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INFORMAÇÃO E COMUNIÇÃO*
Peter Burke
"La cité est un espace d'information où les habitants s'organisent pour mieux savoir, pour défaire
utilidade, nesta sociedade, estudar em períodos mais remotos a informação, sua coleta, registro,
recuperação, disseminação e ocultamento. Talvez seja útil até mesmo ver o passado, como fazem
muito que dizer sobre as cidades. Manuel Castells, por exemplo, autor de um estudo recente de
*
Nota: Esta tradução é de Francisco de Castro Azevedo.
1
Mark Poster, The mode of information (Cambridge, 1990).
2
Manuel Castells, The informational city (Londres, 1989).
grandes cidades, notadamente Veneza, Roma, Amsterdã, Paris e Londres. Por "grandes" cidades
entendo aquelas com população de cem mil habitantes ou mais, um grupo que se expandiu de no
máximo cinco na Europa em 1500 para pelo menos 25 em 1800, época em que Londres se
Este ensaio especulativo irá concentrar-se nas cinco cidades mencionadas. Ressaltará mais
as tendências comuns do que as variações ou contrastes locais entre cidades portuárias e capitais,
cidades do norte e do sul, católicas e protestantes etc. A escolha de grandes cidades não significa
que não tenham ocorrido mudanças expressivas na informação em outros lugares. A razão para
focalizá-las está simplesmente no fato de que nelas se encontra um volume maior de informação
e uma variedade mais ampla de instituições especializadas em sua difusão. O artigo divide-se em
três partes, que tratam respectivamente da difusão da informação no interior da cidade, da cidade
comunicações.
O ponto de partida será uma espécie de inventário dos recursos informacionais urbanos, a
começar pela palavra oral. As cidades há muito foram associadas com a capacidade de ler e
escrever, mas eu gostaria de lembrar que a comunicação oral predominou nos primórdios da
historicamente relevante, no sentido de que boatos e fofocas são impermeáveis à história, pois
interessam pela mudança ao longo do tempo em sociedades específicas. Mas o ponto que eu
gostaria de enfatizar é que os boatos e as fofocas mudam ao longo do tempo em razão das
comunicação. Já foi dito, por exemplo, que o "mais importante veículo de persuasão" empregado
pelo governo inglês no período de 1534 a 1554 foi o púlpito do adro da catedral de St. Paul em
Londres. 4
os homens, como o salão mantido pelo poeta-barbeiro Burchiello na Florença do século XV. As
fontes públicas desempenhavam as mesmas funções para as mulheres, enquanto as praças eram
acessíveis a ambos os sexos. Como o suq do Oriente Médio, os mercados das principais cidades
européias também devem ser vistos como centros de informação. 5 Havia locais centrais para o
Rialto para as notícias econômicas e a Piazza San Marco para notícias políticas.
O crescimento das cidades européias entre 1500 e 1800 criou condições excepcionais para
a disseminação das notícias orais. À medida que as cortes, que sempre foram centros de fofocas,
3
Michèle Fogel, Les cérémonies de l'information dans la France du 16e au 18e siècle (Paris, 1989).
4
Millar Maclure, The Paul's Cross sermons (Toronto, 1958), p. 20.
5
Ver Clifford Geertz, "Suq", em Clifford Geertz, Hildred Geertz e Laurence Rosen (orgs.), Meaning and order in
Moroccan society (Cambridge, 1979).
etc. - as informações políticas passavam a ser canalizadas para as cidades com maior rapidez do
que no passado.
Esta foi talvez a razão da importância dos "pânicos morais", nos quais temores coletivos
se cristalizavam sob a forma de boatos, como o da "conspiração papal" para assassinar o rei
Carlos II (1678) ou de que se raptavam crianças em Paris (1750). É provável que histórias desse
tipo tenham sido contadas com freqüência, mas raramente foram amplificadas de maneira tão
Uma mudança mais visível neste período foi o aparecimento de vários especialistas em
tipos particulares de comunicação oral. Entre eles se incluíam os corretores de bolsas de valores;
os guias profissionais ou ciceroni, que mostravam Roma, Veneza ou Paris aos visitantes; os
tavernas - na Paris do século XVII, por exemplo, Saint-Aman e outros poetas boêmios
salons parisienses organizados por grandes dames, como a marquesa de Rambouillet, cujo círculo
6
Arlette Farge e Jacques Revel, Logiques de la foule (Paris, 1988; trad. ingl. The rules of rebellion, Cambridge
1991).
