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Hugo Correa - TESEfinal
Hugo Correa - TESEfinal
Niterói (RJ)
2012
HUGO FIGUEIRA DE SOUZA CORRÊA
Niterói (RJ)
2012
ii
HUGO FIGUEIRA DE SOUZA CORRÊA
Banca examinadora:
________________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Dias Carcanholo (Orientador)
Faculdade de Economia - UFF
________________________________________________________
Prof. Dr. João Leonardo Medeiros
Faculdade de Economia - UFF
________________________________________________________
Profa. Dra. Virgínia Fontes
Departamento de História - UFF / ESPJV - Fiocruz
________________________________________________________
Prof. Dr. Alexis Saludjian
Instituto de Economia - UFRJ
________________________________________________________
Prof. Dr. Rubens Rogério Sawaya
Departamento de Economia - PUC-SP
Niterói (RJ)
27 de julho de 2012
iii
C824
Corrêa, Hugo Figueira de Souza
Teorias do imperialismo no século XXI : (in)
adequações do debate no marxismo / Hugo Figueira de
Souza Corrêa ; orientador Marcelo Dias Carcanholo.
Niterói, 2012.
247 f.
Tese (Doutorado em Economia) – Universidade
Federal Fluminense, 2012.
CDD 335.4
iv
Para meu pai,
Elmar Cardoso de Souza Corrêa
(in memorian).
v
AGRADECIMENTOS
Nos últimos quatro anos e meio, período em que essa tese foi concebida, muitas
coisas aconteceram. Entre minhas andanças no eixo Rio de Janeiro/Niterói/Uberlândia/
Campos/Vitória, deixei inúmeros débitos intelectuais e afetivos que dificilmente
caberiam no pouco espaço aqui presente para que fossem plenamente reconhecidas. A
todos que fizeram parte desse trabalho deixo, desde já, registrada minha gratidão. Peço
desculpas antecipadas por não poder citar todos, mas não posso deixar de mencionar
alguns nomes.
Ao professor Marcelo Carcanholo, com quem venho trabalhando desde o
mestrado, e que mais uma vez se mostrou decisivo para que esse trabalho tenha sido
possível. Sua orientação foi imprescindível, sempre disposto a ouvir ideias, discutir,
indicar novas referências e, quando necessário, lembrar-me que o trabalho que
estávamos desenvolvendo era factível.
Ao professor João Leonardo Medeiros, com quem tenho uma dívida intelectual e
profissional “impagável” e cujo incentivo foi fundamental para que este trabalho tenha
se concretizado. Desde os tempos em que orientou minha monografia, na graduação em
economia na UFF, João foi interlocutor, um professor e um amigo para mim e sou -lhe
grato por isso.
Ao professor Mario Duayer, cujo trabalho de excelência desenvolvido por anos
na UFF, apesar de todas as dificuldades, foi indispensável para que pudesse ter chegado
ao (início e ao) término deste doutorado. Acredito seriamente que essa tese jamais
poderia ter existido se não fosse fruto de um verdadeiro esforço coletivo, do qual em
parte me aproprio aqui, e que seria impensável sem o seu trabalho.
À professora Lérida Povoleri, minha eterna tutora, e ao professor André
Guimarães Augusto da UFF, que ao longo de todos esses anos foram interlocutores
excepcionais e amigos sempre presentes. Ao Programa de Educação Tutorial (PET-
Economia/UFF), que, ainda em meus tempos de graduação, possibilitou para mim o
desenvolvimento do interesse pela atividade acadêmica e pelo pensamento crítico.
Ao grupo de professores, pesquisadores e alunos que compõem o Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisas sobre Marx e o Marxismo (Niep-Marx/UFF), que tive a
felicidade de integrar nos últimos anos e que contribui com a formação de u m
pensamento crítico sobre a realidade que tentei desenvolver também em minha tese.
Agradeço em particular à professora Virgínia Fontes que mostrou sempre entusiasmo
com minha pesquisa e me ajudou a pensar nas múltiplas dimensões envolvidas no
debate sobre o imperialismo.
A todos os meus professores e colegas da pós-graduação, especialmente aos
amigos Paula, Rômulo, Eduardo, Rodrigo e Wellington, com os quais tive o prazer de
dividir disciplinas, discussões e momentos bons de descontração ao longo dos últimos
anos. Além disso, preciso agradecer aos funcionários da pós-graduação e da biblioteca,
em particular às amigas Mirian e Claudia, que me auxiliaram sempre que preciso.
Agradeço à professora Ana Urraca Ruiz que, na figura de coordenadora, foi sempre
solícita e atenciosa. Agradeço a Capes pelo apoio financeiro.
A todos os meus colegas do Departamento de Economia da UFES, e às
funcionárias Téthys e Romilda. Agradeço, sobretudo, aos professores Jorge Mendonça,
Helder Gomes, Maurício Sabadini, Paulo Nakatani, Reinaldo Carcanholo, Rogério
Faleiros e Vinícius Pereira e suas respectivas famílias, não só por me ajudarem com os
vi
problemas práticos de conciliar a redação de uma tese com as atividades docentes, mas
por tornarem minha vida em Vitória mais completa. Deixo ainda um agradecimento à
Luiza e, em especial, à menina Clarice, para que ela possa desde já se acostumar com
seu nome em trabalhos acadêmicos.
A minha família e amigos que estiveram sempre comigo, souberam compreender
minhas ausências, me incentivaram e ajudaram, inclusive, a lembrar que a vida não é
feita só de trabalho. Aos amigos Aldo, Bia, Daniel (Toddy) e Ju, Daniel (Petit), Cezar e
Manu, Paulo e Daniel (e a toda a família Duarte Silva), Rodrigo (Ayres) e família,
Rodrigo (Ashton) e à toda turma da fuzarca. Às famílias Aires Imbiriba e Di Maio
Bonente, especialmente a Lucia e Edu, Beto e Madê e à Luciana e ao (já nem tão)
pequeno Theo. A toda minha família, particularmente aos meus primos (e irmãos) da
“primeira geração”, Vitor e Guilherme.
Sou eternamente grato à minha mãe, Creuza Stephen Figueira, e à minha irmã,
Elisa Figueira de Souza Corrêa, por toda sua preocupação, seu apoio e carinho, por
todas as conversas e também pelo trabalho de revisão (realizado às pressas, por minha
culpa, mas com toda boa vontade).
Não existem palavras que possam expressar meus agradecimentos à Bianca, por
tudo que vivemos juntos nesses quase dez anos, por seu apoio em todas as horas, mas,
acima de tudo, por ser como é. Muito obrigado.
Por fim, devo agradecer aos meus tios Bira e Quica que tomaram a frente nas
decisões urgentes no momento mais crítico que já vivi. Essa tese é dedicada à memória
do meu pai, que sempre perguntava por ela, mas só depois de perguntar por mim e que,
infelizmente, não pôde lê-la. Obrigado.
vii
RESUMO
O presente trabalho tem como finalidade estudar a teoria do imperialismo a
partir dos problemas da periodização histórica do capitalismo, começando com as
teorias clássicas e seguindo para as teorias contemporâneas. Desde o ressurgimento do
debate em torno desse tema, no início do século XXI, a pergunta, nem sempre
formulada explicitamente, que se tenta responder é: será que, ainda hoje, a categoria
imperialismo pode ser utilizada com correção para descrever os fenômenos sociais em
curso? Esta tese busca, tomando como fundamento a obra de Marx e os desdobramentos
do debate clássico sobre o imperialismo, lançar bases para uma avaliação crítica das
propostas de recuperação da teoria do imperialismo, particularmente em seu debate
sobre as formas de periodização do desenvolvimento capitalista.
ABSTRACT
This work consists of a study of the Theory of Imperialism and the issues raised
by its proposal of historical periodization of the capitalist mode of production, starting
by imperialism’s ‘classical era’ in the end of XIXth century. Ever since the renewal of
this debate, in the beginning of XXIth century, the question always posed is: can the
category imperialism be used to understand the contemporary reality? This work
derives from Marx’s theory and form the development of classical debate over
imperialism to create a critical evaluation of the ‘new theories of imperialism’,
particularly looking at its relation to the question how to distinguish the history of
capitalist phases.
viii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
ix
3.3. BREVE NOTA SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES IDEOLÓGICAS: O “FIM DAS IDEOLOGIAS” COMO IDEOLOGIA DO
CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 145
CONCLUSÃO 216
REFERÊNCIAS 226
x
LISTA DE FIGURAS, MAPAS, QUADROS E TABELAS
xi
INTRODUÇÃO
1
expansionismo inglês com base em uma necessidade “natural” de dar vazão à ampliação
de um “excedente populacional” era quase invertida: os “vencedores” eram na verdade
como que parasitas sociais, conduzindo nações inteiras a guerras de conquista e a
“exploração” econômica das nações mais fracas em nome exclusivamente de seus
interesses privados. As teorias marxistas do imperialismo iriam, partindo dessa
caracterização de Hobson, aprofundar a análise das determinações por ele apontadas e
olhar para esse processo como o sinal da emergência de uma nova era do
desenvolvimento capitalista.
Essa nova fase do desenvolvimento capitalista teria tido início no último quarto
do século XIX, logo ainda no período de vida de Marx, embora o imperialismo nunca
tenha figurado no rol de categorias utilizadas por ele. Como gostam de lembrar alguns
estudiosos do assunto, mesmo considerando uma definição abrangente de imperialismo,
Marx teria tratado do assunto apenas em escassas oportunidades. A mais lembrada (e
mais controversa) delas estava presente em alguns artigos jornalísticos sobre a ocupação
britânica na Índia. 1 Mas não foi desses escritos que as teorias clássicas do imperialismo
partiram em sua análise.
1
Cf. Marx & Engels (1973). Os artigos são hoje controversos porque deixavam transparecer um
ajuizamento positivo (progressista) da política colonial. Uma análise interessante sobre o percurso do
pensamento marxiano acerca dos problemas coloniais, que foram de uma valoração quase positiva do
“papel civilizatório” do colonialismo, sustentada até o fim da década de 1850, a uma postura crítica dessa
política e mais simpática para/com os povos dominados, pode ser vista em Kohan (2003).
2
Como é sabido, Marx não chegou a concluir propriamente O capital; em vida editou apenas o primeiro
livro e deixou indicações e manuscritos que permitiram a publicação dos demais, embora estivessem
ainda em formato “bruto” – especialmente, comparado com o exaustivo trabalho de “lapidação” que ele
mesmo dispensou ao primeiro livro. Rosdolsky (2001, p. 61) registra que em 1858 o plano de obra de
2
Foi em virtude desse caráter inconcluso que surgiram propostas de continuação
desta obra entre os marxistas. Dois motivos levariam diversos analistas a crer que seria
papel da teoria do imperialismo ocupar esse lugar, como a continuação de O capital.
Em primeiro lugar, porque alguns planos de obra de O capital indicavam que o autor
pretendia dedicar os últimos volumes da obra às análises do comércio exterior e do
mercado mundial. Em segundo, porque se reconhecia que o método de exposição dos
argumentos no livro partia de categorias abstratas e ia sempre mais em direção ao
concreto. A teoria do imperialismo seguiria essa perspectiva de concretização porque
olhava diretamente para o desenvolvimento histórico do capitalismo. Nos termos de
Karl Kautsky (1911): “Dentre a literatura marxista – dentre todas as obras dessa
literatura, de fato – um dos mais notáveis fenômenos é o livro escrito por Hilferding
sobre o capital financeiro. Em certo sentido ele pode ser considerado uma continuação
de O capital de Marx”.
Como fica claro nas linhas supracitadas, embora se baseasse teoricamente nas
pistas deixadas pelo trabalho de Marx, Hilferding e os demais teóricos do imperialismo
pretenderam continuar o empreendimento marxiano por meio de uma concretização
Marx era composto por: I. O capital; II. A propriedade fundiária; III. O trabalho assalariado; IV. O
Estado; V. O comércio exterior; e VI. O mercado mundial. Note-se, porém, que a partir das notas sobre
outras estruturas pensadas por Marx para O capital, alguns estudiosos defendem que esse plano não
quedou apenas incompleto mas foi conscientemente abandonado pelo autor. As razões que teriam levado
Marx a reformular seus planos permanecem apenas especuladas, porém, e poderiam ir desde a percepção
da ausência de tempo para cumprir tal projeto à decisão de apenas incorporar tais temáticas em outros
momentos da obra.
3
histórica que desse conta da evolução do capitalismo depois do período de Marx,
supostamente marcado pela emergência do capital financeiro e pela “supressão da livre-
concorrência”. Só que na passagem também fica claro que Hilferding coloca sua obra
em uma trajetória de desenvolvimento linear com relação à de Marx (e, pior, de todo o
“sistema teórico da Economia Política”), em vez de localizar seu estudo em um plano
diverso. O problema é que, como uma análise cuja proposta era de observar o
desenvolvimento historicamente concreto do capitalismo, a teoria do imperialismo se
localizava em nível de abstração diferente daquele proposto por Marx. Uma
observação de Harvey (2006a, p. 65. Grifos nossos.) ajuda a entender:
4
teorias contemporâneas do imperialismo reagiram a toda essa retórica relembrando as
semelhanças entre esses processos e aqueles vividos um século antes.
5
insuficiência essa que, para piorar, por vezes ecoa procedimentos das primeiras teorias
do imperialismo.
Uma vez concluída essa primeira etapa, a Parte II da tese passa a olhar para os
desenvolvimentos posteriores da teoria do imperialismo. O Capítulo 3 tentará desenhar
um panorama amplo das transformações socioeconômicas e políticas do século XX,
com a preocupação de oferecer dados sobre os quais se apoiam atualmente as diferentes
visões que acreditam em uma nova fase (contemporânea) do capitalismo. Já o capítulo
4, tem como objeto de análise a evolução da teoria do imperialismo depois de seu
período clássico, procurando especialmente expor as novas teorias do imperialismo e
sua relação com os problemas da demarcação histórica do desenvolvimento capitalista.
Desse modo, o critério utilizado para tratar das teorias contemporâneas do imperialismo
6
foi sua avaliação a respeito da relação entre o imperialismo e a “fase” presente do
capitalismo: se as mudanças engendradas no capitalismo contemporâneo permitem
qualificar essa era como uma nova fase do capitalismo (dentro da qual o imperialismo
estaria, portanto, superado); se, a despeito das diferenças, o capitalismo permanece em
sua “fase imperialista”, ainda que as transformações possam ter engendrado um novo
momento histórico dentro do imperialismo, isto é, uma subfase do imperialismo; ou se a
única perspectiva teórica adequada para tratar do imperialismo é sua separação com
relação aos problemas envolvidos na periodização do capitalismo.
7
PARTE I:
MARX E A TEORIA CLÁSSICA DO IMPERIALISMO
8
CAPÍTULO 1:
A LEI DE MOVIMENTO DA PRODUÇÃO CAPITALISTA
3
Esta seção é tributária de uma perspectiva sobre a ontologia de Marx baseada em Lukács (1979), bem
como na elaboração dos principais problemas contidos em Bhaskar (2005). A respeito deste, convém
destacar que, embora não esteja especificamente descrevendo a perspectiva marxiana, é possível observar
uma convergência entre a ontologia por ele defendida (o realismo crítico) e a de Marx. Essa convergência
foi destacada por Duayer e Medeiros em diversos artigos: cf., por exemplo, Duayer (2001), Duayer,
Medeiros & Painceira (2001), Duayer & Medeiros (2007). Além disso, vale observar que para esta seção
nos baseamos amplamente também na sistematização dos assuntos aqui tratados e presentes também na
primeira parte do trabalho de Medeiros (no prelo).
4
É importante frisar: nossa breve exposição sobre o assunto deve passar razoavelmente ao largo de duas
questões importantes. Em primeiro, não trataremos (a não ser quando for indispensável ao argumento) as
semelhanças e diferenças entre leis sociais e naturais. Em segundo, é importante destacar que nosso
objetivo primário é fazer uma descrição da ontologia de Marx, isto é, seu entendimento sobre a forma de
ser do mundo que permite conceber a existência de leis que regulam o mundo (sem com isso eliminar seu
caráter inegavelmente histórico e não-preditivo, como se verá), porém nessa descrição não trataremos de
modo mais pausado de uma questão diretamente correlata: as condições de conhecimento sobre o mundo,
10
Um dos mais característicos traços da ontologia marxiana é a defesa da
prioridade do mundo existente (em si mesmo) sobre as condições de conhecimento
deste. Nesse tocante, não é demais lembrar que, por simplória que possa parecer a
afirmação da pré-existência do mundo com relação ao conhecimento, a história da
filosofia é pródiga em afirmações do contrário, sobretudo se falamos do mundo social,
da sociedade – sendo uma das mais notáveis concepções o idealismo típico de Hegel,
contra o qual Marx ainda em sua juventude havia se insurgido. Como de costume,
entretanto, o autor não apenas desqualifica o idealismo, mas explica sua origem com
base na própria forma de ser da realidade. Assim, para Marx (2011, p. 54-55), viria da
necessidade de reconstituir (idealmente) o mundo por meio do pensamento a “ilusão
hegeliana” de “conceber o real como resultado do pensamento que sintetiza-se em si,
aprofunda-se em si e movimenta-se a partir de si mesmo, enquanto o método de
ascender do abstrato ao concreto é somente o modo do pensamento de apropriar-se do
concreto, de reproduzi-lo como um concreto mental. Mas de forma alguma é o processo
de gênese do próprio concreto”. Entende-se, assim, porque ficou conhecida, antes de
tudo, como materialista a ontologia marxiana. 5
ou seja, questões de epistemologia. Os leitores que se interessarem por ambos os temas, entretanto,
encontrarão boas fontes de pesquisa nas principais referências aqui utilizadas (ver nota anterior).
5
Sua crítica ao idealismo hegeliano foi apresentada de forma sistemática primeiramente nas Teses contra
Feuerbach e na Ideologia alemã (escritas em 1845-46). Ali, Marx (2007, p. 32) deixa clara a razão pela
qual se pode distinguir sua ontologia tanto do idealismo hegeliano quanto de outras formas de
materialismo (cuja filosofia partia de um indivíduo abstrato, contraposto à sociedade, e de natureza
anistórica), como aquela de Feuerbach: “Na medida em que Feuerbach é materialista, nele não se
encontra a história, e na medida em que toma em consideração a história ele não é materialista. [...] Em
relação aos alemães [i.e. os “hegelianos de esquerda”, contra os quais Marx está polemizando], que se
consideram isentos de pressupostos, devemos começar por constatar o primeiro pressuposto de toda a
existência humana e também, portanto, de toda a história, a saber, o pressuposto de que os homens têm de
estar em condições de viver para poder ‘fazer história’. Mas, para viver, precisa-se, antes de tudo, de
comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, pois, a produção
dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem
dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como há
milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos.”
6
No registro do filósofo britânico Roy Bhaskar (2005, p. 9 et seq.) tal propriedade (de relativa
independência das coisas com relação ao conhecimento que temos sobre elas) é apreendida pelo conceito
de intransitividade. Ver também Lukács (1979, p. 16).
11
Contudo, a possibilidade de tratar o mundo especificamente social, isto é, a sociedade
enquanto ente objetivo encontra resistência em diversas concepções, mesmo que
materialistas. Esse seria particularmente o caso de ontologias que, ainda que
materialistas, se apoiassem num método empirista. Para tais ontologias, portanto, a
existência ou não de certo objeto só pode ser afirmada caso este seja apreensível pelos
sentidos. O atomismo social, perspectiva que vê na sociedade um construto ideal, ou o
mero conjunto de indivíduos, nos serve aqui como um caso desse tipo de perspectiva.
Mesmo não sendo o tema principal da presente seção, é preciso observar que a
incorreção de tal perspectiva se põe a nu quando se observa que todo agir individual
necessariamente pressupõe certas condições sociais pré-existentes a si. Nos termos de
Bhaskar (2005, p. 30), “todos os predicados que designam propriedades especiais da s
pessoas pressupõem um contexto social para seu emprego. Um membro da tribo implica
uma tribo, sacar um cheque, um sistema bancário. A explanação, por subsunção a leis
gerais, alusão a motivos e regras, ou por redescrição (identificação), sempre envolve
predicados irredutivelmente sociais”. 7 Além disso, a história das ciências sociais mostra
que frequentemente a oposição ao individualismo tendeu a exagerar o papel das
estruturas sociais, tentando transformar cada ação singular em resultado direto do meio
social. Em grande medida os problemas surgem, portanto, da (aparentemente insolúvel)
antinomia filosófica que contrapôs indivíduo e sociedade – ora substantivando
indivíduos e contrapondo-os à sociedade (assim figurada como mero construto ideal),
ora transitando ao extremo oposto e reduzindo cada ato individual à condição de
simples reflexo das estruturas sociais. 8 Assumida a primeira perspectiva, mesmo quando
se considerasse possível a afirmação de leis sociais, tornar-se-ia necessário reduzi-las ao
“comportamento humano” (individual). Assumida a última, perder-se-ia de vista
qualquer papel do componente subjetivo, conferindo às leis um caráter absolutizado.
12
própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua
escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas
pelo passado”. Assim, não seria possível nem ignorar o papel ativo do homem (em fazer
a história), nem conferir a este um poder absoluto: as estruturas sociais pré-existem ao
indivíduo, mas a sociedade só pode existir pelo agir individual – que potencialmente
reproduz ou transforma a sociedade. 9 Outra forma de conceber a questão seria, com
Marx e Lukács, compreender a relação indivíduo-sociedade à luz da relação dialética
entre as categorias da universalidade, particularidade e singularidade. Como posto na
Introdução à estética marxista de Lukács (1978, p. 93),
Desse modo, não seria possível encarar as estruturas sociais como reflexo direto
dos atos sociais, não obstante a trivialidade de que não existiriam sociedades sem
indivíduos. Aqui convém apenas enfatizar, em conformidade com o que já foi dito, o
equívoco de um silogismo que quisesse reduzir o resultado provocado por legalidades
sociais à intencionalidade posta nos agires individuais (em virtude de ser a atividade
humana uma atividade consciente). Mesmo sem entrar em maiores detalhes a este
respeito, basta lembrar que há em Marx um sem-número de exemplos da divergência
entre o objetivo pretendido pela prática individual e o resultado social de tais práticas. 10
9
Os termos de apresentação do problema estão seguindo, de modo mais ou menos livre, a sistematização
de Bhaskar (2005, p. 39 passim), mas essa questão também foi tratada com perspectiva semelhante por
diversos outros autores. Cf., por exemplo, Lukács (1979, p. 84 passim).
10
Alguns exemplos desse tipo de situação, na ontologia marxiana, podem ser encontrados nas seções
seguintes. Bhaskar (2005, p. 42) observa que é “preciso se precaver para não extrair conclusões do tipo:
‘a sociedade só existe em virtude da atividade humana. A atividade humana é consciente. Portanto, a
consciência provoca mudança’. Porque (a) as mudanças sociais não precisam ser conscientemente
intencionadas e, (b) se há condições sociais para a consciência, as mudanças na consciência em princípio
podem ser socialmente explicadas”. Da mesmas forma, Lukács (1979, p. 52) afirma: “o agir social, o agir
econômico dos homens abre livre curso para forças, tendências, objetividades, estruturas, etc., que
nascem decerto exclusivamente da práxis humana, mas cujo caráter resta no todo ou em grande parte
incompreensível para quem o produz. Referindo-se a um fato tão elementar e cotidiano, como o
13
Em conclusão, não obstante o caráter não-empírico das estruturas sociais (isto é,
não imediatamente capturáveis pelos sentidos humanos), temos em Marx a defesa da
sociedade como ente objetivo. Já explicamos anteriormente (ver nota 2) que não nos
dedicaremos aqui às questões epistemológicas envolvidas em tal descrição do mundo,
mas note-se de passagem que o fato de serem não-observáveis não torna impossível a
apreensão de objetos (sociais ou naturais). A diferença é que enquanto entes
empiricamente observáveis são capturáveis pela experiência sensível dos seres
humanos, entes não-empíricos só podem ser apreendidos por seus efeitos. 11
nascimento da troca simples entre produtos do trabalho segundo a relação de valor, Marx diz: os homens
‘não sabem que o fazem, mas o fazem’ ”.
11
Para maiores detalhes sobre o conceito de “critério causal”, ver Bhaskar (2005, p. 13).
14
múltiplas determinações”, 12 a apreensão de suas leis de movimento aparece como o ato
de desvendar tendências existentes no interior de um complexo ou nas inter-relações
entre os distintos complexos que compõem essa totalidade. Nos termos de Lukács
(1979, p.104. Grifos nossos.): “do ponto de vista ontológico, legalidade significa
simplesmente que, no interior de um complexo ou na relação recíproca de dois ou mais
complexos, a presença factual de determinadas condições implica necessariamente,
ainda que apenas como tendência, determinadas consequências”.13
12
Cf. Marx (2011, p. 54).
13
E continua o autor, dirigindo-se à questão da produção de conhecimento e, em última instância, ao
próprio processo de gênese da ciência: “quando os homens conseguem enxergar essa conexão, fixando no
pensamento as circunstâncias de sua necessária repetibilidade, então a chamam de conexão racional. Se,
como ocorre relativamente cedo, são fixadas muitas conexões desse tipo, surge paulatinamente um
aparelho conceptual para apreendê-los e emprestar-lhes uma expressão ideal que seja a mais exata
possível” (Ibidem, p. 104-105).
14
Note-se: essa concepção apresenta o mundo como algo estratificado em três esferas – a empírica
(formada exclusivamente por objetos sensíveis), a efetiva (domínio dos eventos, não necessariamente
percebidos pelos homens) e a real (formada pelas estruturas que geram os eventos) – e, portanto,
nenhuma dessas esferas poderia ser reduzida à anterior. Segundo Lawson (2006, p. 62. Tradução de
Mario Duayer): “a realidade não apenas é aberta mas também estratificada, o real (incluindo o necessário
e o possível) é irredutível ao domínio do efetivo (instâncias do possível, o curso efetivo dos eventos), que,
por sua vez, é irredutível ao empírico ou conceitual”.
15
resultante ser, inclusive, contrário àquele da tendência mais geral. Para além disso, é
preciso lembrar que, especialmente no caso das estruturas sociais (pelo fato de o agir
humano ter como traço marcante a decisão entre alternativas), uma tendência qualquer
poderia sempre ser obstada pelo acaso. Segundo Lukács (2010, p. 118):
A ideia de que toda lei social é uma lei de tendência ajuda em muito a dirimir
injustificados preconceitos sobre a existência de um suposto determinismo no
pensamento marxiano. 16 Esse determinismo apresentar-se-ia, em primeiro lugar, na
ideia de uma determinação última das leis econômicas sobre outras esferas da vida
social, cujo fundamento seria a famosa metáfora da relação entre base (econômica) e
superestrutura (extraeconômica); em segundo lugar, ele assumiria também a forma de
uma leitura teleológica da história na medida em que Marx teria defendido que o
desenvolvimento das contradições capitalistas conduziria a humanidade
inexoravelmente ao comunismo.
16
econômica na perspectiva marxiana não se relaciona a uma sobredeterminação de todas
as esferas pela economia, mas sim à noção de que outras esferas da vida social não
poderiam existir sem a esfera econômica (enquanto o contrário não é verdadeiro). 17
Nesse sentido, deve-se concordar com Ellen M. Wood (2003, p. 51) quando ela sugere
que “A metáfora base/superestrutura sempre gerou mais problemas que soluções”,
particularmente quando dessa ideia economicista se fez derivar leituras deterministas da
história.18
17
Cf. Lukács (1979, p. 30).
18
A forma mais frequente dessa teleologia marxista da história seria constituída – tomando-se
especialmente certas afirmações de Marx & Engels (1998, passim) no Manifesto comunista – em torno da
ideia de que as contradições entre forças produtivas e relações de produção são o “motor da história”:
dessa contradição (posta na “base” econômica) resultaria toda história da humanidade e, uma vez que ela
atingiria seu mais alto grau no capitalismo, sua eclosão traria a superação desse modo de produção. Não
pretendemos discutir aqui as possíveis limitações do texto, cujo intuito era sabidamente panfletário – não
em sentido pejorativo, mas sim no de ser material não apenas de análise científica, mas também de
conteúdo inteligivelmente otimista em prol de certa mobilização política. Ademais, também nesse caso é
preciso separar Marx de certas interpretações marxistas – nesse sentido, concorda-se com Fontes (1998, p.
162) quando esta observa que a afirmação de que a “história de todas as sociedades tem sido a história da
luta de classes”, sustentada por Marx & Engels no Manifesto, “teve leituras dogmáticas e impositivas,
buscando a aplicação à la lettre em toda e qualquer circunstância no tempo, transformada em ‘receita de
bolo’ da qual se ausentava a reflexão. Gerou-se assim a famosa ‘teoria das etapas’, em que se levava em
consideração uma, e apenas uma, disputa entre classe dominante e dominada em cada período.
Abandonavam-se os próprios pressupostos de Marx em nome de uma pretensa aplicação positiva de seus
princípios. No entanto, a riqueza da afirmação permanece intocada. Não é possível pensar o processo
histórico e suas transformações sem levar em consideração as formas de estruturação dos conflitos
sociais”.
17
sob a forma de apontamentos, o seguinte: “Essa concepção aparece como um
desenvolvimento necessário. Mas justificação do acaso.” Já esse papel do
acaso no interior da necessidade das leis é algo unitário tão-somente do ponto
de vista lógico-gnosiológico, onde o acaso – mesmo se de modo diverso em
sistemas diversos – é entendido como antítese ideal, por vezes até integrativa,
da necessidade. Do ponto de vista ontológico, ao contrário, o acaso se
apresenta – de acordo com a heterogeneidade da realidade – sob formas
extremamente variadas: como desvio da média, ou seja, como dispersão nas
leis estatísticas; como relação heterogênea-casual entre dois complexos e
suas legalidades, etc. Ademais, deve-se aduzir – enquanto traço particular do
ser social – o caráter de alternativa das posições teleológicas individuais, que
estão imediatamente na base desse tipo de ser. Com efeito, nelas é
ineliminável a presença (sob vários aspectos) do acaso.19
19
Pouco adiante, Lukács retoma a questão, questionando o papel que a elaboração de Engels poderia ter
tido em certas compreensões (marxistas) equivocadas a esse respeito. Segundo ele, “para Marx – e
habitualmente também para Engels – a historicidade é uma característica ontológica não ulteriormente
redutível do movimento da matéria, particularmente marcada quando, como é o caso aqui, trata-se
exclusivamente do ser social. As leis mais gerais desse ser podem também ser formuladas em termos
lógicos, mas não é possível referi-las ou reduzi-las à lógica. E que, no texto citado, Engels faça
precisamente isso, é algo demonstrado já pela expressão ‘elementos ocasionais perturbadores’; no plano
ontológico, algo ocasional pode muito bem ser portador de uma tendência essencial, embora em termos
de lógica pura o acaso seja sempre entendido como elemento ‘perturbador’ ” (LUKÁCS, 1979, p.115).
20
Para um debate mais aprofundado sobre a necessária existência de direção na mudança, cf. Lukács
(1979, em especial, o capítulo 3). Não pretendemos aprofundar aqui tais questões, mas note-se de
passagem que a direção posta à processualidade do ser social permite a Lukács identificar certas
tendências ultragenéricas de desenvolvimento dessa forma de ser, quais sejam, (i) o recuo das barreiras
18
Ao longo desta seção tentamos defender que, em Marx, leis sociais devem ser
consideradas como mecanismos causais objetivos, mesmo que não empíricos, e
históricos. Antes de passar às próximas seções, nas quais se deverá descrever a “lei
econômica de movimento da sociedade capitalista”, convém concluir esta parte do
argumento observando que parte das teorias do imperialismo (cuja análise deve começar
no capítulo seguinte) associou este fenômeno à emergência de uma nova fase do
desenvolvimento capitalista. Com base no que acabamos de discutir, tal proposição
equivale a afirmar que as estruturas sociais capitalistas se mantiveram, mas sobre elas
emergiram novas estruturas, irredutíveis às anteriores, que determinam novas leis de
operação, particulares a essa nova fase histórica. Antes de discutir mais detalhadamente
tal questão, entretanto, que será tratada em outra parte desta tese, vejamos melhor como
é descrita por Marx a lei de movimento do modo de produção capitalista.
naturais, isto é, o crescente afastamento do ser social com relação à sua base natural ineliminável, por
meio da emergência de categorias cada vez mais puramente sociais; (ii) o aumento da força produtiva do
trabalho; e (iii) a formação do gênero humano. Por fim, observe-se que embora tal imagem de mundo
permita afirmar um progresso objetivo ao longo da história humana, ela de modo algum é incompatível
com o simultâneo retrocesso em certas esferas (complexos) da vida social, configurando aquilo que Marx
chamou de desenvolvimento desigual. Sobre este tema, ver também a sistematização proposta por
Bonente (2011).
19
O problema do valor pode ser tido como uma das principais controvérsias de
toda teoria social, além de ser o grande debate travado no interior da ciência econômica
em seu contexto de surgimento. Confrontada com uma sociedade em que as trocas
ocupavam um lugar cada vez mais central, a Economia Política Clássica se viu forçada
a oferecer explicação ao ato singular da troca, justificando, em simultâneo, o modo
como era criada e distribuída a riqueza da sociedade. Mas a centralidade da troca
mercantil não era encarada por estes como ato historicamente novo, ao contrário, sua
análise dirigia-se a um sujeito abstrato (um Robinson Crusoé, na metáfora sempre
lembrada) que produzia e trocava desde tempos imemoriáveis, tendo no mercado,
portanto, uma espécie de segunda natureza. Uma vez naturalizado o ato da troca, o
debate passava a girar em torno da explicação das determinações qualitativas (sobre o
que compõe) ou quantitativas do valor (isto é, das proporções pelas quais se trocavam as
mercadorias). Mas nunca se colocaria a questão fundamental de por que as coisas
possuem valor.
20
De modo sucinto, a mercadoria seria algo duplo em virtude do fato de ser ela
uma unidade contraditória de valor de uso, coisa concreta, útil; e valor, isto é, mero
invólucro de trabalho humano abstrato ou, mais precisamente, a forma assumida pelo
trabalho nessa formação social. Simultaneamente, tão logo a riqueza social assumisse a
forma mercantil, sua determinação quantitativa passaria a tomar uma forma temporal, a
ser medida pelo tempo de trabalho socialmente necessário à produção das mercadorias.
Marx descreve o valor como uma propriedade (social) não aparente das
mercadorias. 21 Nesse sentido, embora propriedade imanente das mercadorias, o valor
revelar-se-ia apenas na comparação entre mercadorias, através, portanto, de seu valor de
troca. Por isso, Marx sugere que embora a duplicidade da mercadoria apareça sob a
forma de valor de uso e valor de troca, posteriormente este, o valor de troca, mostra ser
na realidade forma de manifestação do valor. O argumento do autor segue adiante para
demonstrar que o valor, que se expressa inicialmente já na troca simples entre
mercadorias, encontra sua mais acabada forma de expressão no corpo do dinheiro
(Ibidem, p. 66 et seq.). 22 A mercadoria monetária, ocupando o posto de equivalente
geral, cederia seu corpo para nele representar o valor de todas as outras mercadorias,
porém nessa exata medida tornar-se-ia forma externa de manifestação da contradição
interna das mercadorias (como valor e valor de uso). 23
21
A analogia sugerida pelo autor é a que ocorre no processo de pesagem, no qual apenas quando posta em
relação a outro objeto, uma coisa pode revelar esse seu atributo natural. Cf. Marx (1985, p. 60).
22
Deve-se observar que afirmar o dinheiro como a “forma mais acabada” de expressão do valor não
significa que seu desenvolvimento se encerre aí, i.e. não continue encontrando formas cada vez mais
complexas e mais puramente sociais. Basta observar que a moeda cunhada, na qual se cria já uma
separação entre o corpo físico da mercadoria dinheiro e sua função de representar o valor das outras
mercadorias, é em si mesma uma complexificação desse processo – que, sem embargo, continua a
desenvolver-se com a moeda fiduciária e, daí em diante, chegando até formas absolutamente
desmaterializadas, como é possível verificar atualmente.
23
Como observa Marx, ainda na apresentação da forma “simples, singular ou acidental” de expressão do
valor, é peculiar à forma equivalente que (1) o valor de uso torne-se forma de expressão de seu contrário,
o valor; que (2) o trabalho concreto torne-se forma de expressão de seu contrário, trabalho humano
abstrato; por fim, que (3) o trabalho privado torne-se forma de existência de seu contrário, trabalho
diretamente social (Ibidem, p. 59-61).
24
Poucos pontos da teoria marxista despertaram debates tão inflamados quanto o problema em torno do
valor – aliás, centrou-se justamente aí a mais conhecida crítica a essa perspectiva, elaborada ainda no fim
21
torno da “relevância da lei do valor” em Marx, graças a sua suposta diferença com
relação à “dinâmica dos preços”, convém tecer algumas considerações que permitam
apenas esclarecer que, segundo a interpretação aqui defendida, a diferença entre valores
e preços (ou o fato de serem valores objetos não empíricos) de modo algum invalida a
lei do valor. 25
do século XIX pelo austríaco Böhm-Bawerk, segundo quem a “teoria do valor-trabalho” desenvolvida por
Marx (no Livro I de O capital) seria incompatível com sua descrição da dinâmica dos preços (do Livro
III). O problema da transformação dos valores em preços, como ficou conhecido o debate assim
estabelecido, suscitou resposta quase imediata por parte dos marxistas e permaneceu frutificando tanto
dentro quanto fora desta tradição, numa polêmica que encontra eco ainda nos dias de hoje. Mesmo não
sendo nosso interesse estabelecer aqui um debate com tais perspectivas críticas, para uma descrição
completa da lei do valor devemos observar que quaisquer tentativas de encontrar uma “equação que
transformasse valores em preços” baseiam-se em uma leitura não-dialética, distante, portanto, da
perspectiva marxiana. Aqueles que tiverem interesse no debate, cf. Böhm-Bawerk (1949) e Hilferding
(1949). Ver também as sínteses produzidas por Shaikh (1991, capítulo 2) e Borges Neto (2002, capítulo
4) e a bibliografia ali referida.
