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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS


FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

HUGO FIGUEIRA DE SOUZA CORRÊA

TEORIAS DO IMPERIALISMO NO SÉCULO XXI:


(IN) ADEQUAÇÕES DO DEBATE NO MARXISMO

Niterói (RJ)
2012
HUGO FIGUEIRA DE SOUZA CORRÊA

TEORIAS DO IMPERIALISMO NO SÉCULO XXI:


(IN) ADEQUAÇÕES DO DEBATE NO MARXISMO

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Econômicas da
Universidade Federal Fluminense como parte
dos requisitos para obtenção do Grau de
Doutor em Economia.

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Dias Carcanholo

Niterói (RJ)
2012

ii
HUGO FIGUEIRA DE SOUZA CORRÊA

TEORIAS DO IMPERIALISMO NO SÉCULO XXI:


(IN) ADEQUAÇÕES DO DEBATE NO MARXISMO

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ciências Econômicas da
Universidade Federal Fluminense como parte
dos requisitos para obtenção do Grau de
Doutor em Economia.

Banca examinadora:

________________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Dias Carcanholo (Orientador)
Faculdade de Economia - UFF

________________________________________________________
Prof. Dr. João Leonardo Medeiros
Faculdade de Economia - UFF

________________________________________________________
Profa. Dra. Virgínia Fontes
Departamento de História - UFF / ESPJV - Fiocruz

________________________________________________________
Prof. Dr. Alexis Saludjian
Instituto de Economia - UFRJ

________________________________________________________
Prof. Dr. Rubens Rogério Sawaya
Departamento de Economia - PUC-SP

Niterói (RJ)
27 de julho de 2012
iii
C824
Corrêa, Hugo Figueira de Souza
Teorias do imperialismo no século XXI : (in)
adequações do debate no marxismo / Hugo Figueira de
Souza Corrêa ; orientador Marcelo Dias Carcanholo.
Niterói, 2012.
247 f.
Tese (Doutorado em Economia) – Universidade
Federal Fluminense, 2012.

1. Imperialismo – História. 2. Teoria marxista. 3. Crítica da


economia política. I.Carcanholo, Marcelo Dias, orientador.

CDD 335.4

iv
Para meu pai,
Elmar Cardoso de Souza Corrêa
(in memorian).

v
AGRADECIMENTOS
Nos últimos quatro anos e meio, período em que essa tese foi concebida, muitas
coisas aconteceram. Entre minhas andanças no eixo Rio de Janeiro/Niterói/Uberlândia/
Campos/Vitória, deixei inúmeros débitos intelectuais e afetivos que dificilmente
caberiam no pouco espaço aqui presente para que fossem plenamente reconhecidas. A
todos que fizeram parte desse trabalho deixo, desde já, registrada minha gratidão. Peço
desculpas antecipadas por não poder citar todos, mas não posso deixar de mencionar
alguns nomes.
Ao professor Marcelo Carcanholo, com quem venho trabalhando desde o
mestrado, e que mais uma vez se mostrou decisivo para que esse trabalho tenha sido
possível. Sua orientação foi imprescindível, sempre disposto a ouvir ideias, discutir,
indicar novas referências e, quando necessário, lembrar-me que o trabalho que
estávamos desenvolvendo era factível.
Ao professor João Leonardo Medeiros, com quem tenho uma dívida intelectual e
profissional “impagável” e cujo incentivo foi fundamental para que este trabalho tenha
se concretizado. Desde os tempos em que orientou minha monografia, na graduação em
economia na UFF, João foi interlocutor, um professor e um amigo para mim e sou -lhe
grato por isso.
Ao professor Mario Duayer, cujo trabalho de excelência desenvolvido por anos
na UFF, apesar de todas as dificuldades, foi indispensável para que pudesse ter chegado
ao (início e ao) término deste doutorado. Acredito seriamente que essa tese jamais
poderia ter existido se não fosse fruto de um verdadeiro esforço coletivo, do qual em
parte me aproprio aqui, e que seria impensável sem o seu trabalho.
À professora Lérida Povoleri, minha eterna tutora, e ao professor André
Guimarães Augusto da UFF, que ao longo de todos esses anos foram interlocutores
excepcionais e amigos sempre presentes. Ao Programa de Educação Tutorial (PET-
Economia/UFF), que, ainda em meus tempos de graduação, possibilitou para mim o
desenvolvimento do interesse pela atividade acadêmica e pelo pensamento crítico.
Ao grupo de professores, pesquisadores e alunos que compõem o Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisas sobre Marx e o Marxismo (Niep-Marx/UFF), que tive a
felicidade de integrar nos últimos anos e que contribui com a formação de u m
pensamento crítico sobre a realidade que tentei desenvolver também em minha tese.
Agradeço em particular à professora Virgínia Fontes que mostrou sempre entusiasmo
com minha pesquisa e me ajudou a pensar nas múltiplas dimensões envolvidas no
debate sobre o imperialismo.
A todos os meus professores e colegas da pós-graduação, especialmente aos
amigos Paula, Rômulo, Eduardo, Rodrigo e Wellington, com os quais tive o prazer de
dividir disciplinas, discussões e momentos bons de descontração ao longo dos últimos
anos. Além disso, preciso agradecer aos funcionários da pós-graduação e da biblioteca,
em particular às amigas Mirian e Claudia, que me auxiliaram sempre que preciso.
Agradeço à professora Ana Urraca Ruiz que, na figura de coordenadora, foi sempre
solícita e atenciosa. Agradeço a Capes pelo apoio financeiro.
A todos os meus colegas do Departamento de Economia da UFES, e às
funcionárias Téthys e Romilda. Agradeço, sobretudo, aos professores Jorge Mendonça,
Helder Gomes, Maurício Sabadini, Paulo Nakatani, Reinaldo Carcanholo, Rogério
Faleiros e Vinícius Pereira e suas respectivas famílias, não só por me ajudarem com os
vi
problemas práticos de conciliar a redação de uma tese com as atividades docentes, mas
por tornarem minha vida em Vitória mais completa. Deixo ainda um agradecimento à
Luiza e, em especial, à menina Clarice, para que ela possa desde já se acostumar com
seu nome em trabalhos acadêmicos.
A minha família e amigos que estiveram sempre comigo, souberam compreender
minhas ausências, me incentivaram e ajudaram, inclusive, a lembrar que a vida não é
feita só de trabalho. Aos amigos Aldo, Bia, Daniel (Toddy) e Ju, Daniel (Petit), Cezar e
Manu, Paulo e Daniel (e a toda a família Duarte Silva), Rodrigo (Ayres) e família,
Rodrigo (Ashton) e à toda turma da fuzarca. Às famílias Aires Imbiriba e Di Maio
Bonente, especialmente a Lucia e Edu, Beto e Madê e à Luciana e ao (já nem tão)
pequeno Theo. A toda minha família, particularmente aos meus primos (e irmãos) da
“primeira geração”, Vitor e Guilherme.
Sou eternamente grato à minha mãe, Creuza Stephen Figueira, e à minha irmã,
Elisa Figueira de Souza Corrêa, por toda sua preocupação, seu apoio e carinho, por
todas as conversas e também pelo trabalho de revisão (realizado às pressas, por minha
culpa, mas com toda boa vontade).
Não existem palavras que possam expressar meus agradecimentos à Bianca, por
tudo que vivemos juntos nesses quase dez anos, por seu apoio em todas as horas, mas,
acima de tudo, por ser como é. Muito obrigado.
Por fim, devo agradecer aos meus tios Bira e Quica que tomaram a frente nas
decisões urgentes no momento mais crítico que já vivi. Essa tese é dedicada à memória
do meu pai, que sempre perguntava por ela, mas só depois de perguntar por mim e que,
infelizmente, não pôde lê-la. Obrigado.

vii
RESUMO
O presente trabalho tem como finalidade estudar a teoria do imperialismo a
partir dos problemas da periodização histórica do capitalismo, começando com as
teorias clássicas e seguindo para as teorias contemporâneas. Desde o ressurgimento do
debate em torno desse tema, no início do século XXI, a pergunta, nem sempre
formulada explicitamente, que se tenta responder é: será que, ainda hoje, a categoria
imperialismo pode ser utilizada com correção para descrever os fenômenos sociais em
curso? Esta tese busca, tomando como fundamento a obra de Marx e os desdobramentos
do debate clássico sobre o imperialismo, lançar bases para uma avaliação crítica das
propostas de recuperação da teoria do imperialismo, particularmente em seu debate
sobre as formas de periodização do desenvolvimento capitalista.

ABSTRACT

This work consists of a study of the Theory of Imperialism and the issues raised
by its proposal of historical periodization of the capitalist mode of production, starting
by imperialism’s ‘classical era’ in the end of XIXth century. Ever since the renewal of
this debate, in the beginning of XXIth century, the question always posed is: can the
category imperialism be used to understand the contemporary reality? This work
derives from Marx’s theory and form the development of classical debate over
imperialism to create a critical evaluation of the ‘new theories of imperialism’,
particularly looking at its relation to the question how to distinguish the history of
capitalist phases.

viii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

PARTE I: MARX E A TEORIA CLÁSSICA DO IMPERIALISMO 8

CAPÍTULO 1: A LEI DE MOVIMENTO DA PRODUÇÃO CAPITALISTA 9

1.1. A NOÇÃO DE LEGALIDADE SOCIAL EM MARX 10


1.2 A LEI ECONÔMICA DE MOVIMENTO DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA 19
1. 3. A LEI GERAL DA ACUMULAÇÃO CAPITALISTA 29
1.3.1. NOTAS SOBRE A CATEGORIA CONCORRÊNCIA E A LEI DO VALOR EM MARX 36
1.4. A LEI DE TENDÊNCIA À QUEDA DA TAXA DE LUCRO 43

CAPÍTULO 2: AS TEORIAS CLÁSSICAS DO IMPERIALISMO 51

2.1. CONTEXTUALIZANDO O DEBATE 54


2.2. AS TEORIAS CLÁSSICAS DO IMPERIALISMO 62
2.2.1 AS BASES DA “LINHA PRINCIPAL”: O IMPERIALISMO DE HOBSON E HILFERDING 63
2.2.2 KAUTSKY: DO IMPERIALISMO AO ULTRAIMPERIALISMO 77
2.2.3. A “LINHA PRINCIPAL” DA TEORIA CLÁSSICA: BUKHARIN E LÊNIN 81
2.2.4. A NECESSIDADE DE “ESFERAS EXTERNAS” E O IMPERIALISMO EM ROSA LUXEMBURGO 93
2.3. CONTROVÉRSIAS DA TEORIA CLÁSSICA DO IMPERIALISMO 101
2.4. SÍNTESE CRÍTICA: PROBLEMAS E DESDOBRAMENTOS DA TEORIA CLÁSSICA DO IMPERIALISMO 106

PARTE II: AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DO IMPERIALISMO 111

CAPÍTULO 3: AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS NO FIM DO BREVE SÉCULO XX: O CAPITALISMO


CONTEMPORÂNEO 112

3.1. DA “ERA DE OURO” DO CAPITALISMO À CRISE DOS ANOS 1960/70 113


3.2. TODO PODER AO CAPITAL: AS RESPOSTAS À CRISE ECONÔMICA DOS ANOS 1960/70 E AS
TRANSFORMAÇÕES DO “CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO” 125

ix
3.3. BREVE NOTA SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES IDEOLÓGICAS: O “FIM DAS IDEOLOGIAS” COMO IDEOLOGIA DO
CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 145

CAPÍTULO 4: AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DO IMPERIALISMO 149

4.1. A TEORIA DO IMPERIALISMO NO DECORRER DO SÉCULO XX 149


4.1.1. A DERROCADA DOS “CLÁSSICOS” NO INÍCIO DO SÉCULO 149
4.1.2. A TEORIA DO IMPERIALISMO NA ENCRUZILHADA: O RETORNO ENSAIADO NAS DÉCADAS DE 1960/70 156
4.2. AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DO IMPERIALISMO 165
4.2.1. DEPOIS DO IMPERIALISMO: IMPÉRIO, GLOBALIZAÇÃO E ULTRAIMPERIALISMO 167
4.2.2. REAFIRMANDO O IMPERIALISMO: UMA NOVA FASE NO SEIO DO “ESTÁGIO SUPERIOR” DO CAPITALISMO?
175
4.2.3. REPENSANDO O IMPERIALISMO: NA FRONTEIRA DO “POLÍTICO” E DO “ECONÔMICO” 190
4.2.4. A QUESTÃO DA PERIODIZAÇÃO E O LUGAR DAS RIVALIDADES INTERIMPERIALISTAS 209

CONCLUSÃO 216

REFERÊNCIAS 226

x
LISTA DE FIGURAS, MAPAS, QUADROS E TABELAS

TABELA 2.1 – O DESENVOLVIMENTO DO IMPÉRIO BRITÂNICO (1700-1913) 57


TABELA 2.2 – TERRITÓRIO COLONIAL DETIDO PELAS POTÊNCIAS EUROPEIAS (EM MILHÕES DE KM2) 58
MAPA 2.1 – PARTILHA TERRITORIAL DO MUNDO, 1914. 59
QUADRO 2.1 – PRINCIPAIS OBRAS DA TEORIA DO IMPERIALISMO NO “PERÍODO CLÁSSICO”. 62
QUADRO 2.2 – TIPOLOGIA DAS ASSOCIAÇÕES CAPITALISTAS EM HILFERDING 69
TABELA 3.1 – TAXA DE CRESCIMENTO DO PNB E PNB PER CAPITA: MUNDO E REGIÕES, 1000–1998 (MÉDIA
COMPOSTA DAS TAXAS ANUAIS DE CRESCIMENTO ) 115
TABELA 3.2 – DESEMPREGO E INFLAÇÃO NOS PAÍSES DE CAPITALISMO AVANÇADO, 1950–1998 116
TABELA 3.3 – CRESCIMENTO PER CAPITA E GRAU DE PRODUTIVIDADE: EUROPA OCIDENTAL E ESTADOS UNIDOS
117
FIGURA 3.1 – TAXA DE LUCRO E TAXA DE ACUMULAÇÃO: ESTADOS UNIDOS E EUROPA, 1960-2000 (%) 123
FIGURA 3.2 – PARCELA DE ATIVOS NA POSSE DO 1% MAIS RICO DA POPULAÇÃO NORTE-AMERICANA, 1922-
1998 123
TABELA 3.4 – TAXA DE LUCRO LÍQUIDO DAS CORPORAÇÕES: PAÍSES SELECIONADOS, 1951-1983 (%)A 124
FIGURA 3.3 – INFLAÇÃO E SALÁRIOS REAIS: PAÍSES DE OCDE, 1963-2003 127
TABELA 3.5 – CRESCIMENTO DAS EXPORTAÇÕES DE BENS: MUNDO E REGIÕES, 1870–1998 129
TABELA 3.6 – ABERTURA COMERCIAL DESDE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (EM PORCENTAGEM DO PIB)A 129
FIGURA 3.4 – GRANDES FLUXOS DE COMÉRCIO MUNDIAL DE MERCADORIAS EM 1990 130
FIGURA 3.5 – COMÉRCIO EXTERIOR DAS MULTINACIONAIS: EXPORTAÇÕES DE BENS E SERVIÇOS, 1993 131
FIGURA 3.6 – TOTAL DE COMÉRCIO DE BENS E PARCELA DO COMÉRCIO INTRAFIRMAS: ESTADOS UNIDOS, 2002-
2009 131
FIGURA 3.7 – FLUXO DE INVESTIMENTO “INTRATRÍADE”, 1980-1990 E DISPONIBILIDADE EM 1990 132
FIGURA 3.8 – FLUXO DE IDE: MUNDO E GRUPOS DE PAÍSES SELECIONADOS 133
TABELA 3.7 – ESTOQUE DE IDE: GRUPOS E PAÍSES SELECIONADOS, 1980-2010 134
QUADRO 3.1 – INDICADORES DA CONCENTRAÇÃO MUNDIAL DA PRODUÇÃO 136
FIGURA 3.9 – AÇÕES TRANSACIONADAS: “TRÍADE” E CHINA, 1988-2010 (VALOR TOTAL COMO PORCENTAGEM
DO PNB) 137
TABELA 3.9 – INDICADORES SELECIONADOS SOBRE O TAMANHO DO MERCADO DE CAPITAIS: 139
QUADRO 3.2 – AS TRÊS ETAPAS DA EMERGÊNCIA DAS FINANÇAS DE MERCADO MUNDIALIZADAS:
CARACTERIZAÇÃO GERAL E MEDIDAS DE MAIOR DESTAQUE 142
QUADRO 4.1 – TENTATIVAS DE SISTEMATIZAÇÃO DAS FASES DO IMPERIALISMO (AUTORES SELECIONADOS) 211

xi
INTRODUÇÃO

— Não há morte. O encontro de ditas expansões, ou a expansão de duas


formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não
há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência
da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o
carácter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e
duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das
tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra
vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem
em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e
morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a
conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a
alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos
demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais
demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só
comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional
de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao
vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
– Quincas Borba, Machado de Assis, 1891.

“Ao vencedor, as batatas”. A famosa pérola da “filosofia humanitista” foi posta


por Machado de Assis na boca de Quincas Borba, no brilhante romance homônimo
escrito em 1891. O “humanitismo”, como o personagem machadiano denominava sua
perspectiva filosófica, era evidentemente uma sátira dirigida, em primeiro lugar, ao
positivismo de Auguste Comte, mas também a toda sorte de teorias (pseudo)científicas
cuja orientação geral era o darwinismo social. Teorias que, apoiadas em um
materialismo simplista e cretino, poderiam servir para dar verniz filosófico à
naturalização tanto das desigualdades sociais inerentes a uma sociedade de classe,
quanto da dominação colonial de umas nações sobre as outras.

A teoria do imperialismo nasce do embate com essas mesmas visões de mundo.


No trabalho seminal do economista inglês Jonh A. Hobson, que veio a público apenas
uma década depois de Machado de Assis escrever aquelas linhas, em 1902, a analogia
biológica trazida pelo darwinismo social e pelas teorias que justificavam o

1
expansionismo inglês com base em uma necessidade “natural” de dar vazão à ampliação
de um “excedente populacional” era quase invertida: os “vencedores” eram na verdade
como que parasitas sociais, conduzindo nações inteiras a guerras de conquista e a
“exploração” econômica das nações mais fracas em nome exclusivamente de seus
interesses privados. As teorias marxistas do imperialismo iriam, partindo dessa
caracterização de Hobson, aprofundar a análise das determinações por ele apontadas e
olhar para esse processo como o sinal da emergência de uma nova era do
desenvolvimento capitalista.

Essa nova fase do desenvolvimento capitalista teria tido início no último quarto
do século XIX, logo ainda no período de vida de Marx, embora o imperialismo nunca
tenha figurado no rol de categorias utilizadas por ele. Como gostam de lembrar alguns
estudiosos do assunto, mesmo considerando uma definição abrangente de imperialismo,
Marx teria tratado do assunto apenas em escassas oportunidades. A mais lembrada (e
mais controversa) delas estava presente em alguns artigos jornalísticos sobre a ocupação
britânica na Índia. 1 Mas não foi desses escritos que as teorias clássicas do imperialismo
partiram em sua análise.

Para afirmar a formação dessa nova fase do capitalismo, a chamada teoria


clássica do imperialismo tentou integrar a teoria da acumulação de capital desenvolvida
por Marx com a dinâmica concreta de expansão do capitalismo no plano mundial. Marx
havia notado desde muito cedo que a dinâmica expansiva da produção capitalista fazia
do mercado mundial seu norte (por exemplo, no Manifesto comunista, escrito em
conjunto com Engels em 1848, muito antes de descrever de modo completo em O
capital as leis que governavam a acumulação). Além disso, é um fato sempre lembrado
que constava nos planos de estudo de Marx a pretensão de dedicar um volume, jamais
escrito, de O capital apenas à análise da articulação do mercado mundial. 2

1
Cf. Marx & Engels (1973). Os artigos são hoje controversos porque deixavam transparecer um
ajuizamento positivo (progressista) da política colonial. Uma análise interessante sobre o percurso do
pensamento marxiano acerca dos problemas coloniais, que foram de uma valoração quase positiva do
“papel civilizatório” do colonialismo, sustentada até o fim da década de 1850, a uma postura crítica dessa
política e mais simpática para/com os povos dominados, pode ser vista em Kohan (2003).
2
Como é sabido, Marx não chegou a concluir propriamente O capital; em vida editou apenas o primeiro
livro e deixou indicações e manuscritos que permitiram a publicação dos demais, embora estivessem
ainda em formato “bruto” – especialmente, comparado com o exaustivo trabalho de “lapidação” que ele
mesmo dispensou ao primeiro livro. Rosdolsky (2001, p. 61) registra que em 1858 o plano de obra de

2
Foi em virtude desse caráter inconcluso que surgiram propostas de continuação
desta obra entre os marxistas. Dois motivos levariam diversos analistas a crer que seria
papel da teoria do imperialismo ocupar esse lugar, como a continuação de O capital.
Em primeiro lugar, porque alguns planos de obra de O capital indicavam que o autor
pretendia dedicar os últimos volumes da obra às análises do comércio exterior e do
mercado mundial. Em segundo, porque se reconhecia que o método de exposição dos
argumentos no livro partia de categorias abstratas e ia sempre mais em direção ao
concreto. A teoria do imperialismo seguiria essa perspectiva de concretização porque
olhava diretamente para o desenvolvimento histórico do capitalismo. Nos termos de
Karl Kautsky (1911): “Dentre a literatura marxista – dentre todas as obras dessa
literatura, de fato – um dos mais notáveis fenômenos é o livro escrito por Hilferding
sobre o capital financeiro. Em certo sentido ele pode ser considerado uma continuação
de O capital de Marx”.

Assim, ainda no prefácio da primeira edição de O capital financeiro, Rudolf


Hilferding (1985, p. 27), pioneiro na análise do imperialismo entre os marxistas,
escreveu:

Nas páginas seguintes, tentaremos chegar a uma compreensão científica dos


fenômenos econômicos referentes ao desenvolvimento capitalista mais
recente. Isso significa incorporar esses fenômenos ao sistema teórico da
Economia Política clássica, que começa com W. Petty e encontra sua
expressão máxima em Marx. Os traços mais característicos do capitalismo
“moderno” são constituídos pelos processos de concentração que aparecem,
por um lado, na “abolição da livre-concorrência”, mediante a formação de
cartéis e trustes, e, por outro lado, numa relação cada vez mais intrínseca
entre o capital bancário e o capital industrial. É através dessa relação que o
capital vai assumir a forma de capital financeiro, sua forma mais elevada e
abstrata, como se demonstrará mais adiante, pormenorizadamente.

Como fica claro nas linhas supracitadas, embora se baseasse teoricamente nas
pistas deixadas pelo trabalho de Marx, Hilferding e os demais teóricos do imperialismo
pretenderam continuar o empreendimento marxiano por meio de uma concretização

Marx era composto por: I. O capital; II. A propriedade fundiária; III. O trabalho assalariado; IV. O
Estado; V. O comércio exterior; e VI. O mercado mundial. Note-se, porém, que a partir das notas sobre
outras estruturas pensadas por Marx para O capital, alguns estudiosos defendem que esse plano não
quedou apenas incompleto mas foi conscientemente abandonado pelo autor. As razões que teriam levado
Marx a reformular seus planos permanecem apenas especuladas, porém, e poderiam ir desde a percepção
da ausência de tempo para cumprir tal projeto à decisão de apenas incorporar tais temáticas em outros
momentos da obra.

3
histórica que desse conta da evolução do capitalismo depois do período de Marx,
supostamente marcado pela emergência do capital financeiro e pela “supressão da livre-
concorrência”. Só que na passagem também fica claro que Hilferding coloca sua obra
em uma trajetória de desenvolvimento linear com relação à de Marx (e, pior, de todo o
“sistema teórico da Economia Política”), em vez de localizar seu estudo em um plano
diverso. O problema é que, como uma análise cuja proposta era de observar o
desenvolvimento historicamente concreto do capitalismo, a teoria do imperialismo se
localizava em nível de abstração diferente daquele proposto por Marx. Uma
observação de Harvey (2006a, p. 65. Grifos nossos.) ajuda a entender:

Marx elaborou a teoria da acumulação para o modo capitalista de produção


num estado “puro”, sem referência a qualquer situação histórica específica.
Nessa base, como vimos, ele demonstra a necessidade da intensificação e da
expansão como concomitantes da acumulação. A teoria do imperialismo,
como habitualmente concebida na literatura, é, à guisa de contraste, uma
teoria da história. É usada para explicar o desenvolvimento histórico das
formações sociais capitalistas no cenário mundial. Trata do modo pelo qual
as forças conflitantes e os interesses de classe se relacionam em situações
históricas específicas, determina as consequências por meio de suas
interações e, assim, fixa as condições prévias para o próximo estágio na
evolução das formações sociais capitalistas.

O presente trabalho, portanto, tem como finalidade estudar a teoria do


imperialismo a partir dos problemas da periodização histórica do capitalismo,
começando com as teorias clássicas e seguindo para as teorias contemporâneas. Estas
últimas tiveram, em um contexto absolutamente diverso, um ponto de partida bastante
semelhante àquele das primeiras: a constatação de que transformações sociais davam
ensejo a uma nova fase do desenvolvimento capitalista. Essas novas teorias assistiram à
escalada do intervencionismo militar pós-Guerra Fria, com as guerras do Golfo, de
Kosovo, do Afeganistão e do Iraque. Ao mesmo tempo, a história como contada pelos
“vencedores” voltava a naturalizar essas formas de agressão, como formas necessárias
de defesa da democracia, dos valores e do padrão de vida “ocidentais” etc. – e isso
quando não as glorificava abertamente, numa espécie de reedição do humanitismo
machadiano, ou as escondia por detrás dos conceitos de “globalização”, que supunham
o fim das diferenças nacionais. Nesse sentido, enquanto os críticos não-radicais não
faziam mais que denunciar assistematicamente os interesses econômicos ali envolvidos
(particularmente, chamando atenção para os objetivos de controle sobre o petróleo), as

4
teorias contemporâneas do imperialismo reagiram a toda essa retórica relembrando as
semelhanças entre esses processos e aqueles vividos um século antes.

Desde o ressurgimento do debate em torno desse tema, a pergunta, nem sempre


formulada explicitamente, a que se vem tentando responder é: será que, ainda hoje, a
categoria imperialismo pode ser utilizada com correção para descrever os fenômenos
sociais em curso? Esta tese tenta, tomando por base a obra de Marx e os
desdobramentos do debate clássico sobre o imperialismo, lançar bases para uma
avaliação crítica das propostas de recuperação da teoria do imperialismo,
particularmente em seu debate sobre as formas de periodização do desenvolvimento
capitalista. Por trás da pergunta sobre a atualidade da categoria imperialismo há um
entendimento implícito de que o modo de produção capitalista possui uma constituição
tal que permite diferenciar, em seu interior, distintas fases. Dito de outro modo,
entende-se que as legalidades sociais que definem o modo de produção capitalista
podem manifestar-se de formas diversas em momentos históricos diversos. Assim
sendo, há entre as estruturas sociais de hoje e dos últimos séculos, simultaneamente,
identidade e diferença. Se a noção de capitalismo contemporâneo tem qualquer sentido
real, então ela requer, evidentemente, entender que o modo de produção atual ainda é o
capitalismo – que, portanto, ainda há uma identidade entre a sociedade atual e aquela
estudada por Marx no fim do século XIX; por outro lado, é preciso que haja algo de
específico na configuração atual do capitalismo para que o predicado contemporâneo
acrescente algo à compreensão da realidade nos dias de hoje.

Para discutir se o imperialismo é algo presente no capitalismo contemporâneo, a


grande maioria dos trabalhos atuais tem por foco elucidar de que modo age nos dias de
hoje o império norte-americano, como os países da dita periferia capitalista permanecem
submetidos a relações de “exploração” (econômica) ou como o poderio militar continua
sendo um aspecto de uma competição interestatal ainda hoje presente. E há razões em
fazê-lo: posto que durante boa parte do século XX a categoria foi severamente
desafiada, a análise concreta aparece como forma de provar a atualidade do debate.
Contudo, por mais que seja compreensível que os estudos recentes sobre imperialismo
busquem recuperar espaço através desse tipo de análise – historicamente concreta (às
vezes quase conjuntural) –, esse ponto de partida evidencia uma insuficiência teórica,

5
insuficiência essa que, para piorar, por vezes ecoa procedimentos das primeiras teorias
do imperialismo.

Assim, embora se reconheça a importância das teorias clássicas do imperialismo,


histórica e teoricamente, a hipótese diretriz do presente trabalho é que existe ali uma
transposição entre os planos teórico e histórico, confundindo um nível de abstração
maior (as leis gerais do modo de produção capitalista) e outro menor (as formas
específicas de manifestação dessas leis em contextos históricos específicos, como
também leis particulares, determinações e tendências próprias àquele momento).
Tentaremos, nas linhas que seguem, avaliar em que medida as teorias contemporâneas
do imperialismo, na maioria das vezes tributárias daquele debate originário, repetem
seus erros. Para tanto, faz-se necessário não apenas resgatar os antecedentes teóricos
(em especial a teoria marxiana na qual buscam amparo), mas também as principais
características do contexto histórico, essenciais para entender o cerne dessas
formulações.

O trabalho encontra-se dividido em duas grandes partes. A Parte I dirige-se de


modo mais direto aos problemas envolvidos em nossa hipótese diretriz. Nesse sentido,
no Capítulo 1, pretendemos oferecer uma descrição sintética da teoria marxiana,
conformando uma base categorial para as descrições posteriores no debate sobre o
imperialismo, mas, sobretudo, conformando uma base teórica contra a qual poderemos
avaliar o grau de correção da tentativa de continuação da obra marxiana pretendida pela
teoria clássica do imperialismo. Em seguida, no Capítulo 2, nos voltaremos para a
exposição das teorias clássicas do imperialismo, apreendidas em suas divergências
internas, bem como à luz do contexto histórico no qual foram produzidas.

Uma vez concluída essa primeira etapa, a Parte II da tese passa a olhar para os
desenvolvimentos posteriores da teoria do imperialismo. O Capítulo 3 tentará desenhar
um panorama amplo das transformações socioeconômicas e políticas do século XX,
com a preocupação de oferecer dados sobre os quais se apoiam atualmente as diferentes
visões que acreditam em uma nova fase (contemporânea) do capitalismo. Já o capítulo
4, tem como objeto de análise a evolução da teoria do imperialismo depois de seu
período clássico, procurando especialmente expor as novas teorias do imperialismo e
sua relação com os problemas da demarcação histórica do desenvolvimento capitalista.
Desse modo, o critério utilizado para tratar das teorias contemporâneas do imperialismo
6
foi sua avaliação a respeito da relação entre o imperialismo e a “fase” presente do
capitalismo: se as mudanças engendradas no capitalismo contemporâneo permitem
qualificar essa era como uma nova fase do capitalismo (dentro da qual o imperialismo
estaria, portanto, superado); se, a despeito das diferenças, o capitalismo permanece em
sua “fase imperialista”, ainda que as transformações possam ter engendrado um novo
momento histórico dentro do imperialismo, isto é, uma subfase do imperialismo; ou se a
única perspectiva teórica adequada para tratar do imperialismo é sua separação com
relação aos problemas envolvidos na periodização do capitalismo.

7
PARTE I:
MARX E A TEORIA CLÁSSICA DO IMPERIALISMO

8
CAPÍTULO 1:
A LEI DE MOVIMENTO DA PRODUÇÃO CAPITALISTA

No prefácio do Livro I de O capital, Marx (1985, p. 13) apresenta o objetivo da


obra: “a finalidade última desta obra é descobrir a lei econômica do movimento da
sociedade moderna”. Considerando que, na sequência do livro, o autor aponta a
existência de inúmeras leis econômicas, a afirmação de que existe uma lei, no singular,
que responde por esse movimento é relativamente intrigante, além de levantar a questão
sobre qual, dentre as leis apontadas, tem esse caráter pronunciado. Mas é igualmente
surpreendente na sentença que caracteriza o objetivo da obra o fato de que Marx tenha
aludido a uma lei “econômica” como a lei do movimento de uma sociedade. E,
finalmente, que essa sociedade seja caracterizada por essa lei, de modo independente da
época e/ou região. Todas essas afirmações, de fato, só deixam de causar espécie quando
se leva em consideração que Marx tinha plena consciência de que as determinações
causais do mundo não estão relacionadas entre si no que se pode denominar de cadeia
horizontal de determinações, mas sim numa espécie de relacionamento ortogonal.

O sentido do presente capítulo é, então, discutir o significado da noção de


legalidade social em Marx e demonstrar que as leis, por ele apresentadas em O capital,
encontram-se em um plano distinto (mais geral) daquelas sugeridas pela teoria do
imperialismo. Para estabelecer um contraponto teórico às descrições do imperialismo,
que começam a ser analisadas adiante, ainda na Parte I dessa tese, devemos também,
além de descrever o tratamento dispensado por Marx às legalidades sociais, expor uma
interpretação capaz de dar conta daquela que seria a lei de movimento do capitalismo
em sua forma mais geral.

O capítulo está estruturado da seguinte forma: na primeira seção, buscar-se-á


dirimir dúvidas sobre o que se entende por legalidades sociais em Marx. Para isso,
tentaremos mostrar alguns aspectos fundamentais da concepção de mundo (ontologia)
do autor, que facultam a descrição do mundo social algo dotado de leis (assim como, de
modo mais amplo, do mundo em geral ou ainda da sociedade capitalista apenas, de
modo mais específico). Uma vez esclarecidos esses problemas, passa-se (seção 1.2) à
9
descrição da lei de movimento do capitalismo, a lei do valor, como posta
particularmente n’O capital de Marx. Por fim, nas seções 1.3 e 1.4 são apresentadas,
respectivamente, a lei geral da acumulação capitalista e a lei de tendência à queda da
taxa de lucro, tentando mostrar não apenas sua relação (dialética) com a lei do valor,
mas também que ambas estão igualmente postas no plano universal das leis do modo de
produção capitalista – e que portanto devem atravessar este modo de produção em
qualquer época histórica e região geográfica.

1.1. A noção de legalidade social em Marx3

No argumento que se pretende construir nessa tese, tem um lugar central o


debate em torno da lei de movimento capitalista como descrita por Marx. A noção de
legalidade social foi tratada de modo muito diverso, porém, ao longo da história. Para
tentar esclarecer o significado das legalidades sociais no pensamento de Marx, pretende-
se nesta seção discutir algumas das propriedades imanentes do mundo e das
possibilidades de conhecimento sobre este. Não sendo o nosso objeto de estudo nesse
momento o mundo em geral (e suas leis), mas especificamente a sociedade (e as leis
sociais, portanto), nosso argumento se faz por meio da tentativa de demonstrar que,
seguindo as indicações de Marx, a sociedade deve ser encarada como um ente objetivo,
estruturado e histórico.4

3
Esta seção é tributária de uma perspectiva sobre a ontologia de Marx baseada em Lukács (1979), bem
como na elaboração dos principais problemas contidos em Bhaskar (2005). A respeito deste, convém
destacar que, embora não esteja especificamente descrevendo a perspectiva marxiana, é possível observar
uma convergência entre a ontologia por ele defendida (o realismo crítico) e a de Marx. Essa convergência
foi destacada por Duayer e Medeiros em diversos artigos: cf., por exemplo, Duayer (2001), Duayer,
Medeiros & Painceira (2001), Duayer & Medeiros (2007). Além disso, vale observar que para esta seção
nos baseamos amplamente também na sistematização dos assuntos aqui tratados e presentes também na
primeira parte do trabalho de Medeiros (no prelo).
4
É importante frisar: nossa breve exposição sobre o assunto deve passar razoavelmente ao largo de duas
questões importantes. Em primeiro, não trataremos (a não ser quando for indispensável ao argumento) as
semelhanças e diferenças entre leis sociais e naturais. Em segundo, é importante destacar que nosso
objetivo primário é fazer uma descrição da ontologia de Marx, isto é, seu entendimento sobre a forma de
ser do mundo que permite conceber a existência de leis que regulam o mundo (sem com isso eliminar seu
caráter inegavelmente histórico e não-preditivo, como se verá), porém nessa descrição não trataremos de
modo mais pausado de uma questão diretamente correlata: as condições de conhecimento sobre o mundo,

10
Um dos mais característicos traços da ontologia marxiana é a defesa da
prioridade do mundo existente (em si mesmo) sobre as condições de conhecimento
deste. Nesse tocante, não é demais lembrar que, por simplória que possa parecer a
afirmação da pré-existência do mundo com relação ao conhecimento, a história da
filosofia é pródiga em afirmações do contrário, sobretudo se falamos do mundo social,
da sociedade – sendo uma das mais notáveis concepções o idealismo típico de Hegel,
contra o qual Marx ainda em sua juventude havia se insurgido. Como de costume,
entretanto, o autor não apenas desqualifica o idealismo, mas explica sua origem com
base na própria forma de ser da realidade. Assim, para Marx (2011, p. 54-55), viria da
necessidade de reconstituir (idealmente) o mundo por meio do pensamento a “ilusão
hegeliana” de “conceber o real como resultado do pensamento que sintetiza-se em si,
aprofunda-se em si e movimenta-se a partir de si mesmo, enquanto o método de
ascender do abstrato ao concreto é somente o modo do pensamento de apropriar-se do
concreto, de reproduzi-lo como um concreto mental. Mas de forma alguma é o processo
de gênese do próprio concreto”. Entende-se, assim, porque ficou conhecida, antes de
tudo, como materialista a ontologia marxiana. 5

Dessa forma, a perspectiva materialista inverte os termos do idealismo e sugere


que repousa na existência objetiva do mundo – a qual necessariamente antecede (e no
caso de objetos naturais é absolutamente independente) da consciência ou dos juízos
humanos a seu respeito – a possibilidade de apreendê-lo na consciência humana. 6

ou seja, questões de epistemologia. Os leitores que se interessarem por ambos os temas, entretanto,
encontrarão boas fontes de pesquisa nas principais referências aqui utilizadas (ver nota anterior).
5
Sua crítica ao idealismo hegeliano foi apresentada de forma sistemática primeiramente nas Teses contra
Feuerbach e na Ideologia alemã (escritas em 1845-46). Ali, Marx (2007, p. 32) deixa clara a razão pela
qual se pode distinguir sua ontologia tanto do idealismo hegeliano quanto de outras formas de
materialismo (cuja filosofia partia de um indivíduo abstrato, contraposto à sociedade, e de natureza
anistórica), como aquela de Feuerbach: “Na medida em que Feuerbach é materialista, nele não se
encontra a história, e na medida em que toma em consideração a história ele não é materialista. [...] Em
relação aos alemães [i.e. os “hegelianos de esquerda”, contra os quais Marx está polemizando], que se
consideram isentos de pressupostos, devemos começar por constatar o primeiro pressuposto de toda a
existência humana e também, portanto, de toda a história, a saber, o pressuposto de que os homens têm de
estar em condições de viver para poder ‘fazer história’. Mas, para viver, precisa-se, antes de tudo, de
comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, pois, a produção
dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem
dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como há
milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos.”
6
No registro do filósofo britânico Roy Bhaskar (2005, p. 9 et seq.) tal propriedade (de relativa
independência das coisas com relação ao conhecimento que temos sobre elas) é apreendida pelo conceito
de intransitividade. Ver também Lukács (1979, p. 16).

11
Contudo, a possibilidade de tratar o mundo especificamente social, isto é, a sociedade
enquanto ente objetivo encontra resistência em diversas concepções, mesmo que
materialistas. Esse seria particularmente o caso de ontologias que, ainda que
materialistas, se apoiassem num método empirista. Para tais ontologias, portanto, a
existência ou não de certo objeto só pode ser afirmada caso este seja apreensível pelos
sentidos. O atomismo social, perspectiva que vê na sociedade um construto ideal, ou o
mero conjunto de indivíduos, nos serve aqui como um caso desse tipo de perspectiva.

Mesmo não sendo o tema principal da presente seção, é preciso observar que a
incorreção de tal perspectiva se põe a nu quando se observa que todo agir individual
necessariamente pressupõe certas condições sociais pré-existentes a si. Nos termos de
Bhaskar (2005, p. 30), “todos os predicados que designam propriedades especiais da s
pessoas pressupõem um contexto social para seu emprego. Um membro da tribo implica
uma tribo, sacar um cheque, um sistema bancário. A explanação, por subsunção a leis
gerais, alusão a motivos e regras, ou por redescrição (identificação), sempre envolve
predicados irredutivelmente sociais”. 7 Além disso, a história das ciências sociais mostra
que frequentemente a oposição ao individualismo tendeu a exagerar o papel das
estruturas sociais, tentando transformar cada ação singular em resultado direto do meio
social. Em grande medida os problemas surgem, portanto, da (aparentemente insolúvel)
antinomia filosófica que contrapôs indivíduo e sociedade – ora substantivando
indivíduos e contrapondo-os à sociedade (assim figurada como mero construto ideal),
ora transitando ao extremo oposto e reduzindo cada ato individual à condição de
simples reflexo das estruturas sociais. 8 Assumida a primeira perspectiva, mesmo quando
se considerasse possível a afirmação de leis sociais, tornar-se-ia necessário reduzi-las ao
“comportamento humano” (individual). Assumida a última, perder-se-ia de vista
qualquer papel do componente subjetivo, conferindo às leis um caráter absolutizado.

Fugindo dessa antinomia, sob a perspectiva marxiana, os indivíduos nem são


determinados pelas estruturas sociais, nem estas são criadas pelo agir individual. Isso
significa, para usar a fórmula célebre de Marx (1997, p. 21), que “os homens fazem sua
7
Tradução de Herman Mathow e Thais Maia sob supervisão e revisão técnica de Mario Duayer.
8
Bhaskar (2005, p.34) denomina, por um lado, voluntarismo o pensamento que imagina não ser a
sociedade nada mais que um coletivo criado pelos indivíduos, cujo erro é quase imediatamente revelado
pela observação da pré-existência das estruturas sociais ao agir humano; por outro lado, foi chamado de
reificação o erro advindo da ideia de que os indivíduos seriam determinados pela sociedade.

12
própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua
escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas
pelo passado”. Assim, não seria possível nem ignorar o papel ativo do homem (em fazer
a história), nem conferir a este um poder absoluto: as estruturas sociais pré-existem ao
indivíduo, mas a sociedade só pode existir pelo agir individual – que potencialmente
reproduz ou transforma a sociedade. 9 Outra forma de conceber a questão seria, com
Marx e Lukács, compreender a relação indivíduo-sociedade à luz da relação dialética
entre as categorias da universalidade, particularidade e singularidade. Como posto na
Introdução à estética marxista de Lukács (1978, p. 93),

no contexto destas controvérsias [sobre a relação indivíduo-sociedade], a


dialética universal e particular na sociedade tem uma função de grande monta;
o particular representa aqui, precisamente, a expressão lógica das categorias
de mediação entre os homens singulares e a sociedade. Assim, Marx – nos
Manuscritos econômico-filosóficos – diz: “Deve-se evitar, sobretudo, fixar a
sociedade como uma abstração em face do indivíduo. O indivíduo é ente
social. A sua manifestação de vida – mesmo que não apareça na forma direta
de uma manifestação de vida comum, realizada ao mesmo tempo com outros
– é, portanto, uma manifestação e uma afirmação de vida social”.

Desse modo, não seria possível encarar as estruturas sociais como reflexo direto
dos atos sociais, não obstante a trivialidade de que não existiriam sociedades sem
indivíduos. Aqui convém apenas enfatizar, em conformidade com o que já foi dito, o
equívoco de um silogismo que quisesse reduzir o resultado provocado por legalidades
sociais à intencionalidade posta nos agires individuais (em virtude de ser a atividade
humana uma atividade consciente). Mesmo sem entrar em maiores detalhes a este
respeito, basta lembrar que há em Marx um sem-número de exemplos da divergência
entre o objetivo pretendido pela prática individual e o resultado social de tais práticas. 10

9
Os termos de apresentação do problema estão seguindo, de modo mais ou menos livre, a sistematização
de Bhaskar (2005, p. 39 passim), mas essa questão também foi tratada com perspectiva semelhante por
diversos outros autores. Cf., por exemplo, Lukács (1979, p. 84 passim).
10
Alguns exemplos desse tipo de situação, na ontologia marxiana, podem ser encontrados nas seções
seguintes. Bhaskar (2005, p. 42) observa que é “preciso se precaver para não extrair conclusões do tipo:
‘a sociedade só existe em virtude da atividade humana. A atividade humana é consciente. Portanto, a
consciência provoca mudança’. Porque (a) as mudanças sociais não precisam ser conscientemente
intencionadas e, (b) se há condições sociais para a consciência, as mudanças na consciência em princípio
podem ser socialmente explicadas”. Da mesmas forma, Lukács (1979, p. 52) afirma: “o agir social, o agir
econômico dos homens abre livre curso para forças, tendências, objetividades, estruturas, etc., que
nascem decerto exclusivamente da práxis humana, mas cujo caráter resta no todo ou em grande parte
incompreensível para quem o produz. Referindo-se a um fato tão elementar e cotidiano, como o

13
Em conclusão, não obstante o caráter não-empírico das estruturas sociais (isto é,
não imediatamente capturáveis pelos sentidos humanos), temos em Marx a defesa da
sociedade como ente objetivo. Já explicamos anteriormente (ver nota 2) que não nos
dedicaremos aqui às questões epistemológicas envolvidas em tal descrição do mundo,
mas note-se de passagem que o fato de serem não-observáveis não torna impossível a
apreensão de objetos (sociais ou naturais). A diferença é que enquanto entes
empiricamente observáveis são capturáveis pela experiência sensível dos seres
humanos, entes não-empíricos só podem ser apreendidos por seus efeitos. 11

A percepção de que o mundo não é composto exclusivamente por aquilo que é


empírico nos permite então transitar ao segundo problema a ser abordado: a defesa de
que a sociedade se põe como ente não apenas objetivo, mas também estruturado. Como
observado por Medeiros (no prelo, p. 41), a própria afirmação da existência de
estruturas sociais não empíricas equivale à ideia de que “o mundo, natural ou social, é
estruturado em dois âmbitos: o domínio dos mecanismos causadores de eventos (as
próprias estruturas) e o domínio dos eventos (as ocorrências condicionadas pelas
estruturas, que podem ser percebidas ou não)”. Assim, ainda de acordo com Medeiros,

a realidade social, como a natural, caracteriza-se por sua natureza estruturada,


isto é, por ser um objeto constituído por níveis de ser distintos e irredutíveis
uns aos outros: os fenômenos e as estruturas (causais). Pode-se agora
observar que o reconhecimento do caráter estruturado do mundo na verdade
faculta uma descrição das diferentes modalidades de ser como objetos
complexos em mais de um sentido. Num plano geral, o mundo compreende
os domínios inorgânico, orgânico e social. Cada um destes domínios distintos
e conexos conforma um ser em si e pode assim ser entendido como um
complexo de diferentes objetos estruturados, precisamente como um
complexo de estruturas causais e eventos.
No caso da sociedade, trata-se de uma estrutura composta pela economia, a
religião, a arte, o direito etc., e cada instância particular conforma um
complexo de diversas estruturas sociais e atos humanos. Em função de seu
caráter internamente estruturado, a sociedade, como a natureza, fica mais
bem representada como totalidade. (Ibidem, p. 38)

Simultaneamente, uma vez que a sociedade seja caracterizada como uma


totalidade conformada por diversos complexos (cada um dos quais se apresenta em si
como uma totalidade), sendo caracterizada a sociedade, portanto, como uma “síntese de

nascimento da troca simples entre produtos do trabalho segundo a relação de valor, Marx diz: os homens
‘não sabem que o fazem, mas o fazem’ ”.
11
Para maiores detalhes sobre o conceito de “critério causal”, ver Bhaskar (2005, p. 13).

14
múltiplas determinações”, 12 a apreensão de suas leis de movimento aparece como o ato
de desvendar tendências existentes no interior de um complexo ou nas inter-relações
entre os distintos complexos que compõem essa totalidade. Nos termos de Lukács
(1979, p.104. Grifos nossos.): “do ponto de vista ontológico, legalidade significa
simplesmente que, no interior de um complexo ou na relação recíproca de dois ou mais
complexos, a presença factual de determinadas condições implica necessariamente,
ainda que apenas como tendência, determinadas consequências”.13

Chegamos, assim, ao ponto central do argumento desenvolvido até aqui. Como


posto na passagem supracitada, leis devem ser encaradas sempre como tendências. E
como tendências, as legalidades sociais – como também as naturais, embora fuja ao
nosso escopo tratar destas – apresentar-se-iam como poderes (causais) cuja operação
pode ou não se manifestar em fenômenos, que por sua vez podem ou não ser
apreendidos pela consciência. 14 Partindo de uma concepção não empirista do mundo,
capaz ainda assim de afirmar a objetividade das estruturas sociais, chegar-se-ia então à
conclusão de que também os mecanismos causais postos em movimento por essas
estruturas podem atuar de modo (relativamente) autônomo com relação a seu registro.

A esse respeito, deve-se notar ainda que, de fato, a própria constituição da


totalidade social – como síntese da interação de complexos heterogêneos, cujas leis não
necessariamente convergem para uma mesma direção – pode fazer com que tendências
não se manifestem fenomenicamente. Dito de outro modo, leis operantes no interior de
um mesmo complexo ou em um complexo diferente podem atuar em sentidos
contrários, com resultado (mais ou menos) imprevisível, podendo o movimento

12
Cf. Marx (2011, p. 54).
13
E continua o autor, dirigindo-se à questão da produção de conhecimento e, em última instância, ao
próprio processo de gênese da ciência: “quando os homens conseguem enxergar essa conexão, fixando no
pensamento as circunstâncias de sua necessária repetibilidade, então a chamam de conexão racional. Se,
como ocorre relativamente cedo, são fixadas muitas conexões desse tipo, surge paulatinamente um
aparelho conceptual para apreendê-los e emprestar-lhes uma expressão ideal que seja a mais exata
possível” (Ibidem, p. 104-105).
14
Note-se: essa concepção apresenta o mundo como algo estratificado em três esferas – a empírica
(formada exclusivamente por objetos sensíveis), a efetiva (domínio dos eventos, não necessariamente
percebidos pelos homens) e a real (formada pelas estruturas que geram os eventos) – e, portanto,
nenhuma dessas esferas poderia ser reduzida à anterior. Segundo Lawson (2006, p. 62. Tradução de
Mario Duayer): “a realidade não apenas é aberta mas também estratificada, o real (incluindo o necessário
e o possível) é irredutível ao domínio do efetivo (instâncias do possível, o curso efetivo dos eventos), que,
por sua vez, é irredutível ao empírico ou conceitual”.

15
resultante ser, inclusive, contrário àquele da tendência mais geral. Para além disso, é
preciso lembrar que, especialmente no caso das estruturas sociais (pelo fato de o agir
humano ter como traço marcante a decisão entre alternativas), uma tendência qualquer
poderia sempre ser obstada pelo acaso. Segundo Lukács (2010, p. 118):

a partir do predomínio da causalidade no decurso objetivo da sociedade


colocado em marcha diretamente pelos pores teleológicos singulares, é
impossível eliminar o acaso. Mas, enquanto no terreno dos próprios
processos econômicos essas casualidades se cancelam mutuamente sob forma
tendencial, podendo sintetizar-se em uma unidade tendencialmente
dominante no processo em seu conjunto (pensemos no mercado), no estágio
da vida cotidiana um tal princípio de compensação operante automaticamente
tem ação muito mais fraca. Marx viu de modo claro essa diferença; ele a
apresentou, em geral, magnificamente em seus estudos históricos e, de resto,
nunca a perdeu de vista. 15

A ideia de que toda lei social é uma lei de tendência ajuda em muito a dirimir
injustificados preconceitos sobre a existência de um suposto determinismo no
pensamento marxiano. 16 Esse determinismo apresentar-se-ia, em primeiro lugar, na
ideia de uma determinação última das leis econômicas sobre outras esferas da vida
social, cujo fundamento seria a famosa metáfora da relação entre base (econômica) e
superestrutura (extraeconômica); em segundo lugar, ele assumiria também a forma de
uma leitura teleológica da história na medida em que Marx teria defendido que o
desenvolvimento das contradições capitalistas conduziria a humanidade
inexoravelmente ao comunismo.

Não pretendemos aqui nos deter nessa extensa polêmica do pensamento


marxista. Entretanto, é preciso destacar que, segundo a interpretação aqui defendida,
tais ideias não encontram respaldo na perspectiva delineada por Marx. Embora se possa
aferir da ontologia marxiana a existência de uma hierarquia entre os complexos que
compõem a totalidade social, a noção de prioridade daí extraída não se confunde com
uma relação de determinação entre os complexos, mas diz respeito à condição de
existência desses complexos. Assim, a prioridade (ontológica) atribuída à esfera
15
Continuaremos a tratar do tema da casualidade mais adiante.
16
Diga-se de passagem, embora seja nosso entendimento que essas críticas são descabidas quando
dirigidas a Marx (como se tenta mostrar na sequência), não se pode deixar de registrar que certas
tendências do marxismo tiveram influência decisiva em divulgar uma interpretação de fato determinista
do autor – os exemplos mais crassos dessa postura seriam, provavelmente, o “marxismo oficial” das
cartilhas soviéticas e o “estruturalismo” de inspiração althusseriana. Para uma inspeção crítica dessas
interpretações da obra marxiana, cf. Kohan (2005) e Wood (2003), entre outros.

16
econômica na perspectiva marxiana não se relaciona a uma sobredeterminação de todas
as esferas pela economia, mas sim à noção de que outras esferas da vida social não
poderiam existir sem a esfera econômica (enquanto o contrário não é verdadeiro). 17
Nesse sentido, deve-se concordar com Ellen M. Wood (2003, p. 51) quando ela sugere
que “A metáfora base/superestrutura sempre gerou mais problemas que soluções”,
particularmente quando dessa ideia economicista se fez derivar leituras deterministas da
história.18

Em Marx, ao contrário, a história se apresenta como um processo aberto, ainda


que submetido a leis. Como se viu, não é possível derivar imediatamente do fato de ser
a sociedade (e a história) submetida leis a sua efetiva afirmação. As leis apareceriam
como mecanismos causais, como tendências, portanto, mas de modo algum operariam
de modo determinístico. Mais uma vez aqui, vale lembrar que entre a causalidade, isto
é, os mecanismos postos em movimento por certas estruturas sociais, e sua
manifestação, resta sempre espaço para operar a casualidade. Lukács (1979, p. 100-1)
expõe de modo sintético a questão:

Consideradas de um ponto de vista ontológico, portanto, legalidade e


historicidade não são coisas opostas; ao contrário, são formas de expressão –
estreitamente ligadas entre si – de uma realidade que, por sua essência, é
constituída de diversos complexos heterogêneos e heterogeneamente
movidos, os quais são unificados por aquela realidade em leis próprias do
mesmo gênero. [...]
Na sua fragmentária Introdução de 1857, de cujas ideias metodológicas já nos
ocupamos, ele [Marx] escreve a esse respeito na parte final, que nos chegou

17
Cf. Lukács (1979, p. 30).
18
A forma mais frequente dessa teleologia marxista da história seria constituída – tomando-se
especialmente certas afirmações de Marx & Engels (1998, passim) no Manifesto comunista – em torno da
ideia de que as contradições entre forças produtivas e relações de produção são o “motor da história”:
dessa contradição (posta na “base” econômica) resultaria toda história da humanidade e, uma vez que ela
atingiria seu mais alto grau no capitalismo, sua eclosão traria a superação desse modo de produção. Não
pretendemos discutir aqui as possíveis limitações do texto, cujo intuito era sabidamente panfletário – não
em sentido pejorativo, mas sim no de ser material não apenas de análise científica, mas também de
conteúdo inteligivelmente otimista em prol de certa mobilização política. Ademais, também nesse caso é
preciso separar Marx de certas interpretações marxistas – nesse sentido, concorda-se com Fontes (1998, p.
162) quando esta observa que a afirmação de que a “história de todas as sociedades tem sido a história da
luta de classes”, sustentada por Marx & Engels no Manifesto, “teve leituras dogmáticas e impositivas,
buscando a aplicação à la lettre em toda e qualquer circunstância no tempo, transformada em ‘receita de
bolo’ da qual se ausentava a reflexão. Gerou-se assim a famosa ‘teoria das etapas’, em que se levava em
consideração uma, e apenas uma, disputa entre classe dominante e dominada em cada período.
Abandonavam-se os próprios pressupostos de Marx em nome de uma pretensa aplicação positiva de seus
princípios. No entanto, a riqueza da afirmação permanece intocada. Não é possível pensar o processo
histórico e suas transformações sem levar em consideração as formas de estruturação dos conflitos
sociais”.

17
sob a forma de apontamentos, o seguinte: “Essa concepção aparece como um
desenvolvimento necessário. Mas justificação do acaso.” Já esse papel do
acaso no interior da necessidade das leis é algo unitário tão-somente do ponto
de vista lógico-gnosiológico, onde o acaso – mesmo se de modo diverso em
sistemas diversos – é entendido como antítese ideal, por vezes até integrativa,
da necessidade. Do ponto de vista ontológico, ao contrário, o acaso se
apresenta – de acordo com a heterogeneidade da realidade – sob formas
extremamente variadas: como desvio da média, ou seja, como dispersão nas
leis estatísticas; como relação heterogênea-casual entre dois complexos e
suas legalidades, etc. Ademais, deve-se aduzir – enquanto traço particular do
ser social – o caráter de alternativa das posições teleológicas individuais, que
estão imediatamente na base desse tipo de ser. Com efeito, nelas é
ineliminável a presença (sob vários aspectos) do acaso.19

Ademais, para uma defesa da historicidade na teoria marxiana, deve-se lembrar


que as estruturas sociais são elas mesmas históricas. Embora, como vimos, não sejam
nunca criadas pelo agir humano, as estruturas sociais existem apenas através destes e
podem ser por eles transformadas. Essa transformação não é resultado de um agir
singular, mas da síntese dos incontáveis agires e sua finalidade não tem de obedecer (e
em geral não obedece) à intencionalidade própria dos atos singulares.

Logo, sob essa perspectiva, as estruturas sociais são históricas porque se


encontram continuamente em transformação, ainda que sejam relativamente duradouras
(na medida em que sua mudança é muito lenta quando comparada, por exemplo, à
duração de eventos por ela causados – ainda que seja também, muito mais rápida que a
mudança no interior da maioria dos complexos naturais). Em suma, o estudo das leis
imanentes do ser social, ou de uma de suas formas qualquer (como a formação social
capitalista, por exemplo), poderia revelar a direção para a qual apontam essas
transformações, embora, dado o caráter não-preditivo da história, seu resultado só possa
ser conhecido post festum.20

19
Pouco adiante, Lukács retoma a questão, questionando o papel que a elaboração de Engels poderia ter
tido em certas compreensões (marxistas) equivocadas a esse respeito. Segundo ele, “para Marx – e
habitualmente também para Engels – a historicidade é uma característica ontológica não ulteriormente
redutível do movimento da matéria, particularmente marcada quando, como é o caso aqui, trata-se
exclusivamente do ser social. As leis mais gerais desse ser podem também ser formuladas em termos
lógicos, mas não é possível referi-las ou reduzi-las à lógica. E que, no texto citado, Engels faça
precisamente isso, é algo demonstrado já pela expressão ‘elementos ocasionais perturbadores’; no plano
ontológico, algo ocasional pode muito bem ser portador de uma tendência essencial, embora em termos
de lógica pura o acaso seja sempre entendido como elemento ‘perturbador’ ” (LUKÁCS, 1979, p.115).
20
Para um debate mais aprofundado sobre a necessária existência de direção na mudança, cf. Lukács
(1979, em especial, o capítulo 3). Não pretendemos aprofundar aqui tais questões, mas note-se de
passagem que a direção posta à processualidade do ser social permite a Lukács identificar certas
tendências ultragenéricas de desenvolvimento dessa forma de ser, quais sejam, (i) o recuo das barreiras

18
Ao longo desta seção tentamos defender que, em Marx, leis sociais devem ser
consideradas como mecanismos causais objetivos, mesmo que não empíricos, e
históricos. Antes de passar às próximas seções, nas quais se deverá descrever a “lei
econômica de movimento da sociedade capitalista”, convém concluir esta parte do
argumento observando que parte das teorias do imperialismo (cuja análise deve começar
no capítulo seguinte) associou este fenômeno à emergência de uma nova fase do
desenvolvimento capitalista. Com base no que acabamos de discutir, tal proposição
equivale a afirmar que as estruturas sociais capitalistas se mantiveram, mas sobre elas
emergiram novas estruturas, irredutíveis às anteriores, que determinam novas leis de
operação, particulares a essa nova fase histórica. Antes de discutir mais detalhadamente
tal questão, entretanto, que será tratada em outra parte desta tese, vejamos melhor como
é descrita por Marx a lei de movimento do modo de produção capitalista.

1.2 A lei econômica de movimento do modo de produção capitalista

Na última seção, tentou-se tratar das questões envolvidas em uma descrição da


sociedade como um todo estruturado e histórico. Como tal, o capitalismo deve ser
encarado como uma formação social sujeita a leis de operação. Na construção teórica
marxiana é possível perceber a existência de inúmeras leis que, em sua articulação e
determinação mútua, estabelecem (tendencialmente, é claro) a forma de um movimento
posto por esse modo de produção. Na base de todas essas leis, contudo, haveria uma que
ocupa lugar de destaque: a lei do valor. Entender o modo de produção capitalista, sob
essa ótica, é uma tarefa possível apenas a partir dos desdobramentos (dialéticos) das
relações sociais postas no valor – que uma vez autonomizado, torna-se “sujeito”, isto é,
transubstancia-se em capital.

naturais, isto é, o crescente afastamento do ser social com relação à sua base natural ineliminável, por
meio da emergência de categorias cada vez mais puramente sociais; (ii) o aumento da força produtiva do
trabalho; e (iii) a formação do gênero humano. Por fim, observe-se que embora tal imagem de mundo
permita afirmar um progresso objetivo ao longo da história humana, ela de modo algum é incompatível
com o simultâneo retrocesso em certas esferas (complexos) da vida social, configurando aquilo que Marx
chamou de desenvolvimento desigual. Sobre este tema, ver também a sistematização proposta por
Bonente (2011).

19
O problema do valor pode ser tido como uma das principais controvérsias de
toda teoria social, além de ser o grande debate travado no interior da ciência econômica
em seu contexto de surgimento. Confrontada com uma sociedade em que as trocas
ocupavam um lugar cada vez mais central, a Economia Política Clássica se viu forçada
a oferecer explicação ao ato singular da troca, justificando, em simultâneo, o modo
como era criada e distribuída a riqueza da sociedade. Mas a centralidade da troca
mercantil não era encarada por estes como ato historicamente novo, ao contrário, sua
análise dirigia-se a um sujeito abstrato (um Robinson Crusoé, na metáfora sempre
lembrada) que produzia e trocava desde tempos imemoriáveis, tendo no mercado,
portanto, uma espécie de segunda natureza. Uma vez naturalizado o ato da troca, o
debate passava a girar em torno da explicação das determinações qualitativas (sobre o
que compõe) ou quantitativas do valor (isto é, das proporções pelas quais se trocavam as
mercadorias). Mas nunca se colocaria a questão fundamental de por que as coisas
possuem valor.

Na perspectiva marxiana, o valor comparece como uma categoria histórica


própria à sociedade burguesa, isto é, ao capitalismo. Por isso, é preciso enfatizar, o valor
não é tratado como mera expressão quantitativa da troca entre mercadorias quaisquer,
mas como relação social posta entre sujeitos que passavam a enxergar-se cada vez mais
sob a ótica exclusiva de portadores de mercadorias. O valor seria, então, em última
instância, a forma estranhada assumida pelo trabalho humano nas mercadorias. A lei do
valor, por sua vez, poderia ser descrita como a tendência à conversão de toda a força
produtiva da sociedade em elemento da produção mercantil, ou seja, a tendência à
avaliação (do valor) de todas as coisas em termos do tempo de trabalho. Vejamos
melhor.

O traço central da sociedade capitalista, nessa interpretação, está posto antes de


tudo pela forma mercantil assumida pelo produto do trabalho. A sociedade capitalista
seria, para Marx, a primeira sociedade verdadeiramente mercantil, não porque não
existissem mercadorias antes, mas porque essa é a primeira vez em que a reprodução da
vida se torna necessariamente mediada pela troca de mercadorias e que, portanto, o
próprio nexo social toma a forma (externa) mercantil. Precisamente por isso sua
descrição desse modo de produção tem na mercadoria (e em seu duplo caráter) seu
ponto de partida necessário.

20
De modo sucinto, a mercadoria seria algo duplo em virtude do fato de ser ela
uma unidade contraditória de valor de uso, coisa concreta, útil; e valor, isto é, mero
invólucro de trabalho humano abstrato ou, mais precisamente, a forma assumida pelo
trabalho nessa formação social. Simultaneamente, tão logo a riqueza social assumisse a
forma mercantil, sua determinação quantitativa passaria a tomar uma forma temporal, a
ser medida pelo tempo de trabalho socialmente necessário à produção das mercadorias.

Marx descreve o valor como uma propriedade (social) não aparente das
mercadorias. 21 Nesse sentido, embora propriedade imanente das mercadorias, o valor
revelar-se-ia apenas na comparação entre mercadorias, através, portanto, de seu valor de
troca. Por isso, Marx sugere que embora a duplicidade da mercadoria apareça sob a
forma de valor de uso e valor de troca, posteriormente este, o valor de troca, mostra ser
na realidade forma de manifestação do valor. O argumento do autor segue adiante para
demonstrar que o valor, que se expressa inicialmente já na troca simples entre
mercadorias, encontra sua mais acabada forma de expressão no corpo do dinheiro
(Ibidem, p. 66 et seq.). 22 A mercadoria monetária, ocupando o posto de equivalente
geral, cederia seu corpo para nele representar o valor de todas as outras mercadorias,
porém nessa exata medida tornar-se-ia forma externa de manifestação da contradição
interna das mercadorias (como valor e valor de uso). 23

O valor, como propriedade não aparente das mercadorias, manifestar-se-ia


através do dinheiro, e, expresso no corpo do dinheiro, o valor das mercadorias assumiria
a forma preço.24 Embora não seja nosso objetivo agora recuperar o longo debate em

21
A analogia sugerida pelo autor é a que ocorre no processo de pesagem, no qual apenas quando posta em
relação a outro objeto, uma coisa pode revelar esse seu atributo natural. Cf. Marx (1985, p. 60).
22
Deve-se observar que afirmar o dinheiro como a “forma mais acabada” de expressão do valor não
significa que seu desenvolvimento se encerre aí, i.e. não continue encontrando formas cada vez mais
complexas e mais puramente sociais. Basta observar que a moeda cunhada, na qual se cria já uma
separação entre o corpo físico da mercadoria dinheiro e sua função de representar o valor das outras
mercadorias, é em si mesma uma complexificação desse processo – que, sem embargo, continua a
desenvolver-se com a moeda fiduciária e, daí em diante, chegando até formas absolutamente
desmaterializadas, como é possível verificar atualmente.
23
Como observa Marx, ainda na apresentação da forma “simples, singular ou acidental” de expressão do
valor, é peculiar à forma equivalente que (1) o valor de uso torne-se forma de expressão de seu contrário,
o valor; que (2) o trabalho concreto torne-se forma de expressão de seu contrário, trabalho humano
abstrato; por fim, que (3) o trabalho privado torne-se forma de existência de seu contrário, trabalho
diretamente social (Ibidem, p. 59-61).
24
Poucos pontos da teoria marxista despertaram debates tão inflamados quanto o problema em torno do
valor – aliás, centrou-se justamente aí a mais conhecida crítica a essa perspectiva, elaborada ainda no fim

21
torno da “relevância da lei do valor” em Marx, graças a sua suposta diferença com
relação à “dinâmica dos preços”, convém tecer algumas considerações que permitam
apenas esclarecer que, segundo a interpretação aqui defendida, a diferença entre valores
e preços (ou o fato de serem valores objetos não empíricos) de modo algum invalida a
lei do valor. 25

De acordo com a perspectiva ora apresentada, reside no caráter dialético da


categoria valor a chave para entender sua relação com os preços. Não por um acaso,
Marx (1985, p. 69) se dirige pela primeira vez ao assunto no primeiro capítulo de O
capital. Assim, ainda que não tenha conseguido no Livro III dar ao tema o acabamento
de que certamente carecia, pode-se ver que Marx já tinha clareza sobre a dialética entre
valores e preços. Entre o valor e o preço de mercado, pelo qual mercadorias são
vendidas, coloca-se a categoria mediadora preço de produção (MARX, 1986, p. 127). O
preço de produção é uma forma transmutada assumida pelo valor das mercadorias. Sem
embargo, já aí estaria pressuposta a diferença (como regra) entre valores e preços. 26
Isso porque os preços de produção seriam calculados com base na aplicação de uma

do século XIX pelo austríaco Böhm-Bawerk, segundo quem a “teoria do valor-trabalho” desenvolvida por
Marx (no Livro I de O capital) seria incompatível com sua descrição da dinâmica dos preços (do Livro
III). O problema da transformação dos valores em preços, como ficou conhecido o debate assim
estabelecido, suscitou resposta quase imediata por parte dos marxistas e permaneceu frutificando tanto
dentro quanto fora desta tradição, numa polêmica que encontra eco ainda nos dias de hoje. Mesmo não
sendo nosso interesse estabelecer aqui um debate com tais perspectivas críticas, para uma descrição
completa da lei do valor devemos observar que quaisquer tentativas de encontrar uma “equação que
transformasse valores em preços” baseiam-se em uma leitura não-dialética, distante, portanto, da
perspectiva marxiana. Aqueles que tiverem interesse no debate, cf. Böhm-Bawerk (1949) e Hilferding
(1949). Ver também as sínteses produzidas por Shaikh (1991, capítulo 2) e Borges Neto (2002, capítulo
4) e a bibliografia ali referida.
25
Apenas a título de ilustração, note-se que a não compreensão da teoria do valor marxiana conduz quase
inevitavelmente no estudo sobre imperialismo, como em qualquer ramo de discussão sobre teorias
marxistas, a deformações das teorias que se pretende analisar. Uma passagem extraída de Brewer (1990,
p. 27. Tradução e grifos nossos.), autor de uma obra de referência sobre as teorias marxistas do
imperialismo, ajuda a ilustrar como é possível construir uma análise viesada com base em um
desinteresse quase total pela teoria estudada por ele mesmo: “a teoria do valor-trabalho tem sido alvo de
muitos debates. A dificuldade em usar valores como trabalho é que bens, de fato, não se trocam por seus
valores em uma economia capitalista; eles se trocam por seus preços de mercado que flutuam em torno
dos preços de produção. [...] Muito poucas teorias do imperialismo dependem realmente da teoria do
valor-trabalho, então valores podem ser tratados simplesmente como um modo conveniente de expor a
teoria de Marx [sic.]. Suas principais proposições poderiam ser reafirmadas em termos de outra teoria dos
preços [...]. O coração da teoria de Marx, sua percepção das relações sociais do capitalismo, não
depende da teoria do valor-trabalho [sic!]”.
26
Aliás, vale enfatizar que essa diferença já estaria pressuposta mesmo antes disso. Uma mesma
mercadoria pode ser produzida por distintos capitais, com produtividades diferentes, portanto, com
valores (“individuais”) distintos, ainda que o valor de mercado dessa mercadoria seja um só, a saber, o
tempo de trabalho socialmente necessário.

22
taxa média de lucro sobre parte do adiantamento de capital (o capital circulante mais a
parte do capital fixo que entra na produção, chamada por Marx de preço de custo das
mercadorias). 27 A própria formação da taxa média, como média das diferentes taxas de
lucro, pressupõe a desigualdade dos capitais, logo o preço de produção formado pela
igual aplicação dessa taxa média a capitais de diferentes composições em valor
demonstra a necessidade de diferirem em quantidade valores e preços de produção (a
não ser para o caso particular de capitais que apresentem composição média). Contudo,
note-se: a despeito de o valor de mercadorias individuais estarem constantemente acima
ou abaixo do preço de produção, de acordo com os desvios existentes entre a
composição dos capitais individuais e sua composição média, desde o ponto de vista da
totalidade mantém-se a igualdade entre ambos (Ibidem, p. 125).

