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A Postura Perversa É A Impostura
A Postura Perversa É A Impostura
É que a perversão é algo totalmente diferente de uma entidade clínica: ela é um certo modo
de pensar. Um pensamento cuja essência demonstrativa decorre das relações do perverso com a
fantasia e com a Lei. 2 (ANDRÉ, 1995, p. 312)
1
Trabalho apresentado no XIII Fórum Internacional de Psicanálise, Belo Horizonte, agosto de 2004
* Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico da Bahia.
2
A Impostura perversa, p. 312.
3
Este trabalho retoma a palestra apresentada na abertura da XIV Jornada do Círculo Psicanalítico da Bahia
sobre “O viés perverso da Sexualidade”, out. 2002. In: Revista Cógito, Salvador, n. 05, p. 11-17, para
focalizar a questão da perversão como discurso.
rência abafando o caso. Segundo a mãe, equipado com espelhos através dos
o referido aluno tem relações de ami- quais os estudantes assistem às sessões
zade com a diretoria do colégio. para posterior discussão.
Theo não nega seu ato. Todavia,
como justificativa, alega que Ana ha- Da impostura uma leitura
via feito uso de roupas provocantes du-
rante uma atividade teatral promovida Será que assistimos no caso de Atis
pelo colégio. Ele coloca em dúvida a ao nascimento de um fetiche? Que es-
retidão moral da moça e a acusa de trutura resultará dessa dinâmica Edípica
envolvimento amoroso com professores. que se apresenta em pleno curso?
O fato parece ter desestruturado os Na cena dos adolescentes, poderí-
pais. Eles se mostram bastante confu- amos tomar o ato de Theo como um
sos. O pai, que exige da filha uma rea- ato perverso?
ção ao ataque, desaparece, e, por al- E o analista que, em nome de um
guns dias, fica sem dar notícias. Isso ensino, convida o paciente a partici-
acontece após uma viagem de traba- par de uma cena que envolve a expo-
lho subseqüente ao fato. A relação sição da intimidade terapêutica a ou-
entre os cônjuges transforma-se e fica vidos e olhares indistintos: que desejo
permeada por constantes disputas e o move nessa proposta de escuta assis-
ofensas. A mãe, revoltada com o que tida? Que posição ética justificaria tal
aconteceu à filha e devido ao desapa- ato? Que efeitos podem surgir no paci-
recimento do marido, reage atacando ente - e no analista - que se instala
o marido. Ele, monossilábico, parece numa sala cheia de espelhos, sabendo
muito deprimido e frágil e se defende que é observado por outrem?
dizendo que já está “em análise”. Como nosso tempo é exíguo neste
Ana vem para a entrevista e repe- artigo, tentarei fazer uma leitura des-
te ao pé da letra o relatório feito pela ses discursos, isolando seus efeitos en-
mãe, à exceção do discurso sobre o quanto modalidades perversas que se
poder fálico que esta havia desenvol- expressam na estrutura do discurso do
vido em causa própria durante a pri- sujeito, como propõe Serge André
meira entrevista. Cabe mencionar que, (1995).
essa mãe é uma mulher extremamente Tomemos inicialmente o discurso
altiva e atraente; enquanto o pai é um da criança. Não é permitido levar os
homem franzino e apagado, que se brinquedos do consultório para casa,
mostra arrasado pela situação. digo-lhe. Ao que ela acrescenta na se-
qüência: “Só se eu ...” Que equivaleria
O analista à fórmula: Não existe um pênis na
mulher. Só se eu ... colocar um véu de
Uma faculdade de Psicologia, em longos cabelos onde há o pênis... que
Salvador, propõe aulas práticas de psi- não existe. Podemos perceber aí uma
canálise. A faculdade oferece atendi- estrutura discursiva que permite jogar
mento terapêutico chamado de psica- com a verdade da castração em nome
nalítico. Através de um termo de da verdade subjetiva. Desta forma, evi-
consentimento assinado no início do ta-se a vivência da angústia através de
acompanhamento, o paciente aceita uma argumentação que desmente a
submeter-se à análise num ambiente castração.