25
Apenas a título de ilustração, note-se que a não compreensão da teoria do valor marxiana conduz quase
inevitavelmente no estudo sobre imperialismo, como em qualquer ramo de discussão sobre teorias
marxistas, a deformações das teorias que se pretende analisar. Uma passagem extraída de Brewer (1990,
p. 27. Tradução e grifos nossos.), autor de uma obra de referência sobre as teorias marxistas do
imperialismo, ajuda a ilustrar como é possível construir uma análise viesada com base em um
desinteresse quase total pela teoria estudada por ele mesmo: “a teoria do valor-trabalho tem sido alvo de
muitos debates. A dificuldade em usar valores como trabalho é que bens, de fato, não se trocam por seus
valores em uma economia capitalista; eles se trocam por seus preços de mercado que flutuam em torno
dos preços de produção. [...] Muito poucas teorias do imperialismo dependem realmente da teoria do
valor-trabalho, então valores podem ser tratados simplesmente como um modo conveniente de expor a
teoria de Marx [sic.]. Suas principais proposições poderiam ser reafirmadas em termos de outra teoria dos
preços [...]. O coração da teoria de Marx, sua percepção das relações sociais do capitalismo, não
depende da teoria do valor-trabalho [sic!]”.
26
Aliás, vale enfatizar que essa diferença já estaria pressuposta mesmo antes disso. Uma mesma
mercadoria pode ser produzida por distintos capitais, com produtividades diferentes, portanto, com
valores (“individuais”) distintos, ainda que o valor de mercado dessa mercadoria seja um só, a saber, o
tempo de trabalho socialmente necessário.
22
taxa média de lucro sobre parte do adiantamento de capital (o capital circulante mais a
parte do capital fixo que entra na produção, chamada por Marx de preço de custo das
mercadorias). 27 A própria formação da taxa média, como média das diferentes taxas de
lucro, pressupõe a desigualdade dos capitais, logo o preço de produção formado pela
igual aplicação dessa taxa média a capitais de diferentes composições em valor
demonstra a necessidade de diferirem em quantidade valores e preços de produção (a
não ser para o caso particular de capitais que apresentem composição média). Contudo,
note-se: a despeito de o valor de mercadorias individuais estarem constantemente acima
ou abaixo do preço de produção, de acordo com os desvios existentes entre a
composição dos capitais individuais e sua composição média, desde o ponto de vista da
totalidade mantém-se a igualdade entre ambos (Ibidem, p. 125).
27
Já na categoria preço de custo poder-se-ia verificar a diferenciação com relação aos valores: “o custo
capitalista da mercadoria mede-se no dispêndio em capital, o verdadeiro custo da mercadoria no
dispêndio em trabalho. O preço de custo capitalista da mercadoria é, portanto, quantitativamente
diferente de seu valor ou de seu verdadeiro custo”. (MARX, 1986, p. 24)
28
Cf. Marx (1986, p. 135 et seq.).
23
É nesse sentido que Marx procura demonstrar que toda e qualquer tentativa de
compreender a determinação dos preços com base exclusivamente nas forças de oferta e
demanda deve chegar a uma tautologia vazia, cujo resultado final repousa sobre o
equilíbrio dessas forças. Essa conclusão, contudo, apenas revelaria a incapacidade de
explicar pelas forças de mercado o movimento dos preços. Observa o autor:
A determinação dos preços pela lei do valor deve ser entendida, é claro, como já
procuramos discutir na seção anterior, apenas como tendência. Efetivamente, mesmo
que se considerasse a possibilidade (abstrata) de que as mercadorias fossem vendidas
exatamente por seus valores, resultariam daí taxas de lucro as mais diversas – variando
em função da própria disparidade na composição orgânica dos capitais, no grau de
exploração, na velocidade de rotação etc. – tornando assim mais ativo o impulso dado
pela concorrência à equalização das taxas de lucro que se realiza na equiparação dos
capitais em si desiguais, e pressupõe, portanto, a divergência (como caso predominante)
de valores e preços. Isso não elimina de modo nenhum a relevância da lei do valor, mas
é consequência imediata da própria diferença entre a essência de qualquer fenômeno e
sua forma de manifestação. Aliás, Marx (1985, p. 92), ainda no Livro I, havia observado
que a “possibilidade de uma incongruência quantitativa entre o preço e a grandeza de
valor ou da divergência entre o preço e a grandeza de valor é, portanto, inerente à
própria forma preço. Isso não é um defeito dessa forma, mas torna-a, ao contrário, a
forma adequada a um modo de produção em que a regra somente pode impor-se como
lei cega da média à falta de qualquer regra”.
24
Finalmente, vale observar que, apesar da divergência entre valor e preço, reside
na natureza do primeiro a explicação para o movimento do último. Toda vez que uma
mercadoria tem seu valor inferior ao preço de mercado é realizado, para seu produtor,
um mais-valor extraordinário (ou um superlucro), dando ensejo à disputa entre capitais
que forçaria os preços de mercado para baixo – o contrário ocorrendo, caso o valor fosse
superior ao preço de mercado. 29 Em suma, os valores seriam os eixos sobre os quais
flutuam os preços de produção e, por isso, observa Marx (1986, p. 139), a “lei do valor
domina seu movimento [dos preços], no sentido de que a diminuição ou o aumento do
tempo de trabalho exigido para a produção faz cair, ou respectivamente subir, os preços
de produção”.
Feita essa breve digressão, é preciso voltar ao assunto que mais diretamente
importa agora, qual seja, as consequências sociais da forma de valor assumida pelo
trabalho sob o modo de produção capitalista. O trabalho é descrito em Marx como ato
fundamental de mediação da relação entre homem e natureza, ato fundamental da
própria reprodução da existência humana, portanto. Sob o ponto de vista concreto, o
trabalho se destina simplesmente a produzir coisas úteis, capazes de satisfazer as mais
distintas necessidades, de responder aos mais variados anseios da humanidade. Mas
uma vez que a troca mercantil assume a posição de ato mediador entre a produção de
coisas úteis e a satisfação de necessidades sociais, as coisas já não podem ser encaradas
exclusivamente sob aquele ponto de vista. Como produtores de mercadorias os
indivíduos passam a se enxergar não como sujeitos que trabalham para reproduzir sua
existência social, mas como sujeitos autônomos uns com relação aos outros. Cada um
produz (privadamente) coisas a serem levadas ao mercado, onde serão trocadas por
outras de acordo com seu valor. O caráter social de seu trabalho fica, portanto, velado
sob a forma de trabalho privado produtor de mercadorias. Nas palavras do autor:
29
O conceito de mais-valor extraordinário, bem como o locus da concorrência na teoria marxiana, serão
tratados com maiores detalhes adiante.
25
entre os produtores. Por isso, aos últimos aparecem as relações sociais entre
seus trabalhos privados como o que são, isto é, não como relações
diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, senão como
relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas. (MARX,
1985, p. 71)
Com base na descrição até aqui elaborada já é possível destacar aquele que
constitui um dos traços distintivos dessa formação social: o fato de que os homens
30
Cf. Marx (1985, p. 71).
26
relacionam-se entre si apenas por meio de seu trabalho, não de modo direto, mas na
forma externa (estranha) que este trabalho assume quando objetivado na mercadoria – o
que nos permite, portanto, acentuar a importância da categoria estranhamento para a
análise marxiana.31 A contradição entre trabalho privado e trabalho social determina que
a própria sociedade torne-se para os sujeitos algo estranho, que só existe fora de si e
com a qual os sujeitos não podem manter outra relação que não a tentativa de apropriar-
se em benefício próprio. 32
Marx descreve tal fenômeno como um processo que não é evidente por si
mesmo, como uma relação que tem lugar “às costas” daqueles que a carregam. Os
produtores não iriam ao mercado com a finalidade de igualar seus trabalhos, reproduzir
a existência dessa sociedade, satisfazendo carecimentos uns dos outros etc., mas
simplesmente para alienar suas mercadorias (vender, lucrar etc). Sem embargo, ao se
confrontarem no mercado como meros portadores de mercadoria, adverte o autor, é
exatamente isso que fazem. Igualam seus trabalhos, legitimam seus trabalhos privados
como parte do trabalho social e reproduzem a existência dessa sociedade. 33
31
Um dos primeiro autores a destacar tal importância foi o russo Isaak I. Rubin (1987) ainda no início do
século XX, embora não tenha sido o único. Cf., por exemplo, Lukács (1979), Postone (1993), Duayer &
Medeiros (2008). Vale ainda observar que a superação do fetichismo da mercadoria, da alienação dos
produtores etc. foi frequentemente interpretada como um problema de conscientização dos sujeitos, que
se resolveria portanto no momento em que tal “ilusão” fosse revelada aos indivíduos. Essa interpretação
pode ser coerentemente criticada já com base em Rubin (1987, p.19-20. Grifos nossos.), segundo quem:
“A teoria do fetichismo elimina da mente dos homens a ilusão, o grandioso engano originado pela
aparência dos fenômenos, na economia mercantil, e a aceitação dessa aparência (o movimento das coisas,
das mercadorias e seus preços de mercado) como essência dos fenômenos econômicos. Esta interpretação,
entretanto, embora geralmente aceita na literatura marxista, não esgota, de maneira nenhuma, o rico
conteúdo da teoria do fetichismo desenvolvida por Marx. Marx não mostrou apenas que as relações
humanas eram encobertas por relações entre coisas, mas também que, na economia mercantil, as relações
sociais de produção assumem inevitavelmente a forma de coisas e não podem se expressar senão através
de coisas”. Assim, nos parece necessário perceber que as formas de consciência, como a obsessão pelas
mercadorias, ou mais precisamente pelo valor, são produto necessário das relações sociais que sustentam
esse modo de produção – cuja superação pressupõe, portanto, a superação das próprias relações que dela
necessitam.
32
Como posto por Medeiros (no prelo, p. 114): “a sociedade, portanto, aparece e efetivamente constitui-
se como um algo externo, estranhado, que atua sobre os indivíduos limitando o escopo das práticas
factíveis. Assim como ocorre com todo e qualquer objeto externo e independente dos sujeitos, a única
relação possível destes com a sociedade é a apropriação em benefício próprio. Ou, em poucas palavras: a
exploração do homem pelo homem”.
33
Cf. Marx (1985, p.72).
27
concretamente diversas (embora, como visto, seja também categoria-chave para decifrar
esse movimento de equiparação das mercadorias). Adam Smith e seus sucessores da
Economia Política Clássica retiveram da análise do valor – ou, de modo mais amplo, da
sociedade em torno dele constituída – seu suposto caráter progressista na medida em
que viram no desenvolvimento das trocas mercantis a razão para a superioridade da
ordem burguesa e a condição mais importante para o aumento da riqueza das nações
(seu crescimento incessante, sua progressiva expansão geográfica por todo mundo, no
limite a própria “explicitação da natureza humana”, como acreditava Smith).
Contrariamente, Marx viu no desdobramento da contradição interna da mercadoria,
forma assumida pela riqueza nessa sociedade, 34 o desenvolvimento de uma formação
social em si contraditória, na qual o sempre exaltado crescimento da riqueza se opera
como imposição e finalidade em si mesmo.
34
Como exposto por Marx (1985, p.45), na conhecida frase com que abre O capital, a “riqueza das
sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma ‘imensa coleção de
mercadorias’ e a mercadoria individual como sua forma elementar”.
28
análise do modo de produção capitalista a existência de diversas leis, essenciais para a
plena compreensão da dinâmica social. Na incapacidade de se ocupar de todas as
legalidades sociais discutidas por Marx, o capítulo deve seguir apresentando apenas
duas delas – de certa forma mais importantes para nosso argumento – e que se
apresentam, como se pretende mostrar, como desdobramento dialético da lei do valor: a
chamada lei geral da acumulação capitalista e a lei de tendência à queda da taxa de
lucro.
35
Cf. Marx (1985, p. 13).
29
é encarnada pela classe capitalista, composta por sujeitos que, dispondo de certa
concentração de riqueza da sociedade, ajam com o objetivo último de fazer aumentar
sua riqueza. 36 Para que esse objetivo fosse concretizável, seria necessário (histórica e
logicamente) não apenas a conversão do trabalho em mercadoria, mas também a
conversão da própria capacidade humana de trabalhar em mercadoria.
36
A conhecida fórmula com a qual Marx resume a forma de circulação do capital, D – M – D’, já
evidencia esse ponto. Uma vez que, como forma de existência do trabalho abstrato, dinheiro (D) no início
e no fim do processo não podem diferenciar-se qualitativamente, mas apenas quantitativamente, a simples
análise da circulação do capital evidencia que o objetivo desse processo deve ser a ampliação do valor,
isto é, valor e mais-valor. Cf. Marx (1985, p. 127-128 passim).
37
A venda da força de trabalho apenas revela seu sentido, portanto, quando se atenta para a possibilidade
de apropriação privada do potencial humano de criar, a partir de certo grau de desenvolvimento das forças
produtivas, uma quantidade de coisas maior do que o necessário para reproduzir a existência de seus
criadores. Mas convém observar que essa possibilidade (apropriação privada de trabalho excedente) não é
uma exclusividade da produção capitalista. A cisão da sociedade em classes que teve lugar milhares de
anos antes que o capitalismo viesse a emergir já depende, de certo modo, de tal possibilidade. Com o
perdão de certo anacronismo, talvez se pudesse dizer portanto que a novidade do capitalismo não reside
na exploração da classe trabalhadora, isso é, em sua obrigação de trabalhar por tempo que excede aquele
que seria necessário caso tivesse de manter apenas a si mesma, mas na forma que a exploração assume
nesse regime de “dominação abstrata”. Tal proposição pode ser sustentada com base em diferentes
interpretações da obra marxiana, cf., por exemplo, Postone (1993) e Wood (2003).
30
os trabalhadores não mais disponham de meios de produção – condição historicamente
possibilitada pela chamada acumulação primitiva 38 –, sua sobrevivência passa a
depender inteiramente “do mercado”, isto é, da venda da mercadoria que de fato
possuem, sua força de trabalho. Em simultâneo, a expropriação da classe trabalhadora
de seus meios de produção serve também aos imperativos da produção capitalista na
medida em que cria a concentração de riqueza em magnitude apropriada para ser
empregada como capital.
38
Não entraremos aqui no debate sobre se a acumulação primitiva deve ser considerada o fenômeno
histórico originário do modo de produção capitalista ou se, de modo mais amplo, deve ser tida como um
processo permanente – que, portanto, permitiu a emergência desse modo de produção, mas continua
atuando. Essa discussão reaparecerá no presente trabalho quando discutirmos as obras de Luxemburgo
(1985) e, particularmente, de Harvey (2005b) e Wood (2006).
31
a composição do capital tem de ser compreendida em duplo sentido. Da
perspectiva do valor, ela é determinada pela proporção em que se reparte em
capital constante ou valor dos meios de produção e capital variável ou valor
da força de trabalho, soma global dos salários. Da perspectiva da matéria,
como ela funciona no processo de produção, cada capital se reparte em meios
de produção e força de trabalho viva; essa composição é determinada pela
proporção entre, por um lado, a massa dos meios de produção utilizados e,
por outro lado, o montante de trabalho exigido para seu emprego. Chamo a
primeira de composição-valor e a segunda de composição técnica do capital.
Entre ambas há estreita correlação. Para expressá-la, chamo a composição-
valor do capital, à medida que é determinada por sua composição técnica e
espelha suas modificações, de: composição orgânica do capital.
39
Cf. Marx (1985, p. 253).
32
também na possibilidade de apropriação de um (mais-)valor maior que o diretamente
extraído por aquele capitalista individual (a concorrência será tratada em maiores
detalhes adiante).
33
motivo o processo é chamado de reprodução em escala ampliada). Assim, do mesmo
modo que determinada concentração de riqueza social se punha como pressuposto da
produção capitalista, igualmente uma nova concentração se torna agora resultado do
processo: Marx vê na chamada tendência à concentração do capital justamente o
processo pelo qual, mediante a capitalização do mais-valor, o capital da sociedade se
amplia – seja por meio da ampliação de cada capital individual ou por meio da
multiplicação dos capitais individuais. Note-se que, supondo uma relativa estabilidade
das forças produtivas do trabalho e do grau de exploração deste, essa ampliação deveria
tomar a forma de um aumento do número de trabalhadores postos sob o domínio do
capital.
A paulatina concentração de capital, contudo, não seria a única forma pela qual o
capital conseguiria se expandir. Ao lado da tendência à concentração, Marx vê a
existência de outra, a centralização de capital, que compreende basicamente a
possibilidade de crescimento do capital por meio da aglutinação de capitais antes
fracionados, por meio da simples mudança no controle do capital. As formas mais
importantes para que isso ocorresse seriam por meio da centralização de “capital
ocioso” (ou mesmo de dinheiro não consumido por outras camadas da sociedade) que
tem lugar com o desenvolvimento do sistema de crédito, de um lado, e, de outro, com a
expropriação de uns capitais por outros, ocorrida por meio da concorrência. 43
43
Como posto por Marx (1985b, p. 196), “com a produção capitalista constitui-se uma potência
inteiramente nova, o sistema de crédito, que, em seus primórdios, se insinua furtivamente como modesto
auxiliar da acumulação, levando por fios invisíveis recursos monetários, dispersos em massas maiores ou
menores pela superfície da sociedade, às mãos de capitalistas individuais ou associados, mas logo se torna
uma nova e temível arma na luta da concorrência e finalmente se transforma em enorme mecanismo
social para a centralização dos capitais. À medida que se desenvolve a produção e acumulação capitalista,
na mesma medida desenvolvem-se concorrência e crédito, as duas mais poderosas alavancas da
centralização”.
44
Voltaremos a falar sobre as crises como encaradas no interior do sistema teórico marxista adiante, na
última parte do presente capítulo.
34
tudo porque, enquanto a última pressupõe um ambiente relativamente estável para
reprodução – em outras palavras, o crescimento do capital social –, a primeira não é
obstada, aliás é antes favorecida, por eventuais momentos de crise. A crise faz com que
certos capitais se encontrem fragilizados, facilitando sua expulsão do mercado ou
incorporação por seus concorrentes, facilitando, portanto, o trabalho da centralização.
35
os frutos de seu trabalho uma relação na qual não podem se reconhecer e que lhes
compele a uma produção crescente como finalidade encerrada em si mesma – o trecho
adquire um sentido adicional.
Nosso argumento no presente capítulo é que a lei do valor pode ser entendida
como a lei de movimento de toda a sociedade capitalista. O traço distintivo dessa
formação social com relação a qualquer outra precedente é o domínio dos homens por
uma relação social: o capital. Apontar, no entanto, o domínio do capital sobre a
humanidade significa compreender que essa é uma forma de dominação abstrata, isto é,
a subsunção de todos os seres humanos aos imperativos de autoexpansão do valor
(entendido este como reflexo estranhado do trabalho humano, objetificado sob a forma
36
mercadoria). 45 Nesse sentido, importa destacar que os capitalistas surgem na análise
como encarnação do capital, mas, embora se desempenhe por suas mãos os desígnios do
capital, de modo algum podem ser confundidos com o próprio capital (ainda que, em
sua relação com os trabalhadores, o capitalista efetivamente seja o capital). 46 Isso
porque o capitalista, ainda que em posição privilegiada nessa sociedade, encontra-se
também ele subsumido à logica do capital.
tratamos esse resultado geral aqui como se fosse resultado direto e fim direto
em cada caso individual. Quando um capitalista individual mediante o
aumento da força produtiva do trabalho barateia, por exemplo, camisas, não
lhe aparece necessariamente como objetivo reduzir o valor da força de
trabalho e, com isso, o tempo de trabalho necessário pro tanto, mas na
medida em que, por fim, contribui para esse resultado, contribuirá para elevar
a taxa geral de mais-valia. As tendências gerais e necessárias do capital
devem ser diferenciadas de suas formas de manifestação.
O modo como as leis imanentes da produção capitalista aparecem no
movimento externo dos capitais, como se impõem como leis coercitivas da
concorrência e assim surgem na consciência do capitalista individual como
motivos impulsionadores não é para ser apreciado agora, mas esclareçamos
de antemão: uma análise científica da concorrência só é possível depois de
se compreender a natureza interna do capital, do mesmo modo que o
movimento aparente dos corpos celestes somente é compreensível para quem
conhece seu movimento real, embora imperceptível aos sentidos. (MARX,
1985, p. 251-252. Grifos nossos.)
45
Como vimos anteriormente, a gênese do próprio capital é elucidada pelo desdobramento dialético da
contradição interna da mercadoria, como valor e valor de uso.
46
Cf. Marx (2011, p. 344).
37
Na passagem, para além de uma brilhante definição do mecanismo operatório de
leis sociais objetivas e transempíricas (como discutido na primeira seção), evidencia-se
que, na perspectiva marxiana, a concorrência pode ser entendida como forma
fenomênica pela qual se realiza a natureza interna do capital. Para enfatizar: se, como
afirmado, o capital é uma relação social autonomizada que se contrapõe aos sujeitos
como algo que lhes é externo, na concorrência todo capitalista se vê submetido a
imperativos externos – e embora ao capitalista essa coerção pareça obra da
concorrência, esta não faz mais que realizar o conteúdo da relação capital (garantir a
maior valorização possível do valor).
47
E a circulação é forma mediadora – “mediação de extremos pressupostos” – como já havia observado
Marx (2011, p. 196).
48
Cf. também Rosdolsky (2001, p. 28 et seq.).
39
centralização dá ensejo à reprodução em escala cada vez mais ampliada do capital, ela
permite a ampliação também da base sobre a qual operam as relações capitalistas,
subjugando frações cada vez maiores da humanidade a relacionarem-se entre si por
meio das relações de produção capitalistas e permitindo a valorização cada vez maior do
capital. Portanto, o que fazem os múltiplos capitais de interesses antagônicos na
concorrência não é contrariar, mas realizar as leis de operação da sociedade capitalista,
sobretudo, a lei do valor.
40
adiantado) e não no mais-valor produzido por cada capital individual. Mas a taxa média
de lucro é formada, ela mesma, pela concorrência, sendo forma necessária de aparição
da produção de valor.
Por outro lado, um dos grandes riscos, assumido por certas leituras da obra
marxiana, em contrapor concorrência e monopólio (ademais entendido como
consequência direta da concentração e da centralização de capital) é aproximar-se por
demais da ideia de que a análise de Marx abstraiu a concorrência – supondo que, dito de
modo formalista, sua análise, assim como a dos economistas clássicos e neoclássicos do
período, corresponderia à de um “modelo de concorrência perfeita”. (E frequentemente
adicionando que seria necessário, para entender desenvolvimentos históricos
posteriores, entender antes as formas de “concorrência imperfeita” ou situações de
monopólio.) Diga-se de passagem, desse perigo nem mesmo autores marxistas do
quilate de Maurice Dobb (1946, p.71) parecem ter escapado: “no primeiro Livro [de O
capital] Marx adotou a hipótese simplificadora de uma economia capitalista ‘pura’: uma
economia de ‘concorrência perfeita’, assim como haviam feito os economistas clássicos,
e um modo de produção baseado na simples relação entre capitalistas e trabalhadores”. 49
Veremos posteriormente que tais definições do problema influenciaram decisivamente a
teoria do imperialismo – mas não convém agora tratar dos percalços envolvidos na
concepção do imperialismo como fase monopolista do capitalismo, em oposição à fase
da livre-concorrência supostamente típica dos dias de Marx (como se verá mais a
frente). Algumas observações adicionais devem ser feitas já agora, no entanto.
41
pluralidade dos capitais (da concorrência). Justo o oposto, como visto, é pela
concorrência que as tendências imanentes do capital (em geral, se quiserem) se
manifestariam. Além do mais, não é possível concordar com o pressuposto da teoria
econômica convencional, implicitamente aceito ao se supor um “modelo de
concorrência perfeita marxiano”, de que monopólio e concorrência são simplesmente
contrários. 51
51
O problema aqui talvez seja, como observa Altvater (1987, p. 21), a identificação dentre concorrência e
livre-concorrência: “a concorrência permanece como a esfera das inter-relações tendenciais dos captais, a
esfera em que as tendências do modo de produção são realizadas ‘às suas costas’, através de suas ações
recíprocas, independentemente do fato de que a concorrência seja ‘livre’ ou ‘freada’, total ou
condicionada pelos monopólios”. Nesse sentido, ainda que assumida a pretensa tendência à
“monopolização”, não se deveria admitir com ela a “supressão da concorrência”.
42
debate sobre a lei do valor em Marx, voltemos agora, então, ao eixo principal de
articulação do presente capítulo, analisando a chamada lei de tendência à queda da taxa
de lucro em sua relação com a lei do valor.
O primeiro aspecto para o qual se deve chamar atenção ao começar uma análise
da lei de tendência à queda da taxa de lucro reside, portanto, no fato de que sua análise
apenas se torna possível quando considerada a produção capitalista em um plano maior
de concretização. Mas a análise das categorias mais concretas (preços de produção,
lucro, taxa de lucro etc.) não invalida, é claro, a análise anterior das categorias mais
abstratas (valor, capital constante e variável, mais-valor, taxa de mais-valor) – mas
mostra a forma fenomênica pela qual essas categorias se expressam. Nesse sentido, o
Livro III se inicia com a observação de que, enquanto do ponto de vista da produção o
capital se diferencia como constante e variável, do ponto de vista da circulação aparece
como fixo ou circulante, ficando oculta a origem do mais-valor: na percepção do
capitalista seu ganho parece provir de todo o capital adiantado – as mercadorias nas
52
Como adverte o autor no parágrafo de abertura do Livro III: “Do que neste Livro Terceiro se trata não
pode ser da formulação de reflexões gerais sobre essa unidade [entre produção e circulação capitalista].
Trata-se muito mais de encontrar e expor as formas concretas que surgem do processo de movimento do
capital considerado como um todo. Em seu movimento real, os capitais se defrontam em tais formas
concretas, para as quais a figura do capital no processo de produção direto, bem como sua figura no
processo de circulação, só aparece como momento específico. As configurações do capital, como as
desenvolvemos neste livro, aproximam-se, portanto, passo a passo, da forma em que elas mesmas
aparecem na superfície da sociedade, na ação dos diferentes capitais entre si, na concorrência e na
consciência costumeira dos agentes da produção” (MARX, 1986, p. 23. Grifos do original).
43
quais ele deve se converter para realizar sua valorização, aparecem simplesmente como
formadores de seu preço de custo, enquanto o resultado da valorização, o mais-valor,
assume (imediatamente) a forma transmutada de lucro.
53
Note-se que, a despeito dessa distinção – caso abstraia-se a repartição do mais-valor –, o lucro
corresponde de modo mais ou menos exato ao mais-valor. Não obstante, a inversão das coisas que tem
lugar na superfície, torna o lucro um resultado, encontrado a posteriori, ou seja, depois de sua passagem
pela esfera da circulação, pela realização das mercadorias – sendo, portanto, resultado da aplicação de
uma dada taxa de lucro sobre certo capital adiantado. Objetivamente, as coisas podem ser, e de fato são,
assim percebidas justamente (i) porque o lucro não precisa coincidir com o mais-valor criado (o que, de
fato, não ocorre a não ser para os capitais de composição média), (ii) porque o movimento do capital entre
distintos ramos conforma, com maior ou menor rigidez, uma taxa média de lucro que aparece como uma
remuneração “natural” (para usar o termo adotado já por Smith!) que passa a ser esperada, portanto, antes
de a produção começar e que independe da maior ou menor utilização de trabalho vivo naquele ramo
específico, e (iii) porque para capitais localizados fora da esfera produtiva vale a igualação da taxa de
lucro, criando a aparência de que este em nada depende da esfera produtiva.
44
uma mesma quantidade de trabalho vivo é capaz de pôr em movimento maior
quantidade de trabalho morto). Mas se justamente o componente subjetivo da produção
(i.e., os trabalhadores) se torna crescentemente dispensável, a despeito de ser este o
responsável pela criação do mais-valor, a tendência à ampliação da composição
orgânica tende a refletir-se igualmente em uma taxa de lucro cada vez menor. 54 Nesse
sentido, depois de descrever o efeito de um aumento da composição orgânica do ca pital
sobre a taxa de lucro, Marx conclui que
Não é preciso nos determos por muito mais tempo na análise marxiana do
processo global da (re)produção capitalista para percebermos, portanto, que uma de suas
tendências mais significativas, a tendência à queda da taxa de lucro, é consequência
direta das mesmas tendências analisadas nas seções anteriores e expressa em última
instância as determinações da lei do valor.
54
Uma simples transformação matemática, já aplicada por diversos analistas, ajuda a simplificar a
análise: sendo a taxa de lucro (l’) expressa por l’=m/c+v, ela pode ser reescrita sob a forma
l’=(m/v)/(c/v)+1. Sendo (m/v) a taxa de exploração dos trabalhadores e (c/v) a composição orgânica do
capital, fica claro que na medida em que cresce a composição orgânica, tudo mais constante, a taxa de
lucro tende a diminuir.
45
trabalho. O desdobramento dialético dessa contradição interna da mercadoria nos leva à
emergência, primeiro, do dinheiro (forma de valor, expressa no corpo concreto, no valor
de uso, da mercadoria monetária) e, depois, do capital. Mas, como impulso imanente à
valorização, o capital requer não só a ampliação extensiva, tanto quanto possível, do
tempo de trabalho, como também a potencialização da força produtiva do trabalho –
criando (como resultado não intencionado) condições para a necessária desvalorização
das mercadorias individuais, e, na mesma medida, tornando cada vez mais redundante o
trabalho vivo. É precisamente essa tendência (expressa no aumento da composição
orgânica do capital) que se expressa no fenômeno da queda da taxa de lucro. Assim,
bem entendido, a tendência à queda da taxa de lucro reflete, no fim das contas, a
mesmíssima contradição posta pelas leis do valor e da acumulação capitalista. 55 Se, no
entanto, o conteúdo de tal lei já era conhecido, nem por isso a forma por ele assumida
na tendência à queda da taxa de lucro se torna desimportante.
Inicialmente, convém chamar a atenção, uma vez mais, para o fato de que essa,
como todas as leis sociais, seria uma lei de tendência. Isso significa que concepções que
procuram afirmar sua falsidade com base em observações empíricas, em geral, denotam
uma profunda falta de compreensão sobre o assunto. Em primeiro lugar, porque como
lei de tendência, a queda da taxa de lucro pode ou não manifestar-se diretamente no (e
pelo) empírico – o que inclusive, ainda assim, não significa que a lei não continue
(sempre, como tendência) a operar. Nesse sentido, aliás, vale lembrar que Marx (1986,
p. 177), no capítulo imediatamente seguinte ao enunciado de tal lei, destaca inúmeras
forças que atuam em sentido contrário a ela: (i) aumento no grau de exploração dos
trabalhadores (especialmente se ocorre por meio do prolongamento da jornada de
55
“Queda da taxa de lucro e acumulação acelerada são, nessa medida, apenas expressões diferentes do
mesmo processo, já que ambas expressam o desenvolvimento da força produtiva. A acumulação, por sua
vez, acelera a queda da taxa de lucro, à medida que com ela está dada a concentração dos trabalhos em
larga escala e, com isso, uma composição mais elevada do capital. Por outro lado a queda da taxa de lucro
acelera novamente a concentração do capital e sua centralização mediante a desapropriação dos pequenos
capitalistas, mediante a expropriação do resto dos produtores diretos, entre os quais ainda haja algo a
expropriar” (Ibidem, p. 183).
46
trabalho), compressão dos salários por baixo de seu valor e/ou aumento da
superpopulação relativa – na medida em que permitem que se amplie a quantidade de
valor apropriada privadamente pelo capital, contribuem para um aumento na taxa de
lucro;56 (ii) queda no valor dos meios de produção, a qual reduziria o capital constante e
contribuiria para frear o aumento da composição orgânica; (iii) o comércio exterior,
porque permite o barateamento dos elementos do capital constante (graças ao aumento
da escala de produção), mas possivelmente também porque a taxa de lucro para capitais
envolvidos em tal comércio tende a ser maior; (iv) aumento do capital por ações, que
retiraria, sob a forma de juros, parte do mais-valor do processo de equalização da taxa
de lucro impedindo, assim, que esta caísse ainda mais; por fim, (v) o aumento da
velocidade de rotação do capital, na medida em que é capaz de aumentar o mais-valor
sem alterar a composição orgânica. 57 Em segundo lugar, porque ao falar da tendência à
queda da taxa de lucro Marx está se dirigindo à taxa média de lucro, o que não
colocaria, portanto, a necessidade de queda na taxa de lucro de todos os capitais ou de
setores.
56
Segundo Marx (1986, p. 178), deve-se notar que o aumento da taxa de mais-valia é tão mais capaz de
conter a tendência à queda quanto menos ele depender de aumentos de intensidade do trabalho ou da
produção de mais-valor relativo, os quais, de algum modo, podem fazer com que se utilize uma proporção
menor de trabalho vivo frente ao trabalho morto (o que contribuiria para que a taxa de lucro caísse). Sobre
o último item, a saber, a superpopulação relativa, pode-se dizer que ele se faz importante também porque
cria a possibilidade de se abrirem novos ramos de atuação para o capital (para o consumo de luxo) nos
quais se utiliza maior proporção de trabalho vivo e nos quais é possível sub-remunerar a força de trabalho
(Ibidem, p. 180).
57
Este elemento não consta dentre os listados por Marx no capítulo referente às causas contrariantes à
queda da taxa de lucro – que, de todo modo, como posto pelo próprio (ibidem, p. 177), não pretendia
elaborar uma descrição completa de todas as causas contrariantes – mas pode ser coerentemente acrescido
aos demais.
47
Diversos autores relacionaram, com razão, a tendência à queda da taxa de lucro
com a teoria das crises de Marx. Entretanto, novamente nesse caso, nos confrontamos
com um problema por demais complexo para ser adequadamente tratado aqui. 58 A esse
respeito, pretendemos indicar apenas que, por mais que ambas possam (e devam) ser
analisadas conjuntamente, não nos parece adequado supor que as crises sejam causadas
pela queda da taxa de lucro – e, nesse particular, nos parece francamente equivocado
supor que a tendência à queda da taxa de lucro possa ser usada para sinalizar uma
necessária tendência à “crise final”, que faria implodir o modo de produção capitalista.
Essa leitura “catastrofista” das crises é frequentemente associada à chamada “teoria do
derrumbe” capitalista, cujo maior defensor seria Henryk Grossman (1992) – ainda que
certos autores sugiram não ser Grossman defensor de um determinismo tão exacerbado
quanto seus críticos fazem crer. 59
Dois pontos apenas nos parecem suficientes para não deixar qualquer dúvida
sobre essa questão. Em primeiro, note-se que a queda da taxa não implica redução na
massa de lucro (MARX, 1986, p.172 et seq.). Mais importante, porém, Marx trata
claramente das crises como fenômenos periódicos no modo de produção capitalista. De
fato, a crise aparece como fenômeno que, frente às barreiras impostas pelo próprio
capital à realização da massa crescente de mercadorias produzidas, repõe (ainda que de
modo violento) as condições para a continuidade da acumulação capitalista, e não como
o momento da “derrocada” do capitalismo.
Não obstante o fato de que o capítulo mais frequentemente citado para discutir
crises em Marx esteja de fato na seção intitulada “Lei da queda tendencial da taxa de
lucro”, isso não acarreta que as crises sejam causadas pela queda da taxa de lucro. Ao
contrário, ali o que faz o autor é tentar demonstrar que as mesmas tendências levam, de
um lado, a taxa de lucro a cair e, de outro, criam um excesso de capital que deve ser
eliminado por meio da crise. 60 Em Marx, a possibilidade de crise já se encontrava
58
Sobre a relação entre taxa de lucro e crises, ver, por exemplo, Harvey (2006b, capítulo 7). Uma
discussão mais aprofundada sobre o caráter das crises na teoria marxiana pode ser encontrado também em
Carcanholo (1996) e Ribeiro (2008) e na bibliografia ali citada.
59
Cf. Paula (2003, p. 130).
60
Em um exemplo com o objetivo de explicar a superprodução absoluta de capital, Marx (1986, p. 190.
Grifos nossos.) observa: “A taxa de lucro não cairia por causa de concorrência devido a superprodução de
capital. Mas, pelo contrário, porque a taxa de lucro diminuída e a superprodução de capital se originam
das mesmas circunstâncias, agora se desencadearia a luta concorrencial”.
48
francamente aberta desde o momento em que a própria circulação de mercadorias
separava produção e satisfação de necessidades sociais (i.e. tornava esse um ato
61
mediado pelo dinheiro). Se, ademais, a acumulação capitalista acentua essa
possibilidade de descasamento entre essas esferas, deve-se encarar essa contradição
como expressão do caráter estranhado assumido pela produção de riqueza sob forma
mercantil, não porque se cria riqueza em excesso, mas porque o aumento da riqueza sob
a forma capitalista se dá de modo contraditório.
