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Antropologia Social e Cultural
Antropologia Social e Cultural
e Cultural
Profª Milena Cassal
Profª Priscila Farfan Barroso
2017
Copyright © UNIASSELVI 2017
Elaboração:
Profª Milena Cassal
Profª Priscila Farfan Barroso
301
B277a Barroso, Priscila Farfan
221 p. : il.
ISBN 978-85-515-0079-8
1.Sociologia e Antropologia.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Impresso por:
Apresentação
Ao iniciar este livro de estudos, convidamos você a mergulhar na
história da antropologia e em suas diversas vertentes, buscando conhecer
outras formas de perceber os indivíduos em sociedade. A antropologia
desvenda os detalhes existentes entre os grupos sociais. A partir da etimologia
(origem da palavra) sabemos que ANTHROPOS=HOMEM e LOGIA=
ESTUDO. Ou seja, antropologia é o estudo do homem. Mas por que devemos
estudar o homem? Já não existem tantas ciências a estudá-lo?
III
UNI
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano,
há novidades em nosso material.
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação
no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir
a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.
Aproveito o momento para convidá-lo para um bate papo sobre o Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes – ENADE.
Bons estudos!
UNI
IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA .... 1
VII
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 79
AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 80
VIII
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................. 199
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................. 205
RESUMO DO TÓPICO 3 ..................................................................................................................... 210
AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................... 211
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................... 213
IX
X
UNIDADE 1
INTRODUÇÃO E CONCEITOS
FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em três tópicos. Neles você encontrará dicas,
textos complementares, observações e atividades que lhe darão uma maior
compreensão dos temas a serem abordados.
1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1
1 INTRODUÇÃO
Iniciamos nossa jornada de estudos buscando compreender melhor o
significado de antropologia cultural e social, que, no caso, diz respeito a TUDO
que constitui uma sociedade, incluindo a nossa: “[...] seus modos de produção
econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de
parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua
psicologia, suas criações artísticas” (LAPLANTINE, 2000, p. 19).
3
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
O que você acha, caro acadêmico? Como povos tão iguais desenvolvem
culturas tão diferentes? Vivemos em um país com diversas culturas locais
riquíssimas, mas fazemos parte da mesma nacionalidade, somos todos brasileiros,
no entanto, praticamos ações e visões culturais bastante diferentes dos demais em
nosso país.
4
TÓPICO 1 | CONCEITOS INICIAIS PARA ESTUDO DA ANTROPOLOGIA
5
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
6
TÓPICO 1 | CONCEITOS INICIAIS PARA ESTUDO DA ANTROPOLOGIA
Edward Tylor (1832-1917) (1971, p. 71) no vocábulo inglês “Culture”, que "tomado
em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos,
crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos
adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade". Com esta definição
Tylor abrangia em uma só palavra todas as possibilidades de realização humana,
além de marcar fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à
ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos (LARAIA, 2005).
Mais de um século transcorrido, Kroeber (1950, p. 85) escreveu que "a maior
realização da Antropologia na primeira metade do século XX foi a ampliação e a
clarificação do conceito de cultura". Porém, as centenas de definições formuladas
após Tylor serviram mais para estabelecer uma confusão do que ampliar os limites
do conceito. Em 1973, Geertz escreveu que o tema mais importante da moderna
teoria antropológica era o de "diminuir a amplitude do conceito e transformá-lo
num instrumento mais especializado e mais poderoso teoricamente" (GEERTZ
apud CUCHÊ,1999, p. 15). A cultura, segundo Clifford Geertz (1978), é um sistema
de teias de significado que foi tecido pelo próprio homem. A cultura não seria uma
ciência experimental, mas uma ciência interpretativa à procura de um significado.
7
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
FONTE: <https://www.google.com.br/search?sa=G&hl=pt&q=co
municacion+marketing&tbm=isch&tbs=simg:CAQSkwEJSq74TsQ
QGWkahwELEKjU2AQaAAwLELCMpwgaYgpgCAMSKKsUpxSfCrIU-
RO3FKUUrBSmCbYU-D35Pcw3mjWZNZkptiebKfMi-ygaMAvBeg6wg7RL
jcyqN705jhayOVsx52pspk9V4S_1xa1ApgP3Kg4lY6idFDKSL4oHDyCAED
AsQjq7-CBoKCggIARIEwFQNCgw&ved=0ahUKEwj8koPO4cvQAhWBG
ZAKHSkLDVgQ2A4IGygB&biw=1366&bih=662#imgdii=YnK1cCmMC_
z0cM%3A%3BYnK1cCmMC_z0cM%3A%3BbtAyr1D_
W7hWOM%3A&imgrc=YnK1cCmMC_z0cM%3A>. Acesso em: 16 out. 2016.
8
TÓPICO 1 | CONCEITOS INICIAIS PARA ESTUDO DA ANTROPOLOGIA
No final do século XIX havia uma ideia de que civilizados eram os europeus
e os norte-americanos, e as outras populações eram vistas como menos evoluídas,
ou atrasadas. Franz Boas (1986) critica o uso do termo cultura com o sentido de
ser mais ou menos civilizado. Para ele a cultura era múltipla, não se tratava de
uma cultura, mas sim de várias “culturas”. Ao pensar cultura no “plural” pode-
se desconstruir as hierarquias do pensamento colonial e racista da época, assim
como analisamos cada cultura em sua perspectiva. Para Franz Boas (1986), os
diferentes povos que há no mundo possuem diferentes culturas e entre elas é difícil
estabelecer qualquer hierarquia. Em sua pesquisa com povos indígenas do noroeste
americano e do Alasca, Boas (1986) verificou que as histórias das comunidades são
tão particulares e preenchidas por interesses tão diversos que não há possibilidade
de comparação.
3 O QUE É ETNOCENTRISMO?
Para Rocha (1994), o etnocentrismo pode ser visto por dois planos, o
plano intelectual e o plano afetivo. No plano intelectual o etnocentrismo pode
11
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
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TÓPICO 1 | CONCEITOS INICIAIS PARA ESTUDO DA ANTROPOLOGIA
Você já deve ter ouvido falar em noticiários, nas redes sociais e demais
meios de comunicação, sobre o grande aumento de casos de xenofobia. Mas, afinal,
o que é isso? O que a antropologia tem a ver com este fenômeno social?
13
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
4 IDEOLOGIAS ETNOCÊNTRICAS
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TÓPICO 1 | CONCEITOS INICIAIS PARA ESTUDO DA ANTROPOLOGIA
Existe uma forma mais sutil de lidar com o outro: mantendo a alteridade,
porém esta é pretexto para oprimi-lo.
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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
• Grandes navegações: Supremacia cristã, em que Deus era o único a ser venerado.
Durante as expedições ao Novo Mundo, costumes e rituais que não eram
cristãos, o demônio era retirado das pessoas pagãs.
• Época das luzes: A desqualificação do outro se dá pelo “atraso” em relação
à civilização ocidental, devido ao triunfo do racionalismo e do cientificismo.
Desejava-se expandir a “cultura” e o progresso sobre os continentes bárbaros.
Inúmeras barbáries em prol do progresso foram realizadas, destruições de
culturas, pilhagem econômica, opressão política e massacres.
• Racismo: Formulado com conceitos científicos, onde a raça branca era superior
às demais, que situavam entre os primatas superiores e o homem europeu, onde
se entende a Europa como centro (eurocentrismo). Veremos mais sobre racismo
na Unidade 3.
• Evolucionismo cultural: Prega que o europeu ou o wasp americano ocupe o
lugar mais alto da cultura, ou seja, é aquele em que a sociedade e a cultura
europeia são as mais evoluídas. A cultura é vista em etapas, todas caminharão
para a evolução, que no caso seria a visão europeia de cultura. Deste modo,
os “civilizados” controlariam as populações selvagens, bárbaras ou primitivas,
até que possam alcançar a evolução cultural ou maturidade cultural, conduzida
pelos europeus.
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TÓPICO 1 | CONCEITOS INICIAIS PARA ESTUDO DA ANTROPOLOGIA
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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
LEITURA COMPLEMENTAR
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TÓPICO 1 | CONCEITOS INICIAIS PARA ESTUDO DA ANTROPOLOGIA
DICAS
Para um melhor aprendizado, sugerimos que assista ao filme “ELE ESTÁ DE VOLTA”
(2015). Na trama baseada no livro Ele Está de Volta, de Timur Vermes, Hitler acorda de um longo
sono na Berlim de 2011. Completamente perdido, é confundido com um imitador perfeito,
torna-se celebridade instantânea e ganha um programa de televisão! Dirigido por David
Wnendt (Feuchtgebiete), o longa tem cenas filmadas com câmeras escondidas durante uma
espécie de turnê que a equipe fez com Oliver devidamente caracterizado. Foram nessas
interações que as pessoas se mostraram mais simpáticas com o político, o que estarreceu o
ator principal.
21
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico você viu que:
• Para Franz Boas, cultura era um todo integrado, e não um conjunto desagregado
de práticas, hábitos, técnicas, relações e pensamentos.
22
AUTOATIVIDADE
23
24
UNIDADE 1
TÓPICO 2
O QUE É ANTROPOLOGIA?
1 INTRODUÇÃO
Muito frequentemente surge o questionamento acerca do que é a
antropologia, e logo surge no imaginário algo bem primário, como a imagem
de uma pessoa vestida com roupas estilo safári ou como Indiana Jones. Primeira
informação a se saber sobre antropologia é: NÃO! Escavadores de túmulos ou
cavadores da arca perdida, assim como paleontólogos ou arqueólogos, não são
ANTROPÓLOGOS! De acordo com Rafael José dos Santos (2005, p. 17), no livro
Antropologia para quem não vai ser antropólogo, a antropologia é:
25
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
26
TÓPICO 2 | O QUE É ANTROPOLOGIA?
27
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
conhecimentos, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações
artísticas” (LAPLANTINE, 2000, p. 19).
LINHAGENS ANTROPOLÓGICAS
Mariza G. S. Peirano
28
TÓPICO 2 | O QUE É ANTROPOLOGIA?
africanas, as mudanças são aceitas e, neste caso, vistas como ‘conversão’. Este
foi o caso de Marshall Sahlins que, partindo de uma vertente economista-
ecológica, se converteu ao estruturalismo, como o atestam as mudanças de Stone
age economics (1972) para Cultura e razão prática (1979) ou Ilhas da história (1990).