A distância (quantitativa) entre o valor e sua forma de manifestação aumentaria


ainda mais na medida em que os preços de produção desdobram-se novamente em
preços de mercado.28 No mercado, as condições de alienabilidade das mercadorias por
dinheiro, sofreriam novas “interferências” – agora daquelas circunstâncias particulares
(a concorrência entre capitais, o caráter velado assumido pelas necessidades sociais e a
eventual mudança destas etc.) que levaram economistas dos mais diversos matizes a
concluir que os preços seriam determinados pelas circunstâncias de oferta e de
demanda. Torna-se, assim, possível (se não necessário) um posterior afastamento entre
valor das mercadorias e sua expressão em dinheiro, o preço. Não obstante essa crescente
distância – e isso é o que nos interessa agora –, o movimento dos preços continuaria
sendo regulado pela lei do valor: “onde o tempo de trabalho exigido para produzi-las [as
mercadorias] diminui, os preços caem; onde ele sobe, sobem os preços, com as demais
circunstâncias constantes” (Ibidem, p. 138). Em outras palavras, embora as condições
de oferta e demanda exerçam pressões sobre os preços, elas não são nem o único, nem o
principal determinante dos preços – cuja direção continua a ser determinada, sobretudo,
pelo valor das mercadorias.

27
Já na categoria preço de custo poder-se-ia verificar a diferenciação com relação aos valores: “o custo
capitalista da mercadoria mede-se no dispêndio em capital, o verdadeiro custo da mercadoria no
dispêndio em trabalho. O preço de custo capitalista da mercadoria é, portanto, quantitativamente
diferente de seu valor ou de seu verdadeiro custo”. (MARX, 1986, p. 24)
28
Cf. Marx (1986, p. 135 et seq.).

23
É nesse sentido que Marx procura demonstrar que toda e qualquer tentativa de
compreender a determinação dos preços com base exclusivamente nas forças de oferta e
demanda deve chegar a uma tautologia vazia, cujo resultado final repousa sobre o
equilíbrio dessas forças. Essa conclusão, contudo, apenas revelaria a incapacidade de
explicar pelas forças de mercado o movimento dos preços. Observa o autor:

quando procura e oferta coincidem, deixam de atuar, e justamente por isso a


mercadoria é vendida por seu valor de mercado. Quando duas forças atuam
igualmente em sentidos opostos, elas se anulam, não atuam exteriormente, e
fenômenos que ocorrem nessas condições têm de ser explicados por outras
causas e não pela intervenção dessas duas forças. [...] As leis internas reais da
produção capitalista não podem evidentemente ser explicadas pela ação
recíproca de procura e oferta [...], uma vez que essas leis só aparecem
realizadas em sua forma pura quando procura e oferta deixam de atuar, isto é,
coincidem. Procura e oferta de fato jamais coincidem, ou, se alguma vez
coincidirem, é por mera casualidade; portanto, do ponto de vista científico,
deve-se admitir esse evento como = 0 [igual a zero], considerando-o como
não ocorrido. [...] Assim, os preços de mercado que se desviam dos valores
de mercado, considerando sua média, se igualam aos valores de mercado, ao
se anularem os desvios em relação aos últimos como plus e minus. E essa
média não tem apenas importância teórica, mas também prática para o capital
cujo investimento é calculado sobre as oscilações e compensações num
período de tempo mais ou menos determinado. (Ibidem, p. 146)

A determinação dos preços pela lei do valor deve ser entendida, é claro, como já
procuramos discutir na seção anterior, apenas como tendência. Efetivamente, mesmo
que se considerasse a possibilidade (abstrata) de que as mercadorias fossem vendidas
exatamente por seus valores, resultariam daí taxas de lucro as mais diversas – variando
em função da própria disparidade na composição orgânica dos capitais, no grau de
exploração, na velocidade de rotação etc. – tornando assim mais ativo o impulso dado
pela concorrência à equalização das taxas de lucro que se realiza na equiparação dos
capitais em si desiguais, e pressupõe, portanto, a divergência (como caso predominante)
de valores e preços. Isso não elimina de modo nenhum a relevância da lei do valor, mas
é consequência imediata da própria diferença entre a essência de qualquer fenômeno e
sua forma de manifestação. Aliás, Marx (1985, p. 92), ainda no Livro I, havia observado
que a “possibilidade de uma incongruência quantitativa entre o preço e a grandeza de
valor ou da divergência entre o preço e a grandeza de valor é, portanto, inerente à
própria forma preço. Isso não é um defeito dessa forma, mas torna-a, ao contrário, a
forma adequada a um modo de produção em que a regra somente pode impor-se como
lei cega da média à falta de qualquer regra”.

24
Finalmente, vale observar que, apesar da divergência entre valor e preço, reside
na natureza do primeiro a explicação para o movimento do último. Toda vez que uma
mercadoria tem seu valor inferior ao preço de mercado é realizado, para seu produtor,
um mais-valor extraordinário (ou um superlucro), dando ensejo à disputa entre capitais
que forçaria os preços de mercado para baixo – o contrário ocorrendo, caso o valor fosse
superior ao preço de mercado. 29 Em suma, os valores seriam os eixos sobre os quais
flutuam os preços de produção e, por isso, observa Marx (1986, p. 139), a “lei do valor
domina seu movimento [dos preços], no sentido de que a diminuição ou o aumento do
tempo de trabalho exigido para a produção faz cair, ou respectivamente subir, os preços
de produção”.

Feita essa breve digressão, é preciso voltar ao assunto que mais diretamente
importa agora, qual seja, as consequências sociais da forma de valor assumida pelo
trabalho sob o modo de produção capitalista. O trabalho é descrito em Marx como ato
fundamental de mediação da relação entre homem e natureza, ato fundamental da
própria reprodução da existência humana, portanto. Sob o ponto de vista concreto, o
trabalho se destina simplesmente a produzir coisas úteis, capazes de satisfazer as mais
distintas necessidades, de responder aos mais variados anseios da humanidade. Mas
uma vez que a troca mercantil assume a posição de ato mediador entre a produção de
coisas úteis e a satisfação de necessidades sociais, as coisas já não podem ser encaradas
exclusivamente sob aquele ponto de vista. Como produtores de mercadorias os
indivíduos passam a se enxergar não como sujeitos que trabalham para reproduzir sua
existência social, mas como sujeitos autônomos uns com relação aos outros. Cada um
produz (privadamente) coisas a serem levadas ao mercado, onde serão trocadas por
outras de acordo com seu valor. O caráter social de seu trabalho fica, portanto, velado
sob a forma de trabalho privado produtor de mercadorias. Nas palavras do autor:

objetos de uso se tornam mercadorias apenas por serem produtos de trabalhos


privados, exercidos independentemente uns dos outros. O complexo desses
trabalhos privados forma o trabalho social total. Como os produtores somente
entram em contato social mediante a troca de seus produtos de trabalho, as
características especificamente sociais de seus trabalhos privados só
aparecem dentro dessa troca. Em outras palavras, os trabalhos privados só
atuam, de fato, como membros do trabalho social total por meio das relações
que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio dos mesmos,

29
O conceito de mais-valor extraordinário, bem como o locus da concorrência na teoria marxiana, serão
tratados com maiores detalhes adiante.

25
entre os produtores. Por isso, aos últimos aparecem as relações sociais entre
seus trabalhos privados como o que são, isto é, não como relações
diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, senão como
relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas. (MARX,
1985, p. 71)

Assim, é importante enfatizar, um pressuposto básico da produção de


mercadorias é que os produtores tenham aquilo que produzem como um não-valor de
uso para si – e, logo, seu trabalho transforma-se em algo passível de usufruto para si
apenas por meio da troca. Outra forma de expressar tal fato é dizer que, apenas no
mercado, o trabalho privado comprova-se parte do trabalho social. Mas isso significa
que, no mercado, os sujeitos não fazem mais que demonstrar a igualdade de seus
trabalhos (concretamente distintos) enquanto trabalho humano (isto é, trabalho
abstrato), o que fazem, porém, de modo velado, sob a forma da troca de mercadorias.

Residiria aí aquilo que Marx denominou o fetichismo da mercadoria: o fato de


que nessa sociedade as relações entre indivíduos apareçam veladas sob a forma de
relação entre coisas, determinando, portanto, um comportamento obsessivo dos
indivíduos para com os frutos de seu trabalho. Não é casual que ao descrever tal aspecto
da sociedade o autor eleja como paralelo mais adequado para suas considerações o
campo das crenças religiosas: assim como no caso das crenças religiosas os homens
passariam a ser objetivamente dominados pelas criações de sua imaginação, no caso da
organização social em torno das mercadorias, os homens terminariam dominados pelos
produtos de suas mãos. 30Assim, nessa perspectiva, ao invés de reconhecerem-se como
produtores de coisas úteis, como indivíduos que trabalham para reproduzir a sociedade,
reconhecendo em seu trabalho uma parte alíquota do trabalho social, os homens tornam-
se escravos de seu próprio trabalho autonomizado. Estar de posse de mercadoria torna-
se sua condição de existência, compelindo indivíduos de qualquer posição social a
comportarem-se com vistas a fazer aumentar as mercadorias em sua posse, a parcela da
riqueza social por eles controlada. Logo, possuir mercadorias (e dinheiro) teria de ser
nessa sociedade uma obsessão para todos os que nela vivem.

Com base na descrição até aqui elaborada já é possível destacar aquele que
constitui um dos traços distintivos dessa formação social: o fato de que os homens

30
Cf. Marx (1985, p. 71).

26
relacionam-se entre si apenas por meio de seu trabalho, não de modo direto, mas na
forma externa (estranha) que este trabalho assume quando objetivado na mercadoria – o
que nos permite, portanto, acentuar a importância da categoria estranhamento para a
análise marxiana.31 A contradição entre trabalho privado e trabalho social determina que
a própria sociedade torne-se para os sujeitos algo estranho, que só existe fora de si e
com a qual os sujeitos não podem manter outra relação que não a tentativa de apropriar-
se em benefício próprio. 32

Marx descreve tal fenômeno como um processo que não é evidente por si
mesmo, como uma relação que tem lugar “às costas” daqueles que a carregam. Os
produtores não iriam ao mercado com a finalidade de igualar seus trabalhos, reproduzir
a existência dessa sociedade, satisfazendo carecimentos uns dos outros etc., mas
simplesmente para alienar suas mercadorias (vender, lucrar etc). Sem embargo, ao se
confrontarem no mercado como meros portadores de mercadoria, adverte o autor, é
exatamente isso que fazem. Igualam seus trabalhos, legitimam seus trabalhos privados
como parte do trabalho social e reproduzem a existência dessa sociedade. 33

O valor, como forma estranhada do trabalho social sob o modo de produção


capitalista, é, portanto, bem mais que mera relação quantitativa entre mercadorias

31
Um dos primeiro autores a destacar tal importância foi o russo Isaak I. Rubin (1987) ainda no início do
século XX, embora não tenha sido o único. Cf., por exemplo, Lukács (1979), Postone (1993), Duayer &
Medeiros (2008). Vale ainda observar que a superação do fetichismo da mercadoria, da alienação dos
produtores etc. foi frequentemente interpretada como um problema de conscientização dos sujeitos, que
se resolveria portanto no momento em que tal “ilusão” fosse revelada aos indivíduos. Essa interpretação
pode ser coerentemente criticada já com base em Rubin (1987, p.19-20. Grifos nossos.), segundo quem:
“A teoria do fetichismo elimina da mente dos homens a ilusão, o grandioso engano originado pela
aparência dos fenômenos, na economia mercantil, e a aceitação dessa aparência (o movimento das coisas,
das mercadorias e seus preços de mercado) como essência dos fenômenos econômicos. Esta interpretação,
entretanto, embora geralmente aceita na literatura marxista, não esgota, de maneira nenhuma, o rico
conteúdo da teoria do fetichismo desenvolvida por Marx. Marx não mostrou apenas que as relações
humanas eram encobertas por relações entre coisas, mas também que, na economia mercantil, as relações
sociais de produção assumem inevitavelmente a forma de coisas e não podem se expressar senão através
de coisas”. Assim, nos parece necessário perceber que as formas de consciência, como a obsessão pelas
mercadorias, ou mais precisamente pelo valor, são produto necessário das relações sociais que sustentam
esse modo de produção – cuja superação pressupõe, portanto, a superação das próprias relações que dela
necessitam.
32
Como posto por Medeiros (no prelo, p. 114): “a sociedade, portanto, aparece e efetivamente constitui-
se como um algo externo, estranhado, que atua sobre os indivíduos limitando o escopo das práticas
factíveis. Assim como ocorre com todo e qualquer objeto externo e independente dos sujeitos, a única
relação possível destes com a sociedade é a apropriação em benefício próprio. Ou, em poucas palavras: a
exploração do homem pelo homem”.
33
Cf. Marx (1985, p.72).

27
concretamente diversas (embora, como visto, seja também categoria-chave para decifrar
esse movimento de equiparação das mercadorias). Adam Smith e seus sucessores da
Economia Política Clássica retiveram da análise do valor – ou, de modo mais amplo, da
sociedade em torno dele constituída – seu suposto caráter progressista na medida em
que viram no desenvolvimento das trocas mercantis a razão para a superioridade da
ordem burguesa e a condição mais importante para o aumento da riqueza das nações
(seu crescimento incessante, sua progressiva expansão geográfica por todo mundo, no
limite a própria “explicitação da natureza humana”, como acreditava Smith).
Contrariamente, Marx viu no desdobramento da contradição interna da mercadoria,
forma assumida pela riqueza nessa sociedade, 34 o desenvolvimento de uma formação
social em si contraditória, na qual o sempre exaltado crescimento da riqueza se opera
como imposição e finalidade em si mesmo.

O capital, categoria que não casualmente dá título à principal obra de Marx, é


descrito pelo autor precisamente como uma relação social autonomizada, como valor
que passa a subjugar toda humanidade aos imperativos de sua autoexpansão. Do ponto
de vista dos valores de uso, a ampliação da riqueza é, nessa sociedade, simples
produção crescente de mercadorias. Essa multiplicação dos valores de uso, que poderia
ser vista como um indício de que, ao menos potencialmente, a humanidade é
crescentemente capaz de satisfazer seus carecimentos, libertando-se sempre mais de
suas (inelimináveis) “amarras naturais” e abrindo novas possibilidades de realização. Os
valores de uso não seriam aí, porém, mais que mero veículo para expansão do valor.
Assim, não obstante seu caráter potencialmente emancipador, a humanidade seria cada
vez mais posta sob o domínio do trabalho abstrato. Ao contrário de realização humana
crescente (em outras esferas que não a econômica), o capitalismo daria ensejo à
mercantilização da vida como um todo, assim colocada a serviço da incessante
necessidade de valorização, isto é, das necessidades do capital.

Estabelecida essa base interpretativa elementar, devemos seguir adiante nessa


breve reconstituição do edifício teórico marxiano em seus aspectos que mais
diretamente nos interessam. A despeito de reconhecermos que Marx encontra em sua

34
Como exposto por Marx (1985, p.45), na conhecida frase com que abre O capital, a “riqueza das
sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma ‘imensa coleção de
mercadorias’ e a mercadoria individual como sua forma elementar”.

28
análise do modo de produção capitalista a existência de diversas leis, essenciais para a
plena compreensão da dinâmica social. Na incapacidade de se ocupar de todas as
legalidades sociais discutidas por Marx, o capítulo deve seguir apresentando apenas
duas delas – de certa forma mais importantes para nosso argumento – e que se
apresentam, como se pretende mostrar, como desdobramento dialético da lei do valor: a
chamada lei geral da acumulação capitalista e a lei de tendência à queda da taxa de
lucro.

1. 3. A lei geral da acumulação capitalista

Observando a sequência do argumento apresentada por Marx no livro em que


trata do processo de produção do capital, percebemos que a assim-chamada lei geral da
acumulação capitalista constitui seu ponto de chegada. Nesse sentido, para sermos
capazes de enunciá-la a contento é preciso ter presente que ali Marx já dispunha de
amplo arsenal teórico que aqui não pode ser completamente desenvolvido, mas que se
encontra pressuposto em sua análise. Ao descrever a acumulação capitalista o autor
pretende demonstrar o modo como aquela formação social complexa se reproduz ao
longo do tempo, atravessando sucessivamente cada uma das fases que caracterizam a
produção capitalista.

Na seção anterior, esboçamos aqueles que entendemos serem os traços mais


fundamentais da sociedade capitalista, sem, no entanto, fazer qualquer menção a
capitalistas e trabalhadores ou de modo genérico à luta de classes. Na própria descrição
de Marx essas figuras são, de fato, apenas encarnações de certas relações sociais.35 Mas
é claro que, na prática, essas relações sociais não existem apenas abstratamente, sendo
personificadas em classes concretas.

Descrevemos anteriormente o capital como sendo uma relação social cujo


conteúdo básico é a necessidade incessante de valorização – em outras palavras, criação
de valor em quantidade sempre ampliada e ampliável, de valor e mais-valor. Tal relação

35
Cf. Marx (1985, p. 13).

29
é encarnada pela classe capitalista, composta por sujeitos que, dispondo de certa
concentração de riqueza da sociedade, ajam com o objetivo último de fazer aumentar
sua riqueza. 36 Para que esse objetivo fosse concretizável, seria necessário (histórica e
logicamente) não apenas a conversão do trabalho em mercadoria, mas também a
conversão da própria capacidade humana de trabalhar em mercadoria.

Logo, capitalistas devem encontrar à venda, disponíveis no mercado, meios de


produção e força de trabalho. Quando postas em contato essas mercadorias, durante o
processo de produção, trabalhadores são capazes de conservar o valor presente nos
meios de produção (através da mudança de sua forma concreta), recriar o valor
necessário para sua própria subsistência (em outras palavras, criar o valor com o qual
seus salários devem ser pagos) e ainda produzir mais-valor a ser apropriado, ao menos
imediatamente, pela classe capitalista. Esta possibilidade está dada, diga-se de
passagem, pelo fato de que o tempo durante o qual os trabalhadores são capazes de
recriar suas condições de existência, o tempo de trabalho necessário, difere em
magnitude do tempo total de sua jornada de trabalho. Assim, a categoria mais-valor
surge na análise marxiana como forma assumida pelo tempo de trabalho excedente da
classe trabalhadora, apropriado privadamente pela classe capitalista.37

Vale notar que a venda da força de trabalho como fenômeno dominante (o


assalariamento, em outras palavras) pressupõe, em primeiro lugar, a igualdade jurídica
entre os sujeitos e a separação entre trabalhadores e meios de produção – a “dupla
liberdade” de que, de modo algo irônico, falava Marx (1985, p. 139-140). Uma vez que

36
A conhecida fórmula com a qual Marx resume a forma de circulação do capital, D – M – D’, já
evidencia esse ponto. Uma vez que, como forma de existência do trabalho abstrato, dinheiro (D) no início
e no fim do processo não podem diferenciar-se qualitativamente, mas apenas quantitativamente, a simples
análise da circulação do capital evidencia que o objetivo desse processo deve ser a ampliação do valor,
isto é, valor e mais-valor. Cf. Marx (1985, p. 127-128 passim).
37
A venda da força de trabalho apenas revela seu sentido, portanto, quando se atenta para a possibilidade
de apropriação privada do potencial humano de criar, a partir de certo grau de desenvolvimento das forças
produtivas, uma quantidade de coisas maior do que o necessário para reproduzir a existência de seus
criadores. Mas convém observar que essa possibilidade (apropriação privada de trabalho excedente) não é
uma exclusividade da produção capitalista. A cisão da sociedade em classes que teve lugar milhares de
anos antes que o capitalismo viesse a emergir já depende, de certo modo, de tal possibilidade. Com o
perdão de certo anacronismo, talvez se pudesse dizer portanto que a novidade do capitalismo não reside
na exploração da classe trabalhadora, isso é, em sua obrigação de trabalhar por tempo que excede aquele
que seria necessário caso tivesse de manter apenas a si mesma, mas na forma que a exploração assume
nesse regime de “dominação abstrata”. Tal proposição pode ser sustentada com base em diferentes
interpretações da obra marxiana, cf., por exemplo, Postone (1993) e Wood (2003).

30
os trabalhadores não mais disponham de meios de produção – condição historicamente
possibilitada pela chamada acumulação primitiva 38 –, sua sobrevivência passa a
depender inteiramente “do mercado”, isto é, da venda da mercadoria que de fato
possuem, sua força de trabalho. Em simultâneo, a expropriação da classe trabalhadora
de seus meios de produção serve também aos imperativos da produção capitalista na
medida em que cria a concentração de riqueza em magnitude apropriada para ser
empregada como capital.

Antes de dar prosseguimento ao argumento, convém ainda observar que Marx


distingue dois modos essenciais pelos quais essa ampliação do mais-valor teria vez: a
extração de mais-valor absoluto e relativo. Sob essa ótica, a extração de mais-valor
absoluto depende da possibilidade de extensão do mais-valor por meio do
prolongamento da jornada de trabalho, do aumento de intensidade do trabalho ou da
incorporação maior número de trabalhadores no processo produtivo (fazendo crescer a
jornada coletiva dos trabalhadores e, assim, a massa de mais-valor). A extração de mais-
valor relativo, alternativamente, tem por base a possibilidade de apropriação gratuita de
uma força produtiva ampliada que nada custa ao capital – como ocorre com a
cooperação entre trabalhadores e a apropriação das forças da natureza e da ciência pelo
capital. Sob o modo de produção capitalista torna-se particularmente importante essa
última forma, que ao dar ensejo ao revolucionamento das condições de produção,
permite um aumento sem precedentes do mais-valor, neste como nos outros casos,
oriundo da contração do tempo de trabalho necessário (lembrando, a fração de tempo na
qual os trabalhadores repõem as condições de sua própria existência).

A análise da extração de mais-valor relativo nos permite conhecer uma das


principais tendências da acumulação capitalista: o aumento da composição orgânica do
capital. Segundo Marx, a composição orgânica do capital pode ser definida como a
composição técnica (relação entre meios de produção e força de trabalho) na medida em
que se reflete a composição em valor do capital (relação entre capital constante e
variável). Segundo Marx (1985b, p. 187):

38
Não entraremos aqui no debate sobre se a acumulação primitiva deve ser considerada o fenômeno
histórico originário do modo de produção capitalista ou se, de modo mais amplo, deve ser tida como um
processo permanente – que, portanto, permitiu a emergência desse modo de produção, mas continua
atuando. Essa discussão reaparecerá no presente trabalho quando discutirmos as obras de Luxemburgo
(1985) e, particularmente, de Harvey (2005b) e Wood (2006).

31
a composição do capital tem de ser compreendida em duplo sentido. Da
perspectiva do valor, ela é determinada pela proporção em que se reparte em
capital constante ou valor dos meios de produção e capital variável ou valor
da força de trabalho, soma global dos salários. Da perspectiva da matéria,
como ela funciona no processo de produção, cada capital se reparte em meios
de produção e força de trabalho viva; essa composição é determinada pela
proporção entre, por um lado, a massa dos meios de produção utilizados e,
por outro lado, o montante de trabalho exigido para seu emprego. Chamo a
primeira de composição-valor e a segunda de composição técnica do capital.
Entre ambas há estreita correlação. Para expressá-la, chamo a composição-
valor do capital, à medida que é determinada por sua composição técnica e
espelha suas modificações, de: composição orgânica do capital.

Assim, a tendência ao aumento da composição orgânica reflete, na verdade, a


potencialização da força produtiva do trabalho, isto é, a possibilidade de uma mesma
massa de trabalho vivo (i.e. trabalhadores) pôr em movimento mais trabalho morto
(meios de produção). Ora, é exatamente essa a tendência posta em marcha pela
ampliação do mais-valor relativo.

Embora, sob essa ótica, as possibilidades de produção do mais-valor relativo


estivessem condicionadas pela redução do valor da força de trabalho – logo, do
barateamento apenas das mercadorias necessárias à reprodução da classe trabalhadora –,
a tendência à potencialização da força produtiva do trabalho não ficaria, por isso,
restrita a esses ramos. De acordo com Marx, este impulso se generalizaria pela produção
capitalista na medida em que tornaria possível extrair um mais-valor extraordinário –
uma forma evanescente (já que pode existir apenas enquanto aquele capital possuir certo
monopólio sobre a forma mais produtiva), porém, ainda assim, importantíssima de
mais-valor, derivada da diferença potencialmente produzida entre o tempo de trabalho
dispendido por um capital individual na produção de uma mercadoria qualquer e o
tempo de trabalho socialmente necessário. De um lado, o mais-valor extraordinário
pode ser encarado como uma forma particular (e evanescente) de mais-valor relativo,
na medida em que os trabalhadores sob o domínio daquele capital mais produtivo são
capazes de reproduzir em menor tempo o valor de sua força de trabalho – o que
significa que aquele capital “faz individualmente o que o capital, na produção da mais-
valia relativa, faz em conjunto”. 39 De outro, essa é, no entanto, uma forma de se extrair
mais-valor claramente ligada ao fenômeno da concorrência capitalista, já que se apoia

39
Cf. Marx (1985, p. 253).

32
também na possibilidade de apropriação de um (mais-)valor maior que o diretamente
extraído por aquele capitalista individual (a concorrência será tratada em maiores
detalhes adiante).

A tendência ao aumento da composição orgânica indica a tendência de alteração


na composição do capital, cujo conteúdo é o aumento do trabalho morto com relação ao
trabalho vivo. A outra grande tendência da acumulação diz respeito à tendência
expansiva da acumulação capitalista. Como vimos, a produção capitalista tem como
ponto de partida a compra de meios de produção e força de trabalho. Feito isso, os
meios de produção são trabalhados, ganham forma de uma nova mercadoria que, uma
vez vendida, devolve aos capitalistas o valor adiantado e realiza o mais-valor ali
contido. Uma vez que esse processo termina da mesma maneira que começou (com
valor na forma dinheiro, em posse dos capitalistas), o próprio fim do processo produtivo
indica a possibilidade de seu recomeço. 40 Nesse processo, a venda da força de trabalho
garante aos trabalhadores sua subsistência, assim como a apropriação do mais-valor
permite a reprodução existencial da classe capitalista. 41 A questão fundamental, para
nós, no entanto, é que a reprodução capitalista normal supõe não apenas a apropriação
do mais-valor pela classe capitalista, que pode transformá-lo em fundo de consumo seu,
mas também a reaplicação (de parte) do mais-valor no processo produtivo, isto é, a
capitalização do mais-valor.42

A reaplicação do mais-valor no processo produtivo, i.e. sua transformação em


capital, permite visualizar, de imediato, uma tendência à expansão do produto (por esse
40
Como a venda da mercadoria força de trabalho ocorre sempre por tempo determinado, e como essa
venda deve criar condições de subsistência não apenas para os trabalhadores empregados, mas para sua
família, reproduzindo a classe trabalhadora como um todo, essa operação deve sempre ser refeita de um
ciclo a outro.
41
Vale lembrar que a esta altura da análise Marx supõe, para tornar possível a análise da reprodução
capitalista em condições normais, a realização integral do valor e do mais-valor. De um ponto de vista
mais concreto, é claro que isso não necessariamente ocorre – o que apenas reafirma o caráter tendencial
da lei, sem invalidá-la. Ademais, também é abstraída nesse momento a repartição do mais-valor (tratada
por Marx apenas no Livro III de O capital), supondo-se que este é integralmente apropriado pelo capital
responsável diretamente por sua extração.
42
Marx trata a acumulação de capital, isto é, a reprodução em escala ampliada, como a regra da
reprodução capitalista – posto que o capital pode continuar a existir apenas em seu incessante movimento,
cuja finalidade é sempre a ampliação. Contudo, não se deve supor por isso que a reprodução simples seja,
então, mero ponto de passagem (histórico ou lógico) ademais desimportante. Já na reprodução simples,
Marx procura demonstrar as determinações mais fundamentais da reprodução da sociedade capitalista.
Ela constitui, portanto, a base sobre a qual pode se dar a reprodução ampliada, sendo ainda possibilidade
sempre presente no curso histórico das sociedades capitalistas.

33
motivo o processo é chamado de reprodução em escala ampliada). Assim, do mesmo
modo que determinada concentração de riqueza social se punha como pressuposto da
produção capitalista, igualmente uma nova concentração se torna agora resultado do
processo: Marx vê na chamada tendência à concentração do capital justamente o
processo pelo qual, mediante a capitalização do mais-valor, o capital da sociedade se
amplia – seja por meio da ampliação de cada capital individual ou por meio da
multiplicação dos capitais individuais. Note-se que, supondo uma relativa estabilidade
das forças produtivas do trabalho e do grau de exploração deste, essa ampliação deveria
tomar a forma de um aumento do número de trabalhadores postos sob o domínio do
capital.

A paulatina concentração de capital, contudo, não seria a única forma pela qual o
capital conseguiria se expandir. Ao lado da tendência à concentração, Marx vê a
existência de outra, a centralização de capital, que compreende basicamente a
possibilidade de crescimento do capital por meio da aglutinação de capitais antes
fracionados, por meio da simples mudança no controle do capital. As formas mais
importantes para que isso ocorresse seriam por meio da centralização de “capital
ocioso” (ou mesmo de dinheiro não consumido por outras camadas da sociedade) que
tem lugar com o desenvolvimento do sistema de crédito, de um lado, e, de outro, com a
expropriação de uns capitais por outros, ocorrida por meio da concorrência. 43

Assim, a expansão do capital, a acumulação rigorosamente falando, é uma


determinação necessária da reprodução capitalista. Mas, mesmo não sendo possível aqui
aprofundar o debate sobre a teoria das crises no pensamento marxiano, é importante
observar que esse crescimento do capital não se dá de modo linear e sem percalços. 44
Nesse sentido, é preciso notar inicialmente que a centralização, embora seja uma
tendência diretamente correlata da concentração de capital, diferencia-se desta acima de

43
Como posto por Marx (1985b, p. 196), “com a produção capitalista constitui-se uma potência
inteiramente nova, o sistema de crédito, que, em seus primórdios, se insinua furtivamente como modesto
auxiliar da acumulação, levando por fios invisíveis recursos monetários, dispersos em massas maiores ou
menores pela superfície da sociedade, às mãos de capitalistas individuais ou associados, mas logo se torna
uma nova e temível arma na luta da concorrência e finalmente se transforma em enorme mecanismo
social para a centralização dos capitais. À medida que se desenvolve a produção e acumulação capitalista,
na mesma medida desenvolvem-se concorrência e crédito, as duas mais poderosas alavancas da
centralização”.
44
Voltaremos a falar sobre as crises como encaradas no interior do sistema teórico marxista adiante, na
última parte do presente capítulo.

34
tudo porque, enquanto a última pressupõe um ambiente relativamente estável para
reprodução – em outras palavras, o crescimento do capital social –, a primeira não é
obstada, aliás é antes favorecida, por eventuais momentos de crise. A crise faz com que
certos capitais se encontrem fragilizados, facilitando sua expulsão do mercado ou
incorporação por seus concorrentes, facilitando, portanto, o trabalho da centralização.

Sob a perspectiva marxiana, perceber essa natureza inconstante da reprodução


capitalista é fundamental ainda para conhecer os efeitos da acumulação capitalista sobre
a classe trabalhadora. Como amplamente conhecido, Marx sugere que, dada essa
inconstância, a acumulação capitalista requer para (e, ao mesmo tempo, cria em) seu
funcionamento normal a existência de um contingente de trabalhadores em compasso de
espera para fazer frente a um eventual surto expansivo do capital: numa só expressão, o
exército industrial de reserva. Vale notar que isso ocorre porque, por um lado, tendo
como elemento constitutivo a determinação expansiva da produção, a reprodução do
capital pressupõe sua capacidade de atrair para a relação capital massas cada vez
maiores de trabalhadores (comprar quantidades crescentes de força de trabalho). Por
outro lado, o aumento da composição orgânica do capital, resultado da própria
reprodução capitalista, torna cada vez mais supérfluo o trabalho vivo, ou seja, torna
cada vez mais dispensáveis os trabalhadores. Em suma:

quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e a


energia de seu crescimento, portanto também a grandeza absoluta do
proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército
industrial de reserva. A força de trabalho disponível é desenvolvida pelas
mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do
exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza.
Mas quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército ativo de
trabalhadores, tanto mais maciça a superpopulação consolidada, cuja miséria
está em razão inversa do suplício de seu trabalho. Quanto maior, finalmente,
a camada lazarenta da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva,
tanto maior o pauperismo oficial. Essa é a lei absoluta geral, da acumulação
capitalista. Como todas as outras leis, é modificada em sua realização por
variegadas circunstâncias, cuja análise não cabe aqui. (MARX, 1985b, p. 209.
Grifos do original)

Tal passagem permite entender o modo como Marx toma criticamente em


consideração fenômenos como o pauperismo – ou, de modo mais refinado, revela a
contradição entre produção crescente (e crescentemente socializada) e a apropriação
privada da riqueza. Sem embargo, lido à luz da lei do valor – isto é, observando o valor
como a relação de sociabilidade estranhada, que impõe aos indivíduos terem para com

35
os frutos de seu trabalho uma relação na qual não podem se reconhecer e que lhes
compele a uma produção crescente como finalidade encerrada em si mesma – o trecho
adquire um sentido adicional.

Isso porque a lei geral da acumulação capitalista poderia ser compreendida


também como a expressão daquele mesmo conteúdo básico (da lei do valor) agora
complexificado. Ao conteúdo essencial da lei do valor, na qual já estava posto que sob o
modo de produção capitalista a produção crescente se coloca como finalidade absoluta,
pode-se agora observar que o crescimento da riqueza se impõe como um imperativo a
ser concretizado mesmo que para isso requeira a pauperização (relativa) da classe
responsável por sua produção. Revela-se mais uma vez, assim, a contradição
fundamental da sociedade capitalista entre o potencial emancipador de uma ordem
social que cria condições cada vez mais favoráveis para repor sua existência social e a
negação dessa possibilidade.

Na análise da lei geral da acumulação, foram reconhecidas as mais importantes


tendências derivadas da produção capitalista. Na próxima seção, a análise se desloca
para fora âmbito da produção do capital, passando à análise de um desdobramento ainda
ulterior da lei econômica de movimento da sociedade capitalista: a lei de tendência à
queda da taxa de lucro, descrita por Marx no livro III de O capital. Antes, porém, de
darmos tal passo, a presente seção se encerra com um debate sobre o caráter da
categoria concorrência no pensamento marxiano.

1.3.1. Notas sobre a categoria concorrência e a lei do valor em Marx

Nosso argumento no presente capítulo é que a lei do valor pode ser entendida
como a lei de movimento de toda a sociedade capitalista. O traço distintivo dessa
formação social com relação a qualquer outra precedente é o domínio dos homens por
uma relação social: o capital. Apontar, no entanto, o domínio do capital sobre a
humanidade significa compreender que essa é uma forma de dominação abstrata, isto é,
a subsunção de todos os seres humanos aos imperativos de autoexpansão do valor
(entendido este como reflexo estranhado do trabalho humano, objetificado sob a forma
36
mercadoria). 45 Nesse sentido, importa destacar que os capitalistas surgem na análise
como encarnação do capital, mas, embora se desempenhe por suas mãos os desígnios do
capital, de modo algum podem ser confundidos com o próprio capital (ainda que, em
sua relação com os trabalhadores, o capitalista efetivamente seja o capital). 46 Isso
porque o capitalista, ainda que em posição privilegiada nessa sociedade, encontra-se
também ele subsumido à logica do capital.

A diferença substantiva entre o capital e sua personificação social (nos


capitalistas individuais) se torna evidente acima de tudo na análise da concorrência. Se
a subsunção dos trabalhadores ao capital se torna evidente na simples análise do
processo de produção capitalista, a forma de manifestação da subordinação de todo e
qualquer capitalista ao capital é a concorrência. Por isso, concluiria Marx, ao capitalista
individual parece ser a concorrência, como “força externa e coercitiva”, o drive que o
impele a buscar a ampliação do valor a qualquer custo (mesmo que para isso precise
atropelar sua consciência, sujar suas mãos etc.). Assim, ao notar que os capitalistas
individuais ao buscar o aumento da força produtiva do trabalho acreditam apenas seguir
os imperativos impostos pela concorrência (sem ter plena consciência do resultado
social de suas ações sobre a formação do mais-valor), Marx observa:

tratamos esse resultado geral aqui como se fosse resultado direto e fim direto
em cada caso individual. Quando um capitalista individual mediante o
aumento da força produtiva do trabalho barateia, por exemplo, camisas, não
lhe aparece necessariamente como objetivo reduzir o valor da força de
trabalho e, com isso, o tempo de trabalho necessário pro tanto, mas na
medida em que, por fim, contribui para esse resultado, contribuirá para elevar
a taxa geral de mais-valia. As tendências gerais e necessárias do capital
devem ser diferenciadas de suas formas de manifestação.
O modo como as leis imanentes da produção capitalista aparecem no
movimento externo dos capitais, como se impõem como leis coercitivas da
concorrência e assim surgem na consciência do capitalista individual como
motivos impulsionadores não é para ser apreciado agora, mas esclareçamos
de antemão: uma análise científica da concorrência só é possível depois de
se compreender a natureza interna do capital, do mesmo modo que o
movimento aparente dos corpos celestes somente é compreensível para quem
conhece seu movimento real, embora imperceptível aos sentidos. (MARX,
1985, p. 251-252. Grifos nossos.)

45
Como vimos anteriormente, a gênese do próprio capital é elucidada pelo desdobramento dialético da
contradição interna da mercadoria, como valor e valor de uso.
46
Cf. Marx (2011, p. 344).

37
Na passagem, para além de uma brilhante definição do mecanismo operatório de
leis sociais objetivas e transempíricas (como discutido na primeira seção), evidencia-se
que, na perspectiva marxiana, a concorrência pode ser entendida como forma
fenomênica pela qual se realiza a natureza interna do capital. Para enfatizar: se, como
afirmado, o capital é uma relação social autonomizada que se contrapõe aos sujeitos
como algo que lhes é externo, na concorrência todo capitalista se vê submetido a
imperativos externos – e embora ao capitalista essa coerção pareça obra da
concorrência, esta não faz mais que realizar o conteúdo da relação capital (garantir a
maior valorização possível do valor).

A ideia de que a concorrência surge na análise marxiana como forma


fenomênica do capital parece ser confirmada pelos argumentos do autor presentes já em
seus Grundrisse, os rascunhos preparados por Marx no estudo que culminaria em O
capital. Ali, por mais de uma vez, em seu esforço de sistematização do conteúdo (e sua
apresentação) do capital, o autor denota a necessidade de iniciar a exposição pelo capital
em sua universalidade, colocando, em seguida, o exame da concorrência na análise da
particularidade do capital:

Capital. I. Universalidade: 1) a) Devir do capital a partir do dinheiro. b)


Capital e trabalho (mediando-se pelo trabalho alheio). c) Os elementos do
capital decompostos de acordo com sua relação com o trabalho. (Produto.
Matéria-prima. Instrumento de trabalho.) 2) Particularização do capital: a)
Capital circulante, capital fixo. Circuito do capital. 3) A singularidade do
capital: capital e lucro. Capital e juro. O capital como valor, diferente de si
mesmo como juro e lucro.
II. Particularidade: 1) Acumulação de capitais. 2) Concorrência dos capitais.
3) Concentração dos capitais (diferença quantitativa do capital como
diferença simultaneamente qualitativa, como medida de sua magnitude e de
sua eficácia).
III. Singularidade: 1) O capital como crédito. 2) O capital como capital por
ações. 3) O capital como mercado de dinheiro. No mercado de dinheiro, o
capital é posto em sua totalidade; nele, o capital determina os preços, dá
trabalho, regula a produção, em uma palavra, é fonte de produção; o capital,
entretanto, não só enquanto se produzindo a si mesmo (materialmente, pela
indústria etc., pondo preços, desenvolvendo as forças produtivas), mas ao
mesmo tempo como criador de valores, tem de pôr um valor ou forma de
riqueza especificamente diferente do capital. Esse valor é a renda da terra.
(MARX, 2011, p. 214-215. Grifos do original)

O trecho continua com a discussão da importância e da peculiaridade da


propriedade fundiária capitalista – um assunto sem dúvida de extremo relevo, mas que
escapa aos nossos objetivos agora. A concorrência figuraria, portanto, entre as formas
(singulares) assumidas pelo capital (como capital produtivo, portador de juros etc.) e o
38
capital em geral. Na passagem, deve-se destacar que a concorrência aparece, portanto,
como categoria mediadora, na particularidade do capital, o que é congruente com a
visão posta na passagem supracitada de O capital: a análise da concorrência depende da
análise da circulação capitalista, 47 discussão que pressuporia o entendimento de sua
produção.48

Voltando agora para a definição inicial da concorrência como forma de


expressão da natureza interna do capital, é importante notar que uma objeção possível a
tal afirmação poderia basear-se na observação de que a concorrência tem por efeito
presumível a destruição de capital, a ruína daqueles que operavam a própria obra do
capital, e que pode, no limite, levar a uma superprodução, a crises etc. Em resposta a
essa questão bastaria lembrar que ela apenas registra o fato de que o capital é em sua
própria essência contraditório. Tratando precisamente da distribuição do capital entre
diferentes setores e da possibilidade de uma superprodução, diz Marx (2011, p. 338):

(Na concorrência, essa tendência interna do capital aparece como uma


coerção que lhe é imposta por capital alheio e que o impele para além da
proporção correta com um contínuo “Marche, marche!”. A livre concorrência,
como farejou corretamente o sr. Wakefield em seus comentários a Smith,
jamais foi elaborada pelos economistas, por mais que tagarelem sobre ela e
que seja a base de toda a produção burguesa, da produção fundada no capital.
Ela só foi compreendida negativamente, i.e., como negação dos monopólios,
das corporações, das regulações legais etc. Como negação da produção feudal.
No entanto, ela também tem de ser algo por si mesma, porque um mero 0
[zero] é uma negação vazia, a abstração de um obstáculo que imediatamente
emerge de novo sob a forma, por exemplo, de monopólio, monopólios
naturais etc. Conceitualmente, a concorrência nada mais é do que a natureza
interna do capital, sua determinação essencial, que se manifesta e se realiza
como ação recíproca dos vários capitais uns sobre os outros, a tendência
interna como necessidade externa.) (O capital existe e só pode existir como
muitos capitais e, consequentemente, a sua autodeterminação aparece como
ação recíproca desses capitais uns sobre os outros.)

Assim, os imperativos do capital manifestam-se concretamente em interesses


antagônicos no interior da classe capitalista, na luta incessante entre capitais pelo maior
mais-valor possível – cujo resultado é, frequentemente, a destruição de capacidade
produtiva, mediante a expulsão do mercado daqueles capitais mais fracos, ou a sua
assimilação pelos mais fortes por meio da centralização. Na medida em que a

47
E a circulação é forma mediadora – “mediação de extremos pressupostos” – como já havia observado
Marx (2011, p. 196).
48
Cf. também Rosdolsky (2001, p. 28 et seq.).

39
centralização dá ensejo à reprodução em escala cada vez mais ampliada do capital, ela
permite a ampliação também da base sobre a qual operam as relações capitalistas,
subjugando frações cada vez maiores da humanidade a relacionarem-se entre si por
meio das relações de produção capitalistas e permitindo a valorização cada vez maior do
capital. Portanto, o que fazem os múltiplos capitais de interesses antagônicos na
concorrência não é contrariar, mas realizar as leis de operação da sociedade capitalista,
sobretudo, a lei do valor.

Esta última afirmação se mostra importante porque inúmeros marxistas, os


teóricos do imperialismo aí incluídos (como se verá na sequência), trataram das
tendências à concentração e à centralização do capital como formas pelas quais seria
possível, através da monopolização, “ludibriar a lei do valor”, isto é, adquirir pela troca
valor maior que aquele produzido pelo capital individual (monopolista). Mas seria essa
uma interpretação condizente com a teoria marxiana? Ou estariam essas interpretações,
na medida em que afirmam a redução da concorrência pelo monopólio, se aproximando
mais da Economia (burguesa) que de Marx? Como posto por Shaikh (1990, p.52):

na análise de Marx, ambos os fenômenos [concentração e centralização]


emanam da batalha da concorrência e, por sua vez, servem para intensificá-la.
Na economia burguesa, sem embargo, o conceito de concorrência ‘pura’ ou
‘perfeita’ implica que toda concentração ou centralização de capital é
antitética à concorrência. Uma vez que se identifica a concepção burguesa
com a realidade da concorrência em um estágio primitivo e/ou com a análise
que fez o próprio Marx, o fato histórico da concentração e da centralização
crescentes representa prima facie a prova da quebra da concorrência, o
ascenso da ‘concorrência imperfeita’, do oligopólio e do monopólio. Dentro
da economia marxista, a tradição dominante originada por Hilferding e
desenvolvida por Kalecki, Steindl, Baran e Sweezy, faz exatamente essa
identificação.

Note-se: se a concorrência contribui decisivamente para fazer ampliar a relação-


valor, o aprofundamento da concorrência garante a atuação em esfera ampliada da lei
do valor e não sua restrição. Se, de fato, concentração e centralização de capital
permitem que os capitais mais fortes apropriem-se de mais-valor maior que aquele por
eles produzido, isso não entra em contradição com a própria lei do valor. Como visto na
seção 1.2, a diferença entre valores e preços não representa uma negação da lei do
valor, mas a forma adequada de manifestação desta; sua divergência está, portanto,
pressuposta, a não ser para capitais de composição média, já que os preços de produção
devem ser formados com base na taxa média de lucro (aplicada sobre o capital

40
adiantado) e não no mais-valor produzido por cada capital individual. Mas a taxa média
de lucro é formada, ela mesma, pela concorrência, sendo forma necessária de aparição
da produção de valor.

Por outro lado, um dos grandes riscos, assumido por certas leituras da obra
marxiana, em contrapor concorrência e monopólio (ademais entendido como
consequência direta da concentração e da centralização de capital) é aproximar-se por
demais da ideia de que a análise de Marx abstraiu a concorrência – supondo que, dito de
modo formalista, sua análise, assim como a dos economistas clássicos e neoclássicos do
período, corresponderia à de um “modelo de concorrência perfeita”. (E frequentemente
adicionando que seria necessário, para entender desenvolvimentos históricos
posteriores, entender antes as formas de “concorrência imperfeita” ou situações de
monopólio.) Diga-se de passagem, desse perigo nem mesmo autores marxistas do
quilate de Maurice Dobb (1946, p.71) parecem ter escapado: “no primeiro Livro [de O
capital] Marx adotou a hipótese simplificadora de uma economia capitalista ‘pura’: uma
economia de ‘concorrência perfeita’, assim como haviam feito os economistas clássicos,
e um modo de produção baseado na simples relação entre capitalistas e trabalhadores”. 49
Veremos posteriormente que tais definições do problema influenciaram decisivamente a
teoria do imperialismo – mas não convém agora tratar dos percalços envolvidos na
concepção do imperialismo como fase monopolista do capitalismo, em oposição à fase
da livre-concorrência supostamente típica dos dias de Marx (como se verá mais a
frente). Algumas observações adicionais devem ser feitas já agora, no entanto.

Em primeiro lugar, não é possível concordar com a ideia de tomar a “abstração”


das formas de concorrência em Marx, ou, em outras palavras, o tratamento exclusivo do
“capital em geral” (e não da pluralidade dos capitais, i.e., da concorrência), em
semelhança a uma análise de “concorrência perfeita”. Antes de tudo porque, como já foi
sublinhado por diversos autores, 50 o caráter das “abstrações” marxianas não equivale em
absoluto à ideia de abstração presente na economia clássica (ou neoclássica) – isto é,
quando trata do “capital em geral”, Marx não supõe a inexistência, ou a irrelevância, da
49
Ver também Michalet (1984, p. 60).
50
Cf., por exemplo, Rosdolsky (2001), Mazzucchelli (1985, p. 46) e Paula (2003, p. 121). Quanto ao
importante (embora incompleto) estudo elaborado por este último, e a despeito das interessantes
indicações de Paula, não concordamos com o curso posterior escolhido por ele para tratar de uma possível
teoria da concorrência em Marx.

41
pluralidade dos capitais (da concorrência). Justo o oposto, como visto, é pela
concorrência que as tendências imanentes do capital (em geral, se quiserem) se
manifestariam. Além do mais, não é possível concordar com o pressuposto da teoria
econômica convencional, implicitamente aceito ao se supor um “modelo de
concorrência perfeita marxiano”, de que monopólio e concorrência são simplesmente
contrários. 51

Em segundo lugar, mas apenas a título de introdução ao assunto, tomada


acriticamente a afirmação de que a “concorrência realiza a natureza (contraditória) do
capital”, pode-se extrair como corolário que a abolição da concorrência equivale à
abolição do capital. Mas mesmo quando tal silogismo – falacioso, posto que a supressão
de uma forma fenomênica não implica, logicamente, a supressão daquilo que se
expressava nela – mesmo quando ele não é levado às últimas consequências, a
equiparação feita entre capitalismo e concorrência, retendo apenas os aspectos negativos
desta, pode conduzir a sérios problemas. Nesse sentido, a própria descrição do
desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista como transformação da
forma de concorrência (da livre-concorrência ao monopólio) pode dar ensejo – e deu
efetivamente – à ideia de que a “fase” posterior de um desenvolvimento histórico, agora
fora do capitalismo, seria simplesmente a “apropriação do monopólio” pelos
trabalhadores – isto é, a coletivização dos meios de produção e a produção planejada ao
invés da concorrência. Como veremos, essa é exatamente a posição principal adotada
por Lênin e diversos outros marxistas no decorrer do século XX, sobretudo com o
advento da Revolução Russa.

No fim das contas, e com isso se encerra a presente discussão, a contraposição


entre monopólio e concorrência baseia-se numa leitura rasa da própria teoria do valor
marxiana, para usar os termos de Altvater (1987, p. 34), identificada como “teoria do
valor-trabalho”: isto é, como mero mecanismo de determinação quantitativa da troca,
presa, consequentemente, às esferas da circulação e distribuição. A fim de retomar o

51
O problema aqui talvez seja, como observa Altvater (1987, p. 21), a identificação dentre concorrência e
livre-concorrência: “a concorrência permanece como a esfera das inter-relações tendenciais dos captais, a
esfera em que as tendências do modo de produção são realizadas ‘às suas costas’, através de suas ações
recíprocas, independentemente do fato de que a concorrência seja ‘livre’ ou ‘freada’, total ou
condicionada pelos monopólios”. Nesse sentido, ainda que assumida a pretensa tendência à
“monopolização”, não se deveria admitir com ela a “supressão da concorrência”.

42
debate sobre a lei do valor em Marx, voltemos agora, então, ao eixo principal de
articulação do presente capítulo, analisando a chamada lei de tendência à queda da taxa
de lucro em sua relação com a lei do valor.

1.4. A lei de tendência à queda da taxa de lucro

A lei de tendência à queda da taxa de lucro é, provavelmente, um dos mais


conhecidos e controversos temas tratados por Marx no último volume de O capital. Ao
passo que nos livros anteriores Marx procurou expor os processos de produção e de
circulação do capital, ali seu objeto é o processo global da produção capitalista, não
apenas como unidade entre produção e circulação, mas como análise das formas
fenomênicas concretas assumidas pelo capital, inclusive no nível da consciência dos
agentes.52

O primeiro aspecto para o qual se deve chamar atenção ao começar uma análise
da lei de tendência à queda da taxa de lucro reside, portanto, no fato de que sua análise
apenas se torna possível quando considerada a produção capitalista em um plano maior
de concretização. Mas a análise das categorias mais concretas (preços de produção,
lucro, taxa de lucro etc.) não invalida, é claro, a análise anterior das categorias mais
abstratas (valor, capital constante e variável, mais-valor, taxa de mais-valor) – mas
mostra a forma fenomênica pela qual essas categorias se expressam. Nesse sentido, o
Livro III se inicia com a observação de que, enquanto do ponto de vista da produção o
capital se diferencia como constante e variável, do ponto de vista da circulação aparece
como fixo ou circulante, ficando oculta a origem do mais-valor: na percepção do
capitalista seu ganho parece provir de todo o capital adiantado – as mercadorias nas

52
Como adverte o autor no parágrafo de abertura do Livro III: “Do que neste Livro Terceiro se trata não
pode ser da formulação de reflexões gerais sobre essa unidade [entre produção e circulação capitalista].
Trata-se muito mais de encontrar e expor as formas concretas que surgem do processo de movimento do
capital considerado como um todo. Em seu movimento real, os capitais se defrontam em tais formas
concretas, para as quais a figura do capital no processo de produção direto, bem como sua figura no
processo de circulação, só aparece como momento específico. As configurações do capital, como as
desenvolvemos neste livro, aproximam-se, portanto, passo a passo, da forma em que elas mesmas
aparecem na superfície da sociedade, na ação dos diferentes capitais entre si, na concorrência e na
consciência costumeira dos agentes da produção” (MARX, 1986, p. 23. Grifos do original).

43
quais ele deve se converter para realizar sua valorização, aparecem simplesmente como
formadores de seu preço de custo, enquanto o resultado da valorização, o mais-valor,
assume (imediatamente) a forma transmutada de lucro.

Não seria razoável, a despeito de certas tendências filosóficas, supor que as


ideias com as quais os homens reproduzem uma formação social qualquer existem em
separado das relações sustentadas nessa mesma formação: a consciência dos sujeitos é,
ao contrário, elemento indispensável para entendermos o modo como se dá essa
reprodução. Esse é exatamente o caso quando falamos das categorias tratadas no Livro
III. Sem elas não poderíamos entender o modo como o mais-valor é repartido entre os
distintos capitais – de um mesmo ramo de produção, por meio da concorrência, ou entre
ramos distintos, como ramos capazes de oferecer uma taxa de lucro maior ou menor que
a taxa média, ou ainda entre capitais aplicados diretamente na produção ou suas formas
autonomizadas e situadas na esfera da circulação (capital comercial e capital portador de
juros) entre outras formas de apropriação do mais-valor (como, particularmente, na
forma de renda da terra).

A diferença fundamental entre taxa de lucro e a taxa de mais-valor pode ser


apreendida a partir do fato de que ao capitalista pouco importa (ao menos, no que tange
sua finalidade última) a distinção entre capital constante e variável: meios de produção e
trabalhadores são comprados no mercado (na proporção tecnicamente adequada) apenas
a serviço de um objetivo, qual seja, obter o maior retorno possível sobre uma dada
quantia de capital adiantado. 53 Diferentemente da taxa de mais-valor (m/v), que
expressa exatamente o grau de exploração da força de trabalho, a taxa de lucro é
calculada com base no capital total adiantado (m/c+v). Isso, contudo, em nada altera a
tendência fundamental ao aumento da composição orgânica do capital (lembrando que

53
Note-se que, a despeito dessa distinção – caso abstraia-se a repartição do mais-valor –, o lucro
corresponde de modo mais ou menos exato ao mais-valor. Não obstante, a inversão das coisas que tem
lugar na superfície, torna o lucro um resultado, encontrado a posteriori, ou seja, depois de sua passagem
pela esfera da circulação, pela realização das mercadorias – sendo, portanto, resultado da aplicação de
uma dada taxa de lucro sobre certo capital adiantado. Objetivamente, as coisas podem ser, e de fato são,
assim percebidas justamente (i) porque o lucro não precisa coincidir com o mais-valor criado (o que, de
fato, não ocorre a não ser para os capitais de composição média), (ii) porque o movimento do capital entre
distintos ramos conforma, com maior ou menor rigidez, uma taxa média de lucro que aparece como uma
remuneração “natural” (para usar o termo adotado já por Smith!) que passa a ser esperada, portanto, antes
de a produção começar e que independe da maior ou menor utilização de trabalho vivo naquele ramo
específico, e (iii) porque para capitais localizados fora da esfera produtiva vale a igualação da taxa de
lucro, criando a aparência de que este em nada depende da esfera produtiva.

44
uma mesma quantidade de trabalho vivo é capaz de pôr em movimento maior
quantidade de trabalho morto). Mas se justamente o componente subjetivo da produção
(i.e., os trabalhadores) se torna crescentemente dispensável, a despeito de ser este o
responsável pela criação do mais-valor, a tendência à ampliação da composição
orgânica tende a refletir-se igualmente em uma taxa de lucro cada vez menor. 54 Nesse
sentido, depois de descrever o efeito de um aumento da composição orgânica do ca pital
sobre a taxa de lucro, Marx conclui que

esse crescimento paulatino do capital constante precisa, em relação ao capital


variável, ter necessariamente por resultado uma queda gradual na taxa de
lucro geral, com taxa constante de mais-valia ou grau constante de
exploração do trabalho pelo capital. Ora, mostrou-se, entretanto, como lei do
modo de produção capitalista que, com seu desenvolvimento, ocorre um
decréscimo relativo do capital variável em relação ao capital constante e, com
isso, em relação ao capital global posto em movimento. Isso só quer dizer
que o mesmo número de trabalhadores, a mesma quantidade de força de
trabalho, tornada disponível por um capital variável de dado volume de valor,
devido aos métodos de produção capitalista, põe em movimento, processa e
consome produtivamente ao mesmo tempo uma massa sempre crescente de
meios de trabalho, maquinaria e capital fixo de toda espécie, matérias-primas
e auxiliares – portanto também um capital constante de volume de valor
sempre crescente. [...] A tendência progressiva da taxa geral de lucro a cair é,
portanto, apenas uma expressão peculiar ao modo de produção capitalista
para o desenvolvimento progressivo da força produtiva social de trabalho.
(MARX, 1986, p. 163-4. Grifos do original)

Não é preciso nos determos por muito mais tempo na análise marxiana do
processo global da (re)produção capitalista para percebermos, portanto, que uma de suas
tendências mais significativas, a tendência à queda da taxa de lucro, é consequência
direta das mesmas tendências analisadas nas seções anteriores e expressa em última
instância as determinações da lei do valor.

Ao estudar a natureza do valor já havíamos observado, com Marx, que o valor


reflete para os homens as características de seu trabalho social – a dualidade assumida
por seu trabalho na sociedade capitalista objetifica-se na mercadoria, em sua própria
contradição interna, como valor de uso, coisa concreta (objeto de usufruto) por ele
criada, e no valor, forma alienável (trocável) e alienada (estranhada) assumida pelo

54
Uma simples transformação matemática, já aplicada por diversos analistas, ajuda a simplificar a
análise: sendo a taxa de lucro (l’) expressa por l’=m/c+v, ela pode ser reescrita sob a forma
l’=(m/v)/(c/v)+1. Sendo (m/v) a taxa de exploração dos trabalhadores e (c/v) a composição orgânica do
capital, fica claro que na medida em que cresce a composição orgânica, tudo mais constante, a taxa de
lucro tende a diminuir.

45
trabalho. O desdobramento dialético dessa contradição interna da mercadoria nos leva à
emergência, primeiro, do dinheiro (forma de valor, expressa no corpo concreto, no valor
de uso, da mercadoria monetária) e, depois, do capital. Mas, como impulso imanente à
valorização, o capital requer não só a ampliação extensiva, tanto quanto possível, do
tempo de trabalho, como também a potencialização da força produtiva do trabalho –
criando (como resultado não intencionado) condições para a necessária desvalorização
das mercadorias individuais, e, na mesma medida, tornando cada vez mais redundante o
trabalho vivo. É precisamente essa tendência (expressa no aumento da composição
orgânica do capital) que se expressa no fenômeno da queda da taxa de lucro. Assim,
bem entendido, a tendência à queda da taxa de lucro reflete, no fim das contas, a
mesmíssima contradição posta pelas leis do valor e da acumulação capitalista. 55 Se, no
entanto, o conteúdo de tal lei já era conhecido, nem por isso a forma por ele assumida
na tendência à queda da taxa de lucro se torna desimportante.

A tendência à queda da taxa de lucro é um dos mais controversos pontos da


teoria marxista e sobre o qual continuam, ainda hoje, a pairar inúmeras dúvidas. Não
pretendemos lidar com todos os questionamentos levantados por esse debate, no
entanto, algumas questões devem ser destacadas.

Inicialmente, convém chamar a atenção, uma vez mais, para o fato de que essa,
como todas as leis sociais, seria uma lei de tendência. Isso significa que concepções que
procuram afirmar sua falsidade com base em observações empíricas, em geral, denotam
uma profunda falta de compreensão sobre o assunto. Em primeiro lugar, porque como
lei de tendência, a queda da taxa de lucro pode ou não manifestar-se diretamente no (e
pelo) empírico – o que inclusive, ainda assim, não significa que a lei não continue
(sempre, como tendência) a operar. Nesse sentido, aliás, vale lembrar que Marx (1986,
p. 177), no capítulo imediatamente seguinte ao enunciado de tal lei, destaca inúmeras
forças que atuam em sentido contrário a ela: (i) aumento no grau de exploração dos
trabalhadores (especialmente se ocorre por meio do prolongamento da jornada de

55
“Queda da taxa de lucro e acumulação acelerada são, nessa medida, apenas expressões diferentes do
mesmo processo, já que ambas expressam o desenvolvimento da força produtiva. A acumulação, por sua
vez, acelera a queda da taxa de lucro, à medida que com ela está dada a concentração dos trabalhos em
larga escala e, com isso, uma composição mais elevada do capital. Por outro lado a queda da taxa de lucro
acelera novamente a concentração do capital e sua centralização mediante a desapropriação dos pequenos
capitalistas, mediante a expropriação do resto dos produtores diretos, entre os quais ainda haja algo a
expropriar” (Ibidem, p. 183).

46
trabalho), compressão dos salários por baixo de seu valor e/ou aumento da
superpopulação relativa – na medida em que permitem que se amplie a quantidade de
valor apropriada privadamente pelo capital, contribuem para um aumento na taxa de
lucro;56 (ii) queda no valor dos meios de produção, a qual reduziria o capital constante e
contribuiria para frear o aumento da composição orgânica; (iii) o comércio exterior,
porque permite o barateamento dos elementos do capital constante (graças ao aumento
da escala de produção), mas possivelmente também porque a taxa de lucro para capitais
envolvidos em tal comércio tende a ser maior; (iv) aumento do capital por ações, que
retiraria, sob a forma de juros, parte do mais-valor do processo de equalização da taxa
de lucro impedindo, assim, que esta caísse ainda mais; por fim, (v) o aumento da
velocidade de rotação do capital, na medida em que é capaz de aumentar o mais-valor
sem alterar a composição orgânica. 57 Em segundo lugar, porque ao falar da tendência à
queda da taxa de lucro Marx está se dirigindo à taxa média de lucro, o que não
colocaria, portanto, a necessidade de queda na taxa de lucro de todos os capitais ou de
setores.

Uma vez que a afirmação da tendência à queda da taxa de lucro comporta


também a existência de tendências contrárias a si, uma questão que se pode levantar diz
respeito ao por que acreditar que de fato a taxa lucro deva decrescer. A chave para tal
resposta, nos parece, encontra-se no caráter limitado de atuação de todas as contra-
tendências frente ao potencial de redução da taxa de lucro. De fato, mesmo quando tais
contra-tendências se fazem relevantes, elas em geral ocorrem concomitantemente ao
desenvolvimento do modo de produção capitalista e à potencialização da força
produtiva do trabalho – que simultaneamente cria condições para o decréscimo da taxa
de lucro.

56
Segundo Marx (1986, p. 178), deve-se notar que o aumento da taxa de mais-valia é tão mais capaz de
conter a tendência à queda quanto menos ele depender de aumentos de intensidade do trabalho ou da
produção de mais-valor relativo, os quais, de algum modo, podem fazer com que se utilize uma proporção
menor de trabalho vivo frente ao trabalho morto (o que contribuiria para que a taxa de lucro caísse). Sobre
o último item, a saber, a superpopulação relativa, pode-se dizer que ele se faz importante também porque
cria a possibilidade de se abrirem novos ramos de atuação para o capital (para o consumo de luxo) nos
quais se utiliza maior proporção de trabalho vivo e nos quais é possível sub-remunerar a força de trabalho
(Ibidem, p. 180).
57
Este elemento não consta dentre os listados por Marx no capítulo referente às causas contrariantes à
queda da taxa de lucro – que, de todo modo, como posto pelo próprio (ibidem, p. 177), não pretendia
elaborar uma descrição completa de todas as causas contrariantes – mas pode ser coerentemente acrescido
aos demais.

47
Diversos autores relacionaram, com razão, a tendência à queda da taxa de lucro
com a teoria das crises de Marx. Entretanto, novamente nesse caso, nos confrontamos
com um problema por demais complexo para ser adequadamente tratado aqui. 58 A esse
respeito, pretendemos indicar apenas que, por mais que ambas possam (e devam) ser
analisadas conjuntamente, não nos parece adequado supor que as crises sejam causadas
pela queda da taxa de lucro – e, nesse particular, nos parece francamente equivocado
supor que a tendência à queda da taxa de lucro possa ser usada para sinalizar uma
necessária tendência à “crise final”, que faria implodir o modo de produção capitalista.
Essa leitura “catastrofista” das crises é frequentemente associada à chamada “teoria do
derrumbe” capitalista, cujo maior defensor seria Henryk Grossman (1992) – ainda que
certos autores sugiram não ser Grossman defensor de um determinismo tão exacerbado
quanto seus críticos fazem crer. 59

Dois pontos apenas nos parecem suficientes para não deixar qualquer dúvida
sobre essa questão. Em primeiro, note-se que a queda da taxa não implica redução na
massa de lucro (MARX, 1986, p.172 et seq.). Mais importante, porém, Marx trata
claramente das crises como fenômenos periódicos no modo de produção capitalista. De
fato, a crise aparece como fenômeno que, frente às barreiras impostas pelo próprio
capital à realização da massa crescente de mercadorias produzidas, repõe (ainda que de
modo violento) as condições para a continuidade da acumulação capitalista, e não como
o momento da “derrocada” do capitalismo.

Não obstante o fato de que o capítulo mais frequentemente citado para discutir
crises em Marx esteja de fato na seção intitulada “Lei da queda tendencial da taxa de
lucro”, isso não acarreta que as crises sejam causadas pela queda da taxa de lucro. Ao
contrário, ali o que faz o autor é tentar demonstrar que as mesmas tendências levam, de
um lado, a taxa de lucro a cair e, de outro, criam um excesso de capital que deve ser
eliminado por meio da crise. 60 Em Marx, a possibilidade de crise já se encontrava

58
Sobre a relação entre taxa de lucro e crises, ver, por exemplo, Harvey (2006b, capítulo 7). Uma
discussão mais aprofundada sobre o caráter das crises na teoria marxiana pode ser encontrado também em
Carcanholo (1996) e Ribeiro (2008) e na bibliografia ali citada.
59
Cf. Paula (2003, p. 130).
60
Em um exemplo com o objetivo de explicar a superprodução absoluta de capital, Marx (1986, p. 190.
Grifos nossos.) observa: “A taxa de lucro não cairia por causa de concorrência devido a superprodução de
capital. Mas, pelo contrário, porque a taxa de lucro diminuída e a superprodução de capital se originam
das mesmas circunstâncias, agora se desencadearia a luta concorrencial”.

48
francamente aberta desde o momento em que a própria circulação de mercadorias
separava produção e satisfação de necessidades sociais (i.e. tornava esse um ato
61
mediado pelo dinheiro). Se, ademais, a acumulação capitalista acentua essa
possibilidade de descasamento entre essas esferas, deve-se encarar essa contradição
como expressão do caráter estranhado assumido pela produção de riqueza sob forma
mercantil, não porque se cria riqueza em excesso, mas porque o aumento da riqueza sob
a forma capitalista se dá de modo contraditório.

Não se produz demasiada riqueza. Mas periodicamente se produz demasiada


riqueza em suas formas capitalistas, antitéticas.
A barreira ao modo de produção capitalista se manifesta:
1) No fato de que o desenvolvimento da força produtiva do trabalho gera, na
queda da taxa de lucro, uma lei que em certo ponto se opõe com a maior
hostilidade a seu próprio desenvolvimento, tendo de ser portanto
constantemente superada por meio de suas crises.
2) No fato de que a apropriação de trabalho não-pago, e a proporção desse
trabalho não-pago para o trabalho objetivado em geral, ou, expresso de forma
capitalista, que o lucro e a proporção desse lucro para o capital aplicado,
portanto certo nível da taxa de lucro, decide sobre ampliação ou limitação da
produção, em vez de fazê-lo a relação entre a produção e as necessidades
sociais, as necessidades de seres humanos socialmente desenvolvidos.
(MARX, 1986, p. 194)

A crise poderia, assim, ser tratada como fenômeno associado à contradição entre
o caráter crescentemente socializado da produção, que permite potencializar a força
produtiva do trabalho (como discutido anteriormente), e as condições de realização das
mercadorias, dado o caráter privado da apropriação de riqueza. Mas expressa também,
novamente, a contradição entre um modo de produção que cria condições para
emancipação humana, mas também cria barreiras à sua concretização. Assim se pode
entender a contradição de um modo de produção – nesse aspecto o único – que cria
simultaneamente excesso de capital e excesso de população. 62

Em síntese, as legalidades sociais discutidas no presente capítulo possuem entre


si uma profunda conexão, estabelecida já de partida pela lei mais geral aqui delineada, a
lei do valor. Não se pretendeu aqui realizar uma exegese definitiva, mas apenas
recuperar aqueles que nos parecem ser os elementos mais fundamentais da análise.
Assim, acreditamos que sua compreensão lança as bases sobre as quais se torna possível

61
Ver Marx (1985, capítulo III).
62
Ibidem, p. 189 et seq.

49
avaliar o desenvolvimento posterior defendido pela teoria do imperialismo – cuja
pretensão inicial fora, de fato, construir uma sequência para o argumento de Marx n’O
capital. O trabalho deve agora deter-se, por isso, na análise dos diferentes marxistas que
tentaram dar tratos científicos à questão do imperialismo.

50
CAPÍTULO 2:
AS TEORIAS CLÁSSICAS DO IMPERIALISMO

Imperium ~ (i) i, n. inp-. [impero+ -ivm]. 1 Poder administrativo supremo,


em Roma exercido primeiro pelos reis, e posteriormente pelos magistrados e
governadores provinciais. 2 Autoridade exercida pelo chefe de uma família, o
pai, a mãe, o marido etc. 3 Um ofício, magistratura ou comando envolvendo
um poder supremo; 4 Exercício da autoridade, regra, disciplina; 5 Domínio
(exercido por um governante ou pelo povo), governo, reinado; 6 Uma forma
particular de um domínio, um império; 7 (contexto de transf. e fig.)
Autoridade, domínio; 8 Comandar, ordenar (pl.) comandos, ordens.
– Oxford Latin Dictionary.

Quando vocês voltarem para suas casas, para seus condados e cidades, vocês
devem falar com todos aqueles que possam influenciar que é chegada a hora,
que, ao menos, não poderá tardar a hora, em que a Inglaterra terá que decidir
entre os princípios nacional e cosmopolita. Essa não é uma questão pequena.
É decidir se vocês se contentarão em ser uma Inglaterra confortável,
modelada e moldada sobre princípios continentais, encontrando em tal curso
um destino inevitável, ou se vocês serão um grande país – um país imperial –
um país em que seus filhos, quando se levantarem, levantem-se para ocupar
posições superiores e obter não apenas a estima de seus conterrâneos, mas
comandar o respeito do mundo.
– Benjamin Disraeli, 1872.

Poucos termos são hoje em dia tratados e difundidos de forma tão axiomática
quanto o termo “imperialismo”. Poucos termos, entretanto, são entendidos e
empregados de forma tão diferenciada quanto este.
– Karl Kautsky, 1915.

O presente capítulo tem por objetivo examinar a teoria do imperialismo em seu


contexto de emergência, as chamadas de teorias clássicas do imperialismo. Como ocorre
tantas vezes, a palavra imperialismo já era recorrente nos debates políticos quando, em
1902, John A. Hobson (2005) publicou aquela que é considerada a obra seminal sobre o
assunto, ou ao menos seu primeiro estudo sistemático. Com efeito, o termo ganhou
curso na segunda metade do século XIX, embora diversos estudos mostrem que ele fora
introduzido ainda antes na língua inglesa, mas com sentido significativamente distinto.

Caso tentássemos realizar uma espécie de “arqueologia” da palavra


imperialismo, seríamos remetidos diretamente à noção de “império”, cuja origem
etimológica está no latim imperium, remetendo-se a conquistas e vitórias ou, de modo
51
mais amplo, ao poderio militar de uma nação, mas também à noção de independência ou
soberania frente a poderes externos. As primeiras referências a atribuírem à Inglaterra,
berço do capitalismo e, segundo muitos, também do imperialismo, o título de “império”
datam ainda do século XIV, e sua história teria longos anos de expansão colonial antes
que entrasse no jargão comum o termo imperialismo. De fato, tal termo – como adjetivo
distinto de “imperial”, o qual deriva diretamente do substantivo “império” – foi
introduzido ali apenas no século XIX e não para designar pretensões inglesas.
Inicialmente, a noção de imperialismo buscava referir-se, de modo um tanto pejorativo,
ao governo do “Segundo Império” de Napoleão III. Embora um dos aspectos marcantes
dessa política seja seu caráter agressivamente expansionista no plano internacional, a
caracterização como “imperialista” fazia referência à política interna, vista como
“manipulatória” e “instável”. 63 Transcorrido pouquíssimo tempo, a palavra ganhava uso
corrente nos debates políticos, usada agora, inclusive, para descrever a própria política
britânica.