A crise poderia, assim, ser tratada como fenômeno associado à contradição entre
o caráter crescentemente socializado da produção, que permite potencializar a força
produtiva do trabalho (como discutido anteriormente), e as condições de realização das
mercadorias, dado o caráter privado da apropriação de riqueza. Mas expressa também,
novamente, a contradição entre um modo de produção que cria condições para
emancipação humana, mas também cria barreiras à sua concretização. Assim se pode
entender a contradição de um modo de produção – nesse aspecto o único – que cria
simultaneamente excesso de capital e excesso de população. 62
61
Ver Marx (1985, capítulo III).
62
Ibidem, p. 189 et seq.
49
avaliar o desenvolvimento posterior defendido pela teoria do imperialismo – cuja
pretensão inicial fora, de fato, construir uma sequência para o argumento de Marx n’O
capital. O trabalho deve agora deter-se, por isso, na análise dos diferentes marxistas que
tentaram dar tratos científicos à questão do imperialismo.
50
CAPÍTULO 2:
AS TEORIAS CLÁSSICAS DO IMPERIALISMO
Quando vocês voltarem para suas casas, para seus condados e cidades, vocês
devem falar com todos aqueles que possam influenciar que é chegada a hora,
que, ao menos, não poderá tardar a hora, em que a Inglaterra terá que decidir
entre os princípios nacional e cosmopolita. Essa não é uma questão pequena.
É decidir se vocês se contentarão em ser uma Inglaterra confortável,
modelada e moldada sobre princípios continentais, encontrando em tal curso
um destino inevitável, ou se vocês serão um grande país – um país imperial –
um país em que seus filhos, quando se levantarem, levantem-se para ocupar
posições superiores e obter não apenas a estima de seus conterrâneos, mas
comandar o respeito do mundo.
– Benjamin Disraeli, 1872.
Poucos termos são hoje em dia tratados e difundidos de forma tão axiomática
quanto o termo “imperialismo”. Poucos termos, entretanto, são entendidos e
empregados de forma tão diferenciada quanto este.
– Karl Kautsky, 1915.
52
no momento em que os aliados de Disraeli defendem o “imperialismo”, imprimindo-lhe
conotação positiva, é claro, e definindo assim sua proposta política, cuja tônica era, em
última instância, tornar o mundo uma província britânica.
65
Como destacam Foster (2006, cap. 9) e Said (2011) a obra de Kipling pode ser vista como um exemplo
emblemático da ideologia imperialista.
53
Para tratar desse debate o capítulo encontra-se estruturado como se segue. No
intuito de capturar as especificidades históricas daquele momento, a primeira seção
dedica-se a um breve apanhado da situação econômica, política e ideológica do período.
Em seguida, são descritas as principais formas de análise do imperialismo nesse
primeiro momento. O capítulo é concluído com uma breve síntese crítica das teorias ora
estudadas.
o fato maior do século XIX é a criação de uma economia global única, que
atinge progressivamente as mais remotas paragens do mundo, uma rede cada
vez mais densa de transações econômicas, comunicações e movimentos de
bens, dinheiro e pessoas ligando os países desenvolvidos entre si e ao mundo
não desenvolvido. [...] Essa globalização da economia não era nova, embora
66
Cf. Hobsbawm (2009b, capítulo 9; 2002, capítulo 3; 2009, capítulos 2 e 3).
54
tivesse se acelerado consideravelmente nas décadas centrais do século. Ela
continuou a crescer – menos notavelmente em termos relativos, porém mais
maciçamente em termos de volume e cifras – entre 1875 e 1914.
(HOBSBAWM, 2009, p. 106)
Esses fatores, que por si só apontam para uma crescente relação entre os países
no plano internacional, receberam a atenção de Marx em uma análise breve, mas
sugestiva. Em carta escrita a Nikolai Danielson e datada de 1879, ele escreve:
67
Ibidem, p. 87-95.
55
Da passagem acima, um primeiro elemento a se destacar é a importância que as
novas descobertas tecnológicas, particularmente nos ramos dos transportes e das
comunicações, tiveram em viabilizar essa economia mundial. Esse avanço tecnológico,
que Marx classificou como o desenvolvimento dos meios de comunicação adequados
aos meios de produção, criava condições objetivas para um “encurtamento das
distâncias” sem igual. Mais que isso, porém, Marx reconhecia, de passagem, também
uma das tendências que mais marcaria esse momento e apareceria com grande destaque
nos estudos posteriores sobre o imperialismo, a tendência à concentração e à
centralização de capital sob a égide de bancos e financistas.
57
Tabela 2.2 – Território Colonial detido pelas potências europeias (em milhões de km 2)
Assim, a formação de uma economia mundial foi no século XIX muito mais que
um fenômeno econômico. Tratava-se de um esforço de conquista que passava a dividir o
mundo entre as principais potências, elevando a concorrência capitalista a um novo
plano de disputa. Nesse plano, porém, a concorrência assumia, é claro, a forma de
concorrência não só entre capitais, mas também entre Estados: ocorre uma “fusão da
rivalidade política entre Estados com a concorrência econômica entre grupos nacionais
de empresários” (HOBSBAWM, 2009, p.93). Mesmo sem entrar em debates mais
teóricos sobre a ligação entre Estado e economia, ou, de modo mais amplo, sobre
ligação das esferas “política” e “econômica”, não se pode deixar de lado o papel
desempenhado pelos Estados-nação na expansão capitalista pelo mundo. O impacto
dessa disputa por territórios em todo o mundo é quase imensurável e não apenas desde o
ponto de vista do desenvolvimento do capitalismo europeu, mas do ponto de vista desse
modo de produção como sistema mundial.
O mapa 2.1 mostra a divisão territorial do mundo no século XIX. De certo modo
a divisão expressa nesse mapa, apesar de extremamente significativa, ainda assim
subestima o impulso expansivo do sistema capitalista no período, na medida em que
considera apenas os territórios estritamente dominados, mas não a existência (evidente)
de zonas de influência. Nesse sentido, são particularmente subdimensionadas as
inclinações expansionistas nos Estados Unidos. Entre o século XIX e o início do século
XX essas tendências manifestaram-se não só na consolidação (por vezes violenta) de
suas próprias fronteiras nacionais e em guerras de controle (como nas Filipinas), como
no progressivo controle (informal) sobre o restante do continente americano.
58
Mapa 2.1 – Partilha territorial do mundo, 1914.
A busca pelo controle territorial de fatias cada vez mais amplas do globo teve,
portanto, um papel central na ativação de um efetivo sistema de rivalidades
internacionais. O protecionismo, o aumento dos mercados consumidores, a necessidade
de controlar fontes de matérias-primas, tudo isso contribuiu para que se ampliassem os
interesses das sociedades onde o modo de produção capitalista se instaurava sobre o
restante do mundo. Simultaneamente, dada a importância assumida pela aquisição de
novos territórios, fica evidente por que a adoção do militarismo transformou-se nesse
momento num elemento central das políticas estatais das potências capitalistas em
formação. Por um lado, essa disputa pelo controle territorial só poderia resultar, como
se sabe, no acirramento dos ânimos que atingiria seu ponto mais alto com o sangrento
conflito mundial desencadeado ainda no início do século XX. Por outro, o militarismo
oferecia base sólida para novos investimentos de capital (na indústria bélica) e também
para um aumento na participação estatal na esfera produtiva. As guerras de conquista se
transformariam, assim, no fenômeno mais diretamente identificado com o imperialismo.
59
Um evento da magnitude do que se olha não poderia vir desacompanhado de
toda uma matriz ideológica que lhe desse respaldo. A questão ideológica talvez não
devesse aparecer aí, no entanto, como mero epifenômeno. A formação dos Estados
nacionais era nesse momento algo mais ou menos recente, mas, desde meados do século
XIX, o nacionalismo desempenhava um papel absolutamente crucial na política
internacional – não obstante, como observa Hobsbawm (2002, p. 125 et seq.), o fato de
que a ideia de “nação” daquele momento não possa ser tomada sem qualificativos, já
que, inicialmente, ela sequer ligava-se diretamente à territorialidade ou ao Estado. Se o
nacionalismo tem, assim, tamanha importância no registro ideológico do período, é
preciso perceber que a afirmação de pertencimento a determinada nacionalidade (e não
a outra, portanto) estava impregnada também com a possibilidade de se acirrarem a
xenofobia e os conflitos (contra outros nacionalismos).
Com isso não se deseja supor, porém, que as relações conflituosas no plano
internacional fossem de modo direto e unilateral consequências do nacionalismo. De
fato, nos parece que a exacerbação do nacionalismo, especialmente em sua forma
instrumentalizada pelo Estado, o patriotismo, deve ser situada no contexto social mais
amplo. Nesse sentido, Harvey (2005b, p. 44-45), por exemplo, pondera que:
Também Hobson (2005, parte II) dedica quase metade do seu ensaio seminal
sobre o imperialismo a falsear as teorias que viam na expansão territorial (imperialista)
uma necessidade cultural ou demográfica, dando prioridade aos fatores econômicos,
como veremos adiante. Claro está, entretanto, que a relação da ideologia nacionalista
com a expansão imperialista não pode ser tratada de modo simplista. Estudos como os
de Said (2007; 2011), por exemplo, se dedicam a mostrar a importância da afirmação
nacionalista e da atribuição de uma superioridade civilizatória das nações imperialistas
60
sobre os povos colonizados – em seus termos a construção discursiva do “outro”
colonizado em condição de inferioridade – como parte da necessidade de dominação
daqueles territórios. Nesse sentido, não é casual que a chamada questão nacional tenha
passado a ocupar um lugar de destaque nos debates intelectuais da época, sobretudo
entre as fileiras do marxismo, discutindo o “direito a autodeterminação” das diversas
nações.
68
De acordo com Hobsbawm (2009, p. 228), “a base dos ‘nacionalismos’ de todos os tipos era igual: era
a presteza com que as pessoas se identificavam emocionalmente com ‘sua’ nação e podiam ser
mobilizadas, [...] presteza que podia ser explorada politicamente. A democratização da política e
especialmente das eleições oferecia amplas oportunidades para mobilizar pessoas. Quando os Estados
faziam isso, chamavam-no de ‘patriotismo’. Originalmente, a essência do nacionalismo de direita, que
emergia em Estados-nação já estabelecidos, era a reivindicação do monopólio do patriotismo para a
extrema direita política, e por meio dela a estigmatização de todos os demais como traidores”. Para uma
análise detalhada sobre os efeitos do nacionalismo sobre as organizações da classe trabalhadora ver
Galissot (1984).
61
2.2. As teorias clássicas do imperialismo
Ano da
Autor Obra
publicação
John A. Hobson Imperialism: a study 1902
Rudolf Hilferding O capital financeiro 1910*
Rosa Luxemburgo A acumulação de capital 1913
Karl Kautsky O imperialismo 1914
A economia mundial e o imperialismo: esboço **
Nicolai Bukharin 1917
econômico
***
Vladmir I. Lênin Imperialismo: fase superior do capitalismo 1917
Nicolai Bukharin Imperialismo e acumulação de capital 1924
(*) Embora publicado apenas em 1910, a estrutura básica do livro já estava pronta em 1906, como declara
Hilferding (1985, p. 29) no prefácio da obra. (**) Texto produzido originalmente em 1915, mas só
publicado em 1917. (***) Texto produzido originalmente em 1916 e publicado em 1917.
69
Cf. Teixeira (2002, p. 326).
62
Durante os primeiros anos do século XX, a história do debate sobre o
imperialismo se confunde com a história dos debates internos ao pensamento marxista
como um todo. O quadro 2.1 sumariza aqueles que, entende-se, são os pontos mais
importantes do desenvolvimento inicial da teoria do imperialismo. É possível
identificar, a fim de sintetizar o debate, ao menos três posições distintas: a primeira,
defendida pela maioria dos autores relevantes que vão de Hobson à Lênin, que será
chamada aqui de linha principal do debate sobre o imperialismo, em virtude da maior
repercussão por ela obtida; a segunda, articulada por Kautsky, em torno de quem se
agruparam os “marxistas” de centro; e, por fim, a interpretação formulada por Rosa
Luxemburgo.
Dentre todas as análises sobre o imperialismo até hoje vistas, não há nenhuma
que tenha tanta repercussão quanto a de Vladmir Ilitch Lênin. Ainda que tenha realizado
uma extensa pesquisa de preparação antes de escrever seu famoso opúsculo sobre o
imperialismo, sua perspectiva estava profundamente influenciada por posições prévias
nesse debate – tanto em sentido positivo, por aqueles autores que efetivamente
forneceram as bases conceituais para sua própria interpretação, quanto em sentido
63
negativo, isto é, por aqueles autores cuja posição ele queria explicitamente rejeitar,
como o caso particular de Kautsky. Assim, qualquer apresentação balizada da obra de
Lênin seria falha sem antes entender aqueles que, segundo o próprio, constituem a base
de seu pensamento: os trabalhos de Hobson e Hilfering. 70
70
A respeito do trabalho de Lênin de preparação para escrever Imperialismo, fase superior do
capitalismo, ver Lenin (1968). Acerca de seu débito com Hilferding e Hobson, Lênin é bastante claro
ainda na introdução de seu trabalho principal: “em 1902, apareceu em Londres e Nova Iorque a obra do
economista inglês J. A. Hobson O Imperialismo. [...] Em 1910, publicou-se em Viena a obra do marxista
austríaco Rudolf Hilferding O Capital Financeiro. [...] No fundo, o que se disse acerca do imperialismo
durante estes últimos anos [...] nunca saiu do círculo das ideias expostas, ou, melhor dizendo, resumidas,
nos dois trabalhos mencionados” (Idem, 1979, p. 586).
71
Cf. Etherington (1984) para maiores discussões sobre a influência de marxistas em Hobson. Para
maiores detalhes sobre a trajetória intelectual do autor, ver Cain (2002).
72
A chamada Guerra dos Bôers foi um conflito ocorrido no território sul-africano, envolvendo a Grã-
Bretanha e um conjunto de colonos de origem holandesa e francesa conhecidos como bôers. A guerra foi
motivada pela resistência bôer à tentativa de expansão britânica e se desenrolou ao longo de dois
períodos: no primeiro, entre 1880 e 1881, terminou com uma vitória bôer, que desse modo manteve sua
independência com relação aos britânicos; no segundo, porém, iniciado logo em 1899, a Grã-Bretanha
obteve êxito e o tratado de paz assinado em 1902 reconheceu a soberania britânica sobre o território
conquistado (embora aos bôers tenha sido paga uma quantia em dinheiro, como reparação pela destruição
de suas fazendas). A Guerra dos Bôers é conhecida, ademais, em virtude dos métodos empregados pelo
exército britânico que, em um esforço de deter as táticas de guerrilha de seus adversários, aprisionou
mulheres e crianças em campos de concentração, resultando na morte de mais de 20 mil civis por doenças
e inanição. Cf. Fremont-Barnes (2008).
64
as nações (um internacionalismo), Hobson foi levado a concluir que o próprio
nacionalismo normalmente se desvirtua e descamba justamente no imperialismo.
Mas por que, então, todas as nações “desenvolvidas” levavam tal política à
frente? A despeito do que pregava a retórica dos ideólogos e políticos imperialistas, o
fator determinante teria cunho econômico. O problema, segundo o autor, é que se havia
engendrado nessas nações uma tendência à concentração de recursos em umas poucas
mãos, por meio da união entre firmas e redução da concorrência, mas esses recursos se
tornavam assim cada vez mais ociosos: a nova massa ampliada de recursos já não
encontrava nas fronteiras nacionais campo para investimentos lucrativos. Esse processo
concentrador seria fruto do próprio funcionamento da economia sob “livre-
concorrência”, na medida em que esta geraria cronicamente uma espécie de
“superprodução”, isto é, uma situação que torna dispensável, ou mesmo inviável, a
manutenção de todas as empresas em funcionamento. O resultado natural seria, para
Hobson (2005, p.75), a eliminação das unidades produtivas mais fracas e a formação de
cartéis e trustes. Deste modo, seria ampliada a capacidade produtiva da sociedade,
superando, ao menos tendencialmente sua capacidade de consumo.
65
Para Hobson, o excesso de capital criado desse modo permitiria o investimento
em outros setores, desencadeando ali processos similares de expulsão das empresas
mais fracas. Mas, conforme os distintos setores da sociedade se protegem dos
“desperdícios da concorrência” pela cartelização, reduzir-se-ia o escopo de aplicação
para o capital e se tornaria mais difícil para os poupadores comuns encontrar
oportunidades de investimento, ao mesmo tempo que aumentaria ainda mais a massa de
capital acumulável pela ulterior concentração de recursos em poucas mãos. 73 Em suma:
73
É notável que a associação feita por Hobson entre “concentração” econômica (i.e., formação de
monopólios, trustes, cartéis etc.) e “redução da concorrência”, normal para a ciência econômica
“convencional”, por assim dizer, propague-se sem maiores atritos pelos teóricos do imperialismo de
orientação marxista. O tema voltará a ser abordado mais tarde, mas é possível recordar desde já que,
como vimos no capítulo anterior, a noção de concorrência em Marx deveria ser tomada de modo algo
distinto. Nesse sentido, ainda que o processo descrito por Hobson preveja redução do número de
empresas competindo, tal redução não significa, de imediato, a limitação da concorrência. Para ficar em
um exemplo simples, é fácil imaginar que um pequeno número de grandes corporações é capaz de
protagonizar uma competição muito mais violenta que um grande número de pequenas empresas.
74
Tradução de Ana Paula Ornallas Mauriel, disponível em Teixeira (2002).
66
adoção de tal política – já que, de acordo com o autor, produtores e comerciantes tiram
desses novos mercados, pelo comércio, muito menos do que pagam em impostos – a
coisa é bem diferente com os ganhos dos investidores.
75
“Todo ato político envolvendo novos fluxos de capital, ou uma grande flutuação no valor dos
investimentos existentes, deve receber a sansão e a ajuda prática desse pequeno grupo de reis das
finanças. Esses homens, mantendo toda sua riqueza e seu capital de negócios principalmente em ações e
títulos de dívida, como fazem, têm um ganho duplo, primeiro como investidores, mas, em segundo e
principalmente, como negociadores financeiros [financial dealers]. Como investidores, sua influência
política não difere da que possuem investidores menores, exceto pelo fato de que eles normalmente
possuem o controle efetivo dos empreendimentos em que investem. Como especuladores ou negociadores
financeiros eles constituem, no entanto, o mais importante fator isolado na economia do imperialismo”
(Ibidem, p. 57. Tradução nossa.).
67
previsível do desenvolvimento econômico, Hobson considera que a política imperialista
tornava-se necessária. Entretanto, em sua opinião, esse não era um resultado inexorável.
Com efeito, grande parte de seu livro se dedica a demonstrar a falsidade dos discursos
que, amparados sobre teorias demográficas, morais, militares ou políticas, divulgavam a
ideologia imperialista e propunham sua inevitabilidade.
Note-se, por fim, que, não sendo o imperialismo um destino inevitável, Hobson
imaginava ser capaz de livrar o Estado desse fardo por meio de uma reforma social que
atuasse sobre as bases dessa política. Assim, para o autor, o Estado se apresentava como
uma entidade externa à sociedade, uma massa homogênea, passível de ser controlada
por grupos com interesses espúrios, mas também pelo povo. Para isso, Hobson entendia
que a superação do imperialismo dependia de uma democracia realmente funcionante. 76
Por outro lado, a medida singular mais importante a ser tomada pelo Estado seria a
redistribuição de renda, como forma de minar as bases da política imperialista,
constituídas a partir da relativa falta de consumo. 77.
Tal qual havia percebido Hobson, em Hilferding (1985) o ponto de partida para
se compreender a política imperialista era o processo de formação de trustes e cartéis e a
limitação da concorrência. A análise de Hilferding, no entanto, pretendia dar a esse
processo uma interpretação teórica fundamentada nas tendências à concentração e à
centralização de capital, identificadas por Marx em O capital. De acordo com
Hilferding, a união de capitais não resultaria necessariamente na limitação da
concorrência: ela poderia ser motivada por questões eminentemente técnicas, para
fortalecer tais empresas, mas sem eliminar a concorrência. Outras formas de união,
aquelas permeadas por “interesses monopolistas”, por sua vez, nasceriam
exclusivamente das vantagens econômicas obtidas mediante a redução da competição.
76
Em suas palavras: “o poder das forças imperialistas da nação para usar os recursos nacionais para seu
ganho privado, por meio da instrumentalização do Estado, somente pode ser derrubado pelo
estabelecimento de uma genuína democracia, a direção da política pública pelo povo e para o povo por
meio de representantes sobre os quais se exerce um controle real” (Ibidem, p. 360).
77
Desse modo, segundo Mariutti (2010, p. 146-147), a solução apontada por Hobson era muito mais
polêmica que o problema por ele apontado, pois “além de representar uma proposta para a política interna
da Grã-Bretanha, esta explicação estava relacionada a outro grande conflito ideológico que marcava a
época: a detecção da origem e das causas da pobreza e da desigualdade. Não há dúvida de que esta
interpretação, qualificada como ‘teoria’ do subconsumo, representava uma tentativa de propor uma
alternativa às explicações marxistas sobre as causas da miséria e da concentração de renda”.
68
No quadro 2.2 vê-se uma tipologia das associações de capital, segundo o autor, típicas
desse período.
A: Natureza da união de capitais de acordo com o grau de autonomia mantido pelas partes
A.1. Comunidade de interesses: união com manutenção de autonomia relativa dos
diferentes capitais.
A.1.1. Parcial: preserva a concorrência.
A.1.2. Monopolista => Cartel: comunidade de interesses com vistas ao aumento de
preços e, assim, de lucros, mediante restrição da concorrência.
A.2. Fusão: união completa entre capitais.
A.2.1. Parcial: preserva a concorrência.
A.2.2. Monopolista => Truste: fusão capitalista com vistas ao aumento de preços e,
assim, de lucros, mediante restrição da concorrência.
69
rotação do capital e, de outro, porque aumentaria a necessidade de grandes montantes de
capital.
78
“Essas indústrias desenvolvidas [em que a necessidade de capital fixo é muito elevada] são, ao mesmo
tempo, aquelas nas quais a concorrência exterminou rapidamente as pequenas empresas ou onde estas
jamais existiram [...]. Não somente domina a grande empresa, mas essas grandes empresas com grande
poder de capital tornam-se cada vez mais equivalentes reciprocamente, à medida que as diferenças
técnicas e econômicas, que lhes assegurariam uma superioridade na luta competitiva, são cada vez
menores. Não se trata de uma luta dos poderosos com os fracos, onde estes seriam aniquilados e o
excesso de capital nesse setor eliminado, mas de uma luta entre iguais, que pode durar longo tempo
indecisa e infligir sacrifícios a ambas as partes” (Ibidem, p. 186).
70
A concorrência nesses setores, aumentada pela incapacidade de pequenos capitais de
acederem aos ramos que exigem grandes montantes de capital, tornam necessárias
tentativas de aumentar o volume de vendas e a rotação de capital, culminando no
rebaixamento do lucro. Por isso, esses setores “com sua exasperada luta competitiva,
com seu permanente aniquilamento do capital velho que é imediatamente substituído
por um novo”, conclui Hilferding (1985, p.187), “são levados cada vez mais a uma
dependência indireta do grande capital”.
79
É importante recordar que Marx atribui sentido diverso à categoria “capital industrial”. Se bem que este
seja um dos pontos nos quais a própria obra marxiana apresenta dificuldades, na maior parte dos livros II
e III de O capital, o termo “capital industrial” não se refere à esfera produtiva apenas, ou a indústrias (na
acepção corriqueira do termo, como um setor oposto ao agrário ou serviços), mas à totalidade do capital,
a todo valor que entre na lógica do capital. Hilferding, alternativamente, está utilizando a expressão aqui
para se dirigir à atividades produtivas.
71
De acordo com seu argumento, os bancos, como toda empresa capitalista, agem com
vistas ao lucro e a luta competitiva entre capitais restringe suas operações. A vitória de
um capital sobre outro na concorrência, representa para os bancos a perda de um projeto
lucrativo e, o que seria ainda pior, sempre que os concorrentes fossem igualmente
clientes do banco haveria para estes uma necessária perda. Assim, o capital bancário,
por um lado, tem o interesse em limitar a concorrência. Por outro, possui os recursos
para atuar como motor principal da centralização de capital e, portanto, da
monopolização. O conceito de capital financeiro evidencia justamente a estreita relação
– que para Hilferding ocorre, no limite, como união pessoal – entre os capitais industrial
(produtivo) e bancário, a qual é estabelecida como traço distintivo de uma nova fase do
desenvolvimento capitalista. Na definição clássica do autor:
uma porção cada vez maior do capital da indústria não pertence aos
industriais que o aplicam. Dispõem do capital somente mediante o banco, que
perante eles representa o proprietário. Por outro lado, o banco deve
imobilizar uma parte cada vez maior de seus capitais. Torna-se, assim, em
proporções cada vez maiores, um capitalista industrial. Chamo de capital
financeiro o capital bancário, portanto o capital em forma de dinheiro que,
desse modo, é na realidade transformado em capital industrial. Mantém
sempre a forma de dinheiro ante os proprietários, é aplicado por eles em
forma de capital monetário – de capital rendoso – e sempre pode ser retirado
por eles em forma de dinheiro. Mas, na verdade, a maior parte do capital
investido dessa forma nos bancos é transformado em capital industrial,
produtivo (meios de produção e força de trabalho) e imobilizado no processo
de produção. Uma parte cada vez maior do capital empregado na indústria é
capital financeiro, capital à disposição dos bancos e, pelos industriais.
(Ibidem, p. 219. Grifos nossos.)
Mas essa definição é incompleta se não se observa também que, nessa relação
entre capital industrial e capital bancário, este passaria a exercer um papel dominante
com relação ao primeiro. Segundo Hilferding, sob a égide do capital financeiro, “a
indústria cai, cada vez mais, na dependência do capital bancário” e, assim, “o magnata
do capital, o capitalista financeiro, concentra a disposição de todo o capital nacional em
forma de domínio do capital bancário” (Ibidem, p. 219).
80
“Portanto, a política do capital financeiro persegue três objetivos: primeiro, a criação do maior território
econômico possível. Segundo, este é fechado pelas muralhas do protecionismo contra a concorrência
72
ocorreria em virtude da nova configuração da concorrência entre capitais no mercado
mundial, por outro, em virtude das mudanças atravessadas pelas economias capitalistas
ao longo dos ciclos econômicos, ou mais especificamente em suas fases de crise.
estrangeira. Terceiro, converte-se assim o território econômico em área de exploração para as associações
monopolistas nacionais” (Ibidem, p. 306).
73
Por outro lado, Hilferding observa que particularmente na Alemanha (e, sob
forma diferente, nos Estados Unidos) o fato de não haver acumulação de capital em
montante necessário para que a indústria se fortalecesse a ponto de concorrer com a
indústria britânica fez com que os bancos possuíssem um papel inteiramente
diferenciado: ali, os bancos deviam desde o início “ser meio para reunir o capital
necessário que, devido [à] escassa acumulação, não apenas o capital individual, mas a
classe capitalista industrial como um todo não possuía” (Ibidem, p. 287). A associação
entre capital bancário e capital industrial assim resultante teria criado também, no
entanto, os novos interesses protecionistas. Enquanto o protecionismo originário visava
proteger indústrias débeis da concorrência externa, a sustentação de tarifas se torna
posteriormente bandeira justamente das indústrias mais fortes e capazes de concorrer no
mercado mundial. Isso ocorreria porque, associado à cartelização, o protecionismo
permitiria um aumento ainda mais acentuado dos lucros, cuja fonte seria um aumento
do preço interno com relação ao preço internacional, representando uma dedução da
renda dos consumidores em benefício do capital cartelizado. 81
Por outro lado, na medida em que o aumento dos lucros de cartel entraria em
contradição com a necessidade de ampliação da escala de produção (como forma de
reduzir custos), a exportação de mercadorias se torna elemento central da política dos
cartéis, tão logo estejam relativamente exauridas as possibilidades de ampliação do
mercado por meio da destruição de capitais menores. O problema aqui é, então, que se o
protecionismo torna-se política generalizada, transforma-se ele, novamente, em
obstáculo aos capitais cartelizados. A cartelização reforça a importância dos territórios
econômicos para o capital, mas o protecionismo, que no plano nacional estabiliza e
faculta lucros extraordinários ao capital, no plano internacional fraciona este espaço e
restringe as possibilidades de desenvolvimento das forças produtivas. 82
81
Segundo Hilferding (1985, p. 289), passa a ser interesse do capital a sustentação das tarifas aduaneiras
mesmo quando essas não afetassem diretamente os produtos por ele produzidos: “Sabemos que o preço
do cartel, em paridade de condições encontra seus limites na taxa de lucro das demais indústrias. Se, por
exemplo, aumenta a taxa de lucro na indústria mecânica com o aumento das tarifas sobre máquinas, os
cartéis do ferro e do carvão podem subir seus preços e, dessa forma, apropriar-se de uma parte ou,
eventualmente, de todo o lucro extra da indústria de maquinaria”.
82
Note-se, não seria impossível, contudo, que o processo de cartelização ocorresse sem o
desenvolvimento do protecionismo. Não obstante, esse não parece ser o resultado mais esperável: “é certo
que a monopolização avança também sem protecionismo. Com isso, porém, primeiro, o ritmo fica muito
dificultado; segundo, a solidez dos cartéis é menor; e, terceiro, é de temer-se a resistência contra cartéis
74
A solução a essa contradição, de acordo com Hilferding, foi a substituição da
exportação de mercadorias pela própria exportação de capital – sendo exportação de
capital entendida como “a exportação de valor destinado a gerar mais-valia no exterior”
(Ibidem, p. 296). Com isso, a generalização do protecionismo contribui indiretamente
com a internacionalização do capital através de sua exportação. 83 A exportação de
capitais possuiria ainda outra função, não menos importante: a funcionalidade de
prolongar o período da prosperidade e atenuar os efeitos das crises, uma vez que dá
aplicação ao capital tornado ocioso na fase descendente do ciclo econômico.
internacionais, já que estes são considerados diretamente como forças de exploração estranhas à nação.
Em contrapartida, o protecionismo assegura ao cartel o mercado nacional, conferindo-lhe uma solidez
muito maior, não apenas pela exclusão da concorrência, mas também porque a possibilidade de
exploração do protecionismo torna-se diretamente a força motriz para a consolidação da cartelização”.
(Ibidem, p. 294)
83
Dados os fins da exposição, não cabe aqui aprofundar este ponto, mas vale mencionar que Hilferding
trata das possibilidades de essa exportação de capitais se dar tanto na forma de migração do capital na
forma de capital produtivo quanto na forma de capital portador de juros, isso é, como empréstimos
internacionais.
75
gerenciador dos interesses do capital para além das fronteiras. Isso se torna
especialmente importante com a exportação de capitais: o Estado assumiria, assim, o
papel de forçar o desenvolvimento capitalista, promover a acumulação primitiva e
forçar o assalariamento nas regiões atrasadas, além de vencer as barreiras postas por
certos marcos legais favoráveis à aristocracia burguesa dessas regiões e que entravam
em conflito com esse desenvolvimento capitalista. Em uma importante passagem de O
capital financeiro, Hilferding coloca:
O primeiro desses pontos não foi muito aprofundado por Hilferding. Dos
aspectos mais significativos ali descritos estão o fato de o autor acreditar que a
“exportação” das relações capitalistas que acompanhou a exportação de capital, em
primeiro lugar, favorecia o desenvolvimento das “colônias”, ainda que reproduzindo
também uma relação de subordinação destas. 84 Ao mesmo tempo, a implantação das
relações capitalistas ocorreria ali já com as características próprias ao capitalismo mais
avançado, e aumentariam também as possibilidades de resistência dos povos
colonizados. É justamente esse último aspecto que coloca a necessidade crescente do
controle por meio violento, político ou militar, das regiões controladas.
84
“Dessa forma, a exportação de capital faz recuar aquela barreira originária da capacidade de consumo
do novo mercado. Ao mesmo tempo, porém, a transferência de métodos capitalistas de transporte e de
produção ao país estrangeiro causa nesse caso um rápido desenvolvimento econômico, o surgimento de
um maior mercado interno, mediante a extinção das relações de economia natural, a expansão da
produção em escala de mercado. Com isso, multiplicam-se aqueles produtos que são exportados e que
podem servir, por sua vez, para o pagamento de juro do capital novamente importado” (Ibidem, p. 298).
76
Quanto ao segundo ponto, Hilferding observa que são criadas tendências
contraditórias no cenário mundial: a solidariedade entre capitais oriundos dos países de
capitalismo avançado se contrapõe à tendência para competição pelo domínio de
território mais vasto possível. Em última instância, seria o saldo resultante dessa
equação que definiria a deflagração de guerras de dominação ou não entre as nações
capitalistas. De todo modo, Hilferding parece crer que quaisquer alianças não podem ser
senão temporárias e que a luta entre as nações é tanto mais acirrada quanto maiores
forem as diferenças de poderio econômico e militar entre as nações em questão.
Por fim, na luta pelo domínio do globo, o capital financeiro criaria a forma
ideológica que lhe corresponde. Essa forma aparece pela defesa do protecionismo, mas,
para além disso, se converte em argumentos de superioridade racial, pelo nacionalismo
etc., enfim uma ideologia capaz de oferecer argumentos que justifiquem o desejo de
ubiquidade do capital financeiro e seus atos de força sobre nações adversárias.
85
No entanto, no tocante à questão do imperialismo, Kautsky (2002b, p. 471) acredita, ainda em 1898, ter
se antecipado a Hilferding.
86
Cf. Kautsky (2002, p.446).
87
Embora Kautsky esteja acompanhado de muitos marxistas importantes em tal posição, como é o caso
particularmente de Engels, devemos assinalar nossa discordância. Ao contrapor “produção mercantil
simples” e “produção capitalista”, Kautsky parece apoiar-se em uma interpretação de Marx segundo a
qual o argumento deste em O capital é disposto cronologicamente, criando uma “fissura histórica” entre
as seções I e II do livro. Assim, a “produção mercantil simples” representaria o início da produção
mercantil (pré-capitalista) superada historicamente quando do advento da lógica capitalista de produção.
78
esta permanecesse sempre como base necessária daquela. 88 Por esse motivo, sempre que
porventura ocorresse um desbalanço entre as produções industrial e agrícola, ter-se-ia
uma oscilação nos preços e, consequentemente, crises. De acordo Kautsky, o problema
é que esse desequilíbrio não representa apenas uma possibilidade remota, mas um risco
efetivo:
Essa tendência, porém, não representava grande perigo durante a “fase mercantil
simples”, em virtude da alta taxa de mortalidade urbana e das dificuldades de
abastecimento (tanto de matérias-primas quanto de meios de subsistência) – o que
significava um obstáculo ao próprio desenvolvimento da indústria. Mas quando se passa
à produção capitalista propriamente dita, o quadro seria de todo diverso.
88
“O ponto de partida e a base de todo o processo permanece sempre na agricultura, incluindo aí a
silvicultura. Compete a ela fornecer os meios de subsistência necessários e também uma grande parte das
matérias-primas, para que ocorra a atividade industrial. Por outro lado, pelo menos em condições
primitivas, a agricultura pode, durante algum tempo, produzir menos do que a indústria necessita; o
contrário, no entanto, não pode ocorrer” (Ibidem, p. 448).
79
redução no número de trabalhadores que não é apenas relativa, como na indústria, mas
absoluta. Por outro lado, observa Kautsky, na medida em que evolui, a indústria se vê
frente a um problema inusitado do ponto de vista da produção agrícola, a dificuldade de
realização de suas mercadorias, ocasionada pela concorrência.
Tomando em seu conjunto todos esses fatores, conclui Kautsky (2002, p. 455),
configura-se “a tendência, dentro de um determinado território, para o desenvolvimento
mais rápido da produção industrial que da produção agrícola”, cujo efeito não poderia
ser senão crises periódicas de superprodução capazes de restabelecer o equilíbrio entre
os setores da produção. Com isso, chegamos, enfim, ao ponto no qual se pode falar em
imperialismo.
80
Em segundo lugar, o imperialismo suscitaria o acirramento da rivalidade entre os
Estados capitalistas industriais. Essa rivalidade não se limitaria, é claro, ao âmbito
comercial, estaria na origem do militarismo e da tendência ao conflito aberto entre esses
Estados, que de fato teria se concretizado na guerra mundial que eclodiu por volta do
mesmo período em que Kautsky publicava seu principal ensaio sobre o imperialismo.
O fato de que a política imperialista tivesse sido gestada pelo próprio livre-
comércio não impeliu Kautsky a tomá-la como inevitável, no entanto. O conceito mais
conhecido do autor, o de ultraimperialismo, foi cunhado justamente como forma de
demonstrar que o desenvolvimento da própria política imperialista apontava para outra
direção. Segundo ele, os efeitos negativos da guerra sobre a atividade comercial e os
elevados gastos que essa política requer tornavam o imperialismo insustentável, embora
tais efeitos não ameaçassem o capitalismo em si. O desfecho histórico mais provável
seria, efetivamente, o fim das animosidades internacionais, um armistício ou, mais
ainda, um alinhamento propriamente dito das potências imperialistas mais fortes. Com o
ultraimperialismo nada se alteraria no destino dos territórios agrícolas, que
permaneceriam submissos aos interesses dos Estados capitalistas industriais, mas
cessariam, ainda assim, as ameaças de guerra provocadas pela política imperialista.
Por isso, uma vez que as forças produtivas atinjam certo grau de maturidade,
Bukharin imagina que a economia mundial se torne progressivamente mais importante.