29
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
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TÓPICO 2 | O QUE É ANTROPOLOGIA?
31
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
antropologia como ciência social no Brasil. O tema do índio surge como motivação
para se pensar a sociedade nacional “através da presença certamente ‘incômoda’
dos grupos tribais”, segundo Roberto Cardoso de Oliveira (1978). “O índio era um
indicador sociológico para os que estudavam a sociedade nacional, seu processo
expansionista e sua luta para o desenvolvimento – tanto quanto o negro havia
servido ao mesmo propósito para Florestan Fernandes” (PEIRANO, 2000, p. 220).
DICAS
32
TÓPICO 2 | O QUE É ANTROPOLOGIA?
LEITURA COMPLEMENTAR
A antropologia hoje
Bela Feldman-Bianco
A antropologia constitui campo consolidado e dinâmico no Brasil que tem
obtido reconhecimento nacional e internacional pelos seus patamares de excelência
científica. Combinando o interesse em compreender o mundo com a preocupação
em desvendar os códigos culturais e os interstícios sociais da vida cotidiana, a
pesquisa antropológica é extremamente relevante para desvendar problemáticas
que estão na ordem do dia sobre a produção da diferença cultural e desigualdades
sociais, saberes e práticas tradicionais, patrimônio cultural e inclusão social e, ainda,
desenvolvimento econômico e social. No quadro da globalização contemporânea,
além de contribuir cada vez mais para a formulação de políticas públicas e
propostas para a sociedade, a antropologia apresenta os aparatos necessários para
expor a dimensão humana da ciência, tecnologia e inovação. Ao mesmo tempo,
no curso de seus processos de transformação e internacionalização, surgem novos
desafios e perspectivas para o ensino, a pesquisa e a atuação de antropólogos e
antropólogas.
33
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
34
TÓPICO 2 | O QUE É ANTROPOLOGIA?
35
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico você viu que:
36
AUTOATIVIDADE
Correlacione as colunas:
37
38
UNIDADE 1
TÓPICO 3
METODOLOGIA DA ANTROPOLOGIA
1 INTRODUÇÃO
Já sabemos o que é antropologia, como surgiu, mas qual é o método
utilizado pelos antropólogos? Como eles realizam suas pesquisas? De que forma
desenvolvem suas teorias? Como é sua coleta de dados?
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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
40
TÓPICO 3 | METODOLOGIA DA ANTROPOLOGIA
FIGURA 8 – A ETNOGRAFIA
FIGURA 9 - ANTROPÓLOGOS
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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
UNI
3 O OLHAR DO PESQUISADOR
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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
Ao se olhar para esta refração, pode ser melhor compreendida. Desta forma
conseguimos “captar” o máximo de informações que nosso olhar busca. Para tanto
é importante nos apropriarmos a respeito do que estamos pesquisando. Realizar
um estudo prévio sobre nosso objeto de pesquisa é imprescindível, para que
nosso olhar esteja “sensível” ao que estivermos deparando, fazendo a leitura dos
espaços, grupos, com mais propriedade, e ambientados ao tema.
4 O OUVIR DO PESQUISADOR
Ao olhar, acionamos também outros sentidos, e o ouvir é o segundo
ponto importante para o antropólogo. Existem inúmeras construções a respeito
da relação entre “entrevistador e entrevistado”, como também há uma arraigada
tradição na literatura etnológica sobre a relação “pesquisador/informante”.
Segundo Malinowski (apud OLIVEIRA, 2000, p. 23), a tradição se consolida
apenas na realização da entrevista, nesta relação quando o etnólogo, ao “ouvir” o
informante, exerce um poder extraordinário sobre o mesmo. Contudo, na relação
pesquisador/informante o ato de ouvir pode ser ilusório, pois as perguntas feitas
em busca de respostas pontuais, junto à autoridade de quem as faz, desenvolverá
um campo ilusório de interação, demonstrando não haver interação entre o nativo
e pesquisador. Já na relação com o informante, o etnólogo não cria condições de
diálogo concreto. Não é uma relação dialógica. Porém, ao transformar o informante
em “interlocutor”, outra modalidade de relacionamento se constrói. Deste modo,
os horizontes semânticos, do pesquisador e do nativo, se abrem um ao outro,
transformando o que seria um “confronto” em um “encontro etnográfico”.
Quando se gera um espaço semântico compartilhado pelos dois, ocorre uma
“fusão de horizontes”. Para que isto ocorra é importante que o pesquisador tenha
habilidade de ouvir o nativo e por ele ser ouvido, “construindo um diálogo entre
“iguais”, sem receio de estar contaminando o discurso do nativo com elementos de
seu discurso” (OLIVEIRA, 2000, p. 24).
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TÓPICO 3 | METODOLOGIA DA ANTROPOLOGIA
5 O ESCREVER DO PESQUISADOR
Ação de escrever define-se como a configuração final do produto do
trabalho. De acordo com Clifford Geertz (1978), o trabalho empírico poderia ser
dividido em duas partes: a primeira seria o “estar dentro do campo” ou “estando
lá” (being there) e a segunda seria o “estando aqui” (being here), onde se trabalharia
os dados coletados em campo. Neste sentido, olhar e ouvir fariam parte do “estando
lá” e escrever seria o “estando aqui”. Escrever, no estágio “estando aqui”, seria o
processo de textualização dos fenômenos socioculturais observados “estando lá”.
Para tanto, estar entre os pares, no seio da comunidade profissional, é de extrema
importância.
O texto pode e deve ser escrito e reescrito inúmeras vezes, para aperfeiçoar
sua forma metodológica, assim como para melhorar a veracidade das descrições
e da narrativa, e também para que ocorra uma maturidade e aprofundamento da
análise e consolidação dos argumentos expostos a partir dos dados apresentados.
Claudia Fonseca (2006), em seu texto Classe e a recusa etnográfica, inicia sua
argumentação discorrendo sobre a falta de trabalhos sobre classe. Contrastando
com outras áreas onde as pesquisas são diversas, o tema classe é pouco discutido.
Uma falta significativa para a sociedade, em que muitos trabalhos etnográficos
contribuem para o conhecimento de suas especificidades.
45
UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
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TÓPICO 3 | METODOLOGIA DA ANTROPOLOGIA
Contudo, pelo fato de o pesquisador “dar uma mão” aos seus pesquisados,
ele corre dois perigos:
- Resistência “Reificada”, quando se reduz o modo de vida da população
estudada aos seus aspectos “reativos”, ignorando a historicidade endógena de
mundos locais.
- Idealismo romântico, em que, admitida a possibilidade de algo
“endógeno”, esse modo de vida seja positivo a tal ponto que não se enxerga mais
conflitos, desigualdades ou formas de dominação inerentes às dinâmicas internas
do grupo, produzindo uma imagem caricata do grupo, dificultando a etnografia
densa.
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TÓPICO 3 | METODOLOGIA DA ANTROPOLOGIA
LEITURA COMPLEMENTAR
O TRABALHO DE CAMPO1
Bronislaw Malinowski
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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
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TÓPICO 3 | METODOLOGIA DA ANTROPOLOGIA
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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANTROPOLOGIA
selvagem. De facto, como sabiam que iria meter o nariz em tudo, mesmo onde um
nativo bem-educado não sonharia fazê-lo, acabaram por me encarar como parte
integrante das suas vidas, um mal ou um aborrecimento necessário, mitigado por
donativos em tabaco.
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RESUMO DO TÓPICO 3
• O pesquisador, ao olhar seu objeto, deve “domesticar” seu olhar, ou seja, treiná-
lo, induzi-lo à disciplina, como também realizar um estudo prévio sobre nosso
objeto de pesquisa é imprescindível, para que nosso olhar esteja “sensível” com o
que estivermos nos deparando.
• É importante que o pesquisador tenha habilidade de ouvir o nativo e por ele ser
ouvido, “construindo um diálogo entre “iguais”, sem receio de estar contaminando
o discurso do nativo com elementos de seu discurso.
53
AUTOATIVIDADE
54
e gurias no laguinho. Aceitar o campo é mais uma espécie de “relaxar”,
deixar as coisas acontecerem naquele espaço, sem muitas reflexões. E com
isso também trabalho com os meus pré-julgamentos morais.
Dividimos os doces, e comemos juntos naquele dia. E recordo que
olhei para meus pés e roupas e percebi que estava bem suja. Comento isso a
um deles, que me olhou concordando, fazendo uma careta. As pessoas que
passavam pela praça nos olhavam e me olhavam com uma cara interrogativa
e ao mesmo tempo sorriam. Encontrei um menino que conheci no Ação Rua,
e ele me perguntou se aquelas crianças eram meus filhos, eu disse que não.
E depois percebi que era assim que estavam nos vendo. Eu poderia ser mãe
daquelas crianças, e poderia ser confundida também porque todos eram
negros. Os guris e Gisele se sentiram bem à vontade com minha presença.
Consegui conversar com Gisele que sempre era bastante arredia. Neste dia
dividiu algumas confidências em relação aos meninos que já tinha ficado e o
menino que gostava que por sinal eu conhecia, pois também era frequentador
do lago. Neste dia, me senti “parte” do grupo, talvez este momento tenha
sido meu ritual de passagem no campo, me senti mais à vontade com eles e
percebi que eles também estavam mais à vontade comigo, pena que o tempo
de pesquisa já estava terminando”.
FONTE: Brincando de sair pra rua! Entre arreganhos, implicâncias e cuidados no “pátio” do
quilombo, na “piscina” do laguinho. Dissertação de mestrado-2014 – PUCRS – Milena Cassal
Pereira.
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56
UNIDADE 2
PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS
DA ANTROPOLOGIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em três tópicos. Neles você encontrará dicas,
textos complementares, observações e atividades que lhe darão uma maior
compreensão dos temas a serem abordados.
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UNIDADE 2
TÓPICO 1
A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO
ANTROPOLÓGICO
1 INTRODUÇÃO
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UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
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TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
NOTA
Os iroquereses pertencem a uma das cinco diferentes nações que vivem em torno
da região dos Grandes Lagos na América do Norte, envolvendo Canadá e Estados Unidos. E
suas terras já foram alvo de disputas comerciais no século XVI, sendo que Morgan os defendeu
através de uma petição.