7
Sobre Roma, Gérard Labrot, Un instrument polémique (Lille e Paris, 1978), p. 191, 203; sobre Londres, Lawrence
Stone, Road to divorce (Oxford, 1990).
transformação das cidades em lugares da moda habitados pela nobreza pelo menos durante parte
do ano.
Outra instituição nova que contribuiu para tipos particulares de comunicação oral foi a
bolsa de valores - em Antuérpia (antiga bolsa em 1515, nova bolsa em 1531), Amsterdã, Londres
etc. - , que se desenvolveu a partir da tradição do suq do Oriente Médio e, mais imediatamente,
da lonja, que foi o ponto de encontro de mercadores no final da Idade Média na Espanha. Outro
fenômeno importante do período foi o aparecimento dos cafés. Não se tratava, evidentemente, de
uma invenção européia, mas da adaptação ao modo de vida ocidental de uma instituição que se
difundiu no Oriente Médio no século XVI. 9 Essa adaptação parece ter-se iniciado em Veneza,
mas logo espalhou-se pela Europa inteira. O primeiro café de que se tem notícia em Londres
O café de Covent Garden, freqüentado pelo poeta inglês John Dryden e seus colegas
intelectuais (os wits, como se chamavam na época), era uma espécie de salão para homens, e
observação semelhante cabe em relação a alguns dos clubes londrinos do século XVIII, como o
que uniu o Dr. Johnson com Reynolds, Goldsmith, Sheridan e outros. Esses grupos
proporcionavam um "espaço" ou "esfera" para discussões políticas, como foi sugerido por Jürgen
Habermas num estudo clássico sobre o tema e, no contexto da Paris do século XVIII, por Arlette
Farge, que atribui mais ênfase que Habermas à participação política popular. 10
8
Josephine de Boer, "Mens's literary circles in Paris 1610-60", Publications of the Modern Language Association, v.
53 (1938), p. 730-80; Carol Lougee, Le paradis des femmes (Princeton, 1976).
9
Ralph S. Hattox, Coffee and coffeehouses (Seattle, 1985).
10
Jürgen Habermas, Strukturwandel der Öffentlichkeit (Neuwied, 1965); Arlette Farge, Dire et mal dire: l'opinion
publique au 18e siècle (Paris, 1992).
pinturas das igrejas católicas, que ainda eram "a bíblia dos pobres"; ou na sinalização das lojas,
que possibilitavam aos analfabetos se orientarem na selva urbana; ou nas pinturas dos edifícios
públicos italianos, como as conhecidas pitture infamanti, que retratavam traidores ou falidos e
especialmente de rituais, religiosos ou cívicos (procissões, entradas reais etc.), e das atividades
relacionadas com esses rituais (fogueiras, fontes jorrando vinho etc.). A principal mudança desse
período, e certamente de grande importância, foi a substituição das ruas, praças e igrejas como
especificamente para esta finalidade, permanentes e cobertas. Entre elas estão os teatros
comerciais de Londres e Madri do final do século XVI, os teatros líricos da Veneza do século
mas não pelos historiadores urbanos, certamente estava relacionado com o aumento de tamanho
de certas cidades, que permitiu que atores, cantores e outros artistas permanecessem no mesmo
lugar e ainda assim pudessem representar para públicos diferentes todas as noites. Em Londres,
por exemplo, sabe-se que 27 espetáculos foram representados em 1600 e 24 em 1700, o que dava
Todavia, a maioria das mensagens destinadas aos olhos apresentava-se na forma escrita
ou impressa. Os doutos sentiam que era cada vez mais importante viver nas grandes cidades para
poderem realizar pesquisas sérias, pois era impossível alguém reunir condições para comprar
todos os livros que eram agora publicados, mesmo a respeito de um único tema. As bibliotecas
11
Gherardo Ortalli, Pingatur in Palatio (Veneza, 1979).