No fim do século XIX, “imperialismo” já era uma palavra-chave na descrição da


política britânica na era vitoriana, associada especialmente ao nome de Benjamin
Disraeli, o Lord de Beaconsfield – um dos principais líderes políticos e conservador,
tendo sido primeiro ministro por duas vezes, a primeira durante alguns meses em 1868,
e a segunda entre os anos de 1874 e 1880. As ideias de Disraeli em alguma medida
acompanhavam uma mudança gradual de significado, quando tecia afirmações, cada vez
com mais vigor, sobre o “império britânico” (embora, alguns autores gostem de frisar
que tal império, nesse contexto, referia-se não apenas às conquistas de “além-mar”, mas
era sinônimo de “grandioso” para a Grã-Bretanha, o Reino Unido ou, simplesmente,
para a Inglaterra). 64 Em reação às posições políticas de Disraeli, seus adversários
passaram a classificá-lo como “imperialista”, tomando ainda como referência o sentido
que carregava o termo no início daquele século. A cronologia aqui proposta se encerra
63
Cf. Koebner & Schmidt (1964, p. 01 et seq.), Proudman (2008, p. 400).
64
De acordo com diversas análises, a constante referência ao império britânico, que teria particular
importância com Disraeli, dizia respeito fundamentalmente a uma elevação do “nacionalismo” e do
“patriotismo”. Nesse sentido, Koebner & Schmidt (1964, p. 107) argumentam que Disraeli tinha uma
estima particular pelas palavras império e imperium, mas o sentido que lhes atribuía referia-se muito mais
a questões de status que a atuação internacional propriamente dita. Da mesma forma, Proudman (2008)
registra, sem muito entusiasmo, o modo como a palavra imperialismo atravessou enormes alterações
começadas especialmente quando esta passou dos debates políticos, em que tinha um sentido próximo ao
de nacionalismo, aos econômicos.

52
no momento em que os aliados de Disraeli defendem o “imperialismo”, imprimindo-lhe
conotação positiva, é claro, e definindo assim sua proposta política, cuja tônica era, em
última instância, tornar o mundo uma província britânica.

Simultaneamente, esse “desejo imperial” passava longe de ser uma


exclusividade britânica. Diversos historiadores registram o período compreendido entre
os anos 1875 e 1914, mais ou menos, como a Era dos Impérios. Como coloca Eric
Hobsbawm (2009, p. 98):

A supremacia econômica e militar dos países capitalistas há muito não era


seriamente ameaçada, mas não houvera nenhuma tentativa sistemática de
traduzi-la em conquista formal, anexação e administração entre o final do
século XVIII e o último quartel do século XIX. Isso se deu entre 1880 e 1914,
e a maior parte do mundo, à exceção da Europa e das Américas, foi
formalmente dividida entre territórios sob governo direto ou sob dominação
política indireta de um ou outro Estado de um pequeno grupo: principalmente
Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica, EUA e Japão.

A “ideologia imperialista” se disseminava pelo mundo, assim, traduzindo-se


concretamente em prática comum dentre as “potências” capitalistas. Subjacente a essa
proposta, diversas teorias buscaram revestir de um conteúdo científico e moral esse
conjunto de práticas expansionistas. Tais ideias revestiam-se de caráter científico
tomando por base especialmente certas teorias populacionais. Por outro lado, ela era
moralmente justificada como uma espécie de “missão civilizatória” que terminava por
beneficiar os povos dominados – registrado exemplarmente pela ideia do White man’s
burden (“O fardo do homem branco”) no poema de 1899 de R. Kipling. 65

Quando descreveu o imperialismo como uma forma de patologia social, era


exatamente esse conjunto de fenômenos que tinha em mente o economista progressista
Hobson (2005, p. vi). Como se pretende discutir adiante, Hobson queria com sua
intervenção, acima de tudo, pôr em evidência tanto a falsidade dos discursos que
cantavam as benesses do imperialismo quanto os horrores e interesses escondidos por
trás dessa política, dando ao mesmo tempo tratos teóricos à questão. Hobson tentou
demonstrar, por isso, que o imperialismo tinha raízes ocultas, de fundamento
econômico. Inaugurava-se aí o debate sobre a teoria do imperialismo.

65
Como destacam Foster (2006, cap. 9) e Said (2011) a obra de Kipling pode ser vista como um exemplo
emblemático da ideologia imperialista.

53
Para tratar desse debate o capítulo encontra-se estruturado como se segue. No
intuito de capturar as especificidades históricas daquele momento, a primeira seção
dedica-se a um breve apanhado da situação econômica, política e ideológica do período.
Em seguida, são descritas as principais formas de análise do imperialismo nesse
primeiro momento. O capítulo é concluído com uma breve síntese crítica das teorias ora
estudadas.

2.1. Contextualizando o debate

A emergência do modo de produção capitalista não se deu de um só golpe, mas


resultou de um longo processo. Se compararmos as circunstâncias econômicas e sociais
do início e do fim do século XIX, pode-se dizer que partimos de um momento no qual
havia ainda poucas regiões do mundo onde a produção se dava de modo plenamente
capitalista e chegamos a uma situação na qual a produção capitalista atinge não só uma
vasta extensão do território europeu, mas também, embora de maneira muito distinta,
vastas extensões do mundo como um todo. Ao examinarmos a história da Era dos
Impérios, estamos também olhando para um episódio ímpar do ponto de vista da
consolidação do capitalismo – o de sua expansão para os quatro cantos do globo.

Marx, mesmo antes de escrever O capital, já havia observado a vocação do


capitalismo para formar um mercado mundial. Ainda que não seja este o momento de
entrar nas razões teóricas que o levaram a tal conclusão, de um ponto de vista concreto
seria difícil negar tal tendência no século XIX. Hobsbawm, em sua trilogia sobre a
história moderna, tenta mostrar o modo como se ampliaram progressivamente os laços
econômicos entre as regiões mais diversas do globo, 66 afirmando que, justamente nesse
momento, o processo adquiria ares conclusivos:

o fato maior do século XIX é a criação de uma economia global única, que
atinge progressivamente as mais remotas paragens do mundo, uma rede cada
vez mais densa de transações econômicas, comunicações e movimentos de
bens, dinheiro e pessoas ligando os países desenvolvidos entre si e ao mundo
não desenvolvido. [...] Essa globalização da economia não era nova, embora

66
Cf. Hobsbawm (2009b, capítulo 9; 2002, capítulo 3; 2009, capítulos 2 e 3).

54
tivesse se acelerado consideravelmente nas décadas centrais do século. Ela
continuou a crescer – menos notavelmente em termos relativos, porém mais
maciçamente em termos de volume e cifras – entre 1875 e 1914.
(HOBSBAWM, 2009, p. 106)

Ao longo do século XIX, a formação de uma economia global poderia ser


observada por diversos ângulos. 67 O fato mais óbvio, como também o mais antigo, é que
o volume de mercadorias transacionadas internacionalmente continuava a crescer.
Contudo, os laços que ligavam as distintas nações cada vez menos se restringiam a essa
forma. Como observariam os teóricos do imperialismo, a partir do fim do século, as
atividades econômicas no plano mundial assumiam cada vez mais a forma de
investimentos de capital no estrangeiro. Fosse sob a forma de investimento direto (como
no caso das atividades mineradoras na Bolívia e no Chile ou em diversos pontos do
continente africano, ou do “mais notável produto da indústria moderna” do período, a
construção de ferrovias), fosse sob a forma de empréstimos internacionais, o fluxo de
capital e o controle de atividades produtivas em pontos distantes do mundo aumentavam
sustentadamente no período. Desse modo, as estradas de ferro, por exemplo, que
permitiam uma integração cada vez maior dos territórios nacionais no interior do
continente europeu, abriam também o caminho para o aprofundamento dos laços
econômicos internacionais, dando ainda ensejo, por outro lado, a um aumento sem
precedentes da concentração de capital em seus países de origem.

Esses fatores, que por si só apontam para uma crescente relação entre os países
no plano internacional, receberam a atenção de Marx em uma análise breve, mas
sugestiva. Em carta escrita a Nikolai Danielson e datada de 1879, ele escreve:

as estradas de ferro surgiram como o couronnement de l’oeuvre [o


coroamento da obra] naqueles países onde a indústria moderna estava mais
desenvolvida, Inglaterra, Estados Unidos, Bélgica, França etc. Eu as chamo
de “couronnement de l’oeuvre” não apenas no sentido de que eram ao menos
(junto com navios à vapor para navegação oceânica e telégrafos) os meios de
comunicação adequados aos meios de produção modernos, mas também no
sentido de que eram a base de imensas companhias de capital acionário, a
começar pelas companhias bancárias. Elas forneceram, em uma palavra, um
ímpeto nunca antes imaginado à concentração de capital, e também à
acelerada e imensamente aumentada atividade cosmopolita do capital
emprestável, assim abrangendo todo o mundo numa rede de fraudes
financeiras e endividamento mútuo, a forma capitalista de fraternidade
“internacional”. (MARX, 1968, grifos do original. Tradução nossa.)

67
Ibidem, p. 87-95.

55
Da passagem acima, um primeiro elemento a se destacar é a importância que as
novas descobertas tecnológicas, particularmente nos ramos dos transportes e das
comunicações, tiveram em viabilizar essa economia mundial. Esse avanço tecnológico,
que Marx classificou como o desenvolvimento dos meios de comunicação adequados
aos meios de produção, criava condições objetivas para um “encurtamento das
distâncias” sem igual. Mais que isso, porém, Marx reconhecia, de passagem, também
uma das tendências que mais marcaria esse momento e apareceria com grande destaque
nos estudos posteriores sobre o imperialismo, a tendência à concentração e à
centralização de capital sob a égide de bancos e financistas.

Embora o comércio internacional tenha crescido continuamente, um aspecto


importante da história econômica desse período foi o aumento do protecionismo em
quase todos os países capitalistas, notadamente a partir do fim do século. Para entender
essa ascensão do protecionismo é preciso atentar a pelo menos dois fatores decisivos.
Em primeiro lugar, do ponto de vista da produção agrícola, o protecionismo se
explicava por um dos fatos mais importantes da história econômica do século XIX: a
Grande Depressão que assolou o mundo capitalista entre 1873 e 1896
(aproximadamente). Essa depressão manifestou-se sob a forma de um longo período
deflacionário, deprimindo preços (e lucros, consequentemente) especialmente na
agricultura. O problema, segundo Hobsbawm (2009, p. 66), é que a produção agrícola,
“que havia aumentado muito no decorrer das décadas precedentes, agora inundava o
mercado mundial, até então protegido da concorrência estrangeira pelo custo elevado do
transporte”. A reação em grande parte dos países, que, diferentemente da Inglaterra, não
estavam dispostos a assistir à atrofia de seu setor agrícola interno, foi a proteção contra
o comércio externo.

Em segundo lugar, para o setor industrial, o protecionismo é interpretado


também como tendo sido utilizado de modo a prevenir um efeito potencialmente
destrutivo da concorrência. Desde esse ponto de vista, contudo, ele teria ainda outra
função: a de possibilitar a industrialização na Europa continental. Esse foi, mais
notavelmente, o caso da Alemanha, uma nação recém-formada que em um curto espaço
de tempo já era capaz de rivalizar, em termos de sua capacidade produtiva, com a Grã -
Bretanha.
56
Se na agricultura o efeito primordial da crise econômica foi o protecionismo, na
indústria a reação se valeu igualmente de outros mecanismos. Um deles foi a pesquisa
sobre os processos de trabalho – em ordem de tentar manter a lucratividade – que
redundaram nos métodos de “administração científica” até hoje associados ao nome de
Frederick Taylor (Ibidem, p. 79). Por outro lado, a resposta do capital à crise econômica
lançava bases para o agravamento de tendências absolutamente centrais para a teoria do
imperialismo: a tendência à centralização de capital, na forma de grandes trustes e
cartéis, e o colonialismo – isso é, a busca por “mercados externos”, que passavam a
figurar no primeiro plano de interesse dos capitais tanto em virtude de suas necessidades
de realização de mercadorias, quanto em virtude de suas necessidades de obter e
controlar fontes de matérias-primas.

As tabelas 2.1 e 2.2 mostram a evolução do império britânico e das demais


potências europeias. Na primeira é possível verificar a importância relativa das colônias
inglesas em termos do impacto populacional que elas possuíam. As colônias deveriam
consolidar a formação de uma espécie de mercado cativo para os produtos britânicos ao
mesmo tempo em que garantiam o acesso às matérias-primas e gêneros agrícolas
necessários ao desenvolvimento inglês. Por outro lado, como se pode observar na tabela
2.2, a tendência à aquisição de colônias passava longe de ser um fenômeno
exclusivamente britânico.

Tabela 2.1 – O Desenvolvimento do Império Britânico (1700-1913)

Reino Unido População colonial Pop. colonial em


População porcentagem da pop.
Reino Unido
1700 9 1 10
1750 10 2 20
1800 16 75 370
1830 24 225 830
1860 29 260 800
1900 41 360 780
1913 46 390 750
Unidade: milhões de Habitantes. Obs.: inclui Austrália, Canadá, Nova Zelândia e África do Sul.

Fonte: Bairoch apud Mariutti (2010, p. 274).

57
Tabela 2.2 – Território Colonial detido pelas potências europeias (em milhões de km 2)

1826 1878 1913 1933


Inglaterra 9.0 24.9 29.5 31.6
França 0.1 4.9 11.5 12.4
Portugal 0.5 2.2 2.2 2.2
Holanda 1.2 2.1 2.1 2.1
Espanha 0.4 1.0 0.8 0.8
Alemanha - 0.5 3.5 0.5
Itália - 0.0 2.5 2.8

Fonte: O’Brien & Escosura apud Mariutti (2010, p. 146).

Assim, a formação de uma economia mundial foi no século XIX muito mais que
um fenômeno econômico. Tratava-se de um esforço de conquista que passava a dividir o
mundo entre as principais potências, elevando a concorrência capitalista a um novo
plano de disputa. Nesse plano, porém, a concorrência assumia, é claro, a forma de
concorrência não só entre capitais, mas também entre Estados: ocorre uma “fusão da
rivalidade política entre Estados com a concorrência econômica entre grupos nacionais
de empresários” (HOBSBAWM, 2009, p.93). Mesmo sem entrar em debates mais
teóricos sobre a ligação entre Estado e economia, ou, de modo mais amplo, sobre
ligação das esferas “política” e “econômica”, não se pode deixar de lado o papel
desempenhado pelos Estados-nação na expansão capitalista pelo mundo. O impacto
dessa disputa por territórios em todo o mundo é quase imensurável e não apenas desde o
ponto de vista do desenvolvimento do capitalismo europeu, mas do ponto de vista desse
modo de produção como sistema mundial.

O mapa 2.1 mostra a divisão territorial do mundo no século XIX. De certo modo
a divisão expressa nesse mapa, apesar de extremamente significativa, ainda assim
subestima o impulso expansivo do sistema capitalista no período, na medida em que
considera apenas os territórios estritamente dominados, mas não a existência (evidente)
de zonas de influência. Nesse sentido, são particularmente subdimensionadas as
inclinações expansionistas nos Estados Unidos. Entre o século XIX e o início do século
XX essas tendências manifestaram-se não só na consolidação (por vezes violenta) de
suas próprias fronteiras nacionais e em guerras de controle (como nas Filipinas), como
no progressivo controle (informal) sobre o restante do continente americano.

58
Mapa 2.1 – Partilha territorial do mundo, 1914.

Fonte: Mandaville apud Inayatullah (2008, p. 361).

A busca pelo controle territorial de fatias cada vez mais amplas do globo teve,
portanto, um papel central na ativação de um efetivo sistema de rivalidades
internacionais. O protecionismo, o aumento dos mercados consumidores, a necessidade
de controlar fontes de matérias-primas, tudo isso contribuiu para que se ampliassem os
interesses das sociedades onde o modo de produção capitalista se instaurava sobre o
restante do mundo. Simultaneamente, dada a importância assumida pela aquisição de
novos territórios, fica evidente por que a adoção do militarismo transformou-se nesse
momento num elemento central das políticas estatais das potências capitalistas em
formação. Por um lado, essa disputa pelo controle territorial só poderia resultar, como
se sabe, no acirramento dos ânimos que atingiria seu ponto mais alto com o sangrento
conflito mundial desencadeado ainda no início do século XX. Por outro, o militarismo
oferecia base sólida para novos investimentos de capital (na indústria bélica) e também
para um aumento na participação estatal na esfera produtiva. As guerras de conquista se
transformariam, assim, no fenômeno mais diretamente identificado com o imperialismo.

59
Um evento da magnitude do que se olha não poderia vir desacompanhado de
toda uma matriz ideológica que lhe desse respaldo. A questão ideológica talvez não
devesse aparecer aí, no entanto, como mero epifenômeno. A formação dos Estados
nacionais era nesse momento algo mais ou menos recente, mas, desde meados do século
XIX, o nacionalismo desempenhava um papel absolutamente crucial na política
internacional – não obstante, como observa Hobsbawm (2002, p. 125 et seq.), o fato de
que a ideia de “nação” daquele momento não possa ser tomada sem qualificativos, já
que, inicialmente, ela sequer ligava-se diretamente à territorialidade ou ao Estado. Se o
nacionalismo tem, assim, tamanha importância no registro ideológico do período, é
preciso perceber que a afirmação de pertencimento a determinada nacionalidade (e não
a outra, portanto) estava impregnada também com a possibilidade de se acirrarem a
xenofobia e os conflitos (contra outros nacionalismos).

Com isso não se deseja supor, porém, que as relações conflituosas no plano
internacional fossem de modo direto e unilateral consequências do nacionalismo. De
fato, nos parece que a exacerbação do nacionalismo, especialmente em sua forma
instrumentalizada pelo Estado, o patriotismo, deve ser situada no contexto social mais
amplo. Nesse sentido, Harvey (2005b, p. 44-45), por exemplo, pondera que:

a onda de formação de nações-Estado ocorrida na segunda metade do século


XIX na Europa (em particular na Alemanha e na Itália) apontava logicamente
antes para uma política de consolidação interna do que para aventuras
externas. Além disso, a solidariedade política pressuposta pela ideia de nação
não podia ser estendida com facilidade àqueles que são “outros” sem diluir o
que se supõe que a ideia de nação representa. A nação-Estado portanto não
proporciona por si só uma base coerente para o imperialismo. [...] [A]
resposta [para a crise que empurrava as nações ao expansionismo] consistiu
em mobilizar nacionalismo, jigoísmo [patriotismo chauvinista], patriotismo e,
sobretudo, racismo para servir de base a um projeto imperial no qual os
capitais nacionais – e dessa vez havia uma coerência plausível entre a escala
do empreendimento capitalista e a escala de ação das nações-Estado –
pudessem assumir a liderança.

Também Hobson (2005, parte II) dedica quase metade do seu ensaio seminal
sobre o imperialismo a falsear as teorias que viam na expansão territorial (imperialista)
uma necessidade cultural ou demográfica, dando prioridade aos fatores econômicos,
como veremos adiante. Claro está, entretanto, que a relação da ideologia nacionalista
com a expansão imperialista não pode ser tratada de modo simplista. Estudos como os
de Said (2007; 2011), por exemplo, se dedicam a mostrar a importância da afirmação
nacionalista e da atribuição de uma superioridade civilizatória das nações imperialistas
60
sobre os povos colonizados – em seus termos a construção discursiva do “outro”
colonizado em condição de inferioridade – como parte da necessidade de dominação
daqueles territórios. Nesse sentido, não é casual que a chamada questão nacional tenha
passado a ocupar um lugar de destaque nos debates intelectuais da época, sobretudo
entre as fileiras do marxismo, discutindo o “direito a autodeterminação” das diversas
nações.

É evidente que um estudo mais aprofundado sobre a questão nacional e o papel


do nacionalismo na expansão territorial do século XIX extrapola o escopo do presente
trabalho. Aqui interessa apenas apontar que as questões ideológicas foram um elemento
importante na construção da Era dos Impérios, tanto como elemento de dominação
territorial, quanto como resposta às contradições internas suscitadas por esse
expansionismo. É nesse sentido que Hobsbawm observa ainda que o nacionalismo,
sobretudo sob a forma de patriotismo, tornou-se um método de controle social com
efeito sensível sobre a classe trabalhadora, como comprovam certas posições defendidas
durante a Segunda Internacional e a desarticulação que se abateu sobre as organizações
de classe quando a rivalidade internacional atingiu seu auge, com a eclosão da Primeira
Guerra Mundial. 68

Em síntese, tratou-se de um período de grandes mudanças. No que toca o tema


aqui discutido, os aspectos econômicos, políticos e ideológico convergiam ao apontar
para, de um lado, a expansão do colonialismo e, de outro, para o acirramento do
militarismo, a corrida armamentista e a guerra. Esse conjunto de mudanças seria
capturado criticamente justamente por aquilo que estamos chamando aqui de teoria
clássica do imperialismo.

68
De acordo com Hobsbawm (2009, p. 228), “a base dos ‘nacionalismos’ de todos os tipos era igual: era
a presteza com que as pessoas se identificavam emocionalmente com ‘sua’ nação e podiam ser
mobilizadas, [...] presteza que podia ser explorada politicamente. A democratização da política e
especialmente das eleições oferecia amplas oportunidades para mobilizar pessoas. Quando os Estados
faziam isso, chamavam-no de ‘patriotismo’. Originalmente, a essência do nacionalismo de direita, que
emergia em Estados-nação já estabelecidos, era a reivindicação do monopólio do patriotismo para a
extrema direita política, e por meio dela a estigmatização de todos os demais como traidores”. Para uma
análise detalhada sobre os efeitos do nacionalismo sobre as organizações da classe trabalhadora ver
Galissot (1984).

61
2.2. As teorias clássicas do imperialismo

Não se passara ainda três décadas desde a publicação de O capital, de Marx,


quando se iniciou o debate sobre as novas características da produção capitalista,
traduzido em alguma medida na teoria do imperialismo. A teoria do imperialismo acaba,
assim, por responder não apenas por questões de “geopolítica” internacional, que era um
de seus aspectos, mas como forma de tentar compreender como funcionava o
capitalismo em si. Por isso, não surpreende que esse tenha sido um dos principais
campos de embate teórico no interior do marxismo. Com efeito, alguns autores
registram que quando, em 1910, Hilferding (1985) trouxe a público a obra que, ao lado
de Hobson (2005), constituiria a base da teoria do imperialismo, foi “saudado por todas
as correntes que se declaravam herdeiras de Marx [...] como uma espécie de
continuação de O capital”.69 Essa concepção seria expressa de modo inequívoco por
aquele que entrou para a história como o principal formulador marxista da teoria do
imperialismo e para quem o capitalismo havia se tornado o imperialismo: Vladmir I.
Lênin.

Quadro 2.1 – Principais obras da teoria do imperialismo no “período clássico”.

Ano da
Autor Obra
publicação
John A. Hobson Imperialism: a study 1902
Rudolf Hilferding O capital financeiro 1910*
Rosa Luxemburgo A acumulação de capital 1913
Karl Kautsky O imperialismo 1914
A economia mundial e o imperialismo: esboço **
Nicolai Bukharin 1917
econômico
***
Vladmir I. Lênin Imperialismo: fase superior do capitalismo 1917
Nicolai Bukharin Imperialismo e acumulação de capital 1924

(*) Embora publicado apenas em 1910, a estrutura básica do livro já estava pronta em 1906, como declara
Hilferding (1985, p. 29) no prefácio da obra. (**) Texto produzido originalmente em 1915, mas só
publicado em 1917. (***) Texto produzido originalmente em 1916 e publicado em 1917.

69
Cf. Teixeira (2002, p. 326).

62
Durante os primeiros anos do século XX, a história do debate sobre o
imperialismo se confunde com a história dos debates internos ao pensamento marxista
como um todo. O quadro 2.1 sumariza aqueles que, entende-se, são os pontos mais
importantes do desenvolvimento inicial da teoria do imperialismo. É possível
identificar, a fim de sintetizar o debate, ao menos três posições distintas: a primeira,
defendida pela maioria dos autores relevantes que vão de Hobson à Lênin, que será
chamada aqui de linha principal do debate sobre o imperialismo, em virtude da maior
repercussão por ela obtida; a segunda, articulada por Kautsky, em torno de quem se
agruparam os “marxistas” de centro; e, por fim, a interpretação formulada por Rosa
Luxemburgo.

A fim de permitir uma melhor compreensão deste debate, esta seção se


subdivide em quatro partes. As três primeiras se organizam em ordem cronológica de
modo a elucidar o modo como é construída a “linha principal” do debate clássico sobre
imperialismo, incluindo aí uma seção dedicada à postura divergente de Kautsky,
posteriormente criticada por Lênin e Bukharin. A quarta parte, colocada fora da
cronologia, dedica-se ao estudo do trabalho de Luxemburgo. A razão para este
deslocamento reside no fato de que, enquanto as demais teorias dialogam diretamente
entre si, a perspectiva de Luxemburgo tem menor conexão com as demais – já que,
como se verá, Luxemburgo adota um ponto de partida radicalmente diverso dos
anteriores para tentar defender que o imperialismo é um fenômeno inerente ao modo de
produção capitalista.

2.2.1 As bases da “linha principal”: o imperialismo de Hobson e Hilferding

Dentre todas as análises sobre o imperialismo até hoje vistas, não há nenhuma
que tenha tanta repercussão quanto a de Vladmir Ilitch Lênin. Ainda que tenha realizado
uma extensa pesquisa de preparação antes de escrever seu famoso opúsculo sobre o
imperialismo, sua perspectiva estava profundamente influenciada por posições prévias
nesse debate – tanto em sentido positivo, por aqueles autores que efetivamente
forneceram as bases conceituais para sua própria interpretação, quanto em sentido
63
negativo, isto é, por aqueles autores cuja posição ele queria explicitamente rejeitar,
como o caso particular de Kautsky. Assim, qualquer apresentação balizada da obra de
Lênin seria falha sem antes entender aqueles que, segundo o próprio, constituem a base
de seu pensamento: os trabalhos de Hobson e Hilfering. 70

O estudo de Hobson destoa, em termos teóricos, dos demais trabalhos clássicos


sobre o imperialismo. Isso porque, ainda que possa ser um exagero afirmar que Hobson
se diferencia dos demais por não ter sido influenciado por Marx, certamente ele não era
um marxista. O economista inglês John Atkinson Hobson era, basicamente, um social-
democrata, isto é, um progressista, defensor de reformas sociais e que acerta altura da
vida tornou-se um militante anti-imperialista. 71 Embora seja possível descrever todo um
percurso intelectual até assumir essa posição, foi particularmente depois acompanhar de
perto os eventos da guerra anglo-bôer que Hobson tornou-se um crítico radical do
imperialismo britânico.72 Assumindo uma postura marcadamente maniqueísta, Hobson
(2005, p. 3 et seq.) qualificou o imperialismo como um mal, uma espécie de patologia
social. É interessante observar, contudo, que ele não condenava o colonialismo britânico
per se, aliás, o colonialismo era, segundo ele, um produto necessário e legítimo do
nacionalismo. Mas, conquanto acreditasse que o colonialismo era um movimento
legítimo, porque carregava a igualdade de direitos e poderia promover a igualdade entre

70
A respeito do trabalho de Lênin de preparação para escrever Imperialismo, fase superior do
capitalismo, ver Lenin (1968). Acerca de seu débito com Hilferding e Hobson, Lênin é bastante claro
ainda na introdução de seu trabalho principal: “em 1902, apareceu em Londres e Nova Iorque a obra do
economista inglês J. A. Hobson O Imperialismo. [...] Em 1910, publicou-se em Viena a obra do marxista
austríaco Rudolf Hilferding O Capital Financeiro. [...] No fundo, o que se disse acerca do imperialismo
durante estes últimos anos [...] nunca saiu do círculo das ideias expostas, ou, melhor dizendo, resumidas,
nos dois trabalhos mencionados” (Idem, 1979, p. 586).
71
Cf. Etherington (1984) para maiores discussões sobre a influência de marxistas em Hobson. Para
maiores detalhes sobre a trajetória intelectual do autor, ver Cain (2002).
72
A chamada Guerra dos Bôers foi um conflito ocorrido no território sul-africano, envolvendo a Grã-
Bretanha e um conjunto de colonos de origem holandesa e francesa conhecidos como bôers. A guerra foi
motivada pela resistência bôer à tentativa de expansão britânica e se desenrolou ao longo de dois
períodos: no primeiro, entre 1880 e 1881, terminou com uma vitória bôer, que desse modo manteve sua
independência com relação aos britânicos; no segundo, porém, iniciado logo em 1899, a Grã-Bretanha
obteve êxito e o tratado de paz assinado em 1902 reconheceu a soberania britânica sobre o território
conquistado (embora aos bôers tenha sido paga uma quantia em dinheiro, como reparação pela destruição
de suas fazendas). A Guerra dos Bôers é conhecida, ademais, em virtude dos métodos empregados pelo
exército britânico que, em um esforço de deter as táticas de guerrilha de seus adversários, aprisionou
mulheres e crianças em campos de concentração, resultando na morte de mais de 20 mil civis por doenças
e inanição. Cf. Fremont-Barnes (2008).

64
as nações (um internacionalismo), Hobson foi levado a concluir que o próprio
nacionalismo normalmente se desvirtua e descamba justamente no imperialismo.

O imperialismo foi definido por Hobson como uma política de expansão


territorial com a finalidade de subjugar econômica e politicamente as regiões assim
dominadas, assumida por diversos Estados europeus e pelos Estados Unidos, mas
seguida especialmente pela Grã-Bretanha. Hobson não era, nesse momento, de modo
algum o único crítico do imperialismo em curso. Contudo, a grande novidade de seu
argumento morava na noção, ainda que revestida das mais diferentes justificativas
ideológicas, de que a política imperialista seria adotada fundamentalmente com vistas à
abertura de mercados internacionais – abertura a qual se daria, se não de outro modo,
pela força. Ao mesmo tempo, porém, o autor entendia que, mesmo relevando qualquer
consideração ética ou jurídica, o resultado econômico dessa política não deixava à
nação um saldo positivo. Ao contrário, Hobson classifica o imperialismo como uma
política extremamente dispendiosa, cujos custos em muito superavam os benefícios.
Mesmo assumindo as vantagens comerciais geradas, essa política não se sustentaria do
ponto de vista econômico porque dependeria de elevados gastos, especialmente
militares, por parte do Estado para manter tais relações de poder à distância.

Mas por que, então, todas as nações “desenvolvidas” levavam tal política à
frente? A despeito do que pregava a retórica dos ideólogos e políticos imperialistas, o
fator determinante teria cunho econômico. O problema, segundo o autor, é que se havia
engendrado nessas nações uma tendência à concentração de recursos em umas poucas
mãos, por meio da união entre firmas e redução da concorrência, mas esses recursos se
tornavam assim cada vez mais ociosos: a nova massa ampliada de recursos já não
encontrava nas fronteiras nacionais campo para investimentos lucrativos. Esse processo
concentrador seria fruto do próprio funcionamento da economia sob “livre-
concorrência”, na medida em que esta geraria cronicamente uma espécie de
“superprodução”, isto é, uma situação que torna dispensável, ou mesmo inviável, a
manutenção de todas as empresas em funcionamento. O resultado natural seria, para
Hobson (2005, p.75), a eliminação das unidades produtivas mais fracas e a formação de
cartéis e trustes. Deste modo, seria ampliada a capacidade produtiva da sociedade,
superando, ao menos tendencialmente sua capacidade de consumo.

65
Para Hobson, o excesso de capital criado desse modo permitiria o investimento
em outros setores, desencadeando ali processos similares de expulsão das empresas
mais fracas. Mas, conforme os distintos setores da sociedade se protegem dos
“desperdícios da concorrência” pela cartelização, reduzir-se-ia o escopo de aplicação
para o capital e se tornaria mais difícil para os poupadores comuns encontrar
oportunidades de investimento, ao mesmo tempo que aumentaria ainda mais a massa de
capital acumulável pela ulterior concentração de recursos em poucas mãos. 73 Em suma:

uma era de competição predatória, seguida por um rápido processo de fusões,


lançou uma quantidade enorme de riqueza nas mãos de um pequeno número
de capitães da indústria. Nenhum padrão de vida que essas classes pudessem
alcançar, por mais luxuoso que fosse, poderia corresponder ao crescimento de
sua renda, e um processo de poupança automática ocorreu em escala sem
precedentes. O investimento dessas poupanças em outras indústrias ajudou a
colocá-las sob essas mesmas forças concentradoras. Um grande aumento de
poupanças, portanto, procurando investimento lucrativo, é a contrapartida de
uma economia que restringe o uso do capital existente.74 (HOBSON, 2005, p.
74-75)

Com esse argumento, Hobson inaugura na teoria do imperialismo a noção que


ficou conhecida como subconsumista. Segundo ele, a incapacidade dos capitalistas de
encontrarem no interior de sua nação uma aplicação rentável, dificuldade imposta pela
ampliação da poupança, de um lado, e pela limitação do mercado interno criada pela
concentração de renda, de outro, os forçaria a procurar no mercado externo opções de
investimento. Ao mesmo tempo, sua força produtiva, assim ampliada, garantiria a esses
capitais condições vantajosas de concorrência no estrangeiro.

Voltando à questão das perdas associadas à política imperialista, Hobson sugere


que se, de fato, o imperialismo não se mostrava lucrativo para a nação, ele era sim fonte
de ganhos para setores específicos da sociedade. Enquanto o pífio resultado da política
imperialista em termos do comércio internacional não torna inteligível o porquê da

73
É notável que a associação feita por Hobson entre “concentração” econômica (i.e., formação de
monopólios, trustes, cartéis etc.) e “redução da concorrência”, normal para a ciência econômica
“convencional”, por assim dizer, propague-se sem maiores atritos pelos teóricos do imperialismo de
orientação marxista. O tema voltará a ser abordado mais tarde, mas é possível recordar desde já que,
como vimos no capítulo anterior, a noção de concorrência em Marx deveria ser tomada de modo algo
distinto. Nesse sentido, ainda que o processo descrito por Hobson preveja redução do número de
empresas competindo, tal redução não significa, de imediato, a limitação da concorrência. Para ficar em
um exemplo simples, é fácil imaginar que um pequeno número de grandes corporações é capaz de
protagonizar uma competição muito mais violenta que um grande número de pequenas empresas.
74
Tradução de Ana Paula Ornallas Mauriel, disponível em Teixeira (2002).

66
adoção de tal política – já que, de acordo com o autor, produtores e comerciantes tiram
desses novos mercados, pelo comércio, muito menos do que pagam em impostos – a
coisa é bem diferente com os ganhos dos investidores.

Não é exagerado afirmar que a moderna política externa da Grã-Bretanha é


principalmente uma luta por mercados rentáveis para o investimento. Em
grande medida, todos os anos, a Grã-Bretanha se torna uma nação que vive
de tributos do exterior, e as classes que desfrutam desses tributos têm um
incentivo cada vez maior para empregar a política pública, o cofre público e a
força pública para aumentar o espaço para seus investimentos privados, e
para salvaguardar e melhorar seus investimentos. (Ibidem, p. 53-54.
Tradução nossa.)

Logo, a política imperialista estaria diretamente associada à abertura de


mercados para os investidores privados. Mas o jogo não se encerra aí. Isso porque, na
concepção de Hobson (2005, p. 56 et seq.), os investidores são, nesse particular, eles
mesmos como que joguetes nas mãos de outra classe “ainda mais perigosa”: os
financistas (financier), cujos interesses não iriam além das possibilidades de ganho com
a mera especulação, para quem, inclusive, o próprio investimento de capital não seria
mais que um veículo para atingir este fim. Hobson caracteriza os financistas como um
“clã”, um pequeno e organizado grupo, com experiência e capacidade para controlar o
Estado, capaz, portanto, de empurrá-lo à política imperialista. 75 Poderiam fazê-lo, não
só porque deteriam dívida pública, mas porque manipulariam também forças
extraeconômicas como o patriotismo, os órgãos militares, a filantropia missionária, as
ambições políticas etc. – em suma porque seriam capazes de dispor da opinião pública,
especialmente pelo controle exercido sobre a imprensa (Ibidem, p. 59).

Hobson considera, enfim, que os desígnios da classe financista lançam o Estado


ao imperialismo, obrigam-no, assim, a aumentar os impostos e empobrecer toda a
nação, como meio para aumentar os ganhos privados daquela classe. Sendo o poder
dessa classe indubitável e seu anseio por conquistas no estrangeiro o resultado

75
“Todo ato político envolvendo novos fluxos de capital, ou uma grande flutuação no valor dos
investimentos existentes, deve receber a sansão e a ajuda prática desse pequeno grupo de reis das
finanças. Esses homens, mantendo toda sua riqueza e seu capital de negócios principalmente em ações e
títulos de dívida, como fazem, têm um ganho duplo, primeiro como investidores, mas, em segundo e
principalmente, como negociadores financeiros [financial dealers]. Como investidores, sua influência
política não difere da que possuem investidores menores, exceto pelo fato de que eles normalmente
possuem o controle efetivo dos empreendimentos em que investem. Como especuladores ou negociadores
financeiros eles constituem, no entanto, o mais importante fator isolado na economia do imperialismo”
(Ibidem, p. 57. Tradução nossa.).

67
previsível do desenvolvimento econômico, Hobson considera que a política imperialista
tornava-se necessária. Entretanto, em sua opinião, esse não era um resultado inexorável.
Com efeito, grande parte de seu livro se dedica a demonstrar a falsidade dos discursos
que, amparados sobre teorias demográficas, morais, militares ou políticas, divulgavam a
ideologia imperialista e propunham sua inevitabilidade.

Note-se, por fim, que, não sendo o imperialismo um destino inevitável, Hobson
imaginava ser capaz de livrar o Estado desse fardo por meio de uma reforma social que
atuasse sobre as bases dessa política. Assim, para o autor, o Estado se apresentava como
uma entidade externa à sociedade, uma massa homogênea, passível de ser controlada
por grupos com interesses espúrios, mas também pelo povo. Para isso, Hobson entendia
que a superação do imperialismo dependia de uma democracia realmente funcionante. 76
Por outro lado, a medida singular mais importante a ser tomada pelo Estado seria a
redistribuição de renda, como forma de minar as bases da política imperialista,
constituídas a partir da relativa falta de consumo. 77.

Tal qual havia percebido Hobson, em Hilferding (1985) o ponto de partida para
se compreender a política imperialista era o processo de formação de trustes e cartéis e a
limitação da concorrência. A análise de Hilferding, no entanto, pretendia dar a esse
processo uma interpretação teórica fundamentada nas tendências à concentração e à
centralização de capital, identificadas por Marx em O capital. De acordo com
Hilferding, a união de capitais não resultaria necessariamente na limitação da
concorrência: ela poderia ser motivada por questões eminentemente técnicas, para
fortalecer tais empresas, mas sem eliminar a concorrência. Outras formas de união,
aquelas permeadas por “interesses monopolistas”, por sua vez, nasceriam
exclusivamente das vantagens econômicas obtidas mediante a redução da competição.

76
Em suas palavras: “o poder das forças imperialistas da nação para usar os recursos nacionais para seu
ganho privado, por meio da instrumentalização do Estado, somente pode ser derrubado pelo
estabelecimento de uma genuína democracia, a direção da política pública pelo povo e para o povo por
meio de representantes sobre os quais se exerce um controle real” (Ibidem, p. 360).
77
Desse modo, segundo Mariutti (2010, p. 146-147), a solução apontada por Hobson era muito mais
polêmica que o problema por ele apontado, pois “além de representar uma proposta para a política interna
da Grã-Bretanha, esta explicação estava relacionada a outro grande conflito ideológico que marcava a
época: a detecção da origem e das causas da pobreza e da desigualdade. Não há dúvida de que esta
interpretação, qualificada como ‘teoria’ do subconsumo, representava uma tentativa de propor uma
alternativa às explicações marxistas sobre as causas da miséria e da concentração de renda”.

68
No quadro 2.2 vê-se uma tipologia das associações de capital, segundo o autor, típicas
desse período.

Quadro 2.2 – Tipologia das associações capitalistas em Hilferding

A: Natureza da união de capitais de acordo com o grau de autonomia mantido pelas partes
A.1. Comunidade de interesses: união com manutenção de autonomia relativa dos
diferentes capitais.
A.1.1. Parcial: preserva a concorrência.
A.1.2. Monopolista => Cartel: comunidade de interesses com vistas ao aumento de
preços e, assim, de lucros, mediante restrição da concorrência.
A.2. Fusão: união completa entre capitais.
A.2.1. Parcial: preserva a concorrência.
A.2.2. Monopolista => Truste: fusão capitalista com vistas ao aumento de preços e,
assim, de lucros, mediante restrição da concorrência.

B: Natureza da união de capitais de acordo com a relação entre capitais associados


(concorrência ou complementaridade)
B.1. Associação homogênea: entre capitais de um mesmo ramo de produção (semelhante
ao conceito de integração horizontal).
B.2. Associação parcial: entre capitais de ramos de produção complementares, isto é,
união de empresas capitalistas das quais uma fornece matéria-prima à outra (semelhante
ao conceito de integração vertical), não implicando, portanto, variação na taxa de lucro
dos ramos industriais envolvidos.

C: Natureza da união de capitais de acordo com a esfera social a que pertencem


C.1. Homoesférica: associação entre capitais de mesma esfera (união de capitais
produtivos; de capitais comerciais; ou de bancos).
C.2. Heteroesférica: associação entre capitais pertencentes a esferas distintas (entre
capital industrial e capital comercial; ou entre capital industrial e bancário).

Quadro elaborado com base em Hilferding (1985, p. 193 et seq.).

De acordo com Hilferding, a limitação da concorrência (e o impulso à


associação capitalista) é sim uma consequência do desenvolvimento das economias
capitalistas. Sua origem residiria no aumento da composição orgânica do capital: na
medida em que o capital constante corresponde a uma fração cada vez maior do capital
total e que uma parcela cada vez maior desse capital constante se apresenta sob a forma
de capital fixo, ter-se-ia que a mobilidade de entrada e saída de capitais dos diversos
ramos (forma pela qual se dá a equalização da taxa de lucro) resultaria obstada. Isso
ocorreria, por um lado, porque o aumento do capital fixo reduziria a velocidade de

69
rotação do capital e, de outro, porque aumentaria a necessidade de grandes montantes de
capital.

Hilferding discorre longamente sobre as consequências dessa dificuldade criada


à mobilidade de capital. Em termos sumários, as barreiras anteriormente descritas
seriam parcialmente dribladas pela mobilização de capital (a capacidade do capital
bancário de pôr à disposição da acumulação de capital os recursos ociosos da
sociedade), dando ensejo à centralização de capital e às possibilidades de reconversão
do capital fixo à sua forma dinheiro de modo relativamente descolado da realização dos
sucessivos ciclos de rotação do capital.

Assim, Hilferding considera que, no lugar das barreiras extraeconômicas


(feudais) desfeitas para possibilitar a implementação do modo de produção capitalista, o
próprio capital levanta outras, agora de cunho econômico, e, junto com elas, faz a
mobilização de capital, como forma de superá-las. Mas mesmo a mobilização não
eliminaria completamente os freios à igualação da taxa de lucro. Isso ocorreria,
sobretudo, por causa da ampliação crescente da escala em que precisaria ocorrer a
produção, bem como da existência de ramos que necessitam de um volume elevado de
capital fixo (o que representa um problema não só pelo montante inicial de capital
necessário, mas porque em casos de crise este pode sempre resultar insolvente). Nesses
ramos, os capitais embora se apresentem sob a forma de grandes empresas são
incapazes de manter a taxa de lucro em seu nível médio se vigorar a livre-concorrência,
pois ali a competição se dá, em geral, entre grandes capitais, capazes de resistir na luta
competitiva durante muito tempo (ao longo do qual a concorrência mantém a taxa de
lucro anormalmente baixa). 78

Ao mesmo tempo, Hilferding vê nos ramos em que a concentração e a


centralização ainda não operaram de modo decisivo, no comércio varejista e na pequena
produção capitalista, razões para que a taxa de lucro se encontre ainda mais deprimida.

78
“Essas indústrias desenvolvidas [em que a necessidade de capital fixo é muito elevada] são, ao mesmo
tempo, aquelas nas quais a concorrência exterminou rapidamente as pequenas empresas ou onde estas
jamais existiram [...]. Não somente domina a grande empresa, mas essas grandes empresas com grande
poder de capital tornam-se cada vez mais equivalentes reciprocamente, à medida que as diferenças
técnicas e econômicas, que lhes assegurariam uma superioridade na luta competitiva, são cada vez
menores. Não se trata de uma luta dos poderosos com os fracos, onde estes seriam aniquilados e o
excesso de capital nesse setor eliminado, mas de uma luta entre iguais, que pode durar longo tempo
indecisa e infligir sacrifícios a ambas as partes” (Ibidem, p. 186).

70
A concorrência nesses setores, aumentada pela incapacidade de pequenos capitais de
acederem aos ramos que exigem grandes montantes de capital, tornam necessárias
tentativas de aumentar o volume de vendas e a rotação de capital, culminando no
rebaixamento do lucro. Por isso, esses setores “com sua exasperada luta competitiva,
com seu permanente aniquilamento do capital velho que é imediatamente substituído
por um novo”, conclui Hilferding (1985, p.187), “são levados cada vez mais a uma
dependência indireta do grande capital”.

Finalmente, Hilferding registra ainda que a queda do lucro em um ramo


industrial pode ocorrer em virtude do aumento em outro. Esse seria o caso da relação
entre ramos que participam de uma mesma cadeia produtiva, fornecendo uma matéria-
prima ao outro. O resultado mais provável, de novo nesse caso, é que esse diferencial
fosse vencido apenas pela associação entre capitais, dessa vez ao longo da cadeia
produtiva (ver quadro 2.2, item B.2).

Em síntese, tomadas em seu conjunto, essas modificações seriam responsáveis


pela eliminação da fase concorrencial do capitalismo, dando lugar a uma nova etapa
histórica caracterizada pela monopolização da economia. Nessa nova fase histórica do
capitalismo seria preciso ainda compreender o papel agora exercido pelo capital
bancário em associação ao “capital industrial”. Este aspecto seria resumido no conceito
mais importante desenvolvido por Hilferding, que o autor chamou capital financeiro.
Continuaremos a tratar do assunto na sequência, mas deixemos claro desde já: a
categoria capital financeiro, que dá título à principal obra de Hilferding, não se refere
exclusivamente à “esfera financeira” ou “monetária” da economia. Para ele o capital
financeiro seria uma forma de articulação de todo o capital que daria origem a uma nova
fase histórica do capitalismo, cujo traço distintivo era o fim da livre-concorrência.

Hilferding, ao descrever a tendência de união dos diversos capitais, observa que


esta “nasce assim dentro do capital industrial, precisamente nos seus setores mais
desenvolvidos, [e] é fomentada pelos interesses do capital bancário” (Ibidem, p. 187). 79

79
É importante recordar que Marx atribui sentido diverso à categoria “capital industrial”. Se bem que este
seja um dos pontos nos quais a própria obra marxiana apresenta dificuldades, na maior parte dos livros II
e III de O capital, o termo “capital industrial” não se refere à esfera produtiva apenas, ou a indústrias (na
acepção corriqueira do termo, como um setor oposto ao agrário ou serviços), mas à totalidade do capital,
a todo valor que entre na lógica do capital. Hilferding, alternativamente, está utilizando a expressão aqui
para se dirigir à atividades produtivas.

71
De acordo com seu argumento, os bancos, como toda empresa capitalista, agem com
vistas ao lucro e a luta competitiva entre capitais restringe suas operações. A vitória de
um capital sobre outro na concorrência, representa para os bancos a perda de um projeto
lucrativo e, o que seria ainda pior, sempre que os concorrentes fossem igualmente
clientes do banco haveria para estes uma necessária perda. Assim, o capital bancário,
por um lado, tem o interesse em limitar a concorrência. Por outro, possui os recursos
para atuar como motor principal da centralização de capital e, portanto, da
monopolização. O conceito de capital financeiro evidencia justamente a estreita relação
– que para Hilferding ocorre, no limite, como união pessoal – entre os capitais industrial
(produtivo) e bancário, a qual é estabelecida como traço distintivo de uma nova fase do
desenvolvimento capitalista. Na definição clássica do autor:

uma porção cada vez maior do capital da indústria não pertence aos
industriais que o aplicam. Dispõem do capital somente mediante o banco, que
perante eles representa o proprietário. Por outro lado, o banco deve
imobilizar uma parte cada vez maior de seus capitais. Torna-se, assim, em
proporções cada vez maiores, um capitalista industrial. Chamo de capital
financeiro o capital bancário, portanto o capital em forma de dinheiro que,
desse modo, é na realidade transformado em capital industrial. Mantém
sempre a forma de dinheiro ante os proprietários, é aplicado por eles em
forma de capital monetário – de capital rendoso – e sempre pode ser retirado
por eles em forma de dinheiro. Mas, na verdade, a maior parte do capital
investido dessa forma nos bancos é transformado em capital industrial,
produtivo (meios de produção e força de trabalho) e imobilizado no processo
de produção. Uma parte cada vez maior do capital empregado na indústria é
capital financeiro, capital à disposição dos bancos e, pelos industriais.
(Ibidem, p. 219. Grifos nossos.)

Mas essa definição é incompleta se não se observa também que, nessa relação
entre capital industrial e capital bancário, este passaria a exercer um papel dominante
com relação ao primeiro. Segundo Hilferding, sob a égide do capital financeiro, “a
indústria cai, cada vez mais, na dependência do capital bancário” e, assim, “o magnata
do capital, o capitalista financeiro, concentra a disposição de todo o capital nacional em
forma de domínio do capital bancário” (Ibidem, p. 219).

O capital financeiro representaria, assim, a ascensão de uma nova fase histórica


do capitalismo. Um traço particularmente importante dessa fase, na concepção de
Hilferding, é o aumento de importância do território econômico. 80 Por um lado, isso

80
“Portanto, a política do capital financeiro persegue três objetivos: primeiro, a criação do maior território
econômico possível. Segundo, este é fechado pelas muralhas do protecionismo contra a concorrência

72
ocorreria em virtude da nova configuração da concorrência entre capitais no mercado
mundial, por outro, em virtude das mudanças atravessadas pelas economias capitalistas
ao longo dos ciclos econômicos, ou mais especificamente em suas fases de crise.

O fim da livre-concorrência dentro das nações capitalistas teria reflexos diretos


sobre as relações comerciais entre países. No plano internacional, a limitação da
concorrência ocorreria, sobretudo, pela mudança na forma de ser da política comercial
das diferentes nações. Dando conta de um dos aspectos mais marcantes da história
econômica na virada do século XX, Hilferding observa que, ao contrário do liberalismo
vigente durante a maior parte do século anterior, com notórios benefícios ao capital
britânico, a política econômica predominante nas relações internacionais passa a ser o
protecionismo. Ainda segundo o autor, o protecionismo aparece inicialmente como
forma possível de desenvolvimento do capitalismo nas regiões mais “atrasadas”
(particularmente na Alemanha), mas muda inteiramente de caráter: “essa política
aduaneira do capitalismo em desenvolvimento”, o protecionismo, “se transforma em seu
contrário através da política aduaneira do capitalismo já desenvolvido” (Ibidem, p. 286).

De acordo com Hilferding, o protecionismo aparece, inicialmente, como forma


de sobrevivência do capital em regiões atrasadas, que não possuíam força para rivalizar
com a produtividade inglesa. A imposição de tarifas aduaneiras que permitia esse
fortalecimento favorecia também, no entanto, a união de capitais:

não há dúvida de que a exclusão da concorrência estrangeira fomenta


extraordinariamente a formação dos cartéis. Diretamente, porque a
diminuição dos concorrentes facilita sua fusão. Indiretamente, porque o
protecionismo, em sua configuração real e de acordo com sua origem – como
é introduzido nesse estágio na Europa e nos Estados Unidos pelos poderosos
capitalistas da produção de matéria-prima e semimanufaturados –, é, em
regra, mais vantajoso para essas indústrias exportadoras de manufaturados,
que tinham que concorrer no mercado internacional com aqueles produtos da
Inglaterra, cujo preço de custo não era aumentado pelo protecionismo.
Precisamente essa circunstância tinha que favorecer necessariamente o
desenvolvimento das indústrias produtoras de meios de produção, colocar-lhe
à disposição todo o capital de que necessitavam para seu aperfeiçoamento
técnico e acelerar seu progresso rumo à composição orgânica superior, mas
apressando com isso também sua concentração e centralização, criando dessa
forma as condições prévias para sua cartelização. (HILFERDING, 1985, p.
286-287)

estrangeira. Terceiro, converte-se assim o território econômico em área de exploração para as associações
monopolistas nacionais” (Ibidem, p. 306).

73
Por outro lado, Hilferding observa que particularmente na Alemanha (e, sob
forma diferente, nos Estados Unidos) o fato de não haver acumulação de capital em
montante necessário para que a indústria se fortalecesse a ponto de concorrer com a
indústria britânica fez com que os bancos possuíssem um papel inteiramente
diferenciado: ali, os bancos deviam desde o início “ser meio para reunir o capital
necessário que, devido [à] escassa acumulação, não apenas o capital individual, mas a
classe capitalista industrial como um todo não possuía” (Ibidem, p. 287). A associação
entre capital bancário e capital industrial assim resultante teria criado também, no
entanto, os novos interesses protecionistas. Enquanto o protecionismo originário visava
proteger indústrias débeis da concorrência externa, a sustentação de tarifas se torna
posteriormente bandeira justamente das indústrias mais fortes e capazes de concorrer no
mercado mundial. Isso ocorreria porque, associado à cartelização, o protecionismo
permitiria um aumento ainda mais acentuado dos lucros, cuja fonte seria um aumento
do preço interno com relação ao preço internacional, representando uma dedução da
renda dos consumidores em benefício do capital cartelizado. 81

Por outro lado, na medida em que o aumento dos lucros de cartel entraria em
contradição com a necessidade de ampliação da escala de produção (como forma de
reduzir custos), a exportação de mercadorias se torna elemento central da política dos
cartéis, tão logo estejam relativamente exauridas as possibilidades de ampliação do
mercado por meio da destruição de capitais menores. O problema aqui é, então, que se o
protecionismo torna-se política generalizada, transforma-se ele, novamente, em
obstáculo aos capitais cartelizados. A cartelização reforça a importância dos territórios
econômicos para o capital, mas o protecionismo, que no plano nacional estabiliza e
faculta lucros extraordinários ao capital, no plano internacional fraciona este espaço e
restringe as possibilidades de desenvolvimento das forças produtivas. 82

81
Segundo Hilferding (1985, p. 289), passa a ser interesse do capital a sustentação das tarifas aduaneiras
mesmo quando essas não afetassem diretamente os produtos por ele produzidos: “Sabemos que o preço
do cartel, em paridade de condições encontra seus limites na taxa de lucro das demais indústrias. Se, por
exemplo, aumenta a taxa de lucro na indústria mecânica com o aumento das tarifas sobre máquinas, os
cartéis do ferro e do carvão podem subir seus preços e, dessa forma, apropriar-se de uma parte ou,
eventualmente, de todo o lucro extra da indústria de maquinaria”.
82
Note-se, não seria impossível, contudo, que o processo de cartelização ocorresse sem o
desenvolvimento do protecionismo. Não obstante, esse não parece ser o resultado mais esperável: “é certo
que a monopolização avança também sem protecionismo. Com isso, porém, primeiro, o ritmo fica muito
dificultado; segundo, a solidez dos cartéis é menor; e, terceiro, é de temer-se a resistência contra cartéis

74
A solução a essa contradição, de acordo com Hilferding, foi a substituição da
exportação de mercadorias pela própria exportação de capital – sendo exportação de
capital entendida como “a exportação de valor destinado a gerar mais-valia no exterior”
(Ibidem, p. 296). Com isso, a generalização do protecionismo contribui indiretamente
com a internacionalização do capital através de sua exportação. 83 A exportação de
capitais possuiria ainda outra função, não menos importante: a funcionalidade de
prolongar o período da prosperidade e atenuar os efeitos das crises, uma vez que dá
aplicação ao capital tornado ocioso na fase descendente do ciclo econômico.

Assim, a exploração dos novos mercados estrangeiros torna-se um modo não só


de explorar matérias-primas, mas de atenuar os efeitos da crise ao oferecer campo para
aplicação de capital. Com isso, intensificar-se-ia imensamente na era do capital
financeiro a exploração colonial. Ora, se o protecionismo é a política comercial própria
ao capital financeiro – na medida em que protecionismo e cartelização tornam mais
importante o tamanho dos territórios econômicos – torna-se claro que também o
imperialismo o é. Logo, não é casual que Hilferding trate do imperialismo justamente na
seção do livro destinada à política econômica do capital financeiro.

O fato de Hilferding, a exemplo de Hobson, considerar o imperialismo como


uma forma de política levanta diversas questões. A primeira e mais contundente diz
respeito ao caráter não necessário do imperialismo, como ficaria evidenciado pelo vasto
debate posteriormente estabelecido entre os demais teóricos do imperialismo. Para além
disso, a definição de Hilferding põe em evidência a forma particular que assumiria a
relação entre capital e Estado na era do capital financeiro. Por um lado, de acordo com
ele, nesse período a cartelização muda necessariamente a relação da classe capitalista
com o Estado (Ibidem, p. 283). O abandono do liberalismo em favor do protecionismo
já evidenciava o fim da mera crítica ao Estado e o reforço de seu papel como

internacionais, já que estes são considerados diretamente como forças de exploração estranhas à nação.
Em contrapartida, o protecionismo assegura ao cartel o mercado nacional, conferindo-lhe uma solidez
muito maior, não apenas pela exclusão da concorrência, mas também porque a possibilidade de
exploração do protecionismo torna-se diretamente a força motriz para a consolidação da cartelização”.
(Ibidem, p. 294)
83
Dados os fins da exposição, não cabe aqui aprofundar este ponto, mas vale mencionar que Hilferding
trata das possibilidades de essa exportação de capitais se dar tanto na forma de migração do capital na
forma de capital produtivo quanto na forma de capital portador de juros, isso é, como empréstimos
internacionais.

75
gerenciador dos interesses do capital para além das fronteiras. Isso se torna
especialmente importante com a exportação de capitais: o Estado assumiria, assim, o
papel de forçar o desenvolvimento capitalista, promover a acumulação primitiva e
forçar o assalariamento nas regiões atrasadas, além de vencer as barreiras postas por
certos marcos legais favoráveis à aristocracia burguesa dessas regiões e que entravam
em conflito com esse desenvolvimento capitalista. Em uma importante passagem de O
capital financeiro, Hilferding coloca:

o atraso da legislação torna-se assim uma barreira cuja superação o capital


financeiro exige de forma cada vez mais agressiva e mesmo por meios
violentos. Isso leva a conflitos cada vez mais agudos entre os países
capitalistas desenvolvidos e o poder estatal das regiões atrasadas, a tentativas
cada vez mais prementes no sentido de impingir a essas regiões uma
legislação correspondente ao capitalismo, seja conservando ou destruindo os
poderes até então existentes. Simultaneamente, a concorrência pelas áreas de
investimento recém-criadas implica em [sic.] novos antagonismos e conflitos
entre os próprios países capitalistas desenvolvidos. (Ibidem, p. 302)

A política imperialista do capital financeiro exigia, portanto, em primeiro lugar,


a relação de subordinação das economias atrasadas com relação às mais desenvolvidas.
Em segundo lugar, ela dava ensejo também ao conflito entre nações de capitalismo
avançado, provocado pela necessidade de controlar território econômico crescente.

O primeiro desses pontos não foi muito aprofundado por Hilferding. Dos
aspectos mais significativos ali descritos estão o fato de o autor acreditar que a
“exportação” das relações capitalistas que acompanhou a exportação de capital, em
primeiro lugar, favorecia o desenvolvimento das “colônias”, ainda que reproduzindo
também uma relação de subordinação destas. 84 Ao mesmo tempo, a implantação das
relações capitalistas ocorreria ali já com as características próprias ao capitalismo mais
avançado, e aumentariam também as possibilidades de resistência dos povos
colonizados. É justamente esse último aspecto que coloca a necessidade crescente do
controle por meio violento, político ou militar, das regiões controladas.

84
“Dessa forma, a exportação de capital faz recuar aquela barreira originária da capacidade de consumo
do novo mercado. Ao mesmo tempo, porém, a transferência de métodos capitalistas de transporte e de
produção ao país estrangeiro causa nesse caso um rápido desenvolvimento econômico, o surgimento de
um maior mercado interno, mediante a extinção das relações de economia natural, a expansão da
produção em escala de mercado. Com isso, multiplicam-se aqueles produtos que são exportados e que
podem servir, por sua vez, para o pagamento de juro do capital novamente importado” (Ibidem, p. 298).

76
Quanto ao segundo ponto, Hilferding observa que são criadas tendências
contraditórias no cenário mundial: a solidariedade entre capitais oriundos dos países de
capitalismo avançado se contrapõe à tendência para competição pelo domínio de
território mais vasto possível. Em última instância, seria o saldo resultante dessa
equação que definiria a deflagração de guerras de dominação ou não entre as nações
capitalistas. De todo modo, Hilferding parece crer que quaisquer alianças não podem ser
senão temporárias e que a luta entre as nações é tanto mais acirrada quanto maiores
forem as diferenças de poderio econômico e militar entre as nações em questão.

Por fim, na luta pelo domínio do globo, o capital financeiro criaria a forma
ideológica que lhe corresponde. Essa forma aparece pela defesa do protecionismo, mas,
para além disso, se converte em argumentos de superioridade racial, pelo nacionalismo
etc., enfim uma ideologia capaz de oferecer argumentos que justifiquem o desejo de
ubiquidade do capital financeiro e seus atos de força sobre nações adversárias.

O capital de financeiro de Hilferding teve uma profunda influência sobre o


debate posterior, constituindo-se, efetivamente, na base teórica sobre a qual se
desenvolveria a maior parte dos estudos posteriores sobre imperialismo. Os casos mais
notados são os de Bukharin (1988) e Lênin (1979). Os dois escreveram seus principais
estudos sobre o tema praticamente ao mesmo tempo, embora o prefácio de Lênin à obra
de Bukharin nos permita afirmar com relativa segurança que o trabalho deste é anterior
ao daquele. Antes, porém, de dedicar uma seção ao estudo mais pausado desses autores
convém realizar uma breve exposição daquela que, desde um ponto de vista antagônico,
apresenta-se como outro parâmetro central do desenvolvimento das obras de Lênin e
Bukharin, a saber, a teoria do ultraimperialismo de Kautsky.

2.2.2 Kautsky: do imperialismo ao ultraimperialismo

No início do século passado, mesmo enquanto ainda ecoavam seus conceitos de


capital financeiro e imperialismo, Hilferding foi renegado por boa parte dos marxistas,
na medida em que suas posições se tornavam teórica e politicamente cada vez mais
próximas à posição de Kautsky. É bastante conhecida a complexa história de Karl
77
Kautsky com o marxismo. Amigo de Engels, Kautsky poderia, certamente, ser
considerado um dos mais influentes marxistas na virada para o século XX. Poucas
décadas depois, Kautsky se aproximou progressivamente de posições de “social-
democratas” de centro e, posteriormente, de direita (reformistas), até se tornar uma das
mais execradas figuras nos círculos marxistas.

Embora tenha saudado calorosamente a obra de Hilferding, 85 Kautsky elaborou


sua teoria do imperialismo de modo significativamente divergente – tanto no que tange
aos mecanismos gerativos da política imperialista (forma pela qual ele tratava a
questão), quanto, e principalmente, no que tange a suas consequências efetivas.

Ao contrário de Hilferding, o ponto de partida de Kautsky não foram as


tendências à concentração e à centralização de capital ou a limitação da concorrência, se
bem que não se negasse que esses processos estivessem de fato em curso. O autor
propõe, ao invés disso, que se partisse da oposição entre a produção industrial e a
produção agrária no curso do desenvolvimento capitalista. Em termos genéricos, o
problema que parecia mais preocupar Kautsky era a possibilidade e, mais que isso, a
tendência a que a produção capitalista criasse uma desproporcionalidade entre os
diversos setores da economia, particularmente entre a produção de meios de produção e
meios de consumo. 86

Para tentar demonstrar essa tendência à desproporção, Kautsky começa


analisando a fase histórica que ele imagina anteceder a produção capitalista
propriamente dita, a “produção mercantil simples” (sic.) (Ibidem, p. 447).87 Para ele, a
análise da fase antecedente permite ver que, na medida em que aumenta a divisão do
trabalho, se configura e se aprofunda a separação entre indústria e agricultura, ainda que

85
No entanto, no tocante à questão do imperialismo, Kautsky (2002b, p. 471) acredita, ainda em 1898, ter
se antecipado a Hilferding.
86
Cf. Kautsky (2002, p.446).
87
Embora Kautsky esteja acompanhado de muitos marxistas importantes em tal posição, como é o caso
particularmente de Engels, devemos assinalar nossa discordância. Ao contrapor “produção mercantil
simples” e “produção capitalista”, Kautsky parece apoiar-se em uma interpretação de Marx segundo a
qual o argumento deste em O capital é disposto cronologicamente, criando uma “fissura histórica” entre
as seções I e II do livro. Assim, a “produção mercantil simples” representaria o início da produção
mercantil (pré-capitalista) superada historicamente quando do advento da lógica capitalista de produção.

78
esta permanecesse sempre como base necessária daquela. 88 Por esse motivo, sempre que
porventura ocorresse um desbalanço entre as produções industrial e agrícola, ter-se-ia
uma oscilação nos preços e, consequentemente, crises. De acordo Kautsky, o problema
é que esse desequilíbrio não representa apenas uma possibilidade remota, mas um risco
efetivo:

a proporcionalidade entre os dois setores [industrial e agrícola] é necessária


em todas as circunstâncias, mas é sempre exposta ao risco de ser rompida,
ora pelo êxodo rural, que subtrai força de trabalho da agricultura e a oferece à
indústria, ora pelo desenvolvimento científico e tecnológico urbano, que
facilita o aumento da produtividade da indústria. O produto da indústria tende
então a crescer mais rapidamente que o da agricultura, porque, na indústria, o
número de produtores e a massa de produto por unidade produtiva cresce
mais rapidamente que na agricultura. (Ibidem, p. 449)

Essa tendência, porém, não representava grande perigo durante a “fase mercantil
simples”, em virtude da alta taxa de mortalidade urbana e das dificuldades de
abastecimento (tanto de matérias-primas quanto de meios de subsistência) – o que
significava um obstáculo ao próprio desenvolvimento da indústria. Mas quando se passa
à produção capitalista propriamente dita, o quadro seria de todo diverso.

Na produção capitalista as possibilidades de aumento da produtividade industrial


(frente à produtividade agrícola) seriam imensamente potencializadas: primeiro, porque
o capitalista não se importa com as condições de vida dos produtores diretos,
diversamente do que ocorria anteriormente, sendo possível estender a jornada de
trabalho dos trabalhadores individuais; segundo, porque pode aumentar sua massa de
lucros (termos do autor) pelo aumento de trabalhadores empregados – e ainda mais pela
reunião desses trabalhadores em um mesmo local; terceiro, porque as possibilidades de
aumento da produtividade agrícola são imensamente mais limitadas pela própria
disponibilidade de terras, o que é ainda agravado pelas possibilidades de o capital
acumulado no campo ser empregado alternativamente sob forma de ações, na indústria
ou nas ferrovias (Ibidem, p. 451); por fim, porque o progresso tecnológico tem efeitos
muito diversos sobre a indústria e a agricultura, na medida em que gera nesta uma

88
“O ponto de partida e a base de todo o processo permanece sempre na agricultura, incluindo aí a
silvicultura. Compete a ela fornecer os meios de subsistência necessários e também uma grande parte das
matérias-primas, para que ocorra a atividade industrial. Por outro lado, pelo menos em condições
primitivas, a agricultura pode, durante algum tempo, produzir menos do que a indústria necessita; o
contrário, no entanto, não pode ocorrer” (Ibidem, p. 448).

79
redução no número de trabalhadores que não é apenas relativa, como na indústria, mas
absoluta. Por outro lado, observa Kautsky, na medida em que evolui, a indústria se vê
frente a um problema inusitado do ponto de vista da produção agrícola, a dificuldade de
realização de suas mercadorias, ocasionada pela concorrência.

Tomando em seu conjunto todos esses fatores, conclui Kautsky (2002, p. 455),
configura-se “a tendência, dentro de um determinado território, para o desenvolvimento
mais rápido da produção industrial que da produção agrícola”, cujo efeito não poderia
ser senão crises periódicas de superprodução capazes de restabelecer o equilíbrio entre
os setores da produção. Com isso, chegamos, enfim, ao ponto no qual se pode falar em
imperialismo.

Já quando observava a economia em sua “fase mercantil simples”, Kautsky


sugere que, face ao risco de crises, uma possibilidade sempre presente seria aquela
representada pela “política colonial”, que consistiria na subsunção e no “saque” aos
camponeses. É esse mesmo princípio que, na base da produção capitalista avançada, se
manifestaria sob a forma do imperialismo, que para Kautsky nada mais era que “o
impulso de todas as nações capitalistas industriais a submeter e anexar regiões agrárias
cada vez mais vastas, independentemente da nacionalidade dos povos que as habitam”
(Ibidem, p. 444).

De acordo com Kautsky, o imperialismo estaria para o capitalismo desenvolvido


do início do século XX, como o liberalismo estava para o capitalismo do século XIX.
Em seu argumento, o livre comércio havia sido o meio pelo qual a Grã-Bretanha
conseguiu acessar o território agrícola estrangeiro ao mesmo tempo em que supria sua
demanda. Quando, porém, a produção industrial se disseminou entre outros Estados, a
política liberal teria dado lugar ao protecionismo e aberto, assim, um movimento de
competição internacional pelo controle das regiões agrícolas do mundo. Isso significa
que o imperialismo teria como consequência, em primeiro lugar, a submissão do mundo
agrícola aos Estados capitalistas, os quais precisariam, para manter suas condições de
acumulação, impedir o desenvolvimento industrial desses territórios:

o desejo de evitar que isso [o desenvolvimento industrial] ocorra, torna-se


agora, para os Estados capitalistas, uma razão a mais para submeter
diretamente (como colônia) ou indiretamente (como esfera de influência) os
territórios agrários, para impedir que desenvolvam uma indústria própria e
forçá-los a limitar-se exclusivamente à produção agrícola. (Ibidem, p. 459)

80
Em segundo lugar, o imperialismo suscitaria o acirramento da rivalidade entre os
Estados capitalistas industriais. Essa rivalidade não se limitaria, é claro, ao âmbito
comercial, estaria na origem do militarismo e da tendência ao conflito aberto entre esses
Estados, que de fato teria se concretizado na guerra mundial que eclodiu por volta do
mesmo período em que Kautsky publicava seu principal ensaio sobre o imperialismo.

O fato de que a política imperialista tivesse sido gestada pelo próprio livre-
comércio não impeliu Kautsky a tomá-la como inevitável, no entanto. O conceito mais
conhecido do autor, o de ultraimperialismo, foi cunhado justamente como forma de
demonstrar que o desenvolvimento da própria política imperialista apontava para outra
direção. Segundo ele, os efeitos negativos da guerra sobre a atividade comercial e os
elevados gastos que essa política requer tornavam o imperialismo insustentável, embora
tais efeitos não ameaçassem o capitalismo em si. O desfecho histórico mais provável
seria, efetivamente, o fim das animosidades internacionais, um armistício ou, mais
ainda, um alinhamento propriamente dito das potências imperialistas mais fortes. Com o
ultraimperialismo nada se alteraria no destino dos territórios agrícolas, que
permaneceriam submissos aos interesses dos Estados capitalistas industriais, mas
cessariam, ainda assim, as ameaças de guerra provocadas pela política imperialista.

A posição de Kautsky a respeito da contingência da política imperialista


empurrou-o, como posteriormente também Hilferding, rumo a uma posição cada vez
mais distante das perspectivas revolucionárias na Europa das décadas de 1910/20.
Como veremos adiante, a partir daí – e particularmente depois de sua opção pelo não
posicionamento antibelicista quando da eclosão da Primeira Guerra – sua relação com
Lênin (que tinha sido anteriormente seu admirador) se romperia para nunca mais se
restaurar. Para que possamos entender melhor os termos desse debate, bem como suas
consequências, vejamos antes o modo pelo qual se sistematiza a principal corrente
analítica do imperialismo, chefiada sobretudo por Lênin.