Há uma premissa de unidade psíquica humana, uma vez que, ao tê-la como
objeto de estudo, Tylor percebe a capacidade de raciocínio de seus informantes,
ainda que seja numa linha progressiva. Através de tabelas comparativas, o autor
evidenciou leis gerais que explicariam as associações humanas ou conexões
históricas particulares, e esse modo de análise influenciou outros antropólogos
culturais. Assim sendo, seu principal interesse de pesquisa foi sobre a origem
humana e, na sequência, sobre evolução de crenças na religião, sendo esta última,
produto de esforço das pessoas para explicar o mundo.
61
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
Ele é conhecido como o Pai da Antropologia Cultural, uma vez que tentou
definir o que é cultura através de um conceito científico. Para Tylor, cultura ou
civilização é todo aquele complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral
lei, costume e outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem em condição
de membro da sociedade. Entretanto, essa conceituação que trata a humanidade
como homogênea pode ser limitada para compreender a diversidade social ou
cultural, ao mesmo tempo em que deixa de lado a especificidade da história de
vida desses povos e o contexto da sua localização geográfica.
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TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
NOTA
A obra "O ramo de ouro" (1890), de Frazer, afirmava que a magia nas sociedades
primitivas poderia, então, ser pensada como ciência aplicada ou tecnológica nas sociedades
contemporâneas, considerando uma linha contínua e de caráter progressista em que a magia
está numa ponta e a ciência na outra. Cabe lembrar que essa obra não está pautada num
trabalho de campo propriamente dito, mas numa compilação de mitos, lendas, relatos de magia
e religião dispostos em acervo documental. Caso queiram acessar a obra digitalizada numa
versão ilustrada, o link é <http://www.classicos12011.files.wordpress.com/2011/03/45354652-o-
ramo-de-ouro-sir-james-george-frazer-ilustrado.pdf>.
63
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
64
TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
NOTA
No final do século XIX, os Inuit diminuíram sua população por causa da alteração
da dieta e das doenças europeias, em consequência do contato constante com os europeus.
Houve um declínio da caça de baleias e aumento da caça de raposas objetivando o comércio
com os fabricantes europeus. Já no século XX, os Inuit se tornaram mais sedentários,
dispersando-se entre outros povos “modernos”. Uma das comunidades mais conhecidas das
Ilhas Baffin é Cape Dorset, que é reconhecida em todo o mundo pelas esculturas em pedra-
sabão, gravuras e desenhos de seus artistas Inuit.
Para Boas (2004), em primeiro lugar não havia apenas UMA cultura
humana, em evolução linear como propunham os evolucionistas, e sim “culturas”,
no plural. E estas culturas em nada teriam de comportamento animal, como
estabeleciam as ciências naturais.
Para ele, haveria dinâmicas dos processos culturais em que novos elementos
eram incorporados a um padrão tradicional. Sendo assim, existiriam níveis de
integração dos elementos em conjuntos culturais, de modo a se referenciar por
um padrão tradicional que é expresso em categoriais definidas e universais. Aqui,
há uma preocupação de integração do autor entre os elementos em conjuntos
concebidos como uma integração psicológica, fundada em ideias das relações
dos elementos baseadas em categorias internalizadas inconscientemente e na
integração histórica, de acidentes no contato entre culturas sujeitas a mudanças.
Na Antropologia, Boas se destacou por dar importância ao trabalho de
campo e ao esforço de compreensão da linguagem de outros povos, trazendo um
rigor metodológico (influência do romantismo alemão) e profissionalizando esta
disciplina nos EUA. Ele desenvolveu uma perspectiva antiteórica, em que não
reforçou a ideia da humanidade, sendo esta somente alcançada através de uma
comparação metódica dos processos históricos dos diferentes povos.
66
TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
DICAS
67
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
NOTA
68
TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
NOTA
69
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
DICAS
70
TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
71
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
NOTA
72
TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
DICAS
73
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
LEITURA COMPLEMENTAR
Ítalo Calvino
Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou
relendo..." e nunca "Estou lendo...".
Isso acontece pelo menos com aquelas pessoas que se consideram "grandes
leitores"; não vale para a juventude, idade em que o encontro com o mundo e com
os clássicos como parte do mundo vale exatamente enquanto primeiro encontro.
O prefixo reiterativo antes do verbo ler pode ser uma pequena hipocrisia
por parte dos que se envergonham de admitir não ter lido um livro famoso. Para
tranquilizá-los, bastará observar que, por maiores que possam ser as leituras "de
formação" de um indivíduo, resta sempre um número enorme de obras que ele não
leu. Quem leu tudo de Heródoto e de Tucídides levante a mão. E de Saint-Simon? E
do cardeal de Retz? E também os grandes ciclos romanescos do Oitocentos são mais
citados do que lidos. Na França, se começa a ler Balzac na escola, e pelo número de
edições em circulação, se diria que continuam a lê-lo mesmo depois. Mas na Itália,
se fosse feita uma pesquisa, temo que Balzac apareceria nos últimos lugares. Os
apaixonados por Dickens na Itália constituem uma restrita elite de pessoas que,
quando se encontram, logo começam a falar de episódios e personagens como se
fossem de amigos comuns. Faz alguns anos, Michel Butor, lecionando nos Estados
Unidos, cansado de ouvir perguntas sobre Emile Zola, que jamais lera, decidiu ler
todo o ciclo dos Rougon-Macquart. Descobriu que era totalmente diverso do que
pensava: uma fabulosa genealogia mitológica e cosmogônica, que descreveu num
belíssimo ensaio. Isso confirma que ler pela primeira vez um grande livro na idade
madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior ou
menor) se comparado a uma leitura da juventude. A juventude comunica ao ato de
ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância particulares; ao
passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes,
níveis e significados a mais. Podemos tentar então esta outra fórmula de definição:
74
TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes
descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos em saber), mas
desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de
maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação, como
sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de uma pertinência. De
tudo isso poderíamos derivar uma definição do tipo:
— Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir
dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.
Com esta definição nos aproximamos da ideia de livro total, como sonhava
Mallarmé. Mas um clássico pode estabelecer uma relação igualmente forte de
oposição, de antítese. Tudo aquilo que Jean-Jacques Rousseau pensa e faz me
agrada, mas tudo me inspira um irresistível desejo de contradizê-lo, de criticá-lo,
de brigar com ele. Aí pesa a sua antipatia particular num plano temperamental,
mas por isso seria melhor que o deixasse de lado; contudo não posso deixar de
incluí-lo entre os meus autores. Direi, portanto:
76
TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
— O "seu" clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve
para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.
Creio não ter necessidade de justificar-me se uso o termo clássico sem fazer
distinções de antiguidade, de estilo, de autoridade. (Para a história de todas essas
acepções do termo, consulte-se o exaustivo verbete "Clássico", de Franco Fortini,
na Enciclopédia Einaudi, vol. III). Aquilo que distingue o clássico no discurso
que estou fazendo talvez seja só um efeito de ressonância que vale tanto para
uma obra antiga quanto para uma moderna, mas já com um lugar próprio numa
continuidade cultural. Poderíamos dizer:
— Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu
antes os outros e depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia.
A esta altura, não posso mais adiar o problema decisivo de como relacionar
a leitura dos clássicos com todas as outras leituras que não sejam clássicas.
Problema que se articula com perguntas como: "Por que ler os clássicos em vez de
concentrar-nos em leituras que nos façam entender mais a fundo o nosso tempo?"
e "Onde encontrar o tempo e a comodidade da mente para ler clássicos, esmagados
que somos pela avalanche de papel impresso da atualidade?" É claro que se pode
formular a hipótese de uma pessoa feliz que dedique o "tempo-leitura" de seus dias
exclusivamente a ler Lucrécio, Luciano, Montaigne, Erasmo, Quevedo, Marlowe,
o Discours de la méthode, Wilhelm Meister, Coleridge, Ruskin, Proust e Valéry,
com algumas divagações para Murasaki ou para as sagas islandesas. Tudo isso
sem ter de fazer resenhas do último livro lançado nem publicações para o concurso
de cátedra e nem trabalhos editoriais sob contrato com prazos impossíveis. Essa
pessoa bem-aventurada, para manter sua dieta sem nenhuma contaminação,
deveria abster-se de ler os jornais, não se deixar tentar nunca pelo último romance
nem pela última pesquisa sociológica. Seria preciso verificar quanto um rigor
semelhante poderia ser justo e profícuo. O dia de hoje pode ser banal e mortificante,
mas é sempre um ponto em que nos situamos para olhar para a frente ou para
trás. Para poder ler os clássicos, temos de definir "de onde" eles estão sendo lidos,
caso contrário tanto o livro quanto o leitor se perdem numa nuvem atemporal.
Assim, o rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que sabe
alterná-la com a leitura de atualidades, numa sábia dosagem. E isso não presume
necessariamente uma equilibrada calma interior: pode ser também o fruto de um
nervosismo impaciente, de uma insatisfação trepidante.
77
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
Resta o fato de que ler os clássicos parece estar em contradição com nosso
ritmo de vida, que não conhece os tempos longos, o respiro do otium humanista;
e também em contradição com o ecletismo da nossa cultura, que jamais saberia
redigir um catálogo do classicismo que nos interessa.
Verifico que Leopardi é o único nome da literatura italiana que citei. Efeito
da explosão da biblioteca. Agora deveria reescrever todo o artigo, deixando bem
claro que os clássicos servem para entender quem somos e aonde chegamos, e
por isso os italianos são indispensáveis, justamente para serem confrontados
com os estrangeiros, e os estrangeiros são indispensáveis exatamente para serem
confrontados com os italianos. Depois deveria reescrevê-lo ainda uma vez para
que não se pense que os clássicos devem ser lidos porque "servem" para qualquer
coisa. A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que
não ler os clássicos.
E se alguém objetar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran (não
um clássico, pelo menos por enquanto, mas um pensador contemporâneo que só
agora começa a ser traduzido na Itália): "Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates
estava aprendendo uma ária com a flauta. "Para que lhe servirá?", perguntaram-
lhe. "Para aprender esta ária antes de morrer".
FONTE: Adaptado. CALVINO, Itálo. Por que ler os clássicos. Companhia das Letras, 1993.
Disponível em: <http://www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/classicos.html>. Acesso em: 3 jun.
2016.
78
RESUMO DO TÓPICO 1
Nesse tópico você viu que:
• Para se constituir como ciência, a Antropologia se baseou nas teorias das Ciências
Naturais.
• A busca por leis gerais da sociedade foi uma preocupação inicial da Antropologia.
• Cada vez mais os antropólogos saíram dos escritórios e foram a campo, fazer
etnografia.