Desse modo, pari passu ao desenvolvimento do capitalismo ocorre o desenvolvimento
da própria economia mundial, de uma parte com a ampliação extensiva dos laços
econômicos, incluindo mais e mais novas regiões anteriormente marginais ao sistema
capitalista; e, de outra, com a ampliação intensiva das relações, que se daria pela
multiplicação e concentração das relações econômicas entre regiões capitalistas. Como
desenvolvimento da economia capitalista, as relações econômicas assim postas em
plano mundial seriam não só de complementaridade na produção, como, é claro, de
89
Cf. Bukharin (1988, p. 24).
90
Por sua vez, a divisão internacional do trabalho seria determinada pelas possibilidades de produção das
diferentes regiões, de acordo com as forças naturais ali presentes, mas também, e principalmente, com o
crescimento desigual das forças produtivas com base em questões sociais, na sua estrutura econômica e
cultural. Cf. Bukharin (1988, p. 18-19).
82
concorrência entre produtores. Assim, ao contrário do que afirmavam as imagens
idílicas da Economia Política Clássica, a economia mundial internacionalizaria a
concorrência capitalista e sua “estrutura anárquica”, resultando em crises industriais e
em rivalidades e guerras entre as distintas nações (Ibidem, p.47-8).
83
Como observaram outros antes de Bukharin, a política imperialista se destina a
abrir mercados seja pela imposição da força econômica ou, quando necessário, pela
força extraeconômica, isto é, pelas relações diplomáticas e pelo poderio militar.
Levanta-se com isso a questão da estreita relação das esferas política e econômica aí
suposta.
do ponto de vista marxista, o estado não é nada mais que a organização geral da classe
dominante, sendo sua função básica preservar e expandir a exploração das classes
oprimidas. O estado é uma relação entre pessoas – uma relação de dominação, poder e
escravização. [...] O chicote não existe para beneficiar os cavalheiros, mas para educar
os escravos – essa é a tese da ciência burguesa em nossos dias. É claro, na realidade as
coisas são bem diferentes. Na medida em que as organizações de poder do estado são
construídas de acordo com um plano e que são conscientemente reguladas (algo que
ocorre apenas a partir de certo estágio do desenvolvimento do estado), na medida, em
outras palavras, que se pode falar em um propósito do estado, esse propósito deve
corresponder aos interesses das classes dominantes e apenas aos seus interesses.91
(BUKHARIN, 1982, p.8-9. Tradução nossa.)
91
E continua o autor: “Essa situação não é de modo algum contrariada pelo fato de que o estado satisfaz,
e ele satisfez, uma variedade de funções socialmente úteis. Estas são simplesmente condições necessárias,
conditio sine qua non para a existência do poder estatal. Assim, as ‘atividades socialmente úteis’ do
estado são essencialmente as condições para prolongar e promover ao máximo a exploração das classes
escravizadas da sociedade contemporânea, acima de todas, o proletariado” (BUKHARIN, 1982, p. 9.
Tradução nossa.). É difícil dizer até que ponto a analogia de Bukharin quanto à “escravidão” não foi
levada longe demais nas passagens – assumindo que o autor desejava estabelecer, de fato, apenas uma
analogia. Mesmo sem pretender entrar no árido terreno da teoria do Estado, por demais complexo para
ser abordado nesse momento, há que se notar que uma teoria na qual o Estado é encarado simplesmente
como um “feitor” do povo, pode ser facilmente apropriada pelo pensamento liberal burguês. De todo
modo, talvez resida parcialmente nisso a polêmica que o artigo gerou inicialmente com Lênin, que teria
rejeitado sua publicação em virtude de suas “consequências anarquizantes”. Cf. Galissot (1989, p. 211 et
seq.).
84
Deixando esse ponto de lado por enquanto, é importante destacar que, na
passagem supracitada, Bukharin considera que seria possível em cada “fase” por que
passou o capitalismo identificar o tipo de política que lhe seria adequada: em seus
primórdios, na época do “capitalismo comercial”, saudou-se com bons olhos a
intervenção estatal, interna e externamente, e tornou-se prática a política mercantilista;
em sua “fase industrial”, a política do capital tornou-se oposta, condenando qualquer
interferência estatal e adotando o liberalismo; por fim, chegava-se à era do “capital
financeiro”, cuja forma política não era outra senão o imperialismo – uma era na qual
não somente o Estado recuperava seus poderes e suas funções, mas na qual o Estado
absorveria todas as outras formas de organização do capital, tornando-se sua única
organização universal. 92 Em outras palavras, de acordo com Bukharin, os interesses do
Estado refletiam sempre os interesses da classe dominante, mas naquele período em
particular – na era do capital financeiro – havia uma tendência ainda mais forte, a qual
transformava toda a economia nacional em um truste capitalista nacional.
É justamente aqui que se deve voltar à questão de que o imperialismo fosse tido
como a política própria ao capital financeiro. Bukharin (1988, p.111) define o truste
capitalista nacional como o momento em que “a economia do país transforma-se em
gigantesco truste combinado, cujos acionistas são os grupos financeiros e o Estado”.
Seguindo Hilferding de perto, ele argumenta que o desenvolvimento lógico dos
processos de concentração e centralização de capital é a supressão da concorrência e a
formação dos trustes e cartéis capitalistas, em virtude do movimento desencadeado com
a supressão e anexação dos capitais mais fracos. No comando deste processo se
colocaria o capital bancário e, por meio deste, os interesses dos distintos trustes
capitalistas de uma nação homogeneizar-se-iam sob os auspícios do capital financeiro.
92
Cf. Bukharin (1982, p. 28 et seq.). Particularmente sobre o último ponto, diz Bukharin (1982, p. 28):
“se o liberalismo e o capitalismo industrial eram a negação do mercantilismo e do capital comercial, então
o imperialismo, tendo o capitalismo financeiro como sua base, é a negação da negação do ponto de vista
do desenvolvimento das funções do poder estatal”.
85
política, uma política de conquista, cujos resultados seriam novamente a “anexação” das
economias mais fracas, formando o que o autor chamou de unidade econômica
combinada.
Seja como for, é importante ter em mente certos fatos para a discussão desse
assunto. Primeiro, Lênin aprovou ambas as formas dadas ao título. 93 Isso dá a entender,
nos parece, que o autor muito provavelmente considerava as duas formas como
realmente intercambiáveis ou, ao menos, igualmente apropriadas. Logo, a “questão” em
torno do título só se torna de fato uma questão a partir do debate que se estabelece entre
os leitores de sua obra. Há, porém, outra parte do subtítulo original que deveria ser
considerada ao menos tão elucidativa quanto o título, a saber, a expressão “ensaio
popular”. Em outras palavras, caso se pretenda discutir, partindo de seu título, em que
medida a teoria de Lênin apresentava um caráter teleológico (isto é, uma visão fatalista
da história), então parece que não se deveria perder de vista que o texto foi escrito como
um panfleto. Sem pretender com isso diminuir sua obra, torna-se necessário tomar com
mais reservas certas afirmações mais taxativas ali presentes.
Voltando ao tema principal que nos ocupa por hora, percebe-se então o porquê
de a definição de Lênin sobre o imperialismo parecer tão ampla (quando afirma que tal
definição deve incluir os suprarreferidos pontos). Para Lênin, definir o imperialismo era
definir toda uma época particular do capitalismo. 94 Para ele, a política de expansão
93
Andreucci (1984, p. 274-275) nota que, se se observa os títulos em diversas línguas, autorizados por
Lênin em pessoa na década de 1920, vê-se que ambas as formas encontraram respaldo do autor.
Andreucci ainda examina brevemente as circunstâncias que cercaram a publicação do opúsculo e registra
que se alguma coisa preocupava Lênin com relação ao título da obra era o problema de utilizar a palavra
“Imperialismo” ou, por conta da censura russa, substituí-la por “características fundamentais do
capitalismo de hoje”. Sobre essa questão, consultar também a bibliografia citada em Sotelo Valencia
(2009, p.184).
94
Não é possível, por isso, concordar inteiramente com certos críticos para os quais a definição de Lênin
era excessivamente esquemática. Por exemplo, em Brewer (1990, p. 117. Tradução nossa.), que
(des)qualifica seu trabalho primordialmente como um panfleto político destinado a combater Kautsky, lê-
se: “o método básico de Lênin foi definir uma série de correntes ou tendências [trends or tendencies] no
desenvolvimento do capitalismo no período em que escrevia e documentar cada uma com evidência
factual. [...] O problema com esse método é que cada tendência é descrita separadamente e suas
87
territorial desse período, por outros definida como imperialismo, seria apenas um
aspecto – certamente um dos mais importantes, mas ainda assim apenas um aspecto e
cuja existência dever-se-ia à associação cada vez maior entre capitais.
interconexões são examinadas apenas de passagem ou em seções polêmicas dirigidas contra Kautsky”.
Talvez as críticas de Brewer não sejam de todo injustificadas, mas julga-se que é francamente equivocado
afirmar, tal como ele faz, que a teoria de Lênin não mostra como essas tendências se ligam dentro de um
movimento desencadeado pela monopolização da economia – tida por Lênin como a primeira e mais
importante das tendências encontradas – razão pela qual afirma que “se for necessário dar uma definição
o mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do
capitalismo” (LÊNIN, 1979, p. 641). Aliás, tanto não é difícil perceber a ligação entre as cinco tendências
apontadas por Lênin naquela definição que elas foram de algum modo percebidas pelos principais autores
que o antecederam, inclusive naqueles em que ele declaradamente se apoia, i.e. Hobson e Hilferding.
95
Vale observar, no entanto, que as coincidências com Kautsky param por aí. Lênin (1979, p. 642 et seq.)
se dedica a proceder quase que numa exegese crítica do pensamento de Kautsky e, particularmente, rejeita
a ideia de que o imperialismo se trate da anexação de regiões agrárias. Voltaremos a essa questão na
próxima seção deste capítulo.
96
Cf. Callinicos (2009, p. 64).
88
do mundo, para o parasitismo capitalista de um punhado de Estados riquíssimos”
(LÊNIN, 1979, p. 622); de outro, o autor considera a inversão capitalista no estrangeiro
sob o prisma de acelerar o desenvolvimento daquelas regiões: “a exportação de capitais
repercute-se no desenvolvimento do capitalismo dentro dos países em que são
investidos, acelerando-o extraordinariamente”.97 (Ibidem, p. 623)
97
Lênin (1979, p. 623) prossegue observando que “se, em consequência disso, a referida exportação
pode, até certo ponto, ocasionar uma estagnação do desenvolvimento nos países exportadores, isso só
pode ter lugar em troca de um alargamento e de um aprofundamento maiores do desenvolvimento do
capitalismo em todo o mundo”. Segundo ele, os países desenvolvidos dispõem de instrumentos para se
beneficiar de tal arranjo, criando cláusulas para os empréstimos, forçando os hospedeiros de seu capital a
adquirir suas mercadorias etc.
98
Segundo Lênin (1979, p. 636) essa forma de domínio, mantendo a independência formal, não seria a
forma “mais cômoda” para a política imperialista no período, mas aquela que acaba por emergir em um
momento no qual o “resto do mundo já se encontrava repartido”. Vale observar, no entanto, que ainda
admitindo que o autor tenha razão no que tange a época que analisou, sua observação contribuiu em
grande medida para formulações mais recentes sobre imperialismo. Sua discussão remete particularmente
à teoria da dependência, desenvolvida na América Latina na década de 1970, e ao debate mais recente de
“império informal”, como desenvolvido por Panitch & Gindin (2006).
89
Por outro lado, a busca de expansão territorial do capital não exclui nunca a
possibilidade de repartilha e conduz, dessa forma, ao conflito de interesses e ao
acirramento da rivalidade entre as potências capitalistas. Estariam aí as razões para a
escalada do militarismo, a corrida armamentista e, é claro, a guerra entre as nações.
Duas questões encerram a visão de Lênin e com ela essa seção do capítulo. A
primeira diz respeito à qualificação do monopólio como uma forma “parasitária” do
capital que denotaria a “decomposição” do modo de produção capitalista. A associação
entre imperialismo e o “parasitismo” remete diretamente a Hobson. 99 Seguindo uma
tradição de progressistas britânicos, particularmente aqueles ligados ao movimento
fabiano, Hobson havia desde o fim do século XIX adotado essa analogia biológica para
descrever a sociedade inglesa. 100 Sua ideia básica era que os ricos ingleses se tornavam
cada vez mais uma “classe parasitária”, a qual nada produzia, mas se alimentava das
demais camadas da sociedade. Em sua análise do imperialismo, Hobson primeiro
estabelece o “parasitismo econômico” da classe dos rentiers, especialmente dos
financistas, a partir de sua oposição com a indústria. 101 Contudo, posta no comando da
nação, essa classe era capaz de determinar os rumos da política internacional: o
imperialismo seria, em si, uma política parasitária para obter ganhos (não merecidos)
com o prejuízo de outras nações. Hobson acreditava ainda que, como um ganho indébito
e danoso à sociedade, o parasitismo levava à “atrofia”: “o fim lógico de uma sociedade
que vive de uma renda não merecida seria a morte por sua gula, ou por inabilidade para
digerir e assimilar sua comida” (HOBSON apud CAIN, 2002, p.41. Tradução nossa.).
99
Cf. Hobson (2005, cap. 4).
100
Cf. Cain (2002, p. 40). A Sociedade Fabiana era um grupo de intelectuais ingleses, criada no fim do
século XIX, do qual faziam parte, entre outros, Bernard Shaw, Sydney Webb e Beatrice Webb. O grupo
começou um movimento inspirado no socialismo utópico cuja ideia principal era lutar por um socialismo-
democrático que pudesse ser atingido sem a necessidade de revoluções. Cf. Teixeira (2002, p. 321,
passim).
101
Cf. Hobson (2005, p. 46 et seq.).
90
a exportação de capitais, uma das bases econômicas mais essenciais do
imperialismo, acentua ainda mais este divórcio completo entre o setor dos
rentiers e a produção, imprime urna marca de parasitismo a todo o país, que
vive da exploração do trabalho de uns quantos países e colônias do ultramar.
(Ibidem, p. 650)
102
A descrição que Lênin estabelece aí do imperialismo é de um “capitalismo agonizante”, em suas
próprias palavras, e nos remete novamente à questão da socialização da produção posta pela
monopolização e ao debate sobre até que ponto essas descrições do imperialismo são teleológicas. A esse
respeito, vale acrescentar que, de acordo com Lênin (1979, p. 668), “seria um erro pensar que esta
tendência para a decomposição exclui o rápido crescimento do capitalismo. Não; certos ramos industriais,
certos setores da burguesia, certos países, manifestam, na época do imperialismo, com maior ou menor
intensidade, quer uma quer outra dessas tendências. No seu conjunto, o capitalismo cresce com uma
rapidez incomparavelmente maior do que antes, mas este crescimento não só é cada vez mais desigual
como a desigualdade se manifesta também, de modo particular, na decomposição dos países mais ricos
em capital (Inglaterra)”. Não obstante, ele acrescenta, pouco depois, “nos encontramos perante uma
socialização de produção, e não perante um simples ‘entrelaçamento’, percebe-se que as relações de
economia e de propriedade privadas constituem um invólucro que não corresponde já ao conteúdo, que
esse invólucro deve inevitavelmente decompor-se se a sua supressão for adiada artificialmente, que pode
permanecer em estado de decomposição durante um período relativamente longo (no pior dos casos, se a
cura do tumor oportunista se prolongar demasiado), mas que, de qualquer modo, será inelutavelmente
91
Por fim, a última questão a ser tratada diz respeito aos efeitos dessa formação de
Estados usurários sobre a classe trabalhadora. De acordo com Lênin, mais uma vez
valendo-se de Hobson, os ganhos provenientes da política parasitária no estrangeiro
permitem ao capital financeiro “comprar o apoio popular” e cooptar certas camadas da
classe trabalhadora. Uma vez que a posição privilegiada de certas nações nas disputas
internacionais lhe garantia ganhos excepcionais, por meio da exploração de territórios
atrasados, e que uma parte (por menor que fosse) desses ganhos se dirigiria para uma
camada da classe trabalhadora, uma parte dessa classe, os oportunistas, como
qualificados por Lênin, passava a identificar seus interesses não com os trabalhadores
de todo o mundo – com os quais possuíam uma identidade substantiva de condições –,
mas com os interesses de suas respectivas burguesias nacionais, criando ao mesmo
tempo fissuras na organização trabalhadora e apoio para burguesia.
Para Lênin, essa tendência, embora central desde a perspectiva marxista, não era
em absoluto nova, como demonstraria uma carta escrita por Engels a Kautsky:
suprimida”. Convém lembrar aqui mais uma vez, no entanto, que a proposta de Lênin era desde o início
que este fosse um “ensaio popular”.
92
de toda sua polêmica contra Kautsky, Lênin tenha se referido sempre a este pelo
adjetivo “oportunista”.
103
Escapa ao escopo do presente trabalho uma análise mais detalhada sobre a discussão de Luxemburgo
sobre os esquemas de reprodução. Por isso, limitar-nos-emos aqui a apresentar aqueles elementos que são
indispensáveis para sua teoria do imperialismo, tentando também nos esquivarmos dos amplos debates
93
Inicialmente, Luxemburgo (1985, cap. 1-4) se debruça sobre as análises
burguesas e a reprodução simples apenas para mostrar a insuficiência destas em dar
conta da produção capitalista, isto é, em explicar o modo pelo qual pode o capital de
uma sociedade crescer de um período a outro. As dificuldades, na opinião da autora,
começam a aparecer na análise de Marx quando trata da “circulação do dinheiro” e se
concretizam de fato com a análise da reprodução ampliada. Assim, de modo
ultrassintético, a grande preocupação de Luxemburgo é que os esquemas vinham sendo
utilizados por autores marxistas da época para dar a entender que seria possível uma
reprodução capitalista livre de crises – e, parecia-lhe, essa visão se amparava em um
equívoco do próprio Marx.
Ainda segundo Luxemburgo, Marx teria encontrado uma solução, segundo ela
ad hoc, para o problema: introduzir nos esquemas o “produtor de ouro”, como um deus
ex machina, capaz de criar recursos para viabilizar a acumulação. Todavia, essa
“solução” idealizada por Marx pouco ajudaria, já que levava a crer na possibilidade uma
reprodução harmônica do capital, eliminando as contradições do processo de
acumulação e findando por negar a própria teoria marxista. 104
críticos com relação à autora, que serão abordados apenas quando forem inevitáveis. Algumas
apreciações críticas sobre o tema dos esquemas de reprodução em Luxemburgo podem ser encontradas
em Bukharin (1976), Rosdolsky (2001, apêndice II a cap. 2; cap. 30), Carcanholo (1996, cap. 2).
104
“A ideia básica dessa concepção [de Marx no livro III] é a contradição imanente que existe entre a
capacidade de expansão ilimitada da produtividade e a capacidade de expansão limitada do consumo
social, dentro das condições capitalistas de distribuição. Conforme o esquema, não existe entre a
94
Por isso, de acordo com Luxemburgo, a resposta de Marx era insuficiente: o
resultado a que conduziam os esquemas de reprodução apontariam (corretamente) para
uma escassez de demanda, necessária para realizar a mais-valia acumulada, e não para
uma mera escassez de dinheiro. Portanto, o problema é que o equívoco de Marx seria
anterior, residindo na suposição, incorreta inclusive do ponto de vista histórico, de que a
acumulação se processava apenas com base no consumo de duas classes e que a
acumulação de capital se processava em um mundo plenamente capitalista. Dito de
outro modo, se assim fosse, tanto o mercado consumidor, quanto os elementos materiais
necessários à produção deveriam se encontrar no interior do modo de produção
capitalista. Mas, segundo Luxemburgo, a própria história ensinaria que isto não ocorre,
que a produção capitalista interage com a produção não-capitalista; mais que isso, que a
reprodução ampliada depende da capacidade do capital de se expandir incorporando as
esferas não-capitalistas do mundo. Em uma frase, a acumulação de capital dependeria,
necessariamente, de seu entrelaçamento com um mercado externo.105
produção de mais-valia e sua realização nenhuma contradição imanente mas, pelo contrário, uma
identidade imanente. No esquema, a mais-valia vem ao mundo de antemão, em sua forma natural e
adequada exclusivamente às necessidades da acumulação. [...] Com isso impõe-se a possibilidade de sua
realização, que é inerente ao próprio impulso de acumulação dos capitalistas. [...] Para o processo de
reprodução, tal qual o esquema o descreve, a capacidade de consumo da sociedade não constitui, portanto,
nenhum limite imposto à produção. [...] Porém, conforme a análise apresentada no volume III, ‘o mercado
tem de ser ampliado continuamente’, pois ‘o mercado’ deve transcender evidentemente o consumo dos
capitalistas e dos operários” (LUXEMBURGO, 1985a, p. 237).
105
“A partir daí podem ser revisados os conceitos de mercado interno e externo que tiveram papel
exponencial na polêmica em torno do problema teórico da acumulação. No intercâmbio capitalista interno
pode-se, no melhor dos casos, realizar apenas partes determinadas do produto social total: o capital
constante utilizado, o capital variável e a parte consumida da mais-valia. Em contrapartida, a parte da
mais-valia que é destinada à capitalização tem de ser realizada ‘externamente’. Apesar de a capitalização
da mais-valia ser o objetivo específico e a mola propulsora da produção, a renovação dos capitais
constante e variável (assim como da parte consumível da mais-valia) constitui, por outro lado, a base
ampla e pré-condição da produção. E se com o desenvolvimento internacional do capital a capitalização
da mais-valia se torna a cada instante mais urgente e precária, de modo absoluto enquanto massa, bem
como em relação à mais-valia, essa base de capital constante e variável, por sua vez, também se torna
cada vez maior. Daí o fato contraditório de os antigos países capitalistas representarem um para o outro,
mercados cada vez maiores e imprescindíveis, e se digladiarem ao mesmo tempo mais intempestivamente
na qualidade de concorrentes e em função de suas relações com os países não-capitalistas”.
(LUXEMBURGO, 1985a, p. 251-252)
95
dar vazão às contradições que criam sua tendência à crise, amplia-se a fração do globo
em que a produção opera de modo capitalista e – na medida em que também essas
regiões passam a depender de sua capacidade de expansão externa – amplia também a
rivalidade internacional. Tem-se aí um esboço da teoria do imperialismo de
Luxemburgo (1985, p. 305).
Ainda que a apreciação luxemburguiana da teoria de Marx seja, e não por mera
questão de “ortodoxia marxista”, severamente criticada, sua análise do imperialismo
como parte necessária da acumulação capitalista teve, também com razão, grande
influência. Antes de continuar a expor o argumento de Luxemburgo, algumas
considerações se fazem necessárias.
106
Cf. Brewer (1990, p. 119).
96
mesmo dentro de países e regiões já dominadas pelo capital. 107 A despeito dessa
segunda possibilidade, claro está que conforme se esgota o raio de atuação do capital se
tornaria cada vez mais necessário avançar sobre o mundo não-capitalista, destruindo as
“economias naturais”, para usar os termos da autora.
107
Como posto em certa altura de sua “anticrítica”, na qual Luxemburgo reafirma sua crítica ao esquema
marxiano: “todo mundo sabe que jamais houve, nem mesmo existe hoje, país algum em que só haja
produção capitalista, ou só existam capitalistas e trabalhadores assalariados”. (LUXEMBURGO, 1985b,
p. 338)
97
uma parte da mais-valia é acumulada. Assim, a diferença entre as duas se
apresenta no valor de uso que é comprado pela mais-valia. Os esquemas de
reprodução analisam a circulação de mercadorias, levando em consideração o
fato de que a mercadoria é uma unidade contraditória entre valor e valor de
uso. Assim, a realização das mercadorias seria um processo de realização não
só do valor, mas deste materializado em valores de uso específicos. Ao
privilegiar o aspecto quantitativo da realização, Rosa Luxemburgo não tratou
do seu aspecto qualitativo. Para os esquemas de reprodução, interessa a
análise do quanto é realizado e do que é comprado. Novamente, percebe-se a
incompreensão da autora do que é mercadoria singular. Isto a leva a perder de
vista as compras intersetoriais (consumo intermediário), que é o elo teórico
que lhe falta para entender o significado de que são os próprios capitalistas
que demandam a mais-valia.
108
Luxemburgo (1985a, p. 254) sintetiza os objetivos econômicos perseguidos pelo capitalismo na luta
contra a economia natural: “1) Apossar-se diretamente das principais fontes de forças produtivas, tais
como terras, caça das florestas virgens, minérios, pedras preciosas e metais, produtos vegetais exóticos,
como a borracha etc.; 2) ‘Liberar’ força de trabalho e submetê-la ao capital, para o trabalho; 3) Introduzir
a economia mercantil; 4) Separar a agricultura do artesanato”.
98
econômico-sociais dos nativos, assim como pela desapropriação violenta de
seus meios de produção e pelo roubo de sua força de trabalho.
(LUXEMBURGO, 1985a, p. 254-5. Grifos nossos.)
Com isso, a tendência passaria a ser que essas regiões se engajassem na luta por
sua emancipação (capitalista) e por uma revolução de sua “estrutura estatal arcaica”, de
modo a pôr em seu lugar outra, mais adequada ao capitalismo. Quando chega a essa
fase, o capital faria dos empréstimos internacionais seu método principal de atuação.
Através desses empréstimos as nações capitalistas mais antigas transformariam em
capital o dinheiro de todas as camadas da sociedade e em capital produtivo o capital-
dinheiro ocioso, além de ser essa a melhor forma para as velhas nações “tutelarem”
(politicamente) esses novos Estados capitalistas. Historicamente, sugere Luxemburgo,
99
esta última etapa ocorre justamente no período imperialista ou fase imperialista da
acumulação.
100
Nesse sentido, é atribuído ao militarismo a capacidade de servir ao capital não apenas
por questões políticas, mas também na capacidade de criação de demanda e
consequentemente na redução da tendência que empurra para a crise as economias
capitalistas.109
109
Uma vez que não pretendemos nos alongar sobre o debate dos esquemas de reprodução em
Luxemburgo, não nos deteremos também sobre este ponto. Sinteticamente, o argumento da autora é que
para entender como funciona a indústria bélica, é preciso incluir naqueles esquemas um novo elemento: o
Estado. Como demandante e condutor da indústria bélica, o Estado tem o poder de alterar a forma pela
qual o valor se distribui na sociedade (podendo se constituir em nova forma de extração de mais-valia). O
efeito total da atuação estatal seria distinto a depender de como seriam financiados seus gastos
(particularmente os militares).
110
Para fazer justiça a Luxemburgo é importante acrescentar ainda que, embora veja nessa contradição
razões para crer que o capitalismo estava fadado ao declínio, ela não deduziu daí a inevitabilidade do
socialismo. Como sugere a autora em outra obra, seriam futuros igualmente factíveis socialismo ou
barbárie (Luxemburgo, 1915).
111
É claro, porém, que, como autora de grande influência, Luxemburgo debateu ativamente com outros
renomados marxistas do período. Cf. Luxemburgo (1985b).
101
que seriam seus erros metodológicos. No que toca a teoria do imperialismo, podemos
sistematizar a crítica de Bukharin em três momentos: primeiro, crítica à teoria das
crises que compeliam Luxemburgo a crer na necessidade das sociedades pré-capitalistas
para acumulação de capital; segundo, explicação alternativa para as razões da expansão
mundial capitalista; terceiro, afirmação da necessidade de se considerar o capital
financeiro e a tendência à monopolização ao definir o imperialismo.
112
Cf. Bukharin (1976, p. 277-278).
102
Com relação ao ponto (3), Bukharin está se referindo ao fato de a taxa de lucro
ser maior nesses territórios em virtude do menor desenvolvimento das forças produtivas
e da maior exploração da força de trabalho (em virtude da utilização de “escravos, cules
etc.”). 113 Mediante tal crítica, o autor não exclui que Luxemburgo tivesse razão em
afirmar que o capitalismo tem como única relação previsível com os modos de produção
não-capitalistas a absorção até o limite de seu desaparecimento – algo confirmado
inclusive historicamente – mas indaga sobre a causa de tal relação (BUKHARIN, 1976,
p. 299).
113
Bukharin (1976) está nessa passagem citando diretamente um trecho de O capital no qual se lê que o
comércio exterior serve como causa contrariante para a tendência à queda da taxa de lucro. Cf. Marx
(1986, p. 181). Não obstante, é preciso lembrar aqui que este ponto – da maior taxa de exploração em
territórios onde a produção capitalista é menos desenvolvida – pode ser considerado ainda hoje um ponto
controverso. Assim, não tomando a afirmação marxiana de modo dogmático, o assunto parece ser bem
mais intrincado do que pretendia Bukharin (1976, p. 307. Grifos do original) ao resumir que: o capital é
aplicado nas colônias “na caça de lucros máximos, procura de força de trabalho mais barata e,
simultaneamente, a taxa de exploração [torna-se] mais elevada. A diferença na remuneração da força de
trabalho, que está funcionalmente relacionada com o lucro, é a verdadeira razão que preside esta caça”.
114
Cf. Bukharin (1976, p. 313). É válido dizer, porém, que Bukharin considera a análise de Luxemburgo
superior a de Kautsky na medida em que ao menos extrai dela a necessidade histórica do imperialismo, o
que ele considera ser um dos méritos da análise de Luxemburgo (Ibidem, p. 331).
103
Bukharin trataram do imperialismo abertamente como uma forma de política e de
ideologia. O principal problema relacionado a essa definição diz respeito à necessidade
do imperialismo.
A posição criticada por Kautsky não é outra senão aquela adotada por Lênin.
Este, por sua vez, defende-se (e contra-ataca) observando, em primeiro lugar, que a
definição postulada por Kautsky associava, de modo absolutamente arbitrário, o
imperialismo exclusivamente à anexação de territórios agrícolas, deixando de ver com
isso que nessa fase do capitalismo cabia ao capital financeiro o papel predominante. Em
segundo, e mais importante nesse momento, Lênin (1979, p. 644) explica por que o
imperialismo deveria sim ser enxergado como uma fase, e não como mera política:
115
Apesar de defini-lo como uma política, Bukharin (1988, p. 133) é, dentre os quatro, quem mais se
distancia dessa noção quando, no debate contra Kautsky, afirma que “o imperialismo não é só um sistema
intimamente ligado ao capitalismo moderno: é seu elemento essencial”.
104
compatíveis com o modo de atuar não monopolista, não violento, não
anexionista, em política. Conclui-se que a partilha territorial do mundo,
terminada precisamente na época do capital financeiro, e que é a base da
peculiaridade das formas atuais de rivalidade entre os maiores Estados
capitalistas, é compatível com uma política não imperialista. Daqui resulta
que, deste modo, se dissimulam, se ocultam as contradições mais
fundamentais da fase atual do capitalismo, em vez de as pôr a descoberto em
toda a sua profundidade; daqui resulta reformismo burguês em vez de
marxismo.
116
Ver também Fontes (2008, p.81).
105
Assim, a divergência entre Kautsky e Lênin – que, ademais, pode ser encarada
como uma divergência também com Bukharin e com Luxemburgo (que igualmente
rejeitava a possibilidade de uma paz entre as potências imperialistas, tendo tido papel
ativo na luta contra o centrismo de Kautsky entre os marxistas alemães no período) –
precisa ser entendida como mais que mera divergência teórica, devendo-se olhar
também para suas consequências para a linha de atuação dos movimentos dos
trabalhadores em um período de grande ebulição social na Europa. Nesse sentido, como
observa Teixeira (2002, p. 331), a teoria de Kautsky apresentava “como estratégia para
a social-democracia, o apoio à fração da burguesia que queria a paz e a luta pelo
desarmamento”, posição que foi aprovada no Congresso do SPD (sigla para
Sozialdemokratische Partei Deutschlands, o partido comunista alemão, do qual Kautsky
era dirigente) de 1912 e da qual “não recuou nem mesmo quando se iniciou a Primeira
Guerra Mundial”. E precisamente por isso, a perspectiva de Kautsky representava para
Lênin um exemplo ímpar dos efeitos do oportunismo sobre a classe trabalhadora.
Mais que uma discordância entre intelectuais marxistas e/ou líderes políticos, o
debate entre Kautsky e Lênin explicita uma divergência de posições típica de seu
período, revelando as fissuras do marxismo e do movimento comunista em geral (que
culminaram com a “derrocada” da Segunda Internacional). Relevando-se, contudo, as
divergências aí colocadas, já amplamente conhecidas, particularmente no que tange ao
debate sobre a possibilidade de uma via política para o socialismo, nos interessa
observar o modo como ambas as posturas foram influenciadas pelo debate sobre a
tendência à monopolização e a historicidade do capitalismo.
107
É significativo que quase todos os analistas vejam de imediato, na (bastante
conhecida) passagem supracitada, o determinismo histórico leniniano, mas
pouquíssimos atentam para o que – em se fazendo as reservas necessárias à análise de
um documento sabidamente não acadêmico – pode ser tido como o mais relevante: que
a tendência observada pelo autor sob a forma da monopolização corresponde, em seu
conteúdo, à socialização da produção, e que, portanto, a “revolução socialista”
corresponderia a criar a forma de distribuição (como já colocado por Hilferding no
trecho destacado anteriormente) adequada a essa produção socializada por meio da
abolição da propriedade privada. Lênin (2005, p. 105) é ainda mais enfático a esse
respeito em um dos diversos textos políticos da Rússia pré-revolucionária:
117
Ainda que não se depreenda daí uma determinação exclusivamente da distribuição (em sentido estrito)
na concepção do socialismo, ou seja, como distribuição dos produtos (ou de riqueza, de modo amplo), é
bastante notório que o problema fundamental está posto para Lênin, sim, na contradição entre as classes:
“No fundo, todo o problema do controle se reduz a quem controla, isto é, que classe tem o controle e qual
é a classe controlada” (LÊNIN, 2005, p. 92).
108
Marx, deveria ter-se comportado no sentido de sua autossupressão, enquanto
o movimento operário marxista real, muito ao contrário, chegou à
autoafirmação consequente do “trabalhador”.
De outra parte, acredita-se, com Elmar Altvater (1987, p. 15-16), que o debate
sobre a monopolização encontra-se também na raiz da outra tendência principal
apresentada no interior do marxismo do período. Recorde-se que a ideia de Kautsky de
que o desenvolvimento das relações imperialistas seria capaz de fazer emergir um
período de “competição pacífica”, rechaçada por seus principais contemporâneos no
debate do imperialismo, não rejeitava a tese hilferdinguiana do capital financeiro e da
monopolização da economia. Essa posição refletiria a ideia de que, ao invés de acirrar
as contradições e conduzir o capitalismo ao declínio, a tendência à monopolização
demonstrava que o capitalismo estava “se organizando”. Seguindo Altvater, pode-se
concluir que tal posição levada ao extremo (na concepção de capitalismo organizado)
explica a posição “reformista” assumida por parte do antigo movimento dos
trabalhadores porque supõe que “a passagem da concorrência ao monopólio é uma
superação, uma supressão das leis gerais do modo de produção, uma vez que as leis
coercitivas exteriores da concorrência são identificadas com as leis imanentes do modo
de produção” (Ibidem, p. 21). Mas nesse caso, a transformação social para “abolir o
modo de produção capitalista” seria possível e estaria em curso (se não estivesse até
109
mesmo consumada) mesmo sem uma revolução como aquela preconizada pela ala de
esquerda da Internacional Comunista. 118
118
Na análise desta concepção, Altvater (1987, p. 33. Grifos nossos.) observa que “como os monopólios –
graças a seu poder econômico – têm a possibilidade de escapar por algum tempo (logo, nem sempre) às
necessidades determinadas pelas leis de movimento do modo de produção, supõe-se também que outras
grandezas serão cada vez mais condicionadas por fatores políticos se não tanto pela coerção econômica
da sociedade burguesa”. Ao mesmo tempo, após observar a incorreção da teoria do valor subjacente a tal
concepção, que restringe o problema à esfera da circulação do capital, o autor nota que surgiriam as teses
de que “a economia pode ser ‘organizada’ na esfera da circulação” e que “as contradições derivadas do
valor [...] podem ser efetivamente superadas. Deste modo, podem ser determinados quer o objeto da
regulamentação (a economia organizada), quer a esfera da regulamentação (as categorias da circulação,
especialmente o dinheiro). Neste ponto, não é difícil determinar o sujeito da regulamentação: os bancos,
que constituem o sistema nervoso central daquele capital financeiro originado da fusão do capital
industrial e do bancário, e o Estado do capitalismo organizado ou de Estado” (ALTVATER, 1987, p. 35).
110
PARTE II:
AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DO IMPERIALISMO
111
CAPÍTULO 3:
AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS NO FIM DO BREVE SÉCULO XX:
O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
112
Para usar o registro de Eric Hobsbawm, é preciso entender quais foram as
transformações sociais ocorridas no anoitecer do “breve século XX”. 119
119
Hobsbawm (2004) caracteriza como “breve” o século XX por entender que este, ao menos se como
algo mais que mera unidade de contagem do tempo, começava atrasado, com a eclosão da Primeira
Guerra (1914), e acabava prematuramente, com o desmoronamento do socialismo realmente existente
(1991).
113
120
da introdução ou ampliação do sistema de proteção social. Uma das mais
disseminadas interpretações sobre esse período, a da escola francesa da regulação,
caracterizou esse arranjo social, que compreendia certas perspectivas de ganhos para a
classe trabalhadora, pelo nome de fordismo, em referência ao capitalista norte-
americano Henry Ford. 121
120
Alguns dados sobre a introdução/expansão de diversos programas de seguridade social, bem como do
significativo aumento da taxa de cobertura no período, podem ser vistos, por exemplo, em Pochmann
(1995, cap. 1).