2.2.3. A “linha principal” da teoria clássica: Bukharin e Lênin

Tanto Lênin quanto Bukharin compartilharam da noção de Hilferding segundo a


qual o capitalismo atravessava agora outra fase, marcada pelo fim da livre-concorrência
81
e denominada alternativamente como “capitalismo monopolista”, “capitalismo
financeiro” ou simplesmente, como fez Lênin, “imperialismo”. Assim, os pontos de
mais notória confluência dessas análises foram a ênfase na “restrição da concorrência” e
no papel desempenhado pelos bancos, que conduzia ao conceito de capital financeiro,
igualmente aceito por Bukharin e Lênin.

Posto que o problema tratado pela teoria do imperialismo remete diretamente à


existência de um sistema de relações entre os Estados nacionais (capitalistas e não-
capitalistas), o trabalho de Bukharin tem o mérito de partir de uma descrição do
desenvolvimento da economia mundial – entendida como a formação de um todo social
que interliga a produção material dos mais distantes pontos do planeta. 89 Do mesmo
modo como Marx havia visto na troca o modo particular pelo qual o trabalho privado de
cada partícipe da sociedade se torna parte do trabalho social, a formação da economia
mundial mostraria como, pelo estreitamento das relações econômicas entre países,
determinar-se-ia uma divisão internacional do trabalho. 90 A divisão internacional do
trabalho poria em contato as diversas unidades produtivas, fosse de forma direta ou
indireta, através de modos mais simples (como o intercâmbio direto no mercado
mundial) ou mais complexos (como os empréstimos internacionais, o investimento no
estrangeiro, os fluxos migratórios etc.), mas seu resultado seria sempre um só: a
consolidação da economia mundial.

Por isso, uma vez que as forças produtivas atinjam certo grau de maturidade,
Bukharin imagina que a economia mundial se torne progressivamente mais importante.
Desse modo, pari passu ao desenvolvimento do capitalismo ocorre o desenvolvimento
da própria economia mundial, de uma parte com a ampliação extensiva dos laços
econômicos, incluindo mais e mais novas regiões anteriormente marginais ao sistema
capitalista; e, de outra, com a ampliação intensiva das relações, que se daria pela
multiplicação e concentração das relações econômicas entre regiões capitalistas. Como
desenvolvimento da economia capitalista, as relações econômicas assim postas em
plano mundial seriam não só de complementaridade na produção, como, é claro, de
89
Cf. Bukharin (1988, p. 24).
90
Por sua vez, a divisão internacional do trabalho seria determinada pelas possibilidades de produção das
diferentes regiões, de acordo com as forças naturais ali presentes, mas também, e principalmente, com o
crescimento desigual das forças produtivas com base em questões sociais, na sua estrutura econômica e
cultural. Cf. Bukharin (1988, p. 18-19).

82
concorrência entre produtores. Assim, ao contrário do que afirmavam as imagens
idílicas da Economia Política Clássica, a economia mundial internacionalizaria a
concorrência capitalista e sua “estrutura anárquica”, resultando em crises industriais e
em rivalidades e guerras entre as distintas nações (Ibidem, p.47-8).

Inseridas no mercado mundial, as diversas nações capitalistas deveriam se


empenhar na árdua tarefa da concorrência cotidiana, valendo-se para tanto de todas as
armas de que dispusessem – em termos econômicos: tarifas protecionistas e incentivos à
produção interna; exportação de capital, sob a forma produtiva ou aproveitando-se da
mobilidade que possui sob a forma capital-dinheiro (como empréstimos internacionais
ou aplicações em bolsa).

Desnudamos os três objetivos essenciais da política de conquista dos Estados


capitalistas contemporâneos: o agravamento da concorrência pela posse dos
escoadouros de mercadorias, dos mercados de matérias-primas e das esferas
de investimento de capital – eis a que conduziram o novo desenvolvimento
do capitalismo e sua transformação em capital financeiro. Ora, no fundo,
essas três raízes da política do capitalismo financeiro são apenas três
aspectos de um mesmo fenômeno: o conflito entre o desenvolvimento das
forças produtivas e a limitação nacional da organização da produção.
(BUKHARIN, 1988, p. 95. Grifos do original.)

Ora, a política dos Estados capitalistas contemporâneos, para Bukharin, é o


imperialismo. Desse modo, Bukharin, seguindo a tradição dos autores já discutidos,
caracteriza o imperialismo como uma política nacional expansionista (e a ideologia que
a acompanhava), mesmo que ele deixe claro que nem toda política expansionista seja
imperialista (BUKHARIN, 1988, p. 107). Além disso, duas questões centrais emergem
aqui: primeiramente, na passagem supracitada, o imperialismo está explicitamente
associado às transformações que converteram o capitalismo em capital financeiro; em
segundo, a concorrência entre capitais na economia mundial é apresentada como
concorrência entre Estados nacionais.

Começando pela segunda questão, é preciso observar que do processo de


“internacionalização” da vida econômica, resulta, nessa perspectiva, igualmente seu
contrário, ou seja, o aumento de importância das nações. A internacionalização da
economia tornaria, então, tanto mais importante o caráter nacionalmente localizado do
capital, na medida em que a utilização do Estado cresce em importância na concorrência
capitalista.

83
Como observaram outros antes de Bukharin, a política imperialista se destina a
abrir mercados seja pela imposição da força econômica ou, quando necessário, pela
força extraeconômica, isto é, pelas relações diplomáticas e pelo poderio militar.
Levanta-se com isso a questão da estreita relação das esferas política e econômica aí
suposta.

Efetivamente, segundo Bukharin (1988, p. 57), o “processo de constituição dos


Estados modernos, como forma política determinada, engendrou-se segundo
experiências e necessidades econômicas”, o que, em sua concepção, significa que o
“Estado desenvolveu-se sobre determinada base econômica e constituiu-se apenas como
a expressão de relações econômicas”. Outro texto, escrito pelo autor no mesmo período,
é ainda mais incisivo:

do ponto de vista marxista, o estado não é nada mais que a organização geral da classe
dominante, sendo sua função básica preservar e expandir a exploração das classes
oprimidas. O estado é uma relação entre pessoas – uma relação de dominação, poder e
escravização. [...] O chicote não existe para beneficiar os cavalheiros, mas para educar
os escravos – essa é a tese da ciência burguesa em nossos dias. É claro, na realidade as
coisas são bem diferentes. Na medida em que as organizações de poder do estado são
construídas de acordo com um plano e que são conscientemente reguladas (algo que
ocorre apenas a partir de certo estágio do desenvolvimento do estado), na medida, em
outras palavras, que se pode falar em um propósito do estado, esse propósito deve
corresponder aos interesses das classes dominantes e apenas aos seus interesses.91
(BUKHARIN, 1982, p.8-9. Tradução nossa.)

Como veremos adiante, a teoria do Estado, isto é, a concepção de Estado


subjacente às teorias do imperialismo, será um dos pontos de mais incisiva crítica que as
teorias clássicas do imperialismo sofreriam, particularmente por tomar de modo
excessivamente direto as relações entre dominação política da classe burguesa e o
Estado capitalista.

91
E continua o autor: “Essa situação não é de modo algum contrariada pelo fato de que o estado satisfaz,
e ele satisfez, uma variedade de funções socialmente úteis. Estas são simplesmente condições necessárias,
conditio sine qua non para a existência do poder estatal. Assim, as ‘atividades socialmente úteis’ do
estado são essencialmente as condições para prolongar e promover ao máximo a exploração das classes
escravizadas da sociedade contemporânea, acima de todas, o proletariado” (BUKHARIN, 1982, p. 9.
Tradução nossa.). É difícil dizer até que ponto a analogia de Bukharin quanto à “escravidão” não foi
levada longe demais nas passagens – assumindo que o autor desejava estabelecer, de fato, apenas uma
analogia. Mesmo sem pretender entrar no árido terreno da teoria do Estado, por demais complexo para
ser abordado nesse momento, há que se notar que uma teoria na qual o Estado é encarado simplesmente
como um “feitor” do povo, pode ser facilmente apropriada pelo pensamento liberal burguês. De todo
modo, talvez resida parcialmente nisso a polêmica que o artigo gerou inicialmente com Lênin, que teria
rejeitado sua publicação em virtude de suas “consequências anarquizantes”. Cf. Galissot (1989, p. 211 et
seq.).

84
Deixando esse ponto de lado por enquanto, é importante destacar que, na
passagem supracitada, Bukharin considera que seria possível em cada “fase” por que
passou o capitalismo identificar o tipo de política que lhe seria adequada: em seus
primórdios, na época do “capitalismo comercial”, saudou-se com bons olhos a
intervenção estatal, interna e externamente, e tornou-se prática a política mercantilista;
em sua “fase industrial”, a política do capital tornou-se oposta, condenando qualquer
interferência estatal e adotando o liberalismo; por fim, chegava-se à era do “capital
financeiro”, cuja forma política não era outra senão o imperialismo – uma era na qual
não somente o Estado recuperava seus poderes e suas funções, mas na qual o Estado
absorveria todas as outras formas de organização do capital, tornando-se sua única
organização universal. 92 Em outras palavras, de acordo com Bukharin, os interesses do
Estado refletiam sempre os interesses da classe dominante, mas naquele período em
particular – na era do capital financeiro – havia uma tendência ainda mais forte, a qual
transformava toda a economia nacional em um truste capitalista nacional.

É justamente aqui que se deve voltar à questão de que o imperialismo fosse tido
como a política própria ao capital financeiro. Bukharin (1988, p.111) define o truste
capitalista nacional como o momento em que “a economia do país transforma-se em
gigantesco truste combinado, cujos acionistas são os grupos financeiros e o Estado”.
Seguindo Hilferding de perto, ele argumenta que o desenvolvimento lógico dos
processos de concentração e centralização de capital é a supressão da concorrência e a
formação dos trustes e cartéis capitalistas, em virtude do movimento desencadeado com
a supressão e anexação dos capitais mais fracos. No comando deste processo se
colocaria o capital bancário e, por meio deste, os interesses dos distintos trustes
capitalistas de uma nação homogeneizar-se-iam sob os auspícios do capital financeiro.

Segundo Bukharin, a concorrência entre trustes capitalistas nacionais atinge seu


ponto máximo na concorrência entre nações, uma batalha travada no mercado mundial –
quando não nos campos de guerra propriamente ditos. A ampliação do raio de atuação
dos trustes nacionais se torna o alvo principal da nação, e o imperialismo sua forma

92
Cf. Bukharin (1982, p. 28 et seq.). Particularmente sobre o último ponto, diz Bukharin (1982, p. 28):
“se o liberalismo e o capitalismo industrial eram a negação do mercantilismo e do capital comercial, então
o imperialismo, tendo o capitalismo financeiro como sua base, é a negação da negação do ponto de vista
do desenvolvimento das funções do poder estatal”.

85
política, uma política de conquista, cujos resultados seriam novamente a “anexação” das
economias mais fracas, formando o que o autor chamou de unidade econômica
combinada.

Também no caso de Lênin o ponto de partida para o estudo do imperialismo foi


a supressão da livre-concorrência e chegada a uma nova fase do capitalismo. Nos
primeiros capítulos de Imperialismo, fase superior do capitalismo, ele se esforça
amplamente para demonstrar com dados o modo como os processos de concentração e
centralização haviam desencadeado a criação dos monopólios e como este se
relacionava com a mudança no papel dos bancos e da “oligarquia financeira”. Todas
essas questões, entre outras, foram resumidas na definição de Lênin de imperialismo –
que acabou por tornar-se, provavelmente, a mais clássica sobre o assunto:

sem esquecer o caráter condicional e relativo de todas as definições em geral,


que nunca podem abranger, em todos os seus aspectos, as múltiplas relações
de um fenômeno no seu completo desenvolvimento, convém dar uma
definição do imperialismo que inclua os cinco traços fundamentais seguintes:
1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de
desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel
decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital
industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro” da oligarquia
financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de
mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação
de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o
mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as
potências capitalistas mais importantes. O imperialismo é o capitalismo na
fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios
e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de
capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou
a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes.
(LÊNIN, 1979, p. 641-2. Grifos nossos.)

Aqui a base do raciocínio leniniano é certamente o capital financeiro de


Hilferding, mas é fundamental perceber o que há de diverso em sua apresentação. O
aspecto mais importante dessa diversidade é a negação do imperialismo como uma
política. Ao contrário, como já era anunciado no título da obra, Lênin chama de
imperialismo a nova fase de desenvolvimento do capitalismo – aliás, não só uma nova
fase, mas sua fase superior. Uma breve digressão sobre o sentido que Lênin queria
atribuir a esta expressão faz-se necessária aqui.

Segundo Andreucci (1984, p. 274), a primeira edição do livro, datada de 1917,


intitulou-se “Imperialismo, etapa mais recente do capitalismo (ensaio popular)”.
Considerado como a fase contemporânea do capitalismo, o conceito de imperialismo
86
registraria “apenas” as mudanças internas do modo de produção capitalista no início do
século XX e deixaria espaço para a rediscussão da contemporaneidade conforme essa
mesma fosse se alterando. De outro modo, quando qualificado como fase superior do
capitalismo, o imperialismo pôde mais facilmente ser entendido como parada terminal
desse modo de produção – ideia que, na narrativa de Lênin, é reforçada por
considerações como aquela segundo a qual nessa fase o capitalismo já se encontra “em
decomposição” (como veremos melhor adiante).

Seja como for, é importante ter em mente certos fatos para a discussão desse
assunto. Primeiro, Lênin aprovou ambas as formas dadas ao título. 93 Isso dá a entender,
nos parece, que o autor muito provavelmente considerava as duas formas como
realmente intercambiáveis ou, ao menos, igualmente apropriadas. Logo, a “questão” em
torno do título só se torna de fato uma questão a partir do debate que se estabelece entre
os leitores de sua obra. Há, porém, outra parte do subtítulo original que deveria ser
considerada ao menos tão elucidativa quanto o título, a saber, a expressão “ensaio
popular”. Em outras palavras, caso se pretenda discutir, partindo de seu título, em que
medida a teoria de Lênin apresentava um caráter teleológico (isto é, uma visão fatalista
da história), então parece que não se deveria perder de vista que o texto foi escrito como
um panfleto. Sem pretender com isso diminuir sua obra, torna-se necessário tomar com
mais reservas certas afirmações mais taxativas ali presentes.

Voltando ao tema principal que nos ocupa por hora, percebe-se então o porquê
de a definição de Lênin sobre o imperialismo parecer tão ampla (quando afirma que tal
definição deve incluir os suprarreferidos pontos). Para Lênin, definir o imperialismo era
definir toda uma época particular do capitalismo. 94 Para ele, a política de expansão

93
Andreucci (1984, p. 274-275) nota que, se se observa os títulos em diversas línguas, autorizados por
Lênin em pessoa na década de 1920, vê-se que ambas as formas encontraram respaldo do autor.
Andreucci ainda examina brevemente as circunstâncias que cercaram a publicação do opúsculo e registra
que se alguma coisa preocupava Lênin com relação ao título da obra era o problema de utilizar a palavra
“Imperialismo” ou, por conta da censura russa, substituí-la por “características fundamentais do
capitalismo de hoje”. Sobre essa questão, consultar também a bibliografia citada em Sotelo Valencia
(2009, p.184).
94
Não é possível, por isso, concordar inteiramente com certos críticos para os quais a definição de Lênin
era excessivamente esquemática. Por exemplo, em Brewer (1990, p. 117. Tradução nossa.), que
(des)qualifica seu trabalho primordialmente como um panfleto político destinado a combater Kautsky, lê-
se: “o método básico de Lênin foi definir uma série de correntes ou tendências [trends or tendencies] no
desenvolvimento do capitalismo no período em que escrevia e documentar cada uma com evidência
factual. [...] O problema com esse método é que cada tendência é descrita separadamente e suas

87
territorial desse período, por outros definida como imperialismo, seria apenas um
aspecto – certamente um dos mais importantes, mas ainda assim apenas um aspecto e
cuja existência dever-se-ia à associação cada vez maior entre capitais.

Como visto no item (3) da caracterização do imperialismo de Lênin, para ele o


desenvolvimento dos monopólios fazia crescer em importância a exportação de capitais.
Essa tendência não fora capturada apenas por ele, mas é curioso observar como sua
explicação para tal fenômeno difere daquelas de Hilferding e Bukharin e é notavelmente
mais próxima das de Hobson e (mesmo) de Kautsky. Isso porque, segundo Lênin (1979,
p. 621-622), a exportação de capital ganha relevância aqui especialmente em virtude do
caráter desigual que acomete o desenvolvimento dos distintos ramos e dos distintos
países sob o modo de produção capitalista: assim como em Hobson, a união
monopolista de capitais criaria um enorme “excedente de capital” nos países mais
desenvolvidos. E, assim como Kautsky, o fato de que a indústria se desenvolve com
velocidade superior à agricultura torna-se necessário ao capital buscar aplicações
lucrativas nas regiões “atrasadas” do mundo. 95

Frequentemente destaca-se que esse ponto da teoria leninista contém o que se


considera ser uma das principais “descobertas teóricas” atribuídas ao autor: o conceito
de desenvolvimento desigual. 96 Não é nossa intenção retomar aqui o debate sobre os
rumos e a importância que tal conceito viria a adquirir, no entanto convém observar que
a formulação, ainda que breve, de Lênin baliza grande parte do que se debateu
posteriormente: de um lado, ele adverte que a maciça exportação de capital forneceu
“uma sólida base para o jugo e exploração imperialista da maioria dos países e nações

interconexões são examinadas apenas de passagem ou em seções polêmicas dirigidas contra Kautsky”.
Talvez as críticas de Brewer não sejam de todo injustificadas, mas julga-se que é francamente equivocado
afirmar, tal como ele faz, que a teoria de Lênin não mostra como essas tendências se ligam dentro de um
movimento desencadeado pela monopolização da economia – tida por Lênin como a primeira e mais
importante das tendências encontradas – razão pela qual afirma que “se for necessário dar uma definição
o mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do
capitalismo” (LÊNIN, 1979, p. 641). Aliás, tanto não é difícil perceber a ligação entre as cinco tendências
apontadas por Lênin naquela definição que elas foram de algum modo percebidas pelos principais autores
que o antecederam, inclusive naqueles em que ele declaradamente se apoia, i.e. Hobson e Hilferding.
95
Vale observar, no entanto, que as coincidências com Kautsky param por aí. Lênin (1979, p. 642 et seq.)
se dedica a proceder quase que numa exegese crítica do pensamento de Kautsky e, particularmente, rejeita
a ideia de que o imperialismo se trate da anexação de regiões agrárias. Voltaremos a essa questão na
próxima seção deste capítulo.
96
Cf. Callinicos (2009, p. 64).

88
do mundo, para o parasitismo capitalista de um punhado de Estados riquíssimos”
(LÊNIN, 1979, p. 622); de outro, o autor considera a inversão capitalista no estrangeiro
sob o prisma de acelerar o desenvolvimento daquelas regiões: “a exportação de capitais
repercute-se no desenvolvimento do capitalismo dentro dos países em que são
investidos, acelerando-o extraordinariamente”.97 (Ibidem, p. 623)

O desenvolvimento desigual e a exportação de capital mostram qual a política


internacional do capital financeiro: a partilha do mundo pelas grandes potências
imperialistas, nos termos de Lênin. De acordo com o autor, a simples ligação entre os
mercados interno e externo dos países capitalistas, estabelecida já com o
desenvolvimento do mercado mundial antes mesmo do capitalismo financeiro, cria
condições vantajosas para a partilha do mundo pelo capital, que busca controlar as
fontes de matérias-primas, suprimir a concorrência, ampliar os trustes e cartéis
internacionais.

O traço característico do período imperialista – expresso no item (5) da definição


supracitada de Lênin –, todavia, é que essa tendência expansiva é imensamente
potencializada justo em um momento em que não mais havia territórios livres de
domínio. Por um lado, isso daria lugar a outras formas de controle do capital financeiro
sobre os territórios menos desenvolvidos:

ao falar da política colonial da época do imperialismo capitalista, é necessário


notar que o capital financeiro e a correspondente política internacional, que
se traduz na luta das grandes potências pela partilha econômica e política do
mundo, originam abundantes formas transitórias de dependência estatal. Para
esta época são típicos não só os dois grupos fundamentais de países – os que
possuem colônias e as colônias –, mas também as formas variadas de países
dependentes que, dum ponto de vista formal, político, gozam de
independência, mas que na realidade se encontram envolvidos nas malhas da
dependência financeira e diplomática. 98 (LÊNIN, 1979, p. 639)

97
Lênin (1979, p. 623) prossegue observando que “se, em consequência disso, a referida exportação
pode, até certo ponto, ocasionar uma estagnação do desenvolvimento nos países exportadores, isso só
pode ter lugar em troca de um alargamento e de um aprofundamento maiores do desenvolvimento do
capitalismo em todo o mundo”. Segundo ele, os países desenvolvidos dispõem de instrumentos para se
beneficiar de tal arranjo, criando cláusulas para os empréstimos, forçando os hospedeiros de seu capital a
adquirir suas mercadorias etc.
98
Segundo Lênin (1979, p. 636) essa forma de domínio, mantendo a independência formal, não seria a
forma “mais cômoda” para a política imperialista no período, mas aquela que acaba por emergir em um
momento no qual o “resto do mundo já se encontrava repartido”. Vale observar, no entanto, que ainda
admitindo que o autor tenha razão no que tange a época que analisou, sua observação contribuiu em
grande medida para formulações mais recentes sobre imperialismo. Sua discussão remete particularmente
à teoria da dependência, desenvolvida na América Latina na década de 1970, e ao debate mais recente de
“império informal”, como desenvolvido por Panitch & Gindin (2006).

89
Por outro lado, a busca de expansão territorial do capital não exclui nunca a
possibilidade de repartilha e conduz, dessa forma, ao conflito de interesses e ao
acirramento da rivalidade entre as potências capitalistas. Estariam aí as razões para a
escalada do militarismo, a corrida armamentista e, é claro, a guerra entre as nações.

Duas questões encerram a visão de Lênin e com ela essa seção do capítulo. A
primeira diz respeito à qualificação do monopólio como uma forma “parasitária” do
capital que denotaria a “decomposição” do modo de produção capitalista. A associação
entre imperialismo e o “parasitismo” remete diretamente a Hobson. 99 Seguindo uma
tradição de progressistas britânicos, particularmente aqueles ligados ao movimento
fabiano, Hobson havia desde o fim do século XIX adotado essa analogia biológica para
descrever a sociedade inglesa. 100 Sua ideia básica era que os ricos ingleses se tornavam
cada vez mais uma “classe parasitária”, a qual nada produzia, mas se alimentava das
demais camadas da sociedade. Em sua análise do imperialismo, Hobson primeiro
estabelece o “parasitismo econômico” da classe dos rentiers, especialmente dos
financistas, a partir de sua oposição com a indústria. 101 Contudo, posta no comando da
nação, essa classe era capaz de determinar os rumos da política internacional: o
imperialismo seria, em si, uma política parasitária para obter ganhos (não merecidos)
com o prejuízo de outras nações. Hobson acreditava ainda que, como um ganho indébito
e danoso à sociedade, o parasitismo levava à “atrofia”: “o fim lógico de uma sociedade
que vive de uma renda não merecida seria a morte por sua gula, ou por inabilidade para
digerir e assimilar sua comida” (HOBSON apud CAIN, 2002, p.41. Tradução nossa.).

Lênin (1979, p. 649 et seq.) caminha exatamente no mesmo sentido de Hobson,


valendo-se do conceito de rentier para marcar o parasitismo do capital, especialmente
em sua fase imperialista. Nesse período, acentuar-se-iam os ganhos rentistas, tornados
regra não só para uma camada da sociedade, mas para o próprio Estado:

99
Cf. Hobson (2005, cap. 4).
100
Cf. Cain (2002, p. 40). A Sociedade Fabiana era um grupo de intelectuais ingleses, criada no fim do
século XIX, do qual faziam parte, entre outros, Bernard Shaw, Sydney Webb e Beatrice Webb. O grupo
começou um movimento inspirado no socialismo utópico cuja ideia principal era lutar por um socialismo-
democrático que pudesse ser atingido sem a necessidade de revoluções. Cf. Teixeira (2002, p. 321,
passim).
101
Cf. Hobson (2005, p. 46 et seq.).

90
a exportação de capitais, uma das bases econômicas mais essenciais do
imperialismo, acentua ainda mais este divórcio completo entre o setor dos
rentiers e a produção, imprime urna marca de parasitismo a todo o país, que
vive da exploração do trabalho de uns quantos países e colônias do ultramar.
(Ibidem, p. 650)

Lênin caracteriza, por isso, como “Estados-rentier” ou Estados usurários as


grandes potências imperialistas capazes de impor seus ganhos a todos os demais
Estados do mundo. Sinteticamente, essa perspectiva sugere que o capitalismo se
apresentava agora como capitalismo parasitário porque criava a tendência para
“dominação em vez da tendência para a liberdade, a exploração de um número cada vez
maior de nações pequenas ou fracas por um punhado de nações riquíssimas ou muito
fortes” (Ibidem, p. 668). Mais uma vez na passagem citada, fica evidente por que em
Lênin o problema do desenvolvimento desigual se coloca com maior força que em
qualquer outro marxista até então. Entre outras razões, a importância adquirida pela
busca de aprofundar suas considerações sobre o desenvolvimento desigual seria central
para entender a preponderância da formulação leniniana do imperialismo sobre as
demais – apontando, assim, para um dos principais caminhos de desenvolvimento
posterior da teoria do imperialismo (ver o capítulo 4 desta tese, adiante).

Em simultâneo, Lênin considera que o próprio parasitismo é também o


prenúncio da “decomposição” da sociedade capitalista. Segundo ele, ao permitir alterar
o modo como são fixados os preços, o monopólio elimina os estímulos ao progresso
técnico, criando assim uma tendência à “decomposição” e à “estagnação” (Ibidem, p.
649).102

102
A descrição que Lênin estabelece aí do imperialismo é de um “capitalismo agonizante”, em suas
próprias palavras, e nos remete novamente à questão da socialização da produção posta pela
monopolização e ao debate sobre até que ponto essas descrições do imperialismo são teleológicas. A esse
respeito, vale acrescentar que, de acordo com Lênin (1979, p. 668), “seria um erro pensar que esta
tendência para a decomposição exclui o rápido crescimento do capitalismo. Não; certos ramos industriais,
certos setores da burguesia, certos países, manifestam, na época do imperialismo, com maior ou menor
intensidade, quer uma quer outra dessas tendências. No seu conjunto, o capitalismo cresce com uma
rapidez incomparavelmente maior do que antes, mas este crescimento não só é cada vez mais desigual
como a desigualdade se manifesta também, de modo particular, na decomposição dos países mais ricos
em capital (Inglaterra)”. Não obstante, ele acrescenta, pouco depois, “nos encontramos perante uma
socialização de produção, e não perante um simples ‘entrelaçamento’, percebe-se que as relações de
economia e de propriedade privadas constituem um invólucro que não corresponde já ao conteúdo, que
esse invólucro deve inevitavelmente decompor-se se a sua supressão for adiada artificialmente, que pode
permanecer em estado de decomposição durante um período relativamente longo (no pior dos casos, se a
cura do tumor oportunista se prolongar demasiado), mas que, de qualquer modo, será inelutavelmente

91
Por fim, a última questão a ser tratada diz respeito aos efeitos dessa formação de
Estados usurários sobre a classe trabalhadora. De acordo com Lênin, mais uma vez
valendo-se de Hobson, os ganhos provenientes da política parasitária no estrangeiro
permitem ao capital financeiro “comprar o apoio popular” e cooptar certas camadas da
classe trabalhadora. Uma vez que a posição privilegiada de certas nações nas disputas
internacionais lhe garantia ganhos excepcionais, por meio da exploração de territórios
atrasados, e que uma parte (por menor que fosse) desses ganhos se dirigiria para uma
camada da classe trabalhadora, uma parte dessa classe, os oportunistas, como
qualificados por Lênin, passava a identificar seus interesses não com os trabalhadores
de todo o mundo – com os quais possuíam uma identidade substantiva de condições –,
mas com os interesses de suas respectivas burguesias nacionais, criando ao mesmo
tempo fissuras na organização trabalhadora e apoio para burguesia.

Para Lênin, essa tendência, embora central desde a perspectiva marxista, não era
em absoluto nova, como demonstraria uma carta escrita por Engels a Kautsky:

pergunta-me o que pensam os operários ingleses acerca da política colonial.


O mesmo que pensam da política em geral. Aqui não há um partido operário,
há apenas partido conservador e liberal-radical e os operários aproveitam-se,
juntamente com eles, com a maior tranquilidade do mundo, do monopólio
colonial da Inglaterra e do seu monopólio no mercado mundial. (ENGELS
apud LÊNIN, 1979, p. 655. Grifos nossos.)

Nesse sentido, o imperialismo criava o que, na perspectiva de Lênin, era um dos


maiores obstáculos à organização dos trabalhadores em prol da transformação social ao
impedir a conformação da identidade de classe trabalhadora: que sentido estaria
guardado à poderosa conclamação de Engels e Marx com que encerram o Manifesto
Comunista – “trabalhadores do mundo, uni-vos!” – se, ao invés, os trabalhadores
enxergassem nas fileiras da burguesia seus aliados, ainda que às custas de seus iguais
(em termos de classe) de outras partes do mundo? De todo modo, Lênin acreditou que o
oportunismo não poderia vencer, mesmo tendo presenciado a dilaceração do
internacionalismo durante a Primeira Guerra Mundial, que representa, de certo modo,
exatamente o problema ao qual o autor se dirigia. Não é por outra razão que, ao longo

suprimida”. Convém lembrar aqui mais uma vez, no entanto, que a proposta de Lênin era desde o início
que este fosse um “ensaio popular”.

92
de toda sua polêmica contra Kautsky, Lênin tenha se referido sempre a este pelo
adjetivo “oportunista”.

Retomaremos na seção 2.3 os problemas envolvidos no debate entre Kautsky e


Lênin. Antes, porém, é preciso olhar mais detidamente para a última linha de análise
que compõe esta teoria clássica: a perspectiva de Rosa Luxemburgo.

2.2.4. A necessidade de “esferas externas” e o imperialismo em Rosa Luxemburgo

Dissemos inicialmente que ao menos uma importante contribuição teórica ao


debate clássico não se enquadrava numa linha hereditária direta com relação a
Hilferding: a de Rosa Luxemburgo. Os principais autores até aqui analisados, viram no
imperialismo um fenômeno de algum modo ligado à existência de u ma nova fase no
modo de produção capitalista, colocando entre eles e a descrição de Marx do modo de
produção capitalista uma diferença levantada pela suposta mudança dos eventos
históricos. Luxemburgo, ainda mais decididamente que os outros, inicia o debate sobre
o imperialismo estabelecendo uma diferença com Marx. O que a fez divergir de Marx,
contudo, não seriam as mudanças verificadas no modo de produção capitalista, mas uma
suposta insuficiência da própria análise do autor.

O ponto de partida de Luxemburgo é o debate da teoria marxista das crises,


extraído diretamente dos esquemas de reprodução de Marx. Luxemburgo (1985) dedica
mais da metade de seu A acumulação de capital à sua análise dos esquemas, tomando
desde suas primeiras tentativas de interpretação, com o sistema fisiocrático, e de sua
forma mais elementar (a reprodução simples), até sua forma mais complexa (a
reprodução ampliada), como exposta no livro II de O capital. A autora se dedica com tal
afinco aos esquemas por tratá-los como um retrato da acumulação de capital, questão
principal de seu livro. 103

103
Escapa ao escopo do presente trabalho uma análise mais detalhada sobre a discussão de Luxemburgo
sobre os esquemas de reprodução. Por isso, limitar-nos-emos aqui a apresentar aqueles elementos que são
indispensáveis para sua teoria do imperialismo, tentando também nos esquivarmos dos amplos debates

93
Inicialmente, Luxemburgo (1985, cap. 1-4) se debruça sobre as análises
burguesas e a reprodução simples apenas para mostrar a insuficiência destas em dar
conta da produção capitalista, isto é, em explicar o modo pelo qual pode o capital de
uma sociedade crescer de um período a outro. As dificuldades, na opinião da autora,
começam a aparecer na análise de Marx quando trata da “circulação do dinheiro” e se
concretizam de fato com a análise da reprodução ampliada. Assim, de modo
ultrassintético, a grande preocupação de Luxemburgo é que os esquemas vinham sendo
utilizados por autores marxistas da época para dar a entender que seria possível uma
reprodução capitalista livre de crises – e, parecia-lhe, essa visão se amparava em um
equívoco do próprio Marx.

Luxemburgo observa que a reprodução ampliada é, por definição, a reaplicação


da mais-valia no processo produtivo tornando crescente a escala de produção, mas para
que tal coisa possa ocorrer deve se supor a realização prévia das mercadorias que
encerram tal mais-valia, e essas circunstâncias não estavam dadas no esquema
marxiano. O argumento da autora é que olhando para o esquema do modo como Marx o
formulou, ter-se-ia que a acumulação de parte da mais valia implicava a redução do
consumo, o que por sua vez impediria que parte das mercadorias fosse realizada. Por
isso, mantida a hipótese de existirem apenas duas classes (capitalistas e trabalhadores) –
ou mesmo acrescentando, de modo genérico, uma categoria a mais de consumidores (as
“classes não-produtivas”) – o esquema seria incapaz de explicar a acumulação de
capital.

Ainda segundo Luxemburgo, Marx teria encontrado uma solução, segundo ela
ad hoc, para o problema: introduzir nos esquemas o “produtor de ouro”, como um deus
ex machina, capaz de criar recursos para viabilizar a acumulação. Todavia, essa
“solução” idealizada por Marx pouco ajudaria, já que levava a crer na possibilidade uma
reprodução harmônica do capital, eliminando as contradições do processo de
acumulação e findando por negar a própria teoria marxista. 104

críticos com relação à autora, que serão abordados apenas quando forem inevitáveis. Algumas
apreciações críticas sobre o tema dos esquemas de reprodução em Luxemburgo podem ser encontradas
em Bukharin (1976), Rosdolsky (2001, apêndice II a cap. 2; cap. 30), Carcanholo (1996, cap. 2).
104
“A ideia básica dessa concepção [de Marx no livro III] é a contradição imanente que existe entre a
capacidade de expansão ilimitada da produtividade e a capacidade de expansão limitada do consumo
social, dentro das condições capitalistas de distribuição. Conforme o esquema, não existe entre a

94
Por isso, de acordo com Luxemburgo, a resposta de Marx era insuficiente: o
resultado a que conduziam os esquemas de reprodução apontariam (corretamente) para
uma escassez de demanda, necessária para realizar a mais-valia acumulada, e não para
uma mera escassez de dinheiro. Portanto, o problema é que o equívoco de Marx seria
anterior, residindo na suposição, incorreta inclusive do ponto de vista histórico, de que a
acumulação se processava apenas com base no consumo de duas classes e que a
acumulação de capital se processava em um mundo plenamente capitalista. Dito de
outro modo, se assim fosse, tanto o mercado consumidor, quanto os elementos materiais
necessários à produção deveriam se encontrar no interior do modo de produção
capitalista. Mas, segundo Luxemburgo, a própria história ensinaria que isto não ocorre,
que a produção capitalista interage com a produção não-capitalista; mais que isso, que a
reprodução ampliada depende da capacidade do capital de se expandir incorporando as
esferas não-capitalistas do mundo. Em uma frase, a acumulação de capital dependeria,
necessariamente, de seu entrelaçamento com um mercado externo.105

A relação entre os movimentos internos e externos do capital constituem, para


Luxemburgo, a precondição obrigatória da produção capitalista. Ao mesmo tempo, a
busca incessante do capital por mercados externos faz ampliar a “colonização” do
mundo, por assim dizer, pela produção capitalista. Conforme o capital se expande para

produção de mais-valia e sua realização nenhuma contradição imanente mas, pelo contrário, uma
identidade imanente. No esquema, a mais-valia vem ao mundo de antemão, em sua forma natural e
adequada exclusivamente às necessidades da acumulação. [...] Com isso impõe-se a possibilidade de sua
realização, que é inerente ao próprio impulso de acumulação dos capitalistas. [...] Para o processo de
reprodução, tal qual o esquema o descreve, a capacidade de consumo da sociedade não constitui, portanto,
nenhum limite imposto à produção. [...] Porém, conforme a análise apresentada no volume III, ‘o mercado
tem de ser ampliado continuamente’, pois ‘o mercado’ deve transcender evidentemente o consumo dos
capitalistas e dos operários” (LUXEMBURGO, 1985a, p. 237).
105
“A partir daí podem ser revisados os conceitos de mercado interno e externo que tiveram papel
exponencial na polêmica em torno do problema teórico da acumulação. No intercâmbio capitalista interno
pode-se, no melhor dos casos, realizar apenas partes determinadas do produto social total: o capital
constante utilizado, o capital variável e a parte consumida da mais-valia. Em contrapartida, a parte da
mais-valia que é destinada à capitalização tem de ser realizada ‘externamente’. Apesar de a capitalização
da mais-valia ser o objetivo específico e a mola propulsora da produção, a renovação dos capitais
constante e variável (assim como da parte consumível da mais-valia) constitui, por outro lado, a base
ampla e pré-condição da produção. E se com o desenvolvimento internacional do capital a capitalização
da mais-valia se torna a cada instante mais urgente e precária, de modo absoluto enquanto massa, bem
como em relação à mais-valia, essa base de capital constante e variável, por sua vez, também se torna
cada vez maior. Daí o fato contraditório de os antigos países capitalistas representarem um para o outro,
mercados cada vez maiores e imprescindíveis, e se digladiarem ao mesmo tempo mais intempestivamente
na qualidade de concorrentes e em função de suas relações com os países não-capitalistas”.
(LUXEMBURGO, 1985a, p. 251-252)

95
dar vazão às contradições que criam sua tendência à crise, amplia-se a fração do globo
em que a produção opera de modo capitalista e – na medida em que também essas
regiões passam a depender de sua capacidade de expansão externa – amplia também a
rivalidade internacional. Tem-se aí um esboço da teoria do imperialismo de
Luxemburgo (1985, p. 305).

O imperialismo é a expressão política do processo de acumulação do capital,


em sua competição pelo domínio de áreas do globo ainda não conquistadas
pelo capital. Geograficamente essas áreas abrangem, mesmo hoje, vastas
regiões da Terra. Em comparação com a massa enorme de capital já
acumulado nos velhos países capitalistas, do capital que luta por encontrar
novos mercados para seu mais-produto e possibilidades de capitalização para
sua mais-valia, e em função da rapidez com que hoje se transformam as
culturas pré-capitalistas em capitalistas, ou, em outras palavras, em
comparação com o alto grau de desenvolvimento alcançado pelas forças
produtivas do capital, esse campo que lhe resta para a expansão parece
mínimo. É isso que determina a forma de atuação do capital internacional no
cenário mundial. Dado o grande desenvolvimento e a concorrência cada vez
mais violenta entre os países capitalistas na conquista das regiões não-
capitalistas, o imperialismo tanto aumenta em violência e energia seu
comportamento agressivo em relação ao mundo não-capitalista, como agrava
as contradições entre os países capitalistas concorrentes.

Ainda que a apreciação luxemburguiana da teoria de Marx seja, e não por mera
questão de “ortodoxia marxista”, severamente criticada, sua análise do imperialismo
como parte necessária da acumulação capitalista teve, também com razão, grande
influência. Antes de continuar a expor o argumento de Luxemburgo, algumas
considerações se fazem necessárias.

Primeiramente, sua explicação do imperialismo com base na “ausência de


demanda interna” ao capitalismo inseriu-a no rol das explicações ditas subconsumistas
para o imperialismo (ao lado de autores como Hobson e, de acordo com alguns autores,
Lênin).106 Em segundo lugar, é preciso notar que, embora se encontre nessa “dialética
entre o interno e o externo” a explicação de Luxemburgo para o imperialismo, não se
deve confundir as “esferas externas” do mundo, isto é, não-capitalistas, com as regiões
não-capitalistas do mundo. A partir desse ponto de vista, a produção capitalista requer
sim o recurso a setores ou esferas não-capitalistas, mas muitas vezes é possível que isso
ocorra, não pela expansão sobre regiões inteiras ainda excluídas desse modo de
produção, mas pela relação com “camadas sociais” não-capitalistas que podem existir

106
Cf. Brewer (1990, p. 119).

96
mesmo dentro de países e regiões já dominadas pelo capital. 107 A despeito dessa
segunda possibilidade, claro está que conforme se esgota o raio de atuação do capital se
tornaria cada vez mais necessário avançar sobre o mundo não-capitalista, destruindo as
“economias naturais”, para usar os termos da autora.

Mesmo fugindo ao escopo do presente trabalho um tratamento mais detalhado


dos problemas associados a essa tese (da qual Luxemburgo deriva a necessidade dessas
esferas externas) algumas críticas a esse respeito são indispensáveis. De modo bastante
sintético, a crítica de Luxemburgo à Marx é problemática porque, antes de tudo, a
abstração das “esferas externas” em Marx era, do ponto de vista metodológico,
consistente com o objeto de que tratava quando esboçou os “esquemas de reprodução”,
nos quais se baseia a autora.

Como apontou Rosdolsky (2001, p. 70), ao ocupar-se da circulação do capital


(objeto do Livro II, de O capital) Marx precisou abstrair não só das esferas externas do
capitalismo, mas também de inúmeras outras circunstâncias que perturbariam a análise.
O seu objeto ali ainda é tratado em um grau de abstração absolutamente incompatível
com o desejo de verificação empírica que Luxemburgo cobra dele. Aliás, esse ponto foi
destacado ainda no período dos debates internos da teoria clássica por Bukharin (1976,
p. 295-297), como veremos com maiores detalhes na próxima seção. Bukharin (1976, p.
322) acrescenta ainda que caso a necessidade de esferas externas fosse necessária para
explicar a expansão capitalista, tampouco Luxemburgo ofereceria resposta à questão já
que no momento da expansão colonial persistiam no interior das economias capitalistas
inúmeras esferas das quais o capital ainda não havia se apropriado.

Além disso, o argumento subconsumista de Luxemburgo é, em si, bastante


questionável. Como observa Carcanholo (1996, p. 97), a respeito da conclusão
subconsumista da autora:

na verdade, o que ela [Luxemburgo] não entendeu foi o papel que a


reprodução simples tem no estudo da reprodução ampliada. A primeira
ressalta o fato de que os capitalistas são obrigados a repor as condições de
produção para um novo período, além de consumirem improdutivamente a
mais-valia. Na reprodução ampliada, isto permanece, com a diferença de que

107
Como posto em certa altura de sua “anticrítica”, na qual Luxemburgo reafirma sua crítica ao esquema
marxiano: “todo mundo sabe que jamais houve, nem mesmo existe hoje, país algum em que só haja
produção capitalista, ou só existam capitalistas e trabalhadores assalariados”. (LUXEMBURGO, 1985b,
p. 338)

97
uma parte da mais-valia é acumulada. Assim, a diferença entre as duas se
apresenta no valor de uso que é comprado pela mais-valia. Os esquemas de
reprodução analisam a circulação de mercadorias, levando em consideração o
fato de que a mercadoria é uma unidade contraditória entre valor e valor de
uso. Assim, a realização das mercadorias seria um processo de realização não
só do valor, mas deste materializado em valores de uso específicos. Ao
privilegiar o aspecto quantitativo da realização, Rosa Luxemburgo não tratou
do seu aspecto qualitativo. Para os esquemas de reprodução, interessa a
análise do quanto é realizado e do que é comprado. Novamente, percebe-se a
incompreensão da autora do que é mercadoria singular. Isto a leva a perder de
vista as compras intersetoriais (consumo intermediário), que é o elo teórico
que lhe falta para entender o significado de que são os próprios capitalistas
que demandam a mais-valia.

De todo modo, voltando ao tema principal, o imperialismo em Rosa


Luxemburgo aparece como um processo de colonização capitalista do mundo. Sobre
esse processo deve-se observar que, segundo ela, apesar de depender da existência de
sociedades não-capitalistas a fim de viabilizar sua reprodução, a atuação do capital
sobre essas sociedades não pode ser senão destrutiva. Em si, a economia natural nada
teria a oferecer para o capital se não se apresentasse como mercado consumidor,
reservatório de força de trabalho e de recursos que lhe sirvam como meios de produção.
Logo, para se beneficiar dessas regiões, o capital precisa dissipar suas formas originais
de produção e implantar crescentemente ali formas que lhe sejam compatíveis.
Estabelecendo um paralelo com a forma de irrupção do modo de produção capitalista,
Luxemburgo vê na transformação imposta à economia natural um processo violento. A
exemplo do que ocorreu durante a acumulação primitiva, para se instaurar nos novos
territórios, o capital precisaria dizimar as formas anteriores de organização social, criar
a separação entre força de trabalho e meios de produção etc. 108

Isso explica por que o capitalismo considera de vital importância a


apropriação violenta dos principais meios de produção em terras coloniais.
Como as organizações sociais primitivas dos nativos constituem os baluartes
na defesa dessas sociedades, bem como as bases materiais de sua subsistência,
o capital serviu-se, de preferência, do método da destruição e da aniquilação
sistemáticas e planejadas dessas organizações sociais não-capitalistas, com as
quais entra em choque por força da expansão por ele pretendida. No caso, já
não se trata de acumulação primitiva, mas de um processo que prossegue
inclusive em nossos dias. Cada nova expansão colonial se faz acompanhar,
naturalmente, de uma guerra encarniçada dessas, do capital contra as relações

108
Luxemburgo (1985a, p. 254) sintetiza os objetivos econômicos perseguidos pelo capitalismo na luta
contra a economia natural: “1) Apossar-se diretamente das principais fontes de forças produtivas, tais
como terras, caça das florestas virgens, minérios, pedras preciosas e metais, produtos vegetais exóticos,
como a borracha etc.; 2) ‘Liberar’ força de trabalho e submetê-la ao capital, para o trabalho; 3) Introduzir
a economia mercantil; 4) Separar a agricultura do artesanato”.

98
econômico-sociais dos nativos, assim como pela desapropriação violenta de
seus meios de produção e pelo roubo de sua força de trabalho.
(LUXEMBURGO, 1985a, p. 254-5. Grifos nossos.)

Assim, a política colonial, de certo modo, repetiria a história do capitalismo. A


expansão territorial necessária à acumulação capitalista dissolve, pela força, as relações
sociais típicas da economia natural, implanta ali economias mercantis, que, nessa visão,
apresentam-se primeiro como “economias mercantis simples”, apenas para, mais uma
vez, destruir a economia camponesa assim formada e pôr em seu lugar a produção
capitalista propriamente dita.

Luxemburgo se ocupa longamente de esmiuçar os métodos pelos quais o


capitalismo realiza progressivamente essas transformações no mundo. Primeiramente, a
autora tenta mostrar que a destruição da economia natural não pode abster-se de utilizar
a força (Ibidem, p. 255). O capitalismo procederia, então, por meio de guerras violentas,
da imposição aos impostos extorsivos ou, por fim, da conquista territorial e submissão
de seus povos. Ao mesmo tempo, com a implantação ali de novos meios de transporte
(ferrovias, navegação e canais) e a abertura de novas rotas, cruzando esses territórios,
seria promovida a disseminação das trocas e da produção mercantil, necessária para que
essas regiões se transformassem em um mercado capaz de realizar a mais-valia das
nações capitalistas. Introduzidas as relações mercantis, a superioridade produtiva da
indústria capitalista, assim como a manutenção da “pressão tributária, o malbarato e
monopolização das terras do país”, selam a derrota da economia camponesa (Ibidem, p.
271-272). O resultado da dissolução da economia camponesa é a paulatina instauração
da produção propriamente capitalista.

Com isso, a tendência passaria a ser que essas regiões se engajassem na luta por
sua emancipação (capitalista) e por uma revolução de sua “estrutura estatal arcaica”, de
modo a pôr em seu lugar outra, mais adequada ao capitalismo. Quando chega a essa
fase, o capital faria dos empréstimos internacionais seu método principal de atuação.
Através desses empréstimos as nações capitalistas mais antigas transformariam em
capital o dinheiro de todas as camadas da sociedade e em capital produtivo o capital-
dinheiro ocioso, além de ser essa a melhor forma para as velhas nações “tutelarem”
(politicamente) esses novos Estados capitalistas. Historicamente, sugere Luxemburgo,

99
esta última etapa ocorre justamente no período imperialista ou fase imperialista da
acumulação.

Dessa forma, pode-se enfim completar o argumento de Luxemburgo. Como


observado anteriormente, o aspecto decisivo do conceito de “imperialismo” adotado por
ela é o caráter contraditório da acumulação capitalista que torna necessária sua expansão
sobre camadas e territórios não-capitalistas do mundo. Sem embargo, vê-se agora que a
autora crê também que seria possível caracterizar o início do século XX como um
período imperialista, entendido esse como um momento da acumulação capitalista por
ser “a fase da concorrência capitalista internacional [que] compreende a industrialização
e a emancipação capitalista das antigas zonas interioranas do capital em que este
processava a realização de sua mais-valia” (LUXEMBURGO, 1985a, p. 287).

A tônica da descrição luxemburguiana do período imperialista é a disputa


internacional pela aquisição dos cada vez mais escassos territórios não-capitalista e,
simultaneamente, a finalização da transição capitalista em certos Estados que faz
acirrarem-se as rivalidades entre as nações. A rivalidade internacional, então,
reafirmaria um dos aspectos da acumulação capitalista, a saber: o fato de que ela se
processa necessariamente de modo violento, se não por outra razão, em virtude da luta
contra as economias naturais. A esse respeito pondera a autora:

a acumulação de capital como um todo, como processo histórico concreto,


apresenta, pois, dois aspectos distintos. Um deles desenvolve-se nos centros
produtores da mais-valia – nas fábricas, nas minas, nas propriedades
agrícolas – e no mercado. Vista sob esse ângulo, a acumulação é um processo
puramente econômico – cuja fase mais importante se realiza entre os
capitalistas e os trabalhadores assalariados e cujas duas fases (no espaço
fabril e no mercado) desenvolvem-se exclusivamente dentro dos limites
estabelecidos pela troca de mercadorias e pela troca de equivalentes. [...] O
outro aspecto da acumulação de capital é o que se verifica entre o capital e as
formas de produção não-capitalistas. Seu palco é o cenário mundial. Como
métodos da política colonial reinam o sistema de empréstimos internacionais,
a política das esferas de influência e as guerras. Aí a violência aberta, a
fraude, a repressão e o saque aparecem sem disfarces, dificultando a
descoberta, sob esse emaranhado de atos de violência e provas de força, do
desenho das leis severas do processo econômico. (Ibidem, p. 308-309)

A violência seria, portanto, uma das faces necessárias da acumulação de capital,


mesmo que ocupasse papel apenas na relação entres as esferas interna e externa do
capitalismo. Mas é significativo que Luxemburgo tenha atribuído ao militarismo
também um papel econômico, para além da conquista e dissolução da economia natural.

100
Nesse sentido, é atribuído ao militarismo a capacidade de servir ao capital não apenas
por questões políticas, mas também na capacidade de criação de demanda e
consequentemente na redução da tendência que empurra para a crise as economias
capitalistas.109

Além disso, o fato de que na fase imperialista se complete a transição capitalista


dos novos Estados explicita a mais importante contradição da acumulação, a
contradição entre a necessidade de setores não-capitalistas e o fato de que o próprio
capitalismo, por meio do imperialismo, converte toda forma de produção que encontra
em produção capitalista. É justamente daí que Luxemburgo extrai a ideia de que o
imperialismo representaria a fase final da acumulação capitalista. O capitalismo ao
remodelar todo o mundo à sua “imagem e semelhança” minaria as próprias bases de sua
acumulação, criando a necessidade de sua superação. 110

2.3. Controvérsias da teoria clássica do imperialismo

As grandes polêmicas no interior da teoria clássica giram em torno da definição


de imperialismo. De todas as teorias aqui tratadas, a Luxemburgo é, sem dúvidas, a que
mais se distancia das demais. Sua teoria não recebeu, por parte dos demais autores, um
tratamento crítico sistemático até 1924 e coube a Bukharin (1976) fazê-lo.111 Não cabe
aqui realizar um resgate amplo dos argumentos de Bukharin contra Luxemburgo, posto
que boa parte deles se dirigem à crítica da autora a Marx, apontando particularmente o

109
Uma vez que não pretendemos nos alongar sobre o debate dos esquemas de reprodução em
Luxemburgo, não nos deteremos também sobre este ponto. Sinteticamente, o argumento da autora é que
para entender como funciona a indústria bélica, é preciso incluir naqueles esquemas um novo elemento: o
Estado. Como demandante e condutor da indústria bélica, o Estado tem o poder de alterar a forma pela
qual o valor se distribui na sociedade (podendo se constituir em nova forma de extração de mais-valia). O
efeito total da atuação estatal seria distinto a depender de como seriam financiados seus gastos
(particularmente os militares).
110
Para fazer justiça a Luxemburgo é importante acrescentar ainda que, embora veja nessa contradição
razões para crer que o capitalismo estava fadado ao declínio, ela não deduziu daí a inevitabilidade do
socialismo. Como sugere a autora em outra obra, seriam futuros igualmente factíveis socialismo ou
barbárie (Luxemburgo, 1915).
111
É claro, porém, que, como autora de grande influência, Luxemburgo debateu ativamente com outros
renomados marxistas do período. Cf. Luxemburgo (1985b).

101
que seriam seus erros metodológicos. No que toca a teoria do imperialismo, podemos
sistematizar a crítica de Bukharin em três momentos: primeiro, crítica à teoria das
crises que compeliam Luxemburgo a crer na necessidade das sociedades pré-capitalistas
para acumulação de capital; segundo, explicação alternativa para as razões da expansão
mundial capitalista; terceiro, afirmação da necessidade de se considerar o capital
financeiro e a tendência à monopolização ao definir o imperialismo.

No que toca a questão das crises e da necessidade de esferas externas, Bukharin


aponta que, embora a autora tivesse razão em se contrapor às teses da
desproporcionalidade (dos esquemas de reprodução) então em voga – particularmente,
em sua oposição a Tugan-Baranovsky –, sua resposta era permeada pelo mesmo tipo de
erro. Fundamentalmente, a questão é que, apoiada na tese subconsumista, Luxemburgo
derivaria a necessidade de esferas externas em uma teoria que definia a crise como
característica permanente da produção capitalista, e não como fenômeno periódico (a
exemplo do que teriam defendido Marx e os “marxistas ortodoxos”). 112

Mas, em não existindo uma necessidade de realização do mais-valor que


impulsionasse “para fora” as economias capitalistas, a teoria do imperialismo de
Luxemburgo iria por terra. Uma situação na qual, em virtude de uma crise de
superprodução, os lucros nos países de origem se encontrassem deprimidos
evidentemente poderia explicar a expansão capitalista, no entanto, acrescenta Bukharin,
essa possibilidade não confirma a tese anterior de Luxemburgo, já que caso não
houvesse territórios externos nos quais fosse possível lançar as mercadorias excedentes
isso não implicaria no fim do capitalismo (BUKHARIN, 1976, p. 301). Segundo
Bukharin, em última instância, o que explicava esse movimento de disputa pela
apropriação e destruição dos ambientes não-capitalistas não era, de fato, a necessidade
de realização do mais-valor, e sim a busca por um sobrelucro. Isso seria possível
porque

(1) se se trata de uma troca comercial ocasional, o capital obtém um


sobrelucro, utilizando para isso todos os meios, desde a fraude à violência e
ao roubo; (2) se as trocas externas se tornam regulares, o país com uma
estrutura produtiva mais elevada obtém inevitavelmente um sobrelucro (por
causa do diferencial de produtividade, nota do tradutor); (3) se o capital é
exportado, isso acontece também em ordem à obtenção de um lucro
adicional. (BUKHARIN, 1976, p. 302)

112
Cf. Bukharin (1976, p. 277-278).

102
Com relação ao ponto (3), Bukharin está se referindo ao fato de a taxa de lucro
ser maior nesses territórios em virtude do menor desenvolvimento das forças produtivas
e da maior exploração da força de trabalho (em virtude da utilização de “escravos, cules
etc.”). 113 Mediante tal crítica, o autor não exclui que Luxemburgo tivesse razão em
afirmar que o capitalismo tem como única relação previsível com os modos de produção
não-capitalistas a absorção até o limite de seu desaparecimento – algo confirmado
inclusive historicamente – mas indaga sobre a causa de tal relação (BUKHARIN, 1976,
p. 299).

Por fim, explicada alternativamente a expansão capitalista, Bukharin conclui sua


crítica com o que seria a insuficiência definitiva da teoria do imperialismo
luxemburguiana, qual seja, não atrelar a categoria ao capital financeiro e à
monopolização da economia, que transformaria a concorrência entre capitais em luta
entre “trustes capitalistas de Estado”, reproduzindo mais uma vez seu argumento (do
qual já tratamos). Sem precisar essa relação entre o imperialismo e a nova fase do
capitalismo, a definição de Luxemburgo aproximar-se-ia a de Kautsky, na qual
(segundo exemplo de Bukharin) não era considerado imperialismo a guerra pelo
controle de regiões já capitalistas (como a disputa, entre França e Alemanha, pelo
controle do Ruhr) e, alternativamente, obrigava a ter como imperialista a luta dos
Estados português e espanhol no continente americano imediatamente após sua
descoberta. 114

A maior controvérsia no interior da teoria clássica foi, entretanto, protagonizada


por Lênin e Kautsky. Como visto, tanto Kautsky quanto também Hobson, Hilferding e

113
Bukharin (1976) está nessa passagem citando diretamente um trecho de O capital no qual se lê que o
comércio exterior serve como causa contrariante para a tendência à queda da taxa de lucro. Cf. Marx
(1986, p. 181). Não obstante, é preciso lembrar aqui que este ponto – da maior taxa de exploração em
territórios onde a produção capitalista é menos desenvolvida – pode ser considerado ainda hoje um ponto
controverso. Assim, não tomando a afirmação marxiana de modo dogmático, o assunto parece ser bem
mais intrincado do que pretendia Bukharin (1976, p. 307. Grifos do original) ao resumir que: o capital é
aplicado nas colônias “na caça de lucros máximos, procura de força de trabalho mais barata e,
simultaneamente, a taxa de exploração [torna-se] mais elevada. A diferença na remuneração da força de
trabalho, que está funcionalmente relacionada com o lucro, é a verdadeira razão que preside esta caça”.
114
Cf. Bukharin (1976, p. 313). É válido dizer, porém, que Bukharin considera a análise de Luxemburgo
superior a de Kautsky na medida em que ao menos extrai dela a necessidade histórica do imperialismo, o
que ele considera ser um dos méritos da análise de Luxemburgo (Ibidem, p. 331).

103
Bukharin trataram do imperialismo abertamente como uma forma de política e de
ideologia. O principal problema relacionado a essa definição diz respeito à necessidade
do imperialismo.

Ao classificá-lo como uma “política”, o imperialismo torna-se uma forma


possível de atuação, do capital (ou dos Estados), em determinado momento do tempo. 115
Essa ideia é mais fortemente percebida em Hobson e em Kautsky. Em Hobson, tal
perspectiva se traduziu na luta pela supressão dessa forma política, por meio da
distribuição de renda e da democratização política. Já Kautsky projetou a superação da
política imperialista por sua própria base econômica, a qual conduziria ao
ultraimperialismo. Kautsky (2002b, p. 471), aliás, apoia-se em Hilferding para se dirigir
ainda mais explicitamente à questão:

[Hilferding] evitou empregar o termo “imperialismo”, já universalmente


utilizado, para definir essa recentíssima fase do capital. Com o termo
“imperialismo”, ele designa um particular tipo de política, não uma “fase
econômica”. O imperialismo, de acordo com ele, é a política favorita do
capital financeiro. Creio que temos todos os motivos para permanecer fiéis a
essa distinção entre capital financeiro como causa e imperialismo como efeito.
Isso corresponde ao uso linguístico que entende por imperialismo um
particular sistema de política. Os vários autores que tratam do imperialismo
divergem sobre a definição de aspectos peculiares dessa política, mas quase
todos estão de acordo em considerá-lo como sistema político e não como
“fase econômica”, não como “capitalismo avançado, potencializado”, mas
como a política das frações capitalistas dominantes na fase do capitalismo
avançado.

A posição criticada por Kautsky não é outra senão aquela adotada por Lênin.
Este, por sua vez, defende-se (e contra-ataca) observando, em primeiro lugar, que a
definição postulada por Kautsky associava, de modo absolutamente arbitrário, o
imperialismo exclusivamente à anexação de territórios agrícolas, deixando de ver com
isso que nessa fase do capitalismo cabia ao capital financeiro o papel predominante. Em
segundo, e mais importante nesse momento, Lênin (1979, p. 644) explica por que o
imperialismo deveria sim ser enxergado como uma fase, e não como mera política:

o essencial é que Kautsky separa a política do imperialismo da sua economia,


falando das anexações como da política preferida pelo capital financeiro, e
opondo a ela outra política burguesa possível, segundo ele, sobre a mesma
base do capital financeiro. Conclui-se que os monopólios, na economia, são

115
Apesar de defini-lo como uma política, Bukharin (1988, p. 133) é, dentre os quatro, quem mais se
distancia dessa noção quando, no debate contra Kautsky, afirma que “o imperialismo não é só um sistema
intimamente ligado ao capitalismo moderno: é seu elemento essencial”.

104
compatíveis com o modo de atuar não monopolista, não violento, não
anexionista, em política. Conclui-se que a partilha territorial do mundo,
terminada precisamente na época do capital financeiro, e que é a base da
peculiaridade das formas atuais de rivalidade entre os maiores Estados
capitalistas, é compatível com uma política não imperialista. Daqui resulta
que, deste modo, se dissimulam, se ocultam as contradições mais
fundamentais da fase atual do capitalismo, em vez de as pôr a descoberto em
toda a sua profundidade; daqui resulta reformismo burguês em vez de
marxismo.

Bukharin (1988, p. 129-139) igualmente recusa a teoria de Kautsky – não a


desqualificando a priori, mas a tomando como uma possibilidade meramente hipotética.
Tanto Lênin quanto Bukharin indicavam, de certo modo, que, do ponto de vista teórico,
a análise de Kautsky só chegava aos resultados que chegou porque se orientava em
sentido estritamente econômico (economicista). 116 O objetivo principal dos autores era
tentar demonstrar que a posição de Kautsky, particularmente quando levada a seus
limites, na tendência do ultraimperialismo, produzia sérias consequências políticas. Na
medida em que exasperava as tendências econômicas para defender a existência pacífica
sob o modo de produção capitalista, Kautsky forneceria argumentos para o reformismo.

A polêmica entre Kautsky e Lênin (e Bukharin) não pode ser compreendida em


absoluto, portanto, se descolada dos eventos concretos que ofereciam o pano de fundo
para o desenvolvimento da teoria do imperialismo, particularmente à escalada do
militarismo que culminou com a eclosão da Grande Guerra. Como observado por Katz
(2011. Tradução nossa.) tal debate se precipitou no interior da Segunda Internacional
precisamente quando

o governo [alemão] pressionou os socialistas a aprovarem os créditos de


guerra, necessários para o financiamento da ação colonial. A corrente
direitista influenciada por Bernstein aceitou essa exigência, argumentando
que o país deveria proteger-se contra as agressões externas, assegurando a
paz desde uma “posição de força”. Justificava, ademais, a expansão imperial,
afirmando que a Europa devia contribuir para a civilização dos povos mais
atrasados.
A vertente centrista encabeçada por Kautsky se opôs. Denunciou os crimes
coloniais e previu terríveis consequências de uma escalada bélica. Explicou,
ademais, que a Alemanha tentava contrarrestar sua chegada tardia à
repartição mundial com ações militaristas desenfreadas. Mas esta crítica não
o impediu de mudar de atitude frente ao crescimento das pressões oficiais,
para alinhar os parlamentares socialistas com a causa patriótica.
Para evitar o eminente derramamento de sangue, Kautsky propôs arrastar as
classes dominantes para uma perspectiva de paz.

116
Ver também Fontes (2008, p.81).

105
Assim, a divergência entre Kautsky e Lênin – que, ademais, pode ser encarada
como uma divergência também com Bukharin e com Luxemburgo (que igualmente
rejeitava a possibilidade de uma paz entre as potências imperialistas, tendo tido papel
ativo na luta contra o centrismo de Kautsky entre os marxistas alemães no período) –
precisa ser entendida como mais que mera divergência teórica, devendo-se olhar
também para suas consequências para a linha de atuação dos movimentos dos
trabalhadores em um período de grande ebulição social na Europa. Nesse sentido, como
observa Teixeira (2002, p. 331), a teoria de Kautsky apresentava “como estratégia para
a social-democracia, o apoio à fração da burguesia que queria a paz e a luta pelo
desarmamento”, posição que foi aprovada no Congresso do SPD (sigla para
Sozialdemokratische Partei Deutschlands, o partido comunista alemão, do qual Kautsky
era dirigente) de 1912 e da qual “não recuou nem mesmo quando se iniciou a Primeira
Guerra Mundial”. E precisamente por isso, a perspectiva de Kautsky representava para
Lênin um exemplo ímpar dos efeitos do oportunismo sobre a classe trabalhadora.

2.4. Síntese crítica: problemas e desdobramentos da teoria clássica do


imperialismo

Mais que uma discordância entre intelectuais marxistas e/ou líderes políticos, o
debate entre Kautsky e Lênin explicita uma divergência de posições típica de seu
período, revelando as fissuras do marxismo e do movimento comunista em geral (que
culminaram com a “derrocada” da Segunda Internacional). Relevando-se, contudo, as
divergências aí colocadas, já amplamente conhecidas, particularmente no que tange ao
debate sobre a possibilidade de uma via política para o socialismo, nos interessa
observar o modo como ambas as posturas foram influenciadas pelo debate sobre a
tendência à monopolização e a historicidade do capitalismo.

Nesse sentido, é notável que um dos pontos mais frequentemente esquecidos da


teoria clássica do imperialismo na posteridade seja precisamente aquele que ocupa um
lugar absolutamente central no interior de sua visão de mundo: a ideia de que a suposta
monopolização da economia prenunciava uma transformação social, porque elevava à
última potência a socialização da produção capitalista.
106
Mesmo rejeitando a formação de uma espécie de “truste/cartel mundial único”
capaz de abolir as rivalidades interimperialistas, Hilferding, Bukharin e Lênin viram na
monopolização, na união dos capitais e na homogeneização de seus interesses sob o
comando capital financeiro (enquanto tendência quase ou, no limite, absoluta nas
fronteiras nacionais) o passo decisivo na direção da socialização da produção – e
portanto o prenúncio do socialismo. Essa opinião está formulada em termos teóricos, de
modo explícito, já em Hilferding (1985, p. 226-227. Grifos nossos.):

surge, então, a questão dos verdadeiros limites da cartelização. E essa questão


tem de ser respondida afirmando-se que não há um limite absoluto para a
cartelização. Há, antes, uma tendência à ampliação permanente da
cartelização. Como vimos, as indústrias independentes caem cada vez mais
na dependência das cartelizadas e, finalmente, são anexadas por elas. Como
resultado do processo, se daria então um cartel geral. A totalidade da
produção capitalista é regulamentada de caso pensado por uma instância
que determina o volume da produção em todas as suas esferas.
Consequentemente, o tabelamento de preços é meramente nominal, não
significa nada mais do que a distribuição do produto total entre os magnatas
do cartel, por um lado, e a massa de todos os demais membros da sociedade,
por outro. [...] Trata-se da sociedade regulamentada conscientemente em
forma antagônica. Mas esse antagonismo é antagonismo da distribuição. A
própria distribuição é regulamentada conscientemente e, com isso,
desaparece a necessidade de dinheiro. O capital financeiro, na sua perfeição,
se desprende do foco do qual é oriundo.

Tal posição também fica evidente na descrição de Lênin sobre o imperialismo


como “capitalismo agonizante” ou de “transição”. E, mais uma vez aqui, quem deu a
esta teoria sua forma mais definitiva foi Lênin (1979, p. 669-670. Grifos nossos):

de tudo o que dissemos sobre a essência econômica do imperialismo deduz-


se que se deve qualificá-lo de capitalismo de transição ou, mais propriamente,
de capitalismo agonizante. Neste sentido é extremamente instrutiva a
circunstância de os termos mais usuais que os economistas burgueses
empregam ao descrever o capitalismo moderno serem “entrelaçamento”,
“ausência de isolamento” etc., os bancos são “empresas que, pelos seus fins e
pelo seu desenvolvimento, não têm um caráter de economia privada pura,
mas cada vez mais vão saindo da esfera da regulação da economia puramente
privada”. E esse mesmo Riesser, a quem pertencem estas últimas palavras,
declara, com a maior seriedade do mundo, que as “profecias” dos marxistas a
respeito da “socialização” “não se cumpriram”! [...] nos encontramos perante
uma socialização de produção, e não perante um simples “entrelaçamento”,
percebe-se que as relações de economia e de propriedade privadas
constituem um invólucro que não corresponde já ao conteúdo, que esse
invólucro deve inevitavelmente decompor-se se a sua supressão for adiada
artificialmente, que pode permanecer em estado de decomposição durante um
período relativamente longo (no pior dos casos, se a cura do tumor
oportunista se prolongar demasiado), mas que, de qualquer modo, será
inelutavelmente suprimida.

107
É significativo que quase todos os analistas vejam de imediato, na (bastante
conhecida) passagem supracitada, o determinismo histórico leniniano, mas
pouquíssimos atentam para o que – em se fazendo as reservas necessárias à análise de
um documento sabidamente não acadêmico – pode ser tido como o mais relevante: que
a tendência observada pelo autor sob a forma da monopolização corresponde, em seu
conteúdo, à socialização da produção, e que, portanto, a “revolução socialista”
corresponderia a criar a forma de distribuição (como já colocado por Hilferding no
trecho destacado anteriormente) adequada a essa produção socializada por meio da
abolição da propriedade privada. Lênin (2005, p. 105) é ainda mais enfático a esse
respeito em um dos diversos textos políticos da Rússia pré-revolucionária:

quando uma empresa capitalista gigantesca se converte em monopólio,


significa que serve a toda a nação. Caso tenha se convertido em monopólio
de Estado, o Estado (isto é, a organização aramada do povo, em primeiro
lugar dos operários e dos camponeses, se se tratar de um regime de
democracia revolucionária) dirige toda a empresa. Nos interesses de quem?
- ou no interesse dos latifundiários e dos capitalistas, e nesse caso não
teremos um Estado democrático-revolucionário, mas um Estado burocrático-
reacionário, ou seja, uma república imperialista;
- ou então no interesse da democracia revolucionária, e então isto é um passo
para o socialismo.
Pois o socialismo nada mais é do que o passo seguinte ao monopólio
capitalista de Estado.117

Nesse caso, temos que a oposição presumida entre (livre) concorrência e


monopólio assume caráter central na descrição da história capitalista e na própria
descrição de uma sociedade pós-capitalista. Quais as consequências dessa interpretação
sobre os desenvolvimentos posteriores da teoria marxista e, particularmente, da história
do socialismo real? O crítico Robert Kurz (1993, p. 70), por exemplo, observa que:

Na ideologia do antigo movimento operário [leia-se, o socialismo realmente


existente], a concorrência figurava como algo puramente negativo: por um
lado, por motivos morais, como princípio social-darwinista e destrutivo da
“luta de todos contra todos” e, por outro lado, por motivos econômicos, como
aquela famosa “anarquia do mercado” que tinha que ser substituída por um
“planejamento” racional. Essa crítica econômica, apoiada por considerações
morais, do princípio da concorrência, não penetrou, no entanto, na base do
sistema produtor de mercadorias, e sobretudo excluiu sistematicamente a
questão da emancipação social daquela “classe trabalhadora” que, seguindo

117
Ainda que não se depreenda daí uma determinação exclusivamente da distribuição (em sentido estrito)
na concepção do socialismo, ou seja, como distribuição dos produtos (ou de riqueza, de modo amplo), é
bastante notório que o problema fundamental está posto para Lênin, sim, na contradição entre as classes:
“No fundo, todo o problema do controle se reduz a quem controla, isto é, que classe tem o controle e qual
é a classe controlada” (LÊNIN, 2005, p. 92).

108
Marx, deveria ter-se comportado no sentido de sua autossupressão, enquanto
o movimento operário marxista real, muito ao contrário, chegou à
autoafirmação consequente do “trabalhador”.