Veneza, Florença, Paris e Londres. No século XVII Roma, por exemplo, orgulhava-se não apenas
Para o restante da população alfabetizada, folhear livros nas bancas dos livreiros era
talvez a maneira mais eficaz de conseguir as informações que desejava. Algumas das grandes
dispunham de um quarteirão onde viviam os impressores e onde a informação impressa era mais
adro da catedral de St. Paul, o Temple Bar e o Royal Exchange; em Paris, o Palais-Royal, as
habitantes enquanto as notícias estavam ainda frescas. Roma teve seus avvisi a partir do século
XVI. A Gazette de Paris data do início do século XVII. Amsterdã tornou-se um centro de
produção de jornais a partir do início do século XVII, não apenas para seus cidadãos, mas
também para exportação. Londres começou mais tarde, mas depois da prescrição da lei de
licenciamento assumiu a liderança e, por volta de 1712, tinha pelo menos 20 jornais concorrentes
- em geral, uma única folha que saía uma vez por semana.
multimídia, no sentido de que podemos encontrar a cultura impressa e a cultura oral interagindo
nesses meios. Cartazes com as letras das baladas eram afixados nas paredes das tavernas para
ajudar os fregueses a se lembrarem delas - o karaokê do século XVII. Jornais podiam ser
vendidos nos cafés. O Evening Post, por exemplo, fundado em 1706, podia ser comprado em
12
Pietro Redondi, Galileo heretic (1983; trad. ingl. Princeton 1987), p. 80-6.
próprios cafés assinavam jornais, inclusive alguns de Paris e Amsterdã, e podiam ficar com até
cinco exemplares do London Gazette. Foi extremamente apropriado que o jornal do iluminismo
milanês, iniciado em 1764 e associado aos nomes de Beccaria e dos irmãos Verri, tivesse se
chamado Il Caffè.
urbano ainda mais inóspito para os analfabetos que antes. (Um ocidental perdido em Tóquio
oficiais multiplicavam-se nas esquinas das ruas ou nas portas das igrejas. Em Londres, a partir de
cerca de 1600, cartazes colocados nas ruas anunciavam peças teatrais. Os nomes das ruas
passaram a ser escritos com freqüência cada vez maior nas paredes. Os números das casas
tornaram-se cada vez mais comuns em Paris, Londres e em outros lugares, especialmente no
século XVIII. 13
As cidades podiam contar ainda com locais particulares tradicionalmente, embora não
preferidos para conversas confidenciais era o "Paul's Walk", ou seja, a nave lateral da antiga
catedral de St. Paul. Para comunicações escritas, o local mais famoso foi seguramente a praça de
Roma hoje conhecida como Piazza Pasquino, onde comentários mordazes contra o governo eram
colados em uma estátua clássica mutilada. Mas essas "pasquinadas" tinham seus paralelos em
outras cidades. Rialto, o centro comercial de Veneza, era o lugar favorito para comentários
políticos irreverentes, como o conhecido ataque ao doge Leonardo Loredan afixado no início do
século XVI - o desenho do doge e de seu filho com um balão de fala em que se lia: "Pouco
13
Farge (1992), p. 98s; Fogel (1989), p. 102s; Daniele Marchesini, Il bisogno de scrivere (Roma, 1992).
políticos eram tão comuns nas grandes cidades (e tão freqüentemente registrados em periódicos e
crônicas) que se poderia virtualmente basear uma história política dessas cidades nessa fonte. 14
Outras cidades tinham os seus equivalentes da Piazza Pasquino. Em Paris, pelo menos por
um curto período, o pedestal da estátua de Luís XIV na Place des Victoires foi o lugar preferido
dos grafiteiros subversivos, até que as autoridades cercassem a estátua com uma grade. Em
Londres, a porta de St. Paul foi o local favorito para a afixação de "denúncias", notadamente
críticas à Igreja, desde a época dos lolardos até a Reforma; em 1555, por exemplo, um
como ataques ao cardeal Wolsey, eram pregados no mesmo local. 15 Boletins informativos
determinados locais, como certos cafés de Paris no século XVIII. E, registre-se uma vez mais, nas
grandes cidades havia locais onde era possível encontrar livros proibidos.