121
De modo sintético, o fordismo é entendido como um modo de regulação, isto é, é uma forma de
adaptação do comportamento dos indivíduos às normas sociais vigentes, capaz de garantir uma
compatibilidade entre normas de produção e de consumo. Sobre a escola da regulação, ver, por exemplo,
Lipietz (1989) e Glyn et alli (1990). Vale destacar, entretanto, que alguns autores citados trabalham com
o conceito mesmo sem estar diretamente envolvidos nessa escola – como Harvey (2005) e Bihr (1999).
Por fim, uma análise crítica da perspectiva regulacionista pode ser vista em, por exemplo, em Medeiros &
Oliveira (2001).
122
No mesmo sentido, Hobsbawm (2004, p. 262) observa: “naturalmente a maior parte da humanidade
continuava pobre, mas nos velhos centros industrializados, que significado poderia ter o ‘De pé, ó vítimas
114
Tabela 3.1 – Taxa de crescimento do PNB e PNB per capita: mundo e regiões, 1000–1998
(média composta das taxas anuais de crescimento)
PNB
(*) Tradução para o termo Western offshoots. Compreende: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova
Zelândia.
da fome!’ da ‘Internationale’ para trabalhadores que agora esperavam possuir seu carro e passar férias
anuais remuneradas nas praias da Espanha?”.
115
Tabela 3.2 – Desemprego e inflação nos países de capitalismo avançado, 1950–1998
116
Tabela 3.3 – Crescimento per capita e grau de produtividade: Europa Ocidental e Estados
Unidos
123
Cf. Bihr (1999, p. 36).
124
Evidentemente, essas expectativas se mostrariam frustradas como se pretende deixar claro na
sequência. Embora tenham sido parcialmente atenuados, os ciclos continuaram presentes mesmo no
período, enquanto a crise dos 1960/70 se encarregou mostrar que o fim das “crises” não passara de
wishful thinking. Aliás, é preciso lembrar que a tendência do modo de produção capitalista a impor
barreiras à produção/realização mercantil continua a operar, manifeste-se ela ou não na forma de uma
crise.
117
no controle do nível de atividade econômica e no crescimento, por meio de
várias regulamentações e políticas (relacionadas ao crédito, à quantidade de
moeda e à supervisão das instituições financeiras) e [se envolvia também]
regulando o gasto público de acordo com a situação econômica, de modo a
afetar a demanda e, assim, a produção. Essa responsabilidade
macroeconômica do Estado tendeu a reconhecer de fato o direito ao emprego;
o desemprego de longo-prazo ou suas formas disfarçadas foram, portanto,
consideradas inaceitáveis. A ideia de “distribuir os frutos do crescimento”, e
assim de um aumento dos salários, estava estabelecida. O Estado tornou-se
em toda parte envolvido na educação, na pesquisa e na política industrial, em
alguns momentos assumindo diretamente certos setores da economia.
Acrescente-se a isso o aumento dos sistemas de proteção social (saúde,
família, aposentadoria e desemprego). Três elementos foram combinados: (1)
amplo respeito à iniciativa privada e às regras básicas do jogo capitalista; (2)
intervenção estatal no controle macroeconômico da situação, crescimento (o
que significava certas limitações à iniciativa privada nas finanças e em umas
poucas indústrias) e progresso tecnológico; (3) garantias ao emprego e às
condições de trabalho, assim como um aumento no poder de compra e na
proteção social.
Por último, do ponto de vista político, a denominação “era de ouro” pode ser
também entendida pela relativa estabilidade no cenário mundial entre as grandes
potências capitalistas (sob a indisputável liderança dos Estados Unidos) depois de um
longo período de tensão nas relações internacionais, marcado por duas guerras
mundiais. Isso não significa que as guerras estivessem ausentes da “era de ouro”. Muito
pelo contrário, toda essa era deve ser compreendida no contexto de uma longa guerra, a
Guerra Fria, marcada pela constante ameaça de uma guerra nuclear – garantindo bons
negócios para a indústria bélica no período. Ademais, é importante lembrar que, se não
houve conflitos significativos entre países do Primeiro Mundo, boa parte deles esteve
125
As normas monetárias de Bretton Woods serão descritas com maiores detalhes na próxima seção.
118
diretamente envolvida em inúmeras guerras no mundo subdesenvolvido – desde as
guerras de descolonização da Ásia e da África até a participação direta em outros
conflitos, como no caso norte-americano na Coreia e no Vietnã.
Enfim, o arranjo social conformado na “era de ouro” ficaria marcado pela crença
na capacidade de regular o capitalismo, extirpando o que se entendia serem seus
“grandes males” – a flutuação econômica, as crises, a pobreza etc. – com uma
concomitante estabilidade política (ainda que relativa), garantida pelo equilíbrio de
forças (uma “paz armada”) entre os blocos capitalista e do socialismo real e por um
arranjo que compatibilizava ganhos moderados para a classe trabalhadora (com aumento
dos salários diretos e melhoria das condições de trabalho, em alguns casos, e ampliação
dos sistemas de seguridade social) com a manutenção das condições de lucratividade do
capital e expansão dos mercados. Não tardaria muito, porém, o longo período expansivo
se reverteria, mostrando – para usar a expressão consagrada por Barros de Castro (1979)
– que “o capitalismo ainda era aquele”.
A maior parte da literatura econômica localiza no início dos anos 1970 o ponto
de partida da crise que marca o fim da “era de ouro” do capitalismo e o início da
reorientação que criaria o mundo tal qual o conhecemos, o chamado “capitalismo
contemporâneo”. Antes de discutir as mudanças advindas da profunda reorientação
iniciada por esta crise, convém destacar alguns fatos a ela relacionados.
Posto que o momento da indubitável eclosão da crise ocorreu no início dos anos
1970, grande parte dos estudos associou a causa (ou ao menos o estopim) da crise ao
desmantelamento do sistema de Bretton Woods (com o fim da paridade ouro-dólar, em
126
Cf., por exemplo, Baruco & Carcanholo (2006, p. 6).
119
1971, e o estabelecimento do sistema de câmbio flexível, em 1973) e, sobretudo, ao
impacto gerado pelo “choque exógeno” de oferta promovido pela OPEP, que conseguiu
em um curto período de tempo aumentar incrivelmente o preço do petróleo – como
forma de recuperar as perdas acumuladas desde o início da desvalorização do dólar pós-
1971 e retaliar os Estados Unidos por sua participação na guerra árabe-israelense. 127 Na
medida em que o petróleo desempenhava, já naquele momento, um papel-chave na
matriz energética do mundo, o impacto inflacionário, via aumento de custos, da alta de
preços foi imediato – provocando, ademais, incentivos a mudanças no padrão
tecnológico e organizacional das firmas. 128 (Diga-se de passagem, esse registro ajuda
também a observar que a crise coincide também com uma mudança na “sabedoria
econômica convencional” que passaria a, paulatinamente, abandonar o keynesianismo e
a atribuir aos aumentos do gasto público a crise econômica, promovendo, assim, a volta
do liberalismo no pensamento econômico, discutido em maiores detalhes na última
seção deste capítulo.)
Lançando um olhar mais amplo, contudo, é possível ver que já nos anos 1960 a
economia apresentava sinais de crise. Nesse sentido, considera-se que o Choque do
Petróleo, embora seja um evento da maior relevância, não deveria ser tomado como
mola propulsora da crise. Sob essa ótica, a crise que se precipitou sobre o mundo
capitalista deveria ser vista não como resultado das mudanças “exógenas”, mas como
fruto das tensões internas inerentes ao modo de produção capitalista. 129 Como observa
Carcanholo (2008, p. 249-250):
127
O assunto foi tratado inúmeras vezes pela historiografia econômica. Cf., por exemplo, Eichengreen
(2000), Belluzzo (1997), Fiori (1997). Voltaremos a ele na próxima seção.
128
Cf. Harvey (2005, p. 136).
129
Assim, Mandel (1985, p. 38) observa que: “a incidência real da alta do preço do petróleo sobre a
conjuntura foi dupla: de um lado, acentuando a tendência inflacionária geral – pela alta dos custos e pelo
aumento da liquidez –, precipitou o momento no qual a inflação teve um efeito perverso sobre a
conjuntura e no qual os governos foram obrigados a tomar medidas para, de alguma forma, freá-la; por
outro lado, pensando sobre a taxa média de lucros do capitalista industrial, acentuou o seu movimento de
baixa, o que é a causa fundamental da recessão. Porém, nos dois casos, trata-se de uma amplificação de
um movimento já em curso. A recessão generalizada estava inscrita no ciclo que começou com a recessão
ainda parcial de 1970/71 e que se prolongou com o boom especulativo dos anos 1972/73. Tanto as
capacidades de produção cada vez mais ociosas como a inflação que toma impulso o mostram
incontestavelmente. Ora, esses dois movimentos precedem a quadruplicação do preço do petróleo pela
OPEP no momento da Guerra do Yom Kippur. Esta alta do preço do petróleo não é, portanto, nem a
causa, nem mesmo o detonador imediato da recessão. É no máximo um fator adicional que amplifica a
gravidade da crise”.
120
as crises capitalistas se definem como uma superacumulação, isto é, uma
superprodução de capital incapaz de continuar obtendo seus níveis de
lucratividade anteriores. Superprodução de capital e redução da taxa de lucro
são características das crises de superacumulação de capital. Além do mais,
essas duas características, dado o processo de concorrência intercapitais,
provocam uma expansão da concentração/centralização do capital, que se
transforma em um crescimento da composição orgânica média do capital
(produtividade média), reforçando o efeito de redução da taxa de lucro do
sistema. As crises cíclicas do modo de produção capitalista têm esse
comportamento. Foi exatamente isso – ainda que com formas de
manifestação específicas – o que ocorreu nos anos 1970.
Assim, a variável mais utilizada para demonstrar que a crise que eclodiu nos
anos 1970 apenas tornava aberto um processo em curso desde os anos 1960 é,
indiscutivelmente, a tendência declinante apresentada pela taxa efetiva de lucro. A
Figura 3.1 e a Tabela 3.4 abaixo buscam ilustrar essa tendência. 130 Um primeiro fato
que chama atenção nesse sentido é que a lucratividade já estava em queda mesmo antes
da crise do petróleo ou do fim do sistema de Bretton Woods. A crise dos anos 1970
pode ser vista, assim, como uma forma de manifestação de certas tendências (leis) da
produção capitalista, em operação desde antes de se tornar evidente.
Note-se que não se pretende com isso concordar com interpretações sobre a
crise, sustentadas especialmente por autores de orientação neorricardiana, que a
procuram associar à compressão dos lucros (profit squeeze), enfatizando aí a existência
de um conflito distributivo entre capitalistas e trabalhadores. Tal posição pode ser
resumida, com Marglin & Bhaduri (1990, p. 153-154. Grifos nossos) da seguinte forma:
130
Vale lembrar-se do que foi discutido no capítulo I, a lei tendencial de queda da taxa de lucro opera
sobre a taxa média, que não pode ser confundida com a taxa efetiva. A diferença está posta justamente
pelo grau de abstração entre os preços de produção (taxa média) e os preços de mercado (taxa efetiva).
121
Em última instância, portanto, a crise seria resultado da disputa pela apropriação
do excedente em um momento em que o crescimento da produtividade já não permitiria
ganhos simultâneos para trabalhadores e capitalistas. Entretanto, ainda que nessa
interpretação a crise também seja datada a partir dos anos 1960 e considerada como
consequência do desmantelamento do “fordismo”, pelas contradições do próprio, seu
escopo permanece mais ou menos conjuntural, isto é, referido a características típicas
exclusivamente de uma conjuntura particular. Ademais, a crise é encarada como uma
consequência da queda da taxa de lucro – e não a queda da taxa de lucro vista como
manifestação da crise. Como dito anteriormente, porém, não cabe aqui a contraposição
teórica a esta forma de interpretar a crise. 131
131
Em termos teóricos, uma análise alternativa pode ser construída tomando por base o debate sobre a
tendência à queda da taxa de lucro como fenômeno inerente à produção capitalista e reflexo da própria lei
de movimento desta, como discutido na seção 1.4 e na bibliografia ali referida.
122
Figura 3.1 – Taxa de lucro e taxa de acumulação: Estados Unidos e Europa, 1960-2000 (%)
123
Tabela 3.4 – Taxa de lucro líquido das corporações: países selecionados, 1951-1983 (%)a
Países
Países Reino
desenvolvidos Europac Canadá França Alemanha Itália Japão EUA
desenvolvidosb Unido
(menos EUA)
1951 17,5 14,6 14,8 12,4 10,3 21,7 15 15,2 12,9 20,2
1952 15,9 14,8 15,1 12,6 9 24,8 13,7 14,2 12,6 17
1953 15,4 14,9 15 11,5 8,6 24 13,2 18,9 13 15,9
1954 14,7 15 15,3 9,4 9 23,3 14,3 19,9 13,6 14,5
1955 14,4 16 16,2 12,9 9,3 25,8 14,2 18,3 13,9 13
1956 15,6 15,6 15,8 13,2 9,5 24,9 14,3 18,3 12,7 15,5
1957 14,7 15,7 15,8 10,6 10,8 24,4 13,8 22,5 12,3 13,8
1958 13,1 14,8 15,1 9,1 10,5 22,5 14,3 20,3 11,6 11,6
1959 15 15,3 15,7 9,4 9,8 23,2 15,5 20,4 12,3 14,7
1960 14,9 16,3 16,5 8,8 11,2 22,9 16,6 25,7 13,5 13,5
1961 14,4 15,2 14,9 8,9 11 20,2 16,2 26,4 11,2 13,6
1962 14,9 14,1 13,6 9,3 10,2 18,9 14,8 24,3 10,4 15,7
1963 15,2 13,7 13 9,9 10,4 16,2 12,6 23,3 11,4 16,9
1964 16 14,1 13,3 10,7 11,4 17 10,4 123,3 11,8 18,2
1965 16,7 13,8 13,2 10 11,6 16,5 11,9 121,4 11,2 20
1966 16,4 13,5 12,6 9,7 11,9 15,1 12,8 23 9,8 19,8
1967 15,6 13,8 12,5 9,6 12,6 14,3 13,4 26,3 9,5 17,6
1968 16,2 15,4 13,4 10,2 13,2 15,9 14,9 31,6 9,6 17,2
1969 15,4 15,6 13,8 9,7 14,8 15,8 15,8 30,5 9,3 15,1
1980 9,9 10,3 8,8 9,6 8,5 10,5 11,4 15,4 4,9 9,3
1981 9,6 9,3 7,8 8,5 7,2 9,6 8,3 14,4 5,5 10
1982 8,7 9,1 8 6,8 6,8 9,6 7,7 13,7 6,9 8,1
1983 9,5 9,2 8,4 6,9 7,1 10,7 4,5 12,9 8,6 9,8
Notas: a) Lucro líquido dividido pelo estoque de capital fixo (mid-year) das empresas do setor privado e do setor
público. Séries para Canadá, Alemanha e Itália são aproximações das empresas não-agrícolas e não-financeiras
incluindo os lucros atribuídos aos autoempregados. Série para o Reino Unido inclui a North Seal Oil; b) Países
desenvolvidos são definidos pela média não ponderada dos outros sete países na tabela; c) Europa é definida pela
média dos quatro países europeus.
Como visto, a crise capitalista dos anos 1960/70 manifestou-se em uma queda da
lucratividade do capital. A resposta sistêmica a essas circunstâncias correu na direção
do reestabelecimento das condições de acumulação capitalista, por meio da adoção de
novas formas de atuação do capital, nos planos nacional e mundial, e de um novo
regime de disciplinamento da força de trabalho.
132
Cf. Harvey (2008) e Duménil & Lévy (2004). Sobre a história da difusão do ideário neoliberal, ver
também Anderson (1995; 2003) e nossa tentativa de sumarização desses eventos em Corrêa (2007, cap.
1).
125
mercado” como incontroláveis e, em geral, benéficas. (Voltaremos a esse tema na
próxima seção.) Mas qual foram as grandes mudanças produzidas na esteira da resposta
do capital à sua crise que permitiram tal avaliação?
133
Cf. Bihr (1999, p. 92-93). Ver também Harvey (2005, p. 143 et seq.), Glyn (2006).
126
Figura 3.3 – Inflação e salários reais: países de OCDE, 1963-2003
134
Sobre a ideia da “acumulação flexível” e suas consequências, inclusive em termos ideológicos, ver
também Harvey (2005).
127
Essas novas formas de organização do capital produtivo se encontram associadas
a um contexto que determinou também outra forma de atuação no plano internacional,
marcada pelo aumento dos fluxos de capital em todas as suas formas. Assim, iniciando
a análise pelo comércio internacional, a Tabela 3.5 registra o que parece ser uma
tendência de longo prazo de crescimento do volume de exportações na economia
mundial – apesar da retração sentida em todo o mundo no período 1913-1950, em
grande parte pelas duas guerras mundiais e a grande depressão da década de 1930.
Corroborando essa impressão, a Tabela 3.6 oferece dados que sugerem uma crescente
abertura comercial, embora essa não seja uma tendência indubitável. 135
135
Em seu esforço para mostrar que a dita “globalização” não é nem um fenômeno absolutamente novo,
nem uma força natural inexorável, Hirst & Thompson (1998, p. 51) oferecem dados dos quais se poderia
extrair uma maior internacionalização da economia em 1913 do que na década de 1970. A esse respeito,
porém, mesmo sem entrar em críticas mais profundas, é preciso registrar que o argumento dos autores não
nos parece muito coerente, nesse particular. Isso porque, após apresentarem dados em favor da ampliação
da abertura comercial no período do pós-guerra (ver Tabela 6), os autores simplesmente optam por
sustentar sua avaliação de uma menor “abertura” econômica no início do século XX com base na análise
dos dados referentes à “internacionalização financeira”, mas sem confrontar fundamentalmente a
evidência contrária por eles mesmos apresentada. A título de contraposição, note-se alternativamente que
Bihr (1999, cap. 6), por exemplo, trabalha com a hipótese de que o comércio internacional de fato deveria
crescer vigorosamente no período como resposta ao fim do compromisso fordista (que permitia
privilegiar o mercado interno).
128
Tabela 3.5 – Crescimento das exportações de bens: mundo e regiões, 1870–1998
A. Crescimento do volume de exportações (média composta das taxas de crescimento anuais)
(*) Tradução para o termo Western offshoots. Compreende: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova
Zelândia.
Tabela 3.6 – Abertura comercial desde a Segunda Guerra Mundial (em porcentagem do
PIB)a
b
Países em desenvolvimento ... 28 34,3 38,4
África ... 48,2 55,1 54,4
Ásia ...
Leste ... 47 69,5 87,2
Outrosc ... 17,2 19,6 24
Oriente Médio ... 41,5 60,4 46,9
Hemisfério oriental 26,3 23,9 24,9 27,9
Notas: a) A abertura é definida como a soma das exportações e importações nominais de mercadorias
enquanto uma porcentagem da produção nominal. Os dados agregados são calculados com base nos pesos
de paridade do poder de compra (PPC); b) 1980-87; c) Excluindo-se a China.
129
Embora os dados apontem para uma integração comercial ao longo do século
XX, diversos autores sugerem que a economia mundial é bem menos
“internacionalizada” do que por vezes se faz crer. No caso dos fluxos de comércio isso
se tornaria evidente pelo fato de que a maior parte dos fluxos comerciais continua a ser
polarizado em torno da “tríade” Estados Unidos-Europa-Japão, estando a maior parte do
comércio internacional restrita ao comércio entre esses países. Como pode ser visto na
Figura 3.4, apesar do aumento do fluxo comercial, este permanece especialmente
concentrado em torno dos países desenvolvidos. 136 Chesnais (1996, p. 214-215) observa
ainda que uma tendência atual de extrema relevância sobre o comércio internacional é o
expressivo aumento do volume de transações intracorporativas (Figuras 3.5 e 3.6) – que
inclusive embasa a distinção tradicional entre “doméstico” e “estrangeiro” nos fluxos
internacionais de comércio.
Nota: Para cada grupo de países, o número em negrito indica o montante total de seu comércio exterior; o
quadrinho refere-se ao comércio entre os países do grupo.
136
Cf. também Went (2000, p. 44-45) e Michalet (1985).
130
Figura 3.5 – Comércio exterior das multinacionais: exportações de bens e serviços, 1993
(bilhões de dólares e %)
131
As evidências sobre a maior densidade de relações econômicas internacionais
em torno dos países desenvolvidos, especialmente daqueles que compõem a “tríade”,
são ainda mais fortes quando se passa a olhar para o fluxo de capital sob a forma de
investimento direto estrangeiro (IDE), como mostra a Figura 3.7. Assim como no caso
do comércio internacional, o fluxo de capital sob a forma de IDE apresentou, ao longo
do século, uma tendência de elevação, tendência essa que seria incrivelmente acentuada
a partir do final década de 1980, como deixa claro a Figura 3.8. Ao longo de todo esse
período, os países desenvolvidos retiveram, consistentemente, posição privilegiada
como principal origem e destino do IDE – a despeito da ligeira queda depois da crise de
2008 (ver Figura 3.8 e Tabela 3.8).
Nota: O primeiro número se refere à disponibilidade de capitais exportados em 1990 (em bilhões de
dólares); os percentuais indicam a taxa de crescimento médio anual do capital disponível e dos fluxos. As
taxas de crescimento do capital disponível referem-se ao período 1980-1990. As taxas de crescimento dos
fluxos referem-se ao período 1985-1991.
132
Figura 3.8 – Fluxo de IDE: mundo e grupos de países selecionados
133
Tabela 3.7 – Estoque de IDE: grupos e países selecionados, 1980-2010
Economias Desenvolvidas 401.633 1.562.326 5.653.192 12.501.569 477.203 1.948.084 7.083.477 16.803.536
União Europeia 224.249 760.208 2.322.264 6.890.387 213.005 809.912 3.492.863 8.933.485
França 31.688 97.814 390.953 1.008.378 24.910 112.441 925.925 1.523.046
Alemanha ... 111.231 271.613 674.217 ... 151.581 541.866 1.421.332
Reino Unido 63.014 203.905 438.631 1.086.143 80.434 229.307 897.845 1.689.330
134
Tanto o aumento dos fluxos de IDE quanto o aumento do comércio intrafirmas
estão diretamente associados à estratégia adotada pelas empresas multinacionais, por
meio do já mencionado desenvolvimento de filiais e formação de redes, da terceirização
etc., que conformou o que muitos autores chamam de “internacionalização” ou
“globalização produtiva”. 137
Em segundo lugar, embora a forma de atuação das grandes corporações possa ter
se alterado, particularmente em suas estratégias de internacionalização, um traço
importante que se mantém (como tendência) ao longo do século é a concentração (nos
termos de Marx, centralização) de capital. Uma ideia aproximada sobre o assunto pode
ser vislumbrada a partir dos números citados por Chesnais e reproduzidos no Quadro
3.1.
137
Foge aos nossos objetivos um esforço interpretativo maior sobre esse fenômeno. Há uma literatura
mais ou menos vasta sobre as razões que conduziram o capital a se organizar crescentemente, ao longo de
todo o século XX, mas particularmente no período pós-1970, em torno de firmas multinacionais. Cf.
Michalet (1984) e Chesnais (1996). Ver também Petras & Veltmeyer (2007).
138
Hirst & Thompson (1996, sobretudo no “Posfácio”) são taxativos ao negar tal possibilidade. Petras &
Veltmeyer (2007, p. 116-117), por outro lado, parecem dar mais crédito à ideia de que o movimento do
capital, sobretudo a partir dos anos 1990, tem sido para buscar a internacionalização como forma de evitar
salários e benefícios sociais mais altos.
135
Quadro 3.1 – Indicadores da concentração mundial da produção
Mercado de computadores:
Total 1984 1 empresa (IBM) responde por 41% da produção mundial
4 empresas respondem por 53% da produção mundial
10 empresas respondem por 64% da produção mundial
Total (excluindo materiais
periféricos) 1988 1 empresa (IBM) responde por 28% da produção mundial
4 empresas respondem por 45% da produção mundial
10 empresas respondem por 64% da produção mundial
139
Petras & Veltmeyer (2007) realizam uma análise desse processo, sobretudo para o caso latino-
americano.
136
Com efeito, a nova dinâmica dos fluxos de capital na “esfera financeira” é
considerada por diversos comentadores o traço distintivo do capitalismo
contemporâneo. Nesse sentido, embora o IDE tenha aumentado significativamente ao
longo do período estudado, a Tabela 3.8 nos permite relativizar esse aumento quando
comparado com os investimentos em portfólio. Mesmo nos países emergentes, onde o
investimento direto se manteve como principal “porta de entrada” de recursos
internacionais, sendo consistentemente superior aos investimentos em portfólio (com a
exceção do ano de 1996), a importância destes não deve ser subestimada, não só por seu
expressivo crescimento (as entradas por essa via foram em 2007, ano que antecedeu a
crise, aproximadamente 13 vezes maiores que no primeiro ano da série, mesmo que
ainda assim inferiores ao crescimento do IDE), mas principalmente porque esta parece
ter se tornado uma importante “porta de saída” de recursos. Já a Figura 3.9 mostra o
volume de recursos transacionados no mercado de capitais (stocks tradded) para países
selecionados entre 1988 e 2010 – volume este que até a crise de 2008 tinha ultrapassado
a produção física em todos os países selecionados. Por fim, a Tabela 3.9 apresenta um
quadro comparativo do tamanho do mercado de capitais (para países selecionados) em
1995 e 2008. Mais relevante que tudo isso, porém, é entender porque em todo o mundo
essa “esfera” experimenta uma “hipertrofia” no período recente.
Figura 3.9 – Ações transacionadas: “Tríade” e China, 1988-2010 (valor total como
porcentagem do PNB)
137
Tabela 3.8 - Fluxo global de capitais (US$ milhões)
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Estados Unidos
Investimento direto Entradas 23,2 19,8 51,40 46,1 57,8 86,5 105,6 179 289,4 321,3 167 84,4 63,8 146 112,6 243,2 275,8 319,7
Saídas -37,9 -48,3 -84,00 -80,2 -98,8 -91,9 -104,8 -142,6 -224,9 -159,2 -142,4 -154,5 -149,6 -316,2 -36,2 -244,9 -398,6 -332
Portfólio Entradas 57,5 72 111 139,4 210,4 332,8 333,1 187,6 285,6 436,6 428,3 427,6 550,2 867,3 832 1126,7 1154,7 527,7
Saídas -45,7 -49,2 -146,2 -63,2 -122,4 -149,3 -116,9 -124,2 -116,2 -121,9 -84,6 -48,6 -123,1 -177,4 -257,5 -498,9 -396 117,4
Outros Entradas 30,1 78,9 119,7 120,5 170,4 131,8 268,1 57 165,2 289 187,5 283,2 244,4 519,9 302,7 695,3 699 -313,4
Saídas 13,4 19,1 31 -40,9 -121,4 -178,9 -262,8 -74,2 -171,2 -288,4 -134,9 -87,9 -54,3 -510,1 -267 -544,3 -677,4 219,4
Ativos de reserva 5,8 3,9 -1,4 5,3 -9,7 6,7 -1 -6,7 8,7 -0,3 -4,9 -3,7 1,5 2,8 14,1 2,4 -0,1 -4,8
Fluxo total de capital Entradas 110,8 170,7 282,1 306 438,6 551,1 706,8 423,6 740,2 1046,9 782,9 795,2 858,3 1533,2 1247,3 2065,2 2129,5 534,1
Saídas -64,4 -74,4 -200,5 -178,9 -352,3 -413,4 -485,5 -347,8 -503,7 -569,8 -366,8 -294,7 -325,4 -1000,9 -546,6 -1285,7 -1472,1 -0,1
Fluxo Líquido de Capital 46,4 96,3 81,6 127,1 86,3 137,7 221,3 75,8 236,5 477,1 416,1 500,5 532,9 532,3 700,7 779,5 657,4 534
Japão
Investimento direto Entradas 1,3 2,8 0,1 0,9 — 0,2 3,2 3,3 12,3 8,2 6,2 9,1 6,2 7,8 3,2 -6,8 22,2 24,6
Saídas -31,6 -17,4 -13,8 -18,1 -22,5 -23,4 -26,1 -24,6 -22,3 -31,5 -38,5 -32 -28,8 -31 -45,4 -50,2 -73,5 -130,8
Portfólio Entradas 127,3 9,6 -6,1 64,5 59,8 66,8 79,2 56,1 126,9 47,4 60,5 -20 81,2 196,7 183,1 198,6 196,6 -103
Saídas -81,6 -34 -63,7 -92 -86 -100,6 -47,1 -95,2 -154,4 -83,4 -106,8 -85,9 -176,3 -173,8 -196,4 -71 -123,5 -189,6
Outros Entradas -108,2 -105,2 -32,7 -5,6 97,3 31,1 68 -93,3 -265,1 -10,2 -17,6 26,6 34,1 68,3 45,9 -89,1 48,9 62
Saídas 26,5 46,6 15,1 -35,1 -102,2 5,2 -192 37,9 266,3 -4,1 46,6 36,4 149,9 -48 -106,6 -86,2 -260,8 139,5
Ativos de reserva 8,4 -0,6 -27,5 -25,3 -58,6 -35,1 -6,6 6,2 -76,3 -49 -40,5 -46,1 -187,2 -160,9 -22,3 -32 -36,5 -30,9
Fluxo total de capital Entradas 20,4 -92,9 -38,7 59,8 157,1 98,1 150,4 -34 -125,9 45,4 49,1 15,7 121,5 272,8 232,3 102,6 267,7 -16,4
Saídas -78,4 -5,4 -90 -170,4 -269,4 -154 -271,6 -75,8 13,4 -168 -139,2 -127,7 -242,3 -413,6 -370,8 -239,4 -494,2 -211,9
Fluxo Líquido de Capital -58 -98,3 -128,7 -110,6 -112,3 -55,9 -121,2 -109,8 -112,5 -122,6 -90,1 -112 -120,8 -140,8 -138,5 -136,8 -226,5 -228,3
Área do Euro
Investimento direto Entradas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 209,7 404,8 199,8 184,9 153,3 114,8 194,1 328,6 563,5 207,1
Saídas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. -338,2 -404,9 -297,9 -163,7 -164,7 -215,3 -453,6 -542,7 -664,8 -485,1
Portfólio Entradas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 282,9 270,7 318,1 298,6 381,4 486,1 660,3 890,5 800,4 523,4
Saídas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. -330,5 -385,2 -254,8 -163,5 -318,1 -428,8 -514,6 -650,5 -597,1 -25,5
Outros Entradas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 208,3 337,2 238,6 60,4 198,4 356 801,7 945,7 1269,8 295,3
Saídas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. -31 -166,2 -244,3 -219,6 -282,3 -425,2 -737,7 -998,6 -1287,2 -180,8
Ativos de reserva n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 11,6 16,2 16,8 -3 32,8 15,6 23 -2,5 -5,6 -5,6
Fluxo total de capital Entradas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 700,8 1012,7 756,5 543,8 733 956,9 1656,1 2164,7 2633,7 1025,8
Saídas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. -688,1 -940,1 -780,2 -549,8 -732,3 -1053,7 -1682,9 -2194,3 -2554,7 -697,1
Fluxo Líquido de Capital n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 12,7 72,6 -23,7 -6 0,7 -96,8 -26,8 -29,6 79 328,7
Mercados em ergentes
Investimento direto Entradas 39,4 48,7 70 95,7 124 145 182,3 179,4 207,5 213,5 224 172,9 174 250 335 417,1 611,6 686,8
Saídas -6,9 -13,3 -16,1 -14,8 -23,5 -28,6 -37,3 -24,2 -33,6 -36,5 -32,8 -22,9 -26,6 -63,3 -83,1 -161,8 -199,3 -250,8
Portfólio Entradas 26,6 43,7 94,7 93,5 37,5 113,4 86,2 35 113,3 74,7 -8,1 -5 55,1 109,2 176,4 283,4 352,2 -33,8
Saídas 1,5 -1,6 1,1 -1,4 -14,1 -31,5 -33,1 0,5 -53,2 -81,6 -95,7 -37,2 -71,4 -106 -169,8 -399,7 -341,4 -132,9
Outros Entradas 35,2 74,4 40,2 18,8 137,7 86,7 168,4 -108,5 -64,4 -11,6 -43,6 6,2 78,4 122,5 122,4 194,6 694,5 123,8
Saídas 29,2 -19,6 -25 -65,9 -53,3 -95,5 -140,6 37,5 -76,5 -145,9 11,9 -37,8 -84,6 -125,8 -197,9 -272,6 -524,7 -343,4
Ativos de reserva -46,3 -58,8 -64,2 -68,2 -130,7 -90,6 -103,6 -34 -92,3 -115,1 -113,3 -154,5 -303,9 -426,7 -540,1 -717,7 -1226,6 -668
Fluxo total de capital Entradas 101,2 166,8 204,9 208 299,1 345,1 437 105,9 256,3 276,6 172,3 174,2 307,5 481,7 633,9 895,1 1658,3 776,8
Saídas -22,5 -93,3 -104,2 -150,3 -221,6 -246,3 -314,6 -20,2 -255,7 -379,1 -229,9 -252,4 -486,4 -721,9 -990,9 -1551,8 -2292,1 -1395
Fluxo Líquido de Capital 78,7 73,5 100,7 57,7 77,5 98,8 122,4 85,7 0,6 -102,5 -57,6 -78,2 -178,9 -240,2 -357 -656,7 -633,8 -618,2
Notas: "Fluxo total de capital" é a soma de investimento direto, em portfólio e outros; a linha "Outros" inclui depósitos bancários; o "fluxo líquido de capital" é a soma das entradas e saídas do fluxo total.
Fonte: FMI (2002, p. 22-23; 2004, p. 184-185; 2010, p. 174-175). Elaboração própria.
138
Tabela 3.9 – Indicadores selecionados sobre o tamanho do mercado de capitais:
A. Países selecionados, 1995.
Europa (d) 8.427,6 376,3 3.778,5 4.809,9 3.863,5 8.673,4 14.818,0 27.269,9 323,6
Estados Unidos 7.253,8 74,8 6.857,6 6.728,0 4.322,6 11.050,6 5.000,0 22.908,2 315,8
Japão 5.134,3 183,3 3.667,3 3.447,7 1.877,1 5.324,8 7.382,2 16.374,2 318,9
França 1.538,8 26,9 522,1 681,7 801,2 1.482,9 2.923,0 4.927,9 320,3
Alemanha 2.412,5 85,0 577,4 893,6 1.284,5 2.178,1 3.752,4 6.507,8 269,8
Grécia 114,3 14,8 17,1 100,1 5,8 105,9 63,9 186,8 163,4
Itália 1.087,2 34,9 209,5 1.222,0 396,8 1.618,8 1.513,5 3.341,8 307,4
Luxemburgo 19,3 0,1 30,4 1,0 15,9 16,9 555,0 602,3 3.125,1
Portugal 102,7 15,9 18,4 56,0 15,6 71,6 161,8 251,8 245,1
Espanha 559,6 34,5 197,8 301,6 62,6 364,2 840,2 1.402,2 250,6
Suécia 230,6 24,1 178,0 234,0 184,2 418,2 202,8 799,0 346,5
Reino Unido 1.105,1 42,0 1.407,7 429,9 396,3 826,2 2.424,4 4.658,3 421,5
Mundo 61.218,7 7.389,7 33.513,1 31.573,9 51.694,8 83.268,7 104.712,3 221.494,0 361,8
Europa (e) 17.134,2 296,2 7.269,1 8.769,3 20.272,1 29.041,3 51.044,4 87.354,8 509,8
Estados Unidos 14.441,4 66,6 11.737,6 7.887,4 22.683,9 30.571,3 14.004,8 56.313,7 389,9
Japão 4.887,0 1.009,4 3.209,0 9.116,3 2.338,0 11.454,3 10.419,3 25.082,6 513,3
França 2.866,8 33,6 1.490,6 1.481,7 3.080,8 4.562,5 11.208,0 17.261,1 602,1
Alemanha 3.673,1 43,1 1.110,6 1.646,7 3.829,9 5.476,6 6.894,6 13.481,7 367,0
Grécia 351,9 0,3 90,9 346,9 165,2 512,2 567,3 1.170,5 332,6
Itália 2.313,9 37,1 522,1 1.998,7 2.482,1 4.480,8 4.257,8 9.260,6 400,2
Luxemburgo 57,9 0,3 66,6 2,8 97,5 100,3 982,1 1.149,0 1.984,0
Portugal 244,9 1,3 74,8 188,9 291,9 480,8 307,7 863,2 352,4
Espanha 1.602,0 12,4 948,4 634,0 2.698,6 3.332,6 3.076,5 7.357,5 459,3
Reino Unido 2.684,2 44,3 1.868,2 834,3 3.133,4 3.967,6 12.729,0 18.564,8 691,6
Mercados emergentes 18.941,9 4.838,2 5.960,0 4.077,2 2.129,8 6.207,0 16.729,5 28.896,5 152,6
Notas: (a) Exclui reservas em ouro; (b) Inclui bônus emitidos por governos, instituições financeiras e
corporações no mercado financeiro internacional; (c) Soma da capitalização de mercado acionário,
dívidas securitizadas e ativos dos bancos comerciais; (d) Europa: Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia,
França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha, Suécia e Reino
Unido; (e) Inclui a Zona do Euro mais Dinamarca, Suécia e Reino Unido.
140
Conforme a advertência já feita, trataremos do assunto de modo bastante rápido. Os leitores
interessados em discutir o assunto em maiores detalhes, ver entre outros Eichengreen (2000, cap. 4 e 5),
Belluzzo (1997; 1999), Braga & Cintra (2004), Fiori (1997), Carcanholo (2002, cap. 1), Chesnais (1999;
2005) e a bibliografia por eles citada.