Assim, ao entender o socialismo como a apropriação pelos trabalhadores do


aparato produtivo construído pela concorrência capitalista, os trabalhadores teriam
mudado a forma de apropriação, mas preservado o fundamental desse modo de
produção, a lei do valor, substituindo apenas o capitalista individual no comando da
produção pelo aparelho de Estado. Ignorava-se assim um dos lados da produção
capitalista, a saber, seu caráter potencialmente emancipador – tolhido em seu elemento
dinamizador no momento da pretensa substituição da concorrência “anárquica” pelo
planejamento estatal. Precisamente, nesse sentido, “a suposta supressão do caráter
contraditório do capital, sobre seus próprios fundamentos, não tinha eliminado o capital
como tal, senão que apenas o privara durante muito tempo, junto com seu ‘caráter
contraditório’, também de sua dinâmica interna” (KURZ, 1993, p. 86).

De outra parte, acredita-se, com Elmar Altvater (1987, p. 15-16), que o debate
sobre a monopolização encontra-se também na raiz da outra tendência principal
apresentada no interior do marxismo do período. Recorde-se que a ideia de Kautsky de
que o desenvolvimento das relações imperialistas seria capaz de fazer emergir um
período de “competição pacífica”, rechaçada por seus principais contemporâneos no
debate do imperialismo, não rejeitava a tese hilferdinguiana do capital financeiro e da
monopolização da economia. Essa posição refletiria a ideia de que, ao invés de acirrar
as contradições e conduzir o capitalismo ao declínio, a tendência à monopolização
demonstrava que o capitalismo estava “se organizando”. Seguindo Altvater, pode-se
concluir que tal posição levada ao extremo (na concepção de capitalismo organizado)
explica a posição “reformista” assumida por parte do antigo movimento dos
trabalhadores porque supõe que “a passagem da concorrência ao monopólio é uma
superação, uma supressão das leis gerais do modo de produção, uma vez que as leis
coercitivas exteriores da concorrência são identificadas com as leis imanentes do modo
de produção” (Ibidem, p. 21). Mas nesse caso, a transformação social para “abolir o
modo de produção capitalista” seria possível e estaria em curso (se não estivesse até

109
mesmo consumada) mesmo sem uma revolução como aquela preconizada pela ala de
esquerda da Internacional Comunista. 118

O ponto a se ressaltar aqui é que a teoria do imperialismo foi decisiva para os


caminhos do marxismo no início do século XX, mas, nem por isso, não se pode fechar
os olhos aos problemas interpretativos a ela associados, particularmente, em sua
concepção do “par” livre-concorrência e monopólio. Esse argumento será retomado na
conclusão desta tese, quando se pretende defender que o problema teórico aí envolvido
deva ser encarado a partir de uma questão metodológica mais ampla relacionada aos
níveis de abstração envolvidos nas análises marxiana e da teoria clássica do
imperialismo.

118
Na análise desta concepção, Altvater (1987, p. 33. Grifos nossos.) observa que “como os monopólios –
graças a seu poder econômico – têm a possibilidade de escapar por algum tempo (logo, nem sempre) às
necessidades determinadas pelas leis de movimento do modo de produção, supõe-se também que outras
grandezas serão cada vez mais condicionadas por fatores políticos se não tanto pela coerção econômica
da sociedade burguesa”. Ao mesmo tempo, após observar a incorreção da teoria do valor subjacente a tal
concepção, que restringe o problema à esfera da circulação do capital, o autor nota que surgiriam as teses
de que “a economia pode ser ‘organizada’ na esfera da circulação” e que “as contradições derivadas do
valor [...] podem ser efetivamente superadas. Deste modo, podem ser determinados quer o objeto da
regulamentação (a economia organizada), quer a esfera da regulamentação (as categorias da circulação,
especialmente o dinheiro). Neste ponto, não é difícil determinar o sujeito da regulamentação: os bancos,
que constituem o sistema nervoso central daquele capital financeiro originado da fusão do capital
industrial e do bancário, e o Estado do capitalismo organizado ou de Estado” (ALTVATER, 1987, p. 35).

110
PARTE II:
AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DO IMPERIALISMO

111
CAPÍTULO 3:
AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS NO FIM DO BREVE SÉCULO XX:
O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

Não é acidental que as transformações atuais do capitalismo se seguiram a


uma crise estrutural. Isso deveria ser tomado como uma lei geral da evolução.
O que os períodos de grandes crises têm em comum é que eles determinam
grandes mudanças. Aqui se encontra a velha teoria da violência como parteira
da história; as crises dividem essa função com as guerras.
– Duménil & Lévy (2004, p. 11)

No primeiro capítulo desta tese viu-se que em Marx a noção de legalidade se


refere a certas tendências provocadas por estruturas/relações sociais não
necessariamente empíricas. Tais leis podem manifestar-se, manifestam-se de fato, de
forma muito variada em distintos momentos da história. É precisamente essa forma
particular assumida pelas legalidades sociais que torna possível periodizar a história – o
modo de produção capitalista como um momento particular da história humana e como
um complexo em si também sujeito a uma historicidade própria, portanto, diferentes
momentos no interior deste (período, fases, etapas etc.).

Vimos no capítulo anterior que um traço comum às principais teorias clássicas


do imperialismo diz respeito à crença na emergência de uma nova fase no
desenvolvimento capitalista (embora autores diferentes atribuíssem a tal fato graus
diferenciados de importância). Nesse sentido, qualquer análise das teorias
contemporâneas do imperialismo deve lidar com o fato de que muito aconteceu entre o
período no qual foram elaboradas aquelas teorias e a contemporaneidade capitalista.

112
Para usar o registro de Eric Hobsbawm, é preciso entender quais foram as
transformações sociais ocorridas no anoitecer do “breve século XX”. 119

No presente capítulo nosso objetivo estará exclusivamente voltado para a


descrição de parte dessas transformações históricas que conformam a base sobre a qual
se desdobra o debate contemporâneo sobre o imperialismo (tema tratado no capítulo
seguinte). Evidentemente, uma descrição completa dessas questões demandaria muito
mais tempo e espaço do que aqueles ora disponíveis, de modo que devemos nos ater
aqui apenas aos aspectos mais indispensáveis para o argumento da tese.

3.1. Da “era de ouro” do capitalismo à crise dos anos 1960/70

Os anos que sucedem imediatamente ao fim da Segunda Guerra Mundial e se


estendem até a década de 1970 são geralmente tidos como um período ímpar na história
do capitalismo. O período – que coincide com a adoção do chamado “consenso
keynesiano” no pensamento econômico, com a formação dos Estados de bem-estar
social no Primeiro Mundo capitalista (particularmente na Europa) e com o
“desenvolvimentismo” no Terceiro Mundo – receberia de boa parte da historiografia
posterior denominações que aludiam a um momento espetacular da história capitalista
como “era de ouro” ou “30 anos gloriosos”. Nesta seção, buscaremos descrever de
modo extremamente breve, alguns dos elementos principais do período que nos ajudam
a compreender a profunda crise econômica que se faria sentir ao seu término.

A caracterização do pós-guerra como uma “era de ouro” tem como referência


mais imediata o relativo sucesso em combinar elevadas taxas de crescimento com baixo
nível de desemprego e melhoria nas condições de vida da classe trabalhadora (ao menos
nos países centrais), como mostram as Tabelas 3.1 e 3.2. As melhorias para os
trabalhadores, por sua vez, assumiram a forma não só de ganhos salariais, como também

119
Hobsbawm (2004) caracteriza como “breve” o século XX por entender que este, ao menos se como
algo mais que mera unidade de contagem do tempo, começava atrasado, com a eclosão da Primeira
Guerra (1914), e acabava prematuramente, com o desmoronamento do socialismo realmente existente
(1991).

113
120
da introdução ou ampliação do sistema de proteção social. Uma das mais
disseminadas interpretações sobre esse período, a da escola francesa da regulação,
caracterizou esse arranjo social, que compreendia certas perspectivas de ganhos para a
classe trabalhadora, pelo nome de fordismo, em referência ao capitalista norte-
americano Henry Ford. 121

É preciso não perder de vista que o fordismo só foi possível, evidentemente,


porque garantia tanto ampla liberdade de atuação para o capital quanto uma expressiva
lucratividade. Os sucessivos aumentos de produtividade, aliás acumulados já por vários
anos, desempenhavam um papel central na medida em que garantiam espaço para certa
remuneração para a classe trabalhadora, sem ameaçar os ganhos do capital (vide Tabela
3.3). Ao mesmo tempo, em um mundo marcado pela polarização entre os blocos
capitalista e do socialismo real, no qual existia, portanto, a permanente “ameaça” de um
encantamento com o que acontecia do outro lado da cortina de ferro, o compromisso
fordista, ainda que não fosse explícito ou sequer consciente, pode ser entendido como
um elemento importante na garantia de certa estabilidade política no mundo capitalista.
Nesse sentido, analisando o chamado compromisso fordista, Alain Bihr (1999, p. 37)
escreve:

retrospectivamente, e considerando-o do ponto de vista do proletariado, esse


compromisso pode ser comparado a uma espécie de imensa barganha, pela
qual o proletariado renunciou à “aventura histórica” em troca da garantia de
sua “seguridade social”.
Renunciar à “aventura histórica”? É renunciar à luta revolucionária, à luta
pela transformação comunista da sociedade; renunciar à contestação à
legitimidade do poder da classe dominante sobre a sociedade, especialmente
sua apropriação dos meios sociais de produção e as finalidade assim impostas
às forças produtivas. É, ao mesmo tempo, aceitar as novas formas capitalistas
de dominação que vão se desenvolver no pós-guerra, ou em sentido mais
amplo, de existência que o desenvolvimento do capitalismo vai impor ao
proletariado nesse período.122

120
Alguns dados sobre a introdução/expansão de diversos programas de seguridade social, bem como do
significativo aumento da taxa de cobertura no período, podem ser vistos, por exemplo, em Pochmann
(1995, cap. 1).
121
De modo sintético, o fordismo é entendido como um modo de regulação, isto é, é uma forma de
adaptação do comportamento dos indivíduos às normas sociais vigentes, capaz de garantir uma
compatibilidade entre normas de produção e de consumo. Sobre a escola da regulação, ver, por exemplo,
Lipietz (1989) e Glyn et alli (1990). Vale destacar, entretanto, que alguns autores citados trabalham com
o conceito mesmo sem estar diretamente envolvidos nessa escola – como Harvey (2005) e Bihr (1999).
Por fim, uma análise crítica da perspectiva regulacionista pode ser vista em, por exemplo, em Medeiros &
Oliveira (2001).
122
No mesmo sentido, Hobsbawm (2004, p. 262) observa: “naturalmente a maior parte da humanidade
continuava pobre, mas nos velhos centros industrializados, que significado poderia ter o ‘De pé, ó vítimas

114
Tabela 3.1 – Taxa de crescimento do PNB e PNB per capita: mundo e regiões, 1000–1998
(média composta das taxas anuais de crescimento)

1000– 1500– 1820– 1870– 1913– 1950–


1973–98
1500 1820 70 1913 50 73

Per capita PNB

Europa Ocidental 0,13 0,15 0,95 1,32 0,76 4,08 1,78


*
Ex-colônias ocidentais 0 0,34 1,42 1,81 1,55 2,44 1,94
Japão 0,03 0,09 0,19 1,48 0,89 8,05 2,34
Ásia (excluindo o Japão) 0,05 0 –0.11 0,38 –0.02 2,92 3,54
América Latina 0,01 0,15 0,1 1,81 1,42 2,52 0,99
Europa Oriental e antiga
0,04 0,1 0,64 1,15 1,5 3,49 –1.10
URSS
África –0.01 0,01 0,12 0,64 1,02 2,07 0,01
Mundo 0,05 0,05 0,53 1,3 0,91 2,93 1,33

PNB

Europa Ocidental 0,3 0,41 1,65 2,1 1,19 4,81 2,11


*
Ex-colônias ocidentais 0,07 0,78 4,33 3,92 2,81 4,03 2,98
Japão 0,18 0,31 0,41 2,44 2,21 9,29 2,97
Ásia (excluindo o Japão) 0,13 0,29 0,03 0,94 0,9 5,18 5,46
América Latina 0,09 0,21 1,37 3,48 3,43 5,33 3,02
Europa Oriental e antiga
0,2 0,44 1,52 2,37 1,84 4,84 –0.56
URSS
África 0,06 0,16 0,52 1,4 2,69 4,45 2,74
Mundo 0,15 0,32 0,93 2,11 1,85 4,91 3,01

(*) Tradução para o termo Western offshoots. Compreende: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova
Zelândia.

Fonte: Maddison (2006, p. 126).

da fome!’ da ‘Internationale’ para trabalhadores que agora esperavam possuir seu carro e passar férias
anuais remuneradas nas praias da Espanha?”.

115
Tabela 3.2 – Desemprego e inflação nos países de capitalismo avançado, 1950–1998

Nível de Desemprego Variação do índice de preços ao


consumidor
(% da força de trabalho) (media anual da taxa de crescimento)
1950– 1974– 1984– 1994–98 1950– 1973– 1983– 1994–98
73 83 93 73 83 93

Bélgica 3 8,2 8,8 9,7 2,9 8,1 3,1 1,8


Finlândia 1,7 4,7 6,9 14,2 5,6 10,5 4,6 1
França 2 5,7 10 12,1 5 11,2 3,7 1,5
Alemanha 2,5 4,1 6,2 9 2,7 4,9 2,4 1,7
Itália 5,5 7,2 9,3 11,9 3,9 16,7 6,4 3,5
Holanda 2,2 7,3 7,3 5,9 4,1 6,5 1,8 2,2
Noruega 1,9 2,1 4,1 4,6 4,8 9,7 5,1 2
Suécia 1,8 2,3 3,4 9,2 4,7 10,2 6,4 1,5
Reino Unido 2,8 7 9,7 8 4,6 13,5 5,2 3
Irlanda n.a. 8,8 15,6 11,2 4,3 15,7 3,8 2,1
Espanha 2,9 9,1 19,4 21,8 4,6 16,4 6,9 3,4
Média da
Europa 2,6 6 9,2 10,7 4,3 11,2 4,5 2,2
Ocidental

Austrália 2,1 5,9 8,5 8,6 4,6 11,3 5,6 2


Canadá 4,7 8,1 9,7 9,4 2,8 9,4 4 1,3
Estados Unidos 4,6 7,4 6,7 5,3 2,7 8,2 3,8 2,4
Média 3,8 7,1 8,3 7,8 3,4 9,6 4,5 1,9

Japão 1,6 2,1 2,3 3,4 5,2 7,6 1,7 0,6

Fonte: Maddison (2006, p. 134).

116
Tabela 3.3 – Crescimento per capita e grau de produtividade: Europa Ocidental e Estados
Unidos

PNB per capita PNB por hora trabalhada


(média anual de crescimento)

1950–73 1973–98 1959–73 1973–98

França 4,1 1,6 5 2,5


Alemanha 5 1,6 5,9 2,4
Itália 5 2,1 5,8 2,3
Reino Unido 2,4 1,8 3,1 2,2
Europa Ocidental 3,9 1,8 4,8 2,3
(12 países)

Irlanda 3 4 4,3 4,1


Espanha 5,8 2 6,4 2,9

Estados Unidos 2,5 2 2,8 1,5


Fonte: Maddison (2006, p. 132).

Simultaneamente, o dito “compromisso fordista”, posto que não existisse


enquanto um compromisso explícito ou mesmo consciente, 123 contava com o Estado
como uma peça-chave de seu funcionamento. Como observa Harvey (2008, p. 21), o
Estado passaria a adotar políticas de controle macroeconômico, deixando amplo espaço
para o capital atuar, mas internalizando os conflitos de classe, com o que, ao mesmo
tempo, garantia os interesses do capital e ficava vulnerável à influência de partidos e
organizações da classe trabalhadora. As ditas políticas keynesianas tinham por base o
gerenciamento estatal da demanda agregada, acreditando assim ser possível atenuar os
efeitos do ciclo econômico e eliminar as possibilidades de crises generalizadas,
mantendo a economia em nível próximo ao pleno emprego. 124 Em síntese, seguindo
Duménil & Lévy (2004, p.12), pode-se dizer que a ideia fundamentalmente era que

enquanto deixava a iniciativa privada livre para atuar no que tangia os


investimentos e a administração corporativa, o Estado keynesiano se envolvia

123
Cf. Bihr (1999, p. 36).
124
Evidentemente, essas expectativas se mostrariam frustradas como se pretende deixar claro na
sequência. Embora tenham sido parcialmente atenuados, os ciclos continuaram presentes mesmo no
período, enquanto a crise dos 1960/70 se encarregou mostrar que o fim das “crises” não passara de
wishful thinking. Aliás, é preciso lembrar que a tendência do modo de produção capitalista a impor
barreiras à produção/realização mercantil continua a operar, manifeste-se ela ou não na forma de uma
crise.

117
no controle do nível de atividade econômica e no crescimento, por meio de
várias regulamentações e políticas (relacionadas ao crédito, à quantidade de
moeda e à supervisão das instituições financeiras) e [se envolvia também]
regulando o gasto público de acordo com a situação econômica, de modo a
afetar a demanda e, assim, a produção. Essa responsabilidade
macroeconômica do Estado tendeu a reconhecer de fato o direito ao emprego;
o desemprego de longo-prazo ou suas formas disfarçadas foram, portanto,
consideradas inaceitáveis. A ideia de “distribuir os frutos do crescimento”, e
assim de um aumento dos salários, estava estabelecida. O Estado tornou-se
em toda parte envolvido na educação, na pesquisa e na política industrial, em
alguns momentos assumindo diretamente certos setores da economia.
Acrescente-se a isso o aumento dos sistemas de proteção social (saúde,
família, aposentadoria e desemprego). Três elementos foram combinados: (1)
amplo respeito à iniciativa privada e às regras básicas do jogo capitalista; (2)
intervenção estatal no controle macroeconômico da situação, crescimento (o
que significava certas limitações à iniciativa privada nas finanças e em umas
poucas indústrias) e progresso tecnológico; (3) garantias ao emprego e às
condições de trabalho, assim como um aumento no poder de compra e na
proteção social.

No tocante às relações internacionais, a tentativa de “regular o capitalismo” do


período teve sua expressão máxima nos compromissos firmados no acordo de Bretton
Woods, que estabeleceu as normas monetárias do mundo capitalista do pós-guerra, com
a conversibilidade do dólar (em ouro) e um sistema de câmbio fixo (entre as moedas)
atrelado ao dólar, 125 e ainda com a criação das instituições supranacionais que cuidariam
de garantir a estabilidade da ordem econômica internacional: o FMI e o Bird
(posteriormente incorporado ao Banco Mundial) – as quais foram “complementadas”
mais tarde com o estabelecimento do Gatt (acordo comercial internacional que daria
origem, anos depois, à OMC) e da Otan.

Por último, do ponto de vista político, a denominação “era de ouro” pode ser
também entendida pela relativa estabilidade no cenário mundial entre as grandes
potências capitalistas (sob a indisputável liderança dos Estados Unidos) depois de um
longo período de tensão nas relações internacionais, marcado por duas guerras
mundiais. Isso não significa que as guerras estivessem ausentes da “era de ouro”. Muito
pelo contrário, toda essa era deve ser compreendida no contexto de uma longa guerra, a
Guerra Fria, marcada pela constante ameaça de uma guerra nuclear – garantindo bons
negócios para a indústria bélica no período. Ademais, é importante lembrar que, se não
houve conflitos significativos entre países do Primeiro Mundo, boa parte deles esteve

125
As normas monetárias de Bretton Woods serão descritas com maiores detalhes na próxima seção.

118
diretamente envolvida em inúmeras guerras no mundo subdesenvolvido – desde as
guerras de descolonização da Ásia e da África até a participação direta em outros
conflitos, como no caso norte-americano na Coreia e no Vietnã.

Enfim, o arranjo social conformado na “era de ouro” ficaria marcado pela crença
na capacidade de regular o capitalismo, extirpando o que se entendia serem seus
“grandes males” – a flutuação econômica, as crises, a pobreza etc. – com uma
concomitante estabilidade política (ainda que relativa), garantida pelo equilíbrio de
forças (uma “paz armada”) entre os blocos capitalista e do socialismo real e por um
arranjo que compatibilizava ganhos moderados para a classe trabalhadora (com aumento
dos salários diretos e melhoria das condições de trabalho, em alguns casos, e ampliação
dos sistemas de seguridade social) com a manutenção das condições de lucratividade do
capital e expansão dos mercados. Não tardaria muito, porém, o longo período expansivo
se reverteria, mostrando – para usar a expressão consagrada por Barros de Castro (1979)
– que “o capitalismo ainda era aquele”.

A maior parte da literatura econômica localiza no início dos anos 1970 o ponto
de partida da crise que marca o fim da “era de ouro” do capitalismo e o início da
reorientação que criaria o mundo tal qual o conhecemos, o chamado “capitalismo
contemporâneo”. Antes de discutir as mudanças advindas da profunda reorientação
iniciada por esta crise, convém destacar alguns fatos a ela relacionados.

Embora as crises, como fenômeno cíclico, não fossem novidade do período, a


crise dos anos 1960/70 apresentou características diversas das anteriores. 126 A principal
dessas foi o surgimento do fenômeno conhecido como estagflação, isto é, a combinação
de estagnação econômica (pondo fim ao longo período de crescimento do produto e
manutenção de elevadas taxa de emprego nos países de capitalismo avançado) e
inflação. Na Tabela 3.2 (acima), é possível verificar a escalada do desemprego e a
concomitante aceleração inflacionária no período da crise.

Posto que o momento da indubitável eclosão da crise ocorreu no início dos anos
1970, grande parte dos estudos associou a causa (ou ao menos o estopim) da crise ao
desmantelamento do sistema de Bretton Woods (com o fim da paridade ouro-dólar, em

126
Cf., por exemplo, Baruco & Carcanholo (2006, p. 6).

119
1971, e o estabelecimento do sistema de câmbio flexível, em 1973) e, sobretudo, ao
impacto gerado pelo “choque exógeno” de oferta promovido pela OPEP, que conseguiu
em um curto período de tempo aumentar incrivelmente o preço do petróleo – como
forma de recuperar as perdas acumuladas desde o início da desvalorização do dólar pós-
1971 e retaliar os Estados Unidos por sua participação na guerra árabe-israelense. 127 Na
medida em que o petróleo desempenhava, já naquele momento, um papel-chave na
matriz energética do mundo, o impacto inflacionário, via aumento de custos, da alta de
preços foi imediato – provocando, ademais, incentivos a mudanças no padrão
tecnológico e organizacional das firmas. 128 (Diga-se de passagem, esse registro ajuda
também a observar que a crise coincide também com uma mudança na “sabedoria
econômica convencional” que passaria a, paulatinamente, abandonar o keynesianismo e
a atribuir aos aumentos do gasto público a crise econômica, promovendo, assim, a volta
do liberalismo no pensamento econômico, discutido em maiores detalhes na última
seção deste capítulo.)

Lançando um olhar mais amplo, contudo, é possível ver que já nos anos 1960 a
economia apresentava sinais de crise. Nesse sentido, considera-se que o Choque do
Petróleo, embora seja um evento da maior relevância, não deveria ser tomado como
mola propulsora da crise. Sob essa ótica, a crise que se precipitou sobre o mundo
capitalista deveria ser vista não como resultado das mudanças “exógenas”, mas como
fruto das tensões internas inerentes ao modo de produção capitalista. 129 Como observa
Carcanholo (2008, p. 249-250):

127
O assunto foi tratado inúmeras vezes pela historiografia econômica. Cf., por exemplo, Eichengreen
(2000), Belluzzo (1997), Fiori (1997). Voltaremos a ele na próxima seção.
128
Cf. Harvey (2005, p. 136).
129
Assim, Mandel (1985, p. 38) observa que: “a incidência real da alta do preço do petróleo sobre a
conjuntura foi dupla: de um lado, acentuando a tendência inflacionária geral – pela alta dos custos e pelo
aumento da liquidez –, precipitou o momento no qual a inflação teve um efeito perverso sobre a
conjuntura e no qual os governos foram obrigados a tomar medidas para, de alguma forma, freá-la; por
outro lado, pensando sobre a taxa média de lucros do capitalista industrial, acentuou o seu movimento de
baixa, o que é a causa fundamental da recessão. Porém, nos dois casos, trata-se de uma amplificação de
um movimento já em curso. A recessão generalizada estava inscrita no ciclo que começou com a recessão
ainda parcial de 1970/71 e que se prolongou com o boom especulativo dos anos 1972/73. Tanto as
capacidades de produção cada vez mais ociosas como a inflação que toma impulso o mostram
incontestavelmente. Ora, esses dois movimentos precedem a quadruplicação do preço do petróleo pela
OPEP no momento da Guerra do Yom Kippur. Esta alta do preço do petróleo não é, portanto, nem a
causa, nem mesmo o detonador imediato da recessão. É no máximo um fator adicional que amplifica a
gravidade da crise”.

120
as crises capitalistas se definem como uma superacumulação, isto é, uma
superprodução de capital incapaz de continuar obtendo seus níveis de
lucratividade anteriores. Superprodução de capital e redução da taxa de lucro
são características das crises de superacumulação de capital. Além do mais,
essas duas características, dado o processo de concorrência intercapitais,
provocam uma expansão da concentração/centralização do capital, que se
transforma em um crescimento da composição orgânica média do capital
(produtividade média), reforçando o efeito de redução da taxa de lucro do
sistema. As crises cíclicas do modo de produção capitalista têm esse
comportamento. Foi exatamente isso – ainda que com formas de
manifestação específicas – o que ocorreu nos anos 1970.

Assim, a variável mais utilizada para demonstrar que a crise que eclodiu nos
anos 1970 apenas tornava aberto um processo em curso desde os anos 1960 é,
indiscutivelmente, a tendência declinante apresentada pela taxa efetiva de lucro. A
Figura 3.1 e a Tabela 3.4 abaixo buscam ilustrar essa tendência. 130 Um primeiro fato
que chama atenção nesse sentido é que a lucratividade já estava em queda mesmo antes
da crise do petróleo ou do fim do sistema de Bretton Woods. A crise dos anos 1970
pode ser vista, assim, como uma forma de manifestação de certas tendências (leis) da
produção capitalista, em operação desde antes de se tornar evidente.

Note-se que não se pretende com isso concordar com interpretações sobre a
crise, sustentadas especialmente por autores de orientação neorricardiana, que a
procuram associar à compressão dos lucros (profit squeeze), enfatizando aí a existência
de um conflito distributivo entre capitalistas e trabalhadores. Tal posição pode ser
resumida, com Marglin & Bhaduri (1990, p. 153-154. Grifos nossos) da seguinte forma:

nossa história sobre a compressão dos lucros é mais ou menos assim.


Primeiro, a compressão dos lucros é explicada pela combinação de pressões
de baixa sobre os aumentos de produtividade e pressões de alta pelos salários.
Como resultado de um longo período de alto nível de emprego, o crescimento
da produtividade caiu por baixo do crescimento dos salários no fim dos anos
1960, pressionando os lucros. A pressão sobre os lucros, por sua vez, criou
uma dupla pressão sobre a taxa de crescimento do estoque de capital. De um
lado, os lucros são uma importante fonte de poupança, de modo que sua
redução tornou menor a renda disponível para acumulação. De outro lado, a
redução dos lucros realizados levou a expectativas de lucros menores para os
negócios no futuro, e a queda no lucro esperado levou a uma redução da
demanda por investimentos. Em suma, o elevado emprego encorajou o
crescimento dos salários e inibiu o crescimento da produtividade; isso
colocou uma pressão sobre os lucros, e a consequente pressão sobre lucros
levou à crise na acumulação.

130
Vale lembrar-se do que foi discutido no capítulo I, a lei tendencial de queda da taxa de lucro opera
sobre a taxa média, que não pode ser confundida com a taxa efetiva. A diferença está posta justamente
pelo grau de abstração entre os preços de produção (taxa média) e os preços de mercado (taxa efetiva).

121
Em última instância, portanto, a crise seria resultado da disputa pela apropriação
do excedente em um momento em que o crescimento da produtividade já não permitiria
ganhos simultâneos para trabalhadores e capitalistas. Entretanto, ainda que nessa
interpretação a crise também seja datada a partir dos anos 1960 e considerada como
consequência do desmantelamento do “fordismo”, pelas contradições do próprio, seu
escopo permanece mais ou menos conjuntural, isto é, referido a características típicas
exclusivamente de uma conjuntura particular. Ademais, a crise é encarada como uma
consequência da queda da taxa de lucro – e não a queda da taxa de lucro vista como
manifestação da crise. Como dito anteriormente, porém, não cabe aqui a contraposição
teórica a esta forma de interpretar a crise. 131

131
Em termos teóricos, uma análise alternativa pode ser construída tomando por base o debate sobre a
tendência à queda da taxa de lucro como fenômeno inerente à produção capitalista e reflexo da própria lei
de movimento desta, como discutido na seção 1.4 e na bibliografia ali referida.

122
Figura 3.1 – Taxa de lucro e taxa de acumulação: Estados Unidos e Europa, 1960-2000 (%)

Fonte: Duménil & Lévy (2004, p. 24-25).

Figura 3.2 – Parcela de ativos na posse do 1% mais rico da população norte-americana,


1922-1998

Fonte: Duménil & Lévy (2004, p. 139).

123
Tabela 3.4 – Taxa de lucro líquido das corporações: países selecionados, 1951-1983 (%)a

Países
Países Reino
desenvolvidos Europac Canadá França Alemanha Itália Japão EUA
desenvolvidosb Unido
(menos EUA)

1951 17,5 14,6 14,8 12,4 10,3 21,7 15 15,2 12,9 20,2
1952 15,9 14,8 15,1 12,6 9 24,8 13,7 14,2 12,6 17
1953 15,4 14,9 15 11,5 8,6 24 13,2 18,9 13 15,9
1954 14,7 15 15,3 9,4 9 23,3 14,3 19,9 13,6 14,5
1955 14,4 16 16,2 12,9 9,3 25,8 14,2 18,3 13,9 13
1956 15,6 15,6 15,8 13,2 9,5 24,9 14,3 18,3 12,7 15,5
1957 14,7 15,7 15,8 10,6 10,8 24,4 13,8 22,5 12,3 13,8
1958 13,1 14,8 15,1 9,1 10,5 22,5 14,3 20,3 11,6 11,6
1959 15 15,3 15,7 9,4 9,8 23,2 15,5 20,4 12,3 14,7

1960 14,9 16,3 16,5 8,8 11,2 22,9 16,6 25,7 13,5 13,5
1961 14,4 15,2 14,9 8,9 11 20,2 16,2 26,4 11,2 13,6
1962 14,9 14,1 13,6 9,3 10,2 18,9 14,8 24,3 10,4 15,7
1963 15,2 13,7 13 9,9 10,4 16,2 12,6 23,3 11,4 16,9
1964 16 14,1 13,3 10,7 11,4 17 10,4 123,3 11,8 18,2
1965 16,7 13,8 13,2 10 11,6 16,5 11,9 121,4 11,2 20
1966 16,4 13,5 12,6 9,7 11,9 15,1 12,8 23 9,8 19,8
1967 15,6 13,8 12,5 9,6 12,6 14,3 13,4 26,3 9,5 17,6
1968 16,2 15,4 13,4 10,2 13,2 15,9 14,9 31,6 9,6 17,2
1969 15,4 15,6 13,8 9,7 14,8 15,8 15,8 30,5 9,3 15,1

1970 13,5 15 12,6 8,6 14,3 14,5 15 32 7,5 11,8


1971 12,9 13,4 11,7 8,2 14,6 13,3 11,7 24,8 7,4 12,4
1972 13,1 13,2 11,7 8,9 14,7 12,8 12 22,7 7,7 13
1973 12,9 12,7 11,3 10,7 14,2 12,2 11 19,6 8 13,1
1974 10,4 10,5 9,3 10,7 12,2 10,4 10,2 15,2 4,6 10,2
1975 9,5 8,3 6,9 8,3 9,4 9,2 4,1 13,5 3,3 10,9
1976 10,2 9,1 7,7 8,1 7,6 10,7 6,6 14,5 4 11,6
1977 10,8 9,6 8,5 7,7 9,2 11 5,3 14,4 6,3 12,4
1978 11 10,2 8,9 8 9,3 11,7 5,6 15,8 6,5 12,2
1979 10,6 10,5 9,4 9,4 9,5 12,2 9,2 14,7 5,4 10,7

1980 9,9 10,3 8,8 9,6 8,5 10,5 11,4 15,4 4,9 9,3
1981 9,6 9,3 7,8 8,5 7,2 9,6 8,3 14,4 5,5 10
1982 8,7 9,1 8 6,8 6,8 9,6 7,7 13,7 6,9 8,1
1983 9,5 9,2 8,4 6,9 7,1 10,7 4,5 12,9 8,6 9,8

Notas: a) Lucro líquido dividido pelo estoque de capital fixo (mid-year) das empresas do setor privado e do setor
público. Séries para Canadá, Alemanha e Itália são aproximações das empresas não-agrícolas e não-financeiras
incluindo os lucros atribuídos aos autoempregados. Série para o Reino Unido inclui a North Seal Oil; b) Países
desenvolvidos são definidos pela média não ponderada dos outros sete países na tabela; c) Europa é definida pela
média dos quatro países europeus.

Fonte: Marglin & Bhaduri (1990, p. 178).


124
Por fim, na Figura 3.2, é possível observar o impacto da crise dos anos 1960/70
sobre o estoque de riqueza da camada superior da população norte-americana, que
atinge seu ponto mais baixo ao longo do século precisamente nesse período. Ao mesmo
tempo, as Figuras 3.1 e 3.2 nos permitem visualizar também a recuperação que tem
início já na segunda metade daquela década. Para entender sob que circunstâncias essa
reversão foi possível, é preciso agora nos voltarmos para as transformações sociais que
se seguiram a essa crise.

3.2. Todo poder ao capital: as respostas à crise econômica dos anos


1960/70 e as transformações do “capitalismo contemporâneo”

Como visto, a crise capitalista dos anos 1960/70 manifestou-se em uma queda da
lucratividade do capital. A resposta sistêmica a essas circunstâncias correu na direção
do reestabelecimento das condições de acumulação capitalista, por meio da adoção de
novas formas de atuação do capital, nos planos nacional e mundial, e de um novo
regime de disciplinamento da força de trabalho.

O rearranjo institucional dos compromissos assumidos pelos Estados nacionais,


bem como por instituições supranacionais, que tem início nesse momento ficaria
conhecido pelo termo neoliberalismo, entendido como resposta política e ideológica às
necessidades de recuperação da acumulação de capital por meio da abertura e
desregulamentação de todos os mercados, especialmente do mercado de trabalho e da
plena liberalização do fluxo de capital (entendido em sentido amplo: sob a forma
mercadoria ou pela exportação de capital produtivo, portador de juros e fictício). 132

O “sucesso” da reorientação capitalista assim produzida, ficaria patente,


sobretudo depois do fim do socialismo realmente existente, na década de 1990, com a
adesão generalizada à retórica da “globalização”, que levava a crer nas “forças de

132
Cf. Harvey (2008) e Duménil & Lévy (2004). Sobre a história da difusão do ideário neoliberal, ver
também Anderson (1995; 2003) e nossa tentativa de sumarização desses eventos em Corrêa (2007, cap.
1).

125
mercado” como incontroláveis e, em geral, benéficas. (Voltaremos a esse tema na
próxima seção.) Mas qual foram as grandes mudanças produzidas na esteira da resposta
do capital à sua crise que permitiram tal avaliação?

Antes de tudo, é preciso ter presente que a recuperação das condições de


acumulação só se torna possível sobre uma reestruturação das relações capital-trabalho,
na qual caberia aos trabalhadores adaptarem-se a um regime mais “flexível”. Mas o que
isso significa? Significa que cada vez mais os trabalhadores deveriam ser capazes de
ocupar distintos postos de trabalho, inserir-se em distintos pontos do processo de
trabalho etc. Significa também que a legislação que rege os contratos de trabalho passou
a sofrer sucessivos ataques, ocorrendo o progressivo aumento do número de
trabalhadores parciais ou temporários, como também o aumento da subcontratação e dos
trabalhos por encomenda. Por fim, significa que os salários deveriam ser mais
“flexíveis”, com rebaixamento do piso salarial (legal ou convencional), abolição dos
mecanismos de indexação ao nível de preços e de produtividade e “individualização”
dos salários, reduzindo a possibilidade de negociações coletivas. 133 Enfim, para usar a
metáfora de Jack London citada com esse propósito por Chesnais (1996, p. 16) e Fontes
(2008b, p. 94), a “flexibilização” significa mais uma vez colocar a força de trabalho sob
o regime do Tacão de Ferro, permitindo o aumento da intensidade do trabalho e a
extração de mais-valor (tanto sob forma absoluta quanto relativa).

O impacto de tais transformações sobre a remuneração dos trabalhadores pode


ser visto na Figura 3.3. A isso se deve acrescentar que a situação da classe trabalhadora
é ainda agravada pelo desmonte do Estado de bem-estar social, com redução dos
mecanismos de proteção social, tanto nos benefícios quanto na taxa de cobertura da
população, em um contexto de taxas de desemprego cada vez maiores (ver Tabela 3.2
acima). Essas medidas fizeram parte da implementação da estratégia neoliberal de
redução do Estado e, como exposto por Carcanholo (2008, p. 251), permitiram a
“desoneração” do capital por meio de reformas tributárias regressivas, sendo um
importante elemento da recuperação da lucratividade dos investimentos.

133
Cf. Bihr (1999, p. 92-93). Ver também Harvey (2005, p. 143 et seq.), Glyn (2006).

126
Figura 3.3 – Inflação e salários reais: países de OCDE, 1963-2003

Fonte: FMI apud Glyn (2006, p. 6).

A ideia de que as transformações da década de 1970 conduziram o capitalismo a


uma “etapa de acumulação flexível” é defendida, ademais, em virtude de um suposto
novo padrão organizacional das plantas produtivas do capital. Em sua tentativa de
sistematizar essas transformações, Bihr (1999, p. 87-91) caracteriza a “nova fábrica”
como difusa, fluida e flexível: difusa porque ao invés de concentrar em um mesmo lócus
o máximo de funções produtivas e administrativas (o que facilitava a organização, e,
portanto a resistência da classe trabalhadora), a nova fábrica espalharia a produção e o
poder por todo o espaço social, “externalizando” parte das funções produtivas e
administrativas por meio da descentralização, do desenvolvimento de filiais e da
terceirização; fluida porque tende a reduzir os tempos mortos e realizar a produção em
um contínuo, o que seria obtido através da gestão informatizada dos fluxos produtivos;
e flexível porque é mais apta a ajustar sua capacidade produtiva a uma demanda
variável (em termos de volume e de composição). 134 De imediato, o efeito mais
importante dessas mudanças é permitir uma incrível aceleração do tempo de rotação do
capital, garantindo assim também o aumento da taxa de lucro.

134
Sobre a ideia da “acumulação flexível” e suas consequências, inclusive em termos ideológicos, ver
também Harvey (2005).

127
Essas novas formas de organização do capital produtivo se encontram associadas
a um contexto que determinou também outra forma de atuação no plano internacional,
marcada pelo aumento dos fluxos de capital em todas as suas formas. Assim, iniciando
a análise pelo comércio internacional, a Tabela 3.5 registra o que parece ser uma
tendência de longo prazo de crescimento do volume de exportações na economia
mundial – apesar da retração sentida em todo o mundo no período 1913-1950, em
grande parte pelas duas guerras mundiais e a grande depressão da década de 1930.
Corroborando essa impressão, a Tabela 3.6 oferece dados que sugerem uma crescente
abertura comercial, embora essa não seja uma tendência indubitável. 135

135
Em seu esforço para mostrar que a dita “globalização” não é nem um fenômeno absolutamente novo,
nem uma força natural inexorável, Hirst & Thompson (1998, p. 51) oferecem dados dos quais se poderia
extrair uma maior internacionalização da economia em 1913 do que na década de 1970. A esse respeito,
porém, mesmo sem entrar em críticas mais profundas, é preciso registrar que o argumento dos autores não
nos parece muito coerente, nesse particular. Isso porque, após apresentarem dados em favor da ampliação
da abertura comercial no período do pós-guerra (ver Tabela 6), os autores simplesmente optam por
sustentar sua avaliação de uma menor “abertura” econômica no início do século XX com base na análise
dos dados referentes à “internacionalização financeira”, mas sem confrontar fundamentalmente a
evidência contrária por eles mesmos apresentada. A título de contraposição, note-se alternativamente que
Bihr (1999, cap. 6), por exemplo, trabalha com a hipótese de que o comércio internacional de fato deveria
crescer vigorosamente no período como resposta ao fim do compromisso fordista (que permitia
privilegiar o mercado interno).

128
Tabela 3.5 – Crescimento das exportações de bens: mundo e regiões, 1870–1998
A. Crescimento do volume de exportações (média composta das taxas de crescimento anuais)

1870–1913 1913–50 1950–73 1973–98

Europa Ocidental 3,24 –0.14 8,38 4,79


Ex-colônias europeias* 4,71 2,27 6,26 5,92
Leste europeu e antiga URSS 3,37 1,43 9,81 2,52

América Latina 3,29 2,29 4,28 6,03


Ásia 2,79 1,64 9,97 5,95
África 4,37 1,9 5,34 1,87
Mundo 3,4 0,9 7,88 5,07

B. Crescimento das exportações como porcentagem do PNB (em preços de 1990)

1870 1913 1950 1973 1998

Europa Ocidental 8,8 14,1 8,7 18,7 35,8


Ex-colônias europeias* 3,3 4,7 3,8 6,3 12,7
Leste europeu e antiga URSS 1,6 2,5 2,1 6,2 13,2

América Latina 9,7 9 6 4,7 9,7


Ásia 1,7 3,4 4,2 9,6 12,6
África 5,8 20 15,1 18,4 14,8
Mundo 4,6 7,9 5,5 10,5 17,2

(*) Tradução para o termo Western offshoots. Compreende: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova
Zelândia.

Fonte: Maddison (2006, p. 127).

Tabela 3.6 – Abertura comercial desde a Segunda Guerra Mundial (em porcentagem do
PIB)a

1950-59 1960-70 1970-79 1980-89


Países industrializados 23,3 24,6 32 36,8
América do Norte 11,2 11,7 17,8 21,9
Leste europeu 37,2 38,9 48,7 56,9
Japão 21,8 19,5 22,9 23,9

b
Países em desenvolvimento ... 28 34,3 38,4
África ... 48,2 55,1 54,4
Ásia ...
Leste ... 47 69,5 87,2
Outrosc ... 17,2 19,6 24
Oriente Médio ... 41,5 60,4 46,9
Hemisfério oriental 26,3 23,9 24,9 27,9
Notas: a) A abertura é definida como a soma das exportações e importações nominais de mercadorias
enquanto uma porcentagem da produção nominal. Os dados agregados são calculados com base nos pesos
de paridade do poder de compra (PPC); b) 1980-87; c) Excluindo-se a China.

Fonte: FMI apud Hirst & Thompson (1998, p. 52).

129
Embora os dados apontem para uma integração comercial ao longo do século
XX, diversos autores sugerem que a economia mundial é bem menos
“internacionalizada” do que por vezes se faz crer. No caso dos fluxos de comércio isso
se tornaria evidente pelo fato de que a maior parte dos fluxos comerciais continua a ser
polarizado em torno da “tríade” Estados Unidos-Europa-Japão, estando a maior parte do
comércio internacional restrita ao comércio entre esses países. Como pode ser visto na
Figura 3.4, apesar do aumento do fluxo comercial, este permanece especialmente
concentrado em torno dos países desenvolvidos. 136 Chesnais (1996, p. 214-215) observa
ainda que uma tendência atual de extrema relevância sobre o comércio internacional é o
expressivo aumento do volume de transações intracorporativas (Figuras 3.5 e 3.6) – que
inclusive embasa a distinção tradicional entre “doméstico” e “estrangeiro” nos fluxos
internacionais de comércio.

Figura 3.4 – Grandes fluxos de comércio mundial de mercadorias em 1990

Nota: Para cada grupo de países, o número em negrito indica o montante total de seu comércio exterior; o
quadrinho refere-se ao comércio entre os países do grupo.

Fonte: GATT apud Chesnais (1998, p. 213).

136
Cf. também Went (2000, p. 44-45) e Michalet (1985).

130
Figura 3.5 – Comércio exterior das multinacionais: exportações de bens e serviços, 1993
(bilhões de dólares e %)

Fonte: UNCTAD apud Chesnais (1998, p. 225).

Figura 3.6 – Total de comércio de bens e parcela do comércio intrafirmas: Estados


Unidos, 2002-2009

importação intra- exportação intra- total de exportações


total de importações
firmas firmas

Fonte: US Census Bureau apud OCDE (2010, p. 15).

131
As evidências sobre a maior densidade de relações econômicas internacionais
em torno dos países desenvolvidos, especialmente daqueles que compõem a “tríade”,
são ainda mais fortes quando se passa a olhar para o fluxo de capital sob a forma de
investimento direto estrangeiro (IDE), como mostra a Figura 3.7. Assim como no caso
do comércio internacional, o fluxo de capital sob a forma de IDE apresentou, ao longo
do século, uma tendência de elevação, tendência essa que seria incrivelmente acentuada
a partir do final década de 1980, como deixa claro a Figura 3.8. Ao longo de todo esse
período, os países desenvolvidos retiveram, consistentemente, posição privilegiada
como principal origem e destino do IDE – a despeito da ligeira queda depois da crise de
2008 (ver Figura 3.8 e Tabela 3.8).

Figura 3.7 – Fluxo de investimento “intratríade”, 1980-1990 e disponibilidade em 1990

Nota: O primeiro número se refere à disponibilidade de capitais exportados em 1990 (em bilhões de
dólares); os percentuais indicam a taxa de crescimento médio anual do capital disponível e dos fluxos. As
taxas de crescimento do capital disponível referem-se ao período 1980-1990. As taxas de crescimento dos
fluxos referem-se ao período 1985-1991.

Fonte: UNCTAD apud Chesnais (1996, p. 63).

132
Figura 3.8 – Fluxo de IDE: mundo e grupos de países selecionados

Fonte: Fonte: http://unctadstat.unctad.org. Elaboração do autor.

133
Tabela 3.7 – Estoque de IDE: grupos e países selecionados, 1980-2010

Valor absoluto (em milhões de dólares, preços e taxas de câmbio correntes)

Interno (inward ) Externo (outward )


1980 1990 2000 2010 1980 1990 2000 2010

Economias Desenvolvidas 401.633 1.562.326 5.653.192 12.501.569 477.203 1.948.084 7.083.477 16.803.536
União Europeia 224.249 760.208 2.322.264 6.890.387 213.005 809.912 3.492.863 8.933.485
França 31.688 97.814 390.953 1.008.378 24.910 112.441 925.925 1.523.046
Alemanha ... 111.231 271.613 674.217 ... 151.581 541.866 1.421.332
Reino Unido 63.014 203.905 438.631 1.086.143 80.434 229.307 897.845 1.689.330

Japão 3.270 9.850 50.322 214.880 19.612 201.441 278.442 831.074


Estados Unidos 83.046 539.601 2.783.235 3.451.405 215.375 731.762 2.694.014 4.843.325
Economias em Transição ... 1.652 60.841 687.832 ... ... 21.339 472.876
Rússia ... ... 32.204 423.150 ... ... 20.141 433.655
Economias em Desenvolvimento excluindo a China 296.245 496.631 1.538.256 5.372.385 71.733 141.070 829.585 2.834.245
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) 33.732 97.196 405.485 1.225.278 46.688 52.018 104.313 373.646
Argentina 2.083 9.085 67.601 86.685 5.970 6.057 21.141 29.841
Brasil 17.480 37.143 122.250 472.579 38.545 41.044 51.946 180.949
México ... 22.424 97.170 327.249 1.632 2.672 8.273 66.152
Chile 10.847 16.107 45.753 139.538 63 154 11.154 49.838
China 1.074 20.691 193.348 578.818 ... 4.455 27.768 297.600
Mundo 698.951 2.081.299 7.445.637 19.140.603 548.936 2.094.169 7.962.170 20.408.257

Como porcentagem do PNB


Interno (inward ) Externo (outward )
1980 1990 2000 2010 1980 1990 2000 2010
Economias Desenvolvidas 4,90 8,94 22,75 30,71 5,83 11,15 28,50 41,29
União Europeia 6,11 10,48 27,42 42,37 5,81 11,17 41,24 54,93
França 4,58 7,84 29,38 39,01 3,60 9,02 69,59 58,92
Alemanha ... 6,49 14,29 20,36 ... 8,84 28,52 42,93
Reino Unido 11,63 20,14 29,69 48,44 14,84 22,64 60,77 75,34
Japão 0,31 0,32 1,08 3,91 1,83 6,59 5,97 15,11
Estados Unidos 2,98 9,32 27,92 23,38 7,73 12,64 27,03 32,81
Economias em Transição 0,00 0,19 15,32 32,84 ... ... 5,57 22,58
Rússia ... ... 12,40 28,71 ... ... 7,75 29,42
Economias em Desenvolvimento excluindo a China 13,33 14,40 26,60 34,60 3,64 4,23 14,35 17,31
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) 4,80 9,23 20,38 26,44 6,64 4,94 5,24 8,06
Argentina 2,76 6,43 23,77 23,40 7,91 4,29 7,43 8,05
Brasil 9,15 9,24 18,96 22,93 20,17 10,21 8,06 8,78
México ... 7,79 15,26 31,90 0,72 0,93 1,30 6,45
Chile 36,79 48,07 60,84 67,65 0,21 0,46 14,83 24,16
China 0,35 5,12 16,21 9,86 ... 1,10 2,33 5,07
Mundo 6,47 9,38 23,10 29,73 5,37 9,83 24,72 31,80

Como porcentagem do total mundial


Interno (inward ) Externo (outward )
1980 1990 2000 2010 1980 1990 2000 2010
Economias Desenvolvidas 57,46 75,06 75,93 65,31 86,93 93,02 88,96 82,34
União Europeia 32,08 36,53 31,19 36,00 38,80 38,67 43,87 43,77
França 4,53 4,70 5,25 5,27 4,54 5,37 11,63 7,46
Alemanha ... 5,34 3,65 3,52 ... 7,24 6,81 6,96
Reino Unido 9,02 9,80 5,89 5,67 14,65 10,95 11,28 8,28
Japão 0,47 0,47 0,68 1,12 3,57 9,62 3,50 4,07
Estados Unidos 11,88 25,93 37,38 18,03 39,23 34,94 33,84 23,73
Economias em Transição 0,00 0,08 0,82 3,59 ... ... 0,27 2,32
Rússia ... ... 0,43 2,21 ... ... 0,25 2,12
Economias em Desenvolvimento excluindo a China 42,38 23,86 20,66 28,07 13,07 6,74 10,42 13,89
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) 4,83 4,67 5,45 6,40 8,51 2,48 1,31 1,83
Argentina 0,30 0,44 0,91 0,45 1,09 0,29 0,27 0,15
Brasil 2,50 1,78 1,64 2,47 7,02 1,96 0,65 0,89
México ... 1,08 1,31 1,71 0,30 0,13 0,10 0,32
Chile 1,55 0,77 0,61 0,73 0,01 0,01 0,14 0,24
China 0,15 0,99 2,60 3,02 ... 0,21 0,35 1,46

Fonte: http://unctadstat.unctad.org. Elaboração do autor.

134
Tanto o aumento dos fluxos de IDE quanto o aumento do comércio intrafirmas
estão diretamente associados à estratégia adotada pelas empresas multinacionais, por
meio do já mencionado desenvolvimento de filiais e formação de redes, da terceirização
etc., que conformou o que muitos autores chamam de “internacionalização” ou
“globalização produtiva”. 137

Três observações a esse respeito se fazem relevantes aqui. Em primeiro lugar,


note-se que uma quantidade expressiva de discursos críticos da “globalização”,
sobretudo no Primeiro Mundo, viu nesse movimento uma fonte adicional de tendências
ao rebaixamento das condições de vida e do poder de negociação dos trabalhadores
naqueles países. A ideia é, fundamentalmente, que as economias desenvolvidas
sofreriam com a saída de capital em busca de salários mais baixos no Terceiro Mundo.
Embora o impacto desse movimento de realocação espacial do capital (o famigerado
processo de outsourcing) sobre os trabalhadores seja controverso, 138 é absolutamente
certo que, no conjunto das transformações sociais pós-1970, a classe trabalhadora
experimentou perdas severas.

Em segundo lugar, embora a forma de atuação das grandes corporações possa ter
se alterado, particularmente em suas estratégias de internacionalização, um traço
importante que se mantém (como tendência) ao longo do século é a concentração (nos
termos de Marx, centralização) de capital. Uma ideia aproximada sobre o assunto pode
ser vislumbrada a partir dos números citados por Chesnais e reproduzidos no Quadro
3.1.

137
Foge aos nossos objetivos um esforço interpretativo maior sobre esse fenômeno. Há uma literatura
mais ou menos vasta sobre as razões que conduziram o capital a se organizar crescentemente, ao longo de
todo o século XX, mas particularmente no período pós-1970, em torno de firmas multinacionais. Cf.
Michalet (1984) e Chesnais (1996). Ver também Petras & Veltmeyer (2007).
138
Hirst & Thompson (1996, sobretudo no “Posfácio”) são taxativos ao negar tal possibilidade. Petras &
Veltmeyer (2007, p. 116-117), por outro lado, parecem dar mais crédito à ideia de que o movimento do
capital, sobretudo a partir dos anos 1990, tem sido para buscar a internacionalização como forma de evitar
salários e benefícios sociais mais altos.

135
Quadro 3.1 – Indicadores da concentração mundial da produção

Automóveis 1984 12 empresas respondem por 78% da produção mundial


Peças de vidro para automóveis 1988 3 empresas respondem por 53% da produção mundial
7 empresas respondem por 88% da produção mundial
Pneus 1988 6 empresas respondem por 85% da produção mundial
Material médico 1989 7 empresas respondem por 90% da produção mundial
Produtos petroquímicos:
Polipropileno 1980 4 empresas respondem por 34% da produção mundial
8 empresas respondem por 50% da produção mundial
Polistireno 1980 4 empresas respondem por 51% da produção mundial
8 empresas respondem por 69% da produção mundial
ABS 1980 4 empresas respondem por 55% da produção mundial

Processamento de Dados/DRAM 1987 5 empresas respondem por 65% da produção mundial


10 empresas respondem por 100% da produção mundial
Processamento de Dados/ASIC 1988 4 empresas respondem por 54% da produção mundial
12 empresas respondem por 100% da produção mundial

Mercado de computadores:
Total 1984 1 empresa (IBM) responde por 41% da produção mundial
4 empresas respondem por 53% da produção mundial
10 empresas respondem por 64% da produção mundial
Total (excluindo materiais
periféricos) 1988 1 empresa (IBM) responde por 28% da produção mundial
4 empresas respondem por 45% da produção mundial
10 empresas respondem por 64% da produção mundial

Fonte: OCDE, CEE/FAST e Flamm apud Chesnais (1996, p. 95).

Por último, é importante notar que a aproximação comumente feita entre os


fluxos de investimento direto e a exportação de capital sob forma produtiva –
considerada pelos teóricos do imperialismo, especialmente por Lênin, como uma das
formas principais de atuação do capital na “nova fase” do capitalismo por eles analisada
– se torna mais “cinza” nesse momento. Isso porque grande parte do IDE,
particularmente depois das mudanças na estrutura financeira pós-crise de 1960/70, passa
a dirigir-se cada vez mais à fusão/aquisição de firmas e menos à instalação de novas
unidades produtivas. 139

139
Petras & Veltmeyer (2007) realizam uma análise desse processo, sobretudo para o caso latino-
americano.

136
Com efeito, a nova dinâmica dos fluxos de capital na “esfera financeira” é
considerada por diversos comentadores o traço distintivo do capitalismo
contemporâneo. Nesse sentido, embora o IDE tenha aumentado significativamente ao
longo do período estudado, a Tabela 3.8 nos permite relativizar esse aumento quando
comparado com os investimentos em portfólio. Mesmo nos países emergentes, onde o
investimento direto se manteve como principal “porta de entrada” de recursos
internacionais, sendo consistentemente superior aos investimentos em portfólio (com a
exceção do ano de 1996), a importância destes não deve ser subestimada, não só por seu
expressivo crescimento (as entradas por essa via foram em 2007, ano que antecedeu a
crise, aproximadamente 13 vezes maiores que no primeiro ano da série, mesmo que
ainda assim inferiores ao crescimento do IDE), mas principalmente porque esta parece
ter se tornado uma importante “porta de saída” de recursos. Já a Figura 3.9 mostra o
volume de recursos transacionados no mercado de capitais (stocks tradded) para países
selecionados entre 1988 e 2010 – volume este que até a crise de 2008 tinha ultrapassado
a produção física em todos os países selecionados. Por fim, a Tabela 3.9 apresenta um
quadro comparativo do tamanho do mercado de capitais (para países selecionados) em
1995 e 2008. Mais relevante que tudo isso, porém, é entender porque em todo o mundo
essa “esfera” experimenta uma “hipertrofia” no período recente.

Figura 3.9 – Ações transacionadas: “Tríade” e China, 1988-2010 (valor total como
porcentagem do PNB)

Fonte: http://databank.worldbank.org/ddp/home.do. Elaboração própria.

137
Tabela 3.8 - Fluxo global de capitais (US$ milhões)

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Estados Unidos
Investimento direto Entradas 23,2 19,8 51,40 46,1 57,8 86,5 105,6 179 289,4 321,3 167 84,4 63,8 146 112,6 243,2 275,8 319,7
Saídas -37,9 -48,3 -84,00 -80,2 -98,8 -91,9 -104,8 -142,6 -224,9 -159,2 -142,4 -154,5 -149,6 -316,2 -36,2 -244,9 -398,6 -332
Portfólio Entradas 57,5 72 111 139,4 210,4 332,8 333,1 187,6 285,6 436,6 428,3 427,6 550,2 867,3 832 1126,7 1154,7 527,7
Saídas -45,7 -49,2 -146,2 -63,2 -122,4 -149,3 -116,9 -124,2 -116,2 -121,9 -84,6 -48,6 -123,1 -177,4 -257,5 -498,9 -396 117,4
Outros Entradas 30,1 78,9 119,7 120,5 170,4 131,8 268,1 57 165,2 289 187,5 283,2 244,4 519,9 302,7 695,3 699 -313,4
Saídas 13,4 19,1 31 -40,9 -121,4 -178,9 -262,8 -74,2 -171,2 -288,4 -134,9 -87,9 -54,3 -510,1 -267 -544,3 -677,4 219,4
Ativos de reserva 5,8 3,9 -1,4 5,3 -9,7 6,7 -1 -6,7 8,7 -0,3 -4,9 -3,7 1,5 2,8 14,1 2,4 -0,1 -4,8
Fluxo total de capital Entradas 110,8 170,7 282,1 306 438,6 551,1 706,8 423,6 740,2 1046,9 782,9 795,2 858,3 1533,2 1247,3 2065,2 2129,5 534,1
Saídas -64,4 -74,4 -200,5 -178,9 -352,3 -413,4 -485,5 -347,8 -503,7 -569,8 -366,8 -294,7 -325,4 -1000,9 -546,6 -1285,7 -1472,1 -0,1
Fluxo Líquido de Capital 46,4 96,3 81,6 127,1 86,3 137,7 221,3 75,8 236,5 477,1 416,1 500,5 532,9 532,3 700,7 779,5 657,4 534
Japão
Investimento direto Entradas 1,3 2,8 0,1 0,9 — 0,2 3,2 3,3 12,3 8,2 6,2 9,1 6,2 7,8 3,2 -6,8 22,2 24,6
Saídas -31,6 -17,4 -13,8 -18,1 -22,5 -23,4 -26,1 -24,6 -22,3 -31,5 -38,5 -32 -28,8 -31 -45,4 -50,2 -73,5 -130,8
Portfólio Entradas 127,3 9,6 -6,1 64,5 59,8 66,8 79,2 56,1 126,9 47,4 60,5 -20 81,2 196,7 183,1 198,6 196,6 -103
Saídas -81,6 -34 -63,7 -92 -86 -100,6 -47,1 -95,2 -154,4 -83,4 -106,8 -85,9 -176,3 -173,8 -196,4 -71 -123,5 -189,6
Outros Entradas -108,2 -105,2 -32,7 -5,6 97,3 31,1 68 -93,3 -265,1 -10,2 -17,6 26,6 34,1 68,3 45,9 -89,1 48,9 62
Saídas 26,5 46,6 15,1 -35,1 -102,2 5,2 -192 37,9 266,3 -4,1 46,6 36,4 149,9 -48 -106,6 -86,2 -260,8 139,5
Ativos de reserva 8,4 -0,6 -27,5 -25,3 -58,6 -35,1 -6,6 6,2 -76,3 -49 -40,5 -46,1 -187,2 -160,9 -22,3 -32 -36,5 -30,9
Fluxo total de capital Entradas 20,4 -92,9 -38,7 59,8 157,1 98,1 150,4 -34 -125,9 45,4 49,1 15,7 121,5 272,8 232,3 102,6 267,7 -16,4
Saídas -78,4 -5,4 -90 -170,4 -269,4 -154 -271,6 -75,8 13,4 -168 -139,2 -127,7 -242,3 -413,6 -370,8 -239,4 -494,2 -211,9
Fluxo Líquido de Capital -58 -98,3 -128,7 -110,6 -112,3 -55,9 -121,2 -109,8 -112,5 -122,6 -90,1 -112 -120,8 -140,8 -138,5 -136,8 -226,5 -228,3
Área do Euro
Investimento direto Entradas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 209,7 404,8 199,8 184,9 153,3 114,8 194,1 328,6 563,5 207,1
Saídas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. -338,2 -404,9 -297,9 -163,7 -164,7 -215,3 -453,6 -542,7 -664,8 -485,1
Portfólio Entradas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 282,9 270,7 318,1 298,6 381,4 486,1 660,3 890,5 800,4 523,4
Saídas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. -330,5 -385,2 -254,8 -163,5 -318,1 -428,8 -514,6 -650,5 -597,1 -25,5
Outros Entradas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 208,3 337,2 238,6 60,4 198,4 356 801,7 945,7 1269,8 295,3
Saídas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. -31 -166,2 -244,3 -219,6 -282,3 -425,2 -737,7 -998,6 -1287,2 -180,8
Ativos de reserva n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 11,6 16,2 16,8 -3 32,8 15,6 23 -2,5 -5,6 -5,6
Fluxo total de capital Entradas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 700,8 1012,7 756,5 543,8 733 956,9 1656,1 2164,7 2633,7 1025,8
Saídas n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. -688,1 -940,1 -780,2 -549,8 -732,3 -1053,7 -1682,9 -2194,3 -2554,7 -697,1
Fluxo Líquido de Capital n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. n.a. 12,7 72,6 -23,7 -6 0,7 -96,8 -26,8 -29,6 79 328,7
Mercados em ergentes
Investimento direto Entradas 39,4 48,7 70 95,7 124 145 182,3 179,4 207,5 213,5 224 172,9 174 250 335 417,1 611,6 686,8
Saídas -6,9 -13,3 -16,1 -14,8 -23,5 -28,6 -37,3 -24,2 -33,6 -36,5 -32,8 -22,9 -26,6 -63,3 -83,1 -161,8 -199,3 -250,8
Portfólio Entradas 26,6 43,7 94,7 93,5 37,5 113,4 86,2 35 113,3 74,7 -8,1 -5 55,1 109,2 176,4 283,4 352,2 -33,8
Saídas 1,5 -1,6 1,1 -1,4 -14,1 -31,5 -33,1 0,5 -53,2 -81,6 -95,7 -37,2 -71,4 -106 -169,8 -399,7 -341,4 -132,9
Outros Entradas 35,2 74,4 40,2 18,8 137,7 86,7 168,4 -108,5 -64,4 -11,6 -43,6 6,2 78,4 122,5 122,4 194,6 694,5 123,8
Saídas 29,2 -19,6 -25 -65,9 -53,3 -95,5 -140,6 37,5 -76,5 -145,9 11,9 -37,8 -84,6 -125,8 -197,9 -272,6 -524,7 -343,4
Ativos de reserva -46,3 -58,8 -64,2 -68,2 -130,7 -90,6 -103,6 -34 -92,3 -115,1 -113,3 -154,5 -303,9 -426,7 -540,1 -717,7 -1226,6 -668
Fluxo total de capital Entradas 101,2 166,8 204,9 208 299,1 345,1 437 105,9 256,3 276,6 172,3 174,2 307,5 481,7 633,9 895,1 1658,3 776,8
Saídas -22,5 -93,3 -104,2 -150,3 -221,6 -246,3 -314,6 -20,2 -255,7 -379,1 -229,9 -252,4 -486,4 -721,9 -990,9 -1551,8 -2292,1 -1395
Fluxo Líquido de Capital 78,7 73,5 100,7 57,7 77,5 98,8 122,4 85,7 0,6 -102,5 -57,6 -78,2 -178,9 -240,2 -357 -656,7 -633,8 -618,2

Notas: "Fluxo total de capital" é a soma de investimento direto, em portfólio e outros; a linha "Outros" inclui depósitos bancários; o "fluxo líquido de capital" é a soma das entradas e saídas do fluxo total.
Fonte: FMI (2002, p. 22-23; 2004, p. 184-185; 2010, p. 174-175). Elaboração própria.

138
Tabela 3.9 – Indicadores selecionados sobre o tamanho do mercado de capitais:
A. Países selecionados, 1995.

Dívidas securitizadas (b)


Capitalização Ativos dos Total em
Reservas Total
PIB do mercado Pública Privada Total bancos % do
(a) (c)
acionário comerciais PIB

Europa (d) 8.427,6 376,3 3.778,5 4.809,9 3.863,5 8.673,4 14.818,0 27.269,9 323,6
Estados Unidos 7.253,8 74,8 6.857,6 6.728,0 4.322,6 11.050,6 5.000,0 22.908,2 315,8
Japão 5.134,3 183,3 3.667,3 3.447,7 1.877,1 5.324,8 7.382,2 16.374,2 318,9

França 1.538,8 26,9 522,1 681,7 801,2 1.482,9 2.923,0 4.927,9 320,3
Alemanha 2.412,5 85,0 577,4 893,6 1.284,5 2.178,1 3.752,4 6.507,8 269,8
Grécia 114,3 14,8 17,1 100,1 5,8 105,9 63,9 186,8 163,4
Itália 1.087,2 34,9 209,5 1.222,0 396,8 1.618,8 1.513,5 3.341,8 307,4
Luxemburgo 19,3 0,1 30,4 1,0 15,9 16,9 555,0 602,3 3.125,1
Portugal 102,7 15,9 18,4 56,0 15,6 71,6 161,8 251,8 245,1
Espanha 559,6 34,5 197,8 301,6 62,6 364,2 840,2 1.402,2 250,6
Suécia 230,6 24,1 178,0 234,0 184,2 418,2 202,8 799,0 346,5
Reino Unido 1.105,1 42,0 1.407,7 429,9 396,3 826,2 2.424,4 4.658,3 421,5

B. Países selecionados, 2008.

Dívidas securitizadas (b)


Capitalização Ativos dos Total
Reservas
PIB do mercado Pública Privada Total bancos Total (c) em %
(a)
acionário comerciais do PIB

Mundo 61.218,7 7.389,7 33.513,1 31.573,9 51.694,8 83.268,7 104.712,3 221.494,0 361,8

Europa (e) 17.134,2 296,2 7.269,1 8.769,3 20.272,1 29.041,3 51.044,4 87.354,8 509,8
Estados Unidos 14.441,4 66,6 11.737,6 7.887,4 22.683,9 30.571,3 14.004,8 56.313,7 389,9
Japão 4.887,0 1.009,4 3.209,0 9.116,3 2.338,0 11.454,3 10.419,3 25.082,6 513,3

França 2.866,8 33,6 1.490,6 1.481,7 3.080,8 4.562,5 11.208,0 17.261,1 602,1
Alemanha 3.673,1 43,1 1.110,6 1.646,7 3.829,9 5.476,6 6.894,6 13.481,7 367,0
Grécia 351,9 0,3 90,9 346,9 165,2 512,2 567,3 1.170,5 332,6
Itália 2.313,9 37,1 522,1 1.998,7 2.482,1 4.480,8 4.257,8 9.260,6 400,2
Luxemburgo 57,9 0,3 66,6 2,8 97,5 100,3 982,1 1.149,0 1.984,0
Portugal 244,9 1,3 74,8 188,9 291,9 480,8 307,7 863,2 352,4
Espanha 1.602,0 12,4 948,4 634,0 2.698,6 3.332,6 3.076,5 7.357,5 459,3
Reino Unido 2.684,2 44,3 1.868,2 834,3 3.133,4 3.967,6 12.729,0 18.564,8 691,6

Economias asiáticas recém-


industrializadas 1.735,2 849,5 2.447,6 555,0 902,0 1.456,9 3.481,8 7.386,4 425,7

Mercados emergentes 18.941,9 4.838,2 5.960,0 4.077,2 2.129,8 6.207,0 16.729,5 28.896,5 152,6

Notas: (a) Exclui reservas em ouro; (b) Inclui bônus emitidos por governos, instituições financeiras e
corporações no mercado financeiro internacional; (c) Soma da capitalização de mercado acionário,
dívidas securitizadas e ativos dos bancos comerciais; (d) Europa: Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia,
França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha, Suécia e Reino
Unido; (e) Inclui a Zona do Euro mais Dinamarca, Suécia e Reino Unido.

Fonte: FMI (1997, p. 23; 2010, p. 177). Elaboração própria.


139
A chamada “financeirização”, como muitos autores passaram a caracterizar o
movimento de capital-dinheiro (sob a forma de capital portador de juros e capital
fictício) cada vez mais descolado da esfera produtiva, remonta à virada da década de
1970. Não se pretende aqui refazer detalhadamente a mais que conhecida história da
“financeirização”. Em termos bastante sintéticos, ela tem como partida um contexto de
forte regulamentação às instituições financeiras do período pós-Grande Depressão
(sempre simbolizados pela legislação norte-americana conhecida como Glass-Steagall
Act de 1933) e taxas de câmbio fixas. De acordo com Belluzzo (1997, p. 168), nesse
contexto, a despeito da importância das instituições de Bretton Woods (FMI e Banco
Mundial), o Federal Reserve detinha o papel de regulador da liquidez internacional.
Além disso, a organização das finanças seria dominada pelo crédito bancário, cujos
aspectos centrais seriam a existência de: (i) objetivos nacionais para as políticas
monetária e creditícia, ao passo que as taxas de câmbio fixas e as limitações à
mobilidade do capital impediam a transmissão de instabilidade financeira de uma
economia à outra; (ii) um marco regulatório estreito sobre a forma de operação das
instituições financeiras que determinavam sua segmentação e especialização, severos
requisitos prudenciais, tetos para as taxas de captação e empréstimo e a criação de
linhas especiais de fomento; (iii) relação mais próxima entre bancos centrais e bancos
privados capaz de dar resposta mais efetiva às necessidades de liquidez do sistema
bancário.140

Esse sistema de regulamentação das finanças começa a ser desfeito a partir de


meados da década de 1960, inicialmente sob a influência decisiva das operações de
empréstimo que escapavam do controle dos bancos centrais, com a formação dos
mercados off-shore e do euromercado, mas, especialmente, após o desmantelamento do
sistema de Bretton Woods (1971-1973) que permitiria transformar o mercado cambial
na primeira esfera de atuação das finanças internacionalizadas. Esse processo de
internacionalização financeira continuaria a se acelerar e atrair um volume de recursos

140
Conforme a advertência já feita, trataremos do assunto de modo bastante rápido. Os leitores
interessados em discutir o assunto em maiores detalhes, ver entre outros Eichengreen (2000, cap. 4 e 5),
Belluzzo (1997; 1999), Braga & Cintra (2004), Fiori (1997), Carcanholo (2002, cap. 1), Chesnais (1999;
2005) e a bibliografia por eles citada.

140
crescente – fortemente impulsionado depois do choque do petróleo, quando grande
quantidade de capital passou a procurar formas de valorização na esfera financeira (os
chamados petrodólares, cuja importância para o financiamento da industrialização com
endividamento externo de parte do mundo subdesenvolvido seria crucial).