79
AUTOATIVIDADE
3 Visite um local diferente do seu cotidiano. Pode ser uma igreja, um mercado,
um parque, um serviço de saúde. Passe ali um turno observando tudo o que
acontece, podendo interagir com o ambiente e as pessoas. Depois, em casa,
produza um diário de campo sobre essa experiência, detalhando os seus
estranhamentos e percepções das situações vistas, fazendo comentários e
trazendo as descrições do que viu, ouviu e sentiu em campo. Essa atividade
fará com que você vivencie por um momento a experiência do trabalho
de campo, de modo a se aproximar das metodologias utilizadas pelos
antropólogos.
80
UNIDADE 2 TÓPICO 2
1 INTRODUÇÃO
Depois de conhecer o panorama geral da emergência da Antropologia
como ciência, vamos nos aprofundar em cada escola que se apropriou dessa
disciplina a fim de avançar em relação às suas teorias e suas metodologias. Essa
divisão geográfica e temporal permitirá que se dê conta das especificidades de
estudos antropológicos, e se conheça a possibilidade de reflexão a partir dessa
matéria. Vamos lá então, acadêmico?
2 A ESCOLA FRANCESA
81
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
82
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
ser social – pensa sua experiência através de conceitos. Por conseguinte, sendo
possível o estudo dessas representações, a ciência sociológica pretende acessá-
las através de fenômenos por meio dos quais o grupo representa as suas práticas
sociais no mundo, como, por exemplo, os ritos e os símbolos. A fim de alcançar
o conhecimento das outras sociedades, o autor se vale do método comparativo
cartesiano para a análise das diferentes “representações coletivas” existentes, e
assim, diferencia esta disciplina da Psicologia que, para Durkheim, tinha como
objeto de estudo as “representações individuais”.
DICAS
Essa certa consciência social poderia ser mantida nos ritos – como
agenciando “representações coletivas” –, que seriam atualizados e reafirmados na
sociedade em questão ao mesmo tempo em que a ação social realizada perpassaria
o indivíduo e reforçaria o “todo”. Assim, a eficácia do rito mantém (cria e recria)
a materialidade da sociedade por meio da conexão do indivíduo ao seu coletivo
por esse “fato social” que é exterior aos sujeitos; logo, conhecer os símbolos
dessas representações torna possível mensurá-los, e assim, formular hipóteses e
explicações sociais.
83
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
84
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
Por conseguinte, Mauss (1974) propaga três obrigações totais desse sistema
de prestação: (1) obrigação de dar, em que se deve oferecer a outros clãs coisas
para mostrar que se é favorecido pelos espíritos e por riquezas, e então coloca o
donatário em relação de dívida estabelecendo um vínculo jurídico; (2) obrigação
de receber, em que se deve aceitar o compromisso, e não agir dessa maneira seria
recusar a aliança e a comunhão; e (3) a obrigação de retribuir, de dar de volta o
"hau" da coisa dada, de maneira a colocar-se em constante troca com quem deu
algo.
Para Mauss (1974), há na “coisa dada” uma virtude produtora que explicita
a personalidade do clã daquele que deu a “coisa”, forçando as dádivas a circularem
entre as sociedades. Entretanto, o autor chega a esta explicação a partir da
conclusão nativa sobre o “hau”, de que um indivíduo dá o objeto a outrem, sendo
esse transferido para uma terceira pessoa, o último deve devolver este “espírito da
coisa dada” através de algo de maior valor simbólico, até que se chegue ao primeiro
doador, estabelecendo entre eles um “vínculo das almas” numa constante troca,
que fundaria a reciprocidade.
DICAS
86
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
DICAS
88
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
Baseada nessa análise, a observação empírica do fato social total não seria
suficiente para apreender a realidade em sua totalidade, como pensava Mauss, o
que faz Lévi-Strauss chamar a atenção de que o observador é da mesma natureza
que seu objeto, e essa questão deveria ser considerada como parte da observação.
Assim, não haveria uma dicotomia rígida entre o sujeito e o fato social, e o etnógrafo
deveria se esforçar para viver o fato como indígena, mas tendo noção da dimensão
entre a sua teoria e a teoria indígena.
89
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
Assim, para este autor teríamos o produto social como sistema simbólico,
e o antropólogo deveria se esforçar para dar uma explicação nativa baseada numa
explicação antropológica. Esse raciocínio contribui com os estudos antropológicos
posteriores.
DICAS
3 A ESCOLA AMERICANA
Outra vertente emerge nos anos de 1920, baseada numa relação entre
“cultura e personalidade”. Essa perspectiva centrou-se na personalidade dos
membros de cada sociedade, os considerando como produto de sua cultura.
Tinha duas etapas claras: a primeira, influenciada pela psicologia, considerando
o indivíduo como principal objeto de pesquisa; e a segunda, mais voltada para as
noções de “personalidade básica” e de caráter nacional. As principais expoentes
destacadas dessa escola são Ruth Benedict e Margaret Mead. O contexto é pós 1ª
Guerra Mundial e início da 2ª Guerra Mundial, no qual se deseja compreender as
lógicas de outras sociedades objetivando uma ação militar mais harmoniosa.
90
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
Ruth Fulton Benedict (1887-1948) nasceu em Nova York, nos EUA. Em 1919
iniciou seus estudos de Antropologia na New School for Social Research, e no ano de
1922 matriculou-se na Columbia University e trabalhou como assistente de Franz
Boas no Barnard College. Ali se inspirou para a realização da primeira experiência
de campo entre os Serranos no sul da Califórnia, e desenvolveu uma pesquisa
comparativa entre os índios americanos, resultando em material para sua defesa
de doutoramento em 1923.
91
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
O método utilizado é o fato de que cada membro tem sua “história de vida”
como prova concreta da acomodação aos padrões tradicionalmente transmitidos
pela cultura que vive. Desse modo, a antropóloga reforça sua defesa de que a cultura
não seria transmitida biologicamente e se contrapõe ao método evolucionista, que
pretende agrupar fragmentos culturais de épocas e locais distintos para estabelecer
a historicidade da conduta humana, como também já criticava Boas.
Ela foi uma das primeiras antropólogas a estudar a educação das crianças
e a estabelecer uma relação positiva para a dicotomia “nós” e “eles”. Em 1928,
defendeu sua tese de doutorado e tornou-se assistente em etnologia do Museum of
Natural History. Em seguida ganhou uma bolsa de pesquisa para viajar por alguns
meses nas Ilhas do Almirantado. Em 1930 publicou o livro intitulado “Organization
of Manu’a”, explicitando as estruturas sociais dos Manus, destacando a questão do
parentesco.
93
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
94
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
DICAS
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UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
96
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
97
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
antropologia mais incitar, propor perguntas, refinar debates do que fazer grandes
afirmações, gerar consensos e estabelecer explicações definitivas.
Na sua obra “A interpretação das culturas”, de 1989, quando trata da pessoa,
do tempo e da conduta em Bali, Geertz se interessa no como se define as pessoas e
como elas são percebidas na interação com outras pessoas. Assim, ele aposta numa
investigação empírica e sistemática em que a experiência do Outro está imbuída
de uma troca constante de símbolos significantes. Seu foco – do estudo da cultura
– são os mecanismos empregados pelos indivíduos ou grupos de indivíduos ao
se situar(em) no mundo. Objetiva-se a compreensão da estrutura significativa da
experiência sem perder de vista a dimensão temporal.
98
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
DICAS
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UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
4 A ESCOLA BRITÂNICA
100
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
101
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
Turner vai tratar sobre a relação entre a communitas e estrutura social, que
são modalidades humanas (mais em analogia do que em oposição). Ele diz que
nenhuma delas predomina sobre a outra, mas sim há uma relação dialética entre
elas que se sustenta no caráter de humanidade para além da posição social, em que
o ser precisa estar à “margem” da sociedade em alguns momentos, como durante
um processo ritual, até para se restabelecer na estrutura.
DICAS
102
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
103
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
Nada é puro ou impuro de forma absoluta. Por isso, é durante os rituais que
as cosmologias dos símbolos se revelam e se definem, explicitando classificações
simbólicas atribuídas às práticas sociais sobre o que é puro, poluído ou perigoso
naquela sociedade. Esse poder arbitrário na função dos símbolos se estabelece a
partir do que faz sentido para o sistema social, ao mesmo tempo em que legitima
a ordem hierárquica dentro de uma sociedade.
O rito aparece como código simbólico que se modifica pela própria maneira
como se exprime, ou seja, há uma eficácia simbólica do rito. Pode-se dizer, assim,
que sagrado e impuro estão baseados num princípio da diferenciação pelo qual se
pauta a sociedade em questão. Se o símbolo é pensado na esfera do arbitrário, logo
não é natural, e os estudos de Douglas sobre os símbolos naturais demonstram a
dialética entre a observância e o desprezo das normas rituais presentes em várias
culturas.
104
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
DICAS
Para conhecer mais sobre o trabalho de E. Leach, vale a pena acessar a análise
feita pela antropóloga Mariza Peirano no link: Disponível em: <http://www.marizapeirano.com.
br/capitulos/2014_leach.pdf>.
105
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
LEITURA COMPLEMENTAR
François Laplantine
[...]
Determinações culturais
A antropologia americana
Tendo tido um crescimento rápido com o impulso especialmente do
evolucionismo e de seu principal teórico, Lewis Morgan, pode ser caracterizada
da seguinte maneira:
106
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
A antropologia britânica
Seu crescimento, também muito rápido, como nos Estados Unidos, deve
ser relacionado à importância de seu império colonial. Pode ser caracterizada das
seguintes formas:
107
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
um antropólogo que pode ser considerado como um dos mais importantes da Grã-
Bretanha, Leach, não hesita em qualificar-se de “empirista”, e até de “materialista”,
e vê a abordagem de um Lévi-Strauss como tipicamente francesa: racionalista e
idealista.
A antropologia francesa
108
TÓPICO 2 | PERSPECTIVAS CLÁSSICAS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA
FONTE: Adaptado de LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo, Brasiliense, 1987.
109
RESUMO DO TÓPICO 2
Nesse tópico você viu que:
• Estrutura social, sistema social e as relações sociais são questões que perpassam
o interesse antropológico.
