação de mensagens.” (CAMPOS;
CAMPOS; PIGNATARI, 2006: 216)
122
sua estrutura. Neste sentido, uma palavra que traga sonoridade e construção
ortográfica diferenciada, juntamente com letra com várias informações
semióticas em um espaço da cidade que tenha uma sintaxe com o significado
da palavra colocada alinhada sobre uma certa estrutura, com espaçamento
padronizado entre as letras, e estas escritas na sua melhor forma, seria uma
pixação com temperatura informacional alta – ou riquíssima.
123
5. CONCLUSÃO
39
Fonte: IBGE, Censos Demográficos.
<http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/tabelas/pop_brasil.php> Acesso em: 25 mar 2010.
Atualmente, em 2010, estima-se que sejam 19 milhões na região metropolitana e cidade de
São Paulo, se constituindo a 5ª maior cidade do mundo.
124
Sob muitos aspectos, a literatura do modernismo experimental que
surgiu nos últimos anos do século passado e se desenvolveu até
nosso século foi uma arte das cidades, principalmente das cidades
poliglotas, as cidades que, por diversas razões históricas, haviam
adquirido uma grande fama e intensa atividade como centros de
intercâmbio cultural e intelectual. (...) Nessas cidades, com seus cafés,
cabarés, revistas, editoras e galerias, destilavam-se as novas
estéticas, as gerações discutiam e os movimentos contestavam; as
novas formas e causas tornavam-se objeto de lutas e combater.
Quando pensamos no modernismo, não podemos deixar de evocar
essas atmosferas urbanas, as ideias e campanhas, as novas filosofias
e políticas que as atravessavam. Evidentemente, essas cidades eram
mais do que pontos casuais de encontro e cruzamento. Eram
ambientes geradores de novas artes, pontos centrais da comunidade
intelectual, e mesmo de conflito e de tensão intelectual. (BRADBURY
in BRADBURY; MACFARLANE, 1989: 76)
comentário 1:
Eu acho que ah pixação éé uma arte de rua,assim como o graffit.
o graffit só foi considerado arte depois de anos,intão se o graffit hoje é arte porq a
125
pixação nao pode ser tbm ?. nois pixadores estamos temtano diser pra sociedade que
nois estamos aqui correndo atrais do nosso espaço para que a pixação vire uma arte
legalizada assim como o graffit.
pixação é sim uma coisa bonita,pixação pra min é como um esporte.um modo de c
expresar.é outro mundo fora da sociedade,que só nos pixadores sabemos oque
é.quando pego um onibus e começo olha as pixação eu entro em outro mundo,um
mundo que tem malicias,maldades,mensagems para nos proprios pixadores,nos
pixadores c comunicamo um com os outros apenas por rabiscos na parede,fora as
amizades que conhecemos,algumas ruins,mais outras boas,cada role uma historia pra
conta.ee é isso que eu vejo como pixação,nao é tudo,porq c for pra min fika falando oq
eu penso sobre isso vou fika escrevendu até amanhã aquii!40
comentário 2:
pichaçao nao e arte..
é vandalismo..
viva a pichaçao
Vimos que apesar de terem uma ideia própria de belo e uma valoração
associada à cultura deles, ainda assim pixadores possuem noções universais
inerentes ao ideal platônico, como simetria dos espaçamentos entre as letras, o
40
Comentário de Allan, seg, 17 ago 2009. Retirado de <http://www.br101.org/pichacao-sp-
rebeldia-sem-causa.html>. Acesso em: 13 dez 2009.
41
Comentário Anônimo, seg, 17 ago 2009. Retirado de <http://www.br101.org/pichacao-sp-
rebeldia-sem-causa.html> Acesso em: 13 dez 2009.
126
rigor das formas, do uso delas no espaço, a criatividade e o equilíbrio das
letras. Por esta ideia ser universal, certamente nesta pesquisa você notou, por
você mesmo, pixações mais feias ou mais bonitas, com mais design ou não,
mais elaboradas ou não, mais toscas ou não. A própria prática de pixar faz com
que a letra fique cada vez mais perfeita e possa ser feita mais rápido ainda com
o passar dos anos.