Quando, em 1979, os Estados Unidos promovem a elevação sem precedentes da


taxa de juros – o “golpe dos juros” como o denominaram Duménil & Lévy (2004, p. 69)
–, no intuito de recuperar o poder do dólar, desfere-se o golpe final nas convenções do
pós-guerra e cria-se uma crise de liquidez que se refletiria na crise da dívida da
periferia. A história da financeirização continuaria, assim, a partir da década de 1980,
com uma crescente desregulamentação e internacionalização das finanças, refletindo-se
simultaneamente no contínuo aprimoramento dos instrumentos financeiros a partir da
utilização de novas tecnologias de informação e do desenvolvimento de modelos cada
vez mais complexos de operação nas bolsas. Dessa forma, conferiu-se aos fluxos de
capital-dinheiro, cada vez mais, contornos de uma anunciada “onipotência”. 141

De modo mais sistemático, Chesnais (1999b) sugere que poderíamos dividir


analiticamente o processo de formação das “finanças mundializadas” em três etapas,
como se pode ver no Quadro 3.2. 142

141
O quadro ímpar de desenvolvimento “técnico” e suas consequências para sua dinâmica posterior da
“dinâmica financeira” são analisados por Belluzzo (1999, p. 106), para quem: “o veloz desenvolvimento
de inovações financeiras nos últimos anos (técnicas de hedge através de derivativos, técnicas de
alavancagem, modelos e algoritmos matemáticos para ‘gestão de riscos’), associadas à intensa
informatização do mercado, permitiu acelerar espantosamente o volume de transações com prazos cada
vez mais curtos. Essas características, combinadas com a alavancagem baseada em créditos bancários,
explica o enorme potencial de realimentação dos processos altistas (formação de bolhas), assim como os
riscos de colapso no caso dos movimentos baixistas”.
142
Nesse sentido, pode-se observar que Nakatani & Marques (2008) mostram como a “financeirização”
assume um papel progressivamente maior dentro do próprio pensamento de Chesnais ao longo das
últimas décadas.

141
Quadro 3.2 – As três etapas da emergência das finanças de mercado mundializadas:
caracterização geral e medidas de maior destaque143

1960-1979 1980-1985 1986-1995


Internacionalização financeira Passagem simultânea para as Acentuação da interligação,
“indireta” de sistemas nacionais finanças de mercado e para a extensão da arbitragem e
fechados. Evolução dos Estados interligação dos sistemas incorporação dos “mercados
Unidos em direção às finanças nacionais pela liberalização emergentes” do Terceiro Mundo.
de mercado. financeira.

Formação nos Estados Unidos Início do monetarismo nos “Big-bang” na City.


de mercados de títulos de crédito Estados Unidos e no Reino
(papéis de caixa) utilizados Unido. Abertura e desregulamentação
principalmente pelos bancos. dos mercados de ações.
Formação dos mercados de Liberalização dos movimentos de
eurodólares em off-shore. capitais. Explosão das transações sobre
os mercados de câmbio.
Desagregação e liquidação do Securitização da dívida pública.
sistema de Bretton Woods (1966- Abertura e desregulamentação
1971). Rápida expansão dos mercados dos mercados de matérias-
de bônus. primas.
Fim do enquadramento do
crédito no Reino Unido (1971). Políticas monetárias de atração Crescimento rápido dos
de investidores estrangeiros. mercados derivados de matérias-
Passagem aos câmbios flexíveis primas.
(1973) e início do crescimento Arbitragem internacional sobre
dos mercados de câmbio. os mercados de bônus. Explosão dos derivativos.

Falência do Banco Herstatt, início Início da desintermediação da Aceleração do crescimento dos


dos trabalhos referentes à demanda privada de liquidez dos mercados de bônus.
normatização no BIS. grupos industriais e das
instituições financeiras. A partir de 1990, início da
Expansão acelerada no mercado abertura e desregulamentação
de eurodólares, reciclagem dos Crescimento muito rápido dos dos mercados de bônus e
petrodólares, empréstimos ativos dos fundos de pensão e acionário dos novos países
bancários tomados de dos mutual funds. industrializados e de países do
consórcios. Terceiro Mundo.
Crescimento rápido dos
Internacionalização acelerada derivativos. Expansão para além da zona da
dos bancos americanos OCDE do regime das finanças
(compreendidos aí sob forma de Expansão internacional das diretas e da securitização da
empréstimos não sindicais e de operações dos fundos de pensão dívida pública.
créditos internacionais). e dos mutual funds.
Discussões sobre a extensão do
Início do endividamento do Junk bonds e recursos papel do FMI (1995), após a crise
Terceiro Mundo. alavancando os mercados de mexicana.
títulos das propriedades de
Surgimento de mercados empresas em Nova Iorque e em
derivados (futuros e de opções) Londres.
sobre as moedas e as taxas de
juros.

Fonte: Chesnais (1999b, p. 24).

143
Considera-se o quadro elaborado por Chesnais e ora reproduzido interessante por destacar de modo
sintético os principais eventos associados à formação da dinâmica contemporânea do capital fictício na
chamada “esfera financeira”. Porém, é preciso notar o descuido do autor ao localizar entre as décadas de
1960 e 1970 o “início do endividamento do Terceiro Mundo” – algo que acompanha essas regiões desde o
início de sua história moderna.

142
Finalmente, é importante enfatizar que a dita “financeirização” deve ser
entendida como um aspecto central da resposta do capital à crise dos 1960/70, na
medida em que, como havíamos visto no Capítulo 1, Marx (1986, p. 182) considerou o
desenvolvimento do capital portador de juros (mais precisamente o desenvolvimento
das sociedades anônimas) como uma forma capaz de conter a queda da taxa de lucro.
Nesse sentido, Carcanholo (2008, p. 251) observa que:

a superprodução de capital [no contexto da crise], significava que existia um


excesso de capital que não conseguia valorização nos moldes “tradicionais”,
isto é, através da produção crescente de mercadorias, com posterior
venda/realização em mercados também crescentes. Era preciso encontrar
outra esfera para que esse capital produzido em excesso conseguisse
valorizar-se. Não é por acaso que os processos de desregulamentação,
abertura e internacionalização das finanças tenham sido acelerados nesse
momento. A expansão do capital fictício, dentro do que alguns chamam de
financeirização, em busca da apropriação financeira cada vez menos baseada
no processo direto de produção de mercadorias, é a resposta do capital a esse
outro aspecto de sua própria crise.

Simultaneamente, a partir de seu estabelecimento, o impacto causado pelas


vultuosas somas de dinheiro que passam a ser controladas por operadores nos mais
distante pontos do globo em tempo real, tiveram um impacto ideológico crucial para se
entender o capitalismo contemporâneo. Cada vez mais se passou a crer que a
“globalização”, sobretudo quando referida à “esfera financeira”, era um fenômeno
espontâneo e inevitável. Como imaginar um mundo de Estados nacionais com poderes
regulatórios sobre o capital, quando este seria capaz de transferir-se quase
instantaneamente por entre as fronteiras – sem dever “respeito” a pátria alguma? 144
Trataremos de parte dessas questões na seção final deste capítulo, mas, a título de
conclusão da presente etapa, entretanto, convém observar que a esfera financeira não
representou a única esfera para onde o capital moveu-se no intuito de permitir a
elevação da taxa de lucro.

Nesse sentido, uma das tendências que mais se acentua a partir da década de
1970 é o vigoroso crescimento do chamado “setor de serviços” da economia, que,

144
Esse discurso foi propagado mesmo quando se falava exclusivamente no capital sob forma produtiva,
com base na ideia de que o termo “multinacionais” deveria ser substituído por “transnacionais” de modo a
identificar uma forma de atuação do capital que não tinha qualquer referência nacional. Como visto, no
entanto, esse argumento continua a mostrar-se bastante distante da realidade, sendo suficiente para
derrubá-lo observar a concentração ainda hoje nítida dos fluxos de capital entre certas regiões do globo
(particularmente entre os membros da chamada Tríade). Cf. Michalet (1985) e Hirst & Thompson (1996).

143
segundo dados do Banco Mundial, representava 53% do PNB mundial em 1970 e atinge
a marca de 72% em 2009, enquanto a participação do setor industrial cai de 38% para
26%.145 Tal movimento levou diversos autores a concluir que se transitava para uma
sociedade “pós-industrial”. 146 Embora não haja aqui espaço para um debate mais amplo
acerca dessa tendência, é preciso notar que este movimento pode ser lido como uma
ampliação das esferas de valorização do capital, em alguns casos ocupando espaços da
sociedade pouco explorados ou mesmo ainda não dominados pela lógica mercantil. O
cuidado com as categorias é fundamental, entretanto. Como advertem Carcanholo &
Baruco (2009, p. 135):

muito do que é hoje chamado de setor de serviços, constitui-se, na realidade,


em capital industrial. Como visto anteriormente, este último se define quando
um capital aciona meios de produção e força de trabalho com o fim de gerar e
realizar a mais-valia. Logo, o que define o capital industrial e, portanto, o
trabalho produtivo, é um critério de valorização, por intermédio de uma
relação social, e não um critério de produção material. Não importa qual seja
o valor de uso produzido/ transformado no processo de produção, mas que
este processo seja realizado com base nas relações sociais capitalistas, ou seja,
que o capitalista pague o valor da força de trabalho e que o consumo do valor
de uso desta gere a mais-valia. Portanto, grande parte do que é chamado setor
serviços é capital industrial porque emprega trabalho produtivo e produz
riqueza capitalista.

Por outro lado, um ramo industrial relevante para o assunto tratado nesta tese,
que tem a peculiaridade de ser associado a uma forma de eliminação de capital
excedente, é a indústria bélica. Nesse caso, o movimento de contraposição à queda
tendencial da taxa de lucro seria duplo, porque não representa apenas mais um ramo do
capital, mas porque as guerras abrem espaços de valorização nos territórios
conquistados e podem eliminar (fisicamente, inclusive) excesso de capital e força de
trabalho.147

145
Dados disponíveis em http://databank.worldbank.org. Considerando apenas os países da OCDE, os
números do setor de serviços passam de 55 para 75% no mesmo período. Ver também, por exemplo,
Harvey (2005, p. 149).
146
O exemplo mais notável é a obra de Bell (1976). Análises críticas em Carcanholo & Baruco (2009) e
Postone (1999).
147
Mampaey & Serfati (2005) fazem uma interessante análise sobre a relação entre a “esfera financeira”
do capital e o desenvolvimento do setor armamentista nas últimas décadas.

144
3.3. Breve nota sobre as transformações ideológicas: o “fim das
ideologias” como ideologia do capitalismo contemporâneo

“Globalização” e “imperialismo” são termos que carregam mais semelhanças


entre si do que por vezes se faz lembrar. São ambos termos que desde cedo despertaram
interesse no debate político e que adentraram no jargão cotidiano muito antes de
surgirem estudos sistemáticos sobre sua natureza. Mais do que isso, porém, a exemplo
do que ocorrera um século antes, quando os teóricos do imperialismo acreditaram
presenciar o início de uma nova fase no modo de produção capitalista, a ideia de
“globalização” ganhou força nas últimas décadas do século XX justamente afirmando a
existência de um novo momento histórico. A afirmação desse novo momento é
apresentada, nos mais distintos âmbitos da sociedade por meio de expressões como
“pós-modernidade”, “sociedade pós-industrial”, “neoliberalismo”, “globalização”, “fim
da história” etc. Não há espaço aqui para dar a devida atenção a todas as questões
relativas a essas caracterizações. No capítulo seguinte devemos nos concentrar no modo
como as teses do capitalismo contemporâneo afetaram o pensamento sobre
imperialismo na atualidade. Antes disso, porém, dedicaremos a presente seção às formas
como o conjunto de mudanças econômicas, políticas e sociais do período aqui analisado
foram percebidas pela sociedade, entendendo que as novas concepções assim elaboradas
são elas próprias parte das mudanças sociais que se pretende avaliar.

A expressão mais bem acabada do juízo que a sociedade passa a fazer de si


mesma no período recente talvez esteja contida na ideia de “globalização”. Poucos
conceitos tiveram tanta influência sobre o pensamento social nas últimas décadas e,
ainda assim, é fato notório que não existem muitos consensos sobre o que seja isso. No
mais das vezes as referências são feitas a aspectos mais ou menos esparsos, nem sempre
vistos como necessariamente interligados, mas sempre enfatizando a suposta formação
de um mundo completamente integrado nos mais diferentes níveis da vida social
(particularmente na esfera econômica). Nesse sentido, Frederic Jameson (2001, p. 17 et
seq.) sugere que o discurso da globalização articula cinco níveis de análise mais ou
menos coesos: o tecnológico, o político, o cultural, o econômico e o social.

Em primeiro lugar, estaria o plano tecnológico, na medida em que todo esse


discurso se articula sobre um pretenso “encurtamento” das distâncias, promovido pela

145
revolução da informática, pelas novas tecnologias de comunicação, dos transportes etc.
Ao mesmo tempo, é por se fundamentar nas inúmeras mudanças tecnológicas que a dita
globalização pode sempre ser afirmada e reafirmada como fenômeno espontâneo e
inexorável. 148

O segundo nível de análise seria o político. Nesse caso, a dimensão mais


propalada da globalização seria o “fim dos Estados-nação”, que sucumbiriam frente ao
poder do capital de mover-se rapidamente e sem fidelidade a qualquer pátria em
particular.

A terceira dimensão, dita cultural, refere-se à suposta padronização da cultura


que acabaria com as diferenças locais, com as tradições etc. Em parte, isso ocorreria
pela concorrência em pé de desigualdade com a indústria cultural estrangeira
(particularmente, a norte-americana), mas se alastraria com efeitos de potencial
dissolução das identidades culturais particulares. Por outro lado, cultura e economia se
ligariam na globalização também porque a mercadoria crescentemente seria consumida
não só por seu valor de uso imediato, mas por sua imagem, isto é, uma mercadoria seria
consumida também esteticamente, portanto (JAMESON, 2001, p. 22).

Do ponto de vista econômico, i.e. o quarto nível de análise, a globalização


impor-se-ia pela sua crescente “predominância financeira” (discutida na última seção),
assim como (ainda que em menor medida) pela eliminação das barreiras nacionais aos
fluxos de mercadoria e capital, a qual revestiu o movimento do capital de alegadas
onipotência e ubiquidade.

Por fim, o aspecto social, quinto e último da síntese de Jameson, diria respeito à
contínua dissolução de todos os vínculos pessoais e sociais (não econômicos) na
“cultura do consumo”, cujo efeito seria a “individualização” (ou atomização) da
sociedade.

Na presente seção, o importante a se destacar é que os discursos da globalização,


do fim da história etc. passam a se afirmar como resultado inevitável de uma “era pós-
ideológica”, como resultado de um processo quase natural de desenvolvimento. Nesse

148
Um exemplo clássico da forma assumida por esse discurso foi a ideia de que o mundo havia se
transformado numa “aldeia global”, para usar a expressão consagrada por Marshall MacLuhan. Uma
análise detalhada de tais discursos pode ser vista em Ianni (1996).

146
sentido, é interessante notar que esses discursos, na mesma medida que afirmam a
existência de uma cultura global padronizada pelo fim das nacionalidades e pela
predominância econômica desmesurada, colocam também a perspectiva do “fim das
grandes narrativas”, de qualquer “narrativa totalizante”, sob a égide da chamada pós-
modernidade, cuja resposta singular seria a necessidade de adaptação passiva às
transformações geradas no seio da sociedade capitalista a partir da década de 1970. A
esse respeito é preciso lembrar sempre que as mudanças – sobretudo as econômicas
estudadas na seção anterior – foram possibilitadas pelo movimento político (deliberado)
que se convencionou chamar de neoliberalismo, ao mesmo tempo em que o fim da
Guerra Fria fomentava a crença de que não havia limites no horizonte de expansão de
tal modelo de capitalismo neoliberal, ou “democracias liberais” para usar os termos de
Fukuyama (1992), em sua conhecida afirmação do “fim da história”. 149

Ainda assim, mais que o triunfalismo capitalista posto na ideia de “fim da


história”, o próprio sucesso não só da obra de Fukuyama, mas dos discursos da
globalização como um todo, podem ser encarados como a expressão máxima da
mudança na visão de mundo predominante e, além disso, igualmente como o sucesso
dessa visão em fazer crer que se vive hoje uma era “pós-ideológica”. No mesmo
sentido, torna-se agora possível afirmar a política neoliberal, o domínio exercido pelo
capital, a disseminação de uma cultura hegemônica e a dissolução dos laços não
econômicos entre os indivíduos (para não chamá-los, mais simplesmente, de
consumidores como faz a ortodoxia econômica) etc. como ações (ou consequências) dos
novos tempos contra as quais nada se poderia fazer (não de modo “responsável”, pelo
menos).

A conformação do chamado capitalismo contemporâneo se dá a partir da


reorientação promovida no bojo da crise estrutural do capital das décadas de 1960/70.
As profundas mudanças atingiram os mais distintos níveis da sociedade, demandando
uma renovação também das teorias que pretendem descrever o modo de produção
capitalista no período atual. O crescimento da chamada “esfera financeira”, a mudança
nos padrões de comportamento dos fluxos de capital ao longo do século XX, o sistema

149
Um excelente estudo da relação entre pós-modernismo e neoliberalismo como projetos político-
ideológicos da “era da globalização” se encontra em Carcanholo & Baruco (2009).

147
de alianças e rivalidades entre as nações capitalistas, assim como todo o debate sobre a
relevância dos Estados nacionais como agentes relevantes na dinâmica econômica da
sociedade tornaram imperativo que os teóricos marxistas reagissem a cada momento,
tentando reavaliar a importância daquilo que a teoria clássica do imperialismo havia
descrito como sendo a “fase atual” do capitalismo. No próximo capítulo passamos, por
isso, a analisar de que modo essas profundas mudanças, apesar do ambiente intelectual
conservador – ou talvez, ao menos parcialmente, por causa dele – deram ensejo a uma
nova onda de estudos sobre o imperialismo, um século depois das análises clássicas.

148
CAPÍTULO 4:
AS TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DO IMPERIALISMO

4.1. A teoria do imperialismo no decorrer do século XX


4.1.1. A derrocada dos “clássicos” no início do século

O fim da Primeira Guerra Mundial representa um marco importante não só nos


estudos sobre imperialismo, mas para a teoria marxista como um todo. Como vimos no
capítulo 2, a maior parte das teorias marxistas sobre o imperialismo havia sido
elaborada durante, ou ao menos às vésperas, da guerra e seu debate interno naturalmente
nutria-se do clima de hostilidade entre as grandes potências capitalistas, bem como da
necessidade de pensar como as organizações da classe trabalhadora deveriam agir
naquele contexto. Nesse sentido, por mais que a rivalidade interestatal estivesse muito
longe de se atenuar com o fim da guerra (como a eclosão da Segunda Guerra deixaria
óbvio), o panorama mundial se via substancialmente alterado, sobretudo pela Revolução
Russa de 1917.

Nesse contexto, é pouco surpreendente que o debate sobre a teoria do


imperialismo não tenha se alterado substancialmente nos anos subsequentes ao período
clássico. Entre os anos 1920 e 1940, à parte da resposta de Bukharin a Rosa
Luxemburgo (em 1924), os textos teóricos mais importantes sobre o imperialismo
foram elaborados por Henryk Grossman (em 1929) e Leon Trotsky (entre as décadas de
1930 e 1940). Em ambos os caso, entretanto, as contribuições foram antes pontuais,
seguindo mais ou menos a mesma linha geral apresentada pelos clássicos,
particularmente por Lênin. Grossman (1992, passim) atribuía a Lênin a definição mais
completa do imperialismo, embora se possa sentir em sua obra também influência de
Luxemburgo – de quem o autor foi claramente um crítico, entretanto. De fato, o aspecto
da obra de Grossman mais frequentemente lembrado pode ser entendido como uma
exacerbação dos argumentos de Luxemburgo: o aprofundamento da tendência à crise

149
das economias capitalistas que produziria, não só o imperialismo, mas determinaria
também a implosão do próprio modo de produção capitalista.

Já em Trotsky, a maior contribuição para o debate sobre imperialismo viria do


desenvolvimento da ideia, que decerto aparecia também em Lênin, de desenvolvimento
desigual e combinado. Como uma análise mais extensa das teses de Trotsky demandaria
um espaço de que não dispomos nesse momento, dada a importância adquirida pelo
autor e a prolixidade de sua obra, nos limitaremos aqui a observar que foi
particularmente importante para o marxismo posterior o aprofundamento por ele
realizado da ideia de que desenvolvimento das nações não se dava de modo homogêneo.
Ao contrário, o capitalismo combinaria distintos graus de desenvolvimento, o que,
segundo ele, conduzia à possibilidade de que as colônias transformassem sua luta de
libertação também em uma luta pelo socialismo.150

De todo modo, quando se encerrou a Segunda Guerra todos os grandes teóricos


da era clássica do imperialismo já haviam sido enterrados. Suas teorias evidentemente
sobreviveram a eles, mas os poucos que as retomavam (como elemento de análise
teórica propriamente dito) raramente acrescentaram àquelas contribuições grandes
novidades. Três elementos históricos parecem relevantes para entender o refluxo da
teoria do imperialismo nesse contexto.

Em primeiro lugar, é preciso considerar o impacto exercido pela emergência de


um “marxismo oficial” sobre todos os campos de estudos no interior da tradição
marxista, particularmente com a chegada de Stálin ao poder na União Soviética. Com
isso, o marxismo foi crescentemente transformado, no discurso de defensores e de
críticos, em um corpo doutrinário que, para usar as palavras de Hobsbawm (1991, p.
14), funcionava como um “equivalente laico das teologias, oficialmente aceitas como

150
A referência mais importante sobre a noção de desenvolvimento desigual e combinado, como
trabalhada pelo autor, encontra-se em Trotsky (2011, em particular p. 137-138). Além disso, é
interessante notar que, embora concordasse com a tese geral da tendência à monopolização e sua relação
com o imperialismo (Idem, 2008, p. 163), destaca-se em sua análise uma descrição do imperialismo a
partir de uma contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e os limites imposto pelas
fronteiras nacionais: “O núcleo de sua [do capitalismo] expansão continua sendo o Estado nacional com
suas fronteiras, suas alfândegas e seus exércitos. Não obstante, as forças produtivas superaram há tempos
os limites do Estado nacional, transformando, em consequência, o que era antes um fator histórico
progressivo numa restrição insuportável. As guerras imperialistas não são senão explosões das forças
produtivas contra as fronteiras do Estado eu se tornaram demasiado estreitas para elas” (Idem, 2008, p.
188-189).

150
incontestavelmente verdadeiras”. Assim, sob a influência das “cartilhas” soviéticas,
seguidas à risca pelos mais diversos partidos comunistas em todo o mundo, o
imperialismo – à semelhança da teoria marxista como um todo – assumia contornos
deterministas e dogmáticos, cuja base era uma espécie de retrato caricatural da
concepção de Lênin. Essa forma de tratamento do problema pode ser vista, por
exemplo, em textos do próprio Stálin (1982, p. 39-40), nos quais o “estágio superior”,
da teoria do imperialismo de Lênin, transforma-se em uma afirmação peremptória de
um “capitalismo agonizante” e, portanto, na afirmação da implosão eminente do sistema
capitalista.151

Desse modo, o debate sobre importantes temas ligados à enorme controvérsia


teórica que havia sido travada na década de 1910, dava lugar a uma visão unilateral dos
escritos de Marx e Lênin, que passavam a ser tratados como uma espécie de verdade
bíblica (cuja simples referência funcionava como comprovação de veracidade) – ao
mesmo tempo em que posições divergentes eram tratadas como “desvios”, “traição” ou
152
“antimarxistas”. O “marxismo oficial”, ou marxismo-leninismo como se
autodenominava, não impunha um limite intransponível para estudos ainda
comprometidos com o problema do imperialismo em termos divergentes e não
dogmáticos (ao menos não na maioria dos casos, como demonstram as histórias de
Bukharin e Trotsky), 153 mas certamente teve por efeito minar as bases de um debate
franco, terminando por afastar o marxismo deste, como de outros temas.

151
Stálin justifica tal prognóstico referindo-se a uma verdadeira “coleção de contradições”: entre capital e
trabalho, que no imperialismo assumiria a forma da luta contra as associações monopolistas e bancos da
oligarquia financeira; entre os grupos financeiros e as potências imperialistas, em sua luta pelo controle
de matérias-primas e territórios alheios; entre “um punhado de nações dominantes” e os povos coloniais e
dependentes explorados. Assim, conclui: “A importância da guerra imperialista, desencadeada há dez
anos, consiste, entre outros fatos, em que juntou num só feixe todas estas contradições e as colocou no
prato da balança, acelerando e facilitando as batalhas revolucionárias do proletariado. Noutros termos: o
imperialismo não somente tornou a revolução uma necessidade prática – ele criou as condições favoráveis
para o assalto direto à fortaleza do capitalismo” (ibidem, p. 49-41).
152
Veja-se o tratamento dispensado por Stálin (ibidem), no mesmo volume, às posições de Kautsky
(capítulo 2), Trotsky (capítulo 7) ou Zinoviev (capítulo 8), em que a prova contrária oferecida por Stálin
não é, em geral, mais que a afirmação dos preceitos “de Lênin”.
153
Ambos terminaram mortos pelo regime soviético, como fruto do esforço de stalinista de eliminar
qualquer posição divergente do “marxismo-leninismo”, eliminando na mesma medida seus adversários
políticos. Assim, Bukharin foi executado pelo regime soviético, acusado de trair e conspirar contra a
revolução, enquanto Trotsky foi assassinado em 1940, quando vivia em seu exílio no México.

151
O segundo elemento histórico importante foi o surgimento daquilo que
Anderson (2004) chamou de “marxismo ocidental”. O advento do marxismo ocidental
estaria, evidentemente, ligado aos efeitos deletérios do “marxismo oficial soviético”,
mas também a outros aspectos daquelas circunstâncias históricas, como a aparente
estabilidade encontrada pelas economias capitalistas avançadas (discutida no último
capítulo). Seu resultado maior seria uma mudança no perfil dos teóricos, com a
cristalização do marxismo em cátedras acadêmicas e seu afastamento da atividade
militante, e da teoria marxista, cada vez mais distante dos temas econômicos e políticos
e mais próxima de problemas filosóficos (ou, de modo mais amplo, de temas ligados à
“superestrutura”). 154

Por fim, o ostracismo que conheceu a teoria do imperialismo teve como pano de
fundo, e importante fator explicativo, o fim do neocolonialismo e a relativa
consolidação do mapa geopolítico global do pós-guerra. De fato as principais mudanças
nesse mapa deixaram de ocorrer pelo movimento de anexação e conquista por parte das
grandes potências e passaram a ocorrer, antes, no processo de descolonização. Ao
mesmo tempo, a ameaça comum às nações capitalistas – o “espectro” do socialismo
real, para parafrasear Marx – faziam reduzir-se os conflitos, ao menos os mais
explícitos, entre as grandes potências capitalistas, criando uma aura de aparente fim das
rivalidades interestatais em favor de uma suposta cooperação internacional. Em seu
lugar, tornava-se mais evidente a rivalidade entre os blocos capitalista e do socialismo
realmente existente, que parecia tornar obsoletas as análises da inevitabilidade das
guerras no interior do capitalismo, defendidas pelas análises clássicas do
imperialismo. 155

154
Cf. Anderson (2004, p. 96).
155
Borón (2008, p.27) vê na incompatibilidade entre a teoria clássica do imperialismo e o processo de
descolonização um dos equívocos teóricos que teria conduzido à obsolescência dessa teoria. Outros dois
“pressupostos” haviam sido “desmentidos pela história” no período do pós-guerra, segundo Borón (2008,
p. 26-28): a descrição do imperialismo como resposta às crises do sistema capitalista, já que o
imperialismo se mantinha apesar da “era de ouro” do capitalismo; e a ideia de que as guerras de partilha
do mundo entre as potências imperialistas eram inevitáveis. Essa “crítica empirista” da teoria do
imperialismo não completamente bem fundamentada e, de fato, a reação a ela ocorreu ainda por volta do
mesmo período – cf. por exemplo Magdoff (1979) de que trataremos adiante. Não obstante, essa crítica
talvez ajude a compreender por que o foco das teorias do imperialismo nesse momento desloca-se,
sobretudo, para as relações entre os países capitalistas “avançados” e a “periferia”.

152
Olhar para a conjugação desses movimentos ajuda a entender por que o debate
sobre imperialismo permaneceu praticamente estagnado depois do fim do “período
clássico”, ao menos entre os marxistas. Com efeito, essa situação se refletiria bem em
três das mais importantes obras publicadas entre os anos 1940 e 1950, que ilustram a
reorientação que começava a se processar na forma como o imperialismo era entendido:
Imperialismo e classes sociais, de Joseph A. Schumpeter, e Origens do totalitarismo, de
Hannah Arendt, além do famoso artigo Imperialism of free-trade, dos historiadores John
Gallagher e Ronald Robinson (cujas conclusões seriam reafirmadas oito anos mais tarde
no livro Africa and the Victorians).

O ensaio de Schumpeter, intitulado “Sociologia dos imperialismos”, havia sido


escrito em 1919, mas permaneceu consideravelmente obscuro até sua publicação na
língua inglesa, em 1951, pouco após a morte do autor. Considerando o período de sua
elaboração original, bem como o conteúdo proposto pelo autor, é difícil não notar que,
do ponto de vista teórico, o horizonte do texto era de oposição à teoria marxista do
imperialismo. 156 A tese sustentada por Schumpeter é que o imperialismo nem deveria
ser considerado uma política ou uma nova etapa histórica capitalista – mas, ao contrário,
que deveria ser considerado um fenômeno atávico, resquício de impulsos psicológicos e
estruturas sociais pré-capitalistas. 157 Nem o desenvolvimento dos monopólios ou
ressurgimento das políticas protecionistas, típicos da virada do século XX, deveriam ser
afirmados como causas de guerras imperialistas no interior do capitalismo. O
capitalismo aparece, de fato, como tábua de salvação contra essas guerras, na medida
em que solaparia a base sobre a qual se mantêm vivos os impulsos imperialistas,

156
Na introdução do livro de Schumpeter, Paul Sweezy (1961, p. 9), que havia sido aluno, assistente e
amigo pessoal do autor, parece querer relativizar um pouco o papel da controvérsia com a teoria marxista
na elaboração das ideias ali contidas: “Creio poder supor – embora não tenha qualquer indício direto disso
– que o interesse de Schumpeter pelo imperialismo foi despertado, inicialmente, pelo que chamava de
teoria neomarxista, cujos principais defensores (Otto Bauer e Rudolf Hilferding) conhecera desde a época
em que eram estudantes em Viena. O verdadeiro estímulo, porém, para o estudo do problema do
imperialismo em profundidade lhe veio, sem dúvida, da própria guerra. O objetivo do ensaio pode,
portanto, ser considerado duplo: de um lado, criticar a teoria de Bauer-Hilferding, e do outro,
proporcionar uma estrutura teórica alternativa, na qual a guerra e seus antecedentes pudessem se
enquadrar apropriadamente”. Mas, note-se, também a ideia de propor uma estrutura teórica alternativa
só pode ser compreendida tendo como referência àquele que era o campo mais significativo do debate no
período, e esse se encontrava na teoria marxista.
157
Cf. Schumpeter (1961, p. 85-86).

153
levando Schumpeter (1961, p. 91) a crer que “um mundo puramente capitalista não
pode, portanto, oferecer solo fértil aos impulsos imperialistas”. 158

Em Hannah Arendt, por outro lado, não se pode dizer que ocupava lugar de
destaque a preocupação em se contrapor às teorias clássicas do imperialismo. É possível
mesmo verificar em sua análise uma influência daquela teoria, particularmente quando
busca descrever os imperativos econômicos que haviam conduzido ao imperialismo
(cuja base seria a existência de capital supérfluo e dos interesses dos financistas). 159
Contudo, o imperialismo aparece em Arendt (1989, p. 153) como uma etapa encerrada
com a Primeira Guerra Mundial. Mais que isso, sua caracterização do imperialismo
como “busca ilimitada pelo poder” dá ensejo a uma concepção em que nenhuma ligação
histórica pode ser feita, a priori, entre imperialismo e o funcionamento do modo de
produção capitalista. 160 Arendt volta-se para o imperialismo como uma resposta da
burguesia para a contradição entre a separação política de fronteiras nacionais e sua
busca pela expansão econômica, mas seu objetivo central na obra é compreender a
formação de uma ideologia de superioridade racial, antes da emergência das formas de
governo totalitárias do século XX. Mas, contra Lênin, vê nesse movimento não “o

158
Justamente por isso, Schumpeter procura na antiguidade os exemplos maiores do imperialismo, e não
na Grã-Bretanha do século XIX, onde segundo ele havia muito mais um discurso pró-imperial do que
uma efetiva prática imperialista (Ibidem, p. 44 et seq.). Isso não significava que não havia, em absoluto,
interesses imperialistas na raiz das guerras de conquista da virada do século. Mas lhe permitia sustentar
que esses interesses iam de encontro à racionalidade (capitalista) e por isso tenderiam a ser suprimidos.
159
Cf. Arendt (1989, p. 164). Mesmo aí, é bom dizer, Arendt credita mais destaque justamente a Hobson
– o único autor não marxista de grande influência no debate (como vimos).
160
Aliás, não é por acaso que no prefácio de 1967 à obra, Arendt pareça demonstrar certo ceticismo
quanto a um possível retorno às “políticas imperialistas” entre as grandes potências capitalistas, e
particularmente nos Estados Unidos. Justiça seja feita, a autora não nega que tenha existido até a Segunda
Guerra uma política branda de imperialismo por parte dos Estados Unidos (“politicamente menos
perigosa”) ou que eventos como a Guerra do Vietnã pudessem indicar outro possível retorno a essa
política – tema do qual ela propositalmente (e de modo bastante razoável, diga-se) se abstém de tratar
naquele prefácio. Entretanto, ainda que de modo apenas indicativo Arendt deixa claro que acredita que já
não havia imperativos econômicos para tal – “a motivação do lucro, cuja importância para a política
imperialista foi frequentemente exagerada, mesmo no passado, agora desapareceu, e somente os países
muito ricos e muito poderosos podem suportar as enormes perdas que o imperialismo acarreta”, escreve
(Ibidem, p. 150); assim como acredita que a própria forma do sistema político norte-americano denotaria
certa incompatibilidade com esse retorno: “Quaisquer que tenham sido as causas da ascensão dos Estados
Unidos à posição de potência mundial, certamente não foi a adoção deliberada de uma política estrangeira
que a visasse, nem qualquer pretensão de domínio global. E o mesmo provavelmente se aplica aos passos
recentes e ainda inseguros que esta nação tem dado na direção da política de poder imperialista, para a
qual sua forma de governo é menos adequada que a de qualquer outro país” (Ibidem, p. 151).

154
estágio superior do capitalismo”, e sim o “primeiro estágio do domínio político da
burguesia”. 161

Por fim, o trabalho dos ingleses Gallagher & Robinson (1953) pode ser lido
como mais um ataque – em outro front, é verdade – aos preceitos da teoria clássica do
imperialismo. Sem negar que o imperialismo fazia parte das vidas econômica e política
da Inglaterra no fim do século XIX, a crítica dos autores mirava no que supunham ser o
“coração” da tradição teórica de Hobson e Lênin: sua concepção histórica, que partia da
política britânica no fim daquele século para definir o imperialismo. O ponto defendido
por eles é que as aspirações imperiais britânicas datariam de muito antes, supostamente
fazendo implodir assim a oposição entre o imperialismo (entendido como um novo
estágio do capitalismo ou a política típica desse novo estágio) e o período precedente,
em geral caracterizado pela liberdade de comércio. Tal afirmação baseava-se, em
primeira instância, em dados sobre a expansão territorial britânica entre as décadas de
1841 e 1851, mas repousava sobretudo na ideia de que o imperialismo do período seria
um fenômeno tão mais significativo caso não se considerasse apenas os territórios
formalmente subsumidos à Coroa britânica, mas também um conjunto muito maior de
países que constituiriam seu império informal e que, do ponto de vista econômico, era
dominado sobretudo pelos tratados de livre-comércio.162 Com isso, sugeriam os autores,
o imperialismo deveria ser considerado como “uma função política suficiente [do]
processo de integração de novas regiões em uma economia em expansão; seu caráter é

161
Não seria possível no breve espaço que pretendemos dedicar à apreciação da obra de Arendt discutir
em pormenores os inúmeros elementos envolvidos em tal concepção. A título de indicação, nos parece
que a forma de colocar a questão pela autora deixa transparecer um julgamento favorável da democracia
burguesa, como forma evolutiva que supera não só o imperialismo, mas mais fundamentalmente o
totalitarismo que é o objeto último de sua análise. Como dito, no entanto, um debate sério a esse respeito
necessitaria um estudo mais detalhado sobre o pensamento da autora. No que nos interessa no momento
deve ressaltar-se apenas que a análise de Arendt tem significativo impacto – inclusive sobre análises
marxistas do imperialismo, particularmente em Harvey (2005b), como veremos adiante.
162
Cf. Gallagher & Robinson (1953, p. 11). A ideia de império informal é apresentada pelos autores
inicialmente por meio de um exemplo caro às teorias clássicas do imperialismo desde Hobson: a atuação
britânica no sul da África. Olhando para o período em que a Grã Bretanha parecia ter abandonado
pretensões imperiais no território, algumas décadas antes da Guerra dos Bôers, Gallagher & Robinson
(1953, p. 3. Tradução nossa.) observam que isso não passava de uma estratégia imperial britânica: “A
Grã Bretanha estava na África do Sul primariamente para salvaguardar suas rotas para o Oriente,
prevenindo que potências estrangeiras adquirissem bases nos flancos dessas rotas. De um modo ou de
outro, esse interesse imperial demandou algum controle da África ao sul do Rio Limpopo e embora entre
1852 e 1877 as Repúblicas dos Bôers não fossem formalmente controladas com esse propósito pela Grã
Bretanha, eles efetivamente eram dominados pela autoridade informal e por sua dependência dos portos
britânicos”.

155
decidido em grande medida pelas várias e mutáveis relações entre os elementos
políticos e econômicos da expansão em qualquer região ou momento particulares”
(Ibidem, p. 5-6. Tradução nossa.). Nesse sentido, acrescentavam, o imperialismo não
responderia a interesses econômicos diretos, mas a “decisões estratégicas” que não se
reduziam aos desejos de expansão motivados por razões econômicas. Em conclusão,
pode-se afirmar que os argumentos oferecidos por Gallagher & Robinson,
particularmente para explicar as intervenções militares inglesas no continente africano,
localizavam na estrutura interna daquele continente a necessidade da criação de um
império formal nas últimas décadas do século XIX – motivada pela ausência de
estruturas de poder local dispostas a aceitar os acordos que submetiam aquelas regiões a
um governo informal britânico. 163

O que é significativo ao olhar para essas três obras é que, naquele contexto de
refluxo das teorias do imperialismo, todas elas, de certo modo, se propunham a jogar
por terra a teoria clássica do imperialismo. Centrando-se em aspectos distintos, cada
uma delas não só caracterizava de modo distinto o imperialismo – em todos os casos
questionando a predominância de razões econômicas para sua existência – mas, além
disso, ou dava por encerrada sua “etapa histórica” (Arendt), ou propunha que ela jamais
tivesse existido (Schumpeter e Gallagher & Robinson).

4.1.2. A teoria do imperialismo na encruzilhada: o retorno ensaiado nas décadas de


1960/70

Do ponto de vista do marxismo, a questão do imperialismo voltaria a conhecer


novas posturas analíticas apenas nas décadas de 1960/70, justamente quando começa a
ruir a ordem capitalista do pós-guerra (e para grande parte dos marxistas, momento das
transformações que culminariam com a emergência do capitalismo contemporâneo).
Entretanto, os grandes debates teóricos desse período ainda estavam profundamente

163
Essa ideia, que sem dúvida mereceria uma discussão mais ampla, foi lançada em Owen (1972, p. 2).
Uma análise crítica poderia ser particularmente interessante se cotejada essa ideia com os argumentos
sobre a ideologia do imperialismo desenvolvidos por Said (2007).

156
marcados pelos problemas do período anterior. A título de sistematização, acredita-se
ser possível colocar sob três influências decisivas essas contribuições: os debates da
revista (e editora) norte-americana Monthly Review,164 puxados por Paul Sweezy, Paul
Baran e Harry Magdoff; o “terceiro mundismo” e a teoria da dependência, 165 cujo centro
era a questão das trocas desiguais e das hierarquias no plano internacional; e o
trotskismo, sobretudo na figura de Ernest Mandel.

Embora a mais conhecida obra teórica de Sweezy (1986) tivesse vindo a público
ainda em 1942, o autor pouco havia avançado no tema do imperialismo naquele
momento.166 Assim, apenas em 1966, em Capitalismo monopolista, Sweezy, juntamente
com Baran, apresentaria contribuições efetivas ao debate. A análise de Baran & Sweezy
(1978) baseava-se na definição leninista de imperialismo como “fase monopolista do
capital”, mas acrescentava que, com o maior poder econômico das grandes empresas
monopolistas, sobretudo na forma de “sociedades anônimas gigantes”, ampliava-se um
excedente (econômico) cuja aplicação rentável dependia de formas de aplicação que não
implicassem redução de preços. 167 Para os autores, a principal dessas formas era o que
eles chamavam de “campanha de vendas”, mas entre as respostas do capital à absorção
do excedente figuravam, igualmente, o militarismo e o imperialismo. Ainda de acordo

164
A Monthly Review foi criada por Paul Sweezy e Leo Huberman em 1949 com o propósito de
incentivar discussões em torno do comunismo nos Estados Unidos, durante a difícil era do McCarthismo.
165
Ao nos referirmos à teoria da dependência nesta seção, estaremos nos dirigindo exclusivamente a sua
vertente marxista, representada especialmente, no período em estudo, por Andre Gunder Frank,
Theotonio do Santos, Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra.
166
Com efeito, em Teoria do desenvolvimento capitalista, Sweezy faz pouco mais que simplesmente
reafirmar a concepção de Lênin. Cf. Sweezy (1986, em especial o capítulo XVII).
167
Baran & Sweezy (1978, p. 19-20) fazem questão de esclarecer o que entendem por excedente: “O
excedente econômico, na definição mais breve possível, é a diferença entre o que a sociedade produz e os
custos dessa produção”, ao que acrescentam em nota que “preferimos o conceito de ‘excedente’ à
tradicional ‘mais-valia’ marxista, que provavelmente se identifica para a maioria das pessoas
conhecedoras da teoria econômica marxista como igual a soma de lucros + juro + renda. É certo que
Marx demonstra [...] que a mais-valia também compreende outros itens, como as receitas do Estado e
Igreja, as despesas de transformação das mercadorias em dinheiro e os salários dos trabalhadores
improdutivos. Em geral, porém, tratou-os como fatores secundários, excluindo-os de seu esquema teórico
básico. Afirmamos que sob o capitalismo monopolista este procedimento já não se justifica”. A definição
não causa espanto àqueles acostumados com a teoria econômica ortodoxa, mas denota uma leitura (no
mínimo) confusa de Marx. Para não entrar em maiores polêmicas: lucro, juro e renda (da terra,
presumimos) são categorias que dizem respeito ao modo de apropriação do mais-valor, são formas
assumidas pelo mais-valor – às quais, evidentemente, este não pode ser reduzido. Sua concepção de
excedente denota, portanto, uma interpretação a nosso juízo equivocada da teoria do valor marxiana (cf.
Cap.1). Apenas assim se compreende porque os autores acham que as receitas do Estado e das classes
improdutivas são “supostas secundárias” e “excluídas do esquema” marxiano.

157
com Baran & Sweezy (ibidem, p. 186 et seq.), embora esses fenômenos fossem
alardeados como “mecanismos de proteção do mundo livre” (contra a “ameaça
comunista”), eles seriam mais bem compreendidos como armas de ataque ao socialismo
real, cuja disseminação pelo mundo ameaçava as condições de lucratividade das grandes
corporações capitalistas.

Assim, de um lado, os autores colocavam ênfase no imperialismo como forma


de exercício da potência capitalista indiscutivelmente mais poderosa do período, os
Estados Unidos – linha que seria aprofundada por Magdoff (1978). Magdoff, no
entanto, procurou documentar mais extensamente o exercício do imperialismo pelos
Estados Unidos, tanto por meio do poderio militar (como era particularmente o caso da
Guerra do Vietnã), quanto por meio das instituições internacionais (criadas no fim da
Segunda Guerra) e das relações comerciais e financeiras dos Estados Unidos com o
resto do mundo. Nesse sentido, a exemplo do que Hobson (2005) havia feito no início
do século, Magdoff tenta demonstrar que, não obstante a manutenção da política
imperialista norte-americana fosse custosa para o Estado, ela garantia ganhos elevados
para as grandes empresas capitalistas. Ela mantinha, em todo o mundo, mercados
abertos para o grande capital norte-americano, além de garantir o controle sobre
matérias-primas estratégicas.168

Por outro lado, a colocação de Baran & Sweezy sobre o imperialismo como
forma de garantir uma maior lucratividade para o grande capital, amparava-se também
em uma visão que procurava diferenciar no sistema internacional o papel desempenhado
por países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Essa distinção, já havia sido elaborada
anteriormente de modo isolado por Baran (1986, capítulos V-VII), que, ainda em 1957,
tinha tentado demonstrar que o imperialismo das potências capitalistas era o responsável
maior pelo subdesenvolvimento do Terceiro Mundo. Além disso, como observou

168
De acordo com Magdoff (1978, p. 9), “O raciocínio que preside os gastos governamentais nenhuma
semelhança apresenta com a rígida ponderação de custos versus lucros, embora certos governos possam
desejar transmitir essa impressão. Um governo pode dispender bilhões (com a renda coletada da
população, como um todo) para dominar um país produtor de banana, mesmo que o controle resultante
proteja lucros em milhões, só para uma ou duas corporações. A realidade do imperialismo vai muito além
do interesse imediato deste ou daquele investidor: o propósito subjacente é nada menos que manter, na
maior extensão possível do mundo, abertura para o comércio e os investimentos das gigantescas
corporações multinacionais”. Sobre o paralelo com Hobson, vale observar que o próprio Magdoff
(ibidem, p. 18-22) estabelece com este um diálogo crítico – no intuito de, particularmente, combater a
“solução” de Hobson ao problema (por meio da redistribuição de renda).

158
Magdoff (1979, p. 118), embora o movimento de descolonização tivesse adquirido
grande expressão no pós-guerra, o fim do colonialismo não significava o fim do
imperialismo, que passaria a se processar agora com base em uma relação informal de
subordinação, sob a forma de um “imperialismo sem colônias” (expressão que dá título
ao citado ensaio do autor). 169

No mesmo sentido, mas de modo algo diferente, duas outras linhas de debate
teórico foram abertas, tendo como foco principal as relações econômicas entre as
potências capitalistas avançadas. Seu ponto comum era tomar o capitalismo como um
sistema mundial que, no entanto, não criava uma tendência equalizadora entre suas
partes. Assim, Arghiri Emmanuel, Charles Bettelheim, Samir Amin e Christian Palloix
(que agruparemos aqui sob a denominação genérica de “terceiro mundismo”) abriram
na década de 1960 uma importante polêmica sobre a “exploração” econômica do
Terceiro Mundo, dando ênfase à suposta existência de uma troca desigual entre as
nações desenvolvidas e subdesenvolvidas. No mesmo sentido, desenvolve-se na
América Latina, no mesmo período, um conjunto de análises, normalmente agrupadas
sob a denominação comum de “teoria da dependência”, com vistas a dar conta dos
resultados da ação imperialista das grandes potências capitalistas sobre a região. Vale
notar que, embora ambos os debates possam ter sofrido alguma influência da análise de
Baran sobre o subdesenvolvimento, o ponto de partida do debate parece ter sido antes a
“descoberta” da deterioração dos termos de troca realizada por Raúl Prebisch, em 1949,

169
Sobre a forma assumida por essa relação, o autor afirma: “A integração de países capitalistas menos
desenvolvidos no mercado mundial, como seguros e perenes fornecedores de seus recursos naturais,
resulta, com raras exceções, numa dependência contínua quanto aos centros de controle do monopólio-
dependência que é sacramentada e cimentada pela estrutura de mercado que deriva dessa mesma
dependência. A integração nos mercados capitalistas mundiais tem efeitos quase uniformes nos países
fornecedores: 1) jamais chegam a entrar ou abandonam os caminhos que requerem independência e
autoconfiança; 2) perdem a autossuficiência econômica e tornam-se dependentes das exportações, para
sua viabilidade econômica; 3) sua estrutura industrial adapta-se às necessidades de fornecimento de
artigos exportáveis especializados, a preços aceitáveis ao comprador, reduzindo assim a flexibilidade dos
recursos produtivos, necessária para uma produtividade econômica diversificada e progressista. [...] A
extrema dependência das exportações e um número extremamente restrito de produtos de exportação
mantêm essas economias desequilibradas em suas relações econômicas internacionais e criam a
necessidade constante de recorrer a empréstimos. A dívida engendra progressivamente a dívida, porque os
serviços das dívidas anteriores se acrescentam às dificuldades do balanço de pagamentos. As cadeias da
dependência podem ser manipuladas pelos braços políticos, financeiros e militares dos centros do
império, com o auxílio dos Fuzileiros Navais, bases militares, suborno, operações da CIA, manobras
financeiras e assim por diante. Mas a base material dessa dependência é a estrutura industrial e financeira
que através das denominadas atividades normais de mercado, reproduz as condições da dependência
econômica”. (Idem, 1978, p. 220)

159
no âmbito da Cepal. 170 Contrariamente às pretensões de Prebisch e da Cepal, contudo,
esses autores tentariam se valer da teoria marxista para dar à deterioração dos termos de
troca uma nova interpretação baseada no modus operandi do capital em plano mundial.
Com isso, à diferença de Baran, Sweezy e Magdoff, o foco da análise migraria para os
problemas envolvidos no comércio internacional e para as relações sociais assim fixadas
entre os e no interior dos países que ocupariam posição inferior.171

Embora existam, evidentemente, diferenças nas análises dos autores “terceiro


mundistas”, todos concordam em explicar a reprodução e ampliação do
172
desenvolvimento desigual entre países (e regiões no caso de Bettelheim) a partir de
relações comerciais que determinavam que as mercadorias produzidas em países
subdesenvolvidos fossem trocadas por uma quantidade menor de valor do que o nelas
contido, enquanto o oposto ocorreria com as mercadorias produzidas nos países
desenvolvidos. O debate foi inaugurado a partir da teoria de Emmanuel, de 1962, que
tentava demonstrar a existência de uma troca desigual no plano do comércio
internacional, como resultado da existência de diferenças no valor da força de trabalho
nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, e se seguiu com a crítica de Bettelheim
que, em certo sentido, tentava ampliar o escopo da definição de Emmanuel, sugerindo
que a possibilidade de troca desigual é determinada pela simples existência de
composições orgânicas do capital distintas nos países desenvolvidos e
173
subdesenvolvidos. Por sua vez, Amin (1981, p. 90) apoia-se nas análises de

170
Cf. Emmanuel (1981, p. 24).
171
Não se deve perder de vista com isso a inegável influência mútua entre as teses dos autores da Monthly
Review e os chamados “terceiro mundistas” ou a teoria da dependência, de que trataremos brevemente na
sequência. De todo modo, a diferença entre elas fica clara na afirmação de Magdoff (1979, p. 203),
segundo a qual: “Se encararmos o imperialismo moderno em perspectiva histórica, deve ser claro que
dois aspectos se destacam nas lutas pelo poder travados nesse período: 1) a luta pelo poder econômico
vis-à-vis outras nações industrializadas; 2) a luta pelo poder econômico sobre as nações
subdesenvolvidas. [...] Limitar o campo de ação do imperialismo ao comércio e aos investimentos no
Terceiro Mundo elimina, destarte, um setor vital da atividade política internacional: as rivalidades
imperialistas associadas às operações de investimento das nações capitalistas adiantadas através de suas
fronteiras”.
172
Cf. Bettelheim (1981, p. 58).
173
Segundo Emmanuel (1981, p. 44-45), “Abstraindo-se qualquer alteração dos preços resultante de uma
concorrência imperfeita, chama-se ‘troca desigual’ a relação que se estabelece entre os preços, em virtude
da lei do nivelamento da taxa de lucro de regiões com taxas de mais-valia institucionalmente diferentes,
tendo o termo ‘institucionalmente’ o significado de que essas taxas de mais-valia são, por alguma razão,
subtraídas à igualação competitiva”. O ponto para Emmanuel estava na contraposição entre perfeita
mobilidade do capital mas não da força de trabalho, ao passo que o menor desenvolvimento das

160
Emmanuel e Palloix sobre a troca desigual, mas vai além delas ao propor que a
explicação deveria partir do reconhecimento de que o sistema mundial capitalista
comporta formações sociais distintas, supondo, portanto, uma ruptura mais ampla entre
países desenvolvidos e subdesenvolvidos. O problema, em seus termos, é que o modo
de produção capitalista havia, ao menos desde o período do imperialismo clássico, se
tornado dominante, mas não exclusivo: na medida em que a transformação das
economias periféricas, previamente não capitalistas, jamais havia se completado,
mantendo em seu interior características de suas estruturas sociais prévias, seria preciso
distinguir do capitalismo central um capitalismo típico da periferia (caracterizado por
ele como uma “transição capitalista bloqueada”).

Dentre os autores mencionados, Amin é o que mais se aproxima dos teóricos da


dependência, no sentido de ampliar o escopo da análise para além das relações
comerciais e tentar olhar de modo mais amplo para as consequências da interação entre
países desenvolvidos e subdesenvolvidos sobre a formação socioeconômica destes. A
teoria da dependência foi diversas vezes descrita como uma tentativa de traçar o que
seria o “outro lado da moeda” da teoria do imperialismo. Em seus principais
representantes, Andre Gunder Frank, Theotonio dos Santos e Ruy Mauro Marini, é
possível encontrar tentativas de proceder uma releitura ampla do processo histórico de
formação das economias dependentes (subdesenvolvidas) que, em última instância,
atribuía ao processo de expansão imperialista sua subordinação (política e econômica)
na hierarquia internacional, ainda que esta fosse apenas informal. 174

necessidades humanas nos países subdesenvolvidos permitia que ali fosse menor o valor da força de
trabalho (ibidem, p. 50). Para Bettelheim (1981, p. 59), alternativamente, “O primeiro tipo de troca
desigual (isto é, em sentido amplo) tem lugar quando um país é obrigado a fornecer, através das
mercadorias que vende, mais trabalho do que obtém através das mercadorias que compra, mesmo quando
o tempo de trabalho por ele empregado seja o socialmente necessário e os preços se estabeleçam em
condições de concorrência e de igualdade de taxas de lucro. O segundo tipo de intercâmbio desigual é o
estudado por Emmanuel; constitui, de certa forma, uma categoria particular no interior da categoria geral
já definida”. Por fim, note-se que Palloix (1981, p. 147) propõe-se a realizar um tipo de “síntese crítica”,
atribuindo validade a ambos os tipos de troca desigual citados por Bettelheim, e tentando mostrar que “a
troca desigual em sentido estrito”, isto é, como desigualdade nos graus de exploração, “nada mais é do
que a resultante de uma evolução nascida da troca desigual em sentido amplo”.
174
Assim, pode-se ler em Santos (1970, p. 231. Tradução nossa.): “Por dependência entendemos uma
situação em que a economia de certos países é condicionada pelo desenvolvimento e pela expansão de
outra economia, à qual a primeira está sujeita. [...] O conceito de dependência permite que enxerguemos a
situação interna desses países como parte da economia mundial. Na tradição marxista, a teoria do
imperialismo foi desenvolvida como um estudo sobre o processo de expansão dos centros imperialistas e
sua dominação mundial. Na época do movimento revolucionário do Terceiro Mundo, nós devemos

161
A principal conclusão a que chegaram os teóricos da dependência foi a da
impossibilidade de superação da condição de dependência/subdesenvolvimento
pretendido pelas políticas de modernização capitalista. Com o intuito de provar tal
afirmação os autores se amparavam, assim como aqueles discutidos anteriormente, na
ideia de que existiriam no mercado mundial mecanismos de troca desigual, 175 mas suas
análises eram algo mais ampla porque, de um lado, tentavam mostrar que a
“exploração” dos países dependentes passara a repousar sobre mecanismos econômicos
apenas a partir de certo momento da história, quando a violência colonial já se fazia
dispensável; por outro lado, acreditavam que aquela “exploração” havia configurado
uma estrutura social particular aos países dependentes, cuja marca maior seria a
superexploração da força de trabalho.176 Além disso, na medida em que seguiam em
curso as políticas desenvolvimentistas na América Latina, Marini viu aproximar-se
(sobretudo nas maiores economias locais e, especialmente, no Brasil) o momento em
que o próprio capitalismo dependente atingiria a “fase monopolista”, configurando uma
situação que o autor chamou de subimperialismo. Dessa forma, os próprios países
dependentes aprofundavam o exercício do imperialismo, mantendo sua posição
subordinada no sistema mundial, mas passando a impor aos países mais fracos o mesmo
tipo de ação agressiva de que tinham sido alvo décadas antes. 177

desenvolver a teoria das leis do desenvolvimento interno nesses países que são objeto daquela expansão e
são governados por elas”.
175
Diferentemente das análises “terceiro mundistas”, no entanto, não se viu na teoria da dependência um
desejo tão acentuado de explicar a troca desigual exclusivamente pela via de fatores econômicos
envolvidos no comércio internacional. Nesse sentido, Marini (2005, p. 151-152), por exemplo, tenta
demonstrar que a origem da troca desigual estava tanto na menor composição orgânica do capital nos
países dependentes, quanto pelo relativo monopólio dos países imperialistas da capacidade de produção
de certas classes de mercadorias.
176
A categoria superexploração da força de trabalho é, provavelmente, a mais famosa e controversa já
desenvolvida pela vertente marxista da teoria da dependência. Em Marini (2005, 152 et seq.), ele aparece,
de modo sintético, como um mecanismo de compensação do capital dependente para suas perdas oriundas
da troca desigual. Para um debate acerca das críticas e acertos da categoria ver Carcanholo (no prelo).
177
Segundo Marini (2011, p. 208): “Definimos em outra oportunidade o subimperialismo como a forma
assumida pela economia dependente ao chegar à etapa dos monopólios e do capital financeiro. O
subimperialismo implica em dois componentes básicos: por um lado, uma composição orgânica média na
escala mundial dos aparatos produtivos nacionais e, por outro, o exercício de uma política expansionista
relativamente autônoma, que não só se acompanha de uma maior integração ao sistema produtivo
imperialista, mas também se mantém nos marcos da hegemonia exercida pelo imperialismo em escala
internacional”. Para uma discussão mais ampla sobre o conceito de subimperialismo no pensamento de
Marini e sua relação com a categoria imperialismo, ver Luce (2011, em especial o capítulo 3) e Fontes
(2010).

162
Tal qual nas outras formas de tratar o imperialismo nas décadas de 1960/70,
também em Mandel (1983) a ideia de desigualdade no desenvolvimento das nações (e
no intercâmbio entre elas) se fez presente. 178 A grande contribuição teórica de Mandel
ao debate sobre o imperialismo no período se deu, no entanto, com base em sua
proposta de periodização do desenvolvimento capitalista naquele momento. Enquanto
endossava plenamente a periodização proposta em vários dos estudos clássicos sobre o
imperialismo, que contrapunham o “capitalismo concorrencial” à monopolização do
período “clássico” do imperialismo, Mandel defendia também a noção de que a crise
dos anos 1960/70, bem como a emergência da “terceira revolução tecnológica”,
anunciavam uma nova fase do desenvolvimento capitalista, ou melhor, uma subfase do
período imperialista, que ele chamou “capitalismo tardio”. Esse novo período histórico
teria origem no momento em que “a concentração internacional do capital começou a
transformar-se em centralização internacional”, e com isso, segundo o autor, “a empresa
multinacional tornou-se a forma organizativa determinante do grande capital” (Ibidem,
p. 223).

Na esteira desses trabalhos, a teoria do imperialismo ensaiou um ressurgimento


no fim do século XX finalmente livre, ao menos parcialmente, do engessamento
stalinista. Mas pouco consenso continuava a existir sobre a matéria. Owen & Sutcliffe
(1972), em uma obra organizada em torno de um seminário realizado na Universidade
de Oxford, com a participação de vários dos principais pesquisadores sobre o tema,
registravam que as discordâncias se iniciavam no significado da categoria imperialismo,
passavam pelo aparato teórico adequado para capturar o fenômeno (bem como a sua
periodização) e atingiam o questionamento sobre qual o sentido e o propósito de uma
teoria do imperialismo. Um elemento sensível dos estudos compilados nessa obra
encontra-se no fato de que a grande maioria dos trabalhos ali presentes tem como
preocupação premente os efeitos do imperialismo sobre o “Terceiro Mundo” – e não

178
Cf. Mandel (1983, passim). Vale destacar, no entanto, que Mandel explica de outro modo a existência
da troca desigual, cuja origem está relacionada, em sua concepção, primeiramente com “o fato de que o
trabalho dos países industrializados é considerado mais intensivo (portanto, produtor de mais valor) no
mercado mundial do que o dos países subdesenvolvidos” e, em segundo lugar, com “o fato de não ocorrer
nenhum nivelamento entre as taxas de lucro no mercado mundial, onde coexistem diferentes preços
nacionais de produção (taxas médias de lucro)” (Ibidem, p. 248). Nesse sentido, o autor trava um debate
explícito com explicações alternativas de Emmanuel, Amin, Palloix, Bettelheim e Gunder Frank (Ibidem,
p. 248-258).

163
apenas em termos econômicos, como aparecia também nos demais autores tratados, mas
também em seus aspectos políticos e ideológicos (culturais), que teriam destaque
crescente a partir do fim da década. Aliás, a respeito deste último elemento, é preciso
destacar a importância da obra de Edward Said (2007), que buscava retratar o modo
como havia se constituído o discurso imperialista (e eurocêntrico) de superioridade
racial e suas consequências sobre os povos dominados, dando forma a um dos poucos
ramos do debate sobre o imperialismo que conseguiu manter-se mais ou menos em voga
desde esse período. 179

Em suma, os anos 1960/70 foram pródigos na produção teórica sobre


imperialismo, nas mais diversas frentes que se pode imaginar – como fenômeno
econômico, político, cultural etc. Contudo, nos parece que, ao contrário de dar um novo
fôlego à teoria do imperialismo, os debates travados no período denotavam a existência
de uma crise em uma perspectiva teórica que tivera grande importância outrora, mas
cujo desenvolvimento estivera profundamente ligado a uma conjuntura histórica distinta
e depois da qual fora sufocado pelo mecanicismo stalinista (SUTCLIFFE, 1972, p. 320).

Assim, Barrat Brown (1978) assinalaria que a temática do imperialismo era cada
vez mais identificada como “mera ideologia” de esquerda e, no mesmo diapasão,
Sutcliffe (1972, p. 322) sugeria que, exceto para tratar da história do século XIX,
poucos pesquisadores fora dos círculos marxistas conferiam importância à categoria
imperialismo. E, justamente por isso, em uma passagem frequentemente citada, Arrighi
(1978, p. 17. Tradução nossa.) concluiu que, com todas as imprecisões categoriais, “não
é de se admirar, então, que ao fim dos anos 1960, o que uma vez havia sido o ‘orgulho’

179
Mas também o sucesso da obra de Said, e a conformação da chamada teoria “pós-colonialista”, deve, a
despeito de sua importância no campo crítico, ser analisado com certa desconfiança, em face do contexto
sociopolítico que deu margem a sua ampla aceitação. Por mais que não seja possível no momento
dispensar a Said a atenção requerida por sua cativante análise, deve-se notar que a proposta de Said se
encaixava perfeitamente no ambiente pós-moderno (e relativista), em alta desde 1968. Tome-se, por
exemplo, a passagem: “O principal objeto de disputa no imperialismo é, evidentemente, a terra; mas
quando se tratava de quem possuía a terra, quem tinha o direito de nela se estabelecer e trabalhar, quem a
explorava, quem a reconquistou e quem agora planeja seu futuro – que essas questões foram pensadas,
discutidas e até, por um tempo, decididas na narrativa. Como sugeriu um crítico, as próprias nações são
narrativas”. (SAID, 2011, p. 11) Ora, mesmo sem pretender diminuir a relevância das questões culturais
na sustentação de uma estrutura de “dominação imperialista”, a afirmativa de Said ao colapsar o
imperialismo em suas formas discursivas oferece solo fértil para perspectivas “multiculturalistas” (em
geral acríticas), ao mesmo tempo em que oblitera o componente objetivo dessas estruturas de dominação
por ele verificadas. Críticas mais pausadas sobre o assunto podem ser encontradas em Ahmad (1997) e
Medeiros (2008).

164
do marxismo – a teoria do imperialismo – havia se tornado uma ‘Torre de Babel’, na
qual nem mesmo os marxistas sabiam mais se encontrar”. Aliás, o próprio Arrighi é,
nesse trabalho, muito mais simpático a Hobson que às teorias marxistas do
imperialismo.

O resultado foi que pouco mais de dez anos depois desse “soluço” em que se
ensejou a volta da teoria do imperialismo, Patnaik (1990) registraria, com pesar, o
virtual desaparecimento da teoria do imperialismo de todos os debates políticos e
científicos. 180

4.2. As teorias contemporâneas do imperialismo

Vimos no capítulo 3 que a crise dos anos 1960/70 e o fim da Guerra Fria, nos
anos 1990, se apresentam como marco histórico para o que muitos autores acreditaram
ser o início de uma nova era no desenvolvimento capitalista. Enquanto a década de 1990
se iniciou sob a forte hegemonia de ideias conservadoras, ilustradas sobretudo pela ideia
de “fim da história” sugerida por Fukuyama (vide seção 3.3) e de globalização, cujo
conteúdo remetia, ao fim e ao cabo, a uma suposta equalização das diferenças
estruturais entre as nações, ela terminou com os prenúncios de um interesse renovado no
imperialismo. 181 O debate sobre o imperialismo que se encontrava naquela encruzilhada
teórica examinada anteriormente, sem resolver as ambiguidades e indefinições do
período clássico e crescentemente atravessado por novas questões e temas
substancialmente, ressurgiria com força no início do século XXI.

180
O desgosto de Patnaik seria justificado, em sua opinião, porque essa desaparição não tinha origem na
eliminação do fenômeno, mas na sua exacerbação: seria força do imperialismo norte-americano que, com
sua quase ubiquidade, teria se tornado mais efetivo em “administrar” suas crises. Ver também Foster
(2006, capítulo 5).
181
Tratamos em outro lugar do impacto de tais transformações sobre a concepção de mundo de uma das
principais instituições de desenvolvimento, a Cepal. Como tentamos registrar ali, esse é um momento no
qual se pode detectar a defesa dessa suposta equalização no plano internacional mesmo no plano do
jargão utilizado, particularmente pela troca de conceitos como “periferia”, “subdesenvolvimento” ou
“Terceiro Mundo” – que remetiam por sua própria natureza a uma oposição estrutural com relações às
nações afirmadas como “centrais”, “desenvolvidas” ou do “Primeiro Mundo” – pelo jargão mais brando
que opõe as “economias mais fortes” ou de “alta renda” ao mundo “em desenvolvimento”. Cf. Corrêa
(2007).

165
A teoria do imperialismo começa seu movimento de renovação, inicialmente de
modo tímido, com as críticas à intervenção militar da Otan no leste europeu, no fim dos
anos 1990, e atingiria seu auge logo após os ataques terroristas de 2001 e a imediata
reação militar norte-americana iniciada no mesmo ano com a ocupação do Afeganistão
e aprofundada, posteriormente, com a invasão do Iraque. Nesse sentido, as evidências
de que persistiam as desigualdades estruturais de força (econômica e extraeconômica) e
as críticas a um projeto imperial norte-americano (em grande medida esquecida no
período anterior, no qual a violência contra povos mais fracos teria deixado de ser
explícita) foram decisivas para a recuperação do debate sobre o imperialismo que, de
modo significativo, voltava a fazer sentido, pela primeira vez em um século, não
somente para críticos de esquerda, mas também entre as vozes mais conservadoras da
sociedade – que, nesse caso, clamavam pela tomada de uma posição imperial aberta dos
Estados Unidos. 182

Encontram-se nessas mudanças do cenário geopolítico o principal propulsor para


a discussão de uma “nova” teoria do imperialismo. Do ponto de vista teórico, porém, a
obra responsável por alçar novamente o debate sobre o tema a uma condição de
destaque pretendia, curiosamente, dar por encerrada qualquer validade já adquirida pela
teoria do imperialismo. Esta obra foi Império de Michael Hardt e Antonio Negri,
publicada originalmente no ano 2000. Ainda envolvidos pelo clima intelectual criado na
esteira dos discursos da globalização, Hardt & Negri (2001) viram no suposto declínio
dos Estados-nação o necessário fim de qualquer noção de imperialismo, já que este se
basearia no nacionalismo e no controle territorial direto, anunciando assim o que seria
uma nova forma de controle global da economia capitalista, por eles denominada de
império. Dessa forma, os autores não apenas reacenderam o debate sobre a existência de
uma nova “fase” do desenvolvimento capitalista, mas reconectaram essa questão com a
definição leniniana do imperialismo como “fase superior” do capitalismo, provocando
com suas considerações uma resposta quase imediata entre marxistas dos mais diversos
matizes.

182
Esse fenômeno teve seu ápice, inteligivelmente, na administração do partido republicano de George
W. Bush e encontra-se bem documentada, por exemplo, em Harvey (2005b, capítulos 1 e 5), Foster
(2006, introdução) e Panitch & Gindin (2005, p. 19).

166
4.2.1. Depois do imperialismo: Império, globalização e ultraimperialismo

Assim como o debate sobre a teoria clássica do imperialismo iniciou-se


fundamentalmente com a tese não marxista de Hobson, o debate contemporâneo foi
impulsionado pelas teorias da globalização, de modo geral, mas particularmente pelo
trabalho de Hardt & Negri. No entanto, diferentemente do que se via em Hobson, os
autores assumem explicitamente uma influência de Marx, 183 e ao contrário da maioria
da ideologia típica da globalização não sugere que a nova “ordem mundial”, por eles
denominada de império, possa ser definida apenas em função do declínio dos Estados-
nação e pela desregulamentação dos mercados. 184

De acordo com Hardt & Negri, na virada dos anos 1970, a sociedade capitalista
ingressou em uma nova fase histórica, um “novo paradigma”, que deixa para trás a
modernidade e o imperialismo. Em sua descrição, o imperialismo – entendido como o
“processo expansionista do poder dos Estados-nação, mediante políticas de exportação
de capitais, exportação de força de trabalho e constituição-ocupação de áreas de
influência” (NEGRI, 2003, p. 51) – figura como determinação central das relações de
produção capitalistas típicas do período moderno. Do ponto de vista econômico, as
razões para tal expansionismo repousavam, segundo os autores, basicamente em um
descompasso entre oferta e demanda (insuficiência de consumo) e na busca por capital
constante (na forma de matérias-primas) e variável adicionais. 185 Nesse processo,
contudo, as potências imperialistas europeias seriam responsáveis pela “internalização”
e subordinação das demais regiões geográficas às relações capitalistas, consolidando
uma hierarquia entre os Estados-nação com hegemonia europeia.

Uma vez que Hardt & Negri descrevem o estágio imperialista por meio da
expansão dos Estados nacionais, torna-se mais fácil entender por que eles consideram

183
“Dois textos interdisciplinares nos servem de modelo em todo este livro: o Capital, de Marx e A
thousand plateaus, de Deleuze e Guattari”. (HARDT & NEGRI, 2001, p. 440)
184
Ibidem, p.31. Sobre a ideologia da globalização, ver seção III.3.
185
A exposição de Hardt & Negri (2001, p. 242-251) sobre as causas do imperialismo, por eles creditada
a Marx, é fundamentalmente uma sistematização breve de uma teoria subconsumista, com forte influência
de Luxemburgo.

167
que esse fenômeno estava essencialmente ligado à modernidade. Para os autores, em se
dividindo a história humana em fases, é possível identificar diferentes formas pelas
quais a sociedade com suas relações (políticas) de poder interno se reproduzem. Esta
ideia seria apreendida pelo conceito de soberania, como tratado pelos autores.
Sinteticamente, escreve Negri (2003, p. 50), “A soberania é o controle da reprodução do
capital e, portanto, o comando sobre a proporção do relacionamento de forças
(trabalhadores e patrões, proletariado e burguesia, multidões e monarquia imperial) que
o constitui. Na modernidade, a soberania reside no Estado-nação”. Como entidade que
encarnava a soberania moderna, o Estado-nação regularia as contradições internas (de
classe) e, fazendo frente aos imperativos de expansão econômica da acumulação de
capital, configuraria exatamente o período conhecido pelo nome de imperialismo.