110
AUTOATIVIDADE
111
112
UNIDADE 2
TÓPICO 3
INQUIETAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA
ANTROPOLOGIA
1 INTRODUÇÃO
Vimos, até aqui, quanto os conceitos vão se delimitando e explicitando
formas, modelos, perspectivas para interpretar as sociedades, entretanto, o
modo como elas são percebidas perpassa as definições dadas por pontos de vista
diferentes. Assim, percebemos que os próprios conceitos são construções que
podem ser questionadas, reinterpretadas e reavaliadas, o que tensiona ainda mais
os autores estudados até o momento no âmbito da Antropologia.
113
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
114
TÓPICO 3 | INQUIETAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA ANTROPOLOGIA
DICAS
115
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
116
TÓPICO 3 | INQUIETAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA ANTROPOLOGIA
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UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
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TÓPICO 3 | INQUIETAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA ANTROPOLOGIA
DICAS
119
UNIDADE 2 | PERSPECTIVAS SÓCIO-HISTÓRICAS DA ANTROPOLOGIA
LEITURA COMPLEMENTAR
Horace Minner
Tais feitiços e poções são obtidos de vários curandeiros cujos serviços devem
ser retribuídos por meio de presentes substanciais. No entanto, o curandeiro não
fornece as poções curativas para os fiéis, decidindo apenas os ingredientes que
nela devem entrar, escrevendo-os, em seguida, em linguagem antiga e secreta. Tal
escrita deve ser decifrada pelos herbanários, os quais, mediante outros presentes,
fornecem o feitiço desejado. O feitiço não é descartado depois de ter servido a seu
propósito, mas colocado na caixa de mágica do santuário doméstico.
120
TÓPICO 3 | INQUIETAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA ANTROPOLOGIA
O uso destes objetos no exorcismo dos perigos da boca implica uma quase
e inacreditável tortura ritual do fiel e, usando as ferramentas citadas, alarga
qualquer buraco que o uso tenha feito nos dentes. Se não se encontram buracos
naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são serradas, para que
a substância sobrenatural possa ser aplicada. Na imaginação do fiel, o objetivo
destas aplicações é deter o apodrecimento dos dentes e atrair amigos. O caráter
extremamente sagrado e tradicional do mito fica evidente no fato de que os nativos
retornam, todo ano, ao ‘homem-da-boca-sagrada’, embora seus dentes continuem
a se deteriorar. Os curandeiros possuem um templo imponente, o Latipsoh, em
cada comunidade, de algum tamanho. As cerimônias mais elaboradas, necessárias
para o tratamento de fiéis considerados muito doentes, só podem ser realizadas
neste templo. Tais cerimônias envolvem não só o taumaturgo, mas também um
grupo permanente de vestais que se movimentam nas câmaras do templo com
uma roupa distintiva.
possuem meios para tanto. Os guardiães do templo, não importa quão doente o
suplicante esteja ou quão grave a emergência, não admitem o fiel se ele não puder
dar um rico presente ao zelador.
FONTE: MINNER, Horace. Body ritual among the Nacirema. American Anthropologist, 1956.
122
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você viu que:
• O conceito de cultura não está pronto e fechado, e pode ser pensado como
invenção.
123
AUTOATIVIDADE
124
UNIDADE 3
TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM
ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em três tópicos. Neles você encontrará dicas,
textos complementares, observações e atividades que lhe darão uma maior
compreensão dos temas a serem abordados.
125
126
UNIDADE 3
TÓPICO 1
1 INTRODUÇÃO
2 EDUCAÇÃO E ANTROPOLOGIA
128
TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
teor de maldade e bondade? Mas então, quais critérios utilizaremos para pensar
de que lado estamos? O que sabemos sobre cada lado? Que informações vêm até
mim? Como as informações chegam? Será que existem outras maneiras de eu
conhecer essa realidade? Aqui, não queremos condenar ou vitimizar um dos lados,
entretanto, estar aberto para conhecer versões nos torna mais sensíveis para talvez
perceber que estamos errados. E que bom, pois errar é humano, e "sair de cima do
muro" pode ser muito compensador.
DICAS
129
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Entretanto, hoje em dia, cada vez mais a aprendizagem formal tem sido exigência
para as vagas de empregos nas diferentes áreas, logo, as formações, graduações
e especializações ensinam não só o conteúdo, mas como se posicionar, como se
relacionar no ambiente de trabalho e como se socializar na área de conhecimento
desejado. Ou seja, a instituição escolar deixou de permear uma fase da vida do
indivíduo para permear a vida do indivíduo retomando a ideia de que a socialização
permitida nesse âmbito favorece aprendizagens distintas.
130
TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
Cada aula é uma aula, cada turma é uma turma, cada escola é uma escola, e
apesar do processo educacional que desempenha, a vivência do docente é única. Por
isso, cabe continuar considerando a sala de aula como um espaço de construção de
ideias, valores e visões de mundo que o professor provoca para intermediar o que
deve ser conhecido e o que apreende a subjetividade do aluno (MIZUKAMI, 1986),
deixando de lado a aplicação de fórmulas pedagógicas que limitam a atuação do
aluno. Estimular essas potencialidades dos estudantes para ser mais pertinente
para uma educação mais democrática e inclusiva, como veremos adiante. Ainda
que o aluno não possa ter liberdade total em sala de aula, afinal de contas está
em uma instituição escolar, com regras e éticas, ele precisa de um “clima” na sala
de aula que possibilite liberdade para aprender, assim como descreve Mizukami
(1986), quando fala da abordagem humanista, e não de um ambiente em que o
professor os faça se sentirem oprimidos ou culpados por uma situação estrutural
do sistema econômico refletido na escola.
131
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
De modo que o método de o professor expor a sua aula não deixa claras
as contradições entre o “currículo oficial”, das normas e orientações da instrução
formal e o “currículo oculto”, dos valores e crenças não declarados que são
transmitidos aos estudantes junto com o conteúdo formal (GIROUX, 1997). Por
exemplos, podemos pensar no modo de sentar na sala de aula. O professor em
frente aos alunos demonstra poder, autoridade, sabedoria, mas em roda se coloca
em situação de igualdade com os estudantes para que todos possam se ver e
ser vistos. Quando o professor enfatiza alguns pensadores com mais ênfase do
que outros, vai inculcando nos estudantes, mesmo que não explicitamente, uma
simpatia com algumas ideologias em detrimento de outras, “introjetando” uma
espécie de “currículo oculto” em seus alunos. Entretanto, para se pensar uma
educação mais democrática, o professor tem de estar atento a que a teoria curricular
deveria contestar os discursos hegemônicos e não os legitimar (MOREIRA, 1995).
Por isso, Mészáros (2005) traz como proposta que o professor se afaste
dessa lógica do capital que influencia todos os âmbitos de nossas vidas, e também
a educação, que acaba por reproduzir às crianças valores perversos do capitalismo
que não as deixa mudar de ponto de vista sobre a construção social pautada
em normas brutas e cruéis. Nesse sentido, não se está negando o atual modelo
econômico, mas enfatiza-se que o professor paute a multiplicidade de processos
políticos possíveis, e não se baseie apenas no vigente para explicitar seus pontos
de vista. Levando-se em conta que currículo escolar de cada disciplina é que
direciona o que será ensinado em sala de aula, é necessário pensar no currículo
oferecido, pois, como demonstra Moreira (1995), currículo e o conhecimento são
indissociáveis, uma vez que os dois participam do processo pelo qual o indivíduo
adquire, assimila e constrói seu entendimento do mundo.
Dessa forma, o modo como olhamos o outro tem relação com o modo
como aprendemos o conhecimento, e esse é um aporte importante de reflexão. E
aqui, a antropologia que está amparada como conhecimento científico nos ajuda
a superar o etnocentrismo que pauta o mundo intersubjetivo, de modo que o
professor vai perceber sua visão etnocêntrica para tentar se afastar dela e superar
a sua própria cultura – tanto em termos políticos, econômicos e sociais – para
poder conhecer e compreender melhor a realidade de outro, podendo, com isso,
dividir com seus estudantes conteúdos mais plurais e diversos no âmbito da sala
de aula. Deste modo, a educação deve ser percebida como um projeto que pode ser
perverso, porque partindo da visão ocidental, ele é autocentrado, homogeneizador
e etnocêntrico. E ter consciência dessa questão faz com que o professor possa
relativizar seu posicionamento de uma maneira mais firme, e se abrir para uma
educação mais democrática, que seja inclusiva e dê conta das particularidades dos
estudantes, para que todos possam compartilhar as discussões e aprendizagens
em sala de aula de uma maneira profícua.
132
TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
DICAS
133
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
DICAS
Acesse o link a seguir e veja o trabalho do fotógrafo inglês Julian Germain, que
fotografou as salas de aula de vários locais do mundo em busca de mostrar essas diferenças
dos contextos escolares. Vale a pena refletir!
134
TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
Deste modo, o autor trabalha com a noção de capital cultural, que nada mais
é que um conjunto de códigos de linguagem, valores, costumes, saberes e gostos
próprios de uma cultura letrada e erudita que é transmitida como herança cultural
aos filhos dos indivíduos posicionados nos grupos sociais mais favorecidos. A
instituição escolar determina seu currículo tendo por embasamento os códigos
dessa cultura letrada e erudita, que por sinal também é a matriz da produção do
conhecimento científico. Deste modo, a família de origem dos indivíduos marca
de forma substancial a trajetória escolar do aluno. “O capital cultural é um ter
que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante
da ‘pessoa’, um ‘habitus’” (BOURDIEU, 1999b, p.74-75). Já Tura (2014, p. 439)
afirma que “A instituição escolar, ao conferir àquele que possui o capital cultural
o reconhecimento de seu saber e de sua competência – o diploma –, sanciona as
diferenças relativas à incorporação dos benefícios econômicos, sociais e culturais”
135
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
residente de 6 a 24 anos de idade, por grupos de idade e nível de ensino (%) (1)
Grandes Regiões
6 a 14 anos, 15 a 17 anos, 18 a 24 anos,
Branca
Preta ou parda
136
TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
137
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
LEITURA COMPLEMENTAR
TABUS ACERCA DO MAGISTÉRIO
Theodor Adorno
138
TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
139
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
satisfação com que correm "armados" por aí. Ao que tudo indica, eles reproduzem
de novo, ontogeneticamente, o processo filogenético, que gradualmente libertou
os homens da violência física. Todo o complexo da violência física, bastante
dotado de ambivalência e de forte conteúdo afetivo em um mundo em que ela é
exercida somente nas situações-limite por demais conhecidas, desempenha aqui
seu papel decisivo. Numa anedota famosa o condottiere Georg von Frundsberg
bate nos ombros de Lutero na Dieta de Worms dizendo: "Padrezinho, padrezinho,
agora segues um caminho perigoso". Uma atitude em que se misturam o respeito
pela independência do espírito e um desprezo. Ainda que tênue, por quem, não
portando armas, logo pode se tornar vítima de esbirros. Movidos por rancor, os
analfabetos consideram corno sendo inferiores todas as pessoas estudadas que se
apresentam dotadas de alguma autoridade, desde que não sejam providas de alta
posição social ou do exercício de poder, como acontece no caso do alto clero. O
professor é o herdeiro do monge; depois que este perde a maior parte de suas
funções, o ódio ou a ambiguidade que caracterizava o ofício do monge é transferido
para o professor.