A mãe não tem pênis, mas, ainda Sabemos que o amor é a moldura
assim, ela é fálica. E o véu do fetiche do gozo. Na relação mãe/filho, trata-
sustenta tal verdade como um substi- se do gozo da mãe com o todo do cor-
tuto que cobre a ausência com uma po do filho; e do gozo do filho, com as
presença reiterada: bonecas de cabe- partes do corpo todo da mãe, pois, nesta
los longos, roupas e objetos que cobrem relação, a mãe é “toda”. Ser o falo da
os corpos para iludir a falta fálica. mãe implica sempre uma destituição
Guy Clastres diz que subjetiva e a impossibilidade de obter
um falo próprio (3° tempo do Édipo).
[...] só se desmente a verdade e em Ser, encenar, vestir-se ou fazer-se de falo
nome da verdade [...] O perverso é sustenta a existência da mãe como
aquele que na sua estrutura clínica, fálica, e não a do filho. O condiciona-
de uma parte reconhece a castração mento desta relação pode desembocar
materna e, ao mesmo tempo, funcio- na perversão. No caso de Atis, parece
na no sentido de desmenti-la. Seu ato que ele trata de denunciar, ao mesmo
é sustentado subjetivamente por uma tempo em que, desmente a castração
relação ao desmentido, contraria- feminina – tanto da mãe quanto da
mente ao que se passa no lado neu- irmã – e, assim, proteger-se da própria
rótico. Poder-se-ia dizer que no caso castração.
do desmentido há um NÃO que re- No caso dos adolescentes, nota-
mete, ao mesmo tempo, a um SIM, mos uma estrutura discursiva semelhan-
mas também a um NÃO. 8 te. Tal estrutura, se não corresponde à
(CLASTRES, 1999, p. 32-33). perversão enquanto estrutura clínica,
pode, no mínimo, encontrar corres-
pondência no que chamamos de traço
Diante disto, lembramos o que a cri- de perversão; ou seja, um comporta-
ança nos diz: Complicado é ter pinto. Não mento sexual montado sobre uma fan-
ter pinto, não é. Quem não tem nada, nada tasia que veicula um gozo. Isto pode
tem a perder e não sofre a angústia de ocorrer em qualquer estrutura clínica.
castração. Gerard Pommier articula o Mas, neste episódio em particular, po-
gozo fálico à perversão e ao desejo da mãe: demos extrair pelo menos dois efeitos
compatíveis com o ato perverso. O pri-
Através de cada uma de suas falas, meiro é um efeito de gozo implicado
uma mãe reclama algo cuja signifi- na finalidade do ato, que é de provo-
cação permanece incompreensível, e car a divisão subjetiva do outro. A di-
se o corpo da criança deve responder visão do outro permite ao sujeito go-
a essa demanda, aquilo que ela diz zar, resguardado da angústia de
provocará uma inquietude. O pesa- castração; é o outro que se choca, é o
delo primeiro, a fobia, a angústia de outro que sofre o horror de se consta-
um despedaçamento, se reúnem nes- tar castrado e impotente, enquanto o
se temor de que o corpo seja aprisio- sujeito permanece sem divisão. É o tri-
nado, engolido pelo furo escavado unfo sobre a angústia de castração.
pelas palavras de seu amor [...] 9 O segundo efeito é ético e permeia
(POMMIER, 1987, p. 129). o argumento através do recurso à
8
Ato neurótico e ato perverso. In: Folha, São Paulo, p. 32-33. Publicação da Clínica Freudiana, 1990.
9 Gozo fálico, Perversão. In: A exceção feminina – Os impasses do gozo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. p. 129.
11
Grifos nossos. p. 78.
12
A Impostura perversa. p. 46.
13
O Seminário. Livro 11, p. 151.
14
História de uma neurose infantil. v. XVII. E.S.B., 1918.
15
Sobre esta questão ver o texto de Lacan Kant com Sade, In: Escritos. p.776
16
A Impostura perversa, p. 312.
Keywords
Perversion. Speech. Castration. Scopic
instinct. Child. Adolescent. Analyst.
Referências