informação, é muito fácil adotar o que se pode chamar de tom "triunfalista" e passar a impressão
de que tudo caminhou da melhor forma possível e de que a comunicação se tornou sempre mais
eficiente com o passar do tempo. Talvez seja mais realista discutir essas mudanças em termos de
necessidades, como respostas à confusão provocada pelo crescimento das grandes cidades.
14
Peter Burke, "The uses of literacy in early modern Italy", em Peter Burke e Roy Porter (orgs.), The social history
of language (Cambridge, 1987), p. 21-42.
15
Susan Bridgen, London and the Reformation (Oxford, 1989) p. 47, 129, 153-4, 166.
forma de uma pessoa ou de um livro. No início da Europa moderna, havia uma demanda de
ciceroni, como nos casos de Roma, Veneza e Paris, e também de livros-guia, como os de
Albertini para Roma (1510), de Sansovino para Veneza (1561) e de Bocchi para Florença (1591)
No século XVIII, esses livros-guia passaram a acrescentar à descrição das igrejas e das
obras de arte algumas informações práticas, do tipo como negociar com os condutores de
cabriolés ou quais ruas deviam ser evitadas à noite. 16 Essa informação desatualizava-se
rapidamente, de modo que não chega a ser surpresa constatar que, a partir de 1722, um guia de
Tariffa delle puttane (Veneza, cerca de 1535) era um diálogo em verso com os nomes, endereços,
atrações, críticas e preços de 110 cortesãs. 17 Foi seguido pelo catálogo de 1570 com 210 nomes, e
posteriormente por imitações que tratavam das atrações de Amsterdã e Londres. Nem sempre é
claro se esses guias se destinavam aos visitantes ou aos nativos, ou se de fato a intenção dos
autores era oferecer informações práticas ou pornografia, ou ambas as coisas. Pelo menos nos
Até mesmo os nativos das grandes cidades sentiam a necessidade cada vez maior de
orientação e informação sobre diversas formas de lazer ou sobre onde encontrar certos bens e
serviços. Para atender a esta necessidade, Théophraste Renaudot, mais conhecido como editor do
jornal oficial, a Gazette, criou em Paris o chamado Bureau des Addresses no início do século
16
J. C. Nemeitz, Sejour de Paris (Leiden, 1727, 2ª ed. 2 v.).
17
Barzaghi (1980), p. 155-91.
Esta versão do século XVII das páginas amarelas não duraria muito tempo, mas a idéia foi
retomada no final do século pelo boticário Nicolas de Blegny, que apresentou as informações na
forma impressa, desta vez com o título de Le livre commode des addresses de Paris (1692).
Blegny parece ter sido prudente em publicar esta obra de referência sob o pseudônimo de
Abraham du Pradel, porque ela foi logo suprimida devido às queixas de invasão de privacidade
por parte de algumas pessoas influentes cujos endereços haviam sido listados. 19
Mas a demanda por esse tipo de informação persistiu, e no século XVIII o projeto foi uma
vez mais reavivado. O cavaleiro de Mouchy, mais conhecido como distribuidor de boletins
informativos manuscritos, também organizou, por volta de 1750, um bureau d'addresses na rua
Saint Honoré. Informações sobre as atividades de lazer em Paris eram colocadas à disposição do
público no século XVIII em periódicos como Affiches de Paris, Journal des Spectacles e
concretizada em meados do século XVII por Samuel Hartlib, cujo Office of Address ou Agency
for Universal Learning tentava combinar os serviços práticos oferecidos por Renaudot com um
estrangeiro como Hartlib tinha razões para ser particularmente consciente da necessidade de
orientação em uma grande cidade. Seu projeto, como o de Renaudot, teve vida curta, mas,
também como Renaudot, teve imitadores. São exemplos o Office of Publick Advice em Londres
18
Howard M. Salomon, Public welfare, science and propaganda in seventeenth-century France (Princeton, 1972), p.