140
TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
141
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
negá-la. Ele também é impelido nessa direção pela sociedade, e isto me parece
mais profundo.
A sociedade permanece baseada na força física, conseguindo impor suas
determinações quando é necessário somente mediante a violência física, por mais
remota que seja esta possibilidade na pretensa vida normal. Da mesma maneira,
as disposições da chamada integração civilizatória que, conforme a concepção
geral, deveriam ser providenciadas pela educação, podem ser realizadas nas
condições vigentes ainda hoje apenas com o suporte do potencial da violência
física. Esta violência física é delegada pela sociedade e ao mesmo tempo é
negada nos delegados. Os executantes são bodes expiatórios para os mandantes.
O modelo originário negativo – refiro-me a um imaginário de representações
inconscientemente efetivas, e não a uma realidade, a não ser que esta seja referida
de modo apenas rudimentar – é constituído pelo carcereiro ou, melhor ainda, o
suboficial. Não sei até que ponto é procedente a afirmação de que nos séculos
XVII e XVIII soldados veteranos eram aproveitados como professores nas escolas
primárias. Mas certamente esta crença popular é bastante característica para a
imagem do professor. A expressão "quem malha o traseiro", acima referida, tem
conotação militar; inconscientemente os professores talvez sejam imaginados
como veteranos, como uma espécie de mutilados, como pessoas que no âmbito
da vida propriamente dita do processo real de reprodução da sociedade não têm
nenhuma função, contribuindo apenas de um modo pouco transparente e pela
via de uma graça especial à continuidade do conjunto e de sua própria vida. Mas,
em decorrência dessa imagem, quem se opõe ao castigo físico defende o interesse
do professor ao menos tanto quanto o interesse do aluno. Só é possível esperar
alguma mudança neste complexo a que me refiro quando até o último resquício de
punição tiver desaparecido da memória escolar, como parece ser o caso na maior
parte dos Estados Unidos. [...]
Por fim, coloca-se a questão inevitável do "que fazer?", para a qual neste
caso, como em geral, considero-me extremamente desautorizado. Muitas vezes
esta questão sabota o desenvolvimento consequente do conhecimento, necessário
para possibilitar qualquer transformação. Nas discussões acerca dos problemas
aqui aventados já se automatizou a atitude do "é um belo discurso, mas a situação
se coloca de modo diferente para quem trabalha em meio à questão". De qualquer
modo, posso enumerar alguns aspectos sem qualquer pretensão sistemática ou de
resultados maiores. [...]
142
TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
LEITURA COMPLEMENTAR
PAULO FREIRE
me sugerem ou que me são sugeridos por outros. Assim, em nível de uma posição
crítica, a que não dicotomiza o saber do senso comum do outro saber, mais
sistemático, de maior exatidão, mas busca uma síntese dos contrários, o ato de
estudar implica sempre o de ler, mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo,
de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita. Mas ler não é
puro entretenimento, tampouco um exercício de memorização mecânica de certos
trechos do texto.
145
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Recusava, por isso mesmo, uma forma de trabalho em que fossem reservados
os primeiros momentos do curso para exposições ditas teóricas sobre matéria
fundamental de formação dos futuros educadores e educadoras. Momento para
discursos de algumas pessoas, as consideradas mais capazes para falar aos outros.
Minha convicção era outra. Pensava numa forma de trabalho em que, numa única
manhã, se falasse de alguns conceitos-chave – codificação, decodificação, por
exemplo — como se estivéssemos num tempo de apresentações, sem, contudo, nem
de longe imaginar que as apresentações de certos conceitos fossem já suficientes para
o domínio da compreensão em torno deles. A discussão crítica sobre a prática em
que se engajariam é o que o faria. Assim, a ideia básica, aceita e posta em prática,
é que os jovens que se preparariam para a tarefa de educadoras e educadores
populares deveriam coordenar a discussão em torno de codificações num círculo
de cultura com 25 participantes. Os participantes do círculo de cultura estavam
cientes de que se tratava de um trabalho de afirmação de educadores. Discutiu-se
com eles antes sua tarefa política de nos ajudar no esforço de formação, sabendo
que iam trabalhar com jovens em pleno processo de sua formação. Sabiam que
eles, assim como os jovens a serem formados, jamais tinham feito o que iam fazer.
A única diferença que os marcava é que os participantes liam apenas o mundo
146
TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
147
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
leitura do texto e a do contexto não exclui nenhuma das duas formas de linguagem
ou de sintaxe. Reconhece, todavia, que o escritor que usa a linguagem científica,
acadêmica, ao dever procurar tornar-se acessível, menos fechado, mais claro,
menos difícil, mais simples, não pode ser simplista. Ninguém que lê, que estuda,
tem o direito de abandonar a leitura de um texto como difícil porque não entendeu
o que significa, por exemplo, a palavra epistemologia.
148
TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
Aos que estudamos, aos que ensinamos e, por isso, estudamos também, se
nos impõe, ao lado da necessária leitura de textos, a redação de notas, de fichas de
leitura, a redação de pequenos textos sobre as leituras que fazemos. A leitura de
bons escritores, de bons romancistas, de bons poetas, dos cientistas, dos filósofos
que não temem trabalhar sua linguagem à procura da boniteza, da simplicidade
e da clareza (5). Se nossas escolas, desde a mais tenra idade de seus alunos, se
entregassem ao trabalho de estimular neles o gosto da leitura e o da escrita, gosto
que continuasse a ser estimulado durante todo o tempo de sua escolaridade,
149
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Ninguém escreve se não escrever, assim como ninguém nada se não nadar.
Ao deixar claro que o uso da linguagem escrita, portanto o da leitura, está em relação
com o desenvolvimento das condições materiais da sociedade, estou sublimando
que minha posição não é idealista. Recusando qualquer interpretação mecanicista
da História, recuso igualmente a idealista. A primeira reduz a consciência à pura
cópia das estruturas materiais da sociedade; a segunda submete tudo ao todo
poderosismo da consciência. Minha posição é outra. Entendo que estas relações
entre consciência e mundo são dialéticas (6). O que não é correto, porém, é esperar
que as transformações materiais se processem para que depois comecemos a
encarar corretamente o problema da leitura e da escrita. A leitura crítica dos textos
e do mundo tem que ver com a sua mudança em processo.
Notas
150
TÓPICO 1 | ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: TRABALHANDO A ANTROPOLOGIA NO ESPAÇO ESCOLAR
Esta carta foi retirada do livro Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa
ensinar (Editora Olho D'Água, 10. ed., p. 27-38), no qual Paulo Freire dialoga
sobre questões da construção de uma escola democrática e popular. Escreve
especialmente aos professores, convocando-os ao engajamento nesta mesma luta.
Este livro foi escrito durante dois meses do ano de 1993, pouco tempo depois de
sua experiência na condução da Secretaria de Educação de São Paulo.
151
RESUMO DO TÓPICO 1
152
AUTOATIVIDADE
153
154
UNIDADE 3
TÓPICO 2
DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
1 INTRODUÇÃO
155
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
156
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
157
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
158
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Tabela 8. Segundo Lais Abramo (2010), as desigualdades de gênero e raça são eixos
estruturantes da matriz da desigualdade social no Brasil que, por sua vez, está na
raiz da permanência e reprodução das situações de pobreza e exclusão social.
159
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
160
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
FONTE: https://www.google.com.br/search?q=tikuna&hl=pt-BR&biw=1280&bih=845&s
ite=webhp&tbm=isch&source=lnms&sa=X&ved=0ahUKEwi36bWxvPnPAhUEoD4KHSxk
A3cQ_AUIBygC#imgrc=6QivnBk6p3_50M%3A. Acesso em: 30 out. 2016.
UNI
161
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
UNI
O baobá é muito mais do que simplesmente uma árvore de grande porte que pode atravessar
um milênio e carrega consigo a força da resistência africana, a história da devoção do povo
negro e o poder de transformar os preconceitos. Em Recife a árvore serviu de motivo para
introduzir a discussão sobre racismo no dia a dia dos alunos e ajudou a transformar a maneira
como uns enxergavam os outros. Dentre os estados do Brasil, Pernambuco é o que tem maior
quantidade de baobás, estima-se pelas pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) que são cerca de 150 árvores. O baobá é uma árvore que fascina povos de
todo o mundo, mas no Brasil ela tem uma forte relação com a religiosidade do povo, sobretudo
o de matriz africana.
Diz a lenda que antes de serem embarcados nos navios negreiros, os escravizados africanos,
sob chibatadas eram obrigados a dar dezenas de voltas em torno de um imenso baobá,
enquanto depositam suas crenças, suas origens, seu território, enfim sua essência, para em
seguida serem batizados com uma identidade cristã-ocidental e enviados para o cativeiro.
Por isso o baobá passou a ser chamado de árvore do esquecimento, pois os escravos teriam
deixado ali toda sua memória (sabedoria).
162
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Nos EUA este tema vem sendo discutido com bastante afinco, desde a
chegada dos primeiros escravizados. O presidente Abraham Lincoln, em 1862,
convocou um grupo de negros para discutir tal tema. Colocando que os negros
não seriam aceitos pelos americanos, devido às “suas diferenças”, e sugeriria
que os negros retornassem para a África, mobilizando o congresso para que se
arrecadassem fundos para o retorno deles ao país de origem. As colocações de
Lincoln demonstram que “a crença de que há qualquer coisa nas relações entre
pessoas de diferentes raças que as diferencia nas relações entre pessoas da mesma
raça” (BANTON, 1977, p. 12).