140
crescente – fortemente impulsionado depois do choque do petróleo, quando grande
quantidade de capital passou a procurar formas de valorização na esfera financeira (os
chamados petrodólares, cuja importância para o financiamento da industrialização com
endividamento externo de parte do mundo subdesenvolvido seria crucial).
141
O quadro ímpar de desenvolvimento “técnico” e suas consequências para sua dinâmica posterior da
“dinâmica financeira” são analisados por Belluzzo (1999, p. 106), para quem: “o veloz desenvolvimento
de inovações financeiras nos últimos anos (técnicas de hedge através de derivativos, técnicas de
alavancagem, modelos e algoritmos matemáticos para ‘gestão de riscos’), associadas à intensa
informatização do mercado, permitiu acelerar espantosamente o volume de transações com prazos cada
vez mais curtos. Essas características, combinadas com a alavancagem baseada em créditos bancários,
explica o enorme potencial de realimentação dos processos altistas (formação de bolhas), assim como os
riscos de colapso no caso dos movimentos baixistas”.
142
Nesse sentido, pode-se observar que Nakatani & Marques (2008) mostram como a “financeirização”
assume um papel progressivamente maior dentro do próprio pensamento de Chesnais ao longo das
últimas décadas.
141
Quadro 3.2 – As três etapas da emergência das finanças de mercado mundializadas:
caracterização geral e medidas de maior destaque143
143
Considera-se o quadro elaborado por Chesnais e ora reproduzido interessante por destacar de modo
sintético os principais eventos associados à formação da dinâmica contemporânea do capital fictício na
chamada “esfera financeira”. Porém, é preciso notar o descuido do autor ao localizar entre as décadas de
1960 e 1970 o “início do endividamento do Terceiro Mundo” – algo que acompanha essas regiões desde o
início de sua história moderna.
142
Finalmente, é importante enfatizar que a dita “financeirização” deve ser
entendida como um aspecto central da resposta do capital à crise dos 1960/70, na
medida em que, como havíamos visto no Capítulo 1, Marx (1986, p. 182) considerou o
desenvolvimento do capital portador de juros (mais precisamente o desenvolvimento
das sociedades anônimas) como uma forma capaz de conter a queda da taxa de lucro.
Nesse sentido, Carcanholo (2008, p. 251) observa que:
Nesse sentido, uma das tendências que mais se acentua a partir da década de
1970 é o vigoroso crescimento do chamado “setor de serviços” da economia, que,
144
Esse discurso foi propagado mesmo quando se falava exclusivamente no capital sob forma produtiva,
com base na ideia de que o termo “multinacionais” deveria ser substituído por “transnacionais” de modo a
identificar uma forma de atuação do capital que não tinha qualquer referência nacional. Como visto, no
entanto, esse argumento continua a mostrar-se bastante distante da realidade, sendo suficiente para
derrubá-lo observar a concentração ainda hoje nítida dos fluxos de capital entre certas regiões do globo
(particularmente entre os membros da chamada Tríade). Cf. Michalet (1985) e Hirst & Thompson (1996).
143
segundo dados do Banco Mundial, representava 53% do PNB mundial em 1970 e atinge
a marca de 72% em 2009, enquanto a participação do setor industrial cai de 38% para
26%.145 Tal movimento levou diversos autores a concluir que se transitava para uma
sociedade “pós-industrial”. 146 Embora não haja aqui espaço para um debate mais amplo
acerca dessa tendência, é preciso notar que este movimento pode ser lido como uma
ampliação das esferas de valorização do capital, em alguns casos ocupando espaços da
sociedade pouco explorados ou mesmo ainda não dominados pela lógica mercantil. O
cuidado com as categorias é fundamental, entretanto. Como advertem Carcanholo &
Baruco (2009, p. 135):
Por outro lado, um ramo industrial relevante para o assunto tratado nesta tese,
que tem a peculiaridade de ser associado a uma forma de eliminação de capital
excedente, é a indústria bélica. Nesse caso, o movimento de contraposição à queda
tendencial da taxa de lucro seria duplo, porque não representa apenas mais um ramo do
capital, mas porque as guerras abrem espaços de valorização nos territórios
conquistados e podem eliminar (fisicamente, inclusive) excesso de capital e força de
trabalho.147
145
Dados disponíveis em http://databank.worldbank.org. Considerando apenas os países da OCDE, os
números do setor de serviços passam de 55 para 75% no mesmo período. Ver também, por exemplo,
Harvey (2005, p. 149).
146
O exemplo mais notável é a obra de Bell (1976). Análises críticas em Carcanholo & Baruco (2009) e
Postone (1999).
147
Mampaey & Serfati (2005) fazem uma interessante análise sobre a relação entre a “esfera financeira”
do capital e o desenvolvimento do setor armamentista nas últimas décadas.
144
3.3. Breve nota sobre as transformações ideológicas: o “fim das
ideologias” como ideologia do capitalismo contemporâneo
145
revolução da informática, pelas novas tecnologias de comunicação, dos transportes etc.
Ao mesmo tempo, é por se fundamentar nas inúmeras mudanças tecnológicas que a dita
globalização pode sempre ser afirmada e reafirmada como fenômeno espontâneo e
inexorável. 148
Por fim, o aspecto social, quinto e último da síntese de Jameson, diria respeito à
contínua dissolução de todos os vínculos pessoais e sociais (não econômicos) na
“cultura do consumo”, cujo efeito seria a “individualização” (ou atomização) da
sociedade.
148
Um exemplo clássico da forma assumida por esse discurso foi a ideia de que o mundo havia se
transformado numa “aldeia global”, para usar a expressão consagrada por Marshall MacLuhan. Uma
análise detalhada de tais discursos pode ser vista em Ianni (1996).
146
sentido, é interessante notar que esses discursos, na mesma medida que afirmam a
existência de uma cultura global padronizada pelo fim das nacionalidades e pela
predominância econômica desmesurada, colocam também a perspectiva do “fim das
grandes narrativas”, de qualquer “narrativa totalizante”, sob a égide da chamada pós-
modernidade, cuja resposta singular seria a necessidade de adaptação passiva às
transformações geradas no seio da sociedade capitalista a partir da década de 1970. A
esse respeito é preciso lembrar sempre que as mudanças – sobretudo as econômicas
estudadas na seção anterior – foram possibilitadas pelo movimento político (deliberado)
que se convencionou chamar de neoliberalismo, ao mesmo tempo em que o fim da
Guerra Fria fomentava a crença de que não havia limites no horizonte de expansão de
tal modelo de capitalismo neoliberal, ou “democracias liberais” para usar os termos de
Fukuyama (1992), em sua conhecida afirmação do “fim da história”. 149
149
Um excelente estudo da relação entre pós-modernismo e neoliberalismo como projetos político-
ideológicos da “era da globalização” se encontra em Carcanholo & Baruco (2009).
147
de alianças e rivalidades entre as nações capitalistas, assim como todo o debate sobre a
relevância dos Estados nacionais como agentes relevantes na dinâmica econômica da
sociedade tornaram imperativo que os teóricos marxistas reagissem a cada momento,
tentando reavaliar a importância daquilo que a teoria clássica do imperialismo havia
descrito como sendo a “fase atual” do capitalismo. No próximo capítulo passamos, por
isso, a analisar de que modo essas profundas mudanças, apesar do ambiente intelectual
conservador – ou talvez, ao menos parcialmente, por causa dele – deram ensejo a uma
nova onda de estudos sobre o imperialismo, um século depois das análises clássicas.
148
CAPÍTULO 4:
AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DO IMPERIALISMO
149
das economias capitalistas que produziria, não só o imperialismo, mas determinaria
também a implosão do próprio modo de produção capitalista.
150
A referência mais importante sobre a noção de desenvolvimento desigual e combinado, como
trabalhada pelo autor, encontra-se em Trotsky (2011, em particular p. 137-138). Além disso, é
interessante notar que, embora concordasse com a tese geral da tendência à monopolização e sua relação
com o imperialismo (Idem, 2008, p. 163), destaca-se em sua análise uma descrição do imperialismo a
partir de uma contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e os limites imposto pelas
fronteiras nacionais: “O núcleo de sua [do capitalismo] expansão continua sendo o Estado nacional com
suas fronteiras, suas alfândegas e seus exércitos. Não obstante, as forças produtivas superaram há tempos
os limites do Estado nacional, transformando, em consequência, o que era antes um fator histórico
progressivo numa restrição insuportável. As guerras imperialistas não são senão explosões das forças
produtivas contra as fronteiras do Estado eu se tornaram demasiado estreitas para elas” (Idem, 2008, p.
188-189).
150
incontestavelmente verdadeiras”. Assim, sob a influência das “cartilhas” soviéticas,
seguidas à risca pelos mais diversos partidos comunistas em todo o mundo, o
imperialismo – à semelhança da teoria marxista como um todo – assumia contornos
deterministas e dogmáticos, cuja base era uma espécie de retrato caricatural da
concepção de Lênin. Essa forma de tratamento do problema pode ser vista, por
exemplo, em textos do próprio Stálin (1982, p. 39-40), nos quais o “estágio superior”,
da teoria do imperialismo de Lênin, transforma-se em uma afirmação peremptória de
um “capitalismo agonizante” e, portanto, na afirmação da implosão eminente do sistema
capitalista.151
151
Stálin justifica tal prognóstico referindo-se a uma verdadeira “coleção de contradições”: entre capital e
trabalho, que no imperialismo assumiria a forma da luta contra as associações monopolistas e bancos da
oligarquia financeira; entre os grupos financeiros e as potências imperialistas, em sua luta pelo controle
de matérias-primas e territórios alheios; entre “um punhado de nações dominantes” e os povos coloniais e
dependentes explorados. Assim, conclui: “A importância da guerra imperialista, desencadeada há dez
anos, consiste, entre outros fatos, em que juntou num só feixe todas estas contradições e as colocou no
prato da balança, acelerando e facilitando as batalhas revolucionárias do proletariado. Noutros termos: o
imperialismo não somente tornou a revolução uma necessidade prática – ele criou as condições favoráveis
para o assalto direto à fortaleza do capitalismo” (ibidem, p. 49-41).
152
Veja-se o tratamento dispensado por Stálin (ibidem), no mesmo volume, às posições de Kautsky
(capítulo 2), Trotsky (capítulo 7) ou Zinoviev (capítulo 8), em que a prova contrária oferecida por Stálin
não é, em geral, mais que a afirmação dos preceitos “de Lênin”.
153
Ambos terminaram mortos pelo regime soviético, como fruto do esforço de stalinista de eliminar
qualquer posição divergente do “marxismo-leninismo”, eliminando na mesma medida seus adversários
políticos. Assim, Bukharin foi executado pelo regime soviético, acusado de trair e conspirar contra a
revolução, enquanto Trotsky foi assassinado em 1940, quando vivia em seu exílio no México.
151
O segundo elemento histórico importante foi o surgimento daquilo que
Anderson (2004) chamou de “marxismo ocidental”. O advento do marxismo ocidental
estaria, evidentemente, ligado aos efeitos deletérios do “marxismo oficial soviético”,
mas também a outros aspectos daquelas circunstâncias históricas, como a aparente
estabilidade encontrada pelas economias capitalistas avançadas (discutida no último
capítulo). Seu resultado maior seria uma mudança no perfil dos teóricos, com a
cristalização do marxismo em cátedras acadêmicas e seu afastamento da atividade
militante, e da teoria marxista, cada vez mais distante dos temas econômicos e políticos
e mais próxima de problemas filosóficos (ou, de modo mais amplo, de temas ligados à
“superestrutura”). 154
Por fim, o ostracismo que conheceu a teoria do imperialismo teve como pano de
fundo, e importante fator explicativo, o fim do neocolonialismo e a relativa
consolidação do mapa geopolítico global do pós-guerra. De fato as principais mudanças
nesse mapa deixaram de ocorrer pelo movimento de anexação e conquista por parte das
grandes potências e passaram a ocorrer, antes, no processo de descolonização. Ao
mesmo tempo, a ameaça comum às nações capitalistas – o “espectro” do socialismo
real, para parafrasear Marx – faziam reduzir-se os conflitos, ao menos os mais
explícitos, entre as grandes potências capitalistas, criando uma aura de aparente fim das
rivalidades interestatais em favor de uma suposta cooperação internacional. Em seu
lugar, tornava-se mais evidente a rivalidade entre os blocos capitalista e do socialismo
realmente existente, que parecia tornar obsoletas as análises da inevitabilidade das
guerras no interior do capitalismo, defendidas pelas análises clássicas do
imperialismo. 155
154
Cf. Anderson (2004, p. 96).
155
Borón (2008, p.27) vê na incompatibilidade entre a teoria clássica do imperialismo e o processo de
descolonização um dos equívocos teóricos que teria conduzido à obsolescência dessa teoria. Outros dois
“pressupostos” haviam sido “desmentidos pela história” no período do pós-guerra, segundo Borón (2008,
p. 26-28): a descrição do imperialismo como resposta às crises do sistema capitalista, já que o
imperialismo se mantinha apesar da “era de ouro” do capitalismo; e a ideia de que as guerras de partilha
do mundo entre as potências imperialistas eram inevitáveis. Essa “crítica empirista” da teoria do
imperialismo não completamente bem fundamentada e, de fato, a reação a ela ocorreu ainda por volta do
mesmo período – cf. por exemplo Magdoff (1979) de que trataremos adiante. Não obstante, essa crítica
talvez ajude a compreender por que o foco das teorias do imperialismo nesse momento desloca-se,
sobretudo, para as relações entre os países capitalistas “avançados” e a “periferia”.
152
Olhar para a conjugação desses movimentos ajuda a entender por que o debate
sobre imperialismo permaneceu praticamente estagnado depois do fim do “período
clássico”, ao menos entre os marxistas. Com efeito, essa situação se refletiria bem em
três das mais importantes obras publicadas entre os anos 1940 e 1950, que ilustram a
reorientação que começava a se processar na forma como o imperialismo era entendido:
Imperialismo e classes sociais, de Joseph A. Schumpeter, e Origens do totalitarismo, de
Hannah Arendt, além do famoso artigo Imperialism of free-trade, dos historiadores John
Gallagher e Ronald Robinson (cujas conclusões seriam reafirmadas oito anos mais tarde
no livro Africa and the Victorians).
156
Na introdução do livro de Schumpeter, Paul Sweezy (1961, p. 9), que havia sido aluno, assistente e
amigo pessoal do autor, parece querer relativizar um pouco o papel da controvérsia com a teoria marxista
na elaboração das ideias ali contidas: “Creio poder supor – embora não tenha qualquer indício direto disso
– que o interesse de Schumpeter pelo imperialismo foi despertado, inicialmente, pelo que chamava de
teoria neomarxista, cujos principais defensores (Otto Bauer e Rudolf Hilferding) conhecera desde a época
em que eram estudantes em Viena. O verdadeiro estímulo, porém, para o estudo do problema do
imperialismo em profundidade lhe veio, sem dúvida, da própria guerra. O objetivo do ensaio pode,
portanto, ser considerado duplo: de um lado, criticar a teoria de Bauer-Hilferding, e do outro,
proporcionar uma estrutura teórica alternativa, na qual a guerra e seus antecedentes pudessem se
enquadrar apropriadamente”. Mas, note-se, também a ideia de propor uma estrutura teórica alternativa
só pode ser compreendida tendo como referência àquele que era o campo mais significativo do debate no
período, e esse se encontrava na teoria marxista.
157
Cf. Schumpeter (1961, p. 85-86).
153
levando Schumpeter (1961, p. 91) a crer que “um mundo puramente capitalista não
pode, portanto, oferecer solo fértil aos impulsos imperialistas”. 158
Em Hannah Arendt, por outro lado, não se pode dizer que ocupava lugar de
destaque a preocupação em se contrapor às teorias clássicas do imperialismo. É possível
mesmo verificar em sua análise uma influência daquela teoria, particularmente quando
busca descrever os imperativos econômicos que haviam conduzido ao imperialismo
(cuja base seria a existência de capital supérfluo e dos interesses dos financistas). 159
Contudo, o imperialismo aparece em Arendt (1989, p. 153) como uma etapa encerrada
com a Primeira Guerra Mundial. Mais que isso, sua caracterização do imperialismo
como “busca ilimitada pelo poder” dá ensejo a uma concepção em que nenhuma ligação
histórica pode ser feita, a priori, entre imperialismo e o funcionamento do modo de
produção capitalista. 160 Arendt volta-se para o imperialismo como uma resposta da
burguesia para a contradição entre a separação política de fronteiras nacionais e sua
busca pela expansão econômica, mas seu objetivo central na obra é compreender a
formação de uma ideologia de superioridade racial, antes da emergência das formas de
governo totalitárias do século XX. Mas, contra Lênin, vê nesse movimento não “o
158
Justamente por isso, Schumpeter procura na antiguidade os exemplos maiores do imperialismo, e não
na Grã-Bretanha do século XIX, onde segundo ele havia muito mais um discurso pró-imperial do que
uma efetiva prática imperialista (Ibidem, p. 44 et seq.). Isso não significava que não havia, em absoluto,
interesses imperialistas na raiz das guerras de conquista da virada do século. Mas lhe permitia sustentar
que esses interesses iam de encontro à racionalidade (capitalista) e por isso tenderiam a ser suprimidos.
159
Cf. Arendt (1989, p. 164). Mesmo aí, é bom dizer, Arendt credita mais destaque justamente a Hobson
– o único autor não marxista de grande influência no debate (como vimos).
160
Aliás, não é por acaso que no prefácio de 1967 à obra, Arendt pareça demonstrar certo ceticismo
quanto a um possível retorno às “políticas imperialistas” entre as grandes potências capitalistas, e
particularmente nos Estados Unidos. Justiça seja feita, a autora não nega que tenha existido até a Segunda
Guerra uma política branda de imperialismo por parte dos Estados Unidos (“politicamente menos
perigosa”) ou que eventos como a Guerra do Vietnã pudessem indicar outro possível retorno a essa
política – tema do qual ela propositalmente (e de modo bastante razoável, diga-se) se abstém de tratar
naquele prefácio. Entretanto, ainda que de modo apenas indicativo Arendt deixa claro que acredita que já
não havia imperativos econômicos para tal – “a motivação do lucro, cuja importância para a política
imperialista foi frequentemente exagerada, mesmo no passado, agora desapareceu, e somente os países
muito ricos e muito poderosos podem suportar as enormes perdas que o imperialismo acarreta”, escreve
(Ibidem, p. 150); assim como acredita que a própria forma do sistema político norte-americano denotaria
certa incompatibilidade com esse retorno: “Quaisquer que tenham sido as causas da ascensão dos Estados
Unidos à posição de potência mundial, certamente não foi a adoção deliberada de uma política estrangeira
que a visasse, nem qualquer pretensão de domínio global. E o mesmo provavelmente se aplica aos passos
recentes e ainda inseguros que esta nação tem dado na direção da política de poder imperialista, para a
qual sua forma de governo é menos adequada que a de qualquer outro país” (Ibidem, p. 151).
154
estágio superior do capitalismo”, e sim o “primeiro estágio do domínio político da
burguesia”. 161
Por fim, o trabalho dos ingleses Gallagher & Robinson (1953) pode ser lido
como mais um ataque – em outro front, é verdade – aos preceitos da teoria clássica do
imperialismo. Sem negar que o imperialismo fazia parte das vidas econômica e política
da Inglaterra no fim do século XIX, a crítica dos autores mirava no que supunham ser o
“coração” da tradição teórica de Hobson e Lênin: sua concepção histórica, que partia da
política britânica no fim daquele século para definir o imperialismo. O ponto defendido
por eles é que as aspirações imperiais britânicas datariam de muito antes, supostamente
fazendo implodir assim a oposição entre o imperialismo (entendido como um novo
estágio do capitalismo ou a política típica desse novo estágio) e o período precedente,
em geral caracterizado pela liberdade de comércio. Tal afirmação baseava-se, em
primeira instância, em dados sobre a expansão territorial britânica entre as décadas de
1841 e 1851, mas repousava sobretudo na ideia de que o imperialismo do período seria
um fenômeno tão mais significativo caso não se considerasse apenas os territórios
formalmente subsumidos à Coroa britânica, mas também um conjunto muito maior de
países que constituiriam seu império informal e que, do ponto de vista econômico, era
dominado sobretudo pelos tratados de livre-comércio.162 Com isso, sugeriam os autores,
o imperialismo deveria ser considerado como “uma função política suficiente [do]
processo de integração de novas regiões em uma economia em expansão; seu caráter é
161
Não seria possível no breve espaço que pretendemos dedicar à apreciação da obra de Arendt discutir
em pormenores os inúmeros elementos envolvidos em tal concepção. A título de indicação, nos parece
que a forma de colocar a questão pela autora deixa transparecer um julgamento favorável da democracia
burguesa, como forma evolutiva que supera não só o imperialismo, mas mais fundamentalmente o
totalitarismo que é o objeto último de sua análise. Como dito, no entanto, um debate sério a esse respeito
necessitaria um estudo mais detalhado sobre o pensamento da autora. No que nos interessa no momento
deve ressaltar-se apenas que a análise de Arendt tem significativo impacto – inclusive sobre análises
marxistas do imperialismo, particularmente em Harvey (2005b), como veremos adiante.
162
Cf. Gallagher & Robinson (1953, p. 11). A ideia de império informal é apresentada pelos autores
inicialmente por meio de um exemplo caro às teorias clássicas do imperialismo desde Hobson: a atuação
britânica no sul da África. Olhando para o período em que a Grã Bretanha parecia ter abandonado
pretensões imperiais no território, algumas décadas antes da Guerra dos Bôers, Gallagher & Robinson
(1953, p. 3. Tradução nossa.) observam que isso não passava de uma estratégia imperial britânica: “A
Grã Bretanha estava na África do Sul primariamente para salvaguardar suas rotas para o Oriente,
prevenindo que potências estrangeiras adquirissem bases nos flancos dessas rotas. De um modo ou de
outro, esse interesse imperial demandou algum controle da África ao sul do Rio Limpopo e embora entre
1852 e 1877 as Repúblicas dos Bôers não fossem formalmente controladas com esse propósito pela Grã
Bretanha, eles efetivamente eram dominados pela autoridade informal e por sua dependência dos portos
britânicos”.
155
decidido em grande medida pelas várias e mutáveis relações entre os elementos
políticos e econômicos da expansão em qualquer região ou momento particulares”
(Ibidem, p. 5-6. Tradução nossa.). Nesse sentido, acrescentavam, o imperialismo não
responderia a interesses econômicos diretos, mas a “decisões estratégicas” que não se
reduziam aos desejos de expansão motivados por razões econômicas. Em conclusão,
pode-se afirmar que os argumentos oferecidos por Gallagher & Robinson,
particularmente para explicar as intervenções militares inglesas no continente africano,
localizavam na estrutura interna daquele continente a necessidade da criação de um
império formal nas últimas décadas do século XIX – motivada pela ausência de
estruturas de poder local dispostas a aceitar os acordos que submetiam aquelas regiões a
um governo informal britânico. 163
O que é significativo ao olhar para essas três obras é que, naquele contexto de
refluxo das teorias do imperialismo, todas elas, de certo modo, se propunham a jogar
por terra a teoria clássica do imperialismo. Centrando-se em aspectos distintos, cada
uma delas não só caracterizava de modo distinto o imperialismo – em todos os casos
questionando a predominância de razões econômicas para sua existência – mas, além
disso, ou dava por encerrada sua “etapa histórica” (Arendt), ou propunha que ela jamais
tivesse existido (Schumpeter e Gallagher & Robinson).
163
Essa ideia, que sem dúvida mereceria uma discussão mais ampla, foi lançada em Owen (1972, p. 2).
Uma análise crítica poderia ser particularmente interessante se cotejada essa ideia com os argumentos
sobre a ideologia do imperialismo desenvolvidos por Said (2007).
156
marcados pelos problemas do período anterior. A título de sistematização, acredita-se
ser possível colocar sob três influências decisivas essas contribuições: os debates da
revista (e editora) norte-americana Monthly Review,164 puxados por Paul Sweezy, Paul
Baran e Harry Magdoff; o “terceiro mundismo” e a teoria da dependência, 165 cujo centro
era a questão das trocas desiguais e das hierarquias no plano internacional; e o
trotskismo, sobretudo na figura de Ernest Mandel.
Embora a mais conhecida obra teórica de Sweezy (1986) tivesse vindo a público
ainda em 1942, o autor pouco havia avançado no tema do imperialismo naquele
momento.166 Assim, apenas em 1966, em Capitalismo monopolista, Sweezy, juntamente
com Baran, apresentaria contribuições efetivas ao debate. A análise de Baran & Sweezy
(1978) baseava-se na definição leninista de imperialismo como “fase monopolista do
capital”, mas acrescentava que, com o maior poder econômico das grandes empresas
monopolistas, sobretudo na forma de “sociedades anônimas gigantes”, ampliava-se um
excedente (econômico) cuja aplicação rentável dependia de formas de aplicação que não
implicassem redução de preços. 167 Para os autores, a principal dessas formas era o que
eles chamavam de “campanha de vendas”, mas entre as respostas do capital à absorção
do excedente figuravam, igualmente, o militarismo e o imperialismo. Ainda de acordo
164
A Monthly Review foi criada por Paul Sweezy e Leo Huberman em 1949 com o propósito de
incentivar discussões em torno do comunismo nos Estados Unidos, durante a difícil era do McCarthismo.
165
Ao nos referirmos à teoria da dependência nesta seção, estaremos nos dirigindo exclusivamente a sua
vertente marxista, representada especialmente, no período em estudo, por Andre Gunder Frank,
Theotonio do Santos, Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra.
166
Com efeito, em Teoria do desenvolvimento capitalista, Sweezy faz pouco mais que simplesmente
reafirmar a concepção de Lênin. Cf. Sweezy (1986, em especial o capítulo XVII).
167
Baran & Sweezy (1978, p. 19-20) fazem questão de esclarecer o que entendem por excedente: “O
excedente econômico, na definição mais breve possível, é a diferença entre o que a sociedade produz e os
custos dessa produção”, ao que acrescentam em nota que “preferimos o conceito de ‘excedente’ à
tradicional ‘mais-valia’ marxista, que provavelmente se identifica para a maioria das pessoas
conhecedoras da teoria econômica marxista como igual a soma de lucros + juro + renda. É certo que
Marx demonstra [...] que a mais-valia também compreende outros itens, como as receitas do Estado e
Igreja, as despesas de transformação das mercadorias em dinheiro e os salários dos trabalhadores
improdutivos. Em geral, porém, tratou-os como fatores secundários, excluindo-os de seu esquema teórico
básico. Afirmamos que sob o capitalismo monopolista este procedimento já não se justifica”. A definição
não causa espanto àqueles acostumados com a teoria econômica ortodoxa, mas denota uma leitura (no
mínimo) confusa de Marx. Para não entrar em maiores polêmicas: lucro, juro e renda (da terra,
presumimos) são categorias que dizem respeito ao modo de apropriação do mais-valor, são formas
assumidas pelo mais-valor – às quais, evidentemente, este não pode ser reduzido. Sua concepção de
excedente denota, portanto, uma interpretação a nosso juízo equivocada da teoria do valor marxiana (cf.
Cap.1). Apenas assim se compreende porque os autores acham que as receitas do Estado e das classes
improdutivas são “supostas secundárias” e “excluídas do esquema” marxiano.
157
com Baran & Sweezy (ibidem, p. 186 et seq.), embora esses fenômenos fossem
alardeados como “mecanismos de proteção do mundo livre” (contra a “ameaça
comunista”), eles seriam mais bem compreendidos como armas de ataque ao socialismo
real, cuja disseminação pelo mundo ameaçava as condições de lucratividade das grandes
corporações capitalistas.
Por outro lado, a colocação de Baran & Sweezy sobre o imperialismo como
forma de garantir uma maior lucratividade para o grande capital, amparava-se também
em uma visão que procurava diferenciar no sistema internacional o papel desempenhado
por países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Essa distinção, já havia sido elaborada
anteriormente de modo isolado por Baran (1986, capítulos V-VII), que, ainda em 1957,
tinha tentado demonstrar que o imperialismo das potências capitalistas era o responsável
maior pelo subdesenvolvimento do Terceiro Mundo. Além disso, como observou
168
De acordo com Magdoff (1978, p. 9), “O raciocínio que preside os gastos governamentais nenhuma
semelhança apresenta com a rígida ponderação de custos versus lucros, embora certos governos possam
desejar transmitir essa impressão. Um governo pode dispender bilhões (com a renda coletada da
população, como um todo) para dominar um país produtor de banana, mesmo que o controle resultante
proteja lucros em milhões, só para uma ou duas corporações. A realidade do imperialismo vai muito além
do interesse imediato deste ou daquele investidor: o propósito subjacente é nada menos que manter, na
maior extensão possível do mundo, abertura para o comércio e os investimentos das gigantescas
corporações multinacionais”. Sobre o paralelo com Hobson, vale observar que o próprio Magdoff
(ibidem, p. 18-22) estabelece com este um diálogo crítico – no intuito de, particularmente, combater a
“solução” de Hobson ao problema (por meio da redistribuição de renda).
158
Magdoff (1979, p. 118), embora o movimento de descolonização tivesse adquirido
grande expressão no pós-guerra, o fim do colonialismo não significava o fim do
imperialismo, que passaria a se processar agora com base em uma relação informal de
subordinação, sob a forma de um “imperialismo sem colônias” (expressão que dá título
ao citado ensaio do autor). 169
No mesmo sentido, mas de modo algo diferente, duas outras linhas de debate
teórico foram abertas, tendo como foco principal as relações econômicas entre as
potências capitalistas avançadas. Seu ponto comum era tomar o capitalismo como um
sistema mundial que, no entanto, não criava uma tendência equalizadora entre suas
partes. Assim, Arghiri Emmanuel, Charles Bettelheim, Samir Amin e Christian Palloix
(que agruparemos aqui sob a denominação genérica de “terceiro mundismo”) abriram
na década de 1960 uma importante polêmica sobre a “exploração” econômica do
Terceiro Mundo, dando ênfase à suposta existência de uma troca desigual entre as
nações desenvolvidas e subdesenvolvidas. No mesmo sentido, desenvolve-se na
América Latina, no mesmo período, um conjunto de análises, normalmente agrupadas
sob a denominação comum de “teoria da dependência”, com vistas a dar conta dos
resultados da ação imperialista das grandes potências capitalistas sobre a região. Vale
notar que, embora ambos os debates possam ter sofrido alguma influência da análise de
Baran sobre o subdesenvolvimento, o ponto de partida do debate parece ter sido antes a
“descoberta” da deterioração dos termos de troca realizada por Raúl Prebisch, em 1949,
169
Sobre a forma assumida por essa relação, o autor afirma: “A integração de países capitalistas menos
desenvolvidos no mercado mundial, como seguros e perenes fornecedores de seus recursos naturais,
resulta, com raras exceções, numa dependência contínua quanto aos centros de controle do monopólio-
dependência que é sacramentada e cimentada pela estrutura de mercado que deriva dessa mesma
dependência. A integração nos mercados capitalistas mundiais tem efeitos quase uniformes nos países
fornecedores: 1) jamais chegam a entrar ou abandonam os caminhos que requerem independência e
autoconfiança; 2) perdem a autossuficiência econômica e tornam-se dependentes das exportações, para
sua viabilidade econômica; 3) sua estrutura industrial adapta-se às necessidades de fornecimento de
artigos exportáveis especializados, a preços aceitáveis ao comprador, reduzindo assim a flexibilidade dos
recursos produtivos, necessária para uma produtividade econômica diversificada e progressista. [...] A
extrema dependência das exportações e um número extremamente restrito de produtos de exportação
mantêm essas economias desequilibradas em suas relações econômicas internacionais e criam a
necessidade constante de recorrer a empréstimos. A dívida engendra progressivamente a dívida, porque os
serviços das dívidas anteriores se acrescentam às dificuldades do balanço de pagamentos. As cadeias da
dependência podem ser manipuladas pelos braços políticos, financeiros e militares dos centros do
império, com o auxílio dos Fuzileiros Navais, bases militares, suborno, operações da CIA, manobras
financeiras e assim por diante. Mas a base material dessa dependência é a estrutura industrial e financeira
que através das denominadas atividades normais de mercado, reproduz as condições da dependência
econômica”. (Idem, 1978, p. 220)
159
no âmbito da Cepal. 170 Contrariamente às pretensões de Prebisch e da Cepal, contudo,
esses autores tentariam se valer da teoria marxista para dar à deterioração dos termos de
troca uma nova interpretação baseada no modus operandi do capital em plano mundial.
Com isso, à diferença de Baran, Sweezy e Magdoff, o foco da análise migraria para os
problemas envolvidos no comércio internacional e para as relações sociais assim fixadas
entre os e no interior dos países que ocupariam posição inferior.171
170
Cf. Emmanuel (1981, p. 24).
171
Não se deve perder de vista com isso a inegável influência mútua entre as teses dos autores da Monthly
Review e os chamados “terceiro mundistas” ou a teoria da dependência, de que trataremos brevemente na
sequência. De todo modo, a diferença entre elas fica clara na afirmação de Magdoff (1979, p. 203),
segundo a qual: “Se encararmos o imperialismo moderno em perspectiva histórica, deve ser claro que
dois aspectos se destacam nas lutas pelo poder travados nesse período: 1) a luta pelo poder econômico
vis-à-vis outras nações industrializadas; 2) a luta pelo poder econômico sobre as nações
subdesenvolvidas. [...] Limitar o campo de ação do imperialismo ao comércio e aos investimentos no
Terceiro Mundo elimina, destarte, um setor vital da atividade política internacional: as rivalidades
imperialistas associadas às operações de investimento das nações capitalistas adiantadas através de suas
fronteiras”.
172
Cf. Bettelheim (1981, p. 58).
173
Segundo Emmanuel (1981, p. 44-45), “Abstraindo-se qualquer alteração dos preços resultante de uma
concorrência imperfeita, chama-se ‘troca desigual’ a relação que se estabelece entre os preços, em virtude
da lei do nivelamento da taxa de lucro de regiões com taxas de mais-valia institucionalmente diferentes,
tendo o termo ‘institucionalmente’ o significado de que essas taxas de mais-valia são, por alguma razão,
subtraídas à igualação competitiva”. O ponto para Emmanuel estava na contraposição entre perfeita
mobilidade do capital mas não da força de trabalho, ao passo que o menor desenvolvimento das
160
Emmanuel e Palloix sobre a troca desigual, mas vai além delas ao propor que a
explicação deveria partir do reconhecimento de que o sistema mundial capitalista
comporta formações sociais distintas, supondo, portanto, uma ruptura mais ampla entre
países desenvolvidos e subdesenvolvidos. O problema, em seus termos, é que o modo
de produção capitalista havia, ao menos desde o período do imperialismo clássico, se
tornado dominante, mas não exclusivo: na medida em que a transformação das
economias periféricas, previamente não capitalistas, jamais havia se completado,
mantendo em seu interior características de suas estruturas sociais prévias, seria preciso
distinguir do capitalismo central um capitalismo típico da periferia (caracterizado por
ele como uma “transição capitalista bloqueada”).
necessidades humanas nos países subdesenvolvidos permitia que ali fosse menor o valor da força de
trabalho (ibidem, p. 50). Para Bettelheim (1981, p. 59), alternativamente, “O primeiro tipo de troca
desigual (isto é, em sentido amplo) tem lugar quando um país é obrigado a fornecer, através das
mercadorias que vende, mais trabalho do que obtém através das mercadorias que compra, mesmo quando
o tempo de trabalho por ele empregado seja o socialmente necessário e os preços se estabeleçam em
condições de concorrência e de igualdade de taxas de lucro. O segundo tipo de intercâmbio desigual é o
estudado por Emmanuel; constitui, de certa forma, uma categoria particular no interior da categoria geral
já definida”. Por fim, note-se que Palloix (1981, p. 147) propõe-se a realizar um tipo de “síntese crítica”,
atribuindo validade a ambos os tipos de troca desigual citados por Bettelheim, e tentando mostrar que “a
troca desigual em sentido estrito”, isto é, como desigualdade nos graus de exploração, “nada mais é do
que a resultante de uma evolução nascida da troca desigual em sentido amplo”.
174
Assim, pode-se ler em Santos (1970, p. 231. Tradução nossa.): “Por dependência entendemos uma
situação em que a economia de certos países é condicionada pelo desenvolvimento e pela expansão de
outra economia, à qual a primeira está sujeita. [...] O conceito de dependência permite que enxerguemos a
situação interna desses países como parte da economia mundial. Na tradição marxista, a teoria do
imperialismo foi desenvolvida como um estudo sobre o processo de expansão dos centros imperialistas e
sua dominação mundial. Na época do movimento revolucionário do Terceiro Mundo, nós devemos
161
A principal conclusão a que chegaram os teóricos da dependência foi a da
impossibilidade de superação da condição de dependência/subdesenvolvimento
pretendido pelas políticas de modernização capitalista. Com o intuito de provar tal
afirmação os autores se amparavam, assim como aqueles discutidos anteriormente, na
ideia de que existiriam no mercado mundial mecanismos de troca desigual, 175 mas suas
análises eram algo mais ampla porque, de um lado, tentavam mostrar que a
“exploração” dos países dependentes passara a repousar sobre mecanismos econômicos
apenas a partir de certo momento da história, quando a violência colonial já se fazia
dispensável; por outro lado, acreditavam que aquela “exploração” havia configurado
uma estrutura social particular aos países dependentes, cuja marca maior seria a
superexploração da força de trabalho.176 Além disso, na medida em que seguiam em
curso as políticas desenvolvimentistas na América Latina, Marini viu aproximar-se
(sobretudo nas maiores economias locais e, especialmente, no Brasil) o momento em
que o próprio capitalismo dependente atingiria a “fase monopolista”, configurando uma
situação que o autor chamou de subimperialismo. Dessa forma, os próprios países
dependentes aprofundavam o exercício do imperialismo, mantendo sua posição
subordinada no sistema mundial, mas passando a impor aos países mais fracos o mesmo
tipo de ação agressiva de que tinham sido alvo décadas antes. 177
desenvolver a teoria das leis do desenvolvimento interno nesses países que são objeto daquela expansão e
são governados por elas”.