53-8.
19
Nicolas de Blegny, Le livre commode (1692; reimpr. Paris 1878).
20
Charles Webster, The Great Instauration (Londres, 1975), p. 67-77.
ou a central de inteligência estabelecida por um certo T. Mayhew em Londres, por volta de 1680,
no The Pea Hen, em frente a Somerset House, que se dedicava ao registro de imigrantes. As
agências de emprego ou "escritórios de registro" para criados tornaram-se cada vez mais comuns
tornaram-se parte regular e substancial de certos jornais. Eles incluíam a descrição de objetos
perdidos e de bens colocados à venda (até mesmo tinta de carvão) ou a oferta de serviços
(médicos charlatãos, por exemplo). Anúncios de livros - informação sobre informação - eram
freqüentes, aparecendo, por exemplo, toda semana nas páginas do The City Mercury a partir de
1675.22
editores, como a Collection of the names of the merchants living in and about the city of London
(1677); A new review of London, de R. Burrage (1722); The directory, or list of principal traders
in London, de J. Brown (1732; observe-se o uso do novo termo directory); The directory, de H.
Kent (1736); A complete guide to all persons who have any trade or concern with the city of
London (1740); New complete guide, de Baldwin (1768); The London register of merchants and
traders (1775); Merchants and tradesman's general directory, de Wakefield (1789). O diretório
comercial foi adaptado para o mundo social por P. Boyle, com The fashionable court guide, or
the town visit directory (1792). Esses diretórios há muito vêm sendo estudados pelos especialistas
em história econômica e social da cidade, mas também deveriam ser vistos como parte da
21
David Ogg, England in the age of Charles II (Oxford, 1934, 2 v.), v.1, p. 97.
22
R. B. Walker, "Advertising in London newspapers, 1650-1750", Business History, v. 15 (1973), p. 112-30.
outros refletem a tendência econômica e social descrita por J. H. Plumb como "a comercialização
do lazer". Essa tendência é visível tanto no carnaval de Veneza ou nas touradas de Madri do
século XVIII quanto nas lutas de boxe ou nos concertos públicos de Londres. 23
Naturalmente, as cidades não são apenas centros de informação sobre elas próprias, mas
locais onde se coletam e transmitem informações vindas de outros locais e sobre outros locais.
Essas informações podiam ser de grande valor, e no início da Europa moderna havia pessoas
dispostas a tudo para obtê-las, como aqueles quatro nobres da Veneza do século XV que
chegaram ao ponto de destelhar parte do palácio do Doge para ouvir um relatório confidencial
oriundo de Istambul. Na bolsa de valores, as últimas notícias das Índias Orientais, por exemplo,
tinham o poder de fazer subir ou descer rapidamente os preços de bens e ações. Sabe-se que
entanto, é óbvio que a leitura e a escrita de manuscritos não desapareceram com a invenção da
imprensa. Seria mais exato afirmar que os manuscritos perderam algumas de suas funções. No
leitura e escrita de cartas. Boa parte do comércio internacional estava nas mãos de uma diáspora
23
J. H. Plumb, The commercialization of leisure in eighteenth-century England (Reading, 1973); Peter Burke,
Popular culture in early modern Europe (London, 1978), p. 248-9; Neil McKendrick, John Brewer e J. H. Plumb,
The birth of a consumer society (London, 1982).
24
Jonathan Israel, "The Amsterdam Stock Exchange and the English Revolution of 1688", Tijdschrift voor
Geschiedenis, v. 103 (1990), p. 412-40.
Nuremberg, e filiais em Antuérpia, Londres, Lyon, Sevilha, Istambul etc. Uma das atividades
mais importantes das filiais era enviar notícias para as sedes, possibilitando assim a criação de
Uma vez mais, na esfera da ciência havia redes que atendiam aos interesses dos eruditos,
como as de Marin Mersenne em Paris, de Samuel Hartlib e Henry Oldenburg em Londres etc.,
redes essas que dependiam das funções dessas cidades como centros do crescente sistema postal.