163
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Oliver C. Cox (apud BANTON, 1977) apresenta os anos 1493 e 1494 como
marcos de influência de portugueses e espanhóis no novo mundo, causando assim
o princípio das modernas relações raciais. Marvin Harris (1964, apud BANTON,
1977) explica que o preconceito racial surge da ideologia do interesse das nações
europeias na exploração do trabalho negro. Arnold Rose (1951, apud BANTON,
1977) acredita que o surgimento das relações raciais data de 1793: com a invenção
da máquina de separar o algodão bruto das suas sementes, se renovou o interesse
dos plantadores em conservar escravizados. Inúmeras são as teorias que tentam
explicar o surgimento das diferenças raciais e suas relações.
165
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
166
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Para o movimento negro, utilizar este termo denota uma nova forma de
conceituar os descendentes de escravizados como pessoas que foram colocadas
em tal situação. Compreende-se que os africanos escravizados não nasceram sob
esta condição, mas sim foram submetidos, transformados e tornados escravos
pelo sistema político-econômico e pela instituição sociojurídica implantada pelos
conquistadores (FONSECA, 2009, p. 30-31). Segundo Dagoberto Fonseca (2009),
o escravo nasce, cresce e morre irremediavelmente preso à sua natureza, não há
transformação social possível para ele, até seus descendentes serão tratados como
escravos, filhos de uma natureza intransponível. Esta compreensão e redução da
natureza do escravo mantém a escravidão no imaginário social das sociedades. Ao
afirmar que na África a escravidão já era um sistema instituído, parece demonstrar
que o europeu/colonizador não cometeu erros ao acionar este sistema também, já
que ele (colonizador) mantinha o africano em sua “natureza” de escravo.
167
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
168
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
169
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Segundo Nina Lino Gomes (2005), etnia é outro termo ou conceito usado
para se referir ao pertencimento ancestral e étnico/racial dos negros e outros
grupos em nossa sociedade.
OU
170
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
171
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Gobbi (2006) relata que os livros didáticos, em sua maioria, ainda são
reproduzidos com pressupostos evolucionistas e valores etnocêntricos. Os povos
indígenas são mencionados como pertencentes ao passado, caracterizados como
primitivos e têm seus conhecimentos desconsiderados. As referências às culturas
não europeias são sempre em relação ou em comparação às culturas europeias,
dando a essas últimas uma valoração positiva, em detrimento das outras. O tom
evolucionista permeia a abordagem dos livros didáticos, onde a temática da
“evolução”, da história em “etapas” é bastante recorrente (TASSINARI; GOBI,
2008).
DICAS
172
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Nesse sentido, a ideia de que o sexo é natural vai ganhando cada vez mais
camadas que nos fazem repensar e estudar mais a questão. De alguma maneira
nascemos com certo sexo, mas isso não significa que ao longo dos anos vamos
nos identificar com ele, por isso temos de ter cuidado para respeitar as escolhas
das pessoas que se reconhecem com o sexo que nasceram ou não. Pois quem não
se reconhece sofre com isso, e a possibilidade da cirurgia de readequação genital
pode dar uma qualidade de vida melhor para essa pessoa.
DICAS
Indicamos o filme "Meu eu secreto", sobre crianças que nasceram com um sexo,
mas se reconhecem com outro gênero.
174
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Considerar uma pessoa diferente por ela ter um gênero ou outro, ou ela
se relacionar com quem quer que seja, é discriminação. Ainda hoje as mulheres
ganham menos que os homens e essa é uma luta de todos nós, pois se o trabalho é
o mesmo, nada mais justo que a pessoa, independente do sexo ou gênero, ganhar
a mesma coisa que o seu sexo ou gênero oposto. As questões sexuais ainda são
consideradas tabu em nossa sociedade, por isso a intransigência em aceitar/
reconhecer que outras pessoas difiram do padrão heteronormativo deve ser
combatida. Ninguém deve ser vítima de violência por querer se identificar com
um gênero ou se relacionar com uma pessoa ou outra.
175
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
punir criminalmente quem discrimina é uma medida para combater que novas
injustiças possam ocorrer, bem como trabalhar essas questões em sala de aula
pode permitir educar para a diversidade.
DICAS
177
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
DICAS
1) MINHA VIDA EM COR DE ROSA (1996) – Ludovic é uma garota transsexual que
está começando a assumir sua verdadeira identidade perante o mundo. Seu desejo é se casar
com o filho de sua vizinha, mas os novos rumos que Ludovic dá para sua vida surpreendem
sua própria família e os vizinhos, que não conseguem aceitar, de fato, a felicidade, os desejos
e a real identidade de Ludovic.
FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-12213/>.
2) ELVIS & MADONNA (2010) – Simone Spoladore (Lavoura Arcaica) é Elvis, fotógrafa de
coração e entregadora de pizza por necessidade. Logo em sua primeira entrega ela conhece
Madona (Ígor Cotrim), um travesti que enfrenta problemas com o amante João Tripé (Sérgio
Bezerra). É o início de uma amizade que, pouco a pouco, se transforma em amor.
FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-202462/>.
178
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
LEITURA COMPLEMENTAR
Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas
179
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
inúmeras máquinas que nos vigiam e nos atendem nos bancos, nos supermercados
e nos postos de gasolina? Vivemos mergulhados em seus conselhos e ordens,
somos controlados por seus mecanismos, sofremos suas censuras. As proposições
e os contornos delineados por essas múltiplas instâncias nem sempre são coerentes
ou igualmente autorizados, mas estão, inegavelmente, espalhados por toda a parte
e acabam por constituir-se como potentes pedagogias culturais. Especialistas das
mais diversas áreas dizem-nos o que vestir, como andar, o que comer (como e
quando e quanto comer), o que fazer para conquistar (e para manter) um parceiro
ou parceira amoroso/a, como se apresentar para conseguir um emprego (ou para
ir a uma festa), como ficar de bem com a vida, como se mostrar sensual, como
aparentar sucesso, como... ser.
180
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Como parte de tudo isso, vem se afirmando uma nova política cultural,
a política de identidades. Muito especialmente a partir dos anos 1960, jovens,
estudantes, negros, mulheres, as chamadas minorias sexuais e étnicas passaram a
falar mais alto, denunciando sua inconformidade e seu desencanto, questionando
teorias e conceitos, derrubando fórmulas, criando novas linguagens e construindo
novas práticas sociais. Uma série de lutas ou uma luta plural, protagonizada por
grupos sociais tradicionalmente subordinados, passava a privilegiar a cultura
como palco do embate.
181
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
182
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Não se trata de negar a materialidade dos corpos, mas sim de assumir que
é no interior da cultura e de uma cultura específica que características materiais
adquirem significados. Como isso tudo aconteceu e acontece? Através de que
mecanismos? Se em tudo isso estão implicadas hierarquias e relações de poder, por
onde passam tais relações? Como se manifestam? Não, a diferença não é natural,
mas sim naturalizada. A diferença é produzida através de processos discursivos e
culturais.
Referências
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo. Educação &
Realidade. v. 22, n. 2, jul./dez. 1997. La Gandhi Argentina. Editorial, ano 2, n. 3, nov. 1998.
LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.
183
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
LEITURA COMPLEMENTAR
Em julho de 1975, veio ao Brasil com uma bolsa da USP, a fim de continuar seus
estudos. Defendeu sua tese em 1977. No mesmo ano, voltou a seu país, mas não
conseguiu permanecer lá por muito tempo. Regressou ao Brasil em 1979, para
trabalhar na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em 1980, iniciou a
segunda fase de sua carreira na USP. Em 2002, o governo brasileiro concedeu a
Kabengele Munanga o diploma de sua admissão na Ordem do Mérito Cultural, na
classe de Comendador.
Kabengele Munanga – Parece simples definir quem é negro no Brasil. Mas, num
país que desenvolveu o desejo de branqueamento, não é fácil apresentar uma
definição de quem é negro ou não. Há pessoas negras que introjetaram o ideal de
184
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Kabengele Munanga – Por ocasião dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares,
em 1995, começamos a discutir essa questão na USP, numa comissão criada pela
reitoria. Os movimentos negros, principalmente o Núcleo da Consciência Negra,
pleitearam o estabelecimento de cotas em nossa universidade. Contudo, afirmei
que não poderíamos discutir o sistema de cotas sem antes fazer uma pesquisa
preliminar em países que já têm experiência de cotas, como os EUA, o Canadá, a
Austrália ou a Índia. Naquela ocasião, apresentei essa proposta, mas ela não foi
levada adiante. No entanto, na base de um levantamento do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), um órgão do governo federal, conclui-se que realmente
há uma grande defasagem na escolaridade dos negros nas universidades brasileiras.
Infelizmente, porém, começamos a enfrentar a questão pelas cotas, a partir da
decisão do governador Anthony Garotinho, do Rio de Janeiro, que provocou uma
confusão muito grande, quando estabeleceu cotas nas universidades estaduais. No
entanto, mesmo num país com tantas desigualdades, as políticas universalistas não
resolvem o problema do negro. Para isso precisamos formular políticas específicas
contra as desigualdades, mas o caminho não deve ser necessariamente por meio
de cotas. Essa discussão, todavia, é importante, porque antes nem se tocava no
assunto. Escutei outro dia algo muito positivo quando alguém dizia que deveria
haver cotas para pobres. Ora, antes ninguém apresentou esse ponto de vista. O
que mais me surpreende é que jamais o movimento negro se disse contrário a
cotas para brancos pobres. A questão ainda está mal discutida, sendo formulada
num tom passional, tanto pelos negros como pelos intelectuais. A questão não
185
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Kabengele Munanga – Sim. Ao menos que o país diga que tem hoje uma outra
proposta emergencial melhor, que não abra mão de uma política universalista com
vistas ao aperfeiçoamento do nível do ensino básico. É bom lembrar que a escola
pública já apresentou melhor qualidade, mas o negro e o pobre não entravam nela.
Kabengele Munanga – Sim. Porém, vivo aqui há 28 anos e desde que cheguei
escuto esse discurso. Mas nunca vi luta política e social alguma para a melhoria
da escola pública. Só há o discurso. Mas o que fazer com a vítima? Esperar que
isso aconteça por milagre, ou pressionar a sociedade através de uma proposta:
como pelo menos cuidar da escola pública? A dúvida que tenho é a seguinte: num
país onde a privatização do ensino é cada vez maior e no qual o lobby das escolas
particulares é tão forte, só posso antever uma melhoria a longo prazo. Lembro-me
de que o primeiro processo contra as propostas de cotas no Rio de Janeiro veio do
sindicato das escolas privadas. Devido a essa tendência para a privatização das
escolas públicas, não acredito numa rápida melhoria delas. A desigualdade social
que existe há 400 anos não pode ser resolvida por meio de políticas universalistas.