175
Diferentemente das análises “terceiro mundistas”, no entanto, não se viu na teoria da dependência um
desejo tão acentuado de explicar a troca desigual exclusivamente pela via de fatores econômicos
envolvidos no comércio internacional. Nesse sentido, Marini (2005, p. 151-152), por exemplo, tenta
demonstrar que a origem da troca desigual estava tanto na menor composição orgânica do capital nos
países dependentes, quanto pelo relativo monopólio dos países imperialistas da capacidade de produção
de certas classes de mercadorias.
176
A categoria superexploração da força de trabalho é, provavelmente, a mais famosa e controversa já
desenvolvida pela vertente marxista da teoria da dependência. Em Marini (2005, 152 et seq.), ele aparece,
de modo sintético, como um mecanismo de compensação do capital dependente para suas perdas oriundas
da troca desigual. Para um debate acerca das críticas e acertos da categoria ver Carcanholo (no prelo).
177
Segundo Marini (2011, p. 208): “Definimos em outra oportunidade o subimperialismo como a forma
assumida pela economia dependente ao chegar à etapa dos monopólios e do capital financeiro. O
subimperialismo implica em dois componentes básicos: por um lado, uma composição orgânica média na
escala mundial dos aparatos produtivos nacionais e, por outro, o exercício de uma política expansionista
relativamente autônoma, que não só se acompanha de uma maior integração ao sistema produtivo
imperialista, mas também se mantém nos marcos da hegemonia exercida pelo imperialismo em escala
internacional”. Para uma discussão mais ampla sobre o conceito de subimperialismo no pensamento de
Marini e sua relação com a categoria imperialismo, ver Luce (2011, em especial o capítulo 3) e Fontes
(2010).
162
Tal qual nas outras formas de tratar o imperialismo nas décadas de 1960/70,
também em Mandel (1983) a ideia de desigualdade no desenvolvimento das nações (e
no intercâmbio entre elas) se fez presente. 178 A grande contribuição teórica de Mandel
ao debate sobre o imperialismo no período se deu, no entanto, com base em sua
proposta de periodização do desenvolvimento capitalista naquele momento. Enquanto
endossava plenamente a periodização proposta em vários dos estudos clássicos sobre o
imperialismo, que contrapunham o “capitalismo concorrencial” à monopolização do
período “clássico” do imperialismo, Mandel defendia também a noção de que a crise
dos anos 1960/70, bem como a emergência da “terceira revolução tecnológica”,
anunciavam uma nova fase do desenvolvimento capitalista, ou melhor, uma subfase do
período imperialista, que ele chamou “capitalismo tardio”. Esse novo período histórico
teria origem no momento em que “a concentração internacional do capital começou a
transformar-se em centralização internacional”, e com isso, segundo o autor, “a empresa
multinacional tornou-se a forma organizativa determinante do grande capital” (Ibidem,
p. 223).
178
Cf. Mandel (1983, passim). Vale destacar, no entanto, que Mandel explica de outro modo a existência
da troca desigual, cuja origem está relacionada, em sua concepção, primeiramente com “o fato de que o
trabalho dos países industrializados é considerado mais intensivo (portanto, produtor de mais valor) no
mercado mundial do que o dos países subdesenvolvidos” e, em segundo lugar, com “o fato de não ocorrer
nenhum nivelamento entre as taxas de lucro no mercado mundial, onde coexistem diferentes preços
nacionais de produção (taxas médias de lucro)” (Ibidem, p. 248). Nesse sentido, o autor trava um debate
explícito com explicações alternativas de Emmanuel, Amin, Palloix, Bettelheim e Gunder Frank (Ibidem,
p. 248-258).
163
apenas em termos econômicos, como aparecia também nos demais autores tratados, mas
também em seus aspectos políticos e ideológicos (culturais), que teriam destaque
crescente a partir do fim da década. Aliás, a respeito deste último elemento, é preciso
destacar a importância da obra de Edward Said (2007), que buscava retratar o modo
como havia se constituído o discurso imperialista (e eurocêntrico) de superioridade
racial e suas consequências sobre os povos dominados, dando forma a um dos poucos
ramos do debate sobre o imperialismo que conseguiu manter-se mais ou menos em voga
desde esse período. 179
Assim, Barrat Brown (1978) assinalaria que a temática do imperialismo era cada
vez mais identificada como “mera ideologia” de esquerda e, no mesmo diapasão,
Sutcliffe (1972, p. 322) sugeria que, exceto para tratar da história do século XIX,
poucos pesquisadores fora dos círculos marxistas conferiam importância à categoria
imperialismo. E, justamente por isso, em uma passagem frequentemente citada, Arrighi
(1978, p. 17. Tradução nossa.) concluiu que, com todas as imprecisões categoriais, “não
é de se admirar, então, que ao fim dos anos 1960, o que uma vez havia sido o ‘orgulho’
179
Mas também o sucesso da obra de Said, e a conformação da chamada teoria “pós-colonialista”, deve, a
despeito de sua importância no campo crítico, ser analisado com certa desconfiança, em face do contexto
sociopolítico que deu margem a sua ampla aceitação. Por mais que não seja possível no momento
dispensar a Said a atenção requerida por sua cativante análise, deve-se notar que a proposta de Said se
encaixava perfeitamente no ambiente pós-moderno (e relativista), em alta desde 1968. Tome-se, por
exemplo, a passagem: “O principal objeto de disputa no imperialismo é, evidentemente, a terra; mas
quando se tratava de quem possuía a terra, quem tinha o direito de nela se estabelecer e trabalhar, quem a
explorava, quem a reconquistou e quem agora planeja seu futuro – que essas questões foram pensadas,
discutidas e até, por um tempo, decididas na narrativa. Como sugeriu um crítico, as próprias nações são
narrativas”. (SAID, 2011, p. 11) Ora, mesmo sem pretender diminuir a relevância das questões culturais
na sustentação de uma estrutura de “dominação imperialista”, a afirmativa de Said ao colapsar o
imperialismo em suas formas discursivas oferece solo fértil para perspectivas “multiculturalistas” (em
geral acríticas), ao mesmo tempo em que oblitera o componente objetivo dessas estruturas de dominação
por ele verificadas. Críticas mais pausadas sobre o assunto podem ser encontradas em Ahmad (1997) e
Medeiros (2008).
164
do marxismo – a teoria do imperialismo – havia se tornado uma ‘Torre de Babel’, na
qual nem mesmo os marxistas sabiam mais se encontrar”. Aliás, o próprio Arrighi é,
nesse trabalho, muito mais simpático a Hobson que às teorias marxistas do
imperialismo.
O resultado foi que pouco mais de dez anos depois desse “soluço” em que se
ensejou a volta da teoria do imperialismo, Patnaik (1990) registraria, com pesar, o
virtual desaparecimento da teoria do imperialismo de todos os debates políticos e
científicos. 180
Vimos no capítulo 3 que a crise dos anos 1960/70 e o fim da Guerra Fria, nos
anos 1990, se apresentam como marco histórico para o que muitos autores acreditaram
ser o início de uma nova era no desenvolvimento capitalista. Enquanto a década de 1990
se iniciou sob a forte hegemonia de ideias conservadoras, ilustradas sobretudo pela ideia
de “fim da história” sugerida por Fukuyama (vide seção 3.3) e de globalização, cujo
conteúdo remetia, ao fim e ao cabo, a uma suposta equalização das diferenças
estruturais entre as nações, ela terminou com os prenúncios de um interesse renovado no
imperialismo. 181 O debate sobre o imperialismo que se encontrava naquela encruzilhada
teórica examinada anteriormente, sem resolver as ambiguidades e indefinições do
período clássico e crescentemente atravessado por novas questões e temas
substancialmente, ressurgiria com força no início do século XXI.
180
O desgosto de Patnaik seria justificado, em sua opinião, porque essa desaparição não tinha origem na
eliminação do fenômeno, mas na sua exacerbação: seria força do imperialismo norte-americano que, com
sua quase ubiquidade, teria se tornado mais efetivo em “administrar” suas crises. Ver também Foster
(2006, capítulo 5).
181
Tratamos em outro lugar do impacto de tais transformações sobre a concepção de mundo de uma das
principais instituições de desenvolvimento, a Cepal. Como tentamos registrar ali, esse é um momento no
qual se pode detectar a defesa dessa suposta equalização no plano internacional mesmo no plano do
jargão utilizado, particularmente pela troca de conceitos como “periferia”, “subdesenvolvimento” ou
“Terceiro Mundo” – que remetiam por sua própria natureza a uma oposição estrutural com relações às
nações afirmadas como “centrais”, “desenvolvidas” ou do “Primeiro Mundo” – pelo jargão mais brando
que opõe as “economias mais fortes” ou de “alta renda” ao mundo “em desenvolvimento”. Cf. Corrêa
(2007).
165
A teoria do imperialismo começa seu movimento de renovação, inicialmente de
modo tímido, com as críticas à intervenção militar da Otan no leste europeu, no fim dos
anos 1990, e atingiria seu auge logo após os ataques terroristas de 2001 e a imediata
reação militar norte-americana iniciada no mesmo ano com a ocupação do Afeganistão
e aprofundada, posteriormente, com a invasão do Iraque. Nesse sentido, as evidências
de que persistiam as desigualdades estruturais de força (econômica e extraeconômica) e
as críticas a um projeto imperial norte-americano (em grande medida esquecida no
período anterior, no qual a violência contra povos mais fracos teria deixado de ser
explícita) foram decisivas para a recuperação do debate sobre o imperialismo que, de
modo significativo, voltava a fazer sentido, pela primeira vez em um século, não
somente para críticos de esquerda, mas também entre as vozes mais conservadoras da
sociedade – que, nesse caso, clamavam pela tomada de uma posição imperial aberta dos
Estados Unidos. 182
182
Esse fenômeno teve seu ápice, inteligivelmente, na administração do partido republicano de George
W. Bush e encontra-se bem documentada, por exemplo, em Harvey (2005b, capítulos 1 e 5), Foster
(2006, introdução) e Panitch & Gindin (2005, p. 19).
166
4.2.1. Depois do imperialismo: Império, globalização e ultraimperialismo
De acordo com Hardt & Negri, na virada dos anos 1970, a sociedade capitalista
ingressou em uma nova fase histórica, um “novo paradigma”, que deixa para trás a
modernidade e o imperialismo. Em sua descrição, o imperialismo – entendido como o
“processo expansionista do poder dos Estados-nação, mediante políticas de exportação
de capitais, exportação de força de trabalho e constituição-ocupação de áreas de
influência” (NEGRI, 2003, p. 51) – figura como determinação central das relações de
produção capitalistas típicas do período moderno. Do ponto de vista econômico, as
razões para tal expansionismo repousavam, segundo os autores, basicamente em um
descompasso entre oferta e demanda (insuficiência de consumo) e na busca por capital
constante (na forma de matérias-primas) e variável adicionais. 185 Nesse processo,
contudo, as potências imperialistas europeias seriam responsáveis pela “internalização”
e subordinação das demais regiões geográficas às relações capitalistas, consolidando
uma hierarquia entre os Estados-nação com hegemonia europeia.
Uma vez que Hardt & Negri descrevem o estágio imperialista por meio da
expansão dos Estados nacionais, torna-se mais fácil entender por que eles consideram
183
“Dois textos interdisciplinares nos servem de modelo em todo este livro: o Capital, de Marx e A
thousand plateaus, de Deleuze e Guattari”. (HARDT & NEGRI, 2001, p. 440)
184
Ibidem, p.31. Sobre a ideologia da globalização, ver seção III.3.
185
A exposição de Hardt & Negri (2001, p. 242-251) sobre as causas do imperialismo, por eles creditada
a Marx, é fundamentalmente uma sistematização breve de uma teoria subconsumista, com forte influência
de Luxemburgo.
167
que esse fenômeno estava essencialmente ligado à modernidade. Para os autores, em se
dividindo a história humana em fases, é possível identificar diferentes formas pelas
quais a sociedade com suas relações (políticas) de poder interno se reproduzem. Esta
ideia seria apreendida pelo conceito de soberania, como tratado pelos autores.
Sinteticamente, escreve Negri (2003, p. 50), “A soberania é o controle da reprodução do
capital e, portanto, o comando sobre a proporção do relacionamento de forças
(trabalhadores e patrões, proletariado e burguesia, multidões e monarquia imperial) que
o constitui. Na modernidade, a soberania reside no Estado-nação”. Como entidade que
encarnava a soberania moderna, o Estado-nação regularia as contradições internas (de
classe) e, fazendo frente aos imperativos de expansão econômica da acumulação de
capital, configuraria exatamente o período conhecido pelo nome de imperialismo.
186
A ideia de produção biopolítica do poder estaria diretamente ligada às novas formas de trabalho na
pós-modernidade, quando o “trabalho intelectual de massa” e o “trabalho imaterial” se tornariam formas
dominantes: “O papel central previamente ocupado pela força de trabalho de operários de fábrica na
produção de mais-valia está sendo hoje preenchido, cada vez mais, por força de trabalho intelectual,
imaterial e comunicativa”, escrevem Hardt & Negri (2001, p. 48). E exatamente por essa razão os autores
clamam não só por uma nova teoria do valor, mas por uma “nova teoria da subjetividade que opere,
basicamente, através do conhecimento, da comunicação e da linguagem” (Ibidem). Voltaremos ao assunto
na sequência.
168
momento é caracterizado pela ausência de fronteiras (nacionais), como uma ordem
verdadeiramente mundial. 187
187
Em síntese, observam os autores: “O conceito de Império caracteriza-se fundamentalmente pela
ausência de fronteiras: o poder exercido pelo Império não tem limites. Antes e acima de tudo, portanto, o
conceito de Império postula um regime que efetivamente abrange a totalidade do espaço, ou que de fato
governa todo o mundo ‘civilizado’. [...] Em segundo lugar, o conceito de Império apresenta-se não como
um regime histórico nascido da conquista, e sim como uma ordem que na realidade suspende a história e
dessa forma determina, pela eternidade, o estado de coisas existente. [...] Em terceiro lugar, o poder de
mando do Império funciona em todos os registros da ordem social, descendo às profundezas do mundo
social. O Império não só administra um território com sua população mas também cria o próprio mundo
que ele habita. Não apenas regula as interações humanas como procura reger diretamente a natureza
humana. [...] Finalmente, apesar de a prática do Império banhar-se continuamente em sangue, o conceito
de Império é sempre dedicado à paz – uma paz perpétua e universal fora da História” (Ibidem, p. 14-15).
188
Cf. Hardt & Negri (Ibidem, p. 302).
169
autores, isso significava que a tradicional linha de montagem moderna cedia seu lugar a
uma estrutura de rede na organização da produção. Por outro lado, esse mesmo processo
teria levado a uma centralização do controle sobre a produção, acima de tudo por meio
dos “serviços financeiros”.
Uma consequência crucial da análise de Hardt & Negri é, por isso, a negação à
classe trabalhadora do posto de “sujeito histórico” na transformação da sociedade e, ao
fim e ao cabo, ao próprio socialismo como alternativa histórica posta à ordem
capitalista. Em dia com a concepção pós-modernista, a análise de Hardt & Negri, sugere
que a emergência do trabalho imaterial e da fase pós-industrial nega qualquer identidade
possível dos trabalhadores, bem como o próprio antagonismo de capital e trabalho.
Como observado por Carcanholo & Baruco (2009b):
Hardt e Negri afirmam que, independente de qual seja a sua forma, o trabalho
material possui inerentemente a característica de cooperação, ou seja, esta
última não seria o resultado de uma imposição externa, como ocorreria nas
formas anteriores de trabalho. Assim, a força de trabalho atual não teria a sua
potencialidade efetivada necessariamente por intermédio da imposição da
lógica do capital, ou seja, não seria mais capital variável. Isto implica no
rompimento da relação antagônica entre capital e trabalho, pois o resultado
do processo de trabalho, em sua cooperação, não lhe seria mais estranhado, a
partir da apropriação da mais-valia pelo capital. Se não há mais antagonismo,
conflito, luta entre as classes (capital e trabalho), a classe trabalhadora não
pode ser mais o sujeito revolucionário, no sentido de que teria a possibilidade
de se colocar como uma alternativa integralmente anti-capitalista.
189
Cf. Hardt & Negri (2005). Boas contestações desses argumentos em prol dos movimentos
fragmentários como unidade de luta e sua relação com o ambiente pós-moderno em geral podem ser
vistas, por exemplo, em Wood (2003) e Carcanholo & Baruco (2009; 2009b).
170
Carcanholo & Baruco têm razão quando argumentam que essa perspectiva se apoia
numa concepção equivocada da categoria capital industrial em Marx – a qual, como
lembram os autores, não se refere exclusivamente à “indústria” (como sinônimo de
“fábrica”). 190
Antes de concluir a presente exposição, uma pergunta se faz premente: uma vez
que o Império não conheceria fronteiras, que papéis teriam hoje as rivalidades
interestatais, culminando em guerras ou na “exploração” econômica de certas regiões?
Sobre o “desenvolvimento desigual” entre regiões do globo, os autores de Império
esclarecem que as desigualdades não são eliminadas. No entanto, na medida em que a
estratificação produzida pelo imperialismo deixaria de ser essencial, com a perda de
relevância das diferenças nacionais, essas desigualdades assumem outra forma. O ponto
central, nesse caso, é que essas diferenças perderiam importância na medida em que os
agentes centrais (isto é, os “pontos nodais” da produção em rede – agências
supranacionais, grandes corporações multinacionais e os Estados-nação que mantêm o
status de potências econômicas) não se orientam pelas fronteiras nacionais, mas pelas
leis imanentes do capital. 191
190
“Muito do que é hoje chamado de setor serviços, constitui-se, na realidade, em capital industrial.
Como visto anteriormente, este último se define quando um capital aciona meios de produção e força de
trabalho com o fim de gerar e realizar a mais-valia. Logo, o que define o capital industrial e, portanto, o
trabalho produtivo, é um critério de valorização, por intermédio de uma relação social, e não um critério
de produção material. Não importa qual seja o valor de uso produzido/ transformado no processo de
produção, mas que este processo seja realizado com base nas relações sociais capitalistas, ou seja, que o
capitalista pague o valor da força de trabalho e que o consumo do valor de uso desta gera a mais-valia.
Portanto, grande parte do que é chamado setor serviços é capital industrial porque emprega trabalho
produtivo e produz riqueza capitalista”. (CARCANHOLO & BARUCO, 2009, p. 135)
191
“As divisões geográficas entre Estados-nação ou mesmo entre grupos de Estados-nação centrais e
periféricos, setentrionais e meridionais, já não são suficientes para captar as divisões globais e
distribuição da produção, acumulação e formas sociais. Com a descentralização de produção e a
consolidação do mercado mundial, as divisões internacionais e os fluxos de trabalho e capital quebraram
e se multiplicaram, de modo que já não é possível demarcar grandes zonas geográficas como centro e
periferia, Norte e Sul. [...] Isso não quer dizer que Estados Unidos e Brasil, Inglaterra e Índia agora são
territórios idênticos em termos de produção e circulação capitalista, mas sim que entre eles não existem
diferenças de natureza, apenas de grau”. (HARDT & NEGRI, 2001, p. 356-357)
171
nação. A característica das guerras é que elas se voltariam agora contra ideias,
conceitos, como na “guerra contra a pobreza” ou na “guerra ao terrorismo” (pós-11 de
setembro), sendo seu fundamento a regulação das relações de poder: “A guerra
transformou-se num regime de biopoder, vale dizer, uma forma de governo destinada
não apenas a controlar a população, mas a produzir e reproduzir todos os aspectos da
vida social”. (Idem, 2005, p. 34)
A análise de Hardt & Negri é, sem dúvida alguma, um marco para a teoria
contemporânea do imperialismo. O debate suscitado na esteira de sua publicação
desempenhou um papel importante no ressurgimento dos debates teóricos sobre a
periodização do capitalismo e a atualidade da categoria imperialismo, sobretudo pelas
reações críticas que despertou. Nesse sentido, o principal alvo das críticas a Hardt &
Negri foi “ubiquidade fluida” suposta no Império, na qual seriam dissolvidas as
desigualdades substantivas entre as nações, as diferenças de poder e econômicas, e,
ainda que de modo disfarçado, também a própria essência da produção capitalista. Sem
embargo, antes de tratar do modo pelo qual essas críticas se constroem, sugerindo a
manutenção do Estado-nação como unidade analítica relevante e enfatizando as
diferenças existentes no plano internacional, convém observar que os autores não foram
os únicos a defenderem nesse debate a posição de que o imperialismo fora ultrapassado
no capitalismo contemporâneo. Ao menos duas outras posturas seguiam, ainda que com
argumentos diferentes, sua perspectiva de fim do imperialismo.
192
“A abordagem de Estado-nação/interestatal obriga os intelectuais do ‘novo imperialismo’ a supor essa
noção não problematizada de ‘interesses nacionais’ para explicar a dinâmica política global. O que
significam os “interesses nacionais”? Os marxistas rejeitaram historicamente as noções de ‘interesses
nacionais’ como subterfúgio ideológico para interesses de classes e grupos. O que é uma ‘economia
nacional’? Um país com mercado fechado? Circuitos de produção territorialmente fixados e protegidos?
A predominância de capitais nacionais? Um sistema financeiro isolado nacionalmente? Nenhum país
capitalista no mundo se enquadra nessa definição” (Ibidem, p. 9. Tradução nossa.).
173
De todo modo, tanto em Hardt & Negri, quanto em Robinson, vemos
desaparecer a “velha noção” de rivalidade interimperial como resultado do movimento e
dos interesses do capital. Também para ambos o sistema capitalista mantém nessa nova
fase os problemas que lhe são inerentes, nas palavras de Robinson (2007, p. 24), o
sistema continua sendo “desumanizador, genocida, suicida e maníaco”. Mas justo por
isso, é um pouco curioso que ambos rejeitem com veemência as associações que
rapidamente vieram a surgir entre suas perspectivas e a teoria do ultraimperialismo de
Kautsky.193 Essa hipótese é defendida de modo transparente, entretanto, em um estudo
pouco anterior a esses, pela economista francesa Odile Castel (1999).
193
Cf. Hardt & Negri (2001) e Robinson (2007, p. 10).
194
“Se a política imperialista foi implantada pelas potências capitalistas nas últimas décadas do século
XIX, em reação à grande depressão dos anos 1873-1895, até os anos 1960 numa tentativa de conter as
crises de superprodução, o ultraimperialismo parece ser a política implantada pelas grandes empresas, a
partir das últimas décadas do século XX, em reação à grande depressão que começou em 1973” (Ibidem,
p.138-139).
174
um poder até então inimaginável superando inclusive os poderes dos Estados nacionais.
O tratamento dispensado por Castel aos Estados-nação difere da maioria dos discursos
da globalização, porque não contrapõe simplesmente os poderes de Estado e capital,
mas destaca que os Estados agem como instituições protetoras do capital, especialmente
nessa “infância” do ultraimperialismo, que ainda estaria se nutrindo para abarcar todo o
mundo.
A despeito das divergências internas, que não são poucas, as análises de Hardt &
Negri, Robinson e Castel convergem na avaliação de que o imperialismo seria uma
etapa superada e uma categoria obsoleta para tratar do capitalismo contemporâneo. Mas
teria, de fato, a internacionalização (ou transnacionalização) do capital progredido
reduzindo o antagonismo entre as nações e tornando os Estados agentes crescentemente
dispensáveis da acumulação capitalista? Vejamos de que modo argumentam os autores
que, reiterando a importância do imperialismo, respondem negativamente à questão.
175
inexistência de mudanças substantivas ou de novos traços, mas sua análise levava a crer,
sem embargo, que o problema mantinha-se inalterado em seu fundamental.
195
Idem, ibidem. O assunto já foi extensamente tratado no capítulo anterior. Por ora, vale observar que,
até aqui, o argumento é plenamente compatível com o modo como o assunto é tratado, por exemplo, em
Duménil & Lévy (2004) e Harvey (2008), que no entanto se diferenciam dos demais autores ora
analisados por rejeitarem explicitamente o tratamento dispensado pela teoria clássica do imperialismo,
como será visto adiante.
196
“Não obstante a considerável evidência da proeminência e agência continuadas do estado no interior
do processo de desenvolvimento global, é igualmente claro que sob as presentes e disseminadas
condições estruturais e políticas, os poderes do estado-nação foram significantemente erodidos, dando
lugar à influência de instituições internacionais. Um olhar mais atento para essas (Banco Mundial, FMI,
Bird etc.) revela que em sua composição interna e em seu modo de seleção dos principais policy makers e
beneficiários, um conjunto seleto de estados-nação é dominante, nomeadamente as nações capitalistas
avançadas, ou imperialistas, da América do Norte, Europa e Ásia” (Ibidem, p. 19).
177
chegou à maturidade na América Latina, criando condições para sua consolidação”
(Ibidem, p 74. Tradução nossa.).
197
Aliás, os autores lembram com grande acuidade como a imposição do imperialismo utilizou-se
livremente da força contra a democracia ao longo da história. Cf. Petras & Veltmeyer (2001, p. 111-118).
178
política das potências imperialistas. Isso significa que a forma contemporânea do
imperialismo pode ser distinta, apoiar-se em novos recursos discursivos ou práticos,
evidentemente associados às transformações históricas do século XX, mas o
imperialismo não seria substantivamente distinto.
198
A noção de “regime de acumulação” é herdada por Chesnais (2003, p. 47) da escola regulacionista
francesa, significando “reconhecer que, na segunda metade do século XX, no contexto de diferentes tipos
de relações políticas entre o capital e o trabalho, as burguesias dedicaram-se a buscar diferentes maneiras
179
preocupação de ser diferenciado do termo capital financeiro, preferido pelo autor na
maioria das ocasiões, mas que pode gerar alguma confusão. Primeiramente porque, uma
vez que foram os clássicos da linha principal do imperialismo que definiram a “nova
fase” do desenvolvimento capitalista pela categoria capital financeiro, seria possível
perder de vista aquilo que Chesnais quer destacar como a particularidade do
imperialismo hoje e que é dada justamente pela hipertrofia e pela “autonomização” da
chamada esfera financeira. Ademais, embora utilize o termo capital financeiro, Chesnais
(1999, p. 103-104) não segue à risca a definição de Hilferding a respeito, mesclando-a
com a forma pela qual Marx teria (alegadamente) tratado do assunto, remetendo-se à
categoria capital fictício.
180
consequências para os assalariados estão ainda longe de terem terminado.
(Ibidem, p. 50. Grifos nossos)
181
OMC, Otan etc.) responsável pela imposição generalizada das políticas que reforçam os
interesses do capital financeiro e reduzem as possibilidade de mobilidade na forma de
inserção nacional na economia mundial. (Idem, 2003, p. 52-54)
Outra análise relevante que, sob uma base teórica algo distinta, vê na
contemporaneidade a emergência de um novo período no interior do imperialismo é
oferecida pela historiadora Virgínia Fontes. No intuito de dar conta da forma
contemporânea do imperialismo, Fontes lança mão do conceito de capital-imperialismo.
Segundo ela, o termo “capital-imperialismo pretende deixar claro que, tendo se
199
Cf. por exemplo Sakellaropoulos (2009, p. 63).
183
modificado na virada do século XIX para o XX, o capitalismo passou a expandir-se sob
a forma do imperialismo e, ao fazê-lo, agregou novas determinações. Seu
prolongamento no tempo não significou seu congelamento”. (FONTES, 2010, p. 155)
Para dar conta, de modo sintético, dos principais traços identificados por Fontes
na fase presente do capitalismo, observemos o que nos diz a autora em uma passagem-
chave de sua obra:
200
Veja-se Fontes (2010, capítulo 3), no qual a autora discute a gênese do capital-imperialismo e o modo
como em sua formação consegue “capturar” (em sua teia) as mais distintas esferas da sociabilidade
humana – o que, acredita-se, explica a razão pela qual sua análise não adota o ponto de vista unilateral da
economia, da política ou da cultura.
184
Os primeiros elementos destacados no excerto demonstram aquilo que Fontes
identifica como sendo os principais traços da dinâmica de funcionamento do capital-
imperialismo. O capital-imperialismo, definido como forma de expansão do capitalismo
na presente etapa do imperialismo, apresentaria duas faces desconectadas. De um lado,
estaria a tendência à concentração de capitais e sua forma presente; essa tendência,
crucial para a configuração do imperialismo (porque estaria na base da
“monopolização” de que falara Lênin), teria em sua forma atual características distintas
com relação ao imperialismo (clássico), na medida em que a tendência à concentração
que atingia o capital produtivo e o capital bancário, na conformação do capital
financeiro, “perderia o formato de união evidente entre ‘espécies’ diversas de
capitalistas, aproximando-se mais da formulação marxiana da concentração do capital
sob pura forma monetária, do capital portador de juros” (Ibidem, p. 155). O outro lado
da concentração, entretanto, é a concentração de recursos sociais de produção,
capturado na análise de Fontes pelo conceito de “expropriações”. A esse respeito a
autora parte da descrição marxiana da assim-chamada acumulação primitiva – na qual
Marx mostra que a acumulação capitalista requer simultaneamente certa massa de
recursos sociais concentrados que possam ser aplicados como capital e trabalhadores
“duplamente livres”, em um processo que teria sido historicamente possibilitado, dos
dois lados, por meio da expropriação da classe trabalhadora dos meios de produção –
para defender que o processo de expropriação da sociedade é, na realidade, um processo
continuamente renovado na expansão capitalista e cujo escopo transcende em muito o
acesso à terra (como normalmente é caracterizada a acumulação primitiva). Assim,
Fontes sugere que “A expropriação, ora sob aspecto unicamente econômico, ora
demográfico, abrange praticamente todas as dimensões da vida. Incide sobre direitos
tradicionais, como uso de terras comunais, direitos consuetudinários, relação familiar
mais extensa e entreajuda local, conhecimento sobre plantas e ervas locais, dentre outros
aspectos, e envolve profundas transformações cultuais, ideológicas e políticas” (Ibidem,
p. 51).201
201
Como se pretende mostrar mais adiante, o conceito de “expropriação” em Fontes tem afinidades
indubitáveis com o de “acumulação por espoliação” defendido por Harvey (2005b). Sobre as diferenças
185
O capital-imperialismo aparece portanto como a face contemporânea do impulso
expansivo capitalista que, em seu percurso, concentra em polos opostos recursos
capitalizáveis (cada vez mais sob a forma capital-portador de juros) e população
expropriada. Na continuidade do trecho supracitado teríamos, então, as características
que se põem ao lado, mas em alguma medida são consequência, dessa forma de
expansão do capital: os processos duplos de fragmentação e homogeneização dos
espaços nacionais de modo hierárquico e desigual, o crescimento extensivo do capital
abarcando a quase totalidade da população, mas conservando a imobilidade da classe
trabalhadora (contrastando com a mobilidade desejadamente infinita do capital), e o
esvaziamento político na pseudo-democracia capitalista. Tem-se, com isso, um
panorama das razões que levam Fontes a ver na realidade contemporânea um
desdobramento da etapa imperialista, o capital-imperialismo. 202
Para entender por que esse autores estabelecem o limite entre duas formas de
considerar o imperialismo contemporâneo convém notar, antes de tudo, que Mészáros
entre os dois e as razões pelas quais Fontes acredita que sua forma de tratar do assunto seja mais
apropriada, cf. Fontes (2010, p. 62 et seq.).
202
É importante notar que nossa análise da obra de Fontes é sabidamente parcial, mas entendemos que
essa opção expositiva é adequada porque a autora incorpora um número muito grande de elementos, que
demandariam, portanto, uma análise mais extensiva e que talvez terminassem por desviar o foco da
presente análise.
186
apresenta o imperialismo partindo de Lênin e Sweezy. 203 Em seu ensaio dedicado, não
casualmente, a Sweezy e Magdoff, Mészáros analisa o imperialismo contemporâneo
como momento de maior exacerbação das contradições do imperialismo. De acordo
com o autor, seria possível particionar a história do imperialismo em três momentos: o
imperialismo colonial, o imperialismo clássico (1870-1945) e o imperialismo
contemporâneo, ou, como ele chama, “imperialismo global hegemônico” (Ibidem, p.
72).
203
Nesse sentido, pode-se ler em Mészáros (2003, p. 12) que “O imperialismo [...] é o concomitante
necessário do impulso incansável do capital em direção ao monopólio, e as diferentes fases do
imperialismo corporificam e afetam de modo mais ou menos direto as mudanças da evolução histórica
atual”.
187
existir universalidade no mundo social sem igualdade substantiva”. (MÉSZÁROS,
2003, p. 17) Mas o que poderia passar desapercebido, como um devaneio filosófico do
autor, utilizado meramente para introduzir o problema, revela-se, em uma leitura mais
atenta, a questão de fundo e o prisma pelo qual ele analisa o problema do imperialismo
contemporâneo: como uma manifestação do contraditório da produção capitalista que só
pode se resolver de modo revolucionário (pela supressão do próprio modo de produção)
ou de modo trágico. 204
204
Nesse sentido, diga-se de passagem, a tradução do título do livro, no original Socialism or barbarism –
from the “American Century” to the crossroads (Socialismo ou barbárie – do “século americano” às
encruzilhadas), mostra-se patentemente infeliz ao vertê-lo para o português como O século XXI:
socialismo ou barbárie?, não apenas porque “esconde” no subtítulo a disjuntiva a que chega a análise do
autor (e que originalmente dá nome à obra), mas porque ignora que a segunda parte do título sugere,
como se pretende mostrar adiante, que é a contradição entre a pretensão universalizante do capitalismo
norte-americano e a impossibilidade da “universalidade sem igualdade substantiva” (como posto na
passagem supracitada) que conduz a essa disjuntiva.
188
entretanto, não pode ser assegurada no plano político, por ter sido em grande
parte articulada ao longo da história sob a forma de uma multiplicidade de
Estados nacionais divididos e antagonicamente opostos. Sob este aspecto,
nem mesmo as mais violentas colisões imperialistas do passado seriam
capazes de produzir um resultado duradouro. O segundo aspecto do problema,
que também é o outro lado da mesma moeda, é que, apesar de todos os
esforços visando a completa dominação, o capital foi incapaz de produzir o
estado do sistema do capital como tal. Esta continua a ser a mais grave das
complicações, apesar de toda a conversa sobre “globalização”. O
imperialismo hegemônico global dominado pelos Estados Unidos é uma
tentativa condenada de se impor a todos os outros estados recalcitrantes como
Estado “internacional” do sistema do capital como tal. 205 (Ibidem, p. 13)
205
Em outra passagem: “Uma das contradições e limitações mais importantes do sistema se refere à
relação entre a tendência globalizante do capital transnacional no domínio econômico e a dominação
continuada dos Estados nacionais como estrutura abrangente de comando da ordem estabelecida. Noutras
palavras, apesar de todos os esforços das potências dominantes para fazer seus próprios Estados nacionais
triunfarem sobre os outros, e dessa forma prevalecer como Estado do sistema do capital em si,
precipitando a humanidade, no curso dessas tentativas, para as vicissitudes sangrentas das duas horrendas
guerras mundiais do século XX, o Estado nacional continuou sendo o árbitro último da tomada de decisão
socioeconômica e política abrangente, bem como o garantidor real dos riscos assumidos por todos os
empreendimentos econômicos transnacionais” (Ibidem, p. 33).
206
Ibidem, p. 38.
189
vez mais “agressiva e aventureira”, ainda que com um discurso de paz. Uma
divergência digna de nota aqui aparece entre as análises de Mészáros e Foster (2006).
Foster, cujo trabalho é notoriamente influenciado por Mészáros, argumenta que as
tendências belicistas do presente devem ser analisadas a partir do fim da Guerra Fria,
que teria possibilitado a passagem a um imperialismo renovadamente “desnudado”. Por
outro lado, em Mészáros (2003, p. 61), o ponto central não é a crise do socialismo real,
mas a crise estrutural do capital, porque o próprio colapso da União Soviética seria uma
expressão desta.
Como vimos na última seção, para parte dos autores que analisam o capitalismo
contemporâneo, o presente ainda pode ser entendido como uma continuação de sua fase
imperialista. Há, no entanto, um grande (e heterogêneo) grupo de analistas que, embora
concorde com a tese geral de que a categoria imperialismo mantém sua validade, e por
vezes considere também a existência de um novo estágio do capitalismo, não propõe
uma equiparação entre as duas coisas. O que essas teorias têm em comum é partir de
190
uma redefinição conceitual do imperialismo, mantendo sempre como denominador
comum a análise do “expansionismo capitalista”, mas divergindo sobre as outras
questões, notadamente, sobre a explicação para as causas do imperialismo, sobre a
necessidade ou não das rivalidades interimperialistas e sobre em que medida a categoria
define um estágio da produção capitalista. Nessa seção, nos dirigiremos à primeira
questão deixando para a próxima os problemas da periodização e das rivalidades.