127
Em sua poética, os pixadores não buscam a representação exata da
realidade. Eles metaforizam a realidade vivida da metrópole de forma criativa
em palavras, criando uma nova realidade voltada para a própria pixação ou a
vida suburbana. Eles fazem isso indiretamente, por signos verbais, visuais e
corporais que no conjunto passam mensagens ou códigos sobre a realidade
que eles conhecem. O nome que se deram são palavras que fingem, parodiam,
exaltam, rebaixam, caricaturam e até mesmo contradizem. A estética visual dos
pixadores não representa coisas, mas letras, criando seu próprio universo feito
de letras, palavras e poucos signos figurativos. E, assim como os modernistas,
com o passar do tempo os pixadores começaram a se libertar do real, da
rigidez da cópia, para irem abstraindo a letra cada vez mais. Atualmente,
algumas letras são tão abstratas que vemos como imagens.
não há obra de arte fechada na perfeição da sua forma final, ela pode
ser sempre modificada ou adquirir inúmeros entendimentos;
128
ela carrega forte dose de elementos cotidianos, assim como elementos
acerca da percepção da sociedade industrial;
129
Enquanto para Benjamin é uma promessa da perda da aura e de suas
características de distância e inacessibilidade, para Malraux a
reprodução não só confirma a dimensão aurática, como constitui sua
realização mais cabal: o „museu imaginário‟ confere às obras de arte
um novo tipo de autoridade, mais poderoso porque mais ubíquo e
difícil de apreender. Para Malraux, a reprodução é, muito mais que
uma ameaça para a arte aurática, a possibilidade de difusão e do
fortalecimento em escala quase universal dessas obras que a tradição
havia separado dos objetos comuns, dotando-se de um valor quase
sagrado. (AGUILAR, 2005: 50)
130
si e à obra de arte, desmistificou a “catarse elaborada” (VASARI) e levou o
inconsciente para fora de nós.
131
mais odiados a cada vez que o espaço é mais loteado para os que tem dinheiro
para comprá-lo.
132
Dentre inúmeras teorias e escritos sobre o que é arte atualmente, cito
aqui uma retirada do livro Modernismo: Guia Geral:
Alguns dizem que os melhores artistas não são aqueles que fazem algo
que está em voga, ou que pensam em fazer para estar em um estilo, mas são
aqueles que pensam livremente e, ao colocar na tela, no papel ou no
instrumento, transcendem os movimentos daquele tempo.
133
O homem artista realiza-se em sua obra. Suas potencialidades, seus
desejos, suas aspirações concretizam-se nela e através dela.
Representa a sua realidade íntima e sua realidade social. (NOEL,
1977: 23)
134
em conta seus valores não exatamente estéticos: religiosos, morais,
racionais ou sociais. A Arte se liberta assim da sua submissão à
beleza. Ao mesmo tempo, as investigações impulsionadas por essa
ciência podem se estender às manifestações artísticas afastadas do
ideal clássico. (VASQUEZ, 1999: 43)
135
Soubemos por esta pesquisa que a pixação só existe no Brasil. Trata-se
de uma prática universal, porém cultural e esteticamente criada pelo povo de
São Paulo, local onde é praticada na sua forma mais característica. Podemos
portanto afirmar que é uma cultura popular imaterial brasileira, ainda que ilegal,
e que é, assim como a poesia concreta, um movimento poético brasileiro com
característica de vanguarda.
136
chegam; e, nesse quesito, só eles chegam. E se apropriam de uma das poucas
coisas que podem chamar de sua: o espaço geográfico.
137
ornamento modernista – quando há – são usados, ideais para os pixadores
atingirem seus objetivos. vide anexo 34
138
„Art is a joyous thing‟ (a arte é uma coisa viva), disse Pound. Uma
coisa alegre. É tempo de se libertar a obra de arte criativa da tralha de
matracas e da mística do pecado original com que o conformismo das
estéticas „paradisíacas‟ procura ferreteá-la para garantia da
salubridade convencionada de suas estâncias de ócio fungível:
„intelectualismo‟, „formalismo‟ e outros tantos falsos pejorativos, „lendas
dessuetas‟ na expressão de Boulez, que epitomiza o „papel
interpenetrado da sensibilidade e da inteligência em toda criação‟ com
palavras que precisam ser meditadas. (CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI, 2006: 47)
139
Os concretos praticavam a publicidade, faziam logomarcas, como a que
Décio Pignatari fez para a Petrobrás. Vimos que as grifes dos pixadores são
verdadeiras logomarcas, brasões que condensam ideias ou títulos. Porém,
quando explica um ideograma, Aguilar diz que
Concretistas queriam fazer uma linguagem que fosse útil. Mas poesia
concreta não tem utilidade, não serve para nada. Mas ela nos mostrou as
possibilidades estéticas das formas tipográficas, seus usos e suas
significações.