É preciso, portanto, traçar políticas específicas para se encontrar uma solução. A
discriminação racial A palavra “social” incomoda-me muito. Quando dizem que a
questão do negro é uma questão social, o que quer dizer “social”? As relações de
gênero são uma questão social; a discriminação contra o portador de deficiência
é uma questão social; a discriminação contra o negro é uma questão social. Ora,
o social tem nome e endereço. Não podemos diluir, retirar o nome, a religião
e o sexo e aplicar uma solução química. O problema social tem de ser atacado
especificamente. A discriminação racial precisa ser urgentemente enfrentada. Nós,
negros, também temos problemas de alienação de nossa personalidade. Muitas
vezes trabalhamos o problema na ponta do iceberg que é visível. Mas a base
desse iceberg deixa de ser trabalhada. Estou aqui, como disse, há 28 anos. Vou a
restaurantes utilizados pela classe média e a centros de alimentação nos shoppings.
Encontro famílias brancas comendo (homem, mulher e filhos), mas dificilmente
estão ali famílias negras. Há uma classe média negra, mas que se autodiscrimina e
186
TÓPICO 2 | DISCUSSÕES DE CONTEÚDOS
Kabengele Munanga – Até onde eu saiba, não há uma linha de pesquisa sobre
gênero e raça. Há um núcleo de estudo da mulher, dirigido pela professora Eva
Blay. De vez em quando ela convida alguma jovem pesquisadora negra. Talvez
exista uma explicação histórica para isso, porque normalmente quem estuda
esse tema são as mulheres. Mas, não temos professoras negras de sociologia
ou de antropologia na Universidade de São Paulo. Entrei nela em 1980, como
professor, e nunca mais houve um outro professor negro no Departamento.
Lembro-me do dia em que Florestan Fernandes recebeu o título de professor
emérito e eu estava na fila para cumprimentá-lo. Eu não sabia que ele me
conhecia. Por isso assustei-me quando ele me disse que estava muito contente
com a minha presença naquela solenidade. Pois fora informado de que ali
estava um negro que nem era brasileiro. Um antropólogo em dois mundos.
Fui alfabetizado na minha língua materna, mas no fim do primeiro grau começou
o ensino em francês. O resto do curso foi em francês. Isso porque, com mais de
duzentas línguas, não era possível escolher uma para ser a língua nacional. Todos
os alfabetizados falam francês.
188
RESUMO DO TÓPICO 2
• O mito da democracia racial propõe que todas as raças e/ou etnias existentes
no Brasil estão em pé de igualdade sociorracial e que tiveram as mesmas
oportunidades desde o início da formação do Brasil.
189
• A ideia de que o sexo é natural vai ganhando cada vez mais camadas que nos
fazem repensar e estudar mais a questão. De alguma maneira nascemos com
certo sexo, mas isso não significa que ao longo dos anos vamos nos identificar
com ele.
• Quem gosta de pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto, essas pessoas são
chamadas de bissexuais (ou biafetivas). E existem aqueles que são assexuais (não
se sentem atraídos por nenhum dos sexos) e os pansexuais (atração emocional
independente do gênero).
• Os liceus femininos foram criados em 1880, com forte resistência, pois havia o
receio de que as meninas pudessem ser mais subversivas ao estudarem.
190
AUTOATIVIDADE
191
superior em 2014 ainda era menor do que o de brancos no ensino superior
dez anos antes. Já entre os jovens de 15 a 29 anos que não trabalhavam nem
estudavam, 62,9% eram pretos ou pardos.
FONTE: Disponível em: <http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1
&idnoticia=3050&busca=1&t=sis-2015-desigualdades-genero-racial-diminuem-uma-decada-
ainda-sao-marcantes-brasil>. Acesso em: out. 2016.
192
UNIDADE 3
TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
193
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Qual a natureza dos riscos de hoje, que Boas trabalhava? Para ele,
a realidade de seu tempo apontava um risco para os povos do futuro e para o
futuro da própria civilização. A razão era que a nossa sociedade e a escola que
lhe é própria não desenvolvia – e não desenvolve – mecanismos democráticos,
perante as diversidades social e cultural, como relata Gusmão (1997) em seu artigo
Antropologia e a educação: origens de um diálogo.
194
TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
O professor não deve levar ao aluno uma interpretação fechada, mas sim
os relatos, os dados pertinentes para o conhecimento de uma situação de forma
tão flexível quanto possível (IANNI, 2011). Uma das atividades do professor seria
auxiliar o estudante a pensar livremente, criticar aquilo que está sendo apresentado.
Em qualquer disciplina, Política, Economia, Sociologia e nas outras Ciências
Sociais. Os professores, uns conscientemente e outros não tão conscientemente,
possuem uma posição política, mesmo aqueles que se dizem neutros. Ser neutro
é uma posição política também. Por isso é que o espírito crítico necessita estar
presente também na crítica do educador.
195
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
196
TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
197
UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
198
TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
DICAS
O aluno Maruge lutou pela liberdade de seu país, foi preso e torturado. Em 2003,
após ouvir um comunicado do governo sobre um programa de "Educação para todos",
decidiu se matricular em uma escola primária. Na ocasião, Maruge tinha 84 anos. O filme "O
Aluno" é baseado na história real de Kimani Maruge Ng'ang'a, que, com o sonho de aprender
a ler e escrever, lutou para entrar e permanecer na escola acostumada a receber crianças
de aproximadamente seis anos. A história do idoso sendo alfabetizado ao lado de crianças
ganhou repercussão nacional e provocou a revolta de moradores da região.
LEITURA COMPLEMENTAR
1- O IMPACTO DO DIFERENTE
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
uma matéria da revista Veja a respeito dos negros de classe média. Algumas
pessoas ficaram satisfeitas pela visibilidade dada à população negra, outras pela
construção de uma imagem positiva do negro e houve até aquelas que afirmaram
que a matéria veio confirmar o fato de que, no Brasil, não existe racismo.
Diante de tão diferentes e veementes afirmações, comecei a refletir a respeito das
representações sobre o negro subjacentes às diversas interpretações partilhadas por
essas pessoas tão ciosas em relação às diferenças e, mais precisamente, à diferença
racial. Sem querer entrar no mérito de cada julgamento, achei muito interessante
as diferentes reações e interpretações das pessoas sobre a matéria.
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TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
Por isso, falar sobre a diversidade cultural não diz respeito apenas ao
reconhecimento do outro. Significa pensar a relação entre o eu e o outro.
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
Isso não quer dizer que é só a partir desse movimento no campo da educação
que a escola passou a conviver com a diversidade cultural. Esse é um dos perigos
de se pensar a diversidade cultural como um tema transversal (que hoje está na
moda). Muito mais do que um tema, a diversidade cultural é um componente do
humano.
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TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
Por mais que ela se torne um fato cada vez mais presente da nossa vida
cotidiana devido à maior proximidade com os modos de ser, de ver e de existir
distintos, a consciência da diversidade nos coloca diante de impasses políticos,
morais e teóricos de difícil equacionamento. Por isso, assumir a diversidade
cultural significa muito mais do que um elogio às diferenças. Representa não
somente fazer uma reflexão mais densa sobre as particularidades dos grupos
sociais, mas, também, implementar políticas públicas, alterar relações de poder,
redefinir escolhas e questionar a nossa visão de democracia. Será que estamos
dispostos a aceitar esse desafio?
FONTE: Disponível em: <http://www.mulheresnegras.org/nilma.html>. Acesso em: 15 maio 2017.
LEITURA COMPLEMENTAR
1. OBRIGATORIEDADE OU RECONHECIMENTO?
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TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
Contudo, a realidade vivida pelos professores não contribui para essa luta,
já que parte deles não apresenta conhecimento necessário da história e cultura
afro-brasileiras e indígena, nem experiência suficiente com questões étnico-raciais
para ministrar aulas. Além disso, o ensino público, tanto quanto o particular, tem
se mostrado omisso ante o dever de respeitar a diversidade racial, ora em razão
de uma má interpretação de como ensinar esse tema em sala de aula, ora pela falta
de conteúdo disponível nos livros didáticos ou, ainda, pela falta de interesse dos
diretores de escola em autorizar atividades extraclasse.
Indolente o indígena era, sem dúvida, mas também era capaz de grandes
esforços, podia dar muito de si [...] A mesma ausência de cooperação,
a mesma incapacidade de ação incorporada e inteligente, limitada,
apenas pela divisão do trabalho e suas consequências, parece terem os
indígenas legado a seus sucessores. 2
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UNIDADE 3 | TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
essa corrupção não foi pela negra que se realizou, mas pela escrava.
Onde não se realizou através da africana, realizou-se através da escrava
índia.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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TÓPICO 3 | ANTROPOLOGIA: POR UMA EDUCAÇÂO INCLUSIVA
do período colonial, com raras citações aos reinos africanos e, mesmo quando
presentes, interligadas ao tema da escravidão, pondo de lado o estudo da história
da África e dos africanos, como preconiza a Lei nº 11.645, de 10 março de 2008.
É preciso que nossos dirigentes e educadores entendam que tal lei nos faz
reconhecer que negros e índios não surgiram sob a face da Terra a partir de 22 de
abril de 1500 e que suas histórias antes de tal data se desenvolveram, à parte, na
história dos portugueses no Brasil. Também o ensino da religião e cultura afro-
indígenas poderia ser abordado de maneira um pouco mais contundente, sem se
limitar ao já tão explorado universo do sincretismo religioso e da musicalidade dos
ritmos. Diante do exposto, torna-se necessário:
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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você estudou que:
• Entre os anos 1920 e 1950, muitos antropólogos envolvidos com temas voltados
para a educação travaram discussões com as abordagens de Freud e Piaget.
• O professor não deve levar ao aluno uma interpretação fechada, mas sim os
relatos, os dados pertinentes para o conhecimento de uma situação de forma tão
flexível quanto possível.
• Ser neutro é uma posição política também. Por isso é que o espírito crítico
necessita estar presente também na crítica do educador.
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AUTOATIVIDADE
1) Será que, na escola, estamos atentos à questão racial, a partir da primeira
leitura do texto da professora Nilma Lino Gomes? Será que incorporamos essa
realidade de maneira séria e responsável quando discutimos, nos processos de
formação de professores, sobre a importância da diversidade cultural?
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212
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