Na área política, Veneza tornou-se um centro importante de informações, por ter sido uma das
embaixadores era coletar as informações que julgavam úteis para seu governo. Completada sua
detalhados, as chamadas relazioni, que eram lidas em voz alta no Senado e depois guardadas nos
arquivos estatais.
Contudo, no final do século XVI já era possível comprar cópias de alguns desses
Há muito mais o que dizer sobre as cidades mais importantes como centros de
comunicação impressa, de maneira que é melhor limitar este relato a dois exemplos, Veneza e
Amsterdã.
Por volta de 1500, tinham sido impressos mais livros em Veneza do que em qualquer
outra cidade da Europa - aproximadamente, 4.500 edições. No século XVI, a produção cresceu
para cerca de 15-17 mil edições, e o grande número de tipografias (cerca de 500) era uma das
25
Giorgio Doria, " Conoscenza del mercato e sistema informativo: il know-how dei mercanti-finanzieri genovesi nei
secoli xvi e xvii", em Aldo De Maddalena e Herman Kellenbenz (orgs.), La republica internazionale del denaro
(1986), p. 57-115.
26
Ugo Tucci, "Ranke and the Venetian document market", em Georg G. Iggers e James M. Powell (orgs.), Leopold
von Ranke (Syracuse, 1990), p. 99-107
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.8, n. 16, 1995, p.193-203.
atrações da cidade para Aretino e outros escritores profissionais da época (que introduziam uma
nova profissão: os poligrafi, que não dependiam de patrões). 27 Os livros eram impressos para
exportação e para o mercado interno, muitas vezes em línguas que não o italiano, como grego,
hebraico, árabe, croata e armênio, o que era possível graças às subculturas de imigrantes
estabelecidos na cidade.
Poder-se-ia dizer que era lógico que Veneza se tornasse um centro de impressão, pois já
era um centro para outros tipos de comunicação, por ser um porto internacional e a capital do que
ainda era em parte um império marítimo. Como uma espécie de corretor entre o Oriente e o
Império Otomano. O venezianos viajavam para Alexandria, Alepo, Tana, Pérsia, Índia e até
Essa função comunicativa declinou no século XVII por várias razões, duas das quais
chamam mais a atenção. Em primeiro lugar, a tolerância veneziana para com outras culturas e
religiões, a atitude prática do "viva e deixe viver" dos mercadores, foi abalada pelo difusão da
livros heréticos ou indecentes do estrangeiro. Tipógrafos como Gabriel Giolito transferiram seus
27
Claudia Di Filippo Bareggi, Il mestiere di scrivere: lavoro intellettuale e mercato libraio a Venezia nel '500 (Roma,
1988).
28
Paul Grendler, The Roman Inquisition and the Venetian press, 1540-1605 (Princeton, 1977); Lucien Bély, Espions
et ambassadeurs (Paris, 1990), p. 98, 253s.
importância de Veneza como centro de informação e centro comercial, porque deslocou o centro
informação depende claramente das rotas comerciais. Era, portanto, a vez de outra cidade, com
famoso modelo de Braudel da seqüência das cidades comerciais européias pode ser aplicado à
informação, que era e continua sendo um bem comercializável. Nessa função, e também na do
comércio internacional em geral, Veneza foi sucedida por Antuérpia e esta por Amsterdã. 29
Como a Veneza do século XVI, a Amsterdã do século XVII era um abrigo seguro para os
espanhóis e portugueses, europeus do leste etc. Entre 1650 e 1700, Amsterdã tornou-se o maior
centro europeu de produção de livros. O centro do centro era a tipografia da família Blaeuw, uma
das atrações turísticas da cidade, mencionada em guias do século XVII para visitantes, que
teciam comentários sobre as 15 máquinas impressoras - nove para texto e seis para ilustrações,
uma vez que os atlas eram a especialidade da firma. Amsterdã também foi descrita como o
impressos, por exemplo, eram produzidos em inglês, francês e alemão, enquanto as gazetas
Amsterdã publicavam livros para exportação não apenas em francês, alemão e inglês, mas
29
Fernand Braudel, Le temps du monde (Paris, 1979).