207
Outra possibilidade não explorada aqui seria uma redefinição do imperialismo que privilegiasse os
fenômenos culturais associados a ele. Essa posição pode ser encontrada, por exemplo, em Said (2011).
191
teoria clássica do imperialismo e a teoria marxiana, em virtude da confusão promovida
por estes entre as tendências abstratas (leis gerais) e as tendências concretas da
produção capitalista (no que as exceções entre os clássicos seriam Luxemburgo e
Grossman, mas que por outro lado falhariam pela perspectiva catastrofista); (2) falta de
adequação empírica, particularmente na generalização do conceito de capital financeiro
(cuja validade seria bem mais restrita, histórica e geograficamente, do que imaginava
Hilferding quando a elaborou); (3) concepção simplista do Estado, tratado
exclusivamente como veículo dos interesses da classe dominante.
Apesar de sua obra mais célebre sobre o assunto ser relativamente recente, a
busca de Harvey por uma reconsideração teórica do imperialismo remete a trabalhos
bastante anteriores do autor. Ainda na década de 1970, Harvey (2006, p. 43) vinha
tentando demonstrar que faltava um elemento de ligação entre as teorias marxistas da
acumulação de capital e do imperialismo, que seria a teoria da localização capaz de dar
conta dos determinantes da expansão geográfica do capitalismo. Mais que isso, o autor
busca encontrar diretamente em Marx – procedendo um levantamento brilhante – os
elementos que explicassem a escala geograficamente expansiva de atuação do capital, e,
ao mesmo tempo, seu caráter espacialmente desigual e concentrador. Já naquele
momento, sua resposta é que, ainda que de modo mediado, as crises constituiriam um
elemento propulsor fundamental da expansão capitalista. De modo resumido, Harvey
(2006b, p. 192) recupera de Marx a tendência à sobreacumulação de capital (descrita
208
Embora o principal livro de Callinicos sobre o assunto seja posterior ao de Harvey, ambos os autores
chegaram às principais conclusões de modo simultâneo e independente, como explica o próprio
Callinicos (2009, p. 14).
192
anteriormente, ver seção 1.4), que ao produzir simultaneamente excesso de capital e
excesso de trabalhadores pode acabar por resolver-se por meio da desvalorização de
capital mediante a crise. No entanto, para manter sua capacidade de autoampliação, o
capital encontra uma saída para postergar essa tendência por meio de um reajuste
espacial. 209 O recuo das fronteiras nacionais e a transformação dos espaços externos
possibilitaria reduzir o capital excedente, por meio de sua exportação (fosse na forma de
mercadoria, de capital-dinheiro ou de capacidade produtiva), evitando portanto a
desvalorização de capital (Ibidem, p. 426-427).210 Daí que o sistema internacional fosse
marcado pela rivalidade interimperialista, com as nações tentando usar-se
reciprocamente como espaço de valorização para evitar sua crise interna, ocasionando
conflitos e guerras como as que se viu no início do século XX.
209
Tradução para spatial fix. Vale observar que, a partir de seu O novo imperialismo, Harvey (2005b)
substitui esta ideia pela noção mais ampla de “ordenamento espaço-temporal” (spatio-temporal fix), que
assinala na mesma direção, mas abrange de modo mais completo as possibilidades de reação do capital
para adiar suas crises de sobreacumulação. A respeito do trajeto de Harvey nessa evolução de seu
pensamento e das diferenças entre os dois conceitos, ver Jessop (2006).
210
Olhando exclusivamente para os contornos do argumento, é possível identificar a influência que
Luxemburgo provavelmente exerceu sobre a formulação de Harvey – embora a análise deste seja mais
completa nos inúmeros (e complexos) problemas envolvidos no tratamento das crises (notadamente,
negando o subconsumismo luxemburguiano). Mas a esse respeito é importante ressaltar que a
reordenação espacial seria apenas uma das saídas possíveis para a crise. Harvey assinala que o tratamento
incompleto de Marx sobre o assunto possibilita dar às crises “três aproximações” distintas. De modo
sucinto: “A ‘primeira aproximação’ [first-cut] da teoria das crises, lembre-se, lidava com a origem das
contradições internas do capitalismo. A ‘segunda aproximação’ teórica examinou a dinâmica temporal
como moldada e mediada pelos arranjos financeiros e monetários. A ‘terceira aproximação’ teórica, da
qual nos ocupamos aqui, tem que integrar a geografia do desenvolvimento desigual na teoria das crises”
(Ibidem, p. 425. Tradução nossa.).
193
os recursos naturais e humanos desse território para fins políticos,
econômicos e militares) e “os processos moleculares de acumulação do
capital no espaço e no tempo” (o imperialismo como um processo político-
econômico difuso no espaço e no tempo no qual o domínio e o uso do capital
assumem a primazia). Com a primeira expressão desejo acentuar as
estratégias políticas, diplomáticas e militares invocadas e usadas por um
Estado [...] em sua luta para afirmar seus interesses e realizar suas metas no
mundo mais amplo. Com esta última expressão, concentro-me nas maneiras
pelas quais o fluxo do poder econômico atravessa e percorre um espaço
contínuo, na direção de entidades territoriais [...] ou em afastamento delas
mediante as práticas cotidianas da produção, da troca, do comércio, dos
fluxos de capitais, das transferências monetárias, da migração do trabalho, da
transferência de tecnologia, da especulação com moedas, dos fluxos de
informação, dos impulsos culturais e assim por diante. (HARVEY, 2005b, p.
31-32. Grifos nossos.)
Duas observações vêm a calhar aqui. No que tange ao debate interno das teoria s
contemporâneas, deve-se notar que Callinicos (2009, p. 14-15) trabalha basicamente
com a mesma concepção de Harvey a respeito da teoria do imperialismo. Com a
diferença que, ao invés de “duas lógicas de poder”, Callinicos fala no imperialismo
como interseção de duas formas de competição, uma econômica e outra (geo)política.
Ao mesmo tempo, é bom notar que, apesar da elogiosa referência de Harvey, Arrighi
(2005, p. 28) adverte que o modo como são usados esses conceitos (por Harvey) difere
de sua própria concepção.
195
A noção de acumulação por espoliação despertou inúmeras polêmicas. Um
ponto importante contra o conceito, levantado de modo similar por Brenner (2006, p.
97-98) e Wood (2006, p. 19-23), é que a base sobre a qual Harvey constrói seu
argumento da “acumulação por espoliação” traz mais semelhanças com a noção de
“acumulação primitiva” em Adam Smith do que em Marx. De acordo com eles, a crítica
à suposta limitação do conceito original de “acumulação primitiva” em Marx (e Smith),
como forma violenta de acumulação restrita à origem do capitalismo (enquanto na
verdade se trataria de método permanente, sintetizado pelo conceito de acumulação por
espoliação), tinha implícito que a acumulação primitiva seria meramente a constituição
de um montante prévio, capaz de viabilizar a acumulação capitalista. Mas, na visão de
Wood (2006, p. 19-20), essa visão assume uma identidade inexistente entre a concepção
de Marx e da Economia Política Clássica. Como lembra a autora, não por acaso o
capítulo em que Marx trata do assunto seria denominado “a assim chamada acumulação
primitiva”. Em sua opinião,
A objeção central de Wood fica mais clara quando ela explica que, ao tratar da
acumulação capitalista em termos “econômicos” e “extraeconômicos”, “Harvey está às
vezes inclinado a elidir a transformação das relações sociais de propriedade em
concentração de riqueza por meio da força e da fraude” – no que ele seguiria Arendt,
qualificando essa forma de acumulação como “simples roubo”. Entendida dessa forma
“a acumulação por espoliação parece ser menos sobre a criação e manutenção das
relações sociais de propriedade que geram a compulsão de mercado do que sobre a
redistribuição de ativos para viabilizar investimentos – o que eu, em outro contexto,
196
chamei de oportunidades de mercado ao invés de imperativos de mercado” (Ibidem, p.
23).214
De modo ultrassintético, vem daí que Wood defenda que a emergência do modo
de produção capitalista precisa ser radicada na separação entre as esferas política e
econômica, porque enquanto em todas as sociedades de classe pré-capitalistas a
apropriação de excedente produzido pela classe trabalhadora dependia de instâncias
extraeconômicas, no capitalismo essa apropriação podia repousar exclusivamente na
esfera econômica (configurando a exploração, mas, ao mesmo tempo, a dependência do
214
Outra objeção à formulação de Harvey pode ser vista em Fontes (2010, p. 62 et seq.). Também Fontes,
destaca o problema teórico envolvido na crença de que Marx relegou a um “momento originário” a esfera
da força, da fraude etc., no mais considerando um capitalismo funcionando de modo “normalizado” e sem
recorrer a tais artifícios. Aí se encontra a objeção, vista na seção anterior, de Fontes, que sugere o
conceito de “expropriação” para dar conta do fato de que o capital expropria de modo contínuo os
trabalhadores para recriar de modo ampliado a compulsoriedade de sua dependência das relações de
mercado.
215
De acordo com Blackledge (2007, p. 47), o termo “marxismo político” foi criado por Guy Bois para
expressar sua discordância com a teoria da transição capitalista de Brenner, mas foi posteriormente
abraçado particularmente por Wood para sintetizar a explicação, sustentada por Brenner e por ela própria,
que propunha uma leitura não teleológica da obra de Marx, segundo a qual seria preciso explicar a
emergência do capitalismo com base nas características da sociedade feudal e que os conduziria a
concluir que o capitalismo teria “origens agrárias” (e não como uma imposição externa oriunda das
relações comerciais ou como obra da retirada dos entraves tipicamente feudal à produção e circulação de
mercadorias). Cf. Hilton et alli (2004) e Wood (2001; 2003).
197
mercado que atinge todos os atores sociais), criando pela primeira vez uma cisão entre
as esferas econômica e política. 216 Por isso, segundo ela:
É importante notar, porém, que para Wood, embora no capitalismo o Estado não
atue diretamente na apropriação de excedente, ele continuaria a desempenhar aí um
papel necessário na manutenção da ordem social que permite essa apropriação (em
última instância pelo comando das forças policial e militar). 217
216
“A diferenciação da esfera econômica no capitalismo pode, portanto, ser assim resumida: as funções
sociais de produção e distribuição, extração e apropriação de excedentes, e a alocação do trabalho social
são, de certa forma, privatizadas e obtidas por meios não autoritários e não políticos. Em outras palavras,
a alocação social de recursos e de trabalho não ocorre por comando político, por determinação
comunitária, por hereditariedade, costumes nem por obrigação religiosa, mas pelos mecanismos do
intercâmbio de mercadorias. [...] A esfera política no capitalismo tem um caráter especial porque o poder
de coação que apoia a exploração capitalista não é acionado diretamente pelo apropriador nem se baseia
na subordinação política ou jurídica do produtor a um senhor apropriador”. (Idem, 2003, p. 35)
217
Assim, observa Wood (2003b, p. 18. Tradução nossa.) “Desde o início [do capitalismo], também, a
intervenção do estado foi necessária para criar e manter não apenas um sistema de propriedade mas
também um sistema de falta de propriedade [propertylessness]. O poder estatal foi, evidentemente,
necessário para apoiar o processo de expropriação e proteger a exclusividade da propriedade capitalista.
Mas o estado também foi necessário para garantir que, uma vez expropriados, aqueles despossuídos dos
meios de produção estivessem disponíveis, quando desejado, como trabalho para o capital”.
198
territorial direta não possui a mesma importância que no período no qual o conceito foi
cunhado.
Na passagem fica implícito que o imperialismo deve ser considerado como uma
forma de apropriação do mais-valor, que fluiria das “nações mais fracas” para as “mais
fortes”. Essa forma de definir a questão, evidentemente, baseia-se na própria
caracterização do modo de produção capitalista. Se, no entanto, o capitalismo é
caracterizado pela separação entre as esferas econômica e política, possibilitando uma
forma econômica de apropriação do excedente, e o imperialismo deve ser considerado
em analogia com esta relação social, torna-se claro que o imperialismo (capitalista)
deveria repousar, também ele, exclusivamente nos mecanismos de mercado. E é
exatamente o ponto que Wood tenta defender. Sua obra pode ser sintetizada como um
extenso trabalho de comparação entre o imperialismo contemporâneo, o império do
capital, e os impérios pré-capitalistas, cuja conclusão é que o imperialismo capitalista
199
distingue-se de qualquer outro porque neste a exploração dos povos ou nações mais
fracos depende exclusivamente do mercado. 218
218
Assim, como havia traçado as especificidades do modo de produção capitalista pelo contraste com a
produção pré-capitalista, Wood busca identificar nas diferenças entre os impérios pré-capitalistas e o
império do capital os traços constitutivos deste. É importante enfatizar, porém, que sua proposta não é
constituir uma “cronologia” evolutiva dos impérios, as formas pré-capitalistas de império (por exemplo, o
império baseado na propriedade territorial ou no comércio) poderiam se apresentar em diferentes
momentos do tempo e coexistir em regiões geograficamente separadas. Nesse sentido, evidencia-se que
uma particularidade do imperialismo capitalista, conformado efetivamente no meio do século XX, foi de
ter sido capaz de englobar sob seus imperativos todo o mundo. Cf. Wood (2007, p. 144)
219
Entende-se assim por que, apesar de sustentar uma teoria claramente mais próxima dos clássicos que a
de Wood, Harvey (2006c, p. 59. Tradução nossa.) sugira que (embora nenhum dos dois concorde
inteiramente com a teoria clássica) “eu iria bem mais longe que Wood e argumentaria que as teorias que
eles [os clássicos] produziram não são adequadas nem para seu tempo”.
200
entre outros, uma relação particular entre os poderes político e econômico,
que traz consequências tanto para as relações de classe quanto para a
expansão imperial. (WOOD, 2003b, p. 9-10, Tradução nossa.)
Essa história do capitalismo é contada por Kurz por meio das transformações
sistêmicas ocasionadas pelas disputas imperialistas que, conforme evoluem, alteram
consigo o próprio sentido da categoria imperialismo – que não conservaria consigo
atualmente o mesmo significado que tinha no período dos “clássicos”. Dessa forma, a
220
Por instigante que seja a análise de Kurz, deve-se advertir desde já que apresentaremos apenas um
esboço de sua concepção, baseado no conjunto de obras do autor disponíveis, porque o acesso à obra em
que trata diretamente no tema foi apenas parcial (ficando restrito aos capítulos divulgados pelo autor em
meio eletrônico), embora, acredite-se, seja possível extrair daí o essencial da concepção do autor.
201
categoria imperialismo manter-se-ia válida, mas já não seria a mesma de outros tempos
históricos e suas metamorfoses corresponderiam à necessidade de administrar as
contradições capitalistas em cada momento de sua história.
já não era decisiva uma visão orientada para um “grande território” imperial e
de uma “economia nacional de grande território” correspondente, mas a
garantia global do modo de produção capitalista como tal. Os EUA tornaram-
se assim em pura “potência protetora” do capital, apenas sendo aceite a sua
forma ocidental privada e concorrencial e sendo as variantes de capitalismo
de Estado do Leste e do Sul consideradas como princípio inimigo perturbador.
A pressão era no sentido de destruir a cortina de ferro e de “abrir” o mundo
inteiro ao movimento do capital privado (qualquer que seja a sua
nacionalidade), ou seja, de produzir um sistema capitalista mundial unitário.
Neste sentido, os EUA fundaram a NATO [em português OTAN] em 1949,
cujo âmbito organizativo servia para envolver diretamente os Estados
nacionais europeus, entretanto transformados em potências de segundo ou
terceiro grau, nas operações estratégicas dos EUA enquanto “potência
protetora” do capitalismo mundial e para os utilizar como “porta-aviões” do
exército americano. (KURZ, 2003)
202
Estado, o “socialismo realmente existente”, defensor de uma “modernização
recuperadora” como polo aglutinador dos países historicamente retardatários. 221 Em
simultâneo, Kurz identifica na posição hegemônica norte-americana de “polícia
mundial” uma contradição, levantada ainda pela manutenção dos interesses nacionais.
Segundo Kurz (2003), “como este estatuto de potência mundial implicava um
‘imperialista global ideal’ e este não podia já identificar-se com um interesse
expansionista nacional imperialista, a contradição entre os EUA, como Estado nacional,
e os EUA como potência mundial de um novo tipo tornou-se notável através de
crescentes prejuízos resultantes deste atrito”. Esses atritos se manifestariam na
progressiva degeneração da posição econômica norte-americana (em grande medida por
seu aumento dos gastos “político-militares”).
221
“A orientação a ela ligada, embora mascarada ideologicamente de ‘socialismo’ capitalista de Estado,
só podia ser a criação de uma base industrial independente e de um mercado interno num quadro de
Estado nacional, para poder participar no mercado mundial capitalista como sujeito nacional autônomo. E
foi precisamente nesta perspectiva que o paradigma da Revolução de Outubro irradiou para toda a
periferia e tornou a União Soviética em ‘contrapolo’ agregador dos retardatários historicamente em
concorrência com o Ocidente”. (KURZ, 2003) A esse respeito ver também Kurz (1993).
222
“Lenine viu a exportação de capital (em oposição à simples exportação de mercadorias) ainda no
contexto da antiga constelação das potências expansionistas centradas na economia nacional. Mas neste
nível de desenvolvimento, a exportação de capital não podia assumir ainda nenhum papel relevante. Na
verdade, até 1913, o comércio mundial desenvolveu-se continuamente sob o domínio das economias
nacionais, mas os investimentos estrangeiros (sobretudo em capital fixo) permaneceram limitados quase
totalmente às colônias ou zonas de influência, portanto ao respectivo espaço imperial nacional”. (KURZ,
2003)
203
Assim, de acordo com Kurz, o imperialismo contemporâneo é caracterizado pelo
“monocentrismo”, mas a posição de potência imperialista isolada dos Estados Unidos se
dá justamente no período marcado pela “crise do sistema produtor de mercadorias”.
Mesmo sem abrir todo um novo flanco de discussões, ligado à caracterização dessa crise
da sociabilidade capitalista identificada por Kurz, é preciso notar um aspecto
particularmente importante, a suposta incapacidade do capital em explorar os
trabalhadores:223
223
Segundo Kurz (2003), “a crise do trabalho mundial e a crise da política mundial representam apenas
aspectos diferentes do mesmo processo social em curso à escala mundial”.
224
Retornaremos ao assunto de como aparecem nessa análise as rivalidades na próxima seção. Desde já se
deve dizer que Kurz (2003, capítulo VII) rejeita veementemente as análises de Hardt & Negri e da
globalização.
204
não apenas os elementos típicos do imperialismo, mas também do próprio capitalismo
(como a própria noção de “classe”) – e exatamente, nesse sentido, leva a crer que as
divergências da teoria do imperialismo, essa “crise categorial”, é reflexo da própria crise
do sistema capitalista (o sistema de produção mercantil).
205
O que é notável nessa definição de imperialismo é que, em primeiro lugar, o
imperialismo assume um sentido estritamente econômico e, em segundo lugar, que os
antagonismos entre interesses nacionais de que trata o imperialismo seriam antes de
tudo aqueles que têm lugar nas relações entre nações mais e menos “avançadas”. Sobre
o primeiro ponto, devemos notar que, como evidenciado na passagem, ele não implica
uma total desconsideração de processos políticos, militares ou culturais envolvidos no
imperialismo. Mas isso não muda o fato de que esses elementos aparecem de modo
contingente, sendo possível imaginar situações-limite, inclusive, nos quais não
aparecem – caso a “exploração” imposta pelas potências imperialistas ao resto do
mundo pudessem se assentar exclusivamente na “violência econômica”. Nesse sentido,
apesar de afirmarem que o imperialismo “não pode ser reduzido às práticas econômicas,
políticas, culturais etc.”, os autores tratam sim da categoria como um fenômeno
essencialmente econômico – que pode lançar mão da violência, da fraude, do racismo
etc. para concretizar seus objetivos, mas cuja lógica (para utilizar a expressão de que
gosta Harvey) é aquela imposta pela economia. 225 Embora tal perspectiva possa
encontrar paralelo na teoria clássica do imperialismo (e em seus sucessores
contemporâneos), nos parece que em Duménil & Lévy a predominância econômica
ganha contornos mais acentuados, na medida em que exclui de sua definição todos os
fatores não-econômicos. Não nos parece casual, portanto, que a análise dos autores seja
exclusivamente centrada nesses fatores (econômicos) – e nesse sentido levantando
inúmeras questões relevantes sobre a “financeirização da economia”, a mundialização,
as crises, o ataque aos direitos dos trabalhadores pelas políticas neoliberais, entre outras
–, mas não fazendo qualquer outra referência aos fenômenos políticos e culturais que
fariam parte das práticas imperialistas.
225
Essa perspectiva fica clara em outra passagem quando afirmam: “O imperialismo não é obra de um só
país, mas de um conjunto deles. Estes mantêm, por um lado, relações de luta, indo até o confronto armado
entre duas potências, ou grupos de potências dentro de sistemas de alianças, mas operam, por outro lado,
igualmente relações de cooperação. Cada Estado representa aí o interesse de suas classes dominantes.
Um país pode ocupar uma posição hegemônica, como os EUA, que dirigem, no mundo contemporâneo
unipolar, o grupo de países imperialistas. A relação de dominação se estabelece, então, num nível duplo:
entre o país dominante e os outros membros do grupo e, entre estes países imperialistas e os outros
dominados. Em verdade, trata-se de uma hierarquia de poderes, onde o mais forte explora o mais fraco”.
(Idem, 2004b, p. 3-4)
206
Duménil & Lévy estreitam ainda mais o sentido da categoria imperialismo. Por outro
lado, na medida em que, com esta definição, temos no imperialismo uma característica
geral da produção capitalista, a categoria teria uma também um dilatamento (temporal),
porque passa a poder ser utilizada com igual plasticidade para todo o período capitalista
anterior e posterior às teorias clássicas sem maiores dificuldades. Nesse sentido,
acrescentam Duménil & Lévy (2004b, p. 3), “se o imperialismo não é somente uma fase
do capitalismo, ele próprio passa por fases diversas, que são o reflexo das
transformações nos próprios países imperialistas. Suas principais características
mudam”. Assim sendo, a tarefa de descrever o imperialismo contemporâneo equivaleria
a entender de que modo se processam as transferências de riqueza no interior da “cadeia
imperialista” nesse momento específico do tempo.
Panitch & Gindin (2006, p. 23) recorrem diretamente a Marx para afirmar que a
produção capitalista tem uma natureza “globalizante”, ou seja, tende à expansão e à
internacionalização. Mas, ao contrário do que imaginou a teoria clássica do
imperialismo essa tendência não torna a “globalização”, como é reconhecido esse
processo hoje, um fenômeno inevitável, já que concretamente pode apresentar avanços e
retrocessos. Da mesma forma, não seria possível supor que se trata de um processo
insustentável, posto que faz parte da dinâmica capitalista, mas não é responsável está
diretamente ligado a sua incapacidade de reprodução. Assim, ainda que a expansão
capitalista se apresentasse como tendência objetiva, a leitura do processo feita pela
teoria clássica teria confundido a tendência (expansionismo capitalista) com traços
particulares historicamente contingentes (monopolização, partilha territorial, rivalidade
interimperial etc.).
É preciso tomar cuidado com a ideia de que, ao colocar a teoria do Estado como
fenômeno explicativo para o imperialismo, a análise Panitch & Gindin privilegia a
“esfera política”, porque os autores são críticos da “separação demasiado crua” entre as
esferas “econômica” e “política” na teoria clássica. 226 Ainda assim, ao apoiar-se na
crítica de Gallagher & Robinson (1953) aos clássicos (vista na seção 4.1), de quem
Panitch & Gindin tomam a definição do fenômeno, o imperialismo passa a ser visto
como uma função política variável, mesmo que nessa função estivessem,
evidentemente, integradas razões econômicas. Mais concretamente, o imperialismo
passa a ser entendido a partir das pressões sociais, as disputas econômicas e políticas,
que levam o Estado a se expandir ora por meio da conquista imperial (expandindo o
império formal), ora por meio do império informal. O conturbado período de guerras de
conquista analisado pelos clássicos não refletiria, portanto, o início de uma fase
imperialista (já que, como supostamente Gallagher & Robinson teriam mostrado, ainda
antes daquela época o imperialismo se apresentava por meio de anexações territoriais e,
principalmente, por meio do império informal), mas estaria sim ligado à incapacidade
britânica de colocar sob seu domínio as potências capitalistas emergentes (notadamente,
a Alemanha, os Estados Unidos e o Japão).
226
“O problema é que tanto a teoria do imperialismo de Schumpeter, que fazia referência ao papel atávico
das classes pré-capitalistas guerreiras e exploradoras dentro do capitalismo, como as concepções de
Kaustky e Lênin, que supunham que o capital industrial britânico de meados do século XIX e suas
políticas de livre mercado representavam um capitalismo ‘puro’ antiético ou ao menos ‘indiferente’ à
expansão imperial, derivam-se de uma interpretação demasiado crua da separação entre o político e o
econômico dentro do capitalismo” (Ibidem, p. 26).
208
Desse modo, a análise de Panitch & Gindin sobre o imperialismo
contemporâneo centra-se precisamente na capacidade alcançada pelos Estados Unidos
ao longo do século XX de, com base no desenvolvimento da produção em massa e bem
como no poder de atração de sua produção cultural, formar um império informal de
força incomensuravelmente maior do que a Grã-Bretanha teria conseguido arregimentar
no século anterior – tendo sido capaz de afirmar-se como maior potência imperialista,
justamente por não parecê-lo. Panitch & Gindin se propõem a analisar a história do
imperialismo à luz da constituição do imperialismo norte-americano e suas estratégias
de predomínio mundial, passando pelo período da “era de ouro”, pelo início da
transnacionalização e pela reorientação neoliberal que deu novo fôlego à hegemonia
norte-americana, e chegando aos dias de hoje, marcados pela volta de um “imperialismo
manifesto”, sob as gestões Bush, Clinton e, especialmente, George W. Bush. Embora
não se pretenda realizar aqui uma análise extensiva desses movimentos, cabe notar que
Panitch & Gindin não veem nas intervenções armadas e no crescente unilateralismo
norte-americano das últimas décadas uma manifestação de fissuras na ordem
imperialista atual ou o renascimento de um sistema de rivalidades interimperiais, mas
uma divergência entre as potências imperialistas sobre a melhor forma de garantir a
manutenção da ordem imperialista atual.
209
abrirem-se duas outras ramificações possíveis (embora suas diferenças nem sempre
sejam das mais relevantes): a reafirmação do imperialismo nos exatos termos em que
fora classificado inicialmente, ou a sugestão de que a contemporaneidade representa um
desdobramento daquelas tendências imperialistas e deve ser considerada como uma
subfase do imperialismo.
Outras duas posições apareceram na seção 4.2.3. São teorias que têm em comum
partir de uma redefinição do imperialismo rejeitando, implícita ou explicitamente, a
equiparação entre o imperialismo e a periodização do capitalismo. Nesse caso, seria
possível ainda sustentar que, ainda em sendo coisas distintas, o desenvolvimento
capitalista pode (e deve) ser entendido de acordo com as etapas que atravessou. Com
esse entendimento, a ligação possível entre periodização e imperialismo assume a forma
de uma espécie de “história interna” da categoria (embora evidentemente ligada com a
história geral do próprio modo de produção). Por último, a reorientação categorial, leva
outro conjunto de teorias a defender a completa independência entre os dois debates
(imperialismo e periodização).
210
Quadro 4.1 – Tentativas de sistematização das fases do imperialismo (autores
selecionados)
|----- A. 1800-1870 -----|----- B.: 1870-1945 -----|----- C.: 1945-1973/91 -----|----- D.: 1973/91- ----|
211
Um tema diretamente correlato é o lugar que as rivalidades interimperiais
ocupariam no debate sobre o imperialismo. Bob Sutcliffe (1972) observou que, nas
décadas de 1960/70, uma particularidade da discussão sobre o imperialismo foi sua
simultânea ampla aceitação entre os historiadores (como fenômeno historicamente
datado) e sua rejeição entre economistas (como necessidade permanente). Em grande
medida esse fato refletia uma forte identificação do imperialismo com um dos traços
detectados em todas as análises clássicas: a existência de interesses antagônicos que
conduzia às guerras, à partilha territorial do mundo, ao desenvolvimento desigual entre
as nações. Igualado ou não o imperialismo com um estágio histórico, a questão da
necessidade das rivalidades interimperiais tem de passar pela descolonização e da
suposta estabilidade geopolítica do pós-guerra, assim como pelas guerras e pela recente
agressão dos Estados Unidos contra nações nitidamente mais fracas. Nesse sentido, é
forçoso notar que a estabilidade e a descolonização jogam, é claro, contra a suposição
de uma rivalidade necessária, assim como as guerras recentes parecem reiterar sua
atualidade, mas nem uma coisa nem outra deveria ser creditada como “prova cabal” no
assunto. Vejamos como as teorias contemporâneas reagem a essa questão.
212
contemporâneo um sistema de rivalidades como o de outrora. Em Hardt & Negri e
Robinson porque a própria divisão do espaço mundial em nações perde sua importância;
em Castel, porque a aliança entre o “pacto capitalista” internacional teria levado ao
“ultraimperialismo” (definido precisamente pelo bloqueio das rivalidades). Não
obstante, a perspectiva de fim das rivalidades é assumida também entre autores que
continuam a trabalhar com a categoria imperialismo, como em Kurz, Panitch & Gindin
e, em alguma medida, Wood.
Para Kurz o fim das rivalidades é um dos aspectos essenciais do atual estágio do
capitalismo, marcado exatamente pela força incontestável dos Estados Unidos (e pela
concomitante crise do sistema capitalista). Sua concepção entretanto não sugere que o
fim dessas rivalidades significa a emergência de um “capitalismo pacífico”, como fica
evidente em sua crítica às teses que pretendem ressuscitar o ultraimperialismo de
Kautsky:
Já Panitch & Gindin e Wood têm em comum com Kautsky a percepção de que o
sistema de rivalidades surgido na virada do século XX nem era necessário, nem
correspondia ao contexto que melhor atende aos interesses do capital. Em Panitch &
Gindin o “sucesso” do imperialismo de uma potência capitalista está associado a sua
capacidade de criar uma esfera de influência que não se afirma pela coerção direta (o
213
império informal). Exatamente por isso os autores rejeitam veementemente o
renascimento das rivalidades interimperiais.
Se em Wood vê-se uma postura dúbia com relação à questão das rivalidades,
Callinicos (2010, seção 2.2) utiliza de parte dos seus argumentos para se contrapor às
teorias que vêm no presente o fim das rivalidades imperialistas. Como fica claro em
outro lugar, o ponto de Callinicos (2006) não é que se devesse colocar na ordem do dia
a emergência de uma terceira guerra mundial, mas que não se poderia ignorar, ao lado
das evidências de cooperação ou mesmo de uma união de interesses no seio da classe
capitalista de diferentes nacionalidades, a coexistência de interesses antagônicos – no
interior das principais potências imperialistas (a chamada Tríade), ou com outros
Estados igualmente relevantes, como a Rússia e a China. Do ponto de vista teórico,
tanto em sua análise quanto na de Harvey, a permanência desse tipo de relação
conflituosa pode ser capturada como consequência da própria lógica política (territorial)
227
“Antes da hegemonia econômica do capital dominar o mundo, o capitalismo atravessou a era clássica
do imperialismo, com todas as intensas rivalidades geopolíticas e militares. Essa era acabou faz tempo. O
imperialismo capitalista tornou-se quase inteiramente uma questão de dominação econômica, na qual os
imperativos de mercado, manipulados pelas potências capitalistas dominantes, fazem o serviço antes
operado pelos estados imperiais ou pelas colônias. Mas agora estamos descobrindo que a universalidade
dos imperativos capitalistas não removeu a necessidade da força militar. De fato, o contrário é
verdadeiro”. (WOOD, 2003b, p. 153. Tradução nossa.)
214
do poder. Mais que isso, porém, seu argumento é que para entender essa lógica não se
pode pensar simplesmente em termos de uma “teoria do Estado”, mas de uma teoria
sobre o “sistema de Estados”.
215
CONCLUSÃO
228
Como queriam crer alguns dos sucessores clássicos, cf. Varga apud Altvater (1987). Entende-se que
essa interpretação seja, contudo, inteiramente injustificada. Para pôr de modo simples: ela só faria sentido
caso Lênin acreditasse que o imperialismo é uma fase para além do capitalismo e não uma fase (a mais
elevada) do capitalismo.
217
abstrato para o que é mais concreto, com as análises que vão daquilo que é geral
(entendido como o que é próprio ao modo de produção capitalista) para o que é
particular (isto é, a forma particular de manifestação de uma legalidade em um
momento particular da história), a teoria clássica abriu margem para uma transposição
entre distintos graus de abstração. 229 O cotejamento dessas teorias revela que (exceção
feita à Rosa Luxemburgo, de quem falaremos outra vez adiante) a afirmação de um
novo estágio histórico confunde aspectos conjunturais da realidade social com aspectos
estruturais e colapsa numa só coisa o capitalismo em si e sua forma de manifestação
histórica.
229
Nesse sentido, a título de ilustração, note-se: as categorias mais concretas, tratadas por Marx no livro
III de O capital, não são por isso menos gerais que as categorias abstratas, desenvolvidas no livro I.
218
interpretação, a origem da monopolização reside nas tendências à concentração e à
centralização de capital. 230 Segundo Lênin (1979, p. 590):
Há meio século, quando Marx escreveu O capital, a livre concorrência era,
para a maior parte dos economistas, uma “lei natural”. A ciência oficial
procurou aniquilar, por meio da conspiração do silêncio, a obra de Marx, que
tinha demonstrado, com uma análise teórica e histórica do capitalismo, que a
livre concorrência gera a concentração da produção, e que a referida
concentração, num certo grau do seu desenvolvimento, conduz ao monopólio.
Agora o monopólio é um fato.
230
Parece-nos um fato sintomático dos problemas de interpretação que, mesmo em Lênin, a categoria
concentração de capital seja frequentemente confundida com a centralização, mas não exploraremos
mais esse ponto – entendendo, inclusive, que certos problemas de rigor teórico como este podem ser
oriundos de um ambiente adverso em que escrevia o autor.
219
que o monopólio é ali caracterizado pela capacidade de realização das mercadorias por
um preço superior ao seu valor. Neste caso, vale dizer, os erros se multiplicam, pois
nem a lei do valor, nem a categoria concorrência e nem a categoria monopólio são
descritas adequadamente. 231
231
Para um debate acerca da categoria monopólio em Marx, ver Shaikh (1991) e Altvater (1987, p. 22-
24).
220
se avolumar os questionamentos ao papel dos Estados nacionais, bem como também
com a retomada dos debates sobre a “hegemonia” norte-americana e seu
intervencionismo crescentemente aberto (ainda que as tensões não apontassem para um
clima semelhante àquele que circundou a Primeira Guerra Mundial).
Não nos propomos aqui a avaliar de modo completo a correção ou não das
diferentes fórmulas seguidas pelos autores contemporâneos em suas tentativas de
caracterização do imperialismo contemporâneo – a não ser quando, em casos como os
de Hardt & Negri, seu falseamento teórico fosse absolutamente indispensável. No
Capítulo 3, tentamos levantar elementos que, ainda que inevitavelmente enviesados por
nossa própria perspectiva, permitissem aos leitores críticos retirarem suas próprias
conclusões. Nosso foco, entretanto, recaiu sobre a apresentação das diferentes
concepções atentando particularmente para o modo como era lida a história do
desenvolvimento capitalista, em conjunto com o desenvolvimento do imperialismo,
particularmente em sua relação com a “periodização clássica”.
232
É notável, por isso, que, mesmo com a retomada do debate sobre o imperialismo, aspectos antes
centrais ligados à monopolização, como é especialmente o caso da questão em torno da socialização da
produção, tenham permanecido significativamente esquecidos.
222
das que mais encontra eco, especialmente porque, como se espera ter deixado claro
anteriormente, vive-se um momento de contestação dos Estados nacionais.
Para concluir, é necessário fazer ainda duas ressalvas. Em primeiro lugar, não se
trata aqui de defender ou criticar a possibilidade de uma periodização das formas
assumidas ao longo do tempo pelo modo de produção capitalista. Não cremos de modo
algum que se deva considerar “as leis férreas” do capitalismo como leis imutáveis –
posição que, como Lênin já notara, termina por naturalizá-las, conduzindo a uma
postura diametralmente contrária a de Marx.
Mais que isso, é possível mesmo dar crédito ao jovem Lukács (2012), quando,
em 1924, em um livro escrito em homenagem ao então recém-falecido Lênin,
considerou que a genialidade deste residia, acima de qualquer outra coisa, na unidade
em seu pensamento de teoria e práxis. Por isso, Lukács acreditava que a concretização
leniniana do pensamento marxiano era teoricamente exata, porque lia a contento a
conjuntura política e oferecia argumentos para a única prática transformadora possível
naquele momento. Mais interessante ainda é notar que, vários anos depois, este autor
não alterou fundamentalmente essa avaliação, em que pesassem as inflexões decisivas
sofridas em seu pensamento. Assim, no posfácio à edição de 1968, Lukács reconhece
que as tendências projetadas por Lênin a partir das experiências da Primeira Guerra
Mundial haviam perdido sua validade, mas continua a sustentar que em Lênin a décima
primeira tese marxiana contra Feurbach atingia sua expressão máxima:
224
repetir aqui a crítica já ensejada anteriormente (seção 2.4). Ao contrário, devemos
enfatizar a importância da teoria do imperialismo para o conhecimento da história
capitalista e a conveniência de sua recente renovação para a esquerda mundial.
225
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