A descrição de Hardt & Negri da contemporaneidade parte, portanto, da negação


das relações de produção típicas do imperialismo e da soberania moderna do Estado-
nação, que dariam lugar a uma nova forma de soberania, o império. Logo, imperialismo
e império são, nessa descrição, dois conceitos absolutamente distintos:

Entendemos “Império”, entretanto, como algo completamente diverso do


“imperialismo”. As fronteiras definidas pelo moderno sistema de Estados-
nação foram fundamentais para o colonialismo europeu e para a expansão
econômica [...]. O imperialismo era, na realidade, uma extensão da soberania
dos Estados-nação europeus além de suas fronteiras. [...] A transição para o
Império surge do crepúsculo da soberania moderna. Em contraste com o
imperialismo, o Império não estabelece um centro territorial de poder, nem se
baseia em fronteiras ou barreiras fixas. (Hardt & Negri, 2001, p. 12)

De acordo com os autores de Império, a pós-modernidade, fase atual do


capitalismo, seria marcada pelo fato de que a soberania passa a residir em um “não
lugar”. De um lado, porque enquanto no período moderno a soberania era imposta por
uma “sociedade de controle”, no Império o domínio sobre os indivíduos é internalizado,
no que eles chamam de reprodução biopolítica do poder. 186 De outro, porque esse

186
A ideia de produção biopolítica do poder estaria diretamente ligada às novas formas de trabalho na
pós-modernidade, quando o “trabalho intelectual de massa” e o “trabalho imaterial” se tornariam formas
dominantes: “O papel central previamente ocupado pela força de trabalho de operários de fábrica na
produção de mais-valia está sendo hoje preenchido, cada vez mais, por força de trabalho intelectual,
imaterial e comunicativa”, escrevem Hardt & Negri (2001, p. 48). E exatamente por essa razão os autores
clamam não só por uma nova teoria do valor, mas por uma “nova teoria da subjetividade que opere,
basicamente, através do conhecimento, da comunicação e da linguagem” (Ibidem). Voltaremos ao assunto
na sequência.

168
momento é caracterizado pela ausência de fronteiras (nacionais), como uma ordem
verdadeiramente mundial. 187

Hardt & Negri constatam a emergência da ordem imperial a partir do crescente


poder das instituições supranacionais, mas não apenas por isso. A dissolução das
fronteiras nacionais nessa soberania totalizante do Império teria como base a própria
alteração da produção capitalista. Em alguma medida apoiados em Bell (1976), os
autores identificam a modernização com o processo de industrialização, ao passo que a
pós-modernidade seria marcada pelo declínio do trabalho industrial e o crescente
domínio dos serviços e da informação, constituindo o que eles chamam pós-
modernização ou informatização da economia.188 Segundo os autores, a indústria não
desapareceria nesse processo, mas assim como durante a modernidade a agricultura
havia sido dominada pela atividade industrial, tornando-se também uma atividade
industrial, na pós-modernidade a indústria passava a ser dominada pelos serviços. Por
isso, na “economia informacional” (pós-moderna), o trabalho adquiria a qualidade de
“trabalho imaterial” o que significava que: produção industrial “foi informacionalizada
e incorporou tecnologias de comunicação de um modo que transforma o próprio
processo de trabalho”; o trabalho (imaterial) passou a se inclinar para atividades
“analíticas e simbólicas”, implicando a “manipulação inteligente e criativa de um lado e
nos trabalhos simbólicos de rotina do outro”; e que a produção passou a envolver a
“produção e manipulação de afetos” requerendo “contato humano (virtual ou real), bem
como trabalho do tipo físico”. (HARDT & NEGRI, 2001, p. 314) Por fim, a
informatização da economia teria tornado desnecessária a grande concentração
industrial, dando ensejo, por um lado, a uma desterritorialização da produção,
proporcionada pelas novas tecnologias de telecomunicações e da informação. Para os

187
Em síntese, observam os autores: “O conceito de Império caracteriza-se fundamentalmente pela
ausência de fronteiras: o poder exercido pelo Império não tem limites. Antes e acima de tudo, portanto, o
conceito de Império postula um regime que efetivamente abrange a totalidade do espaço, ou que de fato
governa todo o mundo ‘civilizado’. [...] Em segundo lugar, o conceito de Império apresenta-se não como
um regime histórico nascido da conquista, e sim como uma ordem que na realidade suspende a história e
dessa forma determina, pela eternidade, o estado de coisas existente. [...] Em terceiro lugar, o poder de
mando do Império funciona em todos os registros da ordem social, descendo às profundezas do mundo
social. O Império não só administra um território com sua população mas também cria o próprio mundo
que ele habita. Não apenas regula as interações humanas como procura reger diretamente a natureza
humana. [...] Finalmente, apesar de a prática do Império banhar-se continuamente em sangue, o conceito
de Império é sempre dedicado à paz – uma paz perpétua e universal fora da História” (Ibidem, p. 14-15).
188
Cf. Hardt & Negri (Ibidem, p. 302).

169
autores, isso significava que a tradicional linha de montagem moderna cedia seu lugar a
uma estrutura de rede na organização da produção. Por outro lado, esse mesmo processo
teria levado a uma centralização do controle sobre a produção, acima de tudo por meio
dos “serviços financeiros”.

Uma consequência crucial da análise de Hardt & Negri é, por isso, a negação à
classe trabalhadora do posto de “sujeito histórico” na transformação da sociedade e, ao
fim e ao cabo, ao próprio socialismo como alternativa histórica posta à ordem
capitalista. Em dia com a concepção pós-modernista, a análise de Hardt & Negri, sugere
que a emergência do trabalho imaterial e da fase pós-industrial nega qualquer identidade
possível dos trabalhadores, bem como o próprio antagonismo de capital e trabalho.
Como observado por Carcanholo & Baruco (2009b):

Hardt e Negri afirmam que, independente de qual seja a sua forma, o trabalho
material possui inerentemente a característica de cooperação, ou seja, esta
última não seria o resultado de uma imposição externa, como ocorreria nas
formas anteriores de trabalho. Assim, a força de trabalho atual não teria a sua
potencialidade efetivada necessariamente por intermédio da imposição da
lógica do capital, ou seja, não seria mais capital variável. Isto implica no
rompimento da relação antagônica entre capital e trabalho, pois o resultado
do processo de trabalho, em sua cooperação, não lhe seria mais estranhado, a
partir da apropriação da mais-valia pelo capital. Se não há mais antagonismo,
conflito, luta entre as classes (capital e trabalho), a classe trabalhadora não
pode ser mais o sujeito revolucionário, no sentido de que teria a possibilidade
de se colocar como uma alternativa integralmente anti-capitalista.

De fato, tal perspectiva corresponde adequadamente ao caráter fragmentário das


lutas sociais típicas do Império, tal como descritas pelos autores. A multidão, que
aparece em seu registro como unidade antagônica do Império, não guarda mais que uma
vaga semelhança com a noção tradicional de classe, da qual os próprios autores tentam
se distanciar. Enquanto, para eles, a categoria classe trabalhadora (operária) diria
respeito exclusivamente ao operariado fabril, a multidão teria um sentido mais amplo
(como todos os que atuam sob o comando do capital), mas apenas para enfatizar que os
indivíduos só poderiam se identificar com grupos mais específicos. Suas referências
teriam de ser, portanto, as “micro-identidades”, as lutas particulares dos movimentos de
negros, de grupos religiosos, de feministas, de homossexuais etc. 189 Nesse sentido,

189
Cf. Hardt & Negri (2005). Boas contestações desses argumentos em prol dos movimentos
fragmentários como unidade de luta e sua relação com o ambiente pós-moderno em geral podem ser
vistas, por exemplo, em Wood (2003) e Carcanholo & Baruco (2009; 2009b).

170
Carcanholo & Baruco têm razão quando argumentam que essa perspectiva se apoia
numa concepção equivocada da categoria capital industrial em Marx – a qual, como
lembram os autores, não se refere exclusivamente à “indústria” (como sinônimo de
“fábrica”). 190

Antes de concluir a presente exposição, uma pergunta se faz premente: uma vez
que o Império não conheceria fronteiras, que papéis teriam hoje as rivalidades
interestatais, culminando em guerras ou na “exploração” econômica de certas regiões?
Sobre o “desenvolvimento desigual” entre regiões do globo, os autores de Império
esclarecem que as desigualdades não são eliminadas. No entanto, na medida em que a
estratificação produzida pelo imperialismo deixaria de ser essencial, com a perda de
relevância das diferenças nacionais, essas desigualdades assumem outra forma. O ponto
central, nesse caso, é que essas diferenças perderiam importância na medida em que os
agentes centrais (isto é, os “pontos nodais” da produção em rede – agências
supranacionais, grandes corporações multinacionais e os Estados-nação que mantêm o
status de potências econômicas) não se orientam pelas fronteiras nacionais, mas pelas
leis imanentes do capital. 191

Da mesma forma, a dissolução das fronteiras transformaria todos os conflitos em


“guerras civis” no interior do Império, cujo conteúdo seria fundamentalmente diverso
das guerras imperialistas. Na modernidade (imperialista), a guerra seria constituída
como um “regime de exceção”, enquanto a pós-modernidade transformaria a guerra em
um estado permanente e generalizado, mas cujos agentes já não seriam os Estados-

190
“Muito do que é hoje chamado de setor serviços, constitui-se, na realidade, em capital industrial.
Como visto anteriormente, este último se define quando um capital aciona meios de produção e força de
trabalho com o fim de gerar e realizar a mais-valia. Logo, o que define o capital industrial e, portanto, o
trabalho produtivo, é um critério de valorização, por intermédio de uma relação social, e não um critério
de produção material. Não importa qual seja o valor de uso produzido/ transformado no processo de
produção, mas que este processo seja realizado com base nas relações sociais capitalistas, ou seja, que o
capitalista pague o valor da força de trabalho e que o consumo do valor de uso desta gera a mais-valia.
Portanto, grande parte do que é chamado setor serviços é capital industrial porque emprega trabalho
produtivo e produz riqueza capitalista”. (CARCANHOLO & BARUCO, 2009, p. 135)
191
“As divisões geográficas entre Estados-nação ou mesmo entre grupos de Estados-nação centrais e
periféricos, setentrionais e meridionais, já não são suficientes para captar as divisões globais e
distribuição da produção, acumulação e formas sociais. Com a descentralização de produção e a
consolidação do mercado mundial, as divisões internacionais e os fluxos de trabalho e capital quebraram
e se multiplicaram, de modo que já não é possível demarcar grandes zonas geográficas como centro e
periferia, Norte e Sul. [...] Isso não quer dizer que Estados Unidos e Brasil, Inglaterra e Índia agora são
territórios idênticos em termos de produção e circulação capitalista, mas sim que entre eles não existem
diferenças de natureza, apenas de grau”. (HARDT & NEGRI, 2001, p. 356-357)

171
nação. A característica das guerras é que elas se voltariam agora contra ideias,
conceitos, como na “guerra contra a pobreza” ou na “guerra ao terrorismo” (pós-11 de
setembro), sendo seu fundamento a regulação das relações de poder: “A guerra
transformou-se num regime de biopoder, vale dizer, uma forma de governo destinada
não apenas a controlar a população, mas a produzir e reproduzir todos os aspectos da
vida social”. (Idem, 2005, p. 34)

A análise de Hardt & Negri é, sem dúvida alguma, um marco para a teoria
contemporânea do imperialismo. O debate suscitado na esteira de sua publicação
desempenhou um papel importante no ressurgimento dos debates teóricos sobre a
periodização do capitalismo e a atualidade da categoria imperialismo, sobretudo pelas
reações críticas que despertou. Nesse sentido, o principal alvo das críticas a Hardt &
Negri foi “ubiquidade fluida” suposta no Império, na qual seriam dissolvidas as
desigualdades substantivas entre as nações, as diferenças de poder e econômicas, e,
ainda que de modo disfarçado, também a própria essência da produção capitalista. Sem
embargo, antes de tratar do modo pelo qual essas críticas se constroem, sugerindo a
manutenção do Estado-nação como unidade analítica relevante e enfatizando as
diferenças existentes no plano internacional, convém observar que os autores não foram
os únicos a defenderem nesse debate a posição de que o imperialismo fora ultrapassado
no capitalismo contemporâneo. Ao menos duas outras posturas seguiam, ainda que com
argumentos diferentes, sua perspectiva de fim do imperialismo.

William Robinson adquiriu notoriedade no início do século XXI por defender a


emergência do que o autor chamou de um Estado transnacional. Embora considere que
a operação do sistema econômico em escala mundial não era algo radicalmente novo,
Robinson descreve a globalização como algo mais que isso, uma mudança essencial que
dá ensejo a um novo estágio do capitalismo: “Em épocas passadas, cada país
desenvolveu uma economia nacional que se ligava às demais pelo comércio e pelas
finanças no mercado internacional. O novo estágio transnacional do capitalismo
mundial envolve a transnacionalização do processo produtivo em si, o que elimina e
integra funcionalmente os circuitos previamente nacionais em novos circuitos globais
de produção e acumulação”. (ROBINSON, 2008, p. 130. Tradução nossa.)

A diferença entre a “velha economia internacional” e a globalização


contemporânea evidenciaria também o motivo da obsolescência da teoria do
172
imperialismo. Tal qual em Hardt & Negri, suas insuficiências teriam origem nas
transformações experimentadas pela produção capitalista em sua fase atual. Como
explica Robinson (2007, p. 7-8. Tradução nossa.), o

capitalismo mudou de modo fundamental desde os dias de Lênin, Hilferding


e Bukharin. Nós entramos em um estágio transnacional qualitativamente
novo na atual evolução do capitalismo mundial, que é marcado por algumas
mudanças fundamentais no sistema capitalista, entre elas: a ascensão de um
capital verdadeiramente transnacional e a integração de todos os países em
um novo sistema global financeiro e de produção; o aparecimento de uma
nova classe transnacional de capitalistas, um grupo de classe baseado nos
novos mercados e circuitos de acumulação globais, e não nos mercados e
circuitos nacionais; a ascensão dos aparatos de estado transnacional, e o
aparecimento de novas relações de poder e desigualdade na sociedade global.
A dinâmica desse estágio emergente no capitalismo mundial não pode ser
compreendida pela perspectiva do pensamento centrado no estado-nação.

Nesse sentido, mais que a teoria “clássica”, é a teoria contemporânea do


imperialismo que Robinson quer rejeitar, especificamente por sua insistência em
analisar a economia mundial pelo prisma dos “interesses nacionais” – justo quando isso
se tornou impossível em virtude da emergência de uma classe capitalista
transnacionalizada, cujos interesses cortam transversalmente as fronteiras nacionais
estabelecidas, e com aparato regulador próprio, o Estado transnacional (e suas
instituições, evidentemente transnacionais, como o FMI, a OMC etc.). 192 Na medida em
que nessa perspectiva o advento da globalização capitalista, com a transnacionalização
dos processos econômicos, tornava obsoleta a figura do Estado-nação como concebida
até então, a perspectiva de Robinson foi frequentemente associada à de Hardt & Negri.
Por outro lado, o autor explicita suas diferenças com estes, dado que em sua concepção
o Estado (agora transnacional) continua sendo um ator fundamental da globalização, ao
contrário de Hardt & Negri, para os quais a estrutura de poder da nova era do
desenvolvimento capitalista se tornava “amorfa”, “ubíqua” e “inidentificável”. (Idem,
2008, p. 131)

192
“A abordagem de Estado-nação/interestatal obriga os intelectuais do ‘novo imperialismo’ a supor essa
noção não problematizada de ‘interesses nacionais’ para explicar a dinâmica política global. O que
significam os “interesses nacionais”? Os marxistas rejeitaram historicamente as noções de ‘interesses
nacionais’ como subterfúgio ideológico para interesses de classes e grupos. O que é uma ‘economia
nacional’? Um país com mercado fechado? Circuitos de produção territorialmente fixados e protegidos?
A predominância de capitais nacionais? Um sistema financeiro isolado nacionalmente? Nenhum país
capitalista no mundo se enquadra nessa definição” (Ibidem, p. 9. Tradução nossa.).

173
De todo modo, tanto em Hardt & Negri, quanto em Robinson, vemos
desaparecer a “velha noção” de rivalidade interimperial como resultado do movimento e
dos interesses do capital. Também para ambos o sistema capitalista mantém nessa nova
fase os problemas que lhe são inerentes, nas palavras de Robinson (2007, p. 24), o
sistema continua sendo “desumanizador, genocida, suicida e maníaco”. Mas justo por
isso, é um pouco curioso que ambos rejeitem com veemência as associações que
rapidamente vieram a surgir entre suas perspectivas e a teoria do ultraimperialismo de
Kautsky.193 Essa hipótese é defendida de modo transparente, entretanto, em um estudo
pouco anterior a esses, pela economista francesa Odile Castel (1999).

O ponto de partida de Castel é significativamente diverso dos demais: não se


baseia na globalização ou transnacionalização dos processos econômicos ou do declínio
dos poderes nacionais – conceitos que o autor descarta advertindo sobre seu conteúdo
ideológico que favoreceu a implantação do neoliberalismo como fenômeno inevitável e
salutar e omitiu as desigualdades e a depressão da economia mundial no fim do século
XX. (Ibidem, p. 130) Castel entende a emergência do ultraimperialismo a partir da
década de 1980/90 justamente como consequência das contradições imperialistas
precedentes. Sua perspectiva é de que o imperialismo do período precedente não fora
capaz de cumprir sua “missão” de prover alternativas de valorização para o capital
frente a suas crises de superprodução. 194

Assim, enquanto o imperialismo teria criado a tendência à monopolização da


economia e sua expansão com o intuito de recuperar a lucratividade capitalista, o
ultraimperialismo seria qualificado como uma política de aliança adotada pelo grande
capital na formação de oligopólios mundiais. Por um lado, a formação dos oligopólios
mundiais não eliminaria a concorrência, embora impedisse a entrada de novos
concorrentes e favorecesse a concentração de capital (ibidem, p. 128). Por outro, a força
desses oligopólios mundiais, sobretudo depois das inovações financeiras da década de
1980 (que teriam enlaçado ainda mais as operações industriais e financeiras), garantiria

193
Cf. Hardt & Negri (2001) e Robinson (2007, p. 10).
194
“Se a política imperialista foi implantada pelas potências capitalistas nas últimas décadas do século
XIX, em reação à grande depressão dos anos 1873-1895, até os anos 1960 numa tentativa de conter as
crises de superprodução, o ultraimperialismo parece ser a política implantada pelas grandes empresas, a
partir das últimas décadas do século XX, em reação à grande depressão que começou em 1973” (Ibidem,
p.138-139).

174
um poder até então inimaginável superando inclusive os poderes dos Estados nacionais.
O tratamento dispensado por Castel aos Estados-nação difere da maioria dos discursos
da globalização, porque não contrapõe simplesmente os poderes de Estado e capital,
mas destaca que os Estados agem como instituições protetoras do capital, especialmente
nessa “infância” do ultraimperialismo, que ainda estaria se nutrindo para abarcar todo o
mundo.

A despeito das divergências internas, que não são poucas, as análises de Hardt &
Negri, Robinson e Castel convergem na avaliação de que o imperialismo seria uma
etapa superada e uma categoria obsoleta para tratar do capitalismo contemporâneo. Mas
teria, de fato, a internacionalização (ou transnacionalização) do capital progredido
reduzindo o antagonismo entre as nações e tornando os Estados agentes crescentemente
dispensáveis da acumulação capitalista? Vejamos de que modo argumentam os autores
que, reiterando a importância do imperialismo, respondem negativamente à questão.

4.2.2. Reafirmando o imperialismo: uma nova fase no seio do “estágio superior” do


capitalismo?

Chamamos de “linha principal” da teoria clássica do imperialismo o eixo


fundamental de análises constituído em torno das obras de Hobson, Hilferding,
Bukharin e Lênin. A razão para isso, como elucidado anteriormente, foi a influência
predominante exercida por tal corpo teórico sobre os estudos posteriores do tema. Essa
influência se fez sentir ao longo de todo o século XX especialmente por meio dos
movimentos sociais e organizações dos trabalhadores – embora seja preciso lembrar que
nestes, frequentemente, suas ideias acabassem completamente distorcidas por
concepções stalinistas. Não obstante, uma vez que a teoria do imperialismo entrou em
decadência, foi precisamente essa linha que recebeu maior número de criticas. Seu
retorno ao plano principal se daria com a reação às teorias da globalização e às teses de
Hardt & Negri. Contra as teorias da globalização inúmeros pensadores voltaram seus
esforços a demonstrar a atualidade das teses clássicas do imperialismo. Na maior parte
dos casos, este exercício não tinha, evidentemente, o propósito de defender a

175
inexistência de mudanças substantivas ou de novos traços, mas sua análise levava a crer,
sem embargo, que o problema mantinha-se inalterado em seu fundamental.

Os trabalhos ora analisados rejeitam a noção de uma nova fase do


desenvolvimento capitalista, baseada no fim do Estado-nação ou na formação de um
pretenso Estado transnacional. Entretanto, frente às contestações lançadas no bojo da
crise da teoria do imperialismo na década de 1990, os “herdeiros da tradição clássica”
tiveram de optar entre duas linhas possíveis: enfatizar a continuidade entre o período
contemporâneo e o clássico, lendo as mudanças ocorridas nesse quase um século como
eventos que antes acentuavam as tendências percebidas pela teoria clássica; ou
tematizar as descontinuidades entre os períodos, marcando a contemporaneidade como
uma “subfase” do período imperialista com particularidades significativamente
distintas. Em todos os casos, o ponto central é que a categoria imperialismo mantém sua
atualidade porque as características da descrição histórica levantada pela teoria clássica
do imperialismo – a proeminência dos monopólios e do capital financeiro, a rivalidade
interestatal (entre as potências capitalistas), o desenvolvimento desigual (e combinado)
etc. – continuariam a ser as grandes questões do presente, ainda que existam diferenças
entre os dois momentos. Assim, embora possam existir diferenças, no essencial, nas
tendências históricas postas em marcha pelo imperialismo, a situação presente é ainda
uma continuação da era clássica do imperialismo.

Mas se nessa concepção são enfatizados os momentos de continuidade, ao invés


das descontinuidades históricas, que juízo é feito das noções de “globalização” e
“império”, que apontam para o ocaso do imperialismo? Essa questão é respondida, em
primeira instância, por meio da crítica à ideia de globalização, sugerindo que esta faz
parte de um projeto ideológico de dominação (entendida ideologia nesse contexto como
“falsa consciência”) sustentado por políticas deliberadas (de cunho neoliberal).

Nesse sentido, Petras & Veltmeyer (2001, p. 14-19) observam que a


“globalização” é apresentada a todos como algo simultaneamente inevitável e benéfico
– isto é, dado o poder e a mobilidade adquiridos pelo capital (com as novas tecnologias
de informação, o desenvolvimento dos mercados financeiros etc.), o Estado nada
poderia fazer senão adaptar-se, o que não seria encarado como algo negativo já que o
mercado em pleno funcionamento espalharia suas benesses para todos. Note-se, embora
as teorias estudadas na última seção compartilhassem críticas a esse processo de
176
globalização, também elas contribuiriam para naturalizar esse processo, corroborando
sua irreversibilidade, e mistificar a existência de desigualdades estruturais e assimetrias
de poder entre as nações. O primeiro passo da crítica é, por isso, tentar demonstrar que
tais formas discursivas têm como origem a necessidade de reorientação das economias
capitalistas em resposta à crise (de lucratividade) dos anos 1960/70. A alegada
“inevitabilidade” teria como propósito real, portanto, a promoção das políticas
neoliberais de recuperação dos lucros do capital – as mesmas políticas que depois de
implementadas eram usadas para corroborar a onipotência do capital e, portanto, a
necessidade de render-se a ele.195

Petras & Veltmeyer buscam resgatar a categoria imperialismo e demonstrar que


o fenômeno ora chamado de globalização é na verdade um projeto de consolidação da
dominação das potências imperialistas (e particularmente do grande capital oriundo da
potência atualmente hegemônica, os Estados Unidos) sobre o restante do mundo. As
políticas neoliberais tratadas com grande atenção pelos autores – os processos de
abertura e desregulamentação do movimento do capital, as privatizações, os incentivos
às ONG’s como forma de desmobilizar os movimentos de esquerda etc. – teriam por
finalidade beneficiar as potências imperialistas, e seriam impostas por essas potências
através das instituições supranacionais, forçando uma reestruturação da economia
responsável, inclusive, por minar o poder do Estado, ou melhor, adaptar os Estados aos
novos requisitos da acumulação capitalista. 196 Assim, analisando especificamente as
implicações desse projeto no subcontinente latino-americano, eles sugerem que
“Embora tenha longas e profundas raízes na região, não foi até os anos 1980 e 1990 que
o imperialismo, argumentadamente a etapa superior e final do capitalismo, efetivamente

195
Idem, ibidem. O assunto já foi extensamente tratado no capítulo anterior. Por ora, vale observar que,
até aqui, o argumento é plenamente compatível com o modo como o assunto é tratado, por exemplo, em
Duménil & Lévy (2004) e Harvey (2008), que no entanto se diferenciam dos demais autores ora
analisados por rejeitarem explicitamente o tratamento dispensado pela teoria clássica do imperialismo,
como será visto adiante.
196
“Não obstante a considerável evidência da proeminência e agência continuadas do estado no interior
do processo de desenvolvimento global, é igualmente claro que sob as presentes e disseminadas
condições estruturais e políticas, os poderes do estado-nação foram significantemente erodidos, dando
lugar à influência de instituições internacionais. Um olhar mais atento para essas (Banco Mundial, FMI,
Bird etc.) revela que em sua composição interna e em seu modo de seleção dos principais policy makers e
beneficiários, um conjunto seleto de estados-nação é dominante, nomeadamente as nações capitalistas
avançadas, ou imperialistas, da América do Norte, Europa e Ásia” (Ibidem, p. 19).

177
chegou à maturidade na América Latina, criando condições para sua consolidação”
(Ibidem, p 74. Tradução nossa.).

Sobre a forma específica como o imperialismo é tratado, deve-se destacar que


Petras & Veltmeyer passam ao largo de maiores debates teóricos acerca da categoria.
Implicitamente os autores estão trabalhando com uma noção “clássica” de imperialismo
sem maiores qualificações, isto é, como uma etapa (ou uma política, o que não chegaria
a contrariar seus argumentos) movida por imperativos econômicos, e responsável por
conflitos de interesses internacionais. No plano desses interesses antagônicos, o que
interessa a eles são particularmente as relações de “exploração” dos países “menos
desenvolvidos” às potências imperialistas, e os mecanismos concretos pelos quais isso
poderia ocorrer. Nesse sentido eles sugerem que:

A Nova Ordem Imperial é construída sobre cinco pilares: grandes


pagamentos de longo-prazo de dívidas externas; transferências massivas de
lucros derivados de investimentos diretos e em portfólio; aquisições [buyouts
and takeovers] de empresas públicas lucrativas e de empresas nacionais
financeiramente frágeis, assim como investimento direto em fábricas com
condições degradadas de trabalho [sweatshops], recursos energéticos,
manufaturas de baixo salário e indústria de serviços; recolhimento de renda
advinda de pagamento de royalty e em uma vasta gama de produtos, patentes
e mercadorias culturais; e balanços de conta corrente favoráveis baseados no
domínio das corporações e bancos norte-americanos na região, em virtude da
“familiaridade” com o mercado e dos laços históricos. (Ibidem, p. 78)

Da mesma forma, a análise das questões políticas também não se prende a


maiores debates teóricos, e sim se fixa nos mecanismos concretos. Nesse sentido, o
mais próximo que os autores chegam do debate de como (ou por que) o Estado age em
nome do capital apresenta-se no capítulo dedicado à crítica à “retórica da democracia”,
no qual os autores mostram que não há uma relação intrínseca entre democracia e
capitalismo, mas ao contrário uma relação problemática, na qual a forma política se
apresenta (e precisa se apresentar) como mecanismo de sustentação de um domínio de
classe.197

Nesse contexto a expressão imperialismo contemporâneo pode ser entendida,


então, como as políticas e a ideologia contemporaneamente adotadas (o neoliberalismo
e a globalização) para satisfazer os objetivos de exploração econômica e supremacia

197
Aliás, os autores lembram com grande acuidade como a imposição do imperialismo utilizou-se
livremente da força contra a democracia ao longo da história. Cf. Petras & Veltmeyer (2001, p. 111-118).

178
política das potências imperialistas. Isso significa que a forma contemporânea do
imperialismo pode ser distinta, apoiar-se em novos recursos discursivos ou práticos,
evidentemente associados às transformações históricas do século XX, mas o
imperialismo não seria substantivamente distinto.

A crítica ao neoliberalismo e ao conceito tradicional de globalização com base


no imperialismo é também compartilhada por Chesnais (1999; 2003) e Serfati (1999).
Chesnais e Serfati, no entanto, dão maior atenção ao debate teórico em torno do
imperialismo. Isso porque em sua concepção afirmar a existência de um imperialismo
contemporâneo não significa apenas reafirmar a validade da teoria clássica, mas sim a
existência de uma forma particular, historicamente determinada, de imperialismo. Nesse
sentido, poucos autores são tão claros quanto Chesnais ao defender que o capitalismo
contemporâneo deve ser entendido como uma subfase do imperialismo. Em suas
palavras,

A teoria do imperialismo desenvolvida no início do século [XX] é a pedra


angular da teoria da mundialização do capital. É por ela que responde a
análise da mundialização em termos de totalidade sistêmica mundial, a uma
vez diferenciada e fortemente hierarquizada, combinando relações
econômicas e as relações políticas, relações entre os Estados, mas também
entre as classes. [...] Quando estudamos a “mundialização do capital”,
estudamos então uma configuração específica do imperialismo,
caracterizada por um regime de acumulação particular: aquele que provém
da liberalização e da desregulamentação financeiras dos anos 1979-82, e da
reconfiguração do capital financeiro em escala mundial depois do fim da
Segunda guerra imperialista mundial, portador de formas, se não totalmente
novas, ao menos pouco desenvolvidas nos anos 20 e 30. Hoje o imperialismo
é dominado por uma configuração muito particular do “capital financeiro”.
(CHESNAIS, 1999, p. 95. Tradução e grifos nossos.)

Como se viu no capítulo 2, na análise do capital financeiro de Hilferding e


Lênin, o papel principal era desempenhado pela tendência à monopolização – tendência
essa que Chesnais acredita continuar operante, e em níveis muito mais elevados com o
desenvolvimento das multinacionais do período recente (Ibidem, p.114-115); no
entanto, a fase contemporânea do imperialismo representaria um “regime de
acumulação”, caracterizado pela dominância das “finanças”, tanto no plano interno de
cada nação, quanto no internacional. 198 O termo “finanças” é usado aí com a

198
A noção de “regime de acumulação” é herdada por Chesnais (2003, p. 47) da escola regulacionista
francesa, significando “reconhecer que, na segunda metade do século XX, no contexto de diferentes tipos
de relações políticas entre o capital e o trabalho, as burguesias dedicaram-se a buscar diferentes maneiras

179
preocupação de ser diferenciado do termo capital financeiro, preferido pelo autor na
maioria das ocasiões, mas que pode gerar alguma confusão. Primeiramente porque, uma
vez que foram os clássicos da linha principal do imperialismo que definiram a “nova
fase” do desenvolvimento capitalista pela categoria capital financeiro, seria possível
perder de vista aquilo que Chesnais quer destacar como a particularidade do
imperialismo hoje e que é dada justamente pela hipertrofia e pela “autonomização” da
chamada esfera financeira. Ademais, embora utilize o termo capital financeiro, Chesnais
(1999, p. 103-104) não segue à risca a definição de Hilferding a respeito, mesclando-a
com a forma pela qual Marx teria (alegadamente) tratado do assunto, remetendo-se à
categoria capital fictício.

No sentido de explicar a emergência dessa nova etapa do imperialismo, o


chamado regime de acumulação financeira e rentista, Chesnais tenta descrever as
mudanças que afetaram o modo de produção capitalista possibilitando a ampliação da
esfera financeira. Em parte isso teria sido propiciado pela criação de mecanismos
financeiros que davam novo ímpeto à concentração e à centralização de capital sob a
forma capital-dinheiro, sobretudo com o advento dos fundos de pensão e os fundos de
aplicação financeira. (Idem, 2003, p. 48) Entretanto, mais que uma questão quantitativa
(ou seja, do volume de recursos jogados na esfera financeira de valorização), Chesnais
destaca a forma como a lógica financeira se enlaça com as outras esferas da dinâmica
econômica:

As consequências de uma nova forma de relação entre os acionistas, os


dirigentes das empresas e os assalariados somaram-se aos efeitos da
influência da finança sobre os governos. Os dividendos tornaram-se, ao lado
dos rendimentos dos títulos da dívida pública, um mecanismo determinante
de apropriação do valor e da mais-valia, e os mercados de ação passaram a
ser uma instituição absolutamente decisiva na regulação do regime de
acumulação. A pressão “impessoal” exercida pelos mercados financeiros
sobre os grupos industriais, através do nível comparado da taxa de juros
sobre os títulos da dívida e o nível dos lucros industriais, deu lugar a formas
novas, bastante impositivas, de interpenetração entre “finança” e
“indústria”. A entrada de fundos de pensão e de investimentos financeiros no
capital de grupos conduziu a mudanças importantes nas formas de relação e
nas modalidades de entrelaçamento entre a finança e a grande indústria, cujas

de estabilizar o movimento de reprodução e de valorização do capital e, portanto, de assentar sua


dominação”. Não obstante, apesar da aceitação implícita da periodização regulacionista (que caracteriza o
período ente 1945-73 pelo conceito de fordismo), Chesnais (1999, p. 99-100) deixa claro também que não
pretende fazer uma busca por diferentes estágios do imperialismo, ainda que esteja descrevendo o que
acredita ser uma nova fase no interior deste.

180
consequências para os assalariados estão ainda longe de terem terminado.
(Ibidem, p. 50. Grifos nossos)

Assim, embora Chesnais trabalhe com um conceito de capital financeiro pouco


distinto daquele de Hilferding, ele não descarta aquele que seria seu fundamento,
embora tente atualizá-lo considerando as novas formas de relação do capital-produtivo
não só com capital-bancário, mas de modo mais amplo com as formas mais
desenvolvidas baseadas no capital fictício. A relação entre essas frações da classe
capitalista se tornaria ainda mais intrincada uma vez que a remuneração dos gestores
empresariais e financeiros (reforçada pela disseminação de pagamentos em participação
acionária, as stock options, para os diretores corporativos) passa a depender mutuamente
uma da outra, selando uma aliança entre ambos cujo resultado é a criação de uma
pressão pelo aumento da taxa de exploração dos assalariados. Por sua vez, essa pressões
foram traduzidas presentemente na busca de flexibilização do mercado de trabalho.
Assim, na medida em que cria pressões estruturais para degradação das condições de
trabalho, de um lado, e para a necessidade de lucratividade exacerbada (capaz de gerar
lucros e dividendos sempre crescentes de modo a não frustrar as expectativas dos
investidores e ameaçar todo o sistema), a “mundialização do capital” deveria ser vista
como um mecanismo de polarização da riqueza – tanto internamente quanto no plano
internacional. Como observado em Chesnais (1999, p. 111), a busca da máxima
lucratividade do investimento de capital, seja em forma direta ou financeira, torna-se
nessa etapa extremamente seletiva sendo capaz de promover a marginalização de
continentes e subcontinentes inteiros. Mas sua contraparte seria uma tendência renovada
àquilo que Lênin havia caracterizado como a formação de Estados-rentistas (Ibidem, p.
109).

Em suma, Chesnais enxerga o capitalismo contemporâneo como um período de


aprofundamento das características que marcaram a emergência do imperialismo
(entendido como fase do capitalismo), especialmente com a coroação das finanças como
suposto epicentro da acumulação. Um último ponto sobre a análise de Chesnais: de
acordo com ele, deve-se ter presente que embora as rivalidades interimperiais sejam
mantidas, a fase contemporânea do imperialismo é marcada pela hegemonia norte-
americana, que acaba por se colocar em uma posição ímpar no interior da hierarquia
internacional, sustentada, ademais, por um amplo aparato institucional (G-7, FMI,

181
OMC, Otan etc.) responsável pela imposição generalizada das políticas que reforçam os
interesses do capital financeiro e reduzem as possibilidade de mobilidade na forma de
inserção nacional na economia mundial. (Idem, 2003, p. 52-54)

Na mesma direção, mas com um registro distinto, o grego Spyros


Sakellaropoulos (2009) também sugere que o imperialismo contemporâneo fosse
considerado uma (sub)fase do imperialismo. O grande diferencial da análise de
Sakellaropoulos é tentar construir um terreno mais sólido sobre o qual a definição de
imperialismo como critério de periodização pudesse fincar estacas.

De modo sintético, o raciocínio de Sakellaropoulos (2009, p. 61-70) segue a


seguinte linha. Em primeiro lugar, seria preciso distinguir os conceitos de “modo de
produção” e “formação social”: o “modo de produção” seria uma síntese das forças
produtivas e relações de produção de uma sociedade, assim como as leis de movimento
que emergem dessa síntese – caracterizadas como leis “internas” oriundas de sua
contradição mais fundamental do modo de produção (porque imutável no interior de um
mesmo modo de produção), no caso do modo de produção capitalista, a contradição
entre capital e trabalho; já uma “formação social” seria a configuração específica da
estrutura de poder (como resultado da luta de classes) em uma região geograficamente
determinada, ou seja, as “determinações externas das leis de movimento que moldam a
contradição social dominante (Ibidem, p. 61. Tradução nossa.). Dada essa diferenciação,
Sakellaropoulos sugere que “No nível de uma formação social, o modo de produção
pode ser dividido em estágios, que por sua vez são similarmente divisíveis
equivalentemente em fases” (Ibidem. Tradução e grifos nossos.). É exatamente essa sua
proposta: delinear uma periodização das formações sociais no modo de produção
capitalista compatível com a concepção leniniana do imperialismo. Seria possível
visualizar, assim, no interior do modo de produção capitalista dois estágios, o liberal e o
monopolista; este último, por sua vez, dividir-se-ia em três fases, a clássica (entre 1870
e 1914), a fase da “reprodução ampliada do imperialismo” (entre 1918 e 1973), a fase
de reestruturação capitalista depois da crise de 1973.

Evidentemente teríamos nesta última fase a representação do imperialismo


contemporâneo. Sua análise dessa fase nos leva, novamente, ao modo como o
neoliberalismo avançou pelo mundo, acrescentando como mudanças do imperialismo
em sua fase atual (e portanto contrastando com a “fase de reprodução ampliada”): (1)
182
internacionalização econômica, baseada nos fluxos de capital financeiro (financial
capital) e exportação de investimentos e bens; (2) internacionalização das funções do
Estado, mas adverte o autor, “O estado está internacionalizado porque isso corresponde
aos interesses sociais que ele estruturalmente representa. A partir do momento em que
sua burguesia doméstica julgar que o processo de internacionalização não é interessante,
o estado cessará de estar internacionalizado” (Ibidem, p. 72); (3) incremento das
intervenções militares na última década; e (4) a ascensão dos Estados Unidos à posição
de líder hegemônico da cadeia imperialista.

É preciso notar, entretanto, que o que Sakellaropoulos de fato se esforça em


defender é que a contemporaneidade não seja interpretada como um novo “estágio” do
desenvolvimento capitalista, mas como uma nova “fase” no interior do imperialismo. E
esse é um objetivo compreensível e justificável. O problema é que a forma por ele
escolhida deságua num esquematismo que pouco ajuda a dirimir os problemas da teoria
clássica do imperialismo. Sua aceitação da metáfora base/superestrutura (com referência
althusseriana) mantém, mesmo com o esforço de reconceituação, os problemas da
relação entre Estado e economia sem mediações que culmina numa visão
instrumentalista do Estado. 199 Igualmente, sua tentativa de frisar as diferenças entre os
níveis do “modo de produção” e das “formações sociais” não elimina o problema de
ultrapassar níveis de abstração distintos para afirmar que o imperialismo seja um novo
estágio do desenvolvimento capitalista, nem problematiza o critério dos clássicos a esse
respeito, baseado na categoria da concorrência. Por fim, por sua tentativa de apresentar
todas essas diferenças sob uma forma esquemática abstrata, perde-se completamente de
vista a relação entre as opções teóricas dos clássicos do imperialismo com o contexto
social no qual escreveram, que tinham na teoria do imperialismo a “comprovação” da
iminência de uma “revolução socialista”.

Outra análise relevante que, sob uma base teórica algo distinta, vê na
contemporaneidade a emergência de um novo período no interior do imperialismo é
oferecida pela historiadora Virgínia Fontes. No intuito de dar conta da forma
contemporânea do imperialismo, Fontes lança mão do conceito de capital-imperialismo.
Segundo ela, o termo “capital-imperialismo pretende deixar claro que, tendo se

199
Cf. por exemplo Sakellaropoulos (2009, p. 63).

183
modificado na virada do século XIX para o XX, o capitalismo passou a expandir-se sob
a forma do imperialismo e, ao fazê-lo, agregou novas determinações. Seu
prolongamento no tempo não significou seu congelamento”. (FONTES, 2010, p. 155)

A descrição de Fontes sobre o imperialismo contemporâneo (capital-


imperialismo, em seus termos) se distingue daquelas que vimos anteriormente,
primeiramente, porque a autora procura delinear um cenário abrangente, que desse
conta da totalidade das esferas sociais, para apreender seu significado. Nesse sentido,
enquanto a descrição da maioria dos autores se concentra apenas em certos fatores
(sobretudo econômicos, mas por vezes também políticos e culturais), Fontes pretende
oferecer uma descrição mais abrangente e rica em detalhes das mudanças sociais no
século XX, transitando entre diversas esferas da vida social até formar um quadro amplo
do funcionamento do imperialismo hoje. 200

Para dar conta, de modo sintético, dos principais traços identificados por Fontes
na fase presente do capitalismo, observemos o que nos diz a autora em uma passagem-
chave de sua obra:

Falar, pois, de capital-imperialismo, é falar da expansão de uma forma de


capitalismo, já impregnada de imperialismo, mas nascida sob o fantasma
atômico e a Guerra Fria. Ela exacerbou a concentração concorrente de
capitais, mas tendencialmente consorciando-os. Derivada do imperialismo,
no capital-imperialismo a dominação interna do capital necessita e se
complementa por sua expansão externa, não apenas de forma mercantil, ou
através de exportações de bens ou de capitais, mas também impulsionando
expropriações de populações inteiras das suas condições de produção (terra),
de direitos e de suas próprias condições de existência ambiental e biológica.
Por impor aceleradamente relações sociais fundamentais para a expansão do
capital, favorece contraditoriamente o surgimento de burguesias e de novos
Estados, ao mesmo tempo que reduz a diversidade de sua organização interna
e os enclausura em múltiplas teias hierárquicas e desiguais. À extensão do
espaço de movimentação do capital corresponde uma tentativa de bloquear
essa historicidade expandida, pelo encapsulamento nacional das massas
trabalhadoras, lança praticamente toda a humanidade na socialização do
processo produtivo e/ou de circulação de mercadorias, somando às
desigualdades precedentes novas modalidades. Mantém o formato
representativo-eleitoral, mas reduz a democracia a um modelo censitário-
autocrático, similar a assembleias de acionistas, compondo um padrão
bifurcado de atuação política, altamente internacionalizado para o capital e
fortemente fragmentado para o trabalho. (FONTES, 2010, p. 149. Grifos
nossos.)

200
Veja-se Fontes (2010, capítulo 3), no qual a autora discute a gênese do capital-imperialismo e o modo
como em sua formação consegue “capturar” (em sua teia) as mais distintas esferas da sociabilidade
humana – o que, acredita-se, explica a razão pela qual sua análise não adota o ponto de vista unilateral da
economia, da política ou da cultura.

184
Os primeiros elementos destacados no excerto demonstram aquilo que Fontes
identifica como sendo os principais traços da dinâmica de funcionamento do capital-
imperialismo. O capital-imperialismo, definido como forma de expansão do capitalismo
na presente etapa do imperialismo, apresentaria duas faces desconectadas. De um lado,
estaria a tendência à concentração de capitais e sua forma presente; essa tendência,
crucial para a configuração do imperialismo (porque estaria na base da
“monopolização” de que falara Lênin), teria em sua forma atual características distintas
com relação ao imperialismo (clássico), na medida em que a tendência à concentração
que atingia o capital produtivo e o capital bancário, na conformação do capital
financeiro, “perderia o formato de união evidente entre ‘espécies’ diversas de
capitalistas, aproximando-se mais da formulação marxiana da concentração do capital
sob pura forma monetária, do capital portador de juros” (Ibidem, p. 155). O outro lado
da concentração, entretanto, é a concentração de recursos sociais de produção,
capturado na análise de Fontes pelo conceito de “expropriações”. A esse respeito a
autora parte da descrição marxiana da assim-chamada acumulação primitiva – na qual
Marx mostra que a acumulação capitalista requer simultaneamente certa massa de
recursos sociais concentrados que possam ser aplicados como capital e trabalhadores
“duplamente livres”, em um processo que teria sido historicamente possibilitado, dos
dois lados, por meio da expropriação da classe trabalhadora dos meios de produção –
para defender que o processo de expropriação da sociedade é, na realidade, um processo
continuamente renovado na expansão capitalista e cujo escopo transcende em muito o
acesso à terra (como normalmente é caracterizada a acumulação primitiva). Assim,
Fontes sugere que “A expropriação, ora sob aspecto unicamente econômico, ora
demográfico, abrange praticamente todas as dimensões da vida. Incide sobre direitos
tradicionais, como uso de terras comunais, direitos consuetudinários, relação familiar
mais extensa e entreajuda local, conhecimento sobre plantas e ervas locais, dentre outros
aspectos, e envolve profundas transformações cultuais, ideológicas e políticas” (Ibidem,
p. 51).201

201
Como se pretende mostrar mais adiante, o conceito de “expropriação” em Fontes tem afinidades
indubitáveis com o de “acumulação por espoliação” defendido por Harvey (2005b). Sobre as diferenças

185
O capital-imperialismo aparece portanto como a face contemporânea do impulso
expansivo capitalista que, em seu percurso, concentra em polos opostos recursos
capitalizáveis (cada vez mais sob a forma capital-portador de juros) e população
expropriada. Na continuidade do trecho supracitado teríamos, então, as características
que se põem ao lado, mas em alguma medida são consequência, dessa forma de
expansão do capital: os processos duplos de fragmentação e homogeneização dos
espaços nacionais de modo hierárquico e desigual, o crescimento extensivo do capital
abarcando a quase totalidade da população, mas conservando a imobilidade da classe
trabalhadora (contrastando com a mobilidade desejadamente infinita do capital), e o
esvaziamento político na pseudo-democracia capitalista. Tem-se, com isso, um
panorama das razões que levam Fontes a ver na realidade contemporânea um
desdobramento da etapa imperialista, o capital-imperialismo. 202

Sumarizando, diversas tentativas de reafirmar o imperialismo no período


contemporâneo têm como referencial as tendências identificadas pela teoria clássica,
com diferenças (que conduziriam à ideia de uma subfase do imperialismo) ou tout court
como definida no início do século XX. Na próxima seção passaremos a analisar um
grupo de teorias que, apesar de sustentar a atualidade da categoria imperialismo, busca
requalificá-lo, questionando notadamente a perspectiva de Lênin de igualá-la com uma
nova fase do capitalismo. Antes de passar a esse grupo, nos voltaremos a dois marxistas
notáveis que se encontram, de certo modo, exatamente na fronteira entre a reafirmação
(ora apresentada) e a reafirmação crítica da teoria do imperialismo (de que trataremos
na próxima seção): Istvan Mészáros e John Bellamy Foster, cujas perspectivas sobre o
imperialismo contemporâneo partem das análises da Monthly Review das décadas de
1960/70 (ver seção 4.1.2).

Para entender por que esse autores estabelecem o limite entre duas formas de
considerar o imperialismo contemporâneo convém notar, antes de tudo, que Mészáros

entre os dois e as razões pelas quais Fontes acredita que sua forma de tratar do assunto seja mais
apropriada, cf. Fontes (2010, p. 62 et seq.).
202
É importante notar que nossa análise da obra de Fontes é sabidamente parcial, mas entendemos que
essa opção expositiva é adequada porque a autora incorpora um número muito grande de elementos, que
demandariam, portanto, uma análise mais extensiva e que talvez terminassem por desviar o foco da
presente análise.

186
apresenta o imperialismo partindo de Lênin e Sweezy. 203 Em seu ensaio dedicado, não
casualmente, a Sweezy e Magdoff, Mészáros analisa o imperialismo contemporâneo
como momento de maior exacerbação das contradições do imperialismo. De acordo
com o autor, seria possível particionar a história do imperialismo em três momentos: o
imperialismo colonial, o imperialismo clássico (1870-1945) e o imperialismo
contemporâneo, ou, como ele chama, “imperialismo global hegemônico” (Ibidem, p.
72).

No entanto, ainda que de modo implícito e parcial, o critério de periodização de


Lênin termina rejeitado quando Mészáros aceita estender o imperialismo para um
período prévio à era “clássica” (pela qual Lênin havia distinguido o imperialismo do
capitalismo de até então). A esse respeito, Foster (2006, p. 101) está certo ao apontar
que, ao contrário do que pretendiam Gallagher & Robinson (1953), ao desenvolverem a
ideia do “imperialismo de livre-comércio”, a visão de Lênin não era de modo algum
incompatível com a formação de um império informal. Não obstante, como na
perspectiva de Lênin o imperialismo era um estágio do desenvolvimento capitalista,
cuja emergência estava associada ao fim do século XIX, a força de suas ideias é
evidentemente reduzida caso se projete o imperialismo para todo o período capitalista
precedente. De todo modo, Mészáros certamente trabalha de modo amigável tanto com
a teoria de Lênin quanto com as de Sweezy e Magdoff (que explicitamente tratam do
imperialismo como fenômeno da etapa monopolista do capitalismo). Sua proposta não é
se contrapor a elas, mas ao contrário mostrar que o imperialismo contemporâneo
transformou a “fase superior do capitalismo” em sua fase “potencialmente mais mortal”.

Mészáros parte dos mesmos fenômenos normalmente associados à teoria da


globalização que, em tese, mitigariam as rivalidades interimperiais no século XXI, para
sugerir que nesse momento o imperialismo se torna ainda mais perigoso do que jamais
fora. Por estranho que possa parecer, Mészáros inicia seu ensaio argumentando
precisamente que a “globalização” evidencia a tendência universalizante do modo de
produção capitalista de abarcar tudo, ao mesmo tempo em que, sugere ele, “é impossível

203
Nesse sentido, pode-se ler em Mészáros (2003, p. 12) que “O imperialismo [...] é o concomitante
necessário do impulso incansável do capital em direção ao monopólio, e as diferentes fases do
imperialismo corporificam e afetam de modo mais ou menos direto as mudanças da evolução histórica
atual”.

187
existir universalidade no mundo social sem igualdade substantiva”. (MÉSZÁROS,
2003, p. 17) Mas o que poderia passar desapercebido, como um devaneio filosófico do
autor, utilizado meramente para introduzir o problema, revela-se, em uma leitura mais
atenta, a questão de fundo e o prisma pelo qual ele analisa o problema do imperialismo
contemporâneo: como uma manifestação do contraditório da produção capitalista que só
pode se resolver de modo revolucionário (pela supressão do próprio modo de produção)
ou de modo trágico. 204

Mészáros descreve a emergência do imperialismo contemporâneo (a “terceira


fase do imperialismo”) a partir da posição hegemônica alcançada pelos Estados Unidos
na saída da Segunda Guerra Mundial. A posição hegemônica norte-americana é
descrita, ainda que brevemente, em termos econômicos e culturais – por meio da
gigantesca dívida norte-americana, do “imperialismo do dólar”, dos benefícios
garantidos ao grande capital (sobretudo em setores-chave de alta tecnologia civil ou
militar), dos direitos de propriedade intelectual, inclusive sobre os produtos culturais
que garantem o “imperialismo cultural” norte-americano, e do consumo desmesurado de
recursos pela economia norte-americana, que seria particularmente importante por
demonstrar a degradação das condições ambientais de sobrevivência humana (Ibidem,
p. 49-53).

Todos esses fatores despertariam interesses antagônicos contra a potência


hegemônica e seriam sustentados não só pela supremacia econômica, mas política e
militar. Nesse contexto, Mészáros tenta demonstrar a falsidade das teorias que olham
para o processo de “globalização” da produção capitalista e derivam a emergência de
um equivalente político (como o Estado transnacional, de William Robinson, ou o
Império, de Hardt & Negri):

Com relação à fase presente do imperialismo, dois aspectos intimamente


relacionados têm importância fundamental. O primeiro é ser a tendência
material e econômica mais recente do capital a integração global que,

204
Nesse sentido, diga-se de passagem, a tradução do título do livro, no original Socialism or barbarism –
from the “American Century” to the crossroads (Socialismo ou barbárie – do “século americano” às
encruzilhadas), mostra-se patentemente infeliz ao vertê-lo para o português como O século XXI:
socialismo ou barbárie?, não apenas porque “esconde” no subtítulo a disjuntiva a que chega a análise do
autor (e que originalmente dá nome à obra), mas porque ignora que a segunda parte do título sugere,
como se pretende mostrar adiante, que é a contradição entre a pretensão universalizante do capitalismo
norte-americano e a impossibilidade da “universalidade sem igualdade substantiva” (como posto na
passagem supracitada) que conduz a essa disjuntiva.

188
entretanto, não pode ser assegurada no plano político, por ter sido em grande
parte articulada ao longo da história sob a forma de uma multiplicidade de
Estados nacionais divididos e antagonicamente opostos. Sob este aspecto,
nem mesmo as mais violentas colisões imperialistas do passado seriam
capazes de produzir um resultado duradouro. O segundo aspecto do problema,
que também é o outro lado da mesma moeda, é que, apesar de todos os
esforços visando a completa dominação, o capital foi incapaz de produzir o
estado do sistema do capital como tal. Esta continua a ser a mais grave das
complicações, apesar de toda a conversa sobre “globalização”. O
imperialismo hegemônico global dominado pelos Estados Unidos é uma
tentativa condenada de se impor a todos os outros estados recalcitrantes como
Estado “internacional” do sistema do capital como tal. 205 (Ibidem, p. 13)

Contra as inúmeras interpretações que enxergam na hegemonia norte-americana


ou na globalização processos capazes de amainar as rivalidades interimperiais, para
Mészáros, na fase presente o imperialismo teria se ampliado em muito com relação ao
período clássico – tanto em termos extensivos (geográficos) quanto em termos
intensivos (submissão ampliada da vida social ao capital e aos mecanismos de
mercado).206 E as contradições do capital só fariam, nesse contexto, se acirrar. Por isso,
ele observa:

Os que sustentam que hoje o imperialismo não implica a ocupação militar de


território não apenas subestimam os perigos que nos esperam, mas também
aceitam as aparências mais superficiais e enganadoras como as características
substantivas definidoras do imperialismo de nosso tempo, ignorando tanto a
história quanto as tendências contemporâneas de desenvolvimento. Com suas
bases militares, os Estados Unidos ocupam militarmente o território de nada
menos que 69 países: um número que continua a crescer com a ampliação da
Otan. (Ibidem, p. 55)

É verdade que essas ocupações teriam hoje um caráter bastante diferente


daquelas do século XIX. Mas mesmo nesse sentido, Mészáros observa que, com a
emergência da crise da década de 1970, a crise estrutural do capital, as potências
imperialistas (particularmente os Estados Unidos, é claro) assumem uma atitude cada

205
Em outra passagem: “Uma das contradições e limitações mais importantes do sistema se refere à
relação entre a tendência globalizante do capital transnacional no domínio econômico e a dominação
continuada dos Estados nacionais como estrutura abrangente de comando da ordem estabelecida. Noutras
palavras, apesar de todos os esforços das potências dominantes para fazer seus próprios Estados nacionais
triunfarem sobre os outros, e dessa forma prevalecer como Estado do sistema do capital em si,
precipitando a humanidade, no curso dessas tentativas, para as vicissitudes sangrentas das duas horrendas
guerras mundiais do século XX, o Estado nacional continuou sendo o árbitro último da tomada de decisão
socioeconômica e política abrangente, bem como o garantidor real dos riscos assumidos por todos os
empreendimentos econômicos transnacionais” (Ibidem, p. 33).
206
Ibidem, p. 38.

189
vez mais “agressiva e aventureira”, ainda que com um discurso de paz. Uma
divergência digna de nota aqui aparece entre as análises de Mészáros e Foster (2006).
Foster, cujo trabalho é notoriamente influenciado por Mészáros, argumenta que as
tendências belicistas do presente devem ser analisadas a partir do fim da Guerra Fria,
que teria possibilitado a passagem a um imperialismo renovadamente “desnudado”. Por
outro lado, em Mészáros (2003, p. 61), o ponto central não é a crise do socialismo real,
mas a crise estrutural do capital, porque o próprio colapso da União Soviética seria uma
expressão desta.

A ideia de que o capitalismo atravessa uma crise estrutural é importante para


entender porque Mészáros vê na presente fase do imperialismo seu momento mais
perigoso. A crise estrutural do capital iluminaria o limite dessa ordem social pela
exacerbação de suas contradições – o fim das perspectivas de modernização do Terceiro
Mundo (que evidenciam a desigualdade entre nações); a degradação ambiental
inevitável na lógica produtiva do capitalismo; a contradição inerente à produção
“transnacionalizada” sobre a base de um sistema fracionado em espaços nacionais com
interesses antagônicos, deixando sempre no ar a ameaça de uma nova guerra imperial. O
prognóstico de Mészáros (2003, p. 108-109) é sintetizado na instigante sentença: “Se eu
tivesse de modificar as palavras dramáticas de Rosa Luxemburgo com relação aos
novos perigos que nos esperam, acrescentaria a ‘socialismo ou barbárie’ a frase
‘barbárie se tivermos sorte’ – no sentido de que o extermínio da humanidade é um
elemento inerente ao curso do desenvolvimento destrutivo do capital”.

4.2.3. Repensando o imperialismo: na fronteira do “político” e do “econômico”

Como vimos na última seção, para parte dos autores que analisam o capitalismo
contemporâneo, o presente ainda pode ser entendido como uma continuação de sua fase
imperialista. Há, no entanto, um grande (e heterogêneo) grupo de analistas que, embora
concorde com a tese geral de que a categoria imperialismo mantém sua validade, e por
vezes considere também a existência de um novo estágio do capitalismo, não propõe
uma equiparação entre as duas coisas. O que essas teorias têm em comum é partir de
190
uma redefinição conceitual do imperialismo, mantendo sempre como denominador
comum a análise do “expansionismo capitalista”, mas divergindo sobre as outras
questões, notadamente, sobre a explicação para as causas do imperialismo, sobre a
necessidade ou não das rivalidades interimperialistas e sobre em que medida a categoria
define um estágio da produção capitalista. Nessa seção, nos dirigiremos à primeira
questão deixando para a próxima os problemas da periodização e das rivalidades.

As tentativas recentes de explicar o imperialismo, como não poderia deixar de


ser, esbarraram nas ambiguidades da teoria clássica. O problema é que o imperialismo
aparecia como um fenômeno cuja causa principal é “econômica” (crises, monopólios,
lucros extraordinários etc.), mas cujo objeto principal mais característico eram suas
consequências “políticas” (guerras de conquista). Nas tentativas de reorganização do
debate, três opções se fizeram presentes: (i) entender o imperialismo como uma espécie
de momento de síntese entre essas duas esferas; (ii) privilegiar a esfera econômica; ou
(iii) privilegiar a esfera política. 207 Antes de prosseguir com a análise dessas diferentes
concepções, vale uma advertência: não se pretende sugerir que todas elas pressupõem
uma rígida separação entre as esferas “política” e “econômica” (como veremos adiante,
as duas esferas são sempre, em alguma medida, tematizadas e frequentemente
destacam-se suas inter-relações). O que se pretende sugerir é que as lentes pelas quais se
lê o imperialismo podem priorizar uma ou outra esfera, de acordo com o modo como
este é encarado.

A primeira possibilidade aventada é, de algum modo, a mais próxima da teoria


clássica do imperialismo, posto que nesta as duas esferas necessariamente apareciam
imbricadas, ainda que o modo de fazê-lo tenha sido alvo frequente de críticas,
particularmente por basear-se supostamente numa teoria demasiado rasa do Estado e,
portanto, da política. Com efeito, Callinicos (2009, p. 68-71) – autor do que
consideramos ser a melhor tentativa contemporânea de síntese crítica do debate acerca
do imperialismo, comparável em escopo apenas com a tentativa de Milios &
Sotiropoulos (2009) e Katz (2011), porém mais original que essas – sugere que três
problemas substantivos afligiam a teoria clássica: (1) as diferenças produzidas entre a

207
Outra possibilidade não explorada aqui seria uma redefinição do imperialismo que privilegiasse os
fenômenos culturais associados a ele. Essa posição pode ser encontrada, por exemplo, em Said (2011).

191
teoria clássica do imperialismo e a teoria marxiana, em virtude da confusão promovida
por estes entre as tendências abstratas (leis gerais) e as tendências concretas da
produção capitalista (no que as exceções entre os clássicos seriam Luxemburgo e
Grossman, mas que por outro lado falhariam pela perspectiva catastrofista); (2) falta de
adequação empírica, particularmente na generalização do conceito de capital financeiro
(cuja validade seria bem mais restrita, histórica e geograficamente, do que imaginava
Hilferding quando a elaborou); (3) concepção simplista do Estado, tratado
exclusivamente como veículo dos interesses da classe dominante.

O exemplo mais notório de reconsideração do imperialismo a partir de uma nova


síntese entre o “econômico” e o “político” foi oferecido por David Harvey. A análise de
Harvey, que acabou por se constituir em uma das mais influentes no campo marxista,
guarda semelhanças significativas com a de Callinicos, sobretudo, porque ambos
buscam retificar a teoria por meio de uma concepção que localiza o fenômeno do
imperialismo entre as esferas política e econômica do capitalismo, utilizando,
simultaneamente, a teoria das crises como elo explicativo entre as determinações
(econômicas) da acumulação de capital e a necessidade de expansão territorial desse
modo de produção. 208

Apesar de sua obra mais célebre sobre o assunto ser relativamente recente, a
busca de Harvey por uma reconsideração teórica do imperialismo remete a trabalhos
bastante anteriores do autor. Ainda na década de 1970, Harvey (2006, p. 43) vinha
tentando demonstrar que faltava um elemento de ligação entre as teorias marxistas da
acumulação de capital e do imperialismo, que seria a teoria da localização capaz de dar
conta dos determinantes da expansão geográfica do capitalismo. Mais que isso, o autor
busca encontrar diretamente em Marx – procedendo um levantamento brilhante – os
elementos que explicassem a escala geograficamente expansiva de atuação do capital, e,
ao mesmo tempo, seu caráter espacialmente desigual e concentrador. Já naquele
momento, sua resposta é que, ainda que de modo mediado, as crises constituiriam um
elemento propulsor fundamental da expansão capitalista. De modo resumido, Harvey
(2006b, p. 192) recupera de Marx a tendência à sobreacumulação de capital (descrita

208
Embora o principal livro de Callinicos sobre o assunto seja posterior ao de Harvey, ambos os autores
chegaram às principais conclusões de modo simultâneo e independente, como explica o próprio
Callinicos (2009, p. 14).

192
anteriormente, ver seção 1.4), que ao produzir simultaneamente excesso de capital e
excesso de trabalhadores pode acabar por resolver-se por meio da desvalorização de
capital mediante a crise. No entanto, para manter sua capacidade de autoampliação, o
capital encontra uma saída para postergar essa tendência por meio de um reajuste
espacial. 209 O recuo das fronteiras nacionais e a transformação dos espaços externos
possibilitaria reduzir o capital excedente, por meio de sua exportação (fosse na forma de
mercadoria, de capital-dinheiro ou de capacidade produtiva), evitando portanto a
desvalorização de capital (Ibidem, p. 426-427).210 Daí que o sistema internacional fosse
marcado pela rivalidade interimperialista, com as nações tentando usar-se
reciprocamente como espaço de valorização para evitar sua crise interna, ocasionando
conflitos e guerras como as que se viu no início do século XX.

Mesmo que essa análise contenha o embrião da análise de Harvey do


imperialismo contemporâneo, em seu O novo imperialismo, uma das mais influentes
obras atuais sobre o assunto, parte de seus argumentos são reformulados. Ali, a teoria
das crises é tratada de modo mais sintético (com a substituição da ideia de ordenação
espacial pela de ordenação espaço-temporal), mas seu papel não é menos importante.
Com efeito, o imperialismo seria encarado como a resultante da interação entre esta
lógica, a capitalista sujeita a crises, e outra, caracterizada como lógica territorial do
poder. Em suas palavras:

Defino aqui a variedade especial dele chamada “imperialismo capitalista”


como uma fusão contraditória entre “a política do Estado e do império” (o
imperialismo como projeto distintivamente político da parte de atores cujo
poder se baseia no domínio de um território e numa capacidade de mobilizar

209
Tradução para spatial fix. Vale observar que, a partir de seu O novo imperialismo, Harvey (2005b)
substitui esta ideia pela noção mais ampla de “ordenamento espaço-temporal” (spatio-temporal fix), que
assinala na mesma direção, mas abrange de modo mais completo as possibilidades de reação do capital
para adiar suas crises de sobreacumulação. A respeito do trajeto de Harvey nessa evolução de seu
pensamento e das diferenças entre os dois conceitos, ver Jessop (2006).
210
Olhando exclusivamente para os contornos do argumento, é possível identificar a influência que
Luxemburgo provavelmente exerceu sobre a formulação de Harvey – embora a análise deste seja mais
completa nos inúmeros (e complexos) problemas envolvidos no tratamento das crises (notadamente,
negando o subconsumismo luxemburguiano). Mas a esse respeito é importante ressaltar que a
reordenação espacial seria apenas uma das saídas possíveis para a crise. Harvey assinala que o tratamento
incompleto de Marx sobre o assunto possibilita dar às crises “três aproximações” distintas. De modo
sucinto: “A ‘primeira aproximação’ [first-cut] da teoria das crises, lembre-se, lidava com a origem das
contradições internas do capitalismo. A ‘segunda aproximação’ teórica examinou a dinâmica temporal
como moldada e mediada pelos arranjos financeiros e monetários. A ‘terceira aproximação’ teórica, da
qual nos ocupamos aqui, tem que integrar a geografia do desenvolvimento desigual na teoria das crises”
(Ibidem, p. 425. Tradução nossa.).

193
os recursos naturais e humanos desse território para fins políticos,
econômicos e militares) e “os processos moleculares de acumulação do
capital no espaço e no tempo” (o imperialismo como um processo político-
econômico difuso no espaço e no tempo no qual o domínio e o uso do capital
assumem a primazia). Com a primeira expressão desejo acentuar as
estratégias políticas, diplomáticas e militares invocadas e usadas por um
Estado [...] em sua luta para afirmar seus interesses e realizar suas metas no
mundo mais amplo. Com esta última expressão, concentro-me nas maneiras
pelas quais o fluxo do poder econômico atravessa e percorre um espaço
contínuo, na direção de entidades territoriais [...] ou em afastamento delas
mediante as práticas cotidianas da produção, da troca, do comércio, dos
fluxos de capitais, das transferências monetárias, da migração do trabalho, da
transferência de tecnologia, da especulação com moedas, dos fluxos de
informação, dos impulsos culturais e assim por diante. (HARVEY, 2005b, p.
31-32. Grifos nossos.)

Essa elaboração de Harvey sofre influência decisiva de dois autores: Hannah


Arendt e Giovanni Arrighi. Nessa definição aparecem unidas, de um lado, a concepção
de Arendt segundo a qual o capitalismo constitui-se como busca ilimitada pelo poder e
a noção, de Arrighi, de que o movimento capitalista é síntese de duas lógicas distintas
de poder (a territorial e a capitalista). Como lógicas distintas, cada uma é atravessada
por suas contradições internas, e cada uma tem na outra uma espécie de “porta de
escape” para essas mesmas contradições.

Duas observações vêm a calhar aqui. No que tange ao debate interno das teoria s
contemporâneas, deve-se notar que Callinicos (2009, p. 14-15) trabalha basicamente
com a mesma concepção de Harvey a respeito da teoria do imperialismo. Com a
diferença que, ao invés de “duas lógicas de poder”, Callinicos fala no imperialismo
como interseção de duas formas de competição, uma econômica e outra (geo)política.
Ao mesmo tempo, é bom notar que, apesar da elogiosa referência de Harvey, Arrighi
(2005, p. 28) adverte que o modo como são usados esses conceitos (por Harvey) difere
de sua própria concepção.

Em segundo lugar, é possível antecipar na definição de Harvey sobre o


imperialismo um problema que se acredita derivar, ao menos parcialmente, de sua
apropriação de dois autores com relação tão duvidosa com o marxismo quanto Arendt e
Arrighi – e, diga-se de uma vez, não se trata de uma questão de “ortodoxia” (marxista).
O problema é que a separação entre lógica “territorial” e “capitalista” pode sufocar o
próprio espírito inicial da teoria de Harvey, de encontrar os determinantes da expansão
territorial no capitalismo. Isso porque se supõe explicitamente que as determinações
políticas encontram-se em âmbito distinto (regidas por uma “lógica diferente”) das
194
determinações econômicas – o que não causa tanto espanto no caso de Arrighi, onde é
sentida uma nítida influência weberiana, mas que é difícil de entender em marxistas
com amplo conhecimento sobre os problemas que cercam as teorias do Estado, como é
o caso de Harvey e Callinicos. 211 O problema não é menos grave na legitimação
conferida à descritiva de Arendt sobre a “busca ilimitada por poder”, na qual a categoria
poder surge de modo quase “místico”, como algo anistórico e cuja raison d’être
permanece inexplicada (presumidamente por ser considerado um truísmo). Dito de
outro modo, mesmo que se assumisse como válida a teoria arendtiana, por que
deveríamos crer que o “poder”, seja lá o que for, é objetivo inconteste da sociedade
capitalista ou da ação humana enquanto tal?

Deixando de lado os comentários críticos e retomando o tema de fundo, um


último elemento-chave da teoria de Harvey (que no entanto não é abraçado com igual
entusiasmo por Callinicos) 212 está contido no conceito de acumulação por espoliação,
por ele cunhado para descrever a realidade contemporânea do imperialismo. Harvey
trata da atualidade capitalista tomando por referência a ideia de uma crise persistente
desde as décadas de 1960/70, que levaria o capital a buscar alternativas de valorização.
Com efeito, sua análise precedente sobre as origens do neoliberalismo já havia sido
apresentada dessa forma. 213 Nesse contexto de crise, o capital encontraria uma solução
(nova forma de ordenação espaço-temporal) na continuidade da “colonização” das
esferas externas do capitalismo (à la Luxemburgo), por meio dos processos de
privatização (não só diretamente, no sentido de desmanche dos serviços providos até
então pelo poder público, mas por meio das patentes sobre elementos naturais e direitos
de propriedade intelectual, enfim, e de modo mais geral, da mercantilização de um
número cada vez maior de esferas da vida social que persistia, até então, fora da lógica
capitalista de acumulação). Mas à dialética “interno-externo” de tons luxemburguianos
Harvey acrescenta que o capitalismo teria a capacidade de produzir permanentemente o
outro (externo) do qual deve se apropriar em ordem de fazer frente a suas crises
periódicas de sobreacumulação.
211
Sobre a influência direta weberiana em Arrighi ver, por exemplo, Arrighi (1996, p.12-13; 1978, p. 27).
Callinicos (2009, p. 73 et seq.) se propõe a debater a questão do Estado sustentando essa teoria do
imperialismo, enquanto Harvey (2006, p. 77 et seq.) já vinha tratando do assunto desde a década de 1970.
212
Cf. Ashman & Callinicos (2006, p. 115 et seq.).
213
Cf. Harvey (2008). Ver também o tratamento dado à questão no capítulo anterior do presente trabalho.