30
Isabella H. van Eeghen, De Amsterdamsche boekhandel, 1680-1725 (Amsterdã 1960-78, 5 v. de 6); Folke Dahl,
"Amsterdam: earliest newspaper centre of Western Europe", Het Boek, v. 25 (1939).
31
Bély (1990), p. 259.
fontes tipográficas entalhadas pelo impressor húngaro Miklós Kis. Os impressores de Amsterdã
vendiam bíblias na Inglaterra mais barato do que as produzidas localmente. Um dos principais
livreiros de Amsterdã, Jan Janssonius, abriu filiais em Frankfurt, Berlim, Leipzig, Danzig,
Copenhagen e Estocolmo. Assim, Amsterdã pôde ser e foi descrita como um "entreposto
intelectual", cuja riqueza dependia em grau considerável da venda de informações. A tese que
vem sendo afirmada ao longo deste paper é de que todas as grandes cidades européias podem ser
XVIII, o que foi destacado por Habermas. Amsterdã foi um centro importante de produção e
(procissões, petições, panfletos etc.). Na França, naturalmente, o final do século XVIII foi um
grande momento, antes e depois da Revolução. Na década de 1770, o novo jornal Annales
Politiques vendia 20 mil exemplares. Nos últimos seis meses de 1789 foram fundados 250
Uma das questões mais difíceis e interessantes com respeito aos primórdios da Europa
moderna é se, e até que ponto, esta parte do mundo deve ser vista como parte de uma unidade
maior. Braudel, por exemplo, apontou semelhanças entre tendências da população da Europa e da
32
David W. Davies, "The geographical extent of the Dutch book trade in the seventeenth century", Library
Quarterly, v. 22 (1952), p. 200-13; Graham C. Gibbs, "The role of the Dutch Republic as intellectual entrepot of
Europe in the seventeenth and eighteenth centuries", Bijdragen en Mededelingen betreffende de Geschiedenis van de
Nederlanden, v. 86 (1971), p. 323-49; W. D. Smith, "Amsterdam as an information exchange in the seventeenth
century", Journal of Economic History, v. 44 (1984), p. 985-1005.
33
Jeremy D. Popkin, Revolutionary news: the press in France 1789-99 (Durham, NC, 1990).
comparações, devemos nos voltar para as cidades do Japão Tokugawa, ou o Japão que vai do
Mutatis mutandis - casas de chá no lugar de cafés e teatros de bonecos (joruri) no lugar de
atores humanos - as principais tendências culturais e sociais na Europa e no Japão parecem ser
extremamente semelhantes. Nos séculos XVII e XVIII, três cidades japonesas em particular
cresceram de maneira muito rápida: a velha capital, Kyoto; o centro comercial Osaka; e a nova
capital Edo, depois Tóquio. Ao mesmo tempo, essas cidades desenvolveram novas formas de
cultura e comunicação. Entre elas, uma das mais importantes foi o kana-zoshi, o equivalente das
brochuras populares ocidentais. Esses livros eram impressos, não em caracteres chineses, mas em
cursivo silábico, mais simples e acessível a um número muito maior de pessoas. Pode-se avaliar o
êxito comercial dessa literatura popular pelo fato de que em 1626 existiam pelo menos 50
Os centros da nova cultura popular urbana eram os quarteirões do prazer das três grandes
cidades - Shimabara, Shimamachi e Yoshiwara. Muitos dos kana-zoshi descreviam este "mundo
34
Fernand Braudel, Les structures du quotidien (Paris, 1979), cap. 1.
35
Howard Hibbett, The floating world in Japanese fiction (Londres, 1959); Richard Lane, Masters of the Japanese
print (Londres, 1962).
Braudel podem ser explicadas por mudanças na ecologia global. No entanto, as tendências
paralelas na cultura parecem mais misteriosas. Pode-se excluir a explicação com base em
conexões, dado que o final do século XVII foi um período em que a comunicação entre a Europa
explicação pelos efeitos da rápida urbanização na cultura soa mais convincente, mas acarreta o
Emmanuel College.