140
ser coletivo e democrático, todas as pixações são exibidas, independente da
qualidade. Todos se mostram, mas só alguns são os escolhidos, e os
passantes não sabem disso, pois não existe a legenda.
Os pixadores nasceram num mundo pós poesia concreta, pós pop art,
no mundo em que as artes conheciam o punk e o hip hop, sendo multimídia e
multiculturais:
44
Eles, porém colocavam tudo isso em um contexto “erudito”.
141
Vimos que a semelhança entre a pixação e a poesia concreta está
principalmente no seu produto final: uma poesia, ou anti-poesia, que quebra a
sintaxe e/ou a ortografia, se utiliza do espaço e promove a semiose do signo
verbal e/ou visual. Colocados estes fatos, afirmamos que a pixação está
inserida num contexto pós-moderno de supervalorização do eu, das tribos, da
periferia das grandes cidades, que veio na esteira das mudanças ocorridas
com a modernidade. Assim, é certo dizer que a pixação é poesia modernista
suburbana em contexto pós-moderno, eminentemente visual em um primeiro
olhar não treinado.
45
Entrevista informal dada para a pesquisadora.
142
híbridas, do povo, populares e espontâneas, geralmente não entrando no
circuito comercial de apresentações artísticas. Portanto, deixo registrado que
querer dar status de arte convencional para a pixação é como querer chamar
de clássica a música dos repentistas. Mas na comparação com os fazeres
instituídos, vimos que ela também é arte e poesia.
Aqui não pretendi fazer uma defesa da pixação, mas propor uma nova
forma de entendê-la e vê-la, já que ela nunca vai deixar de existir. Propus esta
pesquisa para mostrar que é possível começarmos a enxergá-la de outro jeito,
e assim deixar nosso cotidiano menos “sujo”, mais leve e divertido ao
encontrarmos essas palavras.
Para fazer esta pesquisa, me propus ter a mesma visão crítica dada a
uma obra de arte ou uma poesia, onde não julgamos o que o artista quis
passar, mas o que a obra final passou. Porém sou uma estudiosa educada com
a teoria da arte pós-moderna, de maneira iluminista, cartesiana e aristotélica,
tentando colocar uma arte primitiva e popular neste parâmetro, e nos meus de
classe média intelectual, falível, portanto, pela minha visão limitada a este meu
mundo.
Para aqueles que dizem: “Mas se pelo menos eles protestassem contra
algo, ou escrevessem algo útil... isso não diz nada, é só rabisco! Não serve
para nada”, Theófile Gautier e Maurice Denis respondem que
143
E eu digo que a arte, e aí incluo Da Vincis, Duchamps e poesias
concretas, também não serve para nada, a não ser para olhar. E pensar.
144
estranhos, enfadonhos, infantis, fáceis, mercadológicos ou antiarte, e a pixação
também pode ser acusada disso. Mas já não há como negar que ela junta
materiais como atitude/ideário (o conceito) à estética, jogo, dança, malabarismo
e poética, lançando mão de vários elementos para fazer sua lírica, se
constituindo – se é que temos que rotular –, em anti-arte, performance e poesia
- e em um soco no estômago da sociedade.
145
Como estética, ela já influencia a moda, a publicidade e o cinema, as quais não
colocarei imagens por sair do âmbito da pesquisa.
Além disso, a obra de um pixador não tem o sagrado estar por não
possuir um paratexto das artes nem do que é considerado sagrado, muito
menos portanto tem um sagrado ser. Ela pode adquirir um sagrado estar daqui
séculos, quando, por exemplo, um pedaço de parede for para um museu por
suas inscrições “do povo primitivo da época pós-moderna”.