195
A noção de acumulação por espoliação despertou inúmeras polêmicas. Um
ponto importante contra o conceito, levantado de modo similar por Brenner (2006, p.
97-98) e Wood (2006, p. 19-23), é que a base sobre a qual Harvey constrói seu
argumento da “acumulação por espoliação” traz mais semelhanças com a noção de
“acumulação primitiva” em Adam Smith do que em Marx. De acordo com eles, a crítica
à suposta limitação do conceito original de “acumulação primitiva” em Marx (e Smith),
como forma violenta de acumulação restrita à origem do capitalismo (enquanto na
verdade se trataria de método permanente, sintetizado pelo conceito de acumulação por
espoliação), tinha implícito que a acumulação primitiva seria meramente a constituição
de um montante prévio, capaz de viabilizar a acumulação capitalista. Mas, na visão de
Wood (2006, p. 19-20), essa visão assume uma identidade inexistente entre a concepção
de Marx e da Economia Política Clássica. Como lembra a autora, não por acaso o
capítulo em que Marx trata do assunto seria denominado “a assim chamada acumulação
primitiva”. Em sua opinião,

O ponto não é que ele [Marx] relegou a “acumulação baseada na predação, na


fraude e na violência” a um “estágio originário” mas que esse tipo de
acumulação, na medida em que continua sendo um traço característico do
capitalismo imperialista, tem um nova lógica, que é uma consequência e não
uma causa específica do capitalismo. [...] Para enfatizar, o roubo, a fraude e a
violência continuam; mas o que permite ao capital explorar economias em
todo o globo em sua forma própria e distintiva é a sujeição de um número
sempre maior de esferas humanas à dependência do mercado e aos
imperativos que a acompanham. (Ibidem, p. 21. Tradução nossa.)

A objeção central de Wood fica mais clara quando ela explica que, ao tratar da
acumulação capitalista em termos “econômicos” e “extraeconômicos”, “Harvey está às
vezes inclinado a elidir a transformação das relações sociais de propriedade em
concentração de riqueza por meio da força e da fraude” – no que ele seguiria Arendt,
qualificando essa forma de acumulação como “simples roubo”. Entendida dessa forma
“a acumulação por espoliação parece ser menos sobre a criação e manutenção das
relações sociais de propriedade que geram a compulsão de mercado do que sobre a
redistribuição de ativos para viabilizar investimentos – o que eu, em outro contexto,

196
chamei de oportunidades de mercado ao invés de imperativos de mercado” (Ibidem, p.
23).214

Wood é autora de uma das mais comentadas obras sobre o imperialismo


contemporâneo e seu ponto de partida é justamente o contraste entre o modo de
produção capitalista e as formações sociais pré-capitalistas, no qual a ideia de
“imperativos de mercado” ocupa lugar de destaque. O chamado “marxismo político”,
escola da qual Wood faz parte, ganhou notoriedade a partir da obra seminal de Robert
Brenner que tentava demonstrar de que modo as relações capitalistas de produção
teriam sido gestadas no seio da sociedade feudal. 215 Em sua resenha sobre esse debate (o
“debate da transição”), Wood (2001, p. 25) explica que, na teoria da transição de
Brenner,

não se trata de libertar um impulso para o capitalismo. Antes, trata-se de os


senhores e os camponeses, em algumas condições específicas que foram
peculiares da Inglaterra, dispararem involuntariamente uma dinâmica
capitalista, enquanto, no conflito de classe uns com os outros, agiam no
sentido de se reproduzirem como eram. A consequência não pretendida foi
uma situação em que os produtores ficaram sujeitos aos imperativos do
mercado.

De modo ultrassintético, vem daí que Wood defenda que a emergência do modo
de produção capitalista precisa ser radicada na separação entre as esferas política e
econômica, porque enquanto em todas as sociedades de classe pré-capitalistas a
apropriação de excedente produzido pela classe trabalhadora dependia de instâncias
extraeconômicas, no capitalismo essa apropriação podia repousar exclusivamente na
esfera econômica (configurando a exploração, mas, ao mesmo tempo, a dependência do

214
Outra objeção à formulação de Harvey pode ser vista em Fontes (2010, p. 62 et seq.). Também Fontes,
destaca o problema teórico envolvido na crença de que Marx relegou a um “momento originário” a esfera
da força, da fraude etc., no mais considerando um capitalismo funcionando de modo “normalizado” e sem
recorrer a tais artifícios. Aí se encontra a objeção, vista na seção anterior, de Fontes, que sugere o
conceito de “expropriação” para dar conta do fato de que o capital expropria de modo contínuo os
trabalhadores para recriar de modo ampliado a compulsoriedade de sua dependência das relações de
mercado.
215
De acordo com Blackledge (2007, p. 47), o termo “marxismo político” foi criado por Guy Bois para
expressar sua discordância com a teoria da transição capitalista de Brenner, mas foi posteriormente
abraçado particularmente por Wood para sintetizar a explicação, sustentada por Brenner e por ela própria,
que propunha uma leitura não teleológica da obra de Marx, segundo a qual seria preciso explicar a
emergência do capitalismo com base nas características da sociedade feudal e que os conduziria a
concluir que o capitalismo teria “origens agrárias” (e não como uma imposição externa oriunda das
relações comerciais ou como obra da retirada dos entraves tipicamente feudal à produção e circulação de
mercadorias). Cf. Hilton et alli (2004) e Wood (2001; 2003).

197
mercado que atinge todos os atores sociais), criando pela primeira vez uma cisão entre
as esferas econômica e política. 216 Por isso, segundo ela:

O capitalismo é um sistema no qual todos os atores econômicos – produtores


e apropriadores – dependem do mercado para suas necessidades mais básicas.
É um sistema no qual as relações de classes entre produtores e apropriadores,
e especificamente a relação entre capitalistas e trabalhadores assalariados, são
mediadas pelo mercado. [...] No capitalismo, a dependência do mercado tanto
de apropriadores quanto de produtores significa que eles estão sujeitos aos
imperativos da competição, da acumulação e do aumento de produtividade do
trabalho; e todo o sistema, no qual a produção concorrencial é uma condição
fundamental de existência, é dirigido por esses imperativos. (Idem, 2003b, p.
09. Tradução nossa.)

É importante notar, porém, que para Wood, embora no capitalismo o Estado não
atue diretamente na apropriação de excedente, ele continuaria a desempenhar aí um
papel necessário na manutenção da ordem social que permite essa apropriação (em
última instância pelo comando das forças policial e militar). 217

Mas qual seria o lugar do imperialismo no meio de tudo isso? A teoria do


imperialismo presente em Wood igualmente parte de uma requalificação categorial, mas
nesse caso a interação das esferas “econômica” e “política” (ou mais precisamente,
extraeconômica) não está simplesmente na gênese do imperialismo, mas na gênese do
próprio modo de produção capitalista. Especificamente quanto ao imperialismo, sua
proposta é mais difícil de analisar, porém, porque a autora não oferece uma redefinição
taxativa do fenômeno. Para apreender sua concepção de imperialismo, convém seguir a
autora no percurso traçado por ela na introdução de seu Empire of capital. O ponto de
partida de Wood é a dificuldade em se falar, hoje, de imperialismo, já que a ocupação

216
“A diferenciação da esfera econômica no capitalismo pode, portanto, ser assim resumida: as funções
sociais de produção e distribuição, extração e apropriação de excedentes, e a alocação do trabalho social
são, de certa forma, privatizadas e obtidas por meios não autoritários e não políticos. Em outras palavras,
a alocação social de recursos e de trabalho não ocorre por comando político, por determinação
comunitária, por hereditariedade, costumes nem por obrigação religiosa, mas pelos mecanismos do
intercâmbio de mercadorias. [...] A esfera política no capitalismo tem um caráter especial porque o poder
de coação que apoia a exploração capitalista não é acionado diretamente pelo apropriador nem se baseia
na subordinação política ou jurídica do produtor a um senhor apropriador”. (Idem, 2003, p. 35)
217
Assim, observa Wood (2003b, p. 18. Tradução nossa.) “Desde o início [do capitalismo], também, a
intervenção do estado foi necessária para criar e manter não apenas um sistema de propriedade mas
também um sistema de falta de propriedade [propertylessness]. O poder estatal foi, evidentemente,
necessário para apoiar o processo de expropriação e proteger a exclusividade da propriedade capitalista.
Mas o estado também foi necessário para garantir que, uma vez expropriados, aqueles despossuídos dos
meios de produção estivessem disponíveis, quando desejado, como trabalho para o capital”.

198
territorial direta não possui a mesma importância que no período no qual o conceito foi
cunhado.

De acordo com Wood, a (relativa) ausência de ocupação territorial, que sucedeu


o período da descolonização e se manteria até hoje, não significa o fim do imperialismo,
mas justo o oposto, a emergência da forma propriamente capitalista de imperialismo.
Para demonstrá-lo, Wood propõe uma interessante analogia estabelecida entre a relação
das nações e a relação das classes no interior do capitalismo. Na relação entre os
trabalhadores e capital, “o ponto é simplesmente que”, diz Wood (2003b, p. 3),
“percebamos ou não que o que se passa entre trabalhador e capitalista é de fato
exploração, sua relação não é de modo algum transparente”. Continua ela:

O mesmo pode ser dito sobre a natureza do imperialismo capitalista, e em


grande parte pelos mesmos motivos. Hoje, é mais difícil do que era nos
antigos impérios coloniais detectar a transferência de riqueza das nações
mais fracas para as mais fortes. Mas mesmo quando é marcadamente óbvio
que tais transferências acontecem, como elas são realizadas não é menos
opaco que no caso da relação entre capital e trabalho, e sua opacidade deixa
grande espaço para a negação. Também nesse caso não há tipicamente
nenhuma relação de coerção direta. Também nesse caso as compulsões são
normalmente “econômicas”, impostas não (diretamente) por mestres mas por
mercados. Também nesse caso a única relação formalmente reconhecida é
entre entidades legalmente livres e iguais, como compradores e vendedores,
credores e mutuários, ou estados soberanos ostensivamente iguais. (Ibidem, p.
3-4. Tradução e grifos nossos.)

Na passagem fica implícito que o imperialismo deve ser considerado como uma
forma de apropriação do mais-valor, que fluiria das “nações mais fracas” para as “mais
fortes”. Essa forma de definir a questão, evidentemente, baseia-se na própria
caracterização do modo de produção capitalista. Se, no entanto, o capitalismo é
caracterizado pela separação entre as esferas econômica e política, possibilitando uma
forma econômica de apropriação do excedente, e o imperialismo deve ser considerado
em analogia com esta relação social, torna-se claro que o imperialismo (capitalista)
deveria repousar, também ele, exclusivamente nos mecanismos de mercado. E é
exatamente o ponto que Wood tenta defender. Sua obra pode ser sintetizada como um
extenso trabalho de comparação entre o imperialismo contemporâneo, o império do
capital, e os impérios pré-capitalistas, cuja conclusão é que o imperialismo capitalista

199
distingue-se de qualquer outro porque neste a exploração dos povos ou nações mais
fracos depende exclusivamente do mercado. 218

Mas essa caracterização implica também que, para Wood, o imperialismo em


seu período dito clássico não poderia ser ainda qualificado como plenamente capitalista.
Na medida em que esses impérios eram caracterizados pela expansão territorial
nacionalista, a forma de apropriação do excedente era ainda a força (extraeconômica) e
não os imperativos de mercado. Nesse sentido, entende-se por que, diferentemente de
outras teorias contemporâneas, a descrição de Wood não parte da crítica à teoria clássica
do imperialismo. Segundo ela, aqueles teóricos conseguiram (uns melhor que outros, é
claro) capturar boa parte dos traços essenciais dos impérios como formados àquela
altura – esses traços, contudo, ainda não estavam plenamente desenvolvidos. 219

Assim, a “invisibilidade” do imperialismo desde o fim da segunda guerra


mundial não revelaria o “fim do imperialismo”, mas a emergência de uma forma de
imperialismo especificamente capitalista, porque assentada na coerção econômica ao
invés da extraeconômica. Em suas palavras:

O novo imperialismo é o que é por ser uma criação do capitalismo. O


capitalismo é um sistema no qual todos os atores econômicos – produtores e
apropriadores – dependem do mercado para satisfazer suas necessidades mais
básicas. É um sistema em que a relação de classe entre produtores e
apropriadores, e especificamente a relação entre capitalistas e trabalhadores
assalariados, também é mediada pelo mercado. Isso está em clara contradição
com sociedades não capitalistas, onde produtores diretos tipicamente tinham
acesso não mediado pelo mercado aos meios de produção, especialmente à
terra, e portanto estavam protegidos das forças de mercado, enquanto
apropriadores utilizavam sua força superior para extrair mais-trabalho dos
produtores diretos. No capitalismo, a dependência do mercado tanto de
produtores quanto de apropriadores significa que eles estão sujeitos aos
imperativos da competição, acumulação e do aumento de produtividade do
trabalho; e todo o sistema, em que a produção concorrencial é uma condição
fundamental de existência, é dirigido por esses imperativos. O resultado é,

218
Assim, como havia traçado as especificidades do modo de produção capitalista pelo contraste com a
produção pré-capitalista, Wood busca identificar nas diferenças entre os impérios pré-capitalistas e o
império do capital os traços constitutivos deste. É importante enfatizar, porém, que sua proposta não é
constituir uma “cronologia” evolutiva dos impérios, as formas pré-capitalistas de império (por exemplo, o
império baseado na propriedade territorial ou no comércio) poderiam se apresentar em diferentes
momentos do tempo e coexistir em regiões geograficamente separadas. Nesse sentido, evidencia-se que
uma particularidade do imperialismo capitalista, conformado efetivamente no meio do século XX, foi de
ter sido capaz de englobar sob seus imperativos todo o mundo. Cf. Wood (2007, p. 144)
219
Entende-se assim por que, apesar de sustentar uma teoria claramente mais próxima dos clássicos que a
de Wood, Harvey (2006c, p. 59. Tradução nossa.) sugira que (embora nenhum dos dois concorde
inteiramente com a teoria clássica) “eu iria bem mais longe que Wood e argumentaria que as teorias que
eles [os clássicos] produziram não são adequadas nem para seu tempo”.

200
entre outros, uma relação particular entre os poderes político e econômico,
que traz consequências tanto para as relações de classe quanto para a
expansão imperial. (WOOD, 2003b, p. 9-10, Tradução nossa.)

Mas embora o imperialismo seja afirmado pela primazia da coerção econômica,


não há nenhuma instância de aproximação entre as teorias de Wood e a de autores como
Robinson e Hardt & Negri. De fato, sua concepção oferece solo fértil para uma crítica a
essas teorias, na medida em que enfatiza o caráter indispensável do Estado nacional na
produção capitalista. Segundo ela, “quanto mais global a economia se torna, mais os
circuitos econômicos são organizados por estados territoriais e relações interestatais; e o
capital passa a repousar mais que nunca nos estados territoriais para instalar e impor as
condições para acumulação em escala global”. Seriam os Estados nacionais, e não uma
força desterritorializada (Império) ou transnacionalizada, que impõem as estratégias
neoliberais, que facilitam a migração internacional dos capitais etc. Então, conclui a
autora, “a forma política do capitalismo global não é um estado global mas um sistema
global de múltiplos estados territoriais”. (WOOD, 2006, p. 25-26. Tradução nossa.)

Outra forma ainda de olhar para o imperialismo reconsiderando as relações entre


política e economia foi proposta, sob bases absolutamente distintas, por Robert Kurz. 220
Sua visão sobre o assunto tem por característica, antes de tudo, não supor uma ruptura
tão marcada das lógicas política e econômica para explicar a vigência das relações de
força (extraeconômica) imperialistas, mas ao contrário de integrá-las:

No mundo do moderno sistema produtor de mercadorias a política é apenas a


continuação da concorrência econômica por outros meios, como a guerra (de
acordo com uma frase de Clausewitz) é a continuação da política por outros
meios. É esta identidade harmonizada entre concorrência, política e guerra
que implica a luta pela hegemonia planetária e que escreveu a história do
capitalismo. (KURZ, 2003, p. 16)

Essa história do capitalismo é contada por Kurz por meio das transformações
sistêmicas ocasionadas pelas disputas imperialistas que, conforme evoluem, alteram
consigo o próprio sentido da categoria imperialismo – que não conservaria consigo
atualmente o mesmo significado que tinha no período dos “clássicos”. Dessa forma, a

220
Por instigante que seja a análise de Kurz, deve-se advertir desde já que apresentaremos apenas um
esboço de sua concepção, baseado no conjunto de obras do autor disponíveis, porque o acesso à obra em
que trata diretamente no tema foi apenas parcial (ficando restrito aos capítulos divulgados pelo autor em
meio eletrônico), embora, acredite-se, seja possível extrair daí o essencial da concepção do autor.

201
categoria imperialismo manter-se-ia válida, mas já não seria a mesma de outros tempos
históricos e suas metamorfoses corresponderiam à necessidade de administrar as
contradições capitalistas em cada momento de sua história.

Kurz identifica na história três passagens do imperialismo. A primeira teria se


configurado entre o fim do século XIX e o fim da Grande Guerra (1870-1945), como
um sistema de rivalidades nacionais (em disputa pelo controle territorial) no período em
que o próprio capitalismo era policêntrico. Lênin seria quem teria apreendido no
essencial os traços desse período – apesar das limitações teóricas impostas “por um
conceito limitado de capital”, que o teriam conduzido à “falsa oposição” entre
capitalismo concorrencial e monopolista. O mundo policêntrico das rivalidades
imperialistas teria dado ensejo a outro, no qual a velha política de ocupação territorial
baseada no Estado nacional transformar-se-ia numa estratégia de controle dirigida de
modo diretamente global sob a égide dos Estados Unidos, como “potência protetora do
capital”, atuando como “polícia mundial”.

Kurz caracteriza essa primeira, e mais fundamental, metamorfose do


imperialismo no pós-guerra como a emergência do imperialismo global ideal. Segundo
o autor, essa mudança respondia ao de que, a partir desse momento,

já não era decisiva uma visão orientada para um “grande território” imperial e
de uma “economia nacional de grande território” correspondente, mas a
garantia global do modo de produção capitalista como tal. Os EUA tornaram-
se assim em pura “potência protetora” do capital, apenas sendo aceite a sua
forma ocidental privada e concorrencial e sendo as variantes de capitalismo
de Estado do Leste e do Sul consideradas como princípio inimigo perturbador.
A pressão era no sentido de destruir a cortina de ferro e de “abrir” o mundo
inteiro ao movimento do capital privado (qualquer que seja a sua
nacionalidade), ou seja, de produzir um sistema capitalista mundial unitário.
Neste sentido, os EUA fundaram a NATO [em português OTAN] em 1949,
cujo âmbito organizativo servia para envolver diretamente os Estados
nacionais europeus, entretanto transformados em potências de segundo ou
terceiro grau, nas operações estratégicas dos EUA enquanto “potência
protetora” do capitalismo mundial e para os utilizar como “porta-aviões” do
exército americano. (KURZ, 2003)

Em síntese, a segunda fase do imperialismo seria marcada pela atuação norte-


americana como “potência protetora” do capital cujo fim último era tornar o sistema
capitalista mundial unitário, pois embora, já nesse período, Kurz reconheça um domínio
mundial do capitalismo, este se encontraria separado em dois polos: um capitalismo
ocidental aglutinado em torno dos Estados Unidos e a variante do capitalismo de

202
Estado, o “socialismo realmente existente”, defensor de uma “modernização
recuperadora” como polo aglutinador dos países historicamente retardatários. 221 Em
simultâneo, Kurz identifica na posição hegemônica norte-americana de “polícia
mundial” uma contradição, levantada ainda pela manutenção dos interesses nacionais.
Segundo Kurz (2003), “como este estatuto de potência mundial implicava um
‘imperialista global ideal’ e este não podia já identificar-se com um interesse
expansionista nacional imperialista, a contradição entre os EUA, como Estado nacional,
e os EUA como potência mundial de um novo tipo tornou-se notável através de
crescentes prejuízos resultantes deste atrito”. Esses atritos se manifestariam na
progressiva degeneração da posição econômica norte-americana (em grande medida por
seu aumento dos gastos “político-militares”).

A partir da década de 1990, com o fracasso do esforço de “modernização


recuperadora” expresso nas tentativas de construção do socialismo, Kurz detecta uma
nova transformação no imperialismo. No centro da nova metamorfose estariam,
primeiramente, as mudanças econômicas permitiram que a exportação de capital
adquirissem numa tônica realmente global (muito mais que na era de Lênin, segundo o
autor),222 possibilitando a efetiva globalização econômica. Mas igualmente importante
teria sido a ascensão hegemônica norte-americana, que se tornava enfim a única
potência capitalista. O caráter “global ideal” seria acentuado nessa fase, na medida em
que a expansão territorial se torna ainda mais desnecessária (ou até um fardo para as
nações que a promovem) – o que, como veremos na próxima seção, elimina da
paisagem capitalista as rivalidades interimperialistas (mas que não significa que o
transforme em um cenário pacífico).

221
“A orientação a ela ligada, embora mascarada ideologicamente de ‘socialismo’ capitalista de Estado,
só podia ser a criação de uma base industrial independente e de um mercado interno num quadro de
Estado nacional, para poder participar no mercado mundial capitalista como sujeito nacional autônomo. E
foi precisamente nesta perspectiva que o paradigma da Revolução de Outubro irradiou para toda a
periferia e tornou a União Soviética em ‘contrapolo’ agregador dos retardatários historicamente em
concorrência com o Ocidente”. (KURZ, 2003) A esse respeito ver também Kurz (1993).
222
“Lenine viu a exportação de capital (em oposição à simples exportação de mercadorias) ainda no
contexto da antiga constelação das potências expansionistas centradas na economia nacional. Mas neste
nível de desenvolvimento, a exportação de capital não podia assumir ainda nenhum papel relevante. Na
verdade, até 1913, o comércio mundial desenvolveu-se continuamente sob o domínio das economias
nacionais, mas os investimentos estrangeiros (sobretudo em capital fixo) permaneceram limitados quase
totalmente às colônias ou zonas de influência, portanto ao respectivo espaço imperial nacional”. (KURZ,
2003)

203
Assim, de acordo com Kurz, o imperialismo contemporâneo é caracterizado pelo
“monocentrismo”, mas a posição de potência imperialista isolada dos Estados Unidos se
dá justamente no período marcado pela “crise do sistema produtor de mercadorias”.
Mesmo sem abrir todo um novo flanco de discussões, ligado à caracterização dessa crise
da sociabilidade capitalista identificada por Kurz, é preciso notar um aspecto
particularmente importante, a suposta incapacidade do capital em explorar os
trabalhadores:223

O que parecia ser a “vitória” do capitalismo ocidental foi-se revelando, ao


longo dos anos noventa, como uma derrocada socioeconômica irreversível,
desde já, de extensas partes da periferia do mercado mundial. No centro deste
processo de crise encontra-se o derretimento da substância real (produtora de
valor real) do trabalho capitalista por obra da terceira revolução industrial, a
crescente “incapacidade de exploração” do capital devida aos seus próprios
padrões tecnológicos de produtividade e, com isso, a dessubstancialização do
dinheiro (o desacoplamento dos mercados financeiros da economia real). Esta
lógica interior da crise, contudo, não se repercute apenas sob a forma de uma
ruptura estrutural ao nível das relações mundiais de mercado (globalização do
capital), mas igualmente como ruptura estrutural ao nível do sistema político
mundial (fim da soberania e do direito internacional). (Ibidem)

A caracterização de Kurz do “imperialismo global ideal” contemporâneo é


bastante anticonvencional. Sua argumentação por vezes faz lembrar a retórica da
globalização e do Império, quando fala na supremacia do “econômico” sobre o
“político” e no fim das rivalidades interimperialistas que perdem seu lugar, porque o
poderio norte-americano já não admitiria contestação. Mas ao lado da suposta
supremacia do “econômico” estaria também a incapacidade de exploração do capital,
que dominando todo o mundo já não teria incentivo para explorá-lo como um todo, mas
permaneceria movendo-se continuamente e deixando pra trás de si um rastro de
“devastação econômica”. Ao lado do fim das rivalidades e da perda de importância da
antiga divisão geopolítica estaria a dominação pelo recurso da força, a violência aberta
capitaneada pela Otan, a serviço da garantia de domínio global do capitalismo e
flutuando a mercê dos movimentos de reordenação internos do capital em sua
concorrência. 224 Mas sua interpretação é anticonvencional, sobretudo, porque questiona

223
Segundo Kurz (2003), “a crise do trabalho mundial e a crise da política mundial representam apenas
aspectos diferentes do mesmo processo social em curso à escala mundial”.
224
Retornaremos ao assunto de como aparecem nessa análise as rivalidades na próxima seção. Desde já se
deve dizer que Kurz (2003, capítulo VII) rejeita veementemente as análises de Hardt & Negri e da
globalização.

204
não apenas os elementos típicos do imperialismo, mas também do próprio capitalismo
(como a própria noção de “classe”) – e exatamente, nesse sentido, leva a crer que as
divergências da teoria do imperialismo, essa “crise categorial”, é reflexo da própria crise
do sistema capitalista (o sistema de produção mercantil).

As teorias vistas até aqui tentaram de algum modo reintegrar no pensamento


sobre o imperialismo as esferas “econômica” e “política” produzindo diferentes
concepções a respeito do fenômeno. No entanto, outros autores elaboraram teorias sobre
o imperialismo que, de modo consciente ou não, moviam-se de modo mais unilateral em
direção a uma ou outra esfera. Esclareça-se desde já: não se pretende com isso afirmar
que no interior dessas teorias sejam completamente ignorados fatores políticos ou
econômicos, mas que o imperialismo é definido, ora em termos predominantemente
econômicos, ora em termos predominantemente políticos. Para exemplificar essas
posturas tomaremos as interpretações de Duménil & Lévy, pelo lado econômico, e
Panitch & Gindin, pelo político.

A análise do capitalismo contemporâneo de Gerard Duménil & Dominique Lévy


caminha lado a lado com a de Chesnais no que tange as características da
“mundialização do capital”, mas diferentemente deste acreditam que o sentido atribuído
por Lênin à categoria imperialismo seria insustentável. Fundamentalmente, sua análise
distingue o neoliberalismo, como fase presente do capitalismo, de imperialismo – que
não representaria uma fase (presente ou pretérita) e sim “uma característica geral e
permanente do capitalismo”. (DUMÉNIL & LÉVY, 2004b, p. 3). Mas que característica
é essa? Segundo eles,

Com o termo “imperialismo”, referimos-nos à capacidade dos países mais


avançados de extrair lucros do resto do mundo. Também está em jogo aqui a
estrutura da acumulação, já que países imperialistas exportam seus capitais;
mas também podemos observar que outros países investem seus capitais nos
países do Centro. Trata-se diretamente de violência nesse processo de
domínio. A violência econômica simples toma a forma da abertura das
fronteiras comerciais e financeiras entre países de níveis de desenvolvimento
muito diferentes, com consequências desastrosas para muitos países menos
avançados cuja mão-de-obra fica comparativamente cara; a dívida dos países
menos desenvolvidos, no contexto de taxas de juros reais, até recentemente,
elevadas, é uma manifestação de tais estruturas de exploração. Porém, a
violência também assume suas formas tradicionais: aquelas da corrupção, da
subversão golpista e da guerra. A esse respeito, o imperialismo tem que ser
compreendido como um amplo conjunto de práticas econômicas, políticas,
culturais, etc., e não pode ser reduzido a nenhum dos seus componentes
isolados. (Idem, 2007, p. 3. Grifos nossos.)

205
O que é notável nessa definição de imperialismo é que, em primeiro lugar, o
imperialismo assume um sentido estritamente econômico e, em segundo lugar, que os
antagonismos entre interesses nacionais de que trata o imperialismo seriam antes de
tudo aqueles que têm lugar nas relações entre nações mais e menos “avançadas”. Sobre
o primeiro ponto, devemos notar que, como evidenciado na passagem, ele não implica
uma total desconsideração de processos políticos, militares ou culturais envolvidos no
imperialismo. Mas isso não muda o fato de que esses elementos aparecem de modo
contingente, sendo possível imaginar situações-limite, inclusive, nos quais não
aparecem – caso a “exploração” imposta pelas potências imperialistas ao resto do
mundo pudessem se assentar exclusivamente na “violência econômica”. Nesse sentido,
apesar de afirmarem que o imperialismo “não pode ser reduzido às práticas econômicas,
políticas, culturais etc.”, os autores tratam sim da categoria como um fenômeno
essencialmente econômico – que pode lançar mão da violência, da fraude, do racismo
etc. para concretizar seus objetivos, mas cuja lógica (para utilizar a expressão de que
gosta Harvey) é aquela imposta pela economia. 225 Embora tal perspectiva possa
encontrar paralelo na teoria clássica do imperialismo (e em seus sucessores
contemporâneos), nos parece que em Duménil & Lévy a predominância econômica
ganha contornos mais acentuados, na medida em que exclui de sua definição todos os
fatores não-econômicos. Não nos parece casual, portanto, que a análise dos autores seja
exclusivamente centrada nesses fatores (econômicos) – e nesse sentido levantando
inúmeras questões relevantes sobre a “financeirização da economia”, a mundialização,
as crises, o ataque aos direitos dos trabalhadores pelas políticas neoliberais, entre outras
–, mas não fazendo qualquer outra referência aos fenômenos políticos e culturais que
fariam parte das práticas imperialistas.

Quanto ao segundo ponto, observa-se apenas que ao centrar atenção


exclusivamente nas relações entre países de diferentes graus de desenvolvimento,

225
Essa perspectiva fica clara em outra passagem quando afirmam: “O imperialismo não é obra de um só
país, mas de um conjunto deles. Estes mantêm, por um lado, relações de luta, indo até o confronto armado
entre duas potências, ou grupos de potências dentro de sistemas de alianças, mas operam, por outro lado,
igualmente relações de cooperação. Cada Estado representa aí o interesse de suas classes dominantes.
Um país pode ocupar uma posição hegemônica, como os EUA, que dirigem, no mundo contemporâneo
unipolar, o grupo de países imperialistas. A relação de dominação se estabelece, então, num nível duplo:
entre o país dominante e os outros membros do grupo e, entre estes países imperialistas e os outros
dominados. Em verdade, trata-se de uma hierarquia de poderes, onde o mais forte explora o mais fraco”.
(Idem, 2004b, p. 3-4)

206
Duménil & Lévy estreitam ainda mais o sentido da categoria imperialismo. Por outro
lado, na medida em que, com esta definição, temos no imperialismo uma característica
geral da produção capitalista, a categoria teria uma também um dilatamento (temporal),
porque passa a poder ser utilizada com igual plasticidade para todo o período capitalista
anterior e posterior às teorias clássicas sem maiores dificuldades. Nesse sentido,
acrescentam Duménil & Lévy (2004b, p. 3), “se o imperialismo não é somente uma fase
do capitalismo, ele próprio passa por fases diversas, que são o reflexo das
transformações nos próprios países imperialistas. Suas principais características
mudam”. Assim sendo, a tarefa de descrever o imperialismo contemporâneo equivaleria
a entender de que modo se processam as transferências de riqueza no interior da “cadeia
imperialista” nesse momento específico do tempo.

No extremo oposto ao de Duménil & Lévy, nesse campo de reorientação


conceitual, estariam Panitch & Gindin, cuja proposta é tratar do imperialismo como
fenômeno primordialmente político (embora as determinações políticas sejam, como
veremos, permeadas por relações econômicas).

Panitch & Gindin (2006, p. 23) recorrem diretamente a Marx para afirmar que a
produção capitalista tem uma natureza “globalizante”, ou seja, tende à expansão e à
internacionalização. Mas, ao contrário do que imaginou a teoria clássica do
imperialismo essa tendência não torna a “globalização”, como é reconhecido esse
processo hoje, um fenômeno inevitável, já que concretamente pode apresentar avanços e
retrocessos. Da mesma forma, não seria possível supor que se trata de um processo
insustentável, posto que faz parte da dinâmica capitalista, mas não é responsável está
diretamente ligado a sua incapacidade de reprodução. Assim, ainda que a expansão
capitalista se apresentasse como tendência objetiva, a leitura do processo feita pela
teoria clássica teria confundido a tendência (expansionismo capitalista) com traços
particulares historicamente contingentes (monopolização, partilha territorial, rivalidade
interimperial etc.).

Na raiz desse problema, encontrar-se-ia a tentativa de dar ao imperialismo uma


explicação econômica. Em primeiro, porque as “teorias clássicas do imperialismo
desenvolvidas nesse período, desde Hobson a Lênin, estavam fundadas em uma
teorização das crises e das fases econômicas do capitalismo”. Ao partir das crises e
basear-se na limitação da concorrência, a teoria clássica perderia de vista que o impulso
207
à internacionalização do fim do século XIX esteve ligada ao desenvolvimento das
pressões competitivas do capital e às oportunidades de investimento lucrativo no
exterior. Além disso, argumentam Panitch & Gindin, as teorias clássicas teriam dado
uma atenção excessiva às exportações de capital para as regiões menos desenvolvidas
(ou não capitalistas) do mundo. Porém, acima de tudo, o “aspecto mais defeituoso” da
teoria clássica do imperialismo seria dado por uma “visão reducionista e
instrumentalista do estado”. Ao contrário, a proposta de Panitch & Gindin é que “O
imperialismo capitalista, portanto, precisa ser compreendido mediante uma extensão
da teoria do estado capitalista e não como uma derivação direta da teoria econômica
das fases ou da crise” (Ibidem, p. 24-26. Grifos do original).

É preciso tomar cuidado com a ideia de que, ao colocar a teoria do Estado como
fenômeno explicativo para o imperialismo, a análise Panitch & Gindin privilegia a
“esfera política”, porque os autores são críticos da “separação demasiado crua” entre as
esferas “econômica” e “política” na teoria clássica. 226 Ainda assim, ao apoiar-se na
crítica de Gallagher & Robinson (1953) aos clássicos (vista na seção 4.1), de quem
Panitch & Gindin tomam a definição do fenômeno, o imperialismo passa a ser visto
como uma função política variável, mesmo que nessa função estivessem,
evidentemente, integradas razões econômicas. Mais concretamente, o imperialismo
passa a ser entendido a partir das pressões sociais, as disputas econômicas e políticas,
que levam o Estado a se expandir ora por meio da conquista imperial (expandindo o
império formal), ora por meio do império informal. O conturbado período de guerras de
conquista analisado pelos clássicos não refletiria, portanto, o início de uma fase
imperialista (já que, como supostamente Gallagher & Robinson teriam mostrado, ainda
antes daquela época o imperialismo se apresentava por meio de anexações territoriais e,
principalmente, por meio do império informal), mas estaria sim ligado à incapacidade
britânica de colocar sob seu domínio as potências capitalistas emergentes (notadamente,
a Alemanha, os Estados Unidos e o Japão).

226
“O problema é que tanto a teoria do imperialismo de Schumpeter, que fazia referência ao papel atávico
das classes pré-capitalistas guerreiras e exploradoras dentro do capitalismo, como as concepções de
Kaustky e Lênin, que supunham que o capital industrial britânico de meados do século XIX e suas
políticas de livre mercado representavam um capitalismo ‘puro’ antiético ou ao menos ‘indiferente’ à
expansão imperial, derivam-se de uma interpretação demasiado crua da separação entre o político e o
econômico dentro do capitalismo” (Ibidem, p. 26).

208
Desse modo, a análise de Panitch & Gindin sobre o imperialismo
contemporâneo centra-se precisamente na capacidade alcançada pelos Estados Unidos
ao longo do século XX de, com base no desenvolvimento da produção em massa e bem
como no poder de atração de sua produção cultural, formar um império informal de
força incomensuravelmente maior do que a Grã-Bretanha teria conseguido arregimentar
no século anterior – tendo sido capaz de afirmar-se como maior potência imperialista,
justamente por não parecê-lo. Panitch & Gindin se propõem a analisar a história do
imperialismo à luz da constituição do imperialismo norte-americano e suas estratégias
de predomínio mundial, passando pelo período da “era de ouro”, pelo início da
transnacionalização e pela reorientação neoliberal que deu novo fôlego à hegemonia
norte-americana, e chegando aos dias de hoje, marcados pela volta de um “imperialismo
manifesto”, sob as gestões Bush, Clinton e, especialmente, George W. Bush. Embora
não se pretenda realizar aqui uma análise extensiva desses movimentos, cabe notar que
Panitch & Gindin não veem nas intervenções armadas e no crescente unilateralismo
norte-americano das últimas décadas uma manifestação de fissuras na ordem
imperialista atual ou o renascimento de um sistema de rivalidades interimperiais, mas
uma divergência entre as potências imperialistas sobre a melhor forma de garantir a
manutenção da ordem imperialista atual.

4.2.4. A questão da periodização e o lugar das rivalidades interimperialistas

Nas análises destrinchadas nas últimas seções é possível reconhecer cinco


posturas sobre a relação entre o imperialismo e a fase contemporânea do modo de
produção capitalista. As teorias estudadas nas seções 4.2.1 e 4.2.2 convergem em
confirmar o diagnóstico leniniano de que o imperialismo poderia ser adequadamente
descrito como uma fase, mas divergem sobre qual a atualidade desta. Nas primeiras,
recusa-se o imperialismo como fase atual com base no declínio do Estado nacional
(Hardt & Negri e Robinson) ou pela emergência de um ultraimperialismo (Castel). Já
para as últimas, o imperialismo além de corresponder à realidade social na virada do
século XX é também a forma presente do capitalismo. Assim entendido, vemos

209
abrirem-se duas outras ramificações possíveis (embora suas diferenças nem sempre
sejam das mais relevantes): a reafirmação do imperialismo nos exatos termos em que
fora classificado inicialmente, ou a sugestão de que a contemporaneidade representa um
desdobramento daquelas tendências imperialistas e deve ser considerada como uma
subfase do imperialismo.

Outras duas posições apareceram na seção 4.2.3. São teorias que têm em comum
partir de uma redefinição do imperialismo rejeitando, implícita ou explicitamente, a
equiparação entre o imperialismo e a periodização do capitalismo. Nesse caso, seria
possível ainda sustentar que, ainda em sendo coisas distintas, o desenvolvimento
capitalista pode (e deve) ser entendido de acordo com as etapas que atravessou. Com
esse entendimento, a ligação possível entre periodização e imperialismo assume a forma
de uma espécie de “história interna” da categoria (embora evidentemente ligada com a
história geral do próprio modo de produção). Por último, a reorientação categorial, leva
outro conjunto de teorias a defender a completa independência entre os dois debates
(imperialismo e periodização).

Esse conjunto de possibilidades aparece exemplificado de modo sistemático no


quadro 4.1:

210
Quadro 4.1 – Tentativas de sistematização das fases do imperialismo (autores
selecionados)

|----- A. 1800-1870 -----|----- B.: 1870-1945 -----|----- C.: 1945-1973/91 -----|----- D.: 1973/91- ----|

Imperialismo como fase superada


Hardt & Negri (2001): B. Imperialismo; D. Império
Robinson (2003): B. Imperialismo; D. Emergência do Estado transnacional
Castel (1999): B. Imperialismo; D. Ultraimperialismo

Fases (subordinadas) do imperialismo


Chesnais (1999; 2003): B. Imperialismo; C. “Trinta gloriosos”; D. Regime de acumulação financeira.
Sakellaropoulos (2009): B. Imperialismo; C. Imperialismo em escala ampliada; D. Restauração imperialista
pós-crise
Fontes (2006): B. e C. Imperialismo; D. Capital-imperialismo
Mészáros (2003): A. Imperialismo colonial moderno; B. Imperialismo “redistributivista” antagonicamente
contestado pelas principais potências em favor de suas empresas quase-monopolistas; C. e D.
Imperialismo global hegemônico.

Fases (coordenadas) do imperialismo


Callinicos (2010): B. Imperialismo clássico; C. Imperialismo das superpotências; D. Imperialismo depois
da Guerra Fria.
Harvey (2005b): B. Ascensão dos imperialismos burgueses; C. Pós-Guerra e hegemonia norte-americana;
D. Hegemonia neoliberal (novo imperialismo).
Kurz (2003): B. Imperialismo como disputa policêntrica; C. Imperialismo bipolarizado; D. Imperialismo
global ideal (monocêntrico).

Imperialismo e periodização como questões independentes


Wood (2003b).
Duménil & Lévy (2004b; 2007).
Panitch & Gindin (2006).

A ideia de subdividir o imperialismo em fases aparece, no quadro, no segundo e


no terceiro grupo, mas o sentido dessas subfases não é o mesmo. Enquanto para estas as
fases do imperialismo guardam entre si uma relação de coordenação, para aquelas a
relação existente entre essas fases é de subordinação. Dito de outro modo, temos que
para uns as fases do imperialismo aparecem lado a lado como resultado das
transformações do capitalismo e, assim, também da forma de manifestação do
imperialismo (possuindo em cada período características próprias). Desse modo, mesmo
quando tidas como corretas, as características identificadas por Lênin no período
clássico são consideradas apenas características do imperialismo naquela fase. Se, ao
contrário, enxerga-se uma relação de subordinação, a subfase contemporânea é um
desdobramento histórico que se mantém dentro da fase imperialista (mais geral). Por
isso, continuariam a ter validade as determinações mais gerais identificadas pelos
clássicos.

211
Um tema diretamente correlato é o lugar que as rivalidades interimperiais
ocupariam no debate sobre o imperialismo. Bob Sutcliffe (1972) observou que, nas
décadas de 1960/70, uma particularidade da discussão sobre o imperialismo foi sua
simultânea ampla aceitação entre os historiadores (como fenômeno historicamente
datado) e sua rejeição entre economistas (como necessidade permanente). Em grande
medida esse fato refletia uma forte identificação do imperialismo com um dos traços
detectados em todas as análises clássicas: a existência de interesses antagônicos que
conduzia às guerras, à partilha territorial do mundo, ao desenvolvimento desigual entre
as nações. Igualado ou não o imperialismo com um estágio histórico, a questão da
necessidade das rivalidades interimperiais tem de passar pela descolonização e da
suposta estabilidade geopolítica do pós-guerra, assim como pelas guerras e pela recente
agressão dos Estados Unidos contra nações nitidamente mais fracas. Nesse sentido, é
forçoso notar que a estabilidade e a descolonização jogam, é claro, contra a suposição
de uma rivalidade necessária, assim como as guerras recentes parecem reiterar sua
atualidade, mas nem uma coisa nem outra deveria ser creditada como “prova cabal” no
assunto. Vejamos como as teorias contemporâneas reagem a essa questão.

As teorias que reafirmam a fase imperialista do capitalismo na


contemporaneidade veem nas disputas políticas e nas guerras abertas das últimas
décadas demonstrações de que, ainda que com características diversas, a rivalidade
permanece como tema relevante. Mészáros e Foster, por exemplo, valem-se de estudos
do pós-guerra, particularmente de Magdoff (1978), para mostrar que as rivalidades
interimperiais nunca deixaram de ser relevantes desde o advento do imperialismo – nem
em sua dimensão de antagonismo entre países mais e menos desenvolvidos, nem em sua
dimensão potencialmente mais perigosa, a imbricação de interesses capaz de conduzir a
guerras. Se, no entanto, mesmo na análise desses autores, o debate sobre as rivalidades é
por vezes abreviado isso decorreria do desnível entre a potência hegemônica, os Estados
Unidos, e as demais potências imperialistas do que por uma perda de importância da
questão. O mesmo pode ser dito para Chesnais (2003) – embora este ainda tenha maior
cuidado na análise da situação das diferentes nações nesse contexto de hegemonia norte-
americana.

Um traço comum que ajuda a identificar os autores que vêm o imperialismo


como etapa vencida do capitalismo é o fato de não enxergarem no capitalismo

212
contemporâneo um sistema de rivalidades como o de outrora. Em Hardt & Negri e
Robinson porque a própria divisão do espaço mundial em nações perde sua importância;
em Castel, porque a aliança entre o “pacto capitalista” internacional teria levado ao
“ultraimperialismo” (definido precisamente pelo bloqueio das rivalidades). Não
obstante, a perspectiva de fim das rivalidades é assumida também entre autores que
continuam a trabalhar com a categoria imperialismo, como em Kurz, Panitch & Gindin
e, em alguma medida, Wood.

Para Kurz o fim das rivalidades é um dos aspectos essenciais do atual estágio do
capitalismo, marcado exatamente pela força incontestável dos Estados Unidos (e pela
concomitante crise do sistema capitalista). Sua concepção entretanto não sugere que o
fim dessas rivalidades significa a emergência de um “capitalismo pacífico”, como fica
evidente em sua crítica às teses que pretendem ressuscitar o ultraimperialismo de
Kautsky:

[...] a “visão de Nostradamus” de Kautsky, de um democrático caga-


sentenças de sofá, muito menos se aplica ao hoje real “imperialismo global
ideal” da NATO [em português, Otan]. É que, primeiro, o que está em causa
já não é uma “exploração comum” pachorrenta de regiões do mundo ainda
não acessíveis ao capitalismo, mas sim o problema de uma crise mundial em
contínua progressão e que se define precisamente pelo fato de o capitalismo
do centro, nas alturas alcançadas pelo seu próprio standard de produtividade e
rentabilidade, se ir tornando cada vez mais “incapaz de explorar” e de o
mercado mundial ir deixando atrás de si crescentes zonas de “terra queimada”
em termos econômicos, que já perderam a capacidade de serem exploradas
pelo capitalismo. E, em segundo lugar, a NATO também constitui uma
aliança pouco ou nada pacífica do imperialismo global, precisamente porque
ela está em pleno entretida a malhar nas consequências político-militares e
barbarizantes da crise sem solução possível. Assim sendo, embora
corresponda à realidade que oitenta anos depois das teses de Kautsky já não
existe qualquer conflito intra-imperial semelhante ao da primeira guerra
mundial, o contraditório caráter supranacional da NATO baseia-se em
desenvolvimentos em tudo diferentes daqueles que Kautsky tivera em mente;
e assim, lá está, não se trata de uma era de paz capitalista que possa ser
transformada pela via parlamentar, mas de uma guerra de ordenamento
mundial bárbara sem qualquer perspectiva civilizatória. A analogia entre a
construção de Kautsky do “ultraimperialismo” e o real “imperialismo global
ideal” da NATO é perfeitamente superficial e destituída de qualquer
veracidade. (KURZ, 2003)

Já Panitch & Gindin e Wood têm em comum com Kautsky a percepção de que o
sistema de rivalidades surgido na virada do século XX nem era necessário, nem
correspondia ao contexto que melhor atende aos interesses do capital. Em Panitch &
Gindin o “sucesso” do imperialismo de uma potência capitalista está associado a sua
capacidade de criar uma esfera de influência que não se afirma pela coerção direta (o
213
império informal). Exatamente por isso os autores rejeitam veementemente o
renascimento das rivalidades interimperiais.

Para Wood, alternativamente, o ponto é que o imperialismo capitalista se


distingue de outros “imperialismos” justamente pela sua capacidade de se destacar das
formas políticas e militares de opressão e conquista territorial. Por outro lado, a análise
de Wood é um tanto dúbia quanto à permanência das rivalidades no contexto atual, na
medida em que ela vê na fragmentação territorial em Estados nacionais um traço
ineliminável da lógica capitalista. Ficaria manifesta, assim, uma contradição interna do
imperialismo contemporâneo, entre a universalidade contemporânea do capital e seu
requerimento da força extraeconômica sustentada sobre bases nacionais – e sobre essa
base veríamos a nova “ideologia da guerra sem fim”, típica dos Estados Unidos no
período recente, como expressão dessa contradição. 227 A força, o poderio militar etc.,
seriam ainda, portanto, necessários para garantir o contexto sobre o qual repousa o
imperialismo capitalista, mas isso pode ser interpretado como sinônimo de uma
possibilidade sempre latente de renovadas rivalidades interimperialistas – ainda que
Wood não desenvolva em tal direção o argumento.

Se em Wood vê-se uma postura dúbia com relação à questão das rivalidades,
Callinicos (2010, seção 2.2) utiliza de parte dos seus argumentos para se contrapor às
teorias que vêm no presente o fim das rivalidades imperialistas. Como fica claro em
outro lugar, o ponto de Callinicos (2006) não é que se devesse colocar na ordem do dia
a emergência de uma terceira guerra mundial, mas que não se poderia ignorar, ao lado
das evidências de cooperação ou mesmo de uma união de interesses no seio da classe
capitalista de diferentes nacionalidades, a coexistência de interesses antagônicos – no
interior das principais potências imperialistas (a chamada Tríade), ou com outros
Estados igualmente relevantes, como a Rússia e a China. Do ponto de vista teórico,
tanto em sua análise quanto na de Harvey, a permanência desse tipo de relação
conflituosa pode ser capturada como consequência da própria lógica política (territorial)

227
“Antes da hegemonia econômica do capital dominar o mundo, o capitalismo atravessou a era clássica
do imperialismo, com todas as intensas rivalidades geopolíticas e militares. Essa era acabou faz tempo. O
imperialismo capitalista tornou-se quase inteiramente uma questão de dominação econômica, na qual os
imperativos de mercado, manipulados pelas potências capitalistas dominantes, fazem o serviço antes
operado pelos estados imperiais ou pelas colônias. Mas agora estamos descobrindo que a universalidade
dos imperativos capitalistas não removeu a necessidade da força militar. De fato, o contrário é
verdadeiro”. (WOOD, 2003b, p. 153. Tradução nossa.)

214
do poder. Mais que isso, porém, seu argumento é que para entender essa lógica não se
pode pensar simplesmente em termos de uma “teoria do Estado”, mas de uma teoria
sobre o “sistema de Estados”.

Ao analisar as propostas de periodização do capitalismo na teoria


contemporânea do imperialismo, em particular quando analisada também pela ótica da
aceitação/rejeição das rivalidades interestatais (postas como um dos grandes debates de
hoje), o que se pode descobrir é que o critério fundamental de divisão da história do
capitalismo deixa crescentemente de ser a tendência à monopolização – ainda que para
parte dos autores este continue válido, como se viu – e passa a ser a forma das relações
entre capital (particularmente nas formas atualmente assumidas por este) e Estado
nacional ou, mais propriamente, entre capital e Estados nacionais. Naturalmente, não há
também nessa questão uma única resposta para o problema, o que torna inteligível a
discordância sobre permanência ou não das rivalidades interimperialistas, sobre a
permanência ou não Estado nação como unidade analítica relevante, sobre a existência
de transferências de riqueza da “periferia” ao “centro” do sistema, sobre a crise como
propulsora da expansão territorial etc. A seguir, na conclusão, tentaremos nos dirigir
novamente a tal questão, procurando em que medida a adoção deste critério poderia
dissolver os problemas da transposição de níveis de abstração, típicos da teoria clássica.

215
CONCLUSÃO

Ao longo desta tese procuramos delinear um quadro amplo contendo os


elementos teóricos e históricos necessários para entender as teorias clássicas e
contemporâneas do imperialismo olhando particularmente para a forma como
descrevem o desenvolvimento do modo de produção capitalista. Para tanto, nosso
primeiro passo foi estabelecer as bases desse debate por meio da apresentação da teoria
de Marx e das teorias clássicas do imperialismo. Que resposta emerge da comparação
crítica entre estas?

Como vimos no Capítulo 2, as chamadas teorias clássicas do imperialismo


interpretaram as transformações sociais do fim do século XIX como sinais da
emergência de uma nova etapa histórica no desenvolvimento do capitalismo. Em outras
palavras, acreditava-se haver tanto continuidades quanto descontinuidades históricas
com relação à descrição marxiana sobre a dinâmica de funcionamento dessa sociedade.
No centro da ruptura estava a passagem de um capitalismo de livre-concorrência ao
capitalismo monopolista. Viria das tendências à concentração/centralização de capital o
impulso fundamental à monopolização: a união entre capitais com vistas à alteração dos
preços (desviando-se de seus valores), ao atingir e envolver as esferas produtiva
(industrial, nos termos de Hilferding) e bancária, conformando o capital financeiro, teria
acionado toda uma nova esfera de tendências no modo de produção capitalista – quais
sejam, o protecionismo, a luta por conquistas territoriais, o sistema de rivalidades
interestatais, o oportunismo de frações da classe trabalhadora etc. Foi nesse sentido que
Lênin viu, no conjunto dessas transformações sociais, razões para caracterizar esse
período como imperialismo; e posto que essa fosse uma era de acirramento das
contradições fundamentais descobertas por Marx – a polarização da riqueza
(aumentando o pauperismo da classe trabalhadora e reduzindo a classe capitalista a uns
poucos e poderosíssimos grupos), a estagnação econômica e a crise – Lênin considerou
adequado qualificá-la como fase superior do capitalismo.
216
Nesse breve resgate, já podemos ver onde residem os pontos de ruptura e os
traços de continuidade pretendidos pela teoria clássica com relação a Marx. As rupturas
não eram tão profundas ao ponto negar a essência do capitalismo, 228 mas construíam
sobre as estruturas sociais descritas por Marx novas determinações (mais concretas). Por
outro lado, na medida em que o faziam pretensamente tornando a teoria mais concreta,
inúmeros autores, acreditavam que a teoria do imperialismo poderia ser considerada
uma continuação de O capital de Marx.

Para que pudéssemos verificar o grau de correção dessa assertiva, tentamos no


Capítulo 1 delinear os atributos gerais da teoria marxiana. O principal ponto defendido
naquele momento foi que existe, de acordo com Marx, uma lei econômica capaz de
explicar a dinâmica social do modo de produção capitalista, a lei do valor. Tentamos
demonstrar ali que o valor é, para Marx, uma determinação que ultrapassa a simples
relação quantitativa de troca entre mercadorias, que ele é a própria expressão do caráter
estranhado da sociabilidade humana na sociedade capitalista e que, uma vez
transubstanciado em capital, subjuga a humanidade a seus imperativos de expansão. A
partir daí descreveu-se os desdobramentos dialéticos da lei do valor em duas outras das
principais legalidades sociais capitalistas, a lei geral da acumulação capitalista e a lei de
tendência à queda de lucro, desenvolvendo no caminho um vasto aparato categorial que
nos permite conformar uma interpretação não só da obra teórica de Marx, mas também
de seus sucessores. Vimos ainda que, embora Marx esteja caminhando em sua
exposição de O capital por meio de sucessivas concretizações do argumento, todas as
leis que ali encontramos atravessam de modo ortogonal o modo de produção capitalista.
Dito em outras palavras, apresentam-se (de modo tendencial) independentemente de
região geográfica ou momento do tempo onde quer que domine a produção capitalista.
Mas, assim sendo, como fica o argumento de que a teoria do imperialismo fora capaz de
“continuar O capital” por meio de uma análise mais concreta?

O problema que aqui se apresenta é exatamente aquele que constituiu nossa


hipótese primária: ao confundirem-se movimentos teóricos que vão daquilo que é mais

228
Como queriam crer alguns dos sucessores clássicos, cf. Varga apud Altvater (1987). Entende-se que
essa interpretação seja, contudo, inteiramente injustificada. Para pôr de modo simples: ela só faria sentido
caso Lênin acreditasse que o imperialismo é uma fase para além do capitalismo e não uma fase (a mais
elevada) do capitalismo.

217
abstrato para o que é mais concreto, com as análises que vão daquilo que é geral
(entendido como o que é próprio ao modo de produção capitalista) para o que é
particular (isto é, a forma particular de manifestação de uma legalidade em um
momento particular da história), a teoria clássica abriu margem para uma transposição
entre distintos graus de abstração. 229 O cotejamento dessas teorias revela que (exceção
feita à Rosa Luxemburgo, de quem falaremos outra vez adiante) a afirmação de um
novo estágio histórico confunde aspectos conjunturais da realidade social com aspectos
estruturais e colapsa numa só coisa o capitalismo em si e sua forma de manifestação
histórica.

É um fato um pouco impressionante que, embora a grande maioria dos estudos


de hoje sobre imperialismo ainda parta da teoria clássica (seja para negá-la ou para
reafirmá-la), poucos estudiosos dedicaram maiores cuidados a esse ponto. Dentre os que
melhor conseguiram fazê-lo (ainda que tenham perspectivas profundamente divergentes
quanto a sua avaliação da teoria clássica) destacam-se Callinicos (2009) e Panitch &
Gindin (2006). Reformulando o modo como é apresentado o questionamento de
Callinicos, vemos que a transposição de níveis de abstração poderia ser apreendida (i)
por confundir características particulares do capitalismo de alguns países (notadamente
da Alemanha, graças à influência exercida por Hilferding) com características de todo o
capitalismo (em qualquer local do globo) e, o que é mais relevante, (ii) por tomar as
características do capitalismo em sua era imperialista clássica como tendências
inelutáveis da produção capitalista. Panitch & Gindin (2006, p. 26) agregam aí a ideia
de que a teoria do imperialismo supunha que “o capital industrial britânico de meados
do século XIX e suas políticas de livre mercado representavam um capitalismo ‘puro’
antiético ou ao menos ‘indiferente’ à expansão imperial”, levantando com isso o
problema da oposição entre livre-concorrência e monopolização como aparece nos
clássicos.

De fato, o momento mais alto dessa “falácia” de justaposição de níveis distintos


de abstração é atingido na tendência que a linha principal dos teóricos clássicos elege
como epicentro do “novo estágio” do capitalismo: monopolização da economia. Nessa

229
Nesse sentido, a título de ilustração, note-se: as categorias mais concretas, tratadas por Marx no livro
III de O capital, não são por isso menos gerais que as categorias abstratas, desenvolvidas no livro I.

218
interpretação, a origem da monopolização reside nas tendências à concentração e à
centralização de capital. 230 Segundo Lênin (1979, p. 590):
Há meio século, quando Marx escreveu O capital, a livre concorrência era,
para a maior parte dos economistas, uma “lei natural”. A ciência oficial
procurou aniquilar, por meio da conspiração do silêncio, a obra de Marx, que
tinha demonstrado, com uma análise teórica e histórica do capitalismo, que a
livre concorrência gera a concentração da produção, e que a referida
concentração, num certo grau do seu desenvolvimento, conduz ao monopólio.
Agora o monopólio é um fato.

É indiscutível que Marx detectara no modo de produção capitalista uma


tendência expansiva não só para o capital social, mas igualmente para cada um dos
capitais, por meio da concentração e da centralização. Mas entre a concentração e a
centralização, como tendências, e o monopólio, como “fato”, há uma distância, isto é,
esse é um procedimento que parte de tendências abstratas e chega a “fatos” concretos,
obliterando no caminho as instâncias mediadoras.

Ademais, as tendências de concentração/centralização não significam, para


Marx, a supressão (ou limitação) da concorrência. Nesse registro não se levanta uma
oposição entre concorrência e os processos de concentração/centralização de capital
pelo simples fato que a categoria concorrência não se prende ao número de empresas
existentes ou a seu poder de alterar os preços no mercado – para usar os termos da
ciência econômica, não se trata de definir uma “estrutura de mercado”. Refere-se sim ao
fato de que capitais individuais estão em permanente disputa e que é nessa disputa que
se afirma a natureza do capital em si. Trata-se, portanto, da categoria que estabelece a
mediação entre o capital e classe capitalista.

Como argumentado no Capítulo 1, em Marx, a concorrência reflete a forma de


externalização da natureza contraditória do capital e sua dinâmica tem lugar
absolutamente crucial na realização das leis geral da acumulação capitalista e de queda
da taxa de lucro. Por isso, a confusão categorial pressuposta na tese da limitação da
concorrência gerou problemas importantes, como nas teorias que supunham tendências
à estagnação econômica ou mesmo a uma suposta perda de sentido da lei do valor – já

230
Parece-nos um fato sintomático dos problemas de interpretação que, mesmo em Lênin, a categoria
concentração de capital seja frequentemente confundida com a centralização, mas não exploraremos
mais esse ponto – entendendo, inclusive, que certos problemas de rigor teórico como este podem ser
oriundos de um ambiente adverso em que escrevia o autor.

219
que o monopólio é ali caracterizado pela capacidade de realização das mercadorias por
um preço superior ao seu valor. Neste caso, vale dizer, os erros se multiplicam, pois
nem a lei do valor, nem a categoria concorrência e nem a categoria monopólio são
descritas adequadamente. 231

Em síntese, os argumentos levantados na Parte I da presente tese pretendem dar


conta da avaliação realizada na teoria clássica sobre a existência de uma nova fase do
desenvolvimento capitalista e sua relação com a teoria marxiana. Caso aceita nossa
linha de argumentação, de que a teoria clássica confunde particularidades de seu
momento histórico com tendências gerais da produção capitalista, uma questão que se
coloca diz respeito a sua ampla aceitação no início do século XX. Embora não se
pretenda agora abrir todo um novo flanco de debates, acredita-se que essa resposta deva
ser procurada no contexto histórico marcado pela perspectiva de eminência da
revolução socialista no período, bem como no embate entre os blocos capitalista e do
socialismo realmente existente, no período imediatamente posterior. Isto é, em alguma
medida, a necessidade de demonstrar a iminência de um colapso do sistema capitalista
e/ou de sua imanente desumanidade – que atingia os graus mais elevados na
subordinação colonialista e nas guerras que contrapunham trabalhadores de diferentes
nações em nome dos interesses do capital – pode ser vista como a “mãe” da
extrapolação teórica daquelas ocorrências, dessa maneira fornecendo armas em prol
duma insurreição dos trabalhadores. Talvez por essa razão a teoria de Luxemburgo, que
não partia da tendência à monopolização, mas ainda assim sugeria sua
insustentabilidade e denunciava seus “crimes”, obteve também, contra toda sorte de
contestações teóricas, ampla aceitação – ao passo que Kautsky, que partia da base
comum hilferdinguiana para defender a atenuação das contradições imperialistas (no
“ultraimperialismo”), não obteve. Por outro lado, torna-se mais fácil também entender o
progressivo declínio dessa teoria no decorrer do século XX, frente a uma mudança de
ares que nem sempre corroborava aquilo que se entendia como tendências históricas do
imperialismo. Assim, apenas as substantivas transformações sociais derivadas da crise
capitalista das décadas de 1960/70 seriam capazes de trazer de volta ao primeiro plano o
debate sobre o imperialismo, sobretudo depois da década de 1990 quando começaram a

231
Para um debate acerca da categoria monopólio em Marx, ver Shaikh (1991) e Altvater (1987, p. 22-
24).

220
se avolumar os questionamentos ao papel dos Estados nacionais, bem como também
com a retomada dos debates sobre a “hegemonia” norte-americana e seu
intervencionismo crescentemente aberto (ainda que as tensões não apontassem para um
clima semelhante àquele que circundou a Primeira Guerra Mundial).

A maior falta que o debate sobre a correção da proposta de demarcação histórica


da teoria clássica do imperialismo pode fazer nos dias de hoje se manifesta na
possibilidade de uma repetição dos problemas daquela análise. Assim como ocorrera
um século antes, as “novas teorias do imperialismo” projetam sobre as transformações
sociais das últimas décadas a existência de uma fase renovada do desenvolvimento
capitalista. Se mais uma vez forem tomadas as transformações históricas do capitalismo
de modo absolutizado, voltaremos a descobrir “tendências históricas” que não são mais
que a projeção de características particulares – além de possivelmente negar aspectos
absolutamente centrais da realidade com base em uma não observação empírica.

Nesse sentido, a Parte II da tese buscou, primeiramente, levantar as principais


mudanças surgidas nas últimas décadas do século XX, utilizadas por intelectuais dos
mais variados espectros teóricos e ideológicos para afirmar a novidade ou não da fa se
contemporânea do capitalismo, com relação àquela na qual fora escrita a teoria clássica.

A análise centrou-se, no Capítulo 3, nas inflexões do padrão de comportamento


do capital em plano mundial a partir da crise dos anos 1960/70. Com base em
indicadores selecionados e em uma revisão historiográfica, tentamos ver em que medida
havia alterações de fato drásticas no grau de internacionalização da economia, na
relação entre capital e Estados nacionais, nas normas de comportamento impostas aos
trabalhadores, na velocidade de rotação do capital, na repartição do capital entre as
esferas produtivas e não produtivas (particularmente, pelo aumento do seu raio de
valorização sob a forma de capital fictício, na chamada esfera financeira). Essas
mudanças foram interpretadas em nossa análise como resultado do esforço de
recuperação da lucratividade do capital frente à crise por ele enfrentada. Ato contínuo,
indicamos ainda que essas mudanças estavam intrinsecamente ligadas a novas formas
ideológicas, marcadas pelos discursos da globalização, que, ao mesmo tempo em que
enxergavam as transformações sociais como processo natural e inevitável (além de, em
geral, benéfico), davam, elas mesmas, suporte ideológico às políticas que viabilizavam
tais transformações sociais.
221
Já o Capítulo 4 tratou do modo como essas transformações sociais foram
apreendidas pela teoria do imperialismo, tentando identificar no vasto e heterogêneo
grupo de autores que trata do tema as continuidades e descontinuidades com relação à
teoria clássica, mas, principalmente, em que medida as eventuais divergências eram
atribuídas às falhas teóricas ou à própria mudança dos tempos. O estudo dessas teorias
culminou na tentativa de sistematizar as abordagens “modernas” ao imperialismo de
acordo com a avaliação promovida por cada uma delas sobre a história do
desenvolvimento capitalista.

Não nos propomos aqui a avaliar de modo completo a correção ou não das
diferentes fórmulas seguidas pelos autores contemporâneos em suas tentativas de
caracterização do imperialismo contemporâneo – a não ser quando, em casos como os
de Hardt & Negri, seu falseamento teórico fosse absolutamente indispensável. No
Capítulo 3, tentamos levantar elementos que, ainda que inevitavelmente enviesados por
nossa própria perspectiva, permitissem aos leitores críticos retirarem suas próprias
conclusões. Nosso foco, entretanto, recaiu sobre a apresentação das diferentes
concepções atentando particularmente para o modo como era lida a história do
desenvolvimento capitalista, em conjunto com o desenvolvimento do imperialismo,
particularmente em sua relação com a “periodização clássica”.

O fenômeno mais marcante das leituras sobre as novas tentativas de


periodização do capitalismo foi a mudança, muitas vezes despercebida e não
intencional, do critério principal de demarcação histórica dos debates sobre a
monopolização para as questões relativas às formas de internacionalização do
capital.232 Talvez ainda seja muito cedo para saber se as novas tendências apontadas por
uma ou outra dessas teorias se provarão duradouras, como modificações estruturais do
modo de produção capitalista. Algo que é observável desde já, porém, é que elas abrem
todo um novo leque de questões. Provavelmente, a mais importante delas, a qual não
temos a ilusão de poder tratar no âmbito deste trabalho, diz respeito ao papel do Estado,
ou mais precisamente do Estado nacional, na acumulação de capital. A crítica à teoria
clássica do imperialismo com base em sua concepção simplista de Estado é hoje uma

232
É notável, por isso, que, mesmo com a retomada do debate sobre o imperialismo, aspectos antes
centrais ligados à monopolização, como é especialmente o caso da questão em torno da socialização da
produção, tenham permanecido significativamente esquecidos.

222
das que mais encontra eco, especialmente porque, como se espera ter deixado claro
anteriormente, vive-se um momento de contestação dos Estados nacionais.

Para concluir, é necessário fazer ainda duas ressalvas. Em primeiro lugar, não se
trata aqui de defender ou criticar a possibilidade de uma periodização das formas
assumidas ao longo do tempo pelo modo de produção capitalista. Não cremos de modo
algum que se deva considerar “as leis férreas” do capitalismo como leis imutáveis –
posição que, como Lênin já notara, termina por naturalizá-las, conduzindo a uma
postura diametralmente contrária a de Marx.

Callinicos observa, de modo bastante feliz, esse problema em um debate com


Ellen Wood. No referido contexto, Wood (2007, p. 151-2) criticara a insistência de
Chesnais em considerar o imperialismo clássico como ponto de partida necessário para
tratar da contemporaneidade (em suas palavras, como se as “contradições e imperativos
capitalistas plenamente desenvolvidos” já estivessem presentes naquele período) porque
isso obscureceria as diferenças entre aquele período histórico e os tempos atuais.
Embora concordando com a tese geral de Wood (a respeito da necessidade de entender
as descontinuidades históricas), Callinicos (2009, p. 139. Tradução nossa.) sugere que
tal ideia poderia implicar que “o capitalismo, um produto eminentemente histórico,
prescindisse ele mesmo de uma história e que as ‘contradições e imperativos capitalistas
plenamente desenvolvidos’ não podem manifestar-se de diferentes formas, evoluindo
historicamente”. Parece claro que toda sociedade (e o capitalismo não é a exceção) é
produto histórico, e que não pode jamais existir fora ou ao lado da história. Que,
portanto, suas leis imanentes evoluem historicamente e manifestam-se de modo distinto
ao longo do tempo. Aliás, um de nossos objetivos foi justamente contribuir para o
debate crítico sobre o desenvolvimento histórico do capitalismo e sua apreensão teórica.

Em segundo lugar, reconhece-se que talvez em alguns momentos dessa


conclusão o tom utilizado para descrever a atividade científica das teorias clássicas do
imperialismo possa soar demasiado áspero aos ouvidos de alguns leitores. Na verdade,
não se pretende ignorar que aqueles autores reconheceram na realidade determinações
fundamentais daquelas formas históricas de manifestação das leis capitalistas. É um
mérito inegável da teoria clássica ter sido capaz de capturar em sua concreticidade a
expansão capitalista mundial, assinalar sua capacidade destrutiva de dissolver todas as
formas não capitalistas de sociabilidade e, ainda, de contrapor-se às teorias que
223
conferiam substrato ideológico aos imperativos expansionistas, por meio das exaltações
nacionalistas e patrióticas, do racismo eurocêntrico, do oportunismo disfarçado entre os
trabalhadores etc.

Mais que isso, é possível mesmo dar crédito ao jovem Lukács (2012), quando,
em 1924, em um livro escrito em homenagem ao então recém-falecido Lênin,
considerou que a genialidade deste residia, acima de qualquer outra coisa, na unidade
em seu pensamento de teoria e práxis. Por isso, Lukács acreditava que a concretização
leniniana do pensamento marxiano era teoricamente exata, porque lia a contento a
conjuntura política e oferecia argumentos para a única prática transformadora possível
naquele momento. Mais interessante ainda é notar que, vários anos depois, este autor
não alterou fundamentalmente essa avaliação, em que pesassem as inflexões decisivas
sofridas em seu pensamento. Assim, no posfácio à edição de 1968, Lukács reconhece
que as tendências projetadas por Lênin a partir das experiências da Primeira Guerra
Mundial haviam perdido sua validade, mas continua a sustentar que em Lênin a décima
primeira tese marxiana contra Feurbach atingia sua expressão máxima:

Já foi constatado que Lenin não era um especialista na área da economia,


como eram, entre seus contemporâneos, Hilferding e, sobretudo, Rosa
Luxemburgo. No entanto, ele os superava em muito na avaliação do período
como totalidade. Essa superioridade “consiste – e esta é uma proeza teórica
sem igual – em sua articulação concreta da teoria econômica do
imperialismo com todas as questões políticas do presente, transformando a
economia da fase num fio condutor para todas as ações concretas na
conjuntura que se configurava então”. [...] Sua realpolitik nunca foi a de um
pragmático empirista, mas o apogeu prático de uma atitude essencialmente
teórica. Em Lenin, essa atitude sempre culminou na apreensão do ser-
precisamente-assim sócio-histórico da situação concreta na qual se deve agir.
(LUKÁCS, 2012, p. 106)

É claro, que a relação de Lukács com a história das revoluções socialistas no


decorrer do século XX é por demais complexa para ser abordada no âmbito desta
conclusão. (Nesse sentido, há que se ter cuidado com a descrição sustentada por ele do
“socialismo de guerra” soviético como desenvolvimento possível – e portanto correto –
da revolução numa Rússia economicamente atrasada e acossada pela guerra civil).
Talvez por isso Lukács nunca tenha levado a fundo uma crítica capaz de ver também as
conexões inegáveis entre o desenvolvimento do socialismo realmente existente e a
concepção do capitalismo monopolista como última forma capitalista de socialização da
produção (superada por meio da estatização dos monopólios). Mas não desejamos

224
repetir aqui a crítica já ensejada anteriormente (seção 2.4). Ao contrário, devemos
enfatizar a importância da teoria do imperialismo para o conhecimento da história
capitalista e a conveniência de sua recente renovação para a esquerda mundial.

Apenas para reforçar o argumento defendido no trabalho que ora se encerra, a


referida renovação das teorias do imperialismo não pode se dar de modo acrítico,
ignorando os problemas envolvidos nessas formulações, particularmente em sua
definição de uma nova fase histórica do desenvolvimento capitalista. Acreditamos que
as (in)adequações do debate sobre o imperialismo hoje somente poderão ser avaliadas a
contento uma vez que se passe a lidar com as grandes questões suscitadas desde o
debate clássico, a confusão dos níveis de abstração entre o plano das leis gerais de
movimento do capitalismo e sua manifestação histórica concreta; com os problemas na
interpretação de categorias centrais como valor, concorrência, monopólio, acumulação
primitiva etc. Assim como pelo aprofundamento do problemas visualizados com as
teorias contemporâneas do imperialismo: sua relação com as novas formas de atuação
do capital, sua relação com a teoria do Estado (especialmente sob forma Estado-nação),
e as relações entre as esferas “econômica” e “extraeconômica”. Enfim, é tarefa daqueles
que pretendem um resgate da teoria do imperialismo, fazer deste um resgate crítico.

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