146
também passa pela questão econômica de não ser comercializada, pois em
uma tela perderia sua razão de ser. Diferente de Les Demoiselles d’Avignon,
de Picasso, que, apesar de toda ruptura que ela representa, como
“afastamento da tradição na representação da forma humana, um profundo
choque cultural que, no entanto, em 1914 já havia sido assimilado,
convertendo-se em uma nova tradição” (BULLOCK in BRADBURY;
MCFARLANE, 1989: 48).
147
6. BIBLIOGRAFIA
6.1. Obras
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Cia. Das Letras, 1992.
BÜRGER, Peter. Teoria da Vanguarda. Trad. José Pedro Antunes. São Paulo:
Cosac Naiy, 2008.
CAMPEDELLI, Samira Youssef. Poesia Marginal dos Anos 70. São Paulo:
Scipione, sem data.
148
CAMPOS, Augusto de et al. Teoria da Poesia Concreta. São Paulo: Duas
Cidades, 1975.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13ª ed. São Paulo: Ática, 2003.
CROW, Thomas. The Rise of the Sixties. America and European Art in the
Eera of Dissent. New York: Harry N. Abrams, 1996.
149
FONSECA, Cristina. A Poesia do Acaso – na transversal da cidade. São
Paulo: T. A. Queiroz, sem mais informações.
150
HELENA, Lúcia. Modernismo Brasileiro e Vanguarda. Ed. Ática. Série
Princípios. São Paulo, 1986.
151
PEREIRA, Alexandre. De Rolê pela Cidade: os Pichadores de São Paulo.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
POUND, Ezra. ABC da Literatura. 12ª ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
152
STANGOS, Nikos (org.). Conceitos da Arte Moderna. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2000.
153
ANEXO 1– p. 25
Ligação da Arte Urbana como o punk: capa de disco do The Jam (1977); capa de 1983 dos
Ramones em trem novaiorquino com graffitis e tags; detalhe da letra da coletânea de 1982 da
banda punk The Southern Death Cult; detalhe de discos de duas das maiores bandas punks
brasileiras nos anos 1980, Inocentes e Ratos de Porão, com letra imitando tinta na parede;
detalhe do disco da banda punk Kães Vadios e da coletânea Grito Suburbano, de 1982, com
letras angulosas; e foto de uma fita K7 de 1989, na qual o proprietário fez escreveu “Sex
Pistols” no estilo de letra hoje remetido à pixação.
154
ANEXO 1 – p. 28
155
ANEXO 3 – p. 28
_________________
ANEXO 4 – p. 28
_________________
ANEXO 5 – p. 28
156
ANEXO 6 – p. 29
Pixo que parece grife (HØP, ou “homens pizza) e pixo OSBV (os bicho vivo), que aparece em
sigla (neste caso) ou por extenso, dependendo da situação. O cabeça do pixo OSBV foi quem
criou a grife HFAD, sendo necessário pedir sua autorização para fazê-la, como no exemplo
acima (anexo 5)
_________________
ANEXO 7 – p. 30
157
ANEXO 8 – p. 30
158
Lugar de difícil acesso
Lugar abandonado
159
ANEXO 9 – p. 32
A não comunicação comunica. Pixos: bdr, cômico violento, the funtos, não identificado
160
A não comunicação comunica. Pixos: violento, geração e ldv
161
ANEXO 10 – p. 52
_____________________
ANEXO 11 – p. 55
162
Anexo 31 – Palavras soltas, Linguagem caótica = semiose verbivocovisual.
163
Anexo 12 - Colagem de signos de
Hannah Höch, Cut with the Dada Kitchen
Knife through the Last Weimar Beer-Belly
(1919-20): estética do caos.
_______________________
ANEXO 13 – p. 65
164
ANEXO 14 – p. 67
_______________________
ANEXO 15 – p. 78
165
ANEXO 16 – p. 79
Chocando nas ruas: “Traje de Verão” (1956), roupa e performance de Flávio de Carvalho em
São Paulo
_____________________________
ANEXO 17 – p. 84
166
“ovonovelo” (1955), grupo Noigandres
167
ANEXO 18 – p. 87
168
ANEXO 19 – p. 91 e 93
169
ANEXO 20 – p. 96
As formas da metrópole
Pixação: formas e conteúdo da vida moderna na cidade de São Paulo: energia elétrica, carros,
rapidez, construções, ângulos retos, separação.
170
ANEXO 21 – p. 101
siglas e ortografia
OSBV (os bicho vivo) e TMS (teimosos), que também são escritos por extenso
BRXS
(bruxos) e
AKTS
171
BRXS (bruxos)
e atroz
172
ANEXO 22 – p. 102
construções ortográfica
som: peraltas
significado: rapdos
173
ANEXO 23 – p. 104
violentos, os cururu,
naldo, geração
174
ANEXO 24 – p. 105
palavras pela cidade - semiose
ideia
sinistros
abadia
175
perigus
rato
176
“OS + IM” (“os mais imundos), em azul
viagra
177
a erva
Malas
silencio
178
usuários
ANEXO 25 – p. 107
retórica e poética
179
cia pixo e mucamos na Baixada do Glicério, região Central de São Paulo
180
agenda
bruxos
181
bec, nuclear e caxão
No Brás, v-latas, impacto, deic – ou “No Brás os vira-latas sofrem não só com o impacto da
cirrose, mas também do DEIC”
182
larapios, mutant´s, dink, OS+CR! (os mais cretinos), carrasco, dedé e não identificado
183
A cidade poetizada foto: Julio Kohl
184
Não necessariamente nesta ordem: OSRGS, cedilhas, turcos (não terminado), oscururu,
néticos, lok´s, lenda
185
ANEXO 26 – p. 108
lugares e uso do espaço
ibope em curva
186
Larápios, bomba city, os caretas e MOB
_____________________________
ANEXO 27 – p. 108
espaçamento
crime
187
Art-pixo, MCM, panacas e o P de picos, pois cada letra do pixo foi escrito em um “gomo” da
construção. Atenção para o “s” de panacas que, para não atropelar o P do picos, coloco-o
centralizado no espaço seguinte. Em cima ficou perfeito; embaixo, não
______________________________________________
ANEXO 28 – p. 109
abstração
Letras abstratas: básico, morte, não identificado (em vermelho), karetas, telas. No canto direito,
fundo branco, inseto
188
letras abstratas, realidade abstraída
189
ANEXO 29 – p. 111
letra estilo “pixo”
rapdos, restritos e rabismo: 3 pixos com aparentemente a mesma letra, mas são muito
diferentes
190
ANEXO 30 – p. 112
letras: metáforas ou metalinguagem
anor+
191
ANEXO 31 – p. 117
osrgs
OS RGS, uma das mais antigas e respeitadas turmas de pixação. O nome foi inspirado na
marca que quem um dia foi preso carrega para o resto de suas vidas, por isso “os registrados
no código penal”. O nome dos autores está no meio, Lin (um dos mais antigos, especialista em
topos, m-lok e ncs). Levaram a noite toda para fazer, andar por andar, sem equipamento de
segurança. Adendo: a obra contrasta com o painel autorizado e patrocinado feito mais adiante
pelos osgemos no Anhangabaú. A maior pixação do mundo. (Uma das maiores poesias do
mundo?)
192
ANEXO 32 – p. 119
grifes: “haikais da civilização ocidental moderna?”
193
o suporte deste ideograma já não é papel de arroz
Algumas destas grifes podem ser encontradas nas fotos aqui publicadas:
união caça-muro
geração roconha*
* roconha = rock com maconha
mania de pixar
nada somos
194
os inq.bráveis *
*na foto no final deste anexo
só a diretoria
união total
os tô q tô *
195
* pixo
sociedade alternativa
os + antigos
os + imundos
“código” – agora podemos afirmar que este poema concreto parece uma grife... ou que uma
grife parece um poema concreto
196
ANEXO 33 – p. 119
_____________________________________________________
ANEXO 34 – p. 137
Arquitetura modernista como suporte, ferramenta para a escalada e espaço-guia
Detalhe: última “linha” inferior prédio, na qual se encontra a pixação “demônios”, referida na p.
103 (Obs.: esta foto não está no modo P&B)
197
198
199
200
201
(esta foto mostra um “atropelo”, que é quando fazem em cima do outro, em forma de
desrespeito)
202
ANEXO 35 – p. 146
compreensão de um signo através do suporte
Viva Vaia (1979), de Augusto de Campos: poema – folha de papel (sem valor de mercado)
203